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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CARACTERIZAÇÃO DO PAPEL DO PAI BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA MENTAL¹ Relatório final de pesquisa encaminhado à FAPESP como parte das exigências da Bolsa de Iniciação Científica. Nancy Capretz Batista da Silva*. Orientadora: Professora Doutora Ana Lúcia Rossito Aiello. ¹Esse trabalho se constitui, também, na monografia de conclusão de curso apresentada no curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. *bolsista FAPESP, processo nº 03/04466-2 São Carlos Fevereiro de 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DO PAPEL DO PAI BRASILEIRO NA EDUCAÇ ÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA MENTAL¹

Relatório final de pesquisa encaminhado à FAPESP co mo parte das exigências da Bolsa de Iniciação Científi ca.

Nancy Capretz Batista da Silva*. Orientadora: Professora Doutora Ana Lúcia Rossito A iello. ¹Esse trabalho se constitui, também, na monografia de conclusão de curso apresentada no curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. *bolsista FAPESP, processo nº 03/04466-2

São Carlos Fevereiro de 2004

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AGRADECIMENTOS

Este é um daqueles trabalhos que nos fazem repensar todos os valores

que um dia nos guiaram e tudo aquilo a que sempre demos a máxima

importância. Escrever e conversar sobre o papel do pai me fez pensar muito

sobre o meu pai e os pais que conheço. Fez-me pensar quem é o pai que

quero para meus filhos e netos e quem são os pais que trabalham pelos filhos

dos outros. O meu pai é aquele homem a quem sempre recorro e cujos olhos

serão sempre voltados para o que tenho de melhor e para o que posso

conseguir de melhor.

Ele, João Paulo, e minha mãe, Cacilda, são as pessoas a quem nunca

poderei retribuir igualmente. A eles tenho dívida eterna, porém, para eles cada

passo que dou é uma retribuição em dobro. Agradeço a eles não só pelo ser

humano que fizeram de mim, mas por todo apoio que sabem ter me dado

nesses dois anos de trabalho.

Agradeço também a meu irmão, João Paulo, e a minha irmã, Juliana,

amigos com os quais cresci e aprendi várias lições, amigos nos quais posso

confiar e acreditar. Agradeço a meu lindo namorado, Tadeu, que nesses 3 anos

e 8 meses fizeram de minha vida em São Carlos mais fácil, com seu amor e

carinho, e que completa a pessoa que sou.

Agradeço a minha orientadora, Ana Lúcia Rossito Aiello, que fez do meu

trabalho tão rico e, principalmente, contribuiu tanto com minha formação. Ela

deu muitas ferramentas para que eu trabalhasse em algo que, assim como ela,

tenho tanto amor. Obrigada pela paciência e por compartilhar tanta sabedoria.

Agradeço também aos professores: Azair, por abrir o caminho para a

pesquisa e engrandecer minha formação; Deisy, por ser única na didática e

contribuição aos conhecimentos em análise experimental do comportamento;

Júlio, pelo ícone que representa para a análise experimental do

comportamento; Ana Lúcia Cortegoso, pelo modelo de competência e garra

incansável para que usemos a análise experimental do comportamento como

ferramenta para proporcionar um mundo melhor; Enicéia, pela visão

transformadora do indivíduo portador de deficiência mental; Maria Amélia, por

envolver seus alunos na busca por um mundo melhor para os portadores de

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necessidades especiais de educação e; Susi, por todos os conselhos que

guiaram minha atuação como pesquisadora.

Um muito obrigada à professora Maria Auxiliadora Dessen pela atenção

e materiais concedidos para a realização de minha pesquisa. Obrigada também

à Alice, que sempre me socorreu quando mais precisei e que foi um apoio

muito importante para toda a minha turma.

Minhas amigas, amigas de colegial, amigas de faculdade, amigas de

bons momentos, amigas de morar junto, amigas de estágios...minhas amigas

são espelhos. Nelas posso ver o que representa a minha geração de mulheres,

vejo qual é o meu papel e o que sou e, delas reflete a luz do conviver e,

principalmente, da empatia, tão importante para a carreira que escolhi.

Finalmente, agradeço às Instituições que me abriram suas portas e

confiaram em meu trabalho. Obrigada por torna-lo possível e, mais que isso,

me darem tanto apoio quando sempre precisava. Gostaria de destacar os

nomes de Cristina e Ricardo, os porta-vozes dessas instituições. À FAPESP,

um agradecimento especial pelo apoio e confiança em meu trabalho como mais

um entre tantos tão importantes para o conhecimento científico.

E aos pais, não há palavras para agradecer. Eles e suas mulheres

abriram as portas de suas casas e de seus corações. Deixaram-me entrar em

suas vidas e pensamentos. Ganhar sua confiança e poder retribui-la foi o maior

presente que este trabalho me deu. De alguma forma, suas crianças são

minhas e do mundo, por isso, busco realizar minha parte na tarefa de dar-lhes

o melhor.

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ÍNDICE

Resumo................................................................................................................6

Introdução............................................................................................................8

Justificativa e objetivos............................................................................14

Método...............................................................................................................15

Participantes............................................................................................15

Local........................................................................................................15

Material....................................................................................................15

- Inventário HOME...........................................................................15

- Questionário de Recursos e Estresse resumido (QRS-F).............16

- Questionário de Caracterização do Sistema Familiar e Partes

C e D do Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista.......17

- Escala de senso de Competência Parental (PSOC).....................17

- Escala de Empoderamento Familiar (FES)....................................18

- Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro

na Educação da Criança com Deficiência Mental.........................18

Procedimento...........................................................................................19

Resultados.........................................................................................................21

Questionário de Caracterização do Sistema Familiar e Partes

C e D do Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista.............21

Questionário de Recursos e Estresse resumido (QRS-F).....................31

Escala de senso de Competência Parental (PSOC).............................34

Escala de Empoderamento Familiar (FES)...........................................36

Inventário HOME...................................................................................42

Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro

na Educação da Criança com Deficiência Mental................................45

Correlações..........................................................................................51

Discussão..........................................................................................................59

Referências .......................................................................................................65

Anexos...............................................................................................................68

Anexo A: Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro

na Educação da Criança com Deficiência Mental...................................69

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Anexo B: Autorização das Instituições de Ensino...................................73

Anexo C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................74

Anexo D: Autorização para Gravações...................................................75

Anexo E: Curso para pai de criança com deficiência mental...................76

Anexo F: Participação dos Avós (Partes C e D do Guia

Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista)......................................93

Anexo G: Classificação no HOME por pontuação..................................98

Anexo H: Pontuação dos Pais no HOME................................................99

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RESUMO

A interação pai-criança merece tanta atenção quanto a que é dada a da

mãe, já que ambos constituem os principais cuidadores de uma criança. Muitos

serviços e atendimentos dirigidos à família têm a mãe e a criança como alvo,

sem incluir o pai. Somado a isso, as mudanças pelas quais a sociedade passa

(mulher no mercado de trabalho, aumento do número de pais-homens

cuidando dos filhos, etc.) e a carência de estudos na área parecem justificar o

objetivo desse estudo: caracterizar o papel do pai na criação da criança com

deficiência mental. Para tanto, treze pais (homens) de crianças portadoras de

deficiência mental de escolas especiais públicas, com idade entre dois e quatro

anos foram entrevistados em sua residência com o Questionário de

Caracterização do Sistema Familiar (buscou as características demográficas da

família, o sistema familiar e a rede social de apoio durante períodos de

transição decorrentes do nascimento de filhos), com as partes C e D do Guia

Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista (indagou a participação e o

apoio dispensados pelo marido/companheiro em relação às tarefas rotineiras

da casa e aos cuidados com os filhos, os sentimentos e expectativas quanto à

participação do pai na vida familiar e a influência dos avós na vida familiar) e

com um roteiro de Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro na

Educação da Criança com Deficiência Mental (investigou questões não

contempladas pelos demais instrumentos, como: participação do pai na vida da

criança, o relacionamento do pai com seu filho(a), suas percepções sobre a

paternidade, sentimentos e expectativas quanto à participação na vida familiar

e como seus pensamentos e relações são afetadas pelas inabilidades de seus

filhos). Além disto, os pais tiveram seus comportamentos avaliados com os

seguintes instrumentos: QRS-F (avalia estresse e recursos de adaptação e

enfrentamento relacionados à presença da criança com atraso de

desenvolvimento ou cronicamente doente nos outros membros da família),

PSOC (analisa a auto-estima do pai) e FES (mede o nível de empoderamento

da família). Ainda com o objetivo de caracterizar o ambiente domiciliar em

termos de qualidade e quantidade de estimulação e apoio disponível para a

criança, foi aplicado o Inventário HOME. As mães das crianças foram

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entrevistadas com as partes C e D do Guia Geral de Transcrição dos Dados de

Entrevista e estiveram presentes durante a aplicação do HOME e do

Questionário de Caracterização do Sistema Familiar. A pesquisa ocorreu nas

cidades de São Carlos e Ribeirão Preto e os pais deviam estar vivendo com as

crianças há, no mínimo, seis meses. De forma geral, os resultados com estes

pais indicaram que eles adotam um papel tradicional (ao contrário do

moderno), no qual as atividades primárias centram-se ao redor do mundo do

trabalho, realizando poucas atividades de cuidados com seus filhos. Entretanto,

os pais mostraram despender várias horas do seu dia em companhia das

crianças. Também se revelaram fonte de apoio emocional e financeiro para as

mães. Em relação ao estresse causado pela presença de uma criança com

deficiência mental, os problemas dos pais e de sua família, as características

da criança e a incapacidade física da criança causam estresse, mas em um

nível razoavelmente baixo para esses pais. Além disso, confirmando dados da

literatura, na Escala de Senso de Competência Parental (PSOC), as

porcentagens dos resultados desses pais indicaram uma auto-estima

razoavelmente alta, porém, eles não se perceberam tão satisfeitos quanto

eficazes com o papel de pai. Um resultado a ser destacado diz respeito ao

empoderamento: sete dos treze pais obtiveram porcentagens elevadas (acima

de 70) indicando que consideram-se militantes, competentes, eficazes e com

conhecimento para resolver questões relacionadas aos filhos. O ambiente

domiciliar oferecido pelo pai, na maior parte dos casos, não pode ser

considerado encorajador de aprendizagens, pois no total, a maioria fez

pontuações que estão localizadas no quarto inferior, sendo as áreas mais

deficitárias as que dizem respeito a oferecer Materiais de Aprendizagem,

Estimulação de Linguagem, Estimulação Acadêmica e Variedade (viagens,

passeios e, atividades culturais). O melhor ambiente domiciliar foi oferecido

pelo pai que apresentou o menor índice de estresse. Todos se enquadraram

em suas descrições de um bom pai e se consideraram uma figura importante

na vida da criança.

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INTRODUÇÃO

É possível encontrar na literatura grande número de referências sobre a

interação mãe-criança e o efeito dessa sobre o desenvolvimento infantil. Lamb

(1997) diz que a interação mãe-criança foi considerada, por muitos teóricos,

como única e a mais importante que qualquer outra interação. Lewis e Dessen

(1999) citam algumas teorias da década de 70 que explicavam o menor

envolvimento paterno no cuidado das crianças e colocavam que prerrogativas

biológicas para as mulheres cuidarem de crianças eram mais fortes do que

quaisquer ligações entre os homens e suas crianças. Um exemplo disso, é o

fato de as mulheres terem melhores habilidades sociais e também habilidades

motoras mais finas do que os homens, as quais as capacitam a exercer a

maternidade.

