a novella semanal n01

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  • 7/25/2019 A Novella Semanal n01

    1/25

    ANNO I

    iSr

    MJJTF

    AULO,

    9 DE MAIO DE 1921

    NUMERO 2

    A N O V E L L A

    S E M A N A L

    OT FT>m r>R A fH KOARIO R I H K I R O R i y A R R A N r H F S i? i PAfTI r

  • 7/25/2019 A Novella Semanal n01

    2/25

    A NOVELLA SEMANAL

    D I R E C T O R B R E N N O F E R R A Z

    P U B L I C A - S E A S S E G U N D A S - F E I R A S

    Pa ra os 30 mi lh es de "bras ile i ros , me smo descon ta

    d o s . o s a n a lp h a b e to s , a s t i r a g e n s d o s l i v r o s n a c io n a e s

    so r id cu las . E a s ed ies peq uen as e nca re cem o l i

    v r o ,

    l imi t a m- lh e a e x p a n s o , imp e d e m a r a z o v el r e mu

    n e r a o d o s a u c to r e s . V iv e mo s , a ss im , n u m c i r c u lo v i

    c ioso : o l iv ro no se . d i i f imde en t re ns porque ca ro

    e ca ro porq ue no se d i f funde . I s to succede com o

    l ivro bom , po is dos de f anc a r ia se t i r am p or ah i deze

    nas d mi l ha r es e se e sgotam edies sobre ed ies . . .

    Es ta s i tuao , de to funes ta s conseqnc ias pa ra o

    pa iz , sng ger i u a in ic ia t iv a da c reao des te pe r id ico ,

    q u e r e p r e s e n t a , u m e s fo r o n o s e n t i d o d e v u lg a r i z a r a

    b o a l i t e r a tu r a .

    Po pu la r i za r o l iv ro , to rna l -o access ive l a . todos , som

    d e s c u id a r d e o f a z er a o me s m o t e m p o o ma i s a t t r a h e n t e

    poss ive l p, ela e sc rup ulosa e sco lha da m a t r ia e pe la a r -

    I t i s t ic a confeco de cada volu me , e depois usa r de to

    dos os m e ios pa ra o d i f fundi r em tod o o te r r i t r io na

    cional, de f ronteira a f ronteira , e entre todas as c lassessoc iaes , desde a s ma is cu l ta s s me nos le t r ada s e is

    a h i ,

    r e s u m id o e m p o u c a s p a l a v r a s , t o d o o n o s so p r o -

    g r a m m a . .

    P a r t i c i p a n d o a o me s mo t e mp o d a n a tu r e z a d o l i v r o

    e d a r e v i s t a , A N O V E L L A S E MA N A L p r e t e n d e r e u n i r

    as \ a n t a g e n s d e s t a e d a q u e l l e : c o mo a r e v i s t a , s e r d e

    . le i tu ra leve c va r iada , se r vendida a preo nf imo, se r

    apregoada nas ruas , nas e s t r adas de f e r ro , em toda pa r

    l e ,

    a tod a gen te ; m as no se r fu t i l e de in te res se c -

    phomero corr io e l la : pelo fundo

    pe la qua l ida de e pe la

    e x t e n s o d a ma t r i a c o n s t i t u i r u m a v e r d a d e i r a s ri e

    de pequenos l iv ros , que se encaderna ro no f im de cada

    t r im e s t r e , e m b e ll o s v o lu m e s c o m o s q u a e s s e f o r ma r

    u ma b ib l i o th e c a l i t e r r i a r e a lme n te p r e c io s a .

    P r e t e n d e n d o s e r l i d a , mu i to l i d a , l i d a p o r h o me n s

    e c reanys . senh oras e moas , r icos e p obres , le t r ad os e

    cur iosos , pe la to ta l i dad e , emf lm, da pop ula o ledora ,

    procura r , nos auc tores a v ida , a aco , o in te resse , de

    mo d o a c o n s t i t u i r o v e r d a d e i r o l i v r o p o p u l a r .

