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EDITORA AVE-MARIA

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EDITORAAVE-MARIA

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Prefácio

Muito amados evangelizadores da Palavra,Aconteceu certo dia que o Rabbi Akiba, um mestre muito

famoso que viveu no tempo dos Apóstolos, participou de uma ce-lebração, num dia de sábado.

O chefe da sinagoga, tendo-o reconhecido, convidou-o para ler um trecho da Escritura, mas ele recusou subir ao púlpito.

Os seus discípulos então lhe disseram: “Mestre, não nos ensi-naste, por acaso, que a Sagrada Escritura é a nossa vida e a extensão dos nossos dias? Por que, então, não aceitas subir ao púlpito?”

Rabbi Akiba respondeu: “Pelo templo! Recuso-me a ler um trecho da Escritura se antes não o li e meditei duas ou três vezes sozinho. Não se pode apresentar a palavra de Deus à comunidade, sem antes tê-la esclarecido duas ou três vezes para si mesmo”.

Eis, diletíssimos, o objetivo deste livro: foi escrito para ajudar-vos a entender as leituras bíblicas que cada domingo deveis explicar nas vossas comunidades. Todos sentíeis a necessidade de um livro assim e muitos dentre vós tinham até feito um pedido neste sentido. Pensamos, então, em preparar uma obra em três volumes, um para cada ano do ciclo litúrgico.

O autor, Fernando Armellini, é um estudioso da Bíblia, formado no Instituto Bíblico de Roma, ensinou no seminário e foi, durante alguns anos, missionário na África, onde trabalhou. Lendo estas páginas, imediatamente vos sentireis envolvidos pelo seu otimismo e pela linguagem simples com que transmite a mensagem. Ele foge de todas as palavras difíceis, recorre frequentemente às comparações e às parábolas de tal forma que todos, até os mais simples, conse-guem entender. De fato, são os pobres que têm o coração mais puro e que esperam uma palavra de libertação, de alegria e de esperança.

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Esta explicação das leituras do domingo exigirá, de cada um de vós, uma reflexão e um compromisso de estudo sérios.

Pode ser que, às vezes, fiqueis perplexos diante de alguma in-terpretação diferente do trecho da Escritura. Para uma assimilação mais proveitosa, seria bom que, durante este primeiro ano, pedísseis ajuda aos vossos padres ou a alguma outra pessoa, familiarizada com a teologia.

Bem sabeis por experiência que, quando as três leituras são convenientemente situadas no tempo em que foram escritas, a sua mensagem se torna clara e atraente. Deixai-vos, pois, entusiasmar sempre mais pelo prazer de apresentar às vossas comunidades uma palavra de Deus bem preparada, bem interiorizada e bem testemu-nhada pela vossa vida.

Um pregador zeloso da Palavra, ainda no primeiro dia da sema-na, começa a estudar o contexto das leituras do domingo seguinte e a sua mensagem. Por isso, antes de mais nada, se esforça para penetrar em profundidade o sentido de cada uma delas. Após isso, procura entender o tema que as une.

É necessário assimilar bem o conteúdo para poder transmiti-lo com segurança e convicção.

O texto bíblico deve também iluminar as situações concretas da vida. Se os membros da comunidade não estão em condições de aplicar a mensagem à realidade, o pregador deverá ajudá-los a partir das realidades familiares, sociais e eclesiais do ambiente em que vivem.

O conteúdo deste livro é uma manifestação de festa. Ao longo da vida que nos apresenta tantos sofrimentos, tantas preo-cupações e tantas lágrimas, a palavra de Deus é uma mensagem de felicidade e de alegria para todos. Sede, pois, mensageiros desta alegria.

No índice encontrareis os temas tratados devidamente cata-logados e a indicação das páginas. Poderão ser úteis àqueles que desejam escolher algum argumento a ser desenvolvido em encontros bíblicos ou retiros.

Encontrareis também o Índice das leituras comentadas, na mesma ordem em que os livros estão dispostos na Bíblia.

Este segundo Índice tem utilidade para os que procuram uma explicação atualizada do texto bíblico que lhes interessa.

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A vós todos, especialmente aos que se encontram nas comu-nidades distantes, dirijo minha palavra de apreço e o meu convite para jamais desanimar diante das dificuldades.

Seja a palavra de Deus para vós, como o foi para o profeta Jeremias, a alegria e a felicidade do vosso coração (Jer 15, 16).

A cada um de vós, minhas saudações e minha bênção.

Fortificai as mãos desfalecidas,robustecei os joelhos vacilantes,dizei àqueles que têm o coração perturbado:tomai ânimo, não temais! Eis o vosso Deus!

(Is 35,3-4)

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Tempo do Advento

Primeiro Domingo do Advento, 14

Segundo Domingo do Advento, 20

Terceiro Domingo do Advento, 25

Quarto Domingo do Advento, 31

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1. O Ano Litúrgico

O ano é como uma roda com 365 raios: continuamente giran-do, ao terminar uma volta começa outra, e mais outra, e assim vai rodando sem parar. A nossa vida se compõe de 20, 50, 70… dessas voltas, tantas quantas o bom Deus nos permite passar neste mundo.

Os raios de uma roda estão unidos, no centro, a um eixo. Ora, pensai que este eixo é formado por uma grande luz que difunde seu esplendor sobre todos os pontos da roda. Eis então que o eixo, a luz é Cristo que ilumina cada dia do ano, com sua mensagem, com sua palavra, com sua vida.

Será suficiente, porém, receber esta luz somente uma vez?Nós bem sabemos que não se pode conhecer uma pessoa num

encontro de poucos minutos. Para que um rapaz e uma moça se enamorem, não é suficiente que se tenham encontrado uma vez durante uma festa…; devem encontrar-se com frequência para conhecerem-se reciprocamente, para avaliar se poderão viver jun-tos; somente após algum tempo poderão decidir-se a formar uma família. A pessoa de Jesus também não pode ser apresentada num só dia, em poucas palavras.

Se durante o ano chovesse somente uma vez, as nossas lavouras produziriam alguma coisa? Não, certamente. Para que se produza muito trigo, muito milho, muito feijão, muito amendoim, é preciso que haja sol e que chova muitas vezes, com regularidade.

A Igreja, que é nossa Mãe, quer que cada instante da nossa vida seja iluminado pela luz do Mestre. Quer que penetremos sempre em maior profundidade os seus ensinamentos, pois assim toda a

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nossa vida será transformada e se desenvolverá em conformidade com o Evangelho.

Para alcançar este objetivo, o ano foi dividido em partes de-nominadas tempos litúrgicos, cada um dos quais está relacionado com uma grande festividade.

Poderíamos até dizer que o ano é como uma roda de festivida-des que nos apresentam todos os aspectos fundamentais da pessoa e da vida de Jesus. Os que participam ativamente da vida da comu-nidade e nunca faltam à catequese dos domingos, ao final do ano, terão sem dúvida um conhecimento muito mais profundo da pessoa de Jesus; assim também a vida da família, da comunidade e até da sociedade civil receberá uma influência marcante, e lentamente irá se transformando.

2. Origem do Ano Litúrgico

O ano civil começa no dia 1o de janeiro; mas a liturgia segue um outro calendário e estabelece o começo do ano com o primeiro domingo do Advento.

Está dentro da lógica, de fato, que os acontecimentos da vida de um personagem sejam apresentados a partir do dia do seu nas-cimento, ou, melhor ainda, a partir do momento em que se esperou sua vinda.