Entretanto, estudos mais recentes têm apontado a presença do pai

biológico ou de uma figura masculina na família como um fator fundamental no

desenvolvimento das crianças. Para Demo (1992), as mudanças na estrutura

das famílias ocorridas nos últimos anos, que influenciam na relação pais-

crianças e no bem-estar da criança são: proporção de nascimentos fora de

casamento, proporção de casamentos terminando em divórcio, casamento

adiado pelo nascimento da criança, menor tamanho da família, famílias de pai

ou mãe solteiros, famílias não-consangüíneas e, famílias com casal provedor.

Segundo Kassotaki (2002) de Atenas:

“O surgimento de pesquisas sobre os papéis dos homens nas famílias é

resultado de várias mudanças sociais que têm influenciado os papéis

tradicionais de homens e mulheres na maioria dos países. Essas

mudanças abrangem o movimento feminista nas décadas de 1960-70, o

aumento no número de mulheres entrando na força de trabalho, o

aumento de famílias com um só dos pais [geralmente a mãe], a redução

de casais casados, a redução no número de filhos em famílias

nucleares, e a disseminação da ideologia centrada na criança”, (p.214).

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Essas mudanças, por exemplo em Atenas, junto ao fato de haver mais

homens desempregados, parece ter aumentado o número destes cuidando de

seus filhos. No Brasil, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

em 1998 encontrou que “a quantidade de crianças que moravam em casas

comandadas por um homem – sem a mulher – praticamente triplicou nos

últimos 20 anos, e o índice de pais que reivindicam a guarda dos filhos subiu

de 5% para 25% nos últimos cinco anos” (Caruso, 2002). “Dados do censo do

IBGE (de 2000) mostram que de 1991 a 2000 houve um aumento de 74,5% no

número de pais (homens) que cuidavam sozinhos dos filhos nos domicílios

brasileiros” (Góis, 2002). O número de homens que cuidam sozinhos dos filhos

cresceu em ritmo mais acelerado, no período, que o número de mulheres na

mesma situação, cujo aumento, também significativo, foi de 58,8% (Góis,

2002).

Mesmo assim, os papéis que homens e mulheres exercem como

cuidadores parece que ainda são divididos. O censo de 2002 do IBGE mostra

que apenas 15,6% do total de chefes de família sem cônjuge e com filhos são

homens (Góis, 2002). Além disso, Lewis e Dessen (1999) relatam que em lares

onde coabitam ambos os genitores, menos de dois porcento dos pais

compartilham igualmente as tarefas de cuidados da criança com as mães e que

na maioria dos tipos de coabitação, os homens estão ausentes e as mulheres

presentes, particularmente quando as crianças são cuidadas somente em casa.

Lewis e Dessen (1999) discutem que investigações surgidas na década de 90

sugerem que os pais mais envolvidos têm esposas com sentimentos mais

profundos de autonomia ou são homens desempregados. “O número de horas

de trabalho profissional dos genitores também têm se mostrado o mais acurado

preditor do envolvimento do pai” (Lewis & Dessen, 1999). Cubero e Moreno

(1995) dizem que:

“…parece que os papéis, entre os pais de filhos em idade escolar,

continuam sendo, em certa medida, divididos; as mães continuam

interagindo com seus filhos com mais freqüência, em contexto de

cuidados, sendo mais diretivas e insistentes do que os pais, em

atividades que têm a ver com que a criança tome banho, faça a

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merenda, junte os brinquedos, etc., enquanto as interações do pai

continuam ocorrendo, com mais freqüência, no contexto de jogo, com

menos componentes físicos, sendo mais de tipo verbal”, (p.251).

No âmbito da família nuclear, uma das características singulares é a

presença afetiva dos membros e a atribuição de papéis sociais que visam

garantir a transmissão de comportamentos e a conseqüente inserção no

mundo adulto. A família nuclear caracteriza-se, assim, por agrupar em torno de

si pais e filhos, e neste processo de interação social a criança se transforma

num membro participante da sociedade. Desta forma, a maternidade e a

paternidade precisam ser entendidas como funções sociais, “como condição

sine qua non para a construção de uma sociedade baseada no reconhecimento

do valor do trabalho e do respeito à coletividade” (Baruff, 2000). Para Baruff

(2000), o pai e a mãe possuem tarefas específicas, (as primeiras) no processo

de desenvolvimento do indivíduo em direção à independência. Na sua análise

sobre a família, apresenta de forma separada o papel da mãe na sociabilidade

do indivíduo, que, corroborado com o papel do pai, é condição essencial para a

saúde do indivíduo (maturidade) e da sociedade.

Ainda de acordo com Baruff (2000), a transmissão de conteúdos sociais

e a relação global entre pai e filho só é possível através da presença afetiva

entre pai e filho, mesmo que hostil. O pai é figura importante para o

desenvolvimento psico-afetivo dos filhos, indo além do papel de provedor e

mantenedor da família para, através de seu afeto, de sua atitude, ser referência

na construção da personalidade dos filhos e ser o primeiro transmissor da

autoridade social. Baruff ainda afirma que “o pai personifica autoridade e

segurança, ideais e valores”.

A interação pai-criança merece tanta atenção quanto a que é dada a da

mãe, já que ambos constituem os principais cuidadores de uma criança. Muitos

serviços e atendimentos dirigidos à família têm a mãe e a criança como alvo,

sem incluir o pai. Tais serviços e atendimentos poderiam ser melhorados se

entendessem a paternidade e sua variação de acordo com a cultura, a etnia, o

nível sócio-econômico, etc., pois como afirma Lamb (1997) há diversos tipos de

famílias, demandas e expectativas socioculturais que modelam as regras de

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paternidade, processos familiares, e desenvolvimento infantil. Com relação ao

Brasil, é preciso conhecer as características demográficas das famílias, além

do tempo e envolvimento dos pais com suas crianças (Lewis & Dessen, 1999).

É importante para o desenvolvimento das crianças que a interação com

o pai seja consistente, pois, como comentam Coll, Palácios e Marchesi (1995),

“[o desenvolvimento] habitualmente não se consegue com uma interação

esporádica e momentânea, mas exige um trabalho caracterizado pela

continuidade, de acordo com o princípio segundo o qual as influências mais

persistentes e estáveis também são, geralmente, as com maior impacto sobre

o desenvolvimento” (p.334). A importância do pai também é ressaltada no

estudo de Wagner e Féres-Carneiro (2000), no qual adolescentes entre 12 e 17

anos, de famílias originais e de famílias reconstituídas, valorizavam a figura

paterna entre todos os membros da família.

Dessen e Braz (2000), estudando transições familiares decorrentes do

nascimento de filhos colocaram o pai como fator importante para o

funcionamento da família, já que a adaptação a essa nova situação (de

nascimento de filhos) depende da complementaridade de papéis entre os

genitores, não só em nível das interações como das relações familiares mais

amplas, incluindo a divisão de tarefas domésticas; o pai deve exercer seu papel

adequadamente, suprindo as deficiências naturais ocorridas no relacionamento

da mãe com o filho. Os pais desse estudo consideraram que seu papel “ideal”

na vida familiar seria: oferecer atenção, carinho, apoio e compreensão às mães

e à família e oferecer atenção, carinho, cuidados e impor regras e correção aos

filhos.

“Nos Estados Unidos e na Europa, estudos mostraram que pais

[homens] que estavam envolvidos com seus filhos contribuíam positivamente

para o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos mesmos” (Lamb,

1997; Engle & Breaux, 1998). De acordo com Engle e Breaux (1998), três das

contribuições que os homens podem fazer aos filhos são:

- construir uma relação de cuidado com os filhos; se envolvendo através

de interação, disponibilidade e responsabilidade com o filho; passando parte do

seu tempo com o bebê ou a criança; e sendo presente, já que há evidências de

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que o contato com o pai acarreta menos problemas de comportamento, mais

senso de habilidade para fazer coisas, e maior auto-estima na criança;

- tomar a responsabilidade econômica pela criança (o que melhora as

condições da criança – uma vez que casas chefiadas por mães são geralmente

mais pobres) e mostrar um maior compromisso com ela (um pai que contribui

com uma porcentagem maior do seu salário para gastos com comida, etc.,

deve ter um compromisso maior com seu filho); e

- reduzir as chances de criar um filho fora de uma parceria com a mãe

da criança (o que pode reduzir seu vínculo com a criança).

Apesar de uma das contribuições que o pai pode fazer ao seu filho é

reduzir as chances de criar um filho fora de uma parceria com a mãe da

criança, Le Menestral (1999) afirma que “a freqüência de contato deve ser

menos importante para o bem-estar da criança que a qualidade da relação pai-

criança”.

No contexto atual o papel do pai é muito complexo. Por exemplo,

Dessen e Lewis (1998) descrevem quatro tipos de papéis de pai: o pai

biológico; alguém que provê a subsistência da criança (pai econômico); um

homem (ou homens) que a criança identifica como uma figura de pai (pai

social); e alguém que é legalmente identificado como um pai. Um homem pode

desempenhar todos esses papéis, embora cada um possa ser desempenhado

por diferentes homens. Esses autores também colocam que os papéis que os

pais têm adotado podem ser vistos, em uma perspectiva cultural e histórica,

como tradicional – no qual atividades primárias centram-se ao redor do mundo

do trabalho, tendo pouco a fazer em relação às atividades de cuidar de suas

crianças -, moderno – vêem o desenvolvimento bem sucedido da criança como

um objetivo importante, especialmente nas áreas de desenvolvimento da

identidade do papel sexual, desempenho acadêmico e desenvolvimento moral

– ou emergente – participa mais igualmente com sua esposa das atividades de

cuidados da criança.

Em famílias com crianças com deficiência mental, o que se sabe sobre o

papel do pai é muito pouco. Pessoas com deficiência mental precisam de

atenção especial e para isso os estudos relacionados a esta população e a

participação dos pais na educação dos filhos são necessários. Omote (1996)

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coloca que os familiares devem ser envolvidos na compreensão das

dificuldades e limitações do deficiente e na tarefa de educá-lo. Além disso,

“apresentam necessidades especiais de atendimento, decorrentes da sua

condição de ser mãe, pai, irmão ou irmã de um indivíduo reconhecido e tratado

como deficiente”. Então, conhecer o pai de um portador de deficiência mental e

seu papel atual na família é necessário para envolve-lo na vida do deficiente e

para suprir suas necessidades especiais de atendimento.

Porém os estudos conhecidos sobre os cuidados necessários para o

desenvolvimento das crianças com deficiência mental ficam muito centrados na

mãe e nas informações dadas por esta, deixando a figura paterna em segundo

plano (Glat, 1996). De 25 Dissertações e Teses localizadas e analisadas por

Omote (1996), apenas duas entrevistaram o pai. Além disso, os sentimentos e

reações das mães foram os aspectos mais estudados; mesmo quando o pai

era incluído nos estudos, seu ponto de vista não era estudado (Omote, 1998).

