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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PESQUISA EM FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA
MONOGRAFIA
A Introjeção da Agressividade em Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud
Orientadora: Thelma Silveira da Mota L. da Fonseca
Orientanda: Renata Souza Felgueiras 215996
Agosto / 2005
APRESENTAÇÃO
Este trabalho tem por finalidade discutir a repressão cultural da agressividade nos
textos Genealogia da Moral – Uma Polêmica (1879) de Friedrich Nietzsche e O Mal-estar
na Cultura (1930) de Sigmund Freud.
Para o criador da psicanálise, a existência da civilização só foi possível a partir da
repressão da sexualidade e da agressividade humana. Na mesma medida, ao refletir sobre a
origem dos valores morais na cultura, Nietzsche se depara com a repressão da agressividade
como um valor pregado aos homens.
No entanto, não é tranqüilo para o homem reprimir aquilo que é de sua natureza e
constituição. Assim, ao longo desse trabalho será analisado como a introjeção da
agressividade está relacionada com os conceitos de culpa, má consciência e masoquismo
moral.
“O que suaviza, pois, em nós a civilização? A civilização
elabora no homem apenas a multiplicidade de sensações e absolutamente nada
mais. E, através do desenvolvimento dessa multiplicidade, o homem talvez
chegue ao ponto de encontrar prazer em derramar sangue.
Bem, isto já lhe aconteceu.”
Dostoievski – Memórias do Subsolo
A existência humana, suas formas, adaptações e restrições são temas longamente
discutidos em diferentes ciências. Dentro da especialidade de cada uma, há uma tentativa
de resgatar a história da humanidade como um meio para entender seu estado atual e seu
futuro progresso. Duas obras apresentam destaque nessa tentativa: Genealogia da Moral,
de Friedrich Nietzsche (1879) e O Mal-estar na Cultura, de Sigmund Freud (1930).
Na obra do filósofo, o questionamento se dá quanto à origem dos valores morais.
Seguindo um pensamento baseado em Hume, Nietzsche entende os valores morais como
criados a partir de um jogo de interesses e perpetuados pelo hábito. Nas suas palavras: “...
moral, entende-se como a teoria das relações de dominação sob as quais se origina o
fenômeno "vida”.1 Há nesse livro uma busca do Nietzsche pelo homem que se encontra por
detrás da moral, um homem que está adoecendo por manter cada vez mais a idéia da moral
da compaixão. Logo no prólogo de Genealogia... Nietzsche coloca seu incômodo quanto ao
valor do “não-egoísmo”, dos instintos de compaixão, abnegação, sacrifício, que segundo
ele, ficaram idealizados por Schopenhauer como “valores em si”, mas que levam a um
niilismo, uma negação da vida. Falta, para o autor, um questionamento filosófico sobre o
valor desses valores, “as condições e circunstâncias nas quais nasceram , sob as quais se
desenvolveram e se modificaram (moral como conseqüência, como sintoma, máscara,
tartufice, doença, mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento,
estimulante, inibição, veneno)”2 e é isso que ele se propõe a fazer.
Desse modo, na Primeira Dissertação de seu livro, intitulada de: “Bom e Mau”,
“Bom e Ruim”; Nietzsche analisa as origens desses dois pares antagônicos para encontrar o
valor moral ao qual eles remetem. E, como já havia sido afirmado por ele no aforismo 260
1 Nietzsche, F. Além do Bem e do Mal, Af. 19, p. 25. 2 Nietzsche, F. Genealogia da moral, Af. 6, p. 12.
do livro Além do Bem e do Mal (1886), essas duas antíteses fazem referência aos dois tipos
básicos de moral: a moral dos senhores e a moral escrava.
“No primeiro caso, quando os dominantes determinam o conceito de "bom", são os
estados de alma elevados e orgulhosos que são considerados distintivos e determinantes da
hierarquia. O homem nobre afasta de si os seres nos quais se exprime o contrário desses
estados de elevação e orgulho: ele os despreza”.3 Ou seja, “o juízo "bom" não provém
daqueles aos quais se fez o “bem”! Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos,
superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como
bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo,
e vulgar, plebeu”.4
Mas quem são os nobres? Nietzsche os definem como os homens mais inteiros,
aqueles que são senhores por natureza, que conseguem executar suas decisões, que são fiéis
aos seus pensamentos e sentimentos, responsáveis por suas ações, que possuem energia e
vontade para possuir e exercer seu poder sobre outras raças e nações. Segundo ele, “a casta
nobre sempre foi, no início, a casta de bárbaros: sua preponderância não estava
primariamente na força física, mas na psíquica”.5
E, foram, justamente os que sofreram as ações dos nobres, que promoveram a
chamada “rebelião escrava na moral”6. Na análise nietzschiana, os judeus são apontados
como os sacerdotes que inverteram a equação de valores aristocráticos (bom = nobre =
poderoso = belo = feliz = caro aos deuses). Na nova ordem por eles criada, “os miseráveis
somente são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são bons, os sofredores,
3 Nietzsche, F. ABM, Af. 260, p. 172 4 Nietzsche, F. Genealogia da moral, Af.2, p.19 (grifo do autor). 5 Nietzsche, F. ABM, Af.257, p. 170 6 Nietzsche, F. ABM, Af. 195, p. 95 (grifo do autor).
necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente para
eles há bem-aventurança – mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a
eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também
eternamente os desventurados, malditos e danados!”...7
A mais crucial diferença entre esses dois tipos de moral é que enquanto a moral
nobre nasce de um verdadeiro Sim a si mesma, a moral escrava, pelo contrário procede de
um Não a um “outro”, a algo exterior. Enquanto o homem nobre é um homem ativo, que
não consegue separar a felicidade da ação, o homem plebeu possui uma passividade como
marca própria, ele busca por esconderijos, refúgios... concebe todo sofrimento como um
preço a se pagar pela “felicidade eterna no Reino de Deus”.
O plebeu é basicamente um homem reativo, que necessita negar uma realidade
exterior para poder se afirmar. Porém, a verdadeira reação lhe é negada, ou seja, a reação
nos atos, assim sua vingança é sempre imaginária e será realizada através da “justiça
divina”.
Essa abstenção de atos, mais especificamente da violência e exploração mútua, que
é pregada pela moral escrava como princípio básico para vida em sociedade, é entendida
por Nietzsche como uma verdadeira negação da vida. Isso só seria diferente em uma
sociedade com identidade de forças, caso o contrário, seria negar aquilo que é uma essência
vital. Segundo o autor: “A "exploração" não é própria de uma sociedade corrompida, ou
imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive, como função orgânica básica, é
uma conseqüência da própria vontade de poder, que é precisamente vontade de vida”.8
7 Nietzsche, F. Genealogia da moral, Af. 7, p. 26 8 Nietzsche, F. ABM, Af. 25, p. 171 (grifo do autor). Aconteceu uma moralização das próprias palavras empregando um sentido negativo à palavra “exploração”.
O homem nobre vivência determinada sensação de plenitude, de poder e de
consciência de uma riqueza, que ele também é capaz de ajudar os infelizes, mas não por
compaixão e sim, pela abundância de suas vivências. Suas ações são distintas das impostas
pela moral da compaixão, que tem por excelência o intuito de aliviar o sofrimento da
existência dos plebeus, sendo, por conseqüência, uma moral de utilidade que fere a natureza
dos senhores.
Esse é um ponto de encontro com a obra do primeiro psicanalista. Em O Mal-estar
na Cultura é realizado um estudo sobre as origens do sofrimento humano na vida dentro da
cultura e quais as possibilidades para alcançar a felicidade. Na sua análise, Freud também
se depara com a moral da compaixão: “Amarás ao próximo como a ti mesmo” e “Ama os
teus inimigos”, e são essas as duas exigências que confrontam com a inclinação agressiva
própria da natureza humana, que aprisionam o homem dentro de sua própria cultura.
No capítulo V desses escritos, Freud se questiona sobre a origem dessas exigências
ideais (como ele as classificam) e, embora não consiga esclarecer qual a necessidade que
força a cultura a adotar esse caminho, ele aponta para a possível eficácia que essas
exigências têm na repressão da agressividade e, de modo parcial, da sexualidade.
Seguindo sua análise nesse sentido, Freud constata que não há uma comunidade
cultural em que seus indivíduos sejam seres libidinalmente satisfeitos em si, ou seja,
completos na relação com o outro, e que se vinculem aos outros indivíduos somente pelas
relações de trabalho e de interesses em comuns. Assim sendo, existe uma insatisfação
libidinal, e toda libido inibida em sua finalidade (de satisfação sexual) é convocada pela
cultura de modo a fortalecer os vínculos entre os indivíduos através das relações de
amizade. Em suma, é inevitável uma restrição sexual para a promoção da cultura.
