a instituição da conciliação e o poder judiciário

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE DANIELA GERMANO MOURA DE QUADROS A INSTITUIÇÃO DA CONCILIAÇÃO E O PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2012

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Trata-se de um Trabalho de Conclusão de Curso, de uma aluna formada na USP sobre os meios alternativos de solução de litígios.

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    DANIELA GERMANO MOURA DE QUADROS

    A INSTITUIO DA CONCILIAO E O PODER JUDICIRIO

    So Paulo

    2012

  • DANIELA GERMANO MOURA DE QUADROS

    A INSTITUIO DA CONCILIAO E O PODER JUDICIRIO

    Trabalho de Graduao Interdisciplinar

    apresentado Faculdade de Direito da

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    como requisito parcial obteno do grau

    de Bacharel em Direito

    Orientador: Prof. Dr. Hamid Charaf Bdine

    Jnior

    So Paulo

    2012

  • DANIELA GERMANO MOURA DE QUADROS

    A INSTITUIO DA CONCILIAO E O PODER JUDICIRIO

    Trabalho de Graduao Interdisciplinar

    apresentado Faculdade de Direito da

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    como requisito parcial obteno do grau

    de Bacharel em Direito

    Aprovado em:

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________________________

    __________________________________________________________________________

    __________________________________________________________________________

  • EPGRAFE

    "O bom juiz no precisa julgar; sua autoridade seria

    bastante para conciliar os litigantes."

    Carlos Drummond de Andrade

  • RESUMO

    O presente trabalho traz como objeto de estudo a aplicao dos meios

    alternativos de resoluo de conflitos pelo Poder Judicirio, j que fundamental a

    revoluo na prestao jurisdicional com incentivo cultura da pacificao.

    No primeiro captulo da monografia feito um breve estudo histrico dos

    conflitos, assim como os primrdios dos meios de composio, sendo que no

    segundo captulo so trazidos detalhes sobre o Poder Judicirio Brasileiro

    importantes para os pontos tericos posteriormente expostos.

    No terceiro captulo tem incio uma parte do trabalho mais voltada aos meios

    alternativos de soluo de conflitos, com seus aspectos jurdicos e psicolgicos, sua

    repercusso no mundo e nos diversos ramos do Direito.

    Em seguida feita uma anlise do Conselho Nacional de Justia, do

    Movimento pela Conciliao e da Semana Nacional de Conciliao, assim como da

    Resoluo n 125.

    No ltimo captulo so ponderadas as vantagens e desvantagens das

    solues alternativas de conflitos, visando uma melhor aplicao desses mtodos.

    Por fim, a concluso, onde a partir dos dados e conceitos anteriormente

    expostos se chega a sntese de que o objetivo dos meios alternativos fazer com

    seja disseminada a cultura de gerenciar os conflitos e que o cidado no terceirize

    tal resoluo ao Estado.

    Palavras-chave: Conflito, Meios alternativos de soluo de controvrsias,

    Resoluo n 125 do Conselho Nacional de Justia.

  • ABSTRACT

    The present work has as object of study the application of alternative dispute

    resolution by the judiciary, since it is fundamental revolution in the judgment to

    encourage culture of peace.

    In the first chapter of the monograph is made a brief historical study of the

    conflicts, as well as the beginnings of the means of composition, while in the second

    chapter are brought details of the Brazilian Judiciary important theoretical points later

    exposed.

    In the third chapter has a beginning of the work more focused on alternative

    means of resolving conflicts with their legal and psychological aspects, its impact in

    the world and in various branches of law.

    Then an analysis is made of the National Council of Justice, the Movement for

    Reconciliation Week and National Reconciliation, and Resolution n. 125.

    In the last chapter are considered the advantages and disadvantages of

    alternative solutions to conflicts, to improve the application of these methods.

    Finally, the conclusion, where from the data and concepts set forth above is

    reached that the synthesis of alternative objective is to widely disseminate the culture

    of managing conflicts and that the citizen does not outsource this resolution to the

    State.

    Keywords: Conflict, Alternative means of dispute resolution, Resolution No.

    125 of the National Council of Justice.

  • SUMRIO

    INTRODUO...........................................................................................................09

    Cap. 1 O CONFLITO...............................................................................................12

    1.1 Origem.......................................................................................................12

    1.2. Conflitos e as formas de soluo..............................................................13

    1.3. Meios de composio...............................................................................15

    1.3.1. Autotutela....................................................................................15

    1.3.2. Autocomposio..........................................................................15

    1.3.3 Heterocomposio.......................................................................17

    Cap. 2 PODER JUDICIRIO BRASILEIRO............................................................18

    2.1. Histria......................................................................................................18

    2.2. Crise da Justia........................................................................................19

    Cap. 3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUO DE CONFLITOS.........................25

    3.1. Aspectos Jurdicos e Psicolgicos............................................................26

    3.1.1. Movimento de Acesso Justia..................................................26

    3.1.2. Justia Conciliativa X Modelo Contencioso................................30

    3.1.3. Pacificao Social.......................................................................31

    3.2. Direito Comparado: A soluo alternativa dos conflitos pelo mundo.......33

    3.2.1. Argentina.....................................................................................33

    3.2.2. Estados Unidos da Amrica........................................................34

    3.2.3. Frana.........................................................................................36

    3.2.4. Espanha......................................................................................38

    3.2.5. sia.............................................................................................39

    3.2.6. Alemanha....................................................................................40

    3.2.7. Portugal.......................................................................................41

    3.2.8. Grcia..........................................................................................42

    3.2.9. Inglaterra.....................................................................................42

    3.2.10. Itlia...........................................................................................43

    3.2.11. Brasil.........................................................................................43

    3.3. Meios de resoluo alternativa de conflito nos diferentes ramos do

    Direito...............................................................................................................45

    3.3.1. Direito Pblico.............................................................................45

    3.3.2. Direito de Famlia........................................................................47

  • 3.3.2.1. Divrcio..........................................................................48

    3.3.2.2. Guarda dos Filhos.........................................................50

    3.3.2.3. Alimentos.......................................................................51

    3.3.2.4. Penso do ex-cnjuge...................................................52

    3.3.2.5. Investigao de Paternidade.........................................52

    3.3.3. Direito Internacional....................................................................53

    3.3.4. Direito Empresarial......................................................................54

    3.3.5. Direito Penal................................................................................55

    3.3.6. Direito Civil..................................................................................56

    3.3.7. Direito do Trabalho......................................................................58

    Cap. 4 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA, MOVIMENTO PELA

    CONCILIAO E A SEMANA NACIONAL DE CONCILIAO.................................61

    Cap. 5 RESOLUO N 125 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA.............64

    5.1. Inteligncia, Centralizao de servios e Capacitao............................66

    5.2. Anlise da Resoluo n 125....................................................................67

    Cap. 6 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO ACESSO JUSTIA POR MEIOS

    ALTERNATIVOS........................................................................................................69

    6.1. Vantagens.................................................................................................69

    6.2. Desvantagens...........................................................................................71

    CONCLUSO.............................................................................................................73

    BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................76

    ANEXO Resoluo n 125 do Conselho Nacional de Justia.................................80

  • 9

    INTRODUO

    O presente trabalho foi proposto tendo em vista a importante relevncia de se

    ter uma poltica pblica de tratamento adequado dos conflitos de interesses que

    ocorrem na sociedade.

    O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judicirio o da

    soluo adjudicada dos conflitos, que se d por meio de sentena do juiz, gerando

    assim a chamada cultura da sentena e consequentemente um aumento da

    quantidade de recursos, acarretando um congestionamento nas instncias ordinrias

    e tambm nos Tribunais Superiores e na Suprema Corte.

    lio do Desembargador aposentado do Tribunal de Justia de So Paulo e

    Professos-Doutor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de So

    Paulo, Kazuo Watanabe que:

    O princpio de acesso justia, inscrito no n. XXXV do art 5 da

    Constituio Federal, no assegura apenas acesso formal aos rgos

    judicirios, e, sim, um acesso qualificado que propicie aos indivduos o

    acesso ordem jurdica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham

    qualquer problema jurdico, no necessariamente um conflito de interesses,

    uma ateno por parte do Poder Pblico, em especial do Poder Judicirio.

    (...) O objetivo primordial que se busca com a instituio de semelhante

    poltica pblica a soluo mais adequada dos conflitos de interesses, pela

    participao decisiva de ambas as partes na busca do resultado que

    satisfaa seus interesses.1

    So patentes as transformaes sofridas pelo mundo moderno, mormente

    nas ltimas duas dcadas. A globalizao, a facilidade da comunicao e ampla

    disseminao da notcia, as transformaes industriais e tecnolgicas exigem rpida

    e efetiva soluo para os conflitos de interesses. Nesse contexto, diz Maria Ins

    Corra da Cerqueira Csar Targa:

    (...) o aumento da litigiosidade, no Brasil, determinou o insustentvel

    crescimento de aes judiciais, sem que, a par disso, houvesse

    aparelhamento adequado dos rgos jurisdicionais j existentes e

    crescimento, proporcional demanda, de seu nmero e de Juzes para

    1 WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 4.

  • 10

    neles atuar. A incapacidade do Judicirio de ministrar justia em pequeno

    espao de tempo tornou-se fator de instabilidade social. Em decorrncia do

    quadro acima descrito foi necessria a adoo de alternativas concretas

    soluo dos litgios. (...) Por outro lado, a autocomposio dos litgios, a

    soluo buscada pelas partes envolvidas nos conflitos, passou a ser

    incentivada e tambm regulamentada.2

    No cultura do povo brasileiro a busca pelas formas de composio de

    conflitos, estando enraizada na nossa tradio a busca pelo Poder Judicirio.

    Todavia, outros pases j adotam de forma costumeira as formas alternativas de

    soluo de conflitos, implementando melhorias do desempenho do instituto, tanto na

    consecuo de um nmero maior de acordos, quanto na evoluo da qualidade

    desses acordos, acarretando a verdadeira conciliao das partes em conflitos.

