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A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO ESCOLAR
Josilaine Cátia Gonçalves1
RESUMO
A participação da comunidade na gestão democrática da escola é o objeto de nossa investigação.
O objetivo é conhecer como essa participação se apresenta na rotina da escola Campo Limpo,
da rede pública estadual, no Município de Atibaia/SP, através da observação das relações. Este
trabalho se caracteriza como estudo de caso tomando os conteúdos/contextos, para observarmos
onde se dão as políticas educacionais, quais os contextos inter-relacionados, os lugares e os
participantes. Para fundamentar os conceitos e as categorias empregados na investigação,
utilizamos uma abordagem qualitativa ancorada no levantamento bibliográfico e nos registros
das vivências dentro da escola. Os instrumentos de pesquisa foram a entrevista e a observação.
Palavras-chave: Gestão democrática. Comunidade. Escola.
THE COMMUNITY’S PARTICIPATION IN THE SCHOOL MANAGEMENT
ABSTRACT
The community’s participation in the democratic school management is the object of our
investigation. The purpose is to know how this participation presents itself in the routine of
Campo Limpo, a public state school in the city of Atibaia/SP, by observing the relationships.
This research is characterized as a case study taking the contents/contexts in order to observe
where the educational policies happen, which contexts are inter-related, the places and the
participants. In order to support the concepts and the categories used in the investigation, we
applied a qualitative approach based on a bibliographical survey as well as on the records of
the experiences in the school. The research tools were interviews and observations.
Key Words: Democratic management. Community. School
1 Mestre em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Especialização em
Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: [email protected]
1
INTRODUÇÃO
É sabido que, na década de 1990, ocorreram diversas mudanças políticas, entre elas as
que priorizavam minimizar a crise do modelo econômico capitalista, que se tornou mais
evidente na década de 1970. A economia desse período se contrapôs ao bom desenvolvimento
das duas décadas anteriores nos países capitalistas e, segundo Duménil e Lévy (2003),
apresentava algumas características: investimento e crescimento baixo dos países, aumento do
desemprego e inflação. Em meio a essas questões econômicas e políticas, destaca-se o papel do
Banco Mundial2 (BIRD). Além do Banco Mundial, foi criada a organização mundial o Fundo
Monetário Internacional (FMI), que contribuiria para a estabilidade do sistema monetário
internacional entre seus países membros.
Di Tomassi, Warde e Haddad (2003) em estudos realizados pela “Ação Educativa”, em
1996, destacam a relação do Banco Mundial com as políticas educacionais dos países com os
quais desenvolvem projetos, e observam ainda que o investimento financeiro nesses países não
é tão grande quanto a influência nas suas políticas educacionais. Evidencia-se a influência do
Banco Mundial nas políticas internas e nos projetos educacionais em diversos países do
Terceiro Mundo, em parceria com algumas agências internacionais, como a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e para a Cultura (Unesco). Portanto, é uma política
que recomenda a expansão do ensino elementar para todos, como forma de contribuir para o
desenvolvimento econômico dos países, e enfatiza a relação entre a educação e trabalho.
(GENTILI, 1995).
Desse modo, as políticas educacionais no Brasil, a indução à participação e o surgimento
da gestão escolar democrática a partir da década de 1990 foram estratégias necessárias à
transformação da escola, segundo a tipologia de homem a ser formado diante do processo de
reestruturação do mercado internacional entre a consensualidade e a naturalização de interesses
particulares.
Assim surge o modelo neoliberal nas políticas educacionais no Brasil, cujas premissas
centrais eram correspondentes aos pressupostos econômicos, não tardou a ser materializada na
elaboração da “Constituição Federal de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
2 Em 30 de julho de 1944, realizou-se um encontro de 44 países em Bretton Woods e foi criado o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido como Banco Mundial. Foi
criado com o objetivo de: “[...] ‘dar assistência à reconstrução e ao desenvolvimento dos territórios das nações membros
facilitando o investimento de capital com fins produtivos’ e ‘promover o crescimento equilibrado do comércio internacional a
longo prazo [...]” (TOUSSAINT, 2002, p. 169). O Banco exerceu, inicialmente, o papel de “reconstrutor das economias
devastadas pela guerra e de credor para empresas do setor privado”.
