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1 MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIÁRIO FGV DIREITO RIO RICARDO LUIZ NICOLI AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Rio de Janeiro 2010

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MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIÁRIO FGV DIREITO RIO

RICARDO LUIZ NICOLI

AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO S JUIZADOS

ESPECIAIS CÍVEIS

Rio de Janeiro

2010

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RICARDO LUIZ NICOLI

AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO S JUIZADOS

ESPECIAIS CÍVEIS

Dissertação para cumprimento de requisito à

obtenção de título no Mestrado Profissional

em Poder Judiciário da FGV Direito Rio. Área

de concentração: jurisdicional de fim.

Orientadora: Professora Doutora Leslie Shérida Ferraz

Rio de Janeiro

2010

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NICOLI, Ricardo Luiz. Orientadora: Profa. Dra. Leslie Shérida Ferraz. Audiência única e a duração razoável do processo nos juizados especiais cíveis. v. 1, 144 pg. Rio de Janeiro, 2010.

4

Dedico este trabalho aos meus pais Nilson e Elba, à minha mulher Edilma e às minhas filhas Ana Laura e Mariana.

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Agradecimentos Já virou lugar comum dizer que não se consegue realizar um trabalho acadêmico sem a ajuda de outras pessoas. E estou repetindo esse chavão porque ele é uma verdade insofismável. Por isso, penso que esse espaço é muito reduzido para agradecer a todos aqueles que contribuíram para a conclusão dessa dissertação. A minha lista, certamente, não é exaustiva, pois seria impossível nomear todos aqueles que de alguma forma colaboraram. Gostaria de começar agradecendo ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que me permitiu investir tempo na minha formação jurídica e profissional. Agradeço à Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro - FGV DIREITO RIO -, pela oportunidade de estudo e pela experiência de vida proporcionada. À professora Leslie Shérida Ferraz, minha orientadora, que tão generosamente me acolheu como seu orientando quando a “luz no fim do túnel” parecia estar se apagando. Ao professor José Ricardo Cunha, que além das inesquecíveis aulas de ética, possibilitou o meu retorno ao curso após o indeferimento do meu primeiro pedido de licença pelo Tribunal de Justiça. Ao professor Sérgio Guerra, notável mestre, por me ampliar os horizontes no estudo do direito, pelo incentivo e a possibilidade de publicar meu primeiro artigo. Também minha admiração e respeito pela condução competente e profissional da pós-graduação da FGV DIREITO RIO. Sou grato aos professores que contribuíram para a minha formação na pós-graduação, em particular, aos professores: Andréa Diniz, Antônio Carlos Porto Gonçalves, Armando Cunha, Carlos Affonso Pereira de Sousa, Delane Botelho, Guilherme Leite Gonçalves, Leandro Molhano Ribeiro, Leslie Shérida Ferraz, Maria Elisa Bastos Macieira, Mauriti Maranhão, Paulo Roberto Motta, Roberto Bevilacqua e Yann Duzert, pelos ensinamentos recebidos. Agradeço com especial carinho à equipe do Centro de Justiça e Sociedade, começando pelo professor supervisor Luiz Roberto Ayoub, o grande líder Carlos Alexandre Machado Melman (a quem eu ainda estou esperando para aquele passeio de bicicleta no Leme), Fernanda Fustagno de Abreu, Patrícia Lemos Quintanilha e Aline Santiago Santos. Obrigado pelo carinho, dedicação e compreensão com as dificuldades de um mestrando de Goiás na Cidade Maravilhosa. Aos amigos Ivanyr, Carmem e Fernando, pela acolhida e apoio logístico e por tornar mais fácil e agradável a nossa vida no Rio de Janeiro. À Manu, Beatriz, Luiza, tia Vânia e tio Cezar, nossa nova família carioca. Aos professores que aceitaram participar da banca de defesa, professores doutores Leandro Molhano, que me acompanha desde o exame de qualificação e Nivaldo dos Santos, que gentilmente atendeu ao convite, além, é claro, da minha orientadora, professora doutora Leslie Shérida Ferraz, já mencionada. Aos meus colegas de mestrado, turma 2007 e 2008, com os quais tive o privilégio de obter conhecimento e fecundos diálogos e discussões sobre o Poder Judiciário, em especial a Mariana Picanço e a Márcia Leal, que se mostraram as amigas “certas das horas incertas,” dentro e fora da sala de aula. Obrigado pela amizade. Estou esperando vocês na terra do pequi. Aos meus colegas de magistratura, pela amizade, contribuição e incentivo. A dedicação e abnegação de vocês em prol da sociedade me fazem sentir orgulho de pertencer ao Poder Judiciário goiano. À minha família, minha referência e razão de tudo. Aos meus pais Nilson e Elba, que com sacrifício e muito amor, dedicaram suas vidas para os filhos, estando sempre por

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perto dando apoio às nossas decisões. Vocês me ensinaram que sem valores morais e sociais eu não chegaria a lugar nenhum. Aos meus irmãos Abelardo, Nilson e Luis Gustavo, que desde o primeiro vestibular me incentivaram, vibraram e estiveram ao meu lado em cada realização. Agora vou deixar de escrever a dissertação. Estou voltando para a vida, aguardem-me! Às minhas cunhadas e sobrinhos pelo apoio recebido. De maneira especial à Edilma, minha mulher, pelo incentivo na realização dos meus objetivos. Sem a sua dedicação integral à nossa família, assumindo, por vezes, sozinha as responsabilidades por nossas filhas. Sem seu amor e compreensão nos momentos de angústia, nada disso teria sido possível, ou teria sido muito mais difícil. Obrigado ainda pelas leituras dos textos, críticas, sugestões e pela companhia e ternura durante meus estudos pelas madrugadas adentro. À minhas filhas Ana Laura e Mariana, exemplo divino do quanto a vida é ainda mais bela. Agradeço todos os dias a Deus por todos vocês estarem vivendo este momento comigo. Agradeço, por fim, e antes de todos, a Deus e ao Divino Pai Eterno, pela minha vida e proteção.

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RESUMO

Esta dissertação pretende demonstrar que os Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulados pela Lei nº 9.099/95, orientados pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, que foram criados em decorrência da necessidade de viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da população mais carente, com redução de custos e simplificação de procedimentos que possibilitassem os julgamentos dentro de um prazo razoável, na realidade da práxis forense, estão sendo desvirtuado dos seus objetivos. Neste sentido, o estudo apresenta números comprovando que os Juizados Especiais cumpriram seu desiderato de proporcionar o acesso ao judiciário, mas que passaram a padecer do mesmo problema da justiça comum: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional. Além da incompatibilidade de estrutura com a atual demanda que obviamente vai ensejar lentidão nos Juizados, o estudo apresenta como motivo para esse quadro a conduta dos juizes, responsáveis pela administração do processo, que reproduzem nos Juizados o formalismo e a burocracia inerente ao processo civil comum, ao instituir, em evidente descompasso com a lei e seus princípios, um procedimento com duas audiências, sendo uma para conciliação e outra, nos casos em que não é obtido acordo, para instrução e julgamento, em dias distintos, aumentando o tempo de duração dos processos. O estudo conclui que a utilização de audiência única, além de ser uma determinação legal e estar em sintonia com seus princípios, proporciona celeridade nos julgamentos, diminuindo o custo e o tempo de espera dos litigantes, obstáculos do acesso à justiça que a Lei nº 9.099/95 procurou remover. Palavras-chave: Juizado Especial Cível. Juizado. Acesso à justiça. Celeridade. Audiência única. Audiência. Conciliação. Instrução e julgamento. Tempo razoável do processo. Tempestividade.

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ABSTRACT

This dissertation intends to show that the State Civil Small Claims Courts, regulated by the Law 9.099/95, guided by the principles of orality, simplicity, informality, procedural economy and celerity, which were created because of the need to make a greatest access to justice viable, mainly among the poorest, with the reduction of costs and simplification of procedures that could make the judgements within a reasonable period possible, in the forensic custom reality, are being misconstrued from their purposes. In this sense, the study shows numbers that confirm that the Small Claims Courts accomplished their aim to provide the access to the judiciary, but started to suffer from the same problem of ordinary justice: slowness in the delay of jurisdictional execution. Besides the structure incompatibility with the current demand that will obviously cause slowness in the Small Claims Courts, the study shows the reason for this way of acting of the judges, responsible for the administration of the process, that reproduce in the Small Claims Courts the formality and the inherent bureaucracy of regular Civil law, when it establishes, in evident lack of measure with the law in its principles, a procedure with two formal audiences, one for conciliation, another when an agreement is not reached, for instruction and judgement, in separated days, increasing the time of process duration. The study concludes that the use of a single formal audience, besides being a legal determination, is also in syntony with its principles, and provides celerity in the judgements, reducing the cost and the waiting time of the litigants, obstacles to the access to justice which the law 9.099/95 tried to remove. Key words: Civil Small Claims Court. Small Claims Court. Access to justice. Celerity. Single formal audience. Formal audience. Agreement. Instruction and judgement. Reasonable process lasting. Seasonable.

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LISTA DE TABELAS

Tabela nº 1 - Casos Novos por Estados: Juizados Especiais Estaduais e Justiça Comum

Estadual - 2008..........................................................................................................................91

Tabela nº 2 - Indicadores dos Juizados Especiais Estaduais - 1º grau......................................93

Tabela nº 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1º grau...............................................93

Tabela nº 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais.......................................95

LISTA DE FIGURAS

Figura nº 1 - Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz...................118

Figura nº 2 - Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador..........................119

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11

1 - Limitação do tema..............................................................................................................11

2 – Plano de trabalho e metodologia........................................................................................15

1. ACESSO À JUSTIÇA........................................................................................................17

1.1. Notas introdutórias............................................................................................................17

1.2. As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro.......................24

1.2.1. A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados.........................25

1.2.2. A segunda onda: representação dos interesses difusos.......................................27

1.2.3. A terceira onda: uma concepção mais ampla, um novo enfoque de acesso à

justiça............................................................................................................................31

1.3. Acesso à justiça: direito e garantia....................................................................................33

1.4. Acesso à justiça: direito natural, humano e fundamental..................................................33

1.5. Pactos internacionais sobre o acesso à justiça...................................................................38

1.6. Efetividade do direito de acesso à justiça..........................................................................42

2. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS...............................................................................51

2.1. Evolução legislativa...........................................................................................................51

2.2. Finalidade dos Juizados Especiais.....................................................................................55

2.3. Características básicas dos Juizados Especiais e o acesso à justiça .................................58

2.5. Princípios orientadores dos Juizados Especiais.................................................................64

2.5.1. Oralidade.............................................................................................................65

2.5.2. Simplicidade e Informalidade.............................................................................68

2.5.3. Economia processual..........................................................................................71

2.5.4. Celeridade...........................................................................................................73

2.5.5. Conciliação.........................................................................................................75

3. O TEMPO DO PROCESSO NOS JUIZADOS E A AUDIÊNCIA ÚNICA .................79

3.1. Princípio constitucional da duração razoável do processo...............................................79

3.2. Tempo razoável e Juizados Especiais Cíveis....................................................................85

3.3. A morosidade nos Juizados Especiais: alguns dados estatísticos.....................................87

11

3.4. A audiência única, o desvirtuamento da lei e o aumento do tempo do processo..............97

4. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA ÚNICA ...........................109

4.1. Nota sobre a estrutura e o aparelhamento dos Juizados...................................................109

4.2. Informações indispensáveis aos litigantes.......................................................................111

4.3. Organização e planejamento das rotinas administrativas................................................112

4.4. Maneiras de operacionalizar a audiência única...............................................................116

4.5. Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz ................................118

4.6. Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador........................................119

4.7. Institucionalização da audiência única.............................................................................120

4.8. Outros benefícios decorrentes da audiência única...........................................................120

4.8.1. Redução dos serviços cartorários e do custo operacional.................................121

4.8.2. Aumento do número de acordos........................................................................122

4.8.3. Redução das execuções ....................................................................................124

4.8.4. Redução do custo do processo para as partes...................................................124

4.8.5. Efetividade do processo....................................................................................126

CONCLUSÃO.......................................................................................................................128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................131

12

INTRODUÇÃO

1. Limitação do tema

Esta dissertação tem como ponto de partida a experiência propiciada pelo dia a dia

das atividades desenvolvidas no exercício da judicatura nos Juizados Especiais Cíveis, que em

conjunto com estudos acadêmicos e dados estatísticos pesquisados, revelam que a realidade

da práxis forense, por diversos motivos, pode desvirtuar os objetivos da lei.

No que se refere ao tema proposto, considerou-se a sua relevância para a

sociedade contemporânea que há muito conclama do Poder Judiciário a facilitação do seu

acesso com instituição de órgãos e procedimentos que garantam uma prestação jurisdicional

dentro de um prazo razoável.

Para isso, o legislador criou os Juizados Especiais que foram instituídos em

decorrência da necessidade de viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da

população mais carente, com redução de custos e simplificação de procedimentos que

possibilitassem maior celeridade aos julgamentos. Posteriormente reforçou a sua preocupação

com a demora na entrega da prestação jurisdicional ao incluir no rol dos direitos fundamentais

a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

O trabalho desenvolve-se, portanto, coma a análise da sistemática procedimental

empregada nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulado pela Lei nº 9.099/95.

Dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ -,1 divulgados em 2009, revelam

que somente no ano de 2008 foram protocolados nos Juizados Especiais Estaduais mais de 4

(quatro) milhões de novos processos,2 números que pela sua grandiosidade revelam a

importância desse sistema3 para a resolução de conflitos do cidadão.

Não há dúvidas de que os Juizados Especiais Cíveis cumpriram parte do seu

desiderato, ou seja, possibilitaram acesso ao judiciário para uma camada da população que

não dispunha de mecanismos estatais para solucionar seus conflitos, e por isso tinham que

1 Órgão do Poder Judiciário encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do próprio Poder Judiciário (art. 92, I-A e art. 103-B, ambos da Constituição da República de 1.988). 2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ – Justiça em números - 2008. Disponível em <http://www.cnj.jus.br> Acesso em: 12 jul. 2009. 3 “O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.” (definição contida no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009.)

13

renunciar aos seus direitos ou resolvê-los por outros meios (nem sempre lícitos), fenômeno

esse que o professor Kazuo Watanabe denominou de “litigiosidade contida”.4

Atendidas as expectativas iniciais de acessibilidade, os Juizados Especiais

começaram a sofrer uma incessante tendência de expansão de sua competência5. Atualmente

vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional visando ao alargamento da

competência dos Juizados.6

Em 2001 foi contemplada a Justiça Federal7, ou seja, mais um canal de acesso à

justiça para resolução dos conflitos envolvendo a União, principalmente questões

previdenciárias e habitacionais.8 Recentemente, no final de 2009, foi publicada a Lei nº

12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do

Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, que entrará em vigor no dia 23 de junho de

2010.

Porém, se de um lado os Juizados Especiais garantiram acesso à justiça de uma

parte da sociedade que até então se via excluída, por outro, esse acesso provocou uma

sobrecarga de demandas, que por serem incompatíveis com a estrutura judicial existente,

comprometeram a celeridade na entrega da prestação jurisdicional, um dos escopos da Lei nº

9.099/95. É o que revelam os dados estatísticos apresentados pelo CNJ.

Segundo seus levantamentos, a taxa de congestionamento9 dos Juizados Especiais

Estaduais10 é da ordem de 50,6%, ou seja, mais da metade das ações protocoladas no período

de estudo (2008) ainda estão aguardando sentença final, enquanto a carga de trabalho -

4 De acordo com esse autor, dentro da normalidade os conflitos de interesse são solucionados sem a necessidade da intervenção estatal, através de negociação direta das partes interessadas ou por intermédio de terceiros (tais como parentes, vizinhos, amigos, líderes comunitários, autoridades eclesiásticas, advogados). Mas nas comunidades mais populosas, o relacionamento entre as pessoas é mais formais e impessoal, o que leva a diminuir a eficiência dos mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos. WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2. 5 Por intermédio da Lei nº 9.841/99 permitiu-se a possibilidade das microempresas de encaminhar suas reclamações nos Juizados Especiais. 6 Vide <http:www.camara.gov.br> e <http:www.senado.gov.br>. 7 Emenda Constitucional nº 22, de 18.03.1999 e Lei nº 10.259/2001. 8 O Relatório Anual 2008 do CNJ informa que atualmente tramitam nos Juizados Especiais Federais dois milhões de ações. Disponível em <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 fev. 2009. 9 Taxa de congestionamento é uma medida do número de processos para os quais não foi prolatada sentença durante o período de estudo, ou seja, ela indica o número de processos que estão “parados” aguardando sentença. Essa taxa ajuda a medir a morosidade no julgamento dos processos. A taxa de congestionamento é medida pela divisão do número de sentenças que extinguem os processos pela soma do número de casos novos com o número de casos pendentes de julgamento. Fonte: CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 fev. 2009. 10 Esses números referem-se aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais.

14

relação entre o número de casos novos e os pendentes de julgamento e o número de

magistrados -, foi superior a 9.000 processos por juiz.11

Com essa alta taxa de congestionamento e esse acervo de processo, é facilmente

perceptível que os Juizados Especiais padecem do mesmo mal de outros ramos do Poder

Judiciário: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

Essa lentidão na solução dos conflitos também é ratificada pela pesquisa realizada

pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ -12, em parceria com a

Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça – SRJ/MJ, no ano de 200613, em

nove capitais, que chegou à conclusão de que o processo de conhecimento nos Juizados

Especiais Cíveis Estaduais durava em média 349 dias14. A Lei nº 9.099/95 previu que os

processos deveriam terminar com a sentença de mérito em 30 (trinta) dias.15

Com isso, a conclusão é que o princípio do acesso à justiça - que não pode ser

entendido apenas como acesso ao judiciário, mas, e principalmente, também como um direito

à tutela jurisdicional efetiva e em prazo razoável - foi duramente prejudicado, impondo a

necessidade de se buscar mecanismos para garantir a presteza nos julgamentos dos Juizados.

Entretanto, as mazelas da demora na entrega da prestação jurisdicional não se

restringem puramente ao elevado número de ações, sempre desproporcional ao número de

juízes e servidores, precariedade das estruturas judiciais ou ausência de gerenciamento, além

da carência crônica de recursos, mas, principalmente, pela resistência a uma “nova filosofia e

estratégia no tratamento dos conflitos de interesses”16 que os Juizados Especiais trouxeram ao

mundo jurídico, em contraponto ao formalismo tradicional do processo.

Orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia

processual e celeridade,17 visando preferencialmente uma solução conciliada dos conflitos,

11 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em número - 2008. Disponível em <http://www.cnj.jus.br.>. Acesso em: 12 jul. 2009. 12 O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais é uma associação civil, não governamental, sem fins lucrativos, que objetiva desenvolver estudos e pesquisas sobre o sistema judicial brasileiro. O CEBEPEJ foi fundado em 1999, por profissionais do Direito e das Ciências Sociais, diante da constatação da escassez de informações e estudos científicos relativos à Justiça brasileira. Disponível em <http://www.cebepej.org.br.>. 13 CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis – Estudos. Pesquisa realizada para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009. 14 Compreende todas as etapas do processo de conhecimento: distribuição, audiência de conciliação, audiência de instrução e julgamento, sentença de mérito, interposição e julgamento de recurso. 15 Arts. 16 e 27. 16 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1. 17 Art. 2ª.

15

resumido o procedimento em uma só audiência,18 a Lei nº 9.099/95 trouxe em seu bojo

inovações para simplificar e abreviar procedimentos19 com o desígnio de reduzir custos e

acelerar o processo.

Portanto, a regra é o procedimento oral, simples, acessível e célere, com a

concentração dos atos processuais, buscando sempre que possível em audiência única a

conciliação ou, se for o caso, a instrução processual e imediatamente o julgamento, desde que

não haja prejuízo para defesa.

Ocorre que, na prática forense, os princípios norteadores dos Juizados Especiais,

em especial os da economia processual e celeridade, estão sendo sacrificados, já que a regra

da unificação das audiências cedeu lugar para ao agendamento de no mínimo duas audiências

em momentos distintos, contribuindo para aumentar o tempo de duração do processo.20

Esse artifício produz prejuízos para o jurisdicionado, pois retarda a sua “saída” do

Poder Judiciário, aumentando os desgastes naturais de uma batalha judicial e anulando os

benefícios adquiridos pela conquista do acesso formal à Justiça.

Com essa realidade, ocorreu um completo desvirtuamento dos princípios e regras

procedimentais da Lei dos Juizados Especiais, ficando comprometido o acesso à justiça para o

cidadão envolvido em causas de menor complexidade e valor econômico e a esperança de

romper a crença generalizada de que a Justiça é lenta, cara, complicada21 e somente para os

abastados.

Uma das alternativas para tentar minimizar esse quadro e impedir o

comprometimento do funcionamento desse essencial microssistema22 da Justiça é a mudança

da prática de procedimentos dos aplicadores do direito.

18 Arts. 16 e 27. 19 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1. 20 Juizados Especiais Cíveis – Estudos. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação constatou que, com exceção do Rio de Janeiro, em todos os demais Estados, na prática, convencionou-se divorciar as duas audiências, aumentando o prazo de duração do processo. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.122-180. 21 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2. 22 Termo muito utilizado na doutrina para designar a estrutura dos Juizados Especiais, que seria parte do subsistema Poder Judiciário que é parte do sistema Justiça.

16

Os juízes, responsáveis pela condução dos trabalhos judiciais, precisam estar à

frente dessas mudanças, com uma revisão de procedimentos formais já enraizados na prática

forense, buscando uma adequação em consonância com o espírito da Lei.

Assim, diante da constatação do problema da morosidade que ameaça o

funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, o tema está limitado à análise dos

princípios e das questões técnico-processuais previstos na Lei nº 9.099/95 que prescreve a

concentração dos atos processuais com a realização de apenas uma única audiência de

conciliação, instrução e julgamento, nos casos de não ocorrer uma composição amigável.

Essa hipótese, que não exige qualquer mudança na legislação, promove um

enxugamento processual e procedimental que muito pode contribuir para desafogar os

Juizados, possibilitando a garantia do acesso à justiça de forma efetiva e menos morosa sem,

contudo, comprometer a observância do contraditório, da ampla defesa e da segurança

jurídica.

Nesse contexto, a hipótese de trabalho é demonstrar que a utilização do

procedimento com audiência única pode reduzir o tempo de tramitação dos processos nos

Juizados Especiais Cíveis Estaduais, e, consequentemente, proporcionar julgamentos mais

rápidos, melhorando a ampliação do acesso à justiça.

2. Plano de trabalho e metodologia

A dissertação desenvolve-se buscando a solução nas fontes doutrinárias e no

sistema normativo vigente, além do suporte de dados estatísticos e pesquisas divulgadas. O

trabalho está dividido em quatro capítulos, além dessa introdução.

No primeiro capítulo expor-se-á uma visão geral do movimento internacional

sobre o direito ao acesso à justiça a partir dos estudos de Mauro Cappelletti.

Após essa abordagem geral, será enfatizada a natureza de direito e garantia

fundamental do acesso à justiça, inclusive com citações de sua abordagem em Pactos

internacional, e, por fim, da sua efetividade, aí contidos a necessidade de redução do tempo (e

consequentemente dos custos) para que o sistema seja “igualmente acessível a todos,” 23 pois

o fator tempo é um elemento determinante para garantir e realizar o acesso à justiça.

23 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8.

17

É nesse contexto que surgem os Juizados Especiais, que tem como objetivo a

busca da ampliação do acesso à justiça através de um procedimento simplificado, rápido e

barato.

No segundo capítulo, em um primeiro momento, será abordada a evolução

legislativa até o atual sistema normativo que abrange os Juizados Especiais, sua criação, sua

implantação, sua finalidade, suas características básicas e será depois feita uma apresentação

detalhada dos princípios que orientam os Juizados Especiais, tudo dentro da perspectiva do

direito a uma tutela jurisdicional tempestiva, sem a qual não se realiza o direito de acesso à

justiça.

No terceiro capítulo, será objeto de estudo o princípio da razoável duração do

processo e da celeridade no trâmite processual, que vem expresso no artigo art. 5º, inciso

LXXVIII, da Constituição da República e o tempo nos Juizados Especiais, com apresentação

de alguns dados estatísticos demonstrando a demora na resolução dos conflitos.

Também será analisado o rito da audiência na Lei nº 9.099/95, e como a

burocracia e a tendência de assemelhar o rito dos Juizados ao rito do processo civil

desvirtuam o espírito da lei no dia a dia nos Juizados, descaracterizando seus princípios e

comprometendo a celeridade na entrega da prestação jurisdicional com o aumento do tempo

do processo ao utilizar o procedimento de realizar duas ou mais audiências em dias distintos.

No quarto e último capítulo, apresenta-se uma proposta prática para

implementação da audiência única, o que vai possibilitar a efetivação dos princípios

orientadores dos Juizados Especiais com maior pragmatismo e flexibilidade e menor

solenidade, tudo visando a garantia e realização do acesso à justiça (sob a ótica da brevidade

jurisdicional).

Este trabalho, além de estar revestido de uma preocupação prática, isto é, na

resolução de um problema, objetivo maior de um Mestrado Profissional, 24 não descuidou da

abordagem acadêmica.

Pretendeu-se, assim, neste estudo, demonstrar a necessidade de uma mudança na

prática procedimental dos Juizados Especiais Cíveis, que devido a recalcitrância dos adeptos

ao formalismo do processo civil tradicional, foi desnaturado em suas regras e princípios, com

reflexos diretos no tempo de tramitação dos processos.

24 Em entrevista ao Jornal O Globo, no dia 21/06/2009, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES -, Jorge Almeida Guimarães, afirmou que o “mestrado profissional tem um foco específico de resolução de problemas. O acadêmico, não”.

18

1 DO ACESSO À JUSTIÇA

1.1 Notas introdutórias

O acesso à justiça é tema que há muito desperta interesse de juristas e cientistas

dos mais variados ramos do saber científico, comportando, por isso, as mais variadas

acepções, tendo passado, ao longo dos anos por grandes transformações, com interpretações e

abordagens distintas, dependendo da perspectiva e ideologia25 do observador.26

Portanto, pode-se dizer que o conceito do acesso à justiça é suscetível a

influências de natureza política, filosófica, religiosa, sociológica, econômica e jurídica, mas

todos objetivando um maior acesso da população em geral, principalmente dos menos

favorecidos economicamente, aos mecanismos e procedimentos para realização de uma

justiça equitativa, rápida e eficaz.

Essa evolução da discussão sobre o tema do acesso à justiça ganhou corpo com os

estudos de Mauro Cappelletti, professor da Università degli Studi di Firenze e do Instituto

Universitário Europeu, catedrático da Stanford University, que realizou pesquisa em

diferentes países acerca do acesso à justiça, denominado Projeto Florença (Florence

Project).27

25 O termo ideologia, de acordo com Noberto Bobbio, tem uma gama de significados diferentes e o seu múltiplo uso pode produzir dois tipos gerais de significados, sendo um significado fraco e outro significado forte. “No seu significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, na noção de falsidade: a Ideologia é uma crença falsa. No significado fraco, Ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das crenças políticas. No significado forte, Ideologia é um conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política.” In: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 585. Ver também CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2003. 26 CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.3. FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.69; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 126; CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p.57. 27 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro.

19

Nesse trabalho foram colhidos dados empíricos com os objetivos de identificar e

conhecer os obstáculos mais frequentes ao acesso à justiça, além de conhecer programas bem

sucedidos acerca do tema. O resultado da pesquisa foi apresentado em um relatório geral que

Cappelletti publicou, juntamente com Bryan Garth28, no final da década de 70, que

posteriormente foi traduzida uma versão resumida para o português por Ellen Gracie

Northflleet.29

É certo que em diferentes períodos históricos ocorreram movimentos perseguindo

o ideário de justiça e a possibilidade de acesso à ordem jurídica,30 mas foi a partir do

surgimento dos direitos sociais, os denominados direitos de segunda31 geração,32 que eclodiu

na doutrina internacional uma nova concepção do processo e a preocupação com um acesso à

justiça que não fosse apenas um mero acesso formal ao Judiciário.33

No Estado Liberal34 nos séculos XVIII e XIX, sob influência da filosofia

individualista dos direitos, quando se acreditava que os prêmios e as vicissitudes de cada um

Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 20; MARQUES, Alberto Carneiro. Perspectivas do processo coletivo no movimento de universalização do acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2007, p.15-16; FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à realidade brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, nº 18, 1996, p. 1. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf> Acesso em: 08 abr. 2009. 28 Professor de Direito na Universidade de Bloomington (USA). 29 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. 30 Para um estudo aprofundado sobre o acesso à Justiça em diferentes períodos histórico ver: LIMA FILHO, Francisco das C. Os movimentos de acesso à justiça nos diferentes períodos históricos. Disponível em: <htpp://www.unigran.br/revistas/jurídica/ed_anteriores/04/_artigos/03.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2009; CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007. 31 A doutrina classifica os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseados na ordem cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Os de primeira geração são os direitos e garantias que dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra. Os de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais, inspirados e impulsionados pela Revolução Industrial europeia a partir do início do século XIX. Os direitos de terceira geração, chamados de direitos de solidariedade ou fraternidade, que compreendem o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, como o direito dos consumidores. Fala-se, ainda, em direitos de quarta e quinta gerações que decorreriam dos avanços no campo da engenharia genética (quarta) e os que envolveriam a compaixão, o cuidado e o amor por todas as formas de vida (quinta). Porém, essas novas gerações de direitos ainda não foram reconhecidas explicitamente no ordenamento jurídico e nem há consenso na doutrina. Fontes: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007. p. 694-695. PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São Paulo: Ltr, 2008. p. 113-122. 32 A doutrina também classifica como dimensões, pois entende que uma etapa complementa a outra. Quando se fala em geração, pode-se passar a idéia de que uma etapa superou a outra. 33 GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 11. 34 O Estado Liberal pode ser definido como uma das formas do Estado Moderno (o Estado Social é a outra forma), que emergiu progressivamente deste o século XIV. No sentido jurídico o Estado Liberal é uma fase

20

dependiam do seu único desempenho - reflexo da política do laissez faire35 - e refletiam nos

procedimentos judiciais utilizados para a resolução dos conflitos, o direito ao acesso à justiça

significava apenas um direito individual e formal de propor ou contestar uma ação.36

Naquela época prevalecia a teoria de que o direito de acesso à justiça era um

direito natural, anterior ao próprio Estado, não necessitando de uma ação deste para sua

proteção, exigindo apenas que o Estado não permitisse a aplicação da vingança privada.37 Não

havia qualquer preocupação dos órgãos estatais em garantir aos cidadãos a proteção dos seus

direitos, desprezando, consequentemente, o direito do acesso à justiça.38

Na prática, o acesso ao judiciário somente podia ser obtido por aqueles que

pudessem suportar os seus custos e suas delongas, ou seja, o acesso era formal, mas não

efetivo - no sentido de ser acessível a todos – e correspondia à igualdade, também formal, e

não efetiva.39

Com a transformação da sociedade e o surgimento do Estado Social,40 sob a

influência da teoria marxista,41 essa visão individualista e limitada a quem dela pudesse

ulterior do Estado Moderno, a do “Estado de direito, fundado sobre a liberdade política (não apenas privada) e sobre a igualdade de participação (e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais súditos) frente ao poder, mas gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com os instrumentos científicos fornecidos pelo direito e pela economia na idade triunfal da Revolução Industrial” In: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 425-431. Para uma melhor compreensão sobre o Estado Liberal e o Estado Social, ver BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 1972. 35 Laissez Faire (deixar fazer), “Palavra de ordem do liberalismo econômico, proclamando a mais absoluta liberdade de produção e comercialização de mercadorias. O lema foi cunhado pelos fisiocratas franceses no século XVIII, mas a política do laissez-faire foi praticada e defendida de modo radical pela Inglaterra, que estava na vanguarda da produção industrial e necessitava de mercados para seus produtos. Essa política opunha-se radicalmente às práticas corporativistas e mercantilistas, que impediam a produção em larga escala e resguardavam os domínios coloniais. Com o desenvolvimento da produção capitalista, o laissez-faire evoluiu para o liberalismo econômico, que condenava toda intervenção do Estado na economia.” In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 465. 36 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9. 37 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9. 38 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro, 2004, p.16. 39 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9-11. 40 O Estado Social é uma das formas do Estado Moderno, sendo caracterizado como uma resposta direta às necessidades das classes subalternas emergentes que não eram atendidas pelo Estado Liberal, obrigando uma intervenção cada vez mais forte do Estado nos campos econômicos e social com o objetivo de proporcionar aos cidadãos padrões de vida mínimos. Fontes: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 429-430; SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 313. 41 Norberto Bobbio diz que o Marxismo é um “conjunto das idéias, dos conceitos, das teses, das teorias, das propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção de mundo, da vida social e política, consideradas como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma verdadeira e autêntica

21

usufruir, típica do liberalismo econômico,42 começa a perder força e o pensamento dominante

passou a preocupar-se mais com o coletivo do que com o individual e a garantia de acesso à

justiça passou a ser considerada como direito social fundamental básico,43 buscando não uma

igualdade formal, mas uma igualdade material que possibilitasse a todos o acesso aos seus

direitos.44

Com o reconhecimento dos direitos sociais de segunda geração, a sociedade fez

exigir uma atuação mais positiva do Estado, no sentido de garantir sua real efetivação.45 A

partir daí surgiram vários estudos e manifestações para garantir um maior acesso à justiça,

não somente para os afortunados, mas para todas as camadas da população.