    A sociedade brasileira vive grandes transformaes e estas tm ensejado

    considerveis desigualdades entre as pessoas. As pessoas tornam-se

    individualistas, e a comunicao entre elas resta dificultada. Ao surgirem

    adversidades, antes da tentativa de resoluo atravs do dilogo, da pacificao da

    controvrsia por meio da comunicao entre as pessoas, procura-se um terceiro,

    atribuindo-lhe a responsabilidade de decidir sobre o conflito.

    Destarte, imperioso o estabelecimento pelo prprio Poder Judicirio de uma

    poltica pblica de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estimulando e

    mesmo induzindo a uma ampla utilizao, em nvel nacional, dos meios consensuais

    de soluo de conflitos.

    Estabelecer essa poltica funo do Conselho Nacional de Justia, que por

    sua vez, vem entendendo que lhe cabe fixar a implementao de diretrizes nacionais

    para nortear a atuao institucional de todos os rgos do Poder Judicirio, tendo

    em vista sua unicidade.

    Disso tudo, conclui-se que cabe ao Poder Judicirio, atravs do Conselho

    Nacional de Justia, organizar os servios de tratamento de conflitos por todos os

    mecanismos adequados, e no apenas por meio da adjudicao de soluo estatal

    em processos contenciosos, cabendo-lhe em especial institucionalizar, em carter

    2 TARGA, Maria Ins Corra de Cerqueira Csar. Mediao em Juzo. So Paulo: LTr, 2004, p. 19.

  • 11

    permanente, os meios consensuais de soluo de conflitos de interesses, como a

    mediao e a conciliao.

    Desse modo, o que se pretende com a presente pesquisa , primeiramente,

    mostrar a evoluo legislativa pertinente s tcnicas de resoluo alternativa de

    conflitos e, aps, discutir e demonstrar que diante dos princpios que regem o Direito

    Constitucional e o Direito Processual Civil, tais resolues alternativas tendem a

    corroborar para uma justia clere e eficaz, devendo sim, estas tcnicas receberem

    uma proteo especial do ordenamento jurdico.

  • 12

    Captulo 1 O CONFLITO

    1.1 - Origem

    A palavra conflito originada do latim conflictus. Tal instituto inerente dos

    seres humanos que entram em conflitos externos, que nos primrdios era

    principalmente visando sua sobrevivncia, e conflitos internos, que so oriundos do

    arquivo de conceitos, princpios e sentimentos de cada um3. Com a evoluo o ser

    humano passou a entender suas vontades e a resolver seus prprios conflitos sem

    utilizar a luta armada nem a conhecida justia com as prprias mos. A busca pela

    paz social levou o homem a administrar o conflito e buscar formas de evit-lo,

    contorn-lo e resolv-lo, segundo Aristteles, o homem faz justia e busca a

    harmonia na terra.

    Diante desse quadro, qual seria a funo do Direito? Quando um dos

    envolvidos quer satisfazer seu interesse, porm a outra parte no permite, surge a

    pretenso. O Direito, ento, se impe aos desajustes e reequilibra o poder dos

    indivduos, propiciando assim a pacificao social, sendo uma das maneiras mais

    conhecidas e desenvolvidas pelo homem. Com isso se chega definio clssica de

    lide apresentada por Francesco Carnelutti: conflito de interesses qualificado por

    uma pretenso resistida.

    Ao longo da histria diversas teorias foram desenvolvidas, como Karl Marx e

    suas reflexes sobre o conflito social que acabou por influenciar pases como

    Alemanha, Inglaterra e a prpria Amrica. Recentemente, os estudos referentes ao

    conflito tem um enfoque scio-psicolgico, ampliando o estudo das alternativas de

    soluo dos conflitos. O conflito no envolve apenas o aspecto jurdico, mas tambm

    sociolgico, psicolgico e filosfico. Para o professor da Universidade do Mxico,

    Luis Octavio Vado Grajales, os meios alternativos so uma forma de resolver

    3 SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e Prtica da Mediao de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

    1999, p. 13.

  • 13

    conflitos humanos e um tema que tem tanto a ver com o Direito quanto com a

    Psicologia4.

    A interdisciplinaridade considera os fenmenos a partir de uma viso holstica,

    e teve incio na Frana em 1970 atravs da proposta de um rompimento das

    especificaes e do enfoque limitado a um ou poucos prismas do objeto a ser

    analisado, proporcionando, assim, uma evoluo da Cincia de uma forma geral.

    1.2 Conflitos e as formas de soluo

    Os conflitos podem, a primeira vista, serem considerados como situaes

    negativas, porm como definiu Deutsch Morton:

    O conflito simplesmente a manifestao ou instrumento de mudanas.

    Reflete o perodo transacional entre tipos de cultura e a derrocada de

    normas e valores cristalizados; constitui um conjunto de fases de

    cristalizao e desintegrao de congruncias entre expectativas e

    gratificaes; um processo poltico atravs do qual um status quo

    testado ou alterado; ou constitui um fenmeno cclico.

    O conflito fator de conhecimento e evoluo. Existem dificuldades inerentes

    dos conflitos como os fatores pessoais e psquicos que podem anteparar a atuao

    estatal eficaz na extino das controvrsias.

    Conforme Jandt5, a disputa tem como principais funes:

    a) estabelecer os limites dos grupos na medida em que fortalece a coeso e

    a separatividade;

    b) reduz a tenso e permite a manuteno da interao social sob presso;

    c) clareia objetivos;

    d) resulta no estabelecimento de normas;

    4 www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/direito_processual_civil.htm. In: TARTUCE, Fernanda.

    Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p.25. 5 JANDT, F. E. Conflict resolution through communication. New York, 1984. In: SERPA, Maria de

    Nazareth. Teoria e Prtica da Mediao de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 32

  • 14

    e) sem ele, as relaes se acomodam e resultam em subordinao ao invs

    de entendimento.

    Ainda podemos dividir a grosso modo os benefcios do conflito em duas

    esferas. Na pessoal, serve como estmulo do processo de autoconhecimento do

    homem. J na esfera social o benefcio ainda maior, pois ajuda na criao e

    reutilizao das leis. Entretanto, o conflito pode se tornar nocivo quando os meios

    para resoluo destes so errneos.

    Para o Desembargador Marco Aurlio Gastaldi Buzzi:

    sistemas prprios para soluo de conflitos menos complexos, de

    contendas mais singelas, podem ser contemplados desde remotos perodos

    da nossa histria at a atualidade, assim est na passagem bblica de Jac

    e Labo, bem como nos encargos atribudos a Moiss, na destacada

    valorizao que os Romanos davam conciliao, observando a edificao

    do templo dedicado deusa Concrdia sempre ao lado do prdio do Frum,

    bem assim colhem-se notcias entre os povos chineses, persas, helnicos,

    cartagineses, germanos, anglo-saxes, indo-europeus, at os nossos dias,

    valendo citar o modelo de soluo de controvrsias adota pelos pragmticos

    Mongis, temveis guerreiros das estepes, conhecidos pelo grande poder de

    mobilidade, os quais, ante querelas internas, observavam as deliberaes

    adotadas pelo Kurultai, pequeno conselho formado por voluntrios, dotados

    de formao, e de oficiais dos exrcitos.6

    O processo judicial clssico uma das mais importantes conquistas do

    Estado Democrtico de Direito, todavia, os conflitos simples podem e devem ser

    resolvidos de modo tambm simples, valendo-se dos meios alternativos de soluo

    de conflitos como negociao, mediao, conciliao etc, j que a deciso judicial

    abafa o conflito por um deciso coercitiva, concluindo o processo chamado de

    intramuros por Eliana Riberti Nazareth7, mas no modifica significativamente a

    sociedade para que possa evoluir.

    6 BUZZI, Marco Aurlio Gastaldi. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional.

    Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 46. 7 TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p.36.

  • 15

    1.3 Meios de composio

    Importante analisar os mecanismos de composio de forma detalhada para

    que sejam aplicados de forma eficiente conforme cada conflito social.

    1.3.1 Autotutela

    Neste mecanismo a disputa solucionada pelas prprias partes. Segundo

    Moacyr dos Santos, a forma primitiva, e ainda no totalmente extinta, de soluo

    dos conflitos de interesses individuais ou coletivos.8 Seria a conhecida e mal vista

    justia com a prprias mos que por ser a primeira forma de soluo encontrada

    pelo homem considerada primitiva, pois no causa o efeito de justia mas sim de

    subordinao entre o mais forte e o mais fraco. Segundo Chiovenda a autotutela

    uma atividade meramente privada, movida por impulsos e intenes particulares e

    egosticos, embora consentidos e moderados pelo Estado9.

    1.3.2 Autocomposio

    Conforme Ada Pellegrini Grinover durante um longo perodo, a

    heterocomposio e a autocomposio foram considerados instrumentos prprios

    das sociedades primitivas e tribais, enquanto o processo jurisdicional representava

    insupervel conquista da civilizao, ressurge hoje o interesse pelas vias

    8 TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 37.

    9 TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 38.

  • 16

    alternativas ao processo, capazes de evita-lo ou encurta-lo, conquanto no o

    excluam necessariamente10.

    A autocomposio uma das formas de resoluo de conflito em que as

    partes buscam a soluo conciliativa atravs de uma multiplicidade de

    instrumentos11, e o terceiro atua apenas como auxiliador das partes. A busca pelo

    consenso e pelos meios alternativos de soluo de conflitos a tnica do Poder

    Judicirio uma vez que extremamente vantajoso que as partes se comuniquem e

    conjuntamente superem no s o litgio, mas tambm restabeleam a relao

    pessoal ou profissional.

    Como preceitua Rodolfo de Camargo Mancuso, a autocomposio pode

    manifestar-se no plano pr-processual ou no plano judicirio, conciliando-se as

    partes12. A autocomposio se divide basicamente na composio feita pelas

    partes, sem a interveno de um terceiro, chamada de autocomposio direta, que

    se divide em negociao e transao. Temos a autocomposio mediada ou

    assistida que se aquinhoa na composio em que as partes so auxiliadas por um

    facilitador neutro, ou seja, que no prope alternativas, estamos diante de uma

    mediao, e, quando a composio tem a participao de um terceiro que interfere

    ativamente de forma imparcial propondo opes para a celebrao do acordo,

    opera-se a conciliao.

