a questão regional e a formação do discurso desenvolvimentista na

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL DO TRPICO MIDO

    DANILO ARAJO FERNANDES

    A QUESTO REGIONAL E A FORMAO DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA

    Belm 2011

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Biblioteca do NAEA/UFPa)

    Fernandes, Danilo Arajo

    A Questo regional e a formao do discurso desenvolvimentista na

    Amaznia / Danilo Arajo Fernandes; Orientador, Francisco de Assis Costa.

    2011.

    313 f. : il. ; 20 cm. Inclui bibliografias Tese (Doutorado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos

    Amaznicos, Programa de Ps - Graduao em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido, Belm, 2011.

    1. Planejamento regional - Amaznia. 2. Desenvolvimento sustentvel Amaznia. 3. Ideologia Amaznia. 4. Foucault, Michel. 5. Furtado, Celso. I. Costa, Francisco de Assis, orientador. II. Titulo.

    CDD 22. ed.338.9811

  • DANILO ARAJO FERNANDES

    A QUESTO REGIONAL E AFORMAO DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA

    Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos. Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Costa

    Belm 2011

  • DANILO ARAJO FERNANDES

    A QUESTO REGIONAL E A FORMAO DO DISCURSO

    DESENVOLVIMENTISTA NA AMAZNIA

    Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos.

    BANCA EXAMINADORA:

    Dr. Francisco de Assis Costa

    Orientador- NAEA/UFPA

    Dr. Fbio Carlos da Silva

    Examinador interno - NAEA/UFPA

    Dr. Josep Pont Vidal NAEA/UFPA

    Examinador interno - NAEA/UFPA

    Dr. Fbio Fonseca de Castro

    Examinado externo - ILC/UFPA

    Dr. Ramn Garcia Fernandez

    Examinado externo - FGV/EESP

  • AGRADECIMENTOS

    Valiosos e enriquecedores foram os momentos de aprendizado e convvio pessoal e

    profissional por que passei nestes ltimos cinco anos. Gostaria de agradecer a todos os

    colegas e professores do NAEA e da Faculdade de Economia da UFPA pelos momentos de

    discusso e ensinamentos que me foram da maior importncia, e que muito me auxiliaram

    para que pudesse concluir com xito mais essa jornada em minha trajetria acadmica e

    profissional. Em especial, ficam aqui os agradecimentos aos professores membros da banca

    de avaliao, professores Fbio Castro, Josep Vidal, Fbio Carlos e Ramon Garcia Fernandez,

    alm do meu orientador, professor Francisco de Assis Costa, pela confiana depositada e pela

    amizade e exemplo de profissionalismo e dedicao ao estudo sobre a causa amaznica.

    Gostaria de agradecer tambm o apoio dos tcnicos e funcionrios da biblioteca e da

    secretaria do PDTU do NAEA, assim como aos meus familiares pela firme e slida presena

    que sempre tiveram em minha vida. E a todos que de alguma forma contriburam para minha

    formao acadmica ao longo destes anos. Um agradecimento mais do que especial a minha

    esposa, Izabella Fernandes, pela pacincia e apoio que recebi ao longo de todo esse tempo de

    caminhada. Aos meus pais e irmos, Carlos Alberto Ribeiro Fernandes, Maria Conceio

    Arajo Fernandes, Fbio Arajo Fernandes e Bruno Arajo Fernandes, por todos os

    momentos de alegria e paz que me propiciam. A vocs, dedico esta tese.

  • O discurso no simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os

    sistemas de dominao, mas aquilo porque, pelo que se luta, o

    poder do qual nos queremos apoderar.

    MICHEL FOUCAULT

    A concepo que nos guiar aqui no corresponde noo do

    senso comum segundo a qual idias so entidades externas s

    prticas sociais. Segundo essa concepo, seria constitutiva da

    nossa atitude natural perante o mundo, a noo de que as idias

    existem independentemente das coisas l fora, como se estas se

    referissem meramente ao mundo material fora de ns sem, no

    entanto, influenci-lo ou participar ativamente para o fato do

    mundo material externo, especialmente o social construdo e

    compartilhado pelos homens, ser precisamente este que existe e

    no qualquer outro que poderia ter existido em seu lugar. Ao

    contrrio, partiremos do suposto de que existe uma ntima

    imbricao entre idias e prticas e instituies sociais, de tal

    modo que estas no podem ser concebidas sem a ao daquelas.

    JESS SOUZA

  • RESUMO

    Este trabalho de tese trata de um estudo sobre a formao histrica discursiva sobre a questo

    regional amaznica e sua relao com o perodo nacional-desenvolvimentista no Brasil. Em

    sua primeira parte, o estudo apresenta os objetivos e a fundamentao terico-metodolgica

    do trabalho, baseada no mtodo arqueogenealgico de Michel Foucault e na teoria de

    ideologia de Paul Ricoeur. Em seguida o estudo apresenta as bases histricas e conceituais da

    formao do ciclo ideolgico do desenvolvimentismo no Brasil, assim como os fundamentos

    tericos e discursivos da questo regional brasileira. Nesta parte, o que fica evidente a

    importncia da correlao e interdependncia entre o tema da questo regional e a formao

    do discurso nacional-desenvolvimentista no Brasil; e nesse sentido, a obra de Celso Furtado

    se destaca como importante elemento de elaborao discursiva que ir representar uma

    interpretao da questo regional como compondo um projeto mais amplo de

    desenvolvimento nacional. Na parte final do trabalho, destaca-se a conexo entre o ambiente

    institucional nacional-desenvolvimentista brasileiro e a formao de uma tradio de

    pensamento regionalista amaznico que ter grande influncia nas dcadas de 40 e 50, e que

    ser responsvel pela elaborao de um discurso desenvolvimentista-regionalista a partir da

    influncia de autores como Euclides da Cunha e Gilberto Freyre. Autores como Arthur Cezar

    Ferreira Reis, Leandro Tocantins e Djalma Batista, entre outros, sero considerados alguns

    dos principais responsveis pela elaborao de um discurso intelectual que, segundo uma das

    concluses principais do estudo, tem suas condies de possibilidade criadas e impulsionadas

    a partir da realidade poltico-institucional que se constitui no contexto de formao das

    instituies desenvolvimentistas na Amaznia nas dcadas de 40 e 50. Conformando uma

    formao discursiva a qual atribuiremos o nome de desenvolvimentismo-regionalista.

    Palavras-chave: Formao discursiva. Nacional-desenvolvimentismo. Ideologia regionalista.

    Desenvolvimento regional amaznico.

  • ABSTRACT

    This thesis is a study of the historical formation of regional discourse on the issue Amazon

    and its relation to the national-developmentalist period in Brazil. In its first part, the study

    presents the goals and theoretical-methodological work, based on the method of Michel

    Foucault archeogenealogical and the theory of ideology of Paul Ricoeur. Then the study

    presents the historical basis of conceptual and ideological training of the cycle of

    developmentalism in Brazil, as well as the theoretical discourse and the regional question in

    Brazil. In this part, what is evident is the importance of the correlation and interdependence

    between the regional issue and the formation of national discourse of development in Brazil

    and in that sense, the work of Celso Furtado stands out as an important element of

    development discourse that will represent interpretation of a regional issue as constituting a

    larger project of national development. At the end of the paper, we highlight the connection

    between the institutional environment of national-development and the formation of a

    Brazilian tradition of regionalist thinking that Amazon will have great influence in the 40 and

    50, and will be responsible for preparing a development discourse regionalist from the

    influence of authors such as Euclides da Cunha and Gilberto Freyre. Authors such as Arthur

    Cezar Ferreira Reis, Leandro Tocantins and Djalma Batista, among others, are considered

    some of the most responsible for drafting an intellectual discourse that, according to one of

    the main conclusions of the study, has its conditions of possibility created and driven from the

    reality political-institutional context that is the formation of developmental institutions in the

    Amazon in the 40 and 50. Forming a discursive formation which will assign the name of

    developmentalism-regionalist.

    Key words: Discursive formation; National development; Regionalist ideology; Regional development in the Amazon

  • LISTA DE SIGLAS

    AIB Ao Integralista Brasileira ANL Aliana Nacional Libertadora BASA Banco da Amaznia S/A BCA Banco de Crdito da Amaznia BCB Banco de Crdito da Borracha BNB Banco do Nordeste do Brasil BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CDE Conselho de Desenvolvimento Econmico CEDB Comisso Executiva de Defesa da Borracha CODECO Comisso de Desenvolvimento do Centro-Oeste CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina CHESF Companhia Hidreltrica do So Francisco CNI Confederao Nacional da Indstria CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CODENO Conselho de Desenvolvimento do Nordeste CPATU Centro de Pesquisa Agropecuria do Trpico mido CPC Centros Popular de Cultura CVSF Comisso do Vale do Rio So Francisco DASP Departamento Administrativo do Servio Pblico DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FIEPA Federao das Indstrias do Estado do Par MPEG Museu Paraense Emlio Goeldi GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste IAN Instituto Agronmico do Norte IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro INPA Instituto Nacional de Pesquisas Amaznicas IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros NEI Nova Economia Institucional PAEG Plano de Ao Econmica do Governo PCB Partido Comunista Brasileiro PDA Plano de Desenvolvimento da Amaznia PIN Programa de Integrao Nacional PND Plano Nacional de Desenvolvimento PSD Partido Social Democrtico PTB Partido Trabalhista Brasileiro PVEA Plano de Valorizao Econmica da Amaznia SPVEA Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia SPVERFSP Plano de Valorizao Econmica da Regio da Fronteira Sudoeste do Pas SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste TVA Tenesse Vale Autority

  • UDN Unio Democrtica Nacional ZFM Zona Franca de Manaus

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................... 14

    2 OBJETIVOS E METODOLOGIA .................................................................................... 27

    2.1 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................ 30

    2.2 QUADRO TERICO-METODOLGICO DE REFERNCIA ....................................... 34

    2.2.1 O enfoque da histria da cultura e das mentalidades: em busca de uma arqueogenealogia das formaes discursivas ....................................................................... 36

    2.2.2 Um novo papel para o estudo das ideologias: a perspectiva hermenutica de Paul Ricoeur ..................................................................................................................................... 42