Na mesma medida, torna-se inevitável o combate à agressividade humana. Segundo
Freud: “A cultura tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os
impulsos agressivos do homem e manter suas manifestações sob o controle por formações
psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a
identificações e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida
sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo,
mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra
natureza original do homem”.9
Assim, esse mandamento atinge a duas manifestações básicas da natureza humana:
a sexualidade e a agressividade. O amor sexual (genital) é considerado o protótipo de
felicidade, visto que proporciona as mais intensas experiências de satisfação, porém, ao
mesmo tempo deixa o homem muito vulnerável ao mundo externo pois a perda do objeto
implica em sofrimento extremo. Desse modo, ao ser instituído o Amor universal pela
humanidade, há um deslocamento do ser amado para o amar, ocorre uma perda do objeto
específico para o amor a todos os homens, e com isso, “evitam incertezas e as decepções do
amor genital, desviando-se de seus objetivos sexuais e transformando a pulsão num
impulso com uma finalidade inibida.”10
No caso da agressividade, o “amor ao próximo” impede a satisfação do impulso
agressivo, que embora muitas pessoas discordem da sua existência, Freud a defende
alegando que os homens não são “criaturas gentis”. A imposição cultural desse
mandamento repreende que o homem tenha a satisfação de sua agressividade sobre o
“próximo”, que o homem explore o seu trabalho sem recompensas, que o utilize
9 Freud, S. O Mal-estar na Cultura; cap.V, p. 117 10 Freud, S. O Mal-estar na Cultura, cap. IV, p. 107 (grifos do autor).
sexualmente sem sua aprovação, que se apodere de suas posses, o humilhe, cause-lhe
sofrimento, torture-o e o mate.
Fica claro, portanto, toda a dificuldade que o homem encontra para ser feliz nessa
cultura que tanto restringe sua sexualidade e sua agressividade. Como resumiu Nietzsche:
“Compaixão para com todos!” – isto seria dureza e tirania com você, caro próximo!”.11
Afinal, se a cultura impede que o homem direcione sua agressividade para o mundo
externo, para onde, então, ela será direcionada? Para responder essa questão é necessário
retomar uma parte da Teoria Pulsional freudiana.
A partir de 1920 com a introdução do conceito de pulsão de morte no texto Além do
Principio de Prazer, Freud realizou uma reformulação da sua teoria pulsional. A Primeira
Teoria Freudiana das Pulsões teve como ponto de partida uma expressão do poeta-filósofo
Schiller: “são a fome e o amor que movem o mundo”.12 Assim, a oposição pulsional se
dava entre as pulsões do eu versus as pulsões sexuais, ou seja, a autopreservação entrava
em conflito com preservação da espécie. Porém, a introdução do conceito de Narcisismo
abalou essa dualidade pois durante esse período do desenvolvimento da sexualidade, essa
se dirige para o eu do indivíduo. Desse modo, a sexualidade deixa de estar dispersa pelo
corpo erógeno e passa a ser libido egóica, narcísica. E, é essa libido narcísica que
posteriormente se dirigirá para os objetos, se transformado em libido objetal e podendo, na
perda dos objetos, retornar a ser libido egóica. Dessa forma, a pulsão do eu é também de
ordem sexual, não havendo, portanto, dualidade.
No entanto, Freud não tinha a convicção de que as pulsões eram todas da mesma
espécie e foi o fenômeno clínico da compulsão à repetição o sinalizador para uma nova
11 Nietzsche, F. ABM. Af. 82, p. 70. 12 Citação feita no cap.VI do texto O Mal-estar na Cultura, p. 121
teoria pulsional. A repetição aparece em situação de análise através da transferência, em
que o paciente “repete o material reprimido como se fosse uma experiência
contemporânea”13, na relação com o analista. Esse fenômeno foi uma boa ilustração do
conservadorismo de toda pulsão, da tendência à restauração de um estado anterior de
coisas, enfim, da existência de um outro tipo de funcionamento psíquico, que levado às
últimas conseqüências, não é tão diferente do Princípio de Prazer.14
Afinal, de acordo com Freud, pulsão é uma exigência de trabalho imposta ao
aparelho psíquico devido a sua própria relação com o corpo. Esse trabalho, por seguir o
Princípio de Prazer, tem como finalidade a diminuição da tensão, visto que, para Freud esse
princípio não tem um funcionamento hedonista que busca o prazer de modo positivo, mas
sim a ausência do desprazer, ou seja, das tensões. Porém, a própria pulsão é um estímulo
para o psíquico, e desse modo, a pulsão aparece como uma exigência de auto-supressão, de
que a pulsão deixe de existir como tal. Mas isso só ocorrerá quando o somático deixar de
ser estímulo para o psíquico pois mesmo se fosse possível acabar com os estímulos
externos, ainda haveria as estimulações endógenas. De qualquer forma, a meta máxima das
pulsões é a morte. “O objetivo de toda vida é morte”.15
Isso aparece para Freud como sua Segunda Teoria Pulsional, em que a dualidade
não é de classes de pulsões, mas das características que são inerentes a sua determinação.