    D e s t i n a n d o - s e a s e t o r n a r u m in s t r u me n to d e p r o

    pag and a das boas le t r a s dos me lhore s auc to res e dos

    me lh o r e s l i v ro s n a c io n a e s n o s e l im i t a r a p u b l i c a r

    t r aba lho s ind i tos . No se r ia e s te o m e lho r me io de se

    c u m p r i r e s t a p a r t e d o p r o g r a m m a t r a a d o , h a v e n d o p o r

    a h i ,

    e squec ida e

    i g n o r a d a d a ma io r p a r t e d o p u b l i c o ,

    tan ta cousa op t i m a a ped i r um edi to r . Ass im, A NO

    V E L L A S E MA N A L s e p r o p e a s a lv a r d o o lv ido - as me

    lhores paginas e sgotadas e a s sepul tadas em col lcces

    d e j o r n a e s e r e v i s t a s p r e c io s id a d e s q u e r e p r e s e n t a m

    u m o p u le n to t h e s o n r o l i t e r r i o q u a s i d e t o d o d e s c o n h e

    c ido e inacces s ive l . Das obra s a in da em ext rac ao no

    me rcad o l iv re i ro , des ta ca r a exemp lo do que se f az

    em v r ios pa izes , em antho log ias de gran de e pequeno

    tomo, d idac t icas e popula res , e em publ icaes pe r id icas

    as que se jam a me lho r m os t ra do l iv ro e do auotor ,

    de sor te a des pe r ta r nos le i to res o dese jo de le r os l i

    v ros que , sem- esse r ec la m e , mu i tos provave l

    me n te n u n c a l e r i a m . E i s so f a r f o r n e c e n d o a o me s mo

    tem po todas a s ind ica es "prec isas p a ra que qua l quer

    pessoa possa f aze r encommenda , ao seu l iv re i ro ou d i -

    rec tam ent e ao ed i tor , da obra da qu a l se apresen to u

    a q u i u ma p e q u e n a a m o s t r a e d a s o u t r a s o b r a s d o me s

    mo a n b to r . E s t a p u b l i c a o c o n s t i t u i r , p o r t a n to , a o

    me s mo t e mp o q u e u m a b u n d a n t e r e p o s i t r i o d e i n f o r

    ma e s b ib i i o g r a p h i c a s . u m a s e lo c t a d e p e q u e n a s o b ra s

    exce l len tes , o rgan izad a com o f ito de to rn a r me lhor co

    n h e c id a a n o s s a l i t e r a tu r a , d e n t r o d a s n o s s a s p r p r i a s

    f r o n t e i r a s .

    No v ive rem os , porm , de a lh e ia se iva . ' "Teremos a

    nos sa . co l lab ora o espec ia l , de um pu nh ado dos r aais

    n o t v e i s e s c r i p to r e s c o n t e mp o r n e o s e a c o lh e r e mo s c o m

    p r a z e r e r e m u n e r a r e mo s to d o s o s t r a b a lh o s i n t e

    re ssan tes que nos se jam enviados por auc tores oonhec i -

    dos o desconhec idos , oons j i -grados e s t r ean tes , comtanto

    uue taes obras tenh am va lo r e se jam conform es com a

    fe io d 'A NOVE I .LA, i s to , que ten ha m peq uen a ex

    tenso e possam se r l idas por toda gento .

    P r e f e r im o s d a r ma io r d e s e n v o lv ime n to e d i o d o

    conto e da nov e l la nes te s vo l um es , por se rem esses os

    g n e r o s q u e c o n t a m , e n t r e o p u b l i c o , ma io r n u m e r o d e

    a p r e c i a d o r e s . Ma s n o n o s r e s t r i n g i r e m o s a e l le s , e m

    b o r a d el l es t e n h a m o s t i r a d o o t i t u lo d e s t a p u b l i c a o .

    Todos os ou t ros gnero s te ro o sen lo ga r no nosso

    s u p p l e me n to , v e r d a d e i r a g a z e t a l i t e r r i a d e p e q u e n a s

    propo res , onde se enc on t ra r um pou co de- tudo o s '

    d o me lh o r .

    E i s a h i a o q u e v e m A N O V E L L A S E MA N A L , q u e

    se co l loca d ispos io do pub l ico , dos auc to res e dos

    edit ore s, aos quae s, deseja ser vir e dos quaes ospera re

    c e b er u m a c o l h i m e n t o s y m p a t h i c o .

    Os EurroiKS.

    Aos auc to res

    Acce i ta remos com praze r toda oo l -

    laboi ao in te re ssan te pa ra qua lqu er

    das seces deste per idico.

