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1 A PERSPECTIVA DOS PROCESSOS EM ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS: estudo de caso em uma prefeitura de um município da Zona da Mata Mineira Autoria: Alexandre Lima Baião, Adriel Rodrigues de Oliveira Resumo A partir da Constituição Federal de 1988, delineou-se um cenário de maiores responsabilidades para a administração pública municipal. No entanto, as burocracias municipais continuaram com um quadro desmotivado e com uma estrutura ineficiente. Torna-se, desse modo, necessário dotar as organizações públicas municipais, em particular as prefeituras, de uma maior capacidade operacional e gerencial. Este estudo busca verificar e explorar o uso da perspectiva dos processos, um conjunto de ferramentas e conceitos cada vez mais comum no mundo corporativo, em uma prefeitura de um município da Zona da Mata Mineira. A gestão por processo recomenda aos gestores fazer a análise e administração dos processos que entregam valor ao cliente externo e estão relacionados à finalidade da organização, definidos como processos de negócio (business process) ou processos essenciais. Na primeira etapa, foi identificado um processo essencial na prefeitura, e logo seguida, foi realizado seu mapeamento e sua análise. O mapeamento foi realizado por meio de uma variante da Business Process Modeling Notation (BPMN), com a utilização do software ARIS Express. A análise apontou as falhas e possibilidades de melhoria no processo, extraídas a partir de entrevistas em profundidade com servidores e secretários municipais. A análise foi auxiliada pelo diagrama representativo do processo, que proporcinou aos entrevistados e ao pesquisador a visão global do mesmo. O principal processo essencial identificado foi a requisição de compra, pois esse processo cruza vários departamentos e cargos diferentes, tem impacto no cliente externo e envolve um grande volume de recursos. Além do mais, esse processo acontece com frequência, pois todas as secretarias da prefeitura necessitam adquirir materiais e serviços para executar seus projetos e exercer suas funções. Dentre os vários tipos de requisição presentes na prefeitura, o estudo se concentrou na requisição relacionada ao fornecimento de merenda escolar, material didático e material de higiene e limpeza às escolas e creches do município. Geralmente esse processo acontece uma vez por ano, tem início com a demanda das escolas, passa por uma série de órgãos na Prefeitura, e seu resultado tem impacto na quantidade dos recursos fornecidos, em sua qualidade, e na equidade da distribuição dos mesmos entre as instituições. A apresentação dos resultados se divide em três partes: a identificação do processo essencial, o mapeamento do processo de fornecimento dos recursos às escolas e creches do município, e por último, o levantamento dos problemas levantados e potenciais de melhoria no processo. As principais falhas levantadas no processo foram a falta de controle na distribuição dos recursos às escolas e creches, a ausência de planejamento na elaboração da requisição de compra do ano, ao uso inadequado do sistema de informação no departamento de material e a falta de um profissional nutricionista. A ferramenta se mostrou eficaz ao promover a capacidade dos funcionários enxergarem globalmente o processo de entrega de valor ao cliente cidadão, permitindo o diagnóstico das falhas e levantamento das possibilidades de melhoria para o futuro.

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A PERSPECTIVA DOS PROCESSOS EM ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS: estudo de caso em uma prefeitura de um município da Zona da Mata Mineira

Autoria: Alexandre Lima Baião, Adriel Rodrigues de Oliveira

Resumo A partir da Constituição Federal de 1988, delineou-se um cenário de maiores responsabilidades para a administração pública municipal. No entanto, as burocracias municipais continuaram com um quadro desmotivado e com uma estrutura ineficiente. Torna-se, desse modo, necessário dotar as organizações públicas municipais, em particular as prefeituras, de uma maior capacidade operacional e gerencial. Este estudo busca verificar e explorar o uso da perspectiva dos processos, um conjunto de ferramentas e conceitos cada vez mais comum no mundo corporativo, em uma prefeitura de um município da Zona da Mata Mineira. A gestão por processo recomenda aos gestores fazer a análise e administração dos processos que entregam valor ao cliente externo e estão relacionados à finalidade da organização, definidos como processos de negócio (business process) ou processos essenciais. Na primeira etapa, foi identificado um processo essencial na prefeitura, e logo seguida, foi realizado seu mapeamento e sua análise. O mapeamento foi realizado por meio de uma variante da Business Process Modeling Notation (BPMN), com a utilização do software ARIS Express. A análise apontou as falhas e possibilidades de melhoria no processo, extraídas a partir de entrevistas em profundidade com servidores e secretários municipais. A análise foi auxiliada pelo diagrama representativo do processo, que proporcinou aos entrevistados e ao pesquisador a visão global do mesmo. O principal processo essencial identificado foi a requisição de compra, pois esse processo cruza vários departamentos e cargos diferentes, tem impacto no cliente externo e envolve um grande volume de recursos. Além do mais, esse processo acontece com frequência, pois todas as secretarias da prefeitura necessitam adquirir materiais e serviços para executar seus projetos e exercer suas funções. Dentre os vários tipos de requisição presentes na prefeitura, o estudo se concentrou na requisição relacionada ao fornecimento de merenda escolar, material didático e material de higiene e limpeza às escolas e creches do município. Geralmente esse processo acontece uma vez por ano, tem início com a demanda das escolas, passa por uma série de órgãos na Prefeitura, e seu resultado tem impacto na quantidade dos recursos fornecidos, em sua qualidade, e na equidade da distribuição dos mesmos entre as instituições. A apresentação dos resultados se divide em três partes: a identificação do processo essencial, o mapeamento do processo de fornecimento dos recursos às escolas e creches do município, e por último, o levantamento dos problemas levantados e potenciais de melhoria no processo. As principais falhas levantadas no processo foram a falta de controle na distribuição dos recursos às escolas e creches, a ausência de planejamento na elaboração da requisição de compra do ano, ao uso inadequado do sistema de informação no departamento de material e a falta de um profissional nutricionista. A ferramenta se mostrou eficaz ao promover a capacidade dos funcionários enxergarem globalmente o processo de entrega de valor ao cliente cidadão, permitindo o diagnóstico das falhas e levantamento das possibilidades de melhoria para o futuro.