Na lógica dessa nova teoria, toda pulsão é pulsão de vida, isto é, visa à manutenção
13 Freud, S. Além do Princípio de Prazer, cap. III, p. 29 14 Outros fenômenos também levaram Freud a perceber a existência de um outro tipo de funcionamento psíquico que ia além do princípio de prazer: os sonhos traumáticos, em que ocorre claramente a repetição de da cena traumática, ou seja, de algo desprazeroso, sem que seja identificado o trabalho do sonho (deslocamento, condensação, simbolismo, figuração e elaboração secundária); e as neuroses de guerra que apresentam esse mesmo mecanismo. 15 Freud. S. Além do Princípio de Prazer, cap. V, p. 49
perpetuação da espécie; e toda pulsão é também pulsão de morte, ou seja, tem uma
exigência de auto-supressão.
Esse novo conceito, pulsão de morte, possibilitou que a agressividade e a
destrutibilidade recebessem um estatuto metapsicológico na sua teoria. E, segundo
Laplanche, “o essencial (na afirmação da pulsão de morte) consiste na idéia de que a
agressividade está voltada primeiro para o sujeito e como que estagnada nele, antes de ser
dirigida para o exterior – o termo “sujeito” compreendido aqui em todos os níveis, tanto o
ser biológico multicelular e, evidentemente, tanto o indivíduo humano considerado como
individualidade biológica, quanto como “vida psíquica”.16
Essa agressividade, estagnada no sujeito, fica a serviço de Eros, que no intuito de
evitar a destruição do próprio eu, a dirige para o mundo externo, sendo “então chamada de
impulso destrutivo, impulso de domínio ou vontade de poder”.17 No entanto, como já foi
visto, a cultura restringe ao máximo essa externalização, resultando no aumento da
autodestruição, ou seja, no direcionamento dessa agressividade para o próprio sujeito.
Freud e Nietzsche pensam de maneira muito próxima esse movimento de
autodestruição segundo seus conceitos de culpa, má consciência e masoquismo moral.
No caso da filosofia nietzschiana, há uma retomada da origem do ressentimento
(quando a verdadeira reação, isto é, a ação é proibida) e é acrescentado o que seria seu
prolongamento e superação: a Má Consciência. Com a má consciência, “a crueldade,
expressa na vingança, no ressentimento converte-se, a partir de então, em vontade de
torturar a si próprio. Daí o surgimento de um novo registro – desinteresse, abnegação, auto-
16 Laplanche, J. Vida e morte em Psicanálise, cap. 5, p. 90 17 Freud, S. O Problema Econômico do Masoquismo, p.181
sacrifício – onde o Si (Selbst) é carrasco e vítima. A culpa é, enfim, que traduz este
sofrimento paradoxal ministrado a si mesmo”.18
No aforismo 16 da Segunda Dissertação de Genealogia... Nietzsche desenvolve sua
hipótese sobre a origem da má consciência concebendo-a como “a profunda doença que o
homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu – a mudança
que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da
paz”. Em prol da vida em sociedade, o homem teve que suspender alguns de seus instintos,
seus impulsos reguladores e inconscientes, e consequentemente, “todos os instintos que não
se descarregam para fora voltam-se para dentro (...) A hostilidade, a crueldade, o prazer na
perseguição, no assalto, na mudança, na destruição – tudo isso se voltando contra os
possuidores de tais instintos: esta é a origem da má consciência”.19
Segundo Nietzsche, foram a “moralidade dos costumes e a camisa-de-força social”20
os responsáveis para que o homem se tornasse confiável e constante, ou seja, um homem
com memória, que cumpre suas promessas, apto para viver em sociedade. Para o autor, no
final desse processo deveria se encontrar o “indivíduo soberano, igual apenas a si mesmo,
novamente liberado da moralidade e do costume, indivíduo autônomo supramoral (pois
"autônomo" e "moral" se excluem), em suma, o homem da vontade própria, duradoura e
independente, o que pode fazer promessas”.21 Nesse homem está encarnada a consciência
de poder e liberdade, ele é sua própria medida de valor para honrar ou desprezar os outros
homens; e esse instinto de dominante ele o chama de sua consciência.22
18 Assoun, P-L. Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças, Livro Terceiro, p. 232 19 Grifos do autor. 20 Nietzsche, F. Genealogia da moral. Af. 2, p.49. 21 Ibid. 22 Em alemão: Gewissen que designa a consciência moral.
No entanto, poucos são os homens que atingiram esse nível de desenvolvimento e
duras foram mnemotécnicas utilizadas para vencer o esquecimento, essa força ativa
presente na mente humana23. O antigo axioma da psicologia, em que apenas aquilo que não
cessa de causar dor fica na memória, foi levado a risca e através dos costumes de diferentes
culturas e da dureza de seu direito penal, pode ser comprovado qual o esforço que lhes
foram necessários para manter presente no homem algumas exigências básicas do convívio
social e reprimir seus afetos ativos como a ânsia de domínio e a sede de posse.