Mas foi sempre assim desde os primórdios da Igreja? Não. No século I os cristãos não tinham outra festa a não ser a celebração semanal da Ressurreição do Senhor. No primeiro dia da semana, que os romanos chamavam “dia do sol”, costumavam reunir-se para ouvir a palavra de Deus, para celebrar a Eucaristia, e, nos primeiros anos, também para tomar uma refeição juntos. Depois todos vol-tavam às suas casas, despediam-se, até o domingo seguinte. Não tinham outras celebrações além desta.

Não decorreu muito tempo, porém, e a Igreja sentiu a necessi-dade de dedicar um dia do ano à comemoração dos acontecimentos culminantes da vida de Jesus, e por isso instituiu a Páscoa.

No começo do séc. II esta solenidade já estava difundida em todas as comunidades cristãs. Como, porém, um único dia para celebrar a Ressurreição de Cristo parecia pouquíssimo, pensou-se

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em prolongar a alegria desta festa por “sete semanas”, os 50 dias de Pentecostes, que deviam ser celebrados com muita alegria, porque, como dizia um grande bispo daqueles tempos, chamado Irineu, “estes dias constituem como que um único dia de festa, que tem a mesma importância que o domingo”.

Passaram-se ainda muitos anos e lá por 350 d.C. decidiu-se festejar também o nascimento de Cristo. Mas em que dia tinha nascido Jesus? Ninguém sabia. Naquele tempo não havia o registro civil como hoje e todos se esqueciam rapidamente do dia e até do ano do nascimento da pessoa. Como proceder então para estabelecer a data do Natal?

Havia na antiguidade uma festa chamada “Festa do nascimen-to do sol”; no Egito era celebrada no dia 6 de janeiro e em Roma no dia 25 de dezembro. Os pagãos estavam convencidos que o sol era um deus, por isso organizavam uma festa para comemorar seu nascimento. Era uma oportunidade durante a qual se divertiam, comiam e bebiam até embriagar-se e… e faziam mais coisas que é melhor não contar.

Quando, por volta de 350 d.C., os cristãos já eram bem nume-rosos, até mais que os pagãos, o que resolveram fazer? Mudaram o nome e o significado da festa do “nascimento do sol”.

Fixaram para este dia a celebração do nascimento de Jesus, pois, diziam, é ele o verdadeiro sol, a luz que ilumina todos os homens.

E foi assim que, por muitos anos, o ano litúrgico começava no dia 25 de dezembro.

Por volta do ano 600 d.C., os cristãos julgaram que uma festa tão importante deveria ser preparada com carinho, e por isso foi decidido que seria precedida pelos quatro domingos do Advento e que o ano litúrgico começaria com o primeiro desses domingos, portanto, no final de novembro, ou começo de dezembro.

3. O que quer dizer Advento?

Esta palavra é usada em muitos sentidos. Para os pagãos indica-va a “vinda” do seu deus: em determinado dia do ano, expunham ao culto a sua estátua, com a convicção de que se faria presente entre os seus fiéis, disposto a distribuir bênçãos e conceder benefícios.

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A palavra “Advento” pode também significar a “visita” de um rei a uma cidade ou o dia da coroação do soberano.

Os cristãos retomaram todas estas acepções e as aplicaram à “vinda” do seu Deus, que se manifestou ao mundo em Cristo. Re-servaram, porém, a palavra “Advento” ao período de preparação para esta “visita”.

A esta altura alguém poderia, com razão, perguntar: Mas Jesus já não veio? Por que então preparar-se como se tivesse que vir outra vez? O Natal é somente uma festa de fim de ano e o Advento é o tempo para prepará-la, comprando alimentos, bebidas, convidando amigos, cantando e dançando.

Não. O Advento não é isso. Os pagãos é que se preparavam assim para a festa do “nascimento do sol”.

Os cristãos também festejam, se alegram, dançam no dia de Natal, mas não é este o aspecto principal.

4. O que fazer no Advento?

A palavra de Deus que nos acompanhará nos próximos domin-gos nos ensina que Jesus não veio somente uma vez. Ele continua vindo.

Vem e está presente nos acontecimentos felizes ou tristes da nossa vida; vem e está presente em tudo o que acontece no mundo e na Igreja; vem e está presente naqueles que difundem ideias novas, que falam palavras de amor, de paz, de reconciliação, naqueles que se esforçam para construir um mundo novo.

Jesus vem, continua vindo, mas estamos nós preparados para reconhecê-lo? Sabemos identificar sua presença em todos os acon-tecimentos da vida?

Não temos frequentemente medo que sua mensagem nos de-sestabilize, que exija uma transformação por demais radical dos nossos hábitos? Não preferimos muitas vezes fechar os olhos e os ouvidos?

É tão necessário que Jesus venha! Onde?Eis alguns exemplos:Alguém fica bêbado e começa a falar bobagens, ofende, torna-

-se violento com os amigos, em seguida volta para casa, bate na

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mulher e nos filhos… Bem! Dizei vós mesmos se Jesus chegou ao coração desse homem. Ou então, pensai num jovem, que não estuda, repete dois ou três anos seguidos, é malandro, aproveita das festas para abusar das moças… Neste jovem, estará Jesus presente ou será necessário fazer alguma coisa para preparar sua vinda? E numa comunidade cristã cujos membros são invejosos, estão desunidos, falam mal uns dos outros, não se auxiliam… chegou Jesus? E num país onde os cidadãos se matam, onde há guerras, violências, ódios, raiva, vinganças… chegou Jesus?

Não, não chegou.Acontece conosco, porém, algo de estranho: quando nos damos

conta que o Senhor se aproxima, trememos de medo.Imaginemos, por exemplo, a reação que teria uma pessoa

piedosa que teve uma vida cristã exemplar, se um dia lhe dissésse-mos: “Prepara-te, amanhã terás o encontro com o Senhor!” Olharia para nós surpresa e desconcertada, ou talvez sorrisse, achando que soltamos uma piada de mau gosto. Mas, depois, percebendo que es-tamos falando sério, faria um exame de consciência com diligência, chamaria um padre para se confessar, ou pediria a Deus a graça de adiar a sua vinda ao menos por alguns anos.

Não somente a última, a que chega no fim da vida, mas todas as vindas do Senhor nos assustam. Elas colocam às claras as nossas incoerências, os nossos subterfúgios, as nossas falsidades. Fazem desabar, como castelos de areia, todas as justificativas que temos bolado para proteger nossas fraquezas, nossas misérias, nossas es-colhas incoerentes e mesquinhas.

Quando o Senhor chega, penetra com sua palavra no coração do homem como “espada de dois gumes” (Hb 4,12-13), altera os seus projetos, solapa as relações sociais fundadas na competição, no esmagamento, no arrivismo, na esperteza, questiona todas as estruturas que geram injustiça, injúria, violência. Por isto nos assusta.

As leituras do Advento nos convidam à vigilância, a conservar os olhos bem abertos para descobrir e preparar os caminhos que Jesus escolheu para vir libertar-nos de todos os males, nos quais buscamos a felicidade. Em verdade, neles encontramos muita dor, muita tristeza, muitas infelicidades.

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Primeiro Domingo do Advento

Primeira leitura (Is 2,1-5)

Quando Isaías pronuncia esta profecia, a sua pátria, o Reino de Judá encontra-se numa situação dramática: os reis vizinhos se aliaram e estão para começar uma grande guerra. Todos, desde o rei Acaz até o último cidadão, tremem de medo.

O profeta, ao invés, mantém a calma, e em nome de Deus anuncia um futuro maravilhoso: a capital Jerusalém, não somente não será destruída, como se transformará no centro do mundo: dela nascerá a paz que alcançará todas as nações e todos os povos.

