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A Liturgia da Palavra comentada Anos A, B e C EDITORA AVE-MARIA José Cristo Rey García Paredes, CMF

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A Liturgia da Palavra comentada

Anos A, B e C

EDITORAAVE-MARIA

José Cristo Rey García Paredes, CMF

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PróloGo

Nunca seremos suficientemente agradecidos à mãe Igreja por nos dar este incomparável presente: o Ano Litúrgico. Em sua criatividade, es-timulada pelo Espírito, a Igreja veio delineando – no decorrer de sua

longa história – um caminho de espiritualidade, perfeitamente adaptado ao curso do tempo.

A Igreja não só celebra a Eucaristia cada dia, cada domingo, mas con-templa o mistério eucarístico na policromia dos diferentes tempos, das di-versas memórias, nas interpelações mais prementes do momento presente.

O Ano Litúrgico é uma sábia estrutura da lectio divina – leitura orante da Palavra de Deus. Ao longo de cada ano percorremos todo o Mistério da Salvação. No decorrer de três ciclos, proclamamos uma grande síntese da Palavra de Deus, primeira e definitiva Aliança.

Neste volume ofereço meus comentários à Palavra de Deus de to-dos os domingos dos anos A, B e C. Eles buscam ser um humilde subsí-dio para que a Palavra ressoe no coração, seja contemplada pelo olhar interior, ponha em ação todos os nossos recursos pessoais e suscite em nós respostas criativas.

Visto no seu conjunto, no percurso de todo o Ano Litúrgico, descobre-se a sabedoria do Espírito guiando sua Igreja e cada um de nós dentro dela. Quem acorrer, cada domingo, com fome e sede à celebração da Palavra eu-carística, descobrirá como em si renasce a identidade cristã, missionária e profética. Perceberá como o Espírito nos instrui intimamente.

O Ano Litúrgico é o caminho de espiritualidade comum, compartilha-do por todos os membros do Povo de Deus. Todos juntos, no ritmo da Palavra e da entrega do Corpo e do Sangue de Jesus, poderemos chegar muito longe... até o imprevisível.

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A quem descobrir a fascinação da Palavra de Deus será muito difícil não se afeiçoar ao domingo e lastimará como perda – não se sabe quanto – toda legítima ausência à celebração da assembleia dominical.

O autor

Nota à edição brasileira

Acrescentamos nesta obra comentários de três soleni-

dades que no Brasil devem ser realizadas aos domingos, quan-

do suas datas oficiais ocorrerem em outros dias da semana. Por

determinação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) e autorização da Santa Sé, comemoram-se aos domin-

gos as solenidades de São Pedro e São Paulo, da Assunção de

Nossa Senhora e de Todos os Santos.

Apesar de sua festa não ocorrer no domingo, também

dedicamos um capítulo à solenidade de Corpus Christi por

conta de sua grande importância no calendário católico.

Para facilitar a leitura, apresentamos os anos A, B e C es-

truturados em blocos, segundo os tempos litúrgicos – e não de

acordo com o seu tempo cronológico.

Os editores

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Ano A

Mateus

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TemPo do AdveNTo

Começa nosso sagrado tempo do Advento e com ele tem início tam-bém o novo ano da Graça. Durante quatro semanas, seremos instruí-dos pelo Espírito na arte da esperança.

Cada domingo nos ajudará a crescer em esperança. O primeiro domin-go nos inquieta com esta pergunta: É preciso esperar alguém? O segundo domingo nos convida a entrar no “batismo da esperança” e a deixar que ela se apodere de nós. O terceiro domingo nos indica o “caminho certo” e nos mostra como a paciência é forma de esperança. O quarto domingo pede-nos que sejamos “guardiões da esperança”.

Este tempo litúrgico nos oferece uma pedagogia para nos iniciar na espera e no desejo.

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Isaías 2,1-5

Romanos 13,11-14a

Mateus 24,37-44

1o domINGo do AdveNTo

É preciso esperar Alguém?

Nós nos mantemos vigilantes quando aguardamos algo, alguém, e também quando tememos alguma coisa; ou quando queremos que um acontecimento previsível não nos passe despercebido. Vemos essa atitude de atenção diante das portas de saída dos aeroportos, das estações rodoviárias; ou quando chega a hora de um programa que nos interessa... É assim, com a mesma expectativa, que aguardamos grandes acontecimentos que foram anunciados com bastante antecipação.

Quem espera concentra sua atenção, faz o possível para não perder a oportunidade que se lhe oferece. Mantém dentro de si certa atenção. A tensão relaxa quando ocorre o encontro, quando o esperado chega.

esperamos algo?

O problema que hoje nos aguça o interesse consiste em como estimu-lar e despertar nossas esperanças religiosas. Esperamos algo de Deus? Temos alguma secreta esperança de que possa acontecer algo grandioso, extraordi-nário, para nós e para a humanidade?

Jesus queria inculcar em seus discípulos uma atitude de esperança e de alerta diante da imprevisível chegada do Filho do homem: “Estai também vós preparados porque na hora em que menos pensardes vem o Filho do ho-mem”. No evangelho de hoje identifica-se a vinda do Filho do homem com a chegada de nosso Senhor.

Em sua pedagogia, Jesus emprega imagens que servem para nos ani-mar a esperança e nos manter alerta: a chegada imprevista do dilúvio no tempo de Noé ou o assalto imprevisível da casa pelo ladrão que vem de noi-te. Hoje, poderíamos falar de um atentado cuja preparação não foi detectada

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A Liturgia da Palavra comentada

pelas forças de segurança ou de um terremoto cuja ocorrência não foi previs-ta pelos especialistas.

Por que “esperar pelo Filho do homem”?

É essa uma viagem histórica. Os profetas de Israel não podiam transigir com as situações que tinham de viver. Denunciavam tudo aquilo que não correspondesse ao projeto originário de Deus: as injustiças, as violências, as exclusões. Vemos isso na primeira leitura deste domingo. Isaías apresenta uma visão de Judá e de Jerusalém que nada tem que ver com a realidade atual. Mas foi-lhe permitido ver o que acontecerá no final dos dias: “No fi-nal dos dias estará firme o monte da casa do Senhor”. Judá e Jerusalém se transformarão em ponto de atração de toda a Terra, em lugar de encontro, de pacificação e de justiça.

A imagem profético-apocalíptica do Filho do homem – própria do pro-feta Daniel – segue na mesma direção, embora a perspectiva seja muito mais universal ou mundial. O Filho do homem é o poder alternativo perante os poderes maléficos que dirigem a história dos povos. É o símbolo do poder humanizador que age em nome de Deus e faz vir à Terra a justiça salvadora de Deus.