    2.3 A DIMENSO REGIONAL DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO E O ESTUDO DAS FORMAES DISCURSIVAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA AMAZNIA ............................................................................................................................ 47

    3 FORMAO, AUGE E DECLNIO DA IDEOLOGIA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL ........................................................................... 56

    3.1 A TRANSIO RUMO FORMAO DE UMA TRADIO DE PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL ............................................................................... 59

    3.2 A TRADIO DO PENSAMENTO ECONMICO E SOCIAL BRASILEIRO E OS ALICERCES DA IDEOLOGIA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA .......................... 61

    3.3 O PAPEL DO PLANEJAMENTO ECONMICO E A INTERPRETAO DO MODELO DE SUBSTITUIO DE IMPORTAES NA PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO E MARIA DA CONCEIO TAVARES ........................................................... 66

    3.4 A IDEOLOGIA DA CULTURA BRASILEIRA E O NACIONALISMO DO INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS (ISEB) .............................................................. 72

    3.5 A CRISE DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO E OS IMPASSES DA INDUSTRIALIZAO PERIFRICA: A FORMAO DO PENSAMENTO CRTICO DA DCADA DE 60 ...................................................................................................................... 77

    3.5.1 A crise de hegemonia do pensamento nacional-desenvolvimentista: o surgimento da nova teoria da dependncia e a dinmica do desenvolvimentismo autoritrio no Brasil 79

    3.5.2 A interpretao funcional-capitalista e o modelo endgeno de acumulao ........... 84

    4 O DEBATE SOBRE A NOO DE IDENTIDADE NACIONAL E OS FUNDAMENTOS DO DISCURSO IDEOLGICO REGIONALISTA BRASILEIRO 87

    4.1 A QUESTO RACIAL E A BUSCA PELA CONSTRUO DA NOO DE IDENTIDADE NACIONAL DURANTE A REPBLICA VELHA ...................................... 90

    4.2 A MESTIAGEM E O PAPEL DA CULTURA PATRIARCAL ENQUANTO ELEMENTO DE CONSTRUO DA NOO DA IDENTIDADE NACIONAL EM GILBERTO FREYRE ............................................................................................................ 101

  • 4.2.1 O sentido poltico da obra de Gilberto Freyre na formao de um pacto conservador durante a revoluo de 30 .............................................................................. 105

    4.2.2 A luso-tropicologia e a noo de identidade regional na construo da obra de Gilberto Freyre ..................................................................................................................... 108

    4.3 A CONTROVRSIA SOBRE O PAPEL DA CULTURA POPULAR E A AUTENTICIDADE DA NOO DE IDENTIDADE NACIONAL OU REGIONAL NO BRASIL .................................................................................................................................. 112

    5 A IDEOLOGIA DESENVOLVIMENTISTA E A QUESTO REGIONAL NO BRASIL: ENCONTROS E DESENCONTROS ................................................................ 117

    5.1 A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL NO BRASIL: AS DCADAS DE 40 E 50 ............................................................................................................................................ 118

    5.1.1 A formao de um novo ambiente institucional para as polticas desenvolvimentistas de carter regional ............................................................................. 124

    5.2 O AMBIENTE INTELECTUAL NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA E SUA RELAO COM A QUESTO REGIONAL BRASILEIRA .............................................. 128

    5.3 ALGUMAS DAS DIFICULDADES NA IMPLEMENTAO DAS POLTICAS DE PLANEJAMENTO REGIONAL NO PERODO PS 1964 ................................................. 137

    6 OS DEBATES SOBRE AS ORIGENS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO E O PROBLEMA DAS DESIGUALDADES REGIONAIS NO BRASIL .......................... 141

    6.1 A MUDANA DO EIXO DINMICO E OS MOTIVOS DO APROFUNDAMENTO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS BRASILEIRAS: A INTERPRETAO DE CELSO FURTADO ............................................................................................................................. 144

    6.2 AS CONTROVRSIAS SOBRE A ORIGEM DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO NO BRASIL ................................................................................... 147

    6.3 OS DEBATES SOBRE OS LIMITES E DEFICINCIAS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO NA AMAZNIA ........................................................................... 151

    6.4 A PERSPECTIVA CRTICA DE FRANCISCO DE OLIVEIRA E A CONTROVRSIA SOBRE OS CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA ESTRATGIA DO PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL ..................................................................... 157

    7 A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL E A FORMAO DAS INSTITUIES DESENVOLVIMENTISTAS NA AMAZNIA .................................. 166

    7.1 ASPECTOS GERAIS DA FORMAO DAS INSTITUIES DESENVOLVIMENTISTAS NA AMAZNIA NO SCULO XX ..................................... 167

    7.1.1 A INTEGRAO HISTRICA DA AMAZNIA E OS ASPECTOS GEOPOLTICOS E ECONMICOS DO DESENVOLVIMENTO (REGIONAL) BRASILEIRO .................. 172

    7.1.2 ASPECTOS POLTICOS-INSTITUCIONAIS E A FORMAO DAS CARACTERSTICAS DO AMBIENTE INSTITUCIONAL AMAZNICO DURANTE A REPBLICA VELHA ........................................................................................................... 183

  • 7.2 AS RELAES ESTADO-SOCIEDADE NO BRASIL E A EMERGNCIA DA QUESTO REGIONAL NA AMAZNIA .......................................................................... 190

    7.2.1 As relaes Estado-Sociedade no Brasil: as vises tradicionais .............................. 191

    7.2.1.1 As repercusses do modo de ser neoportugus em nossa estrutura patriarcal: a passagem da ordem rural para a ordem urbana durante o sculo XIX ................................... 194

    7.2.1.2 A interpretao da formao do patrimonialismo brasileiro ...................................... 198

    7.2.2 A revoluo de 30, as mudanas na configurao das relaes Estado-Sociedade no Brasil e a emergncia da questo regional na Amaznia .................................................. 199

    8 O QUADRO ANALTICO SUBJACENTE AO DEBATE SOBRE A QUESTO REGIONAL AMAZNICA NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX.................. 209

    8.1 A FORMAO DE UMA NOVA TRADIO INTELECTUAL DOS ESTUDOS SOBRE A AMAZNIA: A FASE PR-DESENVOLVIMENTISTA .................................. 214

    8.1.1 Euclides da Cunha e o Paraso Perdido ..................................................................... 216

    8.1.2 As primeiras influncias e a formao de uma nova tradio intelectual regionalista durante a dcada de 30 .................................................................................... 224

    8.2 A FORMAO DOS FUNDAMENTOS DE UMA NOVA IDEOLOGIA DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA NA AMAZNIA ...................................... 228

    8.2.1 Djalma Batista, a defesa da cultura e a importncia da questo regional amaznica ................................................................................................................................................ 229

    8.2.2 O pensamento de Arthur Cezar Ferreira Reis e a formao de uma historiografia de matriz desenvolvimentista na Amaznia ....................................................................... 237

    8.2.3 Arthur Cezar Ferreira Reis, Leandro Tocantins e a busca pela conciliao ecolgica como estratgia de desenvolvimento regional para a Amaznia ..................... 245

    9 O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZNICO EM SUA TENTATIVA DE CONSOLIDAO INSTITUCIONAL NAS DCADAS DE 40

    E 50 ........................................................................................................................................ 251

    9.1 O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O PERODO INICIAL DE FORMAO DE UM NOVO AMBIENTE INSTITUCIONAL NA AMAZNIA (1946-1953) ....................................................................................................................................... 254

    9.1.1 O contexto poltico e institucional brasileiro no perodo ps-guerra ...................... 258

    9.1.2 A natureza conciliatria e os aspectos poltico-institucionais da elaborao do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia................................................................. 265

    9.22729.2.1 A FORMAO DE UMA BASE PARA O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS ORGANIZAES DE FOMENTO PESQUISA CIENTFICA NA AMAZNIA NA DCADA DE 50 ............................................................................................................. 276

    9.2.2 A EMERGNCIA DE NOVOS INTERESSES EMPRESARIAIS E A FORMAO DA ORGANIZAO PATRONAL INDUSTRIAL NA AMAZNIA ............................... 280

  • 9.2.3 O Contexto institucional de atuao da SPVEA e as caractersticas discursivas da estratgia de valorizao econmica da Amaznia ........................................................... 283

    10 CONCLUSO.................................................................................................................. 291

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 301

  • 14

    1 INTRODUO

    Como bem nos lembra Renato Ortiz (2006, p. 17), a anlise e caracterizao da

    burguesia nacional brasileira feita por Florestan Fernandes em seu clssico A Revoluo

    Burguesa no Brasil (1975) , nos remete a um diagnstico e um retrato interpretativo da

    situao histrica da chamada revoluo burguesa no Brasil, que ter grande repercusso no

    pensamento sociolgico brasileiro da dcada de 70 e incio da dcada de 80. Uma

    interpretao que se transformou em elemento de extrema importncia no debate intelectual e

    poltico brasileiro exatamente no perodo de sua redemocratizao. Uma obra que expressa

    uma linha de interpretao historiogrfica e sociolgica que nos remete a um debate de grande

    envergadura em nossa tradio intelectual, e que trata das caractersticas e formao das elites

    brasileiras em seu projeto, truncado, de modernizao do pas. Elites que teriam como

    caracterstica principal, segundo Florestan, uma espcie de esprito modernizador de perfil

    apenas moderado. Diagnstico que, segundo Renato Ortiz, poderia ser comprovado medida

    que poderamos observar que no Brasil se implantou historicamente uma democracia restrita

    que no estende o direito de cidadania a toda a populao (ORTIZ, 2006, p. 17). Uma

    realidade que seria impulsionada por uma dinmica de desenvolvimento de um capitalismo

    perifrico que tem, na burguesia local, o interesse maior de transformao capitalista para

    reforar seus interesses estamentais. Dito de outra forma, a burguesia no possui na periferia o

    papel civilizador que desempenhou na Europa (ORTIZ, 2006, p. 17). Interpretao que se

    inspira, portanto, em uma longa tradio do pensamento poltico e social brasileiro que se

    alimenta do debate sobre as origens e especificidades de nossa formao histrica e cultural

    como pas com fortes heranas coloniais.