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1. Introdução O ambiente competitivo que se desenhou ao longo das últimas décadas tornou o cliente

mais exigente em relação à qualidade dos produtos e serviços oferecidos pelos diversos tipos de organizações, e isso inclui o setor público. Para tanto, o Estado deve iniciar transformações na gestão que assegurem a eficiência e efetividade de suas ações, aperfeiçoando sua estrutura e processos, assim como as empresas privadas têm feito.

Na esfera pública, a década de 90 foi o período da reforma do Estado no Brasil, e particularmente, da reforma da administração pública. Desde então, vive-se uma tendência de substituição da abordagem tradicional pela gerencial, também conhecida como “nova administração pública”.

Para atender suas novas funções e a nova demanda da sociedade, os Estados reconhecem a necessidade de adotarem novas práticas de gestão. Bresser e Spink (1998), porém, alertam: não se trata da simples importação de modelos construídos no mundo empresarial, e sim, do reconhecimento de que as novas funções do Estado exigem novas competências, novas estratégias administrativas e novas instituições.

Trata-se de um cenário de escassez de recursos e aumento na responsabilidade das organizações públicas. Assim como acontece no mundo empresarial, os contribuintes agora exigem qualidade na gestão dos recursos que ele entrega ao Estado em forma de impostos e taxas.

Nesse contexto, a gestão ganha importância também na esfera municipal, pois a partir da Constituição Federal de 1988 houve um significativo aumento das responsabilidades municipais, devido ao processo de descentralização. Segundo Torres (2008), apesar da descentralização, as burocracias municipais carecem de capacidade operacional e gerencial para realizar suas novas atribuições e responsabilidades.

Enquanto isso, no mundo empresarial, percebe-se uma mudança gradual em como os gestores organizam o trabalho nas empresas, onde os processos ganham cada vez mais importância na gestão. De acordo com Colenghi (2007), a base organizacional não se centra mais nas funções, e sim, nos processos. Esses processos devem ser executados com melhor desempenho para a organização atender aos requisitos de seus clientes internos e externos, os quais desejam produtos e serviços de qualidade. Para tanto, a organização deve desenvolver seus processos com eficiência a fim de gerar a qualidade desejada.

Segundo Weske (2007) a simples criação de um modelo que torne explícito os processos importantes já é suficiente para identificar uma série de possibilidades de melhoria e permite que funcionários se comuniquem de forma eficaz a respeito dele, uma vez que o modelo permite uma visão global da sequência de atividades que cruzam os vários departamentos.

Este trabalho busca verificar se a perspectiva dos processos pode ser utilizada para aumentar a eficiência das atividades em uma prefeitura, realizando para tanto, o mapeamento e a análise de um processo de cliente ou de negócio (business process) em uma prefeitura municipal da Zona da Mata Mineira. 2. Administração pública municipal e reformas do Estado

A partir da década de 1980, idéias de modernização, eficiência e redução de aparatos governamentais ganharam força entre os estados nacionais (SIQUEIRA E MATTOS, 2008). Na década de 1990, surge então, então um grande movimento de reformas administrativas em todo o mundo.

Para Barzelay e Armajani (1992) houve uma transição na administração pública de um paradigma burocrático para um pós-burocrático. Uma das idéias mais importantes do paradigma

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pós-burocrático é a de que as organizações públicas devem ser organizações de serviços dirigidos ao cliente. Pensar em termos de cliente e serviços ajuda os administradores públicos a gerarem soluções alternativas para problemas que o antigo paradigma burocrático não conseguiu resolver.

No Brasil, houve a reforma do Estado Brasileiro em 1995, cujo modelo se encontra disponível no documento intitulado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995). Para os formuladores dessa reforma, dentre as crises enfrentadas pelo Estado, uma das principais era a crise na forma de administrar. Um dos objetivos dessa reforma era modernizar a gestão pública, através da “introdução de novos conceitos e técnicas de gestão pública, baseados no desempenho, na redução ao mínimo dos erros, e na participação dos funcionários na definição dos processos de trabalho.” (BRASIL, 1995, p. 62)

Bresser e Pink (1998) explicam que essa reforma busca alcançar um serviço público com maior controle, qualidade, e mais barato, colocando em prática as novas idéias gerenciais. Este novo paradigma não deve substituir inteiramente o modelo de gestão anterior, pois conforme aqueles autores esclarecem, o diferencial da administração pública burocrática é sua segurança e efetividade, qualidades que não devem ser perdidas durante a incorporação das idéias gerenciais pela administração pública.