No Brasil, segundo Eliane Junqueira,46 o tema acesso à justiça passou a ter maior

atenção a partir dos anos 80, com a publicação do trabalho produzido por Mauro Cappelletti e

Bryan Garth, embora as justificativas não fossem as mesmas dos países desenvolvidos.47

‘doutrina’, que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels.” BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 738. Paulo Sandroni, pela ótica econômica, definiu o Marxismo como uma “fundamentação ideológica do moderno comunismo. Abrange uma filosofia e uma sociologia. Mudou os rumos da economia política, principalmente com a obra O Capital, de Marx, que expõe a teoria da mais valia e considera o capitalismo um modo de produção transitório, sujeito a crises econômicas cíclicas, e que, por efeito do agravamento de suas contradições internas, deverá ceder o lugar ao modo de produção socialista, mediante a prática revolucionária. A teoria política marxista, chamada de socialismo científico, considera que a luta de classes é o motor da história e que o Estado é sempre um órgão a serviço da classe dominante, cabendo à classe operária, como classe revolucionária de vanguarda, lutar pela conquista do Estado da ditadura do proletariado.” In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 518. 42 O liberalismo econômico foi definido e estruturado pela doutrina de pensadores como François Quesnay, Jonh Stuart Mill, Adam Smith, David Ricard, Thomas Malthus, J.B. Say e F. Bastiat, que consideravam que a economia, da mesma forma que a natureza física, é regida por leis naturais, universais e imutáveis, cabendo ao indivíduo apenas descobri-las para melhor atuar de acordo com essa ordem natural. Dessa forma, os comerciantes estariam livres da intervenção do Estado e da pressão de grupos sociais e poderiam alcançar naturalmente o máximo de lucro com o mínimo de esforço. Essa doutrina aplicou os princípios do laissez-faire no comércio internacional, ou seja, o livre comércio entre as nações, condenando as praticas mercantilistas, as barreiras alfandegárias e protecionistas. Porém, com o desenvolvimento do capitalismo e a formação de monopólios no final do século XIX, que geraram concentração de renda e propriedade, seus princípios entraram em contradição, sendo necessária a intervenção do Estado para a racionalização e a evolução da economia. Fonte: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 486-487. 43 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12. 44 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro – 2004, p.16 45 ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113. 46 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, nº 18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf> Acesso em: 08 abr. 2009. 47 Para Eliane Junqueira o movimento de acesso à justiça (acess-to-justice movement) ocorrido nos “países centrais” deu-se em razão da “expansão do welfare state e a necessidade de se tornarem efetivos os novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas ‘minorias’ étnicas e sexuais”, enquanto no Brasil ele ocorreu em função da “necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós 64.” In: JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar

22

Essa evolução da discussão sobre o tema ganhou força e o acesso à justiça passou

a representar o acesso efetivo à justiça,48 que para garantir essa efetividade Cappelletti e Garth

identificaram três obstáculos a serem transpostos para a afirmação e reivindicação dos

direitos, quais sejam: (i) custas judiciais, (ii) possibilidades das partes e (iii) problemas

especiais dos interesses difusos. 49

Sobre as (i) custas judiciais, os referidos autores afirmam que os litigantes

precisam suportar as despesas com os processos judiciais, incluindo os honorários de

advogados e peritos, que agem como uma importante barreira ao acesso à justiça,50 pois torna

muito dispendioso para o demandante propor uma ação judicial, em que na maioria das vezes

ele não tem a certeza do sucesso.51

Nos casos que envolvem causas de pequeno valor os custos podem exceder o

montante do valor em disputa, tornando a demanda completamente inviável. Outro fator que

impede o acesso à justiça é o tempo para a solução judicial, pois a delonga aumenta os custos

financeiros e pressiona as partes economicamente fracas a abandonar suas causas ou aceitar

acordos por valores inferiores aos que teriam direito.52

Outra barreira seria (ii) as possibilidades das partes, expressão empregada no

sentido de que alguns litigantes possuem vantagens em relação a outros, fator de desequilíbrio

para o acesso à justiça.

As pessoas ou grupos que possuem mais recursos financeiros estão em posição

privilegiada, tanto para suportar as delongas do litígio, como para produzir provas de maneira

mais eficiente,53 como também aquelas com uma melhor ‘capacidade jurídica’ pessoal, pois

essas têm um conhecimento jurídico básico para reconhecer um direito juridicamente exigível

ou saber buscar um aconselhamento jurídico qualificado.54

retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, nº 18, 1996, p.1 Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009. 48 Na definição de Cappelletti, “Primeiro, o sistema deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.” In: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8-9. 49 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15. 50 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15-18. 51 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 17. 52 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20. 53 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 21. 54 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 23-24.

23

Há, ainda, relacionados às possibilidades das partes, os litigantes ‘habituais’,55 que

levam vantagens sobre os litigantes ‘eventuais’, uma vez que podem desenvolver maior

experiência, planejamento, diluição de custos, estratégias de defesas, etc., impondo outras

barreiras ao acesso à justiça para aquela camada da população que eventualmente litiga nos

tribunais.56

Cappelletti e Garth ainda descrevem os (iii) problemas relacionados com os

interesses difusos como uma outra barreira ao acesso à justiça. Primeiro, porque nem todos

possuem legitimidade para buscar a tutela judicial para corrigir um interesse coletivo, e

segundo, porque na maioria das vezes o prêmio individual para buscar essa tutela é pequeno

demais, desestimulando o cidadão comum.57

Na visão desses autores, todas essas barreiras são mais pronunciadas para as

pequenas causas e para demandantes individuais e pobres, especialmente contra grandes

organizações.

A solução prática para esses problemas do acesso à justiça aconteceu, nos países

ocidentais e mais desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, em uma sequência mais

ou menos cronológica, e foi estruturada por Cappelletti e Garth em três etapas, denominadas

“ondas renovatórias”.

A primeira “onda” concentrou-se no objetivo de proporcionar assistência jurídica

gratuita para os pobres, em decorrência da constatação de que os custos com advogados são

uma barreira para o acesso à justiça.

De acordo com as pesquisas do Projeto Florença, apesar de reconhecer o direito

de acesso à justiça, os países ocidentais prestavam os serviços de assistência judiciária de

forma inadequada, geralmente por advogados particulares, sem qualquer contraprestação, o

que, em uma economia de mercado, limitava o trabalho dos bons advogados que tendiam a

dispensar mais tempo para seus trabalhos remunerados.58

55 A distinção entre litigantes habituais e eventuais está baseada na “frequência de encontros com o sistema judicial,” ou seja, aquele que frequentemente está demandando com alguém na Justiça e aquele que nunca ou poucas vezes esteve em juízo. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25. 56 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25-26. 57 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 26-28. 58 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 31-32.

24

A partir do início do século XX começou um programa de reformulação do

sistema de assistência judiciária pelos países ocidentais, “de modo a remunerar os advogados

mais adequadamente.”59

Na segunda “onda”, para tornar efetivo o acesso à justiça, Cappelletti e Garth

destacam o problema da representação dos interesses difusos e coletivos, que não tinham

proteção na concepção tradicional do processo civil, por ser vista apenas como uma questão a

ser resolvida entre duas partes e com interesses individuais.60

A terceira “onda” é uma concepção mais ampla de acesso à justiça, considerando

as outras “ondas” como complementares de uma série de proposições para melhorar o

acesso,61 com atuação nas instituições, pessoas e procedimentos para processar e mesmo

prevenir litígios, o que Cappelletti e Garth denominam de “um novo enfoque de acesso à

justiça”.

A primeira dessas proposições apresentadas são as alterações nos procedimentos

judiciais, com melhoria e modernização tornando-os mais acessíveis e adequados para a

resolução dos conflitos, tudo em busca da efetividade do processo.

Outras proposições seriam a mudança na estrutura judicial, com a criação de

outros tribunais e o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais no Judiciário e nas instituições

essenciais à justiça, e modificações no direito processual, inclusive com utilização de métodos

alternativos de solução de conflitos.62

Embora os autores reconheçam os avanços da assistência judiciária gratuita para

os pobres e a representação de interesses difusos e coletivos - e nem desprezam tais soluções -

afirmam que elas não são suficientes para assegurar no nível prático o acesso à justiça, sendo

necessária atenção ao conjunto geral de instituições, recursos humanos, técnicas e

procedimentos para processar e prevenir conflitos nas sociedades modernas.

Essas tendências são marcadas pelas reformas dos procedimentos judiciais, pela

utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos (conciliação, arbitragem e

mediação), pela criação de instituições especiais para determinados tipos de causas de

59 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 32-47. 60 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 49-50. 61 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis.Questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2004, p. 26. 62 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67-90.

25

particular “importância social” e mudanças nos métodos utilizados para a prestação de

serviços jurídicos.63

Percebe-se, assim, que é nessa terceira64 “onda” que se encontram os Juizados

Especiais, por representar o acesso à justiça de forma adequada para a solução dos conflitos

de pequeno valor, de forma ágil, sem custas e sem formalismos exacerbados.

1.2 As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro

No Brasil o movimento do acesso à justiça não acompanhou o mesmo caminho

das três “ondas renovatórias” dos países desenvolvidos, já que aqui elas surgiram

praticamente juntas a partir da década de 80, em decorrência de movimentos internos no

processo político e social da abertura política e pela exclusão da grande maioria da população

de direitos básicos sociais.65

Esse talvez seja o motivo pelo qual, no Relatório Geral do Projeto Florença,

Cappelletti e Garth mencionam a legislação brasileira uma única vez, quando citam a Lei da

Ação Popular (Lei nº 4.717/65), ao tratarem da representação dos interesses difusos (segunda

onda).66

Mesmo assim, no Brasil, as várias transformações legislativas e doutrinárias do

movimento de acesso à justiça podem ser identificadas com cada um desses momentos (ou

onda), principalmente sob a ótica do ordenamento processual.

63 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 75-159. 64 A doutrina fala no surgimento de uma quarta onda no movimento de acesso à justiça, que surge a partir da verificação de que a formação e a atuação adequada dos operadores do direito é condição para a mudança do sistema de justiça e para o acesso à justiça. A tese é defendida por Kim Economides, professor do Departamento de Direito, da Universidade de Exeter, Inglaterra, que trabalhou junto com Mauro Cappelletti no Projeto Florença. Para o mencionado professor, essa quarta onda deve direcionar a atenção sobre o “acesso dos cidadãos ao ensino do direito e ao ingresso nas profissões jurídicas” e “uma vez qualificados, o acesso dos operadores do direito à justiça. Tendo vencido as barreiras para admissão aos tribunais e as carreiras jurídicas, como o cidadão pode se assegurar de que tanto juízes quanto advogados estejam equipados para fazer ‘justiça’.” ECONOMIDES, Kim. Lendo as ondas do “Movimento de Acesso à Justiça”: epistemologia versus metodologia? In: Dulce Pandolfi... [et al]. (orgs). Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 61-76. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/39.pdf>. Acesso em 03 fev. 2010. 65 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, nº 18, 1996, p.2. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009. 66 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 56.

26

1.2.1 A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados

Como dito anteriormente, a primeira “onda” renovatória foi no sentido de facilitar

o acesso à justiça para a população mais carente, com a oferta de assistência jurídica gratuita

aos necessitados, superando o obstáculo econômico.

As pessoas carentes economicamente são levadas a renunciar a seus direitos

diante do alto custo do processo, representado pelo pagamento de custas, taxas e

emolumentos judiciais, bem como honorários de peritos e advogados.67

No Brasil, a primeira iniciativa para superar esse obstáculo foi a edição da Lei nº

1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabeleceu normas para a concessão de assistência

judiciária aos necessitados, assim considerados todos aqueles cuja situação econômica não

lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do

sustento próprio ou da própria família.68

Essa lei disciplina que a assistência judiciária compreende a isenção das taxas

judiciárias, emolumentos e custas devidos ao Estado; despesas com as publicações dos atos

oficiais; indenizações devidas às testemunhas; honorários de advogados e peritos; despesas

com a realização do exame de código genético - DNA - requisitado pela autoridade judiciária

nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.69

Na verdade, desde a Constituição de 1934 (art. 113) já havia previsão do direito e

garantia de assistência judiciária aos necessitados. Na Constituição de 1937 ela foi retirada,

voltando a constar nas Constituições de 1946 (art. 141, § 35), de 1967 (art. 150, §32) e na

Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (art. 153, §32). 70

Entretanto, somente na Constituição de 1988 esse direito e garantia fundamental

foi aperfeiçoado, inclusive com distinção terminológica, pois, ao invés da previsão de

assistência judiciária, trouxe previsão de assistência jurídica, integral e gratuita aos

necessitados.71

A expressão jurídica tem um sentido mais amplo do que a palavra judiciária, pois

engloba a assistência judicial, isto é, o patrocínio gratuito da causa por um advogado ou

67 GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 64. 68 Art. 2º, parágrafo único, Lei nº 1.060/50. 69 Art. 3º, Lei nº 1.060/50. 70 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 11ª ed. - São Paulo: Editora Método, 2007, p.611.

27

defensor cuja remuneração ficará a cargo do Estado, além da isenção de pagamento de custas

e despesas processuais, até a informação, orientação e aconselhamento para a prática de todos

os atos jurídicos, sejam judiciais ou extrajudiciais, como a realização de atos notariais e a

defesa em processos administrativos.72

Para instrumentalizar esse direito e garantia, a Constituição de 1988 elevou a

Defensoria Pública ao status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com

autonomia funcional e administrativa, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os

graus, dos necessitados. 73

As atividades da Defensoria Pública da União e dos Estados foram

regulamentadas pelas Leis Complementares nº 80, de 12 de janeiro de 1994, e nº 98, de 3 de

dezembro de 1999.

Destaca-se que embora a Defensoria Pública esteja prevista constitucionalmente,

ela não foi implementada em todos os Estados (e nem mesmo pela União), e em muitos dos

quais já ocorreu essa implementação, elas ainda funcionam de forma precária sendo

imprescindível dotá-las de condições humanas e materiais para viabilizar o acesso à justiça

daqueles desprovidos de recursos econômicos, que são a maioria dos que integram a

sociedade brasileira.74

71 Art. 5º inciso LXXIV da CF/88: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. 72 Para maiores informações sobre o tema ver também: ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos! Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p.262; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 75; BARBOSA MOREIRA, J.C. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, RePro 67/130, apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007, p.612. 73 Art. 134 da CR/88. 74 SOUSA, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p. 47- 48. O autor destaca o seguinte diagnóstico de estudo sobre a Defensoria Pública no Brasil: “1. A estrutura da Defensoria Pública da União é pequena - até maio de 2004, haviam sido criados 111 cargos de defensores públicos da União para todo o país. A Defensoria Pública da União esta a ser implantada lentamente de tal modo que seu número de membros é muito baixo em relação ao quadro da defensoria estadual. De acordo com o ‘Pacto de Estado em Favor do Judiciário’, no plano federal, o número de defensores não chega a 10% do número de unidades jurisdicionais a serem atendidas, daí que uma das metas do pacto seja superar o descompasso entre as Defensorias Públicas da União e dos Estados. 2. Os quadros das defensorias públicas estaduais também são reduzidos em relação às necessidades de uma sociedade como a brasileira. A cobertura do serviço é baixa - 996 comarcas têm serviços de Defensoria Pública, o que corresponde a 39,7% do total de comarcas existentes no país. Apenas em 6 unidades da Federação todas as comarcas são cobertas pelos serviços prestados pela Defensoria Pública. Acresce que os serviços da defensoria são, em regra, menos abrangentes nas unidades da Federação com os piores indicadores sociais. Por fim, nas defensorias dos estados e do Distrito Federal, há em média um defensor público para cada 83.222 destinatários potenciais de seus serviços. Como parece óbvio, essas deficiências acabam por resultar na prestação de uma assistência jurídica e judicial selectiva.” [...]. Para saber o resultado completo do referido estudo, ver: II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em <http://www.mj.gov.br> Acesso em: 16 abr. 2009.

28

A assistência jurídica gratuita ainda é prestada por advogados dativos nomeados

pelo Estado, pelas Procuradorias Estaduais e até pelo Ministério Público, principalmente nas

cidades interioranas onde não foram instituídas as Defensorias Públicas. Outras organizações

da sociedade civil também desempenham relevantes serviços de assistência jurídica, com

destaque para os Escritórios Modelos de diversas Faculdades de Direito. 75

1.2.2 A segunda onda: representação dos interesses difusos

A segunda “onda” pode ser resumida no esforço para resolver o problema de

“representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais.”76

No Brasil, a legislação especificou e definiu os interesses coletivos (em sentido

amplo) em direitos difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homogêneos.

Os direitos difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”; os direitos coletivos

(em sentido estrito), os “transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação

jurídica base”; e os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de

origem comum. 77

Essa segunda “onda” provocou uma mudança substancial no sistema processual,

de tradição individualista e liberal, que antes era utilizado para solucionar conflitos

individuais, entre duas partes, e passou a buscar mecanismos e institutos para efetivação dos

direitos sociais, de interesses comuns.

Como já referido anteriormente e mencionado no trabalho de Cappelletti e Garth,

o Brasil criou a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, denominada Lei da Ação Popular, que

possibilitou a qualquer cidadão pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos

ao interesse público de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

75 Sobre o tema consultar: SILVA, Luiz Marlo de Barros. O acesso ilimitado à justiça através do estágio nas faculdades de direito – Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 76 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 49. 77 Art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

29

Para José Mário Wanderley Gomes Neto78 o grande indicativo dessas mudanças

foi a alteração de conteúdo experimentada pelo instituto da legitimidade ad causam,79 com a

expansão conceitual da substituição processual.80

No Brasil, o marco dessa segunda “onda”, muito embora houvesse outras leis

específicas para a defesa de determinados direitos metaindividuais,81 foi a edição da Lei nº

7.347 de 24 de julho de 1985, conhecida por Lei da Ação Civil Pública, que disciplina a ação

civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A referida lei, que tem sua matriz na class action82 americana, atribuiu

legitimidade para propor ação ao Ministério Público, à Defensoria Pública,83 à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; autarquia, empresa pública, fundação ou

sociedade de economia mista ou associações, constituídas há pelo menos um ano e que

incluam entre as suas finalidades institucionais, proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à

ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico

e paisagístico.84

A Lei nº 9.494,85 de 10 de setembro de 1997, mudou a redação do art. 16 da Lei

da Ação Civil Pública limitando a coisa julgada à competência territorial do magistrado

78 GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 83. 79 Legitimatio ad causam: “Legitimação para a causa que é uma das condições da ação, consistente na pertinência subjetiva da ação, pois esta só pode ser proposta por quem tiver a titularidade do interesse subordinante, ou prevalente, da pretensão, em face daquele cujo interesse, de consequência, esteja subordinado ao do autor (Alfredo Buzaid). Trata-se, como diz José Frederico Marques, da legitimação para agir judicialmente como autor ou réu, ou melhor, da titularidade do direito de ação.” In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 3, p. 89. 80 Substituição processual é o “ato pelo qual uma pessoa, nas hipóteses admitidas legalmente, litiga em juízo em nome próprio em defesa de direito alheio”. (Waldemar Mariz de Oliveira) In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 4, p. 545. 81 Lei nº 4.717/65 da Ação Popular; Lei nº 6.938/81 do Meio Ambiente. 82 “Class Action: Ação Coletiva. Nos EUA, é a prática processual que consiste em agrupar grande número de pessoas que têm o mesmo interesse no litígio, para ingressarem em juízo com uma só ação coletiva, permitindo o acesso a litigante economicamente fraco e o desafogamento do Judiciário.” In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 1, p. 709. 83 Incluída pela Lei nº 11.448, de 15 de Janeiro de 2007. 84 Art. 5º da Lei nº 7.347/85. 85 Para Nelson Nery Júnior, a redação dada pela Lei nº 9.494/97 é inconstitucional e ineficaz. “Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput para que o Presidente da República possa, em caráter absolutamente excepcional, legislar por MedProv. Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP 16 e do CDC 103. De conseqüência, não há limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ação coletiva, quer esteja fundada na LACP, quer no CDC.” In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado:

30

prolator da decisão, ferindo a principal filosofia da lei, que é atuar de forma coletiva,

resolvendo com uma única decisão uniforme questões de um número indeterminado de

jurisdicionados.

Essa alteração tem o efeito de fazer multiplicar as ações individuais nos juízos,

quando tudo poderia ser resolvido em uma única sentença.

Com o advento da Constituição de 1988 fora instituído o mandado de segurança

coletivo,86 para proteger direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou

abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições

do Poder Público.

O mandado de segurança coletivo visa à defesa dos direitos difusos, coletivos ou

individuais homogêneos, permitindo que pessoas jurídicas defendam o interesse de seus

membros ou associados, ou ainda da sociedade em geral, como no caso dos partidos

políticos.87

Outra inovação da Constituição de 1988 foi prever o mandado de injunção,88 que

será concedido quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos

e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania. Da mesma forma que o mandado de segurança, o mandado de injunção poderá ser

coletivo, sendo legitimadas, por analogia, as associações de classe devidamente constituídas,

conforme já reconheceu o Supremo Tribunal Federal.89

Na década de 90 ainda surgiram o Estatuto da Criança e do Adolescente90 e o

Código de Defesa do Consumidor,91que também objetivam a proteção judicial dos interesses

individuais, difusos e coletivos.

Essas inovações legislativas destacam-se por propiciar outras alternativas às

instituições públicas tradicionais na defesa dos direitos e interesses metaindividuais,

e legislação extravagante. - São Paulo: Editora dos Tribunais, 7ª ed., rev. e ampl., 2003, p. 1349; No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 746, nota 7 e 748-749; GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 848-851. 86 Art. 5º, inciso LXX, CR/88. 87 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas – 17ª ed., 2005, p. 147. 88 Art. 5º, inciso LXXI, CR/88. 89 STF - Ementa: Constitucional. Mandado de Injunção Coletivo. Sindicato: Legitimidade Ativa. Participação nos lucros: C.F., art. 7º, XI. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad causam aos sindicatos para a instauração, em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção coletivo. II. - Precedentes: MMII 20, 73, 342, 361 e 363. III. - Participação nos lucros da empresa: C.F., art . 7º, XI: mandado de injunção prejudicado em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art. 7º, XI, da C.F. MI 102 / PE Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Relator p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 12/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 25-10-2002 PP-00025. 90 Lei nº 8.069/90.

31

principalmente com a legitimação de associações, sindicatos, partidos políticos ou grupos

privados.92

Todavia, Cappelletti e Garth advertem sobre a necessidade de fortalecer esses

grupos privados para a defesa dos seus interesses difusos, já que, ao contrário dos sindicatos

de trabalhadores que são geralmente bem organizados, estruturados e dispõem de know how

na defesa dos direitos coletivos de seus associados, outras organizações privadas ainda não

conseguiram tais condições, inviabilizando uma representação judicial adequada.93

Essas deficiências podem levar as associações a exercerem de forma muito

precária suas funções na defesa judicial de seus filiados, ou mesmo uma sobrecarga de

trabalho dos membros do Ministério Público.94

Pesquisas realizadas até o ano de 1996 por pesquisadores da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro - UERJ -, com o objetivo de saber se a lei que regulou a ação civil

pública estava atendendo às expectativas, apresentadas na obra do professor Paulo Cezar

Pinheiro Carneiro,95 indicam que 60,92% das ações civis públicas protocoladas na comarca da

capital do Rio de Janeiro foram propostas pelo Ministério Público Estadual.

Outras 6,9% das ações foram ajuizadas pela Defensoria Pública, e 18,39%, pelo

município do Rio de Janeiro. Ou seja, quase 87% das ações civis públicas são protocoladas

pelos órgãos públicos. As associações respondem por apenas 10,34%.

Esses dados reforçam as preocupações de Cappelletti e Garth no sentido da

necessidade de fortalecer as associações para que possam defender em juízo o direito de seus

associados. Na prática, elas se limitam a apresentar denúncia ao Ministério Público para que

esse órgão promova individualmente a ação.96

91 Lei nº 8.078/90. 92 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 59. 93 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 59. 94 GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 91. 95 CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205-210. 96 CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 211-212.

32

1.2.3 A terceira onda: uma concepção mais ampla, um novo enfoque de acesso à justiça

Mesmo com os progressos alcançados pelas “ondas” anteriores, por intermédio da

ampliação de acesso pela assistência jurídica aos necessitados e a busca de mecanismos para a

representação de interesses metaindividuais, que beneficiaram não apenas os economicamente

fracos, mas a sociedade em geral, essas duas “ondas” contêm limitações, uma vez que

cuidaram basicamente do direito de representação judicial de interesses antes não

representados ou mal representados.97

Por essa razão, a terceira “onda” tem um alcance muito mais amplo, que inclui a

advocacia pública e privada, judicial ou extrajudicial e o conjunto geral de instituições e

mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e prevenir litígios. O método

da terceira “onda” não exclui o das duas primeiras, mas as complementam.98

Nas duas “ondas” anteriores, as limitações do acesso à justiça eram de ordem

econômica e organizacional, enquanto na terceira “onda” um dos obstáculos a ser transposto

será a estrutura do sistema processual, com a criação de novos mecanismos para defesa

efetiva dos direitos sociais, adaptando o processo ao tipo de litígio, já que o processo

tradicional pode não ser o melhor caminho.99

Outra mudança necessária é a alteração na estrutura organizacional do Poder

Judiciário, com a criação de outras arenas judiciais e utilização de métodos alternativos de

resolução de conflitos.100

No Brasil, destacam-se a criação dos Juizados de Pequenas Causas, em 1984,101

inspirados nas Small Claims Court102 da cidade de Nova Iorque, e que posteriormente, com a

promulgação da Constituição da República de 1988,103 passaram a fazer parte da estrutura do

Poder Judiciário e foram denominados Juizados Especiais, disciplinados pela Lei nº 9.099, de

26 de setembro de 1995.

97 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67. 98 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67. 99 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 69-71. 100 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 69-73. 101 Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. 102 CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 23-36.

33

Cappelletti e Garth afirmam que os Juizados Especiais de certa forma resumem o

movimento de acesso à justiça, porquanto atendem ao desafio de criar órgãos eficazes,

informais, acessíveis e de baixo custo para a defesa dos direitos do cidadão comum,

principalmente em confronto com adversários poderosos e experientes.104

Os Juizados Especiais por sua própria natureza já são especializados, salientam

Cappelletti e Garth, “uma vez que lidam com uma parcela relativamente estreita no que diz

respeito à legitimidade e à matéria”.105

Ainda podemos mencionar a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe

sobre a arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis e está

dentro das reformas e alterações previstas nessa terceira “onda”. Atualmente tramita no

Congresso Nacional projeto de lei para instituir a mediação judicial e extrajudicial.106

Com a Emenda Constitucional nº 45 – conhecida por Reforma do Judiciário - de 8

de dezembro de 2004, foi permitida a descentralização das atividades dos Tribunais de Justiça

dos Estados, com a constituição de Câmaras regionais, “a fim de assegurar o pleno acesso do

jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.”107

Também com essa Emenda Constitucional foi institucionalizada a Justiça

Itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade

jurisdicional,108embora essa previsão constasse implicitamente na Lei dos Juizados

Especiais109 e muitos Estados já se utilizassem desse instituto por meio de atos

administrativos baixados pela presidência dos Tribunais. 110

103 Art. 98, inciso I, CR/88. 104 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 113. 105 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 113.. 106 Projeto de Lei nº 4827/1998 (Câmara dos Deputados) e Projeto de Lei nº 94/2002 (Senado Federal). 107 Art. 125, § 6º da CR/88. 108 Arts. 107, §, 2º, 115, § 1ºe 125, § 7º da CR/88. 109 Lei nº 9.099/95, art. 94 - “Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.” 110 AZKOUL, Marco Antônio. Justiça Itinerante. 215 f. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, 2006, p. 124. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2326>. Acesso em: 02 mai. 2009.

34

1.3 O acesso à justiça: direito e garantia

A Constituição da República refere-se aos direitos e garantias fundamentais, em

regra, como expressões sinônimas. A doutrina, no entanto, faz distinção entre os dois, cuja

origem está doutrina alemã, ao utilizar o termo direito para referir-se ao direito material, e

garantias para reportar-se aos institutos jurídicos-políticos estatais criados para resguardar

tais direitos.111

Um dos primeiros a fazer essa diferenciação no direito brasileiro foi Rui

Barbosa,112 ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem

existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em

defesa dos direitos, limitam o poder.113

Dessa forma, as disposições declaratórias instituem os direitos; as assecuratórias

instituem as garantias, sendo muito comum juntar-se na mesma disposição constitucional ou

legal a declaração do direito com a fixação da garantia.114

Em resumo, “os direitos são bens e vantagens prescritos na Constituição,

enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos

aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.”115

Nesse entendimento, o acesso à justiça apresenta-se ao mesmo tempo como um

direito e uma garantia fundamental. Como direito, por estar previsto na Constituição, dentre

outros, o direito de pleitear a tutela jurisdicional, de assistência jurídica aos necessitados, do

devido processo legal, da duração razoável do processo, etc. Como garantia, para assegurar a

fruição desses direitos (e dos princípios fundamentais), por meio de uma prestação

jurisdicional acessível a todos, adequada, em tempo hábil e eficaz.116

1.4 O acesso à justiça: direito natural, humano e fundamental

111 ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 154. 112 BARBOSA, Rui. A Constituição e os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a justiça federal. Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893, p. 187. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/21512>. Acesso em: 21 dez. 2009. 113 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. - São Paulo: Atlas, 2005, p. 28. 114 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. - São Paulo: Atlas, 2005, p. 28. 115 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 695. 116 CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188.

35

Também as expressões direitos naturais, direitos humanos e direitos

fundamentais são utilizadas,117 com certa constância, como sinônimas,118e até mesmo como

gênero e espécies uma das outras, embora a doutrina faça distinções conceituais, ainda que

entre elas ocorram ligações significativas.

Antes de qualquer consideração, é necessário esclarecer que não é objetivo deste

trabalho formular a conceituação sobre essas expressões, trazer as suas origens e evoluções

históricas ou fazer um estudo aprofundado sobre suas distinções.119 A intenção é apenas fazer

uma ligação entre o acesso à justiça e esses direitos, reforçando, assim, a importância do tema

para a cidadania e consolidação da democracia.

Os direitos naturais são inerentes à natureza do ser humano e anteriores a

qualquer outro direito. É um direito universal e válido para todos os povos e em todos os

tempos.120 Alguns doutrinadores consideram essa terminologia ultrapassada.121

Direitos humanos é uma expressão com significado mais amplo, conforme

comenta Danielle Annoni:

[...] apontando para todos os direitos do ser humano, quer tenham sido eles positivados ou não. Em regra, guarda relação com o Direito Internacional, por referir-se às posições jurídicas que reconhecem o ser humano como sujeito de direitos, de direitos humanos, sem sua vinculação com o reconhecimento desses mesmos direitos pela ordem constitucional ou infraconstitucional de determinado Estado. Aspiram, pois, a uma validade universal, para todos os povos e tempos.122

117 ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 36; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116. 118 Existem outras expressões com significados semelhantes, como direitos humanos fundamentais, direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos morais, direitos do cidadão, etc. No entanto, por entender que essas expressões são apenas variações terminológicas derivadas das expressões apresentadas, estando já abrangidas pelas suas conceituações, fiz a opção de trazer os conceitos de apenas das três expressões mais comuns. 119 Para um estudo mais detalhado sobre os temas ver: ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 30-38; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 113-126. DORNELLES, João Ricardo W. O que são Direitos Humanos. São Paulo: Brasiliense, 2006; COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. 2001; BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 5ª ed., 2005; VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006. 120 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116. 121 Para maiores detalhes ver BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 21-82.