Mas como pode Isaías pensar nestas coisas? Não percebe a dura realidade? Dá para pensar: talvez esteja sonhando, talvez es-teja doido.

Ele, no entanto, está muito lúcido. Promete três coisas:

1. Antes de mais nada que a montanha, sobre a qual está cons-truída Jerusalém, será a mais alta de todas as montanhas (v. 2). Não quer dizer que o monte Sião se elevará materialmente, mas que a cidade santa se tornará o centro para o qual os homens do mundo inteiro voltarão seus olhares, seus sonhos e suas esperanças.

2. Em seguida, todos os povos tomarão o caminho em direção de Jerusalém (v. 3). Ao templo do Senhor todos os anos os israelitas se dirigiam para participar das festas, para oferecer sacrifícios e cumprir promessas. Isaías contempla uma grande procissão que se movimenta em direção de Jerusalém: é formada por pessoas de todos os povos e de todas as nações. Todos se dirigem para a cidade santa, para ouvir a palavra do Senhor, para aprender a lei do povo de Israel.

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3. A terceira promessa é a mais bonita: descreve a paz universal, fruto da justiça e da prática da palavra de Deus (v. 4).

Os instrumentos para matar, espadas e lanças, serão transfor-mados em instrumentos de produção: em enxadas e arados. Os homens não mais usarão as armas uns contra os outros, não farão mais exercícios na arte da guerra.

Os cristãos perceberam a realização desta profecia de Isaías na pessoa de Jesus. A hora de sua chegada no mundo – dizem – marcou o início desta era de paz universal.

Mas é verdade?Desde os primeiros séculos os judeus apresentaram aos cris-

tãos esta objeção: Como podeis afirmar que o Messias chegou e que o Reino de Deus se manifestou, quando, na verdade, nada no mundo mudou? Não continuam, por acaso, os homens a odiar-se, a usar a violência, a fazer guerras? Os pobres não continuam ainda oprimidos? Não há, em toda parte, doenças, fome, desgraças, luto e prantos? Nada aconteceu do que Isaías anunciou…

A objeção é muito séria. Qual é, então, o erro de quem, ainda em nossos dias, raciocina como os judeus? O engano está em esperar que o Reino de Deus, que a paz universal, caia do céu e se estabeleça no mundo, de repente, milagrosamente, sem qualquer colaboração por parte do homem. A profecia de Isaías não se concretizará desta forma: a sua realização acontecerá lentamente, como o crescimento de uma pequena semente, que demora muitos anos para desenvolver-se e se transformar numa grande árvore.

Os “últimos dias”, aos quais se referia o profeta (v. 2), já co-meçaram, as suas promessas começaram a cumprir-se no dia do nascimento de Jesus. As guerras, as injustiças, a fome, a nudez, o sofrimento, as doenças, estão fadadas a desaparecer, e isto acon-tecerá tanto mais depressa, quanto mais decididamente os homens se voltarem para Cristo, quanto mais se deixarem iluminar pela sua palavra, quanto mais se dispuserem a deixá-lo entrar na sua vida.

Segunda leitura (Rm 13,11-14)

Para descrever a vida dos cristãos, Paulo se serve de uma com-paração muito bonita. Diz que, antes do Batismo, eles caminhavam

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nas trevas da noite e faziam aquelas obras, das quais a gente se envergonha quando feitas à luz do dia: bebedeiras, bailes imorais, furtos, adultérios… Após o batismo eles abandonaram essas obras, entraram no reino da luz, jogaram fora a roupa velha e vestiram uma veste nova: Cristo.

Em verdade, o cristão deve comportar-se de tal forma que quem o observa, possa ver nele as obras, o olhar, as palavras e o sorriso do Mestre: a pessoa de Jesus deveria de fato envolvê-lo como um manto.

Paulo, todavia, constata que as trevas, mesmo entre os cristãos, de forma alguma desapareceram. Reconhece que a noite ainda envol-ve o mundo: continuam as guerras, as vinganças, as invejas… mas ele não se deixa levar pelo desânimo, como acontece conosco com frequência. Suas palavras são um convite para a esperança: a noite já vai alta, até está quase por terminar; um novo dia está surgindo, uma nova humanidade está começando.

Que otimismo Paulo mostra, quando ainda não tinham decor-rido trinta anos de cristianismo! Como poderíamos nós, nos dias de hoje, após dois mil anos, mostrar-nos tão pessimistas, a ponto de enxergar somente trevas ao nosso redor? Se abrirmos melhor nossos olhos, descobriremos também os sinais luminosos de um mundo novo, que já começou.

Evangelho (Mt 24,37-44)

O trecho do Evangelho deste dia é bastante difícil. Se não for bem interpretado, vão aparecer interpretações baseadas na fantasia que se referem ao fim do mundo, aos castigos de Deus, à necessi-dade de preparar-se para uma boa morte, às muitas desgraças que golpearão aqueles que não se converterem…

Estas interpretações têm sua origem na compreensão falha do gênero literário “apocalíptico”, uma forma de expressão bastante comum no tempo de Jesus, mas que se apresenta um pouco estranha para a nossa mentalidade. Tentaremos com um pouco de boa vontade e atenção, entender esta linguagem, para captar com fidelidade o que Jesus quis dizer.

O Evangelho é, por sua própria natureza, uma “boa notícia”, “uma mensagem de alegria e de esperança”. Se alguém procura en-

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contrar uma mensagem que provoca medo, terror, angústia, podemos concluir com certeza: ele se afastou do sentido autêntico do texto.

Para entender o trecho do Evangelho de hoje, é preciso, antes de mais nada, saber do que Jesus está falando. Por quais motivos fala-se de Noé, de dois homens que trabalham no campo, de duas mulheres que estão moendo, do ladrão?

A resposta se encontra logo no início do cap. 24: Jesus está se referindo à cidade de Jerusalém, aos seus habitantes que não querem converter-se e que estão se encaminhando para a ruína (vv. 1-2).

A profecia de Jesus se realizará quarenta anos depois, quando de fato os romanos destruirão a cidade e matarão muitos dos seus habitantes.

Os discípulos, abalados pelas palavras do Mestre, lhe dirigem então duas perguntas: Quando isto acontecerá e quais serão os sinais que servem de aviso? (v. 3).

Ao invés de satisfazer a curiosidade deles, Jesus responde pro-pondo uma lição que é atual para os homens de todos os tempos: é preciso estar sempre alerta; depois, para esclarecer melhor, dá três exemplos.

1. O primeiro é tomado de uma narração da Bíblia. Conta que no tempo de Noé havia dois tipos de pessoas: algumas pensavam somente em comer, beber e divertir-se; estas pereceram. Outras, ao contrário, que observavam com vigilância e prestavam atenção ao que estava acontecendo, perceberam que o dilúvio estava se aproximando; desta forma se salvaram e deram início a uma nova humanidade (vv. 37-39).

O ensinamento desta primeira narrativa é o seguinte: da mes-ma forma que o dilúvio chegou improvisamente, assim chegará, repentinamente, a destruição de Jerusalém.

No tempo de Noé muitos pereceram e também os judeus, que não querem reconhecer em Jesus o enviado de Deus e não ouvem a sua palavra, perecerão na destruição da cidade.

Os que, ao contrário, tiverem os olhos e o coração abertos para reconhecer e aceitar a sua mensagem, esses se salvarão e darão começo a um novo povo.

