a história ilustrada do cristianismo 7

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Page 1: A história ilustrada do cristianismo 7
Page 2: A história ilustrada do cristianismo 7

E até aos confins do terra:uma história ilustrada do

cristianismo

A era dosconquistadores

volume 7

Page 3: A história ilustrada do cristianismo 7

E até aos confins do terra:uma história ilustrada do cristianismo

l/A era dos mártires2/ A era dos gigantes3/ A era das trevas4/ A era dos altos ideais5/ A era dos sonhos frustrados6/ A era dos reformadores7 / A era dos conquistadores8/ A era dos dogmas e das dúvidas9/ A era dos novos horizontes

10/ A era inconclusa

Page 4: A história ilustrada do cristianismo 7

Justo l. González

E até aos confins da terra:uma história ilustrada do

cristianismo

A era dosconquistadores

volume 7

TraduçãoItamír Neves de Souza

edições vida nova

Page 5: A história ilustrada do cristianismo 7

e 1994 de Justo L. GonzálezTítulo do original: Y hasta lo último de la tierra:

Una Historia Ilustrada dei CristianismoTomo 7 - La Era de los Conquistadores

1~edição: 1983Reimpressões: 1986, 1990, 1995

Publicado no Brasil com a devida autorizaçãoe com todos os direitos reservados por

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA,Caixa Postal 21486, São Paulo, SP.

04698-970

Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos,eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação,

estocagem em banco de dados, etc.). Permitida a reproduçãoparcial somente em citações breves em obras, críticas

ou resenhas, com indicação de fonte.

Capa: O descobrimento da América porCristóvão Colombo. A óleo, 1959. ADAGP, Paris, 1980.

Usado com permissão.

Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, sP, Brasil)

González, Justo L.E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do

Cristianismo I Justo L. González: - São Paulo: VidaNova, 1995.

Várias tradutores.Título original: Y hasta lo último de la tierra: una

historia ilustrada dei cristianismo.Conteúdo: v. I. A era dos mártires - v. 2. A era dos

gigantes - v. 3. A era das trevas - v. 4. A era dos altosideais - v. 5. A era dos sonhos frustrados - v. 6. A era dosreformadores - v. 7. A era dos conquistadores - v. 8. A erados dogmas e das dúvidas - v. 9. A era dos novos horizontes -v. 10. A era inconclusa.

ISBN 85-275-0215-1 (obra completa)

I. Igreja - História I. Título95-2793 CDD-270

Índices para catálogo sistemático

I. Cristianismo : História da Igreja 270

Page 6: A história ilustrada do cristianismo 7

Dedicatória

À memóriado Doutor Ramon Vifias,

meu primeiro professor dehistória eclesiástica.

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A era dos conquistadores - 7

índice

Lista de ilustrações 9Cronologia 11I. Isabel, a Católica 13

Herança incerta 15O trono se afiança..................................... 23A guerra de Granada................................. 28

II. Um novo mundo.............................................. 32O empreendimento de Colombo............... 33A importância do empreendimento deColombo..................................................... 43

III. A justificação do ernpreendlmento. 50As bulas papais.......................................... 51O protesto: Frei Bartolomeu de Las Casas 57Francisco de Vitória................................... 61

IV. O empreendimento antilhano 66Colonização de A Espanhola.................... 66Porto Rico.................................................. 71Cuba 73Os escravos negros 74

V. A serpente emplumada...... 76Primeiros encontros com os índios........... 79Tenochtitlán 83Os Doze Apóstolos.................................... 87Frei Juan de Zumárraga 89A Virgem de Guadalupe 92Novos Horizontes... 95

VI. Castela do Ouro............................................... 102Vasco Núfiez de Balboa 102Castela do Ouro 106Em direção à Centro-América 107

Page 8: A história ilustrada do cristianismo 7

8 - A era dos conquistadores

VII. Nova Granada :....................................... 110Santa Marta................................................ 110Venezuela................................................... 112Cartagena e Bogotá................................... 114O apostolado entre os índios: São LuísBeltrão........................................................ 116O apóstolo dos negros: Pedro Claver i.L.; 119

VIII. Os filhos do Sol............................................... 125O Tahuantínsuyu 126Francisco Pizarro 132Resistência e guerra civil...... 141O vice-reinado do Peru 147A obra missionária 149Por terras de Collasuyu 154

IX. A Flórida............................................................ 159O Desafio francês 161O empreendimento espanhol 162

X. O movimento da Prata..................................... 165Assunção.................................................... 166Tucumán 166Buenos Aires 167As missões do Paraguai 168

XI. Os portugueses na África................................ 175O Congo 178Angola 180Moçambique 181

XII. Em direção ao nascer do sol.. 184São Francisco Xavier................................. 185A questão da acomodação.. 190

XIII. O Brasil 197As capitanias 199A colônia real........................................ 201Villegagnon e os primeiros protestantes... 204A triste sorte dos índios 207

XIV. A cruz e a espada............................................ 210

Page 9: A história ilustrada do cristianismo 7

1.:2.3.4.5.6.7.8.9.

10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20-21.22.23.24.25.26.27.28.29.30-33.34.35.36.37.38.

A era dos conquistadores - 9

Lista de Ilustrações

Madrigal das Altas Torres .Henrique IV ,.""" , ,.'" ,"Castelo de Arévalo ""." "." ". ",., 'Castelo de dom Beltrão da Cova " .." ".Os touros de Guisando " " .Bodas de Isabel e Fernando" " .Alcaçar de Segóvia ' ." " .." ".Poste de enforcar." " " "." ".Cristo das Batalhas" " "" " ..", ..Isabel e Colombo em Santa Fé ""." ..,..Desembarque de Colombo." "., .Antigo mapa.. "" ,.." ..", .,..", "., ".', ,'o , •• ,

A Alhambra " ..""." " "." " "Enterro de Isabel "."" " "" " .., .São Tiago lutando contra os índios .Frei Bartolomeu de Las Casas "." " "Estátua de Francisco de Vitória " " .Vista de São João "" .." .."""""" " "Pirâmide de Chichén Itzá ..." ..""" " ..,.,Antigos monumentos mexicanos " " "Dona Marina ...,.""",,, ..,,.,, .,.",." ,.."A serpente emplumada. " .... , .O fim de uma era "" , .. " ..,....." .."' .O começo de outra "".,,, ' , ,." .. " "Cortés na batalha de Otumba " .. " .Sacrifícios humanos" ", " ' , ' "A Virgem de Guadalupe " " " ".Vista aérea de uma redução ."", ." " "As missões franciscanas do Texas ..".".",Mapa: Castela do Ouro .Balboa toma posse do Mar do Sul " .Mapa: Nova Granada " " "." .Rituais fúnebres em Nova Granada.", ..,..Mapa: O Tahuantinsuyu " " .." '

1416171820222326293536374044525761727877

8182828586

97-10110111113127

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10 - A era dos conquistadores

39.40-41.42.43.44.45-47.48.49.50.51.52.53.54.55-56.57.58.

59.60.

61.62.63.64.65.66.67.68.69.70-71.

Festa religiosa........... . 128Ruínas de Tiahuanaco . 130O culto ao Sol.... 131Pizarro na Ilha do Galo.................... 133Muro no Cuzco . 135Ruínas de Machu Picchu 138-139Suplício de Atahualpa.... .. 140Os cavalos dos conquistadores... 143Estátua eqüestre de Pizarro 144Blasco Núriez Vela diante de Carlos V 146Porta no Cuzco 148Toríbio Alfonso de Mogrovejo................... 150Santa Rosa de Lima .......................... ..... 152Restos das missões bolivianas , 155-156Dom João Ponce de Leão.............. 160Edifício de apartamentos numa missão doTexas .Crucifixo paraguaio .Mapa: Os portugueses na África e noOriente .Vasco da Gama .O navio capitão de Vasco da Gama .Antigo mapa da África .Morte de São Francisco Xavier .Mateus Ricci .O mapa de Ricci .Pequim nos tempos de Ricci .O culto aos antepassados .A cruz e a espada .São Pedro e São Paulo no Altiplano

170171

174176177182188191192194195209

boliviano.................................................... 213

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A era dos conquistadores - 77

Cronologia

o leitor notará que a "era dos conquistadores" correspon-de cronologicamente à "era dos reformadores". Portanto, napresente cronologia nos limitamos a apontar uma série defatos que se relacionam com o tema deste volume, e rogamosao leitor que a utilize juntamente com a que aparece no princí-pio do volume anterior, onde encontrará datas e acontecimen-tos paralelos.

14601474147914921497-98150015041508-111509-13

15101511-151513

151615191520

1521

15211522-23

1524-281527-46

Morre Henrique, o NaveganteIsabel rainha de CastelaFernando rei de AragãoRendição de Granada, Colombo na AméricaVasco da Gama viaja para as fndiasPedro Álvares Cabral descobre o BrasilMorre IsabelConquista de Porto RicoAlfonso de Ojeda e Diego de Nicuesa em terrafirmeOs portugueses se estabelecem em GoaConquista de CubaBalboa chega ao Mar do Sul (Oceano Pacífico)Pedrarias Dávila governador de Castela doOuroMorre FernandoCortés entra pacificamente em TenochtitlánA "noite triste"Viagem de Magalhães e o CanoTentativa de colonização pacífica em Cumaná,por Las CasasExpedição de Ponce de Leão a FlóridaSítio e tomada de TenochtitlánConquista de Nicarágua (Gil Gonzalez Dávila eFrancisco Hernandez de Córdoba)Pizarro chega a Tumbes e regressa ao PanamáConquista de Yucatán

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12 - A era dos conquistadores

152815291532

15331534-3515351536-38

1536

15381540-53154115421542-441546-481552155515571558-721562156515661581158216011606161016171628163916541780

Expedição de Pánfilo de Narváez a FlóridaExpedição dos Welsers a VenezuelaCaptura de AtahualpaRelações de Francisco de VitóriaMorte de AtahualpaExpedição de Pedro de Alvarado a QuitoFundação de LimaGonzalo Jimenez de Quesada conquista oreino chibcha na ColômbiaFundação de Buenos AiresAlvar Núnês Cabeza de Vaca chega ao México,depois de longo cativeiroMorte de AlmagroPedro de Valdívia no ChileHernando de Soto chega ao MississipiVice-Rei nado do Peru: Blasco Núnes VelaAlvar Núfies Cabeça de Vaca em AssunçãoGonzalo Pizarro dono do Peru

. Morte de Francisco XavierVillegagnon chega ao BrasilOs portugueses se estabelecem em MacauMem de Sá no BrasilJean Ribaut na FlóridaMatança de franceses na FlóridaMorre Bartolomeu de Las CasasMorre Luís Beltrão

. Mateus Ricci em MacauRicci em PequimMorre Toríbio Alfonso de MogrovejoMorre Francisco SolanoMorre Santa Rosa de LimaMorre Roque GonzalesMorre Martín de PorresMorre Pedro ClaverRebelião de Tupac Amaru

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Isabel, a Católica - 13

IIsabel, acatólica

... que nisso ponham muitadiligência, e não consistam nemdêem lugar a que os índividuosvizinhos e moradores das ditas

fndias e terra firme, ganhas e porganhar, recebem agravo em suas

pessoas e bens; e assim ordenoque sejam bem e justamente

tratados.

Testamento de Isabel, a Católica.

Isabel, a Católica, a rainha cuja política religiosa nosserviu como ponto de partida no volume anterior, encabeçatambém o presente. Este procedimento serve para destacardois fatos fundamentais. O primeiro é que, na questão dotempo, a "era dos reformadores" coincidiu com a "era dosconquistadores". Enquanto Lutero se ocupava em dar os pri-meiros passos que levariam à reforma da igreja, Cortés ePizarro sonhavam em conquistar glórias e impérios. O segun-do fato é que, quando abandonamos a perspectiva germânicaou anglocêntrica que tem dominado boa parte da históriaeclesiástica, o papel da Espanha na história do século XVI seagiganta. E, como fundadora dessa S:spanha, se vislumbrasempre a figura destacada de Isabel, a Católica.

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14, A era tios conquistadores

o castelo de Madrígal das Altas Torres, onde nasceu Isabel.

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Isabel, a Cetolice - 15

Herança incerta

Quando Isabel nasceu, no Madrigal das Altas Torres, em22 de abri I de 1451, não se esperava que herdasse o trono deCastela. Tal herança correspondia a seu meio irmão Henrique,nascido da primeira esposa de João II, dona Maria de Aragão,vinte e cinco anos antes. Em fins de 1453, a mãe de Isabel,dona Isabel de Portugal, dava a João outro filho varão, Alfon-so, e com isso parecia certo que o cetro de Castela nuncachegaria às mãos da infanta Isabel.

Oito meses depois do nascimento de Alfonso, morreuJoão II, e o trono passou, sem problema algum, para seu filhomais velho, Henrique IV. Entretanto, este não tinha dons degovernante, e logo apareceram os descontentamentos. O no-vo rei empreendeu repetidas campanhas contra os mouros deGranada, estimulado por aqueles que ambicionavam glória edespojos de guerra. Porém todas suas campanhas não passa-ram de meras incursões nos territórios mouros, onde os solda-dos se dedicavam a destruir colheitas do inimigo. Desta manei-ra o rei esperava debilitar os qranadinos, Porém o que naverdade conseguia era granjear a inimizade dos guerreiroscastelhanos, que viam nele um príncipe titubeante. Ao mesmotempo, outros se queixavam de que a justiça do rei se vendiapor dinheiro, e que o monarca, que se mostrava misericordio-so para com os mouros, era cruel com os castelhanos quecriassem obstáculos para seus desejos. Entre eles se contavasua madrasta dona Isabel de Portugal, e os dois filhos desta,Isabel E1 Alfonso.

O ódio do rei fêz recolher Dona Isabel no castelo deArévalo, onde aquela que tinha sido até pouco tempo antesrainha de Castela, perdeu a razão. Foi em tais condições,odiada e afastada da corte por seu irmão, e em companhia desua mãe louca, e de seu pequeno irmão, que a futura rainhaIsabel passou os primeiros anos de sua vida. Em 1460,quandotinha nove anos, foi afastada à força de sua mãe e levada denovo para a corte, onde a colocaram sob a custódia doscapitães do rei. Ao que parece, a razão que levou Henrique atomar tal decisão foi que se apercebeu das tramas que come-

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16 - A era dos conquistadores

o trono passou sem distúrbio algum, para o filho mais velho de João II,Henrique IV.

çavam a formar ao redor de seus meio-irmãos, e que iam seavultando porque Henrique não tinha filhos que pudessemherdar o trono.

Quando era muito jovem, e antes de morrer seu pai Henri-que tinha-se casado com a princesa Branca de Navarra. Logocorreu a notícia de que o príncipe era incapaz de consumar o

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Isabel, a Católica - 17

o ódio do rei fêz recolher dona Isabel no castelo de Arévalo.

matrimônio e posteriormente, quando por motivos de estadodecidiu dissolver a união, as autoridades castelhanas obtive-ram do papa a sua anulação. A razão que então se deu, e quetornou-se importantíssima para a história posterior da Espa-nha era que, por "algum feitiço", Henrique era incapaz deunir-se a sua esposa. A partir disso seus inimigos começarama chamá-lo de "Henrique, o Impotente", e por esse nome ficouconhecido na história.

Enquanto isso, o rei necessitava providenciar um suces-sor para o trono, e por isso contraiu um novo casamento comJoana de p;ortugal, irmã do rei desse país. Até o dia de hoje oshistoriadores não concordam sobre o fato de ter-se consuma-do ou não aquele casamento. Os cronistas da época se contra-dizem mutuamente, de acordo com os seus interesses partidá-rios. Uns dizem que a impotência do rei com sua primeiraesposa não se manifestou com a segunda, e apontam para ofato de que depois Henrique teve várias amantes. Outros afir-mam o contrário, dizem - o que já era comentado enquantoHenrique estava vivo - que tais suspeitas amantes não foramverdadeiras, senão que simplesmente se prestaram a dissimu-lar a incapacidade do soberano. Estes mesmos cronistas

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18 - A era dos conquistadores

Estado atual de um dos castelos que o rei doou a Dom Beltrão da Cova.Assim passa a glória deste mundo!

acrescentam ainda que Henrique, diante da necessidade deprover um herdeiro para o trono, procurava amantes para suamulher.

Foi a presença de um desses pretensos amantes queprovocou um escândalo e, por fim, a guerrà civil. Dom Beltrãoda Cova, a quem o rei cumulara de honras, costumava visitar arainha quando o seu esposo estava ausente. Tais visitas deram

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Isabel, a Católica - 19

lugar a conjecturas, que os inimigos do rei e de Dom Beltrãonão deixaram sem explorar. Quando finalmente a rainha deu aluz uma menina, a infanta Dona Joana de Castela, não faltaramaqueles que diziam que a pretensa herdeira do rei, era naverdade a filha de Dom Beltrão.

Contudo, a menina foi declarada herdeira da coroa e ospoderosos do reino lhe juraram obediência. Em seu batismo,Isabel a futura rainha de Castela, foi sua madrinha.

A oposição ao rei ia crescendo, e com ela o partido daque-les que, sinceramente ou por conveniência, chamavam a her-deira de "a Beltraneja". O marquês de Villena, antigo favoritodo rei que via-se eclipsado por Dom Beltrão da Cova, uniuforças com seu tio Alonso Carrilo, arcebispo de Toledo, eambos promoveram uma rebelião na qual vários dos maispoderosos nobres e prelados do reino se atreveram a exigirdorei a declaração de sua própria desonra, fazendo seu herdeiroo seu meio irmão Alfonso e negando a legitimidade da "aBeltraneja".

Contra o conselho dos seus achegados, que estimula-vam a pegar as armas contra os rebeldes, Henrique capitulou.Mesmo sem declarar explicitamente que dona Joana não erasua filha, nomeou Alfonso herdeiro da coroa. Dom Beltrãoteve que ausentar-se da corte, e o marquês de Vilhena recebeua custódia do jovem herdeiro. Mas isso não satisfez os rebel-des, que estavam empenhados em despojar a coroa de todaautoridade, e nem ao rei que sentia-se humilhado. Crendocontar com o apoio do arcebispo Carrillo, Henrique marchoucontra os rebeldes. Sua desilusão foi grande quando desco-briu que \Carrillo e os rebeldes tinham-se organizado paracoroar Alfonso, e declará-lo deposto, ele, Henrique. Assim osrebeldes marcharam para reunirem-se em Ávila, e enquantoisso o rei fugia para Salamanca. Alfonso, que na ocasiãocontava com pouco mais de onze anos, se deixou levar pelaspromessas dos conspiradores e aceitou o título real, contra osconselhos de sua irmã mais velha Isabel, que lhe disse que umtrono fundado na usurpação necessitava de bases mais sóli-das. Porém Alfonso não teve tempo para vercumprida a profe-cia de sua irmã, pois morreu pouco depois de coroado, dei-xando acéfalo o partido rebelde.

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20 - A era dos conquistadores

Alonso Carrillo correu então ao convento cisterciense deSanta Ana, em Ávila, onde residia Isabel, para oferecer-lhe acoroa que antes tinha cedido a seu irmão. Porém a princesa semostrou inflexível, argumentando com o arcebispo de igualmaneira como fizera antes com seu irmão: "Se eu ganhar otrono rebelando-me contra ele (Henrique), como poderei con-denar amanhã alguém que porventura me desobedecer?" Masfinalmente, junto aos velhos Touros de Guisando, chegou-sea um acordo entre as partes em luta. Segundo este acordo, osrebeldes reconheciam Henrique como soberano, e este emtroca disso nomeava Isabel como sua sucessora. Deste modoo partido dos rebeldes, carentes de uma base sobre a qualcolocassem a coroa da rebeldia, ganharam pelo menos ahumilhação do rei.

.Isabel aceitou este acordo porque estava convencida deque dona Joana, a Beltraneja, levava com justiça esse "apeli-do", e não era portanto a legítima herdeira do trono. Assim,quem nunca esperou ocupar o trono de Castela, e passouseus primeiros anos em meio a penú riase solidão, foi transfor-mada na legítima herdeira de seu meio irmão Henrique IV.

Junto aos velhos Touros de Guisando chegou-se a um acordo entre as. partes em luta.

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Isabel. a Católica - 27

Henrique não ficou contente com esse acerto que, afinalde contas, era uma mancha em sua honra. Ao reunirem-se ascortes do reino, elas se negaram a ratificar o acordo dosTouros de Guisando. E os partidários de Henrique se dedica-ram a alijar Isabel procurando casá-Ia com algum potentadoestrangeiro, enquanto fortaleciam sua posição oferecendo amão da Beltraneja ao rei de Portugal.

Entretanto Isabel não estava disposta a deixar que lhearrebatassem a coroa que agora, depois da morte de Alfonso,lhe pertencia legitimamente. Depois de fazer suas própriasinvestigações, decidiu casar-se com o príncipe herdeiro deAragão, dom Fernando, que vinha bem recomendado porvários dos conselheiros da princesa. Quando Henriqueinteirou-se das gestões independentes que Isabel levava aefeito com respeito ao seu casamento, ordenou que fosseencarcerada. Porém o povo de acanha se amotinou e impe-diu que se cumprisse a ordem do rei. Dali Isabel passou aoMadrigal das Altas Torres, e depois a Valladolid, onde sesentia segura por contar com numerosos simpatizantes.

Enquanto isso, em Aragão, os agentes do rei de Castelaestavam vigiando Fernando, para que não fosse até Castelacasar-se com Isabel ou incitar uma rebelião. Mas o príncipeconseguiu burlar a vigilância dos castelhanos e, enquantosupostamente dormia, escapou. Assim, disfarçado de tropeiroe com uma tropa de mulas que levava escondidos em grossei-ros fardos os trajes necessários para o casamento, chegou aValladolid, onde o esperava sua prometida.

A única dificuldade que se interpunha então era o fato deque Fernando e Isabel eram primos em segundo grau, e por is-so era necessário uma dispensa papal antes da celebração domatrimônio. a papa Paulo" se negava a dar tal dispensa,solicitada repetidamente pelo rei de Aragão, dizendo que o reide Castela não estava de acordo com o casamento projetado.Porém ao chegar o momento do casamento o arcebispo Carri-lo apresentou uma suposta dispensa papal, e o casamento serealizou. Mais tarde os historiadores chegaram à conclusão deque tal dispensa era espúria, mesmo que, no parecer de Isa-bel, o arcebispo não fizera tal arranjo. Em todo caso, quandoos ventos políticos sopraram decididamente a favor de Isabel

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o casamento teve lugar em Val/ado/id.

e Fernando, Roma confirmou a validade do casamento.Enquanto isso, Henrique declarou guerra contra Aragão,

alegando que o reino vizinho tinha-se intrometido nos assun-tos internos de Castela. Porém, o papado estava interessadoem fomentar a unidade e a harmonia entre os príncipes cris-tãos, porque a ameaça turca se fazia presente na Europa.Rodrigo Bórgia, o futuro Alexandre VI, foi enviado a Espanhacomo delegado do pontífice. As gestões do delegado tiverambom êxito, e Henrique consentiu em fazer as pazes com osaragoneses, aceitar o matrimônio entre Isabel e Fernando, edeclarar uma vez mais que sua meia irmã era a legítima herdei-ra do trono.

As diversas partes que aceitaram este acordo esperavamnovas tensões e lutas. Porém pouco depois dos fatos queacabamos de relatar, Henrique IV morreu inesperadamente, eno dia seguinte, 12 de dezembro de 1474, Isabel foi coroada,em Segóvia, rainha de Castela.

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Isabel. a Católica - 23

Isabel morava emSeçovie quando recebeu notícias da morte de seu irmão.\

o trono se afiançaA urgência com que Isabel foi coroada destaca a incerte-

za de sua posição. Embora Fernando estivesse fora de Castela,combatendo junto com seu pai no Rosellon, Isabel e seusconselheiros decidiram não aguardar seu retorno. E o quesucedeu foi que o partido da chamada "Beltraneja" que nãohavia desparecido de todo se movimentou. Tão logo tevenotícias do acontecido, o rei de Portugal, que tinha recebido

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em promessa a mão dessa infortunada princesa, reclamoupara si o título real em nome de sua futura esposa e invadiu asterras castelhanas.

Fernando acudiu pressurosamente em defesa da herançade sua esposa, enquanto essa, apesar de encontrar-se no meiode sua segunda gravidez (pouco antes tinha dado a luz a suaprimogênita, a quem chamou Isabel), dedicou-se a percorrer opaís recrutando um improvisado exército. O magnetismo pes-soal da rainha se manifestou então, e logo Fernando podeopór-se ao invasor diante de um exército de quarenta e doismil homens.

Os dois exércitos se enfrentaram nos campos de Touro, ea batalha ficou indecisa. Porém, enquanto o rei de Portugal sededicava a reorganizar suas tropas, Fernando enviou correiosa todas as cidades de Castela, e a vários reinos estrangeiros,dando-lhes a notícia de uma grande vitória, na qual as tropasportuguesas tinham sido aniquiladas. Diante de tais notícias, opartido da Beltraneja se dissolveu, e os portugueses foramforçados a regressar ao seu reino. Entretanto, como conse-qüência de suas longas cavalgadas em defesa do reino, arainha perdeu o bebê de sua segunda gravidez.

Após todas essas vicissitudes, Isabel ficou dona dos reinosde Castela e Leão, que antes tinham pertencido a seu pai JoãoII e a seu meio irmão Henrique IV. Porém aqueles reinos seencontravam num estado tremendamente grave. Os grandesnobres e prelados tinham-se aproveitado da debilidade dosmonarcas anteriores para encherem-se de poder. Eera a eles aquem Isabel devia, pelo menos em parte, o poder que agorapossuía. Porém a idéia de realeza que Isabel tinha não lhepermitia acomodar-se às pretensões dos poderosos. Além dis-so a administração pública, depois de longos anos de incerte-zas, estava no mais completo abandono. A administração dajustiça, que Henrique tinha confiado a subalternos ineptos eindignos, deixava muito a desejar. Os campos dentre as mon-tanhas estavam nas mãos de pequenos bandos armados, queviviam do saque. Porém o problema mais urgente, porqueimpossibilitava todo plano de governo por parte da rainha, eraa atitude turbulenta dos magnatas, que durante o reinado de

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Isabel, a Católica - 25

Henrique IV tinham-se acostumado a agir conforme seus ca-prichos, e a impôr suas vontades sobre a do rei.