    E neste sentido que podemos dizer que o debate mais amplo sobre o papel das elites

    brasileiras na construo de um projeto de desenvolvimento nacional uma das marcas de

    nossa tradio intelectual que se constitui enquanto problema de pesquisa em boa parte j na

    primeira metade do sculo XX. Autores como Srgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre,

    Caio Prado Junior, Raimundo Faoro, Celso Furtado, entre outros, daro vazo entre as

    dcadas de 30 e 50 a um amplo rol de perspectivas e interpretaes sobre a formao

    econmica, poltica e social brasileira, que se afirmaro em nossa tradio intelectual,

    posteriormente, ao longo de todo o restante do sculo XX. Uma perspectiva que, durante a

  • 15

    dcada de 50, passar a incorporar de modo mais enftico em suas anlises um forte vis de

    compreenso das estruturais econmicas de base colonial e exportadora, entendidas poca

    como fator determinante das relaes entre o papel poltico das elites nacionais e o processo

    de desenvolvimento da sociedade brasileira como um todo. Variveis que passam a ser

    compreendidas, neste momento, como condicionando e limitando, pelo ponto de vista

    poltico-institucional, as possibilidades de construo de um projeto de desenvolvimento

    nacional autnomo para o pas.

    Por essa perspectiva historiogrfica de vis estruturalista, o papel de vanguarda que

    deveriam assumir as elites econmicas e intelectuais brasileiras em um processo de

    construo nacional, passaria a ser visto, durante toda a dcada de 50, como um elemento

    considerado de fundamental importncia; como componente estrutural de dimenso poltica

    capaz de explicar em boa parte os limites institucionais e os vcios do capitalismo brasileiro

    em sua condio de periferia do sistema capitalista mundial. Uma realidade que nos imporia

    uma condio, em ltima instncia, de dependncia, a qual constituiria o cerne de nossa

    condio histrica de pas perifrico ou subdesenvolvido. Elemento condicionante, portanto,

    para a formao de uma elite econmica e intelectual com caractersticas consideradas

    alienantes e colonizadas, no sentido da busca das reais condies de autonomia e

    desenvolvimento da nao brasileira. Uma elite que, ao ser vista como impossibilitada de

    conduzir de forma adequada o projeto de desenvolvimento nacional tendo em vista seus

    laos e interesses atrelados a um modelo primrio-exportador , precisava ser superada

    historicamente pela formao de uma nova elite industrial, a qual deveria se tornar

    responsvel pela construo de um projeto alternativo de modernizao para o pas. Projeto

    que deveria ser conduzido, por sua vez, por novos atores econmicos e polticos capazes de

    assumir o papel de conduo de um autntico projeto de desenvolvimento nacional. E que

    para isso, se fazia necessrio a formao de novas idias, que em suporte aos ideais de

    industrializao, fossem capazes de sustentar um projeto de desenvolvimento nacional em

    completa sintonia com as necessidades estruturais de superao de nossa condio de pas

    subdesenvolvido.

    E tendo em vista esta leitura mais ampla e geral no que diz respeito realidade

    brasileira e sua relao com seus aspectos estruturais mais fortemente ligados possibilidade

    de emergncia de uma elite intelectual e poltica capaz de conduzir um processo de

  • 16

    desenvolvimento nacional, que buscaremos inicialmente refletir aqui neste trabalho sobre as

    condies especficas em que neste contexto de reflexo terica e historiogrfica mais

    ampla , tambm se poderia atribuir a relevncia e a importncia de se investigar a existncia

    de tentativas efetivas de se constituir, em nvel regional, um discurso em sintonia ao estilo

    desenvolvimentista que se fazia hegemnico no Brasil durante as dcadas de 40, 50 e incio

    da dcada de 60. Um discurso que, moda nacionalista e desenvolvimentista brasileira,

    pudesse tentar arregimentar segmentos empresariais e intelectuais em regies perifricas, em

    um contexto de pleno desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro. Um discurso que,

    por hiptese, pudesse ser visto como sendo capitaneado por segmentos das elites intelectuais e

    econmicas dessas regies, e que pudessem representar, por essa via, uma natureza peculiar e

    especfica de formao discursiva e sociolgica de nossa matriz de pensamento

    desenvolvimentista em escala regional.

    Uma hiptese e um problema de pesquisa que, por outro lado, passa a nos colocar uma

    questo metodolgica imediata no que diz respeito s condies de possibilidade de

    replicao do padro de pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro em regies

    perifricas. E neste sentido, um estudo sobre a Amaznia pode representar um estudo de caso

    com o objetivo especfico de melhor avaliar essa possibilidade. Assim como tambm nos

    serve com o intuito de representar uma oportunidade de melhor compreender a formao

    institucional das elites regionais amaznicas em seu contexto de formao e influncia mais

    diretamente ligada tradio poltica e intelectual desenvolvimentista brasileira no sculo

    XX. E neste sentido, poderamos inclusive nos questionar de modo mais especfico ainda

    sobre que tipo de projeto desenvolvimentista para a Amaznia estas elites poderiam

    representar em seu contexto histrico? Ou seja, quais as condies de possibilidade para a sua

    emergncia enquanto uma espcie de regularidade discursiva (tal como esse conceito

    utilizado por Michel Foucault)? Como funcionaria a sua forma de pensamento ou ideologia

    mais fundamental? E qual a noo de progresso que se infiltraria historicamente em seu

    sistema de pensamento de matriz e inspirao extrativista e de base mercantil do incio do

    sculo XX?

    Estas so algumas das questes de fundo que representam um leque de preocupaes

    que consideramos das mais relevantes, na medida em que hoje se discute os rumos da questo

    ambiental do planeta, e a ele se associa a questo amaznica como um componente de

  • 17

    fundamental importncia. Uma reflexo que se soma a um forte debate j tradicional na

    literatura econmica e sobre desenvolvimento sobre o papel da dinmica regional amaznica

    no contexto do desenvolvimento nacional brasileiro; assim como ao papel dos atores regionais

    em um novo contexto de globalizao, no qual os mesmos se articulam com uma nova gama

    de interesses, redes e ideologias em escala global. Por outro lado, j nos tido como inegvel

    tambm, do ponto de vista terico, a percepo de que no exista possibilidade atual de

    construo de um projeto de desenvolvimento sustentvel para uma regio como a Amaznia,

    sem que tenhamos a participao e conhecimento suficiente sobre o modo de funcionamento

    da sociedade e de suas instituies locais. E neste sentido achamos que sem um conhecimento

    apurado sobre a forma como as elites locais se movimentam nesse jogo de disputas e

    interesses em escala global, no sejam possveis a construo de um arcabouo terico capaz

    de dar conta da compreenso dos atuais dilemas institucionais do desenvolvimento

    sustentvel da Amaznia.

    dentro desta mesma linha de raciocnio, que autores como Bertha Becker e Francisco

    de Assis Costa, entre outros (BECKER, 2004; CGEE, 2009) nos tem alertado mais

    recentemente sobre o fato de que a Amaznia, enquanto unidade de anlise, no deve mais ser

    considerada como um espao territorial homogneo. Uma unidade geogrfica ameaada por

    uma fronteira econmica nacional que supostamente seria a responsvel por agredir (de

    maneira exgena) o equilbrio interno de seu sistema bitico e abitico uniforme. Como se a

    dinmica social e econmica regional fosse passiva, ou respondessem de forma homognea,

    aos desafios impostos pelo processo de mudanas conduzidas durante a sua integrao

    nacional na segunda metade do sculo XX, assim como a sua integrao mais recente ao

    processo de globalizao comercial e financeira.

    A Amaznia brasileira ao contrrio, segundo Becker, deve ser considerada e isso j

    algo largamente difundido na literatura especializada , como uma macro-regio que possui

    os seus prprios protagonistas modernizadores locais. E que, por isso, deveria ter sua

    dinmica econmica e territorial compreendida e explicada no apenas pela anlise da

    influncia de seus aspectos modernizadores de origem e influncia externa regio. Mas

    tambm por uma diversidade de formas e processos sociais e econmicos internos

    capitaneados e apoiados muitas das vezes por segmentos e representantes das elites regionais,

    assim como por sua populao tradicional de ndios, ribeirinhos, caboclos ou camponeses

  • 18

    que se apresenta de forma multifacetada e compondo, hoje, um cenrio que constitui o espao

    regional amaznico em sua plenitude; em termos de complexidade, diversidade, e ambiente

    de disputa econmica e poltica. Um espao territorial de grande complexidade em que alguns

    ainda hoje insistem em definir como compondo uma espcie de homogeneidade regional.

    Mas que, na verdade, representa uma diversidade de processos e trajetrias internas que

    comporiam, de modo complexo, e evolucionrio, a dinmica econmica regional (COSTA,

    2008, 2009).

    Uma dinmica alimentada por um ambiente territorial multifacetado que agrega, por sua

    vez, uma teia de contradies as quais se expressam a partir de conflitos latentes, como por

    exemplo: a disputa pela posse e uso da terra; pelo direito a apropriao dos recursos naturais;

    pelo controle sobre o sistema de crdito produtivo; pela disputa territorial entre diferentes

    padres tecnolgicos de base agrria, entre outros. Conflitos que em sua maior parte parecem,

    primeira vista, se concretizar enquanto fenmenos restritos e independentes entre si. Mas

    que na verdade se constituem enquanto partes ou componentes mais imediatos e visveis de

    um sistema operando com uma lgica de funcionamento que se institucionaliza a partir de

    vnculos materiais e simblicos diretamente associados a interesses (locais, nacionais e

    internacionais) que se harmonizam parcialmente ou se conflitam, materializando-se enquanto

    ambiente institucional que se constitui enquanto sntese de uma diversidade territorial

    amaznica como hoje a conhecemos.

