o individualismo e os intelectuais

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O Individualismo e

os Intelectuais

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universidade de são paulo

Reitor Marco Antonio Zago Vice-reitor Vahan Agopyan

editora da universidade de são paulo

CoMissão EditoriAl Presidente rubens ricupero Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa dantas Chester luiz Galvão Cesar Maria Angela Faggin Pereira leite Mayana Zatz tânia tomé Martins de Castro Valeria de Marco

Editora-assistente Carla Fernanda Fontana Chefe Téc. Div. Editorial Cristiane silvestrin

Biblioteca durkheimiana, 1

Page 5: O Individualismo e os Intelectuais

émile durkheim

O Individualismo e os Intelectuais(Edição Bilíngue e Crítica)

organização e EdiçãoMarcia consoliM

Márcio de oliveira

raquel Weiss

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Copyright © 2016 by organizadores

Ficha catalográfica elaborada pelo departamento técnico do sistema integrado de Bibliotecas da usp.

Adaptada conforme normas da Edusp.

durkheim, Émile, 1858-1917.o individualismo e os intelectuais / Émile durkheim;

organização e edição Marcia Consolim, Márcio de oliveira, raquel Weiss. Edição bilíngue e crítica. são Paulo: Editora da Universidade de são Paulo, 2016.

192 p.; 21 cm. (Biblioteca durkheimiana, 1)

inclui biobibliografia, índice temático e índice onomástico.isBN 978-85-314-1595-1 1. sociologia. 2. individualismo. 3. durkheim, Émile,

1858-1917. i. Consolim, Marcia. ii. oliveira, Márcio de. iii. Weiss, raquel. iV. título. V. série.

cdd 301

direitos reservados à

Edusp – Editora da Universidade de são Paulorua da Praça do relógio, 109-A, Cidade Universitária05508-050 – são Paulo – sp – Brasildivisão Comercial: tel. (11) 3091-4008 / 3091-4150www.edusp.com.br – e-mail: [email protected]

Printed in Brazil 2016

Foi feito o depósito legal

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Para Bill Pickering

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Apresentação da Coleção

sergio Miceli

A iniciativa da Biblioteca durkheimiana revela a saudável ambição de uma nova geração de pesquisadores brasilei-ros. Além de traduções caprichadas de textos da Escola

sociológica Francesa, os organizadores planejam edições críticas e bilíngues. tal intento consiste em restituir, em primeiro lugar, a história do texto, confrontando, se necessário, as várias edições publicadas pelo autor em vida. o aparato crítico inclui um dossiê de artigos produzidos por especialistas e anexos documentais per-tinentes (resenhas, cartas etc.). o leitor é instigado a assumir uma resposta calibrada, averiguando as escolhas dos tradutores e tendo à disposição instrumentos para ir além.

outro ponto digno de nota é o resgate de integrantes menos conhecidos dessa “Escola”. Embora reconhecessem Émile durkheim como patrão e patrono, os durkheimianos lograram posição des-tacada no seio da Universidade Francesa da época por meio de um trabalho coletivo, dimensão a ser resgatada, em vez da redução fre-quente desse experimento intelectual aos chefes de escola. Evocar novos nomes, bem como trazer à tona outras facetas das figuras já conhecidas, permitirá certamente uma visão mais abrangente e circunstanciada do grupo e de seus integrantes.

A Biblioteca durkheimiana recusa a visão uniforme e chapa-da de uma tradição intelectual. longe de catequizar, vendendo o “clássico” como conjunto de fórmulas no atacado, ela enxerga certa tradição intelectual como objeto de investigação. Àqueles brinda-dos por esse manancial caberá a crítica da herança recebida, o que não dispensa autocrítica.