36

A expressão direitos humanos, ainda segundo Danielle Annoni, pode sofrer

diferenças conceituais em decorrência da sua contextualização histórica, cultural e jurídica de

determinado povo. Entretanto, uma conceituação mais moderna entende-o como “aqueles

essenciais ao desenvolvimento digno da pessoa humana”, pois remete “à proteção da

integridade física e moral”.123

Os direitos humanos foram positivados ao longo dos tempos em vários Tratados

Internacionais.124 No Brasil, a Constituição brasileira disciplina no parágrafo 3º do artigo 5º

que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo

Congresso Nacional serão equivalentes às emendas constitucionais, ou seja, a própria

Constituição atribuiu hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de

direitos humanos, não podendo ser desrespeitada por legislação infraconstitucional.125

Os direitos fundamentais (stricto sensu), por sua vez, são os direitos do homem

jurídico, ou seja, aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de

determinado Estado.126

A Constituição da República de 1988 concretizou o direito de acesso à justiça

como direito fundamental por meio de vários incisos contidos no artigo 5º, do Título dos

Direitos e Garantias Fundamentais, tais quais:

XXXV – a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

122 ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 36. 123 ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 34-35. 124 Declaração de Direitos de Virgínia (1776); Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789); Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948); Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (OEA, 1948); Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, etc. 125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ementa: "Habeas corpus" – Prisão civil – Depositário Judicial - A Questão da infidelidade depositária – Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 7º, nº 7) – Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos – Pedido deferido. Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do depositário infiel. HC 90450 / MG – Minas Gerais - Habeas Corpus: Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 23/09/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma – Publicação: NDJe-025 Divulg 05-02-2009 Public 06-02-2009. Ement Vol-02347-02 PP-00354. Disponível em: <http://www.stf.jus.br.>. Acesso em: 05 mai. 2009. 126 ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 36.

37

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação;

Paulo Cezar dos Santos Bezerra127 argumenta que os direitos fundamentais foram

influenciados pelos direitos naturais, pois as normas que regem o direito à vida, à integridade

física, à liberdade e outras mais, são, ao mesmo tempo, direito natural, porque impostas e

válidas para todos, sem necessidade de sua positivação pelo legislador, e direito fundamental,

já que consagradas em diversas Constituições.

O direito à justiça, como o direito à vida ou à liberdade, é um direito que antecede

o Estado, portanto à lei e ao processo.128 O acesso à Justiça não pode ser visto apenas em seu

aspecto formal, ou processual, de possibilidade de acesso ao Judiciário. A justiça sempre foi

perseguida pela humanidade. Todo e qualquer relato histórico das civilizações demonstra a

sua busca pela justiça129. A luta pela justiça é inerente à natureza humana. Logo, o direito de

acesso à justiça é um direito natural.130

Nesse sentido, posiciona-se Paulo Cezar Santos Bezerra,131 afirmando que:

Quando se pensa em justiça, não se está apenas querendo observar o aspecto formal da justiça, nem seu caráter processual. Argumenta-se com um valor que antecede a lei e o processo. O acesso à justiça pois, nessa perspectiva, é um direito natural, um valor inerente ao homem, por sua própria natureza.

127 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 120. 128 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122. 129 A história da civilização contada pela doutrina cristã relata que Deus fez justiça ao aplicar uma pena em Caim por ter matado seu irmão Abel. Fonte: Bíblia Sagrada, Gênesis 5, 9. 130 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122. 131 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.

38

Por outro lado, o direito de acesso à justiça é um direito formal que garante a

qualquer pessoa propor e contestar uma ação. É um direito que nasce junto com o Estado. Ele

está efetivado pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. Assim, nesse sentido, o

acesso à justiça é um direito fundamental. 132

Na verdade, os direitos somente se realizam se for possível reclamá-los perante os

tribunais, ou seja, “o direito de acesso à justiça é o direito sem o qual nenhum dos demais se

concretiza. Assim, a questão do acesso à justiça é primordial para a efetivação de todos os

direitos.”133

Com isso, o direito de acesso à justiça passou a ser reconhecido como um dos

direito mais fundamentais do homem,134 no sentido de que torna possível a materialização de

qualquer outro direito,135 pois a incapacidade do Estado de garantir sua efetivação, pela

ausência de mecanismos de materialização dos direitos reconhecidos, corresponde à negação

do próprio Estado e principalmente da democracia.136

Cappelletti e Garth identificam o direito de acesso à justiça como um direito

humano e também um direito fundamental:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.137(sem grifos no original)

Parece acertada a conclusão dos autores, pois como os direitos humanos são um

princípio geral do Direito Internacional e estão codificados em vários tratados e declarações

132 BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122. 133 SADEK, Maria Tereza A. Efetividade de direitos e acesso à Justiça. In: Reforma do judiciário. BOTTINI Pierpaolo, RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Coords). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 274. 134 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12. 135 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José Eduardo (org.) Direito e Justiça: A função social do judiciário. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 45. 136 ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2003, p. 114. 137 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.

39

internacionais que expressamente tratam do acesso à justiça (ver item 1.4), este também é

considerado um direito humano.

Em reforço, Ronnie Preuss Duarte, com apoio no ordenamento jurídico Português,

sustenta que a base fundamental do direito de acesso à justiça é o princípio da dignidade da

pessoa humana (elemento essencial dos direitos humanos), já que este princípio somente pode

ser protegido e garantido enquanto for assegurada ao cidadão a possibilidade de recorrer ao

Poder Judiciário para tutelar seus direitos, principalmente aqueles que gozam de dignidade

constitucional.

Parece-nos extreme de quaisquer dúvidas que o direito de acesso a justiça (onde está compreendido, portanto, o direito de acesso aos tribunais e ao justo processo) não só tem como base jusfundamental a dignidade da pessoa humana, mas que ele é dotado de uma relevância qualificada, à exata medida que assegura a própria realização dos demais direitos fundamentais. À mingua de tal garantia, os direitos e interesses subjetivos (todos eles, frise-se) quedam carentes de qualquer condição de praticabilidade, tornando-se meras proclamações formais, completamente esvaziadas de conteúdo.138 (sem grifos no original)

Em consequência de todo esse acoplamento entre os conceitos apresentados pela

doutrina, pode-se deduzir que o direito de acesso à justiça é, ao mesmo tempo, um direito

natural, humano e fundamental.

1.5 Pactos internacionais sobre o acesso à justiça

A Declaração Universal dos Direitos do Homem das Organizações das Nações

Unidas (ONU), de 1948, sem dúvida é o diploma internacional que mais se destaca na

importância dos direitos fundamentais (e humanos).

No plano normativo essa Declaração impulsionou o processo de generalização da

proteção internacional dos direitos humanos, resgatando o ser humano como sujeito de

Direito Internacional, motivando a criação de vários outros mecanismos e sistemas de

138 DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra. Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 83-87.

40

proteção, sendo seus princípios hoje considerados princípios gerais do Direito no que se refere

à matéria.139

O artigo 8º da referida Declaração da ONU estabelece que “Todo o homem tem

direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem

os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”140

Já o artigo 10 prescreve que “Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a

uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir

de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.141

Da simples leitura desses preceitos pode-se extrair de imediato as garantias de (i)

acesso à justiça; (ii) gratuidade nesse acesso; (iii) efetividade; (iv) juiz natural e imparcial; (v)

publicidade e (vi) contraditório.142

Ronnie Preuss Duarte faz uma ressalva importante ao observar que o assinalado

no artigo 8º pode parecer, inicialmente, restringir o acesso à justiça apenas contra violações de

direitos fundamentais, no entanto:

Se hoje, sobretudo nos países em que se consagra uma ‘cláusula aberta’ dos direitos fundamentais (a exemplo de Portugal, Espanha e Brasil), há consenso quanto à dupla dimensão, respectivamente formal e material dos direitos fundamentais, tal entendimento não era existente em 1948, época da proclamação da DUDH143. Assim, por ‘direitos fundamentais reconhecidos por lei’, dicção do já referido dispositivo, deve entender-se ‘direitos subjetivos do cidadão’ afastando-se, por tal razão, uma postura interpretativa de características limitadoras [...].144

Na Comunidade Europeia, sob a influência da Declaração Universal da ONU,

decidiu-se instituir um sistema próprio para proteção dos direitos humanos do cidadão

europeu, que resultou na Convenção Europeia de Direitos Humanos, assinada em Roma, no

ano de 1950. Essa Convenção influenciou o direito interno dos Estados membros, que aos

139 ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 93. 140 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai. 2009. 141 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai. 2009. 142 DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59. 143 DUDH significa Declaração Universal dos Direitos Humanos. 144 DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59-60.

41

poucos emendaram suas Constituições para incluir os direitos proclamados pela

Convenção.145

No artigo 6º da Convenção Europeia está previsto que:146

1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer se (sic) assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo. (sem grifos no original)

Esse artigo é complementado pelo artigo 13º:147

Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais. (sem grifos no original)

145 ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 95. 146 Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009. 147 Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.

42

De acordo com esses dispositivos, qualquer pessoa tem direito de (i) acesso aos

tribunais; (ii) julgamento em prazo razoável; (iii) publicidade; (iv) juiz natural e imparcial; (v)

ampla defesa e (v) assistência jurídica gratuita para garantir acesso efetivo à justiça.148

Além dos mencionados dispositivos, outros ainda informam o direito de acesso à

justiça, como por exemplo, o artigo 7º, princípio da legalidade; artigo 34º, direito à petição

individual; artigo 40º, direito à audiência pública e acesso aos documentos; artigo 45º, direito

à sentença fundamentada.149

Também sob a influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos da

ONU, a Organização dos Estados Americanos - OEA -, em 1969, instituiu a Convenção

Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.

Essa Convenção apresenta diversos dispositivos que indicam ser constituidores de

direitos e garantias que respaldam o acesso à justiça, como os que garantem a qualquer pessoa

impetrar habeas corpus, ainda que sem formação técnico-jurídica (art. 7º, número 6);

prestação jurisdicional em prazo razoável, e por juiz natural e imparcial; devido processo

legal; assistência jurídica gratuita; duplo grau de jurisdição, etc. (art. 8º).150

148 DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 62. 149 Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009. 150 Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

43

Também merece referência a Convenção de Haia sobre o Acesso Internacional à

Justiça, de 25 de outubro de 1980, à qual o Brasil não está filiada, que regula assistência

jurídica internacional entre os Estados Contratantes para os processos judiciais em matéria

civil e comercial.

O direito de acesso à justiça pode originar-se de outras normas internacionais que

contenham disposições referentes ao processo judicial, em particular, e à justiça de um modo

geral.

No Brasil, por força do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição de 1988, os

direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais

em que o Brasil seja parte,151 como no caso da Declaração da ONU e do Pacto de San José da

Costa Rica.

1.6 Efetividade do direito de acesso à justiça

Quando se fala em acesso à justiça vem logo a ideia do ingresso facilitado ao

Judiciário. Essa concepção está restrita ao simples acesso ao Judiciário, como se fosse um

facilitador do direito de petição152 perante os órgãos judiciais.

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 06 mai. 2009. 151 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºs 1/92 a 56/2007 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. 152 Art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, CR/88.

44

Entretanto, a concepção moderna do termo acesso à justiça tem uma dimensão

muito mais ampla, no sentido de possibilitar aos cidadãos um acesso efetivo, moderno e

igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.153

Para o professor Kazuo Watanabe a questão do acesso à justiça não pode ser

estudada apenas pela perspectiva de acesso aos órgãos judiciais. “Não se trata apenas de

possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à

ordem jurídica justa.” 154

Segundo o referido autor, são dados elementares desse direito à ordem jurídica

justa: (1) direito à informação; (2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e

formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de

realização da ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais

capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos

que se anteponham ao acesso efetivo à justiça com tais características.155

Para efetivar esse direito, ensina Watanabe, é preciso uma nova postura mental,

devendo pensar a ordem jurídica e as instituições pela perspectiva do destinatário da justiça,

que é o povo, e não do Estado, de modo que o problema do acesso traz à tona não apenas um

programa de reforma, mas também um método de pensamento. 156

Hoje, lamentavelmente, a perspectiva que prevalece é a do Estado, quando não do ocupante temporário do poder, pois, com bem ressaltam os cientistas políticos, o direito vem sendo utilizado como instrumento de governo para realização de metas e projetos econômicos. A ética que predomina é da eficiência técnica, e não da equidade e do bem-estar da coletividade. 157

Cappelletti e Garth apontam que a efetividade perfeita do direito de acesso à

justiça poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’, sendo o resultado de uma

153 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12. 154 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128. 155 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 135. 156 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.

45

demanda judicial dependente apenas dos méritos jurídicos das partes, sem qualquer influência

de variáveis externas158 ao Direito, mas que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação

dos direitos.159

Porém, segundo os mesmos autores, como essa perfeita igualdade é utópica, já

que as diferenças não podem ser completamente erradicadas, a questão é saber quantos dos

obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem ser atacados.160

Como já foi abordado alhures, Cappelletti e Garth identificaram esses obstáculos

nas (i) custas judiciais, (ii) possibilidades das partes e (iii) problemas especiais dos interesses

difusos. Esses três elementos que obstam o acesso à justiça estão relacionados com fatores

econômicos, sociais e culturais.161

Os obstáculos econômicos verificam-se pelo elevado custo do processo, já que a

“resolução formal de conflitos é muito dispendiosa (...) na maior parte das sociedades

modernas”.162 No Brasil esse custo é formado pelas despesas com as custas iniciais, citações,

intimações, publicação de editais, perícias, honorários advocatícios, preparo para recurso, etc.

Cappelletti e Garth revelam que em determinados países os custos de uma

demanda eram muito elevados e que a relação entre o valor da causa e o custo do processo

aumentava à medida que baixava o valor da causa.

A esse fato acresce-se o tempo empregado para resolução do conflito, que é um

adicional no custo do processo para as partes, principalmente o cidadão mais fraco

economicamente, pressionando-o a abandonar a causa ou aceitar acordos desfavoráveis.163

No Brasil, relatório divulgado pela Secretaria de Reforma do Judiciário do

Ministério da Justiça, denominado Judiciário e Economia, citando dados coletados pelo

157 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128. 158 José Cichocki Neto identifica dois grandes polos problemáticos e limitadores ao acesso à Justiça: um de natureza exoprocessual, referente a fatores sociais, políticos e econômicos, bem como ao método de interpretação do direito e outro de natureza endoprocessual, constituído por limitações decorrentes da instauração e desenvolvimento da própria relação processual. In: CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188. 159 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15. 160 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15. 161 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 168. 162 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15. 163 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20.

46

Ministério da Fazenda164 junto a instituições financeiras, demonstra que as despesas com o

processo (custas, honorários, etc.) e a demora na resolução dos conflitos em grande parte das

vezes desestimula a propositura de uma ação judicial, com efeitos negativos nos contratos de

crédito e investimentos.

[...] se o cidadão lesado recorrer à Justiça brasileira para ver garantido seus direitos, perderia no processo entre 43,2% e 17% do valor da causa – no menor e maior valor do contrato, respectivamente – pela modalidade extrajudicial, que é mais simples e mais rápida (de até 1 ano em se considerando que não sejam interpostos embargos à execução). O rito processual mais complexo pode durar até 8 anos entre as fases de conhecimento, de liquidação e determinação do valor e execução da sentença. Se o processo tiver curso até o fim, para valores até R$ 500,00, verifica-se que o custo é superior ao valor da causa, o que inviabiliza o uso do serviço judicial. Mesmo para o maior valor de contrato considerado no estudo, de R$ 50 mil, quase 76% desse valor se perderia ao longo do processo judicial, o que explica o porquê do desestímulo do cidadão de recorrer ao serviço jurisdicional. De fato, da perspectiva do proponente do pleito, que tem um direito a ser ressarcido, só é economicamente viável levá-lo até seu termo caso seja uma causa de alto valor ou se disponha de estrutura jurídica permanente, como no caso das empresas de grande porte. Já do lado da parte ré, é economicamente vantajoso estender o pleito até seu último recurso, pois o valor da sentença não sofre atualização na mesma proporção que o rendimento oferecido por ativos financeiros.165

Essa situação é sentida com maior intensidade nas causas de pequeno valor,

chegando os custos a exceder o montante discutido no processo, tornando a demanda uma

futilidade.166

Esses obstáculos econômicos atingem mais os cidadãos com menos recursos

econômicos, já que são eles basicamente os autores das ações de menor valor e é nessas ações

que a justiça é proporcionalmente mais cara.167

Em decorrência desse conjunto de fatores - custo e tempo - o sistema judicial

passa a ser utilizado pelo demandante que não tem razão, o que é um contrassenso.

Essa contradição pode gerar um efeito secundário, mas que tem impacto direto no

tempo de duração dos processos, pois ela fomenta a busca pelo judiciário não para proteger

164 Dados produzidos pela Secretaria de Política Econômica em 2004 no documento intitulado de “Reformas Microeconômicas e crescimento de longo prazo”. Fonte: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em 01 maio 2009. 165 Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 01 mai. 2009. 166 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 19. 167 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 168.

47

um direito, mas para impedir a realização desse direito ou pelo menos protelar o cumprimento

de uma obrigação, provocando o aumento do número de ações judiciais que

consequentemente refletem na lentidão do Judiciário.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “quanto maior for a demora do

processo, maior será o dano imposto ao autor e, por consequência, maior será o benefício

conferido ao réu”.168

Quanto aos obstáculos sociais e culturais, estes constituem um dos campos de

investigação da sociologia da administração da justiça. Boaventura de Sousa Santos faz a

seguinte observação:

[...] a sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos obstáculos sociais e culturais ao efectivo acesso à justiça por parte de classes populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores. Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas na apenas factores econômicos, mas também factores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afecta com sendo jurídico. [...]. Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a acção. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal. [...] ou seja, quanto mais baixo é o status sócio-econômico da pessoa acidentada menor é a probabilidade que interponha uma acção de indenização.169

Desse modo, as possibilidades das partes de que falam Cappelletti e Garth, isto é,

a sua condição sociocultural, tem interferência direta no acesso efetivo à justiça.

As pessoas e organizações que dispõem de melhores condições econômicas têm

maiores facilidades de acesso à justiça. Elas podem pagar para recorrer à justiça e ainda

podem suportar a demora de um litígio. Além disso, a parte que pode despender maiores

gastos tem uma condição melhor de produzir suas provas do que a outra, desprovida de

168 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 10ª ed., 2008, p. 274. 169 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 169.

48

recursos financeiros.170 Isto é, a desigualdade econômica é um fator inseparável da

problemática do acesso à justiça.

Outro ponto acerca das possibilidades das partes é o que Cappelletti e Garth

chamam de capacidade jurídica pessoal, que se relaciona com as vantagens de recursos

financeiros e diferenças de educação, meio e status social.171

Num primeiro plano está a condição de reconhecer a existência de um direito

juridicamente exigível. Mesmo as pessoas dotadas de maiores condições econômicas têm

dificuldades em compreender o ordenamento jurídico. As leis se multiplicam rapidamente e

são compreensíveis apenas para os aplicadores do direito, fazendo com que as normas fiquem

distantes da realidade social.172

Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura num contrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias. Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção.173

Na realidade, de qualquer maneira, as pessoas de baixa renda são mais atingidas

nesta questão. Elas possuem maior dificuldade de obter informações sobre seus direitos e não

sabem distinguir e reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível e menos ainda

como ajuizar uma ação.

Como observa Boaventura de Sousa Santos:

Quanto mais baixo é o estrato sócio-econômico do cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que conheçam advogados, menos provável é que saiba onde, como e quando pode contactar o advogado e maior a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais.174

170 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 21. 171 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 22. 172 MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 36. 173 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 23 174 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 170.

49

Outra importante questão que merece destaque diz respeito ao que Cappelletti e

Garth, citando Galanter, definiram como litigantes eventuais e habituais, baseado na

frequência de encontros com o sistema judicial.175 Os litigantes eventuais nunca ou poucas

vezes estiveram perante um juiz, enquanto o litigante habitual está acostumado com as lides

forenses.

As vantagens dos litigantes habituais seriam:

1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidade de desenvolver relações informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.176

Para as empresas também é muito mais fácil administrar uma demanda judicial do

que para o cidadão comum. As empresas normalmente possuem advogados ou um corpo de

advogados bem preparados que são contratados independentemente do número de ações que

serão propostas ou defendidas em nome da empresa, e quanto mais habituais for a sua

litigância, mais ela pode atenuar os seus riscos e custos.

As despesas com suas demandas judiciais já estão contabilizadas nos custos da

empresa e fazem parte na formação do preço de venda de seus produtos ou serviços, ou seja, a

ela transfere para seus clientes os custos e riscos das suas ações judiciais, enquanto o cidadão

comum tem que assumir os riscos e suportar sozinho o ônus de uma derrota judicial.177

Portanto, os litigantes parecem possuir uma igualdade de armas, mas essa

igualdade está somente nas regras processuais, sendo prejudicada em conformidade com a sua

condição sociocultural.178

Por final, Cappelletti e Garth falam dos obstáculos relativos aos direitos difusos,

como os ambientais e dos consumidores, cujo problema básico, na ótica dos autores, que eles

175 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25. 176 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25. 177 MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 38. 178 GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso à justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José Mário Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162.

50

apresentam “é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o

prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar

uma ação.”179

Os direitos coletivos (em sentido amplo) pertencem a todos e ao mesmo tempo

ninguém os representa de forma privada sem que ocorra ação de um grupo.180É que o sistema

processual clássico foi concebido para a solução de conflitos individuais, envolvendo duas

partes ou um número restrito de pessoas.

Para superar esse problema não basta a atribuição de legitimidade ad causam ativa

individual, é preciso fortalecer e estruturar as associações civis para enfrentar os problemas

que atingem seus associados, como adverte Marinoni,181 citando pronunciamento de

Cappelletti em congresso realizado em Curitiba:

o consumidor isolado, ainda que não seja necessariamente pobre, encontra-se inevitavelmente em uma situação de desvantagem diante do grande empresário; o mesmo vale para o ambientalista diante das poluições provocadas pelas grandes indústrias – em geral quanto aos danos (externalities) causados em larga escala. Produção e poluição, na estrutura da moderna economia, são fenômenos de massa, que atingem categorias inteiras de pessoas. Somente organizando-se, e assim unindo as próprias forças, é que os consumidores de um mesmo produto ou as vítimas de uma poluição ambiental, poderão se contrapor à potência dos empresários e dos grandes poluidores.

Essas barreiras apresentadas não exaurem o tema e nem foram transpostas

totalmente no Brasil. A sociedade está sempre em transformação e por isso exige um contínuo

movimento de acesso à justiça. Noutra palavras, identificado os obstáculos, devem ser

propostas soluções práticas para esses problemas.

A efetividade do direito de acesso à justiça corresponde ao seu grau de eficiência

na consecução dos seus fins, ou seja, na realização de seu objetivo de proporcionar um acesso

à ordem jurídica justa.

179 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 26. 180 GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso à justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José Mário Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162. 181 MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 39.

51

A credibilidade do Poder Judiciário está condicionada à facilidade de seu acesso

por todos os segmentos e classes sociais182 e pela sua eficiência, ou seja, pela solução ágil dos

conflitos que lhe são submetidos.

A tempestividade na resolução dos conflitos, ou seja, a duração razoável do

processo, é pressuposto do acesso à justiça, além de estar contido, como veremos, em diversas

legislações e pactos internacionais.

Nesse contexto, os Juizados Especiais é uma das respostas para superar as

barreiras do acesso à justiça, ao mesmo tempo em que resgata a confiança da população na

Justiça.183

Com um rito simplificado, o sistema é capaz de imprimir celeridade no

procedimento e consequentemente efetividade, aspectos importantes na ampliação do acesso à

justiça, pois permitem aos cidadãos obterem uma solução mais rápida para seus conflitos,

evitando que em função de um formalismo inadequado para dirimir questões de menor

complexidade, sejam produzidos morosidade judicial e o consequente congestionamento nos

Juizados, como tem acontecido na justiça tradicional.

182 “...o sistema deve ser igualmente acessível a todos”. CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8. 183 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2.

52

2 OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

2.1 Evolução legislativa

Influenciados pelos trabalhos de Cappelletti no denominado Projeto Florença,

juristas brasileiros idealizam uma nova instância para resolução de conflitos de pequeno

valor, baseada na conciliação, na gratuidade, na simplificação processual e procedimental e na

agilidade no trâmite processual.

A primeira experiência prática partiu da Associação dos Juízes do Rio Grande do

Sul - AJURIS - em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul184, no início dos

anos 80, com a criação do Conselho de Conciliação e Arbitragem, que apesar de não ter

existência legal e nem função judicante, com juízes trabalhando fora do horário de expediente

forense,185 foi bem sucedida alcançando altos índices de conciliação.186

Na mesma época, o governo federal, através do Ministério da Desburocratização,

sob a coordenação do então ministro Hélio Beltrão, procurava pôr em prática ideias voltadas

para a eliminação da burocracia desnecessária e consequentemente melhorar o desempenho

do Estado com economia de tempo e dinheiro. Para isso, instituiu-se o Programa Nacional da

Desburocratização (1979), tendo como secretário executivo o advogado João Geraldo Piquet

Carneiro.187

Na análise das reclamações feitas pela população que chegavam ao Programa de

Desburocratização, Piquet Carneiro pôde constatar que grande parte queixava-se da

dificuldade de acesso à justiça em decorrência do alto custo do processo e da morosidade do

184 O primeiro Conselho foi instalado no dia 23 de julho de 1982, na comarca de Rio Grande, sob a responsabilidade do juiz Antônio Guilherme Tanger Jardim. Logo depois foram instalados Conselhos de Conciliação e Arbitramento no Estado do Paraná e Bahia. Detalhes da implantação desses Conselhos ver em: VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 167-170; BARCELLAR, Roberto Portugal. Acesso e saída da justiça. Disponível em: <http://www.tj.pr.gov.br/juizado/downloads/doutrina/acessoesaidadajustica.pdf>. Acesso em: 27 mai. 09. 185 O Conselho era órgão não jurisdicional e os conciliadores recrutados entre advogados, membros do Ministério Público, Procuradoria do Estado, juízes aposentados, todos voluntários, sem remuneração e por isso prestavam serviço no horário noturno, após o horário de suas atividades profissionais. Fonte: MORAES, Silvana Campos. Juizado especial cível. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 84. 186 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 3ª ed., 1999, p. 10. 187 No endereço eletrônico <http://www.desburocratizar.org.br> pode-se obter maiores explicações sobre as propostas e conquistas desse programa.

53

Judiciário, principalmente para questões de baixo valor econômico e reduzida complexidade

jurídica.188

Diante dessa realidade, constatou-se que o principal problema do Judiciário

brasileiro a ser resolvido era criar mecanismos para possibilitar a uma grande parcela da

população (a maioria, na verdade) acesso a uma Justiça que fosse barata, rápida e eficaz.

Como não havia recursos materiais e humanos para uma grande e global reforma,

optou-se por desenvolver um procedimento especial para as pequenas causas como forma de

aliviar esses problemas para as pessoas de menor poder econômico.189

A primeira medida do Ministério da Desburocratização foi conhecer a

experiência de outros países nessa área, em particular, dos Juizados de Pequenas Causas da

cidade de Nova York (Small Claims Court). Piquet Carneiro fez uma análise dos antecedentes

daquele Juizado e um estudo do seu funcionamento e estruturação, inclusive sob o ponto de

vista do acesso pela população. 190

Em seguida o Ministério da Desburocratização formou uma comissão para

discutir a criação dos Juizados de Pequenas Causas no Brasil, composta pelos juristas Kazuo

Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco, Caetano Lagrasta Neto, Ada Pellegrini Grinover,

Paulo Salvador Frontini, entre outros membros, sendo presidida por João Geraldo Piquet

Carneiro. 191

Essa comissão tinha a tarefa de elaborar o anteprojeto de lei dos Juizados a partir

dos estudos realizados nos Juizados de Nova York e da experiência prática dos Conselhos de

Conciliação e Arbitragem do Rio Grande do Sul.

Após quase três anos de debates no meio acadêmico e profissional sobre os

Juizados de Pequenas Causas, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 7.244 que foi

sancionada e publicada em 7 de novembro de 1984, criando os Juizados Especiais de

Pequenas Causas para julgamento de causas até 20 (vinte) salários mínimos.192

188 CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas: Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.23. 189 CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.24. 190 CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.25. 191 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18. 192 CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.26.

54

A implantação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas teve um ritmo muito

lento, sendo que poucos Estados o colocaram em funcionamento, malgrado a carência de

recursos materiais e de pessoal. 193

A procura inicial por parte da população foi pequena, devido até mesmo à falta de

conhecimento, mas com o passar do tempo e a divulgação nos meios de comunicação o

cidadão foi descobrindo uma justiça mais acessível, barata e rápida.194

Com a Constituição de 1988, que em seu art. 98195, inciso I, determinou a criação

dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o sistema ganhou força e novos Juizados foram

instalados por todo o país, sendo que alguns Estados editaram leis para regulamentar o

processo e procedimento desse novo órgão, diante da inércia do legislador federal, como

ocorreu nos Estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraíba.196

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, julgando um habeas corpus do Estado da

Paraíba, declarou inconstitucional a lei que regulamentava os Juizados Especiais naquele

Estado, sob o argumento de que somente a União teria competência para legislar sobre o

funcionamento desses órgãos. 197

193 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 51. 194 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 3ª ed., 1999, p. 10. 195 Na verdade, a Constituição da República de 1988 faz referência ao Juizado de Pequenas Causas, no art. 24, inciso X, enquanto o art. 98, inciso I, trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Essa diferença de nomenclatura suscita alguma dúvida sobre a possibilidade de existência de dois órgãos jurisdicionais distintos: um para julgamento das pequenas causas (art. 24), e outro para as causas de menor complexidade. Muito embora eu entenda que tenha ocorrido a unificação do sentido desses dois termos pela Lei nº 9.099/95, já que ela revogou expressamente a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (7.244/84), não há como negar que eles são distintos, pois pequenas causas (valor) não são a mesma coisa que menor complexidade (matéria). O próprio STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 71.713 da Paraíba, fez distinção entre os dois institutos (“Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADIn 1.127, cautelar, 28.9.94, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo perante os últimos.”). Atualmente, na Câmara dos Deputados, tramita a Proposta de Emenda à Constituição nº 358/2005, que muda entre outras coisas, a redação do art. 98, incluindo a expressão pequenas causas. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 28 ago. 2009. 196 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 52. 197 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Habeas Corpus nº 71.713/PB. Plenário. Relator Min. Sepúlveda Pertence. I. [...]. II. Juizado especial: competência penal: "infrações penais de menor potencial ofensivo": critério e competência legislativa para defini-las: exigência de lei federal. [...]1. As penas cominadas pela lei penal traduzem presumidamente a dimensão do potencial ofensivo das infrações penais, sendo legítimo, portanto, que as tome a lei como parâmetro da competência do Juizado Especial. 2. A matéria, contudo, é de processo penal, da competência legislativa exclusiva da União. [...] 4. Conseqüente inconstitucionalidade da lei estadual que, na ausência de lei federal a respeito, outorga competência penal a juizados especiais e lhe demarca o âmbito material.

55

Para suprir essa lacuna legislativa, foram apresentados seis projetos de lei no

Congresso Nacional (Deputados Federais Jorge Arbage, Manoel Moreira, Dazo Coimbra,

Gonzaga Patriota, Michel Temer – apenas a parte criminal – e Nelson Jobim).198

Na Câmara Federal o relator foi o deputado Ibrahim Abi Ackel, que apresentou

um substitutivo,199 aproveitando na área cível o projeto do deputado Nelson Jobim e, na área

penal, absorveu o projeto do deputado Michel Temer, que tinha apresentado proposta da

Associação Paulista de Magistrados - APAMAGIS - e do Ministério Público do Estado de

São Paulo.200

Após tramitação regular no Congresso Nacional o texto foi sancionado com

apenas um veto, no artigo 47, que possibilitava recurso aos Tribunais locais de decisões não

unânimes das Turmas Recursais.201

Publicada em 26 de setembro de 1995, a Lei nº 9.099 regulamentou os Juizados

Especiais Cíveis e Criminais (e revogou a Lei nº 7.244/84 que travava das pequenas causas)

estabelecendo, na área cível, competência para as causas de menor complexidade até 40

(quarenta) salários mínimos.202

Na área criminal a competência é para infrações de menor potencial ofensivo, ou

seja, as contravenções e os crimes com pena de até um ano (art. 61). Posteriormente, em

2006, a lei nº 11.313, alterou a redação do artigo 61 da Lei nº 9.099, ampliando a sua

competência para os crimes de pena máxima não superior a dois anos

Em 1999, foi promulgada em 18 de março a Emenda Constitucional nº 22, que

dispôs sobre os Juizados Especiais Federais, sendo esses regulamentados pela Lei nº 10.259,

de 12 de julho de 2001.

