reconsideração fapesp
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Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Filosofia e Cincias
Campus de Marlia/SP
Felipe Resende da Silva
A relao ontolgica entre tdio e esclarecimento e sua
possvel contribuio terica para a educao humana e a
moral
Marlia
2015
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Resumo: Esta tese tenta lidar com a problemtica da educao, da emancipao e da
moral no mbito da Teoria Crtica - sob o prisma da cultura do tdio. Entendemos, em
primeiro lugar, que o problema do tdio no seria totalmente superado pela formao e
emancipao humana em virtude do atual estado da integrao social. Haveria um limite
de resistncia ante os mecanismos integratrios no qual, uma vez ultrapassado, nem
mesmo o exerccio implacvel da racionalidade sobre o atual estado de coisas do mundo
seria capaz de salvaguardar a integridade ontolgica da subjetividade. Ante esse limite,
acenamos para a necessidade de se pensar uma teoria da educao que no se satisfaa
em cultivar e exercitar a racionalidade nos homens, mas que procure atentar tambm para
a dimenso da fragilidade da existncia aps esta se formar e emancipar. Em segundo
lugar, entendemos que seria justamente essa dimenso frgil que englobaria qualquer
espcie de pessoa na perversa dinmica amoralista do tdio, capaz de conduzir
depresso, s perverses e at mesmo ao suicdio. A razo haveria de lidar no s com o
horror impronuncivel de Auschwitz (antevisto na moral libertina), mas inclusive com as
igualmente srias consequncias (a)morais da existncia perpassada por um tdio
profundo. Sob essas duas conjunturas, precisaramos entender a cultura do tdio como
uma consequncia da ao desumanizante do esclarecimento. No tdio, o raio de ao
desumanizador do esclarecimento no estaria limitado perverso das estruturas
socioculturais, mas tambm se estenderia aos danos que tal perverso provocaria sobre a
psique humana na forma de estigmas psquicos dificilmente sanveis.
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APRESENTAO E JUSTIFICATIVA
1. Propsito da pesquisa.
Em meu trabalho acadmico anterior1, busquei esclarecer o conceito de tdio a
partir da afirmao adorniana de que ele consistiria basicamente na manifestao de
deformaes que a totalidade social permite que acontea s pessoas (ADORNO, 2003,
S. 8477 [vgl. GS 10.2, S. 650])2. Para desenvolver essa citao, teci determinadas
consideraes no campo da arte, do trabalho e da cultura. Conclu que essas deformaes
sociais derivavam de ms formas socioculturais (ms mediaes) que subtraam do
homem experincias (Erfahrungen) e, por conseguinte, significados para viver.
Carecendo ele de significado existencial, no encontraria mais motivaes para agir no e
sobre o mundo. Faltando-lhe propsitos racionais para guiar sua ao, ou, quando os tm,
mas perde a liberdade para efetiv-los, seu interesse sobre as coisas mundanas
desintegrado entedia-se. Julguei, em certa conformidade com Adorno, que o problema
do tdio estaria atrelado questo da formao e emancipao: a esperana jazeria em
libertar-se da semiformao e dos mecanismos fetichistas no trabalho e tempo livre.
Porm, amparados em novas fontes tericas, cremos que pessoas formadas e emancipadas
no estariam imunes ao tdio - ainda permaneceriam sujeitas desumanizao. Seriam,
inclusive, to suscetveis uma dinmica amoralista do tdio quanto qualquer outro
indivduo. Sustentar tal proposio terica exigiria repensar a natureza do tdio e certas
concepes vigentes na Teoria Crtica da Sociedade em torno das problemticas moral
e esclarecimento e educao humana. No presente projeto, tentaremos acenar sobre os
motivos da necessidade desse repensar e as diretrizes que o guiariam na futura pesquisa.
1 SILVA, Felipe Resende da. A crtica de Theodor W. Adorno ao tdio: homem e cultura danificados. 2013.
151 f. Dissertao de Mestrado - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Cincias e Letras de Marlia. 2 [...] der Ausdruck von Deformationen, welche die gesellschaftliche Gesamtverfassung den Menschen widerfahren lt (Kulturkritik und Gesellschaft I/II. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, 2003).
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Para desdobrar o problema propomos, em primeiro lugar - tendo como fundo
terico a Dialtica do esclarecimento (1944) -, que a natureza ontolgica do tdio teria o
seu fundamento na dialtica do esclarecimento: o tdio seria uma consequncia da ao
desumanizante da razo. Entendemos que os escritos que tentaram traar a gnese do
tdio moderno pela vastido da histria recorreram invariavelmente
pontuao/descrio de fenmenos sociais e da cultura3. Devido a essa limitao
metodolgica, a estrutura fundamental de sua determinao fenomnica se mantm
velada. Tal velamento tem dificultado uma apreenso ontolgica mais precisa do tdio.