Omote também constatou que os oito serviços de atendimento sistemático

oferecidos na região de São Carlos e Araraquara eram, em geral, dispensados

às mães: esperavam a colaboração delas na educação da criança deficiente e

as ajudava a enfrentarem seus problemas. Omote (1996) conclui, então, que:

“Há necessidade de realizar muita pesquisa para compreender vários

aspectos das famílias dos deficientes, até hoje pouco esclarecidos. Foi

destacada, por exemplo, a necessidade de se estudar o pai e os irmãos

normais da criança deficiente. A grande maioria dos estudos baseou-se

nas informações fornecidas pelas mães. Mesmo nos estudos que

tratavam de algumas coisas acerca do pai e dos irmãos, freqüentemente

as informações eram levantadas através da mãe”, (p.254).

Segundo Lamb e Billings (1997), “nos últimos 20 anos, muita atenção

tem sido dada ao impacto de uma criança incapacitada no ajuste e satisfação

marital de seus pais, mas a maioria dos pesquisadores tem explorado apenas

as perspectivas da mãe”. Como resultado, nós ainda não sabemos quanto

tempo os pais – homens – gastam com suas crianças que têm o

desenvolvimento comprometido, como eles gastam esse tempo, ou como seus

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pensamentos e relações são afetadas pelas inabilidades de seus filhos (Lamb

& Billings, 1997).

Bailey, Blasco e Simeonsson (1992) relatam que pesquisas têm focado

duas questões. Uma se refere à extensão com a qual o nascimento de uma

criança com deficiência causa impacto no pai e a correspondência entre as

respostas paternas a esse impacto comparadas às relatadas pelas mães. A

outra é com que extensão os pais (homens) são envolvidos com suas crianças

ou com serviços oferecidos à criança. Nesta área, as descobertas têm sido

variadas, às vezes relatando que as mães são significativamente mais

envolvidas que os pais e outras vezes, que os pais gastam um tempo

significativo com seus filhos portadores de deficiência.

Justificativa e objetivos

Devido às descobertas incongruentes, à falta de pesquisas

caracterizando o pai brasileiro de crianças com deficiência mental e ao

desconhecido papel que os pais atuais desempenham na educação de seu

filho com necessidades especiais, o presente estudo realizou uma

caracterização do papel do pai na criação da criança com deficiência mental.

Pretende-se contribuir para o melhor entendimento do contexto ambiental das

crianças com deficiência mental com intuito de favorecer o atendimento

oferecido a elas e aos seus cuidadores e educadores. Também se pretende

trazer informações relevantes sobre aspectos educacionais e da dinâmica

familiar de indivíduos com deficiência mental, assim como a contribuição atual

do homem à família brasileira e sua visão sobre essa contribuição e sua

condição de paternidade.

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MÉTODO

Participantes

Participaram do presente estudo 13 pais (homens) de crianças com

deficiência mental residentes nas cidades de São Carlos (6 pais) e de Ribeirão

Preto (7 pais).

A seleção dos pais obedeceu a 3 critérios pré-estabelecidos: os pais

deveriam ter filhos estudando em escolas especiais públicas; os pais deveriam

ter filhos na faixa etária de 2 a 4 anos e; a família deveria ter um pai biológico

ou uma figura paterna significativa presente no domicílio por mais de 6 meses.

Local

O estudo foi realizado na casa do pai e nos locais mais convenientes

para ele, como seu local de trabalho, a escola da criança ou na própria

universidade (UFSCar).

Material

Foram utilizados no presente estudo uma versão traduzida do Inventário

HOME (Bradley & Cadwell, 1984), uma versão traduzida do QRS-F

(Questionário de Recursos e Estresse na forma resumida) de Friedrich,

Greenberg e Crnic (1983), o Questionário de Caracterização do Sistema

Familiar (Dessen & Torres, 2002a), uma versão traduzida das partes C e D do

Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista (Dessen & Torres, 2002b),

um roteiro de Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro na

Educação da criança com Deficiência Mental (Anexo A), uma versão traduzida

da PSOC (Escala de Senso de Competência Parental) de Johnston e Mash

(1989) e, uma versão traduzida da FES (Escala de Empoderamento da

Família) de Koren, De Chillo e Friesen (1992).

O Inventário HOME (Bradley & Cadwell, 1984) foi elaborado para medir

a qualidade e a quantidade de estimulação e apoio disponível para uma criança

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no ambiente domiciliar, dando enfoque para as relações da criança com o

ambiente. Foi utilizada a versão EC-HOME, projetada para uso com crianças

entre 3 e 6 anos de idade, composto por 55 itens distribuídos em oito sub-

escalas: 1) Materiais de Aprendizagem, 2) Estimulação de Linguagem, 3)

Ambiente Físico, 4) Responsividade Parental, 5) Estimulação Acadêmica, 6)

Modelagem, 7) Variedade em Experiência, e 8) Aceitação da Criança. Esses

itens são avaliados através de entrevista e, principalmente, observação, e são

analisados em termos de: comunicação dos pais com a criança e com o

visitante, afeto e interação dos pais com a criança, e qualidade do ambiente

físico. Os dados obtidos através do Inventário HOME foram pontuados de

acordo com a tabela dos autores e analisados de acordo com a pontuação

obtida em cada fator, sendo que uma baixa pontuação significa um ambiente

domiciliar pobre em estimulação e apoio disponível à criança.

O QRS-F de Friedrich, Greenberg e Crnic (1983), é uma forma resumida

do QRS, um instrumento com 285 itens que avalia, por meio de verdadeiro ou

falso, o impacto da criança com atraso de desenvolvimento ou cronicamente

doente nos outros membros da família. É considerado uma medida geral de

adaptação e enfrentamento por medir tanto o impacto negativo como o positivo

da criança na família. O QRS-F contém 52 itens divididos em 4 fatores: Fator 1

com 20 itens relacionados à Problemas dos Pais e da Família, Fator 2 com 11

itens sobre Pessimismo, Fator 3 com 15 itens relacionados à Características da

Criança e Fator 4 com 6 itens sobre Incapacidade Física. O Fator 1 avalia a

percepção do respondente sobre os problemas que a presença de uma criança

portadora de necessidades educativas especiais acarreta para si, para outros

membros da família ou a família como um todo. O fator 2 avalia o pessimismo

imediato e futuro sobre a perspectiva dessa criança alcançar auto-suficiência.

O fator 3 avalia a percepção do respondente das dificuldades de atitude ou

comportamental presente na criança alvo. O Fator 4 avalia a percepção do

respondente sobre as limitações das habilidades físicas da criança e de autos-

cuidados. As respostas dadas ao QRS-F foram analisadas de acordo com a

porcentagem de respostas que estão de acordo com o crivo de correção em

cada fator, e um maior total de respostas indica um maior nível de estresse

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gerado pela menor adaptação e enfrentamento do pai ao atraso de

desenvolvimento da criança.

O Questionário de Caracterização do Sistema Familiar (Dessen &

Torres, 2002a) é composto de três partes: (a) características demográficas da

família (estado civil, idade, escolaridade, etc.), (b) caracterização do sistema

familiar (contato social da família, divisão do trabalho doméstico, etc.) e (c)

características da rede social de apoio durante períodos de transição

decorrentes do nascimento de filhos (pessoas da rede, tipo de apoio recebido,

etc.). As partes C e D do Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista

investiga os seguintes aspectos: (a) participação e apoio dispensados pelo

marido/companheiro em relação às tarefas rotineiras da casa e aos cuidados

com os filhos, (b) sentimentos e expectativas quanto à participação do pai na

vida familiar e (c) influência dos avós na vida familiar. As respostas obtidas no

Questionário de Caracterização do Sistema Familiar e nas partes C e D do

Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista foram descritas e

pontuadas em porcentagem.

A PSOC (Johnston & Mash, 1989) é uma escala de 17 itens, que avalia

a auto-estima de ser pai. Cada item é composto por uma sentença sobre a qual

a resposta do pai varia numa escala de 6 pontos, entre “discordo fortemente” e

“concordo fortemente”. Os itens avaliam a percepção da Eficácia e a Satisfação

de ser pai, revelando assim a auto-estima do participante. A Satisfação reflete

o grau com que o pai se sente frustrado, ansioso, e pobremente motivado no

papel parental. Exemplos de itens de Satisfação são: “Eu vou para a cama da

mesma forma que eu acordo de manhã, sentindo que eu não realizei tudo que

tinha para fazer” e “Meu pai estava melhor preparado para ser pai do que eu”.

A Eficácia reflete o grau com que o pai se sente competente, capaz de resolver

problemas, e é familiar com o papel de ser pai. Exemplos de itens de Eficácia

são: “Se alguém pode encontrar a resposta para o que está causando o

problema de meu filho, esta pessoa sou eu” e “Considerando o tempo em que

sou pai me sinto completamente familiar com esse papel”. As respostas dadas

a PSOC foram analisadas em termos de porcentagem, sendo que escores

altos em eficácia e satisfação de ser pai indicam maior auto-estima no papel de

ser pai.

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A FES (Koren et al., 1992) é uma escala composta por 34 itens

designada para medir o nível de empoderamento da família (processo pelo

qual as famílias obtêm acesso a conhecimentos, habilidades e recursos que os

capacitam a ganhar controle positivo de suas vidas, bem como melhorar a

qualidade de seus estilos de vida) em duas dimensões: (a) níveis de

empoderamento (isto é, atitudes, sistema de serviços e comunidade/política) e

(b) a forma como se expressa o empoderamento (isto é, atitudes,

conhecimentos e comportamentos). Cada item é avaliado segundo a escala

Likert de 5 pontos (1= não é verdade até 5= muito verdade) e os itens são

classificados de acordo com Singh, Curtis, Ellis, Nicholson, Villani e Wechsler

(1995) por fatores diferentes dos autores originais: Fator 1 – Sistemas de

Militância, Fator 2 – Conhecimento, Fator 3 – Competência e Fator 4 – Auto-

eficácia. Os itens do Fator 1 representam os pensamentos, crenças e

comportamentos do pai a respeito de suas interações com membros dos

sistemas de liberação de serviços de saúde. Os itens do Fator 2 refletem a

compreensão e habilidade do pai em como trabalhar com os sistemas de

saúde mental a fim de obter os serviços necessários. Os itens do Fator 3

representam a percepção do pai de suas habilidades e competências como

pais. Os itens do fator 4 representam as percepções do pai sobre suas

habilidades para produzir impacto e utilizar o sistema de saúde mental que

pode afeta-lo ou sua criança. As respostas foram medidas por porcentagem

em cada fator e no total indicam o nível de empoderamento da família através

do quanto de acesso possuem a conhecimentos, habilidades e recursos para

as finalidades já descritas anteriormente.

O roteiro de Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro na

Educação da Criança com Deficiência Mental contempla questões pertinentes

ao presente estudo que não foram abordadas nos outros instrumentos de

coleta de dados, tais como a participação do pai na vida da criança, o

relacionamento do pai com seu filho(a), suas percepções sobre a paternidade,

sentimentos e expectativas quanto à participação na vida familiar e como seus

pensamentos e relações são afetadas pelas inabilidades de seus filhos. As

respostas obtidas no Questionário de Caracterização do Sistema Familiar, nas

partes C e D do guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista e no roteiro

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de Entrevista de Caracterização do Papel do Pai Brasileiro na Educação da

Criança com Deficiência Mental foram descritas e pontuadas em porcentagem.