No Brasil, essa modernização foi realizada parcialmente na esfera federal, porém, os municípios e estados continuaram com uma burocracia incapaz de realizar suas atribuições, situação agravada devido ao processo de descentralização ocorrido nos últimos anos. Segundo Torres (2008), o processo de descentralização das políticas públicas que ocorreu a partir da Constituição Federal de 1988 encontrou forte limitação na ineficiente e desmotivada burocracia pública municipal. Enquanto a nível federal houve esforços para melhorar a infra-estrutura e qualificar a mão-de-obra da administração pública, as burocracias estaduais e municipais continuaram precárias e ineficientes.

Dessa forma, se o município deveria ter adquirido uma maior competência burocrática para ser capaz de realizar suas novas atribuições, o quadro que se delineou a partir de 1988 é o de baixa eficiência, pouca arrecadação e falta de motivação dos servidores.

Aumentar a capacidade operacional e gerencial das burocracias municipais é a necessidade que inspirou este trabalho, o qual busca contribuir com a questão através de um estudo do uso da perspectiva dos processos em uma organização pública municipal.

3. Perspectiva dos processos

Processo é definido geralmente como qualquer atividade ou conjunto de atividades que tomam um input, adicionam valor sobre ele e fornecem um output para um cliente específico.

Conçalves (2000) destaca que essa idéia de processo como fluxo de trabalho, com inputs e outputs claramente definidos, tarefas descontínuas e que seguem uma seqüência, é uma concepção da engenharia, que por sua vez, deu origem ao nome reengenharia.

De acordo com este autor, essa definição exclui processos que não têm início e fins claros, ou que não possuem fluxo de trabalho bem definido. O fluxo de trabalho é apenas um tipo de processo, que exclui outros tipos que podem ser ainda mais importantes para a empresa, como o desenvolvimento de gerentes e avaliação de desempenho.

Garvin (1998) apresenta um conceito mais amplo de processo e os classifica entre diversas categorias, incluindo os tradicionais fluxos de trabalho ou processos de trabalho (work process), os processos de mudança, os processos gerenciais de negociação e decisão, e por último, os processos comportamentais.

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Apesar dos vários tipos de atividades que podem ser classificadas como processo, os movimentos de TQM (Total Quality Management), Reengenharia e BPM (Business Process Management) os têm enxergado como fluxos de trabalho. A idéia básica por trás do estudo desses processos é que as organizações realizam seu trabalho através de uma sequência de atividades interligadas que cruzam departamentos e áreas funcionais. (GARVIN, 1998)

Os fluxos de trabalho ou processos de trabalho podem ser divididos em processos de cliente ou de negócio (business process), e processos organizacionais. Gonçalves (2000b) esclarece que os primeiros estão relacionados à atuação da organização e são responsáveis pela produção dos bens ou serviços destinados ao cliente externo. Desta forma, estes processos geralmente são extensos, cruzam vários departamentos e tem impacto direto no cliente externo (WESKE, 2007). Estes processos são suportados pelos processos organizacionais, que viabilizam o funcionamento interno da organização.

Jeston e Nelis (2006) esclarecem que a idéia de ver o trabalho como processo e buscar melhorá-lo existe desde o início do século XX, quando Frederick Taylor implantou a racionalização do trabalho manual e dos processos produtivos para aumentar a eficiência de sua produção.

Com o auge da reegenharia, na década de 90, os gerentes estenderam seus olhares para além dos processos produtivos, como por exemplo, gerenciamento de pedidos e serviços ao cliente (JESTON e NELIS, 2006).

A diferença essencial entre Controle da Qualidade Total e Reengenharia é que o primeiro busca a mudança incremental, através de mudanças graduais que melhoram o processo existente, enquanto o segundo busca desfazer o antigo processo para criar outro totalmente novo (HAMMER, 1995).

Outra diferença é a importância maior que os defensores do movimento da Qualidade dão ao controle e avaliação, ao mesmo tempo em que a reegenharia dá uma grande ênfase no papel da tecnologia para aperfeiçoar os processos.

Os dois movimentos também usam ferramentas semelhantes. Ambos sugerem a análise e modelagem dos processos vigentes através de diagramas, e logo em seguida, a criação de um novo processo mais eficiente. Para tanto, procuram eliminar excesso de aprovações e checagem, reduzir o tempo de espera de atores do processo e buscam agrupar tarefas e responsabilidades semelhantes.

Atualmente podemos destacar um terceiro movimento chamado Business Process Management (BPM). Para Weske (2007) a BPM é um conjunto de conceitos, métodos e técnicas que dão apoio ao design, administração e análise do processo de negócio. A base da BMP é a representação explícita do processo de negócio com suas atividades e a seqüência de execução entre elas. (WESKE, 2007).