    Neste contexto, uma das preocupaes centrais no que diz respeito compreenso da

    atual dinmica de desenvolvimento scio-ambiental e econmico da Amaznia , passa,

    portanto, pela compreenso da formao histrica do pensamento das elites regionais e das

    trajetrias institucionais que alimentaram historicamente o perfil de formao especfica do

    desenvolvimento nacional e regional amaznico no sculo XX. Configuraes que se

    constituem tambm por elementos discursivos que conformam um leque de alternativas e um

    campo simblico de disputas polticas e econmicas de grande relevncia para a compreenso

    do ambiente institucional que se forma historicamente, e que compem ainda hoje um

    territrio amaznico multifacetado tambm em seus aspectos discursivos. No de hoje,

    portanto, que as disputas nos campos intelectuais e poltico se desenrolam na Amaznia tendo

    em vista os dilemas e contradies que se desenvolvem entre uma nsia por modernizao e

    progresso, de um lado; e um desejo de preservao de uma tradio cultural considerada como

  • 19

    fonte de uma estabilidade scio-ambiental e ecolgica da floresta amaznica, por outro.

    Contradio que, a nosso ver, se manifestar tambm com grande intensidade no perodo

    entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o perodo de auge do nacional-desenvolvimentismo

    no final da dcada de 50 e incio da dcada de 60 no Brasil. Neste contexto, as disputas

    econmicas e sociais passam a ser alimentadas por discursos de desenvolvimento que se

    impem enquanto alternativa para um tradicional dilema amaznico, qual seja: o dilema

    histrico entre extrativismo e modernidade (COSTA, 1992, 1995).

    E nessa tica, no podemos negligenciar o papel aqui relevante que assume o contexto

    geopoltico nacional e internacional que alimentava, poca, o sentido das disputas que se

    davam tambm explicitamente no campo da poltica e dos interesses econmicos mais

    explcitos. O que faz a necessidade de compreendermos a plataforma complexa e o pano de

    fundo sobre a qual estas disputas se realizavam enquanto cenrio institucional de interesses

    dos mais variados tipos. Espaos que representam uma espcie de locus aonde, em termos

    concretos, ocorrem as verdadeiras disputas pelo domnio das organizaes e dos instrumentos

    de controle ideolgico do estado e da sociedade civil, em sua relao com o funcionamento

    das instituies que organizam o funcionamento da sociedade na regio. Sem analisar os

    aspectos propriamente de natureza institucionais e das trajetrias histricas que sustentam a

    realidade das regras do jogo econmico, social e poltico que esto postas em cada caso

    concreto, acreditamos que no se possa fazer qualquer juzo mais adequado para a

    compreenso da realidade amaznica, inclusive quando extrapolados seus efeitos sobre a

    realidade econmica atual.

    neste sentido que podemos afirmar que as abordagens tradicionais de estudos de

    historiografia sobre a Amaznia pecam, em sua maior parte, por no conseguirem

    compreender, ou dar valor suficiente, compreenso mais profunda das caractersticas

    institucionais que, a nosso ver, condicionam a formao histrica e econmica da Amaznia

    ao longo de sculos. E nesse sentido, para cada fase de expanso e decadncia da regio que

    se manifestam muitas vezes na forma de ciclos econmicos estanques , estas abordagens no

    conseguem apreender de maneira adequada as dinmicas econmicas e sociais que, aps e

    durante cada ciclo, se mantm orientando em boa parte a sua atividade econmica e

    conformando o ambiente institucional amaznico em toda a sua complexidade (COSTA,

    2009, 2010). Ao contrrio do que destaca a maioria das abordagens que tratam do assunto,

  • 20

    portanto, acreditamos que so estas implicaes histricas que formam, ao contrrio, o que de

    mais slido componente poderamos ter enquanto elemento responsvel pela dinmica que

    interfere nas regras do jogo institucional amaznico at os dias de hoje. E que, a partir delas,

    se mantm orientando as atividades econmicas e polticas regionais em seus aspectos mais

    essenciais e relevantes na atualidade.

    Estudar a constituio histrica da Amaznia sem levar em considerao estes

    componentes de estabilidade institucionais que mantm uma estrutura de funcionamento

    bsico da realidade regional, ao estilo path dependency, implica a nosso ver, portanto, em

    desconhecimento das reais condies que se pode inferir a partir de qualquer espcie de

    interveno sobre a realidade local. Uma realidade que, moda neo-institucionalista, deveria

    ser compreendida inclusive para alm da simples reproduo de um padro de cdigos, leis e

    regras que alimentariam, do ponto de vista formal, o funcionamento das leis de mercado em

    um ambiente organizacional especfico (NORTH, 1990). Ao contrrio do que pensam a

    maioria das abordagens que cuidam das intervenes oficiais do Estado sobre a Amaznia

    ainda nos dias de hoje, o que queremos sustentar, a posio j largamente reconhecida na

    literatura (POLANY, 1944) e reforada mais recentemente pelo ponto de vista terico da

    chamada Nova Economia Institucional (NEI) , de que as regras de funcionamento do

    mercado, assim como de qualquer outro tipo de forma de interao social, devam ser

    compreendidas como o resultado da formao histrica de um ambiente institucional mais

    especfico. Que mescla aspectos formais e informais num complexo jogo de interao que se

    constitui como fundamento para o estabelecimento de regras de funcionamento da sociedade

    em um determinado contexto histrico. E que, por isso, se tornam responsveis pela

    orientao dos padres de comportamento dos indivduos em situaes ambientais muito

    especficas. Situaes que se expressam, por sua vez, a partir de uma realidade econmica e

    social historicamente determinada, e constituda a partir de uma rica experincia histrica.

    Fato que as torna necessria enquanto instrumento social efetivo com capacidade de forjar as

    condies de estabilidade institucionais responsveis pelo bom funcionamento do sistema de

    contratos em uma sociedade de mercado (WILLIAMSON, 1996; NORTH, 1990).

    De acordo com o que entende Douglass North (1990), por exemplo, instituies

    representam conceitualmente uma conjuno de aspectos formais e informais que sustentam

    as regras do jogo de funcionamento de uma sociedade, e que, por isso, permitem a existncia

  • 21

    de relaes econmicas com alguma estabilidade e eficincia ao longo do tempo. Estabilidade

    capaz de garantir a existncia e funcionamento, mesmo que imperfeito, de um sistema de

    mercado e seus correlatos. No entanto, segundo North (1990), no se pode garantir que estas

    instituies, apesar de seu elemento de estabilidade, possam representar ou cumprir o papel de

    servir como verdadeiras fontes garantidoras da eficincia econmica do sistema. possvel a

    existncia, neste contexto, de instituies que no permitam o bom desenvolvimento e

    eficincia de um sistema de contratos e de uma economia de mercado, capazes de garantir o

    direito de propriedade e a diminuio dos custos de transao em uma economia (NORTH,

    1990). Da a imbricada e complexa correlao entre o bom e adequado desenvolvimento

    institucional e as condies e resultados efetivos em termos de produtividade e

    desenvolvimento econmico de um pas. Para North, boa parte das razes para o desempenho

    inadequado em termos de desenvolvimento econmico de alguns pases ou regies, est

    exatamente na deficincia de suas instituies. E nesse sentido, a necessidade de estudos cada

    vez mais sofisticados sobre a formao da dinmica institucional de um determinado pas ou

    regio, a nosso ver, torna-se um aspecto de fundamental importncia para a elaborao de

    bons diagnsticos sobre as razes e condies efetivas de seu nvel de desenvolvimento atual.

    tendo em vista, por fim, esta preocupao com a compreenso da natureza da

    formao histrica e social da Amaznia em seus aspectos mais amplos, portanto, que

    procuraremos aqui neste trabalho desenvolver, em um plano mais especfico, uma sntese dos

    principais elementos que poderiam nos ajudar a reconstituir, do ponto de vista histrico, o

    mosaico de conflitos, interesses e caractersticas que alimentaram por uma perspectiva

    discursiva as regras de funcionamento do ambiente institucional amaznico durante o

    chamado perodo do nacional-desenvolvimentismo no Brasil. Caractersticas que passaram a

    se constituir enquanto moldura de um campo institucional mais complexo que ao mesmo

    tempo se conserva e se modifica ao longo do tempo, medida que seus fatores de estabilidade

    so pressionados e constrangidos por elementos externos. Conformando, ao longo da histria,

    uma determinada trajetria de evoluo institucional de caracterstica muito especfica e de

    dimenses e formato de natureza tipicamente amaznica.

    nesse contexto de estudo de evoluo histrica e institucional, portanto, que teremos

    como hiptese o argumento de que tenha se formado na Amaznia, em meados do sculo XX,

    uma elite intelectual com a pretenso de impulsionar um modelo de desenvolvimento regional

  • 22

    que pudesse manter-se, de alguma forma, em sintonia com a matriz de pensamento

    hegemnico nacional-desenvolvimentista brasileiro da poca. Uma perspectiva de vis

    regionalista-desenvolvimentista que se forma como sntese, portanto, a partir de uma misso

    de tentar representar uma leitura intelectual capaz de decifrar os cdigos e as regras do jogo

    institucional brasileiro como um todo. E da alimentar, como soluo, um conjunto de

    propostas e criao de regras de funcionamento de organizaes e do ambiente institucionais

    amaznico mais direcionado para a construo de um projeto desenvolvimentista em nvel

    regional. E nesse contexto, o nosso argumento principal o de que a formao do discurso

    desenvolvimentista brasileiro assume na Amaznia, por isso, uma conotao muito especfica

    e de natureza tipicamente culturalista. Discurso fundamentalmente moldado de forma a se

    adaptar e impulsionar uma mudana na formao do ambiente institucional local, assim como

    com a pretenso de resolver os dilemas econmicos e geopolticos que recorrentemente

    alimentavam os interesses a as preocupaes dos atores regionais e nacionais em relao

    regio.

    Acreditamos, portanto, que no seja possvel compreender os impasses de criao e

    operacionalizao de organizaes como a SPVEA na dcada de 50, por exemplo, sem uma

    leitura detalhada a respeito das disputas que se faziam presente no ambiente institucional que

    fundamentava a sua condio de existncia, em nvel mais amplo, e a partir de uma

    diversidade de posies ideolgicas em questo. E que, por isso, eram orientadas por

    interesses dos mais variados tipos. Situao que alimentava, em ltima instncia, a

    constituio das regras do jogo institucional local, mediada por uma relao de

    complementariedade e conflito com o desenvolvimento do processo de substituio de

    importaes em pleno curso no Brasil (MANTEGA, 1995; BIELSCHOWSKY, 1996).