Também foram utilizados gravador e fitas cassetes para gravar as

entrevistas, uma Autorização das Instituições de Ensino (Anexo B), um Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo C) para os pais e a Autorização

para Gravações (Anexo D) para os pais. Com o objetivo de obedecer as

Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo seres

humanos, dispostas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o

projeto da pesquisa e estes instrumentos foram encaminhados ao Comitê de

Ética em Pesquisa da UFSCar e foram aprovados. A Autorização das

Instituições de Ensino era voluntária e solicitava autorização da instituição de

ensino para a realização do levantamento dos prontuários dos alunos de 2 a 4

anos, a fim de obter informações sobre a presença de uma figura paterna por

mais de 6 meses na residência da criança, que poderia participar do projeto de

pesquisa; além de explicitar a pesquisa e esclarecer o papel da instituição na

mesma. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido esclarecia o pai

participante sobre as condições da pesquisa, informava sobre os objetivos da

pesquisa e sobre as justificativas desta. A Autorização para Gravações era

voluntária e explicitava as condições da gravação e seus objetivos.

Procedimento

Inicialmente foram explicitados os objetivos e métodos adotados no

presente estudo aos participantes e às instituições. Nas instituições, foi

realizada uma consulta de anamneses e prontuários, contato com os pais e

possível utilização do espaço escolar para os encontros com estes. Em

seguida, os pais foram selecionados de acordo com a idade de seus filhos e

sua situação de pai biológico ou figura paterna significativa presente por mais

de 6 meses.

O primeiro encontro foi realizado na residência da família para favorecer

um maior contato e deu-se início à aplicação do Questionário de

Caracterização do Sistema Familiar. Esse questionário foi respondido pela

mãe, pelo pai, ou por ambos juntos, assim como o Inventário HOME. Em

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seguida, aplicou-se o QRS-F, as escalas, o inventário HOME e as entrevistas.

As partes C e D do Guia Geral de Transcrição de Entrevista foram respondidas

por mãe e pai separadamente. Os demais instrumentos foram respondidos pelo

pai. As perguntas do QRS-F, da FES e da PSOC e a anotação das respostas

foram feitas, nos casos em que os pais tinham dificuldades de leitura, eram

analfabetos ou semi-analfabetos para evitar que a resposta fosse dada sem a

verdadeira compreensão e para evitar desconforto dos pais devido à falta

dessa verdadeira compreensão. Para isso, a leitura dos instrumentos era

realizada pausadamente com sinônimos das palavras que os participantes não

conheciam, ficando os instrumentos com aspecto de formulários. As entrevistas

foram gravadas em áudio e o pai, assim como a mãe, no caso das partes C e D

do Guia Geral de Transcrição de Entrevista, deveria estar sozinho para que

não fosse distraído e para que não fosse influenciado pela presença de outras

pessoas.

Com o término da aplicação dos instrumentos, foram realizadas as

análises das respostas dos pais aos instrumentos e as correlações dos

resultados em diferentes instrumentos (FESxPSOC, QRS-FxPSOC, QRS-

FxFES, FESxHOME, PSOCxHOME e QRS-FxHOME), assim como a relação

de diferentes resultados (em: FES, PSOC, HOME e QRS-F) com a idade do

pai, seu nível sócio-econômico, a escolaridade dele e, o número de horas

presentes com o filho. Além disso, foram comparados os resultados

encontrados entre os pais das duas cidades.

As famílias foram convidadas a participar de um curso (Anexo E), cujo

tema foi definido de acordo com as necessidades prioritárias apontadas pela

maioria dos pais no presente estudo: direitos e deveres dos portadores de

deficiência e de suas famílias, importância da participação do pai nos cuidados

da criança e importância da estimulação da criança através do ambiente. A fim

de verificar pelo menos o efeito imediato desse curso foi elaborada e aplicada

uma avaliação contendo 17 itens. Esses itens versavam sobre os temas

prioritários e, uma descrição mais detalhada sobre objetivo, procedimento e

resultados desse curso pode ser encontrada no Anexo E.

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RESULTADOS

Treze pais aceitaram participar do estudo. Destes, seis residiam em São

Carlos e sete em Ribeirão Preto. Todos os pais do estudo eram pais biológicos

e viviam na mesma residência de seu(a) filho(a), com exceção do pai 12 que

estava em processo de separação da mãe e coabitava com a criança apenas

esporadicamente. A maioria das famílias, nove delas, era nuclear, sendo que

as famílias 7 e 13 tinham suas casas construídas no mesmo terreno que os

avós paternos; a família 6 tinha a irmã do pai coabitando e a família 12 tinha

dois genros e três netos coabitando.

A seguir serão descritos os resultados obtidos com a aplicação dos

instrumentos.

Questionário de Caracterização do Sistema Familiar e Partes C e D do Guia

Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista

Os resultados do Questionário de Caracterização do Sistema Familiar e

das partes C e D do Guia Geral de Transcrição dos Dados de Entrevista foram

divididos em 5 focos:

- estrutura e contato social da família

As Tabelas 1 e 2 apresentam os dados demográficos das famílias em

relação ao pai e seu filho (Tabela 1) e a mãe (Tabela 2).

Na Tabela 1 observa-se que a maioria dos pais (onze deles) tinha até 40

anos, sendo que a idade variou entre 25 e 66 anos, com média de 34 anos e 9

meses. Os pais da Instituição B eram, em média, mais velhos (35 anos e 4

meses) do que os pais da Instituição A (34 anos e 1 mês). A renda da família

(considerando os auxílios, benefícios e salário da esposa somado à renda do

pai) variou entre ausente até acima de seis mil reais, sendo a renda da maioria

das famílias (nove delas) de até mil reais. A família 1, cujo pai estava

desempregado não possuía renda fixa: ela sobrevivia de trabalhos esporádicos

do pai e auxílios de vizinhos e parentes. Segundo a classificação do IBOPE

verifica-se que os pais da Instituição B eram de nível sócio-econômico mais

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baixo e pertenciam a classes mais homogêneas do que os pais da Instituição

A.

Tabela 1: Caracterização dos pais e seus(as) filhos(as).

PAI CRIANÇA

escolaridade

idade (anos)

renda familiar (em R$)

Classifica-ção*****

1o 2o 3o profissão idade

(meses) diagnóstico* entrada na escola

terapia fora da instituição

1 32 nenhuma E I desempregado 47 RDNPM hiperatividade

05/2003 nenhuma

2 25 800,00 C I mecânico 53 Sínd. Down 08/1999 nenhuma

3 35 1500,00 B2 C desenhista mecânico

51 hidrocefalia autismo

09/2001 fisio/hidroterapia fonoaudiologia

4 30 6300,00 A1 C professor universitário

43 Sínd. Down 09/1999 terapia ocupacional

5 32 790,00** C I garçom 52 RDNPM 10/2001 fisioterapia

Inst

ituiç

ão A

6 51 290,00**** D I desempregado 53 Sínd. Down 05/2000 natação

7 26 550,00 C I pedreiro 53 atraso de desenvolvim.

08/2001 nenhuma

8 26 640,00** C I vendedor 31 Sínd. Down 02/2001 fonoaudiologia musicoterapia

9 40 750,00 C C entregador 35 Sínd. Down 07/2000 nenhuma

10 37 900,00 C I auxiliar de produção

36 RDNPM, crâ- nio sionotor

07/2000 nenhuma

11 66 780,00** C I aposentado 37 atraso

desenv. pós acidente

01/2003 hidroterapia

12 27 1980,00 B1 C frentista 33 Sínd. Down 02/2001 nenhuma

Inst

ituiç

ão B

13 26 700,00*** C C balconista 32 Sínd. Down 05/2000 equoterapia

*obtido no prontuário da criança disponível na instituição I= incompleto; C= completo **sendo que R$240,00 de benefício da criança ***sendo que R$120,00 de auxílio filho ****sendo que R$240,00 de benefício da criança e R$50,00 do programa federal "Fome Zero" *****sócio-econômica, Fonte: www.ibope.com.br/social/produtos/aspprc 20.htm, considerando renda da mãe

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Em termos de escolaridade, verifica-se na Tabela 1 que apenas três pais

haviam completado o segundo grau e somente um, o terceiro grau. Resumindo,

os resultados dessa amostra de pais, segundo a Tabela 1, parece indicar que

eles são pobres e com baixa escolaridade, dois fatores considerados de risco

para uma boa paternidade (Lamb, 1997).

Ainda segundo a Tabela 1, a idade das crianças variou de 31 a 53

meses, com média de 43 meses. O tempo das crianças na Instituição foi maior

que um ano e meio para onze delas. Entre elas, a maioria (sete) possui o

diagnóstico de Síndrome de Down. Pela Tabela 1, sete crianças participavam

de terapias extra-curriculares e, é curioso observar, que esta participação nem

sempre esta relacionada a um maior nível sócio-econômico ou escolaridade

mais alta dos pais.

Há dois aspectos, no mínimo interessantes, nos resultados da Tabela 1.

Primeiro que cinco pais (pais 5 e 6 da Instituição A e pai 8, 11 e 13 da

Instituição B) contam com rendas extras por meio de benefícios e auxílios, na

educação de seus filhos, parecendo indicar que conhecem seus direitos e

buscam por eles. Descrever a trajetória desses pais para conseguir tais

recursos parece importante, tanto para ilustrar quanto para orientar outros pais

e uma tarefa a ser feita em novos estudos. Segundo, os apoios financeiros

recebidos, revertem em pelo menos um atendimento terapêutico extra-

curricular para a criança, uma vez que todas as famílias que o recebem tem

seu filho sendo atendido em pelo menos uma atividade.

A Tabela 2 indica que doze mães tinham até 40 anos de idade (variando

de 21 a 44 anos, com média de 32 anos e 7 meses); poucas (apenas quatro)

contribuíam para a renda familiar; a maioria (nove) era dona de casa; apenas

três mães completaram segundo grau e somente uma (mãe 4) possuía o

terceiro grau completo. De forma geral, a Tabela 2 mostra que poucas mães

trabalhavam fora do lar, parecendo dedicar-se mais aos cuidados do filho e da

casa. Este é um resultado que não condiz com a tendência mais recente:

mulheres jovens (menos de 40 anos) fora do mercado de trabalho. Futuros

estudos deveriam verificar se esse resultado se confirma em uma população

maior e qual sua relação com a presença de uma criança portadora de

necessidades educativas especiais.

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Tabela 2: Caracterização das mães.

MÃE

escolaridade

Idade

Contribuição para renda

familiar (em R$) 1o 2o 3o

profissão

1 35 nenhuma I dona de casa

2 21 nenhuma C dona de casa

3 32 nenhuma C dona de casa

4 39 2300,00 C professora universitária

5 40 nenhuma I dona de casa

Inst

ituiç

ão A

6 36 nenhuma I dona de casa

7 29 nenhuma I dona de casa

8 27 nenhuma C dona de casa

9 34 50,00 C manicure

10 33 300,00 I

diarista

11 31 nenhuma I dona de casa

12 44 1500,00 I pensionista

Inst

ituiç

ão B

13 24 nenhuma I dona de casa

I= incompleto; C= completo

As estruturas das famílias mostraram-se bastante semelhantes umas

com as outras, pois as idades dos pais, as rendas das famílias, os níveis de

escolaridade dos pais e, o tempo das crianças na escola foi bastante próximo

para a maioria deles.