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Nota dos Coordenadores da Coleção

rafael faraco Benthienraquel Weiss

A Biblioteca durkheimiana é uma iniciativa do Centro Bra-sileiro de Estudos durkheimianos (www.durkheim-br.org). trabalhando em sintonia com o British Centre for durkhei-

mian studies (inglaterra), o laboratoire d’études durkheimiennes (Canadá) e o Centre for the study and documentation of religions and Political institutions in Post-secular society (itália), tal centro tem por finalidade promover uma reflexão crítica acerca da Escola sociológica Francesa, agregando, para isso, estudantes e pesquisa-dores de diversas áreas – sociólogos, filósofos, antropólogos, cien-tistas políticos, historiadores e linguistas. A presente Coleção é um dos meios para atingir essa finalidade.

tentando fugir do molde de uma tradução pura, a Biblioteca durkheimiana propõe ao público brasileiro e internacional edições bilíngues e críticas de textos pouco conhecidos ou já esgotados. importa aqui, sobretudo, fugir da ideia de um texto unívoco, se-dimentado na voz traduzida do autor, e, enfim, “clássico”. Afinal, nada mais perigoso para as ciências sociais que a celebração de uma tradição que vende fórmulas prontas para serem aplicadas. os textos têm uma história, a qual se manifesta em seu próprio cor-po (nas modificações engendradas por seus autores), nos suportes em que foram publicados (revistas, livros) e nas reações que vão aderindo ao original, tal qual um palimpsesto. É nesse cruzamento de diversas temporalidades, invariavelmente influenciado por con-tingências do momento, que é preciso situar-se para construir uma visão equilibrada e ponderada do que se lê. Eis aí o motivo para termos preservado o original com sua paginação (o que permite uma autonomia do leitor quanto à tradução), inserido anexos de época associados ao texto principal e, enfim, encomendado artigos de especialistas.

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Agradecimentos

os organizadores expressam aqui sua gratidão a todos aque-les que, direta ou indiretamente, viabilizaram a publicação deste volume: sergio Miceli Pessôa de Barros, rafael Faraco

Benthien, louis Pinto, susan stedman Jones, William Watts Miller, rhuany soares Faturi, ricardo Cortez lopes, luiz Henrique lopes do santos, Massimo rosati (in memoriam), steven lukes, Alexandre Goffmann, Karen Fields, Alexander riley, diego Villar, stephen robertson, Mike Gane, Jesse Carlson, Warren schmaus, William Pickering, Florence Poinsot, da société de l’histoire du protestan-tisme français (shpf), Mathias dreyfuss e a Editora da Universidade de são Paulo.

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Sumário

1. Apresentação do Volume 17

2. Nota sobre a tradução e o Aparato Crítico 35

3. O Individualismo e os Intelectuais (Edição Bilíngue e Crítica) 37

4. dossiê Crítico 67 4.1 durkheim, o intelectual como Mandatário do Universal 69 Louis Pinto 4.2 o século das “Grandes revistas” Parisienses: A Revue des deux mondes e a Revue bleue antes do Affaire 75 Marcia Consolim 4.3 o individualismo 85 Susan Stedman Jones 4.4 durkheim, um “intelectual” em defesa do “ideal Humano” 95 Raquel Weiss 4.5 “o individualismo e os intelectuais” de durkheim 107 William Watts Miller 4.6 Biobibliografia de Émile durkheim 123

5. Anexos 133 5.1 Após o Processo 135 Ferdinand Brunetière 5.2 A Elite intelectual e a democracia 169 Émile Durkheim 5.3 iconografia 173

6. sobre os Colaboradores 175

7. Índices 177

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Apresentação do Volume

Marcia consoliMMárcio de oliveira

raquel Weiss

“Nós acreditamos que nossas pesquisas não mereceriam sequer uma hora de nossos esforços se elas tivessem apenas um inte-resse especulativo.” Com essa frase, apresentada logo na intro-

dução de sua tese de doutorado, Émile durkheim afirma sua con-vicção de que a sociologia, como ciência, pode muito mais do que apenas descrever e explicar o real. Ela pode, inclusive, “ajudar-nos a encontrar o sentido segundo o qual devemos orientar nossa con-duta e a determinar o ideal para o qual tendemos confusamente”1.