Na análise nietzschiana, a relação que a comunidade mantém com seus membros foi
estabelecida nos moldes do relacionamento do credor com seus devedores. Assim, a partir
do momento em que o indivíduo se empenha e se compromete com a comunidade, ele
passa a desfrutar das vantagens dessa forma de vida, como a segurança, proteção, cuidados
e paz. Porém, quando ele quebra seu contrato, a comunidade, ou melhor, o credor traído
exige o pagamento da dívida criada e isso ocorre nas mais variadas formas de castigo que
terão por finalidade privar o criminoso dos benefícios e das vantagens da vida comunal,
além de o lembrar “o quanto valem esses benefícios”.24
Através da relação credor-devedor, é estabelecido um modo de pensamento
expresso na máxima de que “cada coisa tem seu preço, tudo pode ser pago”.25 O devedor
empenha ao credor todas as coisas que ainda possui (terras, mulher, seu corpo, liberdade e
até a própria vida) na tentativa de infundir confiança em sua promessa de restituição das
dívidas. Quando esse pagamento não é efetivado, o devedor fica a sorte do credor, que pode
substituir uma indenização de terras, dinheiro ou bens materiais, por uma “satisfação
23 Nesse momento, esquecimento é para Nietzsche sinônimo de vida. Assim, vida é “não pensar em” por natureza, ou seja, toda forma de pensamento é excluída de sua essência. 24 Nietzsche, F. Genealogia da moral. Af. 9, p. 61. 25 Nietzsche, F. Genealogia da moral. Af. 8, p. 61.
íntima, concedida ao credor como reparação e recompensa – a satisfação de quem pode
livremente descarregar seu poder sobre um impotente, a volúpia de "faire le mal pour le
plaisir de le faire".26 Assim, o castigo não aparece como um meio para se responsabilizar o
infrator, mas sim, como um forma de descarregar a raiva sentida pelo dano sofrido em
quem o causou. Nesse momento, em que é permitido ao prejudicado compensar o seu dano
com um direito à crueldade, ocorre uma vivência nobre, uma ação ativa do homem, que
está diretamente ligada a sua natureza agressiva e violenta, que sente prazer em fazer sofrer,
enfim, há uma verdadeira aproximação do homem com a justiça.
No entanto, no plano do ressentimento, a justiça aparece como uma sacralização da
vingança e, com isso, é realizada a promoção dos afetos reativos (ódio, despeito, inveja,
suspeita e rancor). Para Nietzsche, todas as pessoas, até mesmo as mais íntegras, sempre
que são agredidas ou ofendidas é despertada nelas uma agressividade; os homens ativos
liberam essa violência de maneira espontânea, porém os homens reativos avaliam seu
objeto de modo falso e parcial e não podendo exteriorizar essa agressividade, ela se volta
para o próprio homem, gerando, como já foi dito, a má consciência. E, como que um
instrumento dessa reação psíquica, o castigo é utilizado pelo homem ressentido com o valor
de despertar no culpado o sentimento de culpa pelo dano causado.
Mas não é isso o que ocorre quando o devedor é castigado, pelo contrário, a punição
aumenta a resistência à responsabilização. Ao invés do malfeitor pensar que não deveria ter
realizado tal ação, o castigo só o faz pensar que alguma coisa saiu errado na execução do
ato infrator. Na análise de Nietzsche, o que em geral se consegue com o castigo, em
26 Nietzsche, F. Genealogia da moral. Af. 5, p. 54. Grifos do autor.
homens e animais, é o acréscimo do medo, a intensificação da prudência, o controle dos
desejos: assim o castigo doma o homem, mas não o torna “melhor” .27
Para ele, a origem do sentimento de culpa encontra-se na já comentada relação de
direito privado entre o devedor e seu credor. A origem dessa relação está localizada na
relação que os primórdios estabeleciam com seus antepassados, ou seja, havia a convicção
de que a comunidade só subsistia graças aos sacrifícios e as realizações dos seus
antepassados, portanto, há uma dívida a ser paga a eles. Porém, essa dívida nunca é
totalmente quitada, pois os antepassados, mesmo em espírito, não cessam de conceder
vantagens as suas proles; e o temor aos ancestrais é diretamente proporcional ao poder que
a prole possui, assim conforme ela cresce e se torna mais forte, maior é o poder
reconhecido aos seus ancestrais (no limite, esse pode ser transfigurado em deus). Até hoje é
carregado o peso das dívidas não pagas e o anseio de se resgatar, assim, não parou de
crescer o sentimento de culpa dos homens em relação à divindade.