2
Nacional 9.394/96, da Lei n. 9.424/96, da Emenda Constitucional n.14/96 [...]”, dentre outros
documentos (SILVA, 2003, p.4).
Assim, a escola, considerada como espaço onde ocorre o desenvolvimento das políticas
educacionais, evidenciou a participação da comunidade como moeda de troca na promoção da
gestão democrática, desde que respeitados os limites impostos no processo de deliberação social
nos instrumentos participativos como: conselhos de escola, gestão democrática, projeto político
3 pedagógico, associação de pais e mestres, e outros.
A escolha pelo tema “gestão democrática na escola” se deu por se tratar de uma escola
da rede pública estadual do programa de ensino integral do Estado de São Paulo, cuja orientação
a diferencia de outras escolas da rede que tenham adotado um modelo de Projeto que tem, como
base, pressupostos teóricos e metodológicos de gestão escolar democrática voltada à
aprendizagem dos alunos.
O trabalho está organizado em uma fundamentação teórica, na metodologia utilizada
para desenvolver o estudo e sistematizar os dados e nas considerações finais, onde são
apresentados os resultados para refletir e tentar criar ações para minimizar o problema apontado.
O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO E SEUS DESAFIOS NA EDUCAÇÃO
Como parte do processo de redemocratização no país se deu após os “anos de chumbo”
do regime militar, a década de 1980 foi marcada por debates sobre gestão democrática na
administração pública. Na educação, o tema tem sido amplamente debatido e alguns consensos
foram construídos, visando garantir na legislação princípios de gestão que tivessem a
democracia como uma forma de gerir e administrar as instituições de ensino.
O interesse em refletir sobre a participação da comunidade na gestão democrática da
escola se justifica pelo conhecimento empírico que temos dessa unidade de ensino, onde, na
verdade, observamos a ausência de participação da comunidade na gestão da escola.
O lugar da pesquisa foi nomeado por “Campo Limpo”, por questões éticas: a escola
iniciou no programa de ensino integral – PEI- em 2016. Atualmente, a referida escola oferece
o Ensino Fundamental Séries Finais e Ensino Médio funcionando em prédio próprio. Os
responsáveis dos alunos são trabalhadores informais, do comércio, pedreiros e faxineiras, em
sua maioria. Esta escola tem sua razão social identificada como sendo um estabelecimento de
ensino da rede estadual pública que acolhe os alunos em período integral, no entanto agrega às
3 O termo político refere-se ao compromisso social da escola frente à polis, ao conjunto de seus cidadãos, que receberão
direta ou indiretamente os efeitos da formação que se pratica na escola.
3
exigências legais, que deve ter uma ação educativa de acordo com os princípios e premissas do
programa de ensino integral que é voltada para atender ao objetivo do programa PEI em formar
jovens autônomos, solidários e competentes.
A escola Campo Limpo oferece, atualmente, suas modalidades de ensino: o Ensino
Fundamental II ou dos anos finais (6º ao 9º ano) e o Ensino Médio (1ª ao 3ªano); possui 300
alunos sob a responsabilidade de 15 professores, 1 auxiliar administrativo, 2 funcionários dos
serviços gerais, 1 agente de organização escolar, 1 coordenadora pedagógica geral, 3
coordenadores de área, 1 vice-diretor e 01 diretora.
Ao observar o cotidiano escolar constatamos que, em geral, a participação da
comunidade nos assuntos escolares se dá, essencialmente, por ocasião das reuniões de pais e
mestres, para tratarem de assuntos pertinentes à entrega de notas e falar sobre a indisciplina dos
discentes, bem como em momentos de festas e eventos promovidos pela instituição de ensino.
De forma empírica, percebemos a necessidade de participações mais constantes, tanto dos pais
como da comunidade em geral em torno da concepção de gestão democrática, contando com a
participação desses atores em ambientes para a informação, para o debate. Deve-se ter em conta,
portanto, que nessa participação as posições e os interesses que movem pessoas sejam
explicitados, debatidos, devendo submeter-se ao processo de votação, deixando às claras os
interesses em jogo, objetivando a construção de consensos possíveis e respeito às decisões
coletivas.