    Os auc t ores devem nos rem et t e r os

    s e u s t r a b a lh o s , d e c l a r a n d o o se u n o m e ,end ereo e o preo pelo qua l no s of-

    fereveni a sua col lab ora o .

    Os or ig inaos devem se r e se r ip tos de

    um s lado do pape l , em ca l l ig rapbia

    bem leg ve l o de pre fe ren c ia dac ty lo-

    grgphadws.

    Toda a cor resp ond nc ia deve se r

    endere ada . Soc iedade Ed i tor a Olc -

    Lrurio J-ibeiro Ca ix a po st al n . 1172

    S. Paulo .

    Aos ed i tores

    A N O V E L L A S E M A N A L p u b l i c a r

    c o m p r a z e r , e g r a tu i t a m e n t e , o t i t u lo ,

    nom e do auc tor , p reo e nom e e en

    dereo do edito r , de toda s as obra s

    ed i tadas no Bras i l , bas tando pa ra i so

    que os ed i tores lhe envie m aqu e l la s

    ind icaes .

    De todas as obras das quaes lhe for

    r e me t t i d o u m e x e mp la r , p u b l i c a r a -

    lm d isso uma not ic ia c r i t ica .

    Aos le i to res

    A N O V E L L A S E M A N A L a m b i c i o

    na ser l ida em to da par to : c id ade s,

    v i l la s , povoaes , e s t r ada s de f e r ro ,n a v io s , h o t i s , c l u b s , b ib l i o th e c a s , e t c ,

    e s tand o por isso organ isand o u m se r

    v i o d e d i s t r i b u i o q u e s e r o ma i s

    comple to poss ive l , de sor te a no 'ha

    ve r ponto do te r r i t r io nac iona l onde

    n o t e n h a, le i to res o no se ja encon

    t rada \ e n d a . Pa ra ob te r e s te r e su l

    tado contamos com o auxi l io dos

    nossos le i to res , aos quaes pedimos que

    n o s i n d iq u e m e n d e r e o s d o l i v r a r i a s ,

    agenc ias e vend edores ele jo rna es e

    pessoas e ins t i tu ies que p ossam se

    in te ressa r pe la venda ou le i tu ra des

    te pe r id ico em qu a lq uer loca l id ade ,

    por insignif icante que seja .

    I n t e r e s s a d o s t a m b m e m c o n h e c e r

    os e sc r ip tores e poe ta s de m r i to de

    todos os Estados e de todas as pocas,

    a l im de lhes pod er d ivu lga r a obra ,

    m u i t o a g r a d e c e r e m o s q u a l q u e r i n d i

    cao que a e s te r e spe i to nos se ja

    f o r n e c id a , r o g a n d o a to d o s q u a n to s

    q u e i r a m n o s a u x i l i a r n e s t e t r a b a lh o

    q u e .

    n o s ' e n v i e m r e l a e s d e a u c to r e s

    e de l iv ros publ icados , de modo a nos

    h a b i l i t a r a a d q u i r i r o s v o lu me s p a r a

    o s e x a min a r .

    I m p o r t an t e

    Toda pessoa que angar ia r t r s a ss i

    g n a tu r a s d ' A N O V E L L A S E MA N A L ,

    e n v i a n d o - n o s a d e a n t a d a m e n te a re s

    p e c t i v a imp o r t n c i a , t e r d i r e i t o a

    u m a a s s i g n a t u r a g r a t u i t a .

    A to d a p e s s o a q u e a n g a r i a r q u a l

    q u e r n u me r o d e a s s ig n a tu r a s d ' A N O

    VELLA SEM AN AL of fe rece remos a

    t i tu lo de br inde , l iv ros , e sco lh idos no

    ca ta logo de qua l qu er l i v ra r ia do Bra

    s i l ,

    no valor de 20 o |o sob re o preo

    to t a l d a s a s s ig n a tu r a s a n g a r i a d a s .

    As s i g n a t u r a s

    Anrto

    Semest re

    Trimestre . .

    Numero avulso

    20 000

    10 000

    5 000

    400

    S O C I E D A D E E D I T O R A O L E G A R I O R I B E I R O - R . D r . A b r a n c h e s 4 3 C a i x a P o s t a l 1 1 7 2 - T e l e p h . : C i d a d e 5 4 4 1 - S . P A U L O

    http://antagens/http://enda/http://enda/http://enda/http://antagens/
  • 7/25/2019 A Novella Semanal n01

    3/25

    A N N O I

    A N O V E L L A S E M A N A L - S o P au lo , 9 d e M aio

    r

    d e I 1 9 2 1

    N U M E R O 2

    O S U P E R - H O M E M E O

    T R O U X A A m a d e u

    A m a r a l .