A atitude de Isabel diante dos poderosos se manifestoude imediato. Logo que surgia a mais tênue fagulha de rebelião,se apresentava a rainha, combinando a autoridade de suaposição e pessoa com a das armas que a acompanhavam, eacabava com a rebelião. Ao mesmo tempo que perdoava osque tinham sido enganados pelos grandes, castigava os che-fes da revolta, para não parecer débil como seu falecido irmão.Porém, geralmente seus castigos se limitavam a tirar os sedi-ciosos de suas posses, e quando muito, punia-os com odesterro. Assim foi a rainha afiançando seu poder por todosseus territórios, desde a Galícia ao norte até Andaluzia ao sul.

As ordens militares, nascidas nos tempos das constantesguerras contra os mouros, eram outra ameaça ao poder real.As três mais importantes eram as de São Tiago, a de Alcântara,e a de Calatrava..Para dar uma idéia do poder de tais ordens,basta dizer-se que a de São Tiago contava com duas centenasde vilas e praças fortes, além das rendas de outras paróquias.Por várias décadas o cargo de grão-mestre de qualquer destasordens tinha sido cobiçado por magnatas, e os que o alcan-çavam se atreviam a enfrentar o poder real.

Quando o cargo de grão-mestre de São Tiago ficou vago,a rainha pediu ao papa que lhe concedesse autoridade paranomear a pessoa que o ocuparia. Um nobre, dom Alonso deCardenas, tratou de adiantar-se aos desígnios de Isabel convo-cando uma eleição urgente, que devia ter lugar em Uclés.Porém Isabel ali se apresentou inesperadamente e ordenouque a eleição fosse suspensa até que chegasse a respostado papa. Quando esta resposta chegou, a rainha num golpemestre de habilidade política, nomeou grão mestre o própriodom Alonso, deixando bem claro que lhe dava "graciosamenteo que ele pretendia como. direito". A partir de então a grandeordem de São Tiago serviu de instrumento dócil nas mãos deIsabel.

Este processo de sujeitar as ordens militares a coroa foilevado a um final feliz quando Fernando foi nomeado como ogrão mestre de Alcântara em 1487, e de Calatrava em 1492.

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Quando em 1499, morreu dom Alonso de Cardenas, o rei foifeito também grão mestre da ordem de São Tiago.

Um aspecto fundamental da política centralizadora deIsabel foi a reforma financeira. Até então eram muitos os quecobravam impostos de diversas classes, e só uma fração detais impostos chegava à coroa. Com a finalidade de aumentaro poder do trono, e refrear o dos magnatas, era necessárioestabelecer um sistema arrecadador que fizesse chegar osfundos às arcas reais. E foi isso que fêz Isabel. Seu principalcolaborador neste campo, dom Alonso de Quintanilha, man-dou fazer um inventário de todas as riquezas do reino, que secompilaram em doze grossos volumes. Baseado nesse inven-tário se reformou o sistema de impostos, com tão bom êxitoque nos oito anos de 1474 a 1482 as entradas para a coroa semultiplicaram quatorze vezes. E, graças as reformas implanta-

Em postes como este, a Santa Irmandade fazia enforcar os malfeitores quecapturava.

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das, isso foi conseguido sem aumentar as taxações sobre ostrabalhadores e os necessitados.

Por último, o trono de Castela se afiançou sobre a SantaIrmandade. Desde várias gerações anteriores, em diversas par-tes da Espanha, tinham-se organizado irmandades de defesamútua. Porém estas tinham caído em desuso durante os reina-dos de João" e Henrique IV. E agora Isabel decidia dar novavida a essa antiga instituição, se bem que colocando-a di reta-mente debaixo do poder real. Para por fim às rapinas e abusosque existiam por todas as partes, organizou-se uma forçapolicial que recebeu o nome de "Santa Irmandade". Para estaforça cada cem vizinhos devia contribuir com a manutençãode um homem a cavalo que estaria sempre pronto a perseguiros malfeitores. Além disso, a Santa Irmandade recebeu pode-res judiciais que lhe permitiam julgar e castigar os criminososque capturasse. Tratava-se então de urna força militar perma-nente, de características populares, mas que servia tanto paralimpar o país dos bandidos e outros criminosos, serviço esseprestado a coroa, como também servia para fortalecer suapolítica de limitar o poder dos magnatas. Posteriormente, aSanta Irmandade, conseguiu autoridade até para castigar osabusos dos poderosos. Assim, uma vez mais, a coroa seapoiou sobre as classes médias e baixas para liquidar com aalta nobreza e os prelados turbulentos.

Enquanto isso, continuavam as dificuldades com Portu-gal, cujo rei, insistindo sempre em seu propósito de casar-secom dona Joana, "a Beltraneja", reclamava para si a coroa dCastela. A França, por sua parte, aproveitava as tensões queexistiam na Península Ibérica para tratar de apoderar-se dosterritórios vazios. Porém posteriormente, as tropas de Isabel eFernando se impuseram em ambas as frentes, e liquidaramtambém os castelhanos que continuavam apoiando as preten-sões de Portugal e da "Beltraneja". Fernando se encontravaausente em Aragão, tomando posse do trono de seu recémfalecido pai quando Isabel conseguiu concluir a paz comPortugal.

Unidas então as coroas de Castela e de Aragão, firmada apaz com a França e com Portugal, e assegurando o poder realdentro de Castela, ficou aberto o caminho para a mais aprecia-

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da ambição de Isabel: completar a reconquista mediante atomada de Granada.

A guerra de GranadaDesde o ano 711, os mouros tinham estado presentes na

Espanha. Mesmo que posteriormente os cristãos chegassem acrer que os sete séculos entre os anos de 711 e o de 1492,fossem uma longa guerra de reconquista contra o poderiomouro, o certo é que boa parte desse tempo passou sem quehouvessem maiores conflitos entre os mouros e os cristãos, eque repetidamente se fizessem alianças políticas e militaresentre eles, diante de algum atacante de uma ou outra região.Em todo caso, a obra da reconquista tinha ficado praticamenteparalizada desde o século XIII, quando o rei Fernando III, oSanto tinha permitido que se estabelecesse, no extremo sul daPenínsula, e como Vassalo de Castela, o reino mouro de Grana-da. A condição de vassalagem requeria que Granada pagassetributos a Castela. Porém com o correr dos anos, o reino deGranada foi fortalecendo suas fronteiras, enquanto o de Caste-la via-se envolvido na anarquia, e os tais impostos ou tributosnão foram mais pagos.

A existência do reino de Granada era um espinho nacarne de Isabel, para quem a missão histórica de Castelarequeria a conquista desse reino. Fernando, por sua parte,seguia a velha política aragonesa de estar mais interessadonos assuntos do Mediterrâneo que nos da Espanha. Assim, emcerto sentido, o empreendimento da conquista de Granada foium projeto isabelino e castelhano, se bem que Fernando to-mou nele parte ativíssima.

Quando se sentiu suficientemente forte, Isabel tratou defazer valer sua autoridade sobre Granada, exigindo o paga-mento dos tributos que esse reino devia à coroa de Castela. ~de se supor que a hábil rainha sabia que os mouros granadinosnegar-se-iam a pagar, e que isso provocaria a guerra. Comefeito, os granadinos responderam que em Granada não sededicavam a lavrar ouro nem prata, mas sim a fabricar armascontra seus inimigos. Diz-se que ao receber notícia destaresposta Fernando exclamou: "Dessa Granada, eu arrancarei

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Conta-se que este "Cristo das Batalhas" acompanhava os reis católicos naguerra contra Granada, e que em certa ocasião, quando os cristãos rogavama São Tiago que os ajudasse, ouviu-se este Cristo dizer: "Para que necessi-tais de São Tiago, quando me tendes a mim?"

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os grãos um a um!" Pouco depois, os mouros tomaram sur-preendentemente a praça de Zahara, com a qual deram come-ço as hostilidades.

A partir daí (1481), e até 1492, Fernando e Isabel se dedi-caram, por assim dizer, a tomar os grãos de Granada um a um.Cada ano se levou a cabo uma campanha nas quais sitiaram etomaram várias praças fortes dos mouros. Fernando dirigia osexércitos, enquanto Isabel, muito perto dos campos de batalhaos encorajava com sua presença e se ocupava com seu susten-to. Foi em 1489, quando os gastos com a guerra exigiammedidas drásticas, que a rainha enviou suas jóias a Valência,em garantia de um empréstimo. Posteriormente se tem con-fundido este fato, dizendo-se erroneamente, que Isabel empe-nhou suas jóias para o empreendimento de Colombo.

Por fim, em 1490, Fernando e Isabel consideraram-seprontos para sitiar a própria cidade de Granada. E com afinalidade de mostrar aos mouros que o cerco era permanente,e que não o levantariam antes da vitória, os castelhanos cons-truiram em frente a cidade mulçumana a vila de Santa Fé. Noinício, esta cidade militar foi feita com materiais provisórios;porém quando o fogo fêz presa dela os reis católicos ordena-ram que fosse reconstituída em alvenaria.

Enquanto isso o reino de Granada passava por profundasdificuldades internas. Boabdil, seu último rei mouro, tinhaconseguido essa posição mediante uma rebelião, e durante amaior parte do período de guerra contra os castelhanos houvetambém dissenções e até guerras entre os próprios mouros.

Posteriormente, depois de firmar as Capitulações de Gra-nada, os reis católicos entraram triunfantes na cidade em 2 dejaneiro de 1492. A reconquista havia terminado.

Como destacamos no volume anterior desta História, asCapitulações de Granada garantiam aos mouros toda classede direitos, que logo foram ab-rogados. Posteriormente osúltimos mouriscos de Castela foram obrigados a receber obatismo e a adaptarem-se aos costumes dos cristãos.

A rendição de Granada permitiu a rainha ocupar-se comum marinheiro genovês que desde algum tempo antes projeta-va uma arriscada viagem as fndias navegando, não para o lestecomo era de costume, mas sim para o oeste. Foi a cidade de

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Santa Fé, nos arredores de Granada, onde se firmaram as Capi-tulações de Santa Fé, que serviu de base para o empreendi-mento colombino.

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IIUm novo mundo

Eu te ordeno que, com todas aspessoas que tratarem contigo,

trate-as com honras e trate-as bem,desde o maior até o menor, porque

são povo de Deus nosso Senhor.Cristovão Colombo para seu filho

Diego

Apenas terminava a Espanha de ganhar sua unidade na-cional, graças ao casamento de Fernando e Isabel, e de alcan-çar a integridade territorial com a conquista de Granada, quan-do lhe foram oferecidos novos mundos para descobrir,conquistar, colonizar, e evangelizar. Poucos episódios nahistória humana são tão surpreendentes como a enorme ex-pansão espanhola do século XVI, sobretudo se tivermos emconta que uns poucos anos antes os reinos de Castela eAragão estavam separados, que os mouros retinham o reinode Granada, e que a própria Castela se encontrava divididapela discórdia das lutas sucessórias. Atribuir a Isabel toda aglória desse inesperado despertar espanhol seria cair no errodaqueles que crêem que a história é uma sucessão de perso-nagens heróicos, e não se apercebem dos muitos fatores quefazem possível a façanha do herói. Mas, mesmo levando issoem conta, não resta dúvida de que Isabel foi a personagem domomento, soube dar forma às circunstâncias que a rodeavam,fazendo possível o nascimento da Espanha moderna e doimpério espanhol.

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o empreendimento de Colombo

Quase que ao mesmo tempo da rendição de Granada,apareceu na história um personagem de origem obscura etodavia muito discutido, que compartilharia com Isabel a gló-ria de fundar o império espanhol do além-mar. Cristóvão Co-lombo era de origem genovesa, ao que parece, filho de umpenteador de lã, e que com vinte e cinco anos chegou aPortugal, onde começou a conseguir fortuna casando-se comdona Felipa Muniz, que pertencia a nobreza de Portugal, ecujo pai era governador da Madeira.

Sobre o motivo e a maneira da chegada de Colombo aPortugal, os historiadores diferem, pois enquanto uns dizemque formava parte da tripulação de uma pequena frota geno-vesa que foi atacada pelos portugueses, e que foi feito prisio-neiro, outros sustentam que em realidade, era um pirata, oupelo menos um corsário, e apontam que houve um corsário denome Coulom que tomou parte ativa a favor da França ePortugal nas guerras que temos comentado anteriormentecom relação ao direito da sucessão da Beltraneja. Se assimfor, se explica o fato pelo qual Colombo foi tão pouco explícitocom respeito a suas origens e carreiras anteriores.

Em todo caso, Colombo conheceu em Portugal, váriosnavegantes e cartógrafos, e além disso teve oportunidade denavegar tanto para Madeira e Porto Santo como para aGuiné, na África. Posteriormente chegou a sua famosa con-clusão de que, se o mundo era redondo, como afirmavamtantos sábios, deveria ser possível chegar ao Oriente navegan-do constantemente para o Ocidente. Se esse foi seu projetoinicial, ou se a princípio pensava somente descobrir novasterras, inclusive as "Antilhas" que alguns cartógrafos coloca-vam a oeste do oceano, não está de todo claro. Ao que parece,o projeto de Colombo apresentado à corte portuguesa nãoconsistia em buscar uma nova rota para as Indias, mas sim-plesmente em explorar o Atlântico ocidental.

Morta sua esposa, sem esperança de que a coroa portu-guesa apoiasse se empreendimento, e carregado de dívidas;Colombo abandonou o país em secreto, e dirigiu-se ao sul daEspanha. Em Huelva vivia a irmã de sua falecida esposa, e

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possivelmente o futuro descobridor queria deixar com ela oseu pequeno filho Diego. Além disso alguns antigos escritoresfalam de um piloto de Huelva, Alonso Sanches, que tinhavislumbrado terras ao oeste quando seu navio foi arrastadonessa direção por uma tormenta.

Em vários lugares de Andaluzia, e particularmente em LaRábida, Colombo encontrou ouvidos atentos e pessoas deprestígio dispostas a apadrinhar seu projeto na corte castelha-na. Visto que a corte residia em Córdoba, de onde se dirigiamos assuntos da guerra granadina, Colombo radicou-se nessacidade.

Os reis católicos não receberam com grande entusiasmoo projeto colombino. Submeteram-no a várias juntas de dou-tores, e o informe recebido não foi satisfatório. Ao que parece,além da questão geográfica de se o que Colombo projetavaera possível, havia dúvidas acerca da legitimidade de tal em-preendimento. Em todo caso, foi dito ao futuro Almirante que,por causa da guerra de Granada, a coroa espanhola nãoestava em condições de adotar seu projeto.

Em vista da continuação da guerra, Colombo começou afalar da possibilidade de marchar para a França ou para Ingla-terra, e oferecer-lhes seus serviços. Parece que realmente sepreparava para viajar, quando um personagem influente, con-vencido do valor de seu projeto, ou pelo menos temendo asconseqüências se Colombo se colocasse a serviço de outropaís e seu empreendimento resultasse em bom êxito, interviuuma vez mais diante de Isabel em prol do empobrecido aven-tureiro. A rainha lhe concedeu então alguns fundos, e comeles sustentou Colombo até que a rendição de Granada lhedeu novas esperanças.

As condições que Colombo estabelecia para colocar-seao serviço da coroa espanhola pareciam muito exageradasaos reis, e por algum tempo o projeto ficou em suspenso.Finalmente em abril de 1492, foram firmadas as Capitulaçõesde Santa Fé, que lhe concediam os títulos de Almirante do MarOceânico e Vice-Rei e Governador Geral das terras coloniza-das. Além disso, visto que a empresa era principalmente co-merciai, levada pela esperança de chegar-se às fndias, foioutorgado ao Almirante e a seus sucessores a décima parte de

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Finalmente, em abril de 1492, firmaram-se as Capitulações de Santa Fé.

todo O comércio que produzisse o empreendimento. É muitoprovável que estas Capitulações, que têm despertado o inte-resse dos historiadores, tenham sido vistas pela corte castelha-na como de pouca importância. Ninguém sonhava que a via-gem que se preparava pudesse ter os resultados que teve e,portanto a coroa, que arriscava bem pouco na empresa, estavadisposta a mostrar-se pródiga.

São de todos conhecidas as dificuldades que teve Colom-bo para reunir a tripulação para suas três caravelas. Foi graçasà intervenção e o apoio decidido do prestigioso naveganteMartin Alonso Pinzón que a flotilha pode afinal fazer-se aomar, em 3 de agosto de 1492.

Depois de uma escala nas Canárias, as três caravelaspartiram para o ocidente desconhecido. Colombo dirigiu suaembarcação, seguindo sempre o paralelo 28. Porém seu cálcu-lo da circunferência da terra era inexato ao extremo, pois a

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Em 12 de outubro de 1492, os cansados aventureiros puseram seus pés nailha de Guanahaní, a qual chamaram São Salvador.

fixava na terceira parte do que na verdade o era. Portanto, emprincípios de outubro a tripulação começou a duvidar de todoo empreendimento. Se chegou a ocorrer motim ou não, nãoestá claro. Porém em todo caso foi Martin Afonso Pinzón que,com seu prestígio entre a tripulação, conseguiu acalmar osânimos e prolongar a busca por mais uns dias. Finalmente, em12 de outubro de 1492, os cansados aventureiros puseramseus pés na ilha de Guanahaní, nas Lucaias, a qual chamaramSão Salvador.

Depois de navegarem pelas Lucaias, a flotilha colombinadirigiu-se para o sul, onde encontrou as terras de Cuba e doHaiti. A primeira recebeu o nome de Joana em honra aoinfante dom João, e a segunda o nome de A Espanhola. NaEspanhola, a principal das três caravelas, a Santa Maria, enca-lhou, e com suas madeiras Colombo construiu o forte Nativi-

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Antiga gravura e mapa que alguns têm atribuido a Cristóvão Colombo.

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dade, na baía de Samaná. AIí deixou, como guarnição, al-guns de seus homens, os da Santa Maria, prometendo-lhesvisitaro lugar em sua próxima viagem.

As duas caravelas restantes empreenderam viagem deretorno. Mas o mal tempo as separou, e foram aportar em doisdistintos portos da Península Ibérica. Porém posteriormenteregressaram a Paios de Moguer, de onde tinham partido, em14 de março de 1493.

Os reis, que se encontravam em Barcelona, fizeramtrazer-lhes o intrépido marinheiro, que trouxe consigo váriasprovas de seus descobrimentos, inclusive alguns habitantesdas terras descobertas, aos quais se chamou "índios" porprocederem supostamente das índias. Ainda que se tenhaexagerado a recepção dada pelos reis ao Almirante, não restadúvida de que foi cordial, e que logo começaram fazer planospara uma outra viagem, ao mesmo tempo que se expediamsolicitações a Roma para que o papa, naquela ocasião o arago-nês Alexandre VI, desse as bulas necessárias para um em-preendimento de colonização e evangelização.

Não é necessário relatar aqui os pormenores das demaisviagens colombinas. Sobre a segunda, é preciso destacar quenela navegou, como legado apostólico, o religioso frei Bernar-do Boil. Além de descobrir Porto Rico e várias ilhas menores,Colombo e os seus se dirigiram de novo a Espanhola, ondeencontraram destruído o forte Natividade. Os índios, fartos domal trato dispensado pelos espanhóis, tinham-se sublevado ematado a todos os colonizadores. Ali deixou Colombo o freiBernardo, com a responsabilidade de evangelizar a ilha, juntocom o militar Pedro Margarit, com a incumbência de conquis-tá-Ia. Assim começou o que seria tão característico dos em-preedimentos espanhóis na América, isto é, a união dos inte-resses de conquista e colonização com a tarefa evangelizado-ra.

Depois de visitar de novo a Cuba, e registrar em ata quese tratava de terra firme, e que portanto havia chegado na Ásia,Colombo regressou a Espanha. Durante esta segunda viagemse manifestaram algumas atitudes de Colombo que começa-ram a produzir desconfiança entre as autoridades espanholas,

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que duvidavam sobre suas aptidões de comando, e além dissotemiam que ele tivesse a intenção de seguir o exemplo dosgrandes da Espanha. Em conseqüência disso, mesmo quetenha sido muito bem recebido no seu regresso a corte, Co-lombo não pode partir em sua terceira viagem tão logo quantoplanejara.

Além disso, enquanto o Almirante navegava em sua se-gunda viagem, Espanha e Portugal concluíram o Tratado deTordesilhas, que demarcava os campos de exploração e colo-nização de cada uma das duas potências marítimas. Isto eraindício de que a corte espanhola se apercebeu da possívelimportância dos descobrimentos de Colombo mesmo que osideais do Almirante, no sentido de que as índias produziriamriquezas suficientes para organizar uma nova cruzada quetomasse Jerusalém, fossem recebidos com sorrisos por partedos reis.

A terceira viagem terminou mal para o Almirante. NasCanárias dividiu sua frota em duas, e enviou uma diretamentepara a Espanhola, enquanto ele se dirigiu para o sudoeste,onde foi parar na ilha de Trindade. Dali atravessou a penínsulade Paria, e portanto tocou' pela primeira vez o continenteamericano, ainda que somente vários dias depois, convencidopelo fluxo das águas do sistema Orenoco, declarou que,tinha descoberto "outro mundo". O tratamento dos nativos,doce e acolhedor, o ouro e as.pérolas que pareciam abundar, etoda uma série de supostos indícios geográficos, convence-ram o almirante que havia chegado ao paraíso terrestre, eassim o fêz mencionar. Do paraíso, entretanto, Colombo pas-sou ao inferno. Quando chegou na Espanhola descobriu queas notícias da sua má administração e de seus irmãos Diego eBartolomeu já haviam chegado na Espanha, e que a rainhatinha enviado Francisco de Bobadilha com amplos poderespara julgar o assunto. Sobretudo se dizia que a administraçãodos Colombos era por vezes débil e cruel, e que isto tinhaprovocado a rebelião de alguns espanhóis. Quando Bobadilhachegou a São Domingo, a primeira coisa que viu foi um cada-falso onde jaziam os cadáveres de sete espanhóis. Ao pedircontas de Diego Colombo, este simplesmente lhe disse queoutros cinco seriam enforcados no dia seguinte. Sem dar mais

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Seis semanas depois de sua chegada foram convocados à presença real, emAlhambra, em Granada.

voltas em torno do assunto, Bobadilha tomou posse do localem nome da coroa e fêz encarcerar a dom Diego. Quando oAlmirante se apresentou um pouco depois, também foi preso.E o terceiro dos irmãos, Bartolomeu, que na ocasião se encon-trava fora da cidade com um pequeno exército e poderia terresistido, rendeu-se às insistências do Almirante, que não de-sejava resistir à autoridade real.

Os três irmãos foram enviados prisioneiros para a Espa-nha, onde seis semanas depois de sua chegada foram convo-cados a presença real em Alhambra, em Granada. Apesar deserem declarados inocentes de todo delito, sua má administra-ção ficou patente; e os soberanos não estavam dispostos aconceder ao velho marinheiro o poder quase absoluto quereclamava sobre o novo mundo que tinha descoberto. Vistoque o Almirante também não era uma pessoa que se conten-tasse com pouco, posteriormente foram de novo conferidos aele os títulos de Almirante e Vice Rei, porém a administraçãode Espanhola - a única colónia que até então havia fundado- foi confiada a Nicolás de Ovando. A amargura do Almirante

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pode ser vista nestas linhas, escritas quando estava ainda emcadeiras: "Se eu roubasse as fndias, ...e as desse aos mouros,não poderia na Espanha mostrar-se maior inimizade".

Não restava então outro recurso ao velho lobo do mar queempreender outra viagem. As demoras foram muitas, e en-quanto isso, outros navegantes partiam para as supostas [n-dias e regressavam com inforrnações de novos descobrimen-tos. Finalmente, em princípios de 1502,os reis autorizaram umanova viagem de exploração comissionando o Almirante paraque buscasse o estreito que se supunha existir entre o Caribe eo Oceano fndico. Com quatro caravelas e uma tripulaçãocomposta em sua maioria de moços sem experiência, Colom-bo se fêz ao mar. Levava entre outras coisas, uma carta deapresentação para o navegante português Vasco da Gama,que tinha partido para o Oriente rodeando a África, e com oqual o Descobridor espera encontrar-se nas fndias, depois decruzar o estreito que procurava.

A travessia do Atlântico, completada no tempo insólito detrês semanas, foi a única parte feliz dessa terceira viagem. Aochegar ao Caribe, Colombo descobriu os indícios, aprendidosanteriormente numa amarga experiência de que um furacãose aproximava. Contra as instruções reais, pediu refúgio emSão Domingo, onde seu inimigo Nicolás de Ovando negou-lhe, esquivando-se da pretendida advinhação de que poderiaocorrer o temporal. Colombo achou abrigo num porto próxi-mo, e Ovando continuou com seus planos de enviar a Espanhauma frota de trinta navios. O vendaval surpreendeu a esquadrade Ovando no passo da Mona. Vinte e cinco navios naufraga-ram, quatro regressaram em más condições a São Domingos,e o único que chegou Espanha foi o que levava o dinheiro queColombo tinha conseguido cobrar do que se lhe devia naEspanhola, por alguns de seus direitos. Entre os afogadosnaquele desastre se encontrava Francisco de Bobadilha.