As atividades de lazer das famílias quando existiam eram diversificadas:

ir à igreja (famílias 1 e 7), churrasco com amigos (famílias 1, 5 e 10), visitas a

parentes e amigos (famílias 2, 3, 4, 5, 8, 11 e 13), passeios a parques (famílias

4, 5, 9, 10 e 12), passeios a clubes (famílias 3, 9 e 12), pesque-pagues (família

3), shoppings (famílias 4, 5 e 10), chácaras (famílias 2 e 4), levar a criança para

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brincar na rua (família 2), viagens (família 4), zoológico e bosque (famílias 5, 7

e 10), eventos municipais (família 6), restaurantes (família 7 e 12), festas

(família 8 e 12). As famílias 4 e 5 relataram atividades de lazer mais variadas. A

maior parte das famílias (sete delas) disse participar dessas atividades de

lazer, aos finais de semana, apenas de vez em quando (famílias 3, 5, 6, 9, 10,

11 e 12). Já quatro famílias (2, 4, 8 e 13) contaram que participavam dessas

atividades de lazer todos os finais de semana, enquanto duas famílias

relataram que participavam raramente (famílias 1 e 7). Durante a semana a

maioria das famílias não tinham atividades de lazer (famílias 5, 6, 7, 8, 9, 10,

11, 12 e 13), enquanto que a família 1 expôs uma alta freqüência (três vezes

por semana), a família 2 citou que sua freqüência era de duas vezes por

semana, a família 3 relatou que dependendo da época do ano era alta a

freqüência e, a família 4 disse que dificilmente tinha atividades de lazer

durante a semana. O pai participava das atividades de lazer na maioria das

famílias (aproximadamente, 77%), com exceção das famílias 5, 6 e 13.

As famílias 1 e 6, cujos pais encontravam-se desempregados, tinham

suas atividades de lazer limitadas (igreja, churrasco eventualmente e eventos

municipais eventualmente). A família 11 também possuía as atividades de lazer

limitadas (visitas a parentes de vez em quando) e o pai dessa família era o

mais velho de todos. O pai da família 13 que, também limitava-se a apenas

uma atividade de lazer (visita a parentes), trabalhava todos os dias da semana.

Os resultados obtidos sobre lazer com essa amostra de pais parece confirmar

o que Prado (2004) salientou em sua reportagem sobre desempregados em

geral. Segundo Prado, a grande maioria dos desempregados (86% dos

pesquisados) respondeu que cortou lazer (ir ao cinema, futebol, viagens ou

restaurantes) como primeira opção para conter gastos. Embora no presente

estudo apenas dois pais estavam desempregados, é possível verificar que as

atividades de lazer citadas pelos pais (a maioria de baixa renda) não envolvem

gastos, tais como viagens (exceto para a família 4) ou restaurantes (exceto

para as famílias 7 e 12).

As ocorrências em suas vidas mais relatadas pelas famílias foram:

mudança de cidade (famílias 1, 3, 5, 6, 7, 9, 11, 12 e 13); perda de emprego

(famílias 1, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 11); hospitalização da mãe, pai ou de um filho

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(famílias 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13) e; morte de parentes e amigos

íntimos (famílias 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12). Outras ocorrências

mencionadas foram: doenças físicas ou mentais na família (famílias 1, 5 e 9),

problemas financeiros (famílias 3, 6, 8 e 12), consumo de drogas ilegais na

família ou parentes (família 3), violação de leis (família 5) e, briga entre os pais

com agressão física (família 8). A ocorrência de impacto em suas vidas mais

descrita pelas famílias foi o nascimento da criança (famílias 4, 6, 7, 8, 9 e 12).

Também foram comentados: aborto natural sofrido pela mãe (família 1),

mudança de residência (família 2), doença de parente (família 3), morte de

parente (família 3), viagem para o exterior (família 4), acidente com mãe

enquanto grávida da criança (família 5), surgimento da deficiência da criança

(famílias 10 e 11) e, cirurgia da criança (família 13).

Observa-se que a maioria das famílias já passou por várias experiências

de vida negativa e, que a maioria delas (aproximadamente, 77%) relatou

ocorrências que envolvem a criança com necessidades educativas especiais

como tendo impacto nas suas vidas.

- trabalho doméstico e cuidado dos filhos: tarefas co mpartilhadas

As mães realizavam a maioria das tarefas domésticas, incluindo o

cuidado com a criança (famílias 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12 e 13). Muitos pais

(1, 2, 6, 9, 10) e mães (1, 2, 3, 4, 9, 10) disseram que a ajuda do pai nas

tarefas domésticas só ocorre quando a mãe solicita ou existe uma

necessidade. Os pais 3, 4, 8 e 12 contaram que às vezes realizavam algumas

atividades domésticas, sem mencionar pedido da mãe ou necessidade. As

mães 8 e 12 confirmaram o exposto pelo pai. As mães 5, 6 e 13 falaram que

raramente ou nunca o pai fazia alguma atividade doméstica. O pai 13

confirmou que nunca ajudava. Os pais e as mães 7 e 11 e o pai 5 enumeraram

várias atividades domésticas desempenhadas pelo pai freqüentemente (lavar o

quintal, estender roupas no varal, cozinhar, lavar a louça, lavar o banheiro,

lavar a roupa, varrer a casa e limpar os móveis).

Quanto ao cuidado da criança, a maioria dos pais disse que só se

responsabilizava quando a mãe solicitava ou existia uma necessidade. Os pais

1, 2, 5, 6, 8, 9, 10, 11 e 12 contaram que realizavam atividades de cuidados

com as crianças, como dar banho, trocar a fralda, dar mamadeira, por para

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dormir, cortar as unhas e, dar comida, esporadicamente (quando a criança ou a

mãe solicitava ou quando ele ficava em casa) ou, raramente. Algumas

atividades que os pais (3, 4, 5, 6 e 13) e as mães (4, 5, 6, 7, 8 e 13) relataram

que o pai realizava com a criança, mas que não se tratava de um item de

cuidado, foram ler e contar estórias, levar à escola, levar a alguma terapia,

brincar, assistir tv ou filme junto e passear na rua. Os pais 3, 7 e 13 disseram

que sempre se responsabilizavam por algum cuidado com a criança, como dar

comida, banho, escovar os dentes, trocar e por para dormir.

De acordo com o relato das mães 1, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13, as

atividades de cuidados com seus filhos que os pais, às vezes, realizavam

quando elas estavam ausentes, ocupadas ou não haviam realizado ainda,

eram dar banho, mamadeira, remédio, comida, trocar fralda, por para dormir e

pentear os cabelos. As atividades que as mães 3, 8 e 11 disseram que os pais

sempre realizavam são dar comida, remédio, banho, mamadeira, cortar as

unhas e fazer dormir. A mãe 12 disse que o pai sempre dava banho, trocava a

fralda e punha para dormir, mas já não estava ajudando mais.

Nota-se que o papel do homem no cuidado do lar e da criança

apresentou-se, de acordo com a literatura, como um papel tradicional, tendo

pouco a fazer em relação às atividades de cuidar de suas crianças. Além disso,

mostrou-se que o pouco que tinham a fazer acontecia quando a mãe não

assumia tais atividades.

- participação e envolvimento do pai na vida familiar : um relato de

mães e pais

Apesar de as mães terem relatado que os pais poderiam ajudar mais em

casa, elas estavam satisfeitas com a participação que eles tinham e os pais

concordaram com essa visão. Além disso, eles tinham argumentos que

justificavam a menor participação do pai nas atividades domésticas e de

cuidados com a criança.

Os pais 1, 2, 4, 6, 7, 11, 12 e 13 disseram que faziam o que deviam em

relação às tarefas domésticas. Algumas justificativas foram: fazia o máximo

que podia (pai 1), não tinham mais tempo por causa do trabalho (pais 4 e 13) e

a mãe sempre fazia (pai 6). Quando perguntados sobre que tipos de coisas

poderiam fazer além do que faziam, responderam: limpar a casa (pai 2 e 10),

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cozinhar (pai 2, 5 e 10), lavar a louça (pai 5), trabalhar mais para dar mais para

a criança (pai 7), cuidar mais da criança (pai 8) e ajudar mais a mãe em casa

(pai 8). Os pais 3 e 5 achavam que não faziam o que deviam, afirmando que

ficava cuidando da criança (pai 3) e as coisas estavam sempre prontas ou a

mãe sempre fazia (pais 3 e 5).

As mães 1, 3, 4, 5, 7, 11 e 13 achavam que o pai fazia o que devia em

relação às tarefas domésticas. Algumas confirmaram sua opinião dizendo que

não trabalhavam fora (mães 1, 3 e 13) e que o pai já cansava no trabalho

(mães 3 e 5) . Elas mencionaram que os pais podiam, quando a mãe chega em

casa cansada (mãe 1), lavar louça (mãe 2), varrer ou lavar o chão (mães 2 e

7), ir à fisioterapia da criança (mãe 5), ir à escola da criança (mães 5 e 6), ir ao

médico da criança (mãe 5), se dedicar mais à família (mãe 9), dar mais carinho

(mãe 9), dar mais atenção (mãe 9) e ter mais diálogo (mãe 9).

- apoio recebido e mudanças decorrentes do período de transição

familiar

A família 1 depositou nos vizinhos maior importância no sentido de dar

apoio à família, seguidos pelo mercado que fazia vendas fiadas à família e pelo

Centro de Especialidades. A família 2 colocou os parentes como mais

importantes, a Instituição A, o médico da criança e os amigos, respectivamente.

A família 3 julgou o casal como mais importante, seguidos da Instituição A,

fonoaudióloga, médico, avó paterna e avó materna. A família 4 colocou em

primeiro lugar o médico, depois a avó materna, a avó paterna, os tios e a

Instituição A. A família 5 julgou a Instituição A e o médico como mais

importantes, com a enfermeira, os vizinhos e a madrinha da criança logo após.

A família 6 considerou o casal e a tia que coabitava como mais importantes,

seguidos da Instituição A e de alguns parentes. A família 7 avaliou a Instituição

B como mais importante e, depois alguns parentes e os médicos da criança. A

família 8 julgou a Instituição A como mais importante e as avós como segundo

lugar de importância. A família 9 colocou o tio paterno e a professora em

primeiro lugar, com os vizinhos, o centro de saúde e os profissionais da

Instituição B logo após em ordem de importância. A família 10 considerou os

avós maternos como mais importantes. A família 11 depositou na Instituição B

a maior importância, seguida dos vizinhos. A família 12 citou a professora e o

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fisioterapeuta da Instituição B como mais importantes, com a avó paterna em

seguida. E a família 13 disse que os avós eram os mais importantes, seguidos

do patrão do pai e da psicóloga da Instituição B.