    O D E S T A C A M E N T O -

    G o d o f r e d o R a n g e i .

    F R U T A B R A V A A f r a n i o

    P e i x o t o .

    SUMMARIO

    T E R R A P R O H I B I D A

    O s c a r L o p e s .

    S U P P L E M E N T O A v i d a

    a n e c d o t i c a e p i t t o r e s c a

    d o s g r a n d e s e s c r i p t o r e s

    M o n t e i r o L o b a t o - B . F .

    C u r i o s i d a d e s l i t e r r ia s

    - Eu -

    c l y d e s d a C u n h a n o P e r u .

    V i d a l i t e r r i a - A m o d e r n a

    o r i e n t a o d a n o v e l l a .

    O s n o s s o s p o e t a s - Os ve r

    s o s d o I m p e r a d o r .

    O SUPER-HOMEM E O fROUXA

    Jlio de S passou e repassou distraidamente o

    guarda-napo sobre os beios carnudos, distendi-

    dos num vago- sorriso tranquillo. O comp anheiro

    de mesa, que ouvira calado a abundante narrati

    va, aconchegou a gola erguida do sobretudo, e,

    com uma voz cujo timb re e cuja toada diziam,

    antes e melhor que as palavras, a indole de uma

    filosofia, de resignao e de comodismo :

    Mas isso cana, Jlio, no cana ? De to

    das essas aven turas , de tod as essas idas e vindas ,

    viagens, festas, pndegas e idilios, o que tens ti

    rado,

    de certo, a concluso de que no ha como

    a gente viver na sua terra, com os seus.. .

    Jlio de S cravou os olhos nos do comen sal,

    carregando cenho.

    Ests doido. Eu quero l saber de soceg o

    Eu quero l saber de calma, de paz, de vida me

    tdica No nasci para isso, meu velho.

    E o outro, apertando com as mos a gola do

    sobretudo, o guarda-chava entre os joelhos :

    Gostas ento de uma vida desordenada e

    spera ? -

    Qu anto mais, melhor. A vida de carneiro

    no me tenta. A agitao um a necessidade do

    meu temperamento. E mais,: uma maneira por

    que eu entend o, c po r umas idias, qu e devo

    viver a minha vida, Se eu no fosse um exhube-

    rante por n atureza, seria um agitado por convi

    co.

    P ara mim a vida q ue m erece ser vivida a

    vida ultra-movimentada: movimento incessante, em

    todos os sentidos; expanso fsica, expanso afecti-

    va, expanso dos instintos, expanso do espirito;

    viagens e lutas, paixes e negcios, prazeres, jo

    go,

    carraspanas, ar te, , mulheres, sport, tudo , e

    tudo de pressa, sem parar em coisa alguma nem

    em parte alguma.

    Ento, convico t u a . . .

    Convico, sim, senhor.

    , Convico, no, senhor. Dize que tu gostas,

    que o teu tem pera me nto te leva por a, que o

    teu feitio d par a essa vida dispersiva e doida .

    Conv ico, que no. Qu e diabo de convico

    pode ser essa, J lio Tu

    m o s . . .

    No confundo nada. O que estou com a

    boca seca. Este diabo de vinho . . . Garon,m ais

    meia garrafa de cerveja aqui para este senhor, e

    v se me arranjas a um Bourgogne gelado ,

    mais decente do que essa coisa que me/ des te ha

    pouco. Digo-te que no confundo nada. Repito

    que,

    se assim no vivesse por temp eram ento, vi

    veria assim por efeito de uma maneira minha de

    encarar as coisas. N o sou um simples pratican

    te ,

    sou um teorista da vida superactiva. A exis

    tncia repousada, assente, dentro de um quadro

    prefixado, com principios gerais imutveis e com

    um programa particular miudamente estabelecido,

    confundes os ter-

    /

  • 7/25/2019 A Novella Semanal n01

    4/25

    22

    A NOVELLA SEMANAL

    apenas um atentado contra a natureza. A vida

    do homem no pode ser uma construo arqui-

    tectonica,

    s

    com terreno escolhido a dedo, com

    plantas matematicamente organizadas, com mate

    riais conhecidos, com destinao certa. Toma no

    ta deste teorm a negativo : a nossa vida n o

    uma construo. A nossa vida apenas is to : vi

    da um a coisa cuja essn cia e cujosentido nos

    escapam,' que nos superior, que nunca conse

    guiramos abarcar nos limites da nossa concincia*

    .porque esta no lhe apreende seno umas plidas

    falhas, nem sub jugar nossa vo ntade, que s

    forte quando se lhe submete a la ...