Porém, não é possível para os gestores mapearem e estudarem toda a diversidade de processos existentes na empresa. É importante identificar aqueles que merecem atenção especial da gerência. Gonçalves (2000b) explica que a importância do processo pode ser avaliada por meio do valor gerado para o cliente externo, do volume de recursos envolvidos e do impacto que este tem no funcionamento da empresa.

Analisar a organização como um conjunto de processos é uma perspectiva com importância tanto para pesquisadores quanto para gestores. Garvin (1998) esclarece a importância para os executivos destacando que as organizações modernas são muito complexas, apresentam funções muito diferenciadas, e muitas vezes, apresentam funções e departamentos distantes

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fisicamente, o que diminui a integração entre eles. O acréscimo da perspectiva dos processos na visão dos executivos proporciona então, a possibilidade deles lidarem melhor com esse problema.

Para esse autor, o simples conhecimento de que processos de trabalho podem ser alvo de sua análise e ação gerencial já permite aos executivos melhorar a integração entre departamentos e funções.

Weske (2007) apresenta de outra forma a contribuição da perspectiva dos processos, explicando que identificar as atividades e suas relações, e ainda, representá-las por modelos, facilita a comunicação sobre o processo entre os funcionários e cria o potencial para sua análise e melhoria.

Garvin (1998) destaca também a importância da visão dos processos para os pesquisadores. Segundo esse autor, ao longo dos anos houve várias teorias sobre processo, mas poucos autores revisaram-nas de maneira integrada. Essas teorias, quando colocadas juntas, formam poderosas lentes para se enxergar e compreender a organização e sua gestão.

Os processos permitem um nível de análise intermediário, sem incorrer no erro de focar apenas na parte, ou apenas no todo, como acontecia nas pesquisas anteriores. A perspectiva do processo exige a integração, garantindo que a realidade da prática do trabalho esteja ligada explicitamente ao funcionamento global da empresa (GARVIN, 1998).

A literatura recente aponta algumas etapas para implantar a gestão por processo na organização, indo do modelo tradicional e funcional até uma posição em que a empresa esteja completamente estruturada pela perspectiva dos processos. Gonçalves (2000a, p. 16) destaca os seguintes passos:

1. Conscientizar 2. Mapear processos 3. Selecionar processos essenciais 4. Melhorar processos essenciais + tecnologia 5. Redistribuir recursos + process owner 6. Adotar modelo estrutural rompendo com as principais funções 7. Reformular o referencial e os mecanismos de gestão 8. Implantar

Uma dos primeiros passos é construir a representação explícita do processo, mapeando-o em toda sua extensão. Começa-se a construção do modelo com a definição do input do cliente externo, a partir do qual é processado o trabalho ao longo dos vários departamentos e funções da empresa até a entrega final dos bens e serviços. Há diversos tipos de diagramas e modelos utilizados para representar os processos de trabalho nas organizações, desde os tradicionais fluxogramas utilizados na Qualidade Total; o Diagrama de Atividade e Papel; e até mesmo a notação própria da BPM, a Business Process Modeling Notation (BPMN).

Entre as etapas posteriores está a atribuição de cada um dos processos de negócio à um dono (process owner), similar aos gerentes das áreas funcionais. O dono do processo é responsável por “garantir o andamento adequado ao fluxo do processo (pumping), a facilitação do relacionamento dos recursos aplicados ao processo (facilitating), a avaliação do funcionamento da empresa da perspectiva do processo e o aperfeiçoamento do funcionamento do processo.” (Gonçalves, 2000b, p.15)

Além de atribuir um dono aos processos de negócio, pode-se acrescentar tecnologia naqueles considerados mais importantes. Weske (2005) esclarece que, tradicionalmente, os processos de uma empresa são guiados pelo conhecimento dos funcionários e pelas normas e procedimentos da organização, ou seja, os processos são desempenhados manualmente. Porém,

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as empresas podem preferir utilizar sistemas de softwares conhecidos como business process management systems (WESKE, 2005). Desta forma, atualmente a gestão por processo está muito associada ao uso de softwares e modernas tecnologias de informação.

Desse modo, as organizações que decidem avançar no grau de organização por processo podem optar por nomear um process owner e utilizar a tecnologia de informação para gerenciar os processos mais importantes. Porém, o grau com que a organização utilizará a perspectiva dos processos em sua estrutura e gestão irá depender de suas necessidades, características e do contexto em que atua.

4. Metodologia

4.1. Contextualização Primeiramente, com intuito de facilitar a compreensão deste trabalho, seguem abaixo

algumas informações acerca do município em que foi realizado o estudo. O município encontra-se situado na mesorregião da Zona da Mata Mineira com uma

população residente de 74.171 habitantes em 2007 e com um salário médio mensal de 3,3 salários mínimos, segundo pesquisas do IBGE (2007). Ainda segundo essas pesquisas, o PIB per capta é de R$ 7.257,00, com o setor de agropecuária representando 3,2% do PIB, a indústria 13% e o setor de comércio e serviços 83,8%. Segundo pesquisas CENSUS (2004) havia no município 2.215 empresas em 2004, com 52,64% no comércio, 5,51% na indústria e 41,85% no setor de serviços.