Depois de esperar o furacão passar, Colombo continuousua viagem para Jamaica, dali a costa sul de Cuba, e estava aponto de descobrir o estreito de Yucatán quando voltou para osul, e foi parar nas costas de Honduras. Seguiu-se então umlargo período de navegação ao longo da América Central,buscando sempre o suposto estreito que o levasse a mar

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aberto. Depois de diversas dificuldades nas quais perderamdois de seus quatro navios, os exploradores chegaram a costada Jamaica. Os dois que ainda restavam estavam tão perfura-dos pelas bromas - moluscos em forma de bichos que comiammadeiras submersas - que Colombo não teve outro recursoalém de encalhá-los e esperar que de algum modo viessesocorro de Espanhola. Entretanto os que ficaram parados naJamaica trataram de subsistir através do comércio com osíndios, e duas canoas foram enviadas a Espanhola em busca deauxílio. Porém em São Domingo, Ovando não se motrava dis-posto a ajudar seu rival a quem havia suplantado e a quemdepois não dera ouvidos recebendo desastrosaconseqüência. NaJamaica a espera já era longa, e boa parte da tripulação seamo:"tinou e tratou de ira São Domingo com canoastomadas dos índios.Quando essa alternativa fracassou, o contigente espanhol fi-cou dividido em dois bandos que posteriormente resolveramsuas diferenças mediante as arrnas.O bandode Colombotriun-fou, ainda que não sem baixas. Os índios se recusaram a darmais provisões aos espanhóis, pois as suas começavam aescassear. Foi então que Colombo apelou para uma artimanhaque depois os autores de ficção tem atribuido a muitos perso-nagens. O almanaque apontava que logo haveria um eclipselunar. Colombo convocou os cheges indígenas, e lhes disseque o Deus Todo Poderoso estava zangado porque eles nãoalimentavam adequadamente os cristãos, e predisse o eclipse.Quando a Lua se escureceu os caciques lhe imploraram per-dão, e Colombo esperou para aceitar suas petições até omomento preciso em que o astro haveria de brilhar de novo. Apartir de então os seus não tiveram mais dificuldades desustentarem-se.

Foi grande a alegria dos "encalhados" quando apareceuno horizonte uma caravela espanhola. E ainda maior foi suadecepção ao descobrirem que se tratava de um bote enviadopor Ovando com instruções precisas de inteirar-se do queestava sucedendo na Jamaica, porém sem recolher ninguém.

Finalmente, quando os infelizes já estavam há mais de umano na Jamaica, chegou um velho bote que apenas flutuava,com as velas podres fustigado pelas bromas, que foi tudo oque puderam encontrar e contratar os que Colombo tinha

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enviado a Espanhola. Embarcados nele, os sobreviventes de-moraram mais de um mês e meio para chegar a São Domingo.Alí Colombo contratou outro navio e partiu pela última vez dasterras que havia descoberto. Com seu filho, seu irmão, e unspoucos marinheiros, chegou finalmente a São Lucas de Barra-meda, depois de dois anos e meio de viagem.

O momento não era propício para a Espanha. A rainhaestava gravemente enferma, e morreu três semanas depois doregresso do Almirante. No meio de tais circunstâncias, nin-guém se ocupava do velho marinheiro, principalmente porqueFernando nunca tinha sido tão entusiasta como sua esposa noempreendimento das fndias. O próprio Colombo estava enfer-mo, embora não seja certo se estava empobrecido também. Osfundos levados a Espanha pelo navio que tinha sobrevividoquando o furacão destruiu a frota de Ovando, e algum ouroque Colombo trouxe consigo da quarta viagem, constituíamuma boa soma. Além do mais, a coroa respeitava seu direito adécima parte do ganho nas fndias, se bem que com umainterpretação bem diferente da doAlmirante: Colombo diziaque lhe correspondia a décima parte de tudo que fosse ganho,enquanto a coroa entendia que o que lhe pertencia era os dezpor cento da quinta parte que o Rei recebia. Em 1505 Fernandoo recebeu, e começou uma longa série de negociações nasquais o rei lhe ofereceu bons rendimentos, enquanto o Almi-rante insistia em seus títulos e no cumprimento estrito dasCapitulações de Santa Fé. Depois de ter estado na corte, ovelho lobo do mar viajou de Segóvia a Salamanca, e dalí atéValladolid, onde morreu em 1506.

A importância do empreendimento colombinoSe temos nos detido nesta narrativa das viagens e peripé-

cias de Colombo, o temos feito porque nisso tudo vemos oprimeiro exemplo de muitos elementos característicos do em-preendimento espanhol no Novo Mundo: o arrojo audaz evisionário do Almirante, sua busca constante de lugares míti-cos, levado por vagos rumores, e a conquista de grandesfaçanhas com um grupo muito pequeno de homens. E tudo

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A rainha estava enferma gravemente, e morreu três semana depois doregresso do Almirante.

isso dá grande importância a empresa colombina, diminuindoassim a constante discussão sobre se foi Colombo o verdadei-ro descobridor da América, ou se antes dele chegaram a estasterras os normandos ou outros viajantes. O fato é que, setratássemos de descobrimentos, os únicos verdadeiros desco-

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bridores do hemisfério ocidental são os antepassados dosíndios americanos que primeiro chegaram a essas praias, pro-vavelmente seguindo a ponte que lhe oferecia as ilhas Aleutas.Depois foram chegando outros, e há indícios de viagens, nãosó através do Atlântico, mas também do Pacífico. E em todocaso, os moradores originais das chamadas "Indias" não esta-vam esperando ser "descobertos", pois tinham sua cultura ecivilização próprias. A importância das viagens de Colombonão é diminuta, como poderemos pensar, não tanto pelo fatodele ter sido ou não o pri mei ro a ver terras americanas, mas setornam importantes, porque de suas viagens se despreendeuuma vasta empresa de conquista, colonização e evangelizaçãoque posteriormente uniria ambos os hemisférios. Vistas sob talperspectiva, as quatro viagens de Colombo, e tudo o que aoredor delas aconteceu, são muito mais que uma interessantís-sima aventura marítima. São o primeiro indício da forma quetomaria o encontro entre os dois mundos que pela primeira vezse viram face. a face naquele 12 de outubro de 1492.

Se considerarmos a história de Colombo deste modo,logo veremos que os conflitos entre as autoridades espanho-las, que tanta amargura causaram ao Almirante, foram umadas características do empreendimento durante várias gera-ções. O que estava em jogo em tais conflitos era nada maisnada menos que a politica de Isabel e seus principais acesso-res, de limitar o poderio dos magnatas. Na Espanha, comotemos narrado, a rainha teve de enfrentar repetidamente ospoderosos, que aspiravam impôr suas vontades sobre o trono.Os pequenos burgueses, aos quais convinha uma monarquiaforte e centralizadora, mais que o velho sistema feudal que osgrandes tratavam de restaurar, foram os principais aliados dacoroa nos seus empenhos centralizadores. Ao abrirem-se en-tão os enormes horizontes do Novo Mundo, os reis católicosqueriam assegurar-se, por todos os meios, de que não sedesenvolvesse aqui uma nobreza tão poderosa que pudesseopôr-se aos desígnios reais. Esse perigo era tão mais realdiante do fato de que as grandes distâncias dificultavam atarefa do governo. Foi em parte por isso que os reis católicosnegaram-se a cumprir o estipulado nas Capitulações de SantaFé, pois elas haviam dado a Colombo recursos e poder supe-

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riores aos que tinham quaisquer dos velhos nobres contra osquais os soberanos tinham tomado severas medidas. Tão logochegaram à Espanha as primeiras notícias dos abusos dosColombo na Espanhola - e abusos houve - os reis enviaramBobadilha, e o Almirante e seus irmãos foram enviados presospara a Espanha. Isto, que muitas vezes tem sido descrito comoum ato de ingratidão, se ajusta perfeitamente à política que!Isabel seguia em Castela. Nem ainda os mais importantesestavam isentos da justiça real. Logo, as leis da coroa emdefesa dos índios não tinham um interesse unicamente huma-nitário, mas se ajustavam aos propósitos políticos dos sobera-nos, que temiam que, se os conquistadores e colonizadoresnão tivessem limites em sua exploração dos índios, tornar-se-iam senhores feudais com o mesmo espírito independente queos grandes da Europa.

De outro lado, os conflitos entre os espanhóis no MundoNovo não se limitaram a divergências sobre a autoridade civil,mas incluiram também as de natureza religiosa. Rapidamenteos missionários estabeleciam com os índios laços mais estrei-tos que os estabelecidos pelos colonos, e assim começavam aprotestar contra o tratamento dispensado aos habitantes natu-rais das terras. Os protestos dos missionários chegavamrepetidamente ao trono espanhol, e por isso muitos dos coloni-zadores viam os missionários como obstáculos ao empreendi-mento colonizador. A resposta da coroa às comunicações dosmissionários foi sempre ambígua, pois os soberanos estavamnuma difícil situação. De um lado, a exploração dos índios eraa base sobre a qual se levantavam grandes senhorios cujaobediência e lealdade à coroa não eram de todo seguras.Para evitar o desenvolvimento de um novo sistema feudal, eranecessário editar leis que protegessem os índios contra aexploração por parte dos espanhóis. Além disso não restadúvida de que Isabel sentia verdadeira compaixão para com osseus recéns descobertos súditos, e queria que, na medida dopossível, fossem tratados como seus súditos espanhóis. Poroutro lado, a exploração das novas terras - entenda-se, deseus habitantes - era necessária para manter o nascenteimpério espanhol. Sem o ouro das fndias, a política espanholana Europa não poderia subsistir. Logo, as leis que protegiam os

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índios nunca se cumpriram em totalidade. Eram obstadas tan-to pelas distâncias e dificuldades na comunicação, como pelosconflitos de interesses nos quais a coroa se achava envolvida.

Tudo isso pode ser visto na legislação de Isabel sobre asfndias. Sem repassar toda essa legislação, convém que nosdetenhamos para ver como a rainha tratou da questão dapossível escravidão dos índios. Quando Colombo regressou aEspanhola, em 1495, e encontrou os índios amotinados contraos abusos dos espanhois, iniciou uma campanha de pacifica-ção militar. Parte do resultado dessa campanha foi um númerode prisioneiros de guerra, aos quais o Almirante enviou aEspanha para serem vendidos como escravos. A chegadadessa mercadoria humana causou revolta na Península, ondeColombo havia descrito a população americana como gentepacífica, doce e simples. Isabel recorreu aos juristas da época,a fim de averiguar se Colombo estava em seu direito escravi-zando os índios. Ao que parece, o que mais molestava a coroanão era que o Almirante escravizasseos índios, masque ao fazê-Ioapropriava-se de direitos que deviam pertencer somente acoroa. Quando finalmente Isabel proibiu que se escravizasseos índios, excluiu dessa legislação os caribes, por serem cani-bais. Pouco tempo depois permitiu escravizar aos que fossemtomados como prisioneiros nos combates, e aqueles que fos-sem comprados de outros amos índios. Além disso, se desen-volveu o sistema de encomendas, que em muitos casos não foimais que um subterfúgio para impôr de novo a escravidão.Quando os índios viram que os espanhois que iam chegandoeram cada vez mais numerosos, negaram-se a fazer planta-ções, e a partir de então foi determinado que era lícito obrigaros índios a trabalhar naquelas coisas que fossem necessáriaspara o bem comum. Assim se estabeleceu o sistema das "mi-tas" que perdurou por todo período colonial. Contra tudo isso oclero protestou repetidamente. A coroa respondeu com novasleis que supostamente limitavam os abusos contra os índios,as quais, contudo, raramente eram cumpridas, e às quais sem-pre houve numerosas excessões. Além disso se editaramoutras cujo propósito era regular a vida moral dos índios,ordenando-lhes que vestissem roupas, que não se banhassemtão freqüentemente, que vivessem em povoados, etc. Porém,

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no final das contas, cumpriu-se neles o destino que os conde-nava a uma situação difícil, porque a coroa necessitava de seutrabalho para encher suas arcas, enquanto ao mesmo tempoqueria evitar que os conquistadores se enriquecessem dema-siadamente às custas desse mesmo trabalho.

Tudo isso, sem dúvida, não quer dizer que aqueles que seviram envolvidos em todo esse processo foram hipócritas de-salmados, que se diziam cristãos porém, ao mesmo tempo,com descaramento, burlavam os princípios de amor ao próxi-mo. O dito de Colombo que encabeça este capítulo foi escritopelo Almirante com toda sinceridade. De sua convicção reli-giosa não resta qualquer dúvida, e até em ocasiões que nãosabemos precisar parece ter tido experiências místicas. Porémao mesmo tempo, esse homem de profunda fé tratou deenriquecer-se estabelecendo um tráfico de escravos com osíndios. O mesmo pode-se dizer de quase todos seus acompa-nhantes. A grande tragédia da conquista não foi que sederramousobre o continente americano uma turba de desalmados espa-nhóis, mas que aqueles que chegaram a essas terras eramcatólicos sinceros que apesar disso não pareciam capazes dever a relação que havia entre a sua fé e o que estava acontecen-do em seus dias. Isto é certo, não só de Colombo e de muitosdescobridores, mas também de conquistadores como Cortése Pizarro, que viam suas empresas como um grande serviçoprestado à pregação do evangelho. A tragédia foi então que,com toda sinceridade e em nome de Cristo, se cometeram osmais horrendos crimes. Aos habitantes destas regiões lhesarrebataram suas terras, sua cultura, sua liberdade, e sua dig-nidade, sob o pretexto de dar-lhes cultura e religião superio-res, dos europeus. Em poucas ocasiões se tem visto tão clara-mente como somente a sinceridade não basta para o bem agir,pois o poder cega os poderosos de tal maneira que podemcometer os mais terríveis atropelos sem que, pelo que sepercebe, suas consciências sejam molestadas.

O empreendimento colombino e sua seqüela levaram àmais rápida e extensa expansão do cristianismo que a igrejatinha conhecido. Nessa expansão, apareceram personagenscuja dedicação ao nome e aos ensinos de Cristo eram tais quelhes permitiram prevenir do crime que se perpretava. Porém a

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maioria dos que confessavam o nome de Cristo, e iam regular-mente aos serviços religiosos, e se preocupavam pela salvaçãodas almas, e tratavam de cumprir o que entendiam ser ospreceitos do cristianismo, não sabiam elevar-se por cima dosinteresses do país ou de sua esposa, e deu-se assim origem achamada "lenda negra" sobre a conquista, que, como vere-mos, não é tão legendária.

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IIIA justificação doempreendimento

... porque em coisa tão santa e tãonecessária, como é o dito

empreendimento contra os infiéis,não queríamos que faltasse alguma

coisa das que mais pudessejustificar ... queríamos que ...

procurásseis ganhar do nosso muiSanto Padre uma bula em que de

forma geral declarasse a ditaguerra contra os infiéis, e desse anós... tudo o que com a ajuda de

Deus Nosso Senhorconquistássemos das terras dos

infiéis.

Fernando, o Católico.

A questão da legitimidade da empresa conquistadora pre-ocupou tanto aos reis católicos como a seus conselheiros. Játemos dito que, entre as dificuldades que se apresentaramquando Colombo propôs sua primeira viagem, se contava aquestão de se a coroa de Castela tinha o direito de empreendertal projeto. Depois do descobrimento, essa questão se apre-sentou mais urgente. Seguindo então o padrão dos séculosanteriores, tanto no que se referia a mediação entre soberanos

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cristãos como no que se referia a convocação das guerras decruzadas, os soberanos espanhóis apelaram ao papado paraque lhes concedesse bulas que autorizariam suas viagens deexploração, seus esforços colonizadores e, posteriormente, aconquista. Logo, apesar das vozes de protesto que rapidamen-te se levantaram, todo o empreendimento conquistador serealizou em nome de Cristo, e a tarefa evangelizadora foi umdos principais argumentos que se encontraram para justificara invasão dessas terras. Portanto, no presente capítulo deve-mos nos deter para ver o modo pelo qual os cristãos europeustratavam de justificar o que nelas se fazia, tanto por meio debulas papais como através do argumento teológico e jurídico.

As bulas papaisComo sucede sempre em tais casos, os cristãos europeus

trataram de enfrentar a nova situação surgida com o descobri-mento da América com base em diversos antecedentes quelhe pareciam aplicáveis. Um deles era a história das cruzadas.Nelas, os papas tinham declarado guerra aos infiéis, e haviamconfiado a certos soberanos cristãos o comando dos exérci-tos. Quando tais empreendimentos resultavam ter bom êxito, ospapas outorgavam, ou pelo menos reconheciam, os direitos deposse sobre as terras conquistadas, como sucedeu, porexem-pio, ao fundar-se o reino latino de Jerusalém. Sobre essa base,em muitos dos documentos referentes a conquista aparecemantigas frases e fórmulas que se empregaram nas cruzadas.Para os conquistadores, seu empreendimento era semelhanteao daqueles que séculos antes na Terra Santa, tinham searremessado contra os sarracenos.

Essa atitude se fazia tanto mais viável por que até opróprio momento do descobrimento os cristãos peninsularestinham estado lutando contra os mouros, numa guerra que lheparecia ser uma continuação das cruzadas. Nessa guerra con-tra os mouros se estabeleceram certos precedentes que de-pois se aplicariam na América. Conforme o avanço da guerrade Granada, os reis católicos se ocuparam em estabelecer aigreja nos territórios conquistados. Porém, aproveitandocircunstâncias favoráveis, e com vistas a evitar motivos de

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Na guerra contra os mouros se estabeleceram precedentes que depoisseriam empregados na América. A relação entre ambos empreendimentospode ser vista pelo modo em que, na conquista da América, se pensava queSão Tiago continuava lutando a favor dos espanhóis, como se supunha quehavia feito antes contra os mouros.

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discórdia com a Santa Sede em questões tais como a nomea-ção de bispos e a fundação de novas dioceses, em 1486os reiscatólicos obtiveram duas bulas papais que lhes concediam odireito de patronato sobre a igreja em Granada e Canárias.Segundo outra bula do mesmo ano, era outorgado aos sobera-nos, entre outras coisas, o "direito de apresentação". Tal direi-to consistia em poder "apresentar" em Roma os nomes daspessoas escolhidas pela coroa para ocupar os altos cargoseclesiásticos, particularmente os episcopados. Desse modoesperavam os reis católicos poder fazer nomear pessoas deseu agrado, e evitar as desavenças que repetidamente se pro-duziam em outras partes do mundo quando ficava vaga umasede importante. Como veremos mais adiante, esse patronatoreal concedido sobre Granada e Canárias foi um dos modelosque se empregaram para determinar o modo pelo qual seregeria a igreja na América.

A guerra contra os mouros também serviu para levantar aquestão dos limites entre Castela - depois Espanha - ePortugal. Este último reino tinha terminado seu empreendi-mento de reconquista antes que Castela, e portanto tinha-selançado a tomar territórios mouros no norte da África. Emprincípios do séculos XV, Celta foi tomada pelos portugueses,que a partir dali se consideraram chamados a dirigir as cruza-das contra os mouros norte-africanos. Isto trouxe uma série denegociações com os demais reinos da Península, especial-mente quando a conquista de Granada abriu as portas daÁfrica a Castela. Estabeleceram-se então linhas de demarca-ção nas terras mouras que se esperava conquistar, e o papadoaprovou tais acordos. Tudo isso serviu de base para a soluçãoque se daria depois ao problema semelhante surgido pelodescobrimento da América.

Desde várias décadas antes, Portugal tinha-se feito aomar. Suas explorações se dirigiram na grande maioria para acosta ocidental da África, com a esperança de rodear essecontinente e assim chegar às índias. Conforme avançavam, osportugueses solicitaram a aprovação pontifícia. Seu propósitoera principalmente comerciar, portanto, o papa concedeu-lheso monopólio da navegação para as Indias rodeando a África.Pouco depois, em 1456, foi-lhes concedida também a jurisdi-

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ção espiritual sobre os territórios descobertos, incluindo todaa costa africana, "até os índios". Nas quatro décadas seguin-tes, sempre com a esperança de chegar ao limite sul do conti-nente, os portugueses continuaram explorando as costas daGuiné e do Congo, até que finalmente chegaram ao cabo daBoa Esperança. Os primeiros esforços em converter os africa-nos, e de estabelecer colônias nestas costas, foram dandouma forma concreta ao que naquelas bulas tinha sido geral.Desse modo os antecedentes portugueses serviram para darmaior precisão às bulas que os espanhóis solicitaram maistarde.

Enquanto isso, Castela tinha-se dedicado a um empreen-dimento que nunca pareceu ocupar toda sua atenção, porémmais tarde tornou-se uma espécie de ensaio para a conquistada América. Trata-se da tomada e colonização das Canárias.Desde o século XIV os genoveses tinham-se interessado poressas ilhas que, a partir de então foram objeto de vários em-preendimentos militares e, sobretudo, da pilhagem. Posterior-mente, depois de uma série de circunstâncias, as Canáriascaíram sob a jurisdição de Castela, reconhecida por Portugal- o único contendente sério - em 1479. A tarefa de coloniza-ção das Canárias foi então um micro cosmo do que seria a daAmérica. Ali também chegaram os aventureiros em busca deouro e glória. Ali foram chegando também os missionários,que repetidamente tiveram que opôr-se aos desmandos doscolonizadores. E, segundo temos dito, foi sobre estas ilhas, esobre o reino de Granada, que primeiro os reis católicos obti-veram o direito de patronato sobre a igreja.

Foi com base em tudo isso que tanto os cristãos ibéricoscomo os papas levantaram as questões relativas ao NovoMundo. A conquista, colonização e evangelização da Américalhes pareciam ser uma extensão do empreendimento nas Ca-nárias e Granada, e as bulas e demais documentos expedidosnessas ocasiões anteriores foram os modelos que se emprega-ram nas novas circunstâncias.

O descobrimento da América apresentava vários proble-mas. Antes de tudo, era necessário legitimar os direitos deexploração, comércio, conquista e colonização. Na mentalida-de da época, tudo isso estava estreitamente ligado a tarefa

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evangelizadora. Logo, uma das principais preocupações dosreis católicos ao mesmo tempo que o sonho colombino come-çou a tornar-se realidade foi obter as bulas necessárias paracontinuar o empreendimento. Isto não era tarefa demasiada-mente díficil, pois na ocasião reinava em Roma o papa, detriste memória, Alexandre VI, de origem aragonesa, que semostrava sempre disposto a satisfazer os desejos de Fernan-do, particularmente em questões tão distantes como a das terrasrecém descobertas. Portanto, numa série de bulas expedidasem 1493, Alexandre VI concedeu aos reis católicos os direitosque antes outros papas haviam concedido aos reis de Portugal.Desse modo, desde o ponto de vista pontifício, o mundo nãocristão ficou dividido em duas grandes esferas de influência,uma portuguesa e outra espanhola. Além disso, recordandosempre que havia cristãos em lugares como a [ndia e Etiópia,dos quais somente se tinham notícias vagas, estas bulas escla-.reciam que a autoridade política e religiosa que se lhes concediaa coroa espanhola se limitava àqueles territórios que não per-tencessem já a algum príncipe cristão.

Em 1508, Fernando o católico obteve de Júlio II a conces-são de patronato real sobre a igreja em todos os territóriosdescobertos ou conquistados - ou por descobrir e conquistar- na América. O rei, como patrono e fundador das igrejas nasIndias, tinha então uma série de direitos e responsabilidades,entre os quais se incluía o "direito de apresentação" de que jáfalamos anteriormente, quando tratamos do patronato realsobre Granada e Canárias. Ainda que naquela bula não seachava a maneira pela qual seriam manejadas as finanças danascente igreja, dois anos mais tarde o rei obteve outra bula,na qual se outorgavam, com algumas excessões, todos osdízimos das igrejas nas índias. Desse modo a igreja americanaficou completa e diretamente vinculada em suas finanças e emseu episcopado à coroa espanhola, que recebia quase todosseus ingressos e se ocupava com seus gastos, e que alémdisso tinha o "direito de apresentação" que quase equivalia aodireito de nomear bispos e demais prelados para os cargosque se tornariam vagos no Além-Mar. Pouco a pouco foram sesomando a este patronato real outros direitos, até o ponto emque a igreja americana chegou a perder quase todo contato

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direto com a Santa Sé, e se tornou uma igreja nacional espa-nhola que, sem romper de modo algum com Roma, e aomesmo tempo que lhe jurava absoluta obediência, servia narealidade aos interesses da coroa espanhola.

Tudo isso se entende se recordarmos que os reis católi-cos e seus sucessores imediatos se encontravam entre os maispoderosos monarcas da Europa, que por diversas razões ospapas se inclinavam a aceitar suas petições, e que em todocaso os que naquela época ocupavam o trono papal eram ospapas renascentistas que temos estudado noutro volume des-sa história. Durante os primeiros anos depois da conquista,quando os tesouros dos astecas e dos incas não eram maisque rumores distantes, o empreendimento missionário ameri-cano se apresentou como uma tarefa onerosa que os papasrenascentistas não estavam dispostos a tomar sobre seus om-bros, e sim entregá-Ia aos soberanos da Espanha.

Em todo caso, esta série de bulas papais teve duas fun-ções. A primeira foi legitimar a conquista. Com base nas teo-rias do poder temporal dos papas que tinham se desenvolvidodurante a Idade Média, havia os que sustentavam que o sumopontífice tinham autoridade temporal sobre o globo, e queportanto podia conceder as terras dos pagãos aos reis cris-tãos. Essa teoria, interpretada de diversos modos, se achavaatrás das bulas que concediam aos portugueses e espanhóisos direitos de exploração, comércio, conquista e exploraçãocomercial.Porém, visto que tais teorias extremas do poder pontifícionunca tinham sido aceitas por todos, durante a conquistahouve os que expressaram dúvidas sobre a validade de taisconcessões papais. Outros, movidos por suas próprias expe-riências nas fndias, onde tinham sido testemunhas, e algumasvezes até participado, do maltrato aos índios, alçavam tambéma voz de protesto. Se bem que posteriormente o empreendi-mento seguiu o caminho traçado pelos interesses econômicose políticos, não é possível narrar a história do cristianismo naAmérica sem dizer algo sobre os que tão esforçadamentelutaram em prol de uma maior obediência aos ditames doevangelho.