Por que esperar o Filho do homem? Exatamente porque, se quisermos que as coisas caminhem de outra “forma” ou “maneira” nesta terra, ele é a solução que Deus nos oferece. Já se demonstrou ao longo da história que qualquer outra tentativa de solução é insuficiente; em resumo, o mal se faz com os desdobramentos da história, e seus agentes dominam as situações.

A questão, agora, é ver se o Filho do homem merece nossa confiança, nossa fé absoluta. E se, além disso, acreditamos que a figura do Filho do ho-mem se cumpriu em Jesus, nosso Senhor, se realmente Jesus merece nossa confiança como libertador, instaurador da humanidade sonhada.

estai atentos ao momento em que viveis!

O tempo do Advento quer despertar nossa fé, nossa esperança, aquela que obtemos de nossa opção vital por Jesus. Cremos nele. Sabemos que dele virá a salvação para o mundo, para cada geração humana, para cada pessoa. Jesus vem a nós. Continua vindo cada dia. Envia-nos seu Espírito, e em seu Espírito ele nos comunica sua Palavra e sua Vida. Quem crê em Jesus sabe que está salvo. Quem descobre o mundo nas mãos de Jesus sabe que este mundo não transmite só más notícias, mas está aberto à grande notícia da salvação.

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Ano A (Mateus)

Nosso mundo não está desgarrado da mão de Deus. O Deus da Aliança está no meio de nós, pede-nos que não tenhamos medo. O dia se aproxima. O Senhor vem uma vez mais.

O Tempo do Advento é pedagogia de esperança. Começamos “nosso ano” sorrindo, esperando além de qualquer expectativa. Por isso, queremos viver em pleno dia, conscientes de que temos ao nosso alcance aquilo que nos torna despreocupados em relação ao futuro, e construir alegremente nosso presente. Como dizia Rosalía de Castro: “Feliz é aquele que sonhando morre. Desditoso é aquele que morre sem sonhar”.

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Isaías 11,1-10

Romanos 15,4-9

Mateus 3,1-12

um batismo de esperança

Costumamos chamar o otimismo excessivo de “poesia”, “alucinação” ou, inclusive – em sentido mais positivo –, “utopia”. A pessoa utópica fixa seu olhar naquilo que não tem lugar em nosso mundo e, não obstante, acredita que se pode tornar realidade.

Existem momentos da história da humanidade nos quais o otimis-mo não alcança grandes intensidades: mostramo-nos, ao contrário, mui-to pessimistas, um tanto deprimidos. O momento que estamos vivendo é um deles. Os conhecimentos que temos da realidade, dos fenômenos históricos, reduzem muitíssimo o campo do nosso otimismo. Não espera-mos grandes surpresas dos comportamentos humanos. Não prevemos a superação de males endêmicos que angustiam grande parte da humani-dade. Continuará havendo violência, conflitos armados, guerras, mortes, doenças, exclusões, injustiças...

uma visão idílica...

Esta sensação contrasta com a mensagem que a liturgia de hoje nos transmite.

O profeta Isaías mostra-se muito esperançoso e otimista no trecho do capítulo 11, lido hoje. Trata-se de um poema utópico que canta aquilo que acontecerá naquele abençoado “dia” que está por vir:

• surgirá “um novo rebento” no tronco ou na raiz de Jessé, um broto, um descendente na casa de Davi; sobre ele pousará o Espírito Santo, com seus sete dons (Inteligên-cia, Sabedoria, Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor de Deus);

2o domINGo do AdveNTo

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Ano A (Mateus)

• será um homem justo e leal, que administrará justiça re-tamente, em especial com os desamparados;

• há de se criar um contexto de harmonia e paz no país, na natureza: “o país estará cheio da ciência do Senhor, como as águas enchem o mar” e se superarão todas as hostilidades e tudo entrará na aliança (lobo e cordeiro, novilho e leão, vaca e urso, leão e boi, criança e víbora).

O apóstolo Paulo nos diz também que a leitura das Escrituras, da Pala-vra de Deus, nos dá tamanho consolo e paciência, que mantém nossa espe-rança. Mas o grande motivo para continuar esperando um mundo diferente é Jesus. Ele é o descendente, o broto de Davi, sobre o qual pousa o Espírito com seus dons. Ele é aquele em quem Deus cumpre suas promessas e mani-festa sua fidelidade, não só para com o povo judeu, mas também para com todos os povos da terra.

... que se começa a realizar.

Os sonhos tornam-se viáveis quando começamos a acreditar neles. É possível que nada aconteça verdadeiramente em nosso mundo sem nosso consentimento. O Deus da Aliança não vai impor seus dons se antes não con-tar com nosso beneplácito.

Existem pessoas, conscientes daquilo que pode vir, que dedicam sua vida a alimentar sonhos. Cora Weiss dizia, de maneira acertada, que “quan-do sonhamos sozinhos é só sonho. Mas, quando sonhamos juntos, o sonho pode se transformar em realidade”. João Batista foi aquele homem providen-cial que convidou seu povo a sonhar, a deixar sua descrença e sua depressão. Fazia-o com energia, com convicção, apaixonadamente.

João pedia ao povo que preparasse o caminho, porque o Senhor vem! Estava convencido do poder impressionante de Deus e da iminência das so-luções para os problemas que traria consigo: “recolherá o trigo no celeiro(...) queimará a palha”, vos batizará com o Espírito Santo e fogo.

João anuncia a utopia, mas já presente, já batendo na porta. Mas en-coleriza-se diante dos que não creem, não esperam, se opõem. São os di-rigentes espirituais (fariseus), religiosos (sacerdotes) e políticos (saduceus) do povo. Chama-os de “raça de víboras”, gente demasiadamente acostu-mada ao passado e totalmente fechada para o futuro. Seu pai, Zacarias, havia se oposto ao projeto de Deus, mas se converteu à esperança. Pois bem, João Batista chama os opositores para que se convertam à esperança.

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A Liturgia da Palavra comentada

As promessas estão prestes a se realizar! Mas não ele se situa no templo de Jerusalém, e sim no deserto. Evocava, desta maneira, a necessidade de voltar a fundar o povo de Deus, exatamente lá onde o próprio Deus o tinha estabelecido.

Quando a esperança se apodera de nós

A esperança não nasce da autossugestão. Não somos nós que a faze-mos brotar em nosso espírito; é ela que vem de Deus e se apodera de nós. A esperança é como a água do banho que se derrama sobre todo o nosso corpo e o revitaliza e regenera. Quem recebeu o dom da esperança vê a realidade de outra maneira, não se preocupa tanto; descobre a mão providente de Deus em tudo o que acontece e sempre sabe que a Graça vencerá.