    Todos os princpios morais com que ns pen

    samos dominar a matria e o instinto se repar

    tem em duas classes : ou so inerentes^ prpria

    indole das coisas, e nesse caso no valia a pena

    gastar tanto tempo e tanto esforo em compen-

    di-los, ou so pu ro artificio hu ma no , intil e

    ridculo como a preteno de um sujeito que fosse

    pregar normas de movimento e de orientao s

    ondas do mar. De resto, nem podemos saber

    quais so os princpios que existem na prp ria

    natureza e quais os que la desconhece e rejeita.

    No ha normas de vidal Nenhuma norma. Nin

    gum sabe se o santo- que passou pelo mu ndo

    em pan turrado de virtudes, d izendo palavras de

    concrdia e de piedad e, d istribuin do benefcios

    aos hom ens, no ter feito m aior mal ao homem

    do que o bandido de alma opaca e de mos mo r

    t fe ra s. .- Aquele que espalha esmolas e consola

    es pod e gar ant ir e suavizar, a existncia a al

    guns que consideraria menos dignos dela; o que

    cria exaltaes e represlias em torno

    (

    de si coo

    pera para a formao de coraes fortes, de almas

    altivas, de energias indmitas.

    E, de p, batendo no om bro do amigo es

    tar ecido :

    A vida para ser vivida. Viva cada qual a

    sua vida. A maior virtude que um homem

    pode ambicionar a de viver amplam ente,

    desasbombradamente, sem restrices, sem liames,

    sem dobras, sem receios, deixando livre ao pr

    prio ser o mxim o de expanso a que le possa

    ating ir. A tens a min ha mo ral, e a tens o que

    eu fao: vivo, num esforo contnuo, numa con

    tnua agitao, sem pre fremente, inquieto e ane-

    lante, sem pre envolto na maravilhosa nuvem das

    sensaes que me mandam os sentidos hipereste-

    ziados, tudo vendo, tudo palpando, tudo experi

    mentando. Vivo, numa palavra, durante o meu

    fugitivo minuto de existncia, a prpria vida

    eterna , magnfica e indecifrvel do univ erso .

    E sabes que mais ? Vam os em bora .

    Jlio de S tomou o chapu, e, acendendo um

    charuto:

    Vais para casa ? Pois vamos juntos. Eu no

    vou a parte nenhuma. Talvez recolha tambm.

    E os dois, brao dado, sairam da claridade e

    da tepidez do bar, me rgulh ando na cerrao da

    rua, ponteada de pequenos borres de luz. Jlio

    de S, as mos enfiadas no s bolsos, a bengala a

    eme rgir de um deles, encostada ao om bro, apoia

    va-se rudem ente ao brao do comp anheiro pa-

    cho rren to, e falava sem pre, numa voz cada vez

    mais pastosa:

    T no vives, meu caro Lucas, ti no co

    nheces a vida ...

    O outro tentou uma rplica. No conhecia a

    vida que le, Jlio, levava e ex altava, m as conhe

    cia-a por uma outra face, menos fascinadora tal

    vez, mas com certeza mais no br e. Era a vida

    apagada, subterrne a e sofredora do maior nume

    ro ,

    a vida feita de sacrifcios quo tidiano s, de

    desejos contidos, de aspiraes imoladas, de sonhos

    recalcados, de trabalho tenaz, absorvente, esma

    gador, opinitico, herico ...

    E sublinhava com o ges to o ultimo qualifica

    tivo. Tinha a sua poesia, pois no tinha ? Mas o

    jul io, feroz:

    Poesia A poesia do Dever, hein ? Que raio

    de poesia tu achas nu m a vida artificial, toda de

    restrices duras, que te foi imposta sem discusso

    nem consulta, e que assim acceitas e praticas ?

    A poesia da canga . . , a poesia da pol . . .

