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parada a número 08 belo horizonte 2010

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A Parada n. 8

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paradaanúmero 08belo horizonte 2010

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o verão arte contemporânea acontece desde 2007 em belo horizonte, com uma programação que abrange artes visuais, ci-nema, dança, teatro e música. em 2010, o vac contará também com uma programação voltada para literatura e poesia, sob a cura-doria de wilmar silva.

é nesse primeiro verão poesia que chega a oitava edição de a parada. sem negar os impiedosos dias de calor da estação, este número mantém o frescor graças às diver-sas e valiosas participações. não podemos deixar de mencionar adriana versiani, cujo poema forneceu o título desta edição; da-niel prudente, que apresenta aqui um conto anteriormente premiado pela revista bravo!; e ana f., que vem fazendo um merecido su-cesso em blogs, revistas eletrônicas e sites de literatura desde a sua primeira publica-ção no último a parada.

a carranca do amor

pfev / 2010

edição daniel bilac, daniel prudente e valquíria rabelo textos adriana versiani, ana f., daniel prudente, joão vitor leal, jovino machado, luana aires, luiz edmundo alves, marco anhapoci, mário alex rosa e valquíria rabelo revisão textual flávia almeida capa e ilustrações daniel bilac artista convi-dada camila otto projeto gráfico daniel bilac e valquíria rabelo [excelente projetos] tiragem 4.000 exemplares

como artista convidada desta edição, colabora conosco camila otto. neste ano, camila realizará, na galeria de arte da copa-sa, uma exposição com nilcéia moraleida e rachel leão, que também teve trabalhos no nosso último número.

trazemos ainda o especial meu bar meu lar, composto por alguns poemas da pla-quete homônima de jovino machado, publi-cada em 2009. seu editor, mário alex rosa, oferece aos leitores deste número um pe-queno ensaio a respeito. fechando o bloco, temos uma amostra de jovino como entre-vistador, trabalho que motivou a criação de uma nova seção no site cronópios.

por fim, vamos engrossar o coro e dar um salve para o alécio, que nos deu tanta atenção, foi amigo de tantos e deu um nó na garganta da cidade. salve!, nossa careta será nosso amuleto.

os [email protected]

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Não gosto desse climaQuente e nublado.E você dizQue essas coisas não são de geladeira,Aquelas são,Guarda logo que se pensar estraga.

dia desses joão vitor leal

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oi, meu bem, como é que vai seu coração pulsante? eu te amo não te amo; eu te quero mal me quer. sua cara brilha feito sol e me cega, sua cara brilha feito o sol, meu bem, e me cega. seu olho não me pega mais, me paga uma soda que eu te conto em detalhes sobre como funciona o universo. seu cabelo está bonito, seu sorriso é sempre o mesmo e o meu ano já mudou. adoro as nuvens em que você estacionou seu carro invisível, mas não estou a fim de piquenique nessa madru-gada ensolarada de trezembro.

marco anhapoci

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va

so

rui

m

não

que

bra.

valquíria rabelo

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na dimensão onírica dos séculos construímos anação musical pra:tocar piano na praia de ipanema. rodopiar com osbois em parintins, subir no trio com caetano e gil.escapar do refrão piegas. eu, desafinado porémromântico, quero cantar neste coro. vamos vaiar esorrir com o auditório do sílvio santos. eu, povodesafinado porém romântico, quero suar na avenidadas utopias nacionais.

luiz edmundo alves

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marco anhapoci

aquela mosca que eu peguei foi pra você, meu bem. era uma mosca esperta, era uma mosca bonita e dócil. aquela mosca era um espírito jovem numa tarde aberta. era uma tarde aberta, era meu peito aberto, era sua boca aberta num susto, era a mosca aberta num beijo de mos-ca; um beijo na letra “r” da palavra “arrombar”, a palavra no jornal so-bre a mesa. a mosca quando beija é uma mosca em flor, aberta e assa-nhada; a mosca é uma flor que voa e pousa. a asa, o olho, as patinhas pequenas; você deve se lembrar daquela mosca tão forte, feminina; daquela mosca naquela tarde aberta no bar da esquina, daquela mosca que era eu pousado sobre a mesa, um espírito jovem, um coração tão leve, forte, feminino; sua boca aberta num susto era o meu amor na mosca, o meu amor por todas as coisas, a todo tempo. olha ela, olha