A esperança virá a nós como um batismo: no princípio de água, depois de fogo e de Espírito. A esperança deve ser suplicada. É fogo de Deus em nosso coração. É luz de Deus em nosso caminho. É moral de vitória em nossas lutas.

Mesmo que em nossos tempos não descubramos muitos motivos de oti-mismo, mesmo que as estatísticas pareçam muitas vezes desfavoráveis, nos dando a impressão de que este mundo caminha desgrudado da mão de Deus, felizmente não é assim! O Senhor vem também neste nosso tempo, nesta nos-sa geração, para nos visitar. Vem nos batizar com seu Espírito, derramado per-manentemente sobre esta terra. Vem batizar-nos com a esperança.

Neste segundo domingo do Advento, por que não nos dispomos a rece-ber o batismo da esperança?

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3o domINGo do AdveNTo

o caminho certo

Podemos nos enganar na espera. Podemos nos colocar na porta erra-da, por onde não vai sair a pessoa que esperamos. Podemos nos confundir, quando a impaciência nos faz desistir antes do tempo. Também na esperan-ça é necessário o discernimento.

Pessoas cansadas de esperar

Há pessoas que se cansam de esperar e se decepcionam ao constatar que os sonhos não passam de sonhos. Então decidem passar ao ataque, usando a própria espada para fazer justiça por conta própria, ou tomar a retaguarda e dedicar-se a uma vida tranquila sem sobressaltos.

Os que empunham sua própria espada mostram, diante da socieda-de, uma amargura crítica permanente: contra o neoliberalismo, a sociedade burguesa, a falta de radicalismo (caso se sintam progressistas), contra a so-ciedade desprovida de valores, moralmente libertina, religiosamente indife-rente, dogmaticamente livre-pensadora (caso se entendam por tradiciona-listas). Tanto uns quanto outros renunciam a ser mensageiros da esperança, anunciadores da salvação possível. Sua tarefa consiste em colocar o “dedo na chaga”. Atuam antes do tempo. Transtornam os tempos da esperança.

de novo o horizonte idílico

A liturgia deste terceiro domingo do Advento nos apresenta, mais uma vez, obstinadamente, o horizonte da esperança. O profeta Isaías, em seu ca-pítulo 35, torna-se mais utópico – se assim se pode dizer – que em outras ocasiões. O texto proclamado é de uma cativante beleza. Canta a repatriação, o retorno do desterro, a refundação do povo.

Isaías 35,1-6a.10

Tiago 5,7-10

Mateus 11,2-11

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A Liturgia da Palavra comentada

• O caminho de Deus é o caminho que conduz ao mon-te Sião. Abriu-se na estepe, no deserto. Tudo nele flo-resce. Converte-se em um caminho triunfal, ilumina-do pela glória e pela beleza de Deus.

• É o caminho dos resgatados, fracos, cegos, surdos, co-xos, mudos. Anuncia-se a eles que Deus vem pessoal-mente para ressarci-los e salvá-los. Recobrarão as forças para caminhar, seus ouvidos se abrirão, e sua língua de-satada para cantar.

• A alegria será incessante, o gáudio permanente será o companheiro de todos os rostos. O sofrimento e a afli-ção irão se afastar.

de quem se trata?

É a pergunta que fizeram João e seus discípulos quando este se encontrava no cárcere de Herodes: “És tu aquele que há de vir, ou temos de esperar outro?”.

Jesus vai ao encontro da pergunta, falando de João, de sua consistência profética, da verdade de suas palavras e anúncios. Jesus foi reconhecido por João como o homem em quem se cumprem as promessas, que traz consigo o futuro de Deus. João não teve interesses egoístas ao anunciar o que anunciou. João era aquele mensageiro – anunciado por Isaías – que preparou o caminho.

Para demonstrar que ele é aquele a quem é preciso acolher, e não ou-tro, Jesus remete a fatos que se podem ver e a palavras que se podem ouvir: cegos que veem, inválidos que caminham, leprosos que ficam limpos, surdos que ouvem, mortos que ressuscitam, pobres aos quais é anunciado o Evan-gelho. Em Jesus, cumpre-se a profecia de Isaías. Abriu-se o caminho de Deus, e nesse caminho acontece a transformação. Seguir Jesus é trilhar o caminho dos resgatados, o caminho da alegria, das boas notícias, da terapia coletiva. João preparou o caminho, porém ele não era o caminho.

A paciência como forma da esperança

Agora nos perguntamos: quem resolve os problemas da humanidade? Estamos em um tempo no qual muitíssimas pessoas sofrem, veem-se muito limitadas, quase impossibilitadas de subsistir. E a questão se nos apresenta com toda a contundência: por onde vem a salvação? Não basta afirmar, de vez em quando, que a solução é Jesus. Ele está no céu. Não está demorando muito para chegar?

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Ano A (Mateus)

Tiago estava consciente disso, pois nos diz em sua carta: “Tende pa-ciência, irmãos, até a vinda do Senhor”. A paciência é outra forma de espe-rança. Nela o sofrimento associa-se à espera. Mesmo que atinjamos o limite, a paciência mantém elevada a esperança. A paciência é resistência esperançosa, até a derradeira possibilidade. Luís Mandoki expressou-se com estes termos: “aos pessimistas é preciso dizer-lhes algo: não nos esqueçamos de que este é um filme de aventuras com final feliz, e nos filmes de aventura com final feliz para o herói as coisas sempre se complicam, cada vez mais, até que ele triunfa”.

Parece que a vinda do Senhor demora. E enquanto isso não acontece, é natural que fiquemos combatendo uns aos outros, e a casa se revolucione. A vinda do Senhor está próxima. Esta vinda se antecipa simbólica e realmen-te em cada Eucaristia. O Senhor nos assegura que as promessas idílicas se tornarão realidade. Não devemos perder a esperança. É preciso viver nossos sonhos como se já tivessem sido realizados.

Esta é a verdadeira porta por onde vem a salvação. João preparou o caminho. Por seus frutos o conheceremos.

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Cuidar da esperança

A esperança necessita cuidados como uma criança pequenina. Pode-mos perdê-la por um nada. A esperança é frágil, indefesa, não tem argumen-tos. Às vezes a menor notícia, o gesto mais insignificante introduz em nós o verme do desespero, da desilusão. Muita gente anda amargurada sem gran-des razões. A esperança, que em nós reside como um dom, precisa de ser cuidada, atendida.

Pede um sinal!

Existem ocasiões em que nossa esperança carece de sinais. Não basta confiar em nossa boa vontade; são necessários sinais que assegurem a es-perança; sinais que, evidentemente, venham de Deus.