    Ga guejan do estas coisas, Julio sacudia pesada

    mente o brao do amigo. E, num repelo forte,

    que o levou de brusco parede:

    E' isso que tu achas belo, meu pedao d'asno ?

    O amigo pachorrento olhou-o na cara, insulta

    do,

    e fez o gesto de quem queria desvencilhar-se

    e ir embora. Mas Julio de S reteve-o. Ora essa

    J no se podia brin ca r Deixasse de tolices. A-

    migos sempre . . .

    Agora Julio de S, com o chapu atirado para

    a nuca, pendurava-se ao brao do camarada, res

    mungando desculpas entremeiadas de elogios e

    de indirectas. Estava m aado r, carinho so e irri

    tante . Sucum bido sob a dura prov a, Lucas ia e

    vinha, aos bolus, jungido ao brao pesado do

    bom io, ao long o da intermin vel rua deserta.

    Passou um car ro. Lucas meteu-se nele com o im

    po rtu no , resignado a.sofr-lo at que o largasse

    em casa. Abandon-lo no podia, no seria de

    cente. Tinha de ser naquela hora o seu arrim o;

    era o seu protector forado. O super-homem de-

  • 7/25/2019 A Novella Semanal n01

    5/25

    A NOVELLA SEMANAL

    23

    pendia, naquele momento, do seu sacrifcio; sem

    este,

    talvez tivesse de dorm ir na rua, como um

    beberro vulgar, ou num posto de policia.

    Aos solavancos d o car ro, sob. o ar frio que

    zunia na cober ta, Julio espalhou-se mo lemen te

    nas almofadas, as plpeb ras descidas sob re os

    olhos mortios. E quando chegaram casa, saltou

    ssinho, quasi firme, e bate u. Um a luz amarela

    veju de den tro, por baixo da porta, sobre a so-

    leira. Em seguida silenciosamente, a porta abriu-

    se ,

    e apareceu o vulto de uma velhinha, vagam ente

    lambido pelo claro, alongando de sob o chaile

    traado o brao que sustentava o lampio caseiro.

    Sorria, curvada e trmula, na longa resignao de

    um velho sacrifcio. Era a me do notivago.

    Mas havia no seu semblante e na sua voz um

    vago e suave resentimento. Julio, como quem est

    acostumado, no lh'o percebeu. Percebeu-o e com-

    prehendeu-o vivamente o Lucas, que com enfado

    se atirou para o fundo do carro, depois de uma

    despedida apressada.

    Adeus, , super-homem

    Adeus, trouxa Medita no que eu te disse,

    mastigou Julio de S , cusp inhan do gr oss o.

    De dentro do carro, numa volta, Lucas ainda

    viu o filsofo, com u m p na soleira, a acender

    pachorrentam ente um cigarro sob re a chamin

    do lampio , que a velhinh a lhe baixara altura

    do nariz.

    AMADEU AMARAL

    (Da Academia Brasileira)

    O D E S T A C A M E N T O

    Quasi todo o do min go o B ahiano turbava o so-

    cego das Trs Barras es bordoan do sua compa

    nheira, a Rufina. A bod a era desen volta, dava

    corda ao prim eiro que enco ntrass e; e como o

    Bahiano no era cego e havia deliberado casar

    com ella brevemente, esmerava-se em trazer sem

    pre limpa a sua ho nr a; lavava-a como podia, a

    eachao, a porrete, e com isso se tornara o ter

    ror ao pacatssimo arraialete mineiro, ao qual se

    antolhava com a temib ilidade de um famigerad o

    facnora. A C ma ra, a sum ma potncia local, em

    conseqncia de suas terrificantes faanhas, reu

    nia-se s vezes ext rao rdin ariam en te e fazia pre s

    so no sub-delega do, o Ton iquinho da Cando la,

    para por cobro quelles desmandos. Toniqui

    nho,

    porm, humillimo boticrio de natural pouco

    bellicoso, magricela, vozinha habitualmen te cho

    rosa, explicava aos encanecidos vereadores:

    Se autuo o Bahiano , elle capaz de me

    matar1

    Basta prendel-o correcionalmente por alguns

    dias;

    insinuavam-lhe.

    Crescia a difficuldade. Nem p ens ar em tal 1

    O caso, como se v, punha-o em aperturas. Se

    os amigos do directorio o no coagissem ser

    vir, Toniqu inho j se teria demittido d o cargo

    policial.