Sendo assim, acreditamos ser pertinente investigar: porque a comunidade não participa
da/na gestão da escola? Não somente para cumprir com obrigações legais apresentadas pela
LDB nº. 9.394/96, mas também por serem eles atores concretos desse espaço educativo com
vistas à melhoria da qualidade do processo escolar.
Sabemos que o tema gestão democrática na escola é complexo e polissêmico ante às
diversas concepções de gestão democrática, mas conforme a LDB, ela se resume a dois pontos
básicos: i) A participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico,
de modo a que todos na comunidade escolar sintam-se coautores da iniciativa, se
corresponsabilizem em sua construção e aplicação; ii) A escola deve estruturar-se como um
órgão para educar coletivamente, uma comunidade de sentido conceitual, estratégica e
operacionalmente na realização de um projeto superior e comum a todos os seus membros
(BRASIL, 1996, p. 35).
Se a educação tiver como um de seus objetivos os interesses do cidadão e da sociedade,
se acreditar numa educação construída coletivamente, todos os atores da sociedade envolvidos
na comunidade escolar são potencialmente gestores sociais do conhecimento, todos criarão,
4
sistematicamente e coletivamente, condições favoráveis para a construção de conhecimentos e
saberes (PADILHA, 2009).
A escola é lugar de aprender conhecimentos desenvolvidos ao longo da história, de
desenvolver capacidades intelectuais, sociais, afetivas, éticas, estéticas. Portanto, é também
lugar de formação de competências para a participação na vida social, política, econômica e
cultural.
Nesse sentido, entendemos que a escola, ao buscar a aproximação com a sociedade civil,
estará em consonância com o ordenamento nacional brasileiro representado pelo conjunto de
leis, decretos, resoluções e pareceres que fundamentam a educação nacional, quando orienta
para uma gestão democrática e participativa (LIBÂNEO, 2002). A gestão democrática pode
oportunizar aos atores sociais tomar decisões da organização escolar, definindo coletivamente
as ações escolares de forma colegiada.
Com a participação da comunidade no cotidiano escolar, temos a divulgação dos
serviços oferecidos por ela que, de acordo com Gadotti (1997), implica na democratização da
gestão e na melhoria da qualidade do ensino. Para esse autor, compreender o funcionamento da
escola possibilita “conhecê-la por dentro”. Além disso, aos que nela estudam e trabalham, é
necessário acompanhar a educação que está sendo oferecida.
A organização interna da escola pública estadual no Estado de São Paulo, ainda está
centrada na perspectiva burocrática e racional tendo como foco o cumprimento de regras para
atender às demandas estabelecidas pela Secretaria da Educação do Estado, embora a LDB
aponte para o estabelecimento de uma gestão democrática de direito, participativa e autônoma,
conforme deve ser orientado o Projeto Político Pedagógico (PPP).
É dever da instituição escolar, garantir o desenvolvimento de sua função social que traz
entre seus aspectos a formação cidadã do corpo discente. Para tanto, é imprescindível a
existência de um PPP com objetivos políticos e pedagógicos bem delineados, orientando de
forma consciente os objetivos e as ações da escola (APPLE,1997).
A gestão participativa deve ser capaz de implementar ações direcionadas à qualidade
educacional que os sujeitos escolares ambicionam, estimulando o diálogo, a discussão coletiva
e a autonomia. Vale lembrar que exercício da democracia nada tem a ver com ausência de
responsabilidade, pois, uma vez tomadas as decisões coletivamente, é necessário colocá-las em
prática.
A proposta de gestão democrática inscrita na Constituição Federal de 1988 (CF), em
seu artigo 206, é “gestão democrática do ensino, na forma da lei” (Brasil, 1988). Reforçando
este modelo de gestão, a LDB estabelece que a gestão escolar participativa e o Projeto Político
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Pedagógico sejam construídos pelos membros da comunidade escolar, pois assim teremos uma
maior possibilidade de trabalhar de forma democrática. A comunidade deve ser composta pelos
atores que direta ou indiretamente participam do processo educativo. Esta ação se estabelece
diante dos artigos 14 e 15 da referida lei:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes
princípios:
I - Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola;
II - Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação
básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996).