Freud também pensa no sentimento de culpa como o resultado da inibição cultural
da agressividade, que consequentemente, foi introjetada, internalizada, enviada de volta
para seu lugar de origem: seu próprio ego. E, pensando nesse movimento a partir da história
do indivíduo, que teve que tornar inofensivo seu desejo agressivo, a metapsicologia
freudiana propõe que uma parte dessa agressividade é assumida pelo ego e se coloca contra
o resto do mesmo. Essa parte do ego que assume a agressividade é o superego e sob a
forma de “consciência”, está pronta para colocar em ação contra o ego a mesma
agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos.28 Essa
tensão entre o superego e o ego, que Freud denomina de sentimento de culpa, que se
27 Nietzsche, F. Genealogia da moral. Af. 15, p. 72. Grifos do autor. 28 Freud, S. O Mal-estar na Cultura. Cap. VII, p. 127.
manifesta através da necessidade de punição. “A civilização, portanto, consegue dominar o
perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo
no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade
conquistada”.29
Embora Nietzsche discorde que o castigo desperte no infrator o sentimento de culpa,
Freud consegue perceber essa função no castigo quando avalia o por quê de uma pessoa se
sentir culpada quando faz alguma coisa “ruim”, ou apenas quando tem a intenção de fazê-
la. Segundo ele, a gênese do julgamento de bom e mau está na relação de dependência que
as pessoas estabelecem desde o nascimento umas com as outras, assim pela aprendizagem o
homem internaliza que “mau” é tudo aquilo que põe em ameaça o amor e a proteção do
outro, ou seja, mau é tudo aquilo que, com a perda do amor, nos faz sentir ameaçados. E
uma das ameaças é que essa pessoa mostre sua superioridade através de uma punição.
Nesse estágio, o sentimento de culpa é sinônimo do medo da perda de amor, e para Freud,
nos adultos a grande mudança é que esse lugar do pai ou dos genitores passa a ser assumido
pela comunidade humana mais ampla.
Essa substituição parental também pode ser vista na concepção que muitas pessoas
fazem do Destino, e mais uma vez divergindo da idéia nietzschiana que quanto mais
afortunada for uma comunidade maior é a dívida a ser paga aos ancestrais, e assim mais
intenso é o sentimento de culpa; Freud analisa no plano individual, que quanto mais
desafortunado for um homem, maior é a sensação de abandono e falta de amor, aumentando
com isso seu sentimento de culpa e a imposição que ele lhe faz de abstinências e punições,
na tentativa de se redimir.
29 Ibid.
A grande novidade trazida por Freud é que na sua dupla origem do sentimento de
culpa, além do seu surgimento pelo medo de uma autoridade externa, há ainda o medo do
superego. A gravidade que isso implica é que enquanto na primeira há uma exigência de
renúncia às satisfações pulsionais, na segunda, além dessa insistência, exige-se também
uma punição visto que os desejos proibidos continuam (apesar de sua renúncia) e não
podem ser escondidos do superego.
“Originalmente, renúncia ao instinto constituía o resultado do medo de uma
autoridade externa: renunciava-se às próprias satisfações para não se perder o amor da
autoridade. Se se efetuava essa renúncia, ficava-se, por assim dizer, quite com a autoridade
e nenhum sentimento de culpa permaneceria. Quanto ao medo do superego, porém, o caso
não é diferente. Aqui, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo persiste e não pode ser
escondido do superego. Assim, a despeito da renúncia efetuada, ocorre um sentimento de
culpa. (...) Uma ameaça de infelicidade externa – perda de amor e castigo por parte da
autoridade externa – foi permutada por uma permanente infelicidade interna, pela tensão do
superego”.30
É importante ressaltar que o superego se forma através da identificação com as
figuras parentais durante o Complexo de Édipo, no entanto, não há uma linearidade entre a
severidade parental com a severidade do superego. Isso, porque o Complexo de Édipo é
uma fase estruturante da personalidade psíquica do indivíduo, fonte da moralidade e do
senso ético individual, no qual a realidade interna também é determinante.
A constatação do Complexo de Édipo aparece para Freud a partir da sua auto-
análise e da constatação empírica a partir da clínica. Ele reivindica a universalização dessa
30 Freud, S. Mal-estar na Cultura. Cap. VII, p. 131.
teoria alegando que a perpetuação da Obra Literária do Édipo, escrita por Sófocles há 2.500
anos, deve-se a uma identificação com esse Romance Familiar.31 Outro argumento utilizado
por Freud é que a universalidade da interdição do parricídio, do matricídio e do incesto
levam a universalização dos impulsos que levam a esses interditos, descritos no complexo
edípico. Ou seja, a sexualidade infantil é a expressão de um momento da história do sujeito
em que aparece uma sexualidade anti-social que não considera os tabus mais arraigados na
cultura humana, ou melhor, que estabelecem a cultura. Assim, se essas interdições são
universais, logo a origem de seus impulsos, o Édipo, também o é.