4.2. Natureza da pesquisa e coleta de dados Esta pesquisa pode ser classificada quanto aos fins e quantos aos meios, segundo Vergara

(2000). Quanto aos fins é uma pesquisa exploratória, pois há pouco conhecimento acumulado na área, e quanto aos meios, é classificada como estudo de caso e pesquisa de campo, pois foi circunscrita a uma unidade - a prefeitura municipal estudada – e realizada no local de ocorrência do fenômeno. O método do estudo de caso foi escolhido por permitir aprofundar o tema e explorar melhor o assunto (YIN, 2005).

O estudo utilizou dados primários obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com servidores e secretários de uma prefeitura municipal da Zona da Mata Mineira, no ano de 2009. A pesquisa também utilizou dados de fontes secundárias, através de documentos da prefeitura usandos no processo estudado.

Na primeira etapa da pesquisa foi realizada a identificação de um processo de negócio ou processo essencial dentro da organização, que cruzasse vários departamentos e tivesse impacto no cliente cidadão. Buscou-se, nesse momento, identificar entre as atividades da Prefeitura, um fluxo de trabalho que se enquadrasse no conceito de processo essencial. Em uma segunda etapa, foi realizado o mapeamento do processo e sua análise junto com os funcionários.

Para a representação do processo, este trabalho utilizou o software ARIS Express, onde os processos são representados por uma variante simples da Business Process Management Notation. Para possibilitar uma melhor compreensão dos modelos gerados no estudo, essa notação será apresentada brevemente com o uso de um exemplo na Figura 1.

Conforme mostra esta figura, nesta notação as atividades são representadas pelos retângulos arredondados e as bifurcações e junções do processo são representadas por losangos, que podem ser marcados por diferentes símbolos. Um losango com um arco entrando e dois saindo, e marcado com um símbolo mais (+), significa que dali em diante as atividades podem ser

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executadas paralelamente. O mesmo símbolo com vários arcos entrando e um saindo é a junção daquelas partes do processo que aconteciam paralelas (WESKE, 2007).

Figura 1: Exemplo utilizando Business Process Management Notation

5. Resultados e discussões

5.1. Processo essencial na prefeitura As entrevistas na primeira fase levaram a conclusão de que um dos processos essenciais

da Prefeitura é a requisição de bens ou serviços, que são adquiridos por meio de licitação. Esse processo cruza vários departamentos e cargos diferentes, tem impacto no cliente externo e envolve um grande volume de recursos. Além do mais, esse processo acontece com frequência, pois todas as secretarias necessitam adquirir materiais e serviços para executar seus projetos e exercer sua finalidade. A figura 2 apresenta uma visão geral deste processo.

Dentre as várias requisições geralmente realizadas pela prefeitura, uma das mais importantes é a requisição realizada pela Secretaria Municipal de Educação e destinada às atividades nas escolas e creches do município, ou seja, aquela relacionada à merenda escolar, materiais didáticos e materiais de higiene e limpeza.

Este processo, pelo grande volume de recursos que envolve e pelo valor que representa para o público atendido, foi escolhido como o foco do presente estudo. Além do mais, escolher um tipo de requisição específica permite ilustrar melhor a realidade do processo e explorar de maneira mais objetiva a perspectiva dos processos na organização. O processo de fornecimento de merenda escolar, material didático e material de higiene e limpeza às escolas e creches do município é representado nas figuras 3 e 4.

Boa parte do diagrama construído e alguns dos problemas levantados no estudo são válidos não apenas para a requisição destinada às escolas e creches do município, mas também para as requisições realizadas na Prefeitura de modo geral.

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Figura 2: Processo essencial na Prefeitura – Requisição de compra Fonte: dados da pesquisa

5.2. Mapeamento do processo Nesta etapa, houve o mapeamento do processo de fornecimento de merenda escolar,

material didático e material de limpeza e higiene às escolas e creches municipais. Este processo se inicia com a elaboração da requisição de compra pela Secretaria Municipal de Educação e termina com a distribuição daqueles produtos às escolas. Ao longo da etapa, seis entrevistados descreveram a parte do processo que conheciam melhor, sendo eles o Secretário de Administração, a Secretária de Finanças, a Chefe do Departamento de Material, uma servidora da SME, o chefe do Almoxarifado da SME e um funcionário do Almoxarifado Central.

À medida que os funcionários descreviam o processo, também expunham suas críticas e sugeriam possibilidades de melhoria, produzindo um material importante para a posterior análise do processo.

Almoxarifado da SME O processo tem início com a elaboração da requisição de compra pelo chefe do

Almoxarifado da Secretária Municipal de Educação. Esta licitação deve ser realizada anualmente, e o documento de requisição, depois de preenchido, é assinado pela Secretária de Educação e enviado à Secretaria de Administração.

O espaço no almoxarifado da SME é pequeno e muitos dos alimentos são perecíveis. Por este motivo, apesar da licitação ser anual, a entrega é realizada em parcelas ao longo do ano. Portanto, a requisição de compra deve informar os produtos, as quantidades e as informações referentes ao parcelamento da entrega.