ela! não é tão bonita ela aqui na minha mão? vê que ela brilha na luz? vê que ela tem pelinhos tão pequenos? bonita e dócil como aquela tar-de; tão alegre, tão ingênua. aquela mosca que eu peguei foi pra você; foi pra você que eu cacei na selva, foi pra você que eu colhi no pé. vê aquela virgem nua na boca do vulcão? aquela mosca, meu bem. um gol-pe certeiro de mão aberta numa tarde aberta, um coração aberto, meu espírito jovem. seria assim pra sempre, seria minha palma estendida naquela tarde leve; aquela tarde ingênua e alegre na palma da minha mão feliz; e agora é tarde para aquela tarde aberta, para aquela vida forte; feminina e forte; e foi meu amigo fernando que um dia me disse que a mosca não voa de ré nem eu; matei de amor aquela mosca bonita e dócil e agora é tarde, e agora é tarde, e agora é tarde demais;

01 beijo, adeus

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camaleão vestes a armadura cristalprisma à frente do teu barco, imponente, a carranca do amoros peitos da sereia difração cristalprisma absorvem uma luzvislumbre da outra margem: o são francisco agoniza sob o cascomarujo camaleão marisco atado à pedra suga o leite que esguichadesnuda-te da armadura cristalprisma e abandona-te à plenitude do que sugasagoniza o são francisco e quase morto alimenta-se de ti: pedra enigma.

canto guizos marulho na concha madrepérola do rio pássara és sonho e vibras no centro da armadura cristalprisma e ardes como uma estrela e tua voz deixa um rastro de ondas perfurando com agudos os tímpanos cavo arranco tacos da proa rastejo no cascalho do rio prendo as unhas na pedra voz dor aguda que viola o labirinto sereia teu néctar o bico do teu seio pássara tuas asas sonho carranca do amor.

à frente da embarcação, imponente, a carranca do amor tem o tronco esculpido.sem vísceras, não respira, não percebe o cupimverme que a devora.os olhos incrustados vislumbram a margem que o rio refleteimóvel, não respira e espanta uma legião de demônios

adriana versiani

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o que ele mesmo chamava de voz daniel prudente

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Começou quando ele, muito simples, entregou-lhe o papel, e todo o seu rosto comprimia-se do mesmo gênero sem ainda lhes ter julgado irmãos, mesmo o pai quando se aproxima é na postura da distância. Removendo a meni-nice dos pensamentos alavancados pelo que entendia da sua real condição, o outro ho-mem a seu lado lhe esticava o papel.

Era gigante a sua mão, mas era rápida. Agora sim olhava o homem, calmo, e esteve de novo por ver os fios, tão comuns no ar ditoso da estrada, tão fugindo quando a es-trada sobe; eram os fios que lhe anunciavam o que voltava pra ver, que lhe adornavam as olhadas de afastado. Levantou o papel. O outro havia escrito, estava claro, ali mesmo, dentro do ônibus. Mas ao passo que girava o papel no sentido contrário com que girava cabeça, e certificava-se discretamente de que não havia nada escrito no verso, ele se enla-tava num acesso de quase pânico, dúvida e

nesse feito, e toda a mão era contida no es-paço limítrofe aos dois assentos. Os ombros deitados no gesto projetavam a cabeça, iner-te aos solavancos da estrada, e ele pela jane-la. Não era dito que a viagem vinha tranqüi-la, lhe acalmando, lhe pondo a debruçar para além do que lembrava ou supunha imaginar até agora do que mesmo ele era, do que mesmo são as coisas, o que aliás poderia aqui ser entendido como um gesto honesta-mente infantil. Mas ele sentiu. A vibração de um fio tensionado além do que pode a fibra – era o gesto dele, do outro. Antecipou as vis-tas, e se recompôs no assento, e dirigiu-lhe o rosto sem contudo levantar os olhos, sem que o outro lhe dissesse nada, porque assim lhes foi ensinado aos homens, assim apren-deram a manter a distância dos que gozam