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Frei Bartolomeu de Las Casas

o protesto: Frei Bartolomeu de Las CasasA história de Las Casas tem sido objeto de grandes con-

trovérsias, sobretudo porque lhe culpam de haver criado, oupelo menos difundido, a "lenda negra" sobre a conquista. Demodo geral, os que tomam a atitude de acusação são historia-dores católicos espanhóis que tratam de manchar ou distorceros abusos que foram condenados por Las Casas, semaperceberem-se de que se há alguém de quem a igreja católicaespanhola deveria gloriar-se, esse alguém é precisamente FreiBartolomeu de Las Casas.

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Nascido em Sevilha em 1474, após licenciar-se em leis,Bartolomeu partiu de sua cidade natal em 1502, com a frotaque os reis católicos enviaram a América sob o comando deNicolás de Ovando, quando Colombo estava em desgraça.Durante dez anos o licenciado sevilhano viveu na Espanhola,onde recebeu um grupo de índios de encomenda, e onde, demodo igual aos demais encomendadores, dedicou-se a des-frutar do produto do trabalho dos índios, sem ocupar-se comseu bem estar nem com sua evangelização.

Oito anos passou Las Casas em Santo Domingo quandochegaram os dominicanos. No ano seguinte, no quarto domin-go do Advento de 1511, isto é, imediatamente antes do Natal, osacerdote dominicano Antonio,Montesinos pregou um sermãocontra os abusos de que os índios eram vítimas. Foi um ser-mão fulminante, que causou grande revolta em toda a colônia.As autoridades e demais interessados trataram de fazer oalaros dominicanos, que apoiaram a Montesinos. A disputa che-gou rapidamente à corte espanhola,onde ambas as partesargu-mentavam em defesa de suas posições. Pela primeira vez secomeçou a questionar seriamente o modo pelo qual se desen-volvia o empreendimento americano.

Enquanto isso, o licenciado Las Casas, tinha sido ordena-do sacerdote, sem que se saiba exatamente em que data, sebem que parece ter sido o primeiro a receber ordenação noNovo Mundo. Porém na questão que se debatia entre os domi-nicanos e os colonos, Las Casas, ou guardava silêncio, outomava o partido dos colonos.

Foi no Pentecostes de 1514, que Las Casas teve umaverdadeira conversão com relação ao tratamento com os ín-dios. A partir de então, a fé cristã lhe pareceu radicalmenteincompatível com o modo desumano pelo qual os espanhóistratavam os índios, e não teve dúvidas em dizê-lo nem emtomar o partido dos dominicanos na polêmica que o sermãode Montesinos tinha iniciado. No ano seguinte, em companhiade Montesinos, regressou à Espanha, onde conseguiu o apoiodo cardeal Cisneros, na ocasião regente por Carlos V. Cisne-ros o enviou de regresso as fndias com uma comissão dejerônimos que devia investigar o tratamento dispensado aosíndios. Porém, a má opinião que vários dos membros da co-

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missão tinham dos índios, e suas atitudes apaziguadoras paracom os encomendadores, levaram Las Casas a romper com acomissão e regressar para a Espanha, onde continuou suaapaixonada defesa dos índios. Talvez para desfazer-se dele,ou talvez para dar-lhe uma oportunidade de provar suas teo-rias sobre o melhor modo de evangelizá-los, as autoridadesespanholas lhe outorgaram um território para evangelizar, emCumaná, que hoje é a Venezuela. O experimentado Las Casasfracassou, em parte porque tendia em idealizar a bondade dosnaturais, e em parte porque os colonizadores espanhóis fizeramtodo o possível para criar obstáculos ao projeto e criar todotipo de violência. Posteriormente, quando os índios se rebela-ram, Las Casas abandonou o projeto e se refugiou entre osdominicanos em Espanhola. Ali se uniu finalmente a ordem deSanto Domingo, e passou vários anos dedicando-se a traba-lhos literários.

Depois de doze anos em São Domingos, Las Casas partiupara o Peru, porém o mau tempo obrigou-o a desembarcar naNicarágua. Os colonizadores dessa região reagiram de talmodo a suas idéias sobre os índios, que teve de fugir para aGuatemala. Tratou então de aplicar sua teoria de que o evan-gelho deveria ser pregado pacificamente, porém os índios, quenão conheciam dos espanhóis mais do que a pilhagem e aopressão de que eram objeto, não se mostraram dispostos aescutá-lo. Foi durante esse período, em 1537, que escreveu Oúnico modo de chamar todos os povos à fé. Depois foi para oMéxico, onde fêz o trabalho missionário, e regressou a Espa-nha em 1540.

Na Espanha, Las Casas publicou sua obra Brevíssimorelatório da destruição das fndias, que imediatamente suscitougrande controvérsia, e ainda hoje suscita tal controvérsia.Trata-se de uma narração do acontecido nas [ndias logo de-pois da chegada dos espanhóis. Como história, deixa muito adesejar, pois é uma obra polêrnica cujo autor trata de moverseus leitores a tomar posição em favor dos índios. Os númerosse exageram às vezes, e não resta dúvida que Las Casasescolheu os incidentes que melhor poderiam comover seusleitores. Porém isto não quer dizer que seu informe tenha sidofalso, como têm pretendido historiadores que ficam molesta-

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dos pelo fato do livro de Las Casas ter servido aos interessesdos inimigos da Espanha. Visto em seu próprio contexto, comoum chamado a seus compatriotas a viver a plenitude de sua féno trato com os índios, a dita obra é admirável e comovedora.

Em parte, como resultado deste livro, Carlos V fêz prom ul-gar as Leis Novas, que limitavam os direitos dos espanhóissobre os índios. Isto causou grande revolta na América, e noPeru se chegou a uma rebelião armada. Rapidamente as LeisNovas caíram no esquecimento, e o abuso e a exploraçãocontinuaram.

Las Casas gozava de grande prestígio entre os elementosmais progressistas da corte espanhola, e lhe foi oferecido oimportantíssimo episcopado de Cuzco, a velha capital do im-pério Inca. Porém ele se negou a aceitá-lo, e finalmente foinomeado bispo de Chiapas, no sul do que hoje é o México. Alimostrou-se inflexível para com os encomendadores, comopode ver-se no seu Confessionário. A oposição dos coloniza-dores se fêz cada vez mais veemente, e depois de um ano deresistência Las Casas partiu de novo para a Espanha, onderenunciou a sua diocese. Daí em diante (desde 1547) até suamorte, em 1566, aos noventa e dois anos de idade, Las Casasdedicou-se a corrigir e fazer publicar seus escritos, e a opôr-seà política colonial espanhola.

Las Casas baseava sua defesa aos índios nos princípiosgerais de direito que gozavam de aceitação na Europa. Combase nesses princípios, Las Casas argumentava que os caci-ques índios eram os verdadeiros senhores de suas terras e deseus vassalos, e que o único direito que os espanhóis tinhamno Novo Mundo era o de proclamar o evangelho. Esse direitonão justificava as guerras contra os índios, nem o regime deremessas, mas simplesmente permitia aos espanhóis dedica-rem-se à propagação de sua fé através de meios pacíficos.Além disso, dizia Las Casas, os habitantes originais das terraseram gente afável e generosa, que facilmente seria ganhamediante um bom exemplo e amor. Foi esse último ponto, comsua idealização do caráter índio, o que mais força deu aosargumentos dos oponentes de Las Casas, pois seus inimigosse alegravam ao ver fracassarem seus intentos de aplicarmétodos pacíficos. Além do mais, à medida em que foi recru-

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Francisco de Vitória ocupou a principal cátedra de teologia de Salamanca, efoi considerado fundador do direito internacional.

descendo a inimizade entre índios e espanhóis, menos aceita-ção tinham os escritos e as idéias de Las Casas. Suas obrasforam proibidas no peru em 1552, e na Espanha alguns anosmais tarde. Em meados do século seguinte, a Inquisição pro-ibiu a leitura das obras de Las Casas.

Francisco de VitóriaMais respeitadas foram as opiniões de Francisco de Vitó-

ria, o dominicano que, a partir de 1526, ocupou a principalcátedra de teologia da universidade de Salamanca, e que temsido chamado de o "fundador do direito internacional". Emsuas duas Relações teológicas dos índios, Vitória apresentou aquestão da legitimidade do empreendimento espanhol no No-vo Mundo.

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o ponto de partida dessa questão é se os índios eram ounão os verdadeiros senhores de suas possessões e de suasinstituições antes da chegada dos espanhóis Isto quer dizer,que se os índios não tinham direito sobre as terras, os espa-nhóis podiam tomá-Ias sem atentar a eles. A isto respondeuVitória que os índios eram certamente os senhores legítimos.Nem o pecado mortal, nem a idolatria, nem a suposta falta decapacidade mental eram suficientes para negar-lhes o direitode posse. E isto, por sua vez, quer dizer que os espanhóis nãopoderiam justificar a conquista dizendo que, visto que os ín-dios era idólatras" ou visto que praticavam crimes, seusterritórios não lhes pertenciam.

Vitória passou então a discutir as diversas falsas razões,ou "títulos não legítimos", que se somavam para justificar aconquista. O primeiro deles é que o imperador é senhor detodo o mundo. Este título, que não se esgrimiu nos tempos dosreis católicos tinha especial importância porque ao ditar Vitó-ria suas Relações o rei da Espanha era também o imperador,Carlos V. A isto respondeu Vitória que não é certo que oimperador seja dono ou senhor de todo o mundo e que, aindaque o fosse, ele não tinha o direito de depô r os senhoresnaturais dos territórios índios.

O segundo título é semelhante ao primeiro, pois se baseiana autoridade universal do papa, que tinha outorgado aosespanhóis os territórios em questão. Esse título não é legítimo,pois o papa não é o senhor temporal de toda a terra, e se ofosse tampouco teria. autoridade para delegar seu poder apríncipes seculares. A autoridade do papa se baseia nas coisasespirituais e em sua administração, e portanto não se estendeaos não crentes. Isto, por sua vez, quer dizer que a negaçãopor parte dos "bárbaros" em aceitar a autoridade pontifícia nãoé razão suficiente para fazer-lhes guerra. Com isto, Vitóriarechaçava a prática espanhola de ler aos índios um "requeri-mento" ou invitação em abraçar o cristianismo, e fazer-lhesguerra se se negassem.

O terceiro título, que é o direito de descobrimento, tãopouco é legítimo, pois se os índios eram verdadeiros senhoresde suas terras, como se tem dito anteriormente, esses territó-

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rios não estavam esperando ser descobertos, como se setratassem de uma ilha deserta.

Em quarto lugar, poderia argumentar-se que os índiospor não crer em Cristo, tinham perdido seus direitos. Mas aíVitória responde que os índios, antes de ouvir a proclamaçãodo evangelho, não pecavam com incredulidade, e que tãopouco pecam se não o aceitassem tão logo que se lhes anun-ciava, se esse anúncio não ia acompanhado de provas concre-tas da fé. Pelas notícias recebidas, comentava nosso teólogo,"não estou convencido de que até este momento a fé cristãtenha sido apresentada aos bárbaros de tal maneira que se nãoa aceitem estejam em pecado mortal". Em outras palavras, queos meios violentos que estavam empregando, por sua próprianatureza, exoneravam os que se negavam a aceitar um cristia-nismo que lhes chegava com tão tristes recomendações. Alémdisso, ainda que estivessem em pecado mortal por haveremrechaçado o evangelho, isso não privaria os índios de seulegítimo direito de propriedade.

O quinto título se baseia nos pecados dos índios, e argu-menta que os espanhóis tem o dever de castigá-los. A istorespondia Vitória que, por mais graves que fossem os pecadosdos índios, os cristãos não tinham jurisdição sobre eles.

Tão pouco deveria ser aceito o sexto título, que é o deuma suposta eleição voluntária do senhorio espanhol por par-te dos índios. Tal eleição teria que fazer-se sem medo ou igno-rância, e o que ficava patente era que tais circunstâncias nãoestavam existindo do Novo Mundo. Além disso, se os caciquessão os verdadeiros senhores, tão pouco poderia o povo índiochamar outros para os seus lugares sem uma causa razoávelpara fazê-lo.

Por último, havia os que diziam que Deus, numa doaçãoespecial, tinha dado essas terras aos espanhóis, como antestinha dado aos filhos de Israel as terras dos cananeus. Diantedesse argumento responde Vitória que "é perigoso crer naque-le que apoia uma profecia contra a lei comum e contra asregras da Escritura, se não confirma suas doutrinas com mila-gres, os quais não se viam na ocasião por parte alguma nemeram realizados por tais profetas". E ainda que houvesse taldoação por parte do Senhor, isto não garantia que aqueles que

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tomassem as terras estavam isentos de pecado, como podever-se no caso dos reis da Babilônia aos quais Deus entregouos israelitas.

Por outro lado, Vitória cria que poderia haver razões, ou"justos títulos", para fazer a guerra aos índios. O primeirodestes títulos é o da livre comunicação. Os espanhóis tinham odireito de viajar por terras indígenas, e de comerciar com eles,sempre que se ajustassem às leis que nesses territórios seaplicavam aos estrangeiros. Se os índios não permitissem esselivre comércio e comunicação, aí sim os espanhóis poderiamapelar para a força, ainda que sempre numa medida que seajustasse às circunstâncias, e não utilizando a atitude dosíndios como desculpa para fazer-lhes violência excessiva, oupara apoderarem-se de suas possessões.

Em segundo lugar, os espanhóis tinham o direito de pre-gar o evangelho. Se bem que esta tarefa corresponde a todosos cristãos, o papa, como senhor espiritual dos crentes, podeencomendá-Ia aos espanhóis e proibí-Ia aos demais. Se osíndios permitissem a livre pregação do evangelho, porém serecusassem a converter-se, os espanhóis não poderiam usar aforça. Porém se os chefes índios apelassem para a força a fimde impedir as conversões e os batismos, ou se tratassem deobrigar os convertidos a abandonar a sua fé, os espanhóispoderiam utilizar as armas, sempre dentro da medida necessá-ria para corrigir o mal, e não como desculpa para destruir osenhorio dos índios. Esta era a terceira razão que poderia serusada em defesa da conquista.

Em quarto lugar, o título legítimo seria uma decisão papal,dando aos índios novos senhores. Porém, visto que o papa sótem jurisdição sobre os cristãos, esse título não poderia serusado a não ser no caso em que boa parte da população fossecristã.

Em quinto lugar, ainda que os pecados dos índios nãolhes tiravam o seu direito de senhorio, os espanhóis tinhamautoridade para defender uns aos outros, como no caso dossacrifícios humanos e a antropofagia. A fim de evitar tais coi-sas, e em defesa dos que de outro modo seriam mortos, osespanhóis poderiam intervir mediante a força.

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Além do mais, os espanhóis poderiam tomar o senhoriosobre essas terras se os chefes índios, "compreendendo ahumanidade e a.sábia administração dos espanhóis", pedis-sem ao rei da Espanha que fosse seu soberano.

O sétimo título legítimo para a intervenção armada seria odas alianças feitas com algum chefe índio, que então se veriaenvolvido em guerra com outro. Em tal caso, os espanhóisteriam que cumprir sua obrigação com seus aliados ..

Existe por último um título, que se tem somado, sobre oqual Vitória tinha dúvidas, e este é o da incapacidade dosíndios em governar-se a si mesmos. Se, como diziam alguns,os índios necessitavam de maturidade mental para governarseu próprio país, os espanhóis poderiam ocupar-se com atutela. Naturalmente, neste último ponto Vitória quase se con-tradisse em relação ao que já tinha dito antes, pois se os índiossão incapazes de governar-se dificilmente poderiam sersenhores de suas próprias terras e instituições.

As conferências de Vitória, ditadas em resposta às notí-cias recebidas dos desmandos ocorridos no Peru, causaramgrande revolta. O imperador fêz calar os mais exaltados segui-dores do mestre dominicano, porém ele mesmo viu a necessi-dade de julgar de novo todo o empreendimento de conquista ecolonização. As Novas Leis das fndias, promulgadas em 1542,levam o selo de Vitória. A partir de então proibiram-se conquis-tas ao estilo da que ocorrera no Peru, e proibiu-se fazer guerraaos índios que estivessem dispostos a estabelecer relaçõespacíficas com os espanhóis.

Porém, por outra parte, não é possível ocultar o fato deque Vitória, apesar de ter sido o grande crítico dos desmandosdos espanhóis, foi também quem previu justificação jurídica eteológica ao empreendimento de conquista e colonização. Os"justos títulos" se prestaram a enormes injustiças. A modera-ção de Vitória, ao mesmo tempo que condenava os crimes dosconquistadores, acabava de justificar o maior dos crimes, quefoi a própria conquista, como podemos ver nas últimas pala-vras de sua primeira Relação: "Fica patente que, depois quetenha ocorrido a conversão de muitos bárbaros, não é admissí-vel nem lícito ao príncipe renunciar porcompletoa administra-ção dessas províncias".

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IVO empreendimento

Antilhano

... procurareis com toda diligênciaanimar e atrair os naturais das ditasfndias a toda paz e quietude, e que

nos sirvam e estejam sob nossosenhorio e sujeição benignamente,e principalmente que se convertam

a nossa santa fé católica.Os reis católicos

Como vimos no capítulo anterior, as primeiras terras queColombo visitou no Novo Mundo formavam parte do arquipé-lago antilhano, e foi nele, na ilha que se chamou Espanhola,que o Almirante fez a primeira tentativa de colonização, quefracassou. Em sua segunda viagem, Colombo trazia instru-ções mais precisas dos soberanos, no sentido de que estabele- .cesse colônias permanentes nas novas terras, e fizesse todo opossível pela evangelização dos índios. Com a finalidade deajudá-lo neste último propósito o acompanharam, além dopadre beneditino Bernardo Boil, que já temos mencionadoanteriormente, três franciscanos, um mercedário e umjerônimo.

Colonização da EspanholaDepois de encontrar destruído o forte Natividade, Colom-

bo e os seus seguiram navegando ao longo da costa da Espa-

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nhola, até que chegaram a um lugar que lhes pareceu propíciopara fundar um povoado, a quem nomearam A Isabel, emhonra a rainha. Ali os sacerdotes celebraram missa solene nodia dos Reis de 1494, e imediatamente começou a construçãodos principais edifícios. A igreja, o quartel general de Colomboe o armazém foram construídos de pedra. Os demais edifícios,para a morada dos colonos, foram feitos de madeira e de palha.

Quando os alimentos começaram a escassear, Colomboenviou um de seus tenentes de regresso a Espanha, com aincumbência de procurar provisões. Além do mais, foi com eleum contingente de índios que eram canibais, e ele sugeria aosreis que os repartissem entre as melhores famílias do reinopara que aprendessem a língua espanhola e a fé cristã. Alémdisso, dizia Colombo, capturando e desterrando esses índioscanibais ganhava-se a simpatia dos demais índios, que viamnos espanhóis uma força benfeitora. Porém o fato é o queAlmirante tinha outros propósitos, pois nas mesmas instru-ções propunha que se pagassem com escravos índios as mer-cadorias que os expedicionários necessitavam. A resposta realfoi ambígua, pois ao mesmo tempo em que aceitaram os índiosque Colombo enviara se insistia na procura da conversão doshabitantes da região sem o uso da violência nem do desterro.

Enquanto isso, as coisas na nova colônia não marchavammuito bem. Antes da saída do contingente que iria para aEspanha, muitos trataram de desertar e partir com ele. Depoisde castigar severamente aos rebeldes, Colombo enviou umapequena coluna a região que os índios chamavam "Cibao",pensando que talvez esse nome indicasse que se tratava deCipango, o nome que então era dado ao Japão. Quando osenviados regressaram com algum ouro, e com notícias deterem sido bem recebidos pelos índios, Colombo foi até Cibaocom um grupo maior. Porém nessa segunda ocasião os índiosfugiram, talvez atemorizados pelo aparato bélico dos espa-nhóis. Em Cibao, o Almirante construiu uma fortaleza quechamou de São Tomé, porque os incrédulos que não criamque houvesse ouro foram refutadós.

Entretanto, os índios não estavam dispostos a permitiraos espanhóis marcharem impunes por suas terras e comete-rem contra eles os abusos que cada vez mais se faziam fre-

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qüentes. O cacique Caonabo, a quem se acusava de haverorganizado o ataque ao forte Natividade, uniu-se a outroschefes para marchar contra São Tomé. Diante de tais notícias,Colombo mandou uma força de várias centenas de homenspara defender a fortaleza, com instruções de aplicar castigosseveros aos índios rebeldes, cortando-lhes as orelhas e osnarizes. O chefe dessa expedição não vacilou em aplicar taisinstruções com implacável crueldade. Por exemplo, quandoum índio roubou as roupas de um espanhol toda sua aldeia foitomada, e cortaram as orelhas do cacique.

Enquanto isso, não há notícias de que os supostos mis-sionários fizessem grandes coisas em favor da conversão dosíndios. O principal deles, Boil, parecia estar mais interessadono seu próprio poder do que na suaobra missionária. Istochegou aa tal ponto que, enquanto Colombo estava ausente numa expe-dição a Cuba, Boil uniu-se a um grupo de rebeldes e repudia-ram a autoridade de Diego Colombo, apoderando-se de trêsnaves e partiram para a Espanha.

Os que ficaram para trás, desmoralizados e carentes deliderança, se dispersaram por toda região, cometendo furtos eviolações entre os índios. Estes, por sua vez, aproveitaram aocasião para vingarem-se, e não poucos espanhóis foramaprisionados e mortos por eles.

Nisso chegou Colombo, cansado e amargurado pela via-gem infrutífera pelas costas de Cuba, disposto a despejarsobre os índios o furor de sua cólera. Os índios mortos foramcontados aos milhares, e muitas centenas foram feitos prisio-neiros e enviados a Espanha como escravos. Caonabo, quereuniu um éxercito de cinco mil homens e pôs sítio a SãoTomé, foi derrotado e feito prisioneiro. Ao final de dez meses,os espanhóis tinham destruído todo vestígio de resistênciaentre os rebeldes. Porém isto não pôs fim a obra conquistado-ra. Os espanhóis invadiram novos territórios e submeteramseus caciques, exceto o de Jaraguá, que se fêz vassalo e ofere-ceu pagar tributo, e o de Higuey, cujo território estava bastanteafastado.

Os muitos escravos feitos nessa guerra alentaram a cobi-ça dos conquistadores, que durante algum tempo continua-ram pagando com escravos índios as mercadorias trazidas da

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Espanha. Além do mais, decretou-se que cada índio conquis-tado teria que pagar um tributo trimestral de certa quantidadede ouro, ou de uma arroba de algodão. Os que não pagavameram reduzidos a escravos. Diante de tal situação, muitosfugiram e se refugiaram nos montes, onde os espanhois oscaçavam com cachorros.

Nem todos os colonizadores concordavam com tais me-didas. Quando o almirante estava ausente na viagem a Espa-nha, um forte grupo, dirigido por Francisco Roldão Jimenes,rebelou-se e fugiu para o território de Jaragua. Ainda que opartido de Roldão não se mostrava muito amável para com osíndios, foram menos cruéis que os de Colombo, que continua-va exigindo pesados tributos e enviando carregamentos deescravos para Espanha. Foi em conseqüência de tal situaçãoque a rainha questionou o direito do Almirante em venderíndios como escravos, e posteriormente Bobadilha depôs osColombo, enviando-os presos a Espanha. Entretanto Bobadi-lha não foi melhor governante para os naturais, aos quaiscontinuou oprimindo em benefício dos trezentos espanhóis quepossuía a colónia na ocasião.

A esquadra de trinta e dois navios que levou Nicolas deOvando para 'tornar a cargo a Espanhola, levava também de-zessete franciscanos encarregados de continuar a obra deevangelizar os índios. Porém estes novos missionários, comoos anteriores, encontraram muitas dificuldades em seus traba-lhos devido às más relações que existiam entre os índios e osespanhóis. Pouco tempo depois de ter chegado ao país, Ovan-do tinha conquistado a região de Higuey. Porém no territóriode Jaraguá, a cacique Anacaona dirigiu uma rebelião que loqo.se estendeu até Higuey, e que foi afogada em sangue. Anacoa-na, feita prisioneira pelos espanhóis, foi enforcada. Enquantoisso os índios submissos eram entregues em encomenda aosespanhóis, com a condição de que estes os ensinariam na fécristã e lhes pagariam um salário. Porém o sistema de enco-mendas não era mais que um subterfúgio para a escravidão,proibida pela coroa. Segundo conta Las Casas, os missioná-rios não fizeram mais que tomar em suas casas algumas crian-ças, filhos dos caciques, com o propósito de ensinar-lhes asletras e a fé e bons costumes.

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Em 1503 a coroa deu instruções a seus representantes naEspanhola no sentido de que os índios deveriam viver empovoados e não disseminados por toda a comarca, e que emcada povoado deveria haver um oficial do governo e um cape-lão. Porém tais povoados não foram os lugares felizes que osreis esperavam, pois os índios arrancados deles, e submetidos atrabalhos forçados nas minas, as vezes não podiam ver suasfamílias por meses.

Enquanto isso, na Europa, se faziam gestões para o esta-belecimento da hierarquia eclesiástica nas novas colônias.Depois do intento falido de fundar três sedes na Espanhola,em 1511 foram fundadas por fim nesta ilha as sedes de SãoDomingo, Conceição da Vega, e a de São João de Porto Rico.~ interessante e revelador notar que nas instruções reais aosnovos bispos se lhes indicava que não deveriam estorvar ostrabalhos de extração do ouro, mas pelo contrário, deveriamdizer aos índios que o ouro seria destinado às guerras contraos infiéis, e que em todo caso os bispos tinham que ensinar"asoutras coias que vissem que poderiam ser aproveitadas paraque os índios trabalhassem bem".

Alguns dos primeiros bispos do Além Mar foram pessoasdignas, que se ocuparam de melhorar as condições em queviviam os índios. Porém muitos outros foram indolentes, parti-dários decididos dos colonos, ou nunca chegaram a tomarposse de suas dioceses.