    A neutralidade ou a imparcialidade no so absolutas j que os terceiro tem

    valores pessoais que influenciaro na sua atividade, mesmo que ele se esforce para

    agir de modo neutro.

    Alexandre Arajo Costa ressalta que a imparcialidade do terceiro no uma

    exigncia lgica, mas tica, somente fazendo sentido dentro de uma perspectiva que

    valorize a subjetividade das pessoas e que considere legtimo apenas o acordo que

    10

    GRINOVER, Ada Pellegrini. Fundamentos da Justia Conciliativa. Revista da Escola Nacional de

    Magistratura, v. 2, n. 5, abr. 2008, p. 1. 11

    GRINOVER, Ada Pellegrini. Fundamentos da Justia Conciliativa. Revista da Escola Nacional de

    Magistratura, v. 2, n. 5 , abr. 2008, p. 1. 12

    MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Separata da Revista dos Tribunais, ano 93, v. 820, p.17, fev. 2004.

    In:TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 47.

  • 17

    realizado por uma vontade livremente expressada, o que implica a ausncia de

    influncias externas, como ameaas, subornos ou presses13.

    Em sntese, em todas as formas de autocomposio o conflito solucionado

    pelas partes e a existncia do terceiro (mediador/conciliador) serve apenas como um

    facilitador para que as partes reorganizem suas posies sem deixarem-se levar

    pelas emoes.

    1.3.3 Heterocomposio

    Tal mecanismo ocorre quando um terceiro, alheio ao conflito, define a

    soluo, sendo que esta ter carter impositivo em relao s partes.

    A heterotutela se divide em duas vias: arbitragem, em que o terceiro escolhido

    pelas partes decide o impasse; e jurisdicional, no qual h a provocao do Poder

    Judicirio por uma das partes e o terceiro (autoridade estatal investida de poder

    coercitivo) impe uma deciso.

    Contudo, Ada Pellegrine Grinover conclui que o instrumento de

    heterocomposio, embora apresente altos mritos, sendo mais adequada do que o

    processo para um determinado grupo de controvrsias, ainda um mtodo

    adversarial, em que a deciso imposta as partes14.

    13

    COSTA, Alexandre Arajo. Estudos em arbitragem, mediao e negociao, v. 3, Braslia: Grupos de

    Pesquisa, 2004, p. 174. 14

    GRINOVER, Ada Pellegrini. Fundamentos da Justia Conciliativa. Revista da Escola Nacional de

    Magistratura, v. 2, n. 5, abr. 2008, p. 01.

  • 18

    Captulo 2 PODER JUDICIRIO BRASILEIRO

    2.1 Histria

    No Brasil, mesmo antes da independncia, j existia um interesse pela

    implementao das solues amigveis dos conflitos. As Ordenaes Filipinas, no

    Livro 3, T. 20, 1, dizia:

    E no comeo da demanda dir o Juiz a ambas as partes, que antes que

    faam despezas, e se sigam entre elles os dios e dissenses, se devem

    concordar, e no gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque

    o vencimento da causa sempre he duvidoso(...).

    Com a Constituio do Imprio em 1824, foi adotada uma poltica pblica

    abrangente dos conflitos estabelecendo no artigo 161 que sem se fazer constar que

    se tem intentado o meio de reconciliao, no se comear processo algum.

    O Cdigo do Processo Criminal, em novembro de 1832, disciplinou, dentre

    outros aspectos sobre o processo civil, sobre o procedimento da conciliao. No

    dizer de Moacir Lobo da Costa, essa lei foi inspirada nas ideias liberais de que

    estavam imbudos os homens que detinham o poder, destinava-se a transformar o

    processo civil em instrumento mais dctil e menos complicado, despindo-o de atos e

    formalidades inteis e de recursos excessivos, para possibilitar distribuio de

    justia mais rpida e menos dispendiosa15.

    Infere-se que apesar da nossa primeira Carta Poltica ter institudo uma

    poltica pblica de tratamento de conflitos de interesses, acabou perecendo por

    razes polticas e por falta de adequada implementao.

    15

    COSTA, Moacir Lobo da. Breve notcia histrica do Direito Processual brasileiro e de sua literatura.

    So Paulo: RT, p. 6-10. In: WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria

    Nacional. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 07.

  • 19

    2.2 Crise da Justia

    sabido que o ressurgir dos meios alternativos de soluo devido, em sua

    grande parte, pela intensa conflituosidade enfrentada pelo Poder Judicirio nacional,

    com sobrecarga de processos, gerando inmeras mazelas que prejudicam a

    efetividade e, principalmente, a credibilidade da Justia. O Poder Judicirio Brasileiro

    no evoluiu, no que diz respeito ao aperfeioamento e administrao da Justia, na

    mesma velocidade e intensidade que o Direito Processual.

    Segundo Paulo Henrique dos Santos Lucon, a partir da Constituio de 1988

    ocorre atualmente uma descompensao funcional da Justia16. Aponta Maria

    Tereza Sadek que a mera transformao estrutural por que passou a sociedade

    brasileira, de predominantemente agrria e rural para industrial e urbana, num

    intervalo de menos de 50 anos, tomando como ponto de partida o incio da dcada

    de 1930, justificaria a multiplicao dos conflitos. Esta potencialidade de conflitos foi,

    no entanto, em grande parte, contida pela ausncia de vida democrtica e pelo

    descrdito na justia17.

    Conforme ensina Ada Pellegrini Grinover:

    A morosidade dos processos, seu custo, a burocratizao na gesto dos

    processos, certa complicao procedimental; a mentalidade do juiz que nem

    sempre lana mo dos poderes que os cdigos lhe atribuem; a falta de

    informao e de orientao para os detentores dos interesses em conflito;

    as deficincias do patrocnio gratuito, tudo leva obstruo das vias de

    acesso Justia e ao distanciamento entre o Judicirio e seus usurios. O

    que no acarreta apenas o descrdito na magistratura e nos demais

    operadores do Direito, mas tem como preocupante consequncia a de

    incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em

    conflitos sociais. () Por outro lado, o elevado grau de litigiosidade,

    prprio da sociedade moderna, e os esforos rumo universalidade da

    jurisdio constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de

    juzes e tribunais. E a soluo no consiste exclusivamente no aumento do

    16

    LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Teoria geral do processo e novas tendncias do direito

    processual. In: TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 190. 17

    SADEK, Maria Tereza. Judicirio: mudanas e reformas. So Paulo: Estudos Avanados, v. 18, n 51,

    maio-ago 2004, p. 86.

  • 20

    nmero de magistrados, pois quanto mais fcil for o acesso Justia,

    quanto mais ampla a universalidade da jurisdio, maior ser o nmero de

    processos, formando uma verdadeira bola de neve.18

    .

    A crise do Poder Judicirio no se trata apenas de discusso acadmica

    simplesmente, mas sim de temas presentes no senso comum como o no acesso

    justia pela maior parte da populao, exploso de litigiosidade, congestionamento

    do Poder Judicirio como burocratizao, etc. 19

    Basicamente a crise do Judicirio se d diante da falta de adequao do

    sistema organizativo s exigncias da evoluo scio-econmica acelerada do

    homem. Para o Professor Kazuo Watanabe a crise decorre da falta de uma poltica

    pblica de tratamento adequado dos conflitos de interesses que ocorrem na

    sociedade20. Atualmente o mecanismo de soluo de conflito adotado pelo

    Judicirio nacional o da soluo adjudicada dos conflitos, que se d por meio da

    sentena do magistrado, gerando a cultura da sentena21.

    Porm, diante do volume exacerbado de demandas, fica quase impossvel

    que os juzes tenham tempo para analisar cautelosamente cada processo e como

    consequncia, para Mrcio Yoshida, ocorre uma queda da qualidade dos servios

    prestados comunidade, quer pela morosidade na tramitao dos processos, quer

    pela precariedade do atendimento s partes litigantes e aos seus advogados, quer

    pela sobrecarga de trabalho para os juzes encarregados de julgar e ou instruir um

    excessivo nmero de processos22.

    A cultura da sentena, pela sua posio antagonista, faz com que as

    partes, reais interessadas, sejam pouco ouvidas e colocadas como inimigas,

    18

    GRINOVER, Ada Pellegrini. Fundamentos da Justia Conciliativa. Revista da Escola Nacional de

    Magistratura, v. 2, n. 5 , abr. 2008, p. 02. 19

    ARRUDA JR. Introduo sociologia alternativa. p. 47. In: SALES, Llia Maria de Morais. Justia e

    Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey. 2004, p. 63. 20

    WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 03. 21

    WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 04. O termo cultura da sentena foi criado por Kazuo Watanebe como forma de justificar o momento atual vivido pelo Brasil que gera o aumento da quantidade de recursos, congestionando

    assim todas as instncias do Poder Judicirio. 22

    YOSHIDA, Mrcio. A pirmide conciliatria, p. 01. In: SALES, Llia Maria de Morais. Justia e

    Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey. 2004, p. 63.

  • 21

    determinando-se que ao final da demanda teremos um ganhador e um perdedor,

    acarretando uma insatisfao que reprimida e pode gerar novas lides.

    Nossa Constituio Federal, em seu inciso XXXV do artigo 5, assegura o

    princpio de acesso justia, e este por sua vez no se limita apenas a garantir o

    acesso formal aos rgos do Judicirio, mas tambm que tal acesso seja de

    qualidade, propiciando ao jurisdicionado o acesso ordem jurdica justa. Essa

    poltica pblica de tratamento adequado dos conflitos de interesses23,

    estabelecida pelo Judicirio, tem como objetivo principal a soluo dos conflitos de

    interesse de forma adequada, com a participao decisiva das partes na busca pelo

    resultado satisfatrio para ambas, funcionando como um filtro da litigiosidade24

    que assegurar o acesso ordem jurdica justa, tendo como consequncia a

    reduo do volume de demandas no Judicirio.