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aborrecimento. A frase estava incompleta. E tudo aquilo já lhe parecia anormal, quis ter a certeza de que não conhecia o homem e não se tratava de uma brincadeira ou código, e pensando bem ele poderia, dado pelas cir-cunstâncias, era ter sido confundido com um outro viajante que possivelmente enxergaria um significado até oculto na frase do papel. Era uma hipótese. Mas o que o flanqueava era o óbvio de todas as reações estarem sen-do vigiadas, e de haver uma reação, a correta e esperada, que não teve tempo de ensaiar. Enquanto guardava o escrito no bolso, e de novo via a estrada, o mato já se dobrava na sua mão. Ele devia ser doido. E, sentado ao lado dele, se estirava de pé em outro lugar, e quando desceu na parada, quando pensou nas horas, quando terminava de partir na promessa, olhou os fios, e era só na porta

que pensava. Ele pensou que as coisas vol-tando de si sorveriam a porta na pisada no mato. A porta. E nela antevia o lado das cos-tas rente à parede, o cheiro frio do corredor de cimento-queimado, e a prateleira.

Agora de pé, na terra de sua rua, quando abriu a porta ele ainda pensava, e por fora ele deixou a mão. O pé de jenipapo fora um dia plantado, cortado em sua madurez, e li-xado até arredondar as quinas, envernizado e perfurado pela maçaneta. Pensava em qual das mãos fora a mais feliz. Não quero mais, e voltaria daqui – se rompe as lascas de jeni-papo quebradas pelo segundo golpe, a mão deixada era só uma dúvida, os bois olhavam – na intimidade do seu retiro; eu voltaria não fosse a desgraça que eu vi: Dois bois senta-dos mastigavam o mato crescido, o terceiro restava austero por detrás, a estrada toda

a carvão, longe do recato, escorriam os fios dissolvidos também: a noite deitada sobre os bois já por hora consentia com a desgraça, e ele já era dois quando fechou a porta, a noite querendo entrar. Lá fora os bois – ele só não via –, a noite, o mato, a estrada e os fios co-miam da porta. Ele parado. E foi de novo que lembrava, já sabia. Queria não ter antes pen-sado, de uma vez só como a chuva veio, ela era alegre e lhe dizia coisas, o cheiro embai-xo dos telhados e ali seus passos estirados no cimento, corriam debaixo do que a chuva dobra – ele pensava naquele homem.

Na intimidade do seu retiro, lhe ocorria depois a hipótese de que o homem não era doido, ele também podia ser mudo; Porque se um surdo-mudo me escreve que “a for-miga” Deus sabe qual “caiu e bateu”, eu de pronto... Ele não entendia daquilo: O surdo-

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mudo queria lhe contar uma história ou quem sabe a conversa que se faz necessária numa viagem, ou até a formiga ‘tava mesmo ali e eu não me dava conta. Ele dobrando o papel calava o mudo. Ele me entendeu... Do final do corredor a luz do poste, pela grade e pela fresta da segunda porta. Encostou a mala na cadeira, espirrou, e se constipando andou até a prateleira. Fez café. Sentou na pia se arquejando, meu Deus e a mão na tes-ta, depois olhou a cadeira, supôs a nojência das velhas sentadas e pensou nos bois. Ele me entendeu. Ele me conhecia quando ajei-tava o chapéu, quando guardou a mala no compartimento da frente, quando eu mes-mo fui rude não lhe oferecendo a bebida, ele me conhecia, o santo. O café lhe suava, e quando muito antes, quando ainda não par-tira e batera um prego na tábua, era para

agora descer da pia, esticar as costelas, pisar fraco no chão e desabotoar a camisa. Dei-xou os sapatos folgados caírem, e por um momento os manteve nos dedos. E pensa-va nessa coisa do não dizer. Embora o outro fosse mudo, lhe contara sobre a formiga, ele escreveu, e tornaria a dizer tão logo desa-massasse o papel, e quem não disse nada foi ele. Foi ele a ser calado com o papel e não o outro. Ele poderia ter respondido de outra forma(?). Desceria da pia pisando fraco no chão, e depois da cozinha, no batente da segunda porta, os fios que amarravam o que ele mesmo chamava de voz pareciam riscar outros caminhos fora do percurso, e todo o corpo se chamava pêndulo, brigando a vagar entre dois pontos coesos que teimava em precisar de um roteiro ou endereço aonde se chegar, o que ele faria se não fosse ele?