Quanto às mudanças decorrentes do período de transição familiar

devido ao nascimento da criança, algumas famílias tiveram apoio de algum

parente para os cuidados domésticos (1, 2, 3, 5 e 13). Alguns pais assumiram

algumas tarefas, como dar banho nos outros filhos (1), por a criança para

dormir (4 e 12), dar mamadeira para a criança (4, 11 e 12), trocar a fralda da

criança (4, 11 e 12), levar a criança ao médico (5 e 10), levar a criança à

fisioterapia (5), fazer a comida (11 e 12), limpar a casa (11 e 12), dar banho na

criança (11), além do suporte emocional dado a mãe (4 e 8) e, trabalhar mais

para arcar com gastos (7).

- expectativas quanto à participação do pai na vida f amiliar: o pai real

e o pai ideal na visão de mães e pais

Os pais 1, 2, 4 e 9 achavam que a sua participação na vida familiar era a

“participação ideal”. Algumas justificativas foram: não sair e chegar cedo em

casa (pai 1) e para a mulher que fica mais em casa é natural assumir mais

atividades domésticas (pai 4). Os pais relataram que a “participação ideal”:

dependia de ficar mais em casa (pais 3 e 8), seria ajudar no que pode (pais 5 e

13), trabalhar para dar as coisas (pais 5 e 7), não deixar faltar as coisas (pai 5),

ensinar coisas boas (pai 6 e 8), levar na escola (pai 6), dar amor (pai 8), ser a

cabeça da casa (pai 8), deixar as crianças mais seguras (pai 8), ter mais lazer

com a família (pai 10), dar mais conforto (pai 11), passear mais (pai 11), ter

mais tempo com a criança (pai 12) e dar educação à criança (pai 13).

Para as mães, a “participação ideal” do pai seria: não passar a noite fora

de casa (mãe 1), chegar mais cedo em casa (mãe 1), dar mais oportunidades

de conversar (mãe 1), ficar mais em casa (mães 3 e 5), dar mais atenção para

os filhos (mãe 3 e 13), sair com a família (mãe 5), participar mais da vida da

criança (mãe 6), ir à escola da criança (mãe 6 e 13) e ir ao médico da criança

(mãe 13). Ainda em relação à “participação ideal” do pai na vida familiar, as

mães 2, 4, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 achavam que o pai já estava tendo-na. Suas

justificativas foram: o interesse do pai (mãe 2), não havia como ele participar

mais (mãe 4), cuidava da criança (mãe 7), casa era para mulher (mãe 7),

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brincava com a criança (mãe 8), conversava com a criança (mãe 8), não batia

ou xingava a criança (mãe 9) e trabalhava para fora (mãe 10).

- participação e influência dos avós na vida familiar

A participação dos avós está mais detalhada no Anexo F. Os avós

paternos das famílias 1, 6 e 11 eram falecidos. As ajudas que os avós davam,

segundo os pais, eram: financeiramente (pais 2, 3, 9 e 13), conselhos e

atenção (pais 2, 7, 8, 10 e 12), ajuda à mãe quando a criança nasceu (pais 2,

3, 7, 9, 12 e 13), procura de médicos e tratamentos (pai 4), procura de

bibliografias sobre o diagnóstico da criança (pai 4), suporte emocional (pais 4, 7

e 12) e cuidar da criança (pais 7 e 13). Os modelos de comportamentos e as

influências recebidas na infância que os pais procuravam transmitir para seus

filhos eram: educação (pais 1, 2, 5, 7, 10, 12 e 13), trabalho (pais 1, 5, 7 e 10),

horário de ficar em casa (pai 1), relacionamento com a esposa (pais 2 e 11),

religião (pais 3 e 12), afeto/carinho (pais 3 e 9), respeito (pais 3, 6, 7, 8, 10 e

12), estudo (pais 3 e 5), procurar ser feliz (pai 4), viver bem e fazer bem com e

para outras pessoas (pai 4), honestidade (pais 4, 5, 9 e 13), não mexer no que

é dos outros (pai 7), dignidade (pai 8), como ser chefe de família (pai 11) e

buscar o melhor para a criança (pai 11). A maioria dos pais disse que não havia

intervenção dos avós na vida familiar, enquanto alguns pais disseram que

havia: no relacionamento do casal (pais 2, 8 e 13) e nas regras e permissões à

criança contrárias as dos pais (pai 4).

Os avós maternos das famílias 1 e 12, eram falecidos, assim como o

avô materno da família 2 e a avó materna da família 7. Além disso, os avós

maternos das famílias 5, 9 e 11 não tinham contato com a criança, assim como

o avô materno da família 7. As ajudas que os avós davam, segundo as mães

eram: cuidado da criança (mães 2, 4, 8 e 13), atenção (mães 2 e 10), ajuda

financeira (mães 2, 6 e 8), dicas/conselhos (mães 3, 6, 8, 9, 10, 11 e 13), apoio

emocional (mães 4, 6, 10, 11 e 13), ser amigos e companheiros da criança

(mãe 4), interesse pela criança (mãe 6), brincar com a criança (mãe 8), levar ao

médico (mãe 10) e cuidar da casa (mãe 10). Os modelos de comportamentos e

as influências recebidas na infância que as mães procuravam transmitir para

seus filhos eram: respeito (mães 1, 3, 5, 8, 9, 11 e 12), juízo (mãe 1), conversar

com as filhas (mães 1 e 12), acompanhar assuntos escolares (mães 1 e 6),

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estudar (mãe 2), carinho (mãe 2), cuidado/zelo (mãe 2), não mexer nas coisas

dos outros (mãe 2), ser educado (mães 2, 5, 8, 9, 10, 11, 12 e 13), ser

comportado (mãe 3), religião (mãe 3), exemplo de família nuclear (mãe 4),

alegria de viver (mãe 4), não interferir na conversa dos outros (mãe 5),

honestidade (mães 9 e 12), trabalho (mãe 10), responsabilidade (mãe 11),

modo de convivência dentro de casa (mãe 11), sinceridade (mãe 12) e ser

presente e participativa (mães 12 e 13). As mães disseram não haver

intervenção dos avós na vida familiar, com exceção da mãe 6 que disse haver

na educação da criança.

Questionário de Recursos e Estresse (QRS-F)

A Tabela 3 apresenta a razão e a porcentagem obtida por cada pai no

QRS-F, bem como a média por Instituição de Ensino.

Tabela 3: Razão e porcentagem dos pais e médias das

Instituições de Ensino no QRS-F.

Instituição Pais Razão e

porcentagem no QRS-F

Média por Instituição

1 21/49 = 42,8

2 14/49 = 28,5

3 20/49 = 40,8

4 09/49 = 18,3

5 21/49 = 42,8

A

6 18/49 = 36,7

35,15

7 30/49 = 61,2

8 17/49 = 34,6

9 10/49 = 20,4

10 30/49 = 61,2

11 22/49 = 44,8

12 16/49 = 32,6

B

13 15/49 = 30,6

40,77

Todos os pais mostraram algum grau de estresse pela presença de uma

criança com necessidades educativas especiais, conforme medido pelo QRS-F,

uma vez que a escala permite apresentar ausência de estresse, o que não foi

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verificado com nenhum pai. Onze dos treze pais apresentaram porcentagem

abaixo de 50 no QRS-F, indicando que os fatores analisados (seus problemas

e de sua família, as características da criança, pessimismo e a incapacidade

física da criança) causam estresse, mas em um nível razoavelmente baixo,

segundo os autores da escala. Apenas os pais 7 e 10, ambos da Instituição B,

apresentaram mais estresse (61,22%). As médias por Instituição de Ensino

ficaram próximas, sendo os pais da Instituição A os que apresentaram, em

média, menor estresse (35,15). Os pais menos estressados de acordo com

esses resultados, foram os pais 4 (18,36%) e 9 (20,4%).

Os resultados obtidos no Questionário de Recursos e Estresse (QRS-F)

divididos pelos fatores estão representados na Figura 1.

Problemas dos Pais e da Família

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13Instituição A Instituição B

Pais

Por

cent

agem

de

resp

osta

s

Pessimismo

0102030405060708090

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

Instituição A Instituição BPais

Por

cent

agem

de

resp

osta

s

Características das Crianças

010

2030

405060

7080

90100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

Instituição A Instituição BPais

Por

cent

agem

de

resp

osta

s

Incapacidade Física

0102030405060708090

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

Instituição A Instituição BPais

Por

cent

agem

de

resp

osta

s

1: Média geral; 2: Média dos pais da Instituição A; 3: Média dos pais da Instituição B.

Figura 1: Porcentagem de respostas dos pais indicadoras de estresse por fator

no QRS-F.

2

3

1

2

3

1

2 3

1

2

3

1

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Segundo a Figura 1 é possível verificar que mais estresse por fator foi

demonstrado pelo pai 3 (em Pessimismo e Incapacidade Física, 83,3%), 5 (em

Características da Criança, 58,3% e, Incapacidade Física, 83,3%), 7 (em

Problemas dos Pais e da Família, 70% e, Incapacidade Física, 83,3%), 10 (em

Pessimismo, 81,8%), 11 (em Incapacidade Física, 83,3%) e 12 (em

Incapacidade Física, 83,3%).

Pela Figura 1 é possível observar que os pais menos estressados (os

pais 4 e 9, segundo a Tabela 3), não foram os que apresentaram os menores

escores por fator (com exceção do pai 4). As pontuações mais baixas foram

feitas pelo pai 4 (em Problemas dos Pais e da Família, 0% e, Características

das Crianças, 8,3%), o 12 (em Pessimismo, 30%) e o 8 (em Incapacidade

Física, 6,2%).

Pode-se observar que o fator 2 – Pessimismo – foi aquele a respeito do

qual foram marcados mais pontos (média de 59,3), sinalizando maior estresse

por parte de todos os pais. Em seguida, a Incapacidade Física da criança

também parece ser fonte de estresse para vários pais (principalmente pais 3, 5,

7, 11 e 12). O fator que causa menos estresse é o 1 – Problemas dos Pais e da

Família – com média de apenas 25,4%.

Comparando-se as médias dos pais da Instituição A com a dos pais da

Instituição B observa-se que: 1) elas são praticamente iguais para os fatores

relacionados às Características das Crianças e Incapacidade Física, embora

para este último fator a média seja mais elevada; 2) a média dos pais da

Instituição A em relação ao fator Pessimismo é maior do que a dos pais da

Instituição B; 3) os pais da Instituição A apresentam a menor média de estresse

no fator relacionado a Problemas dos Pais e da Família e; 4) os pais da

Instituição B apresentam menor média nos fatores 1 e 3.

De forma geral, os resultados sobre o estresse causado pela presença

de uma criança com necessidades educativas especiais medido pelo QRS-F

indicou que todos os pais apresentam um grau de estresse (variando de 18,3 a

61,2). Além disso, o fator Pessimismo é aquele que causa mais estresse,

seguido pela Incapacidade Física da criança. Comparativamente, os pais da

Instituição B mostraram-se mais estressados que os pais da Instituição A. Cabe

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lembrar que os pais da Instituição B são, pela Tabela 1, os de menor poder

aquisitivo.