Estes dados referentes a quanto e o quê comprar são decididos pelo chefe do almoxarifado da SME, e posteriormente são deferidos pela Secretária Municipal de Educação e pelo Prefeito. O chefe do almoxarifado da SME se baseia nos gastos do ano anterior para tomar sua decisão.

A entrevista com o chefe do almoxarifado da SME consistiu o início da investigação sobre o processo e logo nesta fase já foi identificado um problema relacionado à decisão sobre a compra do material didático e merenda escolar. Este problema foi apontado também em uma posterior entrevista com o Secretário Municipal de Administração.

A requisição de compra para merenda e materiais didáticos realizada pelo chefe do almoxarifado da SME não envolve nenhum método formal ou sistemático em sua elaboração, o que tornou necessário, em algumas ocasiões no passado, fazer licitações extras e urgentes para

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compensar aquilo que não foi comprado em quantidades suficientes no início do ano. Estas licitações não planejadas geram um transtorno na secretaria de Administração e custos extras para a Prefeitura. Esse problema é apontado pelo Secretário de Administração como conseqüência da falta de planejamento para as requisições de compra, comum a todas as Secretarias.

Figura 3 – Processo de fornecimento de material didático e merenda às escolas e creches municipais Fonte: dados da pesquisa

Secretariais Municipais de Educação e Administração Após a requisição de compra receber a assinatura da Secretária Municipal de Educação e

do Prefeito, este documento é enviado para a Secretaria de Administração, onde é realizado o orçamento do pedido. A requisição então, junto com o orçamento, é enviada para a Secretaria de Finanças, que controla o caixa da Prefeitura.

Início do ano

Elabora requisiçãode compra

Requisição decompra da SME

Secretária Municipal Assina Requisição

Chefe doAlmoxarifado da

SME

Requisição decompra da SME

Assina Requisição

Elabora orçamentos

Requisição decompra da SME

Prefeito

Analisadisponibilidade de

caixa

Recusado

Secretaria deAdministração

Secretaria deFinanças

Aprovado

DocumentOutras requisições

de compra

DocumentRequisições decompra dassecretarias

DocumentOrçamentos

Requisição decompra da SME

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Conforme mostra a figura 3, a secretaria de finanças analisa os pedidos feitos pelas diversas secretarias municipais junto com os orçamentos e decide quais pedidos ela autoriza, conforme o recurso disponível em caixa naquele momento. Os pedidos que não são aprovados precisam então esperar até que a Prefeitura receba mais recursos em caixa. Desta forma, a ordem com que as compras são realizadas acaba por ser definida pelos critérios da Secretária de Finanças. O caminho percorrido pelo processo na ocasião em que o pedido é aprovado é expresso na figura 4.

A figura 4 mostra que após o processo administrativo ter início, acontece uma série de atividades nas Secretarias de Finanças e Administração, até o ponto em que a licitação é realizada e a ordem de fornecimento é entregue à empresa e à secretaria requisitante.

Ainda dentro da atividade de licitação, ocorre a verificação da qualidade dos alimentos pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE), em que a empresa licitada envia uma amostra de seus produtos à SME. Portanto, o CAE, composto pelo Chefe de Merenda escolar junto a pais e diretores, analisa a qualidade dos alimentos antes da contratação da empresa.

Em relação aos alimentos, há uma dificuldade do Conselho em identificar os produtos que não deveriam ser consumidos pelas crianças. Como o próprio chefe do almoxarifado da SME aponta na entrevista, seria importante a presença de um profissional de nutrição contratado para ajudar nessa avaliação. Vale ressaltar que não há nenhuma nutricionista contratada na SME e que a presença desse profissional seria indispensável, não só na avaliação dos alimentos junto ao CAE, como na elaboração de uma dieta saudável junto às escolas e treinamento das cozinheiras para diminuir o desperdício.

Distribuição Nesta etapa, após a Prefeitura realizar o contrato com a empresa licitada, tanto a SME

quanto a empresa contratada recebem uma via da ordem de fornecimento. As empresas então enviam os lotes de produtos ao longo do ano, nas datas previstas na licitação, conforme demonstrado na figura 4.

A cada vez que eles enviam parte do produto, os funcionários do almoxarifado da SME o recebem e realizam as tarefas relacionadas à conferência e registro. Geralmente quem realiza essa tarefa é o próprio chefe almoxarifado da SME, porém os demais funcionários também são treinados para realizar essa tarefa.

No caso das outras secretarias municipais, os produtos são enviados pelas empresas até o Almoxarifado Central, de onde então as secretarias devem requisitar o material. Esta requisição é feita através de um documento denominado pelos servidores de requisição de almoxarifado.

A fim de controlar as compras, as entradas e as saídas do estoque, o Almoxarifado Central possui um sistema de informação integrado ao Departamento de Material da Secretaria Municipal de Administração.

No caso da SME, ela deve enviar o documento de requisição de almoxarifado e a nota fiscal ao Almoxarifado Central, como se aquele produto estivesse passado por este local e então sido requisitado pela Secretaria de Educação, assim como acontece nas demais Secretarias. O Almoxarifado Central precisa da requisição da SME, pois, para fins burocráticos, os produtos da Secretaria de Educação chegam naquele local, de onde é então requisitado.