Segundo o profeta Isaías – que proclamamos na primeira leitura – o próprio Deus disse ao rei Acab: “Pede um sinal ao Senhor teu Deus: no fundo do abismo ou no alto do céu”. Deus quer que seus sinais sejam desejados. Mas Acab escusa-se a pedir dizendo que não quer tentar a Deus.

Semelhante atitude aborrece a deus

Deus decide, por sua própria conta, dar um sinal ao povo. Trata-se de uma jovem mulher grávida, que vai dar à luz, e que se converterá em sinal da vontade de Deus de continuar a estirpe de Davi, a monarquia.

Não deixa de ser notável que a esperança de um povo possa se encerrar no germe de vida que existe no seio de uma mulher.

4o domINGo do AdveNTo

Isaías 7,10-14Romanos 1,1-7

Mateus 1,18-24

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Ano A (Mateus)

A esperança em perigo

O evangelho deste quarto domingo do Advento nos propõe esse mes-mo “sinal” de Deus, mas já na plenitude dos tempos: outra jovem mulher grávida, que vai dar à luz aquele a quem chamarão Emanuel, Deus presente no meio de seu Povo.

Mas o sinal pode correr perigo. Imaginemos que José tivesse cedido. O legal, o coerente com as normas em vigor (cf. Dt 22,20-21), teria sido denunciar sua mu-lher por uma gravidez irregular e expô-la à infâmia pública e apedrejá-la. Maria pertencia a José, mas o que em seu corpo estava sucedendo não pertencia a José. Se José tivesse seguido o costume, teria permitido a imolação de Maria e com ela a interrupção violenta do que nela se havia gerado “por obra do Espírito Santo”.

Parece incrível que um ser humano possa dispor de tanto poder e que as leis possam chegar tão longe quando se aplicam de modo inexorável. Em José, esposo de Maria, o próprio Filho de Deus podia encontrar o homem mais perigoso e ameaçador.

Quando Mateus nos diz que “seu marido era justo”, situa a justiça de José muito mais além do âmbito legal. A justiça de José foi o que salvou a vida de Maria e da criança concebida em seu seio. José foi justo porque soube in-terpretar a lei. Porque soube abrir-se à Palavra de Deus. Descobriu como em sua mulher estava se realizando a profecia de Isaías. José disse – como Maria – “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”, porque fez o que o Anjo lhe disse, porque acolheu – durante o sonho – a instrução de Deus. José se converteu no guardião da esperança do mundo e de Maria, a causa de nossa esperança.

Guardiões da esperança

Tudo aquilo que nos traz esperança, futuro, salvação, sempre está mui-to ameaçado. O sistema no qual vivemos não quer sobressaltos, nem coisas fora da normalidade. Por isso, o sistema tende a defender-se de qualquer fato extraordinário.

O novo parece que sempre traz anomalia, que está fora da norma, da lei, do regular. O novo é o que traz esperança. A verdadeira justiça não consiste em defender o que sempre se fez, mas em tornar viável o que até agora não se rea-lizou. José se transforma no homem do Advento e da esperança. Torna viável o novo, mesmo que supere todas as suas expectativas e seus aparentes direitos.

Sabemos que hoje existem novas iniciativas de paz, de justiça, de cui-dados com a criação, de defesa dos direitos humanos, de vivência e de trans-missão da fé. Estamos em um mundo no qual muitas mulheres grávidas nos

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A Liturgia da Palavra comentada

dizem que Deus dá futuro ao nosso planeta e à nossa humanidade, novas gera-ções trazem ideias arejadas, projetos não estreados, impulsos inéditos. Os que só se deixam guiar pela norma poderiam fazer abortar o novo que força para ser iluminado. Seriam os novos Herodes, os que tornam impossível a vitória da vida. Nem mesmo o Dragão apocalíptico queria que o Filho da mulher nascesse, e esta-va disposto a devorá-lo assim que fosse dado à luz.

A esperança deve ser cuidada, defendida. José é o guardião da esperan-ça. A seu exemplo, devemos aprender, cada um em seu ambiente, e, a partir dele, em nosso mundo.

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TemPo do NATAl

Natal, natividade, é origem, nascimento. É a festa da gênese continuada e potente que oferece suas surpresas e maravilhas para a nossa história. O Espírito continua nos guiando e nos

faz entrar no mistério de todo nascimento, de cada Natal.

O Espírito nos irá guiando por um itinerário surpreendente. 1) Natal: o mistério do nascimento contemplado de dentro e não só de fora. 2) Sa-grada Família: a família – espaço ecológico onde germina a vida; contexto onde germina, nasce e se desenvolve a vida do Filho de Deus. 3) Maria, Mãe de Deus: o fantástico processo da maternidade – compreende-se o Filho a partir da Mãe, mulher habitada pelo Espírito Santo. 4) Epifania: a festa da irradiação missionária – a glória de Deus se manifesta a representantes de to-dos os povos. 5) Batismo do Senhor: a segunda epifania prepara o caminho: João Batista é testemunha privilegiada da manifestação do Filho de Deus e o mostra a Israel facilitando-lhe o caminho.

Neste tempo natalino, oferece-se a nós a possibilidade de voltar à raiz, à origem de tudo, ao desígnio primordial, para renascermos e nos constituir-mos testemunhas e missionários.

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o mistério do nascimento

Para celebrar o dia do nascimento de Jesus, a Igreja recorre a alguns dos seus textos mais sublimes e difíceis de interpretar: o prólogo do evange-lho de João e da Carta aos Hebreus. É provável que não poucas pessoas sin-tam a falta da proclamação dos evangelhos que relatam de maneira popular o nascimento de Jesus.

Com isso indica-se que a festa hoje celebrada não é folclore religio-so, nem evocação do menino interior que todos trazemos dentro de nós. É a festa da mais séria opção de Deus, nosso Criador e Pai: a de enviar ao mundo para nós seu Filho único e encarná-lo em nossa mesma essência humana.

“... e a Palavra se fez carne”

O evangelho, há pouco proclamado, não anuncia que Jesus “nasceu em um presépio”, mas sim que “a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. Antes de ser Jesus, é Palavra de Deus. Misteriosa expressão para falar do Filho eter-no de Deus, da manifestação do seu próprio ser, dessa misteriosa dualidade que é o Filho em relação ao Abbá.

“A Palavra já existia no princípio. Estava junto de Deus. Era Deus”. Por meio dela o Abbá se revela, se manifesta, atua. Ele criou tudo pela Palavra, como o expressa bem o primeiro capítulo do Gênesis, em que se representa Deus Criador assim: “E Deus disse(...) e disse Deus”. Desta maneira, manifestava como Deus criou o mundo e cada uma de suas rea-lidades “por meio de sua Palavra”.

A Palavra de Deus é vida. Nela está a vida. Quando pronunciada, essa Palavra cria.