Por que não seguiu viagem? Por que não lhe indagou sobre a maldita formiga? A coragem dos mudos que se pronunciam, a minha co-ragem de menino burro! Atira os passos pela segunda porta: Eu fui com a noite procurar meu nome. Era essa a porta, a que me abriu e me plantavam os pés; os braços penderam no equilíbrio de uma futura queda, a minha lápide, alguém na casa: era tudo um sinal da minha mudez, era tudo um levante dos gritos da casa; a minha prisão, mudo e preso a ter que viajar, pudera eu... E pelas grades a chuva lhe tomava, e ele tomava na queda o seu futuro, um pouco sem jeito a escrever no papel; correndo pelo mato de boca aber-ta; começava assim: a formiga...; de mãos fechadas a subir nos bois; ele era o outro; os fios da estrada caindo, findou-se a viagem, soprando o mato nas coxas, a falta de voz.

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um sábado fresco me acorda outra décadaquando eu era criançae sabia nada do tempoeu ainda era nataboiando no leiteessas manhãs preguiçosas do sétimo diame voam mais alto que as madrugadasum sábado é sempre claro, limpo, em famíliaos rebentos todos na piscina de plásticoo medo do sexto sentidoos sons cutucando a ana com vara curtano sábado eu não sabia tocar violãonem sobreviver no fundo de uma piscina maiormordia com dentes mais brancos e livresmeus medos pequenos e inocências rupestres

ana f.

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meu bar meu lar jovino machado

Jovino Machado, autor de livros como Samba, Balacobaco e Fratura Exposta, é um ativo co-laborador de várias publicações de poesia e li-teratura. Seus poemas já foram publicados nos jornais Rascunho, Plástico Bolha, Suplemento Li-terário, Pausa, A Parada, dentre outros.

Nas páginas seguintes, o leitor irá encontrar um ensaio de Mário Alex Rosa a respeito da lin-guagem de Jovino, alguns poemas da plaquete Meu bar meu lar (2009) e uma seleção de tre-chos de entrevistas feitas pelo poeta. Mais in-formações sobre a biografia do autor podem ser lidas na página 32.

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A plaquete Meu Bar Meu Lar, de Jovino Machado, foi composta por Mário Alex Rosa e Fernanda Moraes. A tiragem é pequena (no máximo cem exemplares) e não tem fins lu-crativos. Tudo foi discutido lentamente, não houve pressa, pois entendemos que essas criações não são para o mercado apressado das coisas descartáveis, sobretudo nesses tempos em que tudo parece virar mercado-ria. Além dos poemas de Jovino Machado, a plaquete reproduz também poemas e frases de outros poetas e escritores que viveram ou não na boemia. Se não viveram, refletiram sobre essa condição que exige, além de co-ragem, uma boa dose de saúde para atraves-sar as noites em branco ou no escuro. Com saúde ou não, o que importa é a qualidade dos poemas e isto os de Jovino têm, aliás, são copos-poemas cheios de humor, de iro-nia, a começar pela brincadeira que faz com

Uma breve conversa com a poesia de Jovino Machadopor Mário Alex Rosa

exagerada, mas, sendo do poeta curitibano que tinha sede de viver e não separar a vida da poesia, não nos parece tão excessivo. Ali-ás, isso era um dos lemas da geração co-nhecida como “poetas marginais”, parecendo mais adequado falar de uma geração mime-ógrafo. Mas o que importa aqui é reafirmar a tentativa de amalgamar vida e poesia. Como bem disse Cacaso no poema Na corda bam-ba: “Poesia/eu não te escrevo/eu te/vivo/e viva nós!”. Aqui novamente a poesia e a vida procuram se juntar nesse feliz e tão bem acertado pronome “nós” do fim do poema.

Pois bem, essas idéias se encaixam como luvas nessas vivências de Jovino Machado que procuram mesclar vida e poesia, por meio de uma relação tensa e intensa. No po-ema Meu jeito bêbado de ser, com todo o ris-co que se corre com essas dosagens, o poeta com humor irônico manifesta que não seria

a velha e conhecida frase: Lar doce lar. Aqui, por uma simples troca de letras, o endereço muda e lar vira bar. Lugar de outros ares. O poeta não vai aos bares, vai e está nos bares, para usar de uma fala coloquial e tão comum no nosso dia-a-dia, e vista na primeira fase radical da poesia modernista no Brasil nos anos vinte do século passado.

O doce lar de Jovino é talvez o lugar mais democrático que existe, onde todos se mis-turam para um bate-papo sem muita cerimô-nia. Enquanto conversas são jogadas fora, o poeta atento vai pegando no AR, e quanto mais a dose (a conversa) aumenta, mais as-suntos vão aparecendo e mais o poeta com seus ouvidos abertos capta e transforma a boemia em poesia.