    Entender os dilemas destas organizaes desenvolvimentista na Amaznia significa dar vazo

    a uma anlise do contexto histrico em que a mesma se constitui enquanto expresso de

    significado concreto de uma realidade que se molda em entorno de um determinado ambiente

    institucional brasileiro, de perfil hegemnico nitidamente nacional-desenvolvimentista.

    E neste sentido que podemos afirmar que, na Amaznia, a preocupao com a

    industrializao se torna, ao contrrio do que ocorre no restante do pas, um componente bem

    menos determinante para seu processo de desenvolvimento institucional (apesar de ser de

    qualquer forma afetado por este processo em ltima instncia). Aspectos como a

  • 23

    diversificao da base produtiva, estmulo a heveicultura e produo agrcola alm de

    investimentos na formao de instituies de pesquisa representaram elementos, talvez,

    mais relevantes para a compreenso do discurso desenvolvimentista na Amaznia do que a

    prpria estratgia de industrializao em si. O que se mostraria um caso bem diferente em

    relao ao Nordeste, com seu modelo furtadiano tpico de substituio regional de

    importaes. Por outro lado, de um ponto de vista de anlise estritamente intelectual, um

    discurso de natureza culturalista assume na Amaznia um papel muito mais importante e bem

    diverso tambm do que o ocorreu no Nordeste.

    Na Amaznia, o discurso culturalista por um ponto de vista mais poltico assume

    um papel importante tambm enquanto instrumento ideolgico e econmico a favor da defesa

    de interesses de grupos regionais. Uma perspectiva que se apresenta como alternativa de

    mediao poltica com o objetivo de promover um processo de mudanas no ambiente

    institucional local, mas sem perder a perspectiva de manuteno dos interesses das elites

    regionais. O que acaba por constituir, em nvel local, um ambiente ao mesmo tempo favorvel

    e promotor de uma estratgia desenvolvimentista com caractersticas muito especficas. Uma

    realidade e um projeto que viria supostamente com o intuito de se transformar em uma

    estratgia de modernizao melhor adaptada em relao ao ambiente ecolgico dos trpicos

    midos.

    Diferente disso, no Nordeste este mesmo discurso regionalista era visto como

    imediatamente contrrio e antagnico em relao ao ideal de modernizao do projeto de

    industrializao da regio. Os ideais regionalistas no Nordeste representavam em verdade,

    desse modo, uma tentativa de brecar o avano da modernizao e do processo de

    industrializao e urbanizao em curso. Configurando uma abordagem ideolgica de

    natureza estritamente conservadora. J no caso da Amaznia isso parece no ocorrer de forma

    to ntida. Estando o discurso regionalista amaznico muito mais moldado e voltado para uma

    estratgia em favor da defesa conciliatria dos interesses de preservao da autonomia das

    elites regionais em um projeto de modernizao econmica e integrao fsica-espacial da

    regio em relao ao pas.

    Nesse sentido, o discurso nacional-autoritrio que se tornaria cada vez mais importante

    a partir do regime militar, em 1964, parece encontrar no discurso regionalista amaznico

    (durante o perodo ps Segunda Guerra Mundial) um importante componente mediador e um

  • 24

    pano de fundo institucional, que acabaria, por fim, por facilitar seu processo de aceitao

    social do projeto de modernizao nacional em escala regional. No perodo de

    amadurecimento e auge do nacional-desenvolvimentismo no Brasil (de 1946 a 1964),

    portanto, o que se verificou na Amaznia foi uma situao de conflito de interesses

    federalistas mediado de modo implcito por um discurso regionalista e desenvolvimentista

    moderado que se mantinha em defesa da preservao dos valores culturais amaznicos. Uma

    tentativa de defesa de um projeto de modernizao mediada, portanto, por uma estratgia de

    desenvolvimento em bases culturalmente mais flexveis, e voltadas para a preservao dos

    interesses de amplos segmentos das elites regionais. Uma estratgia que, por fim, sucumbir a

    partir da dcada de 70, demonstrando toda sua fragilidade e alto nvel de idealizao,

    sucumbindo em favor de uma estratgia econmica homogeneizadora que impor um sentido

    geopoltico muito mais austero e explcito em relao ao processo de modernizao autoritria

    da nao brasileira em relao Amaznia.

    Projeto este ltimo que ter srias implicaes para a constituio do perfil de conflitos

    de relaes federativas entre as elites dos estados amaznicos e o governo federal, durante o

    perodo posterior crise do nacional-desenvolvimentismo nas dcadas de 60. Estendendo-se,

    inclusive, at os dias de hoje, quando ainda se mantm uma srie de impasses federativos

    relacionados tanto aos impactos dos grandes projetos de minerao, como ao processo de

    ocupao da terra, desmatamento e ao modelo de estrutura fiscal no qual se assenta as

    relaes federalistas entre os interesses dos estados regionais amaznicos e o estado nacional

    brasileiro como um todo. Uma relao de natureza geopoltica e econmica que acabar por

    se constituir como alicerce fundamental do ambiente institucional amaznico ainda nos dias

    de hoje, e que limitar a mobilidade das aes estratgicas locais no sentido da montagem de

    uma grande operao de desenvolvimento regional (tal como imaginadas pelos idelogos

    desenvolvimentista-regionalistas amaznicos da dcada de 40 e 50).

    Uma lgica que, poca, medida que tenta conciliar o interesse da indstria nacional

    de artefatos de borracha questo geopoltica de ocupao do territrio amaznico pelo

    Estado brasileiro e, mais ainda, aos interesses das oligarquias regionais da borracha em

    decadncia constitui-se como um discurso desenvolvimentista de feies inovadoras, as

    quais iro representar e moldar as regras do jogo institucional que alimentaro toda ao

  • 25

    econmica das organizaes privadas e de Estado (em disputa no territrio amaznico)

    durante toda a segunda metade do sculo XX.

    Para a compreenso clara desse processo histrico de natureza multifacetada e

    complexa, se fez necessrio neste trabalho primeiramente uma anlise das condies de

    possibilidades epistmicas mais amplas que alimentaram os conceitos e as mentes dos atores e

    organizaes que faziam parte do ambiente institucional nacional e regional brasileiro durante

    o perodo nacional-desenvolvimentista. Da a necessidade de uma reviso tambm dos

    componentes discursivos, em nvel nacional e regional, os quais iriam compor um leque de

    influncias e perspectivas no sentido de se compreender o esprito de uma poca. Momento

    em que se discutia as condies objetivas e os interesses mais amplos que estariam atrelados

    fundamentalmente ao debate sobre desenvolvimento nacional brasileiro nas dcadas de 40, 50

    e incio da dcada de 60. Tarefa que aps uma apresentao da metodologia e objetivos gerais

    a que o estudo se prope (Captulo 2), toma forma mais especfica entre os captulos 3 a 6.

    Em seguida, buscamos desenvolver uma tentativa de se descer ao nvel local e regional na

    costura de uma interface entre as esferas de discurso nacional (analisados nas partes

    anteriores) e sua relao com o tema do desenvolvimento da Amaznia. Uma iniciativa que

    busca criar condies para uma leitura mais apropriada do ambiente institucional amaznico

    com o intuito de dar conta de uma interpretao mais sistmica e completa da realidade

    discursiva que alimentou o sentido histrico do desenvolvimentismo amaznico durante boa

    parte do sculo XX. Momento em que ficar claro, a nosso ver, a influncia do debate

    regionalista e culturalista brasileiro tambm sobre a formao dos intelectuais responsveis

    pela elaborao do discurso desenvolvimentista-regionalista amaznico. Uma condio que se

    desenvolve a partir da juno de trajetrias histricas e intelectuais muito precisas, e que tero

    neste perodo seu momento de inflexo mais profundo, no sentido da emergncia de uma srie

    de novas condies institucionais e discursivas que favorecero a conformao e

    sedimentao de um discursivo desenvolvimentista de natureza especfica na Amaznia.

    Como um todo, o que queremos ressaltar do ponto de vista metodolgico neste estudo,

    portanto, a importncia de se avaliar o processo de formao histrico e institucional dos

    elementos discursivos responsveis pela constituio do modelo de interpretao que as

    sociedades e a as elites regionais brasileiras compreendem como resultado, e como objetivo

    em si, de seu processo histrico de desenvolvimento. Ou seja, utilizando como estudo de caso

  • 26

    a formao discursiva das elites regionais amaznicas, o que queremos tentar demonstrar so

    as caractersticas genealgicas da formao de todo um modelo de interpretao dos gargalos

    estruturais que as elites regionais compreendem como sendo os limites do desenvolvimento

    regional amaznico. Elementos discursivos que condicionam muitas vezes a formao das

    instituies e das organizaes de estado responsveis pela elaborao, planejamento e

    execuo das polticas de desenvolvimento regional na Amaznia ainda nos dias de hoje. A

    natureza path dependency de nossas organizaes de estado representam aqui um fator

    determinante para a compreenso dos limites institucionais e empecilhos para o

    desenvolvimento de polticas mais adequadas de desenvolvimento regional. Acreditamos que

    no conseguiremos compreender estes desafios sem conhecer as entranhas das organizaes e

    do ambiente institucional desenvolvimentista que fizeram parte de sua formao histrica.

    Condicionando, inclusive do ponto de vista discursivo, a formao de nosso ambiente de

    elaborao de polticas de desenvolvimento regional na atualidade.

  • 27

    2 OBJETIVOS E METODOLOGIA

    O debate sobre a formao histrica do pensamento econmico e social brasileiro e sua

    relao com a idia de planejamento do desenvolvimento nacional, tem nos anos 80 um

    momento de grande efervescncia. Um perodo em que o ambiente de redemocratizao do

    pas carregado de rejeio a tudo o que pudesse parecer como resqucio do autoritarismo do

    regime militar , acabou por alimentar um esprito de averso a toda e qualquer noo de

    planejamento econmico e interveno estatal no Brasil. Uma rejeio que ia se consolidando

    politicamente medida que ganhava fora uma perspectiva liberal que ir se tornar

    hegemnica a partir do incio da dcada de 90. Perodo em que um processo de abertura

    comercial e financeira da economia brasileira conduzida pelo ento presidente Fernando

    Collor de Melo , ir se desenvolver atravs de um amplo processo de desmonte de boa parte

    da estrutura de interveno do Estado brasileiro que havia sido implantado desde a Era

    Vargas1.