Após o funcionário da SME enviar a nota fiscal original junto com a requisição para o Almoxarifado Central, a nota fiscal é encaminhada para a Secretaria de Finanças, onde o pagamento da empresa é efetuado.

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Figura 4 – Processo de fornecimento de alimentos, materiais didáticos, e materiais de limpeza e higiene às escolas e creches municipais Fonte: dados da pesquisa

Aprovado

Inicia processoadministrativo

Bloqueia oorçamento

Lança edital

Verificação dalegalidade

Publicação

Licitação

Homologação

Realiza empenho

Efetuacontrato

Procuradoria Jurídica

Envia ordem defornecimento Document

Ordem defornecimento

Secretaria deFinanças

Envia produto paraAlmoxarifado‐Centra

Produto

Ordem defornecimento

Registro da NF e  doestoque

Registro no estoqueda Prefeitura

Pagamento

Empresa contratada

Almoxarifado daSME

AlmoxarifadoCentral

Secretaria deFinanças

Envia requisição dematerial e  nota fiscal

Sistema deInformação

Requisição dematerial

Nota fiscal

Contratoencerrado

Faltam parcelas

Data de  envioAinda não é  adata de  envio

Espera

Aprovação eassinatura

Prefeito

Verificação

1

1

Procuradoria Jurídica

Secretaria deAdministração

Secretaria deAdministração

Empresa contratada

Distribui às escolas ecreches Escolas e  creches

municipais

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Com os alimentos e materiais didáticos já no almoxarifado da SME, os mesmos são distribuídos para as escolas e creches da rede municipal, em média uma vez por semana. A distribuição é feita através de um documento em que o diretor da escola ou representante de cada creche expressa aquilo que têm em estoque e os produtos de que precisam. A partir destes dados, o chefe do almoxarifado da SME atribui as quantidades destinadas a cada instituição. Este é o fim do processo de fornecimento de alimentos e material didático às escolas, pois os serviços e produtos finalmente são entregues aos clientes finais da SME: as creches e escolas do município.

5.3. Problemas identificados As entrevistas foram constituídas de dois eixos centrais: o mapeamento do processo e a

identificação dos problemas nele presentes segundo a percepção dos funcionários. O entrevistado geralmente conhecia apenas a parte do processo que percorria seu departamento ou função, e relatava apenas os problemas existentes nesta parte do processo. Outras falhas foram acrescentadas após a análise do diagrama de processo aliada à revisão bibliográfica realizada. Ao todo, foram destacados os seguintes itens:

Decisão sobre quantidades na compra dos alimentos e materiais didáticos A primeira atividade do processo de fornecimento da merenda escolar e material didático

é a decisão sobre quanto e o quê comprar. Essa escolha é realizada pelo chefe do almoxarifado da SME e apesar de envolver um grande volume de recursos, não envolve nenhum método formal ou sistemático em sua elaboração. A quantidade comprada de cada item e quais itens são comprados deveria obedecer a um cardápio proposto por um nutricionista e deveria estar apoiado na previsão mais precisa do consumo das escolas. A forma como é tomada essa decisão já implicou algumas vezes na necessidade de fazer licitações extras e urgentes para compensar aquilo que não foi comprado em quantidade suficiente, gerando um transtorno para a Secretaria de Administração e custos extras na Prefeitura.

Falta de planejamento das requisições de compra Este é um problema apontado na Secretaria de Administração e está relacionado a todas

as secretarias da Prefeitura. As requisições de compra do ano muitas vezes não são planejadas pelas Secretarias requisitantes, e compras que poderiam ser feitas com apenas uma licitação, às vezes são realizadas por meio de várias. Este fato gera custos extras para a Prefeitura e congestiona em alguns momentos o trabalho do departamento de material, quando as secretarias municipais fazem a requisição em datas muito próximas.

Distribuição de materiais para as escolas A distribuição dos diversos materiais utilizados e alimentos consumidos pelas escolas não

segue um critério definido. As escolas enviam uma ficha com os itens de que precisam e com aquilo que já possuem em estoque. O chefe do Almoxarifado da SME então, utilizando essas informações, junto à sua noção do quanto é consumido semanalmente naquela escola, decide quanto distribuir para cada instituição.

O risco de não racionalizar este processo de decisão é distribuir mais àquelas instituições a qual o funcionário da Secretaria é mais simpático, ou o funcionário pode se habituar a entregar para a instituição a quantidade que ela costuma consumir sem considerar a possibilidade de desperdício. Um critério que poderia ser utilizado é a distribuição per capita, onde a escola ou

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creche recebe a quantidade de material proporcional à quantidade de alunos. Isso evitaria o desperdício de algumas escolas, problema citado pelo próprio chefe do almoxarifado da SME

Verificação da qualidade dos produtos pelo Conselho de Alimentação Escolar A verificação é feita pelo Conselho de Alimentação, constituído pelo chefe do

almoxarifado da SME, pais e professores, sem a presença de um nutricionista para verificar a qualidade dos alimentos. Este foi um problema citado por dois servidores da SME.

