a questão regional e a formação do discurso desenvolvimentista na
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL DO TRPICO MIDO
DANILO ARAJO FERNANDES
A QUESTO REGIONAL E A FORMAO DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA
Belm 2011
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Biblioteca do NAEA/UFPa)
Fernandes, Danilo Arajo
A Questo regional e a formao do discurso desenvolvimentista na
Amaznia / Danilo Arajo Fernandes; Orientador, Francisco de Assis Costa.
2011.
313 f. : il. ; 20 cm. Inclui bibliografias Tese (Doutorado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos
Amaznicos, Programa de Ps - Graduao em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido, Belm, 2011.
1. Planejamento regional - Amaznia. 2. Desenvolvimento sustentvel Amaznia. 3. Ideologia Amaznia. 4. Foucault, Michel. 5. Furtado, Celso. I. Costa, Francisco de Assis, orientador. II. Titulo.
CDD 22. ed.338.9811
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DANILO ARAJO FERNANDES
A QUESTO REGIONAL E AFORMAO DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos. Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Costa
Belm 2011
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DANILO ARAJO FERNANDES
A QUESTO REGIONAL E A FORMAO DO DISCURSO
DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos.
BANCA EXAMINADORA:
Dr. Francisco de Assis Costa
Orientador- NAEA/UFPA
Dr. Fbio Carlos da Silva
Examinador interno - NAEA/UFPA
Dr. Josep Pont Vidal NAEA/UFPA
Examinador interno - NAEA/UFPA
Dr. Fbio Fonseca de Castro
Examinado externo - ILC/UFPA
Dr. Ramn Garcia Fernandez
Examinado externo - FGV/EESP
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AGRADECIMENTOS
Valiosos e enriquecedores foram os momentos de aprendizado e convvio pessoal e
profissional por que passei nestes ltimos cinco anos. Gostaria de agradecer a todos os
colegas e professores do NAEA e da Faculdade de Economia da UFPA pelos momentos de
discusso e ensinamentos que me foram da maior importncia, e que muito me auxiliaram
para que pudesse concluir com xito mais essa jornada em minha trajetria acadmica e
profissional. Em especial, ficam aqui os agradecimentos aos professores membros da banca
de avaliao, professores Fbio Castro, Josep Vidal, Fbio Carlos e Ramon Garcia Fernandez,
alm do meu orientador, professor Francisco de Assis Costa, pela confiana depositada e pela
amizade e exemplo de profissionalismo e dedicao ao estudo sobre a causa amaznica.
Gostaria de agradecer tambm o apoio dos tcnicos e funcionrios da biblioteca e da
secretaria do PDTU do NAEA, assim como aos meus familiares pela firme e slida presena
que sempre tiveram em minha vida. E a todos que de alguma forma contriburam para minha
formao acadmica ao longo destes anos. Um agradecimento mais do que especial a minha
esposa, Izabella Fernandes, pela pacincia e apoio que recebi ao longo de todo esse tempo de
caminhada. Aos meus pais e irmos, Carlos Alberto Ribeiro Fernandes, Maria Conceio
Arajo Fernandes, Fbio Arajo Fernandes e Bruno Arajo Fernandes, por todos os
momentos de alegria e paz que me propiciam. A vocs, dedico esta tese.
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O discurso no simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominao, mas aquilo porque, pelo que se luta, o
poder do qual nos queremos apoderar.
MICHEL FOUCAULT
A concepo que nos guiar aqui no corresponde noo do
senso comum segundo a qual idias so entidades externas s
prticas sociais. Segundo essa concepo, seria constitutiva da
nossa atitude natural perante o mundo, a noo de que as idias
existem independentemente das coisas l fora, como se estas se
referissem meramente ao mundo material fora de ns sem, no
entanto, influenci-lo ou participar ativamente para o fato do
mundo material externo, especialmente o social construdo e
compartilhado pelos homens, ser precisamente este que existe e
no qualquer outro que poderia ter existido em seu lugar. Ao
contrrio, partiremos do suposto de que existe uma ntima
imbricao entre idias e prticas e instituies sociais, de tal
modo que estas no podem ser concebidas sem a ao daquelas.
JESS SOUZA
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RESUMO
Este trabalho de tese trata de um estudo sobre a formao histrica discursiva sobre a questo
regional amaznica e sua relao com o perodo nacional-desenvolvimentista no Brasil. Em
sua primeira parte, o estudo apresenta os objetivos e a fundamentao terico-metodolgica
do trabalho, baseada no mtodo arqueogenealgico de Michel Foucault e na teoria de
ideologia de Paul Ricoeur. Em seguida o estudo apresenta as bases histricas e conceituais da
formao do ciclo ideolgico do desenvolvimentismo no Brasil, assim como os fundamentos
tericos e discursivos da questo regional brasileira. Nesta parte, o que fica evidente a
importncia da correlao e interdependncia entre o tema da questo regional e a formao
do discurso nacional-desenvolvimentista no Brasil; e nesse sentido, a obra de Celso Furtado
se destaca como importante elemento de elaborao discursiva que ir representar uma
interpretao da questo regional como compondo um projeto mais amplo de
desenvolvimento nacional. Na parte final do trabalho, destaca-se a conexo entre o ambiente
institucional nacional-desenvolvimentista brasileiro e a formao de uma tradio de
pensamento regionalista amaznico que ter grande influncia nas dcadas de 40 e 50, e que
ser responsvel pela elaborao de um discurso desenvolvimentista-regionalista a partir da
influncia de autores como Euclides da Cunha e Gilberto Freyre. Autores como Arthur Cezar
Ferreira Reis, Leandro Tocantins e Djalma Batista, entre outros, sero considerados alguns
dos principais responsveis pela elaborao de um discurso intelectual que, segundo uma das
concluses principais do estudo, tem suas condies de possibilidade criadas e impulsionadas
a partir da realidade poltico-institucional que se constitui no contexto de formao das
instituies desenvolvimentistas na Amaznia nas dcadas de 40 e 50. Conformando uma
formao discursiva a qual atribuiremos o nome de desenvolvimentismo-regionalista.
Palavras-chave: Formao discursiva. Nacional-desenvolvimentismo. Ideologia regionalista.
Desenvolvimento regional amaznico.
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ABSTRACT
This thesis is a study of the historical formation of regional discourse on the issue Amazon
and its relation to the national-developmentalist period in Brazil. In its first part, the study
presents the goals and theoretical-methodological work, based on the method of Michel
Foucault archeogenealogical and the theory of ideology of Paul Ricoeur. Then the study
presents the historical basis of conceptual and ideological training of the cycle of
developmentalism in Brazil, as well as the theoretical discourse and the regional question in
Brazil. In this part, what is evident is the importance of the correlation and interdependence
between the regional issue and the formation of national discourse of development in Brazil
and in that sense, the work of Celso Furtado stands out as an important element of
development discourse that will represent interpretation of a regional issue as constituting a
larger project of national development. At the end of the paper, we highlight the connection
between the institutional environment of national-development and the formation of a
Brazilian tradition of regionalist thinking that Amazon will have great influence in the 40 and
50, and will be responsible for preparing a development discourse regionalist from the
influence of authors such as Euclides da Cunha and Gilberto Freyre. Authors such as Arthur
Cezar Ferreira Reis, Leandro Tocantins and Djalma Batista, among others, are considered
some of the most responsible for drafting an intellectual discourse that, according to one of
the main conclusions of the study, has its conditions of possibility created and driven from the
reality political-institutional context that is the formation of developmental institutions in the
Amazon in the 40 and 50. Forming a discursive formation which will assign the name of
developmentalism-regionalist.