Se pudermos desvelar essa estrutura fundamental, provavelmente conseguiremos
colaborar de maneira significativa sobre o debate acerca de sua natureza: metafsico ou
no? Ora, se o tdio acompanhou os homens em diferentes perodos histricos e de vrias
maneiras e intensidades, credito a sua presena no a qualquer fora metafsica, mas aos
espasmos de irracionalidade propagados pelo esclarecimento antes de sediment-lo
espiritualmente na palavra tdio4. Ele estaria amparado sobre o contnuo insucesso da
razo em realizar plenamente as suas promessas humanidade. Em um perodo no qual
ela alcanou plena conscincia de si e de suas potencialidades o Iluminismo , de
maneira desconcertante constatou-se a simultaneidade de eventos desumanizantes
provocados pela sua falta de autorreflexo ao atuar sobre o real. Ao desencantar o mundo
at as ltimas consequncias, a razo gira em falso sobre si mesma e se autodissolve
preparando as condies fundamentais para o advento do tdio.
3 Vide por exemplo: Filosofia do tdio (1999) de Lars Svendsen; From idleness to boredom: on the historical development of modern boredom (2009) de Isis Leslie; Boredom: the literary history of a state of mind (1995), de P.M Spacks. 4 Da mesma maneira que Adorno e Horkheimer, na Dialtica do esclarecimento, ao observarem os cacos da histria identificaram traos prototpicos do homem burgus em Odisseu, poderamos dizer, para fins comparativos, que seria essa a inteno que procuro expressar neste ponto. Os elementos que vieram a
definir o termo burgus j estavam sendo gestados h sculos. Assim possivelmente seria com o tdio moderno.
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Em segundo lugar, lanamos a hiptese de que a ao desumanizante do
esclarecimento tanto pode produzir uma depravao da cultura e das estruturas sociais
quanto gerar estigmas psquicos (dificilmente sanveis) provenientes desse primeiro
momento. Inspirados em James Phillips (2009)5, enquadraramos esse raio de ao como
um caso de contaminao dialtica6. Mediante este conceito, tornamo-nos capazes de
apreender a dupla amplitude do esclarecimento que, no tdio, fenomenalizada de modo
exemplar: o horizonte de acontecimento do tdio est situado no estado de coisas do
mundo (no Zeitgeist) e na psique humana (como uma psicopatologia).
Valendo-nos desses dois pontos buscaremos, por fim, arquitetar um modelo
ontolgico dialtico-materialista do tdio para repensar a educao e a moralidade no
mbito da Teoria Crtica atravs de duas questes. Cito-as: [1] Formao e emancipao
realmente garantem uma imunidade contra as deformaes da sociedade global?; [2] No
haveria outra situao limite entre moral e esclarecimento, alm da libertinagem, capaz
de abarcar em seu mago qualquer tipo de pessoa, independentemente de seu nvel social
e cultural?
Acreditamos que a educao e emancipao dos sujeitos, embora
impreterivelmente necessrias vida social e poltica, tm os seus limites de resistncia
na medida em que pessoas formadas e emancipadas ainda so suscetveis s agruras do
tdio (em virtude da enorme presso exercida pelo processo de integrao social).
Tambm acreditamos que h outra situao limite entre moral e esclarecimento alm
daquela representada na Dialtica do esclarecimento no captulo Juliette: ou
esclarecimento e moral, posto da experincia do tdio profundo ser capaz de induzir
5 PHILLIPS, James. Becketts boredom. In: Essays on Boredom and Modernity. Amsterdam/New York, NY, 2009, IV, pp. 109-126. 6 O referido termo sintetiza o tratamento que Adorno dava totalidade do real: nada permanece inclume
no mundo.
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qualquer indivduo aes que oscilam entre a integrao e a desintegrao social ou at
mesmo inanidade do agir.
A contaminao dialtica presente nessa problemtica encontra a sua
clarificao quando unimos criticamente a teoria da semicultura adorniana, o tdio e a
psicanlise. Essa tripla combinao fornece os elementos bsicos para compreendermos
uma cultura do tdio. A cultura do tdio seria caracterizada no apenas por uma m
mediao cultural7, mas tambm por seu carter pervasivo: mesmo aps a conquista da
conscincia crtica, o aparelho psquico continuaria a ser perigosamente pressionado por
mecanismos sociais deformantes. A natureza opressiva dessa pervasividade seria capaz
de produzir estigmas psquicos capazes de minar de modo sutil e contnuo a
consistncia da subjetividade. justamente no perigoso campo dessa inconsistncia da
subjetividade que vislumbramos outra situao limite entre moral e esclarecimento:
quando o homem se entedia profundamente, tudo possvel. Quando o tdio no se
manifesta mais somente de maneira neurtica (quando uma situao entediante, por
exemplo), mas de modo psictico (quando tudo irremediavelmente entediante, todo o
tempo), h um considervel risco de se adentrar em um estado amoralista no qual no se
tenta refutar qualquer possibilidade ou escarnecer dos preceitos da moral, e muito menos
relativiz-la. A capacidade de julgamento moral simplesmente desvanece. De algum
modo, os valores mundanos esto implodidos tudo se torna insignificante, desprovido
de substncia. Sob essa crise valorativa, admitimos duas formas de existncia possveis.