Foram os dominicanos, chegados em 1510, os que maisse afadigaram pelo bem-estar e a verdadeira conversão dosíndios. Entre eles se encontra Antonio de Montesinos, a quemjá nos referimos anteriormente como o chefe do protesto con-tra o regime de encomendas. A comissão dos jerônimos queveio a Espanhola em conseqüência da agitação de Montesinose Las Casas sugeriu que se devolvesse a liberdade os índios ouque, se isso fosse impraticável, não se fizessem encomendasperpétuas, mas só por três anos, e que essas encomendasfossem estritamente supervisionadas pela coroa com o fim deevitar abusos. Quando a coroa decretou a liberdade dos ín-dios, houve resistência por parte dos espanhois, cujos argu-mentos pareciam confirmar-se com um rebelião dos índios. Oresultado foi que estes perderam a pouca liberdade que ti-

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nham, e muitos também a vida. Posteriormente os poucos queconseguiram sobreviver aceitaram o batismo de igual modoque aceitaram o domínio espanhol, porque não lhes restavaoutra alternativa.

Porto RicoA colonização da ilha de São João (mais tarde chamada

de Porto Rico) seguiu um processo semelhante ao que temosvisto em Espanhola. Em 1509 dom João Ponce de Leão explo-rou a ilha, e no ano seguinte Diego Colombo, que na ocasiãogovernava a Espanhola autorizou a conquistá-Ia. Com uma cen-tena de soldados, Ponce regressou a Porto Rico, onde estabe-leceu residência em Caparra. Dali, numa série de incursões,foram-se fundando outros centros, inclusive a atual capital deSão João, que os expedicionários transformaram em seu quar-tel general.

As capitulações que Ponce tinha firmado com Diego Co-lombo estipulavam que um dos propósitos da expedição seriaa evangelização da ilha. As diretrizes enviadas pouco depoispela coroa ordenavam que se tratasse bem aos índios, evitan-do os abusos que tinham ocorrido na Espanhola, e que sefizesse reunir grupos de crianças índias que deveriam receberinstrução religiosa e passá-Ias depois para o restante da popu-lação. Entretanto estas instruções não foram totalmente cum-pridas. Em Porto Rico também se implantou o regime deencomendas, com todos seus abusos. Os índios morriam aosmilhares. Os que fugiam para os montes eram caçados ecastigados cruelmente. Os religiosos queixavam-se dos expe-dicionários, muitos deles casados na Espanha, que violenta-vam as índias ou se amigavam com elas. Posteriormente apopulação indígena desapareceu, em parte por mortandade, eem parte por absorção.

Em 1512 chegou a Porto Rico seu primeiro bispo, domAlonso Manso. Este era um homem culto e refinado, cujaprincipal contribuição foi a fundação de uma escola de gramá-tica, com o propósito de ensinar o clero e a quaisquer outrosque quisessem assisti-Ia. Porém, ainda que o bispo Manso sejavenerado em Porto Rico por ter sido o primeiro prelado da ilha,o fato é que passou boa parte de sua carreira na Espanha. A

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sua morte em 1534, deixou a sede vaga, e não se nomeou outrosucessor senão em 1542.

Enquanto isso, o licenciado Antonio da Gama, tomouverdadeiro interesse pelos índios, e recebeu da coroa a tarefade protegê-los. Como parte de seu programa de defesa dosíndios, da Gama obteve na Espanha autorização para castigaros que maltratassem os naturais da ilha. Deste modo se suavi-savam um pouco os rigores do regime de encomendas eoutros abusos. O novo bispo, Rodrigo de Bastidas, conseguiu

Não foi senão algum tempo depois, quando São João veio a ser um impor-tante porto por ondo passava o ouro enviado a Espanha vindo do México edo Peru, que foram construídas as fortificações de São João, e a ilhacomeçou 8 roo voar-se.

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que devolvessem a liberdade a alguns índios. Porém tudo istonão bastou para salvar um povo condenado a opressão e aodesaparecimento.

De modo igual ao resto das Antilhas, Porto Rico ficoueclipsada com os descobrimentos e conquistas do México edo Peru. Muitos marcharam para essas terras onde o ouro eramais abundante. O próprio Ponce de Leão marchou para aFlórida, em busca de novas aventuras e maiores riquezas. Emconseqüência, para os fins do século XVI a ilha estava relativa-mente despovoada. No campo eclesiástico, havia, além dobispo, uma dezena de cléricos e um convento. Com esseescasso pessoal era necessário ministrar em toda a ilha.

Não foi senão algum tempo depois, quando São Joãoveio a ser um importante porto por onde passava o ouroenviado a Espanha, vindo do México e do Peru, que foramconstruidas as fortificações de São João, e a ilha começou aser repovoada.

CubaA conquista de Cuba foi feita de modo mais sistemático

do que ocorreu em Espanhola. Visto que Colombo tinha sus-tentado que se tratava de terra firme, a coroa sempre teveinteresse por empreender a conquista, colonização e evangeli-zação de Cuba. Posteriormente Sebastião de Ocampo, quedemonstrou que era uma ilha, se apresentou em Espanh lacom uma expedição de conquista e colonização. Diego V la -quez, com o título de Almirante, desembarcou no extr moriente da ilha com uns trezentos acompanhantes. Ali fundoua cidade de Baracoa, e recebeu reforços procedentes da Ja-maica sob o comando de Panfilo de Narváez. A expediçãodividiu-se então em três colunas. Duas seguiram pelas costas,marchando e navegando do leste para o oeste, e a terceira, sobo comando de Pánfilo de Narváez, marchou pelo centro.

A única oposição séria por parte dos índios foi a quedirigiu o cacique Hatuey, que tinha chegado da Espanholacom notícias sobre a crueldade e a avareza dos conquistado-res. Capturado finalmente, e condenado a morrer na fogueira,conta-se que Hatuey neg_ou-sea receber o batismo que, se-

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gundo O sacerdote, lhe abriria as portas do céu, pois se oscristãos iam para o céu ele não desejava estar com eles naque-le lugar.

Apesar dos índios praticamente não terem oposto resis-tência, os espanhóis. e em particular a coluna comandada porPanfilo de Narváez, se irritaram com eles. A matança de Cao-nao, na qual os espanhóis destruiram toda uma aldeia deíndios desarmados, foi somente um dos muitíssimos inciden-tes parecidos. Mais tarde se estabeleceu o regime de enco-mendas e o trabalho forçado em busca do escasso ouro quehavia. O desalento dos índios foi tal que em muitos casoshouve suicídios em massa. Outros morreram por causa dasenfermidades até então desconhecidas entre eles, e trazidaspelos espanhóis. Como no resto das Antilhas, a raça índiaestava destinada a desparecer, ou a ser absorvida pelos con-quistadores que se juntaram com as índias, de modo legal, ouilegalmente (ainda que quase nunca sem antes batizá-Ias, poisnão podiam unir-se com os infiéis).

Cuba, em grau maior do que Espanhola e Porto Rico,tornou-se o centro de expedições para terra firme. Foi nela quese organizaram as empresas dirigidas para o México e Flórida.Em vista da escassez do ouro, muitos colonos se transferirampara essas novas regiões. O resultado foi que, já em 1525, a ilhaestava submersa na pobreza. A sociedade indígena, desarticu-lada pela chegada dos espanhóis, e arrancada de suas tarefasna busca do ouro, não podia satisfazer as necessidades daescassa população. E logo houve revolta dos índios com asesperadas matanças. As comunicações entre as sete cidadesfundadas por Velasquez eram más e, em todo caso, as supos-tas cidades não passavam de pobres casebres. Em taiscircunstâncias, a igreja demorou para estabelecer-se devida-mente, e não foi senão para os fins do século XVI, com oestabelecimento de um convento franciscano e outro domini-cano em Havana, que a vida eclesiástica começou a ganharvigor.

Os escravos negrosDesde muito cedo iniciou-se o tráfico de negros africanos

para o Novo Mundo, para que se ocupassem dos trabalhos

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que os espanhóis não estavam dispostos a realizar. Já em1502, Nicolas de Ovando levou consigo para Espanhola váriosnegros, ainda que não trazidos diretamente da África, mas deSevilha, onde já eram escravos. Quando estes fugiram aprovei-tando as selvas tropicais, se deteve por algum tempo a impor-tação de escravos negros. Porém em 1505 Ovando reacendeuo desumano tráfico ao solicitar da coroa que fosse enviadauma centena de escravos negros. A partir de então, e namedida em que ia desaparecendo a população índigena dasAntilhas, a importação de escravos africanos aumentou. Em1516, Las Casas chegou a sugerir, como um modode protegeros índios, que se trouxessem mais escravos da África. Porémlogo se arrependeu de ter aconselhado tal coisa, e dedicou-setambém a defesa dos negros.

Alguns teólogos faziam reparos ao tráfico de escravos.Porém é notável que a principal discussão não tinha nada a vercom a injustiça da ,escravidão, mas sim com os direitos einteresses dos brancos envolvidos no assunto. Assim,por exemplo, quando em 1553 se autorizou a importação de23.000 escravos para o Mundo Novo, os teólogos que se opu-seram ao acordo basearam seus argumentos nos privilégiosexcessivos de certos banqueiros, que pareciam violar os direi-tos de outros espanhóis.

A conversão dos escravos se deu lentamente. Poucos seocupavam com ela, e se dava por certo que a instrução religio-sa para os escravos era responsabi lidade de seus amos. Poste-riormente toda população negra das Antilhas recebeu o batis-mo e se fêz cristã, apesar de ainda restarem velhos vestígiosdas religiões africanas, talvez em parte como um meio peloqual os negros "violentados" conservavam algo da sua digni-dade e identidade.

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VA serpente emplumada

Que deixeis vossos sacrifícios enão comais carne dos vossos

próximos, nem façais sodomiasnem as coisas feias que costumaisfazer, porque assim ordena nosso

Senhor Deus, que é o queadoramos e cremos e nos dá a vida

e a morte e nos há de levar aoscéus.

Hernán Cortés

As Antilhas não saciaram muito tempo as ânsias de ouro ede glória dos conquistadores. Logo começaram a dirigir suaatenção para novas terras, que prometiam ser mais ricas emais difíceis de conquistar. Para isso contribuiram os própriosíndios que, num esforço em desfazer-se dos invasores, lhesdiziam que para oriente, ou para o norte, ou para o sul, existiamgrandes reinos nos quais abundava o ouro. Em 1517 (o mesmoano que Lutero pregou suas famosas noventa e cinco teses),Francisco de Córdoba descobriu a península de Yucatán, on-de encontrou forte resistência por parte dos índios. No seuregresso, trouxe informações sobre a rica civilização maia, daqual um dos deuses era a serpente emplumada, Cuculcán.Pouco depois, movido pelas informações de Francisco deCórdoba, Juan de Grijalva explorou as costas do México, eregressou com notícias do grandee rico império asteca.

Tudo isto inspirou a Diego Velásquez, governador deCuba, a organizar uma expedição para explorar e conquistar aregião. Para dirigi-Ia, nomeou a Hernán Cortés, um tabeliãoque o havia acompanhado na conquista de Cuba. Quando a

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Em 1517 os espanhóis tiveram pela primeira vez cantata direto com acivilização maia. Foto de John C. Goodwin.

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Por todo pais, antigos monumentos, como as esculturas olmecas e aspirâmides de Teotihuacán, devam testemunho de uma antiguissimacivilização.

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A Serpente Emplumada - 79

expedição estava pronta, Velásquez pensou tirar o comandode Cortés. Porém este, inteirado dos planos do governador,zarpou sem esperar permissão.

Primeiros encontros com os índiosCortés e sua força de uns quinhentos homens e dezesseis

cavalos se dirigiram antes de tudo a ilha de Cozumel, ondetiveram a sorte de encontrar um espanhol, Jerônimo de Agui-lar, que tinha sido feito cativo pelos índios, e vivido com-elespor algum tempo. Aguilar seria um valioso instrumento deCortés, pois servia de intérprete. Havia também outro espa-nhol a quem os índios tinham aprisionado. Porém este outro,depois de ganhar sua liberdade, conquistou o favor do caci-que, casou-se e tinha família e, conseqüentemente, preferiuficar com os índios.

Cortés estimulou os índios a aceitarem o cristianismo.Quando eles se negaram, dizendo que seus deuses lhes ti-nham servido bem e que não tinham porque abandoná-los, Cortésordenou que os ídolos fossem destruídos e lançados de cimada pirâmide. Depois, no lugar em que antes estavam os deu-ses, puseram um altar com uma cruz e a imagem da Virgem, eo sacerdote Juan Diaz disse a missa. Aquele foi o primeiroindício dos métodos que Cortés projetava implantar na convêr-são dos índios.

De Cozumel, os conquistadores navegaram a Tabasco,onde encontraram forte resistência por parte dos índios. Po-rém, depois de três dias de luta a artilharia e a cavalaria espa-nholas se impuseram, e os índios se declararam vencidos. Trou-xeram então presentes a Cortés, entre os quais se contavamvinte mulheres para os chefes da expedição. Uma delas, Malin-che, a quem depois os espanhóis batizaram com o nom dedona Marina, servia a Cortés como intérprete, e posteríormcnte também seria sua concubina. Também ali os espanhóiergueram uma cruz e um altar, e celebraram a missa.

Foi provavelmente em Tabasco que Cortés se inteirou deuma velha lenda índia, que lhe serviu de instrumento em suatarefa conquistadora. Era a lenda de Quetzalcoatl, a serpenteemplumada que também era adorada pelos maias sob o nome

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Ma/inche, a quem os espanhois batizaram com o nome de dona Marina,servia de intérprete a Cortés.

de Cuculcán. Segundo a tradição, cujos detalhes não estão detodo claros, Quetzalcoatl tinha partido para o oriente numaembarcação feita de serpentes, dizendo que tinha que regres-sar a seu senhor, e que algum dia voltaria para as terrasmexicanas, a fim de reclamá-Ias para si e para seu senhor. A

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lenda dizia que esse regresso teria lugar no ano designado nocalendário mexicano como ce acatl, "uma cana". Parasorte deCortés, seu desembarque tinha ocorrido precisamente no tal

Na lenda de Quetzalcoatl, a serpente emplumada. era adorada tambémpelos maias sob o nome de Cuculcán.

ano, e assim o conquistador decidiu explorar a lenda fazendocorrer a notícia de que ele era Quetzalcoatl que regressavareclamando suas possessões.

De Tabasco, Cortés e os seus seguiram uma rota queposteriormente os levou a região de Tlascala, o mais poderosoe guerreiro dos estados vassalos dos astecas. No caminho,apesar das admoestações do padre Bartolomeu de Olmedo,que dizia que aquele não era o procedimento correto na con-versão dos índios, Cortés ia destruindo os ídolos, e exortandoaos naturais a abandonar os sacrifícios humanos e todos osseus maus costumes. A ironia estava que, apesar dos sacrifí-cios humanos, não havia razão para pensar que os costumesem questão eram menos dignos do que os dos espanhóis, queroubavam o quanto podiam, violavam as mulheres, e tratavamos índios como se não fossem seres humanos.

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Entre os astecas, o fim de uma era era motivo de dor ...seguido de grandes festaspelo começo da nova era. Foi muito perto de,momento semelhante a esteque Cortés chegou ao país.

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A marcha para Tlascala foi mais difícil que as anteriorespois se tratava de uma região com meio milhão de habitantes efortes exércitos. Freqüentemente os espanhóis viam-se emdifíceis situações militares nas quais só puderam salvar-segraças as suas armaduras, sua artilharia e seus cavalos. Poste-riormente, convencidos de que não poderiam vencê-los, ostlascaltecas decidiram estabelecer uma aliança com Cortés eos seus. Visto que a inimizade entre os astecas e os tlascaltecasera velha e profunda, a partir de então estes últimos foram osmelhores aliados dos conquistadores. Nesse caso, Cortésdeixou-se convencer pelas súplicas de Olmedo e, quandoseus novos aliados se negaram a destruir seus ídolos, não seatreveu a derrubá-los. O apoio dos tlascaltecas era demasiadoimportante, e o conquistador sabia que o perderia se nãoouvisse os conselhos do sacerdote.

TenochtitlánDurante toda essa longa marcha, Cortés tinha recebido

embaixadores e mensagens de Montezuma, o imperador aste-ca. Essas embaixadas que lhe rogavam que não continuassesua marcha para Tenochtitlán, também perguntava-lhe se defato era Ouetzalcoatl, a quem os astecas esperavam. Assim, ospróprios embaixadores deram a Cortés indícios de que suapolítica de aplicar a velha lenda estava tendo bons resultados.Em Tenochtitlán, Montezuma não se atrevia a dar a ordem quepoderia ter Iiquidado os espanhóis, por temor de que verdadei-ramente se tratasse de Ouetzalcoatl.

Ouando ficou claro que nada poderia dissuadi r o supostoOuetzalcoatl de seu propósito de visitar Tenhochtitlán, o impe-rador saiu para recebê-lo. Junto com ele, e acompanhado deenorme séquito, os conquistadores entraram na capitalmexicana.

A situação de Cortés era precária. Se bem que tinhaconseguido encontrar Tenochtitlán com um contigente dealiados tlascaltecas, ele se encontrava no meio de uma enormecidade da qual só era possível sair por calçadas que atravessa-

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vam O lago, e nas quais havia pontes que os astecas poderiamdestruir facilmente. Além do mais tinha partido de Cuba sem apermissão de Velásquez, de modo que a corte espanhola,diante da qual certamente o governador de Cuba protestaria,poderia considerá-lo rebelde. O único modo de evitar tal açãopor parte da coroa era assegurar-se do êxito do empreendi-mento, tanto nos campos político, econômico, militar, comono religioso.

Depois de poucos dias de chegar a Tenochtitlán Cortésrecebeu um convite da parte de Montezuma para que se unissea ele para uma visita ao templo do deus Huichilopochtli, aquem os espanhóis chamavam de "Huichilobos". As palavrasde Cortés no templo foram cheias de falta de respeito paracom a religião dos índios e o imperador, agravado, pediu-lheque se retirasse enquanto ele ofereceria sacrifícios de arrepen-dimento aos deuses por ter trazido o espanhol ao recintosagrado.

Aquele incidente, e vários outros, convenceram os espa-nhóis de que a hospitalidade com que tinham sido recebidosnão continuaria por muito tempo. Montezuma continuavatratando-os como se fossem visitantes que logo abandona-riam seus territórios. Naturalmente, os espanhóis não estavamdispostos a partir tão facilmente. Eposteriormente, seguindo oconselho de alguns de seus capitães, Cortés decidiu dar ogolpe fatal. Ele e um grupo de seus soldados se apresentaramno palácio imperial, capturaram a Montezuma, e o "convida-ram" a estabelecer sua residência com eles.

De posse da pessoa do imperador, Cortés julgou-se sufi-cientemente forte para destruir os ídolos. Porém seus primei-ros atos dessa índole causaram tal revolta na população, que oconquistador desistiu por algum tempo.

Chegaram então notícias de que Velázquez tinha enviadoa Pánfilo de Narváez para castigar o rebelde Cortés, e que elemarchava para Tenochtitlán com uma forte coluna. Cortéssaiu inesperadamente de Tenochtitlán, e caiu de surpresasobre Narváez, derrotou-o e recrutou quase todos seusseguidores.

De regresso a Tenochtitlán, Cortés percebeu que a situa-ção tinha-se deteriorado sobremaneira. Quando os princi-

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Cortés na batalha de Otumba. Quadro de Manoel Ramirez.

pais chefes índios estavam reunidos numa festa em honra deHuichilopochtli, os espanhóis cairam sobre eles e os mataramsem misericórdia alguma. Diante de tal atrocidade, o povo serebelou. Cortés tratou de acalmar os ânimos fazendo aparecera Montezuma. Porém este já havia perdido o respeito dos seus,que o apedrejaram de tal modo que morreu dentro de poucosdias.

A situação dos espanhóis era insustentável, pois se acha-vam sitiados no meio de uma enorme cidade, Porfim, em 30 dejunho de 1520, decidiram abandonar a capital. Naquela noitetriste perderam boa parte de seus soldados e cavalos, além dequase todo ouro que tentavam carregar. Na batalha de Otum-ba, Cortés, e os seus, puderam por fim reorganizar-se e derro-tar os astecas que os perseguiam.

Então começou para os espanhóis a difícil tarefa de con-quistar Tenochtitlán. Com a ajuda de seus aliados tlascaltecas,dedicaram-se a atacar várias cidades vizinhas, ao mesmo tem-po em que traziam desde a costa alguns navios, desmontadosem peças. Com aquela frota, montada de novo no lago, come-çou o assédio. Foi uma longa batalha. Os espanhóis e seusaliados tiveram que tomar a cidade de edifício em edifício e decanal em canal. Com os escombros iam enchendo os canais.

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Os sacrificios humanos foram um dos elementos da cultura as teca quemaior repugnância causaram aos europeus e, conseqüentemente, servirampara justificar muitos dos desmandos dos conquistadores.

Quando estavam suficientemente perto, puderam ver algunsde seus companheiros, feitos prisioneiros pelos astecas, sacri-ficados no alto da pirâmide onde estava o altar de Huichilo-pochtli. Finalmente, apesar da valorosa resistência dirigida porCuauhtémoc, sobrinho de Montezuma, a cidade e o próprioCuauhtémoc cairam nas mãos dos espanhóis. A conquistatinha terminado.

A partir de então, os outros caciques do México, temero-sos de que sucedesse em seus territórios o mesmo que tinhasucedido nos do poderoso Montezuma, foram-se dobrandodiante dos espanhóis, e declarando-se seus vassalos. Em 1525,diz-se que os astecas projetaram uma sublevação, e Cuauhté-moc e seu principal comandante foram enforcados. A conquis-ta de Yucatán levou mais tempo, porém se completou por voltade 1541.

Quanto a Cortés, seu enorme triunfo valeu-lhe o esqueci-mento pela corte espanhola de sua rebelião contra Velásquez,

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e lhe conferiu o título de Marquês do Vale de Oaxaca. Porémlogo depois, seguindo sua política de não permitir que ne-nhum conquistador se fizesse demasiadamente poderoso, acoroa começou a limitar seus poderes. Em parte para escaparde uma situação que se fazia cada vez mais apertada, Cortésdirigiu outras expedições a Honduras (1524) e a Baixa Califór-nia (1535). Finalmente regressou a Espanha, onde morreu em1547.

Os doze apóstolosEmbora dois sacerdotes acompanhassem Cortés desde o

princípio de sua expedição, é claro que não foram suficientespara a obra de conversão de tão grande império. Outros trêschegaram depois, entre eles o famoso Pedro de Gante, que sededicou ao ensino e mediante ele fêz um verdadeiro impactono país. Porém Cortés, que apesar de todas suas violências eracatólico sincero e até fanático, escreveu a Carlos V rogando-lhe que lhe enviasse frades, e não sacerdotes seculares nemprelados, pois os frades viviam na pobreza, e seriam um exem-plo para os nativos, enquanto que os seculares e os preladosse ocupariam mais com luxos e pompas, e nada ou poucofariam em prol da conversão dos índios.

Em resposta as petições de Cortés, chegaram a NovaEspanha (que assim se chamou o México) doze franciscanosaos quais depois se deu o título de "os doze apóstolos". Erampessoas dignas, que conservavam rigorosamente o ideal dapobreza de seu fundador São Francisco. Conta-se que umdeles, Toríbio de Benavente, escutou que, quando os francis-canos passavam os índios repetiam a palavra "motollnee" e,quando lhe disseram que queria dizer "pobre", decidiu queeste seria seu nome. É por isso que a história conhece o fradeToríbio, que depois se destacou pelas suas crônicas da época,como Motolinía. Outro deles, Martín de Valencia, a quem osfranciscanos elegeram chefe, foi tido como santo, e sua adora-ção continuou por muito tempo.

Ao receber aqueles franciscanos, Cortés ajoelhou-sediante deles e lhes beijou as mãos, diante do que os índioscomeçaram a perguntar-se que poder tinham aqueles pobrespregadores que o próprio Cartés se ajoelhava diante deles.

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a trabalho daqueles franciscanos, e dos muitos outrosfrades e sacerdotes que os seguiram, não foi fácil. De um lado,o ressentimento dos índios contra os espanhóis era grande,pois lhes haviam tomados as terras, muitos deles violaramsuas mulheres, e todos eles depreciavam as mais altas con-quistas de sua cultura, tratando-os como bárbaros. De outrolado, o triunfo dos cristãos parecia demonstrar que seu Deusera mais poderoso que os dos vencidos, e conseqüentementeeram muitos os índios que se apressavam em pedir o batismo,com a esperança de conquistar desse modo a boa vontade detão poderoso Deus.

a principal método que seguiram os franciscanos, e osoutros depois, foi estabelecer escolas onde ensinavam os fi-lhos dos caciques e dos índios mais importantes, com a idéiade que depois essas crianças voltassem para seus lares econvertessem a seus familiares. No princípio, muitos dos caci-ques trouxeram, não os seus filhos, mas outros, porque te-miam o mal que os sacerdotes pudessem fazer-lhes, ou quetomassem para escravos. Porém, pouco a pouco, foi aumen-tando o prestígio dos franciscanos, e assim foram aumentan-do os que estavam dispostos a enviar seus próprios filhos asescolas. Através desses alunos, um conhecimento rudimentardo cristianismo foi se estendendo por todo o país.

Em alguns casos, a popularidades dos frades foi tal quequando as autoridades decidiram mandá-los a outros lugarese substituí-los por sacerdotes seculares, os índios se revolta-ram tomaram a igreja, e obrigaram as autoridades a mudar depolítica.

Como em toda a América, este fato trouxe conflitos tantocom os sacerdotes seculares como com os colonizadores, quenão queriam senão explorar os desventurados índios. Enquan-to os frades os defendiam, os colonizadores se aproveitavamdo sistema de encomendas, que logo foi estabelecido tambémna Nova Espanha. Além do mais os sacerdotes seculares semostravam enciumados com a boa vontade que os fradestinham conseguido ganhar entre os índios, sem considerarque isso se devia, pelo menos em parte, ao que Cortés já haviadito em sua carta ao imperador, isto é, que os frades viviamcom o povo e compartilhavam com ele, enquanto muitos secu-

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lares não queriam senão o prestígio e a pompa de seus ofícios.Estas lutas entre os frades, os seculares e os conquistadoresduraram por várias gerações.