2. O segundo exemplo se refere à atividade que o homem e a mulher desenvolvem todos os dias: o trabalho nos campos e a

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preparação da farinha para a polenta (vv. 40-41). Ao mesmo tempo que vivem as situações mais comuns e até banais da vida de todos os dias, devem manter-se de olhos abertos, para saber identificar o Senhor que está vindo. Alguns estão alerta; outros não.

Conclusão: novamente é repetido, de forma clara, o ensinamen-to: “Vigiai, porque não sabeis o dia em que o Senhor virá” (v. 42).

3. O terceiro exemplo é ainda mais claro: o ladrão não avisa a hora da sua chegada, e por isso o senhor deve estar sempre acordado para poder prendê-lo (v. 43).

Também os habitantes de Jerusalém – diz Jesus – deveriam vigiar para não serem surpreendidos pelos acontecimentos que estão por vir.

A conclusão final retoma o tema central e o aplica aos discípulos de todos os tempos: “Vós também estai preparados, porque na hora em que menos pensais o Filho do homem virá” (v. 44).

Que sentido têm para nós, hoje, estas exortações à vigilância? Será que Deus – como alguns pregadores advertem – se comportará como um ladrão e chamará o homem para julgamento, aproveitando o momento em que ele está menos preparado?

É difícil conseguir acreditar num Deus assim! Se esta fosse a interpretação das palavras de Jesus, não nos defrontaríamos com uma mensagem de salvação, mas com uma ameaça cruel. O que ele nos quer dizer é bem diferente.

Bem sabemos o que quer dizer perder oportunidades favoráveis na vida. Muitas vezes passamos por esta experiência: a alguém, por exemplo, aparece a oportunidade de um emprego bem remunerado, mas no dia em que o patrão o procura ele está numa festa e talvez completamente bêbado.

Uma moça encontra um rapaz de valor, mas prefere casar com outro, porque, embora tenha pouca disposição para o trabalho, é mais bonito e tem mais posses.

Para outro aparece a possibilidade de reconstruir a paz e a harmonia na sua família, mas naquele momento está nervoso além dos limites e acaba ofendendo de novo a todos…

Aí estão alguns exemplos de oportunidades que, quando perdi-das, não voltam mais, e a vida fica arruinada. Por quê? Justamente porque não se estava alerta.

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O que Jesus quer dizer no Evangelho de hoje é que ele vem continuamente para salvar-nos e trazer-nos felicidade, mas nós temos que estar sempre acordados e atentos para perceber cada vinda sua.

Ele está presente nas palavras de quem nos orienta para o bem, nos gestos de amor dos irmãos, no esforço de quem se sacrifica para construir um mundo onde não haja mais fome, sofrimento, doença… Os que não descobrem que é Jesus quem opera através destas pessoas, não somente não se enfileiram ao lado das mesmas, mas às vezes até as combatem e trabalham contra as “vindas” do Senhor. Fazem-no até sem perceber, justamente porque não estão vigiando; e assim as oportunidades para receber a salvação são desperdiçadas.

Tema do Domingo

VIGIAI!

Todas as três leituras deste domingo contêm, como tema central, a vigilância, entendida, como vimos, não no sentido de uma espera angustiante do Senhor, juiz no fim da nossa vida, mas como atenção para cada vinda do Senhor, hoje.

A primeira leitura nos fala de um mundo novo que surgirá quando soubermos acolher, sem medo, o Senhor que vem.

O Evangelho nos recomenda a vigilância para saber reconhecê-lo na hora da sua “chegada”.

A segunda leitura nos convida a abrir os olhos para descobrir os sinais do novo dia que já raiou.

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Segundo Domingo do Advento

Primeira leitura (Is 11,1-10)

Como já vimos no domingo passado, também hoje Isaías nos faz sonhar. Na segunda parte da leitura (v. 6-9), nos descreve uma sociedade que parece um paraíso. Desapareceram todas as inimiza-des, os que se odiavam, os que se matavam, agora estão um ao lado do outro: o leão e o leopardo se deitam perto da gazela, a criança brinca com as serpentes venenosas.

A harmonia não só é reconstruída a nível dos animais, mas também entre Deus e o homem e entre todos os homens; não há ninguém que pratique maldade, o pobre e o fraco deixaram de so-frer injustiças, todos se deixam conduzir por sentimentos de amor.

Com esta mensagem, Isaías quer infundir nas pessoas do seu povo a certeza de que um dia o Senhor restabelecerá no mundo a Paz que reinava no paraíso terrestre, antes do pecado.

A esta altura, surge espontaneamente uma pergunta: “quando se cumprirá esta profecia?”

A resposta está na primeira parte da leitura de hoje (vv. 1-5). Com uma imagem nos é apresentada a família de Davi. Este gran-de rei, que viveu mil anos antes do nascimento de Jesus, era filho de um homem de Belém, chamado Jessé. Sua descendência – diz o profeta – é como uma grande árvore: Jessé e Davi são a raiz e o tronco; os outros reis que nasceram deles são os ramos e os rebentos.

Deus prometeu a esta família um reino eterno. Por causa das incontáveis infidelidades, porém, um dia será obrigado a cortar esta árvore; de sua raiz, porém, brotará um rebento novo, um grande rei, repleto da força do Senhor.

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Ele concentrará na sua pessoa as mais elevadas qualidades dos membros da sua família: será inteligente e sábio como Salomão, terá a força e a habilidade de Davi, será inundado pelo temor de Deus, isto é, pela dócil obediência dos patriarcas a Deus (v. 2). Sobretudo, terá uma qualidade que nenhum outro rei antes dele jamais possuíra: a justiça. Ele defenderá o direito dos pobres e dos oprimidos.

Quem é este rei do qual fala Isaías?A promessa jamais se havia realizado até o nascimento de Jesus,

que, como narra o Evangelho, é o esperado rebento da família de Davi.Esta profecia é para nós uma mensagem de esperança. Mesmo

após o nascimento de Cristo, bem o sabemos, os fortes continuam opri-mindo os fracos, os direitos humanos são negados a muitas pessoas e as discórdias, os ódios e as violências estão ainda presentes no mundo.

O rebento da família de Davi, porém, já brotou, está se desen-volvendo, já se tornou um povo, com a missão de tornar realidade neste mundo a nova sociedade prometida por Isaías.

Infelizmente, porém, também dentro deste povo, a Igreja, há muitas infidelidades e a profecia ainda está longe da sua completa realização. Nós gostaríamos de um mundo onde reinassem a paz e o amor, onde não houvesse mais ódio. Todavia não temos a cora-gem de renunciar ao nosso egoísmo, ao nosso coração maldoso, ao coração que ainda nos impulsiona a termos um comportamento de leões, leopardos e serpentes em relação aos outros.

Se recusarmos aceitar a mudança do nosso coração, Jesus não poderá chegar, seu Reino não poderá se estabelecer, nunca será Natal na nossa família, na nossa comunidade, em nosso país, no mundo.

Segunda leitura (Rm 15,4-9)

Paulo estava preocupado com as tensões que havia dentro da comunidade de Roma, entre dois grupos de cristãos. O grupo menos numeroso, chamado dos “fracos”, estava muito amarrado a uma religião do tipo tradicional, praticava a mortificação, se abstinha até dos prazeres lícitos, observava inúmeras prescrições. O outro grupo, chamado “dos fortes”, não se preocupava com as minúcias e sustentava que não se devia voltar a práticas ritualísticas da lei antiga: a fidelidade a Cristo era suficiente.

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Os dois grupos se insultavam mutuamente: os fracos “julgavam” os fortes, dizendo que eram relaxados e estes “desprezavam” os fracos, taxando-os como tradicionalistas e obtusos mentais (não se verifica algo semelhante, também em nossos dias, nas nossas comunidades?).