NATAl do SeNhor

Leituras da missa do dia:Isaías 52,7-10Hebreus 1,1-6

João 1,1-18

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Ano A (Mateus)

A Palavra de Deus é luz. Quando essa Palavra é pronunciada, tudo se ilumina e as trevas desaparecem. Por isso as trevas se opõem à luz. Não a querem receber. Mas houve seres humanos que a acolheram e ficaram ilumi-nados, vivificados por ela.

A Palavra se fez carne. Jesus era a Palavra de Deus feita carne. Com Jesus chega a revelação total de Deus, a luz de Deus, a beleza de Deus.

o Filho de deus

A Carta aos Hebreus nos fala de forma mais concreta e menos abstrata. Revela-nos algo absolutamente impensável para os hebreus. Deus falou de muitas maneiras nos tempos antigos: por intermédio dos profetas, dos au-tores sagrados. Todavia, o absolutamente inimaginável é que nestes últimos tempos nos falou por intermédio de seu Filho, “ao qual nomeou herdeiro de tudo, e por meio do qual realizou as idades do mundo”.

Esta revelação é inaudita para um hebreu: que Deus nunca foi um Deus sozinho, único, célibe, que Deus teve um Filho desde sempre, que, por fim, nos falou por intermédio desse Filho! Trata-se de Jesus de Nazaré.

A concretização do Filho de Deus em um homem de nossa história é a maior surpresa que poderíamos esperar. De Jesus, diz o autor da Carta aos Hebreus, que é “o reflexo da beleza de Deus, a marca de seu ser, o que sustenta o universo com sua palavra poderosa”.

o mebasser e seu inimaginável anúncio

Este é o nascimento que neste dia, 25 de dezembro, celebramos! Este é o anúncio mais importante a toda a humanidade. Por isso a liturgia recorre uma vez mais ao profeta Isaías (ao segundo Isaías) e fala do Mensageiro das boas notícias (o Mebasser, em língua hebraica). Este profeta anuncia a che-gada de nosso Deus e de seu Reino. Vê-lo caminhar sobre os montes de pés descalços para transmitir a notícia é um espetáculo de enorme beleza.

Desde que ressoa sua voz, muitos se tornam eco da Boa Notícia. Existe alegria, contentamento, esperança. Chegou o momento prometido por Deus.

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Família: espaço ecológico onde germina a vida

A palavra “família” provém do termo latino famulus, que significa “servo”. A “família” tinha originariamente suas raízes em um sistema de servidão, de dependência do pater familias ou do pai da família. A de-mocratização da sociedade mexeu com a estrutura familiar. O poder é compartilhado. As relações são muito mais igualitárias e dão oportuni-dade a relações pessoais e íntimas. Todavia, ao favorecer mais liberdade, tornam-se mais comuns o conflito, a separação, o divórcio, a desestrutu-ração familiar. Nesse contexto ambivalente, celebramos este ano a festa da Sagrada Família.

“Chamei meu filho”

Em relação a Jesus, Deus Pai nunca renunciou a seu direito de paternidade-maternidade. O filho de Maria e, legalmente também, de José é “filho de Deus”. E Deus dele cuida e o protege das fauces do dragão Herodes que o queria matar. Serve-se de José como instrumento de sua providência; envia-lhe três vezes seu anjo para que lhe inspire o que fazer em cada circunstância: fugir para o Egito com “o menino e sua mãe”; voltar do Egito quando o perigo tivesse passado; dirigir-se para Nazaré para evitar outros perigos. “Do Egito chamei meu filho”.

José age como protetor e guardião do “filho e da mãe”, como pai que protege a vida, como esposo que cuida de sua esposa. Mas também atua como um “novo Moisés”, que conduz o novo povo de Deus, simbolizado no “filho e na mãe”.

Jesus foi concebido sem a participação de José: “de Maria virgem por obra do Espírito Santo”. Mas Jesus não teria sobrevivido, não se teria educado adequadamente em um contexto familiar rico sem o concurso de José. Dessa

SAGrAdA FAmÍlIA

Eclesiástico 3,3-7.14-17Colossenses 3,12-21

Mateus 2,13-15.19-23

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Ano A (Mateus)

maneira, José colaborou na origem da vida e educação de Jesus. E ajudou não como um agente externo, um contratado, mas como esposo de Maria que Deus não quis que se separasse dela. O fato de ser esposo de Maria faz que José mantenha um intercâmbio de seus dons com ela, de modo que compar-tilhem o grande tesouro que é Jesus, o filhinho. Maria e José sabiam muito bem que seu Filho não lhes pertencia radicalmente: era Filho de Deus e Deus contava com eles.

o filho de maria e de José

A primeira leitura, tomada do livro do Eclesiástico, nos convida a con-templar a família de Nazaré de outra perspectiva: a partir do Filho com re-lação a seus pais, Maria e José. Bom filho, Jesus era chamado a honrar pai e mãe como realidade sagrada, culto que agrada a Deus, expia o pecado e concede a graça de Deus. Inclusive o Eclesiástico recorda: “Sê tu constante em honrar teu pai, não o abandones enquanto viveres”. Jesus, que nos convi-dou a deixar pai e mãe para segui-lo, não deixou seus pais abandonados. Só aos 30 anos de idade iniciou sua caminhada profética: “desceu com eles para Nazaré e lhes era submisso”.

A relação de veneração para com seus pais foi também a base humana da adoração que mantinha permanentemente para com seu Abbá. Já desde menino, recordou a Maria e a José que devia dedicar-se aos assuntos de seu Pai, mesmo que Maria e José não o entendessem.

Da mesma forma que Deus reivindica para si, de maneira única, a paternidade-maternidade sobre Jesus (“meu filho”), também Jesus reivin-dica para si, de maneira única, a filiação divina (“meu Abbá”). Maria e José são para Jesus as representações vivas da maternidade e paternidade do Abbá.

A difícil convivência familiar

Todavia viver em comunidade familiar e esponsal nem sempre é fácil. O matrimônio faz conviver o diferente (o masculino e o feminino), mas tam-bém o paritário (o pessoal): os dois em aliança, sem se apossarem mutua-mente, entregando-se ao outro. O homem não se torna mulher nem a mu-lher se torna homem. Um e outro se fazem – graças ao mistério de cada um – algo distinto, um “nós” cheio de beleza e de fascinação. Nesse “nós” aparece o filho, não como posse, e sim como presente; não como realidade acabada e pronta, mas como semente que é preciso cultivar.