Embora o QRS-F seja o instrumento mais citado na literatura, uma

crítica deve ser feita a sua aplicação somada àquelas apontadas por Williams e

Aiello (submetido)1: as respostas dadas pelos pais às perguntas podem refletir

o que é socialmente esperado e não o que de fato, o respondente sente em

relação ao item.

Escala de Senso de Competência Parental (PSOC)

A Tabela 4 apresenta a razão e a porcentagem obtida por cada pai na

PSOC, assim como a média por Instituição de Ensino.

Tabela 4: Razão e porcentagem dos pais na Escala

PSOC e média das Instituições.

Instituição Pais Razão e Porcentagem total na PSOC Média

1 87/102 = 85,2 2 74/102 = 72,5 3 76/102 = 74,5 4 87/102 = 85,2 5 61/102 = 59,8

A

6 54/102 = 52,9

71,68

7 69/102 = 67,6 8 63/102 = 61,7 9 69/102 = 67,6 10 63/102 = 61,7 11 92/102 = 90,1 12 59/102 = 57,8

B

13 70/102 = 68,6

67,87

Dez dos treze pais apresentaram porcentagem acima de 60 na PSOC,

indicando que sua auto-estima em relação ao papel de pai está um pouco

acima da média do instrumento. O pai 11 merece destaque por sua alta

1 Essas autoras colocam que: 1. o instrumento é dicotômico, não permitindo nuances nas respostas dos participantes; 2. enfatiza apenas os aspectos negativos associados à presença de uma criança com

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porcentagem (90,1), evidenciando uma elevada auto-estima como pai. Cabe

lembrar que esse pai é o mais velho da amostra (ver Tabela 1) e obteve 44,8%

no Questionário de estresse (ver Tabela 3). Em seguida, os pais 1 e 4

obtiveram as porcentagens mais elevadas (85,2), o que também indica uma

auto-estima considerável. Os pais 5, 6 e 12, mostraram menor auto-estima

(59,8, 52,9 e 57,8%, respectivamente). As médias por Instituição de Ensino

ficaram próximas, sendo os pais da Instituição A os que apresentaram, em

média, maior auto-estima (71,68). Esses pais são os de melhor nível sócio-

econômico e educacional (ver Tabela 1) e menor média de estresse (ver

Tabela 3). Contudo, deve-se destacar que a escala PSOC tem pontuação

mínima (17) e máxima (102).

Os resultados obtidos a partir da Escala de Senso de Competência

Parental (PSOC), divididos por itens (Eficácia e Satisfação em ser pai) estão na

Figura 2.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

Intituição A Instituição B

Pais

Pon

tuaç

ão e

m p

orce

ntag

em

Satisfação

Eficácia

1: Média geral; 2: Média dos pais da Instituição A por fatores; 3: Média dos pais da Instituição B por fatores.

Figura 2: Médias obtidas pelos pais na PSOC divida em fatores.

necessidades educativas especiais à família e 3. embora o título do instrumento contenha a palavra recursos, poucos itens (se é que algum) avaliam as estratégias de enfrentamento da família.

2 3

2 3

1

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Pode-se observar que no fator 1, Satisfação, a pontuação média dos

pais foi de 62,6 (variando de 27,7% a 85,1%). No fator 2, Eficácia, a pontuação

média dos pais foi de 77,5 (variando de 50% a 100%). Estas porcentagens

indicam uma auto-estima (soma do escore de Satisfação e Eficácia) média.

Observa-se, também, que os pais se consideraram mais eficazes do que

satisfeitos com a paternidade.

O pai 11 apresentou a maior porcentagem em Eficácia (100%) e a

segunda maior porcentagem em Satisfação (81,4%). O pai 1 também obteve

100% em Eficácia e, o pai 4 obteve a maior porcentagem em Satisfação

(85,1%).

O pai 6 apresentou menor auto-estima (52,9%, ver Tabela 4), com a

menor porcentagem em Satisfação (27,7%). O pai 5 apresentou a menor

porcentagem em Eficácia (50%).

Comparando-se as médias dos pais da Instituição A com a dos pais da

Instituição B observa-se que a média dos pais da Instituição B é maior do que a

dos pais da Instituição A, no fator Eficácia. Em Satisfação, a média obtida pelo

grupo de pais de ambas as Instituições foi a mesma, praticamente.

Resumindo, os pais da Instituição B mostraram-se mais estressados (ver

Tabela 3), mas se avaliaram como tendo maior auto-estima quando

comparados aos pais da Instituição A e o fator Eficácia é aquele no qual os

pais apresentam maior escore.

O quanto as respostas dadas, de fato, representavam os sentimentos

dos pais (e não o que ele considerava ser a resposta correta) deve ser

analisado em futuros estudos.

Escala de Empoderamento Familiar (FES)

A Tabela 5 mostra a razão e a porcentagem de acertos dos pais na FES,

além da média das Instituições A e B.

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Tabela 5: Razão e porcentagem obtido pelos pais na

FES e média das Instituições.

Instituição Pais Razão e Porcentagem total na FES Média

1 155/170 = 91,1 2 135/170 = 79,4 3 106/170 = 62,3 4 143/170 = 84,1 5 119/170 = 70,0

A

6 131/170 = 77,0

77,31

7 132/170 = 77,6 8 093/170 = 54,7 9 132/170 = 77,6 10 080/170 = 47,0 11 104/170 = 61,1 12 120/170 = 70,5

B

13 111/170 = 65,2

64,81

Todos os pais se avaliaram como sendo empoderados.

Oito dos treze pais apresentaram porcentagem acima de 70 na FES,

indicando um nível de empoderamento acima da média. O pai 1 obteve a maior

porcentagem (91,1%), demonstrando considerar-se empoderado. O pai 4

também mostrou uma porcentagem alta (84,1%), seguido do pai 2 (79,4%). Os

pais 10 e 8 apresentaram menor empoderamento (47% e 54,7%,

respectivamente). As médias por Instituição de Ensino mostraram uma

diferença, sendo os pais da Instituição A os que apresentaram, no conjunto,

maior empoderamento (77,31). Relacionando os dados obtidos na Tabela 1

(sobre pais que recebem auxílios ou benefícios em termos de renda e que,

portanto, exigem seus direitos) com os resultados da Tabela 5 (sobre

empoderamento) é curioso observar que três de cinco pais (8, 11 e 13) não se

consideram empoderados, ficando abaixo da média de seu grupo (exceção pai

13) e da média do grupo como um todo.

Os resultados da Escala de Empoderamento Familiar (FES) por seus

respectivos fatores, são apresentados na Figura 3.

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0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

sistemas demilitância

conhecimento competência auto-eficácia

Fatores

Por

cent

agem

pai 1

pai 2

pai 3

pai 4

pai 5

pai 6

pai 7

pai 8

pai 9

pai 10

pai 11

pai 12

pai 13

1: Média geral; 2: Média dos pais da Instituição A; 3: Média dos pais da Instituição B.

Figura 3: Porcentagem obtida pelos pais na FES segundo seus fatores.

O fator 1 – Sistemas de Militância - obteve os menores escores

(variando de 40% a 80%, com média de 61,3) indicando um menor grau de

empoderamento por parte dos pais em relação a esse fator. Dito de outra

forma, os pais interagem pouco com profissionais e Instituições exigindo seus

direitos. Em Competência, os pais tiveram as porcentagens mais altas

(variando de 62,5% a 97,5%, com média de 78).

A média dos pais da Instituição A foi maior para Conhecimento (82,98),

Competência (82,91) e Auto-Eficácia (84,41) do que a média dos pais da

Instituição B. Em Sistemas de Militância, a média geral do grupo foi 61,3 e a

média dos pais por Instituição foi 60,71 (Instituição A) e 61,87 (Instituição B)

valores muito próximos. Além disso, esses valores foram os menores em

comparação com os outros fatores.

O pai 1 fez a maior porcentagem em Sistemas de Militância (80%) e

Conhecimento (98,1%) e, teve porcentagens próximas às maiores em

Competência (90%) e Auto-Eficácia (96,6%). As maiores porcentagens em

11 1 1

2

2 2 2

3 3 3 3

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Competência e Auto-Eficácia foram 97,5% (pai 4) e 100% (pais 2 e 4),

respectivamente.

O pai 10 apresentou a menor média, de 47,1. Ele pontuou as menores

porcentagens em Conhecimento (38,2%), Competência (62,5%) e Auto-

Eficácia (36,6%). A menor porcentagem em Sistemas de Militância (40%) foi

obtida pelo pai 3.

Em síntese, os pais da Instituição A mostraram maior empoderamento e

o fator Competência foi aquele no qual os pais obtiveram as maiores

porcentagens de empoderamento, considerando-se que são mais competentes

e pouco militantes em relação a seu filho e sua família.

Uma outra forma de análise das respostas dos pais aos itens da FES,

agora mais detalhada e seguindo a sugestão de Koren et al. (1992), está

representada na Tabela 6. A análise proposta por estes autores permite avaliar:

1) a forma pela qual empoderamento é expresso (atitudes, conhecimento e

comportamento) e 2) o nível de empoderamento quanto a família, sistemas de

serviços e comunidade/política. Segundo esses autores, empoderamento pode

ser expresso em termos de:

- atitudes: o que o pai sente e acredita;

- conhecimento: o que o pai sabe e pode fazer;

- comportamentos: o que o pai realmente faz.

Koren et al. também definem três níveis de empoderamento

relacionados a:

- família: situações imediatas que ocorrem pra casa, envolvendo,

portanto, o manejo de situações do dia-a-dia;

- sistemas de serviços: envolve o trabalho ativo dos pais com os

profissionais e Instituições para obter os atendimentos necessários aos seus

filhos;

- comunidade/política: envolve a militância dos pais em melhorar os

serviços que existem na comunidade para as crianças em geral.

DISCUSSÃO

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Este estudo procurou ir além de atender uma atual necessidade no

conhecimento das famílias brasileiras, apontada por Lewis e Dessen (1999):

conhecer suas características demográficas, bem como o tempo e

envolvimento dos pais com suas crianças, enfocando o pai da criança

portadora de deficiência mental. Do mesmo modo, procurou desfazer a lacuna

existente em estudos sobre famílias de deficientes, de acordo com Omote

(1996, 1998), qual seja: o de desconsiderar o pai nas entrevistas, assim como

estudar seu ponto de vista. O presente estudo, procurou, ainda, saber quanto

tempo os homens gastam com suas crianças que têm o desenvolvimento

comprometido, como eles gastam esse tempo e como seus pensamentos e

relações são afetados pelas inabilidades de seus filhos, uma necessidade

apontada por Lamb e Billings (1997).

No geral, podemos concluir a respeito dessa amostra que o pai de uma

criança com deficiência mental na faixa etária de 2 a 4 anos, de escolas

especiais públicas de São Carlos e Ribeirão Preto, apresenta um nível sócio-

econômico baixo, pouca escolaridade, pouco estresse quanto a presença de

um filho com deficiência mental, boa auto-estima em relação ao seu papel de

pai, um alto nível de empoderamento para com sua vida familiar (mas não em

nível de sistemas de serviços e comportamentos relacionados a

comunidade/política), além de um ambiente domiciliar pobre em estimulação a

criança.