Paulo (que se coloca no grupo dos “fortes”) aconselha para todos a caridade, o amor, o respeito recíproco e utiliza, como argumento decisivo, o exemplo do Senhor. Jesus, diz Paulo, não procurou agradar a si mesmo, mas se colocou a serviço dos outros. Os seus discípulos devem dar atenção ao bem dos irmãos e devem se dispor até a limitar sua própria liberdade, quando isto é exigido pela caridade.

As comunidades cristãs do mundo de hoje, compostas por pesso-as que pertencem a povos, etnias, tribos diferentes, ainda que dentro da diversidade de opiniões e de comportamentos, deverão sempre se constituir lugar de diálogo, de encontro e de respeito recíprocos.

Evangelho (Mt 3,1-12)

Todos os anos, no segundo domingo do Advento, nos é apresen-tada a figura do Batista, porque, como ele preparou o povo de Israel para a vinda do Messias, assim ele está em condições de ensinar-nos a acolher hoje o Senhor que vem.

Quem era João? Mateus no-lo descreve como um homem austero: sua alimentação era aquela simples dos habitantes do deserto, não a de quem pertence a uma sociedade rica e corrupta; suas vestes rústi-cas eram como as de Elias. Também do primeiro dos profetas se diz: “um cinto de couro lhe cingia os rins” (2Rs 1,8). A pessoa inteira do Batista é uma denúncia, uma condenação de uma sociedade fundada nos falsos valores da opulência, da frivolidade, da superficialidade.

Era convicção comum que Elias não tivesse morrido e que um dia teria voltado ao mundo para apresentar aos homens o Messias. Mateus nos diz que o Elias esperado não era outro senão o próprio Batista (Mt 11,14; 17,13).

A sua mensagem se resume, pelo Evangelho, com uma simples frase: “O reino de Deus está perto, mudai o vosso coração!” (v. 2).

Não nos é referido o que quisesse dizer com “Reino dos céus”; nós, porém, bem sabemos quais eram as expectativas do povo no tempo de Jesus. Por muitos séculos Israel fora governado por reis indignos, tinha suportado muitos sofrimentos e aturado muitas

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injustiças e fora oprimido por muitos povos estrangeiros. Agora, pensava-se, estava iminente o dia em que Deus reverteria a situação.

Muitos pregadores exortavam o povo para não desanimar, afirmando que o mundo antigo estava no fim e que um novo mundo estava por começar. Sua dor não devia ser considerada como um sinal de morte, mas de vida. Era como se fosse o sofrimento do parto que anuncia o surgir de uma nova era. O Messias, o Enviado do Senhor, aniquilaria os opressores em guerras sangrentas e logo iria estabelecer um reino no qual o próprio Deus governaria o seu povo.

Configurando-se este substrato de expectativas, de sonhos por um futuro mais promissor, torna-se fácil entender por que a pregação do Batista suscitava tão grande entusiasmo. Todos acorriam para receber o batismo para serem admitidos no novo Reino.

Que sentido tinha o seu batismo? O sentido do rito era este: quem submergia na água desaparecia, era como se tivesse morrido, sua vida pregressa era apagada, e quando saía da água era uma nova pessoa.

Esta cerimônia também era usada no campo civil; por exem-plo, para indicar que um escravo se tornava homem livre, ele era mergulhado na água.

Desta forma, sua vida passada era como que arrastada pelas ondas, se transformava num novo homem e por isto recebia um novo nome.

Este rito exterior era suficiente para conseguir a salvação? Não! Era necessária a conversão, a mudança de vida (v. 2).

O Evangelho aplica ao Batista o trecho do profeta Isaías que fala da preparação do “caminho do Senhor”.

Vamos imaginar que um rei queira visitar uma população para levar-lhe sua ajuda, programar reformas novas para o bem do povo: casas, escolas, hospitais, poços para água. Se este povo, porém, mora na floresta ou nas montanhas, não pode ser visitado se não houver uma estrada ou, estando interrompida, se não houver pontes. Para que o rei possa chegar, é preciso que o povo lhe prepare um cami-nho. Esta era a missão do Batista: preparar o caminho do Senhor que estava para chegar.

Ao seu convite para a conversão são dadas duas respostas contraditórias.

A primeira é a do povo (vv. 5-6). Trata-se do povo simples, insatisfeito com as próprias condições, desejoso de mudança. Por isso o povo abre imediatamente o coração à pregação do Batista: arrepende-se, chora, reconhece seus erros, e pede o batismo.

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A segunda é a dos fariseus e saduceus, daqueles que detêm nas mãos o poder religioso e econômico (vv. 7-10). Eles também, desejosos de preparar-se para a vinda do reino de Deus, se apresen-tam a João, mas na verdade não querem mudança alguma. Julgam já estar em paz com Deus, pelo fato de serem filhos de Abraão. A eles o Batista dirige palavras muito duras: eles são como as víboras que matam quem delas se aproxima. Eles correm o risco de serem cortados, como a árvore que não produz frutos, ou de serem quei-mados como a palha do trigo. As palavras do Batista são atuais para nós também, hoje. Se queremos que o Senhor venha, se queremos participar do seu Reino que está crescendo e se desenvolvendo no mundo, temos que preparar-lhe o caminho, mudar o nosso coração.

Nós também estamos sujeitos a repetir o mesmo erro dos fariseus e dos saduceus. Poderíamos pensar que é suficiente ter o próprio nome escrito no livro dos batizados da comunidade cristã.

O fato, porém, de pertencer exteriormente ao povo escolhido não é suficiente. O Batista afirma que “Deus pode fazer nascer filhos de Abraão até destas pedras” (v. 9). Ninguém se iluda, portanto! Se não mudarmos de fato o nosso coração, poderemos ser podados como árvores inúteis, ou até ser amaldiçoados, como acontece com as serpentes.

Tema do Domingo

“MUDAI O VOSSO CORAÇÃO!”

O Senhor já veio há dois mil anos, mas ele, como um rebento, deve ainda crescer no mundo. Em muitos lugares, em muitas situa-ções, Jesus ainda não chegou. No Evangelho deste dia o Batista nos sugere o que devemos fazer para preparar-lhe o caminho. Temos que nos perguntar sobre os muros que nos separam dos irmãos, quais as barreiras que impedem o encontro e o entendimento entre as famílias, entre as comunidades e entre as nações.

A segunda leitura nos ilumina sobre quais sentimentos devam ser cultivados pelos membros da comunidade cristã, para que o Senhor a possa visitar.

A primeira leitura nos descreve o mundo novo que já surgiu e que se manifestará quando a vinda do Senhor se tiver realizado em toda a sua plenitude.

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Terceiro Domingo do Advento

Primeira leitura (Is 35,1-6.10)

Pelo terceiro domingo consecutivo, a primeira leitura nos faz sonhar. Mais uma vez Isaías nos apresenta um mundo novo, com-pletamente diferente deste no qual nos encontramos.

Quando tomamos conhecimento das previsões que os cientis-tas divulgam sobre o futuro do mundo, ficamos estarrecidos com as catástrofes que anunciam. Também as conversas que mantemos dia a dia têm muitas vezes como assunto as coisas que correm mal.

Como pode ser, então, que Isaías seja assim tão otimista em relação ao futuro? Por acaso no seu tempo tudo corria bem?