A primeira, partindo de Joseph Boden (2009)8, seria o advento do demonaco:
vandalismo, abuso de drogas e consumismo, por exemplo, seriam algumas das infindas
7 A ttulo de esclarecimento: essa m mediao exemplificada no ensaio adorniano ber den Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hrens (1938), do ponto de vista subjetivo, pela postura fetichista do indivduo perante um objeto cultural; de ponto de vista objetivo, pela depravao da
alta cultura atravs de sua superexposio pelos meios de comunicao de massa. 8 BODEN, Joseph. The Devil Inside: Boredom Proneness and Impulsive Behaviour. In: Essays on Boredom and Modernity. Amsterdam/New York, NY, 2009, IV, pp. 203-223.
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prticas compulsivas e/ou extremas dos entediados. A segunda, baseando-nos em Maria
Rita Kehl (2009)9, seria a paralisia ou a sria constrio do agir advinda de um crnico
estado de desnimo existencial e, em casos ainda mais graves, o suicdio.
No entanto, a exposio desse delicado quadro j traria em si as diretrizes
tericas para confront-lo. [1] Pensar-se-ia uma crtica cultural que levasse em conta no
s a urgncia do cultivo e exerccio da racionalidade pela educao e emancipao como
preveno da barbrie, mas que tambm percebesse o perigo existencial a que o homem
ainda estaria sujeito mesmo aps a conquista de sua racionalidade. [2] A razo, assim,
necessitaria atentar tanto para o horror da recorrncia de Auschwitz quanto para um sutil
processo de desumanizao presente na falsa calma (na vida falsa) do mundo.
DESENVOLVIMENTO GERAL
2. A promessa da razo.
Na poca do iluminismo, a razo finalmente adquirira conscincia de si mesma
e dos princpios normativos responsveis por nortear a libertao universal dos homens
ante a opresso da natureza, dos regimes absolutistas e das ideologias clericais. Todos os
indivduos so, por direito, iguais e livres. Qualquer tentativa de hierarquizao do gnero
humano no passaria de uma racionalizao ou misticismo barato com o intuito de
preservar alguma forma ilegtima de poder. A meta suprema dos homens consiste na
emancipao plena: a livre organizao individual e social atravs da atividade racional
livre liberada de qualquer coero externa. Realizar objetivamente a Vernuft, desse modo,
seria o mote bsico para uma existncia subjetiva e coletiva mais dignas.
Sob esse clima otimista, a grande tarefa dos filsofos iluministas foi a de
construir as bases tericas de suas filosofias em consonncia com as novas exigncias de
9 KEHL, Maria Rita. O tempo e o co: a atualidade das depresses. So Paulo: Boitempo, 2009.
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uma humanidade que superou finalmente seu estado de inferioridade ante as foras da
natureza e da sociedade. Dentre esses filsofos, Hegel foi um dos fundamentais. No
obstante, a sua influncia intelectual sobre a primeira gerao da Teoria Crtica
incontestvel. O conceito de razo elaborado por Hegel - em seus aspectos gerais
partilhado em comum tanto por Adorno quanto Horkheimer e Marcuse. Para desenvolver
o assunto valho-me, no projeto, da leitura que Marcuse fez da ideia de razo hegeliana
em Reason and revolution: Hegel and the rise of social theory (1941). Neste livro,
Marcuse interpreta que em Hegel a ideia de razo cerceada pelos termos conceito,
sujeito, liberdade e esprito. Parte-se do seguinte raciocnio:
Atravs de sua razo, o homem capaz de reconhecer no s as suas
potencialidades subjetivas de desenvolvimento, como inclusive as potencialidades de
desenvolvimento do mundo. Ele no est lanado na realidade para observ-la de maneira
passiva, porque capaz de submet-la a critrios racionais e julgar se ela est ou no est
em conflito com a razo. O que os seres humanos pensam ser o bom, o verdadeiro
e o certo precisa se tornar realidade. Como fundamento bsico dessa tarefa, necessrio
postular conceitos e princpios de pensamento remetentes a normas e condies
universais (vlidas para todos os sujeitos). A totalidade formada por esses conceitos e
princpios constitui a razo.
Mas para que ela se objetive e passe a governar a realidade, necessrio que o
homem - verdadeiro sujeito do mundo - irrompa no contedo da histria e da natureza.
Sujeito, como explica Marcuse (1941)10, no somente eu ou conscincia
epistemolgica: ele uma forma de existncia caracterizada como uma unidade que se
autodesenvolve atravs de processos contraditrios. Sob essa lgica, a identidade do
homem caracterizada no em um isto aqui, mas em um alm disto, ou seja, negao
10 MARCUSE, Herbert. Reason and revolution: Hegel and the Rise of Social Theory. London: Routledge
& Kegan Paul, 1941.