Há um pensamento de Leminski mais ou menos assim: “vai vir um dia que tudo que eu diga seja poesia”. A pretensão pode ser

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bom para a sua história morrer sem uma lata de cerveja na mão; afinal, ser atropelado em estado lúcido não combina com o jeito bê-bado de levar a própria vida. Assim, nota-se que o jogo entre “mas” e “sem” modifica a idéia trágica que se anuncia de ser atropela-do com uma lata de cerveja na mão: tenho medo de ser atropelado / com uma lata de cerveja na mão / mas não seria bom / para a minha biografia / ser atropelado / sem uma lata de cerveja na mão.

Por meio dessa espontaneidade, vinda dos modernistas e explorada ao extremo pela geração 70, criou-se uma poética me-nos intelectualizada, que põe em cena a in-timidade colada na vivência, não importando até onde se separa o eu lírico da biografia do poeta, até onde se isola a experiência da escrita, enfim, tudo é matéria para o poema. Evidentemente, muitos querem achar nessa

poesia algo sem força na linguagem, pouco elaborada, sem a “racionalidade” da lírica de João Cabral, sem a elaboração estética do Concretismo, como se tudo isso fosse o único modelo para a poesia brasileira con-temporânea de 70 para cá. O fato é que a poesia não é necessariamente o que a crítica supostamente afirma e julga como referên-cia qualitativa. Portanto, com ou sem rigor, muitos poetas ainda mostram que é possível dar a ver que a linguagem é inesgotável. As-sim, desentranhar poesia do cotidiano ou do próprio jogo com a palavra ainda pode abrir caminhos tanto para os caprichos como para os supostos relaxos. O importante é saber ver com olhos livres, tendo em mente que o lúdico e o cerebral não se separam. Assim, a poesia, vindo de Oswald de Andrade ou de João Cabral – para ficar apenas nos extremos de dois poetas –, tem lá a sua perícia verbal.

Perícia que aparece neste poema (ontem chorei / hoje chorinho / amanhã chope) sim-ples mas cheio de graça e de sugestões, indo desde um choro amoroso pela perda de uma paixão efêmera (ontem), que diminui com o tempo com um baixo chorinho para terminar (amanhã) em chope, ou seja, tudo na verda-de acabava virando motivo para mais uma ida ao bar, meu lar. Entre a ordem da sequên-cia temporal (ontem, hoje e amanhã) e o jogo sonoro e abafado das fricativas palatais (ch), há o som talvez dos acordes agudos de um cavaquinho mesclados, ainda, ao choro tris-tinho que vai diminuindo até virar um chori-nho musical do poeta e da música, diga-se de passagem, muito tocada em bares. Enfim, essa pequena amostra de Jovino Machado demonstra bem a verve de um poeta lúcido.

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tenho medo de ser atropeladocom uma lata de cerveja na mãomas não seria bompara a minha biografiaser atropeladosem uma lata de cerveja na mão

meu jeito bêbado de ser

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ontem choreihoje chorinhoamanhã chope

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a palavra que me mataé a mesma que me ressuscitame agradar é difícilcomo pisar na sombrame desagradar é fácilcomo cuspir pra cimasou como um cachorrovou onde me dãocomida e carinhomas não é bom brigar comigotenho memória de cão vingativoe fico imensamente tristequando o mundo não me obedece

cachorro

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Vovô viu a vulva!Vovó viu o vulto!

Vovó disse venha!Vovô disse viva!

Vovô é vadio!Vovó é vida!

Vovô é vício!Vovó é verde!

Vovô é vasco!Vovó é vila!

Vovô é vento!Vovó é vênus!

Vovô é vítor!Vovó é vânia!

viagra

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1: o pandeiro vai apanhar na cara

2: quem tem pandeiro não precisa de guitarra

3: vira especialista quem não pode ser sambista

lições de samba

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entrevista

É verdade que a Folha é o único jornal hoje no Brasil que paga pelas resenhas literárias?

Não sabia disso, mas sei que é pouco. Por que a crítica praticamente acabou no país? As gran-des editoras compram os jornais? Evidentemente não. Basta ver o tipo de livros de maior interes-se comercial e o tipo de livros que tem atenção da crítica. Não acho que a crítica tenha acabado, mas acho que as resenhas habitualmente publi-cadas tendem a ser mais rápidas e informativas do que propriamente analíticas. O campo da aná-lise fica mais ao encargo da universidade, onde o aumento da produção não veio acompanhado de ganhos equivalentes em termos de qualidade.