Quisera! Tudo estava muito mal! O povo de Israel estava atravessando um dos piores períodos da sua história: Jerusalém e seu magnífico templo tinham sido destruídos pelos soldados da Babilônia, os habitantes mais fortes tinham sido deportados para um país longínquo para trabalhar como escravos, e na cidade santa, transformada em ruínas, tinham permanecido somente os velhos, os doentes, as crianças. Tudo parecia morto, não mais se ouvia um canto, um grito de alegria. Havia somente muita tristeza e muitas lágrimas. A montanha inteira, sobre a qual estava construída Jeru-salém, estava reduzida a um deserto, no qual nem a relva crescia. Uma situação realmente desesperadora!

Quem jamais teria coragem de sonhar um futuro promissor diante de panorama tão desolador?

Pois bem, mesmo diante destas ruínas, eis o que o profeta en-xerga: de repente, contra qualquer previsão, começam a brotar, no deserto, as flores mais lindas e perfumadas, os lírios, os narcisos;

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em todos os lugares ressoam cânticos de alegria e de júbilo (vv. 1-2). Mas o que é isto? Um sonho? Não! É a obra maravilhosa que Deus está para cumprir, responde o profeta.

Por causa disso não tem mais sentido o desânimo, deixando pen-der os braços e vacilar as pernas. Ai de quem se acomoda! Quando as coisas andam mal, é preciso reagir, porque Deus pode fazer crescer um jardim no deserto, servindo-se da colaboração do homem (vv. 3-4).

Diante de uma família, na qual não há possibilidade de diálogo sem haver ofensas, diante de uma moça que se deixou iludir, ou de um rapaz que se deixou levar pelos vícios…, acomodados, nós dizemos: “nada mais resta a fazer!” Seria o mesmo que dizer: “o deserto não pode se transformar num jardim”. Isaías nos convida a parar de pensar desta maneira.

A última parte da leitura nos apresenta o que acontecerá às pes-soas doentes e debilitadas do povo: abrir-se-ão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos, o aleijado pulará como um cabrito, a língua do mudo se soltará em cantos de alegria (vv. 5-6). Trata-se dos sinais que indicam a chegada de um mundo novo, onde não haverá mais lugar para a doença, a dor, o pranto.

Tereis observado com certeza que estes sinais do mundo novo correspondem aos que foram citados por Jesus no Evangelho deste dia. Transformando o sofrimento em alegria e a morte em vida, Jesus mostra que, com sua vinda, começou o mundo novo anunciado pelo profeta. O deserto começou a se transformar em jardim.

Segunda leitura (Tg 5,7-10)

Tiago, na sua carta, emprega palavras muito duras contra os ricos. É difícil encontrar maldições mais fortes do que as suas con-tra este tipo de pessoas. Procurai ler os versículos imediatamente precedentes aos que nos são propostos na leitura deste dia (5,1-6) e, se tiverdes sofrido alguma injustiça econômica…, tereis vontade de aprendê-los de cor!

Após ter-se dirigido aos ricos, Tiago se dirige aos pobres (é o trecho que nos é proposto hoje), e o que é que recomenda a eles? O que aconselha a quem foi explorado? Recomenda… a paciência. Esta palavra é repetida quatro vezes.

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“Sede pacientes!” (vv. 7.8), “não vos queixeis!” (v. 9), “supor-tai-vos!” (v. 10). Por acaso vos parecem exortações ponderadas, úteis para alguma coisa?

Tiago não é o tipo para aguentar a injustiça contra os pobres. Mas ele se conscientiza de que há situações nas quais, depois de ter tentado tudo o que está ao alcance da pessoa, não há outra saída senão esperar com paciência.

Para explicar o seu modo de pensar, ele ensina que o cristão deve fazer como faz o agricultor.

O que faz o agricultor? Não fica sentado, olhando a lavoura esperando que produza sozinha. Ele trabalha, lavra, semeia, irriga, arranca as ervas daninhas… Mas ele também sabe esperar, acredita na força irresistível da semente, confia na terra que nunca o enga-nou, acredita que também o Senhor cumprirá o seu papel: enviará a chuva benéfica, que fecunda a terra no outono e na primavera. O agricultor não desanima porque tem que esperar meses, antes que a espiga amadureça.

Tiago conclui, dizendo aos pobres: no vosso sofrimento, fazei tudo o que está ao vosso alcance, lutai para conseguir justiça, mas não cometais violência contra quem vos oprime e não vos queixeis com quem está perto de vós (v. 9).

Acontece com frequência que o pobre, humilhado pelo patrão, reaja e se torne agressivo e duro com a esposa, os filhos e as pessoas mais fracas que estão por perto.

O pobre deve alimentar a esperança de que Deus há de intervir para mudar a sua situação. O seu “advento” está próximo.

Evangelho (Mt 11,2-11)

Nós aguardamos o Messias, mas não é fácil reconhecê-lo quan-do chega. Também Jesus, quando se apresentou no mundo, não foi compreendido. O próprio Batista ficou desorientado: havia revelado sinais para poder identificá-lo e estes não aconteceram.

Vejamos como se desenrolaram os acontecimentos.O evangelho de hoje está dividido em duas partes. A primeira

(vv. 2-6) trata da pergunta que um grupo de discípulos do Batista vai expor a Jesus. A segunda (vv. 7-11) contém o elogio, ou antes, a

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descrição que Jesus traça da pessoa do Batista. Vamos começar a explicação da primeira, a mais importante para a catequese deste domingo.

João está na prisão e a causa nos é contada em Mt 14,1-12. Lá recebe a visita dos seus discípulos e, desejoso como está de ver o advento do reino de Deus, mantém-se informado a respeito do comportamento daquele Jesus de Nazaré que ele apontou a todos como sendo o Messias.

Nesse meio tempo, contudo, alguma coisa fez vacilar a sua fé. Alguém sustenta que não é João que tem dúvidas, mas os seus dis-cípulos. Não é verdade. Transparece do Evangelho que é ele mesmo que duvida que Jesus seja o Messias. Por isto ele manda perguntar: “És tu aquele que deve vir, ou temos que esperar outro?” (v. 3).

Como surgiram nele estas dúvidas? A resposta é simples se relembrarmos o que ouvimos no Evangelho do domingo passado.

Ali o Batista descrevia com pormenores dramáticos o que o Messias deveria fazer: coisas terríveis, coisas de arrepiar os cabelos. Teria sido um juiz severo, teria cortado as árvores inúteis, limpado o terreiro, separado o grão da palha e depois teria queimado com muito fogo e sem piedade tudo o que tivesse qualquer impureza.

Eis, ao contrário, a surpresa. Jesus não faz nada disso. Não so-mente não condena os pecadores, não varre os injustos, mas come com eles e se gaba de ser amigo deles (Lc 7,34). Pede para não apagar a lâmpada que ainda fumega e ensina a zelar pelo caniço fendido. Não destrói nada, procura recuperar e consertar o que está quebrado. Não queima os pecadores, muda o coração deles e os quer felizes a qualquer custo, tem palavras de salvação para todos aqueles que não têm mais esperança e que todos evitam como leprosos. Não desanima diante de nenhum problema do homem, não se entrega nem diante da morte.

Aos enviados do Batista Jesus se apresenta como Messias, enu-merando seis sinais, tomados de alguns textos de Isaías (Is 35,5-6, que encontramos na primeira leitura de hoje, e Is 26,19; 61,1) e que são: cura dos cegos, dos surdos, dos mudos, dos aleijados, a ressur-reição dos mortos e o anúncio do Evangelho aos pobres. Todos são sinais de salvação, nenhum de condenação.

Jesus, portanto, não tem nada a ver com o homem enérgico e severo que o Batista espera. O seu procedimento escandaliza o Precursor e continua escandalizando a nós também, hoje.