Com esse modelo de gestão proposto na área da educação, torna-se comum a reflexão
nesses setores da iniciativa pública e, portanto, também comum a sequência a um princípio
presente também na LDB ‒ a construção do PPP ‒ instrumento indispensável para a elaboração
de uma proposta escolar pautada nas premissas de uma ação democrática e participativa.
A elaboração da proposta pedagógica deve contar com a participação dos profissionais
da educação, dos alunos e dos seus familiares para a construção de projetos educacionais
articulados com as políticas nacionais, levando em consideração a realidade específica de cada
instituição de ensino (BRASIL, 1996).
Apesar de serem dimensões ditas utópicas, não podemos deixar de não querer tê-las.
A gestão democrática, nessa perspectiva, é um modelo de administrar cuja
complexidade requer conhecimentos epistemológicos específicos, incorporados no processo da
gestão escolar que só têm sentido no campo em que as práticas se constituem e são constituídas.
Se o gestor não tiver clareza da importância dos conhecimentos específicos de sua profissão
correrá o risco de reduzir a sua ação à mera reprodução de modelos aprendidos ao longo de sua
vivência.
Os resultados das pesquisas sobre políticas públicas e gestão educacional no Brasil
denunciam que há, na atualidade, um movimento na sociedade capitalista que introduz um
modelo de gestão pública com base nos pressupostos de corporações internacionais com
paradigmas do sistema econômico, ou seja, setores governamentais utilizam estratégias de
gestão oriundas do setor privado para gerenciar o setor público, cuja ação observamos em
6
administrações voltadas para a eficiência gerencial, no sentido de reduzir custos na máquina do
governo (AZEVEDO, 2004; PERONI, 2003; SANDER, 2006; OLIVEIRA, 2007).
A relação dialógica se faz necessária porque o gestor público, na maior parte das vezes,
centraliza-se nas decisões de acordo com seus interesses pessoais e transmite tarefas para
alcançar os interesses com os quais se identifica. Esse modelo de gestão é incompatível com o
conteúdo ético-político da gestão democrática da educação e com o papel do Estado que visa
formar por meio da educação escolar um cidadão democrático (AZEVEDO, 2004).
Em vista disso, acreditamos que seja fundamental para a gestão escolar democrática
uma ação que proponha espaços para o exercício da democracia como no momento da formação
de PPP com vistas ao compartilhamento de decisões. Deste modo, estas ações inibiriam a
manifestação da administração tradicional marcada pelo centralismo tecnocrático e o
clientelismo das instituições escolares. Assim, podemos questionar em que medida uma política
governamental proporciona situações que se configurem para amenizar os efeitos desse tipo de
administração (BORGES, 2000).
Considerando que a gestão democrática e o PPP são, por um lado, preterida e um hiato
à democratização do saber e, consequentemente, indicam a fragilidade na constituição da
identidade profissional; por outro lado, é possível identificar a importância das escolas públicas
estaduais por constituírem-se em espaços para discussão e reflexão não só da gestão escolar e
democratização do saber mas também dos desafios enfrentados na implementação de
instrumentos como o PPP. Ressaltando que o objetivo de promover o desenvolvimento e a
constituição da democratização do ensino, a partir do entendimento a respeito do sentido
formativo da instituição e do compromisso de todos com a excelência da aprendizagem,
formulamos a seguinte questão: qual(is) a(s) contribuição(ões) do PPP para o processo de
democratização da aprendizagem?
Essa questão nos instiga a buscar a compreensão do fenômeno a partir da apreensão das
percepções de todos os envolvidos no processo investigativo, com a convicção de que o
processo de construção e reconstrução de concepções sobre gestão escolar figura como aspecto
delineador e demarcador do processo de desenvolvimento da democratização do ensino. A
investigação realizada partiu da premissa de que os profissionais da educação são atores sociais
em desenvolvimento permanente, capazes de (re) pensarem os percursos e processos formativos
ao longo de suas trajetórias e refletirem sobre a complexidade inerente ao exercício profissional,
a partir da relação dinâmica entre a realidade histórica e a sua totalidade concreta do trabalho
que realizam. É preciso compreender a interpenetração da dimensão pedagógica e política, na
questão administrativa de uma instituição escolar pública. O cotidiano escolar e sua dinâmica
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fazem com que os eventos e acontecimentos recebam outros significados ao longo do tempo e
que os termos usados para representá-los muitas vezes fiquem desgastados.