    A adoo dos mecanismos alternativos de soluo das controvrsias no

    pode ser regulada simplesmente pela economia processual e pela maximizao da

    prestao jurisdicional, na realidade no pode-se abolir todo o processo vivido pelo

    nosso pas, que acarretou o sistema judicirio atual, e utilizar-se apenas das formas

    alternativas de soluo dos conflitos uma vez que direito fundamental do

    jurisdicionado a apreciao pelo Poder Judicirio da leso ou ameaa do direito.

    Como torna inteligvel Roberto Portugal Bacellar, a mediao no visa acabar ou

    competir com as atividades do Poder Judicirio, at porque nenhuma leso ou

    ameaa de direito pode ser substituda do Poder Judicirio25.

    Cabe ressaltar que o ensino jurdico brasileiro moldado pelo sistema da

    dialtica, de forma a criar profissionais combativos que buscam, com a lide, medir

    foras at haver apenas um vencedor. Carnelutti ao definir lide dispe que a mesma

    um conflito de interesses qualificado por uma pretenso resistida, assim se

    no houver a resistncia do outro, no haver lide e assim no haveria motivo pelo

    qual instaurar uma relao jurdico-processual. Contudo, uma viso restrita ao

    23

    WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 05. 24

    WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 05. 25

    BACELLAR, Roberto Portugal. A mediao no contexto dos modelos consensuais de resoluo de

    conflitos, p. 128. In: SALES, Llia Maria de Morais. Justia e Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey.

    2004, p. 67.

  • 22

    pedido, pode no entrever os reais interesses das partes, no alcanando o

    postulado maior do Poder Judicirio, qual seja a pacificao social.

    Para exemplificar tal assertiva o Prof. Amauri Mascaro Nascimento, em

    palestra proferida na Faculdade de Direito de Curitiba, relatou que, quando era juiz

    do trabalho da 1 Junta de Conciliao e Julgamento de So Paulo, teria se

    deparado com uma situao com os seguintes contornos: um empregado ingressou

    com ao trabalhista contra sua empregadora, alegando ter trabalhado vrios anos

    em seu estabelecimento comercial e que nunca teria sido registrado. No incio da

    audincia o juiz deu incio s tratativas para conciliao. Relatou que abriu o leque

    de opes para viabilizar um acordo, props uma composio, indagando da

    possibilidade de haver pagamento parcelado ou em percentual sobre o valor do

    pedido. Todavia, em determinado momento o empregado dirigiu-se a ele e disse:

    Na verdade, doutor, o que eu quero que ela aceita casar comigo!.

    Embora percebendo a contradio entre a afirmao do empregado e a lide,

    permitiu que a narrativa continuasse. Dizia o empregado: Ns vivemos muitos anos

    juntos, 'tocamos' juntos a confeitaria e h alguns meses eu acabei por beber um

    pouco demais... Ela me expulsou de casa, trocou as fechaduras das portas e agora

    no quer mais se casar comigo. O Prof. Mascaro diante da inusitada situao

    buscou extrair da mulher seus interesses em relao ao relacionamento com o

    empregado, e teve como desabafo da empregadora que era viva e que seu

    falecido marido a teria incomodado bastante em razo do alcoolismo, e ainda

    concluiu que s aceitaria a proposta do empregado se ele se comprometesse a

    no mais beber lcool. O homem por sua vez afirmou que por fora da ruptura havia

    largado de beber e a mulher ento aceitou receb-lo em matrimnio.

    Tal exemplo demonstra que algumas vezes a causa apresentada em juzo,

    com todos os artifcios inseridos pelos advogados para torn-la favorvel ao seu

    cliente, acaba por descaracterizar e absorver os verdadeiros interesses. Destarte,

    indispensvel buscar todos os aspectos que envolvem o conflito para que haja uma

    eficiente resoluo e no apenas uma soluo superficial da conflitualidade social.

    O Poder Judicirio, em um regime democrtico, deve visar a efetivao da

    cidadania, porm pouco adianta conferir direitos aos jurisdicionados sem lhes

  • 23

    oferecer meios para efetivar esses direitos. Conforme entendimento de Christopher

    W. Moore, para que o alcance dos meios alternativos de composio seja ampliado

    so necessrias quatro consideraes:

    primeiro, o pblico precisa ser mais informado sobre a disponibilidade da

    mediao e de sua capacidade para lidar com problemas habituais de

    interesse (...). Segundo, mais pesquisas precisam ser produzidas sobre os

    formatos, procedimentos, estratgias e tticas da mediao, e os achados

    devem ser divulgados. (...) Terceiro, a mediao deve se tornar mais

    altamente institucionalizada. (...) Quarto, devem ser desenvolvidos recursos

    que promovam o crescimento das organizaes e agncias de mediao

    nos setores privados e pblicos26

    .

    Deve-se reorganizar as funes do Estado e da sociedade, sendo

    desenvolvidas parcerias entre o Poder Pblico e a comunidade e s esta

    multiplicidade de objetivos pode tornar a justia mais democrtica. Professor Kazuo

    Watanabe complementa que a poltica pblica a ser adotada pelo Judicirio deve

    estabelecer:

    a) obrigatoriedade de implementao da mediao e da conciliao por

    todos os tribunais do pas; b) disciplina mnima para a atividade dos

    mediadores/conciliadores, como critrios de capacitao, treinamento e

    atualizao permanente, com carga horria mnima dos cursos de

    capacitao e treinamento; c) confidencialidade, imparcialidade e princpios

    ticos no exerccio da funo dos mediadores/conciliadores; d)

    remunerao do trabalho dos mediadores/conciliadores; e) estratgias

    para gerao da nova mentalidade e da cultura da pacificao,

    inclusive com criao pelas faculdades de direito de disciplinas

    especficas para capacitao dos futuros profissionais do direito em

    meios alternativos de resoluo de conflitos, em especial a mediao e

    a conciliao; f) controle Judicirio, ainda que indireto e a distncia, dos

    servios extrajudiciais de mediao/conciliao27

    .

    Em sntese, a cultura da composio, que est sendo implantada no nosso

    ordenamento aos poucos, gerar maior coeso social, determinando transformaes

    26

    MOORE, Christopher W. O processo de mediao estratgias prticas para a resoluo de conflitos, p. 321-322. In: SALES, Llia Maria de Morais. Justia e Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey. 2004,

    p. 77. 27

    WATANABE, Kazuo. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p. 06.

  • 24

    importantes na organizao da sociedade brasileira, incutindo nas universidades e

    consequentemente no corpo discente uma viso dilatada e social, incutindo uma

    conscincia de que cabe ao profissional do direito atuar na orientao, pacificao,

    preveno e composio amigvel antes de buscar uma soluo contenciosa para

    os conflitos.

  • 25

    Captulo 3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUO DE CONFLITOS

    Segundo um entendimento tradicional de direito processual, a jurisdio

    considerada como uma atividade secundria, sendo definida portanto, como poder

    estatal atribudo a uma determinada autoridade para aplicar a norma ao fato

    concreto, visando composio de lides em razo da inexistncia dessa resoluo

    de controvrsia ter sido alcanada espontaneamente pelas partes. Deste modo,

    pode-se afirmar que a forma principal de resoluo de disputas a

    composio entre as partes, e a forma alternativa seria a interveno estatal

    por meio da jurisdio.

    Com a Lei de Arbitragem (n 9.307/96) e com a criao dos Juizados

    Especiais houve um progresso para os meios alternativos de soluo de conflito.

    Outro dispositivo normativo que incentiva as resolues no contenciosas o artigo

    331 do Cdigo de Processo Civil, que determina a designao de audincia

    preliminar para a tentativa de conciliao atravs de um contato pessoal entre as

    partes. Porm, para muitos a audincia usada como mera formalidade, olvidando o

    real objetivo do legislador que induzir de um papel mais ativo do magistrado, alm

    do contato entre as partes para que possam colocar os pingos nos is, na

    linguagem popular. Esse artigo baseou-se no Modelo de Stuttgart, criado na

    Repblica Federal da Alemanha, no qual o juiz assume o comando efetivo do

    processo, pesquisando os pontos basais da controvrsia, ordenando a presena das

    partes audincia para um contato direto entre elas.

    O case management do sistema processual norte-americano, tambm adota

    a ideia do juiz ativo na direo do processo, sendo uma atividade processual que

    fortalece o controle judicial sobre: identificao das questes relevantes, maior

    utilizao pelas partes de meios alternativos de soluo dos conflitos e programao

    do tempo necessrio para a concluso adequada de todo o processo28. Assim por

    conta do contato frequente entre o juiz e as partes e destas entre si, h uma maior

    facilidade para que uma soluo amigvel seja alcanada, e independentemente da

    ocorrncia de acordo ou no, as prticas do case management auxiliam o juiz na

    28

    WATANBE, Kazuo. Mediao e Gerenciamento do Processo. So Paulo: Atlas S.A, 2008, p. 08.

  • 26

    supresso dos assuntos prescindveis e o planejamento do processo faz com que o

    caminhar para o final seja hbil e sem exagero do custo.

    3.1 Aspectos jurdicos e psicolgicos

    3.1.1 Movimento de Acesso Justia

    A noo de Justia tem vrios sentidos que so mutveis. Tal tema foi

    desenvolvido de forma inigualvel por Adriana dos Santos Silva ao afirmar que a

    Justia, por ser tema complexo e exaustivo, continua com definio aberta e em

    plena evoluo, de tal forma que, quanto mais complexas as relaes interpessoais,

    mais modificaes se vo implementando e se incorporando sua noo. Pode-se

    observar que o conceito de Justia muda de uma sociedade para outra, moldando-

    se s necessidades desta: a sociedade sofre transformaes, assim como a

    idia de justia e o acesso a esta29. Como reala Rudolf Von Ihering, as situaes

    tpicas da vida de cada povo so peremptrias para o sentimento de justia. Apesar

    da polmica que gira em torno do tema, cabe nesta sede ter uma noo bsica de

    acesso justia.