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Não há, por acaso, muitos cristãos que pedem a Deus que intervenha para castigar os ímpios? Não temos interpretado como castigos de Deus as desgraças que se abatem sobre as pessoas? Será verdade que Deus sente ira e prazer (como muitos de nós, às vezes) ao ver os maus que sofrem?

O Deus que se revelou em Jesus é muito diferente de nós, não pode ser medido pelos nossos sentimentos. Ele ama a todos, bons e maus, faz surgir o sol e envia a chuva sobre justos e injustos, porque todos são seus filhos (Mt 5,45).

Um Deus assim, bondoso com todos, que não se adapta às nossas ideias e que não executa as nossas expectativas, nos escan-daliza, não é verdade?

A esta altura podemos perguntar-nos: a fé neste Deus, a adesão a Jesus, é compatível com as dúvidas, com as incertezas, com as dificuldades em acreditar?

O Batista também teve muitas perplexidades. Talvez nos de-vem assustar mais os que estão sempre certos, os que têm sempre resposta preparada para todas as perguntas, os que sempre têm um dogma a impor, os que tudo sabem e estão convencidos de que jamais erram… Mais que pessoas de fé, talvez sejam somente fanáticos.

A segunda parte do Evangelho de hoje contém três perguntas de Jesus a respeito de João. As respostas são óbvias: o Batista não é como o caniço que verga conforme a direção do vento; não é um oportunista que se adapta a qualquer situação e não se inclina profundamente diante do poderoso do momento. Pelo contrário, é alguém capaz de atacar os próprios chefes políticos, é alguém capaz de enfrentar de peito aberto o rei, e não tem medo de dizer o que pensa.

João não é um corrupto, um daqueles que pensam somente no interesse próprio, que acumulam dinheiro por qualquer meio para depois gastá-lo em divertimentos, bebedeiras, roupas caras. Os cor-ruptos, diz Jesus, são os grandes, os ricos, os chefes que o tinham posto na prisão (Jesus não tinha mesmo medo, quando se tratava de atacar os poderosos!)

A terceira pergunta exige uma resposta positiva: João era um profeta e muito mais do que um profeta.

É muito curioso o aditamento final: “O menor no Reino dos céus é maior do que ele” (v. 11). Não melhor, mas maior, alguém que vê mais longe. Quem descobriu o novo semblante de Deus, quem

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compreendeu que ele veio ao encontro do homem para perdoá-lo, acolhê-lo, amá-lo, entrou na nova perspectiva apontada por Jesus. É como uma criança: é pequeno, mas tem olhos que contemplam um esplêndido panorama que a pessoa adulta não tem mais condições de ver e admirar.

Tema do Domingo

OS SINAIS DO VERDADEIRO MESSIAS

O Evangelho nos diz que o Batista, a certa altura, teve algumas dúvidas de que Jesus fosse o verdadeiro Messias. Enganou-se a respeito dos sinais que ele devia considerar.

Esperava um juiz severo para os pecadores, e ao invés defrontou-se com alguém que procurava somente salvar e recuperar o que estava perdido.

Que sinais poderemos oferecer aos homens de hoje para con-vencê-los que o Messias está entre nós? Serão suficientes as liturgias solenes, as procissões, as longas orações? Os discípulos de Cristo devem continuar manifestando ao mundo os sinais produzidos pelo seu Mestre, isto é, as suas obras em benefício do homem.

Se quisermos manifestar estes sinais, nos ensinam a primeira e a segunda leitura, não podemos nos deixar vencer pelo desânimo, nem mesmo diante de situações que parecem desesperadoras.

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Quarto Domingo do Advento

Primeira leitura (Is 7,10-14)

Para compreender esta leitura, precisamos antes conhecer um pouco a situação histórica que lhe deu origem.

O profeta Isaías se encontra em Jerusalém e o seu país, o Reino de Judá, está se preparando para uma guerra decisiva. O rei Acaz está preocupado, desconcertado, porque os seus inimigos decidiram eliminá-lo e destruir a sua família.

Acaz é um descendente de Davi, pertence àquela nobre família, à qual foi prometido que o reino jamais seria tirado.

Pela boca do profeta Natã, de fato, Deus anunciou: “Eu manterei estável para sempre o reino da família de Davi, jamais tirarei dele a minha proteção, o seu poder será estável para sempre” (2Sm 7,14-16).

Acaz, porém, não acredita nas promessas de Deus, confia mais nos cálculos dos homens. Tem um exército muito fraco, corre o risco de perder o reino, e então o que faz? Pede ajuda a uma nação muito poderosa, a Assíria.

Tão logo toma conhecimento desta decisão, Isaías se preocupa muito. Logo percebe o perigo desta aliança: a poderosa Assíria virá realmente em seu auxílio, mas depois acabará por colonizar o peque-no reino de Judá. Os assírios não são muito confiáveis: são pagãos e materialistas, têm uma vida corrupta… com certeza colocarão em risco a fé e a pureza religiosa do povo de Deus.

O profeta decide ir falar diretamente com o rei. Encontra-o junto à fonte (Is 7,3) enquanto, assustado, procura organizar as defesas da cidade. Diz-lhe que não há motivo para ter medo, deve somente ter confiança nas promessas de Deus, não da Assíria.

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Os seus inimigos logo serão derrotados e a sua família conti-nuará reinando em Jerusalém, para sempre.

Nada feito! O rei é teimoso e continua a acreditar que é melhor apoiar-se na Assíria do que confiar em Deus.

Após alguns dias, Isaías volta a encontrá-lo de novo, no seu palácio (v. 10). Diz-lhe: “Se não acreditas nas minhas palavras, pede um sinal!” Acaz não está disposto a voltar atrás e não tem interesse em receber um sinal.

Queira ou não queira o rei, Isaías lhe dá da mesma forma o sinal: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel” (v. 14).

O que quer dizer este sinal? A virgem a quem se refere Isaías, é a jovem mulher de Acaz. Esta jovem, disse o profeta, terá um filho, cujo nome será “Emanuel”, que quer dizer “Deus conosco”.

Este filho será um grande rei, será o sucessor de seu pai Acaz e nele continuará a realizar-se a promessa feita por Deus a Davi.

Por que entramos numa explicação tão detalhada desta breve leitura? O motivo é que o último versículo desta profecia é muito importante. Mateus interpreta o nascimento de Jesus da Virgem Maria como sua plena realização.

Mas agora também tereis a curiosidade de querer saber como terminou a guerra que Acaz estava preparando… Acabou como Isa-ías tinha previsto: foi um desastre tanto político quanto religioso. A Assíria que, aparentemente, era defensora e protetora, transformou-se em nação colonizadora. Acaz foi humilhado de muitas formas e teve que pagar pesados tributos. A promessa feita pelo profeta, porém, realizou-se: o filho de Acaz, Ezequias, foi concebido da “virgem”, nasceu, foi um bom rei e se tornou o sinal da presença de Deus no meio do seu povo. Foi, portanto, possível atribuir-lhe o nome de “Emanuel-Deus está conosco”.

Ezequias, porém, não foi o rei extraordinário que talvez o pró-prio Isaías esperava. Por isso começou a criar-se a expectativa de um outro rei, um filho de Davi, que cumprisse plenamente a profecia, que fosse realmente “Deus conosco”.

Segunda leitura (Rm 1,1-7)

Paulo começa a Carta aos Romanos com uma longa introdução. Ele se apresenta como apóstolo, como arauto do Evangelho e como

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servo de Jesus. Os arautos eram os encarregados de percorrer o país inteiro para anunciar, em nome do imperador, uma mensagem de alegria.