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constante da certeza sensvel mediante a conscincia das potencialidades intrnsecas de
seu desenvolvimento. S o ser humano possui o poder de se autodeterminar em todos os
processos de seu vir-a-ser por ser consciente de suas potencialidades e conhecer
conceitos. Estes dois fatores so fundamentais para a existncia da categoria mais
importante da razo: a liberdade. Por um lado, a razo dependente da liberdade
no sentido do homem poder agir de acordo com o conhecimento da verdade, de conseguir
ajustar o real s suas potencialidades. Por outro lado, a liberdade depende da razo,
pois s havendo conhecimento compreensivo que o sujeito se qualifica para a conquista
e prtica da liberdade. O fim da razo a liberdade, e o meio especfico para
realizar esse fim se d pelo sujeito. A razo, porm, s existe na objetivao de seu
ser. Essa interpenetrao entre razo e liberdade est inserida na histria, e a luta que
acontece ao longo dela para adaptar a realidade aos imperativos da razo representada
pelo conceito esprito. Cada estgio da histria humana marca um nvel distinto do
desenvolvimento do esprito. O potencial de realizao da razo e da liberdade
seria condicionado pelas instituies polticas e sociais, e pelos saberes fundamentais -
cincia, religio e filosofia - de seu tempo (formando a totalidade do Zeitgeist). A poca
do Iluminismo foi quando o homem ousou confiar em seu esprito e submeter a
realidade aos critrios da razo.
3. A razo autotrada e o tdio; tdio, educao e moral.
Paralelamente a esse otimismo, um certo mal-estar circulava entre os homens.
Obras filosficas e literrias expressavam um grande descontentamento com os rumos da
civilizao e da cultura. Essa inquietude se intensificou nas primeiras dcadas do sculo
XX, nas quais dois grandes eventos de barbrie assolaram a Europa. Nasce nesse perodo
obscuro a Dialtica do esclarecimento, expondo tal conflito de opinies sobre os rumos
da humanidade como pertencentes prpria natureza do esclarecimento. Esta consiste em
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um jogo de foras opostas contidas na razo: sob o otimismo do progresso racional do
mundo est escondido o perigo da regresso ao arcaico. Na contemporaneidade, o arcaico
se rebelou como nunca havia feito. J.M Bernstein expe de um jeito sintomtico o quadro
geral desse problema:
A Dialtica do Esclarecimento uma tentativa de prover uma anlise
conceitual de como foi possvel do processo racional do esclarecimento
o qual pretendia garantir a liberdade do medo e a soberania humana
se transformar em formas de dominao polticas, sociais e culturais nas
quais os humanos so privados de sua individualidade e a sociedade
comumente esvaziada de um significado humano11 (BERNSTEIN,
2006, p.21. Traduo minha, grifos meus)12.
Em outro texto de Bernstein (2001)13 achamos mais detalhes. Primeiramente, o
projeto do esclarecimento conseguiu realizar de maneira parcial seus ideais polticos
formulados no perodo Iluminista em torno da liberdade, da igualdade e da
fraternidade (ou seja, em realizar a razo no mundo). Em segundo lugar, seu projeto
tico-moral tambm falhara. Deus e os valores emanados por ele esto mortos; e a
razo, responsvel por concluir o projeto do esclarecimento e substituir Deus, est
eclipsada. Essa dupla falta da razo converge para o ofuscamento histrico de seus
termos fundamentais: sujeito, esprito, liberdade e conceito. O tdio seria
justamente uma consequncia concreta desse ofuscamento.
No tdio, expressa-se a sensao de impotncia do sujeito no mundo; a crise do
significado da existncia e a priso existencial em um ciclo de repetitividade vazia. Esses
trs fatores circundam em volta da crise de algo caro a Adorno, que a Erfahrung.
Acompanhando o esteio terico de Robert French e Jen Thomas (1999)14 e de Iain
11 Como veremos a seguir, a falta de significado um fenmeno atrelado ao tdio. 12 Dialectic of Enlightenment is the attempt to provide a conceptual analysis of how it was possible that the rational process of enlightenment which was intended to secure freedom from fear and human
sovereignty could turn into forms of political, social, and cultural domination in which humans are deprived
of their individuality and society is generally emptied of human meaning (Negative dialetics as fate: Adorno and Hegel. In: Cambridge companion to Adorno. Cambridge University Press, 2006). 13 BERSTEIN, J.M. Adorno: disenchantment and ethics. Cambridge University Press, 2001. 14 Maturity and education, citizenship and enlightenment: an introduction to Theodor Adorno and Hellmut Becker, Education for maturity and responsibility. In: History of the Human Sciences, August, Vol. 12, n.3. London: 1999, 1-19.
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Macdonald (2011)15 podemos, de modo bsico, sintetizar esse conceito como a
capacidade de experienciar a no-identidade por meio da atualizao constante das
possibilidades de ser do homem e do mundo ou seja, uma experincia que vai alm
daquela restrita lgica da dominao, do processo de integrao social. De um lado, a
Erfahrung constituda pelo cultivamento do indivduo (por meio da formao cultural)
com o propsito de dot-lo de racionalidade. Entende-se por racionalidade a
possibilidade de autoafirmao subjetiva no mundo16 e a capacidade dessa subjetividade
julgar e agir conscientemente no e sobre mundo no qual se autoafirmou17. Do outro lado,
a Erfahrung ainda seria a possibilidade do novo (Neu) no mundo, o desdobramento das
potencialidades do real para alm do sempre-igual (Immergleich)18. Esses dois
momentos representariam sinttica e complementarmente a educao, a emancipao e a
concepo de progresso (Fortschritt) real pela atualizao do conceito.