    Objetivando a satisfao dos jurisdicionados e a pacificao social, podemos

    entender que o acesso Justia no apenas o acesso ao Judicirio, pois visa

    incluir o jurisdicionado para que possa ter seu conflito solucionado atravs das

    formas hetero ou autocompositivas. Assim o acesso Justia busca o

    contentamento do usurio e no o simples acesso ao ordenamento jurdico material

    aplicado ao caso concreto.

    Nos Estados liberais burgueses dos sculos XVIII e XIX, o direito ao acesso

    Justia significava o direito formal do indivduo de propor ou contestar uma

    29

    SILVA, Adriana dos Santos. Acesso justia e arbitragem: um caminho para a crise do Judicirio.

    So Paulo: Manole, 2005, p. 82.

  • 27

    demanda, todavia tal entendimento evoluiu. Mauro Cappelletti e Bryant Garth

    desenvolveram o Projeto Florena, nos anos 70 com apoio da Fundao Ford,

    afirmando que a noo de acesso justia tem duas finalidades bsicas no sistema

    jurdico: proporcionar acesso igualitrio a todos e produzir resultados individual e

    socialmente justos.30

    Podemos dividir o movimento de acesso justia em trs perodos. O

    primeiro perodo, qual seja o simples acesso ao Poder Judicirio, pode ser

    examinado pelo estudo do Prof. Roscoe Pound sobre as causas de insatisfao dos

    jurisdicionados com a administrao da justia em 1906, assim como pela

    Conferncia Pound em 1976 e pela obra Acesso Justia de Garth e Cappelletti em

    1978. Essa primeira fase propiciou um diagnstico dos problemas existentes e

    determinou as solues por meio de trs ondas renovatrias que envolviam

    basicamente a assistncia judiciria aos pobres, a representao dos interesses

    difusos e os mtodos alternativos de resoluo de conflitos.

    J o segundo perodo, que o de acesso ao Poder Judicirio com resposta

    tempestiva, deu-se pela agitao dos juristas, doutrinadores, magistrados,

    socilogos, antroplogos, economistas, psiclogos e cientistas polticos concluindo

    que no bastava o ingresso da demanda para que estivesse caracterizado e

    efetivado o acesso Justia, sendo cogente a resoluo da demanda pelo Judicirio

    em tempo razovel. De fato a segunda fase se caracterizava como um complemento

    da primeira.

    Quanto ao terceiro e hodierno perodo (acesso a uma soluo efetiva para o

    conflito por meio de participao adequada do Estado) pode-se afirmar que a cultura

    jurdico-processual brasileira est sendo influenciada pela recente preocupao em

    popularizar as tcnicas autocompositivas de soluo de conflitos, iniciada pelo

    Conselho Nacional de Justia em 2006 atravs do Movimento pela Conciliao, que

    ser abordado mais a frente. Os basais fatores que levaram ao desenvolvimento da

    cultura da composio foram a crescente percepo de que o Estado tem

    fracassado em sua incumbncia pacificadora, por motivos como sobrecarga dos

    tribunais, elevadas despesas com os litgios e excessivo formalismo processual, e o

    30

    CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto

    Alegre: Fabris. 1998, p. 08.

  • 28

    entendimento de que o escopo do Estado harmonizar a sociedade. Portanto, o

    atributo caracterstico da terceira fase a administrao de uma poltica pblica de

    soluo de conflitos, priorizando a satisfao do jurisdicionado com o andar e o

    resultado do processo. Atualmente a administrao do Poder Judicirio procura

    melhor resolver os conflitos de forma que muitas vezes os modos positivados que

    conhecemos, e que acabam por serem ineficientes, so afastadas para que os

    mtodos interdisciplinares sejam aplicados, atingindo os interesses tutelados e at

    mesmo os no manifestados, pacificando a sociedade de forma mais completa.

    Com esse novo paradigma foi criada, pelo Conselho Nacional de Justia, a

    Resoluo n 125 visando que os tribunais e magistrados assumam um papel de

    gerenciamento das disputas. Esse terceiro perodo sugere que o acesso Justia

    deve, sob o prisma da autocomposio, estimular, difundir e educar seu usurio a

    melhor resolver conflitos por meio de aes comunicativas. Passa-se a compreender

    o usurio do Poder Judicirio como no apenas aquele que, por um motivo ou outro,

    se encontra em um dos polos de uma relao jurdica processual o usurio do

    Poder Judicirio tambm todo e qualquer ser humano que possa aprender a

    melhor resolver seus conflitos, por meio de comunicaes eficientes estimuladas

    por terceiros, como na mediao, ou diretamente, como na negociao. O

    verdadeiro acesso Justia abrange no apenas a preveno e reparao de

    direitos, mas a realizao de solues negociadas e o fomento da mobilizao da

    sociedade para que possa participar ativamente dos procedimentos de resoluo de

    disputas como de seus resultados31.

    A coeva Teoria Geral do Processo, encabeada por Ada Pellegrini Grinover

    sustenta que a jurisdio possui uma propriedade fundamental chamada de

    substitutividade, ou seja, o Estado tem a atribuio de substituir a vontade das

    partes presentes na lide e por tal motivo deveria apenas ocupar uma atividade

    secundria da resoluo de disputas, estimulando a autocomposio. No entanto, a

    31

    GENRO, Tarso. Prefcio do Manual de mediao judicial. Braslia: Ministrio da Justia e Programa

    das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, p. 13.

  • 29

    atuao do Estado no pode ser completamente substituda sob pena de alterarem-

    se significativamente as estruturas de um Estado Democrtico de Direito32.

    Constata-se que o Poder Judicirio precisa ser recontextualizado, ou seja, o

    Movimento de Acesso Justia tem como desafio redefinir o papel do Poder

    Judicirio na sociedade como menos judicatrio e mais harmonizador.

    Conforme exemplificado por Andr Gomma de Azevedo em meados do

    sculo XIX, a medicina tambm sofreu grande alterao. Nesta poca os mdicos

    utilizavam casacos de pele e roupa preta como sinal de distino ao exercerem o

    ofcio, porm o mdico hngaro Ignaz Semmelweis, ao perceber que muitos

    profissionais saiam das salas de autpsia para as salas de parto do Hospital Geral

    de Viena sem qualquer tipo de procedimento higinico (sem trocar de roupa e at

    mesmo lavar as mos), concluiu que um material cadavrico era o causador do

    alto ndice de mortalidade. Assim sendo props aos mdicos que lavassem as mos

    e constatou uma queda de 85% no ndice de mortalidade. Posteriormente ao

    retornar Hungria conseguiu convencer seus colegas a utilizarem roupas brancas.

    Apesar da reprovao por parte de muitos colegas na ustria, Semmelweis provou

    que sua teoria estava correta e que se fazia necessrio complementar as tcnicas

    mdicas com atos que a princpio pareceriam sem efeitos mas que no contexto geral

    potencializam a prpria Medicina.33

    No Direito a insatisfao com o Poder Judicirio antigussima mas os

    esforos que esto sendo feitos buscam fortalecer as tcnicas de autocomposio

    aumentando consideravelmente os nmeros de satisfao e a prpria justia estar

    distinguida pela sua natureza.

    32

    AZEVEDO, Andr Gomma de. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional.

    Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 20. 33

    AZEVEDO, Andr Gomma de. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional.

    Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 24.

  • 30

    3.1.2 Justia Conciliativa X Modelo Contencioso

    O modelo consensual a nova abordagem dos conflitos que por sua vez

    tendncia doutrinria mundial e tambm nos rgos julgadores nacionais, como por

    exemplo o Provimento 893 de 2004, do Tribunal de Justia de So Paulo, que em

    seu prembulo dispe:

    A necessidade de disseminar a cultura da conciliao, que propicia maior

    rapidez na pacificao dos conflitos e no apenas na soluo da lide, com

    resultados sociais expressivos e reflexos significativos na reduo do

    nmero de processo judiciais, podendo ser tentada a qualquer tempo,

    conforme dispe o artigo 125, IV, do Cdigo de Processo Civil34

    .

    Contrrio senso, o modelo tradicional caracteriza-se pelo sistema ganha-

    perde, ou seja, ocorre uma oposio de indivduos no qual a resposta derradeira

    ser adjudicada a uma das partes por um terceiro alheio ao conflito.

    Necessrio se faz transcrever a tabela comparativa de Juan Carlos

    Vezzulla35, destacando as diferenas entre as modalidades de soluo dos conflitos:

    Contenciosas No-contenciosas

    Processo judicial Negociao

    Arbitragem Mediao

    Conciliao

    Caractersticas

    As partes enfrentam-se As partes cooperam

    O procedimento controlado por terceiros (na arbitragem o controle comea pelas partes e depois pelo rbitro)

    As partes controlam o processo

    34

    Disponvel em: HTTP://www.justica.sp.gov.br/downmed/prov893.doc. In: TARTUCE, Fernanda.

    Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p.102. 35

    VEZZULLA, Juan Carlos. Mediao: teoria e prtica. Guia para utilizadores e profissionais. Lisboa:

    Agora Publicaes, 2001, p. 81.

  • 31

    Um terceiro decide As partes decidem

    Centra-se no passado Trato do presente e do futuro

    Trabalha sobre a realidade formal Trabalha sobre a realidade real

    No pode ser interrompido (na arbitragem, a partir do compromisso)

    Pode ser interrompido

    O seu resultado no satisfaz plenamente O acordo satisfaz plenamente

    O seu resultado pode no resolver o conflito O acordo resolve o conflito

    Fernanda Tartuce identifica que o sistema jurdico se embasa em um princpio

    binrio, no qual o paradigma ganhar-perder reduz as possibilidades de se

    encontrar um meio termo do conflito36. Entretanto nossa realidade multifacetada e

    sobre tal afirmativa leciona Ademir Buitoni que reduzir tudo ao dualismo do

    lcito/ilcito, permitido/proibido, inocente/culpado, mutilar as infinitas possibilidades

    do comportamento humano. A mente humana tem inmeras possibilidades de

    argumentar e avaliar as situaes comportamentais, muito alm do raciocnio binrio

    do direito37.

    Os prognsticos so positivos de forma que o equilbrio entre contencioso e

    consensual, to almejado pelos doutrinadores, juristas e magistrados, se faz cada

    vez mais prximo da realidade social do Brasil.