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A Liturgia da Palavra comentada

A Carta aos Colossenses propõe um programa belíssimo de vida familiar. Pede a todos os que fazem parte da comunidade familiar que reconheçam que:

• Foram escolhidos por Deus como santos e amados: por-tanto que atuem com uma misericórdia entranhada, com bondade, humildade, doçura, compreensão; que sejam agradecidos a Deus em tudo o que por palavra ou por obra realizarem.

• Foram perdoados pelo Senhor: portanto, perdoem-se sempre uns aos outros e se corrijam mutuamente.

• Ofereceu-lhes a Paz de Cristo como árbitro familiar: portanto, constituam sempre um só corpo, haja sempre mútua obediência, amor, atenção.

A vida em comum é, às vezes, muito difícil, e só o amor, a fidelidade, a renúncia, o sacrifício tornam possível o sonho do Deus do Gênesis e dos Atos dos Apóstolos: “que sejam uma só carne, um só coração, uma só alma”.Quando se conseguir isso, a felicidade será transbordante.

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o fantástico processo da maternidade

A história segue seu ritmo imperturbável. Mais um número se acres-centa à nossa contabilidade do tempo. De noite despedíamos, entre alegria e saudade, o ano velho e dávamos as boas-vindas ao ano novo. Hoje acorda-mos com mais um número no cômputo dos anos e nos dispomos a escrever a primeira página do ano que acaba de começar.

Brotam-nos espontaneamente bons desejos e augúrios. Gostaríamos que este ano, no calendário da história, não fosse marcado como um tempo de desventuras, de confrontos, de morte. Desejamos a paz. Queremos que este ano seja marcado por justiça, felicidade, boa convivência. Será realmen-te assim? Poderemos fazer algo para que seja assim?

deus nos abençoe!

Antes de tudo, nada melhor que colocar todos os nossos dias sob o olhar e a proteção de Deus, nosso Abbá! Porque só dele depende que este seja um tempo de graça e não de desventura, um tempo de bênção e não de maldição. A história humana é tão complexa, imprevisível e indizível que diante dela só se podem temer as mortes por guerras, acidentes de tráfe-go, convulsões da natureza, enfermidades ou fome. Diante dos previsíveis conflitos políticos e domésticos, somente a confiança em Deus nos condu-zirá à certeza de que não seremos abandonados, nem mesmo nas piores circunstâncias.

Os israelitas tinham uma preciosa fórmula de bênção que proclama-mos nesta Eucaristia – tomada do livro dos Números, capítulo 6 – e que fazemos nossa: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e te conceda sua graça! O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz!”.

SANTA mArIA, mãe de deuS

Números 6,22-27Gálatas 4,4-7Lucas 2,16-21

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A Liturgia da Palavra comentada

Esta oração exprime o desejo de encontrar graça aos olhos de Deus, de atrair seu olhar luminoso e amável, sua atenção amorosa sobre cada um de nós, de nossas famílias e amizades, sobre nosso povo, nossa comunida-de, nossa nação, nosso mundo. Na medida em que isto aconteça, em que se acenda a Aliança amorosa que nos liga a ele, nessa mesma medida teremos paz, bem-aventurança, e poderemos sempre esperar o melhor.

Queremos estender este desejo de bênção a todo o mundo, a todos os países da terra. Vivemos em rede. Ninguém pode ser feliz sem os outros. A bênção só é bênção se for global. Por isso também brota daqui um imperati-vo moral, para todos nós, que Paulo nos inculcou: “Abençoai sim! Abençoai, não amaldiçoeis!” (Rm 12,14).

A memória da maior bênção

A mãe Igreja, entretanto, não esquece que estamos no tempo do Natal. Ela começou seu ano novo e sagrado com o Advento, faz já mais de um mês. Ela quer dedicar este primeiro dia do ano civil para honrar a maternidade singular e transcendente de Maria, “a mãe” de Jesus.

E eis que a maior bênção de Deus nos chegou à terra faz mais de vin-te séculos: naquele dia maravilhoso em que uma jovem donzela de Nazaré, prometida como esposa a José da casa de Davi, disse fiat (“faça-se”) ao pro-jeto de Deus Pai, para que seu Filho se fizesse homem. A partir daquele mo-mento, ele desenvolveu-se em seu corpo virginal sem macular todo o fantás-tico processo da maternidade. Toda sua sexualidade ficou consagrada pelo Espírito e se pôs a serviço da mais portentosa das obras de Deus.

De maneira solene, concisa, emocionada, conta-nos o apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas o que aconteceu a essa mulher:

• Cumpriu-se o tempo.

• Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher para que recebêssemos a filiação adotiva.

• Porque somos filhos de Deus, enviou a nossos corações o Espírito de seu Filho que clama: “Abbá!”.

Maria é a mãe do Filho de Deus. Graças ao Espírito, nela é possível o impossível. Maria é mãe do Filho de Deus, graças ao Espírito Santo, à po-tência de Deus que a cobre com sua sombra. Mas este fato não tem como

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Ano A (Mateus)

objetivo fazer dela uma mulher privilegiada e única, e sim servir de mediação para que todos nós sejamos filhos de Deus e recebamos o Espírito que nos permite clamar, juntamente com Jesus, Abbá, Papai!

A bênção chegou à humanidade mediante a maternidade de Maria. E o que ela revela é não somente que Jesus é o Filho de Deus, mas que também nós o somos por pura graça e misericórdia.

Apresentação na sociedade

O evangelho deste dia nos narra com simplicidade como o Menino, Maria e José são apresentados na sociedade. De lá se aproximam os pastores, que encontram o Menino deitado em uma manjedoura, e narram o que ha-viam ouvido a respeito dele. Ali está Maria, que não chegava a compreender o Mistério no qual estava implicada: “Meditava tudo isto em seu coração”.

Após oito dias, circuncidam Jesus, introduzem-no publicamente na Aliança de Deus com seu povo e lhe dão o nome Jesus. A mãe e o pai agem como tais e dessa maneira manifestam que Jesus é filho.

Ao iniciar-se este ano, aproximemo-nos simbolicamente de Maria para honrar sua magnífica maternidade e proclamar que, graças a ela, a humani-dade está nas mãos de Deus.

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Eclesiástico 24,1-2.8-12Efésios1,3-6.15-18

João 1,1-18

2o domINGo dePoIS do NATAl1

A glória que Jesus irradia

O Natal não é uma festa exterior para o mundo. É sua festa mais interior, mais profunda. Algo aconteceu em toda a natureza, no universo, na humanidade, no dia em que o Filho de Deus se encarnou por obra do Espírito Santo no seio de Maria Virgem. A manifestação de Deus no Me-nino Jesus é um acontecimento que oferece a chave e o sentido de toda a realidade.