se esse trecho não deixa claro em que sentido pode-se dar essa atuação, que transcende um interesse especulativo, nem tampouco de que modo a sociologia pode ajudar no processo de encontrar o melhor rumo para nossa conduta, ele ao menos evidencia que esta era uma questão central para o autor. Profundamente marcado pela influência de Charles renouvier, durkheim situava-se entre aque-les intelectuais e cientistas comprometidos com a consolidação da terceira república.

desde o início de sua trajetória intelectual, o jovem alsacia-no, oriundo de uma família judia, esteve profundamente envolvido com as questões e os valores republicanos que marcaram o destino da França. Ainda assim, foi apenas em 1898, com a publicação do texto “o individualismo e os intelectuais”, que o engajamento com os valores da terceira república foi explicitado. Nesse ensaio, mais do que em qualquer outro até aquele momento, durkheim mobiliza toda sua argúcia e todo seu conhecimento filosófico e sociológico para defender aquele que acreditava ser o único ideal moral válido e desejável para a sociedade francesa da época, e, de certo modo, para todas as sociedades ocidentais modernas: o ideal do “indivi-dualismo moral”, isto é, o ideal da dignidade humana.

1. Émile Durkheim, De la division du travail social, 1902, p. xliv.

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É importante ressaltar, contudo, que ele não afirmava que esse ideal seria uma “invenção da ciência”, ainda que esta tivesse a prerrogativa de fazê-lo emergir com maior clareza. Em durkheim há uma clara consciência de que não é a ciência que cria o ideal a ser seguido; ela apenas ajuda a mostrar que todos os ideais são sempre criações sociais e que alguns deles correspondem às necessidades e estruturas reais de uma sociedade em determinado momento. Eles são, portanto, desejáveis, enquanto outros dizem respeito a um estado de coisas passado ou simplesmente inexis-tente. Esse pressuposto teórico tem duas implicações. Por um lado, oferece-lhe elementos sociológicos para rejeitar posições que pre-conizam a conservação ou a reestruturação de instituições que foram importantes outrora, mas que já não teriam fundamento no quadro das novas condições sociais. Por outro lado, permite-lhe fazer uma defesa do ideal humano sem ter de assumir uma postura metafísica que pressuponha que tal ideal seja uma revelação de deus ou da razão. É por isso que, nesse texto, que tem um caráter propositivo e cientificamente engajado, a sociologia de durkheim mantém-se como elemento que sustenta todas suas posições. isso resulta em uma argumentação bastante original, a qual consiste em dizer que o ideal humano é uma criação social, e que, não obstante a fragilidade desse fundamento, trata-se do único ideal possível para evitar aquilo que seus detratores pensavam comba-ter, isto é, um estado de caos e de anomia. Em suma, durkheim apresenta nova fundamentação para o ideal do individualismo moral e, ao mesmo tempo, justifica a necessidade de sua defesa a partir das próprias condições de existência daquela sociedade, fazendo com que tanto sua origem quanto sua finalidade lhe se-jam imanentes.

o ensaio aqui publicado é uma peça singular no conjunto da obra durkheimiana, pois traz à tona elementos do espaço social e intelectual do qual autor fazia parte, de seu engajamento público e de sua teoria social2, permitindo-nos uma compreensão que vai além das interpretações canônicas baseadas exclusivamente nas grandes obras. Esse ensaio condensa as afirmações centrais de seus textos clássicos, tais como De la division du travail social (1893) e Le suicide (1897), e, ao mesmo tempo, prenuncia elementos cru-ciais que vieram a ser desenvolvidos mais tarde, culminando em

2. Os artigos de Louis Pinto, Raquel Weiss e William Watts Miller apresentam elementos que ajudam a reconstruir esse contexto histórico; para uma compreensão mais aprofundada a esse respeito, ver os textos indicados na Biobibliografia.

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Apresentação do Volume 19

Les formes élémentaires de la vie religieuse (1912)3, constituindo-se como uma ponte que une as preocupações iniciais de sua trajetória acadêmica às teses de sua fase mais madura. É precisamente em virtude de todas essas características que escolhemos este ensaio para inaugurar a Biblioteca durkheimiana.