Uma das primeiras controvérsias na igreja mexicana tevea ver com os batismos em massa celebrados pelos primeirosmissionários. Depois da derrota dos astecas, e ao que parecetambém de seus deuses, os índios corriam para receber obatismo em grandes números. Os missionários pensavam quebastava conhecer algo do monoteísmo cristão, da doutrina daredenção em Cristo, o Pai Nosso e a Ave Maria. Alguns quepareciam tímidos, e por isso não podiam repetir o que se lhesensinava, também foram batizados. O resultado foi que osnovos cristãos eram contados aos milhões. Segundo os cálcu-los de Motolinía, nos primeiros anos foram batizados entrecinco e nove milhões de índios. Quase todos os missionárioscontam terem batizado centenas deles num só dia, e teremrepetido essa prática durante vários anos.

Tudo isso produziu certa controvérsia, sobretudo porqueexistiam outros motivos de ciúmes. Os missionários foramacusados, particularmente os franciscanos, não de batizar aspessoas sem a devida preparação, como era de se pensar, masde simplificar em demasia o rito batismal. Posteriormente aquestão chegou ao papa Paulo III, que exonerou de todopecado os que até então haviam oficiado um rito de batismodemasiadamente simplificado, porém deu instruções de que apartir de então se cumprisse o ritual que, sem ser tão complica-do como o que se praticava na Europa, não se limitava à água eà fórmula batismal, mas também incluía várias das cerimôniasque através dos anos se haviam somado ao rito da lavagem.Contudo, visto que o papa tinha dito que isto podia ser esque-cido em casos urgentes, houve todavia casos em que algunsmissionários batizaram grandes multidões num só dia, se bemque não se repetiu o que havia chegado a ter lugar antes dacontrovérsia, de batizar a vários de uma só vez aspergindo-lhes com um hissopo.

Frade Juan de ZumárragaPouco depois da conquista do império asteca, deram-se

os passos necessários para o estabelecimento da hierarquia

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eclesiástica no país. A primeira diocese fundada foi a de Tlas-cala, encomendada ao dominicano Julián Garcés, e que unsanos mais tarde se transferiu para Puebla. Em 1527, um anodepois da fundação do episcopado de Tlascala, a corte espa-nhola começou a conseguir com Roma a fundação de outradiocese na cidade do México, e propôs para ela o franciscanoFrade Juan de Zumárraga. Apesar da bula papal ter sido dadaem 1530, e Zumárraga ter sido consagrado em 1533, desde1527 ele esteve a cargo do clero diocesano do México. Em1547, quando se reorganizou a hierarquia das novas terras, sedesignaram três arquidioceses, que seriam sedes metropolita-nas dos demais bispados. (Até então, todos os bispados ameri-canos estavam sob a jurisdição metropolitana de Sevilha).Essas três arquidioceses foram as de São Domingo, a doMéxico e a dos Reis (Lima). Zumárraga foi feito então o primei-ro arcebispo do México, se bem que ocupou esse cargo porpouco tempo, pois morreu durante o primeiro ano.

A personalidade de Zumárraga na Nova Espanha nosrecorda a do Cardeal Cisneros na velha Espanha. Como Cis-neros, Zumárraga foi um erasmita convencido, e tratou de quea igreja neo-hispânica fosse fundada com as mesmas bases dareforma que Erasmo havia inspirado.'

Semelhante a Cisneros na Espanha, Zumárraga ocupou-se do estudo das letras. Foi em parte devidoa sua iniciativa quese levou ao México a primeira impressora que funcionou noNovo Mundo, e na qual se imprimiram numerosas obras para ainstrução dos índios. Entre as primeiras obras impressas secontava, como temos exposto, a Suma da doutrina cristã deConstantino Ponce da Fonte, que a Inquisição condenou emSevilha como protestante. Ainda que naquela suma, que Zu-márraga publicou sem mencionar seu autor, se encontravamdoutrinas de inspiração erasmita mais que protestante, o fatomesmo de escolhê-Ia para a instrução dos índios é sinal doespírito de Zumárraga.

Como parte desse espírito erasmita, Zumárraga deu osprimeiros passos para a fundação da universidade do México.Entrementes, apoiou decididamente a obra do colégio francis-cano de São Tiago de Tlatelolco, que muitos pensavam deve-ria ser a base da universidade. E uma vez mais este arcebispo

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neo-hispânico nos recorda o Cardeal Cisneros, que ocupouum papel de grande importância nos primeiros anosda univer-sidade de Alcalá.

Zumárraga recebeu também o título de "protetor dosíndios", e o recebeu tão seriamente que quando os ouvidoresdo rei se mostraram injustos para com os índios, e começarama explorá-los em benefício de seus parentes e amigos, o arce-bispo os admoestou. Quando os ouvidores responderam compalavras e ações mais fortes Zumárraga deu parte à corte, e osfêz depor.

Todavia, semelhante a Cisneros, Zumárraga combinavaseu espírito erasmita com um fanatismo inquisitorial. Quan-do, em 1536, se estabeleceu a Inquisição no México, Zumárra-ga recebeu o título de "inquisitor apostólico". Entre essa data e1543, sob sua direção, houve cento e trinta e um processos,dos quais a maioria foi contra espanhóis, e treze contra índios.O mais famoso destes processos foi o de dom Carlos Chichi-mectecotl, um cacique de Texcoco que tinha estudado nocolégio de Tlatelolco, e a quem se acusava de conservar ído-los, de falar desrespeitosamente dos sacerdotes e viver emconcubinato. O acusado confessou que vivia com sua sobri-nha, e que na sua casa se encontravam alguns manuscritosíndios e ídolos que ele disse conservar por curiosidade. Nin-guém testemunhou tê-lo visto adorando os ídolos. Porém oque no final das contas fêz com que ele fosse condenado foique alguém declarou haver escutado ele dizer que os cristãostinham várias mulheres que se embriagavam, que seus sacer-dotes não podiam contê-los, e que por isso seu Deus e suareligião não eram dignos de crédito. Sobre essa base, Chichi-mectecotl foi levado a fogueira.

Este fato serviu de argumento para aqueles que diziamque não se devia instruir aos índios, pois era perigoso. Entreeles se contava o conselheiro do vice-rei, Jeronimo López, que-dizla, num escrito que se conservou, que os índios não deviamreceber instruções, pois eram inteligentes, e ao aprender aescrita poderiam comunicar-se entre si de um oceano a outro,coisa que não podiam fazer antes. Além disso, dizia o mesmoautor, ensinar-lhes a ler e pôr suas mãos na Bíblia era abrir asportas a todas classes de heresias. Os índios deviam permane-

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cer ignorantes, e o colégio de São Tiago devia ser fechado.Este era o início do temor que se escondia por detrás da

opinião das autoridades religiosas sobre se os índios deviamordenar-se ou não. Em 1539, numa assembléia presidida porZumárraga declarou-se que poderiam receber as quatro or-dens menores, porém não as que tinham funções sacramen-tais. Em 1544, numa comunicação a Carlos V, os dominicanosargumentaram que os índios eram incapazes de serem orde-nados e que, conseqüentemente, tampouco deviam estudar.As vezes se apresentava, além do argumento da suposta inca-pacidade dos índios, a velha lei espanhola que não permitiaque fossem ordenados os descendentes dos infiéis, até a quar-ta geração.

O mesmo espírito prevalecia nos mosteiros, apesar deque os frades franciscanos estavam mais dispostos a convivercom os índios. O mais que se lhes permitia era viver no mostei-ro, onde usavam batina cor de café atada com uma corda.Porém não se lhes admitia a ordem nem sequer como irmãosleigos, nem se lhes permitia fazer votos. Se algum deles não secomportava como os demais criam que deveria fazer, simples-mente o expulsavam do mosteiro. Tal política foi seguida aténo caso das conversões mais sinceras, como a de um caciqueque ao ler a vida de São Francisco desfez-se de todos seusbens e passou o resto de seus dias tentando ser admitido nomosteiro. Ainda que, por fim, pela insistência do arcebispo, osfranciscanos de Michoacán o admitiram, nunca lhe permitiramfazer os votos permanentes.

Em 1588 uma ordem real declarou que tanto as ordenssacerdotais como a vida monástica deviam estar abertas aosmestiços. Porém em 1636 o rei se queixou de que no Méxicoestavam-se ordenando demasiados "mestiços, ilegítimos eoutros defeituosos". Não foi senão muito tempo depois que secomeçou a ordenar livremente aos índios.

A Virgem de GuadalupeA lenda da Virgem de Guadalupe, objeto de devoção de

boa parte do povo mexicano até o dia de hoje, teve suasorigens pouco depois da conquista, e parece ser um modo em

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A Virgem de Guadalupe teve suas origens pouco depois da conquista, eparece ser um modo pelo qual a consciência indígena protestou contra aviolação de que era objeto.

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que a consciência indígena protestou contra a violação quecontra ela se fazia. Segundo a lenda, em 1531 o índio JuanDiego passava perto da colina de Tepeyac quando ouviu umamúsica, e a vozda Virgem que o chamava, dando-se a conhe-cer, e dando instruções para o arcebispo Zumárraga no senti-do de que desejava que se construísse uma capela naquelelugar. O índio foi ao arcebispo, que não lhe deu crédito. Depoisde uma segunda aparição, e de uma segunda entrevista comZumárraga, este continuava incrédulo. Finalmente, na terceiraaparição, a Virgem disse a Juan Diego que seu tio Juan Berna-dino, que estava enfermo, sararia, porém que ele deveria reco-lher umas flores e levá-Ias ao arcebispo. Assim fêz o índio, equando desembrulhou a manta em que trazia embrulhadas asflores, apareceu nela a imagem da Virgem de Guadalupe.Nesse mesmo dia, continua a lenda, Juan Bernardino sarou.Zumárraga, convencido pelo milagre da túnica pintada, fêzconstruir um templo em Tepeyac, para onde todos acudiramem devoção e gratidão.

Uma das dificuldades que esta história apresenta é quenão se conserva testemunho algum de Zumárraga sobre todosesses acontecimentos que, se verídicos, deveriam ter comovi-do o incrédulo bispo. Porém há mais, pois o frade Bernardinode Sahagún, bom historiador dos acontecimentos daqueletempo, conta que o monte de Tepeyac era o lugar em que serendia culto a mãe dos deuses mexicanos, cujo nome eraTonantzin, isto é, "nossa mãe". Segundo diz Sahagún, iampara o local multidões para oferecer sacrifícios à deusa, edepois que se construiu o templo cristão continuavamchamando-a Tonantzin, dando a entender que esse nomequeria dizer "Mãe de Deus". Para o cronista piedoso, o ocorridoali é uma "invenção satânica, para encobrir a idolatria debaixodo equívoco deste nome Tonantzin". Em outras palavras, Sa-hagún, que viveu naquele tempo, dá a entender que o queaconteceu foi simplesmente que o velho culto indígena rece-beu um verniz cristão.

Seja qual for a verdade neste caso, o fato é que o culto aVirgem de Guadalupe parece ao historiador de hoje como umprotesto, talvez inconsciente, de um povo oprimido. A lenda deJuan Diego afirma que a Virgem apareceu ao humilde índio, e

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Naquelas missões ou redutos, os frades tratavam de protegê-los tanto dosíndios que não se submetiam como dos espanhois que procuravam explorá-los.

não ao letrado e poderoso bispo espanhol. Depois, o bispoteve que aceitar o que dizia o índio. Além do mais, a relaçãoentre Guadalupe e Tonantzin aponta para o fato de que, aindaque os espanhóis pudessem derrubar os templos, os senho-rios e as instituições dos índios, sempre restava um centro deresistência, que permitia ao índio conservar sua dignidade eseu orgulho em sua própria história. Desde seus primórdios alenda da Virgem de Guadalupe pode ser vista como protestode um povo oprimido. E não é então por pura coincidência quequando o povo mexicano se rebelou contra o regime espanhola Virgem de Guadalupe foi seu estandarte.

Novos horizontesQuase tão rápido como foi conquistado o império asteca,

os espanhóis começaram sonhar com novas conquistas. ocacique de Michoacán, em vista do sucedido em Tenochtitlán,se fêz vassalo do rei da Espanha em 1525, e para lá foram os

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franciscanos fundar missões e converter os índios. Depois,durante o resto do século XVI, os franciscanos se estabelece-ram nos atuais estados mexicanos de Durango, Sinaloa eChihuahua. Em vários desses lugares seguiu-se o método dejuntar os índios num povoado, chamado de "missão" ou "redu-tos", no qual viviam sob a tutela dos frades. Ali aprendiam tantoo catecismo como as artes agrícolas e, às vezes, algumasletras. Desse modo os frades tratavam de protegê-los tantodos índios que não se submetiam como dos espanhóis quebuscavam uma maneira de explorá-los.

A expansão espanhola para o norte recebeu o impulso dedois sonhos. Um deles, a esperança de encontrar uma passa-gem maríti ma entre o Pacífico e o Atlântico, levou à exploraçãodo Golfo da Califórnia, pois por muito tempo pensou-se que aBaía da California fosse uma ilha, e que de algum modo sepoderia passar do Golfo da Califórnia para o Atlântico. O outrosonho foi o das "Sete Cidades de Ouro", que algum índio falouaos espanhóis, e que os impulsionou quase diretamente para onorte, nas regiões do Novo México. Mais tarde, a ameaça dosfranceses na Luisiana, e dos russos no Norte da Califórnia,inspirou aos espanhóis o estabelecimento de bases e missõesno Texas e penetrar ainda mais na Califórnia.

Os primeiros intentos de colonização e evangelização naBaía da Califórnia foram falidos. Mais tarde, foram os jesuítasque conseguiram estabelecer-se, primeiro, na costa orientaldo Golfo e, por último, na península mesma. O mais destacadomissionário nessa obra de expansão foi Eusébio FranciscoKino, de origem italiana, que fundou uma cadeia de missõesmuito além do domínio espanhol. Para essas missões de Kinoe aos demais jesuítas que trabalharam sob suas ordens leva-ram gado e sementes de várias plantas européias. Foi Kinoquem primeiro descobriu que a Baía da Califórnia era naverdade uma península. Posteriormente suas missões chega-ram até o Arizona, se bem que o próprio Kino viajou muitomais além de sua mais remota missão, e sonhava converter osapaches quando morreu em 1711. Outros continuaram a obra,porém em 1767 a corte decretou que todos os jesuítas fossemexpulsos dos territórios espanhóis. Várias das missões foram

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ocupadas pelos franciscanos, dominicanos e outros. Muitasficaram abandonadas.

Os franciscanos se interessaram pela região da Alta Cali-fórnia (o atual estado da Califórnia dos Estados Unidos) noséculo XVIII. Quando o governo espanhol organizou uma ex-pedição para explorar e colonizar a região, ofradefranciscanoJunípero Serra uniu-se a eles, e se dedicou a fundar missõespor todo o sul da Alta Califórnia. Frade Junípero foi um incan-sável missionário, que muitas vezes chegou mais adiante dosterritórios em que se podia contar com a proteção das armasespanholas, e que se destacou por sua defesa dos índiosdiante dos abusos dos colonizadores.

Porém o maior esforço dos franciscanos dirigiu-se dire-tamente para o norte, onde os conquistadores buscavam assonhadas Sete Cidades. Umas vezes junto com os conquista-dores, outras vezes depois deles, e outras vezes antes, osfranciscanos foram abrindo caminho pelo centro do México,até o Novo México, onde os espanh6is fundaram em 1610 aVila Real da Santa Fé de São Francisco de Assis, conhecidahoje simplesmente por Santa Fé. Vinte anos depois, cinquentamissionários cuidavam de mais de sessenta mil índios batiza-dos no Novo México. Porém em 1680 houve uma granderevolta dos índios. Entre os quatrocentos espanhóis mortos secontavam trinta e dois franciscanos. Obrigados a recuar para osul, os espanhóis empreenderam a reconquista da região em1692, e logo os missionários trabalhavam de novo entre osíndios, onde continuaram depois apesar de repetidas insurrei-ções.

A presença dos franceses na Luisiana foi o que levou ogoverno espanhol a interessar-se pelo Texas, se bem queantes Alvar Núnez Cabeça de Vaca tinha atravessado a região.Em fins do século XVII se estabeleceram as primeiras missõesfranciscanas no Texas, e nos próximos cem anos foram funda-das mais de vinte.

Enquanto tudo isso sucedia no norte, e muito antes doque acabamos de relatar, no sul da Nova Espanha os espa-nhóis marcharam para os territórios maias de Yucatán, Guate-mala e Honduras. A conquista de Yucatán demorou váriasdécadas para completar-se e não foi senão em 1560 que por

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Em fins do século XVII seestabeleceram as primeirasmissões franciscanas no Texas,e nos próximos cem anosforam fundadas mais de vinte.Da maioria delas não restammais que ruínas.

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fim se nomeou um bispo para a região. Porém, ali já tinhamtrabalhado missionários, principalmente os franciscanos. Emmuitos casos permitiu-se aos caciques yucatecos manter algode sua autoridade, se bem que sob a tutela dos espanhóis. AGuatemala foi conquistada em 1524 por Pedro de Alvarado,lugar-tenente de Hernán Cortés, e em 1534 o papa Júlio IIIestabeleceu a diocese da Guatemala. Honduras, sem dúvida,foi motivo de conflitos entre os espanhóis procedentes donorte, enviados por Cortés, e os do sul, mandados por Pedra-rias Dávila, governador do Panamá. Depois de longas conten-das, Pedro de Alvarado conseguiu impor-se e estabelecer seugoverno, sob o de Nova Espanha, na nova cidade de SãoPedro Sula. Além do mais, a resistência dos índios sob ocomando do cacique Lempira, foi valente e prolongada. Em1540 Alonso de Cáceres fundou a cidade de Comayagua (aNova Valadolid), que veio a ser a sede da primeira diocese deHonduras. Em todas essas expedições havia clérigos encarre-gados de cristianizar os índios, porém apesar disso a obramissionária nesses territórios marchou mais lentamente queno México.

Finalmente, foi também a partir do México que se em-preendeu a conquista das Filipinas. Magalhães tinha visitadoesse arquipélago em 1521, e depois houve várias expediçõesorganizadas no México. Finalmente, a expedição de MiguelLópez de Legazpi, que chegou às Filipinas em 1565, iniciou aconquista. Em 1572foi fundada a cidade de Manilha. Visto quehavia naquele arquipélago um bom número de tribos converti-das ao Islamismo, os espanhóis deram aos naturais o nome de"mouros", pelo qual são conhecidos até o dia de hoje. Apartedos mouros, e do forte contingente chinês que habitava o país,os espanhóis não tiveram maiores dificuldades em conquistá-lo.

Os motivos da conquista das Filipinas não foram os mes-mos do empreendimento americano, pois o que se buscavanão era ouro nem grandes riquezas, mas sim uma base para ocomércio com o Oriente, e para as missões nessa região. Porisso, e porque os missionários gozavam de maior poder, osabusos cometidos contra os filipinos, ainda que freqüentes,não foram tantos como os que se cometeram na América.

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Porém também ali existiu a luta entre colonos e missionários, eentre as diversas autoridades religiosas. Além do mais, porqueos missionários espanhóis pensavam que os filipinos eramseres inferiores, incapazes de governar suas próprias vidas oude cumprir com as responsabilidades do ministério ordenado,as Filipinas não se tornaram o centro missionário que se espe-rava. Se bem que alguns missionários espanhóis partiramdesse arquipélago para trabalhar na China e no Japão, suasobras não tiveram bom êxito, e posteriormente foramsuspensas.

Castela do Ouro

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VICastelado ouro

Nossos convertedores tomaram-lheso ouro e as mulheres e os filhos e

os demais bens, e deixaram-lhescom o nome de batizados.

Gonçalo Fernández de Oviedo

Em 1509 concedeu-se a Diego de Nicuesa o comando deuma expedição que deveria colonizar a região de Veragua.Este era o nome que se dava a uma região de limites maldefinidos, que incluía parte da América Central e do Panamá.A expedição, todavia, não teve bom êxito, e posteriormente ossobreviventes tiveram que receber a duvidosa hospitalidadede seus compatriotas que pouco antes tinham fundado a coló-nia de Santa Maria de Antigua, no Golfo de Urabá. Estes outroscolonos não receberam bem a Nicuesa, e finalmente lhe de-ram um velho navio para que ele e os seus regressassem aEspanha ou a Espanhola. Mas todos eles se perderam no altomar.

Vasco Núnez de BalboaA colônia de Santa Maria de Antigua, onde se refugiou

Nicuesa, e que também o recebeu mal tinha sido fundada em1510 por uma expedição sob o comando do bacharel Martín de

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Enciso. Ali também houve discórdias, em parte pela má admi-nistração de Enciso, que parecia incapaz de organizar a vidada pequena comunidade e prover-lhe de alimentos. Posterior-mente, Vasco Núnez de Balboa, um intrépido aventureiro quetinha-se unido ilegalmente à expedição, conseguiu chegar aopoder. Enciso foi deposto e enviado de volta a Espanha, ondese dedicou a solapar na corte a autoridade de Balboa.

Entretanto, Balboa demonstrou ser um dos melhores diri-gentes de todo o empreendimento colonizador. Logo ganhoua amizade dos índios da região vizinha, com os quais podeobter alimentos para sua gente e, sobretudo, ouro para enviara Espanha para assim conseguir a simpatia da coroa. Depoisde poucos meses de tomar o poder na colônia, na primaverade 1511, iniciou uma viagem de exploração para o oeste. Suamarcha foi pausada, pois em cada novo cacicado detinha-separa estabelecer boas relações com o cacique e os seus. Naspoucas vezes em que usou a força, foi muito comedido, e seassegurou de fazê-lo como aliado de algum dos chefes índioscujos territórios eram atacados pelos outros. Rapidamenteconquistou grande respeito e afeto por parte dos índios. Fossepor medo, ou por qualquer outra razão, o fato é que a expedi-ção de Balboa contou com abastecimentos, ouro e mulheresprovidenciadas pelos índios. Quando algum chefe índio semostrava disposto a isso, Balboa o fazia batizar junto aos deseu povo, ainda que quase sempre com pouquissíma prepara-ção ou explicação do significado do rito. Quando muito, selhes dizia que por ele se tornariam cristãos e, conseqüente-mente, é provável que muitos caciques entenderam que o queestavam fazendo era comprometer-se numa aliança com Bal-boa, a quem chamavam de Tiba, que quer dizer, "caciquecristão".

No ano seguinte, depois de enviar para a Espanha o ouroobtido até a ocasião e de receber de Fernando a confirmaçãode seu cargo como governador da província de Darién, Balboadirigiu outra campanha de exploração, agora não mais para ooeste, e sim para o sul do Golfo de Urabá, embrenhando-sepelos seus rios. Ali encontrou também muito ouro lavrado.Porém ao indagar do lugar de onde vinha, os índios lhe disse-ram que era lavrado nas terras do cacique Dabeiba, perto dali

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um pouco para o leste, e que esse cacique não tinha minas,mas que obtinha-o de outros índios maisguerreirose morado-res mais distantes que ele. Diante de tais notícias, Balboadesistiu do empreendimento e se dedicou a projetar outro demaior envergadura.

Na sua expedição de 1511 para o oeste, Balboa tinharecebido repetidas notícias de um grande mar que se extendiaao sul do istmo, e no qual navegavam barcos tão grandescomo os dos espanhóis, segundo as informações do filho docacique Conagre. De tudo isso o governador de Darién man-dou informar ao rei, dizendo-lhe que a terra era rica em ouro,que havia todo um mar para explorar e reinos para conquistar,e que para isso lhe pedia que enviasse-lhe um contingente demil homens. Porém o que recebeu foram notícias de que Fer-nando e seus conselheiros, ao aperceberem-se da magnitudeda operação, não criam que deveria tal operação ficar nasmãos de um aventureiro como Balboa, e que tinham nomeadoa Pedrarias Dávila para dirigir a nova expedição, e substituirBalboa. Em tudo isso se via também a mão do bacharel Enciso,que se preparava para regressar com Pe'drarias.

Diante de tais notícias, não restavaa Balboa outro recursoalém de mostrar sua habilidade. Com um punhado de homense com a ajuda de muitíssimos índios dirigiu-se ao "Mar doSul". Mesmo que fosse época de chuvas, e que o aconselhávelera esperar mais uns meses, o arrojado aventureiro e os seuspuseram-se em marcha. Uma vez mais a amizade e o apoio dosíndios foram de grande valor, pois a expedição não se extra-viou nem uma só vez, mas, sim, marchou diretamente para seuobjetivo. O único ato bélico foi a tomada de uma aldeia quepoderia oferecer resistência, e que pertencia a um grupo deinimigos dos índios que os ajudava. Em fins de setembro de1513, Balboa viu pela primeira vez o Oceano Pacífico, a quemchamou de "Mar do Sul" por tê-lo encontrado marchandonessa direção. Pouco depois, numa cerimônia formal, tomouposse dele em nome da coroa espanhola.

No regresso deu-se um incidente que manchou a carreirade Balboa. O cacique de Pacra, que segundo outros índiostinha minas de ouro, negou-se a dizer aos espanhóis ondeestavam. De fato, não haviam tais minas. Porém os espanhóis

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Balboa tomou posse do Mar do Sul em nome da coroa espanhola.

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mandaram cachorros para enfrentar o cacique e vários de seuslugar-tenentes, e depois queimaram seus corpos.