    3.1.3 Pacificao Social

    Pacificar o principal escopo dos meios alternativos de composio e do

    Poder Judicirio, porm pacificar uma tarefa rdua uma vez que envolve aspectos

    jurdicos, psicolgicos e sociolgicos do ser humano.

    36

    TARTUCE, Fernanda. Mediao nos Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p.105. 37

    BUITONI, Ademir. A iluso do normativismo e a mediao. In: TARTUCE, Fernanda. Mediao nos

    Conflitos Civil. So Paulo: Mtodo, 2008, p.105.

  • 32

    Desde os primrdios a paz social almejada pelo homem, porquanto se a

    Justia produzir a paz e o direito assegurar a tranquilidade38, faz-se necessrio

    que as tcnicas sejam empregadas corretamente e que as partes estejam de boa-f.

    Ponderam Maria Berenice Dias e Giselle Groeninga que faltam instrumentos

    ao Judicirio para lidar com a esfera afetiva e psquica dos amores e desejos e com

    a esfera psicossocial dos vnculos desfeitos39.

    Para o Poder Judicirio, os meios alternativos desafogam-no podendo assim

    ofertar sociedade decises cleres e de qualidade. J para a sociedade h um

    incentivo para que haja uma transformao cultural para a cultura do dilogo.

    O que conclui que no se deve resolver os conflitos, mas sim incentivar

    para que as partes o solucionem sem provocar o Judicirio, por tal motivo os

    mecanismos consensuais no devem ser impostos mas sim estimulados como

    opo atravs da livre manifestao das partes. Desta maneira as partes ao

    solucionarem os conflitos por meio da autocomposio, decidem, seno todas, a

    maioria das desavenas entendendo a posio da outra parte. Essa percepo de

    que o indivduo pode resolver seus conflitos ocasiona o sentimento de

    responsabilidade civil, com isso o exerccio da cidadania e a incluso social so

    ampliados, pois a maior participao social incute no homem a necessidade de

    debater e questionar seus direitos individuais e coletivos, fortalecendo a

    comunicao entre as pessoas, prevenindo novos conflitos e assim a paz se faz

    inserida na sociedade.

    Fato que a paz social total uma utopia, todavia o incentivo ao alargamento

    desse instituto se faz foroso diante do iminente colapso a que est sujeito o

    Judicirio Brasileiro.

    38

    BBLIA SAGRADA, Isaas, 32. 17. 39

    DIAS, Maria Berenice; GROENINGA, Giselle. A mediao no confronto entre direitos e deveres. So

    Paulo: Revista do Advogado, n. 62, mar-2001, p. 59-63.

  • 33

    3.2 Direito Comparado: A Soluo Alternativa dos Conflitos pelo

    Mundo

    H muito se tem reconhecida a importncia do direito comparado para os

    ordenamentos jurdicos das naes. Ren David explana alguns dos benefcios de

    se observar como sistemas diversos lidam com temas correlatos:

    As vantagens que o direito comparado oferece podem, sucintamente, ser

    colocadas em trs planos. O direito comparado til nas investigaes

    histricas ou filosficas referentes ao direito; til para conhecer melhor e

    aperfeioar o nosso direito nacional; , finalmente, til para compreender os

    povos estrangeiros e estabelecer um melhor regime para as relaes da

    vida internacional.40

    Nicola Picardi, professor da Universidade de Roma explicou que o direito

    comparado tem revelado, nos ltimos anos, um perfil comum em todos os pases, no

    sentido de reforar e de desenvolver formas de conciliao, principalmente para

    garantir uma maior eficincia de todo o aparato judicirio. O que equivale dizer: a

    conciliao se apresenta, no mundo contemporneo, como um dos jeitos de

    garantir maior fora ao judicirio41.

    3.2.1 Argentina42

    O movimento iniciou-se com o Poder Judicirio e com o ento Ministro

    da Justia, Lon Carlos Arslanian, que criou o Programa Nacional de Mediao.

    Este programa implementou mtodos de mediao em vrios setores da sociedade,

    como escolas, colgios profissionais, empresas, organizaes no-governamentais,

    40

    DAVID, Ren. Os grandes sistemas do direito contemporneo. So Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 3. 41 SENA, Adriana Goulart. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 125. 42

    A evoluo apresentada provm da obra de CUNHA, J. S. Fagundes. Da mediao e da arbitragem

    endoprocessual. In: SALES, Llia Maia de Morais, Justia e Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey,

    2004, p. 109.

  • 34

    nos currculos das Universidades e at mesmo no Poder Judicirio. Criou tambm

    um corpo de mediadores e uma escola para capacitao.

    Em 1995, buscando descongestionar os tribunais, o governo argentino

    determinou que a mediao seria obrigatria e prvia s aes judiciais. Com a

    aceitao da populao, o governo criou a mediao privada, na qual as parte

    elegem um mediador habilitado pelo Ministrio da Justia.

    Atualmente a soluo alternativa de conflito est inteiramente difundida pelo

    pas por fora da criao de Centros de Mediao que amparam os Tribunais para

    que estes resolvam apenas os conflitos que no podem ou no foram objeto de

    acordo.

    3.2.2 Estados Unidos da Amrica

    Na dcada de 60 os alternative dispute resolution mechanisms, ou seja,

    procedimentos diversos da deciso de um juiz, no qual um terceiro imparcial presta

    sua prpria assistncia na resoluo de uma controvrsia, mediante mtodos como

    mediao, arbitragem ou avaliao neutra prvia43, foram precursores dos mtodos

    alternativos atuais.

    O Tribunal de Multiportas foi criado na dcada de 70/80 pelos norte-

    americanos por fora do ADR Movement, ou seja, movimento dos meios

    alternativos de soluo dos conflitos, e trata-se de uma organizao judiciria em

    que o Poder Judicirio atua como centro de resoluo das disputas, disponibilizando

    vrios procedimentos, que sero levados em considerao, juntamente com as

    caractersticas do conflito e das pessoas, no momento da escolha do meio

    adequado.

    43

    GOLDBERG, Stephen B.; SANDER, Frank E. A.; ROGERS, Nancy H. Dispute resolution. Boston:

    Little, Brown e Company, 1992. In: LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Conciliao e Mediao: Estrutura

    da Poltica Judiciria Nacional. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 241.

  • 35

    Basicamente, o processo judicial, que um sistema de porta nica,

    substitudo por um sistema com diversos procedimentos, incluindo o processo

    judicial, organizado pelo Estado e composto de pessoas treinadas para melhor

    direcionar as partes. Os conflitantes, ao procurarem o Judicirio, so obrigados a

    passar por uma triagem antes de iniciarem qualquer procedimento, e nesta triagem

    os servidores treinados iro apresentar s partes o meio mais adequado de soluo

    do respectivo conflito. Aps tal procedimento, o juiz assume um papel de

    managerial judge, ou seja, gestor do conflito.

    Os Estados Unidos j incorporaram nos currculos bsicos das Universidade,

    disciplinas que abrangem tcnicas e estratgias de mediao dos conflitos. O

    Program On Negociation (PON) um exemplo disso, tendo sido criado na

    Universidade de Harvard, em 1983 para promover um projeto de pesquisa que

    desenvolve cursos, seminrios, conferncias, alm da publicao de livros e artigos

    sobre perspectivas comercial, governamental, psicolgica, econmica,

    antropolgica, educacional e jurdica.

    Nos Estados Unidos existe a mediao judicial, realizada dentro do processo

    judicial nas Cortes Americanas, e a extrajudicial, realizada nos centros

    especializados em mediao. Existe a mediao comunitria, datada de 1970, que

    nasceu nas comunidades para aprimorar o ordenamento vigente. Este tipo de

    mediao caracteriza-se principalmente por utilizar mediadores voluntrios, por ser

    patrocinada por entidades privadas sem fins lucrativos ou organizaes pblicas sob

    direo do Governo americano, assim como pela participao de mediadores que

    representam e conhecem as necessidades da comunidade.

    A mediao comunitria comeou a ser ensinada nas escolas de Nova

    Iorque, como uma forma de prevenir e conter a violncia juvenil e se expandiu

    atravs de organizaes como Educadores para Responsabilidade Social e a

    Associao Nacional para a Mediao no Ensino44. Melinda Smith, na Carolina do

    Norte, explica que os alunos suspensos nas escolas por porte de arma participam

    44

    JONES, Tricia; BODTKER, Andrea. Diretrizes para programas bem-sucedidos de mediao de pares.

    In: SALES, Llia Maia de Morais, Justia e Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey, 2004, p. 34.

  • 36

    de um curso de resoluo de conflitos como condio para reingresso na escola45.

    A mediao feita pelos prprios alunos que so incentivados a resolver seus

    conflitos atravs da comunicao, aperfeioando assim os relacionamentos.

    Em meados de 2001, firmou-se a Uniform Mediation Act, isto , um

    documento que regulamenta de maneira nica a mediao dos conflitos em todo o

    territrio nacional. Com essa uniformizao ocorrer uma melhora na percepo dos

    meios alternativos de soluo de conflitos, favorecendo a confiana das partes

    quanto legislao aplicada nos diversos estados da federao, tornando o instituto

    mais simples.

    A ideia do juiz ativo na conduo do processo a base do case management,

    instituto este responsvel por imprimir maior celeridade aos processos e

    principalmente a utilizao dos meios alternativos de soluo dos conflitos.

    Case management, que pelo seu procedimento torna frequente o contato

    entre as partes, fortalece as relaes interpessoais favorecendo os acordos, mas

    mesmo que estes no ocorram, as tcnicas do case management possibilitam ao

    juiz eliminar questes impertinentes fazendo com que o processo caminhe para o

    seu fim de forma eficiente e sem exagero no custo.

    O sistema norte-americano apesar de suas peculiaridades, como o jri de

    causas cveis e a diferena na colheita das provas, que facilitam a aceitao dos

    meios alternativos vem apresentando ndices espantosos de processo que so

    solucionados antes do julgamento final.