Key words: Discursive formation; National development; Regionalist ideology; Regional development in the Amazon
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LISTA DE SIGLAS
AIB Ao Integralista Brasileira ANL Aliana Nacional Libertadora BASA Banco da Amaznia S/A BCA Banco de Crdito da Amaznia BCB Banco de Crdito da Borracha BNB Banco do Nordeste do Brasil BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CDE Conselho de Desenvolvimento Econmico CEDB Comisso Executiva de Defesa da Borracha CODECO Comisso de Desenvolvimento do Centro-Oeste CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina CHESF Companhia Hidreltrica do So Francisco CNI Confederao Nacional da Indstria CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CODENO Conselho de Desenvolvimento do Nordeste CPATU Centro de Pesquisa Agropecuria do Trpico mido CPC Centros Popular de Cultura CVSF Comisso do Vale do Rio So Francisco DASP Departamento Administrativo do Servio Pblico DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FIEPA Federao das Indstrias do Estado do Par MPEG Museu Paraense Emlio Goeldi GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste IAN Instituto Agronmico do Norte IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro INPA Instituto Nacional de Pesquisas Amaznicas IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros NEI Nova Economia Institucional PAEG Plano de Ao Econmica do Governo PCB Partido Comunista Brasileiro PDA Plano de Desenvolvimento da Amaznia PIN Programa de Integrao Nacional PND Plano Nacional de Desenvolvimento PSD Partido Social Democrtico PTB Partido Trabalhista Brasileiro PVEA Plano de Valorizao Econmica da Amaznia SPVEA Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia SPVERFSP Plano de Valorizao Econmica da Regio da Fronteira Sudoeste do Pas SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste TVA Tenesse Vale Autority
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UDN Unio Democrtica Nacional ZFM Zona Franca de Manaus
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SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 14
2 OBJETIVOS E METODOLOGIA .................................................................................... 27
2.1 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................ 30
2.2 QUADRO TERICO-METODOLGICO DE REFERNCIA ....................................... 34
2.2.1 O enfoque da histria da cultura e das mentalidades: em busca de uma arqueogenealogia das formaes discursivas ....................................................................... 36
2.2.2 Um novo papel para o estudo das ideologias: a perspectiva hermenutica de Paul Ricoeur ..................................................................................................................................... 42
2.3 A DIMENSO REGIONAL DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO E O ESTUDO DAS FORMAES DISCURSIVAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA AMAZNIA ............................................................................................................................ 47
3 FORMAO, AUGE E DECLNIO DA IDEOLOGIA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL ........................................................................... 56
3.1 A TRANSIO RUMO FORMAO DE UMA TRADIO DE PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL ............................................................................... 59
3.2 A TRADIO DO PENSAMENTO ECONMICO E SOCIAL BRASILEIRO E OS ALICERCES DA IDEOLOGIA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA .......................... 61
3.3 O PAPEL DO PLANEJAMENTO ECONMICO E A INTERPRETAO DO MODELO DE SUBSTITUIO DE IMPORTAES NA PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO E MARIA DA CONCEIO TAVARES ........................................................... 66
3.4 A IDEOLOGIA DA CULTURA BRASILEIRA E O NACIONALISMO DO INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS (ISEB) .............................................................. 72
3.5 A CRISE DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO E OS IMPASSES DA INDUSTRIALIZAO PERIFRICA: A FORMAO DO PENSAMENTO CRTICO DA DCADA DE 60 ...................................................................................................................... 77
3.5.1 A crise de hegemonia do pensamento nacional-desenvolvimentista: o surgimento da nova teoria da dependncia e a dinmica do desenvolvimentismo autoritrio no Brasil 79
3.5.2 A interpretao funcional-capitalista e o modelo endgeno de acumulao ........... 84
4 O DEBATE SOBRE A NOO DE IDENTIDADE NACIONAL E OS FUNDAMENTOS DO DISCURSO IDEOLGICO REGIONALISTA BRASILEIRO 87
4.1 A QUESTO RACIAL E A BUSCA PELA CONSTRUO DA NOO DE IDENTIDADE NACIONAL DURANTE A REPBLICA VELHA ...................................... 90
4.2 A MESTIAGEM E O PAPEL DA CULTURA PATRIARCAL ENQUANTO ELEMENTO DE CONSTRUO DA NOO DA IDENTIDADE NACIONAL EM GILBERTO FREYRE ............................................................................................................ 101
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4.2.1 O sentido poltico da obra de Gilberto Freyre na formao de um pacto conservador durante a revoluo de 30 .............................................................................. 105
4.2.2 A luso-tropicologia e a noo de identidade regional na construo da obra de Gilberto Freyre ..................................................................................................................... 108
4.3 A CONTROVRSIA SOBRE O PAPEL DA CULTURA POPULAR E A AUTENTICIDADE DA NOO DE IDENTIDADE NACIONAL OU REGIONAL NO BRASIL .................................................................................................................................. 112
5 A IDEOLOGIA DESENVOLVIMENTISTA E A QUESTO REGIONAL NO BRASIL: ENCONTROS E DESENCONTROS ................................................................ 117
5.1 A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL NO BRASIL: AS DCADAS DE 40 E 50 ............................................................................................................................................ 118
5.1.1 A formao de um novo ambiente institucional para as polticas desenvolvimentistas de carter regional ............................................................................. 124
5.2 O AMBIENTE INTELECTUAL NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA E SUA RELAO COM A QUESTO REGIONAL BRASILEIRA .............................................. 128
5.3 ALGUMAS DAS DIFICULDADES NA IMPLEMENTAO DAS POLTICAS DE PLANEJAMENTO REGIONAL NO PERODO PS 1964 ................................................. 137
6 OS DEBATES SOBRE AS ORIGENS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO E O PROBLEMA DAS DESIGUALDADES REGIONAIS NO BRASIL .......................... 141
6.1 A MUDANA DO EIXO DINMICO E OS MOTIVOS DO APROFUNDAMENTO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS BRASILEIRAS: A INTERPRETAO DE CELSO FURTADO ............................................................................................................................. 144
6.2 AS CONTROVRSIAS SOBRE A ORIGEM DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO NO BRASIL ................................................................................... 147
6.3 OS DEBATES SOBRE OS LIMITES E DEFICINCIAS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO NA AMAZNIA ........................................................................... 151
6.4 A PERSPECTIVA CRTICA DE FRANCISCO DE OLIVEIRA E A CONTROVRSIA SOBRE OS CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA ESTRATGIA DO PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL ..................................................................... 157
7 A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL E A FORMAO DAS INSTITUIES DESENVOLVIMENTISTAS NA AMAZNIA .................................. 166
7.1 ASPECTOS GERAIS DA FORMAO DAS INSTITUIES DESENVOLVIMENTISTAS NA AMAZNIA NO SCULO XX ..................................... 167
7.1.1 A INTEGRAO HISTRICA DA AMAZNIA E OS ASPECTOS GEOPOLTICOS E ECONMICOS DO DESENVOLVIMENTO (REGIONAL) BRASILEIRO .................. 172
7.1.2 ASPECTOS POLTICOS-INSTITUCIONAIS E A FORMAO DAS CARACTERSTICAS DO AMBIENTE INSTITUCIONAL AMAZNICO DURANTE A REPBLICA VELHA ........................................................................................................... 183
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7.2 AS RELAES ESTADO-SOCIEDADE NO BRASIL E A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL NA AMAZNIA .......................................................................... 190
7.2.1 As relaes Estado-Sociedade no Brasil: as vises tradicionais .............................. 191
7.2.1.1 As repercusses do modo de ser neoportugus em nossa estrutura patriarcal: a passagem da ordem rural para a ordem urbana durante o sculo XIX ................................... 194
7.2.1.2 A interpretao da formao do patrimonialismo brasileiro ...................................... 198
7.2.2 A revoluo de 30, as mudanas na configurao das relaes Estado-Sociedade no Brasil e a emergncia da questo regional na Amaznia .................................................. 199
8 O QUADRO ANALTICO SUBJACENTE AO DEBATE SOBRE A QUESTO REGIONAL AMAZNICA NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX.................. 209
8.1 A FORMAO DE UMA NOVA TRADIO INTELECTUAL DOS ESTUDOS SOBRE A AMAZNIA: A FASE PR-DESENVOLVIMENTISTA .................................. 214
8.1.1 Euclides da Cunha e o Paraso Perdido ..................................................................... 216
8.1.2 As primeiras influncias e a formao de uma nova tradio intelectual regionalista durante a dcada de 30 .................................................................................... 224
8.2 A FORMAO DOS FUNDAMENTOS DE UMA NOVA IDEOLOGIA DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA NA AMAZNIA ...................................... 228
8.2.1 Djalma Batista, a defesa da cultura e a importncia da questo regional amaznica ................................................................................................................................................ 229
8.2.2 O pensamento de Arthur Cezar Ferreira Reis e a formao de uma historiografia de matriz desenvolvimentista na Amaznia ....................................................................... 237
8.2.3 Arthur Cezar Ferreira Reis, Leandro Tocantins e a busca pela conciliao ecolgica como estratgia de desenvolvimento regional para a Amaznia ..................... 245
9 O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZNICO EM SUA TENTATIVA DE CONSOLIDAO INSTITUCIONAL NAS DCADAS DE 40
E 50 ........................................................................................................................................ 251
9.1 O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O PERODO INICIAL DE FORMAO DE UM NOVO AMBIENTE INSTITUCIONAL NA AMAZNIA (1946-1953) ....................................................................................................................................... 254
9.1.1 O contexto poltico e institucional brasileiro no perodo ps-guerra ...................... 258
9.1.2 A natureza conciliatria e os aspectos poltico-institucionais da elaborao do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia................................................................. 265
9.22729.2.1 A FORMAO DE UMA BASE PARA O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS ORGANIZAES DE FOMENTO PESQUISA CIENTFICA NA AMAZNIA NA DCADA DE 50 ............................................................................................................. 276
9.2.2 A EMERGNCIA DE NOVOS INTERESSES EMPRESARIAIS E A FORMAO DA ORGANIZAO PATRONAL INDUSTRIAL NA AMAZNIA ............................... 280
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9.2.3 O Contexto institucional de atuao da SPVEA e as caractersticas discursivas da estratgia de valorizao econmica da Amaznia ........................................................... 283
10 CONCLUSO.................................................................................................................. 291
REFERNCIAS ................................................................................................................... 301
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1 INTRODUO
Como bem nos lembra Renato Ortiz (2006, p. 17), a anlise e caracterizao da
burguesia nacional brasileira feita por Florestan Fernandes em seu clssico A Revoluo
Burguesa no Brasil (1975) , nos remete a um diagnstico e um retrato interpretativo da
situao histrica da chamada revoluo burguesa no Brasil, que ter grande repercusso no
pensamento sociolgico brasileiro da dcada de 70 e incio da dcada de 80. Uma
interpretao que se transformou em elemento de extrema importncia no debate intelectual e
poltico brasileiro exatamente no perodo de sua redemocratizao. Uma obra que expressa
uma linha de interpretao historiogrfica e sociolgica que nos remete a um debate de grande
envergadura em nossa tradio intelectual, e que trata das caractersticas e formao das elites
brasileiras em seu projeto, truncado, de modernizao do pas. Elites que teriam como
caracterstica principal, segundo Florestan, uma espcie de esprito modernizador de perfil
apenas moderado. Diagnstico que, segundo Renato Ortiz, poderia ser comprovado medida
que poderamos observar que no Brasil se implantou historicamente uma democracia restrita
que no estende o direito de cidadania a toda a populao (ORTIZ, 2006, p. 17). Uma
realidade que seria impulsionada por uma dinmica de desenvolvimento de um capitalismo
perifrico que tem, na burguesia local, o interesse maior de transformao capitalista para
reforar seus interesses estamentais. Dito de outra forma, a burguesia no possui na periferia o
papel civilizador que desempenhou na Europa (ORTIZ, 2006, p. 17). Interpretao que se
inspira, portanto, em uma longa tradio do pensamento poltico e social brasileiro que se
alimenta do debate sobre as origens e especificidades de nossa formao histrica e cultural
como pas com fortes heranas coloniais.