198 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 3ª ed., 1999, p. 10. 199 Substitutivo é uma das espécies de Emendas que os parlamentares podem apresentar como acessória de uma proposição (projetos de emenda à Constituição, projetos de lei ordinária, de lei complementar, de decreto legislativo e de resolução). “A Emenda substitutiva é a apresentada como sucedânea a parte de outra proposição, denominando-se ‘substitutivo’ quando alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto; considera-se formal a alteração que vise exclusivamente ao aperfeiçoamento da técnica legislativa.” In: BRASIL. CONGRESSO. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento interno da Câmara dos Deputados – 6ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003. 200 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 3ª ed., 1999, p. 11. 201 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 3ª ed., 1999, p. 11. 202 Art. 3º, inciso I.

56

Os números203 demonstram o acerto na criação dos Juizados Especiais. Porém,

esse sucesso tem provocado inúmeras tentativas de alargamento da sua jurisdição.

Atualmente, com uma simples consulta ao sítio eletrônico da Câmara dos Deputados204 é

possível verificar a existência de mais de uma centena de projetos destinados a alterar ou

ampliar a competência dos Juizados Especiais.

Certamente que a legislação precisa ser aprimorada para acompanhar a dinâmica

da sociedade, todavia, alterações muito profundas podem descaracterizar a finalidade e as

características desse microssistema de justiça comprometendo a sua funcionalidade.

2.2 Finalidade dos Juizados Especiais

Quando se fala em acesso à justiça, como já foi afirmado anteriormente, fala-se de

acesso a uma ordem jurídica justa que possibilite uma “prestação jurisdicional efetiva,

adequada e tempestiva.”205

Esse propósito estava expresso em diversos trechos da Exposição de Motivos da

Lei nº 7.244/84, que instituiu os Juizados Especiais de Pequenas Causas, dos quais destaco:

[...] 3. Os problemas mais prementes, que prejudicam o desempenho do Poder Judiciário, no campo civil, podem ser analisados sob, pelo menos, três enfoques distintos, a saber: a) inadequação da atual estrutura do Judiciário para a solução dos litígios que a ela já afluem, na sua concepção clássica de litígios individuais; b) tratamento legislativo insuficiente, tanto no plano material como processual, dos conflitos coletivos ou difusos que, por enquanto, não dispõem de tutela jurisdicional específica; c) tratamento processual inadequado das causas de reduzido valor econômico e conseqüente inaptidão do Judiciário atual para a solução barata e rápida desta espécie de controvérsia. 4. A ausência de tratamento judicial adequado para as pequenas causas – o terceiro problema acima enfocado – afeta, em regra, gente humilde, desprovida de capacidade econômica para enfrentar os custos e a demora de uma demanda judicial. A garantia meramente formal de acesso ao Judiciário, sem que se criem as condições básicas para o efetivo exercício do direito de

203 Somente no ano de 2008 foram ajuizados mais de 4.000.000 (quatro milhões) de novos processos nos Juizados Especiais Estaduais. Fonte: Relatório Justiça em números – 2008. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 28 ago. 2009. 204 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 26 mai. 2009. 205 WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3, nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 36.

57

postular em juízo, não atende a um dos princípios basilares da democracia, que é o da proteção judiciária dos direitos individuais. 5. A elevada concentração populacional nas áreas urbanas, aliada ao desenvolvimento acelerado das formas de produção e consumo de bens e serviços, atua como fator de intensificação e multiplicação de conflitos, principalmente no plano das relações econômicas. Tais conflitos, quando não solucionados, constituem fonte geradora de tensão social e podem facilmente transmudar-se em comportamento anti-social. 6. Impõe-se, portanto, facilitar ao cidadão comum o acesso à Justiça, removendo todos os obstáculos que a isso se antepõem. O alto custo da demanda, a lentidão e a quase certeza da inviabilidade ou inutilidade do ingresso em Juízo são fatores restritivos, cuja eliminação constitui a base fundamental da criação de novo procedimento judicial e do próprio órgão encarregado de sua aplicação, qual seja o Juizado Especial de Pequenas Causas. 206 (sem destaque no original) [...]

Essas ideias fundamentais de facilitação do acesso à Justiça pelo cidadão comum,

especialmente pela camada mais humilde da população que inspiraram a criação da Lei dos

Juizados de Pequenas Causas207 permaneceram no propósito dos Juizados Especiais criados

pela Constituição de 1988 e foram regulamentados pela Lei nº 9.099/95.208

Para Kazuo Watanabe, a finalidade primordial dos juizados é a de “facilitação do

acesso à Justiça pelos cidadãos comuns e principalmente pelos mais humildes, cuidando de

distribuir justiça pela forma que privilegie a convivência harmoniosa das pessoas”.209

Não há dúvidas de que o principal objetivo dos Juizados Especiais foi o de

democratizar o acesso à justiça para as camadas mais carentes economicamente da população,

206 WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 208-214. 207 O termo “pequenas causas” não deve ser entendido como questões simples ou menos importantes, ao contrário elas podem representar questões complexas, como aquelas que discutem valores fundamentais. Essa terminologia foi muito criticada, porque para o cidadão das camadas mais pobres da população, o seu direito violado, embora possa ser juridicamente considerado de pequeno valor econômico, para ele, individualmente, pode representar uma “grande causa” ou ser a “causa” da sua vida. Além disso, até pela quantidade de processos ajuizados anualmente nos Juizados, pode-se perceber que as causas de “pequeno valor” são de grande importância econômico-social. 208 WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 32. Na justificativa do Projeto de Lei nº 3.689, de 1989, de autoria do então Deputado Nelson Jobim, que foi utilizado para a criação da Lei nº 9.099/95, consta trecho indicativo de que as ideias e os propósitos da Lei nº 7.244/89 permaneceriam na nova Lei para os Juizados: [...] Os Juizados Especiais Cíveis recebem tratamento afeiçoado à legislação já existente sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas, que se mostrou útil e suficiente onde implantado, [...] comprovando a funcionalidade do sistema e a adequação do procedimento. Por isso, parte-se do princípio de que os Juizados Especiais previstos na Constituição da República devem guardar as mesmas características dos juizados implantados pela Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, cujos dispositivos foram aproveitados para a elaboração do texto. (Diário do Congresso Nacional, 10/07/1990, p. 8433. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2009.) 209 WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 34.

58

mas também para aqueles que de alguma forma eram desestimulados (custo-benefício ou

lentidão) a buscar no Judiciário a solução para seus conflitos210.

Cândido Rangel Dinamarco lembra que existiam duas preocupações centrais

quando foi instituída a Lei nº 7.244/84 – e repito, essas preocupações foram mantidas com a

Lei nº 9.099/95 -, que são facilitar o acesso à justiça e “tornar mais célere e ágil o processo

destinado a pacificar os litígios”, ou seja, além de cumprir o mandamento constitucional de

prestação do serviço jurisdicional, fazer com que o Judiciário apresente resultados úteis em

tempo razoável para evitar que os conflitos incomodem mais do que o aceitável.211

Essas são as finalidades diretas, lembra a professora e pesquisadora Dra. Leslie

Ferraz212, havendo ainda algumas finalidades indiretas, como o resgate da credibilidade

popular no Poder Judiciário, que ao possibilitar a uma parcela da sociedade – até então

excluída da proteção judicial - a resolução das suas causas cotidianas, deixa de ser vista como

uma instituição burocrática, lenta, e acessível a poucos afortunados.

Além disso, pela simplificação de seus procedimentos e facilidade de seu acesso,

os Juizados Especiais estimulam as pessoas comuns a lutar por seus direitos, “o que promove

a cidadania” e ainda estimulam a “participação social na administração da justiça”, na medida

em que os conciliadores e árbitros são recrutados na própria comunidade local.213

Ainda nas palavras da professora Leslie Ferraz, ao criar uma justiça com

procedimentos menos formais e buscando sempre que possível a conciliação, os Juizados têm

um papel importante para “mudar a mentalidade dos operadores do direito” estabelecendo-se

gradativamente uma cultura de paz na sociedade e de justiça menos burocratizada e mais

informal.214

Uma questão merece ser sublinhada: a finalidade dos Juizados Especiais nada teve

ou tem a ver com a crise da Justiça tradicional, em especial com a sua morosidade e falta de

210 FUX, Luiz. Juizado Especial Cível. In: BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 8. 211 DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 2. 212 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.11. 213 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.12. 214 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.12.

59

efetividade.215 A sua razão de ser, nunca é demais repetir, foi a de democratizar o acesso à

justiça, através de um procedimento simples, barato e rápido.

2.3 Características básicas dos Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

Os Juizados Especiais Cíveis216 são competentes para as causas de menor

complexidade até 40 (quarenta) salários mínimos,217 bem como as causas previstas no art.

275, inciso II, do Código de Processo Civil, a ação de despejo para uso próprio e para as

ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 (quarenta) salários

mínimos.218 Os Juizados Cíveis também são competentes para promoverem a execução dos

seus julgados e dos títulos extrajudiciais, também no valor limite de até 40 (quarenta) salários

mínimos.219 Ficam excluídas da sua competência as causas de natureza alimentar, falimentar,

fiscal e de interesse da Fazenda Pública,220 e também as relativas a acidentes de trabalho, a

resíduos e ao estado e capacidade das pessoas. 221

O autor pode optar pela propositura de sua ação nos Juizados ou no juízo cível

comum. A Lei nº 7.244/84 previa expressamente no seu art. 1º que caberia ao autor optar ou

não por demandar nos Juizados. Muito embora a Lei nº 9.099/95 não tenha repetido a

expressão por opção do autor, a doutrina222 e a jurisprudência223 firmaram entendimento que

215 WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3, nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 32-37; SADEK, Maria Tereza A. Juizados Especiais. O processo inexorável da mudança. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Orgs.) Novas direções na governança da justiça e segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006, p. 251; WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 3; MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 104. 216 Usarei os termos Juizados, Juizados Especiais e Juizados Especiais Cíveis para designar os Juizados Especiais Cíveis Estaduais instituídos pela Lei nº 9.099/95. 217 A Lei utilizou dois critérios: a complexidade e o valor da causa. 218 Art. 3º, incisos I, II, III e IV. 219 Art. 3º, § 1º. 220 A Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009 instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública. 221 Art. 3º, § 2º. 222 Sobre esse tema ver: SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed. revista, ampliada e atualizada, 2009, p. 20-23; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 23-27; NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 7ª ed.s rev. e ampl., 2003, p. 1520; FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 2007, 3ª ed., p.80.

60

permanece a facultatividade do autor, sendo os Juizados Especiais mais uma alternativa de

acesso à justiça e não a única para as causas de menor complexidade e reduzido valor

econômico.

Como ficou ressaltado no capítulo anterior, um dos principais entraves para o

efetivo acesso à justiça é o custo do processo. Nos Juizados Especiais não há cobrança de

qualquer valor para ajuizar uma ação. Essa gratuidade alcança, inclusive, os honorários

advocatícios224 que a parte vencida não é obrigada a pagar.

Somente no caso de recurso para a Turma Recursal225 será cobrado o preparo226,

que compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas para a

propositura da ação, salvo no caso das partes beneficiárias da assistência jurídica gratuita, que

em hipótese alguma será cobrado o pagamento de quaisquer custas, taxas ou despesas. 227

O patrocínio de advogado para o ingresso nos Juizados é facultativo para as

causas até 20 (vinte) salários mínimos.228 O próprio interessado pode ir diretamente à

secretaria dos Juizados e apresentar seu pedido, escrito ou oral.229 Juntamente com as custas e

despesas processuais, os honorários advocatícios são um dos principais empecilhos à

efetividade do direito de acesso à justiça, já que por vezes torna-se economicamente

desinteressante pleitear a tutela judicial em razão do elevado custo de tais encargos.

Nas causas superiores a 20 (vinte) salários mínimos, em que é obrigatória a

presença de advogado, a lei determina que em cada Juizado Especial sejam implantadas as

curadorias e os serviços de assistência judiciária, para que os mais humildes não fiquem

impossibilitados de resolver seus conflitos pela intervenção estatal. 230

A citação e as intimações serão em regra por cartas. Não se admite a citação por

edital, medida muitas vezes utilizada para evitar procrastinação da demanda em benefício do

réu. As intimações ainda poderão ser feitas por qualquer outro meio idôneo, como telegrama,

223 Enunciado nº 1 do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE: “O exercício do direito de ação no Juizado Especial é facultativo para o autor.” 224 No processo civil comum a parte vencida é condenada a pagar os honorários de advogado da parte vencedora e as custas ou despesas processuais. 225 Art. 41, § 1º: “O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.” 226 O preparo é o pagamento das custas dentro dos prazos fixados em lei para que o processo tenha prosseguimento normal. Fonte: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico – 2ª ed. rev. atual. e aum. São Paulo, 2005, vol. 3, p. 805; GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário técnico jurídico – 8ª ed. São Paulo: Rideel, 2006, p. 452. 227 Art. 54. 228 Art. 9º. 229 Art. 14. 230 Art. 56.

61

telefone, internet, etc., evitando a expedição de cartas precatórias231 e, consequentemente, a

morosidade no trâmite processual.

No procedimento dos Juizados não se admite qualquer forma de intervenção de

terceiros (nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo) nem de

assistência (art. 10). Essa proibição também visa garantir a celeridade do processo. A

intervenção de terceiros no processo gera uma multiplicidade de atos que causam a demora na

solução do litígio, prejudicando a parte que teria de suportar os ônus de uma delonga

desnecessária.

Os serviços de cartórios poderão ser prestados fora da sede da Comarca, assim

como a realização das audiências. A intenção do legislador é exatamente garantir o acesso à

justiça daqueles que não têm condições de se deslocarem até o Fórum, seja por questões

econômicas, físicas ou socioculturais, além de aproximar o Judiciário da população.232

Esse dispositivo atendeu à seguinte observação feita por Cappelletti e Garth:

O desafio é criar foros que sejam atraentes para os indivíduos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também físico e psicológico, de modo que eles se sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar dos recursos de que disponham aqueles a quem eles se opõem.233

Em complementação à possibilidade de realização de atos e audiências fora da

sede da comarca está a realização de atos processuais em horário noturno, conforme

dispuserem as normas de organização judiciária.234

Desse modo, os trabalhos nos Juizados poderão ser ininterrupto, em horário

diurno e noturno, o que consequentemente amplia o acesso à justiça facilitando para os

trabalhadores que nem sempre podem ausentar-se do trabalho durante expediente para

comparecer a um órgão da justiça e reivindicar seus direitos.

A ideia do funcionamento à noite seria a regra, com o “aproveitamento da

capacidade ociosa dos prédios e de outros equipamentos”,235 garantindo uma economia de

231 Arts. 18 e 19. 232 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 738. 233 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 97. 234 Art. 12.

62

recursos materiais para Poder Judiciário. Entretanto, na prática, parecem ser poucos os

Juizados com funcionamento no horário noturno.

Outra característica importante dos Juizados Especiais Cíveis é não admitir

recurso contra decisão interlocutória,236 e o recurso contra sentença deve ser recebido, em

regra, apenas no efeito devolutivo, podendo o juiz atribuir efeito suspensivo para evitar dano

irreparável,237 o que contribui para agilizar o trâmite processual, além de valorizar a decisão

do juiz de primeira instância (juiz do fato), que está em contato direto com as partes e as

provas238.

O recurso é julgado por uma Turma Recursal, composta de três juízes de primeiro

grau de jurisdição. Não caberá recurso das sentenças homologatórias de conciliação ou do

laudo arbitral.239 A intenção é sem dúvida de limitar o uso protelatório dos recursos para

garantir uma maior rapidez na solução do litígio.

Nos Juizados Especiais Cíveis somente as pessoas físicas serão admitidas a propor

ação, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas (§ 1º, art. 8º). São

expressamente proibidos de ser parte o incapaz, o preso, as pessoas de direito público, as

empresas públicas da União, a massa falida240 e o insolvente civil241 (art. 8º).

As restrições são justificadas. O incapaz não pode fazer qualquer concessão

quanto aos seus direitos, e isso inviabiliza a conciliação, que é o escopo precípuo dos Juizados

235 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 7. 236 Na Lei nº 9.099/95 não consta proibição expressa sobre a recorribilidade de decisões interlocutórias, porém, grande parte da doutrina entende dessa forma, bem como da jurisprudência: Enunciado 15 FONAJE: Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC. Já na Lei que instituiu os Juizados Especiais Federais - Lei nº 10.259/2001 -, consta no seu artigo 5º que, ressalvado os casos de deferimento de medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação, somente será admitido recurso de sentença definitiva. 237 Art. 43. 238 Alexandre Freitas Câmara advoga tese interessante – apesar de ser doutrinariamente isolada, como ele mesmo alerta – que em sede de recursos nos Juizados Especiais Cíveis, não se pode reexaminar provas, sendo permitido apenas analisar questões de direito, devido à ausência de contato imediato dos membros da Turma Recursal com as fontes da prova oral, e sua valoração por esse órgão implicaria violação à oralidade processual. Ver: Câmara, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 12. 239 Art. 41. 240 “Direito falimentar. Acervo de bens do comerciante falido, que constituem o ativo e o passivo de seu patrimônio, arrecadado pelo síndico na falência, por estar sujeito à execução coletiva, cujo produto será rateado, na forma da lei, entre os seus credores.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. rev. atual. e aum., volume 3, 2005, p. 248. 241 “Direito civil. Estado em que se encontra pessoa, que não exerce atividade empresarial, de não poder pagar a seus credores as obrigações assumidas, ante o fato de seu ativo ser inferior ao passivo, ou seja, as suas dívidas excedem ao montante de seus bens.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. rev. atual. e aum., volume 2, 2005, p. 991.

63

Especiais.242 Da mesma forma a massa falida e o insolvente civil, pois o síndico e o

administrador não podem celebrar livremente acordos, necessitando da participação dos

credores.

No caso do preso, como a presença pessoal da parte na audiência é obrigatória,

não seria possível a sua realização. E mesmo que fosse permitida a condução do preso até o

Fórum, o alto custo com o sistema de segurança e transporte tornaria inviável

economicamente a demanda.243

Quanto às pessoas jurídicas de direito público, estas foram excluídas porque a

ideia inicial era possibilitar o acesso à justiça ao cidadão comum, desprovido de recursos e

meios para postular e defender seus direitos. As empresas públicas, em tese, dispõem de

estrutura e recursos para a defesa dos seus direitos, não sendo necessário utilizar da “justiça

do cidadão”.244

As empresas da União foram excluídas em decorrência da competência da Justiça

Federal (art. 109, I, CR/88). Entretanto, com a edição da Lei nº 10.259/01, que regulou os

Juizados Especiais Federais, passou-se a admitir a União e suas autarquias no polo passivo

desses Juizados (art. 6º, II, Lei nº 10.259/01).

Embora a regra geral da Lei nº 9.099/95 seja de que somente pessoa física possa

ser parte nos Juizados Especiais Cíveis, a Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, denominada

Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte245, permitiram às microempresas246

proporem ação perante os Juizados Especiais.247

242 GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 147. 243 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 56. 244 DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Revista dos Tribunais – 1986, p. 35. 245 A Lei nº 12.126, de 16 de dezembro de 2009, alterou a redação do § 1º do art. 8º da Lei nº 9.099/95, para incluir, entre outros, as microempresas como parte legítima para propor ação perante os Juizados Especiais Cíveis, repetindo as determinações contidas na Lei nº 9.841/99. 246 Com relação às microempresas, embora exista a preocupação de que os Juizados Especiais tornem-se sua agência de cobranças, descaracterizando a sua vocação para a solução de conflitos individuais, também é de ser considerado a existência de inúmeras dessas empresas ou firmas individuais, de modesta expressão econômico-financeira (prestadores de serviços, como alfaiates, costureiras, pedreiros, vidraceiros, eletricistas, mecânicos de eletrodomésticos, encanadores, amoladores de facas, etc.) e impedir essa via judicial para solução de seus conflitos, pode representar a sua inviabilidade operacional. Por outro lado, a permissão das empresas de pequeno porte (assim definidas aquelas com receita bruta superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00) de proporem ações perante os Juizados pode representar um sério desvirtuamento das suas finalidades. 247 Art. 38 da Lei nº 9.841/99.

64

Em 2006, a Lei Complementar nº 123, autorizou expressamente as empresas de

pequeno porte a serem admitidas como proponentes nos Juizados Especiais Cíveis

Estaduais.248

Recentemente, a Lei nº 12.126, de 16 de dezembro de 2009, alterou a redação do

§ 1º do art. 8º, para incluir no rol dos legitimados a propor ação perante os Juizados Especiais

as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público,

nos termos da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, e as sociedades de crédito ao

microempreendedor, nos termos do art. 1º da Lei nº 10.194, de 14 de fevereiro de 2001. (art.

8º, § 1º, incisos III e IV)

Característica marcante dos Juizados Cíveis é a busca incessante pela solução

consensual das partes. A conciliação é o espírito motor dos Juizados Cíveis (ver item 2.7.1),

pois além de ajudar a manter os relacionamentos entre os litigantes - já que a decisão

pressupõe aceitação mútua, não existindo vencido ou vencedor - a solução do conflito é

imediata, sem a incidência do tempo no processo, diminuindo os custos financeiros,

psicológicos e sociais do processo.

Todo esse instrumental, se bem utilizado pelos aplicadores do Direito (juízes,

advogados, membros do Ministério Público, serventuários, etc.), dentro da filosofia e

princípios que norteiam os juizados, resultará na mudança da realidade da justiça brasileira

contribuindo para atacar a denominada litigiosidade contida.

Portanto, os Juizados inauguraram uma forma diferente de solucionar conflitos sociais pelo Estado. Reduziram-se os custos processuais, a duração do processo, as formalidades e as possibilidades de produção de provas; o julgamento passou a ser proferido por um juiz mais socializado, em contato com o cidadão comum, e menos formal. Este juiz dirige o processo com liberdade para apreciação das provas, conferindo, ao prolatar a decisão, especial valor às regras de experiência comum ou técnica, com eqüidade, ou seja, prolata a sentença através da exteriorização de um sentimento, decidindo segundo sua convicção pessoal no fato jurídico concreto para, somente após, embasar legalmente sua decisão.249

Todas essas inovações processuais e procedimentais da Lei dos Juizados Especiais

foram concebidas para alcançar o seu objetivo de democratizar o acesso à justiça, sempre

248 Art. 74 da LC nº 123/2006. 249 SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos juizados especiais cíveis estaduais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76.

65

através de um processo rápido, sem custos e adequado para resolução de conflitos do dia a dia

das pessoas pobres. 250

2.4 Princípios orientadores dos Juizados Especiais

Conforme adverte Cândido Dinamarco, o direito processual brasileiro já

incorporou certos princípios que são as vigas mestras do nosso ordenamento jurídico, dentre

eles os princípios da igualdade das partes no processo, como o contraditório e a ampla defesa

que representam “a alma viva de todo procedimento que aspire a ter a dignidade de

processo”.251

A Lei dos Juizados Especiais não renegou ou menosprezou esses e outros

princípios que são a base dos sistemas processuais contemporâneos, ao contrário, além de

preservá-los, inseriu outros, específicos, que representam a ordem de um “novo processo”,252

um “conjunto de inovações que vão desde uma nova filosofia e estratégia no tratamento dos

conflitos de interesses até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”. 253

Além dos princípios de caráter geral que informam todo o ordenamento jurídico

brasileiro, a Lei nº 9.099/95 informa que o processo nos Juizados será orientado pelos

critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º).

Embora a lei utilize o termo critérios, trata-se de verdadeiros princípios,254 pois

representam uma bússola para orientar todo o processo e procedimento dos Juizados

250 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1- 7.; DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984 – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 102-118; DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p 1-3. 251 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 102-106. 252 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 106. 253 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1. 254 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 68.

66

Especiais, inclusive para dimensionar as atividades dos sujeitos processuais, 255 em especial,

do juiz, que é o responsável por cumprir o ideal de uma justiça de qualidade e rápida.256

É importante destacar que os princípios são interligados e não há hierarquia em

abstrato entre eles, e somente haverá sobreposição de um pelo outro, diante do caso

concreto.257

2.4.1 Oralidade

O princípio da oralidade preconiza que a palavra oral deve prevalecer sobre a

palavra escrita. Isso não quer dizer a substituição total de uma forma pela outra, mas a

superioridade do modo oral pelo modo escrito, sem a sua exclusão, já que é inevitável a

documentação de atos essenciais (até em razão da segurança jurídica),258 ou seja, o “processo

oral é aquele que oferece às partes meios eficazes para praticarem os atos processuais através

da palavra falada, ainda que tenham que ser registrados por escrito”.259

O principio da oralidade é o norteador de todo o processo nos Juizados

Especiais,260 inclusive com previsão constitucional,261 sendo ele fundamental para a

255 A doutrina classifica os princípios em gerais ou fundamentais e informativos. Os princípios informativos contêm regras de cunho geral e abstrato e se aplicam a todas as regras processuais. Os princípios gerais ou fundamentais são mais específicos e referem-se a um determinado ordenamento jurídico, de acordo com as suas especificidades e características. Esses princípios representam as diretrizes políticas e ideológicas do processo. Ver: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 14ª ed., 1998, p. 50; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 68; WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord). Curso avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. – 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 66; ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil , volume 1: parte geral. – 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 25. 256 Expressão utilizada por Cândido Rangel Dinamarco. In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 39. 257 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 329. 258 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 70. 259 ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis: aspectos polêmicos da Lei nº 9.099/95, de 25/9/1995. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 7. 260 GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 134. 261 Art. 98, inciso I. – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (destaque nosso).

67

composição dos demais princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e

celeridade.

A Lei nº 9.099/95 privilegiou a forma oral na realização dos atos processuais,

desde a apresentação do pedido inicial (art. 14), passando pela gravação em meio magnético

dos atos processuais (art. 13, § 3º), pela desnecessidade de conversão escrita da prova oral

(art. 36) até a fase de execução dos julgados (arts. 52 e 53), fazendo o registro apenas dos atos

essenciais para a resolução do conflito, o que evidencia a ênfase no princípio da oralidade

como forma de garantir tempo razoável na solução dos litígios. 262

O princípio da oralidade é gerador de outros princípios ou subprincípios que

visam à aproximação do juiz com as partes e provas263 e à presteza na duração do processo.

São eles os princípios da concentração, imediatidade, identidade física do juiz e

irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

O princípio da concentração manifesta-se pela redução do número de atos

processuais e pelo encurtamento do tempo entre esses atos.264 Isso se concretiza com a

concentração os atos processuais em uma única oportunidade, no caso dos Juizados, na

audiência de instrução e julgamento, que deve ser realizada em seguida à audiência de

conciliação, na hipótese de não haver acordo.265

É na audiência de instrução e julgamento, ato mais importante do procedimento,

que o princípio da oralidade se manifesta com maior intensidade, 266 quando será oferecida a

defesa (que pode ser oral), caso frustrada nova tentativa de conciliação, produzidas todas as

provas (inclusive oral), resolvidos todos os incidentes e proferida a sentença (também oral)

com a sua publicação em audiência e intimação das partes.267 Esse subprincípio tem

associação direta com o princípio da economia processual que será abordado no item 2.6.4.

O princípio da imediatidade preconiza que o “juiz deve proceder diretamente à

colheita de todas as provas, em contato imediato com os litigantes, bem como propor a

262 Os arts. 279 e 417 do Código de Processo Civil contêm dispositivos semelhantes permitindo a documentação das provas por outros meios idôneos. 263 GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 56. 264 GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 63. 265 Art. 27. 266 GAULIA, Cristina Tereza. Juizados especiais cíveis: o espaço do cidadão no Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 97. 267 Art. 28.

68

conciliação, expor as questões controvertidas da demanda, dialogar com as partes e com seus

advogados sem maiores formalidades”.268

É a imediatidade com as partes, que se manifesta na audiência, durante a colheita

da prova, que está a essência do princípio da oralidade, pois impõe ao julgador sua

participação direta na produção da prova, podendo observar todas as ações e reações das

partes e testemunhas, como a expressão facial, o tom de voz e gestos, que vão formar de

maneira mais rápida e justa a sua convicção.269

O princípio da identidade física do juiz impõe que o mesmo juiz que comece,

termine o trâmite processual, ressalvada as hipóteses previstas em lei.270 Em verdade, a

intenção desse princípio é garantir que o mesmo juiz que colheu a prova em audiência profira

a sentença, exatamente para preservar as impressões subjetivas colhidas das partes e

testemunhas que não são possíveis de serem reproduzidas por escrito.

Essa é a conexão desse princípio com o princípio da oralidade, que preconiza a

superioridade do procedimento oral ao procedimento escrito. Este, o procedimento escrito,

por sua vez, é indiferente se a prova é colhida na frente do juiz que vai julgar ou um terceiro

julgador, pois a convicção é formada pela prova escrita.

A Lei nº 9.099/95 foi explicita na obrigatoriedade de respeitar esse princípio ao

determinar que:

Art. 40. O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis.

Outro princípio decorrente da oralidade é o da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias, para evitar paralisações ou interrupções que possam retardar o andamento do

processo. Nos Juizados Especiais a regra é que as decisões interlocutórias serão impugnáveis

somente ao final, com o mérito, em recurso próprio, previsto no art. 41.271 O que ocorre não é

268 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 76. 269 GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 62. 270 CPC, art. 132 “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.” 271 Esse princípio provoca posições divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência, embora o Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE –, já tenha editado enunciado pela impossibilidade do cabimento do recurso de agravo (Enunciado 15).

69

propriamente a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, mas seu retardamento, pois elas

podem ser apreciadas juntamente com o mérito, no recurso próprio.

Entretanto, esse princípio deve ser mitigado no caso de decisões que possam

trazer dano irreparável para a parte prejudicada, podendo esta utilizar, nesses casos, de

mandado de segurança.272

A Lei nº 9.099/95 estabeleceu várias atividades das partes e do juiz balizadas pelo

princípio da oralidade, tais como: outorga de mandado verbal ao advogado (art. 9º, §3º);

possibilidade de formular o pedido inicial oralmente na secretaria do Juizado (art. 14, § 3º);

faculdade de formular contestação oral (art. 30); interposição de Embargos Declaratórios

oralmente (art. 49); pedido de execução de sentença oral (art. 52, IV); dispensa da prova oral

ser reduzida a escrito (art. 36).

O princípio da oralidade, enfim, contribui não só para a celeridade no

procedimento como também para uma decisão mais justa, uma vez que possibilita o julgador

a ter um diálogo direto com as partes e testemunhas, podendo aquilatar melhor a realidade dos

fatos.273

2.4.2 Simplicidade e informalidade

Estes dois princípios estão diretamente relacionados a um com outro princípio, o

da instrumentalidade das formas.274 Luiz Fux275 ensina que a simplicidade é instrumento da

informalidade e que ambos são consectários da instrumentalidade. Se o ato processual atingir

sua finalidade, mesmo que não tenha atendido alguma formalidade prevista em lei, deverá ser

considerado válido (art. 13).

O princípio da simplicidade indica que os procedimentos nos Juizados Especiais

devem ser os mais simples possíveis, para que as partes possam compreender todas as fases

272 A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, especificou nos artigos 4º e 5º as exceções para recurso contra decisões interlocutórias. 273 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 687. 274 Art. 154, CPC: “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. 275 BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95.

70

do processo, e não fiquem totalmente alheias ao que acontece durante o tramite processual e

por isso sintam intimidados em procurar o Judiciário.

A simplicidade no procedimento o torna compreensível para os que não são

iniciados nas lides forenses, aproximando-os e estimulando-os a procurar o Poder Judiciário

para resolução de seus conflitos.276

Cappelletti e Garth enfatizam que “Se a lei é mais compreensível, ela se torna

mais acessível às pessoas comuns.”277

A eliminação dos atos solenes, a supressão do tradicional formalismo e ritos processuais, a ausência de burocracia, propiciando o contato direto das partes entre si e com os membros do Juizado, possibilitam a simplificação de seu funcionamento e a agilização da prestação jurisdicional, minimizando, por outro lado, para o Estado, os custos de manutenção do novo aparelho judiciário. É uma tentativa válida de abrir as portas da Justiça ao homem comum.278 (sem destaque no original)

No art. 14, § 1º, a Lei nº 9.099/95 determina que o pedido será feito de forma

simples e acessível, ao passo que o art. 9º autoriza as partes a postularem seus direitos sem a

assistência de advogados.

Por isso, a simplicidade também deve nortear todo o comportamento dos

aplicadores do direito, em especial do juiz, que deve esquecer as solenidades inúteis e o

tecnicismo exagerado e estar mais atento ao direito postulado do que à forma. Nos Juizados, o

julgador não pode avaliar com o mesmo rigor técnico uma petição feita pessoalmente pela

parte (que nem sempre é alfabetizada ou tem informação suficiente sobre seus direitos) como

se avaliasse uma peça redigida por advogado, sob pena de inviabilizar os objetivos da lei.