Castela do OuroA comissão real entregue a Pedrarias Dávila dava à região

o nome de "Castela do Ouro", pelo qual pode ver-se o impactoproduzido pelos informes de 8alboa e pelo ouro que haviamandado (deve-se lembrar que nessa época não se conhe-ciam os tesouros do México e do Peru). Tão seguros e prome-tedores eram os planos do rei e seus conselheiros, que obtive-ram do papa a promessa que Santa Maria e Antiga fosse feitacabeça da diocese, e nomearam para ocupar seu episcopadoo frade franciscano Juan de Quevedo.

Entretanto, os resultados da expedição de Pedrarias, e oposterior governo dele, foram totalmente o contrário do que seesperava. O próprio Pedrarias era um homem enfermo queraras vezes marchava com suas tropas, e que não se preocupa-va por limitar ou castigar os desmandos das mesmas. Seulugar-tenente, um tal Ayora, era cruel e cobiçoso. Tão logochegaram a Santa Maria, muitos dos expedicionários ficaramenfermos, ao mesmo tempo que Ayora destruia os trabalhosdiplomáticos de 8alboa inimizando-se com os índios. Quandoalguns caciques lhe trouxeram comida, e lhe fizeram umafesta, Ayora os fêz prisioneiros e os matou porque não trouxe-ram suficiente ouro. Muitos índios foram divididos em enco-mendas. Finalmente, todos os índios vizinhos fugiram e seesconderam. Os espanhóis saquearam suas cabanas e rouba-ram seus pertences. Porém logo começaram a passar fome.Nenhum espanhol se atrevia a sair de Santa Maria sem umforte contingente armado, porque os índios atacavam. Quan-do saiam em ataque, os índios se escondiam. Diz-se que maisde quinhentos espanhóis morreram, muitos deles de fome. Aprometedora Castela do Ouro tinha-se tornado um inferno.

O bispo Quevedo, que tinha vindo com autoridade desupervisor, decidiu regressar a Espanhacom a intenção de infor-mar o rei dos maus manejos de Pedrarias e seus lugar-tenentes. Muitos outros insistiram nos seus desejos de partirpara Cuba ou a Espanhola. Devido a escassez de víveres, o

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governador não pode senão deixá-los ir. Entre os que partiramse encontravam os missionários franciscanos enviados na ex-pedição, que decidiram marchar para Espanhola tanto porquenão viam possibilidade alguma de êxito em suas tarefas comoem sinal de protesto contra o que estava ocorrendo. Balboa,que estorvava Pedrarias, foi enviado numa missão sem sentidopara o Mar do Sul. O aventureiro saiu, se bem que de maugrado, confiando que quando a corte recebesse notícias doque sucedia, Pedrarias seria destituído. Porém o governadorconseguiu interceptar algumas das mensagens dirigidas poralguns de seus partidários para a Espanha, e o acusou detraidor, e em 1519 mandou executá-lo. Foi então, em partepara manchar a memória do explorador, que Pedrarias mar-chou para o Mar do Sul, tomou posse de novo como se Balboanunca estivesse estado ali, e fundou nas suas costas a cidadedo Panamá.

Por muito tempo a antes prometedora Castela do Ourotornou-se um pesadelo para os colonizadores espanhóis, atéque, com a conquista do Peru, transformou-se em importanteponte entre os dois oceanos.

Para a América CentralFora as visitas às costas centro-americanas por parte de

Colombo e de outros navegantes, a primeira exploração desseterritório foi a da expedição de Gil Gonçalves Dávila, em 1522,sob a jurisdição de Pedrarias Dávila. Era acompanhado pelosacerdote Diego de Aguero, que foi o primeiro sacerdote avisitar o interior da Costa Rica e Nicarágua. Segundo se contadetalhadamente, foram batizados nesta expedição 9.287 ín-dios, se bem que em seu informe ao rei (na ocasião Carlos V)Gil Gonçalves falava de 32.000 convertidos. Em todo caso, daprofundidade de tais conversões poderá o leitor fazer umaideia, só tendo em conta que na província de Guanacaste, nosterritórios do cacique Nicoyz, batizaram-se 6.063 pessoas de-pois de dez dias de ensinamentos cristãos. Mesmo que osinformes dos expedicionários dêem a entender o contrário,houve casos de exploração e abusos, e o dito que encabeça opresente capítulo refere-se concretamente a esta expedição.

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No ano seguinte, com base na exploração de Gil Gonçal-ves, Pedrarias Dávila enviou uma nova expedição sob o co-mando de Francisco Fernández de Córdoba. Porém o queinteressa à história posterior, e que é interessante notar, é queessa expedição foi custeada em parte por Francisco Pizarro eDiego de Almagro, e que Hernando de Soto tomava parte dela.Em 1524 Fernández de Cordoba fundou as cidades de Leão eGranada. Porém, pouco depois, Pedrarias Dávila supôs queseu Iugar-tenente estava em contato com Hernan Cortés, como propósito de colocar sua colônia sob o comando do conquis-tador do México. Pedrarias marchou então para a Nicarágua, efêz processar e executar a Fernández de Córdoba na praçapública de Leão. A partir de então Pedrarias ficou como gover-nador da Nicarág ua.

Em 1531,foi concedida a Leão a categoria de sede episco-pal, e por algum tempo seu bispo foi cabeça da igreja na maiorparte da América Central.

Da Nicarágua partiram então outras expedições para aCosta Rica. Uma destas, sob o comando de Diego Gutiérrez,foi atacada pelos índios, e somente escaparam com vida ocapelão e outro espanhol que depois relatou os crimes queprovocaram a vingança dos índios.

Acontecimentos semelhantes a estes ocorreram repeti-das vezes, sobretudo depois da conquista do México. De qual-quer lugar aparecia um novo capitão que sonhava ser umoutro Cortés, sem aperceber-se de que as circunstâncias naAmérica Central eram bem distintas. Porém, pouco a poucoforam sendo fundadas as que são hoje as principais cidadescentroamericanas, e os índios foram se convertendo umasvezes pela força, e outras simplesmente deixando-se levarpelo prestígio e poderio espanhol.

Talvez o mais interessante capítulo da história eclesiásti-ca da América Central naqueles primeiros anos é o que serefere ao padre Juan de Estrada Rávago. Este era uma combi-nação de franciscano renegado, conquistador ambicioso, mis-sionário benévolo para com os índios, e cortesão fracassado.Estrada estava a ponto de regressar para Espanha, em obe-diência a um mandato real que ordenava que todos os ex-religiosos que se encontravam nas fndias regressassem a Pe-

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nínsula, quando se inteirou de que Juan de Cavallón, que tinhasido comissionado pela Audiência da Guatemala para con-quistar a Costa Rica, não contava com os fundos necessáriospara a empresa. Estrada ofereceu os seus, e uniu-se a expedi-ção. Posteriormente, ficou com a responsabilidade da novacolônia, onde, com uma única exceção, evitou toda violênciacontra os índios. Além disso, aprendeu a língua dos nativos dolugar e percorreu boa parte da região construindo igrejas,catequizando e batizando. Com seus próprios fundos com-prou roupas, alimentos e sementes que fêz distribuir tantoentre os espanhóis como entre os índios. Por isso logo foramenviados do México doze franciscanos para ajudá-lo na tarefaevangelizadora. Perante a côrte, Estrada fazia gestões paraque o nomeassem bispo, visto que de fato era o chefe daempresa colonizadora. Porém o máximo que recebeu foi otítulo de Vigário da Costa Rica. Em 1562, o governo de CostaRica foi confiado pela côrte a Juan Vázquez de Coronado. Elogo surgiram diferenças entre este e o sacerdote, que sededicou a continuar seu trabalho missionário, se bem que háindícios de que obstruiu a obra do governo de Vázquez. Estra-.da partiu então para a Espanha com intenção de conseguirpara si o bispado da Costa Rica. Vázquez de Coronado teveque enfrentar então sérias dificuldades com os índios, a quemos espanhóis exploravam cada vez mais e que repetidamentese revoltavam. Depois da morte de seu rival, Estrada regressoua Costa Rica para continuar seu trabalho missionário, se bemque sem o título de bispo que tanto ambicionava. Em 1572retornou definitivamente para a Espanha, onde passou seusúltimos dias.

Em fins do século XVI, a maioria dos índios da AméricaCentral se chamavam cristãos. Porém ainda havia grandesregiões que não estavam exploradas, nas quais os índios con-servavam sua independência. Além do mais, nas regiões su-postamente cristianizadas os sacerdotes eram muito poucos,e seu trabalho se achava obstruído pela enorme má vontadeque os conquistadores tinham criado com sua sede de ouro.Castela do Ouro nunca deu a Espanha o precioso metal que seunome parecia prometer.

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VIINova Granada

... aqueles índios estão fartos deguerra e escandalizados pelos

maus tratos que os espanhóis lhestém dado ... tomando por várias

vezes seus filhos, mulheres eparentes e fazendo-os escravos e

roubando suas fazendas.

Frei Martin de Calatayud

A pequena colônia de Santa Maria a Antiga, à qual já nosreferimos no capítulo anterior, era tudo o que restava da con-cessão feita pela coroa a Alonso de Ojeda em 1508, de quasetoda a costa norte do que é hoje a Colômbia, desde o Golfo deUrabá até o Cabo da Vela. Posto que jácontamos as peripéciasda colônia de Santa Maria a Antiga, não as repetiremos, masnos contentaremos em assinalar que foi ali que se empreen-deu a conquista do continente sulamericano, se bem que,como temos visto, logo o empreendimento se concentrou parao oeste e o norte, isto é para os atuais territórios do Panamá eAmérica Central. Posteriormente Santa Maria foi abandonada,e durante quase dois séculos os contatos entre os europeus eos habitantes da região foram escassos e esporádicos.

Santa MartaA colonização permanente do continente sulamericano

começou então em 1525, quando Rodrigo de Bastidas fundoua cidade de Santa Marta, que ainda hoje existe. Bastidas soube

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Nova Granada - 111

'"IX)-M01()cn~oal.

Nova Granada

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cultivar e conservar as boas relações com os índios. Porémpara conseguir isso teve que mostrar-se duro com seus pró-prios compatriotas, que o obrigaram a regressar a Espanhola.A partir de então os colonos se dedicaram a assaltar e exploraros índios, com os mesmos resultados que já temos visto emSanta Maria a Antiga. Em 1531, o dominicano frei Tomás Ortizfoi feito bispo de Santa Marta e, j unto a vinte correligionáriosseus, dedicou-se a regular a vida religiosa e moral da colônia ea restabelecer as boas relações com os índios. Porém a isto seopunham os colonos, que se tinham deixado deslumbrar pelaslendas do Eldorado, onde o ouro era "abundante, e assimtratavam de descobrir a mística terra assaltando os índios noseu afã de forçá-los a dizer-lhes onde havia ouro. Os espa-nhóis não contavam com o valor dos índios, que os derrotaramem várias de suas saídas e por fim atacaram a própria cidade.Mas, vencidos finalmente os índios, desatou-se contra elesuma onda de terror e crueldade que o bispo se viu impossibili-tado de impedir. Desalentado, e talvez com o propósito deprestar contas às autoridades espanholas, o bispo Ortiz partiupara a Espanha, onde morreu sem poder fazer gestão alguma.

VenezuelaEnquanto isso, Carlos V, cuja política européia requeria

fundos que todas as suas colônias não conseguiam suprir, fêzum acordo com os banqueiros alemães da casa de Welzer.Segundo ficou estipulado nesse convênio, os alemães tinhamdi reito a explorar e exportar, debaixo da jurisdição e autorida-de do rei da Espanha, todo o território para o leste e o sul doCabo da Vela, isto é, aproximadamente o que é hoje a Vene-zuela. Em 1528 partiu da Espanha essa estranha expedição,cujos chefes e empresários eram alemães, embora os solda-dos, e mais vinte missionários dominicanos que tomavam par-te da mesma, fossem na sua maioria espanhóis.

O território destinado aos alemães tinha sido visitadoantes pelos espanhóis, que não tinham conseguido estabele-cer-se nele permanentemente. Sabia-se na Espanhola quehavia pérolas naquela costa, e portanto foram muitos os aven-tureiros que a visitaram e que com seus desmandos granjea-

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Algumas tribos de Nova Granada tinham o costume de queimar os corpos deseus defuntos, e depois beber suas cinzas.

ram O mal-querer dos índios para com os espanhóis. Os quetinham-se estabelecido em Cumaná cometeram tais atropelosque os índios os mataram, e junto com os colonos morreramdois sacerdotes que tinham tratado de defender os nativos.Próximo de Cumanásefundou depois umconventodominica-no que também foi destruído. Foi na mesma região, junto a umconvento franciscano, que Las Casas fêz seu intento de evan-gelização pacífica. Porém esse projeto estava condenado aofracasso devido ao modo pelo qual os espanhóis de Cumanátinham tratado os índios.

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Pouco antes da chegada dos alemães, tinha-se fundadofinalmente, na Venezuela, por meios pacíficos e sob a direção deJuan de Ampués, a colônia de Santa Ana de Coro, na qual asrelações com os índios vizinhos eram relativamente amistosas.Em pouco tempo se nomeou um bispo para aquela cidade queparecia tão prometedora.

Porém com a chegada dos alemães e dos soldados espa-nhóis a situação mudou. Os alemães vinham em busca dasriquezas do Eldorado, e sonhavam em transformar Santa Anade Coro em sua base de operações. Neste caso, o bispo dacidade, que não era partidário dos meios pacíficos emprega-dos na sua fundação, deu todo seu apoio aos aventureiros, atéo ponto em que após a morte do chefe alemão ficou sob aresponsabilidade da empresa. Com ordens suas, osexpedicio-nários marcharam para o Lago Maracaibo, onde fizeram escra-vos índios com o propósito de vendê-los e custear assim amarcha para o Eldorado.

Cartagena e BogotáEnquanto isso, os espanhóis de Santa Marta continua-

vam suas explorações e conquistas, tanto ao longo do litoralcomo para o interior. Na costa fundaram em 1533a cidade deCartagena, que mais tarde chegaria a ser uma das mais ricas efortificadas do Novo Mundo. Antes de possuí-Ia, e mesmodepois, tiveram que lutar encarniçadamente com os índios dolugar. Pouco depois, com a esperança de que lhes servissemcomo intérpretes e lhes ajudassem a estabelecer melhoresrelações com os índios, lhes foram enviados vários índioscristãos de Santa Marta. Entre eles se encontrava a índia Cata-lina, que ocuparia na Colômbia um papel semelhante ao dedona Marina no México.

De Santa Marta partiu também a expedição de GonzaloJimenez de Quesada, que se enfronhou no território e fêzguerra ao cacique Bogotá, de cujas terras se apoderou. Ali sefundou a cidade de Santa Fé de Bogotá, que pouco a poucoiria eclipsando Santa Marta, até que oepiscopadofoi transferi-do para ela em 1562.

Em Bogotá, a expedição alemã se encontrou com a de

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Jimenez de Quesada. E logo a seguir chegou outra colunaprocedente de Quito sob o comando de Sebastián de Benalcá-zar. Faltou pouco para que os diversos pretendentes às rique-zas do Eldorado chegassem às armas. Foi graças a interven-ção e mediação do dominicano Domingo de Las Casas,parente de Bartolomeu, que os alemães e os quitenhos aceita-ram abandonar seus supostos direitos sobre a região, em trocade altas somas e outras concessões. Este dominicano, diga-sede passagem, mostrou-se zeloso seguidor dos princípios deseu primo, defensor dos índios. Porém a situação da colónia ea ânsia pelo ouro eram tais que muito pouco se podia fazernesse sentido.

Isto pode ser visto no caso de Martín de Calatayud cujaspalavras citadas no cabeçário do presente capítulo, poderiamdar a entender que se tratava de um zeloso defensor dosíndios. Porém o fato é que o frei, que chegou a ser o terceirobispo de Santa Marta, apesar de deplorar os desmandos quese cometiam contra os índios, chegou a convencer-se de queeram um mal necessário, pois os espanhóis necessitam dequem os servisse e os índios não estavam dispostos a fazê-lo.

Seu sucessor, Juan de los Barrios, se mostrou mais firme,e chegou até a impor censuras eclesiásticos aos encomenda-dores que não se ocuparam de ensinar a doutrina cristã a seusíndios, como se supunha que o fizessem, ou que abusaramdeles contrariando a lei. Porém os encomendadores protesta-ram diante da audiência real, que determinou que a questãodas encomendas era da competência das autoridades civis enão das eclesiásticas, e sobre essa base ordenou-se ao bispoque supendesse as censuras.

Os mesmos conflitos surgiram em Cartagena, onde ogovernador Juan Badillo escravizou centenas de índios e osenviou a suas possessões na Espanhola. Isto estava proibidopela lei, porém os bispos e demais autoridades religiosas nadapuderam fazer.

Estes territórios também receberam o tribunal da Inquisi-ção, se bem que não se empregou geralmente contra os ín-dios, que estavam isentos dele por serem neófitos na fé, nemcontra os escravos, que pareciam preferir seus rigores do queos dos seus amos. Com efeito, logo se divulgou a notícia entre

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os escravos de que se seus amos se apresentassem paracastigá-los tudo o que tinham que fazer era gritar: "renego aDeus", e os amos estavam obrigados a entregá-los imediata-mente a Inquisição, cujos castigos eram mais suaves. Poste-riormente se chegou a um acordo tácito entre os amos e aInquisição, no sentido de que, exceto em casos extremos, osescravos ficavam fora da jurisdição desta última. Houve simalguns casos de espanhóis condenados a morte por seremjudaizantes. Porém sobretudo, a Inquisição se ocupou deassegurar-se de que o "contágio protestante" não penetrassena Nova Granada. O suposto contágio chegava por intermédiodos marinheiros, comerciantes, corsários e piratas ingleses eholandeses que por diversas razões desembarcavam nos terri-tórios da colônia espanhola. Neste caso, as autoridades ti-nham grande interesse em que se aplicasse todo o rigor daInquisição. A maioria dos capturados se convertia ao catolicis-mo, alguns ao que parece sinceramente e outros porque nelese achava a "vida" e, em todo caso nunca tinham sido protes-tantes de convicções profundas. Porém houve também casosde heróica resistência. Um deles foi o do jovem John Edon,que fora capturado em Cumaná quando tentava fazer umatransação para comprar tabaco. Depois de três anos de prisão,admoestações e torturas, foi condenado a morrer queimadoem Cartagena em março de 1622. As testemunhas oculares,todos eles católicos, dão testemunho do valor daquele jovemque, mesmo sem estar amarrado, sentou-se sobre a pira e nãose moveu enquanto seu corpo ardia.

o apostolado entre os índios: São Luiz BeltrãoAinda que a quase totalidade dos documentos que se tem

conservado preocupa-se grandemente com os feitos dos gran-des conquistadores, com seus desmandos com os índios, e deseus conflitos com alguns dos missionários, essa não é toda ahistória. De fato, a penetração espanhola de Nova Granada,como em tantas outras regiões, não foi unicamente obra dasarmas espanholas, mas foi também trabalho dos missionários.Muito além dos limites do poderio espanhol, em lugares ondea proteção militar de seus compatriotas era praticamente nula,

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trabalharam dezenas e centenas de missionários abnegados.Algumas vezes marchando de lugar em lugar, e outras vezesestabelecendo longas cadeias de postos missionários que seaprofundavam para o interior do país, conseguiram estabele-cer com os índios contatos que seriam impossíveis para oscolonos. Todos sofreram penúrias, enfermidades e vitupériospor parte tanto dos índios como dos espanhóis e alguns até amorte. Nas cidades ficavam os prelados vindos em busca depostos hierárquicos. Nelas ficavam também o pior do cleroespanhol, vindo para essas terras em busca de um ambientemais frouxo do que o que era na Espanha, e muitos deles coma esperança de tornarem-se ricos. Porém pelos montes e ser-ras marchava uma hoste consagrada de homens dedicados aseu ministério, dispostos a dar a vida pela conversão dosíndios, arriscando-se a tudo por causa da sua sagradavocação.

Para dar um idéia do alcance deste apostolado, é bastanteapontar alguns números. Antes de terminar o século XVI, osfranciscanos tinham na Colômbia 25 conventos e quaseoutros tantos centros missionários. Nos cinqüenta anos poste-riores, essa cifra foi duplicada. Os dominicanos tinham vintemosteiros até o fim do século XVI. Três deles, os de Bogotá,Cartagena e Tunja, estavam adequadamente dotados e esta-belecidos. Porém muitos dos outros levavam uma existênciaprecária em locais que não eram senão aldeias das quais osmissionários saiam para levar a efeito seus trabalhos. Os gran-des missionários da Venezuela foram os capuchinhos e osfranciscanos, aos quais não faltaram mártires na obra evange-lizadora. Em ambos os países os jesuítas, vindos mais tarde, seaprofundaram para zonas que os missionários anteriores nãohaviam tocado. Posteriormente, por volta do final do séculoXVII, havia por toda Nova Granada uma rede de mosteiros emissões que foi um dos principais elementos unificadores daregião.

De todos estes missionários o mais famoso é São LuizBeltrão, o primeiro santo da América, se bem que, ironica-mente, só trabalhou nessas terras pelo espaço de sete anos.

Luiz Beltrão procedia de uma família valenciana relativa-

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mente acomodada. Desde muito jovem sentiu-se chamadopara o mosteiro, se bem que vacilava entre a vida contemplati-va dos cartuchos e a dos dominicanos, que combinavam acontemplação com a ação. Finalmente se decidiu pelos domi-nicanos, e logo sua santidade foi respeitada pelos seus compa-nheiros de ordem. Com a idade de vinte e três anos já eramestre dos noviços no mosteiro de Valência. A fama de suahumildade e devoção, assim como de sua sabedoria, se espa-lhou por toda a Espanha, a tal ponto que mais tarde SantaTereza o consultou antes de empreender sua reforma na or-dem das carmelitas.

Porém o jovem monge não estava seguro de que Deus ochamava a passar toda a vida no mosteiro. Da América chega-vam notícias sobre milhares de índios que não tinham quemlhes pregasse o evangelho, e que não viam do cristianismomais do que os abusos dos colonizadores. Em busca da vonta-de de Deus, desembarcou em Cartagena em 1562, quandotinha trinta e seis anos de idade. Depois de passar algum temponesta cidade, penetrou no país, por onde viajou constantemen-te pregando aos índios e condenando os abusos dos enco-mendadores. Mesmo que não se tenha um registro detalhadode suas viagens, parece que esteve nos atuais territórios deBolívar, Atlântico, Antioquia e Magdalena, além do Panamá, eque seus convertidos foram uns dez mil. Aqueles que depoiscontaram sua vida dizem que quando percebeu que seus intér-pretes não traduziam fielmente o que ele dizia, pediu ajuda aocéu, e recebeu o dom de línguas, não no sentido de que falasselínguas desconhecidas, mas no sentido tal qual aparece nolivro de Atos, de maneira que os índios que o escutavampodiam entendê-lo.

Sua defesa aos índios diante dos encomendadores foivalente. Entre as lendas que dele se contam, e que apontampara o tom de seus ensinos, está a que se refere a certa ocasiãoem que comia na casa de uns encomendadores e a discussãogirava em torno da justiça do sistema. Luiz Beltrão lhes disseque o que comiam estava amassado com sangue humano. Osencomendadores, enfurecidos, negaram as alegações do mis-sionário. Então este pegou uma pequena torta de farinha e a

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espremeu. Diante dos olhos atônitos dos encomendadoresgotejou sangue da torta.

Seja certa ou não a lenda, ela mostra que havia entre osmissionários da época um profundo sentido da injustiça que secometia contra os índios, e a disposição e o valor necessáriopara condená-Ia. Além disso, freqüentemente aparecem des-criçôes de Luiz Beltrão ou de outros missionários pregandocontra a opressão com um fervor semelhante ao dos profetasdo Antigo Testamento.

Enquanto isso as dúvidas do missionário quanto à suavocação não cessavam. Bartolomeu de Las Casas escreveu-lhe uma carta na qual o aconselhava a que fizesse um profun-do exame de consciência antes de dar a absolvição aos enco-mendadores. Em outra ocasião estava Beltrão pregandoquando um encomendado r chegou e levou todos os índios.Tudo isso alimentou as dúvidas de seu espírito. Posteriormen-te escreveu para a Europa, pedindo às autoridades de suaordem que lhe ordenassem regressar a Espanha. Depois desomente sete anos de ministério no Novo Mundo, partiu parasua pátria, onde com sua profunda devoção e santidade conse-guiu o respeito de seus contemporâneos.

Morreu em 1571,e em 1671foi canonizado por ClementeX. Em 1690 foi feito santo patrono de Nova Granada.

o apóstolo dos negros: São Pedro ClaverBem diferente foi a vida de Pedro Claver, o outro grande

santo colombiano. Nasceu em Catalunha em 1580, poucoantes da morte de São Luiz Beltrão, e desde muito jovemdecidiu unir-se aos jesuítas e ser missionário no Novo Mundo.Seus superiores não criam que fosse muito inteligente nemque tivesse outros grandes talentos de índole alguma. Quandochegou a Cartagena em 1610era um noviço, e teve que passarcinco anos antes de ser ordenado sacerdote. Quase todo essetempo residiu nos mosteiros de Bogotá e de Tunja, dois dosprincipais que os jesuítas tinham nessa região. Durante esseperíodo sentiu profunda dor ao ver os escravos que eramtrazidos da África, e dos quais ninguém parecia cuidar. Quan-do por fim fêz sua profissão final, em 1622,adicionou junto ao

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seu juramento outro voto: Petrus Claver, aethiopum semperservus - Pedro Claver, para sempre escravo dos negros.

Parte do interesse de Claver nos negros se devia ao exem-plo de outro jesuíta seu companheiro, Alonso de Sandoval.Sandoval tinha-se dedicado a evangelizar os negros e a cuidarde suas necessidades. Visto que para isso era mister conhecê-los melhor, tratava de aprender com eles sobre os costumesafricanos e os diversos idiomas que falavam. Foi assim quecompôs sua obra, pioneira dos estudos etnográficos africa-nos, Naturalidade, polícia sagrada, e profana, costumes, ritos esupertições dos etíopes, que foi publicada em Sevilha em1627. Sandoval foi então tanto o grande exemplo de Clavercomo seu primeiro mestre quanto ao melhor modo de alcan-çar os escravos.