E neste sentido que podemos dizer que o debate mais amplo sobre o papel das elites
brasileiras na construo de um projeto de desenvolvimento nacional uma das marcas de
nossa tradio intelectual que se constitui enquanto problema de pesquisa em boa parte j na
primeira metade do sculo XX. Autores como Srgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre,
Caio Prado Junior, Raimundo Faoro, Celso Furtado, entre outros, daro vazo entre as
dcadas de 30 e 50 a um amplo rol de perspectivas e interpretaes sobre a formao
econmica, poltica e social brasileira, que se afirmaro em nossa tradio intelectual,
posteriormente, ao longo de todo o restante do sculo XX. Uma perspectiva que, durante a
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dcada de 50, passar a incorporar de modo mais enftico em suas anlises um forte vis de
compreenso das estruturais econmicas de base colonial e exportadora, entendidas poca
como fator determinante das relaes entre o papel poltico das elites nacionais e o processo
de desenvolvimento da sociedade brasileira como um todo. Variveis que passam a ser
compreendidas, neste momento, como condicionando e limitando, pelo ponto de vista
poltico-institucional, as possibilidades de construo de um projeto de desenvolvimento
nacional autnomo para o pas.
Por essa perspectiva historiogrfica de vis estruturalista, o papel de vanguarda que
deveriam assumir as elites econmicas e intelectuais brasileiras em um processo de
construo nacional, passaria a ser visto, durante toda a dcada de 50, como um elemento
considerado de fundamental importncia; como componente estrutural de dimenso poltica
capaz de explicar em boa parte os limites institucionais e os vcios do capitalismo brasileiro
em sua condio de periferia do sistema capitalista mundial. Uma realidade que nos imporia
uma condio, em ltima instncia, de dependncia, a qual constituiria o cerne de nossa
condio histrica de pas perifrico ou subdesenvolvido. Elemento condicionante, portanto,
para a formao de uma elite econmica e intelectual com caractersticas consideradas
alienantes e colonizadas, no sentido da busca das reais condies de autonomia e
desenvolvimento da nao brasileira. Uma elite que, ao ser vista como impossibilitada de
conduzir de forma adequada o projeto de desenvolvimento nacional tendo em vista seus
laos e interesses atrelados a um modelo primrio-exportador , precisava ser superada
historicamente pela formao de uma nova elite industrial, a qual deveria se tornar
responsvel pela construo de um projeto alternativo de modernizao para o pas. Projeto
que deveria ser conduzido, por sua vez, por novos atores econmicos e polticos capazes de
assumir o papel de conduo de um autntico projeto de desenvolvimento nacional. E que
para isso, se fazia necessrio a formao de novas idias, que em suporte aos ideais de
industrializao, fossem capazes de sustentar um projeto de desenvolvimento nacional em
completa sintonia com as necessidades estruturais de superao de nossa condio de pas
subdesenvolvido.
E tendo em vista esta leitura mais ampla e geral no que diz respeito realidade
brasileira e sua relao com seus aspectos estruturais mais fortemente ligados possibilidade
de emergncia de uma elite intelectual e poltica capaz de conduzir um processo de
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desenvolvimento nacional, que buscaremos inicialmente refletir aqui neste trabalho sobre as
condies especficas em que neste contexto de reflexo terica e historiogrfica mais
ampla , tambm se poderia atribuir a relevncia e a importncia de se investigar a existncia
de tentativas efetivas de se constituir, em nvel regional, um discurso em sintonia ao estilo
desenvolvimentista que se fazia hegemnico no Brasil durante as dcadas de 40, 50 e incio
da dcada de 60. Um discurso que, moda nacionalista e desenvolvimentista brasileira,
pudesse tentar arregimentar segmentos empresariais e intelectuais em regies perifricas, em
um contexto de pleno desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro. Um discurso que,
por hiptese, pudesse ser visto como sendo capitaneado por segmentos das elites intelectuais e
econmicas dessas regies, e que pudessem representar, por essa via, uma natureza peculiar e
especfica de formao discursiva e sociolgica de nossa matriz de pensamento
desenvolvimentista em escala regional.
Uma hiptese e um problema de pesquisa que, por outro lado, passa a nos colocar uma
questo metodolgica imediata no que diz respeito s condies de possibilidade de
replicao do padro de pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro em regies
perifricas. E neste sentido, um estudo sobre a Amaznia pode representar um estudo de caso
com o objetivo especfico de melhor avaliar essa possibilidade. Assim como tambm nos
serve com o intuito de representar uma oportunidade de melhor compreender a formao
institucional das elites regionais amaznicas em seu contexto de formao e influncia mais
diretamente ligada tradio poltica e intelectual desenvolvimentista brasileira no sculo
XX. E neste sentido, poderamos inclusive nos questionar de modo mais especfico ainda
sobre que tipo de projeto desenvolvimentista para a Amaznia estas elites poderiam
representar em seu contexto histrico? Ou seja, quais as condies de possibilidade para a sua
emergncia enquanto uma espcie de regularidade discursiva (tal como esse conceito
utilizado por Michel Foucault)? Como funcionaria a sua forma de pensamento ou ideologia
mais fundamental? E qual a noo de progresso que se infiltraria historicamente em seu
sistema de pensamento de matriz e inspirao extrativista e de base mercantil do incio do
sculo XX?
Estas so algumas das questes de fundo que representam um leque de preocupaes
que consideramos das mais relevantes, na medida em que hoje se discute os rumos da questo
ambiental do planeta, e a ele se associa a questo amaznica como um componente de
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fundamental importncia. Uma reflexo que se soma a um forte debate j tradicional na
literatura econmica e sobre desenvolvimento sobre o papel da dinmica regional amaznica
no contexto do desenvolvimento nacional brasileiro; assim como ao papel dos atores regionais
em um novo contexto de globalizao, no qual os mesmos se articulam com uma nova gama
de interesses, redes e ideologias em escala global. Por outro lado, j nos tido como inegvel
tambm, do ponto de vista terico, a percepo de que no exista possibilidade atual de
construo de um projeto de desenvolvimento sustentvel para uma regio como a Amaznia,
sem que tenhamos a participao e conhecimento suficiente sobre o modo de funcionamento
da sociedade e de suas instituies locais. E neste sentido achamos que sem um conhecimento
apurado sobre a forma como as elites locais se movimentam nesse jogo de disputas e
interesses em escala global, no sejam possveis a construo de um arcabouo terico capaz
de dar conta da compreenso dos atuais dilemas institucionais do desenvolvimento
sustentvel da Amaznia.
dentro desta mesma linha de raciocnio, que autores como Bertha Becker e Francisco
de Assis Costa, entre outros (BECKER, 2004; CGEE, 2009) nos tem alertado mais
recentemente sobre o fato de que a Amaznia, enquanto unidade de anlise, no deve mais ser
considerada como um espao territorial homogneo. Uma unidade geogrfica ameaada por
uma fronteira econmica nacional que supostamente seria a responsvel por agredir (de
maneira exgena) o equilbrio interno de seu sistema bitico e abitico uniforme. Como se a
dinmica social e econmica regional fosse passiva, ou respondessem de forma homognea,
aos desafios impostos pelo processo de mudanas conduzidas durante a sua integrao
nacional na segunda metade do sculo XX, assim como a sua integrao mais recente ao
processo de globalizao comercial e financeira.
A Amaznia brasileira ao contrrio, segundo Becker, deve ser considerada e isso j
algo largamente difundido na literatura especializada , como uma macro-regio que possui
os seus prprios protagonistas modernizadores locais. E que, por isso, deveria ter sua
dinmica econmica e territorial compreendida e explicada no apenas pela anlise da
influncia de seus aspectos modernizadores de origem e influncia externa regio. Mas
tambm por uma diversidade de formas e processos sociais e econmicos internos
capitaneados e apoiados muitas das vezes por segmentos e representantes das elites regionais,
assim como por sua populao tradicional de ndios, ribeirinhos, caboclos ou camponeses
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que se apresenta de forma multifacetada e compondo, hoje, um cenrio que constitui o espao
regional amaznico em sua plenitude; em termos de complexidade, diversidade, e ambiente
de disputa econmica e poltica. Um espao territorial de grande complexidade em que alguns
ainda hoje insistem em definir como compondo uma espcie de homogeneidade regional.
Mas que, na verdade, representa uma diversidade de processos e trajetrias internas que
comporiam, de modo complexo, e evolucionrio, a dinmica econmica regional (COSTA,
2008, 2009).
Uma dinmica alimentada por um ambiente territorial multifacetado que agrega, por sua
vez, uma teia de contradies as quais se expressam a partir de conflitos latentes, como por
exemplo: a disputa pela posse e uso da terra; pelo direito a apropriao dos recursos naturais;
pelo controle sobre o sistema de crdito produtivo; pela disputa territorial entre diferentes
padres tecnolgicos de base agrria, entre outros. Conflitos que em sua maior parte parecem,
primeira vista, se concretizar enquanto fenmenos restritos e independentes entre si. Mas
que na verdade se constituem enquanto partes ou componentes mais imediatos e visveis de
um sistema operando com uma lgica de funcionamento que se institucionaliza a partir de
vnculos materiais e simblicos diretamente associados a interesses (locais, nacionais e
internacionais) que se harmonizam parcialmente ou se conflitam, materializando-se enquanto
ambiente institucional que se constitui enquanto sntese de uma diversidade territorial
amaznica como hoje a conhecemos.