Um dos palestrantes do seminário O silêncio dos Intelectuais disse que a maioria é especialista em suas respectivas áreas e que intelectual é aquele que mete o bedelho em tudo aquilo que não é de sua alçada. Neste caso, o maravilhoso Caetano Veloso é um intelectual. O que pensa sobre isso?

Não se trata apenas de meter o bedelho, mas de dizer coisas pertinentes, amplas, na hora certa, a partir de um compromisso com seus próprios valores e com a verdade dos fatos, mostrando novos ângulos de um problema. Às vezes uma pessoa célebre apenas desabafa, e isso tem destaque. Mas o que tenho lido de Caetano Veloso supera muito o mero desaba-fo, e representa uma intervenção intelectual no sentido próprio do termo, talvez um pouco exa-gerada pela tietagem que a cerca.

marcelo coelho

jovinomachado

Marcelo Coelho é ensaísta e colunista da Folha Ilustrada, além de membro do conselho editorial da Folha. Escreve no blog: marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br

Paulo Leão foi poeta, artesão, redator publicitário e morador de rua. Publicou A Ordem do Acaso (1997), pela coleção Poesia Orbital.

Carlos Careqa já atuou em filmes e peças de te-atro. Atualmente, trabalha como músico, tendo lançado 6 discos.

Xico Sá é colunista da Folha, do jornal O Tempo, da revista Trip, dentre outras publicações. É autor de Modos de Macho e Modinhas de Fêmea (Record, 2003) e escreve no carapuceiro.zip.net

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Vamos começar com um breve histórico?

Nasci em 1943 no meio da guerra. Sou ca-rioca do signo de escorpião. Nasci no dia 19 de novembro, por isso tenho o direito de dar bandeira à vontade.

Como foi seu encontro com Janis Joplin?

Foi uma casualidade. Nessa época eu era ar-tesão da Feira de Ipanema e trabalhava com couro. Era quase uma hora da tarde e eu tava a fim de tomar uma e não tinha vendido nada. Tava uma feira ruim e apareceu uma mulher louca com uns quadros peruanos feitos de co-bre e uma garrafa de creme de ovos na mão. Aí eu pensei, é nessa que eu vou. Ela estava com uma pequena comitiva. Eu disse, dá um gole? Alguém disse: “Ela não fala português”. Quando eu cheguei na esquina me pergunta-ram: “Você sabe quem é essa mulher?” É uma americana louca que está no Brasil, é a Janis Joplin. Aí eu voltei e ela me deu um gole. Mas não deu para conversar. Tinha a barreira da língua e é difícil conversar com americano doi-dão cheio de gírias. Como você perdeu um olho num acidente?

No meio do caminho de Drummond tinha uma pe-dra. No meio do meu caminho tinha um ônibus.

paulo leão

Na segunda vez que te vi no palco, tinha um rapaz no teatro que não parava de gritar. Você tirou o paletó e, numa cena engraçadíssima, chamou o moço pra briga e todos rolaram de tanto rir. Qual é a linha que separa o “palhaço” do músico?

Não tem nenhuma linha separando nada. Eu sou eu mesmo o tempo todo. Tento controlar si-tuações com o humor, pois sei que é uma arma infalível. O lado de ator ajuda a me desvencilhar dessas situações.

Como é a vida de um artista que não aparece na medíocre programação da TV aberta?

Trabalho. Trabalho. Trabalho. Apesar de não ter tanta exposição na mídia, vou fazendo as coisas que aparecem. E sempre aparecem. Tenho cer-teza que existe uma cena alternativa e indepen-dente bem forte no Brasil, discos interessantes, músicos bons, fazendo seus trabalhos. Gostaria que essa cena se expandisse ainda mais, pois não acho que temos que depender somente da grande mídia.

O que é mais importante na vida para Carlos Careqa?

Estar bem. Feliz. Amando. E fazendo o meu trabalho.

carlos careqa

Charles Bukowisk foi chamado de pedófilo por ter escrito um conto da perspectiva de um vio-lentador de uma menininha. Até que ponto os modos de macho dizem da sua personalidade e quando é ficção?