O princípio da informalidade, por sua vez, significa que os atos processuais

exigirão o mínimo de solenidades. “Nada obsta que o juiz busque soluções alternativas de

ordem procedimental para obter uma prestação da tutela jurisdicional mais rápida e hábil a

adequar a ação de direito material àquela de direito processual” (não há destaque no

original).279

276 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª ed., 2009, p. 340. 277 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 156. 278 BOMFIM, B. Calheiros. Juizados de pequenas causas. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1995, p. 14. 279 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 79.

71

O princípio da informalidade indica que o processo nos Juizados Especiais deve

ser deformalizado,280 ou seja, deve-se repudiar o formalismo exagerado que apenas delonga a

prestação jurisdicional. Aliás, a deformalização é uma tendência do direito processual.281

A Lei nº 9.099/95 em diversos dispositivos mostra a sua preocupação com a

informalidade processual, tanto que proclamou a liberdade das formas como regra geral (art.

13).

Esse preceito também é proclamado como regra geral no processo civil comum

(art. 154 do CPC), porém, como lembra Cândido Dinamarco, a grande vantagem da Lei dos

Juizados Especiais é que ela não faz como o Código de Processo Civil, “que depois de

proclamar a liberdade formal acaba por cercar cada ato com tantas exigências, que emerge

afinal um sistema de legalidade das formas, em vez daquele solenemente prometido.”282

Talvez seja por isso que a Lei nº 9.099/95 não indicou o Código de Processo Civil

como legislação supletiva, sendo aplicável somente naquilo que não contrariar tais princípios,

ou, quando é expressamente previsto, como na fase de execução (art. 52).

O princípio da informalidade está diretamente relacionado com o acesso à justiça,

pois o excesso de formalismos intimida o cidadão leigo e mais humilde, que não compreende

e espanta-se com tantas fases e atos solenes, sentindo-se “prisioneiro em um mundo

estranho”.283 Sua tendência natural é isolar-se do Poder Judiciário, além de provocar demora

na conclusão das causas devido ao tempo gasto em etapas que são dispensáveis.

Dentre os diversos dispositivos na lei que assegura a simplicidade e a

informalidade, podemos citar os seguintes exemplos: os atos processuais poderão ser

realizados em outra comarca por qualquer meio idôneo de comunicação, e não pela forma

tradicional da carta precatória. (art. 13, § 2º); a citação por oficial de justiça

independentemente de mandado ou carta precatória (art. 18, inciso III); intimação realizada

por qualquer meio idôneo de comunicação (art. 19); todas as provas produzidas na audiência

de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente, comparecendo as

testemunhas independentemente de intimação (arts. 33 e 34); sentença concisa (art. 38);

280 Ada Pellegrini Grinover conceitua a deformalização do processo com a utilização da “técnica processual em busca de um processo mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência tipos particulares de conflitos de interesses.” GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 179. 281 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 179. 282 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 106-107. 283 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 24.

72

E ainda: o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a

indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva; se a sentença for

confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão (art. 46);

início da execução da sentença condenatória através de pedido oral e sem citação (art. 52,

inciso IV); alienação de bens penhorados pode ser deferida ao devedor, credor ou terceira

pessoa idônea (art. 52, VII); dispensa de publicação de editais em jornais nas alienações de

bens de pequeno valor (art. 52, VIII).

Como podemos perceber, os princípios da simplicidade e informalidade

possibilitam aproximar o cidadão da Justiça por intermédio de um procedimento básico,

singelo, que facilita o entendimento sobre seus direitos e sobre o processo judicial, mas que,

sobretudo, é voltado para impedir que a demanda se prolongue inutilmente.

2.4.3 Economia processual

O princípio da economia processual também não é exclusivo do procedimento dos

Juizados Especiais. Ele é informador de toda a ciência processual.

Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. 284

Portanto, esse é o objetivo central do princípio da economia processual: obter o

máximo de resultado da lei com o mínimo de atos processuais. Trata-se de uma

racionalização do procedimento com a finalidade de diminuir o tempo e o custo do processo,

tornando-o mais eficiente.

Nos Juizados, as questões que lhe são submetidas para apreciação - menor

complexidade e pequeno valor econômico - exigem o menor gasto de tempo (e dinheiro)

possível, para que não sejam inviabilizados os possíveis benefícios do processo.

284 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 24ª ed., 2008, p.79.

73

O princípio da economia processual exerce a importante função de proporcionar

meios para que os outros princípios possam realizar seus fins, já que permite a agilização do

procedimento com a utilização de formas seguras e não solenes, sem a necessidade de

anulação de atos que não tragam prejuízos para as partes, embora realizados sem a ritualidade

prevista285.

Decorre ainda desse princípio a possibilidade de cumulação de pedidos no mesmo

processo, o julgamento simultâneo da ação principal e do pedido contraposto e a

permissividade de alegações diversas no processo de matérias próprias de incidentes que

seriam apresentados em autos apartados,286 bem como a decisão de plano desses incidentes

surgidos durante a audiência.

Além disso, é na audiência que esse princípio exerce a sua primordial finalidade

de obter o máximo de resultado com o mínimo de esforço processual. Da interpretação dos

artigos 21 a 27 da Lei nº 9.099/95 extrai-se a necessidade de concentração dos atos

processuais em uma única audiência, que abrange a fase da conciliação, a instrução do

processo e o seu julgamento.

Essa concentração de etapas pode, de fato, contribuir para solucionar de forma

mais breve os processos, pois economiza tempo e dinheiro, tanto para o Poder Público quanto

para os cidadãos, que não têm que voltar diversas vezes aos Juizados para ver seu processo

finalizado.

[...] é preciso privilegiar a concentração dos atos processuais, empregando-se esforços para que o processo todo possa desenvolver-se em uma única audiência [...], desde a fase de conciliação, passando-se pela sua instrução e imediato julgamento.287

O princípio da economia processual é de extrema importância para o acesso à

justiça, porquanto proporciona uma resposta jurisdicional mais rápida e barata, pois, com já

foi dito e é sempre salutar repetir, a lentidão do processo é fator de desestímulo,

285 BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93. 286 BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93. 287 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 690.

74

principalmente para o hipossuficiente, que tem maior dificuldade para suportar os ônus

decorrentes da demora processual desnecessária.288

Esse princípio - como os demais - tem o escopo de garantir maior brevidade ao

processo nos Juizados Especiais, utilizando um procedimento concentrado, sem protelação,

sem a intervenção de terceiros e sem recursos de decisões interlocutórias.289

O princípio da economia processual está expresso nos seguintes artigos: art. 15

(cumulação de pedidos conexos); art. 17, parágrafo único (dispensa de contestação formal e

apreciação conjunta na mesma sentença dos pedidos principal e contraposto); art. 19, § 2º

(dos atos praticados na audiência, considerar-se-ão desde logo cientes as partes); art. 31

(dispensa de reconvenção nas ações dúplices); art. 38 (dispensa de relatório na sentença); art.

52, inciso III (intimação de sentença na própria audiência em que foi proferida).

2.4.4 Celeridade

Conforme vem sendo exposto minuciosamente, um dos motivos que afastam o

cidadão comum do Poder Judiciário é a percepção de que a justiça é lenta. Também já foi dito

que o tempo é um dos componentes dos custos do processo, e atinge de forma mais intensa as

pessoas mais pobres, além de, por vezes tornar economicamente inviável uma demanda,290

provocando desestímulo na população em procurar solução das suas controvérsias através da

Justiça estatal.

O princípio da celeridade é de vital importância para o direito processual e tem

guiado a maioria das escolhas legislativas nas diversas reformas processuais que vêm

acontecendo nos últimos tempos,291 tanto que ganhou status constitucional ao ser inserido no

288 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 690. 289 SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos juizados especiais cíveis estaduais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76. 290 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20. 291 Exempli gratia: Leis nº 8.950/94; 8.952/94; 10.352/01; 10.358/01; 10.444/2002; 11.187/05; 11.232/05; 11.276; 11.277/06; 11.280/06, etc. A celeridade no procedimento também vai nortear o trabalho da Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal para elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo civil, conforme consta do relatório apresentado pela referida comissão dos resultados da primeira fase dos trabalhos. De acordo com o ministro Luiz Fux, presidente da comissão, a “ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi de conferir maior celeridade à prestação da justiça [...] visando tornar efetivamente alcançável a duração razoável do processo [...].”

75

rol dos direitos fundamentais da Constituição da República de 1988 por intermédio da

Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 (Reforma do Judiciário).292

No caso específico dos Juizados Especiais, a Constituição estabeleceu que o

procedimento seja oral e “sumariíssimo”, indicando o caráter célere que deve imperar na

tramitação das causas de menor complexidade.

O princípio da celeridade é “um dos princípios de mais acentuada aplicação no

procedimento das pequenas causas, porque ele constitui mesmo um dos pilares do sistema e

dela se fala a todo momento [...]”293 e indica que o processo deve demorar o mínimo

possível.294

Nos Juizados Especiais os prazos são exíguos (art. 16 e 27), e o procedimento é

concentrado em poucos atos, a fim de evitar demora desnecessária na conclusão do processo.

Em busca de uma resolução tempestiva do conflito, o princípio da celeridade está

presente em todo momento no procedimento dos Juizados. Feito o registro do pedido na

Secretaria do Juizado, será designada a audiência de conciliação, e não prosperando acordo

entre os litigantes, nem instituído o juízo arbitral, instaura-se, imediatamente a fase de

instrução e julgamento (arts.24, 27 e 28).

Pelo princípio da celeridade, em consonância com os princípios da economia

processual e oralidade, a audiência deve ser única e indivisível, com a concentração de todos

os atos, pois se estabelecer mais de uma audiência, abre-se caminho para a dilação

desnecessária entre elas, subvertendo o procedimento “sumariíssimo” determinado no art. 98,

da Constituição da República.

Nos Juizados a sentença pode (e deve) ser prolatada de imediato, no caso de não

comparecimento do demandado na audiência (art. 23). Como dito, a audiência não deverá ser

interrompida, mesmo no caso de testemunha faltosa, quando o juiz poderá determinar a sua

imediata condução (art. 34, § 2º).

Sempre buscando a celeridade no procedimento, a legislação ainda possibilita,

sem necessidade de registro prévio e citação, a imediata instauração da audiência de

conciliação, quando ambas as partes comparecem ao Juizado (art. 17). A Lei prevê a

292 Art. 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Sem grifos no original) 293 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109. 294 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 19.

76

impossibilidade de citação por edital (art. 18 § 2º), que é mais uma causa de procrastinação do

processo.

A rapidez na solução das demandas que o princípio da celeridade objetiva, talvez

seja a maior esperança daqueles que buscam os Juizados para solução de seus problemas.

Em resumo, todos os princípios dos Juizados Especiais se relacionam e se

complementam no sentido de eliminar toda e qualquer barreira que possa impedir uma justiça

acessível, rápida, barata, adequada e justa (no sentido de dar razão a quem a tenha).

2.5 Conciliação

A busca pela conciliação é uma característica de todos os órgãos judiciais

encarregados da resolução dos conflitos definidos como de pequeno valor ou de menor

complexidade.295 Nos Juizados Especiais, a conciliação é a base de todo o seu sistema

processual, previsto no art. 98, inciso I, da Constituição da República e no art. 2º da Lei nº

9.099/95.

Como bem observa Ada Pellegrini Grinover,296 o escopo precípuo dos Juizados é

a busca incessante da conciliação. A tentativa de conciliação é o primeiro ato que se realiza

após a formação do processo. É por esse motivo que não podem ser partes, perante os

Juizados, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, a massa falida e o

insolvente civil, por não poderem livremente transigir.

Cappelletti297 ensina que as decisões obtidas pela autocomposição tendem a ser

mais facilmente aceitas do que as impostas por uma sentença proferida unilateralmente pelo

juiz, uma vez que elas preservam a autonomia das partes e são baseadas no consenso e com

grande possibilidades de ganhos recíprocos.298

295 Os estudos realizados por Cappelletti e Garth mostraram que a conciliação é a principal técnica de solução de conflitos nos tribunais de pequenas causas de países como a Suécia, Austrália, Estados Unidos, Japão, etc. Ver: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 83-87 e 108-109. 296 GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 147. 297 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 83. 298 SOUSA. Aiston Henrique de. A equidade e seu uso nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Sérgio Ântonio Fabris Ed., 2005, p. 170.

77

O objetivo de promover o acesso mais fácil à camada mais humilde da população

fez surgir a necessidade de utilização de institutos que evitassem o processo,299 fazendo com

que a solução dos conflitos fosse feita de forma mais simples, deformalizada, célere e com o

menor custo possível, motivo pelo qual a conciliação foi eleita o ato processual de maior

importância no procedimento dos Juizados Especiais.300

No dizer de Dinamarco, a conciliação é a alma do processo dos Juizados

Especiais.301

[...] a composição amigável é a melhor forma de solucionar conflitos jurídicos e sociológicos, a medida que a sentença de mérito de procedência/improcedência do pedido põe termo apenas à lide no plano do direito, não extinguindo, necessariamente, o litígio dos contendores na órbita social, onde reside a efetiva pacificação302.

A Lei nº 9.099/95 deu tanta importância para conciliação que em diversos

momentos ela é uma etapa processual obrigatória antes de passar para outra fase do processo.

Ela é o primeiro ato processual a ser realizado após a formação do processo. A sua busca é

incessante até a extinção do feito.

O legislador possibilitou a sua realização mesmo nas causas em que o valor

exceda o limite de 40 (quarenta) salários mínimos,303 e não restringiu sua aplicabilidade aos

Juizados, incluindo uma hipótese genérica de conciliação em qualquer causa ou juízo, valendo

299 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 190. 300 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 147-160; CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 108-111; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 696; BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 220; SOUSA. Aiston Henrique de. A equidade e seu uso nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Sérgio Ântonio Fabris Ed., 2005, p. 165; DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 70. 301 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 135. 302 TOURINHO NETO. Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Revista dos Tribunais – 4ª ed. reform., atual. e ampl., 2005, p.218. 303 Art. 3º, §3º. “A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.”

78

a sentença com título executivo judicial (art. 57). E ainda delegou para os Estados a

possibilidade de instituir juízos de conciliação para toda e qualquer causa (art. 58).

A Lei dos Juizados Especiais fala em sessão de conciliação, e não em audiência,

porquanto a intenção era de que fosse realizada uma sessão, presidida pelo juiz togado ou

leigo, com todos os litigantes incluídos na pauta do dia, para que fosse esclarecido a todos

sobre as vantagens da autocomposição. Em seguida, os processos seriam distribuídos entre os

conciliadores, juízes leigos e juiz togado.304

Entretanto, na prática, essa sessão não acontece, pois são designados horários

distintos para os processos e todas as partes ficam aguardando serem chamadas de acordo

com o horário pré-estabelecido, quando então participam de uma audiência de conciliação.305

Como já foi dito, em razão da essencialidade da conciliação ao procedimento dos

Juizados Especiais, é obrigatória a presença das partes na audiência (obrigatória é a presença,

não a realização do acordo), sob pena de não comparecendo o demandado, ser decretada a sua

revelia, sendo considerado verdadeiros os fatos alegados na petição inicial.306 Ausente o

autor, o processo será extinto sem julgamento de mérito.307

Nos Juizados Especiais as audiências de conciliação podem ser presididas, além

do juiz togado, por juízes leigos ou conciliadores que poderão atuar sozinho, mas sob

orientação do primeiro (art. 22).

Os juízes leigos308 e os conciliadores são auxiliares da justiça, sendo estes últimos

selecionados entre bacharéis em Direito e aqueles entre advogados com mais de cinco anos de

experiência. (art.7º).

A presença desses auxiliares da justiça permite uma maior celeridade no

andamento do processo, na medida em que dividem o trabalho com o juiz togado, com melhor

304 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 97-98. 305 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 97-98. 306 Arts. 20 e 23. 307 Art. 51. 308 Os juízes leigos são juízes não togados, auxiliares da justiça, que presidem alguns atos processuais, com a audiência de instrução e julgamento, podendo proferir decisão que será submetida ao juiz togado. Até 2006, quando foi realizada a pesquisa sobre Juizados Especiais pelo CEBEPEJ, dos Estados pesquisados, apenas os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul instituíram a figura do juiz leigo. Na doutrina há registros de que nos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraíba e Paraná também existam juízes leigos. Ver: CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 52.

79

aproveitamento do tempo e evitando uma sobrecarga de serviço. Nas palavras de Cândido

Dinamarco, o conciliador “vale como multiplicador da capacidade de trabalho do juiz”309.

O juiz ou conciliador deve iniciar a audiência explicando as vantagens da

conciliação e os riscos do litígio (art. 21). Também é necessário explicar que a conciliação é

irrecorrível, para que as partes não sejam pegas de surpresa.

Obtido acordo, é lavrado termo e homologado pelo juiz togado. A sentença

homologatória de conciliação é irrecorrível (art.41).

Na audiência de conciliação, não existindo acordo e não instituído o juízo

arbitral,310 passa-se à audiência de instrução e julgamento.

Na execução, após a penhora, o devedor é intimado para comparecer à audiência

de conciliação, quando o juiz ou conciliador poderá buscar o meio mais rápido e eficaz para a

solução do litígio, como o pagamento parcelado do débito, dação em pagamento311 ou a

imediata adjudicação312 do bem penhorado, podendo oferecer embargos caso frustrada a

conciliação (art. 53, §§ 1º e2º).

A conciliação é um importante instrumento para alcançar a efetividade do acesso

à justiça, porquanto permite julgamentos imediatos em audiência, dando oportunidade às

partes de serem seus próprios julgadores, o que possibilita o fim do conflito com o

restabelecimento da paz e harmonia entre os contendores, ou seja, o fim maior da justiça, a

pacificação social.

309 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984 – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 113. 310 Embora exista a previsão de arbitragem nos Juizados Especiais ela, infelizmente, não é utilizada. A arbitragem (estatal) prevista na Lei nº 9.099/95 contém algumas diferenças da arbitragem (privada) da Lei nº 9.307/96. Entre elas, podemos destacar: na arbitragem da Lei dos Juizados Especiais a escolha do árbitro é feita dentre os juízes leigos. Na Lei nº 9.307/96 a escolha é livre pelas partes, podendo ser qualquer pessoa (art. 13 da Lei nº 9.307/96). Nos Juizados o procedimento da arbitragem é fixado na lei, enquanto na Lei da Arbitragem o procedimento é determinado pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento (art. 21, Lei nº 9.307/96). Nos Juizados Especiais o árbitro apresenta um laudo para homologação do juiz togado, enquanto isso não acontece na Lei da Arbitragem, onde é é proferida uma sentença arbitral. 311 “Direito civil. É o acordo liberatório feito entre o credor e devedor em que aquele consente na entrega de uma coisa diversa da avençada. Por exemplo, se ‘A’ deve a ‘B’ uma quantia em dinheiro e propõe saldar seu débito mediante a entrega de um terreno, sendo aceita sua proposta pelo credor, configurada estará a dação em pagamento, extinguindo-se a relação obrigacional, por ter a mesma índole do pagamento, sendo, porém, indireto.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. rev. atual. e aum., volume 2, 2005, p. 1. 312 “Direito processual civil. Ato judicial de índole coativa pelo qual se opera a transferência de propriedade de certos bens a determinadas pessoas, mediante o pagamento do preço ou reposição da diferença, em razão de processos de execução, execução fiscal, inventário e condomínio de coisa indivisível.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. rev. atual. e aum., volume 1, 2005, p. 120.

80

3 O TEMPO DO PROCESSO NOS JUIZADOS E A AUDIÊNCIA ÚNICA

3.1 Princípio constitucional da duração razoável do processo

Um dos maiores problemas enfrentados pelo Poder Judiciário é a morosidade no

trâmite dos processos313, fato que tem despertado atenção dos aplicadores e estudiosos do

direito, pois a demora na resolução dos conflitos causa às partes envolvidas ansiedade,

angústia, desconforto e enormes prejuízos de ordem material e moral, além de aumentar o

descrédito da população na Justiça.

Aliás, essa é uma preocupação mundial,314 pois não é somente no Brasil que a

lentidão da justiça tem causado debates na sociedade, sendo que em vários outros países315

existe uma crescente percepção de que a entrega da prestação jurisdicional deve ser mais

célere.316

Essa preocupação com o tempo de duração dos processos judiciais não é de

hoje,317 pois há mais de meio século recebeu regulação pelos organismos internacionais de

313 Para o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF e do CNJ, o maior problema do Judiciário é a morosidade. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8266:para-presidente-do-cnj-morosidade-e-o-maior-desafio-da-justica-brasileira&catid=1:notas&Itemid=169>. Acesso em: 15 ago. 2009; TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 100; SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 15; BRASIL. Ministério da Justiça. I Pacto Republicano de Estado por um Judiciário mais rápido e republicano, 2004 e II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, 2009. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMID87257F2711D34EE1930A4DC33A8DF216PTBRNN.htm>. Acesso em: 15 set. 2009. 314 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20, nota 21; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 170; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro . São Paulo: LTr, 2009, p. 57-62; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A efetividade do processo de conhecimento. São Paulo. Revista de Processo, ano 19, nº 74, abril- junho, 1994, p. 128. 315 “A demora no andamento dos feitos, diga-se de passagem, está longe de constituir problema específico da Justiça brasileira; muito ao contrário, ela atormenta especialistas e leigos em todos os países de que se têm notícia. Quase nenhum congresso, dentre tantos que se vêm promovendo, pelo mundo afora, no campo do direito processual, deixou de incluí-la no temário.” In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em: <http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em 12 dez. 2009. 316 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20, nota 21; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 57-62. 317 Já na Carta Magna de 1215 constava que não poderia ser protelado o direito de qualquer pessoa a obter justiça. Fonte:<http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Magna_Carta.html>. Acesso em: 11 jun. 2009.

81

proteção aos Direitos do Homem, determinando que os julgamentos fossem realizados em

prazos razoáveis sem demora injustificada.

A Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 - que é uma exegese da

Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU

em 1948 -, garante no artigo 6º, nº 1 que:

1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.318 (Sem grifos no original)

O Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, aprovado pela Assembleia

Geral da ONU, em 16 de dezembro de 1966, e ratificado pelo Brasil em 24 de Janeiro de

1992,319 prevê em seu artigo 9º, nº 3:

Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infração penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado. A detenção prisional de pessoas aguardando julgamento não deve ser subordinada a garantir que assegurem a presença do interessado no julgamento em qualquer outra fase do processo e, se for caso disso, para execução da sentença320 (sem destaque no original)

318 Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html>. Acesso em: 10 jun. 2009. 319 O Brasil aceitou a adesão ao Pacto, sem reservas, mas, no tocante às suas disposições facultativas, essas não foram ratificadas, ficando, assim, de fora o artigo 41 e os dois protocolos facultativos. Fonte: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/2/civis.html>. Acesso em: 10 jun. 2009. 320 O artigo 14º, nº 3, letra “c” também faz referência a um julgamento sem demora excessiva. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto2.htm>. Acesso em: 10 jun. 2009.

82

A Convenção Americana sobre Direito Humanos de 1969 – Pacto de San José da

Costa Rica –, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992321 em seu artigo 8º, nº 1,

dispõe:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.322 (Destaque nosso)

Da mesma forma consta referência ao direito a um julgamento rápido na

Declaração dos Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776, 323 Constituição dos Estados

Unidos de 1787324 e em várias outras Declarações.325

Embora o tema não seja novo, nunca esteve tão em voga como na atualidade,

sendo intensificada sua discussão a partir do fenômeno da globalização326 (que também não é

um fenômeno novo327), principalmente a globalização econômica, que provocou a

transnacionalização dos mercados de insumos, produção, capitais, finanças e consumo,

321 O governo brasileiro depositou a Carta de Adesão (ratificação) junto à Organização dos Estados Americanos – OEA – no dia 25 de setembro de 1992, porém, foi a partir do Decreto presidencial 678 de 06 de novembro de 1992, publicado no Diário Oficial da União em 09 de novembro de 2009, que o Pacto entrou em vigor. Fonte: ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 120. 322Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 10 jun. 2009. 323 Disponível em <http://www.cefetsp.br/edu/eso/cidadania/declaracaovirginia.html.> Acesso em: 27 abr. 2009. 324 Emenda VI: Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido cometido, distrito esse que será previamente estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação; de ser acareado com as testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa, e de ser defendido por um advogado. (Destaque nosso) Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br>. Acesso em: 27 abr. 2009. 325 Ver também: Declaração dos Princípios Básicos de Justiça relativos às Vítimas de Criminalidade e de Abuso de Poder; Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão – Resolução da ONU; Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; etc. 326 Globalização é um “conceito aberto e multiforme que denota a sobreposição do mundial sobre o nacional e envolve problemas e processos relativos à abertura e liberalização comerciais, à integração funcional de atividades econômicas internacionalmente dispersas, à competição interestatal por capitais voláteis e ao advento de um sistema financeiro internacional sobre o qual os governos têm uma decrescente capacidade de comando e controle. Nessa perspectiva, globalização é um conceito relacionado às ideias de ‘compressão’ de tempo e espaço, de comunicação em tempo real, on-line, de dissolução de fronteiras geográficas, de multilateralismo político-administrativo e de policentrismo decisório”. FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica – Direito e Conjuntura . São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

83

estabelecendo uma forte concorrência comercial mundial que exigiu das empresas e mercados

uma reestruturação com a finalidade de maximizar seus lucros e minimizar os custos.328

Essa competição comercial promoveu um avanço da tecnologia com o

desenvolvimento da informática, da internet e das comunicações em geral, afetando os

processos decisórios, que são cada vez mais rápidos, independentemente das distâncias e dos

fusos horários.329

A globalização econômica provocou uma transformação no Estado, que através

das privatizações, do fim dos monopólios e do controle de preços e da abertura comercial,

possibilitou uma influência das “sociedades de organizações”330 na definição de políticas

públicas, em especial nas políticas macroeconômicas, reduzindo o poder e a importância do

Estado na regulação da economia e, consequentemente, na vida em sociedade.331

Com essas transformações muitas das transações antes realizadas dentro do

aparelho de Estado, ou coordenadas por ele, começaram a ser feitas no mercado, passando a

economia a pautar tanto as decisões políticas quanto as decisões jurídicas, 332 ou seja, o

cidadão, antes centro do universo político e jurídico, foi substituído pela lei do mercado.333

Todo esse fenômeno gerou várias tendências, entre elas a necessidade de

desburocratizar e simplificar mecanismos processuais visando à agilidade nos trâmites dos

processos, devido à incompatibilidade da concepção de tempo previsto nas legislações

processuais e a concepção de tempo da economia, que se torna cada vez mais instantânea em

razão da evolução das tecnologias das comunicações.334

Em decorrência desses fatos, os agentes econômicos e comerciais passaram a

reivindicar reformas e adequações legislativas com a finalidade de garantir maior rapidez

decisória e mais previsibilidade nas decisões jurídicas, com o objetivo de reduzir custos, gerar

e aumentar confiança nas empresas e nos mercados.

327 A globalização não é um fenômeno recente na história e mesmo na antiguidade já provocava alguns surtos de modernização econômica, cultura e jurídica. Ver FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p.60. 328 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 150. 329 FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica – Direito e Conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 76-77. 330 Termo utilizado por José Eduardo Faria para denominar as “organizações complexas”, aí incluídos os grandes conglomerados econômicos e financeiros que são constituídos, orientados e estruturados para atingirem objetivos específicos e se caracterizam, entre outras coisas, pela capacidade de agir estrategicamente, pela extrema sofisticação de suas formas de atuação e pela permanente reivindicação de interesses sociais segmentados. In: FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 172-178. 331 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 165-182. 332 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 178. 333 ARNAUD, André-Jean. O direito entre a modernidade e globalização. Rio de Janeiro: Renova, 1999, p.232. 334 FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica – Direito e Conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 76.

84

A pressão desses segmentos sociais causou uma inquietação de tal dimensão no

legislador brasileiro que ele fez inserir na Constituição da República, no Título dos Direitos e

Garantias Fundamentais, o princípio da duração razoável do processo e os meio que garantam

a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).335

Embora somente a partir a Emenda Constitucional nº 45/2004 que esse preceito

tenha passado a constar explicitamente da Constituição, 336 o direito à duração razoável do

processo já estava inserido em nosso ordenamento, por força dos pactos internacionais

ratificados pelo Brasil, conforme acima referidos.337

Mesmo antes da inserção dessas regras internacionais em nosso arcabouço

jurídico, os direitos de duração razoável do processo e da celeridade processual já estavam

contemplados no texto constitucional pelo princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV e

LV) ou pelo princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (art. 37, caput,

CR/88).338

Assim, o que antes poderia ser entendido apenas como um dos componentes dos

princípios do devido processo legal e da eficiência, 339 - ou ainda em decorrência da garantia

contida no inciso XXXV, do art. 5ª, da Constituição da República340, que assegura não só o

acesso à justiça, como a devida e efetiva proteção contra qualquer forma de violação de

direitos e no próprio princípio da dignidade da pessoa humana341 -, passou a ser um princípio

programático consagrado expressamente no texto constitucional com o objetivo de tornar

mais célere a tramitação dos processos na esfera judicial e administrativa.

335 Art. 5º, LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 336 Constituições de vários outros países, a exemplo das Constituições da Espanha, Portugal, Itália, Estados Unidos, Canadá, etc., e Declarações e Convenções internacionais constam referência a necessidade de um julgamento sem dilações indevidas. Ver: ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 175-205; RODRIGUES, Clóvis Fedrizzi. Direito Fundamental à duração razoável do processo. In: Revista Direito e Democracia: revista do Centro de Ciências Jurídicas / Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, vol. 7, nº 1, 1º sem. 2006, p. 101-116. Disponível em: <http://www.editoradaulbra.com.br/catalogo/periodicos/pdf/periodico10_7_1.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2009. 337 CR/88, art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 338 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94. 339 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94. 340 Art. 5º, XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 341 “É certo, por outro lado, que a pretensão que resulta da nova prescrição não parece situar-se fora do âmbito da proteção judicial efetiva, se a entendermos como proteção assegurada em tempo adequado. A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais”. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 485.

85

De qualquer forma, o certo é que o direito de duração razoável do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação estão inseridos na Constituição como um

direito mínimo e fundamental, e, portanto, deve irradiar sobre todas as regras

infraconstitucionais e nortear os órgãos judiciais para a entrega de uma prestação jurisdicional

em tempo adequado.

Essa orientação constitucional autoriza (e obriga) o Poder Público, em especial o

Judiciário, a adotar mecanismos e procedimentos para garantir uma prestação jurisdicional

tempestiva, evitando que a demora cause danos irreparáveis e angústia nas partes e seus

familiares, que vai aumentando conforme o tempo passa sem que se tenha uma resposta

definitiva.

Indubitavelmente a prestação jurisdicional deve ser entregue em um lapso

temporal razoável, sob pena da demora na resolução dos conflitos tornarem economicamente

inviável o uso do serviço judiciário, significando que o sistema judicial só em parte protege os

direitos - pois embora possibilite o acesso, não realiza o direito em tempo hábil -, além de

poder gerar proveitos para a parte que não tem razão, que se utiliza da demora processual para

não cumprir seu dever, o que representa um contrassenso.

Essa contradição pode suscitar um efeito secundário, mas que tem impacto direto

no tempo de duração dos processos, uma vez que ela fomenta a busca pelo Judiciário não para

proteger um direito, mas para impedir a realização desse direito ou pelo menos protelar o

cumprimento de uma obrigação, provocando o aumento do número de ações judiciais que

consequentemente refletem na morosidade do Judiciário.

Os Juizados Especiais com a prevalência dos princípios da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, “têm sido apontados como

uma das melhores soluções, dentro da estrutura do judiciário, de celeridade para a solução das

contendas e aproximação da decisão judicial dos cidadãos [...]”.342 (sem destaque no original),

contribuindo a um só tempo para ampliar o acesso à justiça343 (art. 5º, XXXV) e para a

duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII,).

Uma decisão judicial para ser justa tem que ser proferida tempestivamente, sob

pena de não produzir os resultados esperados. Dessa forma, o tempo é imperativo da justiça e

de seu acesso, pois “[T]ão injusto quanto se negar um direito a quem a ele faz jus é

342 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p. 57-65. 343 Como já foi destacado, no direito de acesso à justiça já está implicitamente proclamado o direito a resolução do processo no menor tempo possível.

86

reconhecê-lo intempestivamente, quando a utilidade do seu exercício já foi destruída ou

mitigada pela ação implacável do tempo.”344

3.2 Tempo razoável e Juizados Especiais Cíveis

Como a regra constitucional não trouxe uma definição ou a fixação de um prazo

limite para demonstrar o que seria prazo razoável, o grande problema é defini-lo. Os prazos

processuais fixados na legislação infraconstitucional podem e devem ser um parâmetro, mas

não o único345, pois se assim o desejasse, o legislador teria feito menção expressa na norma

constitucional.