A política pública será analisada neste trabalho na perspectiva de algumas variáveis: a
construção do PPP e da gestão democrática. Partiremos do princípio de que a associação entre
estas variáveis é um pressuposto dado pela própria política em ação (BALL, 2004).
A relação entre Estado e sociedade civil que visa, como em muitos casos, somente à
passagem de responsabilidades, não consegue ter transformações sociais; ao contrário da gestão
democrática, que possibilita o envolvimento direto dos atores com a política, e assim possibilita
a participação na tomada de decisão, implementação e avaliação.
Desse modo, a política pública não se limita apenas à construção de uma “racionalidade
administrativa, de uma eficácia burocrática e gerencial preocupada em remover obstáculos ao
livre curso da economia” (SEMERARO, 1999, p. 212), vai além disso, intenciona criar uma
ação pública que desenvolve a cidadania.
A gestão democrática pode ser vista como uma “nova estrutura governante” para as
políticas públicas (ADAM; KRIESI, 2007), diferenciando-se das formas hierárquicas e das
estruturas de mercado. Neste sentido, a relação entre os participantes na ação pública se dá de
forma organizada e horizontal, promovendo negociações conflituosas e conjuntas com vistas a
estabelecer consensos (GOHN, 2001).
Contudo, vale lembrar que, se o processo de gestão democrática sustentar uma relação
de poder, mesmo dentro de uma sociedade formada por associações, não ocorrerá a formação
de subjetividades sociais habilitadas para participar na gestão pública, como é a inspiração da
política nacional de conselho escolares e do PPP em escolas públicas estaduais (BATISTA,
2009). A multiplicidade de organismos, se não for desenvolvida através da socialização e
participação popular, “pode ser o melhor e mais moderno instrumento para sacralizar ainda
mais o privado, encobrir o corporativismo e alargar as desigualdades” (SEMERARO, 1999, p.
213).
Na perspectiva de que a política pública é um “constructo social e local”, entende- se
que a política pública promove um espaço de relações múltiplas que ultrapassam a visão jurídica
(BATISTA, 2009). A política pública possui uma “ordem local” (BATISTA, 2009) “[...] um
constructo político relativamente autônomo que opera, em seu nível, a regulação dos conflitos
entre os interessados, e assegura entre eles a articulação e a harmonização de seus interesses e
seus fins individuais, bem como dos interesses e fins coletivos” (MULLER; SURREL, 2002,
p.20).
8
Será no sentido da concepção “rede de governança democrática” como estratégia do
governo da educação pública estadual que trabalhei. Nesta perspectiva, a ação pública não é
fruto apenas de uma elite político-administrativa, homogênea e centralizada, mas é formada por
coordenação múltipla cujo resultado depende da capacidade dos atores em determinar um
espaço de sentido comum, em desenvolver competências de origens diversas e em implementar
modos de responsabilidade e de legitimação das decisões (MULLER; SUREL, 2002).
Partindo deste enfoque, a gestão democrática nas escolas continua a ser uma questão
controversa. Frequentemente, é discutida de forma superficial, ou vazia de conteúdo político,
tendo acabado por naturalizar-se e ser banalizada nos discursos. Todavia, a gestão democrática
é muito mais do que isso, pois quando não existe este tipo de administração não temos espaços
e tempos para discussão, de forma coletiva, através do diálogo e com deliberação, onde são
indispensáveis a criatividade e o pensamento crítico/argumentativo.
CAMINHOS PERCORRIDOS
De modo a atender os propósitos da investigação, a metodologia escolhida teve como
base a abordagem qualitativa, pois sabemos que o significado dos resultados possibilita a
constituição de um espaço de reflexão sobre a gestão da escola pública. Este enfoque será
fundamental para desvelar o que os sujeitos pensam a respeito do objeto de estudo, trazendo
uma valiosa contribuição à descrição de uma realidade profissional, institucional e social.