    Neste contexto, a crise da economia brasileira e seus aspectos de forte contedo

    conjuntural (inflao, problemas na balana de pagamentos, dvida externa, etc.), iro

    contribuir de forma decisiva para reforar a sensao de descrdito para com as estratgias de

    planejamento e interveno estatal voltadas para uma perspectiva de desenvolvimento de

    longo prazo no Brasil jogando o foco de ateno terica e poltica para as alternativas e

    soluo de problemas mais imediatos. Um movimento poltico amplo que acabou por se

    constituir enquanto discurso fortemente influenciado pela onda neoliberalizante que tomava

    conta do mundo ocidental, e nos impulsionava rumo a uma encruzilhada terica e poltica de

    grandes repercusses para o futuro do pas. Num momento em que o foco de ateno de uma

    parcela significativa da intelectualidade brasileira se volta por fora dos fatos , para uma

    avaliao crtica e reflexiva sobre as origens, perspectivas e limites das polticas de

    desenvolvimento econmico implantadas desde a dcada de 30. Assim como da natureza e

    formao do Estado desenvolvimentista brasileiro, ento em crise.

    nesse momento que uma parcela significativa da intelectualidade brasileira, formada

    na tradio de pensamento econmico estruturalista e cepalino, se volta para uma tentativa de

    1Como afirma o cientista poltico Wanderley Guilherme dos Santos: a declarao propositiva do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que iria terminar com a Era Vargas veio a ser o pico de glria do at ento murmrio das catacumbas. Reduzido ditadura e ao populismo, o legado varguista estaria destinado pgina de dbitos da nao, antes que reserva de vrios e benficos exemplos, inspiradores de possveis futuros (SANTOS, 2006, p.17).

  • 28

    reflexo mais profunda a respeito de suas origens. Autores como Ricardo Bielschowsky

    (1988), Guido Mantega (1984), Luiz Carlos Bresser Pereira (1982) entre outros, iro buscar

    aprofundar, em plena crise da economia brasileira na dcada de 80, os debates sobre a

    natureza e formao do pensamento desenvolvimentista brasileiro. Debate que havia se

    iniciado na dcada de 60 num perodo posterior implantao do regime militar em 1964

    sobre a influncia, entre outros, da teoria da dependncia de Fernando Henrique Cardoso e

    Enzo Faletto (1970). Uma estratgia de avaliao crtica que se refora num perodo de

    redemocratizao, na medida em que tem como uma de suas principais bandeiras, uma

    reavaliao profunda dos ideais desenvolvimentistas brasileiros, assim como de seus

    fundamentos tericos intervencionistas mais fundamentais. Estimulando a busca por um

    balano crtico em relao experincia intelectual e poltica brasileira que havia sido gerada

    a partir de uma estratgia desenvolvimentista ao longo do sculo XX.

    No ficaram imunes s crticas, as abordagens cepalinas e isebianas, consideradas como

    fundamentos da tradio intelectual desenvolvimentista agora em crise. Contra elas,

    emergiam novas tradies intelectuais esquerda e direita que alimentavam a expectativa de

    uma reforma na concepo geral do Estado brasileiro, e de seu papel na conduo da poltica

    de desenvolvimento do pas. Um projeto que tinha, em seu todo, tambm, o intuito de fazer

    um exerccio histrico de sistematizao da produo terica brasileira voltada para o tema do

    papel do Estado em sua relao com a questo da industrializao e do planejamento do

    desenvolvimento nacional. Alimentando, por esse caminho, uma melhor reflexo sobre a

    necessidade de se rever alguns de seus pressupostos tericos mais fundamentais; tendo em

    vista a idia fora que ir animar alguns de seus principais participantes no sentido de tentar

    reconstruir, em novas bases, um projeto nacional de desenvolvimento para o pas2.

    no contexto desta busca por um balano crtico da tradio do pensamento

    desenvolvimentista brasileiro, que, por exemplo, Ricardo Bielschowsky (1996) se volta para

    um estudo sistemtico a respeito da dinmica dos perodos de formao, desenvolvimento,

    auge e declnio do chamado ciclo ideolgico do desenvolvimentismo no Brasil (que se

    estenderia, segundo o autor, entre os anos de 1930 e 1964). Momento em que a estratgia de

    interveno estatal e o planejamento do processo de industrializao brasileira passam a 2 Foi a partir dessas reflexes crticas da dcada de 80, por exemplo, que surgem iniciativas como a reforma gerencial do Estado brasileiro. Levado a cabo por Luis Carlos Bresser Pereira enquanto esteve frente do Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (MARE) durante o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso.

  • 29

    serem considerados como a fora motriz do projeto histrico de construo de um modelo de

    desenvolvimento nacional; qual seja: o chamado nacional-desenvolvimentismo. Um projeto

    de grande envergadura intelectual e poltica, e fonte orientadora na formao de toda uma

    gerao de economistas e cientistas sociais formados durante as dcadas de 40, 50 e 60 no

    Brasil.

    No de hoje, portanto, que uma avaliao mais ampla da histria do pensamento

    econmico e da tradio desenvolvimentista brasileira dentro de uma perspectiva

    historiogrfica mais crtica , se torna objeto de um estudo mais sistemtico com intuito de

    construir uma compreenso mais clara dos fundamentos intelectuais, polticos e sociais que

    orientaram a produo de estratgias desenvolvimentistas durante o seu ciclo bsico de

    formao, desenvolvimento e crise, no perodo ps-guerra3. Uma perspectiva que muito

    contribuiu para uma melhor compreenso das caractersticas institucionais de evoluo de

    nossa tradio intelectual, e de sua relao com a formao de uma estratgia mais ampla de

    elaborao de uma poltica de desenvolvimento econmico voltado para o tema da construo

    do Estado brasileiro em seu papel de fortalecimento histrico de uma trajetria de superao

    do subdesenvolvimento.

    No entanto, apesar dos enormes avanos que estas tradicionais interpretaes sobre a

    formao do pensamento desenvolvimentista brasileiro representam enquanto perspectivas

    que nos trazem uma melhor compreenso das razes e fundamentos da tradio intelectual

    brasileira cremos que muito ainda se tem por aprofundar a respeito de alguns de seus

    aspectos metodolgicos mais especficos, assim como de possveis e novos enfoques que se

    poderiam inferir a partir do debate desenvolvimentista em suas mais variadas dimenses e

    nveis de especificidade regionais. Caractersticas que, a nosso ver, constituem variaes em

    termos de uma estratgia nacionalista mais ampla de fortalecimento dos instrumentos de

    interveno estatal com o fim de implantar uma estratgia e modelo de desenvolvimento em

    todo o vasto territrio brasileiro. O que, por fim, exige um tratamento para a questo de sua

    formao discursiva que vai de uma compreenso mais ampla de seus componentes

    heursticos mais gerais, at a concretude de sua realizao mais especfica em um ambiente

    3 Outros exemplos de estudos semelhantes, no campo da historiografia das idias polticas e da formao cultural da tradio do pensamento desenvolvimentista brasileiro vistos por uma outra perspectiva, so os estudos clssicos de Dante Moreira Leite (2007), Carlos Guilherme Motta (2008) e Caio Navarro de Toledo (1997). Todos estes estudos de grande profundidade, e voltados para a anlise histrica da formao do que ficaria conhecido como ideologia da cultura nacional brasileira.

  • 30

    institucional em escala regional. Cremos que a partir desse ponto, podemos finalmente

    conseguir estruturar uma viso mais sistmica e abrangente sobre o processo de formao

    discursiva do pensamento desenvolvimentista brasileiro em toda a sua complexidade e

    manifestao em diferentes escalas e nveis de dimenses regionais.

    2.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

    Tendo em vista este problema de ordem mais geral e concreta, acreditamos que se

    fazem necessrios estudos mais detalhados sobre a interao entre a dimenso nacional do

    discurso desenvolvimentista brasileiro, e seus rebatimentos em contextos regionais

    especficos. Um estudo que passe a enfocar uma nova perspectiva que, na prtica, ao abarcar

    dimenses e interesses que vo do nacional ao regional, representem, do ponto de vista

    sistmico, um processo de leitura mais adequada da interao entre diferentes prticas ou

    dimenses discursivas que se colocam em constante estado de tenso mediada por solues de

    compromisso federativo. Assim como por diferentes interesses polticos e econmicos de

    dimenses e escalas nacionais e regionais. Uma realidade que se manifesta, por sua vez, em

    seus mais diferentes contextos territoriais; e que, por isso mesmo, deve muitas vezes se fazer

    representar ideologicamente por discursos de identidade das mais variadas esferas e espaos

    de representao social. Uma tradio intelectual que, em sua natureza sistmica, ir servir

    enquanto suporte para um projeto de feio nacional-desenvolvimentista, mas que tambm

    poder representar uma expresso genealgica de grande interesse em relao compreenso

    dos anseios modernizadores de uma parcela das elites regionais amaznicas, que expressam

    de alguma forma uma representao dos anseios mais gerais de modernizao na periferia do

    sistema capitalista brasileiro.

    Sendo assim, por esse ponto de vista que podemos afirmar que, por mais valiosos que

    sejam os avanos interpretativos que autores como Mantega (1984), Bielschowsky (1988),

    Bresser Pereira (1982), entre outros, representaram para nossa compreenso a respeito dos

    rumos e heranas do pensamento econmico e social brasileiro durante o perodo

    desenvolvimentista. Estes ainda no parecem se mostrar suficientes, do ponto de vista da

    compreenso de suas mais variadas dimenses e alcances em relao ao seu nvel regional de

    influncia e formao institucional do vasto territrio nacional. Uma limitao que se mostra

  • 31

    explcita, tendo em vista que a maioria destas interpretaes tericas negligencia a

    importncia do papel de significao das esferas regionais de formao de determinados

    enunciados, enquanto componentes de uma regularidade discursiva que, de certa forma,

    alimenta o modelo de interao entre as esferas nacionais e regionais de formao do discurso

    desenvolvimentista brasileiro em alguns de seus componentes mais relevantes.