Até mesmo a conceituação do termo duração razoável é tarefa difícil, já que ele se

enquadra no que a doutrina chama de conceito jurídico indeterminado, vago ou fluído346, ou

seja, são aqueles que “a norma não determina o exato e preciso sentido desses conceitos, haja

vista que estes não admitem uma rigorosa e abstrata quantificação ou limitação, somente

devendo ser identificados, caso a caso, diante do fato real.”347

Na realidade essa indeterminação não é uma imperfeição linguística, mas sim uma

técnica utilizada pelo legislador, porque nem sempre é possível determinar todas as situações

fáticas em que há de ser aplicada, somente sendo possível essa quantificação ou limitação no

caso concreto, além de ser uma forma de manter a lei atualizada aos anseios da sociedade no

momento histórico em que ela é aplicada.348

Por isso é que o legislador não estabeleceu qualquer prazo rígido para conclusão

dos processos, já que não teria condição de prever todas as variáveis que influenciam o tempo

de tramitação dos mesmos, como por exemplo, a complexidade da causa, o comportamento

344 OLIVEIRA. Rogério Nunes. A morosidade da entrega da jurisdição e o direito à razoável duração do processo judicial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano 2003/2004, nº 4/5, p. 609. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista04e05/Discente/07.pdf>. Acesso em: 14 set. 2009. 345 Segundo Danielle Annoni, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos - THDH - tem estabelecido três indicadores gerais, a serem observados com as particularidades de cada caso, quais sejam: a) a natureza da ação ou a complexidade do assunto; b) a conduta das partes ou o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo; e c) a conduta das autoridades nacionais ao examinarem a matéria ou a atuação do órgão jurisdicional. In: ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 210-211. 346 MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010, p. 108. 347 GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p.171.

87

das partes, a conduta do juiz e servidores, a atividade dos advogados,349 o tipo de

procedimento, a estrutura do Poder Judiciário,350 a acessibilidade de provas, a quantidade de

processos,351 etc.

Além disso, o tempo é imprescindível para a maturação do processo, necessário

para assegurar às partes o exercício pleno de todas as suas garantias constitucionais e

processuais, principalmente o direito ao devido processo legal, com os seus corolários da

ampla defesa e do contraditório, que são indispensáveis para proporcionar uma decisão justa e

segura.352

Por essas razões, não se pode utilizar os prazos legais da legislação

infraconstitucional processual como único critério para determinar o prazo razoável.353 Não se

pode imaginar que o texto legal vá suplantar os obstáculos do dia a dia vivenciado pelos

julgadores.

Com efeito, a definição do que é um prazo razoável para duração do processo vai

ser sempre relativa, com a utilização de critérios legais, objetivos – que é a fixação dos prazos

na legislação infraconstitucional processual – e de interpretação jurisprudencial,354 pois é no

cotejo dos casos concretos que o limite será estimado de acordo com a realidade de cada

unidade judiciária.355

No caso da Lei nº 9.099/95, ela fez previsão de que o julgamento deve ocorrer no

prazo máximo de 30 (trinta) dias, sendo 15 (quinze) dias para a realização da audiência única

de conciliação, instrução e julgamento (se for o caso). Não sendo possível a realização

348 NICOLI, Ricardo Luiz. Discricionariedade e integração de conceitos jurídicos indeterminados: os limites do controle positivo das questões técnicas complexas pelo Poder Judiciário. In: GUERRA, Sérgio (org.) Transformações do Estado e do direito. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 148. 349 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147-158. 350 CR/88, art. 93, inciso XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e a respectiva população. 351 Na tentativa de solucionar a questão da quantidade excessiva de processos por juiz, a Emenda Constitucional nº 45 inseriu um novo inciso no art. 93: “XIII – o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população.” 352 ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 196; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 19. 353 ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 198. 354 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 87319/SP, 6ª Turma, julgado em 22/04/2008 – publicado no DJe em 19/05/2008. Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA; Habeas Corpus nº 91029/SP, 6ª Turma, julgado em 23/04/2009, publicado no DJe em 25/05/2009. Relator Ministro OG FERNANDES; Habeas Corpus nº 106249/SP, 6ª Turma, julgado em 28/10/2008, publicado no DJe em 10/11/2008. Relatora Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG). Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 set. 2009. 355 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147-158.

88

imediata da audiência de instrução e julgamento, a lei diz que ela deverá ser designada para

um dos 15 (quinze) dias subsequentes. (arts. 16 e 27).

Dessa forma, por determinação legal, o julgamento deve ocorrer no período entre

15 (quinze) e 30 (trinta) dias a contar do registro da petição na Secretaria do Juizado. Por

outro lado, a Lei dos Juizados Especiais não estabeleceu qualquer prazo para outras fases do

processo e nem para o julgamento dos recursos e da execução.

No plano teórico esse prazo é o ideal, porém, como já salientado, ainda que a lei

possa estabelecer alguns parâmetros para aferir se o tempo dos processos são razoáveis,

somente à luz das especificidades de cada caso concreto, com análise de todas as variáveis

capazes de influenciar no andamento do processo, é que se poderá saber se ele é ou não

moroso.

3.3 A morosidade nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: alguns dados estatísticos

Não existem muitas pesquisas ou dados estatísticos específicos e elaborados em

escala nacional com a utilização de critérios científicos acerca do tempo médio de duração

dos processos356 nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais,

Como bem observa Ricardo Quass Duarte,357 existe um paradoxo quando o

assunto é tempo do processo: “se de um lado, é notório que a Justiça é lenta e que os

processos no Brasil levam muito tempo para serem resolvidos; de outro lado, não há

comprovação científica e idônea a sustentar tal afirmação”.358

356 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em: <http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009. O autor afirma: “Se nos indagarem em que dados objetivos nos baseamos para discutir, por exemplo, o tema da duração dos processos, seremos forçados, de modo geral, a confessar que de quase nada dispomos. O gosto pelos levantamentos estatísticos rigorosos decididamente não faz parte dos hábitos culturais brasileiros, neste como em outros terrenos.” 357 DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 67. 358 Sob a coordenação dos então Desembargadores José Carlos Barbosa Moreira e Felippe Augusto de Miranda Rosa, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro realizou, em 1990, uma pesquisa sobre a duração do tempo dos processos. Apesar das limitações da pesquisa e dos dados levantados, já que fora realizada somente em varas cíveis da comarca da capital e em processos do rito ordinário e sumaríssimo (atual rito sumário), sem abranger outros tipos de procedimentos, como ações possessórias, cautelares e especiais em geral, foi possível identificar nos processos pesquisados que a maioria demorava em média dois anos para serem concluídos. Para ver o resultado completo da pesquisa consultar: BARBOSA MOREIRA, José Carlos; ROSA, Felippe Augusto de Miranda Rosa. Duração dos processos: discurso e realidade. Projeto Auto-análise do Poder Judiciário. In: Justiça: promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero-americanos. Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB - (org.); tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 379-402.

89

Todavia, no cotidiano - em especial daqueles que militam profissionalmente nos

Juizados Especiais ou quem tem ou teve alguma demanda nesses órgãos de justiça - é comum

ouvir reclamos sobre a demora nos julgamentos,359 além, é claro, dos trabalhos acadêmicos360

e doutrina especializada relatando a morosidade (também) nesse microssistema.

A pesquisa que melhor retrata o tempo de tramitação dos processos nos Juizados

Especiais Cíveis Estaduais e, talvez a única, foi feita pelo Centro Brasileiro de Estudos e

Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ - em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário, do

Ministério da Justiça – SRJ/MJ, no período compreendido entre dezembro de 2004 e fevereiro

de 2006, em nove capitais: Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, Macapá, Porto Alegre,

Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. 361

Após a instalação do Conselho Nacional de Justiça362 - CNJ -, passou-se a fazer

um estudo sobre o desempenho dos diversos órgãos da justiça de todo o país, através dos

dados estatísticos fornecidos pelos próprios tribunais,363 projeto denominado Justiça em

Números. Atualmente esse é o levantamento estatístico mais completo e detalhado, porém,

não indica o tempo médio de duração dos processos.

A morosidade no relatório do CNJ é retratada a partir da taxa de

congestionamento, que é a quantidade de processos pendentes de sentenças em relação aos

que estão em andamento. Chega-se a taxa de congestionamento fazendo a divisão do número

de sentenças que extinguem os processos pela soma do número de casos novos364 com o

número de casos pendentes de julgamento em um determinado período.365

359 Segundo Ricardo Quass Duarte existe um paradoxo: “de um lado, é notório que a Justiça é lenta e que os processos no Brasil levam muito tempo para ser resolvidos; de outro lado, não há comprovação científica e idônea a sustentar tal afirmação”. Ver maiores detalhes em: DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 64-68. 360 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 361 JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – ESTUDOS. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009. 362 Órgão do Poder Judiciário encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do próprio Poder Judiciário (art. 92, I-A e art. 103-B, ambos da Constituição da República de 1.988). 363 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em número, 2008, p. 2-4. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2009. 364 Os casos novos são considerados todos aqueles que foram protocolados ou registrados dentro de determinado período, na hipótese, dentro do ano de 2008. 365 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em número, 2008, p. 261. Disponível em <http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009.

90

Na realidade, a taxa de congestionamento é importante para avaliar o desempenho

do serviço judiciário, a sua capacidade de dar vazão aos processos recebidos, todavia, repito,

não indica a duração média dos processos.

Em muitos casos pode ocorrer de inúmeros processos estarem aguardando

julgamento há alguns anos, enquanto outros, por razões que não estão subordinadas ao

desempenho judiciário366 serem julgadas rapidamente, distorcendo uma análise mais

particularizada do tempo dos processos.367

O relatório do CNJ não indica qual é o índice ideal para a taxa de

congestionamento, e nem se pode dizer que quanto menor melhor, pois o processo também

exige um tempo mínimo antes do seu julgamento, que é o tempo necessário para assegurar as

garantias constitucionais e processuais das partes, como o devido processo legal, o

contraditório e a ampla defesa.

É por isso que a norma fala em tempo razoável. O tempo e o processo são

indissociáveis. O processo não nasce, desenvolve e termina em um tempo só.368 O tempo

também gera benefícios para o processo, pois ele é necessário para o amadurecimento da

decisão e consequentemente para sua justeza.369 Mesmo que este seja conciso em razão da

simplicidade e informalidade procedimental, o processo tem um tempo mínimo.370

Nem mesmo nos Juizados Especiais, cujo processo orienta-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º, Lei nº 9.099/95) e da concentração dos atos principais em audiência (tentativa de conciliação, oitiva das partes, colheita das provas, apresentação da defesa e prolação da sentença), é possível dispensar-se um espaço de tempo para que o processo seja concluído, pois, antes da realização da audiência, é necessário que o demandante deduza seu pedido em juízo, bem como que o demandado seja citado, com antecedência suficiente a preparar sua defesa e reunir provas em seu favor. Além disso, uma vez proferida a sentença, há um espaço de tempo necessário a que o perdedor exerça o seu

366 Acordo extrajudicial, desistência, reconhecimento imediato do pedido, extinção sem julgamento do mérito, etc. 367 Outro problema na pesquisa do CNJ é que, no caso específico dos dados estatísticos dos Juizados Especiais, não existe separação dos dados colhidos nos Juizados Cíveis daqueles colhidos nos Juizados Criminais, ou seja, a taxa de congestionamento (e os outros indicadores também) refere-se aos processos cíveis e criminais juntos, o que prejudica uma análise mais minuciosa e realista sobre os Juizados Cíveis, que é o objeto deste estudo. Também vale considerar que podem ocorrer outras distorções, como é o caso dos processos que estão suspensos por força da regra do art. 89 da Lei nº 9.099/95, que ficam constando como se estivessem em andamento sem julgamento entre o período de 2 a 4 anos. 368 DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36. 369 DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 42. 370 DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36.

91

direito de recorrer e para que a decisão seja reexaminada por um colegiado.371

O que não pode e tem que ser combatido diariamente é o tempo excessivo,

injustificado, desnecessário e prejudicial para as partes. O tempo que gera angústia, abalos

psicológicos, prejuízos materiais, etc.

De qualquer forma, pela ausência de dados mais específicos, não se pode

desconsiderar a taxa de congestionamento, pois embora ela não possa mensurar o tempo dos

processos, é um parâmetro a ser utilizado para aferir a capacidade de processamento dos

litígios encaminhados aos Juizados Especiais, o que vai refletir diretamente no tempo de

duração dos processos.

Os dados apresentados no último relatório372 do CNJ revelam que a taxa de

congestionamento dos Juizados Especiais Estaduais373 é da ordem de 50% (cinquenta por

cento)374, ou seja, metade das ações em andamento no período de estudo (2008) não foram

julgadas no mesmo ano.

Anualmente são protocolados mais de 4.000.000 (quatro milhões)375 de casos

novos nos Juizados Especiais Estaduais por todo o Brasil - média que se mantém nos últimos

cinco anos. 376

Ora, se compararmos com a justiça comum,377 percebe-se que a quantidade de

casos novos378 nos Juizados Especiais representa quase 35% (trinta e cinto por cento) do total

de casos novos daquela Justiça379 (tabela nº 1)

Nos Estados do Acre e Amapá o número de ações novas protocoladas nos

Juizados supera os números da justiça comum, ou seja, a afluência de processos é maior no

microssistema dos Juizados do que na justiça tradicional (tabela nº 1).

371 DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36. 372 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ – Justiça em Números 2008 – Disponível em <http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009. 373 Esses números referem-se aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais. 374 Houve uma pequena queda na taxa de congestionamento entre 2004 (53,7%), 2005 (50,5%), 2006 (48,9%). Em 2007 foi registrado um aumento (51,1%) e 2008 (50,6%) manteve a média dos últimos cinco anos. Fonte: Justiça em Números 2008 – Disponível em <http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009. 375 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ – Justiça em Números 2008 – Disponível em <http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009. 376 Foram 3.538.072 de novos processos em 2004; 4.073.400 em 2005; 4.161.564 em 2006 e 4.113.152 em 2007. Fonte: Justiça em Números 2008 - Série Histórica. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br >. Acesso em: 07 set. 2009. 377 Quando for utilizado o termo justiça comum, o relatório refere-se a todos os ramos da justiça Estadual. Quando constar Juizado Especial, refere-se aos Juizados Estaduais Cíveis e Criminais. 378 Processos novos que foram protocolados durante o ano em estudo – 2008. 379 Na Justiça Federal, os casos novos dos Juizados Especiais é quase o dobro da justiça comum Federal.

92

Em outros Estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e no Distrito Federal, o

volume de processos novos ajuizados anualmente nos Juizados é quase idêntico ao da justiça

comum.

A tabela nº 1 demonstra o número de casos novos nos Juizados e na justiça

comum no ano de 2008.

Tabela nº1 - Casos Novos por Estados: Juizados Especiais Estaduais e Justiça Comum

Estadual - 2008

LITIGIOSIDADE - 2008 Casos Novos nos Juizados Especiais -

1º grau

Casos Novos na Justiça Comum

Estadual – 1º grau

Acre 40.879 31.784

Alagoas 26.446 70.117

Amapá 29.493 29.098

Amazonas 44.401 80.270

Bahia 176.792 485.575

Ceará 58.288 237.414

Distrito Federal 131.674 189.768

Espírito Santo 94.711 113.829

Goiás 95.043 398.941

Maranhão 45.389 130.809

Mato Grosso 75.338 167.219

Mato Grosso do Sul 110.578 218.310

Minas Gerais 570.768 985.361

Pará 28.269 149.348

Paraíba 50.336 121.684

Paraná 214.094 678.447

Pernambuco 98.733 215.321

Piauí 20.358 87.706

Rio de Janeiro 622.426 653.170

Rio Grande do Norte 58.010 100.176

Rio Grande do Sul 566.400 1.549.287

Rondônia 40.037 125.657

Roraima 1.935 11.993

Santa Catarina 56.847 653.390

São Paulo 901.765 4.597.878

Sergipe 29.976 101.635

Tocantins 23.623 69.571

TOTAL 4.212.609 12.250.758

Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.

93

Essa expressiva quantidade de processos naturalmente provocou uma sobrecarga

nos Juizados Especiais,380 e tem reflexo direto no tempo de tramitação dos processos, e,

consequentemente, no direito de acesso à ordem jurídica justa, porquanto a celeridade no

procedimento está relacionado diretamente com a efetividade da tutela jurisdicional e a sua

demora corresponde a própria denegação da justiça.381

O relatório do CNJ ainda mostra que o número de processos novos por juiz nos

Juizados Especiais é de 4.627, enquanto para os juízes da justiça comum esse número é de

1.424. A carga de trabalho do juiz da justiça comum é de 5.277 processos, enquanto nos

Juizados Especiais esse número sobe para 9.035 processos382 (tabelas nº 2 e nº 3).

Entretanto, na justiça comum o número de magistrados é quase 10 (dez) vezes

maior que nos Juizados Especiais. Enquanto a justiça comum possui 8.603 juízes, os Juizados

somam apenas 906 juízes (tabelas nº 2 e nº 3).

É sabido que uma comparação com a justiça comum deve ser vista com muita

prudência em razão das inúmeras variáveis que os diferenciam, principalmente em relação aos

procedimentos e formalidades que não se aplicam aos Juizados.

Entretanto, fazendo um confronto somente entre o número de processos que estão

em andamento e o número de magistrados no último relatório apresentado, considerando que

os litígios nos Juizados Especiais representam quase 35% de todo o movimento forense da

justiça estadual, para haver uma equivalência com a justiça comum, seria necessário elevar o

número de juízes dos Juizados Especiais para aproximadamente 2.960 julgadores, ou seja, um

aumento da ordem de 850% (oitocentos e cinquenta por cento).

Esse comparativo demonstra a necessidade de melhor estruturar os Juizados

Especiais que, mesmo com uma grande procura pela população, não recebe investimentos

proporcionais a sua demanda.383

Apesar das diferenças apresentadas, a taxa de congestionamento, como revelado

anteriormente, nos Juizados Especiais está em torno de 50%, enquanto na justiça comum ela

380 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009. 381 TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 100. 382 Todos dados relativos ao ano de 2008. 383 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p.61-62. Esse autor constata que “Na análise dos juizados especiais brasileiros, um dos principais problemas apontados é a existência de uma distorção no tratamento dos juizados no interior dos tribunais, quando comparado com o tratamento dispensado à justiça comum. De facto, quando analisamos a parte do orçamento da justiça afectada aos juizados especiais e a comparamos com a que é atribuída à justiça comum, podemos chegar à conclusão de que os juizados especiais estão a ser vítimas de uma enorme injustiça orçamental.”

94

sobe para quase 80%, ou seja, ela é maior 60% do que nos Juizados, revelando que

microssistema atende o jurisdicionado de forma mais rápida, e, portanto, eficiente, do que na

justiça comum (tabelas nº 2 e nº 3).

Por outro lado, esse paralelo entre os dois ramos do Judiciário indica que os

Juizados Especiais estão absorvendo alguns procedimentos e a burocracia da justiça comum,

deixando de cumprir seus princípios norteadores quanto a informalidade, simplicidade,

economia processual e celeridade. Esta hipótese pode ser comprovada pela velocidade do

processamento de seus litígios, que de acordo com os números do CNJ, consegue solucionar

apenas metade dos casos novos recebidos anualmente.

As tabelas nº 2 e nº 3 resumem alguns indicadores referentes ao Juizado

Especial e justiça comum Estadual.

Tabela nº 2 - Indicadores dos Juizados Especiais Estaduais - 1º grau

LITIGIOSIDADE 2004 2005 2006 2007 2008

Casos Novos 3.538.072 4.073.400 4.161.564 4.113.152 4.212.609

Número de Sentenças 3.154.978 3.755.365 4.065.142 3.991.470 4.072.377

Casos Novos por Magistrado 4.155 4.839 4.731 4.451 4.627

Carga de Trabalho 7.707 9.250 9.063 8.832 9.035

Número de magistrados 866 839 874 924 906

Taxa de Congestionamento 53,7% 50,5% 48,9% 51,1% 50,6%

Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.

Tabela nº 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1º grau

LITIGIOSIDADE 2004 2005 2006 2007 2008

Casos Novos 9.607.571 9.434.832 10.462.176 11.437.664 12.250.758

Número de Sentenças 6.650.840 7.258.425 7.882.254 8.479.165 9.258.589

Casos Novos por Magistrado 1.257 1.179 1.259 1.343 1.424

Carga de Trabalho 4.609 4.587 4.787 5.113 5.277

Número de magistrados 7.742 8.002 8.310 8.518 8.603

Taxa de Congestionamento 80,7% 80,0% 80,2% 80,5% 79,6%

Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.

95

Em suma, os dados do CNJ revelam que os Juizados Especiais cumpriram seu

objetivo de ampliar o acesso à justiça, oferecendo uma nova arena judicial384 para solução dos

litígios de pequeno valor e menor complexidade,385 que até então não tinham acolhimento

pelas vias tradicionais da justiça, em decorrência da desproporcionalidade entre os custos do

processo (tempo, despesas processuais e honorários) e os seus possíveis benefícios386.

Também revelam que a morosidade nos Juizados pode ser atribuída a um aumento

expressivo do número de demandas para uma infraestrutura deficiente, ou seja, os dados

mostram a incapacidade dos Juizados em processar, de forma célere, os litígios que lhe são

apresentados.387

Já na pesquisa realizada pelo CEBEPEJ, específica quanto ao tempo de duração

dos processos nos Juizados Especiais Cíveis, constatou-se que o processo de conhecimento,

que engloba as fases de distribuição, audiência de conciliação, audiência de instrução,

sentença de mérito e interposição e julgamento do recurso, duraram, em média, 349 (trezentos

e quarenta e nove) dias.388 (tabela nº 4)

Quando há necessidade de execução de sentença,389 a média de duração dessa fase

é de 300 (trezentos) dias. Na soma dessas duas fases – conhecimento e execução – a duração

média é de 649 (seiscentos e quarenta e nove) dias (tabela nº 4).

A pesquisa também analisou o prazo para realização dos dois principais atos

processuais nos Juizados Especiais Cíveis, que são as audiências de conciliação e de instrução

384 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009. 385 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 4ª ed., rev. ampl. e atual., 2009, p. 14; VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 187; CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 135; FAISTING, André Luiz. O dilema da dupla institucionalização do Poder Judiciário: O caso do Juizado especial de pequenas causas em São Carlos. 99 f. Dissertação de Mestrado – Centro de Educação e Ciência Humana da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 1988; SALOMÃO, Luis Felipe. Sistema nacional de juizados especiais. Revista Cidadania e Justiça – Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 141; FARIA, Anderson Peixoto de. O Acesso à justiça e as ações afirmativas. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de Queiroz (Org.) Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p.14; CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2009. 386 O termo justiça comum ou justiça tradicional que serão utilizados com muita frequência neste capítulo correspondem a todos os outros ramos do Poder Judiciário dos Estados (cível, família, fazenda pública, criminal, etc) do 1º grau de jurisdição. 387 FERRAZ, Leslie Shérida. Uma justiça de olhos bem abertos. In: Revista Custo Brasil, ano 4 nº 20, edição abril/maio 2009. Disponível em: <http://www.revistacustobrasil.com.br/20/pdf/6.pdf>. Acesso em: 01 out. 2009. 388 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS - CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudos, p. 37. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.

96

e julgamento.390 Para a realização da audiência de conciliação o prazo médio foi de 70

(setenta) dias, enquanto a audiência de instrução e julgamento realizou-se no prazo de 189

(cento e oitenta e nove) dias391 (tabela nº 4).

A pesquisa ainda apresentou o tempo médio entre o registro do pedido na

secretaria do Juizado e a sentença de mérito, que foi de 193 (cento e noventa e três) dias, ou

seja, mais de 6 meses. Embora a diferença entre o prazo da audiência de instrução e

julgamento e o prazo para sentença seja muito pequena, é um indicativo de que a sentença não

está sendo proferida em audiência, conforme previsto no art. 28 da Lei nº 9.099/95 (tabela 4).

Tabela nº 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais

Fase do processo Dias

Audiência de conciliação 70

Audiência de Instrução e Julgamento 189

Prazo entre o pedido e a sentença de mérito 193

Processo de Conhecimento 349

Processo de Execução 300

Duração média - conhecimento e execução 649 Fonte: Elaboração própria com base nos dados estatísticos apresentados pelo CEBEPEJ.

Como foi dito anteriormente, a Lei nº 9.099/95 estabeleceu o prazo máximo de 30

(trinta) dias para o julgamento nos processos, sendo 15 (quinze) dias para a realização da

primeira audiência, e na hipótese de necessidade de uma segunda audiência, mais 15 (quinze),

momento em que será proferida a sentença (arts. 16 e 27).

No caso dos Juizados Especiais, não se pode dizer que a legislação tenha

influência negativa no tempo de duração dos processos, já que além de estabelecer um

procedimento simples, informal, com regras processuais claras e objetivas, sem previsão de

intervenção de terceiros ou recursos que possam protelar o andamento do feito, ainda

389 A pesquisa indicou que a execução de sentença ocorre em 15,3% do total de casos e em 45,7% das sentenças. Fonte: CEBEPEJ – Juizados Especiais Cíveis: estudo, p. 37. 390 A pesquisa apresentou dados referentes a todos os processos pesquisados e também para os casos que passaram por todas as fases. Optou-se por apresentar os dados dos casos que passaram por todas as fases porque ele demonstra o tempo médio de cada uma delas. 391 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS - CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudos, p. 37. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.

97

estabeleceu um prazo para sua conclusão.

Embora o prazo máximo de 30 (trinta) dias seja adequado para as causas de

competência dos Juizados Especiais - que são de pequeno valor e baixa complexidade

exigindo, portanto, uma solução rápida para não comprometer o proveito econômico esperado

com a demanda ou onerar de forma excessiva os demandantes, principalmente de baixa

renda392 -, no plano prático tem demonstrado ser exíguo.

Os números apresentados393 têm mostrado que esse prazo nem sempre é

compatível com a realidade,394 devido a fatores externos que não dependem somente da

eficiência dos Juizados, como a exemplo da grande quantidade de processos ajuizados que

sobrecarregam a pauta395 de audiência, e a dificuldade de citação e/ou intimação das partes,396

principalmente nos grandes centros urbanos, provocando sucessivos adiamentos e novos

agendamentos de audiências, comprometendo o tempo de duração do processo.

De qualquer maneira, o prazo médio de mais de 6 (seis) meses para receber uma

sentença de primeiro grau, ou de quase 1 (um) ano até o julgamento do recurso, conforme

demonstrado pela pesquisa (se houver execução o prazo se estende mais 300 dias), não é

razoável para os objetivos pelos quais os Juizados Especiais foram criados.

Certamente essa demora na entrega da prestação jurisdicional não está restrita

puramente ao elevado número de ações, sempre desproporcional ao número de juízes397 e

servidores,398 precariedade das estruturas judiciais399 ou ausência de gerenciamento,400 além

392 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20-21. 393 E a experiência também. 394 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138. 395 Pauta é o termo utilizado na prática forense para referir-se as datas e, consequentemente, o prazo para realização das audiências. 396 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 178; CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138. 397 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura e funcionamento do Poder Judiciário. In: JUSTIÇA: promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero americano. Organização Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB: tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 41- 42. 398 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79, 88-90; SALOMÃO, Luis Felipe. Sistema nacional de juizados especiais. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 141; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à justiça & efetividade do processo: a ação monitória e um meio de superação dos obstáculos? Curitiba: Juruá, 2006. 399 SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário : a quarta onda? Curitiba: Juruá, 2006, p. 162. CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113-115. 400 CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113-115; NALINI, Renato. A rebelião da Toga. - Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 12-13.

98

da carência crônica de recursos401, mas, e principalmente, pela resistência a uma “nova

filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos de interesses”402 que os Juizados Especiais

trouxeram ao mundo jurídico, com menos burocracia e mais simplicidade, em contraponto ao

formalismo tradicional do processo comum.

A pesquisadora Luciana Gross Cunha403 realizou pesquisa nos Juizados Especiais

Cíveis do Estado de São Paulo e constatou que a rotina de trabalho nas Secretarias dos

Juizados não se distingue em “nada de cartório do juízo comum. A burocracia do sistema

também pode ser notada pelos documentos e ‘peças processuais’ que compõem cada um dos

processos nos JECC, que por sua vez em nada se diferenciam de um processo do juízo

comum.”

É a mesma a constatação quanto ao trabalho dos juízes. Segundo Luciana Gross,

os números indicam que “os princípios do sistema dos juizados não são cumpridos e que

alguns procedimentos e a burocracia que atende o juízo comum são reaproveitados pelos

juizados”.

Os juízes que atuam no sistema dos juizados reproduzem a sua atuação e o papel exercido no juízo comum, o que afeta de forma definitiva o desempenho dos juizados quanto à informalidade e à simplicidade que o sistema, de acordo com a legislação, prometia imprimir nos procedimentos de solução dos conflitos.404

3.4 A audiência única, o desvirtuamento da lei e o aumento do tempo do processo

A norma prescreve que a audiência de instrução e julgamento terá início

imediatamente após a audiência de conciliação, ou seja, no mesmo ato processual, caso não

ocorra acordo ou não seja instituído o juízo arbitral (art. 27).

401 NALINI, Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 12-13; SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário : a quarta onda? Curitiba: Juruá, 2006, p. 162. CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113-115; 402 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1. 403 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115. 404 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115.

99

A audiência de instrução e julgamento somente não se realizará logo após a sessão

de conciliação se puder resultar em algum prejuízo para a defesa, a exemplo da ausência de

alguma testemunha intimada (normalmente as testemunhas são levadas pelas partes), ou outra

prova que o juiz entenda necessária e não esteja disponível naquele momento.

Nas hipóteses de adiamento da audiência, a lei determina que a sua realização será

designada para um dos quinze dias subsequentes (art.27).

Na audiência de instrução e julgamento concentram-se toda a fase instrutória,

postulatória (resposta do réu) e decisória do procedimento.405 A defesa poderá apresentar sua

resposta de forma escrita ou oral, e todos os documentos exibidos por uma das partes, a outra

se manifestará imediatamente. Não haverá adiamentos e nem interrupções, sendo que todos os

incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência serão decididos

naquele momento (art. 29).

Na contestação a parte demandada poderá alegar toda matéria de defesa, exceto

arguição de suspeição ou impedimento do juiz, que se processará na forma do Código de

Processo Civil (art. 30).

Não será admitida a reconvenção porque ela retarda o procedimento e

compromete o princípio da celeridade. Todavia, poderá o demandado apresentar pedido em

seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos que constituam objeto da controvérsia (art.

31). É a denominada ação dúplice, que permite o réu na contestação deduzir pedido

contraposto.

Não há previsão de prazo para debates orais ou apresentação de memoriais. Após

a oitiva das partes e colhida todas as provas, imediatamente deve ser proferida a sentença (art.

28), de preferência, oralmente, atendendo aos princípios da oralidade, informalidade,

simplicidade e celeridade.

Como ocorre na audiência de conciliação, o comparecimento pessoal das partes na

instrução e julgamento é obrigatório, pois mais uma vez será tentada uma solução amigável,

além de também ser uma decorrência do princípio da oralidade, que exige o contato direto do

juiz com as partes e as testemunhas, estabelecendo um diálogo entre ele, autor e réu, sem

formalismos e com simplicidade, para que possa melhor conhecer a realidade dos fatos.406

405 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 137. 406 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109.

100

A importância da audiência é tamanha que a própria lei estabelece que a ausência

do autor é causa de extinção do processo (art. 51, I) e a ausência do demandado implicará a

sua revelia, com a presunção de veracidade dos fatos alegados no pedido inicial (art. 20).

O legislador ao instituir os Juizados Especiais preocupou-se com o tempo e os

custos que os atos dispensáveis podem acarretar ao jurisdicionado, principalmente para os

mais pobres, que são as maiores vítimas dos custos do processo.407

Todo o sistema dos Juizados foi concebido com a supressão do tradicional

formalismo do processo para simplificar o seu funcionamento com o objetivo de agilizar a

prestação jurisdicional.