Neste contexto, uma das preocupaes centrais no que diz respeito compreenso da
atual dinmica de desenvolvimento scio-ambiental e econmico da Amaznia , passa,
portanto, pela compreenso da formao histrica do pensamento das elites regionais e das
trajetrias institucionais que alimentaram historicamente o perfil de formao especfica do
desenvolvimento nacional e regional amaznico no sculo XX. Configuraes que se
constituem tambm por elementos discursivos que conformam um leque de alternativas e um
campo simblico de disputas polticas e econmicas de grande relevncia para a compreenso
do ambiente institucional que se forma historicamente, e que compem ainda hoje um
territrio amaznico multifacetado tambm em seus aspectos discursivos. No de hoje,
portanto, que as disputas nos campos intelectuais e poltico se desenrolam na Amaznia tendo
em vista os dilemas e contradies que se desenvolvem entre uma nsia por modernizao e
progresso, de um lado; e um desejo de preservao de uma tradio cultural considerada como
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fonte de uma estabilidade scio-ambiental e ecolgica da floresta amaznica, por outro.
Contradio que, a nosso ver, se manifestar tambm com grande intensidade no perodo
entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o perodo de auge do nacional-desenvolvimentismo
no final da dcada de 50 e incio da dcada de 60 no Brasil. Neste contexto, as disputas
econmicas e sociais passam a ser alimentadas por discursos de desenvolvimento que se
impem enquanto alternativa para um tradicional dilema amaznico, qual seja: o dilema
histrico entre extrativismo e modernidade (COSTA, 1992, 1995).
E nessa tica, no podemos negligenciar o papel aqui relevante que assume o contexto
geopoltico nacional e internacional que alimentava, poca, o sentido das disputas que se
davam tambm explicitamente no campo da poltica e dos interesses econmicos mais
explcitos. O que faz a necessidade de compreendermos a plataforma complexa e o pano de
fundo sobre a qual estas disputas se realizavam enquanto cenrio institucional de interesses
dos mais variados tipos. Espaos que representam uma espcie de locus aonde, em termos
concretos, ocorrem as verdadeiras disputas pelo domnio das organizaes e dos instrumentos
de controle ideolgico do estado e da sociedade civil, em sua relao com o funcionamento
das instituies que organizam o funcionamento da sociedade na regio. Sem analisar os
aspectos propriamente de natureza institucionais e das trajetrias histricas que sustentam a
realidade das regras do jogo econmico, social e poltico que esto postas em cada caso
concreto, acreditamos que no se possa fazer qualquer juzo mais adequado para a
compreenso da realidade amaznica, inclusive quando extrapolados seus efeitos sobre a
realidade econmica atual.
neste sentido que podemos afirmar que as abordagens tradicionais de estudos de
historiografia sobre a Amaznia pecam, em sua maior parte, por no conseguirem
compreender, ou dar valor suficiente, compreenso mais profunda das caractersticas
institucionais que, a nosso ver, condicionam a formao histrica e econmica da Amaznia
ao longo de sculos. E nesse sentido, para cada fase de expanso e decadncia da regio que
se manifestam muitas vezes na forma de ciclos econmicos estanques , estas abordagens no
conseguem apreender de maneira adequada as dinmicas econmicas e sociais que, aps e
durante cada ciclo, se mantm orientando em boa parte a sua atividade econmica e
conformando o ambiente institucional amaznico em toda a sua complexidade (COSTA,
2009, 2010). Ao contrrio do que destaca a maioria das abordagens que tratam do assunto,
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portanto, acreditamos que so estas implicaes histricas que formam, ao contrrio, o que de
mais slido componente poderamos ter enquanto elemento responsvel pela dinmica que
interfere nas regras do jogo institucional amaznico at os dias de hoje. E que, a partir delas,
se mantm orientando as atividades econmicas e polticas regionais em seus aspectos mais
essenciais e relevantes na atualidade.
Estudar a constituio histrica da Amaznia sem levar em considerao estes
componentes de estabilidade institucionais que mantm uma estrutura de funcionamento
bsico da realidade regional, ao estilo path dependency, implica a nosso ver, portanto, em
desconhecimento das reais condies que se pode inferir a partir de qualquer espcie de
interveno sobre a realidade local. Uma realidade que, moda neo-institucionalista, deveria
ser compreendida inclusive para alm da simples reproduo de um padro de cdigos, leis e
regras que alimentariam, do ponto de vista formal, o funcionamento das leis de mercado em
um ambiente organizacional especfico (NORTH, 1990). Ao contrrio do que pensam a
maioria das abordagens que cuidam das intervenes oficiais do Estado sobre a Amaznia
ainda nos dias de hoje, o que queremos sustentar, a posio j largamente reconhecida na
literatura (POLANY, 1944) e reforada mais recentemente pelo ponto de vista terico da
chamada Nova Economia Institucional (NEI) , de que as regras de funcionamento do
mercado, assim como de qualquer outro tipo de forma de interao social, devam ser
compreendidas como o resultado da formao histrica de um ambiente institucional mais
especfico. Que mescla aspectos formais e informais num complexo jogo de interao que se
constitui como fundamento para o estabelecimento de regras de funcionamento da sociedade
em um determinado contexto histrico. E que, por isso, se tornam responsveis pela
orientao dos padres de comportamento dos indivduos em situaes ambientais muito
especficas. Situaes que se expressam, por sua vez, a partir de uma realidade econmica e
social historicamente determinada, e constituda a partir de uma rica experincia histrica.
Fato que as torna necessria enquanto instrumento social efetivo com capacidade de forjar as
condies de estabilidade institucionais responsveis pelo bom funcionamento do sistema de
contratos em uma sociedade de mercado (WILLIAMSON, 1996; NORTH, 1990).
De acordo com o que entende Douglass North (1990), por exemplo, instituies
representam conceitualmente uma conjuno de aspectos formais e informais que sustentam
as regras do jogo de funcionamento de uma sociedade, e que, por isso, permitem a existncia
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de relaes econmicas com alguma estabilidade e eficincia ao longo do tempo. Estabilidade
capaz de garantir a existncia e funcionamento, mesmo que imperfeito, de um sistema de
mercado e seus correlatos. No entanto, segundo North (1990), no se pode garantir que estas
instituies, apesar de seu elemento de estabilidade, possam representar ou cumprir o papel de
servir como verdadeiras fontes garantidoras da eficincia econmica do sistema. possvel a
existncia, neste contexto, de instituies que no permitam o bom desenvolvimento e
eficincia de um sistema de contratos e de uma economia de mercado, capazes de garantir o
direito de propriedade e a diminuio dos custos de transao em uma economia (NORTH,
1990). Da a imbricada e complexa correlao entre o bom e adequado desenvolvimento
institucional e as condies e resultados efetivos em termos de produtividade e
desenvolvimento econmico de um pas. Para North, boa parte das razes para o desempenho
inadequado em termos de desenvolvimento econmico de alguns pases ou regies, est
exatamente na deficincia de suas instituies. E nesse sentido, a necessidade de estudos cada
vez mais sofisticados sobre a formao da dinmica institucional de um determinado pas ou
regio, a nosso ver, torna-se um aspecto de fundamental importncia para a elaborao de
bons diagnsticos sobre as razes e condies efetivas de seu nvel de desenvolvimento atual.
tendo em vista, por fim, esta preocupao com a compreenso da natureza da
formao histrica e social da Amaznia em seus aspectos mais amplos, portanto, que
procuraremos aqui neste trabalho desenvolver, em um plano mais especfico, uma sntese dos
principais elementos que poderiam nos ajudar a reconstituir, do ponto de vista histrico, o
mosaico de conflitos, interesses e caractersticas que alimentaram por uma perspectiva
discursiva as regras de funcionamento do ambiente institucional amaznico durante o
chamado perodo do nacional-desenvolvimentismo no Brasil. Caractersticas que passaram a
se constituir enquanto moldura de um campo institucional mais complexo que ao mesmo
tempo se conserva e se modifica ao longo do tempo, medida que seus fatores de estabilidade
so pressionados e constrangidos por elementos externos. Conformando, ao longo da histria,
uma determinada trajetria de evoluo institucional de caracterstica muito especfica e de
dimenses e formato de natureza tipicamente amaznica.
nesse contexto de estudo de evoluo histrica e institucional, portanto, que teremos
como hiptese o argumento de que tenha se formado na Amaznia, em meados do sculo XX,
uma elite intelectual com a pretenso de impulsionar um modelo de desenvolvimento regional
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que pudesse manter-se, de alguma forma, em sintonia com a matriz de pensamento
hegemnico nacional-desenvolvimentista brasileiro da poca. Uma perspectiva de vis
regionalista-desenvolvimentista que se forma como sntese, portanto, a partir de uma misso
de tentar representar uma leitura intelectual capaz de decifrar os cdigos e as regras do jogo
institucional brasileiro como um todo. E da alimentar, como soluo, um conjunto de
propostas e criao de regras de funcionamento de organizaes e do ambiente institucionais
amaznico mais direcionado para a construo de um projeto desenvolvimentista em nvel
regional. E nesse contexto, o nosso argumento principal o de que a formao do discurso
desenvolvimentista brasileiro assume na Amaznia, por isso, uma conotao muito especfica
e de natureza tipicamente culturalista. Discurso fundamentalmente moldado de forma a se
adaptar e impulsionar uma mudana na formao do ambiente institucional local, assim como
com a pretenso de resolver os dilemas econmicos e geopolticos que recorrentemente
alimentavam os interesses a as preocupaes dos atores regionais e nacionais em relao
regio.
Acreditamos, portanto, que no seja possvel compreender os impasses de criao e
operacionalizao de organizaes como a SPVEA na dcada de 50, por exemplo, sem uma
leitura detalhada a respeito das disputas que se faziam presente no ambiente institucional que
fundamentava a sua condio de existncia, em nvel mais amplo, e a partir de uma
diversidade de posies ideolgicas em questo. E que, por isso, eram orientadas por
interesses dos mais variados tipos. Situao que alimentava, em ltima instncia, a
constituio das regras do jogo institucional local, mediada por uma relao de
complementariedade e conflito com o desenvolvimento do processo de substituio de
importaes em pleno curso no Brasil (MANTEGA, 1995; BIELSCHOWSKY, 1996).