O ofuscamento da razo, seguindo tudo o que foi dito at agora, seria a
sensao de impotncia, a dessignificao e a repetitividade vazia do mundo como a crise
do sujeito e a impossibilidade do conceito pelo cerceamento da liberdade devido
ao Zeitgest estar sob o liame da integrao social propagada pelo esclarecimento. O tdio
seria parte do mal presente nas relaes que condenam as pessoas impotncia e
apatia (ADORNO, 2003, S. 3127 [vgl. GS 6, S. 191]. Traduo minha)19, a priso na
certeza sensvel (sinnliche gewissheit) advinda da desintegrao objetiva da linguagem
(um dos principais sinais da crise poltica do projeto do esclarecimento)20:
15 MACDONALD, Iain. Cold, cold, warm: Autonomy, intimacy and maturity in Adorno". In: Philosophy Social Criticism: April, 2011, p.1-21. 16 Constituio de uma identidade. 17 Capacidade de julgar e agir sobre mundo atravs de sua razo e alm do princpio de identidade. 18 Como expe Martin Jay em Songs of experience: modern American and European variations on a
universal theme (2005) e Jay Bernstein (2001). 19 [...] den Verhltnissen, welche die Menschen zur Ohnmacht und Apathie verdammen (Negative Dialektik. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, 2003). 20 No livro Adorno: eine Biographie (2003), de Stefan Muller-Doohm, h uma passagem na qual o autor
expe uma afirmao de Adorno que relaciona intimamente a desintegrao da linguagem com o avano
da dominao social. Tal relao caracterizada pelo anulamento social e poltico do sujeito.
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O esclarecimento no s despiu (blo) os smbolos como tambm
corroeu (aufgezehrt) o seu sucessor os conceitos universais -, e da
metafsica no restou nada alm da angstia abstrata perante o coletivo
do qual ela nasceu (ADORNO E HORKHEIMER, 2003, S. 1137 [vgl.
GS 3, S. 39], traduo minha)21.
Em seu irrefrevel anseio de libertar os homens do medo e al-los condio
de senhores, a razo deixa de refletir sobre si e acaba se autotraindo. No s o sagrado,
mas at mesmo os critrios racionais (norteadores do processo civilizatrio e
emancipatrio) foram taxados de delrio cognitvo. O esclarecimento no se contentou
em desgastar o arcabouo terico das ideologias hierrquicas que apequenavam o homem,
tambm o fez com os contraconceitos capazes de libert-lo de seu estado de menoridade22.
Desorientada e trancafiada na certeza sensvel, a vida deixa de viver e passa a se
contentar com a sua mera administrao. Gerida por um pensamento paranoico fixado na
autoconservao, que s valoriza o que pode ser calculvel e til, ela recai naquilo que
queria evitar: a rudeza. A autoconservao social demanda que a vida se ajuste
conformao do real (ao isto aqui), que abdique da liberdade caso deseje perdurar no
sistema. sob esse estado de opresso integratria que o homem conduzido ao tdio
moderno, ao que Walter Benjamin (1982)23 definiu como eterno-retorno (Wiederkehr).
Neste, perpetua-se um falso movimento de progresso: apesar de todo avano tcnico e
econmico no tecido da sociedade moderna, a vida e as coisas - barbaramente reificadas
- permanecem em estado estacionrio, esvaziadas de Erfahrung.
21 Die Aufklrung hat schlielich nicht blo die Symbole sondern auch ihre Nachfolger, die Allgemeinbegriffe, aufgezehrt und von der Metaphysik nichts briggelassen als die abstrakte Angst vor
dem Kollektiv, aus der sie entsprang (ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialektik der Aufklrung. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, 2003). 22 Chegando inclusive ao ponto, como comenta Peter Wagner em The problematique of economic modernity: Critical Theory, political philosophy and the analysis of capitalism (2005), de nenhum contraceito ser capaz de combater efetivamente a regresso do esprito no estado atual de coisas. A filosofia
adorniana seria profundamente marcada por esse problema: ela estaria alicerada sobre uma ontologia negativa do mundo enquanto situao paradigmtica da razo. Ter-se-ia que mover o pensamento pelos conceitos em um estado de coisas no qual esses pouco teriam a dizer, pois esvaziados de substncia, daquele
grande potencial crtico que haviam adquirido no Iluminismo. 23 BENJAMIN, Walter. Das Passagen-Werk. In: Gesammelte Schriften, v.1. Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag, 1982.
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Ante esse agressivo fenecimento experiencial, poderiam a formao e a
emancipao ainda salvaguardar o homem do fenmeno integratrio do esclarecimento?