Como já visto no capítulo anterior, o princípio da oralidade, que é o norteador de

todo o processo nos Juizados, somente será possível com encurtamento das distâncias entre os

atos processuais para que o julgador possa ter um melhor aproveitamento das impressões

colhidas pelo contato direto com as partes e testemunhas, e que ainda estão vivas na sua

memória.408

Essa diminuição do espaço entre os atos realizados dentro do processo é alcançada

com a concentração409 de todos (ou quase todos) os atos em um único momento, isto é, em

uma única audiência de conciliação, instrução e julgamento. 410

Pelo princípio da oralidade em grau máximo, norteador do rito sumariíssimo, a audiência a se realizar há de ser uma, única e indivisível, por isso que, não obtida a conciliação, passa a audiência para a tentativa de instituição do juízo arbitral (art. 24); não prosperando, adentra-se, imediatamente, na fase de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa (art. 27). (Sem destaques no original.)411

Superada a fase conciliatória e não instituído o Juízo arbitral, diz a Lei que se passe ‘imediatamente à audiência de instrução e julgamento’, tendo em vista o princípio da concentração, pois o ideal é que todos os atos sejam

407 FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Coordenação da tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros Rós. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 125. 408 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109. 409 KOMATSU, Roque. Notas em torno dos deveres processuais dos juízes. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 702. 410 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 36. 411 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 205.

101

praticados numa única oportunidade.412 (Sem destaques no original)

Para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro413 a lei dos Juizados Especiais priorizou a

rapidez como forma de garantir a efetividade do processo. Com isso, “não obtida a

conciliação, será de imediato realizada a audiência de instrução e julgamento [...]”.

Guilherme Bollorini Pereira,414 ao sustentar, no mesmo sentido, a necessidade de

concentração dos atos processuais, diz que o ideal “é que à sessão de conciliação, caso resulte

infrutífera, deve se seguir a audiência de instrução e julgamento [...]”.

Candido Rangel Dinamarco,415 em artigo comentando a Lei dos Juizados de

Pequenas Causas de 1984, já advertia sobre a necessidade da realização simultânea das

audiências, caso não houvesse acordo na audiência de conciliação, recomendando que nessa

hipótese a “fase instrutória do procedimento terá lugar imediatamente, instalando-se a

audiência logo em seguida à conciliação mal sucedida [...]”. E ainda completa que, depois de

instalada a instrução, “não haverá adiamentos nem interrupções da audiência.”

A própria Exposição de Motivos do anteprojeto da antiga Lei nº 7.244/84, que

criou o Juizado de Pequenas Causas, precursora da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados

Especiais, demonstrava claramente a intenção de fosse realizada uma única audiência:

[...] a celeridade do processo motivou o estabelecimento de ato único, onde se devem desenvolver todas ou quase todas as etapas pertinentes à exposição, instrução e julgamento da causa, isto é, a sessão de conciliação e julgamento. Nessa sessão única as partes são ouvidas e é tentada sua conciliação; são colhidas todas as provas e, enfim, é proferida a sentença. Praticamente, só se realizam fora desta sessão os atos concernentes à apresentação da petição inicial e à citação do réu ou intimação de testemunhas [...]416 (Sem destaques no original.)

412 FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 2007, 3ª ed., p. 302. 413 CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública : uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 122-123. 414 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis: questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2004, p. 178. 415 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 136-137. 416 Exposição de Motivos nº 007, de 17 de maio de 1983, do anteprojeto de lei que dispõe sobre a criação do Juizado Especial de Pequenas Causas, apresentado pelo então Ministro de Estado Hélio Beltrão, Coordenador e Orientador do Programa Nacional de Desburocratização Hélio Beltrão. In: BONFIM, B. Calheiros. Juizados de pequenas causas – 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1995.

102

Como já ficou assinalado alhures, a Lei nº 9.099/95 disciplinou que após o

registro do pedido na Secretaria do Juizado, será designada a sessão de conciliação a realizar-

se no prazo de 15 (quinze) dias. Se não ocorrer a autocomposição das partes, e estas não

optarem pelo juízo arbitral (que definitivamente não foi institucionalizado nos Juizados), deve

ser realizada, imediatamente, a audiência de instrução e julgamento, ou seja, a conciliação, a

instrução e o julgamento se farão em uma única audiência (arts. 16 e 27).

Além dessa determinação legal, os princípios da oralidade, simplicidade,

informalidade, economia processual e celeridade possibilitam um procedimento

descomplicado, desburocratizado, sintético, sem formalismo excessivo que possa

comprometer a agilidade na entrega da prestação jurisdicional. A previsão de uma única

audiência para conciliação, instrução e julgamento é uma decorrência desses princípios que

orientam os Juizados Especiais.

Entretanto, na prática forense,417 conforme demonstrado pela pesquisa realizada

pelo CEBEPEJ,418 a lei e os princípios norteadores dos Juizados Especiais Cíveis estão sendo

sacrificados, já que a regra de uma única audiência cedeu lugar para o agendamento de duas

audiências419 em datas distintas, comprometendo a presteza na tramitação do processo, que

era uma das promessas mais alvissareiras da Lei 9.099/95.420

Esse desvirtuamento da lei acontece desde o momento inicial, quando feito o

registro do pedido na Secretaria do Juizado é designada data para realização apenas da

audiência de conciliação. Realizada essa, não ocorrendo acordo, faz-se designação de nova

417 REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Juizados especiais cíveis: comentários à Lei nº 9.099/95. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 1999, p. 161; FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 3ª ed., 2007, p. 303; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais – São Paulo: Saraiva, 9ª ed. rev. e atual., 2007, p. 175; CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 122-180. 418 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, p. 85, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 122-180. 419 Athos Gusmão Carneiro lembra que a audiência pode ser um fator de retardamento do processo. Vide a respeito em: CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 5-6. 420 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 180.

103

audiência para instrução e julgamento em data (muito) posterior421, tendo as partes que

aguardarem meses para apresentarem suas provas.

O procedimento que deveria ser sumariíssimo,422 com a concentração das

audiências e um único ato, é transformado em procedimento comum ordinário,423 que é

excessivamente longo, exigindo a designação de uma primeira audiência “preliminar” para

tentativa de conciliação, e não sendo obtido o acordo, marca-se outra data para audiência de

instrução e julgamento (art. 331, § 2º, CPC).

Esse artifício de realizar duas audiências produz prejuízos para o jurisdicionado,

já que retarda a sua “saída” do Poder Judiciário,424 sendo que o tempo de espera para as partes

apresentarem suas provas quase triplica (item 3.3, tabela 4: conciliação, 70 dias; instrução e

julgamento, 189 dias), aumentando os desgastes naturais de uma batalha jurídica e anulando

os benefícios adquiridos pela conquista do acesso formal à justiça.

O divórcio das audiências representa a absorção do formalismo e da burocracia

inerente ao processo civil tradicional,425 que acabam sendo reproduzidos pelos juízes na sua

atuação nos Juizados, ficando comprometida a celeridade na resolução dos conflitos que a Lei

pretendia imprimir.

Mauro Cappelletti e Bryan Garth426 já advertiam sobre a possibilidade dos

“tribunais” de pequenas causas, que foram criados para serem mais rápidos, incorporar as

solenidades do processo ordinário, tornando-se, “quase tão complexos, dispendioso e lentos

quanto os juízos regulares (devido, particularmente, à presença dos advogados e à resistência

dos juízes em abandonar seu estilo de comportamento tradicional, formal e reservado).”

421 Item 3.4, tabela 4. 422 A Constituição da República de 1988, além de enfatizar a utilização do procedimento oral, ainda estabeleceu que ele deve ser “sumariíssimo.” (art. 98, I). 423 O procedimento ordinário é seguido de acordo com as “regras gerais e comuns a todo processo judicial, sem qualquer alteração ao que está estabelecido para o comum ou geral das ações. [é] a marcha processual para todas as causas, a que não se atribua rito especial ou próprio.” SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico . Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 988-989. 424 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 125 e 180. 425 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138. 426 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 96-97.

104

Nesse aspecto se insere a advertência do professor Kazuo Watanabe427 de que os

Juizados Especiais instituíram não somente um novo tipo de procedimento, e sim um

“conjunto de inovações, que vão desde nova filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos

de interesses até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”. O Juiz mais ativo e

menos formal é uma característica básica dos Juizados Especiais.428

Os aplicadores do direito, em particular o juiz que administra o processo, é

precisam “rever integralmente velhos conceitos de direito processual e [...] antigos hábitos

enraizados na mentalidade dos profissionais, práticas irracionais incompatíveis [...]”429 com a

moderna processualística e com o juiz contemporâneo.430

Na arguta advertência de Dinamarco, é preciso um “novo método de pensamento”

dos estudiosos e aplicadores do direito, deixando de lado o excessivo formalismo “e abrindo

os olhos para a realidade da vida que passa fora do processo”. 431

Entre os deveres processuais de direção do processo, cabe ao juiz eliminar os

trâmites desnecessários, que impedem a agilização da conclusão do feito.432 O próprio Código

de Processo Civil estabelece o dever do juiz “velar pela rápida solução do litígio.” (artigo 125,

II, CPC.), adotando medidas para racionalizar, otimizar, inovar e melhor aproveitar o aparato

legal para a solução de conflitos sem prolongamentos desnecessário.

O juiz é o administrador do processo433 e, portanto, principal responsável pelo

tempo de duração do mesmo. Ao juiz cabe a tarefa de assegurar o cumprimento dos atos e

procedimentos processuais previstos na lei, não permitindo qualquer desvio que possa

prejudicar o regular andamento do feito, “pois os bons resultados de uma boa lei dependem

fundamentalmente dos homens que se disponham a dar-lhes adequada atuação.”434

427 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos juizados especiais de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1. 428 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 103. 429 DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 1. 430 NALINI, Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 146. 431 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo – 13ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 320. 432 KOMATSU, Roque. Notas em torno dos deveres processuais dos juízes. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 718. 433 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O juiz como administrador do processo. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 735. 434 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 107.

105

Os juízes que atuam nos Juizados Especiais precisam estar atentos para os reais

escopos da Lei, e menos apego às formas, “sabendo criar soluções ágeis e adequadas às

situações que se apresentem, recusando-se denotadamente a cair em rotinas formais do

processo tradicional”.435

Os juízes que atuam no sistema dos juizados reproduzem a sua atuação e o papel exercido no juízo comum, o que afeta de forma definitiva o desempenho dos juizados quanto à informalidade e à simplicidade que o sistema, de acordo com a legislação, prometia imprimir nos procedimentos de solução dos conflitos.436

Todo o procedimento nos Juizados Especiais tem por fundamento a eliminação de

atos inúteis e a flexibilização de todos os atos necessários,437 abolindo o formalismo para que

o processo atinja seu objetivo mais rápido, sem ritualismos dispensáveis ou formas pré-

estabelecidas.

Com esse entendimento, Cândido Rangel Dinamarco lembra que:

Os juizados são filhos de um movimento desburocratizador que se instalou no país na década dos anos oitenta, com a idéia de que as complicações e formalismos processuais constituem inexplicáveis e ilegítimos entraves ao pronto e efetivo acesso à ordem jurídica justa.438

Os juízes devem ser sensíveis e ativos para ajustar a lei às necessidades do homem

comum, que precisa de uma justiça rápida, simples e de baixo custo.439 Como a opção pelos

juizados é facultativa, se fosse do interesse do demandante uma procedimento mais complexo

e longo, certamente ele teria optado pelo juízo comum.

435 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 107. 436CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115. 437 DINAMARCO, Cândido Rangel. Os juizados especiais e os fantasmas que os assombram. In: Fundamentos do processo civil moderno. Tomo II, 5ª edição rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 1427. 438 DINAMARCO, Cândido Rangel. Os juizados especiais e os fantasmas que os assombram. In: Fundamentos do processo civil moderno. Tomo II, 5ª edição rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 1427. 439 CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 93-94.

106

Os dados demonstram que a realização de audiências em dias distintos tem

onerado a duração do processo. Na pesquisa realizada pelo CEBEPEJ440 constatou-se que das

nove capitais pesquisadas, apenas no Rio de Janeiro441 foi institucionalizada a prática de

unificar a audiência de conciliação em instrução e julgamento,442 “diminuindo sobremaneira o

tempo de duração dos processos” reduzindo para 3 (três) meses o tempo até o seu

julgamento.443

Isso demonstra que não é apenas nos Juizados ou comarcas com pequeno

movimento que a audiência única é possível de ser implementada. No Rio de Janeiro o

movimento processual nos Juizados somente é menor do que no Estado de São Paulo.444

Outra comprovação prática da viabilidade da concentração das audiências foi o

projeto denominado Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira

realidade, desenvolvido na cidade de Quixadá, no Ceará, que concorreu ao III Prêmio

Innovare: a justiça do século XXI.445

Esse projeto consiste, como o próprio nome diz, na realização de audiência una,

ou seja, na realização da audiência de instrução e julgamento imediatamente após a audiência

de conciliação frustrada. Ele foi idealizado exatamente pela constatação de que nos Juizados,

em regra, acontecem duas audiências em datas distintas.

De acordo com a juíza Ijosiana Cavalcante Serpa, responsável pelo projeto, a

medida possibilitou a redução do tempo de tramitação dos processos em média até 60

(sessenta) dias.

No Estado de Goiás, a juíza Geovana Mendes Baia Moises, então titular do

Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de São Luis dos Montes Belos, passou a

utilizar o procedimento com audiência única em novembro de 2006, com redução

440 JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – ESTUDOS. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009. 441 Durante a realização deste trabalho, enviei, via e-mail, questionário para os juízes titulares e substitutos com atuação nos Juizados Cíveis no Estado de Goiás (Estado que exerço a judicatura), sendo que das respostas obtidas, 86,7% dos juízes não utilizam o procedimento com audiência única. 442 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br> Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 125 e 180. 443 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009. 444 Item 3.4, tabela 1. 445 Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/innov/propostas/verBanco/3/612 >. Acesso em: 23 set. 2009.

107

considerável no tempo de tramitação dos processos. Transcrevo parte da entrevista realizada

com a Dra. Geovana Baia e os números por ela apresentados:

Antes as audiências eram realizadas em duas etapas, a primeira de conciliação e, caso não ocorresse o acordo, era designada a audiência de instrução e julgamento que distava de 3 a 4 meses da audiência de conciliação. Em novembro de 2006 foi implantado o sistema de convolação de audiências. Este sistema realiza num só dia as audiências de conciliação e instrução e julgamento, ou seja, caso não obtida a conciliação, as partes já passam para a sala de instrução e julgamento onde será procedida a instrução e proferida a sentença. Com este novo método a duração dos processos reduziu em muito.[...] O resultado é muito satisfativo, pois no sistema antigo a duração dos processos em sua maioria era superior a 7 meses, com o novo método a duração média de processos é de 3 meses. [...] A prolatação de sentença durante a audiência também é ato que economiza em muito do prazo processual, uma vez que as partes são intimadas da sentença na própria audiência, dispensando conclusões e intimações por parte das escrivanias. [...] A duração razoável de um processo nos Juizados cíveis é de três meses. Muito embora o índice mais acentuado de duração seja de dois meses é preciso considerar os casos em que a parte ré reside em outra comarca o que deverá distanciar um pouco a audiência convolada, mas não poderá ser mais de três meses do protocolamento da inicial.

Essa medida não requer qualquer alteração legislativa, ao contrário, ela apenas

segue estritamente o que foi determinado pela lei. O rito com uma única audiência é a regra

nos Juizados. A exceção para a realização de duas audiências já está prevista na própria lei, no

caso, quando houver prejuízo para a defesa, ou seja, alguma situação que impeça a colheita de

toda a prova em uma única audiência (art. 27), ou, no caso do réu apresentar pedido

contraposto, a critério do autor, poderá ser designada nova data (art. 31, parágrafo único).

Atualmente a tendência no direito processual, mesmo no procedimento comum

ordinário, é a sumarização do processo,446 com audiência una para todos os procedimentos, a

exemplo do que aconteceu nas alterações legislativas da Lei de Tóxicos (Lei nº 11.349/06), do

processo penal, inclusive nos procedimentos do júri, (Leis nº 11.689/08 e 11.719/08), e no

processo trabalhista (Lei nº 9.957/2000).

Os Juizados Especiais não podem caminhar no sentido contrário. Com muito

maior razão, pela própria essencial dos Juizados - que foram idealizados para dirimir, com

446 ZANDERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Tendência universal de sumarização do processo civil e a busca da tutela de urgência proporcional. 310 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.

108

rapidez e baixo custo, matérias simples, corriqueiras do dia a dia do cidadão comum, de

pequeno valor econômico e baixa complexidade, ao contrário do processo penal, por

exemplo, que tutela bem jurídico como a liberdade -, não há razão alguma a ele imprimir um

rito destinado à tutela dos conflitos de alta complexidade probatória.

A previsão de uma única audiência coaduna com a finalidade primordial dos

Juizados Especiais de facilitar o acesso à justiça, que tem como um dos seus aspectos mais

relevantes a questão do tempo.447

Não é por outra razão que os Juizados Especiais são orientados por princípios que se

destinam a ter o máximo de resultado na aplicação da lei com o mínimo de atividades

processuais,448 buscando sempre que possível concentrar em ato único e indivisível,449 a

tentativa de conciliação, a instrução processual e o julgamento, para não atrasar o término do

processo e eliminar de forma mais rápida os conflitos surgidos no meio social, impedindo a

sensação de injustiça e contribuindo para mitigar o fenômeno da litigiosidade contida.450

Em que pese os dados estatísticos apresentados demonstrarem um excessivo

número de demandas nos Juizados Especiais para um reduzido contingente de juízes, o que

implica uma demasiada carga de trabalho e consequente superlotação da pauta de audiências,

o fracionamento das audiências de conciliação, instrução e julgamento não trazem qualquer

benefício para o desenvolvimento do processo.

Nesses casos, a fragmentação das audiências em datas diferentes serve apenas

para aliviar momentaneamente o trabalho do juiz - já que a primeira audiência será presidida

por conciliador -, e passar a impressão para as partes e seus advogados de que “o processo

está andando”, aliviando a pressão sobre o julgador para “despachar” rápido, pois após

designada uma audiência para tentativa de um acordo, nenhuma outra atividade processual

será praticada antes da sua realização.

447 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20; MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e princípio da igualdade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2006, p. 77; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à justiça & efetividade do processo: a ação monitória e um meio de superação dos obstáculos? Curitiba: Juruá, 2006, p. 52; MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010, p. 53; ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 181 - 206. 448 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 18. 449 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 207. 450 DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 110.

109

Conquanto não haja outros estudos e pesquisas sobre o procedimento de realizar

mais de uma audiência nos Juizados, em qualquer cenário, seja em um Juizado Especial de

uma pequena comarca do interior com reduzido número de ações, ou de uma grande capital,

como no caso do Rio de Janeiro,451 com um número expressivo de demandas, a realização de

duas audiências tende apenas a prolongar o tempo de espera pela decisão definitiva do

processo.

Essa conclusão é até mesmo por uma questão lógica, pois não há possibilidade de

prazo menor na conclusão do processo quando é necessário um lapso de tempo maior para a

realização de duas audiências.

Observe na tabela nº 4, do item 3.2.1, que o prazo que o processo fica parado na

Secretaria do Juizado esperando a data para realização da segunda audiência (119 dias) é

maior do que o prazo para realização da audiência de conciliação (70 dias), que poderia ser

convolada imediatamente em instrução e julgamento, reduzindo o tempo de espera452 que o

processo fica na prateleira aguardando o dia para a realização de outro ato processual.

O rito previsto na Lei dos Juizados é simples e célere. Se ele está se tornando

complexo e moroso é pela predisposição de assemelhá-lo ao rito do processo civil. Desse

modo, não há concentração dos atos, economia processual e celeridade se a audiência se

multiplica (mais de uma audiência) ou se divide (adiamento), frustrando a própria essência

dos Juizados e sua razão de ser.

451 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 180. 452 Tempo que os autos ficam na Secretaria do Juizado parado esperando a próxima rotina a ser realizada (juntada, publicação, conclusão, etc) ou a próxima audiência. Fonte: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ e Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - DIREITO GV. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília/DF, 2007, p. 24. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009.

110

4 SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA ÚNICA

Não obstante a implementação da prática da audiência única nos Juizados

Especiais Cíveis ser algo relativamente simples, não necessitando, como dito, de qualquer

alteração legislativa ou elaboração de norma para este fim, porquanto a regra expressa é o rito

“sumariíssimo” com uma única e indivisível audiência, algumas providências administrativas

podem ser executadas para operacionalizar com sucesso o procedimento e evitar o adiamento

ou a necessidade de cisão das audiências, impedindo com isso, que a exceção (duas

audiências), não se torne regra.

Consoante já demonstrado, a lei prevê somente duas hipóteses em que a audiência

de instrução e julgamento não se realiza imediatamente após a tentativa frustrada de

conciliação: quando resultar prejuízo para a defesa, ou, a pedido do autor, para responder ao

pedido contraposto do réu.

Na primeira hipótese, o prejuízo para a defesa pode ficar evidenciado quando

houver alguma circunstância que impeça a colheita de toda a prova em uma única audiência,

como exemplo, a ausência justificada de testemunha, necessidade de prova pericial não

complexa, a realização de inspeção de coisas ou pessoas pelo próprio juiz e outras razões do

mesmo gênero, mas desde que a parte apresente razões fundamentadas, pois, sempre é salutar

repetir, a regra é a concentração dos atos num único momento processual453 (art. 27).

Na segunda hipótese, no caso do demandado apresentar pedido em seu favor, o

autor poderá solicitar a designação de outra data para realização de audiência de instrução e

julgamento, quando apresentará resposta ao pedido do autor (art. 31, parágrafo único).

Essa hipótese também é exceção, pois o próprio autor tem interesse (em regra)

que a questão se resolva rapidamente e somente em circunstâncias excepcionais, ele faz

requerimento de prazo para responder.

4.1 Nota sobre a estrutura e o aparelhamento dos Juizados

453 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis. In: TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed. reform., atual. e ampl., 2005, p. 228.

111

Para o melhor sucesso de qualquer proposta que tenha a finalidade de solucionar o

problema da lentidão na entrega da prestação jurisdicional, a estrutura do Poder Judiciário

está diretamente relacionada,454 exigindo uma correlação entre o número de processos e o

número de juízes455 e servidores.456

Sem esse equilíbrio, a carga de trabalho é um elemento impeditivo para a

celeridade dos processos.457 A própria Constituição da República previu no art. 93, inciso

XIII, que para efetivar a prestação jurisdicional em tempo razoável é preciso que existam

juízes em número proporcional a quantidade de processos e a respectiva população.458

Acresce-se a isso, a carência de estrutura física e de equipamentos. Aliás, o

problema da estrutura deficiente no Judiciário é notório,459 embora deva-se reconhecer, tem

melhorado muito nos últimos anos, principalmente em Estados como o Rio de Janeiro e

Goiás, que dispõem e administram recursos próprios provenientes das taxas e custas

judiciárias, não dependendo do Poder Executivo para financiar suas despesas de custeio.

Por considerar que na maioria dos Juizados460 a carência461 de recursos humanos e

materiais462 é um fato,463 a presente proposta não inclui fazer sugestões sobre a composição

454 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 32. 455 “[...] problemas nos juizados especiais estaduais; as instalações são precárias e o número de juízes e magistrados é insuficiente.” In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p.61-62. 456 A celeridade no trâmite processual também encontra limite na capacidade humana de produzir. 457 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura e Funcionamento do Poder Judiciário no Brasil. In: JUSTIÇA: promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero americano. Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB - (org.); tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 41. 458 Art. 93, XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população. 459 Para José Carlos Barbosa Moreira é “Impossível falar de melhora na qualidade do serviço judiciário sem aludir à necessidade de utilização mais intensa dos modernos recursos tecnológicos. [...] Tampouco se põe em dúvida a habitual insuficiência dos orçamentos destinados à Justiça. Está longe de implementar-se plenamente a promessa constitucional de autonomia financeira; e aparelhar órgãos judiciais para o desempenho eficaz de suas funções nunca se incluiu entre as preocupações mais fortes de nossos administradores. Há um déficit crônico, que remonta a épocas já distantes, e não se conseguirá suprir da noite para o dia.” In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em: <http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em 12 dez. 2009; No mesmo sentido da crônica deficiência da estrutura material e pessoal do Judiciário ver: SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário : a quarta onda? Curitiba: Juruá, 2006, p. 161-178; ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 62. 460 “De um modo geral, há deficiências nas infra-estruturas material e pessoal, e até mesmo nas instalações, o que está a exigir, em cada unidade da Federação, uma avaliação completa desses Juizados e um investimento corajoso na melhoria desse importante canal de acesso à justiça.” In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. Brasília/DF, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009. 461 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p.61-62. Esse autor constata que “Na análise dos juizados especiais brasileiros, um dos principais

112

ideal de servidores464 e recursos tecnológicos necessários para que se tenha um desempenho

satisfatório.

Como o objetivo é apresentar um método prático e simples para implantação da

audiência única, não há necessidade de alteração no quadro de pessoal ou equipamentos,

sendo possível aproveitar a estrutura existente, sem qualquer acréscimo - a despeito da falta

de uma estrutura material e pessoal adequada e da multiplicação de demandas -,465 a adoção

da audiência única vai contribuir para a agilidade do procedimento em qualquer cenário,

mesmo que as condições de trabalho sejam precárias.

4.2 Informações imprescindíveis aos litigantes

problemas apontados é a existência de uma distorção no tratamento dos juizados no interior dos tribunais, quando comparado com o tratamento dispensado à justiça comum. De facto, quando analisamos a parte do orçamento da justiça afectada aos juizados especiais e a comparamos com a que é atribuída à justiça comum, podemos chegar à conclusão de que os juizados especiais estão a ser vítimas de uma enorme injustiça orçamental.” 462 A pesquisadora Luciana Gross Cunha, realizou, em 2004, pesquisa nos Juizados Especiais paulista para saber sobre a sua realidade, constatando, entre outras coisas, que “Apesar da ampliação do sistema, não houve a integração dos juizados na organização da Justiça do Estado, nem a criação de estrutura, como varas e cargos próprios para os juizados. Em São Paulo, os juizados ainda não fazem parte da estrutura do Poder Judiciário estadual, não dispondo de varas próprias, de cargos, nem de juízes nomeados. Os juízes que atuam nos juizados paulistas não são juízes titulares, podendo, a qualquer momento, ser transferidos por designação da presidência do Tribunal de Justiça.”. In: CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79. 463 A carência estrutural dos Juizados Especiais em todo o Brasil levou o CNJ a editar a Recomendação nº 4, de 30 de maio de 2006, que recomenda aos Tribunais de Justiça contemplar verba específica no orçamento do Poder Judiciário destinada aos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em: 14 dez. 2009. 464 CR/88, art. 93, inciso XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório.” O constituinte derivado parece ter se inspirado na norma processual contida no art. 162 § 4º do CPC (Lei nº 8.952/94) que prevê a possibilidade dos servidores executarem de ofício atos como a juntada e a vista obrigatória. Esse preceito constitucional inequivocamente leva em consideração a necessidade de descentralização e desburocratização das rotinas cartorárias com o claro objetivo de assegurar maior rapidez ao desenvolvimento do processo, além de preservar a capacidade decisória dos juízes, evitando o seu desperdício de tempo e energia com despachos sem conteúdo axiológico que podem ser executados pelos servidores judiciais. 465 “O simples aumento da população, que entre nós nada faz crer que se detenha a curto prazo, já seria, por si só, causa de sobrecarga de trabalho. Nem se trata, apenas, de levar em conta a progressiva elevação do número de habitantes: na verdade, à medida que se vão disseminando o conhecimento dos direitos, a consciência da cidadania, a percepção de carências e a formulação de aspiração, correlatamente emerge, na população já existente, a demanda até então contida, sobe a percentagem dos que pleiteiam, reclamam, litigam: e, por maior relevância que possam assumir outros meios de solução de conflitos, seria perigoso apostar muito na perspectiva de um desvio de fluxo suficiente para aliviar de modo considerável a pressão sobre os congestionados canais judiciários.” In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em: <http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009.

113

A primeira providência a ser tomada para evitar as hipóteses de adiamento da

audiência acima explanadas será fazer constar do mandado de citação do réu e da intimação

da parte autora, em linguagem simples e objetiva, as seguintes informações:

a) a audiência de conciliação, caso não seja obtido acordo, será convertida imediatamente em

audiência de instrução e julgamento (art. 27), momento em que o réu deverá apresentar

resposta ao pedido do autor (oral ou escrita) e apresentar todos os documentos e provas que

julgar necessários para provar o seu direito (arts. 28 e 33);

b) as testemunhas, até o número de três para cada parte, deverão comparecer na audiência

levadas pela própria parte que as tenha arrolado, ou apresentar requerimento na Secretaria do

Juizado para intimação judicial daquelas que não comparecerão voluntariamente, com

antecedência mínima de cinco dias da audiência (art. 34);

c) a ausência do réu poderá dar ensejo a sua revelia, considerando como verdadeiro os fatos

apresentados pela parte autora (art. 20). A ausência do autor extinguirá o processo, com a sua

condenação nas custas processuais (art. 51, I, § 2º);

d) é facultada a assistência de advogados para as causas de até vinte salários mínimos (art. 9º),

ou seja, as partes não são obrigadas a comparecerem acompanhadas de advogado, podendo

fazer a sua defesa oralmente, sem rigor técnico, da mesma forma que é possível a parte autora

formular o seu pedido diretamente na Secretaria (art. 14, §3º c/c art. 30).

e) sendo necessário, a parte que não tiver condições financeiras de contratar advogado, poderá

requerer assistência judiciária gratuita, que será deferida pelo juiz.

4.3 Organização e planejamento das rotinas administrativas

Feitas essas comunicações às partes, a Secretaria do Juizado deverá atentar para

que o réu seja citado com tempo hábil para preparar sua defesa.

Joel Dias Figueira Júnior466 sustenta que, fazendo a combinação do prazo

estabelecido na 2ª parte do art. 16 - que determina que a audiência seja realizada no prazo de

15 dias -, com o prazo do § 1º do art. 34 - que estabelece o mínimo de 5 dias para

apresentação do rol de testemunhas na Secretaria -, entende que o correto seria o réu ser

466 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 243.

114

citado com pelo menos 10 dias de antecedência da audiência designada, prazo suficiente para

preparar sua defesa.

Já Luiz Fux467 advoga a tese de que como as partes dispõem de 5 dias antes da

audiência para apresentar o devido rol, presume-se que esse seja o prazo mínimo entre a

citação e a realização da audiência, até porque a defesa pode ser feita oralmente durante a

audiência.

Essas questões devem ser observadas pela Secretaria do Juizado. Parece estar com

a razão o entendimento de Figueira Júnior, pois embora o tempo seja inimigo do processo e

do princípio da celeridade, ele é também um componente essencial ao princípio do

contraditório e da ampla defesa e fundamental para a segurança jurídica.

Na prática, somente em raríssimas exceções consegue-se designar audiências no

prazo de 15 dias estabelecido na lei. Mas, de qualquer maneira, para evitar adiamentos ou

prejudicar o direito de defesa, é prudente a Secretaria do Juizado ficar atenta para o lapso

temporal entre a data da citação do réu e o dia da audiência.

Mesmo porque, se for necessário a parte requerer a intimação das testemunhas, e

não houver tempo hábil, não será possível realizar a audiência de instrução e julgamento

imediatamente após a tentativa frustrada de conciliação, o que ocasionaria retrabalho à

Secretaria.

Como qualquer rotina administrativa cartorária, a Secretaria do Juizado deve

sempre conferir os processos que estão aguardando audiência com alguns dias de

antecedência, verificando se todas as partes e testemunhas foram intimadas, se não há

nenhuma pendência para ser resolvida antes da audiência e que possa resultar no seu

adiamento.

Outro procedimento administrativo importante e que tem resultados positivos é a

instituição de pautas temáticas, ou seja, a designação de data de audiência para resolução de

processos que envolvam questões iguais ou semelhantes.

O ato que consome maior tempo da audiência é a oitiva de testemunhas. Por essa

razão, não é possível designar muitas audiências para um único dia, pois pode acontecer de

não se conseguir realizar um número expressivo de acordos, e consequentemente, ser

necessário converter a audiência de conciliação em instrução e julgamento, tendo que ouvir

um grande número de testemunhas e não haver tempo hábil.

467 FUX, Luiz. Juizado Especial Cível. In: BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 225-226.

115

Porém, nos Juizados uma grande parte das demandas não necessitam da produção

de prova oral (oitiva de testemunhas ou inquirição de técnicos), sendo o direito das partes

comprovado exclusivamente por prova documental, envolvendo matéria unicamente de

direito ou sendo de fato e de direito, e não houver necessidade de produzir prova oral, a

exemplo das questões que discutem cláusulas contratuais, cobrança indevida por parte de

empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, alguns caso de dano

moral e de direitos do consumidor em geral.

Assim, pode-se estabelecer previamente um dia na semana ou quinzenalmente -

isso vai depender do fluxo de demandas - para os casos que, em princípio, não exigem

produção de prova em oral.

Com essa medida, tendo em vista que não haverá necessidade de ouvir nenhuma

testemunha, as audiências são mais ligeiras e consequentemente, pode-se realizar uma

quantidade maior em um mesmo dia.