Entender os dilemas destas organizaes desenvolvimentista na Amaznia significa dar vazo
a uma anlise do contexto histrico em que a mesma se constitui enquanto expresso de
significado concreto de uma realidade que se molda em entorno de um determinado ambiente
institucional brasileiro, de perfil hegemnico nitidamente nacional-desenvolvimentista.
E neste sentido que podemos afirmar que, na Amaznia, a preocupao com a
industrializao se torna, ao contrrio do que ocorre no restante do pas, um componente bem
menos determinante para seu processo de desenvolvimento institucional (apesar de ser de
qualquer forma afetado por este processo em ltima instncia). Aspectos como a
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diversificao da base produtiva, estmulo a heveicultura e produo agrcola alm de
investimentos na formao de instituies de pesquisa representaram elementos, talvez,
mais relevantes para a compreenso do discurso desenvolvimentista na Amaznia do que a
prpria estratgia de industrializao em si. O que se mostraria um caso bem diferente em
relao ao Nordeste, com seu modelo furtadiano tpico de substituio regional de
importaes. Por outro lado, de um ponto de vista de anlise estritamente intelectual, um
discurso de natureza culturalista assume na Amaznia um papel muito mais importante e bem
diverso tambm do que o ocorreu no Nordeste.
Na Amaznia, o discurso culturalista por um ponto de vista mais poltico assume
um papel importante tambm enquanto instrumento ideolgico e econmico a favor da defesa
de interesses de grupos regionais. Uma perspectiva que se apresenta como alternativa de
mediao poltica com o objetivo de promover um processo de mudanas no ambiente
institucional local, mas sem perder a perspectiva de manuteno dos interesses das elites
regionais. O que acaba por constituir, em nvel local, um ambiente ao mesmo tempo favorvel
e promotor de uma estratgia desenvolvimentista com caractersticas muito especficas. Uma
realidade e um projeto que viria supostamente com o intuito de se transformar em uma
estratgia de modernizao melhor adaptada em relao ao ambiente ecolgico dos trpicos
midos.
Diferente disso, no Nordeste este mesmo discurso regionalista era visto como
imediatamente contrrio e antagnico em relao ao ideal de modernizao do projeto de
industrializao da regio. Os ideais regionalistas no Nordeste representavam em verdade,
desse modo, uma tentativa de brecar o avano da modernizao e do processo de
industrializao e urbanizao em curso. Configurando uma abordagem ideolgica de
natureza estritamente conservadora. J no caso da Amaznia isso parece no ocorrer de forma
to ntida. Estando o discurso regionalista amaznico muito mais moldado e voltado para uma
estratgia em favor da defesa conciliatria dos interesses de preservao da autonomia das
elites regionais em um projeto de modernizao econmica e integrao fsica-espacial da
regio em relao ao pas.
Nesse sentido, o discurso nacional-autoritrio que se tornaria cada vez mais importante
a partir do regime militar, em 1964, parece encontrar no discurso regionalista amaznico
(durante o perodo ps Segunda Guerra Mundial) um importante componente mediador e um
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pano de fundo institucional, que acabaria, por fim, por facilitar seu processo de aceitao
social do projeto de modernizao nacional em escala regional. No perodo de
amadurecimento e auge do nacional-desenvolvimentismo no Brasil (de 1946 a 1964),
portanto, o que se verificou na Amaznia foi uma situao de conflito de interesses
federalistas mediado de modo implcito por um discurso regionalista e desenvolvimentista
moderado que se mantinha em defesa da preservao dos valores culturais amaznicos. Uma
tentativa de defesa de um projeto de modernizao mediada, portanto, por uma estratgia de
desenvolvimento em bases culturalmente mais flexveis, e voltadas para a preservao dos
interesses de amplos segmentos das elites regionais. Uma estratgia que, por fim, sucumbir a
partir da dcada de 70, demonstrando toda sua fragilidade e alto nvel de idealizao,
sucumbindo em favor de uma estratgia econmica homogeneizadora que impor um sentido
geopoltico muito mais austero e explcito em relao ao processo de modernizao autoritria
da nao brasileira em relao Amaznia.
Projeto este ltimo que ter srias implicaes para a constituio do perfil de conflitos
de relaes federativas entre as elites dos estados amaznicos e o governo federal, durante o
perodo posterior crise do nacional-desenvolvimentismo nas dcadas de 60. Estendendo-se,
inclusive, at os dias de hoje, quando ainda se mantm uma srie de impasses federativos
relacionados tanto aos impactos dos grandes projetos de minerao, como ao processo de
ocupao da terra, desmatamento e ao modelo de estrutura fiscal no qual se assenta as
relaes federalistas entre os interesses dos estados regionais amaznicos e o estado nacional
brasileiro como um todo. Uma relao de natureza geopoltica e econmica que acabar por
se constituir como alicerce fundamental do ambiente institucional amaznico ainda nos dias
de hoje, e que limitar a mobilidade das aes estratgicas locais no sentido da montagem de
uma grande operao de desenvolvimento regional (tal como imaginadas pelos idelogos
desenvolvimentista-regionalistas amaznicos da dcada de 40 e 50).
Uma lgica que, poca, medida que tenta conciliar o interesse da indstria nacional
de artefatos de borracha questo geopoltica de ocupao do territrio amaznico pelo
Estado brasileiro e, mais ainda, aos interesses das oligarquias regionais da borracha em
decadncia constitui-se como um discurso desenvolvimentista de feies inovadoras, as
quais iro representar e moldar as regras do jogo institucional que alimentaro toda ao
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econmica das organizaes privadas e de Estado (em disputa no territrio amaznico)
durante toda a segunda metade do sculo XX.
Para a compreenso clara desse processo histrico de natureza multifacetada e
complexa, se fez necessrio neste trabalho primeiramente uma anlise das condies de
possibilidades epistmicas mais amplas que alimentaram os conceitos e as mentes dos atores e
organizaes que faziam parte do ambiente institucional nacional e regional brasileiro durante
o perodo nacional-desenvolvimentista. Da a necessidade de uma reviso tambm dos
componentes discursivos, em nvel nacional e regional, os quais iriam compor um leque de
influncias e perspectivas no sentido de se compreender o esprito de uma poca. Momento
em que se discutia as condies objetivas e os interesses mais amplos que estariam atrelados
fundamentalmente ao debate sobre desenvolvimento nacional brasileiro nas dcadas de 40, 50
e incio da dcada de 60. Tarefa que aps uma apresentao da metodologia e objetivos gerais
a que o estudo se prope (Captulo 2), toma forma mais especfica entre os captulos 3 a 6.
Em seguida, buscamos desenvolver uma tentativa de se descer ao nvel local e regional na
costura de uma interface entre as esferas de discurso nacional (analisados nas partes
anteriores) e sua relao com o tema do desenvolvimento da Amaznia. Uma iniciativa que
busca criar condies para uma leitura mais apropriada do ambiente institucional amaznico
com o intuito de dar conta de uma interpretao mais sistmica e completa da realidade
discursiva que alimentou o sentido histrico do desenvolvimentismo amaznico durante boa
parte do sculo XX. Momento em que ficar claro, a nosso ver, a influncia do debate
regionalista e culturalista brasileiro tambm sobre a formao dos intelectuais responsveis
pela elaborao do discurso desenvolvimentista-regionalista amaznico. Uma condio que se
desenvolve a partir da juno de trajetrias histricas e intelectuais muito precisas, e que tero
neste perodo seu momento de inflexo mais profundo, no sentido da emergncia de uma srie
de novas condies institucionais e discursivas que favorecero a conformao e
sedimentao de um discursivo desenvolvimentista de natureza especfica na Amaznia.
Como um todo, o que queremos ressaltar do ponto de vista metodolgico neste estudo,
portanto, a importncia de se avaliar o processo de formao histrico e institucional dos
elementos discursivos responsveis pela constituio do modelo de interpretao que as
sociedades e a as elites regionais brasileiras compreendem como resultado, e como objetivo
em si, de seu processo histrico de desenvolvimento. Ou seja, utilizando como estudo de caso
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a formao discursiva das elites regionais amaznicas, o que queremos tentar demonstrar so
as caractersticas genealgicas da formao de todo um modelo de interpretao dos gargalos
estruturais que as elites regionais compreendem como sendo os limites do desenvolvimento
regional amaznico. Elementos discursivos que condicionam muitas vezes a formao das
instituies e das organizaes de estado responsveis pela elaborao, planejamento e
execuo das polticas de desenvolvimento regional na Amaznia ainda nos dias de hoje. A
natureza path dependency de nossas organizaes de estado representam aqui um fator
determinante para a compreenso dos limites institucionais e empecilhos para o
desenvolvimento de polticas mais adequadas de desenvolvimento regional. Acreditamos que
no conseguiremos compreender estes desafios sem conhecer as entranhas das organizaes e
do ambiente institucional desenvolvimentista que fizeram parte de sua formao histrica.
Condicionando, inclusive do ponto de vista discursivo, a formao de nosso ambiente de
elaborao de polticas de desenvolvimento regional na atualidade.
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2 OBJETIVOS E METODOLOGIA
O debate sobre a formao histrica do pensamento econmico e social brasileiro e sua
relao com a idia de planejamento do desenvolvimento nacional, tem nos anos 80 um
momento de grande efervescncia. Um perodo em que o ambiente de redemocratizao do
pas carregado de rejeio a tudo o que pudesse parecer como resqucio do autoritarismo do
regime militar , acabou por alimentar um esprito de averso a toda e qualquer noo de
planejamento econmico e interveno estatal no Brasil. Uma rejeio que ia se consolidando
politicamente medida que ganhava fora uma perspectiva liberal que ir se tornar
hegemnica a partir do incio da dcada de 90. Perodo em que um processo de abertura
comercial e financeira da economia brasileira conduzida pelo ento presidente Fernando
Collor de Melo , ir se desenvolver atravs de um amplo processo de desmonte de boa parte
da estrutura de interveno do Estado brasileiro que havia sido implantado desde a Era
Vargas1.