    Sero exatamente estes componentes de carter mais regionalizados (negligenciados

    pelas interpretaes tradicionais), aqueles que, a nosso ver, devero ser os elementos de maior

    importncia enquanto insumos para uma avaliao da influncia da tradio

    desenvolvimentista sobre os nveis locais de formao institucional e poltica dos nossos

    diferentes espaos regionais. As escalas locais e regionais de formao do projeto de

    desenvolvimento nacional no Brasil representam, a nosso ver, portanto, um componente de

    grande relevncia, que no pode ser desprezado quando da tentativa de compreenso das

    trajetrias e das razes pelas quais determinadas estratgias de desenvolvimento nacional

    acabam assumindo contornos to dispares em diferentes regies do pas. Situao que, em

    certa medida, se torna responsvel, ainda hoje, pela manuteno de uma diversidade de

    realidades institucionais e dimenses de influncias poltica e intelectual que permanecem, de

    certa forma, enquanto heranas ainda da tradio do pensamento desenvolvimentista

    brasileiro da dcada de 50.

    Sabemos, por outro lado, no que diz respeito ao tradicional debate sobre a questo

    regional no Brasil (CANO, 1985, 2000), que o mesmo tem se apresentado em nossa literatura

    acadmica a partir de uma linha de anlise muitas vezes compreendida em paralelo ou em

    leve interseco em relao ao debate mais amplo sobre desenvolvimento nacional. Uma

    abordagem que poderia contribuir de forma muito mais efetiva, no entanto, se fosse analisada

    enquanto instrumento e elo estrutural de fundamental importncia para a melhor compreenso

    das inter-relaes entre os enfoques desenvolvimentistas (em sua dimenso em escala

    nacional), e os interesses de modernizao orientada pelas elites regionais (com todos os seus

    complexos componentes territoriais e suas dimenses culturais e polticas locais especficas).

    nesse sentido que o resultado histrico de uma anlise das polticas desenvolvimentistas das

    dcadas de 40, 50 e 60 com suas diferentes estratgias de desenvolvimento em relao s

    regies Norte e Nordeste do Brasil seria, a nosso ver, um componente de fundamental

    importncia para a melhor compreenso da construo institucional e simblica destes

  • 32

    diferentes espaos regionais constitudos historicamente a partir de caractersticas

    territoriais muito especficas. O que poucas vezes levada em considerao pelas anlises

    economicistas que no observam a formao do territrio enquanto espao de extenso

    qualitativa e de construo de trajetrias institucionais com caractersticas prprias.

    Os debates sobre os modelos de crescimento endgeno em sua matriz tradicional

    neoclssica apresentam, neste sentido, a limitao de no levar em considerao plenamente

    os aspectos qualitativos e territoriais e, portanto, institucionais os quais determinam uma

    dimenso especfica que poderia ser bem melhor explorada no debate sobre desenvolvimento

    regional contemporneo (BARQUERO, 2001). A nosso ver, portanto, com a incorporao

    das anlises sobre territrios e ambientes institucionais locais (como redes de interaes

    sociais, formao de trajetrias tecnolgicas, organizaes e regras do jogo locais, etc), que a

    teoria do desenvolvimento endgeno em sua vertente institucionalista e neo-schumpeteriana

    ganha corpo medida que se torna teoricamente capaz de se impor, em relao ao debate

    sobre desenvolvimento regional, enquanto um novo paradigma de anlise voltado para a

    percepo do tema do desenvolvimento em novas bases conceituais e tericas, com grande

    influncia e sensibilidade para o trato da questo territorial.

    Uma perspectiva que prioriza a importncia da liderana do processo de

    desenvolvimento regional por meio do controle e domnio metodolgico das trajetrias

    histricas que constituem o espao regional em sua dimenso territorial mais concreta. Uma

    dimenso de desenvolvimento que supera, em muito, a simples importao de estratgias de

    crescimento econmico oriundas de outras regies do pas. E que, por isso, no se limita

    apenas a considerar o crescimento econmico a partir de uma viso restrita de espao fsico,

    ou como extenso territorial apenas (COSTA, 2006). Mas sim como uma perspectiva que

    compreende o espao por um ponto de vista mais substantivo; como um territrio com

    identidade prpria, aonde se observa, alm do espao homogneo (enquanto extenso fsica),

    o entorno institucional em seus aspectos qualitativos e especficos (BARQUERO, 2001, p.

    70). Aqui, inclusive e esse um dos principais objetivos desse trabalho levando em

    considerao as formaes discursivas que o configuram regionalmente, constituindo a sua

    especificidade enquanto componente qualitativo de sua trajetria de desenvolvimento

    institucional em mbito local. Uma realidade que passa a ser melhor absorvida teoricamente

    pelos atuais modelos de desenvolvimento de matriz institucionalista; medida em que estes

  • 33

    passam a levar em considerao toda a complexidade do ambiente local para alm da simples

    considerao do valor do capital natural e das vantagens comparativas de natureza fsica

    apenas.

    seguindo esta mesma linha de raciocnio, que procuraremos ao longo deste trabalho

    desenvolver argumentos no sentido de mostrar que quando buscamos superar uma anlise

    espacial estrita sobre desenvolvimento por meio de sua superao a partir de uma anlise

    que valoriza a especificidade do ambiente local , que conseguimos finalmente constituir um

    arcabouo terico a nosso ver mais apropriado para abarcar uma noo de desenvolvimento

    com caractersticas mais prximas ao ideal do desenvolvimento sustentvel (COSTA, 2006).

    tendo em vista, portanto, o objetivo de tentar contribuir de um ponto de vista mais amplo

    com uma melhor problematizao histrica da questo regional brasileira em sua interao

    com a dimenso territorial amaznica, que procuraremos justificar a necessidade de se

    avanar no estudo histrico da formao discursiva do iderio desenvolvimentista brasileiro

    em sua interao com o tema do desenvolvimento regional da Amaznia. Para isso teremos

    que avaliar de que forma a concepo discursiva do iderio desenvolvimentista brasileiro

    pde ser integrada, e absorvida em escala regional, a partir de sua interao com a realidade

    econmica, poltica e cultural nacionalmente voltada para a construo de um Plano de

    Valorizao Econmica para a Amaznia, durante as dcadas de 40 e 50. Perodo considerado

    pela historiografia tradicional do pensamento econmico, como um perodo de auge do ciclo

    desenvolvimentista brasileiro (BIELSCHOWSKY, 1996).

    Neste sentido, o que podemos afirmar que tradicionalmente os estudos sobre a

    formao econmica e social da Amaznia tm se caracterizado pela nfase na busca pela

    compreenso da dinmica econmica regional como resultado de ciclos econmicos

    impulsionados por dinmicas externas. Dos ciclos das drogas do serto (no sculo XVII),

    passando pelo perodo de interveno pombalino (na segunda metade do sculo XVIII), e pelo

    perodo da borracha (na virada dos sculos XIX ao XX), a histria econmica da Amaznia

    compreendida tradicionalmente como impulsionada por uma dinmica de determinao

    econmica de padro exterior, e que pouco de significativo apresentaria em termos de

    formao de uma economia regional de natureza mais estvel e com uma dinmica econmica

    prpria, que no fosse uma pura extenso imediata em relao ao funcionamento da dinmica

    de abastecimento de mercados externos. Perspectiva terica que nos levou durante muito

  • 34

    tempo a conceber uma espcie de vazio econmico regional, e uma falta de interesse

    intelectual e acadmico pela compreenso das trajetrias econmicas e institucionais que, por

    ventura, poderiam existir ou terem sido moldadas a partir de dinmicas endgenas de

    funcionamento da economia regional amaznica (COSTA, 2006).

    Por seus elementos endgenos, a Amaznia era vista, por essa perspectiva

    historiogrfica tradicional, como um vazio econmico ou um espao com caractersticas

    biticas e culturais especficas, mas de pouco interesse no que diz respeito ao despertar de

    estudos mais aprofundados sobre a sua natureza econmica. Cabendo muito mais o interesse

    pelos estudos antropolgicos e de conhecimento do funcionamento do bioma e das

    caractersticas culturais das populaes tradicionais como espcies de excentricidade do

    ponto de vista econmico. Sem nenhum interesse mais especfico em relao compreenso

    de sua dinmica interna (considerada muitas vezes como uma dimenso completamente

    inexistente para os padres de desenvolvimento esperados em um projeto de modernizao).

    sobre o impulso deste diagnstico sobre o estado da arte na produo de um

    conhecimento das dinmicas endgenas na Amaznia, portanto, que queremos aqui reforar

    uma nova perspectiva historiogrfica que busque valorizar estudos mais especficos de

    formao do discurso desenvolvimentista, assim como da histria econmica da Amaznia,

    pelo ponto de vista de sua dimenso regional e interna sua realidade institucional. Uma

    abordagem que tenha como fim desvendar em maiores detalhes a existncia de uma dinmica

    econmica, social e poltica regional com caractersticas institucionais bem especficas.

    2.2 QUADRO TERICO-METODOLGICO DE REFERNCIA

    A busca pela compreenso da formao do discurso desenvolvimentista brasileiro em

    sua relao com o tema do desenvolvimento regional da Amaznia tal como apresentado no

    tpico anterior representa um desafio terico-metodolgico de grandes propores para

    qualquer pesquisador que esteja plenamente consciente das dificuldades inerentes a uma

    empreitada desta natureza. No de hoje, portanto, que os historiadores das idias e da

    formao dos grandes sistemas de pensamento se preocupam em tentar construir ou

    reconstruir arcabouos tericos e metodolgicos com o objetivo de melhor representar um

    modelo a ser considerado como o mais adequado para anlises historiogrficas deste tipo. Em

  • 35

    vrios momentos distintos da histria, escolas e grupos de historiadores propuseram diferentes

    modos de perceber os eventos histricos em sua relao com a formao das idias a partir de

    diferentes contextos econmicos, sociais e polticos. Com isso, foi se configurando, enquanto

    disciplina, uma teia de possibilidades metodolgicas que nos permitem, hoje em dia, uma

    riqueza muito grande de abordagens, e alternativas tericas e metodolgicas.