Esse planejamento de pautas por temas ainda favorece que o juiz sentencie um

maior número de processos ao final da audiência,468 já que, além de estar viva na sua memória

os fatos relatados durante a instrução, facilita ao julgador fazer um estudo prévio das questões

que serão discutidas naquela pauta, visto que os temas são relacionados. Assim, o juiz pode (e

deve) já colacionar doutrina e jurisprudência, inclusive preparar minutas de sentença, sobre os

temas em julgamento, para, se for o caso, já proferir a sentença469 ainda na audiência.

Outra medida que pode ser adotada é fazer uma triagem dos processos que

comportam julgamento antecipado. Durante a audiência de conciliação, se os litigantes não

chegarem a um acordo naqueles casos que envolvem matéria unicamente de direito, o

conciliador indaga das partes se elas desejam realizar a audiência de instrução e julgamento

com o juiz para uma nova tentativa de conciliação, ou se desejam o julgamento antecipado.

É muito comum algumas empresas adotarem a estratégia de não realizarem

acordos,470 o que inviabiliza qualquer tentativa de composição na audiência de conciliação ou

468 No entendimento de Joel Dias Figueira Júnior, no procedimento sumariíssimo, atendendo ao princípio da oralidade, o juiz deve decidir em audiência, mesmo porque, a lei não prevê a hipótese dos autos serem conclusos para o juiz sentenciar em seu gabinete com maior tranquilidade. Para o autor, essa prática reprovável é herança do antigo Direito Lusitano, cuja tradição terminou por incorporar-se na praxe forense brasileira. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis. In: TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed. reform., atual. e ampl., 2005, p. 230-232. 469 Art. 38 - A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório. 470 A pesquisadora Leslie Ferraz, que participou da pesquisa realizado pelo CEBEPEJ, sobre os Juizados Cíveis, narra em sua tese de doutorado entrevista que realizou com um advogado de um escritório especializado em contencioso de massa de grandes empresas, com atuação predominantemente nos Juizados Especiais, que muitas

116

mesmo na audiência de instrução e julgamento, independentemente do preparo e habilidade

do conciliador ou do juiz.

Assim, havendo a concordância de ambas as partes, o processo é encaminhado

diretamente para julgamento, sem necessidade de realizar outra audiência. Essa medida alivia

a pauta do juiz para que ele dispense tempo somente com aqueles casos em que realmente

existe a possibilidade de realizar uma autocomposição entre os litigantes, e ainda nos casos

que exige a colheita da prova oral.

Quando for imperiosa a produção de prova oral, o depoimento pessoal das partes e

das testemunhas poderá ser gravado em fita magnética ou equivalente, conforme faculta a Lei

dos Juizados Especiais (art. 13 § 3º), principalmente levando em consideração que o art. 36 da

Lei nº 9.099/95, diz que a prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir,

no essencial, os informes trazidos nos depoimentos.

Com esse procedimento, o desenvolvimento da audiência é muito mais ágil, pois

sem a necessidade de fazer qualquer registro escrito (na prática, o que se tem visto é a

transcrição integral do depoimento da testemunha em termo próprio - outra consequência do

formalismo herdado do juízo comum), o tempo despendido é muito menor,471 já que não há

necessidade do juiz ficar ditando a resposta das partes e testemunhas para o escrevente digitar

no termo de audiência.

Além disso, a prova da oral em mídia digital propicia uma maior efetividade do

princípio da oralidade, sendo que com a gravação não há qualquer deformação no depoimento

prestado, que é registrado integralmente, sem interrupções (no sistema ditado com registro

escrito atrapalha o raciocínio e a exposição do depoente), com toda riqueza de detalhes,

adotam essa lógica de não fazerem acordo para não abrir precedentes e assim não estimular a propositura de mais demandas. Nas palavras do advogado entrevistado, “Se um acordo acontece, é por acidente, por descuido ou por medo do advogado local de que o juiz sentencie contrariamente. Mas esses são casos isolados e patológicos; a regra é que as grandes empresas não façam acordo, sobretudo se for uma demanda de consumo repetitiva, que é a esmagadora maioria dos casos.” E o advogado continua com a seguinte afirmação: “Vou te dar um exemplo de um caso importante, envolvendo uma grande empresa de cartão de crédito e um banco, que utilizavam uma prática considerada abusiva: se o titular do cartão fosse correntista e não pagasse a fatura do cartão no dia do vencimento, o saldo mínimo da fatura era debitado de sua conta corrente. Mesmo que seja uma prática discutível, enquanto não houvesse uma decisão definitiva a respeito em Cortes superiores, o banco ia adotando a medida, e, obviamente, recusando-se a fazer qualquer acordo nos Juizados. Você não imagina o ganho financeiro da instituição. Mesmo que ela tivesse que pagar indenizações por dano moral, ela ainda saía no lucro, porque são poucas as pessoas que vão atrás do sei (sic) direito.” In: FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 110-121. Essa estratégia também foi relatada por um colega do curso de mestrado que durante muito tempo advogou para instituições financeiras que tinham contenciosos de massa nos Juizados Especiais. 471 De acordo com o juiz Ezequias da Silva Leite, idealizador do projeto Prova oral em mídia digital, na comarca de Sobral/CE, a redução do tempo fica em torno de 50% a 80% do tempo gasto com o registro escrito. Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/prova-oral-em-midia-digital-1556>. Acesso em 20 dez. 2009.

117

permitindo ao julgador aquilatar melhor os depoimentos colhidos (mesmo que outro juiz

venha a proferir a sentença terá com a percepção de quem colheu a prova) e proferir decisões

mais justas.472

Essa prática, além de reduzir o tempo necessário para o registro dos depoimentos,

evita questionamentos sobre o conteúdo das transcrições, facilitando, inclusive, a análise por

parte dos órgãos recursais, que poderá aquilatar com fidedignidade a prova colhida,

propiciando maior segurança aos depoimentos.

Um simples gravador de fita magnética ou de qualquer outra mídia digital, com

dois microfones, é suficiente para a gravação da prova oral. Nos Juizados em que já estão

implantados o Processo Judicial Digital - PROJUDI -, a gravação é feita e armazenada

diretamente no próprio sistema, sem necessidade de qualquer outro aparelho eletrônico. São

necessários apenas alguns ajustes técnicos que normalmente são feitos pelo pessoal que dá

suporte ao programa. Até a sentença pode ser oral, o que imprime mais agilidade ao

procedimento.

A parte interessada que desejar poderá requerer, a suas expensas, a transcrição da

gravação (art. 44). Nesse caso, entenda-se por transcrição, a reprodução de uma fita para

outra, que é facilmente realizada (ou do PROJUDI para qualquer mídia digital).

Na prática, a parte apresenta na Secretaria do Juizado uma fita, CD, ou DVD e em

poucos minutos terá uma cópia integral do que foi gravado em audiência. Para a hipótese de

recurso, é feita a remessa da fita original diretamente com o recurso para a Turma Recursal473

(no PROJUDI os membros da Turma ouvem os depoimentos diretamente pelo sistema) .

4.4 Maneiras de operacionalizar a audiência única

A audiência única pode ser realizada de duas formas: com ou sem a colaboração

de um conciliador. A primeira forma, com um conciliador, serão necessárias duas salas, uma

para a audiência de conciliação, e outra para a instrução e julgamento.

472 LEITE, Ezequias da Silva. Prova oral em mídia digital. Projeto realizado na comarca de Sobral/CE. Projeto premiado como “Destaque na prática” no Prêmio Innovare. Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/prova-oral-em-midia-digital-1556>. Acesso em 20 dez. 2009. 473 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais – São Paulo: Saraiva, 9ª ed. rev. e atual., 2007, p. 248.

118

A audiência inicia-se com a tentativa de conciliação, presidida pelo conciliador,

na sala de conciliação. Obtido o acordo, ele é imediatamente levado ao juiz que faz a sua

homologação, saindo as partes já intimadas. Se a parte ré, embora citada e intimada, não

comparecer, decreta-se a sua revelia (salvo se do contrário resultar da convicção do juiz) e o

juiz também profere de imediato a sentença.

Não havendo a conciliação, passa a audiência de instrução e julgamento, que será

realizada em outra sala, e presidida pelo juiz, enquanto o conciliador começa outra audiência.

Mesmo na audiência de instrução e julgamento o juiz novamente tenta a conciliação.

Se o acordo outra vez não é obtido, o réu apresenta sua defesa, oral ou escrita. As

partes apresentam os documentos, com manifestação naquele mesmo momento da parte

contrária, resolução de preliminares (que podem ser resolvidas também na sentença) e

incidentes por ventura arguidos. Em seguida, colhem-se os depoimentos pessoais e

testemunhais, se for necessário. Após o encerramento da colheita das provas, o juiz, sempre

que possível, profere a sentença, saindo as partes já intimadas, e se desejarem (recurso só é

admitido quando feito por advogado), podem recorrer oralmente.

Na outra forma a dinâmica é a mesma, porém, sem a presença do conciliador, pois

é o juiz que realiza pessoalmente as duas audiências. O juiz abre a audiência única tentando

obter uma solução consensual. Não sendo possível a conciliação, passa-se para apresentação

da defesa e em seguida a colheita da prova oral. Se for apresentado algum documento a outra

parte já se manifesta.

Nesse formato, conquanto possa ocorrer uma sobrecarga de trabalho para o juiz,

que tem que presidir todas as audiências, e consequentemente absorvendo maior tempo,

diminuindo a sua capacidade de produção, pode-se compensar utilizando o conciliador (que

legalmente consta da estrutura de pessoal dos Juizados) para fazer pesquisa de doutrina e

jurisprudência, bem como preparar despachos, decisões e minutas de sentenças.

Por outro lado, ainda que não haja comprovação estatística, mas a experiência

diária tem demonstrado isso, a quantidade de acordos realizados tende a ser maior quando a

audiência é presidida pelo juiz, já que muitas partes declaram “preferir” fazer qualquer acordo

somente após ouvir o juiz.

Nessa forma não é preciso haver duas salas, economizando espaço e

equipamentos.

119

4.5 Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz

Figura nº 1

Petição advogado Atermação

Protocolo designa data

para audiência de

conciliação, instrução e

julgamento – Parte

autora sai intimada data

audiência

Autos encaminhado para

secretaria providenciar

citação.

Conciliação

Houve acordo? Não

Concluso para sentença Sim

Questão

controvertida

unicamente de

direito?

Autos e partes

encaminhadas para

audiência de instrução e

julgamento

Não

Sentença

Recurso?Turma

RecursalSimTrânsito em julgado Não

Arquivamento

Execução

Sentença Homologatória Sim

Satisfação

espontânea?Não

Sim

Extinção desistência,

revelia?

Ausência de citação,

intimação, providência

da secretaria?

Ajuizamento

Protocolo

Se houver mais de um

juizado faze-se a

distribuição

No caso de petição enviada por

advogado pela internet, via PROJUDI,

no momento do registro da petição, o

próprio sistema já escolhe uma data

preestabelecida e intima o advogado,

no mesmo instante

Essa fase acontece somente se o juiz

não for realizar a audiência de

instrução e julgamento (triagem prévia

pelo conciliador com anuência das

partes)

Não

Sim

Nesses casos a sentença é

proferida imediatamente e as

partes intimadas.

120

4.6 Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador

Figura nº 2

Petição advogado Atermação

Protocolo designa data

para audiência de

conciliação, instrução e

julgamento – Parte

autora sai intimada data

audiência

Autos encaminhado para

secretaria providenciar

citação.

Audiência de

conciliação, instrução e

julgamento

Houve acordo?

Concluso para sentença no

caso em que ela não é

proferida em audiência

Recurso?Turma

RecursalSimTrânsito em julgado Não

Arquivamento

Execução

Sentença Homologatória

Satisfação

espontânea?Não

Sim

Extinção desistência,

revelia?

Ausência de citação,

intimação, providência

da secretaria?

Ajuizamento

Protocolo

Se houver mais de um

juizado faze-se a

distribuição

No caso de petição enviada por

advogado pela internet, via PROJUDI,

no momento do registro da petição, o

próprio sistema já escolhe uma data

preestabelecida e intima o advogado,

no mesmo instante

Nesses casos a sentença é

proferida imediatamente e as

partes intimadas.

Apresentação de defesa,

produção de prova e

sentença

Não

Sim

121

4.7 Institucionalização da audiência única

Já se disse que “cada Juizado é o ‘império’ do juiz, seguindo, em regra, o seu

estilo de gerência e de prestação jurisdicional [...]”.474 Ou seja, diante da ausência de

uniformização das regras de procedimento os resultados obtidos em cada unidade judiciária

dependem do esforço pessoal e da capacidade criativa e de gestão do juiz.475

Isso implica dizer que com as mesmas regras do jogo, com condições idênticas de

trabalho, dependendo do esforço e dedicação dos magistrados, os resultados são muito

diferentes.476.

Entretanto, para diminuir a dependência ao fator pessoal e minimizar essas

distorções - mesmo que sempre haja juízes abnegados, que, à custa do sacrifício pessoal e

com muita criatividade, conseguem vencer a batalha contra o volume de processos, sendo

uma realidade inexorável que na condução dos trabalhos em qualquer unidade judicial, o fator

pessoal sempre será determinante para o bom resultado -, melhor seria que o procedimento

com audiência única fosse institucionalizado pelos Tribunais, não ficando a critério exclusivo

do juiz a sua implantação ou não.

Essa institucionalização ou padronização no procedimento não significa

ingerência na liberdade ou independência do julgador, pois, na realidade, sempre é bom

repetir, a lei expressamente determina que a audiência de instrução e julgamento ocorra

imediatamente após a conciliação mal sucedida.

4.8 Outros possíveis benefícios com a prática da audiência única

O propósito principal do procedimento com audiência única, pelas razões já

expostas, é a redução do tempo de tramitação dos processos. Entretanto, a celeridade no

474 VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 215. 475 Para Boaventura de Sousa Santos, “A organização adequada do juizado depende muito do perfil do juiz encarregado sendo ideal que, ao menos nos juizados das comarcas mais importantes, exista sempre um juiz exclusivo, com formação adequada e comprometido com o perfil e as finalidades do juizado”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p. 62. 476 BARBOSA MOREIRA, José Carlo. A justiça no limiar de novo século. Disponível em: http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf. Acesso em: 12 dez. 2009.

122

procedimento pode possibilitar outros benefícios, já que a demora na resolução dos litígios é

uma anomalia do sistema que pode ser utilizada por aqueles que não querem cumprir suas

obrigações.

4.8.1 Redução dos serviços cartorários e do custo operacional

Conforme já foi explicado, a audiência é designada no momento em que a parte

demandante registra o seu pedido na Secretaria do Juizado, de lá já saindo intimada. Em

seguida é expedido mandado de citação para a parte demandada com o dia e horário da

audiência (art. 16).

Nos casos de conciliação frustrada, se não ocorrer a convolação imediata da

audiência de conciliação em instrução e julgamento, todo aquele trabalho inicial da secretaria

deverá ser repetido, ou seja, haverá uma duplicação dos serviços cartorários.

É importante salientar também que com este novo método, é reduzido o trabalho da escrivania, pois pelo despacho inicial já é determinada a intimação da parte para comparecer em audiência acompanhada de testemunhas e, para apresentar a contestação (Juíza Geovana Mendes Baia Moises).

Pode-se até dizer que normalmente as partes já sairão da audiência de conciliação

intimadas da data da futura audiência de instrução e julgamento, e que não seria nenhum

trabalho a mais para os serventuários da Secretaria. No entanto, na prática, nem sempre a

dinâmica dos procedimentos segue esse formato.

A audiência de conciliação é presidida, na maioria dos Juizados, pelos

conciliadores. Se não é obtido acordo, como o conciliador não dispõe da agenda do juiz, é

comum os autos serem encaminhados para a Secretaria, que faz conclusão dos mesmos ao

Juiz para que a data da futura audiência de instrução e julgamento seja definida.

Todos esses atos realizados pela Secretaria são desnecessários se a audiência é

única. Além do tempo perdido, são óbvios os custos com a (dupla) utilização de material de

expediente e o desperdício da força de trabalho dos serventuários que poderiam ser

empregados em outras rotinas.

123

Mesmo se considerarmos que esse procedimento em alguns casos não acontece da

maneira narrada, e que a audiência de instrução e julgamento seja definida pelo próprio

conciliador, saindo as partes já intimadas, os retrabalhos na Secretaria serão realizados, como

a juntada de documentos e termos, numeração, os registros no sistema de informática,

intimação de testemunhas (se for requerido), deslocamento dos autos nas prateleiras do

Juizado, (no caso do processo virtual, o trabalho é o mesmo, só que feito diretamente no

computador), conferência, enfim, todo o trabalho é duplicado, realizado em dois momentos

que poderiam ser feitos apenas uma vez.

Cada ato procedimental realizado dentro da Secretaria do Juizado implica uma

série de outros pequenos atos, isto é, mesmo que seja a simples juntada da ata da audiência de

conciliação frustrada, envolve o recebimento, o registro, a remessa e a entrega dos autos para

o servidor responsável, a disponibilização para a rotina seguinte, a colocação no armário (ou

escaninho) para aguardar o dia da audiência, a publicação no Diário da Justiça, etc.477

Todo esse retrabalho gera custos, e em um universo de milhares de processos, tem

repercussão direta e considerável no custo operacional, onerando o orçamento do Judiciário

que necessita aumentar os valores financeiros para as despesas com material de consumo

(utilização de papel, impressão, caneta, energia elétrica, desgaste de equipamentos, etc) e

pessoal (necessidade de elevar o quadro de servidores). Também são eliminadas as idas e

vindas desnecessárias à conclusão, já que o feito depois da audiência única somente retornará

ao juiz se a sentença não tiver sido proferida.

Além disso, com a diminuição dos serviços cartorários também se reduz a

necessidade de mais servidores nos Juizados, pois vários mandados e atos deixam de ser

expedidos, aliviando, inclusive, a carga de trabalho dos Oficiais de Justiça.

4.8.2 Aumento do número de acordos

477 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais -CEBEPEJ. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília/DF, 2007, 55 p. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009.

124

A demora do processo sempre beneficia o réu que não tem razão,478 que se utiliza

do Judiciário para ganhar tempo e protrair a obrigação de satisfazer o credor.

Embora seja de difícil comprovação com dados empíricos, mas a experiência

profissional indica, e é facilmente perceptível por quem milita nos Juizados Especiais, o réu

que não tem razão (principalmente os litigantes habituais) dificilmente celebra um acordo na

audiência de conciliação quando ele sabe que terá outra oportunidade para fazer o acordo por

ocasião da audiência de instrução e julgamento que será realizada somente meses depois.

Com isso, o réu que não tem razão utiliza a demora em seu benefício e retarda o

cumprimento de sua obrigação, diluindo seus custos com o tempo do processo.

Posteriormente, na ocasião da audiência de instrução e julgamento, como ele sabe que o juiz

tentará mais uma vez a autocomposição das partes, realiza o acordo que lhe é favorável (e a

parte autora que tem razão facilmente aceita o acordo para não demorar ainda mais a receber

seu crédito) e que poderia ter sido obtido há tempos atrás.

Entretanto, se o réu que não tem razão, souber que o procedimento será

concentrado, com apenas uma audiência, e que se perder a oportunidade de realizar um bom

acordo, poderá ter um custo maior com uma sentença judicial, tenderá a realizar o acordo e

não arriscar a imprevisão de uma condenação judicial.

Essa também é a constatação a que chegou a juíza Ijosiana Cavalcante Serpa,

responsável pelo projeto Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira

realidade. “[...] posto que muitos acordos são obtidos durante a fase de instrução ou após a

prolação da sentença por iniciativa daquela parte que desejava fazer uso da demora no

processo para se beneficiar de algum modo ou ganhar tempo”.479

No mesmo sentido a percepção da juíza Geovana Mendes Baia Moises:

Importante destacar que com a convolação das audiências, o número de acordo na audiência de conciliação foi elevado no dobro da quantidade anterior. Tal fato é em decorrência de a parte requerida não poder ganhar tempo para propor nova proposta na audiência de instrução e julgamento que é realizada em seguida. Munidos de bons conciliadores, os juízes poderão marcar de 10 a 15 audiências/dias, pois em raras exceções ocorrem o convolamento de 25% (vinte e cinco) por cento das audiências.

478 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2002, p.20. 479 Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/innov/propostas/verBanco/3/612>. Acesso em: 23 set. 2009.

125

Portanto, a prática de realizar audiência única pode influenciar diretamente no

percentual de acordos realizados e contribuir para uma solução ainda mais rápida e

consensual.

4.8.3 Redução das execuções

Se realizar audiência única pode aumentar o percentual de acordos, também pode

diminuir o número de execuções judiciais, ou seja, os acordos são cumpridos voluntariamente

sem a necessidade de nova intervenção do aparato judicial.

É que as decisões consensuais, em que os litigantes constroem junto o acordo,

tendem a ser mais aceitas pelos litigantes, com a satisfação do direito da parte feito de forma

voluntária e mais rápida do que aquelas impostas unilateralmente pelo juiz.480

Essa pressuposição pode ser corroborada pela pesquisa do CEBEPEJ. Segundo a

pesquisadora e professora Leslie Ferraz, o percentual de execução nos processos decididos

por sentença de mérito supera, em média, 42% o percentual das execuções nos processos em

que houve acordo.481

Dessa forma, a prática da audiência única diminui o número de execuções e

consequentemente o tempo de duração dos processos, já que o cumprimento do acordo é feito

de forma espontânea em percentual superior daqueles obtidos por intermédio de uma sentença

de mérito.

4.8.4 Redução do custo para as partes

Quanto maior o tempo de espera para solução de um conflito, maior é o custo para

as partes.482

480 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 83. 481 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 164-165. 482 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20.

126

Nos Juizados Especiais não são cobradas custas judiciais, porém, a demora

excessiva ou a realização desnecessária de duas audiências em dias distintos acarreta custos

para as partes, que têm despesas com deslocamentos até o Fórum, com alimentação, com

faltas ao trabalho, etc.

Para aqueles que estão acompanhados de advogados, não raras vezes, os

honorários são cobrados por “audiência realizada”, uma vez que os valores disputados não são

significativos para uma cobrança sobre o valor da condenação, e ainda por não haver

honorários de sucumbência nos Juizados.

E como já foi dito, esses custos são mais significativos para as partes com menor

recursos financeiros (repita-se, insistentemente: motivo maior dos Juizados Especiais), que

têm dificuldades em suportar o tempo excessivo de um litígio,483 e por vezes o acréscimo

dessas despesas comprometem seus reduzidos orçamentos.484

Além desses custos econômicos, há ainda os custos relacionados com o desgaste

psicológico provocando pelo conflito que aumenta com o passar do tempo e com necessidade

de comparecer (desnecessariamente) ao ambiente da justiça mais de uma vez para debater

sobre os fatos que desencadearam o litígio.

A lentidão do processo provocada pela espera de uma audiência que poderia ser

realizada em um único momento, pode “significar angústia, sofrimento psicológico, prejuízos

econômicos e até mesmo miséria.”485

A realização de apenas uma audiência além de diminuir o tempo do processo,

pode amenizar todos esses custos para as partes.

Alguns podem argumentar que com apenas uma audiência, a parte poderá ter um

custo maior procurando reunir provas (testemunha e documento), quando poderá ser

desnecessária se houver um acordo. Porém, na verdade, esse custo não é maior do que os

provenientes da espera prolongada da demanda, com as consequências acima mencionadas.

E, de qualquer maneira, as partes não vão aguardar o resultado imprevisível de

uma audiência de conciliação para começar a providenciar as provas que existam a seu favor.

Nenhum demandante ou demandado, por mais confiança que tenham, pode antecipar o

resultado de uma batalha judicial.

483 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 21. 484 FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 175. 485 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2002, p. 15.

127

Na prática, os demandantes vão para a audiência de conciliação já com as provas

que vão produzir, e diante dessa realidade, sopesam os prós e contras e são mais ou menos

flexíveis diante de uma proposta de acordo. No caso de um acordo, por exemplo, dispensar a

testemunha que estava aguardando não vai frustrá-la, ao contrário, essa sempre é a esperança

de quem vai testemunhar.

4.8.5 Efetividade do Judiciário

O tempo é um dos componentes da efetividade do processo,486 já que, por mais

acertada que seja uma decisão, se ela não for realizada em tempo hábil,487 isto é, se ela não for

contemporânea à lesão ou ameaça de lesão do direito,488 poderá não ser mais útil ou eficaz em

decorrência da ação implacável do tempo.489

Nesse passo, a realização desnecessária de duas audiências, quando se poderia

obter os mesmos resultados, de forma mais rápida, somente com uma única audiência em um

procedimento “sumaríssimo” como o dos Juizados Especiais, viola o direito de um acesso

efetivo à justiça,490 uma vez que tão injusto quanto negar o acesso ao judiciário491 é não fazer

a entrega da prestação jurisdicional em tempo adequado.

Com efeito, se o procedimento utilizado com audiência única é mais rápido,

diminui o trabalho burocrático, favorece o acordo entre os litigantes, reduz as execuções

486 ZANDERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Tendência universal de sumarização do processo civil e a busca da tutela de urgência proporcional. 310 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007, p. 26-32. 487 MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.professormarinoni.com.br>. Acesso em: 16 out. 2009. 488 BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 92. 489 “A morosidade e a falta de transparência geram descrédito e prejudicam a prestação da atividade jurisdicional por diminuírem-lhe a eficácia e a legitimidade. A solução de alguns litígios revela-se inócua quando não ocorre no tempo adequado.” In: BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do CNJ - 2008, p. 45. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/conteudo2008/relatorios_anuais/relatorio_anual_cnj_2008.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2009. 490 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20-21. 490 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 242-243. 491 De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, “a demora do processo jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso à justiça.” In: MARINONI, Luiz Guilherme. O custo e o tempo do processo civil brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, p.37-64. Disponível em: <http://www.calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewPDFInterstitial/1770/1467>. Acesso em: 20 mar. 2009.

128

judiciais e os custos para as partes e para o Poder Público. É até uma obviedade dizer que ele

é mais efetivo.

129

CONCLUSÃO Este trabalho teve por objetivo contribuir para o aperfeiçoamento do Poder

Judiciário, em particular dos Juizados Especiais, apresentando uma solução prática que

possibilite uma prestação jurisdicional rápida, possibilitando a um só tempo, a garantia

constitucional da duração razoável do processo e o princípio da celeridade que rege o

procedimento.

Embora não seja uma novidade, pois decorre do próprio texto da lei, mas que a

prática forense cuidou de desvirtuar, a audiência única pode minorar um obstáculo para que

os Juizados processem em tempo adequado as demandas que lhes são apresentadas.

O termo acesso à justiça tem uma dimensão ampla e não pode ser compreendido

apenas como o direito de ingressar em juízo, mas, e principalmente, como o direito à tutela

jurisdicional em prazo razoável, já que, como vimos, alguns obstáculos que outrora impediam

esse acesso foram removidos e o problema atual está na saída do cidadão do Poder Judiciário.

Essa preocupação fez o legislador incluir na Constituição da República, no rol dos

direitos e garantias fundamentais, o direito a duração razoável do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, CR/88).

Neste contexto, os Juizados Especiais Cíveis Estaduais se constituíram, por

intermédio da gratuidade de seus serviços, na simplicidade dos procedimentos e na promessa

de celeridade na resolução dos conflitos de menor complexidade e pequeno valor econômico,

em uma importante e diferenciada arena judicial para superar os obstáculos do acesso à

justiça.

Entretanto, os números apresentados (ainda que sejam poucos) demonstram que

essa rapidez nem sempre é uma realidade e que os Juizados Especiais já estão padecendo do

principal problema do Poder Judiciário, qual seja, a morosidade na entrega da prestação

jurisdicional.

Pôde-se constatar que essa lentidão que também afeta os Juizados Especiais pode

ser debitada a vários fatores, porém, não se pode dizer que a legislação tenha influência

negativa no tempo de duração dos processos (como é comum ser uma justificativa da

morosidade no processo civil tradicional), já que além de estabelecer um procedimento

simples, com regras claras e objetivas, ainda estabeleceu um prazo para sua conclusão.

Nos Juizados Especiais os atos processuais são realizados, basicamente, em um

único momento, na audiência, como forma de garantir rapidez ao procedimento. Assim, não

130

obtida a conciliação, imediatamente passa-se para a instrução e julgamento, quando são

realizados todos os atos demais postulatórios (defesa), probatórios e decisórios.

Também foi possível verificar que por resistência ou incompreensão aos

princípios que o sistema dos Juizados Especiais adotaram - estabelecendo uma nova estratégia

no tratamento da resolução dos conflitos de sua competência, com menos burocracia e mais

celeridade -, os juízes reproduzem o formalismo do processo comum, aumentando

desnecessariamente o tempo do processo ao agendar duas audiências em dias distintos.

Esse desvirtuamento da lei acontece desde o momento inicial, quando é feito o

registro do pedido na Secretaria do Juizado e é designada data para realização apenas da

audiência de conciliação. Realizada essa, não ocorrendo acordo, faz-se designação de nova

audiência para instrução e julgamento em data posterior, tendo as partes que aguardar meses

para apresentar suas provas e suportar os custos dessa espera.

Com essa prática, o procedimento que deveria ser “sumariíssimo”, com a

concentração das audiências e um único ato indivisível, é transformado em procedimento

comum ordinário, que é excessivamente longo, desnecessário e dispendioso para solucionar

os conflitos de menor complexidade e valor econômico.

Em todo o procedimento nos Juizados Especiais tem-se por fundamento a

eliminação de atos inúteis e a flexibilização de todos os atos necessários, abolindo o

formalismo para que o processo atinja seu objetivo mais rápido, sem ritualismos dispensáveis

ou formas pré-estabelecidas.

Ao juiz cabe a tarefa de assegurar o cumprimento dos atos e procedimentos

processuais previstos na lei, não permitindo qualquer desvio que possa prejudicar a celeridade

processual e procedimental.

Muito embora fatores como as deficiências de recursos humanos e materiais

também comprometam o tempo do processo nos Juizados Especiais, o que se agrava com o

elevado número de processos que é conduzido para cada um dos juízes, esses entraves

poderão ser atenuados com o melhor aproveitamento do aparato legal à disposição dos

Juizados, sem prolongamentos desnecessários e com a utilização do procedimento de acordo

com seus princípios.

Verificamos que a medida não requer qualquer alteração legislativa, ao contrário,

ela apenas segue estritamente o que foi determinado pela lei. O rito com uma única audiência

é a regra nos Juizados. Essa medida se revela como importante meio de agilização do trâmite

processual, satisfazendo as partes e a sociedade como um todo, ao tempo em que fortalece e

melhora a credibilidade do Poder Judiciário.

131

A previsão de uma única audiência se coaduna com a finalidade primordial dos

Juizados Especiais de facilitar o acesso à justiça, que tem como um dos seus aspectos mais

relevantes a questão do tempo de duração dos processos. Nesse procedimento, que não é

fastidioso repetir, segue a rigorosa observância da lei, não violando qualquer direito

processual ou constitucional.

Verificou-se que apenas no Estado do Rio de Janeiro a prática da audiência única

é institucionalizada e que houve uma redução do tempo de julgamento, sendo o processo

instruído e julgado em três meses, conforme relatado na pesquisa feita pelo CEBEPEJ.

Vimos que outras experiências também foram bem sucedidas, como o projeto

Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira realidade, desenvolvido

na comarca de Quixadá, no Ceará, pela juíza Ijosiana Cavalcante Serpa, que obteve um prazo

médio de 60 dias de tramitação dos processos.

E ainda os resultados da comarca de São Luis dos Montes Belos, Estado de Goiás,

quando a juíza Geovana Mendes Baia Moises, com a audiência única, conseguiu reduzir o

tempo de tramitação dos processos de 7 meses para 3 meses.

Por fim, em consonância com os objetivos de um mestrado profissional, que é

voltado para a solução de problemas, apresentamos uma proposta prática para implementação

da audiência única, visando permitir uma padronização e otimização dos trabalhos na

Secretaria dos Juizados para evitar adiamentos que possam comprometer a realização da

audiência única.

Com o estudo desenvolvido espera-se contribuir, ainda que de forma tímida e

restrita, com o aperfeiçoamento dos Juizados Especiais indicando pontos de estrangulamento

ocorridos durante o andamento processual e que comprometem o acesso à justiça

proporcionado pela criação do sistema, bem como o preceito constitucional da razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Diante da carência de dados estatísticos e estudos nesse sentido, fica a sugestão

para ampliação dos estudos e a realização de uma pesquisa de campo específica - que apesar

da intenção inicial, não foi possível aqui apresentar - demonstrando que possíveis desvios dos

princípios orientadores dos Juizados Especiais podem comprometer a sua finalidade de

facilitar o acesso à justiça pela via da deplorável morosidade processual.

132

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