Neste contexto, a crise da economia brasileira e seus aspectos de forte contedo
conjuntural (inflao, problemas na balana de pagamentos, dvida externa, etc.), iro
contribuir de forma decisiva para reforar a sensao de descrdito para com as estratgias de
planejamento e interveno estatal voltadas para uma perspectiva de desenvolvimento de
longo prazo no Brasil jogando o foco de ateno terica e poltica para as alternativas e
soluo de problemas mais imediatos. Um movimento poltico amplo que acabou por se
constituir enquanto discurso fortemente influenciado pela onda neoliberalizante que tomava
conta do mundo ocidental, e nos impulsionava rumo a uma encruzilhada terica e poltica de
grandes repercusses para o futuro do pas. Num momento em que o foco de ateno de uma
parcela significativa da intelectualidade brasileira se volta por fora dos fatos , para uma
avaliao crtica e reflexiva sobre as origens, perspectivas e limites das polticas de
desenvolvimento econmico implantadas desde a dcada de 30. Assim como da natureza e
formao do Estado desenvolvimentista brasileiro, ento em crise.
nesse momento que uma parcela significativa da intelectualidade brasileira, formada
na tradio de pensamento econmico estruturalista e cepalino, se volta para uma tentativa de
1Como afirma o cientista poltico Wanderley Guilherme dos Santos: a declarao propositiva do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que iria terminar com a Era Vargas veio a ser o pico de glria do at ento murmrio das catacumbas. Reduzido ditadura e ao populismo, o legado varguista estaria destinado pgina de dbitos da nao, antes que reserva de vrios e benficos exemplos, inspiradores de possveis futuros (SANTOS, 2006, p.17).
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reflexo mais profunda a respeito de suas origens. Autores como Ricardo Bielschowsky
(1988), Guido Mantega (1984), Luiz Carlos Bresser Pereira (1982) entre outros, iro buscar
aprofundar, em plena crise da economia brasileira na dcada de 80, os debates sobre a
natureza e formao do pensamento desenvolvimentista brasileiro. Debate que havia se
iniciado na dcada de 60 num perodo posterior implantao do regime militar em 1964
sobre a influncia, entre outros, da teoria da dependncia de Fernando Henrique Cardoso e
Enzo Faletto (1970). Uma estratgia de avaliao crtica que se refora num perodo de
redemocratizao, na medida em que tem como uma de suas principais bandeiras, uma
reavaliao profunda dos ideais desenvolvimentistas brasileiros, assim como de seus
fundamentos tericos intervencionistas mais fundamentais. Estimulando a busca por um
balano crtico em relao experincia intelectual e poltica brasileira que havia sido gerada
a partir de uma estratgia desenvolvimentista ao longo do sculo XX.
No ficaram imunes s crticas, as abordagens cepalinas e isebianas, consideradas como
fundamentos da tradio intelectual desenvolvimentista agora em crise. Contra elas,
emergiam novas tradies intelectuais esquerda e direita que alimentavam a expectativa de
uma reforma na concepo geral do Estado brasileiro, e de seu papel na conduo da poltica
de desenvolvimento do pas. Um projeto que tinha, em seu todo, tambm, o intuito de fazer
um exerccio histrico de sistematizao da produo terica brasileira voltada para o tema do
papel do Estado em sua relao com a questo da industrializao e do planejamento do
desenvolvimento nacional. Alimentando, por esse caminho, uma melhor reflexo sobre a
necessidade de se rever alguns de seus pressupostos tericos mais fundamentais; tendo em
vista a idia fora que ir animar alguns de seus principais participantes no sentido de tentar
reconstruir, em novas bases, um projeto nacional de desenvolvimento para o pas2.
no contexto desta busca por um balano crtico da tradio do pensamento
desenvolvimentista brasileiro, que, por exemplo, Ricardo Bielschowsky (1996) se volta para
um estudo sistemtico a respeito da dinmica dos perodos de formao, desenvolvimento,
auge e declnio do chamado ciclo ideolgico do desenvolvimentismo no Brasil (que se
estenderia, segundo o autor, entre os anos de 1930 e 1964). Momento em que a estratgia de
interveno estatal e o planejamento do processo de industrializao brasileira passam a 2 Foi a partir dessas reflexes crticas da dcada de 80, por exemplo, que surgem iniciativas como a reforma gerencial do Estado brasileiro. Levado a cabo por Luis Carlos Bresser Pereira enquanto esteve frente do Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (MARE) durante o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso.
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serem considerados como a fora motriz do projeto histrico de construo de um modelo de
desenvolvimento nacional; qual seja: o chamado nacional-desenvolvimentismo. Um projeto
de grande envergadura intelectual e poltica, e fonte orientadora na formao de toda uma
gerao de economistas e cientistas sociais formados durante as dcadas de 40, 50 e 60 no
Brasil.
No de hoje, portanto, que uma avaliao mais ampla da histria do pensamento
econmico e da tradio desenvolvimentista brasileira dentro de uma perspectiva
historiogrfica mais crtica , se torna objeto de um estudo mais sistemtico com intuito de
construir uma compreenso mais clara dos fundamentos intelectuais, polticos e sociais que
orientaram a produo de estratgias desenvolvimentistas durante o seu ciclo bsico de
formao, desenvolvimento e crise, no perodo ps-guerra3. Uma perspectiva que muito
contribuiu para uma melhor compreenso das caractersticas institucionais de evoluo de
nossa tradio intelectual, e de sua relao com a formao de uma estratgia mais ampla de
elaborao de uma poltica de desenvolvimento econmico voltado para o tema da construo
do Estado brasileiro em seu papel de fortalecimento histrico de uma trajetria de superao
do subdesenvolvimento.
No entanto, apesar dos enormes avanos que estas tradicionais interpretaes sobre a
formao do pensamento desenvolvimentista brasileiro representam enquanto perspectivas
que nos trazem uma melhor compreenso das razes e fundamentos da tradio intelectual
brasileira cremos que muito ainda se tem por aprofundar a respeito de alguns de seus
aspectos metodolgicos mais especficos, assim como de possveis e novos enfoques que se
poderiam inferir a partir do debate desenvolvimentista em suas mais variadas dimenses e
nveis de especificidade regionais. Caractersticas que, a nosso ver, constituem variaes em
termos de uma estratgia nacionalista mais ampla de fortalecimento dos instrumentos de
interveno estatal com o fim de implantar uma estratgia e modelo de desenvolvimento em
todo o vasto territrio brasileiro. O que, por fim, exige um tratamento para a questo de sua
formao discursiva que vai de uma compreenso mais ampla de seus componentes
heursticos mais gerais, at a concretude de sua realizao mais especfica em um ambiente
3 Outros exemplos de estudos semelhantes, no campo da historiografia das idias polticas e da formao cultural da tradio do pensamento desenvolvimentista brasileiro vistos por uma outra perspectiva, so os estudos clssicos de Dante Moreira Leite (2007), Carlos Guilherme Motta (2008) e Caio Navarro de Toledo (1997). Todos estes estudos de grande profundidade, e voltados para a anlise histrica da formao do que ficaria conhecido como ideologia da cultura nacional brasileira.
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institucional em escala regional. Cremos que a partir desse ponto, podemos finalmente
conseguir estruturar uma viso mais sistmica e abrangente sobre o processo de formao
discursiva do pensamento desenvolvimentista brasileiro em toda a sua complexidade e
manifestao em diferentes escalas e nveis de dimenses regionais.
2.1 OBJETIVOS DA PESQUISA
Tendo em vista este problema de ordem mais geral e concreta, acreditamos que se
fazem necessrios estudos mais detalhados sobre a interao entre a dimenso nacional do
discurso desenvolvimentista brasileiro, e seus rebatimentos em contextos regionais
especficos. Um estudo que passe a enfocar uma nova perspectiva que, na prtica, ao abarcar
dimenses e interesses que vo do nacional ao regional, representem, do ponto de vista
sistmico, um processo de leitura mais adequada da interao entre diferentes prticas ou
dimenses discursivas que se colocam em constante estado de tenso mediada por solues de
compromisso federativo. Assim como por diferentes interesses polticos e econmicos de
dimenses e escalas nacionais e regionais. Uma realidade que se manifesta, por sua vez, em
seus mais diferentes contextos territoriais; e que, por isso mesmo, deve muitas vezes se fazer
representar ideologicamente por discursos de identidade das mais variadas esferas e espaos
de representao social. Uma tradio intelectual que, em sua natureza sistmica, ir servir
enquanto suporte para um projeto de feio nacional-desenvolvimentista, mas que tambm
poder representar uma expresso genealgica de grande interesse em relao compreenso
dos anseios modernizadores de uma parcela das elites regionais amaznicas, que expressam
de alguma forma uma representao dos anseios mais gerais de modernizao na periferia do
sistema capitalista brasileiro.
Sendo assim, por esse ponto de vista que podemos afirmar que, por mais valiosos que
sejam os avanos interpretativos que autores como Mantega (1984), Bielschowsky (1988),
Bresser Pereira (1982), entre outros, representaram para nossa compreenso a respeito dos
rumos e heranas do pensamento econmico e social brasileiro durante o perodo
desenvolvimentista. Estes ainda no parecem se mostrar suficientes, do ponto de vista da
compreenso de suas mais variadas dimenses e alcances em relao ao seu nvel regional de
influncia e formao institucional do vasto territrio nacional. Uma limitao que se mostra
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explcita, tendo em vista que a maioria destas interpretaes tericas negligencia a
importncia do papel de significao das esferas regionais de formao de determinados
enunciados, enquanto componentes de uma regularidade discursiva que, de certa forma,
alimenta o modelo de interao entre as esferas nacionais e regionais de formao do discurso
desenvolvimentista brasileiro em alguns de seus componentes mais relevantes.