Algumas Secretarias não requisitam os produtos comprados, indicando a falta de

preocupação com uso do dinheiro público Os servidores do Almoxarifado Central citaram na entrevista que muitos produtos são

“esquecidos” pelas secretarias que os requisitaram. Esses servidores então, em algumas ocasiões, entregam para outras secretarias os produtos que não foram buscados, a fim de evitar o desperdício. Há monitores de computador que estão parados no Almoxarifado e que nunca foram buscados pelas secretarias que os requisitaram.

Este é um sinal de que os recursos na Prefeitura não estão sendo utilizados de maneira eficiente, a ponto de materiais e equipamentos não serem buscados por quem os requisitou.

Inadequação no uso do sistema de informação Segundo os funcionários que trabalham no Almoxarifado Central, o sistema de

informação que deveria ajudar no registro e controle do estoque e das compras frequentemente não é seguido, ou seja, o departamento de material algumas vezes dá ordem para que o produto seja enviado para uma secretaria diferente daquela a qual o produto era destinado no sistema. Os produtos do Almoxarifado Central deveriam ser entregues apenas nos locais onde eles foram requisitados. Esse é um problema parecido com o anterior, mas nesse caso o produto não foi necessariamente “esquecido” no Almoxarifado, e sim entregue para um destino diferente do previsto no sistema.

Desta forma, no Almoxarifado Central não há um controle dos produtos comprados, o que abre espaço para o desperdício e a até mesmo para a corrupção.

Uma das entrevistas indicou que as secretarias não são informadas na data de chegada dos produtos no Almoxarifado Central, e precisam contatar este órgão de tempos em tempos para verificar a chegada daquilo de que fizeram a requisição de compra.

O ideal seria o sistema se estender as demais Secretarias, assim cada uma poderia controlar e fiscalizar as outras e cada Secretaria receberia apenas os produtos de que fez requisição.

A Secretaria de Finanças escolhe a ordem dos projetos realizados A maioria dos projetos depende de materiais ou serviços a serem adquiridos fora da

Prefeitura. Apesar da Secretária Municipal de Finanças ter uma previsão dos recursos disponíveis para o ano, alguns itens do orçamento precisam esperar até que haja dinheiro suficiente disponível em caixa para serem adquiridos.

Uma vez que toda licitação depende da aprovação da secretária de finanças, que detêm o caixa da prefeitura, os recursos são liberados primeiros para aqueles projetos que a secretária de finanças julga ter prioridade.

Desta forma, apesar de todas as licitações serem previstas no orçamento anual, na Lei das Diretrizes Orçamentárias e no Plano Plurianual, a secretária tem interferência na ordem com que

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os projetos são realizados. Este fato foi identificado como uma questão a ser discutida na Prefeitura, porque no caso de dois ou mais projetos importantes estarem concorrendo ao mesmo recurso em caixa, a decisão de qual é prioritário e urgente talvez não deva ficar apenas nas mãos da secretária de finanças. 6. Considerações finais

Este trabalho mostra a utilização da perspectiva dos processos em uma organização pública. A representação explícita do processo gerador de valor para o cliente-cidadão proveu os servidores de um melhor entendimento das atividades que a organização realiza e suas inter-relações. Consequentemente, esta representação permitiu que os servidores identificassem com maior facilidade potencialidades de melhorias no trabalho da organização. O mapeamento do processo proporcionou aos servidores a compreensão geral de um importante processo na prefeitura, viabilizando o diagnóstico dos problemas existentes e servindo como ferramenta para identificar as oportunidades de melhoria.

No caso das organizações públicas, utilizar a perspectiva dos processos não apenas aumenta a eficiência deles, mas contribui também para a orientação ao cliente, assim como permite gerar um ambiente mais integrado, onde cada órgão ou funcionário possa fiscalizar o trabalho do outro.

Conforme foi descrito, nesta prefeitura já é utilizado um software no Almoxarifado Central que atua, basicamente, no controle de estoque. Este software, porém, não abrange toda a extensão do processo estudado e é integrado apenas ao Departamento de Material.

No caso da Prefeitura Municipal de Viçosa, o uso de um sistema de informação amplo, com a função de gerenciar o processo de requisição de compra na Prefeitura e que se estendesse a todas as secretarias municipais, poderia representar uma oportunidade para a melhoria do processo, além de possibilitar a criação de uma maior transparência. O mapeamento do processo e sua análise comporiam a base para a criação desse sistema de informação que coordenaria o processo.

A perspectiva do processo, tanto em organizações públicas como privadas, permite descobrir os processos essenciais, aperfeiçoá-los utilizando tecnologia, e cortar os processos ou atividades que não agregam valor ao cliente externo. Essa possibilidade é apresentada neste trabalho como uma das ações possíveis para tornar a administração pública municipal capaz de promover, com qualidade e eficiência, a complexa gama de serviços que estão sob sua responsabilidade e que são vitais para o cidadão carente que depende desses serviços.

Sugere-se, nos próximos estudos, verificar o que os gestores públicos entendem com a expressão “processo” e explorar as consequências da gestão tradicional orientada por funções em outras organizações públicas. Também se recomenda um estudo para verificar até que ponto os gestores públicos estão dispostos a reavaliar o foco administrativo voltado para as funções, transferindo-o para os processos.

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