No entanto, foi em Totem e Tabu32 que Freud pôde afirmar a universalidade do
Édipo, através de uma “psicologização” dos povos primitivos. O autor realiza nesse texto
uma análise da relação entre o Totemismo e a Exogamia, sendo que o primeiro só existe
conforme o tabu da morte do totem33 e a exogamia, a partir, do tabu do incesto.34
Segundo Freud, o tabu de matar o totem é abolido coletivamente uma vez por ano,
em uma festa religiosa na qual se mata o animal totêmico para comê-lo. Ao se perguntar
sobre o significado desse banquete totêmico, Freud remonta a origem do totem, ou seja, a
existência de um Pai Primordial que é representado por esse. Assim, na horda Primitiva
havia um pai que mantinha sob seu domínio todas as mulheres, deixando os outros homens
vivendo em condições de subsistência e sem acesso as mulheres da tribo. Esse lugar do pai
31 Esse é um forte argumento utilizado por Freud quando a universalidade do Édipo era para ele uma necessidade teórica sem que ele tivesse argumentos para sustentá-la. O fascínio por Hamlet, de Shakespeare, também é explicado pelo mesmo mecanismo. 32 Escrito em 1913, esse é o primeiro texto freudiano sobre a Cultura. 33 Objeto da natureza, divinizado, objeto de culto religioso e considerado o ancestral da tribo. 34 O incesto não coincide necessariamente com os vínculos sanguíneos, como acontece em famílias patriarcais.
era preservado apenas por condições físicas (força, audácia...) e quando ele morria, o filho
que mais se assemelhava às suas condições, ocupava o seu lugar.
Diante dessa situação, Freud analisa que a primeira ação coletiva em função de um
objetivo comum que marcou a passagem dos homens da Natureza para a Cultura foi o
assassinato do pai. Nesse primeiro pacto feito pelos irmãos ficava estabelecida a união das
forças para que juntos eles fizessem aquilo que individualmente não conseguiriam: matar o
pai. Com a morte do pai surgiu a questão sobre o destino das mulheres do grupo, afinal,
manter o lugar do pai vazio é proibir o monopólio das mulheres e isso só ocorre através do
casamento coletivo de dois grupos, assim, ficou estabelecido a exogamia. Porém, para que
a ordem fosse mantida e os irmãos não guerreassem na tentativa de ocupar o lugar do pai,
foi realizado o segundo pacto, em que um símbolo do pai ocuparia o seu lugar, ou seja, o
Totem. Esse segundo pacto ainda resulta em outras duas interdições: a proibição de matar o
totem e a proibição do acesse ilimitado as mulheres, pois com o surgimento de um sistema
de parentesco, o incesto tornou-se tabu.
Freud localiza aí, no complexo edipiano, a origem do sentimento de culpa nos
homens. Sentimento que, mais propriamente, deveria ser chamado de remorso, por ser a
conseqüência de se praticar uma má ação. Segundo o autor, “esse remorso constituiu o
resultado da ambivalência primordial de sentimentos para com o pai. Seus filhos o
odiavam, mas também o amavam. Depois que o ódio foi satisfeito pelo ato de agressão, o
amor veio para primeiro plano, no remorso dos filhos pelo ato. Criou o superego pela
identificação com o pai; deu a esse agente o poder paterno, como uma punição pelo ato de
agressão que haviam cometido contra aquele, e criou as restrições destinadas a impedir uma
repetição do ato. E, visto que a inclinação à agressividade contra o pai se repetiu nas
gerações seguintes, o sentimento de culpa também persistiu, cada vez mais fortalecido por
cada parcela de agressividade que era reprimida e transferida para o superego”.35
Freud salienta que matar o pai, ou abster-se de matá-lo não é o fator decisivo, isso
porque o sentimento de culpa é o resultado do conflito gerado pela ambivalência afetiva
(amor e ódio pelo pai) e da eterna luta que é traçada entre a pulsão de vida e a pulsão de
morte. Assim, enquanto as comunidades estiverem organizadas na forma da família, esse
conflito estará destinado a se expressar no complexo edipiano, e conseqüentemente, a
estabelecer a consciência e a criar o primeiro sentimento de culpa.
Entretanto, o senso ético, que também surge como resultado da vivência edípica, é
criado após uma primeira renúncia pulsional forçada por poderes externos, que
posteriormente estará expresso na consciência e exigirá posteriores renúncias pulsionais. E,
são essas renúncias a externalização da destrutividade, que voltadas para o sujeito são
introjetadas no superego aumentando seu sadismo contra o ego. Aliado ao sadismo do
superego, há também o masoquismo do ego – ou masoquismo moral – que se apresenta
como uma “necessidade de punição”, do superego ou dos poderes parentais externos.36
Freud afirma que apenas tendo em vista esses dois conceitos e como eles se
suplementam mutuamente que é possível compreender como a supressão de uma pulsão
pode, com freqüência ou muito geralmente, resultar em um sentimento de culpa, e como a
consciência de uma pessoa se torna mais severa e mais sensível, quanto mais se abstém da
agressão contra os outros.37
35 Freud, S. O Mal-estar na Cultura. Cap.VII, p. 135. 36 Ao falar sobre isso em O Problema Econômico do Masoquismo(1924), Freud mostra a diferença entre uma extensão inconsciente da moralidade (sadismo do superego sob o ego) e o masoquismo moral. 37 Freud, S. O Ego e o Id. P. 66-7.