A pesquisa foi com caráter qualitativo, pois esta abordagem possibilita uma diversidade
de ponto de vista para compreender o objeto de estudo. De acordo com Bogdan e Biklen (1994,
p.49), a investigação qualitativa "exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada
é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo". A investigação qualitativa, de
acordo com os autores, refere-se à análise dos dados de forma indutiva, e o pesquisador não
levanta dados com a intenção de confirmar hipóteses construídas previamente, ao contrário, as
abstrações são construídas à medida que os dados vão sendo coletados e organizados. Sendo
assim, podemos dizer que é no decorrer da investigação que o objeto de pesquisa começa a ser
compreendido e delineado. Esse processo requer do pesquisador a capacidade constante de
revisitar os caminhos, de questionar os instrumentos de coleta de dados, pois não há como
reconhecer o principal do que é secundário antes de iniciar a investigação.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.51), "o processo de condução da investigação
qualitativa reflete uma espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos sujeitos,
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dados estes não serem abordados por aqueles de forma neutra". As análises são carregadas de
sentido e de intencionalidades pelo pesquisador e não há, portanto, como serem neutras ou
mesmo imparciais, o que requer do pesquisador um cuidado no sentido de compreender o objeto
de pesquisa sem se deixar contaminar por julgamentos preestabelecidos ou verdades aparentes.
Utilizamos acervo de fontes bibliográficas, documentos oficiais da instituição, leis,
questionários e também fontes orais. Compartilhamos das novas concepções de pesquisa que
ampliaram o conceito de fontes considerando o seu caráter de construção, sua historicidade e
sua parcialidade. Os documentos não falam por si, não são meros depositários do real, mas são
evidências, registros da experiência pessoal e profissional dos sujeitos históricos que (re)
constroem cotidianamente os saberes e as práticas educativas na instituição.
No intuito de compreender melhor a configuração dos diferentes saberes necessários à
democratização do saber, temos como referência que os saberes profissionais são elaborados,
incorporados no processo de seu fazer cotidiano dentro da escola, e que só têm sentido quando
se considera o contexto em que essas práticas pedagógicas/administrativas se constituem e são
constituídas.
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Com caráter qualitativo, a investigação possibilitou considerarmos a questão da
representatividade, já que o que torna relevante um estudo de caso não é, certamente, a
representatividade estatística dos fenômenos e sim sua exemplaridade. Em nosso caso, a
comunidade escolar não se faz tão presente, conforme registros de campo.
Nas reuniões de HTPC, os assuntos são relativos à indisciplina, notas, frequências,
eventos culturais, entre outros, deixando a desejar o exercício democrático da participação
direta nos assuntos da escola, dos educandos e da comunidade.
Os professores, por sua vez, apesar da falta de clareza em relação ao papel da HTPC
apontam a necessidade terem uma formação continuada para melhorar sua prática e a
aprendizagem dos alunos; da formação ajudar na aprendizagem dos alunos. Em relação às
temáticas que se sobressaíram estão a gestão da escola e o clima organizacional favorável ou
não ao desenvolvimento dos professores; as características do professor coordenador são vistas
como de um super profissional, um especialista de sala de aula, que deve resolver os problemas
da escola; e a organização da HTPC desagrada os docentes devido ao desequilíbrio entre a
teoria e prática, desejam que haja uma formação instrumental e técnica.
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Os segmentos da comunidade escolar relatam as suas dificuldades e a tentativa de
desenvolverem um bom trabalho. Os docentes e equipe gestora trazem como angústia, a
ausência dos pais e acreditam ser este o dificultador para realizarem um bom trabalho em sala
de aula, pois os alunos não correspondem ao esperado e, ao mesmo tempo, sabem que os
profissionais não podem contar com a ajuda dos familiares para auxiliá-los nesse trabalho;
também sabem que a falta de interesse e perspectivas apresentadas pelos discentes pioram o
quadro do ensino-aprendizagem.
Por outro lado, os responsáveis alegam que a sobrecarga de trabalho os impossibilita de
participar da vida escolar dos filhos, destacando alguns problemas em relação à prática
pedagógica apresentada em sala da aula; colocam-se sobre a dificuldade de estarem presentes
nas reuniões de pais e mestres devido aos horários e, sobretudo, aos assuntos mais abordados,
aqueles que mais circulam ‒ a indisciplina e as regras da escola ‒, e isso os desmotivam a
participar.