* * *

o artigo “l’individualisme et les intellectuels” foi originalmente publicado na Revue politique et littéraire, conhecida também como Revue bleue4. Esse texto de durkheim veio a público em 2 de julho de 1898 como uma reação ao artigo de Ferdinand Brunetière, pu-blicado na Revue des deux mondes em 15 de março de 18985, e a toda a controvérsia que se seguiu, conforme será exposto adiante. Embora tal publicação não tenha provocado nenhuma reação no âmbito da Revue bleue6, sabe-se que ela gerou alguma polêmica entre seus pares em Bordeaux7 e, ao mesmo tempo, evidenciou o papel de durkheim não apenas como sociólogo, mas também como “intelectual”8. Contudo, embora o artigo tenha produzido grande polêmica quando de sua publicação, configurando-se como um marco na carreira do autor, com o passar do tempo caiu no es-quecimento, permanecendo ausente na literatura até pelo menos o começo da década de 1960, quando, então, uma nova geração de pesquisadores inicia um trabalho de recuperação dos escritos de conjuntura de durkheim, ampliando o horizonte do conheci-mento que se tinha a respeito do autor9. A partir dessa década,

3. A relação entre esse artigo e os referidos livros é devidamente explicitada nos artigos de Susan Stedman Jones e de William Watts Miller que compõem o Dossiê Crítico deste volume.

4. Para informações detalhadas sobre a revista, ver o artigo de Marcia Consolim no Dossiê Crítico deste volume.

5. A tradução do texto de Brunetière consta como anexo ao presente volume.6. Segundo a pesquisa realizada por Rafael Faraco Benthien, nos números subsequentes não

há qualquer menção ao artigo de Durkheim. Cumpre ainda ressaltar que essa revista não possuía uma seção de “cartas do leitor”, de modo que não é possível saber com precisão de que modo os leitores reagiram a seus argumentos.

7. A esse respeito, Filloux afirma o seguinte: “O artigo de julho provocou certo barulho em Bordeaux, um comunicado local põe em causa Durkheim. Uma folha de protesto circulou entre os estudantes e levantou assinaturas de numerosos estudantes, inclusive os eclesi-ásticos (René Lacroze, Allocution de 1960 – testemunho confirmado por H. Durkheim)”, em Jean-Claude Filloux, A Ciência Social e a Ação, 1975, p. 231.

8. Sobre o significado dos “intelectuais” naquele contexto, ver os artigos de Louis Pinto e Ra-quel Weiss; a respeito das consequências desse texto para a carreira de Durkheim, em termos de participação no espaço público, ver o artigo de William W. Miller, todos neste volume.

9. Para uma discussão a respeito desse movimento e das figuras que exerceram um papel importante, ver Raquel Weiss e Rafael F. Benthien, “A Redescoberta de um Sociólogo: Consi-

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“l’individualisme et les intellectuels” passa a figurar como texto obrigatório aos estudiosos.

Esse artigo foi novamente publicado em 1969, em uma versão em inglês, na revista Political Studies10, com uma apresentação feita por steven lukes, possivelmente um dos primeiros autores a destacar as contribuições deste texto em particular para o campo da teoria política11. Além disso, lukes afirma que o artigo também contribui para os estudos sobre o Caso dreyfus e permite esclarecer aspectos de sua história12.

No ano seguinte, esse ensaio volta a aparecer, em francês, na coletânea organizada por Jean-Claude Filloux, La science sociale et l’action13, traduzida para o português, em 1975, por inês duarte Ferreira, publicada em Portugal pela Editora Bertrand e no Brasil pela difel, numa edição atualmente esgotada14. o livro organizado por Filloux foi particularmente relevante por reunir textos que mos-travam um aspecto da obra durkheimiana que permaneceu desco-nhecido das gerações que o sucederam. Como indicado no próprio título dado à coletânea, são escritos que evidenciam as múltiplas conexões entre a sociologia e a vida social e política, mostrando que, na visão de durkheim, aquela não deveria ser uma atividade pura-mente teórica e especulativa, mas uma ciência com consequências práticas. o ensaio em questão, “o individualismo e os intelectuais”, é apresentado na seção “o sociólogo”, que reúne este e outros três trabalhos definidos por Filloux como “textos de circunstância, arti-gos ou relatórios de improvisações, que devem sua existência a uma crise nacional”15. Por meio dele, durkheim “[...] se comprometeu em nome de exigências morais e não em função de considerações es-

derações sobre a Correspondência de Émile Durkheim a Salomon Reinach”, Novos Estudos – Cebrap, n. 94, pp. 133-149, 2012.