Na parte final de O Mal-estar na Cultura, Freud apresenta um novo elemento: o
superego cultural. Segundo o autor, a comunidade desenvolve esse superego e é sob a sua
influência que ocorre a evolução cultural. Ele é baseado na impressão deixada atrás de si
pelas personalidades dos grandes líderes e, tanto o superego cultural como o individual,
estabelece exigências ideais estritas, cuja desobediência é punida pelo “medo da
consciência”.
De forma semelhante, na última dissertação de Genealogia da Moral, Nietzsche ao
se questionar sobre o significado dos ideais ascéticos,38 ele se depara com os sacerdotes
ascéticos, ou seja, os verdadeiros precursores desses ideais, que podemos arriscar a colocá-
os como os grandes líderes cuja personalidade contribuíram fortemente para a formação do
superego cultural identificado por Freud.
Através da figura desses sacerdotes a moral escrava pôde definitivamente ser
transmitida e tomar o seu espaço na cultura. Assim, a ordem cultural do superego de “amar
ao próximo como a si mesmo” é o mais forte meio de defesa utilizado contra a inclinação
para a agressividade mútua que é constitutiva dos homens. No entanto, já foi exposto que
cumprir esse mandamento é uma completa negação da natureza humana e que seu
cumprimento inverte a direção da agressividade, sendo então introjetada e utilizada contra o
próprio ego, resultando no sentimento de culpa e sofrimento.
Nas mãos dos sacerdotes, o sentimento de culpa toma forma de “pecado” e toda
tentativa humana de projetar para o exterior a causa do seu sofrimento é invertida pelos
38 No primeiro aforismo da terceira dissertação “O que significam ideais ascéticos?” de Genealogia da Moral, p. 87, Nietzsche lista diversos significados para o ideal ascético (p.ex. “para os artistas nada, ou coisas demais; para os filósofos e eruditos, algo como instinto e faro para as condições propícias a uma elevada espiritualidade...”), mas conclui que se esses ideais são tão importantes para os homens é porque há um dado fundamental implícito: o horror dos homens ao vazio.”Eles preferirão quere o nada ao nada querer”.
sacerdotes para a própria pessoa e deve ser entendido como punição. Assim, toda essa dor
inerente à vida humana só reforça o domínio e a vitória do ideal ascético, confirmando cada
vez mais a afirmação: “meu reino não é deste mundo”.
Freud também alertou que as religiões reconhecem o papel desempenhado na
cultura pelo sentimento de culpa e prometem redimir a civilização desse sentimento,
religiosamente chamado de pecado. No caso do Cristianismo, a remissão dos pecados foi
promovida pela morte de Jesus Cristo, o cordeiro imolado para livrar a humanidade de toda
sua culpa. Porém, segundo a análise nietzschiana, Jesus de Nazaré era a “sedução em sua
forma mais inquietante e irresistível”39 para atrair os homens a moral escrava e, sua morte,
implicou em uma dívida para com Deus, que os homens tentam pagar através de auto-
sacrifícios.
Nietzsche conclui que o sacerdote ascético, através do seu tratamento repressivo,
domesticou os homens; e nas culturas influenciadas pela doutrina ascética do pecado há
uma constante alternância de afetos e um delírio coletivo de morte, afinal, é pregada por
eles a negação da vida, sendo essa apenas o caminho para uma outra existência. Há, ainda,
uma reinterpretação de seus instintos básicos como culpa em relação a Deus. E, é essa
culpa criada pela cultura, que Freud denomina como o grande mal-estar na civilização.
39 Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Af.8, p. 27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOUN, Paul-Lorent. Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São Paulo, Brasiliense,1989. FREUD, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro, 3.ed., 1995. - Além do Princípio de Prazer(1920) - O Ego e o Id (1923)
- O Mal-estar na Cultura (1930) - O Problema Econômico do Masoquismo (1924) LAPLANCHE, Jean. Vida e Morte em Psicanálise. Artmed, 1985. NIETZCSHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal – Prelúdio a uma Filosofia do Futuro 1886). Companhia das Letras, 2003. NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral – Uma Polêmica (1879). Companhia das Letras, 2002.