    3.2.3 Frana

    Jean-Franois Six explicou que em fevereiro de 1995, foi enviada pelo

    primeiro-ministro M. Balladur aos ministros e prefeitos uma deliberao de que a

    45

    SMITH, Melinda. Resoluo de conflitos para crianas, jovens, famlias. In: SALES, Llia Maia de

    Morais, Justia e Mediao de Conflitos. Belo Horizonte: DelRey, 2004, p. 34.

  • 37

    mediao deve ser desenvolvida pelos servios pblicos, aquilatando assim a

    relao entre os servios pblicos e os cidados.

    No direito francs a mediao no pode abranger a ordem pblica de

    direes, ou seja, no possvel que seja feita uma mediao para contornar ou

    modificar as regras obrigatrias do casamento ou do divrcio, por exemplo46.

    Existem basicamente dois tipos de mediao a institucional e a cidad. Na

    primeira os mediadores escolhido livremente pelas instituies ou juzes, j a

    segunda so ordenadas pela prpria sociedade, ou seja, os mediadores aparecem

    dentro dos grupos sociais e so requeridos, pois possuem o dom de mediar e

    adquiriram, portanto, a confiana dos cidados.

    Referente remunerao do mediador, o juiz quem fixa a quantia que ser

    decidida livremente e paga por cada parte. Cabe ressaltar que os mediadores e

    conciliadores no podem evocar diante do juiz as declaraes prestadas pelas

    partes durante a audincia, podendo, contudo informar ao juiz o que foi ou no

    acordado.

    Jos Lus Bolzan de Morais47 dispe que o desenvolvimento clere das

    metrpoles provocou o surgimento de periferias e de zonas urbanas onde as

    populaes vivem em situao de marginalidade e se encontram incapacitadas de

    regular a vida em sociedade. Com isso houve a criao da Cmara de Justia e

    Direito, que nada mais do que um meio de semear a pacificao social conforme a

    zona geogrfica, levando em considerao fatores econmicos, sociais, urbanos e

    com grande taxa de delinquncia.

    46

    https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-pt.do. Acesso em 24/01/2012. 47

    MORAIS, Jos Lus Bolzan de. Mediao e arbitragem alternativas jurisdio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 274.

  • 38

    3.2.4 Espanha

    O Conselho da Europa foi a primeira organizao poltica europeia aps a

    Segunda Guerra Mundial que tem como objetivo a proteo e o fortalecimento da

    democracia pluralista e dos direitos humanos. Com isso o Conselho aprovou uma

    Recomendao (n 1/2008) que auxiliou na difuso dos meios consensuais de

    soluo dos conflitos.

    Na Espanha a mediao de conflitos no to difundida, sendo comum a

    mediao familiar que por sua vez regulada pelo Cdigo de Famlia da Catalunha.

    Este Cdigo determina que a autoridade judicial pode encaminhar as partes para um

    mediador ou uma entidade mediadora conforme o caso.

    Como no existe regulamentao especfica da matria, o Ministrio da

    Justia espanhol trabalha atualmente na adaptao da Directiva 2008/52/CE relativa

    mediao, proporcionando assim um quadro jurdico que permitir ligar os meios

    alternativos de composio ao direito processual espanhol e assim regulamentar o

    Estatuto dos Mediadores.48

    A mediao tambm muito comum com questes trabalhistas, tendo uma

    peculiaridade que se assemelha muito ao nosso ordenamento, qual seja o fato de

    que em certos casos, obrigatrio o recurso mediao antes de recorrer aos

    tribunais.

    Os acordos apenas podem versar sobre direitos privados dispositivos, ou

    seja, patrimoniais disponveis, e na esfera pblica os assuntos sero penso

    alimentcia, casais que constituram ou no matrimnio, sendo excludos os conflitos

    referentes aos direitos sucessrios e s empresas familiares.

    O processo de mediao inicia-se com uma reunio e nesta o mediador

    explana sobre o procedimento, as regras, o alcance, os direitos das partes, tendo

    durao de no mximo de trs meses podendo ser prorrogado tal prazo, mediante

    solicitao das partes e do mediador.

    48

    https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-pt.do. Acesso em 24/01/2012.

  • 39

    A mediao pblica est diretamente ligada Lei de Mediao Familiar de

    Catalunha que determina gratuidade da mediao assim como estabelece que o

    mediador poder ser um advogado, psiclogo, assistente social ou pedagogo, tendo

    como funo propiciar o acordo voluntrio e equnime, atravs da comunicao,

    cuidando para que as prprias partes decidam sobre o acordo. Sendo de extrema

    importncia que o mediador atente para sinais de violncia domstica, fsica ou

    psquica.

    Foram criados tambm os Centros de Mediao Familiar, os quais fomentam

    a mediao no mbito familiar buscando as melhores tcnicas de soluo dos

    conflitos.

    3.2.5 sia

    A tradio milenar de Japo e China abrange tambm a mediao dos

    conflitos e esta tradio provm da figura do shuo-full, ou seja, persuadir pelo

    dilogo.

    O pensador e filsofo chins Confcio sublinhava uma moralidade pessoal e

    governamental, assim como os procedimentos corretos nas relaes sociais, a

    justia e a sinceridade. Dentre outras doutrinas chinesas, o legalismo, que

    influenciou Confcio, se destaca por ser uma viso pragmtica da filosofia poltica,

    tendo como princpio essencial a Jurisprudncia.

    Para Confcio o homem sbio consegue resolver suas diferenas de maneira

    amigvel. A necessidade de se lanar mo dos recursos judiciais significa, entre

    outras coisas, que as partes so despojadas de sensatez e, portanto, pessoas

    inferiores.

  • 40

    3.2.6 Alemanha

    O Poder Legislativo Alemo, aps inmeras reformas no Cdigo de Processo

    Civil, criou uma audincia extrajudicial ao incio do procedimento ordinrio,

    modificando assim a sistematizao dos processos judiciais. O legislador buscou

    introduzir medidas que diminussem o espao de tempo entre o incio da demanda e

    a sentena definitiva.

    Com isso, o Modelo de Stuttgart de Fritz Baur, em 1967, com grande xito na

    Repblica Federal da Alemanha, tm como caracterstica fundamental o estado

    quimicamente puro49 da utilizao dos princpios da oralidade e da imediaticidade.

    Nesse modelo, o juiz tem o controle do processo, devendo se informar quanto aos

    pontos principais do conflito, ordenando o comparecimento pessoal das partes, para

    que haja, assim, contato direto entre elas e o juiz.

    Em 2001 houve uma reforma no cdigo processual civil alemo no qual

    inseriu-se a audincia Gteverhandlung50, que significa boa negociao, tornando-

    a obrigatria em todos os casos cveis de primeira instncia. Basicamente a

    Gteverhandlung uma audincia extrajudicial, conduzida por um juiz togado, na

    qual se houver um acordo nascer um ttulo executivo judicial dotado de

    exigibilidade, porm se infrutfera tal audincia, converte-se o procedimento

    extrajudicial em judicial. Neste segundo procedimento o juiz diverso, pois o que

    fora discutido na Gteverhandlung no poder ser utilizado como prova na instruo

    do processo, evitando assim que as partes deixem de expor suas opinies.

    A repercusso das reformas processuais alems influenciou e muito o

    ordenamento ptrio, de tal forma que o artigo 331 do Cdigo de Processo Civil

    Brasileiro, determina a realizao de uma audincia preliminar para tentativa de

    conciliao e se esta no tiver sucesso o juiz fixar os pontos controvertidos.

    Todavia, poucos notam que o real objetivo do legislador o de induo de papel

    49

    WATANABE, Kazuo. Mediao e Gerenciamento do Processo. So Paulo: Atlas S.A, 2008, p. 08. 50

    WEGEN, Gerhard; GACK, Christine. Mediation in pending civil proceedings in germany: practical

    experiences to strengthen mediatory elements in pending court proceedings. IBA Mediation Committee

    Newsletter, 2006, p. 8-10.

  • 41

    mais ativo do juiz na conduo dos processos e para o efetivo cumprimento do

    princpio da imediaticidade, que uma das bases do processo oral adotado pelo

    nosso legislador processual51.

    3.2.7 Portugal

    J no sculo XV surgiram os avindores ou concertadores, que tinham a

    misso de restabelecer a paz e a harmonia entre os cidados conflitantes. Em 1555,

    foi implementado o Juiz de Vintena, que era escolhido pela comunidade dentre os

    homens bons, nomeado pela Cmara Municipal e exercia suas funes nas aldeias

    tendo poderes para decidir todas as questes, de forma verbal, utilizando os usos e

    costumes.

    Atualmente em Portugal existe o Gabinete para a Resoluo Alternativa de

    Litgios, ou seja, um organismo governamental responsvel pela regularizao dos

    meios alternativos de resoluo dos conflitos. Esse Gabinete possui uma lista de

    mediadores, e se for decidido pela mediao pblica, o mediador responsvel

    escolhido automaticamente dentre os pertencentes lista.

    No existe um cdigo deontolgico nacional para mediadores, todavia

    existem orientaes que abrangem a forma de conduo das sesses, os mtodos

    utilizados para obter a comunicao e os termos em que os mediadores podem

    propor os acordos. Apesar da ausncia de um cdigo, existe um comit que

    supervisiona a atuao dos mediadores.

    Em 2009, teve incio a implantao de um projeto denominado Centro de

    Arbitragem e Mediao em Linha, o qual inclui uma plataforma eletrnica para

    facilitar a mediao e a arbitragem em linha nos conflitos de comrcio

    internacional52.

    51

    WATANABE, Kazuo. Mediao e Gerenciamento do Processo. So Paulo: Atlas S.A, 2008, p. 07. 52

    https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-pt.do. Acesso em 24/01/2012.

  • 42

    3.2.8 Grcia

    A utilizao dos meios alternativos na Grcia limitado, tendo funcionado

    apenas como pr-requisito processual do julgamento das aes nos tribunais.

    Uma peculiaridade est presente no Cdigo de Falncias grego, o qual

    determina que aps a apresentao de um requerimento perante o Tribunal de

    Falncias, poder ser nomeado um mediador que tem como funo obter um acordo

    entre o devedor e a maioria dos credores, com vista a assegurar a sobrevivncia da

    empresa devedora atravs de todos os meios adequados53.