Podemos ainda observar algumas diferenças entre os pais da Instituição

A e da Instituição B: os pais da Instituição B mostraram-se mais pobres, com

menos atividades de lazer (o que se relaciona a sua condição de maior

pobreza), iletrados, mais estressados (principalmente em Pessimismo e

Incapacidade Física), com menor auto-estima no seu papel de pai, com menor

nível de empoderamento e oferecendo um ambiente domiciliar pobre em

estimulação aos seu filho. Porém, a diferença encontrada quanto ao estresse,

empoderamento e ambiente domiciliar não foi considerada significativa no teste

não-paramétrico Mann Whitney.

Bailey, Blasco e Simeonsson (1992) relataram que as descobertas têm

sido variadas, às vezes relatando que as mães são significativamente mais

envolvidas que os pais e outras vezes, que os pais gastam um tempo

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significativo com seus filhos portadores de deficiência. Este estudo mostrou

que o tempo que os pais gastam com seus filhos portadores de deficiência

pode ser considerado significativo, pois 7 entre 11 pais gastavam mais de 6

horas diárias com eles. Contudo, devemos rever o quanto esse tempo

realmente é despendido em atenção, brincadeiras, cuidados, carinho e

estimulação a essas crianças, pois parece que os pais consideravam o tempo

que estavam próximos a elas, o tempo de dedicação a elas.

Assim, pudemos observar entre os pais participantes do presente

estudo, um perfil tradicional de pai, ou seja, as atividades primárias deles

centravam-se ao redor do mundo do trabalho, tendo pouco a fazer em relação

às atividades de cuidar de suas crianças. O pouco que tinham a fazer

acontecia quando a mãe não assumia tais atividades. Mesmo entre os pais

desempregados, encontramos este perfil, sendo uma parte das atividades

semanais do pai gastas com a procura de atividades remuneradas. Isso não

quer dizer que os pais não se dedicavam às crianças, pois considerando que a

maioria dos pais assumia poucas tarefas domésticas e de cuidados com as

crianças e dedicavam várias horas do seu dia ao trabalho, quando estavam

com as crianças despendiam seu tempo com atividades prazerosas (brincar e

ter lazer junto a elas).

E ainda, quando em casa, os pais mostraram bom relacionamento com

suas crianças, lhes fazendo companhia e procurando atender-lhes os pedidos.

Também eram fonte de apoio emocional e financeiro para as mães, as quais,

apesar de terem relatado que os pais poderiam ajudar mais em casa, estavam

satisfeitas com a participação que eles tinham, visão com a qual os pais

concordaram. Muitas mães chegaram, até mesmo, a considerar a participação

do pai na vida familiar como a “participação ideal”.

Diferentemente da afirmação de Kassotaki (2000), que mudanças

sociais têm influenciado os papéis tradicionais de homens e mulheres na

maioria dos países, os pais deste estudo ainda exercem um papel tradicional

em suas famílias. Os dados do presente estudo não confirmaram os dados da

literatura que dizem que hoje existem mais pais assumindo o cuidado de seus

filhos, mas confirmam os dados de Lewis e Dessen (1999), que em lares onde

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coabitam ambos os genitores, menos de dois porcento dos pais compartilham

igualmente as tarefas de cuidados da criança com as mães.

Os dados aqui encontrados refletem exatamente a afirmação de Cubero

e Moreno (1995), que os papéis, entre os pais de filhos em idade escolar,

continuam divididos: as mães continuam interagindo com seus filhos em

contexto de cuidados, enquanto as interações do pai continuam ocorrendo,

com mais freqüência, no contexto de jogo, com menos componentes físicos,

sendo mais de tipo verbal.

Entre as contribuições que Engle e Breaux (1998) destacaram que os

homens podem fazer aos filhos, os pais do presente estudo passavam parte do

seu tempo com a criança, tomaram a responsabilidade econômica pela criança

e reduziram as chances de criar um filho fora de uma parceria com a mãe da

criança. Além disso, os pais deste estudo eram envolvidos na tarefa de educar

a criança, algo que Omote (1996) coloca como um dever dos familiares do

deficiente. Porém, ele também coloca que os familiares devem ser envolvidos

na compreensão das dificuldades e limitações do deficiente, algo que não

ocorria entre muitos pais deste estudo, visto que não estabeleciam contato com

profissionais ou com outros pais de crianças com deficiência. Somando-se a

isso, nenhum deles relatou participar das decisões sobre o programa

educacional oferecido pela Instituição de ensino, uma atividade julgada por eles

de total responsabilidade da Instituição.

A maioria das famílias era nuclear, fato que, segundo Demo (1992)

influencia na relação pai-criança e no bem-estar da criança. O pai participava

das atividades de lazer que existiam na maioria das famílias. O nascimento da

criança foi uma ocorrência de impacto em suas vidas. A maioria deles já

passou por várias experiências de vida negativa e relatou ocorrências que

envolvem a criança como de impacto nas suas vidas.

Os resultados no Questionário de Recursos e Estresse de formato

reduzido (QRS-F), mostraram que os problemas dos pais e de sua família, as

características da criança e a incapacidade física da criança causam estresse,

mas em um nível razoavelmente baixo. Contudo, o fator Pessimismo, que diz

respeito ao pessimismo imediato e futuro sobre a perspectiva da criança

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alcançar auto-suficiência, provocou os maiores índices de estresse em todos

os pais.

Confirmando dados da literatura, na Escala de Senso de Competência

Parental (PSOC), os resultados mostrados por esses pais indicaram uma auto-

estima razoavelmente alta, porém, eles não se perceberam tão satisfeitos

quanto eficazes com o papel de pai.

Um resultado a ser destacado diz respeito ao empoderamento medido

pela Escala de Empoderamento Familiar (FES): oito dos treze pais obtiveram

porcentagens elevadas (acima de 70%) indicando que consideram-se

militantes, competentes, eficazes e com conhecimento para resolver questões

relacionadas aos filhos, exceto em Sistemas de Serviços, fator no qual

ocorreram índices mais baixos. Na outra forma de análise possível para este

instrumento, os menores escores foram obtidos em comportamentos

relacionados à comunidade/política (média de 41,69), indicando pouca atuação

destes pais no que diz respeito a seus direitos de cidadão e de seus filhos. Os

maiores escores foram obtidos em atitudes relacionadas à família (média de

85,76), indicando que esta população de pais percebeu-se como participativa

em assuntos relacionados à família.

O ambiente domiciliar oferecido pelo pai, na maior parte dos casos, pode

ser considerado pobre em estimulação e apoio disponível à criança, sendo as

áreas mais deficitárias as que dizem respeito a Materiais de Aprendizagem,

Estimulação de Linguagem, Estimulação Acadêmica e Variedade (viagens,

passeios e atividades culturais), que demandam maior empenho por parte dos

pais. O melhor ambiente domiciliar foi oferecido pelo pai que apresentou o

menor índice de estresse. Isso confirma o resultado significativo no coeficiente

de correlação entre HOME e QRS-F, que indicou uma relação negativa entre o

nível de estresse dos pais e o ambiente oferecido por eles, isto é, quanto mais

estressados, pior o ambiente que eles ofereciam e vice-versa.

Não houve relação entre a idade dos pais e o tempo gasto com as

crianças com os resultados na FES, PSOC, HOME e QRS-F, porém, o pai mais

velho, que era o mesmo que despendia o maior número de horas com seu

filho, obteve a melhor pontuação na PSOC, mostrando que era aquele com

maior auto-estima para o papel de pai.

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Um maior nível sócio-econômico se relacionou com o estresse e o nível

de auto-estima dos pais e o ambiente domiciliar que era oferecido à criança.

Porém, o nível de auto-estima não apresentou diferença significativa entre os

grupos de pais, assim como o estresse decorrido pela presença de um filho

com deficiência mental.

Os pais com melhor nível de escolaridade também eram os menos

estressados, ofereciam o melhor ambiente domiciliar a sua criança e

apresentavam a maior auto-estima. Já o nível de empoderamento não

apresentou diferença significativa entre os dois grupos de pais.

Tornar-se pai e receber a criança em casa representou aumento de

responsabilidades para esses pais. Quando souberam da deficiência de seus

filhos ficaram chocados, mas não se engajaram na procura de informações a

respeito (apenas 4 deles o fizeram). A partir desse estudo e de novas

descobertas a serem feitas, é necessário fazer com que os pais estabeleçam

vínculos com profissionais, Instituições e famílias de portadores de deficiência

mental como meio de adquirir informações relevantes na educação e cuidado

de seu filho. Além disso, a criação de métodos de transmissão de informações

para os pais constitui-se numa necessidade para os profissionais.

A participação nas decisões médicas e escolares da criança fora

bastante restritas para esses homens, já que não acompanhavam essas

rotinas o suficiente para tomar tais decisões, que eram tomadas pela mãe. Os

pais julgaram ter realizado coisas boas por seus filhos e esperavam fazer

muitas coisas ainda. A maioria deles não se sentia diferente dos pais cujos

filhos não tinham deficiência mental e se sentia reconhecido pelos esforços

despendidos com suas crianças. Todos se enquadraram em suas descrições

de um bom pai e se consideraram uma figura importante na vida da criança.

Além disso, 63,6% dos pais acreditavam em um futuro sem deficiência para a

criança.

Uma limitação no presente estudo é o número de pais. Para uma

caracterização é um número bastante reduzido, porém representa quase a

porcentagem total de pais da população escolhida (pais de crianças na faixa

etária de 2 a 4 anos que estudam em escolas públicas especiais), nas cidades

onde o estudo ocorreu. Outro fator que há de se considerar é a adequação dos

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instrumentos a estes pais. O Inventário HOME é americano e foi construído

pensando-se naquela população. PSOC e FES foram de difícil entendimento

para pais de baixo nível escolar. Pelo fato de haver poucos estudos sobre pais

(homens) de crianças com deficiência mental, sente-se a necessidade de

construir instrumentos mais apropriados para brasileiros de diferentes níveis

educacionais e sócio-econômicos para que se possa fazer uma representação

mais fiel desses membros de famílias de indivíduos com deficiência mental.

Também foi possível perceber, na avaliação dos pais com estes

instrumentos, a necessidade de aprovação social, destacada pelo alto índice

de respostas que retratam pais com auto-estima elevada, baixo nível de

estresse e nível alto de empoderamento. O esperado seria que pais

empoderados não oferecessem um ambiente domiciliar pobre em estimulação

e apoio à criança.

Embora as escalas sejam as mais utilizadas na literatura, deve-se

ressalvar que não se deve utilizar apenas um instrumento para avaliar

constructos tão complexos como estresse, empoderamento, auto-estima,

ambiente domiciliar, etc. Novos estudos deverão aprofundar o conhecimento

sobre esses constructos e a sua relação com a paternidade de crianças com

deficiência mental.

Futuros estudos poderiam, ainda, ampliar a caracterização desta população,

com pais de crianças, adolescentes e adultos de diferentes idades e de outros

tipos de Instituições, até mesmo que não pertençam a nenhuma Instituição. E,

por último, a população destacada neste estudo, de outras regiões do Brasil

também deve ser investigada, a fim de refinar-se o objetivo aqui almejado:

caracterizar o papel do pai brasileiro na educação da criança com deficiência

mental.