10. Émile Durkheim, “Individualism and the Intellectuals”, Political Studies, vol. 17, n. 1, pp. 19-30, 1969. Essa versão foi revista recentemente por Steven Lukes, em um livro organizado por ele e Andrew Scull, em que há também nova apresentação ao artigo (Durkheim and the Law, 2013).

11. Para uma análise mais detalhada do impacto da publicação de Lukes e de como esse texto de Durkheim é analisado do ponto de vista da teoria política, ver Raquel Weiss, “Perspectivas sobre a Política na Teoria de Émile Durkheim”, Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, vol. 71, pp. 45-67, 2011. Para uma visão mais abrangente do tema da política em Durkheim, ver Márcio de Oliveira, “O Estado e a Política em Durkheim”, em Márcio de Oliveira e Raquel Weiss (orgs.), David Émile Durkheim: A Atualidade de um Clássico, 2011, pp. 103-130.

12. Steven Lukes, “Durkheim’s ‘Individualism and the Intellectuals’”, Political Studies, vol. 17, n. 1, pp. 14-19, 1969, p. 14.

13. Émile Durkheim, La science sociale et l’action, 1970. 14. Jean-Claude Filloux (org.), op. cit., 1975.15. Idem, p. 229.

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Apresentação do Volume 21

tritamente políticas, ou ainda em sua qualidade de judeu, tal como Georges davy e Henri durkheim o testemunham”16.

Em 1973, o ensaio recebe nova tradução para o inglês, elabo-rada por Mark traugott, desta vez publicada nos Estados Unidos, em uma coletânea organizada por robert Bellah, intitulada Émile Durkheim on Morality and Society. A segunda seção, na qual está inserido o texto “individualism and the intellectuals”, tem como título “sociology and social Action”, muito provavelmente ins-pirado na coletânea organizada por Filloux. Como caracterização geral dos textos ali apresentados17, Bellah afirma que “retratam durkheim lidando com as questões morais em sua sociedade e in-dicam o contexto social imediato de seu pensamento”18. Em relação ao ensaio sobre o individualismo, o autor afirma que, apesar de raramente envolver-se diretamente na ação política, sua posição no Caso dreyfus indica com clareza em qual lugar do espectro político durkheim se situava – no campo oposto ao dos conservadores, que tão vigorosamente defendiam a condenação de dreyfus19.

A publicação de três volumes de textos de durkheim, deno-minados Textes, por Victor Karady, em 1975, tornou-se um marco nos estudos de história da sociologia e da sociologia durkheimiana, não apenas por disponibilizar ao leitor uma enorme quantidade de fontes inéditas – artigos, cartas e manuscritos –, mas principalmen-te por possibilitar a subversão da tradicional hierarquia entre os textos nobres e os textos de conjuntura dos “clássicos”20.

Cumpre ainda destacar que, após a década de 1970, “o indivi-dualismo e os intelectuais” também foi traduzido em outros idio-mas, como italiano, em 1996, e espanhol, em 200321. Entretanto, pudemos constatar que em nenhuma dessas publicações posteriores

16. Idem, p. 231.17. Os outros três textos que compõem a seção são: “Address to the Lycée of Sens”, “The Prin-

ciples of 1789 and Sociology” e “The Intellectual Elite and Democracy”.18. “Introduction”, em Émile Durkheim e Robert N. Bellah, Émile Durkheim on Morality and