A Igreja se convida a si mesma à meditação, à contemplação, à emo-ção, diante de semelhante virada histórica. As leituras deste segundo domin-go depois do Natal são de um elevado cunho teológico e de compreensão difícil. Procuremos introduzir-nos nelas com simplicidade, com palavras que possam tocar nosso coração e permitir que sintamos a “admiração” diante do Mistério.

A Sabedoria habita em Jacó

O livro do Eclesiástico nos apresenta, no seu capítulo 24, a Sabedoria como se fosse uma personalidade.

A Sabedoria foi criada por Deus, antes dos séculos, e não cessará jamais. Deus, o Criador do universo, ordenou-lhe que habitasse em Jacó e que Israel fosse sua herança. A Sabedoria obedeceu e apareceu no meio do povo, na Assembleia (Igreja) de Deus. Entrou na santa morada do templo e ali ofereceu culto e se estabeleceu em Sião; na cidade santa de Jerusalém ela reside. A Sabedoria lança raízes no povo e o povo dela desfruta, a admi-ra, a louva, a bendiz.

1. O 2o domingo depois do Natal, no Brasil, é substituído pela solenidade da Epifania.

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Ano A (Mateus)

Os crentes do Novo Testamento logo perceberam que Jesus era essa misteriosa Sabedoria de que falavam os livros sagrados. Jesus é a Sabedoria eterna que estabeleceu sua morada entre nós e evita que o povo de Deus caia na estupidez, na ignorância, na obscuridade e na perdição.

A Palavra é vida, é luz

A Sabedoria é contemplada pelo quarto evangelho como “Palavra”, como “Verbo” de Deus. Na Palavra, a Sabedoria se expressa. Quando Deus cria o mundo, ele realiza tudo mediante a sua Palavra-Sabedoria. Toda reali-dade existente tem a marca da Palavra.

Para o quarto evangelho, a Palavra é a Vida, é a Luz. Dela procede a vida do mundo. Graças a ela, o mundo não jaz nas trevas. Próprio da Palavra é revelar, expressar o sentido de tudo aquilo que nos parece misterioso. A Pala-vra nos expressa aquilo que está oculto no coração de Deus. Graças à Palavra podemos conhecer o mistério de sua Vontade.

Por isso também a Palavra ilumina a mente e o coração dos seres hu-manos. E através dela não só viemos existir, mas também nossa existência passa a ter sentido. Graças a ela não caminhamos às escuras. Graças a ela nossa vida não é um absurdo.

Fez-se carne

Isto é o que mais nos emociona! A Sabedoria de Deus, a Palavra de Deus se fez carne, entrou no nosso mundo e assumiu nossa condição car-nal. Já não se trata só de habitar no meio do povo, como fez a Sabedoria no Antigo Testamento. Agora se trata de uma autêntica encarnação na natureza humana. A Palavra, a Sabedoria de Deus, se transforma em um ser humano de carne e ossos, em um filho do povo de Israel, no filho de Maria.

Disso existem testemunhas. Seus discípulos contemplaram sua glória. Viram, ouviram, tocaram a Glória-Beleza-Sabedoria de Deus que Jesus irra-diava. Contemplaram e conviveram com o Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade.

O testemunho do quarto evangelho e das Cartas de João tem intensi-dade impressionante. Para as testemunhas, a carne humana de Jesus não é aparência, não é imaginação, é a realidade mais certa. Nela, a Palavra se faz um ser humano.

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A Liturgia da Palavra comentada

Bendito seja deus, Pai de Jesus!

Outros crentes expressaram também sua admiração diante dos mis-térios de Jesus. A segunda leitura deste domingo, tomada do início da Carta aos Efésios, assim o atesta. Trata-se de um texto de doxologia, de glorificação ao Abbá de Jesus, por tudo o que nos regalou nele: “abençoados com toda espécie de bens espirituais e celestiais”.

Se Jesus é a Palavra, a Sabedoria eterna de Deus, como não exclamar que nele fomos escolhidos desde antes da criação do mundo?

A encarnação do Filho de Deus é um derramamento generosíssimo de graça sobre a humanidade. Todos nós ficamos afetados: sua santidade é nossa santidade; sua pureza imaculada é nossa pureza imaculada; sua filia-ção divina se amplia em nossa filiação.

Façamos o possível para contemplar o Mistério até nos entusiasmar e dançar em um canto de louvor à sua glória.

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Isaías 60,1-6Efésios 3,2-3a.5-6

Mateus 2,1-12

ePIFANIA do SeNhor2

A festa da irradiação missionária

A festa que hoje celebramos tem nome grego: “Epifania”, que quer di-zer “manifestação”. Celebramos o dia em que o Filho de Deus e de Maria se manifestou a outros povos da terra, representados pelos Magos do Oriente, e deles recebeu homenagem e adoração. Celebramos também a vocação mis-sionária da Igreja.

manifestação da luz

Sentimos terror e angústia quando nos perdemos dentro da névoa ou em um túnel ou cova aparentemente sem saída, quando perdemos o ponto de referência. Temores ancestrais e culturais despertam em nós. Sentimo-nos ví-timas da falta de sentido. Assim o terceiro Isaías descreve a situação do mundo, antes da chegada do Messias.

“Vê, a noite cobre a terra e a escuridão, os povos.”

Mas Deus envia um profeta da graça: o profeta Isaías chama-o de Me-basser (Is 40; 52; 61), que, literalmente, em hebraico quer dizer “mensageiro de alegres notícias”. Esse profeta anuncia o amanhecer da luz e, com ela, da glória ou beleza de Deus sobre Jerusalém. A cidade se converte no vértice do mundo; irradia sua luz para todos os povos da terra. Atraídos por ela, todos se colocam a caminho: em primeiro lugar, os filhos e filhas do povo de Deus, dispersos, desterrados; depois os outros povos. Trazem a Jerusalém a riqueza das nações; chega multidão de camelos, dromedários; trazem incenso, ouro, e proclamam o Deus de Israel: “prostrar-se-ão diante do Senhor todos os po-vos da terra” (Sl 71).

2. Essa solenidade, no Brasil, é celebrada no domingo, entre 2 e 8 de janeiro.

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A Liturgia da Palavra comentada

A missão como irradiação

Os que visitam Jesus em Belém tornam realidade a profecia do Mebasser: primeiro os pastores, depois os Magos. Trazem a Jesus a riqueza das nações.

O casebre de Belém – em que moravam Jesus, Maria e José – transforma-se em “centro de atração missionária”. Os Magos, personagens sensíveis aos sinais do céu, perceberam a chegada à terra de uma luz misteriosa. Viram seu reflexo em uma estrela. Não quiseram perder a oportunidade. Puseram-se a caminho, dispostos a superar qualquer dificuldade.