Sou levado a acreditar que sim, mas no totalmente e tenho na cultura do tdio meus
motivos. A sua violncia objetiva chegou em um nvel capaz de suplantar os critrios
tradicionais de formao e emancipao como resistncia social24. Encontramos a pista
para entend-la a partir do seguinte trecho: A cada visita ao cinema, plenamente
consciente25, eu saio mais idiota e pior (ADORNO, 2003, S. 1667 [vgl. GS 4, S. 26].
Traduo minha, grifos meus)26. Embora parea um exagero de Adorno alardear sobre o
perigo de deformao ontolgica de sua cultura e de sua existncia, Alex Thomson
(2006)27 aponta que o filsofo volta a se inquietar com esse pensamento em seu curso
Problems of Moral Philosophy (1962/3):
Eu iria quase ao ponto de dizer que at a aparentemente inofensiva
visita ao cinema que censuramos a ns prprios deveria realmente ser
acompanhada pela percepo que tais visitas so, na verdade, uma
traio dos insights que adquirimos e que elas possivelmente iro nos
enredar admitidamente s a um grau infinitesimal, mas com certeza
com efeito cumulativo nos processos que nos transformaro naquilo
em que estamos destinados a nos tornar (ADORNO, apud Thomson,
2006, p.87-88. Traduo minha, grifos meus)28.
24 Nota importante: procuro desenvolver os prximos trs pargrafos, inicialmente, atravs de uma
aproximao crtica entre o entrelaamento de duas afirmaes de Adorno. Uma aponta que a irracionalidade da sociedade burguesa em sua fase tardia rebelde contra o fato de deixar ser
compreendida (ADORNO, W. Theodor. Noten zur Literatur. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9261 [vgl. GS 11, S. 284] Traduo minha). A outra consiste: a organizao do mundo [...] exerce uma presso to imensa sobre as pessoas, que supera toda educao (ADORNO, Theodor. Educao e emancipao. Traduo: Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995 p.143). Trata-se, em suma, de acenar um possvel trao de irracionalidade na formao humana,
originado pelo esprito, mas que veio a se destacar do raio de ao deste. Para aprofundar o paradigma, em
um segundo momento, vou utilizar Freud. Cito-o em breve, no corpo do texto. 25 Sugesto de traduo alternativa deste perodo: apesar de toda precauo ou apesar de todo cuidado. 26 Aus jedem Besuch des Kinos komme ich bei aller Wachsamkeit dmmer und schlechter wieder heraus (ADORNO, Theodor. Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschdigten Leben. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, 2003). 27 THOMSON, Alex. Adorno: a guide for the perplexed. New York: Continuum, 2006. 28 I would almost go so far as to say that even the apparently harmless visit to the cinema to which we condemn ourselves should really be accompanied by the realization that such visits are actually a betrayal
of the insights we have acquired and that they will probably entangle us - admittedly only to an infinitesimal
degree, but assuredly with a cumulative effect - in the processes that will transform us into what we are
supposed to become.
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A curiosa insistncia de Adorno a respeito desse problema tratou provavelmente
mais de uma desconfiana do que uma certeza. Mas o que para o frankfurtiano foi uma
incerteza , para ns, o ponto de confirmao da dvida. Apesar de ser um indivduo
formado e emancipado, Adorno exibe (de maneira no intencional) a sua fragilidade ante
a irracionalidade objetiva. Expondo-a, so revelados tanto os limites dos potenciais de
resistncia do sujeito quanto dos contedos normativos da formao diante do atual
estado da sociedade administrada. No somente a cultura, mas at a subjetividade
suscetvel (por infindas variveis) contaminao dialtica, aquela violncia
objetiva que mencionei. razovel afirmar que um organismo exposto desde seu
nascimento at sua morte s irracionalidades do esclarecimento sofra os efeitos destas em
sua constituio ntima. A violncia da semiformao intrusiva, e ainda mais em uma
cultura do tdio. A cultura do tdio o estgio final do progresso da semicultura. Se
Adorno aponta (2003)29 que a semiformao o esprito subjugado pelo fetichismo da
mercadoria, sugiro que a cultura do tdio o esprito tomado pelo impulso totalitrio.
Nela, ningum est completamente seguro da regresso da conscincia e de sua
humanidade, e o exerccio de resistncia no garante nenhuma redeno. possvel
resistir, mas at que ponto, dado que, em certa medida, os processos deformadores
ultrapassam o domnio da racionalidade?30 Nos loci da experincia mutilada por essa
hiperviolncia cicatrizes psquicas podem ser criadas, e nelas habita o tdio, a tendncia
regresso que est alm da nossa capacidade de censura. A afirmao de Freud, de que
na vida anmica nada do que uma vez se formou pode desaparecer, de
que tudo de algum modo continua preservado e, sob circunstncias
adequadas (por exemplo, atravs de uma regresso de longo alcance)
29 ADORNO, Theodor. Soziologische Schriften I. In: Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, 2003. 30 Em meu mestrado, para esboar esse paradoxo da conscincia autnoma, apontei: O crtico que condena o esquema da racionalizao do tempo na sociedade moderna e reclama de tdio ao esperar o avio para
embarque no est to mais livre que o resto. A mesma conscincia que critica a dependncia social dos
homens ante a exatido dos ponteiros logo se torna a sua devota irrepreensvel na espera pelo momento
exato que a mover para longe de onde ela no quer mais estar (SILVA, 2013, p.117).