Society, Selected Writings, 1973, p. x.19. Idem, p. xvi.20. Uma seleção de textos do primeiro volume organizado por Karady, Textes I, será publicada

no Brasil pela editora Martins Fontes. 21. A versão italiana consiste na tradução de todo o volume organizado por Filloux, traduzido

por Salvatore Veca - “L’Individualismo e gli Intellettuali”, em Jean-Claude Filloux (org.), La Scienza Sociale e l’Azione, 1996, pp. 281-297; na versão espanhola o texto foi acrescentado à tradução do livro Leçons de Sociologie (“El Individualismo y los Intelectuales”, em Lecciones de Sociologia: Fisica de las Costumbres y del Derecho y Otros Escritos sobre el Individualismo, los Intelectuales y la Democracia, 2003). Como informação complementar, gostaríamos de compartilhar a observação de Alexander Goffman aos organizadores deste volume, de que o fato de esse ensaio nunca ter sido publicado em russo é algo curioso, considerando-se a tra-dição da Rússia em ter sido sempre um dos primeiros países a traduzir textos de Durkheim.

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a 1898 foi feita uma edição bilíngue, e tampouco qualquer edi-ção que indique a paginação do texto original, o que pensamos constituir um recurso fundamental para padronizar as referências. Até o presente momento o texto original não foi disponibilizado on-line22, e, dada a raridade dessa edição da Revue bleue, acredita-mos que a apresentação do texto original, de modo a permitir um cotejo da tradução, bem como a indicação das páginas da primeira publicação, de 1898, consiste em uma contribuição essencial para os estudiosos do autor.

* * *

É fundamental indicar a importância de um texto como “o in-dividualismo e os intelectuais” no contexto do Caso dreyfus, pois muitas das interpretações sobre o tipo de intelectual que durkheim encarnava – ou sua vocação mais ou menos militante – baseiam-se em sua atuação nesse momento. Enquanto os defensores de um durkheim militante tendem a enfatizar a importância de seu enga-jamento no episódio, outros procuram realçar sua prudência e mi-nimizar a importância dos “intelectuais” no caso. deixando de lado as ponderações que pendem para um ou outro lado desse debate, é inegável que durkheim sofreu uma série de reveses – e mesmo certo isolamento em Bordeaux – ao assumir a defesa de dreyfuss. se, por um lado, suas origens judaicas foram denunciadas por seus opositores, por outro lado ele próprio acreditava lutar pela unidade da França e por valores universais ao defender a revisão do proces-so. Para durkheim, reconhecer a dimensão religiosa na defesa de dreyfus seria negar o próprio processo de laicização sobre o qual se baseava seu envolvimento no caso. sua colaboração ativa na fundação da Ligue des Droits de l’Homme23, nessa ocasião, revela

22. No site gallica.bnf.fr, que disponibiliza grande parte do acervo da Bibliothèque Nationale de France, há alguns tomos da Revue politique et littéraire que não estão digitalizados, como é o caso do tomo X, no qual foi publicado o artigo de Durkheim, que só está disponível no acervo físico.

23. A Liga foi fundada, em 1898, pelo senador Ludovic Trarieux, com o objetivo de defender Dreyfus a partir de uma concepção de “direitos individuais” em filiação direta à Decla-ração dos Direitos do Homem de 1789, ou seja, aos valores da Revolução Francesa. “Em 20 de fevereiro de 1898, no meio do julgamento, um grupo de intelectuais parisienses de classe alta se encontrou na casa do senador Ludovic Trarieux. O senador, que acabara de testemunhar a favor de Dreyfus, estava afoito por fundar ‘um grupo, uma associação, uma Liga ou algo’ cuja missão fosse salvaguardar os direitos individuais, a liberdade dos cidadãos e sua igualdade perante a lei.” Cf. William Irvine, Between Justice and Politics: The Ligue des Droits de l’Homme. 1898-1945, 2007, p. 6. Segundo o autor, a Liga se tornou, nos quarenta anos seguintes, “a maior e mais influente organização de liberdades civis do mundo”. Idem, p. 1.

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lançamento 2016

individualismo e os intelectuaisde Émile Durkheim(Edição Bilíngue e Crítica)

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