Sua visita a Jerusalém mostra, por um lado, sua sensibilidade religiosa e, por outro, a insensibilidade dos sumos sacerdotes e escribas que, embora conheçam as Escrituras, não reconhecem nelas o que Deus lhes pede. Os Magos acreditam nas palavras do profeta; tornam-se exegetas práticos dela: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel”. Há os que se interrogam sobre a veracidade histórica dos fatos aqui narrados. A experiência histórica, mais de vinte séculos de práti-ca missionária, nos mostra como pessoas dos mais diferentes povos e culturas se prostram diante do Menino e da Mãe e o adoram. Como também há autoridades políticas e religiosas que perseguem o Menino e a Mãe e quiseram exterminá-los. Isto é dito simbolicamente no livro do Apocalipse: o dragão está postado diante da mulher para devorar seu filho assim que nascesse (Ap 12). O dragão continua também hoje com suas armadilhas. Mas Deus protege o Filho e a Mãe. A missão de irradiação e de atração irresistível continua seguindo em frente.

Não devemos confiar mais em nossas estratégias de missão que no en-canto irresistível do Filhinho de Deus, enviado pelo Abbá, porque imensa-mente amava o mundo.

A revelação do mistério

Nos Magos inicialmente se cumpre o mistério oculto de Deus, que o autor da Carta aos Efésios reconhece que lhe foi revelado: que comecem a crer em Jesus e a agregar-se a seu Corpo, que é a Igreja, homens e mulheres de outros povos da terra, diferentes do povo judeu.

Hoje também assistimos ao maravilhoso desdobramento da fé em Jesus em todo o mundo. Mulheres e homens de todas as raças – agora especialmente na Ásia e na África – sentem-se iluminados por Jesus, por sua estrela. Por sua vez, aquelas pessoas das quais se poderia esperar uma maior adesão de fé e o compromisso mostram-se céticas e frias, inclusive hostis, como aconteceu também com as au-toridades religiosas e políticas de Jerusalém quando foram visitadas pelos Magos.

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A segunda epifania prepara o caminho

A celebração do Natal é concluída com esta segunda epifania do ba-tismo. Fogem à nossa contemplação os anos da infância, adolescência e ju-ventude de Jesus. A revelação cristã não satisfaz nossa legítima curiosidade para conhecer a vida de Jesus em Nazaré. Nem mesmo nos é concedida uma festa na qual celebremos o encontro de Jesus por seus pais no templo de Je-rusalém, depois de três dias, quando lhes revelou que “tinha de dedicar-se às coisas de seu Pai” e “eles não compreenderam”. A partir daí existe todo um trecho amplo e importante da vida de Jesus que nos foi transmitido com frases muito concisas: “desceu com eles e lhes foi submisso”, ou quando se falava que Jesus era – de acordo com o que se acreditava – “o filho de José”, “o carpinteiro”.

Apresentou-se a João para que o batizasse

Sabemos que Jesus, quando tinha mais ou menos 30 anos, deixou a Gali-leia e foi para o deserto pedregoso e estéril, onde João Batista estava pregando a mudança necessária para fazer de Israel o povo da Aliança. Quis submeter-se ao batismo de João e contribuir, também ele, para o surgimento do novo povo.

Segundo o evangelista Mateus, João compreendeu quem era Jesus. Re-conheceu que as coisas deviam ser ao inverso: “eu é que necessito que tu me batizes”. Não obstante, Jesus lhe diz que não era esse o momento. Naquela circunstância, o que os dois deviam fazer era cumprir a vontade do Pai. Foi então que João consentiu que Jesus recebesse o batismo.

Aquele batismo foi para Jesus uma experiência de revelação, de epi-fania, não só para João, mas também para ele mesmo. Servindo-se de uma linguagem apocalíptica, o evangelista nos diz que ocorreram várias coisas:

o BATISmo de JeSuS

Isaías 42,1-4.6-7Atos 10,34-38

Lucas 3,15-16.21-22

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A Liturgia da Palavra comentada

• Abriu-se o céu: o mundo transcendente abre sua porta.

• Viu Jesus que o Espírito de Deus baixava como uma pom-ba e pousava sobre ele: do céu desce o Espírito de Deus como uma pomba que busca seu ninho (era a metáfora empregada pelos rabinos) e aninha em Jesus.

• Veio do céu uma voz que dizia: “Este é meu Filho, o amado, o predileto!”. O céu fala e proclama que Jesus é o Filho, o Amado, o Predileto.

Não podíamos esperar uma epifania mais sublime e certeira. João é tes-temunha do que sucede. Jesus toma consciência do Mistério que o envolve.

uma voz que antes já havia ecoado

O segundo Isaías, em seus cantos do Servo Sofredor, havia antecipado de alguma forma o batismo de Jesus. Havia falado de um ser humano espe-cialmente amado e escolhido por Deus que apareceria na terra. Era o Amado, o Preferido, o Escolhido! Sobre ele repousaria o Espírito de Deus. Seria o Me-diador da grande Aliança de Deus com todo o mundo. O profeta explicita as características desse servo de Deus que nos ajudam a melhor compreender a missão recebida por Jesus em seu Batismo.

• Traz o direito às nações e o promove: sem vacilar, até implantá-lo em toda a terra.

• Atua com brandura: não grita, não discute, não quebra, não apaga.

• Traz a libertação: abre os olhos dos cegos, liberta os cati-vos do cárcere, ilumina os que vivem nas trevas.

um batismo que não cessa

Houve muita gente que reconheceu, a partir do dia de Pentecostes, que esta profecia se havia cumprido em Jesus. Que era de Jesus que os profetas falavam. Pedro, em uma de suas aparições públicas, como representante da comunidade cristã, falou de Jesus, batizado por João, que “passou fazendo o bem e curando os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele”. Mas também acrescentou que Deus aceita compartilhar o batismo de Jesus com homens e mulheres de toda condição. Deus não é nacionalista, não se dirige

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Ano A (Mateus)

unicamente a grupos seletos: “Deus não faz distinções. Aceita quem o teme e pratica a justiça, seja de que nação for”.

Os que aderiam a Jesus pediam para ser batizados. Tinham a consciên-cia de que seriam acolhidos por Deus como filhos e filhas, que seriam aben-çoados com o dom do Espírito, que receberiam uma missão para irem pelo mundo, fazendo o bem e impedindo o reinado do Maligno.

O batismo é muito mais que um rito de iniciação. É uma experiência que nos faz semelhantes a Jesus e que nos revela o sentido da vida, a vocação à qual fomos chamados.

Próprio dos batizados é sentir-se vocacionados, chamados, escolhidos, amados, para assim poder transmitir aos outros a mesma experiência e fazer surgir muitos acontecimentos semelhantes na terra.