    3.2.9 Inglaterra54

    O Ministrio da Justia ingls o responsvel pela poltica de mediao,

    devendo portanto garantir a qualidade da mediao. Para isso existe o Conselho de

    Mediao Civil que nada mais do que uma organizao que representa os

    prestadores de servio de mediao civil e comercial. Existe tambm o Conselho de

    Mediao Familiar que busca harmonizar as normas referentes ao direito de famlia

    ingls.

    A mediao civil no nem regulamentada em lei nem um pr-requisito

    processual, contudo as normas do processo civil ingls incluem um cdigo de

    conduta processual, no qual os tribunais devem tratar os processos com diligncia e

    equidade, de tal forma que para alcanar tal objetivo devem incentivar as partes a

    recorrerem aos meios alternativos de soluo.

    No caso da Inglaterra, o juiz poder levar em conta os esforos feitos pelas

    partes durante a mediao, de forma que se a parte vencedora tiver anteriormente

    53

    https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-pt.do. Acesso em 24/01/2012. 54

    https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-pt.do. Acesso em 24/01/2012.

  • 43

    recusado uma oferta razovel, o magistrado poder decidir que o vencido no pague

    as custas ao vencedor.

    Por fim vale frisar que no existe uma instituio nacional para a formao

    dos mediadores, sendo provenientes dos setores privados, portanto no existe um

    cdigo especfico regulador de conduta, utilizando-se como referncia apenas o

    Cdigo de Conduta da Unio Europia.

    3.2.10 Itlia

    Os juzes de paz e os juzes leigos eram considerados membros de uma

    justia menor, sendo esta a primeira dos trs nveis em que se dividiam os rgos

    jurisdicionados de primeira instncia.

    Esse primeiro nvel era encarregado de pequenas causas, j os demais

    eram o pretor, relacionado ao juiz de carreira que decidia monocraticamente alguns

    tipos de litgio, e os tribunais compostos por juzes de carreira, que decidiam de

    forma colegiada.

    Todavia, em 1998 com o Decreto Legislativo n 51, a figura do pretor foi

    suprimido e a competncia foi dividida entre os juzes de paz e os tribunais, de forma

    que os juzes de carreira decidem em composio monocrtica em matrias pr-

    fixadas, e de forma colegiada nas demais, sendo esta segunda uma competncia

    residual.

    3.2.11 Brasil

    No Brasil Imprio, por fora do sistema lusitano, existiam os avindores e

    concertadores que solucionavam os conflitos de menor complexidade.

  • 44

    A primeira Constituio brasileira, de 1824, em seu artigo 161 estabeleceu a

    obrigatoriedade de o autor provar, em determinados conflitos, que tentou a soluo

    pelo servio de conciliao antes de pleitear ao junto ao Tribunal.

    Art 161. Sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliao, no se

    comear processo algum.

    Existia tambm os juzes de paz que eram eleitos pelos vereadores

    municipais e tinham funo conciliatria, conforme a Lei Orgnica das Justias de

    Paz de 1827. Em seu artigo 5 a lei dispunha:

    Compete ao Juiz de Paz: I Conciliar as partes que pretendem demandar, por todos

    os meios pacficos que estiverem ao seu alcance, mandando lavrar termo do resultado, que

    assinar com as partes e o escrivo.

    O instituto da conciliao propriamente dito foi previsto apenas no artigo 1,

    1 do Regulamento de 1842. O Regulamento do Processo Comercial, de 1850,

    contemplou o instituto de maneira que nenhuma causa comercial poderia ser

    ajuizada sem prvia tentativa de conciliao.

    Com a 2 Reforma Judiciria, regulada pela Lei n 2033 de 1871, contemplou

    a conciliao no mbito penal.

    Por fim o Decreto n 359 de 1890, editado por Marechal Deodoro da Fonseca,

    aboliu a conciliao como formalidade preliminar ou essencial para que as aes

    cveis e comerciais fossem intentadas.

    Atualmente, em face da crise do Judicirio, foram resgatados os meios

    alternativos de resoluo de conflito a comear pelos Juizados Especiais, com os

    quais se buscou um auxlio para a expanso da litigiosidade, visando principalmente

    modificar a mentalidade dos litigantes e dos profissionais do Direito.

  • 45

    3.3 Meios de resoluo alternativa de conflito nos diferentes ramos do

    Direito.

    Os meios alternativos de soluo dos conflitos podem ser utilizados como

    alternativa para quase todo tipo de conflito nos diversos ramos do Direito.

    3.3.1 Direito Pblico

    No mbito do Direito Pblico existe o princpio da indisponibilidade do

    interesse pblico, segundo o qual o representante do Poder Pblico em juzo s

    pode transigir, ou seja, dispor livremente do interesse pblico, nos casos previstos

    em lei. Esse princpio faz com que a Administrao Pblica, principalmente no papel

    de devedora, espere at o trnsito em julgado da deciso para pagar o valor fixado

    pelo Juzo.

    A resoluo alternativa, por fora do princpio supracitado, tornou-se uma

    barreira quase intransponvel para a Administrao Pblica, mesmo em casos em

    que esta pudesse ser beneficiada.

    O surgimento dos Juizados Pblicos Federais, fez com que esse pensamento

    rgido fosse reanalisado. Um exemplo disto so os litgios relativos ao Sistema

    Financeiro da Habitao que envolvam a Caixa Econmica Federal. Em 2001, a

    CEF cedeu Empresa Gestora de Ativos, a maioria dos contratos referentes ao

    Sistema Financeiro de Habitao celebrados nos anos de 1980 e 1990, que

    passaram por vrios planos econmicos e consequentemente com elevadas

    distores financeiras e alto grau de inadimplemento. Nesses casos as sentenas

    definitivas, do ponto de vista da jurisdio, no solucionam os conflitos, pois ou

    mantm o contrato em relao aos reajustamentos do saldo devedor e prestaes,

    ou promovem alguma adequao que no suficiente para que o adimplemento

  • 46

    seja estimulado. Enfim, a jurisdio formal no d conta do conflito, sendo

    necessria outra via.

    Assim, com o sucesso dos movimentos de conciliao, o Tribunal Regional

    Federal da 4 Regio, implementou em 2003 o PROJECON. Ivete Rossoni

    descreveu que o PROJECON uma

    (...)iniciativa pioneira com o objetivo de realizar, em nvel de 2 grau, a

    composio em processos envolvendo o SFH. (...) Nesta primeira

    oportunidade foram efetivadas centenas de audincias com um ndice

    indito de acordos. O xito da primeira etapa do processo foi decisivo para

    a implementao da segunda fase, ainda na gesto do Tribunal, binio

    2003/2005. Em novembro de 2003, trs juzes federais realizaram na sede

    do Tribunal diversas audincias, em processo do SFH, alcanando o acordo

    de 68% dos casos. Implantado o PROJECON no TRF, foram firmados,

    entre abril e dezembro de 2004, 765 acordos, obtendo-se 79% de xito nas

    audincias, que foram realizadas nas trs capitais da 4 Regio e em

    algumas subsees do interior. Ao final deste perodo, a EMGEA, empresa

    pblica criada pela Unio para gerir ativos considerados de difcil realizao,

    recuperou crditos na ordem de R$ 20.569.844,3555

    .

    Posteriormente, os Tribunais Federais da 1, 2, 3 e 5 Regies implantaram

    o mesmo sistema.

    Outras matrias de direito pblico tambm so objeto do movimento de

    soluo alternativa, como as desapropriaes, que no TRF4 ganharam espao aps

    convnio firmado com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes

    (DNIT) chegando a 100% de acordos em algumas rodadas de audincias

    conciliatrias.

    Destarte, importante salientar que a Justia Federal e o Poder Pblico

    promoveram uma releitura do princpio da indisponibilidade do interesse pblico, de

    forma que as solues alternativas tm avanado para matrias que no se

    imaginava, como a execuo fiscal e a desapropriao56.

    55

    http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=14. In: CALMON, Eliana. Conciliao e

    Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 109. 56

    CALMON, Eliana. Conciliao e Mediao: Estrutura da Poltica Judiciria Nacional. Rio de

    Janeiro: Forense. 2011, p.114.

  • 47

    3.3.2 Direito de Famlia

    O direito de famlia considerado o mais humano dos ramos jurdicos, uma

    vez que abrange valores personalssimos visando dar segurana e proteo

    pessoa. Por fora desses valores o direito de famlia o ramo do direito que melhor

    reflete as vantagens dos acordos.

    As famlias tm suas prprias leis, e quando diante de situaes conflituosas

    acabam fazendo justia com as prprias mos. Isso se d, pois os conflitos

    familiares envolvem situaes legais e emocionais, e querendo ou no os

    relacionamentos que decorrem do instituto da famlia precisam perdurar. Maria de

    Nazareth Serpa define bem tal situao:

    Numa famlia onde existem filhos, os cnjuges transformam-se em

    parentes, at muito alm do que a morte os separe. Mesmo que se

    separem, tero netos em comum, bisnetos e assim por diante. Existiro

    sempre discusses sobre questes que envolvem ex-cnjuges, sejam

    decises de ltima vontade dos pais, uso comum de propriedade de

    herana, entre irmos, ou a disposio de um negcio de famlia. Ser

    sempre difcil evitar encontros, mesmo que seja em casamento ou

    funerais.57

    .

    Destarte, o perde-ganha que ocorre comumente nos litgios levados aos

    tribunais causa a runa da famlia que j est se desfazendo, e os mtodos

    alternativos de soluo dos conflitos aparecem, em sentido amplo, como o mtodo

    mais adequado e eficiente para obter-se solues mais duradouras.

    O Direito de Famlia o ramo do Direito que mais evidencia a necessidade da

    interdisciplinaridade para que as situaes conflituosas sejam entendidas para ento

    serem resolvidas. As outras matrias cogentes deste ramo do Direito so:

    psicanlise, psicologia, assistncia social e sociologia.58 Em face da existncia de

    tantos elementos emocionais, exigido que os operadores do direito tenham uma