Sero exatamente estes componentes de carter mais regionalizados (negligenciados
pelas interpretaes tradicionais), aqueles que, a nosso ver, devero ser os elementos de maior
importncia enquanto insumos para uma avaliao da influncia da tradio
desenvolvimentista sobre os nveis locais de formao institucional e poltica dos nossos
diferentes espaos regionais. As escalas locais e regionais de formao do projeto de
desenvolvimento nacional no Brasil representam, a nosso ver, portanto, um componente de
grande relevncia, que no pode ser desprezado quando da tentativa de compreenso das
trajetrias e das razes pelas quais determinadas estratgias de desenvolvimento nacional
acabam assumindo contornos to dispares em diferentes regies do pas. Situao que, em
certa medida, se torna responsvel, ainda hoje, pela manuteno de uma diversidade de
realidades institucionais e dimenses de influncias poltica e intelectual que permanecem, de
certa forma, enquanto heranas ainda da tradio do pensamento desenvolvimentista
brasileiro da dcada de 50.
Sabemos, por outro lado, no que diz respeito ao tradicional debate sobre a questo
regional no Brasil (CANO, 1985, 2000), que o mesmo tem se apresentado em nossa literatura
acadmica a partir de uma linha de anlise muitas vezes compreendida em paralelo ou em
leve interseco em relao ao debate mais amplo sobre desenvolvimento nacional. Uma
abordagem que poderia contribuir de forma muito mais efetiva, no entanto, se fosse analisada
enquanto instrumento e elo estrutural de fundamental importncia para a melhor compreenso
das inter-relaes entre os enfoques desenvolvimentistas (em sua dimenso em escala
nacional), e os interesses de modernizao orientada pelas elites regionais (com todos os seus
complexos componentes territoriais e suas dimenses culturais e polticas locais especficas).
nesse sentido que o resultado histrico de uma anlise das polticas desenvolvimentistas das
dcadas de 40, 50 e 60 com suas diferentes estratgias de desenvolvimento em relao s
regies Norte e Nordeste do Brasil seria, a nosso ver, um componente de fundamental
importncia para a melhor compreenso da construo institucional e simblica destes
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diferentes espaos regionais constitudos historicamente a partir de caractersticas
territoriais muito especficas. O que poucas vezes levada em considerao pelas anlises
economicistas que no observam a formao do territrio enquanto espao de extenso
qualitativa e de construo de trajetrias institucionais com caractersticas prprias.
Os debates sobre os modelos de crescimento endgeno em sua matriz tradicional
neoclssica apresentam, neste sentido, a limitao de no levar em considerao plenamente
os aspectos qualitativos e territoriais e, portanto, institucionais os quais determinam uma
dimenso especfica que poderia ser bem melhor explorada no debate sobre desenvolvimento
regional contemporneo (BARQUERO, 2001). A nosso ver, portanto, com a incorporao
das anlises sobre territrios e ambientes institucionais locais (como redes de interaes
sociais, formao de trajetrias tecnolgicas, organizaes e regras do jogo locais, etc), que a
teoria do desenvolvimento endgeno em sua vertente institucionalista e neo-schumpeteriana
ganha corpo medida que se torna teoricamente capaz de se impor, em relao ao debate
sobre desenvolvimento regional, enquanto um novo paradigma de anlise voltado para a
percepo do tema do desenvolvimento em novas bases conceituais e tericas, com grande
influncia e sensibilidade para o trato da questo territorial.
Uma perspectiva que prioriza a importncia da liderana do processo de
desenvolvimento regional por meio do controle e domnio metodolgico das trajetrias
histricas que constituem o espao regional em sua dimenso territorial mais concreta. Uma
dimenso de desenvolvimento que supera, em muito, a simples importao de estratgias de
crescimento econmico oriundas de outras regies do pas. E que, por isso, no se limita
apenas a considerar o crescimento econmico a partir de uma viso restrita de espao fsico,
ou como extenso territorial apenas (COSTA, 2006). Mas sim como uma perspectiva que
compreende o espao por um ponto de vista mais substantivo; como um territrio com
identidade prpria, aonde se observa, alm do espao homogneo (enquanto extenso fsica),
o entorno institucional em seus aspectos qualitativos e especficos (BARQUERO, 2001, p.
70). Aqui, inclusive e esse um dos principais objetivos desse trabalho levando em
considerao as formaes discursivas que o configuram regionalmente, constituindo a sua
especificidade enquanto componente qualitativo de sua trajetria de desenvolvimento
institucional em mbito local. Uma realidade que passa a ser melhor absorvida teoricamente
pelos atuais modelos de desenvolvimento de matriz institucionalista; medida em que estes
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passam a levar em considerao toda a complexidade do ambiente local para alm da simples
considerao do valor do capital natural e das vantagens comparativas de natureza fsica
apenas.
seguindo esta mesma linha de raciocnio, que procuraremos ao longo deste trabalho
desenvolver argumentos no sentido de mostrar que quando buscamos superar uma anlise
espacial estrita sobre desenvolvimento por meio de sua superao a partir de uma anlise
que valoriza a especificidade do ambiente local , que conseguimos finalmente constituir um
arcabouo terico a nosso ver mais apropriado para abarcar uma noo de desenvolvimento
com caractersticas mais prximas ao ideal do desenvolvimento sustentvel (COSTA, 2006).
tendo em vista, portanto, o objetivo de tentar contribuir de um ponto de vista mais amplo
com uma melhor problematizao histrica da questo regional brasileira em sua interao
com a dimenso territorial amaznica, que procuraremos justificar a necessidade de se
avanar no estudo histrico da formao discursiva do iderio desenvolvimentista brasileiro
em sua interao com o tema do desenvolvimento regional da Amaznia. Para isso teremos
que avaliar de que forma a concepo discursiva do iderio desenvolvimentista brasileiro
pde ser integrada, e absorvida em escala regional, a partir de sua interao com a realidade
econmica, poltica e cultural nacionalmente voltada para a construo de um Plano de
Valorizao Econmica para a Amaznia, durante as dcadas de 40 e 50. Perodo considerado
pela historiografia tradicional do pensamento econmico, como um perodo de auge do ciclo
desenvolvimentista brasileiro (BIELSCHOWSKY, 1996).
Neste sentido, o que podemos afirmar que tradicionalmente os estudos sobre a
formao econmica e social da Amaznia tm se caracterizado pela nfase na busca pela
compreenso da dinmica econmica regional como resultado de ciclos econmicos
impulsionados por dinmicas externas. Dos ciclos das drogas do serto (no sculo XVII),
passando pelo perodo de interveno pombalino (na segunda metade do sculo XVIII), e pelo
perodo da borracha (na virada dos sculos XIX ao XX), a histria econmica da Amaznia
compreendida tradicionalmente como impulsionada por uma dinmica de determinao
econmica de padro exterior, e que pouco de significativo apresentaria em termos de
formao de uma economia regional de natureza mais estvel e com uma dinmica econmica
prpria, que no fosse uma pura extenso imediata em relao ao funcionamento da dinmica
de abastecimento de mercados externos. Perspectiva terica que nos levou durante muito
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tempo a conceber uma espcie de vazio econmico regional, e uma falta de interesse
intelectual e acadmico pela compreenso das trajetrias econmicas e institucionais que, por
ventura, poderiam existir ou terem sido moldadas a partir de dinmicas endgenas de
funcionamento da economia regional amaznica (COSTA, 2006).
Por seus elementos endgenos, a Amaznia era vista, por essa perspectiva
historiogrfica tradicional, como um vazio econmico ou um espao com caractersticas
biticas e culturais especficas, mas de pouco interesse no que diz respeito ao despertar de
estudos mais aprofundados sobre a sua natureza econmica. Cabendo muito mais o interesse
pelos estudos antropolgicos e de conhecimento do funcionamento do bioma e das
caractersticas culturais das populaes tradicionais como espcies de excentricidade do
ponto de vista econmico. Sem nenhum interesse mais especfico em relao compreenso
de sua dinmica interna (considerada muitas vezes como uma dimenso completamente
inexistente para os padres de desenvolvimento esperados em um projeto de modernizao).
sobre o impulso deste diagnstico sobre o estado da arte na produo de um
conhecimento das dinmicas endgenas na Amaznia, portanto, que queremos aqui reforar
uma nova perspectiva historiogrfica que busque valorizar estudos mais especficos de
formao do discurso desenvolvimentista, assim como da histria econmica da Amaznia,
pelo ponto de vista de sua dimenso regional e interna sua realidade institucional. Uma
abordagem que tenha como fim desvendar em maiores detalhes a existncia de uma dinmica
econmica, social e poltica regional com caractersticas institucionais bem especficas.
2.2 QUADRO TERICO-METODOLGICO DE REFERNCIA
A busca pela compreenso da formao do discurso desenvolvimentista brasileiro em
sua relao com o tema do desenvolvimento regional da Amaznia tal como apresentado no
tpico anterior representa um desafio terico-metodolgico de grandes propores para
qualquer pesquisador que esteja plenamente consciente das dificuldades inerentes a uma
empreitada desta natureza. No de hoje, portanto, que os historiadores das idias e da
formao dos grandes sistemas de pensamento se preocupam em tentar construir ou
reconstruir arcabouos tericos e metodolgicos com o objetivo de melhor representar um
modelo a ser considerado como o mais adequado para anlises historiogrficas deste tipo. Em
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vrios momentos distintos da histria, escolas e grupos de historiadores propuseram diferentes
modos de perceber os eventos histricos em sua relao com a formao das idias a partir de
diferentes contextos econmicos, sociais e polticos. Com isso, foi se configurando, enquanto
disciplina, uma teia de possibilidades metodolgicas que nos permitem, hoje em dia, uma
riqueza muito grande de abordagens, e alternativas tericas e metodolgicas.