    De acordo com Jos Dassuno Barrros (2008), podemos organizar e classificar as

    vrias possibilidades historiogrficas neste campo, a partir de trs ordens de critrios

    principais, quais sejam: sua dimenso, sua abordagem e seu domnio; ou, de outra forma, seu

    enfoque, seu mtodo e seu tema (BARROS, 2008, p. 20). Por esse ponto de vista, uma

    dimenso implicaria em um tipo de enfoque ou em um modo de ver (ou em algo que se

    pretende ver em primeiro plano na observao de uma sociedade historicamente localizada);

    j uma abordagem implicaria em um modo de fazer a histria a partir dos materiais com os

    quais deveria trabalhar o historiador (determinadas fontes, determinados mtodos, e

    determinados campos de observao); um domnio, por sua vez, corresponderia a uma escolha

    mais especfica, orientada em relao a determinados sujeitos ou objetos para os quais seria

    dirigida a ateno do historiador (campos temticos como o da histria das mulheres ou a da

    histria do Direito, por exemplo) (BARROS, 2008, p. 20).

    Neste sentido, se quisermos avaliar em que perspectivas este trabalho se enquadra,

    cremos que poderamos considerar que do ponto de vista do tema, este trabalho poderia ser

    enquadrado como em estudo da formao dos discursos sobre o desenvolvimento regional

    brasileiro e da Amaznia pelo ponto de vista de suas elites regionais; nosso mtodo de

    anlise poderia ser classificado como sendo o da arqueogenealogialogia do discurso; e o

    nosso enfoque como sendo o da histria da cultura ou das mentalidades. Ou seja, como um

    todo, o que pretendemos fazer um estudo sobre a formao discursiva da relao entre a

    questo regional como um fenmeno de dimenso nacional e a construo simblica do

    iderio do desenvolvimento amaznico, como caso particular a ele associado. Uma

    abordagem que busca fazer uma reflexo sobre os aspectos arqueogenealgicos da formao

    discursiva do pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro em sua conexo com a

    emergncia da questo regional amaznica, tal como a mesma se apresenta no perodo

    imediatamente posterior Segunda Guerra Mundial.

  • 36

    2.2.1 O enfoque da histria da cultura e das mentalidades: em busca de uma arqueogenealogia das formaes discursivas

    O debate sobre a relevncia do estudo da formao das idias e sua relao com o tema

    da formao econmica e social de uma determinada sociedade, um aspecto do estudo da

    interao entre histria e cincias sociais que tem acompanhado os debates historiogrficos

    desde o incio do sculo XX. Foi com a Escola dos Annales, mais especificamente, que a

    historiografia parece marcar definitivamente sua ntima aproximao com o enfoque de

    anlise que privilegia o estudo das estruturas econmicas e sociais enquanto elemento

    condicionante (longa durao) dos eventos histricos e da formao das idias. As noes de

    longa durao, histria-problema e histria total (REIS, 2000), nesse sentido, ganham uma

    importncia fundamental no contexto das explicaes do sentido dos fatos histricos. Sentidos

    os quais passam a ser entendidos, a partir desse momento, no mais como eventos isolados e

    dados quase que casuisticamente (como na historiografia tradicional positivista do sculo

    XIX). Mas sim, como o resultado de um lento processo de mudana estrutural (longa

    durao) nos quais os condicionantes scio-econmicos passariam a assumir um papel

    predominante em relao aos acontecimentos, datas e personagens; anteriormente

    considerados como nicos fatores relevantes para a explicao do desenvolvimento do curso

    da histria.

    nesse sentido que para o novo esprito dos Annales, os eventos histricos passam a

    ser compreendidos a partir, basicamente, da observao de sua inter-relao com o contexto

    scio-econmico que, por sua vez, justificariam e dariam um sentido histrico-estrutural e

    um carter de evento social , a um fato histrico especfico. Fatos anteriormente

    compreendidos de forma acontecimental e politicamente compreendida com uma certa

    viso mecnica e linear da evoluo dos fatos histricos. com o advento da Escola dos

    Annales, portanto, que mais concretamente os fatos histricos passam a ser vistos como o

    resultado no de uma constatao pura e simples como se os fatos pudessem representar

    algo em si , mas sim, como o resultado de uma construo terica que lhe imputava um

    carter socialmente constitudo, e no qual a ao de interpretao do historiador passa a ser

    entendida como o resultado de uma prvia problematizao. Que, por sua vez, exige do

  • 37

    mesmo uma seleo criteriosa dos fatos e fontes a serem analisadas, de forma a permitir a

    constituio histrica e sociolgica de seu objeto de estudo4.

    No entanto, a experincia da Escola dos Annales ou da Nouvelle Historie (como ficar

    conhecida posteriormente), ao longo do sculo XX, ir nos mostrar a complexidade e

    diversidade de perspectivas que so possveis de serem construdas dentro desta mesma linha

    de interpretao historiogrfica. As mudanas internas e as novas perspectivas metodolgicas

    que vo surgindo ao longo do sculo permitiro Escola dos Annales uma diversidade de

    vises historiogrficas que acompanharo o contexto histrico vivido pela sociedade europia

    e mundial (principalmente a partir da segunda metade do sculo XX). Para Reis (2000)

    existem, na verdade, quatro grandes fases as quais poderia ser classificada e subdividida a

    histria dos Annales; seriam elas: 1) o perodo 1929/1946, fase inicial e que marca sua

    inaugurao a partir da influncia da sociologia atravs das obras de Bloch e Febvre; 2) o

    perodo 1946/1968, fase urea a qual tem como figuras proeminentes Fernand Braudel e

    Labrousse perodo este o qual os Annales cumprem o papel de aproximar os estudos

    historiogrficos com uma abordagem dominada pelas anlises quantitativistas e

    estruturalistas5; 3) o perodo 1968/1988, fase de crise e profunda reestruturao da Escola dos

    Annales perodo sob a influncia inicial do movimento de maio de 1968 na Frana , e que

    obrigou a revista a fazer algumas revises e uma reorganizao institucional6; 4) por fim a

    fase ps 1988, a qual descrita por Reis (2000) como sendo o perodo no qual os Annales iro

    sofrer uma reviravolta profunda no sentido crescente da valorizao e da volta das anlises

    narrativas (REIS, 2000).

    Entre os tericos que exerceram de forma contundente um grande poder de influncia

    sobre as duas ltimas fases dos Annales, est Michel Foucault. Autor de obras memorveis

    como A histria da loucura, O Nascimento da Clnica, As palavras e as Coisas, Arqueologia

    do Saber, entre outras, Foucault influenciou o pensamento historiogrfico dos ltimos vinte 4 No incio do processo de afirmao da nouvelle historie e da Escola dos Annales, a influncia da sociologia de Durkheim e Max Weber foi de fundamental importncia para a construo intelectual da nova proposta historiogrfica dos primeiros representantes, e principais fundadores, da proposta inicial da revista: Annales d`Historie Economique et Sociale, fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre (REIS, 2000). Em seguida, a preponderncia dos aspectos econmicos, atravs da obra de Fernand Braudel, entre outros, iro confirmar o carter de proximidade da nova escola em relao metodologia das cincias sociais. 5 Este perodo foi tambm o perodo de maior expanso e de divulgao da nouvelle historie por quase todo o mundo acadmico de ento (REIS, 2000). 6 nesta fase tambm que os Annales passam a transitar desde uma viso excessivamente estrutural e quantitativa, at uma viso mais pluralista, que busca valorizar a importncia dos fatores culturais e seu papel transformador em relao evoluo histrica da sociedade.

  • 38

    anos na medida em que prope uma reviravolta crtica em relao s tradicionais abordagens

    estruturalistas que compreendiam o estudo da histria como uma busca pela reconstituio de

    uma realidade a partir de um mtodo epistemolgico que se pressupunha capaz de nos

    permitir representar, da forma mais fidedigna possvel, as estruturas sociais que comporiam

    um objeto de estudo definido. Uma das principais contribuies de Foucault para a

    historiografia contempornea, neste sentido, est em seu mtodo arqueolgico. Uma

    concepo que se torna mais bem compreendida, como afirma Machado (2006), se analisada

    como uma trajetria que apresenta mltiplas possibilidades de definies, e que tem como

    meta uma construo metodolgica que se constitui no como coisa acabada, mas sim como

    um modelo de adaptao que se modifica medida em que o objeto lhe exige novos

    caminhos7. Como afirma Machado:

    [...] uma caracterstica bsica da arqueologia justamente a multiplicidade de suas definies, a mobilidade de uma pesquisa que, no aceitando se fixar em cnones rgidos, sempre instruda pelos documentos pesquisados. Os sucessivos deslocamentos da arqueologia no atestam, portanto, uma insuficincia, nem uma falta de rigor: assinalam um carter provisrio assumido e refletido pela anlise. Com Michel Foucault a prpria idia de um mtodo histrico imutvel, sistemtico, universalmente aplicvel que desprestigiada (MACHADO, 2006, p. 12)

    A grande novidade da arqueologia de Foucault em seu aspecto metodolgico, portanto,

    exatamente se colocar como alternativa no epistemolgica s formas estruturalistas da

    historiografia cientfica tradicional8. Foucault no pretende, assim, fazer uma histria do

    pensamento cientfico por um ponto de vista evolutivo e com base numa perspectiva da

    histria das idias, com cnones e mtodos rgidos. Mas sim, como ele chamar: atravs de

    uma arqueologia das formas discursivas sobre as quais estariam assentadas, de alguma forma,

    todas as formas de produo de saber. Um exerccio metodolgico que, ao invs de pressupor

    7 Segundo Machado (2006), qualquer livro de Foucault , do ponto de vista metodolgico, sempre diferente do anterior, o que nos leva a falar da existncia de uma trajetria da arqueologia (MACHADO, 2006, p. 11), e no de um mtodo epistemolgico no sentido de um nmero determinado de procedimentos invariveis a serem utilizados na produo de um conhecimento (MACHADO, 2006, p.11). 8 Como afirma Machado: a epistemologia uma reflexo sobre a produo de conhecimentos cientficos que tem por objetivo avaliar a cincia do ponto de vista de sua cientificidade. Mas para que essa reflexo possa dar conta das condies de possibilidade dos conhecimentos cientficos, a epistemologia elege a histria como instrumento privilegiado de anlise (MACHADO, 2006, p. 7). Esta a funo primordial da histria do pensamento cientfico quando avaliado e operacionalizado a par