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pode novamente ser trazido tona (FREUD, 1930, p.12-13, traduo
minha, grifos meus)31
ilustra a ideia bsica de minha hiptese. Virtualizados na vida anmica, os
estigmas psquicos minam a consistncia da subjetividade na medida em que reafloram
como sintoma neurtico ou at mesmo psictico. Porm, no se trata de um recalque, mas
de um inculcamento. Em virtude disso, ajustes so necessrios. De jeito anlogo ao fato
de algum inculcar a vivncia de um evento traumtico e ser capaz de reviv-lo
internamente pelos mais variados motivos (ou at mesmo por nenhum motivo aparente),
o tdio permanece no subterrneo da psique espera da emerso32. Uma vez danificada
a instncia inconsciente do aparelho psquico, no h qualquer garantia de libertao do
estigma pelo advento da autoconscincia. A cultura do tdio porta em si, portanto, a dupla
face do poder coisificante do esclarecimento. Existe uma faceta de ordem social, poltica
e cultural, circunscrita no mbito do Zeitgeist, e outra psicopatolgica, interconectada aos
elementos da primeira faceta mas escapante ao raio de influncia da racionalidade ou
do esprito por ter um carter intrusivo, capaz de gerar estigmas psquicos. No entanto,
cremos que, ao reconhecer essas duas facetas, teramos a chance de ampliar o horizonte
e a fora da crtica em volta da problemtica da formao humana. Sendo mais claros:
seria mister centrarmo-nos na tarefa de cultivar e exercitar a racionalidade como
tambm atentar para um horizonte ainda obscuro de nossa fragilidade - passvel de nota -
em processos deformadores que transpassam a racionalidade e afetam nossa psique.
Por fim, vemos na dinmica amoralista do tdio um desdobramento notvel da
desintegrao da linguagem e dessa estigmatizao psquica. Para entender essa dinmica
e esse desdobramento partimos da Fundamentao da metafsica dos costumes (1785),
31 Im Seelenleben nichts, was einmal gebildet wurde, untergehen kann, da alles irgendwie erhalten bleibt und unter geeigneten Umstnden, z. B. durch eine so weit reichende Regression, wieder zum Vorschein
gebracht werden kann (FREUD, Sigmund. Das Unbehagen in der Kultur. Wien: Internationaler Psychoanalityscher Verlag, 1930). 32 Podemos exemplificar atravs da antecipao do sentimento de tdio pela cincia de termos de participar
de algo desinteressante, ou de ataques compulsivos de tdio em momentos inesperados.
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um dos estandartes filosficos da moral secularizada. Nessa obra, como argumentam
Cesar Candiotto (2011)33 e Douglas G. A. Junior (2004)34, Kant procurou fundamentar
um princpio universal capaz de apontar as condutas exigveis de qualquer ser racional e
em quaisquer circunstncias. Tal princpio seria a razo pura prtica, no sentido da
faculdade racional ser encarregada das aes morais. A fundamentao racional das leis
morais emanaria da conscincia autodeterminante do sujeito liberta de qualquer contedo
emprico (sentimentos e interesses pessoais, por exemplo), visando provar a validade
universal da mxima subjetiva (uma lei moral legtima) e fundar o puro respeito s leis
(que a boa vontade). Por meio desse esforo intelectual, Kant tentou salvar a
racionalidade da ao em pleno crepsculo dos deuses. Mas eis que em Sade,
contemporneo de Kant, Adorno e Horkheimer (2003) j enxergaram o terror da
subverso da prpria doutrina moral kantiana. Lendo Juliette (1791), os frankfurtianos se
depararam com a crise da teleologia transcendente (mtica) e da teleologia transcendental
(da razo). Juliette simboliza o motejo de todos os valores morais da civilizao ocidental,
e utiliza os prprios artifcios da razo para faz-lo. Ela derrota a civilizao com as suas
prprias armas, classificando noes como compaixo e justia como juzos
arbitrrios, frutos da tolice humana em proteger os desalentados. Chega, inclusive, a
relativizar a noo de bem e mal para praticar atrocidades sociais.
Mas se nesses dois quadros ainda se pressupunha um sujeito capaz de deliberar
e escolher seus atos morais (para o bem ou para o mal), vemos no tdio profundo a
impossibilidade da escolha moral por parte de qualquer pessoa. No existe escolha moral
porque o mundo perde significado, a noo de bem e mal desaparece: nenhum valor
e nenhuma linguagem consegue ser captada no real pela sensibilidade e pensada pelo
33 CANDIOTTO, Cesar. tica e dever moral em Kant. In: tica: abordagens e perspectivas. 1 ed. Curitiba: Champagnat, 2010, v. 1, p. 71-86. 34 JUNIOR, Douglas Garcia Alves. Dialtica da vertigem: Adorno e a filosofia moral. So Paulo: Ed.