Hoje em dia é tudo muito politicamente corre-to, uma merda. Esquecem que nossos desejos nascem muito mais cedo do que a maioridade ou o certificado de reservista. Toda a literatura de Bukowski é de uma ternura e de uma me-lancolia sem fim, além de ser um dos maiores poetas da América. É que, para o bem e para o mal, só vêem o lado mais folclórico, o tipo velho escroto, forma de diminui-lo enquanto gênio da raça e da existência. Vê-se, pela sua poesia, que era um grande homem, que fazia os melhores poemas na junção incrível de corpo e alma, arte para poucos. Eu sou seu advogado até no in-ferno, mas ele não carece de quem o defenda. Deixou tudo pronto.

Quais são as 3 coisas mais importantes da vida?

Para começar com o ABC, vos digo:

A de amorB de buceta

C de coragem.

xico sá

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personalidades integradas camila otto

série corpo universal serigrafia sobre vidro131x33 cm2008

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personalidades midiáticas camila otto

série corpo universal impressão sobre tubo de imagem15 polegadas2008

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série corpo universal impressão sobre tubo de imagem15 polegadas2008

luiz edmundo alves (7)

já publicou 5 livros de poesia, entre eles fotogramas de agosto (2005). em 2009, lançou uvas verdes - po-esia paixão memória, que reúne ensaios, crítica lite-rária e crônicas. é editor do site de literatura tanto.

www.tanto.com.br

daniel prudente (12~15)

é baiano, natural da cidade de itabuna. gosta de lápis e de papel, e muito recentemente começou a publicar seus contos. é graduando em artes visuais na ufmg. tem 22 anos.

[email protected]

jovino machado (21~27)

nasceu em formiga, foi criado em montes claros e vive em belo horizonte, onde atua como restau-rateur. publicou samba (1999), fratura exposta (2005), amar é abanar o rabo (2009), entre outros.

[email protected]

joão vitor leal (3)

tem 23 anos e é de belo horizonte. formado em jornalismo pela ufmg. em 2004, foi 3o lugar no prê-mio álvares de azevedo, da academia mineira de letras, com o livro versos de parede. atua como vídeo artista e editor audiovisual.

[email protected]

ana f. (17)

ana f. existe há 19 anos e escreve desde criança. morou em mateus leme até recentemente, quando se mudou para bh para cursar biologia na ufmg. publica exercícios de poesia no ornitorrinco. em janeiro de 2010, publicou o pocket livro amarelo.

ornitorrincomendes@gmail.comornitorrincodefenestrado.blogspot.com

adriana versiani (11)

tem cinco livros de poemas publicados, dentre eles livro de papel (2009). participou do grupo da-zibao e da coleção poesia orbital. é editora do jor-nal dezfaces e integra o conselho da revista ato.

[email protected]

daniel bilac (2)

natural de belo horizonte, é artista plástico e edi-tor do jornal de poesia e literatura a parada.

[email protected]/danielbilac

marco anhapoci (5 e 9)

21 anos, 63 quilos, contém cenas de sexo e vio-lência e não é recomendado para menores de 3 anos por conter peças pequenas que podem ser engolidas.

[email protected]

mário alex rosa (19~20)

formado em história pela ufop, doutor em literatura brasileira pela usp. tem poemas publicados nas re-vistas inimigo rumor, ato e nos jornais suplemento literário/mg, dezfaces, entre outros. participou das antologias achamento de portugal e terças poéticas. publicou o livro abc futebol clube e outros poemas.

valquíria rabelo (2 e 6)

editora e designer do jornal a parada, ao lado de daniel bilac. estuda comunicação na ufmg e design gráfico na uemg.

[email protected]

camila otto (28~29 e 30)

natural de belo horizonte, graduada pela esco-la de belas artes/ufmg em artes visuais (2008) e pela escola de design/uemg em design de pro-duto (2009).

[email protected] camila-otto.blogspot.com

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luana aires (32)

artista que se pretende múltipla. escreve, canta, desenha. tem 21 anos e nasceu em belo horizonte.

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Page 32: A Parada 8

enuma dessas noitesao dobrar a trigésima oitava esquinaouviu de alguémque passava de carro[alguém cujo rosto não foi percebido]

seu nome:

LUANA!

seu nome

num grito tão certonum grito tão altotão roucotão forte

seu nome morando num gritoque nem ela mesmaousara gritar.

luana aires