Tanto a equipe gestora, quanto os docentes defendem a ideia de que os alunos não veem
na educação escolar um meio para ascensão profissional, uma vez que têm como referência,
familiares com o mínimo grau de instrução e que conseguiram se sobressair na vida
profissional, e também a falta de perspectiva de bons empregos. É comum ouvir dos alunos:
“para que estudar? “
Em relação às instâncias colegiadas, segundo a equipe gestora, estas se fazem presentes
apenas quando convocadas, e que seu auxílio no âmbito pedagógico é mínimo. Diante do
exposto considera-se que o quadro apresentado pela escola Campo Limpo, aparentemente, não
é diferente da realidade divulgada para a educação brasileira. Cabe a cada um cumprir com sua
função e tentar mudar esse quadro, porém sabe-se que esse trabalho demanda tempo e envolve
não apenas os segmentos de uma instituição escolar, mas a atual conjuntura socioeconômica do
Brasil.
Algumas das práticas de gestão, que aparentemente dão uma ideia de autonomia e de
conquista das escolas, foram reconhecidas pelo Estado, acabando por ser normativamente
reguladas para todas as instituições de ensino do Estado de São Paulo como a introdução do
modelo de gestão democrático e abrindo assim caminho para o que veio a ser a consagração
legal da chamada gestão democrática das escolas, isto é, a generalização a todos os
estabelecimentos de ensino de um modelo uniforme com aparência de gestão participativa e
democrática. Na escola em questão, observamos a forma do modelo de gestão, a eleição de
líderes de turma e grêmio estudantil que, de certa forma, têm uma função contrária à que deveria
ter e acabam por esvaziar os poderes, pois o corpo discente apresenta desinteresse na
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participação da vida escolar, já que sua participação é apenas aparente, sem nenhum poder de
decisão, e as discussões são gerenciadas apenas na forma como deve ser implantada uma
determinação imposta pela Secretaria da Educação. E assim, os gestores passam a ser
representantes deste órgão que, cada vez mais, se configura como representante do Estado na
escola. Observamos, ainda, que existe uma aceitação sem grandes resistências ou oposições à
despolitização da vida das escolas e à desvalorização da participação. Isso faz com que o quadro
geral se agrave.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema educativo brasileiro se articula às estruturas de gestão com uma tradição de
centralização, e vemos isso através de termos de organização, definição de políticas, programas,
currículos, financiamento, controle e avaliação de desempenho de professores e dos alunos.
Nesse mesmo sistema, estão incluídas outras estruturas que poderiam introduzir, de
maneira eficaz, a gestão democrática: o PPP e o Conselho de Escola, mas hierárquica e
burocraticamente dependentes e, no essencial, sem autonomia de decisão, já que tudo o que é
essencial foi previamente discutido e decidido. E assim, ocorre apenas uma notificação dos
fatos à sociedade civil- do que dever ser feito e o que não pode ser feito.
Reconhecemos que não se trata de um estudo conclusivo acerca do tema investigado,
tampouco de empreender generalizações, o que não se coadunaria com a perspectiva de estudo
de caso que caracteriza este trabalho.
Acreditamos que a participação ainda é algo a ser alcançado pelos atores sociais dessa
escola, e que o Projeto Político Pedagógico é a ferramenta necessária para viabilizar essa
participação pela qual a comunidade escolar constrói, coletivamente, sua identidade no
processo de construção e implementação desse documento.
Com efeito, a escola ainda se encontra permeada pelo centralismo das decisões políticas
que impede a interferência dos atores sociais no processo de decisão, o que tem tornado difícil
a transformação da realidade escolar. O que temos é uma escola moldada com processos
administrativos e pedagógicos que reduzem os atores sociais a meros objetos de gestão
democrática, que se limitam a obedecer a resoluções e deliberações sem discuti-las, ou se
limitam à organização de um processo, prescritos por instâncias externas à escola, obrigando-a
ao distanciamento da realidade escolar.
Todavia, a gestão democrática passou a ser também uma forma de regulamentação que
se inscreve nas novas formas de atuação do Estado, ou de outras organizações que estão
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realizando as privatizações exógenas nas instituições de ensino. Sendo assim, podemos
entender melhor a importância dos debates em torno da gestão democrática e participativa nas
instituições de ensino.
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