Paulo se orgulha por ter sido escolhido por Deus para levar a boa nova da ressurreição de Cristo a todos os homens.

A mensagem que as nossas comunidades cristãs transmitem traz de fato alegria às pessoas que a escutam? Temos, nós pelo menos, a convicção de que o Evangelho é motivo de alegria?

Evangelho (Mt 1,18-24)

O Evangelho de hoje nos narra o nascimento de Jesus e nos informa que aconteceu de forma extraordinária.

No povo de Israel o casamento acontecia em duas etapas. A primeira consistia num contrato assinado pelos dois esposos, pelos pais e por duas testemunhas. Após esta assinatura o rapaz e a moça eram marido e mulher, mas ainda não iam morar juntos. Em geral decorreria ainda um ano durante o qual eles não podiam se encontrar.

Este intervalo servia para que as duas famílias pudessem conhecer-se melhor e para que os esposos adquirissem um pouco de maturidade, visto que, naquele tempo, casavam-se bem jovens ainda (12-13 anos para a moça; 15-16 para o rapaz… e esta devia ser a idade de Maria e José).

Decorrido um ano de espera, dava-se uma grande festa, a esposa era conduzida à casa do marido e os dois começavam a vida juntos.

Durante esse período aconteceu a anunciação a Maria e sua gravidez por obra do Espírito Santo.

O que aconteceu depois não é fácil estabelecer e levanta muitas perguntas: como podia José suspeitar que Maria lhe faltara com a fidelidade? Por que queria mandá-la embora? Em que sentido ele era “justo”? Talvez porque quisesse separar-se de Maria? Mas se não havia lei alguma que obrigasse a divorciar-se da mulher infiel… E parece-vos uma atitude bonita a de José, que estava para separar-se, ainda que em segredo?

Por que Maria não contou nada a José sobre o que havia acon-tecido? Ou então, se contou, por que José não acreditou?

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Diante dessas perguntas, alguém explica assim: Maria deve ter contado ao esposo que o filho que esperava vinha de Deus; não tinha motivo algum para manter segredo sobre um fato que ele tinha direito de conhecer. A dúvida de José, neste caso, não seria sobre a fidelidade ou infidelidade da esposa, mas sobre sua participação neste acontecimento extraordinário. Como poderia dar seu nome a um filho que não era dele? Não seria esta uma intromissão indevida no projeto de Deus? Não sabendo como se comportar, pensou em afastar-se e aguardar os acontecimentos. Enquanto ele estava meditando estas coisas, o Senhor lhe revelou seu plano: ele devia dar o nome a Jesus, para que assim o filho de Maria pudesse pertencer à família de Davi.

Esta explicação é interessante, mas tem o limite de ser uma hipótese, à qual o texto evangélico dá sustentação muito fraca.

É minha opinião que é melhor não tentar encontrar respostas a perguntas que nós nos fazemos, mas que não tinham interesse para Mateus. Ele não estava interessado em dar-nos informações ou sa-tisfazer nossas curiosidades. O único objetivo que lhe interessava era que entendêssemos que o filho de Maria era o herdeiro do trono de Davi, prometido pelos profetas.

Ezequias (estais lembrados do que dissemos no comentário da primeira leitura?) foi um bom homem, foi também um “Emanuel”, isto é, um sinal que Deus estava com o povo de Israel e com a dinastia de Davi… e nada mais; não tinha, com certeza, realizado em plenitude as promessas de Isaías que ouvimos nos domingos passados. Eis, então, o que nos quer transmitir Mateus: Jesus é o filho da virgem anunciado pelo profeta. Ele é realmente o “Ema-nuel”, o “Deus conosco”, e lhe será dado um reino eterno e nele se cumprirão todas as esperanças de Israel.

Estamos no começo do Evangelho de Mateus. O tema do “Ema-nuel” volta também no fim do livro. Narra-se no último capítulo que, após a Ressurreição, Jesus se manifestou aos seus discípulos no monte da Galileia, enviou-os ao mundo inteiro para fazer suas seguidoras todas as nações da terra, e acrescentou: “Eis que estou convosco (... eu sou o “Emanuel”) todos os dias até o fim do mun-do” (Mt 28,20). A citação de “Deus conosco”, portanto, aparece na abertura e no encerramento do livro de Mateus.

Antes de concluir esta explicação, gostaria de dedicar algumas linhas também à virgindade de Maria. O Evangelho nos diz com

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clareza que a sua concepção aconteceu por obra do Espírito Santo, concepção esta que a Igreja interpreta no sentido que Jesus não teve um pai humano. Mas além deste sentido, a virgindade de Maria contém para nós uma mensagem religiosa importante que resulta do sentido bíblico de virgindade.

Quando nos referimos a Maria Virgem, talvez ocorram à nossa lembrança as ladainhas de Nossa Senhora (hoje assaz esquecidas) “Virgem digna de veneração, Virgem digna de todo o louvor, Virgem poderosa (…)”. Ninguém duvida que Maria mereça estes elogios, porém o sentido atribuído pela Bíblia a esta palavra é diferente. Para nós “virgem” quer dizer, “admirável, digna de con-sideração”, enquanto na Bíblia quer dizer exatamente o contrário. Digna de louvor em Israel era a mulher casada que tinha tido filhos; a “virgem” era aquela que nada valia, que não tinha tido capacidade de atrair sobre si o olhar de nenhum homem, era uma árvore sem frutos, digna somente de compaixão (Is 56,3-6).

Este termo é usado em sentido pejorativo: a expressão “virgem Sion” não quer dizer: “Jerusalém pura, imaculada, sem mancha”, mas “pobre, desprezada, sem vida” (Jr 31,4; 14,13). Também Ba-bilônia, a sanguinária, é amaldiçoada pelo profeta: “serás reduzida a cinzas, virgem Babilônia” (Is 47,1).

E Maria?… Sendo especializado em Bíblia eu a promoveria, sem dúvida! Fala de si como se ela fosse a “virgem Sion”, despre-zada e sem valor (“olhou para a baixeza e pobreza da sua serva”) e reconhece que tudo o que aconteceu nela é obra do “Poderoso” que nela operou grandes coisas (Lc 1,48-49).

Maria Virgem é a prova da grandeza e da força do amor de Deus, o único com o poder de fazer brotar a vida de um útero estéril.

Quando celebramos a “virgindade” de Maria, não queremos bater palmas porque ela soube conservar-se pura. Alegramo-nos, sim, porque verificamos nela aquilo que Deus é capaz de fazer com os “virgens”. De Maria soube fazer uma obra-prima, e um artista como ele estará sempre à altura: somente criará obras-primas, independentemente da simplicidade e da pobreza do material que lhe será posto à disposição. Todo homem se transformará numa obra-prima, de sua autoria.

Neste tempo do Advento, Maria Virgem nos convida a admirar o que o Senhor operou nela e a acreditar na vitória da vida também onde nós somente enxergamos sinais de morte.

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Tema do Domingo

JESUS, O “DEUS CONOSCO”

As três leituras estão centralizadas na profecia de Isaías que anunciara o nascimento do filho de uma virgem (primeira leitura).

Esta profecia é retomada por Mateus, no Evangelho, para mostrar-nos a plena realização em Jesus. Ele é o verdadeiro “Deus conosco”.

A segunda leitura nos revela de que modo Paulo se sentia feliz em poder anunciar a todos esta boa nova.

Eis, um menino nasceu para nós.Porque todo calçado que se traz da batalhae todo manto manchado de sangueserão lançados ao fogoe tornar-se-ão presa das chamas.

(Is 9,4-5)