De acordo com Jos Dassuno Barrros (2008), podemos organizar e classificar as
vrias possibilidades historiogrficas neste campo, a partir de trs ordens de critrios
principais, quais sejam: sua dimenso, sua abordagem e seu domnio; ou, de outra forma, seu
enfoque, seu mtodo e seu tema (BARROS, 2008, p. 20). Por esse ponto de vista, uma
dimenso implicaria em um tipo de enfoque ou em um modo de ver (ou em algo que se
pretende ver em primeiro plano na observao de uma sociedade historicamente localizada);
j uma abordagem implicaria em um modo de fazer a histria a partir dos materiais com os
quais deveria trabalhar o historiador (determinadas fontes, determinados mtodos, e
determinados campos de observao); um domnio, por sua vez, corresponderia a uma escolha
mais especfica, orientada em relao a determinados sujeitos ou objetos para os quais seria
dirigida a ateno do historiador (campos temticos como o da histria das mulheres ou a da
histria do Direito, por exemplo) (BARROS, 2008, p. 20).
Neste sentido, se quisermos avaliar em que perspectivas este trabalho se enquadra,
cremos que poderamos considerar que do ponto de vista do tema, este trabalho poderia ser
enquadrado como em estudo da formao dos discursos sobre o desenvolvimento regional
brasileiro e da Amaznia pelo ponto de vista de suas elites regionais; nosso mtodo de
anlise poderia ser classificado como sendo o da arqueogenealogialogia do discurso; e o
nosso enfoque como sendo o da histria da cultura ou das mentalidades. Ou seja, como um
todo, o que pretendemos fazer um estudo sobre a formao discursiva da relao entre a
questo regional como um fenmeno de dimenso nacional e a construo simblica do
iderio do desenvolvimento amaznico, como caso particular a ele associado. Uma
abordagem que busca fazer uma reflexo sobre os aspectos arqueogenealgicos da formao
discursiva do pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro em sua conexo com a
emergncia da questo regional amaznica, tal como a mesma se apresenta no perodo
imediatamente posterior Segunda Guerra Mundial.
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2.2.1 O enfoque da histria da cultura e das mentalidades: em busca de uma arqueogenealogia das formaes discursivas
O debate sobre a relevncia do estudo da formao das idias e sua relao com o tema
da formao econmica e social de uma determinada sociedade, um aspecto do estudo da
interao entre histria e cincias sociais que tem acompanhado os debates historiogrficos
desde o incio do sculo XX. Foi com a Escola dos Annales, mais especificamente, que a
historiografia parece marcar definitivamente sua ntima aproximao com o enfoque de
anlise que privilegia o estudo das estruturas econmicas e sociais enquanto elemento
condicionante (longa durao) dos eventos histricos e da formao das idias. As noes de
longa durao, histria-problema e histria total (REIS, 2000), nesse sentido, ganham uma
importncia fundamental no contexto das explicaes do sentido dos fatos histricos. Sentidos
os quais passam a ser entendidos, a partir desse momento, no mais como eventos isolados e
dados quase que casuisticamente (como na historiografia tradicional positivista do sculo
XIX). Mas sim, como o resultado de um lento processo de mudana estrutural (longa
durao) nos quais os condicionantes scio-econmicos passariam a assumir um papel
predominante em relao aos acontecimentos, datas e personagens; anteriormente
considerados como nicos fatores relevantes para a explicao do desenvolvimento do curso
da histria.
nesse sentido que para o novo esprito dos Annales, os eventos histricos passam a
ser compreendidos a partir, basicamente, da observao de sua inter-relao com o contexto
scio-econmico que, por sua vez, justificariam e dariam um sentido histrico-estrutural e
um carter de evento social , a um fato histrico especfico. Fatos anteriormente
compreendidos de forma acontecimental e politicamente compreendida com uma certa
viso mecnica e linear da evoluo dos fatos histricos. com o advento da Escola dos
Annales, portanto, que mais concretamente os fatos histricos passam a ser vistos como o
resultado no de uma constatao pura e simples como se os fatos pudessem representar
algo em si , mas sim, como o resultado de uma construo terica que lhe imputava um
carter socialmente constitudo, e no qual a ao de interpretao do historiador passa a ser
entendida como o resultado de uma prvia problematizao. Que, por sua vez, exige do
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mesmo uma seleo criteriosa dos fatos e fontes a serem analisadas, de forma a permitir a
constituio histrica e sociolgica de seu objeto de estudo4.
No entanto, a experincia da Escola dos Annales ou da Nouvelle Historie (como ficar
conhecida posteriormente), ao longo do sculo XX, ir nos mostrar a complexidade e
diversidade de perspectivas que so possveis de serem construdas dentro desta mesma linha
de interpretao historiogrfica. As mudanas internas e as novas perspectivas metodolgicas
que vo surgindo ao longo do sculo permitiro Escola dos Annales uma diversidade de
vises historiogrficas que acompanharo o contexto histrico vivido pela sociedade europia
e mundial (principalmente a partir da segunda metade do sculo XX). Para Reis (2000)
existem, na verdade, quatro grandes fases as quais poderia ser classificada e subdividida a
histria dos Annales; seriam elas: 1) o perodo 1929/1946, fase inicial e que marca sua
inaugurao a partir da influncia da sociologia atravs das obras de Bloch e Febvre; 2) o
perodo 1946/1968, fase urea a qual tem como figuras proeminentes Fernand Braudel e
Labrousse perodo este o qual os Annales cumprem o papel de aproximar os estudos
historiogrficos com uma abordagem dominada pelas anlises quantitativistas e
estruturalistas5; 3) o perodo 1968/1988, fase de crise e profunda reestruturao da Escola dos
Annales perodo sob a influncia inicial do movimento de maio de 1968 na Frana , e que
obrigou a revista a fazer algumas revises e uma reorganizao institucional6; 4) por fim a
fase ps 1988, a qual descrita por Reis (2000) como sendo o perodo no qual os Annales iro
sofrer uma reviravolta profunda no sentido crescente da valorizao e da volta das anlises
narrativas (REIS, 2000).
Entre os tericos que exerceram de forma contundente um grande poder de influncia
sobre as duas ltimas fases dos Annales, est Michel Foucault. Autor de obras memorveis
como A histria da loucura, O Nascimento da Clnica, As palavras e as Coisas, Arqueologia
do Saber, entre outras, Foucault influenciou o pensamento historiogrfico dos ltimos vinte 4 No incio do processo de afirmao da nouvelle historie e da Escola dos Annales, a influncia da sociologia de Durkheim e Max Weber foi de fundamental importncia para a construo intelectual da nova proposta historiogrfica dos primeiros representantes, e principais fundadores, da proposta inicial da revista: Annales d`Historie Economique et Sociale, fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre (REIS, 2000). Em seguida, a preponderncia dos aspectos econmicos, atravs da obra de Fernand Braudel, entre outros, iro confirmar o carter de proximidade da nova escola em relao metodologia das cincias sociais. 5 Este perodo foi tambm o perodo de maior expanso e de divulgao da nouvelle historie por quase todo o mundo acadmico de ento (REIS, 2000). 6 nesta fase tambm que os Annales passam a transitar desde uma viso excessivamente estrutural e quantitativa, at uma viso mais pluralista, que busca valorizar a importncia dos fatores culturais e seu papel transformador em relao evoluo histrica da sociedade.
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anos na medida em que prope uma reviravolta crtica em relao s tradicionais abordagens
estruturalistas que compreendiam o estudo da histria como uma busca pela reconstituio de
uma realidade a partir de um mtodo epistemolgico que se pressupunha capaz de nos
permitir representar, da forma mais fidedigna possvel, as estruturas sociais que comporiam
um objeto de estudo definido. Uma das principais contribuies de Foucault para a
historiografia contempornea, neste sentido, est em seu mtodo arqueolgico. Uma
concepo que se torna mais bem compreendida, como afirma Machado (2006), se analisada
como uma trajetria que apresenta mltiplas possibilidades de definies, e que tem como
meta uma construo metodolgica que se constitui no como coisa acabada, mas sim como
um modelo de adaptao que se modifica medida em que o objeto lhe exige novos
caminhos7. Como afirma Machado:
[...] uma caracterstica bsica da arqueologia justamente a multiplicidade de suas definies, a mobilidade de uma pesquisa que, no aceitando se fixar em cnones rgidos, sempre instruda pelos documentos pesquisados. Os sucessivos deslocamentos da arqueologia no atestam, portanto, uma insuficincia, nem uma falta de rigor: assinalam um carter provisrio assumido e refletido pela anlise. Com Michel Foucault a prpria idia de um mtodo histrico imutvel, sistemtico, universalmente aplicvel que desprestigiada (MACHADO, 2006, p. 12)
A grande novidade da arqueologia de Foucault em seu aspecto metodolgico, portanto,
exatamente se colocar como alternativa no epistemolgica s formas estruturalistas da
historiografia cientfica tradicional8. Foucault no pretende, assim, fazer uma histria do
pensamento cientfico por um ponto de vista evolutivo e com base numa perspectiva da
histria das idias, com cnones e mtodos rgidos. Mas sim, como ele chamar: atravs de
uma arqueologia das formas discursivas sobre as quais estariam assentadas, de alguma forma,
todas as formas de produo de saber. Um exerccio metodolgico que, ao invs de pressupor
7 Segundo Machado (2006), qualquer livro de Foucault , do ponto de vista metodolgico, sempre diferente do anterior, o que nos leva a falar da existncia de uma trajetria da arqueologia (MACHADO, 2006, p. 11), e no de um mtodo epistemolgico no sentido de um nmero determinado de procedimentos invariveis a serem utilizados na produo de um conhecimento (MACHADO, 2006, p.11). 8 Como afirma Machado: a epistemologia uma reflexo sobre a produo de conhecimentos cientficos que tem por objetivo avaliar a cincia do ponto de vista de sua cientificidade. Mas para que essa reflexo possa dar conta das condies de possibilidade dos conhecimentos cientficos, a epistemologia elege a histria como instrumento privilegiado de anlise (MACHADO, 2006, p. 7). Esta a funo primordial da histria do pensamento cientfico quando avaliado e operacionalizado a par