Escuta, 2005.
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entendimento. Perdura somente a neurose ou a psicose tautolgica apontada por Boden
(2009) e Ferrel (2004): and nothing to lose but boredom. A perda de um esteio teleolgico
materializada na ambiguidade das escolhas randmicas, no vacuum demonaco que,
alm da pseudo-atividade, integra em si aes socialmente caticas ou estados
letrgicos. No consumismo, no vandalismo, no suicdio, na depresso, nas perverses
sexuais e no abuso de narcticos decorrentes do tdio, a falncia da razo oscila entre o
perigo do caos social e a manuteno do sempre-igual.
Esse caso da no-experincia moral no tdio no estaria limitado mutilao de
experincias intersubjetivas (representada exemplarmente pela apatia social).
Consideraramos em adio a mutilao de experincias de si para consigo mesmo
provocada pela angstia psquica advinda de uma objetividade opressora, como
discretamente sugere o aforisma 105 de Minima moralia, por exemplo35. Neste aforisma,
a degradao da experincia e a insnia so o paradoxal ponto de encontro entre o horror
fsico e metafsico: h o medo de uma violenta aniquilao fsica que se entrecruza com
o tdio de viver quando no pertencemos mais a ns prprios. No entanto, sob tal
paradoxo negativo - revelador de nossa fragilidade existencial - podemos antever o
criptograma de uma nova tarefa moral da razo: no s evitar a repetio de Auschwitz,
mas inclusive atentar para o perigo da falsa calma (na vida falsa) do mundo.
OBJETIVOS GERAIS: [1] Traar uma relao ontolgica entre tdio e esclarecimento
com o intuito de apontar que o tdio no metafsico; [2] ensaiar a aplicao terica de
um modelo ontolgico do tdio (a ser pensado em [1]) para repensar certas concepes
no campo da educao e da moral vigentes na Teoria Crtica da Sociedade.
OBJETIVOS ESPECFICOS (divididos em etapas):
35 Ao longo de O tempo e o co: a atualidade das depresses (2009), de Maria Rita Kehl, possvel
testemunhar um exemplo mais claro dessa dupla dimenso tensionante na anlise relacional entre a
decadncia da experincia, depresso e a crescente e implacvel tecnificao do mundo.
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Primeira etapa: [1] Discursar sobre a natureza (emancipadora e desumanizante) da
razo; [2] fundamentar uma ontologia dialtico-materialista do tdio por meio da anlise
de sua historicidade atrelada ao movimento desumanizante do esprito nos fenmenos de
desintegrao da linguagem, integrao social e crise da cultura;
Segunda etapa: [3] Desdobrar o pensamento adorniano em torno da educao e
emancipao a partir do conceito racionalidade; [4] por meio de uma apropriao crtica
dos escritos de Adorno e Freud, apontar os limites deste conceito sob o prisma da cultura
do tdio enquanto exemplo de contaminao dialtica (fenmeno atinente ao Zeitgeist
mas tambm fisicalidade [psicopatologia], que desvela a dupla amplitude do
esclarecimento e [do tdio]) para pensar uma teoria crtica da educao que leve em conta
a fragilidade psquico-existencial do homem formado e emancipado;
Terceira etapa: [5] Explorar inicialmente o problema entre moralidade e esclarecimento
sob duas modulaes a moralidade iluminista kantiana e a moralidade libertina -; [6]
expor uma terceira modulao enquanto outro horizonte paradigmtico entre moral e
esclarecimento - representada pela falncia da moralidade em situaes que carecem
aguda ou cronicamente de significado - para pensar um novo horizonte moral da razo
que atente no s ao perigo de Auschwitz, mas para alm dele (notavelmente
exemplificado no amoralismo proveniente de um tdio profundo).
PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA
2015 2016 2017 2018 2019
Bimestres 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 1
Atividades
Cumprimento das disciplinas x x x x x
Leitura e Anlise da bibliografia x x x x x x x x x x x x x x x x x x
Execuo da primeira etapa x x x x x x
Execuo da segunda etapa x x x x x x
Redao da Tese para o Exame
de Qualificao
x x x x
Exame de Qualificao da Tese x
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Execuo da terceira etapa x x x x x x
Reviso bibliogrfica x x
Redao da Tese x x x x x
Defesa da Tese x
METODOLOGIA
O mtodo da pesquisa se centrar basicamente na leitura, anlise de textos e apreenso de
conceitos referentes ao problema em questo.
APRESENTAO DOS RESULTADOS
Pretende-se analisar os resultados da pesquisa com apresentaes de seu desenvolvimento
em Congressos, Encontros, Simpsios, Colquios, bem como a publicao de artigos, que
apresentem tais resultados, em revistas e peridicos acadmicos.
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