Enquanto Sandoval ia geralmente aos lugares em que osescravos serviam seus amos, Claver se dedicou a visitá-losdesde o momento em que chegavam a Cartagena. Amontoadanas dispensas mal cheirosas dos navios negreiros, aquelapobre gente sofria uma travessia que podia levar até doismeses. Durante esse tempo, apenas lhes permitiam mover-se,pois os traficantes lhes amontoavam até o limite do impossível.Muitos criam que ao chegar nas terras desconhecidas paraonde eram levados seriam engordados para servir de alimentopara os brancos. A comida que lhes era dada era mínima,suficiente apenas para mantê-los vivos. O cheiro de seus ex-crementos era tal que quando os barcos se aproximavam doporto o fedor se podia sentir a distância.

Àquela gente desgraçada se dedicou Claver o resto deseus dias. Logo viu que não podia comunicar-se com eles, etratou que os amos de escravos lhes emprestassem algunsque tinham aprendido o espanhol, para que lhe servissem deintérpretes. Porém os amos não estavam dispostos a servir-lhenisso, pois não queriam perder o trabalho dos negros traduto-res. Finalmente, Claver conseguiu que seu mosteiro compras-se alguns escravos para esse propósito. Isto pronto trouxe-lheconflitos com seus irmãos de religião, pois alguns insistiam emtratar os escravos como tais, e requerer deles o serviço pes-soal, enquanto que Claver os tratava como iguais, e desejavaque os demais jesuítas respeitassem e amassem os intérpretes

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com os quais conviviam. Embora alguns destes tradutores nãodessem o resultado esperado, outros se tornaram fiéis acom-panhantes e amigos do missionário.

Quando chegava um barco, Claver e seus intérpretesiam onde estavam os escravos. Às vezes podiam visitá-los nospróprios navios. Porém quase sempre tinham que esperar queestivessem nos barracões onde eram colocados com a final i-dade de prepará-los para o mercado. Estas edificações eramverdadeiros cárceres nos quais o único alivio era que havianeles mais espaço do que nos barcos, e que se lhes serviamelhor alimentação, com o propósito de poder vendê-los pormaior preço. Porém ali eram muitos os que morriam, vítimasdas privações da viagem ou de novas enfermidades. Em certasocasiões Claver e seus companheiros entravam naqueles bar-racões e encontravam vários mortos estirados no chão, com-pletamente nus de igual maneira que os demais, e cobertoscom moscas. O piso era de ladrilhos rotos, que feriam ascarnes daqueles infortunados quando tratavam de descansar.

Para estes lugares, os missionários levavam frutas e rou-pas. Dirigiam-se primeiramente aos mais débeis e enfermos, edepois ao restante. Quando alguém estava em más condiçõesde saúde, o próprio Claver ou algum de seus intérpretes ocarregava até o hospital próximo que tinham feito para socor-rer os escravos enfermos. Com os demais se começava deimediato a obra de evangelização e batismo, que tinha que serrápida, pois logo a maioria deles partiria para as plantações deseus novos senhores, e por longo tempo não teriam ocasião deescutar de novo a pregação cristã.

Os métodos de Claver eram dramáticos e pitorescos. Vistoque os escravos chegavam sedentos porque durante a traves-sia se lhes dava pouquíssima água, Claver lhes dava de beber,e logo lhes explicava que a água do batismo satisfaria as án iasda alma, como a que lhes havia dado satisfazia a do corp .Separados em grupos, segundo as línguas que cada qualentendia, Claver se assentava entre eles, dava a única cadeiraao intérprete, que se colocava no centro do grupo e assimensinava os princípios da fé cristã. Às vezes lhes dizia quecomo a serpente troca a pele, assim era necessário trocar devida para ser batizados. Ato contínuo beliscava-se por todo

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corpo, como se estivesse tirando sua pele, e lhes explicava ascoisas que deveriam deixar. Como sinal de concordância, elestambém se beliscavam. Em outras vezes, para explicar-lhes adoutrina da Trindade, pegava um pequeno lenço, e o dobravade tal modo que se viam três pregas, e depois mostrava que setratava de um só lenço. desse modo, se diz que Claver batizoutrezentos mil escravos durante seu ministério em Cartagena.

Porém essa não era toda a obra do missionário, quecontinuava ocupando-se dos escravos mesmo depois do ba-tismo. Visto que a lepra era uma enfermidade comum entreeles, e quando algum a contraía a seu senhor simplesmente oatirava para rua, Claver fundou um leprosário no qual passavaboa parte de seu tempo quando não tinha barcos recém che-gados. Ali o veriam repetidamente seus companheiros, abra-çado a algum escravo leproso de quem ninguém ousavaaproximar-se, tratando de dar-lhe consôlo em meio de suasolidão.

Ocorreram três grandes epidemias de varíola em Carta-gena durante o ministério de Claver, e em todas elas ele sededicou a limpar as chegas dos enfermos negros, dos quaisninguém se ocupava.

Ainda que seus superiores repetidamente o acusavam denão ser muito prudente, o santo missionário sabia os limites aque poderia chegar sem que seu ministério fosse sufocadopelos brancos. Nunca atacou os brancos, nem disse que aigreja devia condená-los. Porém era de todos sabido quequando caminhava pelas ruas somente saudava os negros eaqueles entre os brancos que apoiavam sua obra. Quandoalguma rica senhora vinha pedir que recebesse sua confissão,Claver simplesmente respondia que tinha muitíssimos confes-sores disponíveis entre os espanhóis, todavia ele deveria dedi-car todo seu tempo aos escravos, que não os tinham. Diz-setambém que quando escutava confissões, e terminava com osescravos, dava preferência aos pobres, e depois às crianças.Talvez com essa conduta o que buscava era não ter quecondenar abertamente a vida e a atitude dos que se beneficia-vam com o regime da escravidão. Se não seguisse tal caminho,é muito possível que Claver tivesse sido mandado de volta aEspanha, e que sua própria consciência não lhe permitisse

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continuar seu ministério, como no caso de Luis Beltrão.Entre os escravos de Cartagena, e especialmente as es-

cravas, Claver envontrou fiéis discípulos e ajudantes. A escra-va Margarida, com a anuência de sua senhora dona Isabel deUrbina, que apoiava o trabalho de Claver, preparava os ban-quetes que o missionário dava em honra dos leprosos e mendi-gos de Cartagena em ocasiões das grandes festividades ecle-siásticas. Outras se dedicavam a enterrar os escravos mortoscom os quais ninguém se ocupava. Outras visitavam os enfer-nos, recolhiam frutas e roupas para os necessitados, etc.

Durante todo esse tempo, a sociedade branca de Carta-gena prestava pouca atenção ao pobre jesuíta que passava suavida entre os escravos. Dos que se atreviam falar-lhe, a maioriao fazia para opôr-se a seu trabalho, pois se temia que se osescravos chegassem a convicção de que eram gente tão dignacomo as demais, se rebelariam contra seus senhores. Seussuperiores continuavam informando a Espanha que o padreClaver era curto de inteligência, carente de prudência, e quaseincapaz de aprender.

Já no final de seus dias, atacou-lhe uma enfermidadeparalizante que por seus sintomas parece ter sido o que hojese denomina de o mal de Parkinson. Recolhido em sua celamonástica, raramente era encontrado nas ruas. Suas últimastrês visitas, espaçadas entre si, foram a casa de dona Isabel deUrbina, onde vivia Margarida, ao leprosário e a um barcorecém-chegado carregado de escravos. Nesta última ocasião,não pode mais do que olhar do cais, enquanto suas lágrimascorriam diante de tanta dor, que já não podia mais aliviar.

Seus companheiros de mosteiro designaram um escravopara cuidar dele. Deu-se então o mais triste episódio da vidadaquele santo varão, pois teve que sofrer em sua própria carneas conseqüências do mal que sua raça havia feito a raça negra.O escravo encarregado de cuidar-lhe irritou-se com ele,descuidando-se do seu leito, e de seu alimento, e fêz-Ihe sofrertormentos muito parecidos aos que os escravos sofriam natravessia do Atlântico.

Já próximo da morte do velho missionário, os habitantesda cidade se aperceberam de que estavam ao ponto de perderum santo. Então se afadiqaram em ir visitá-lo em seu leito de

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enfermidade, o que muitas vezes lhe causou novas torturas.Todos queriam levar alguma relíquia ou recordação, e despo-jaram sua cela de tudo quanto havia nela. Nem sequer seucrucifixo deixaram para o santo, pois quando o Marquês deMancera se agradou dele, o superior do convento lhe ordenouque lhe entregasse. Contudo, ninguém lhe ouviu pronunciara mínima queixa, nem sequer solicitar algo para sua comodi-dade. Morreu na manhã de 8 de setembro de 1654, choradopor muitos dos que o haviam desprezado em vida. Mais deduzentos anos depois foi canonizado pela Igreja Romana.

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VIIIOs filhos do sol

Dêem-me os capitães maisfamosos, franceses e espanhois,

sem os cavalos, armaduras, armas,sem lanças e espadas, sem

bombardas e fogos, mas com umasó camisa e só seus punhos ... Se

desta maneira saíssem vencedores,diríamos que mereciam a fama de

valentes entre os índios.Blas Valera.

De acordo com o que vimos no capítulo anterior, desdeque Balboa andava pelas terras panamenhas foi recebendonotícias de um grande império nas costas do Mar do Sul, doqual procediam barcos que, segundo os índios do istmo, eramtão grandes como os dos espanhóis. Foi o sonho de conquis-tar esse império que moveu Balboa a solicitar a Espanhamaiores recursos, e por essa solicitação foi nomeado em seulugar Pedrarias Dávila, pois não se cria que um homem deorigem humilde como Balboa fosse digno de tal empreendi-mento. Entretanto Pedrarias não era também o homem deestatura para a necessidade, e passou todo seu tempo emintrigas centro americanas. Posteriormente, o conquistadordo grande império do sul seria um homem de origem aindamais humilde que a de Balboa, pois se conta que em suainfância se alimentou de leite de porca, e que depois se dedi-cou a apascentar os porcos de seu pai. Porém antes de passara narrar tal aventura devemos deter-nos para passar uma vistad'olhos, se bem que leve, pelo império que se pretendiaconquistar.

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EITahuantinsuyu

Se bem que logo de início os espanhóis começaram achamar aquela região de "Perú" ou "Pirú", por causa do nomedo rio que corria por ela, os nativos do país a chamavam deTahuantinsuyu, que quer dizer, "os quatro cantos do mundo".Cuzco, sua capital, se considerava o centro do mundo, e dalise dividiam os quatro cantos: o Chinchasuyu para o norte, oAntisuyu para a cordilheira, o Contisuyu para o mar, e oCollasuyu para o sul e o leste, incluindo o altiplano boliviano eo norte do Chile. E razão tinham aqueles índios para chamarseu império de "os quatro cantos do mundo", pois era um dosmais Vastos impérios que a história tem conhecido. Se esten-dia desde as fronteiras da atual Colômbia até adentrar-sebastante no Chile, e para o leste incluía boa parte do que hoje éa Bolívia, e uma porção da Argentina. Se bem que até opresente não se tenha definido o todo de seus limites, calcula-se que compreendia algo em torno de dois milhões de quilo-metros quadrados.

Tratava-se de um império relativamente jovem, que emsuas lendas não se ia mais adiante do que doze gerações.Segundo essas lendas, seus fundadores tinham sido MancoCápac e sua irmã e esposa Mama Ocllo. Essa dupla foi criadapelo Sol, e por isso seus descendentes diretos, os únicos aosquais se aplicava verdadeiramente o nome de "incas", se di-ziam filhos do Sol. Manco Cápac e Mama Ocllo, nasceram nolago Titicaca, e dali partiram para Cuzco, onde ensinaram aoshumanos as artes do governo, da agricultura, e da guerra. Aospróximos sete incas são atribuídos fatos legendários, e aindaque seja muito provável que tenha havido reis de Cuzco comtais nomes, não pode dizer-se que sejam verdadeiros persona-gens históricos no sentido de que se conhecessem seus feitosou sua contribuição para o desenvolvimento do império. Foi onono inca, Pachacútec, que ocupou o trono de 1438 a 1471,que deveras fundou o grande império dos filhos do Sol. Ele eseu filho e sucessor Tupac Inca conquistaram regiões tãoextensas que as campanhas de Júlio Cezar empalidecem-seao ser comparadas com as destes dois grandes reis. O filho deTupac Inca, Huayna Cápac, continuou a obra de seu pai e de

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o Tahuantinsuyu

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seu avô. Quando de sua morte, o Tahuantinsuyu tinha chega-do a sua máxima extensão. Huayna Cápac morreu em 1527,ejá tinham chegado a ele as primeiras notícias de estranhospersonagens, de rosto barbudo e pele desbotada, que ronda-vam pelo extremo norte do império. Portanto, o grande impé-rio inca, diferentemente do romano, não chegou nem ao pri-meiro século de existência antes de ser invadido e destruídopelos bárbaros do norte.

O regime dos incas consistia numa autocraciapaternalis-ta. O inca era tudo. A ele pertenciam, não só a terra, mastambém as feras e as pessoas. Não sem razão se conta queAtahualpa disse a Pizarro: "se eu não quizer, nem as aves voamnem as copas das árvores se movem em minhas terras". Asterras do inca se distribuiam e redistribuiam periodicamenteentre a população para seu cultivo, segundo o tamanho decada grupo. Feita tal distribuição, e tendo já assinalado cadaqual o terreno que lavrar, uma terceira parte do produto seutilizava para as necessidades imediatas dos lavradores, outroterço era dedicado aos deuses, e o terceiro terço era dado aoinca. A porção que correspondia aos deuses se utilizava para

Celebravam-se grandes festas religiosas, com abundante alimentação paratodos.

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os sacrifícios, a manutenção dos sacerdotes e as virgens dedi-cadas aos deuses e ainda para as grandes festas religiosas, nasquais o povo gozava de abundante alimentação, provenientedessa parte supostamente separada para os deuses. A porçãodo inca se dedicava a sustentar a todos os funcionários impe-riais, ao exército e ao inca e sua enorme família (suas esposase concubinas se contavam em centenas).

Como se pode imaginar, um império de tal magnitudenecessitava de uma grande máquina de governo. Os incasfizeram construir duas grandes estradas que corriam paralelasde norte a sul, uma ao longo da costa e outra pelas montanhas.Visto que todo àquele império era governado sem o conheci-mento da roda, nos lugares mais íngremes da estrada dasmontanhas havia na realidade, uma escadaria empedrada. Aolongo dessas duas artérias, e por mil caminhos secundários,iam e vinham os correios ou chasquis, a pé, e com um sistemade sinais que permitia que as mensagens se transmitissemcom relativa rapidez. Visto que na zona andina não se conhe-cia a escrita, as mensagens eram na maioria verbais, ajudadospor um sistema de nós amarrados nas cordas de tal maneiraque permitia aos chasquis recordar os detalhes das mensa-gens, especialmente os números. Sobre essa base, os conta-dores do império, desde sua capital em Cuzco, o administra-vam. Ao longo dos caminhos havia grandes armazéns nosquais se conservava grande parte dos alimentos que perten-ciam ao inca. Essesarmazéns serviam, em tem pos de escassezpara alimentar a população. E em tempos de guerra se utiliza-vam como centros de abastecimento para os exércitos emmarcha. Desse modo os exércitos imperiais podiam mover-serapidamente, sem necessidade de carregar seus própriosalimentos.

Tratava-se, pois, de uma sociedade altamente organiza-da, na qual, pelo menos em teoria, ninguém passava fome ounecessidade, se bem que tudo estava já regulamentado.

A religião daquele vasto império era de índole politeísta, enela se davam alguns casos de sacrifícios humanos, ainda quenão na freqüência com que ocorriam no México. O deus cria-dor era Viracocha, que segundo a lenda tinha criado a humani-dade em Tiahuanaco, uma cidade em ruínas no altiplano boli-

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o enorme tamanho dos monolitos de Tiahuanaco os levou a crença de queos primeiros seres humanos eram demasiadamente grandes, e que entãoViracocha os destruiu e criou de novo com as proporções atuais.

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viano cujas origens os próprios incas desconheciam. Oenorme tamanho dos monolitos de Tiahuanaco os levou acrença de que os primeiros seres humanos eram demasiada-mente grandes, e que então Viracocha os destruiu e criou denovo com as proporções atuais. Porém o nome de "viracocha"se dava também a outras divindades menores. O sol era o prin-cipal objeto de adoração para os incas, pois dele vinha toda avida e o calor necessário para a subsistência naquelas altasterras andinas. As principais festividades religiosas tinham quever com os solstícios, que apontavam a graça que o sol lhesfazia de brilhar por mais um ano. Como filho do Sol, o inca eratambém seu supremo sacerdote e representante na terra.

Assim imaginavam os europeus o culto ao Sol entre os índíos.

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A fim de manter puro esse sangue supostamente divino,os incas se casavam com seus irmãos. Ainda que tinhammuitas outras mulheres, e todos os seus filhos fossem conside-rados nobres, só os filhos de suas irmãs podiam herdar otrono, pois unicamente eles tinham o puro sangue divino,procedente de Manco Cápac e sua irmã e esposa Mama Ocllo.

Francisco PizarroCom a finalidade de conquistar esse vasto império, sem

pensar na magnitude de tal empreendimento, porém só comuma ânsia insaciável por ouro, é que se lançou na luta Francis-co Pizarro. Este era filho ilegítimo do fidalgo Gonzalo Pizarro,que não parece ter-se ocupado com ele mais do que o normalpois queria pô-lo cuidando de suas manadas de porcos. Quan-do um belo dia estes se dispersaram Francisco não se atreveua voltar para sua casa pelo temor ao castigo, fugindo paraSevilha, de onde mais tarde embarcou, como tantos outrosaventureiros, para tentar a sorte na [ndias. Em 1510 andavacom Ojeda na sua expedição, e dali passou a formar no grupode Balboa, cuja confiança conquistou. Ao chegar PedrariasDávila, passou para seu lado, e o novo governador tambémdepositou confiança nele.

Em 1522, Pedrarias mandou uma expedição sob o co-mando de Pascual de Andoyaga, que explorou o litoral colom-biano, porém nunca chegou a estabelecer contato com ossúditos dos incas. Em 1524, com licença de Pedrarias e emsociedade com Diego de Almagro, que o havia acompanhadoem muitas aventuras, Pizarro se fêz ao mar. Em diversos luga-res do litoral encontraram-se com alguns índios, aos quaistrataram com as costumeiras violências, arrebatando-lhes to-do o ouro que pudessem. Porém a escassez e a enfermidadelogo fizeram suas presas os aventureiros, que teriam perecidose não fossem os reforços trazidos por Almagro, que tinhazarpado do Panamá algum tempo depois deles. De regressoao Panamá, e com base nas notícias do império inca quetinham conseguido nessa expedição, os dois amigos entraramem sociedade com o sacerdote Hernando de Luque, que provi-denciou os fundos para uma nova expedição. A incredulidade

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Por aqui se vai ao Perú para enriquecer-se. Por ali se vai ao Panamá paraempobrecer-se. Escolha o que seja bom castelhano o que melhor estiver.

dos panamenhos diante das promessas de Pizarro e Almagropode ser vista no apelido que puseram em Hernando deLuque, chamando-o de "Hernando Louco".

A segunda expedição de Pizarro teve a princípio a mesmasorte da anterior. Foi encontrado abandonado na Ilha do Galo,para onde Pedrarias Dávila mandou uma expedição de resgatesob o comando de Juan Tafur. Porém Almagro e Luque escre-v.eram dizendo-lhe que a situação política do Panamá era tal,que se desistisse naquele momento seria necessário abando-nar o projeto, porém se permanecesse na ilha eles lhe manda-riam reforços e sustento com a maior brevidade possível. Foientão que se deu a famosa cena em que Pizarro traçou comsua espada uma linha na praia e disse: "Por aqui se vai até oPerú para se ficar rico. Por ali se vai ao Panamá para conti-

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nuar pobre. Escolha o que seja bom castelhano o que melhorestiver".Treze deles cruzaram a linha e se dispuseram a continuar coma aloucada empresa de conquistar o Tahuantinsuyu. Comesses, e logo que recebeu a ajuda de seus aliados no Panamá,Pizarro voltou a explorar o litoral, e ao chegar na grande e ricacidade de Tumbes, foi bem recebido obtendo provas concre-tas da existência da grande civilização de que tanto se haviafalado. Depois de outras breves explorações, regressou aoPanamá com bastante ouro para provar o valor de sua viagem.Dali seguiu para a Espanha, onde obteve da coroa os cargosde governador, capitão geral e principal de "Nova Castela",nome que se deu a comarca. Visto que o acertado era queAlmagro seria o principal, desse ponto em diante começaramentre os dois capitães as desavenças que depois levariam auma cruenta guerra civil. Para Luque foi dado o bispado deTumbes.

De regresso daquela segunda expedição, Pizarro levouconsigo vários índios. Um deles, a quem a história conhececom seu nome batismal de Felipinho, foi quem ocupou naconquista do Peru o papel que dona Marina tinha ocupado noMéxico. Além disso, nessa expedição Pizarro deixou atrás desi, sem sequer saber, um de seus mais poderosos aliados: umaepidemia de varíola, enfermidade até então desconhecida nopaís, que dizimou a população e transtornou os sistemas deprodução e de assistência social do Tahuantinsuyu.

A terceira e definitiva expedição partiu em 1531. Ao che-gar a ilha de Puná e a Tumbes, no Golfo de Guayaquil, Pizarroe os cento e oitenta e três espanhóis que o acompanhavamreceberam as primeiras notícias da guerra civil que convulsio-nava o país. Huayna Cápac, o neto de Pachacútec, tinha morri-do, e tinha deixado o trono imperial ao seu filho Huáscar.Porém também tinha separado do império o reino de Quito, e o

.havia entregue a seu outro filho Atao Hualpa (ou Atahualpa),que tinha sido gerado de uma princesa quitenha. Nem Huás-car nem Atahualpa se contentaram com aquela situação, erapidamente este último empreendeu uma guerra contra seumeio irmão. Huáscar era, sem sombra de dúvidas, o soberanolegítimo, pois era filho de Huayna Cápac e de sua irmã. Por

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Os engenheiros dos incas lavravam a rocha com tal precisão que não épossível encontrar o menor interstício entre duas daquelas grandes pedras.

isso tinha o apoio da velha aristocracia de Cuzco e dos sacer-dotes. Atahualpa, que a todos os olhos era o usurpador, deacordo com o ponto de vista da lei inca, contava com o apoiodos mais hábeis generais, os quais viam nele o espírito con-quistador de seu bisavô Pachacútec.

A sorte da guerra, no princípio indecisa, parecia inclinar-se para Atahualpa, cujos generais tinham conseguido váriasvitórias importantes e se aproximavam cada vez mais de Cuz-coo A sangue e fogo, Atahualpa e os seus tinham-se impostonas regiões por onde agora marchava Pizarro, que por issoencontrou grande inimizade contra o usurpador, e com basenela foi muito bem recebido pela maioria dos nativos das terrasque atravessava.

Dentro de pouco tempo chegou aos espanhóis uma es-tranha embaixada. Vinham emissários da parte de Huáscar ede seus sacerdotes, perguntando-lhes se na verdade eram elesos "viracochas" que segundo uma antiga profecia viriam do

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ocidente, para salvar o país em momentos de grave crise.Pizarro reconheceu nisso as circunstâncias semelhantes àsque tinham facilitado Cortés, na conquista do Mexico, sobre asquais tinha ouvido (não podemos dizer que as tinha lido por-que ele, o governador de Nova Castela, era analfabeto). Com oestrépito de suas armas e os saltos de seus cavalos, Pizarro fêztodo possível para dar a entender-lhes que tinha poderes divi-nos, e lhes disse que em efeito ele e os seus eram os viracochasprometidos, que vinham para fazer justiça. A partir de então,entre os partidários de Huáscar, se chamou os espanhóis de"os vira cochas". Atahualpa, por sua vez, descrente como era,os chamava simplesmente de "sungasapa", que quer dizerbarbudos. Quando mais tarde, chegaram os emissários deAtahualpa, Pizarro pôs-se também a seu serviço. Porém nacaminhada pelos povoados ia proclamando que vinha restau-rar o rei legítimo.

Atahualpa nunca pareceu ter sentido grande temor ourespeito por aquele punhado de estrangeiros. Porém em suaretaguarda alguns se rebelavam contra ele, e por isso decidiunão marchar para Cuzco até que não se explicasse o mistériodos pretensos viracochas. Várias vezes poderia ter eliminadoos espanhóis nos passos das montanhas. Porém a curiosidadede vê-los em pessoa, e seu sentido de que em sua terra "nem asaves voam sem sua permissão", provocaram sua perda.

Nos arredores de Cajamarca, com umas dezenas de mi-lhares de soldados, Atahualpa esperou seus estranhos visitan-tes, ao mesmo tempo que o grosso de seu exército continuavaa marcha para Cuzco. Assim, aquele exército que tanto im-pressionou os espanhóis não era mais que a guarda pessoaldo imperador. Depois de várias idas e vindas que não é neces-sário relatar aqui, se acertou que o inca visitaria os espanhóisem Cajamarca.

Atahualpa estava tão seguro de seu poder, que ordenouao general Rumi Nahui que cercasse a cidade com tropasarmadas de cordas para prender os espanhóis que tentassemfugir. Além disso, ao aproximar-se de Cajamarca, ordenou aquase todos seus soldados que permanecessem fora, e eleentrou na praça com uns cinco ou sete mil acompanhantes, amaioria deles cortesãos sem armas.

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Enquanto isso, na cidade, se preparava o grande golpe.Pizarro colocou suas peças de artilharia de tal modo quecobrissem as duas únicas saídas da cidade, e escondeu todosos seus soldados e cavalos onde não poderiam ser vistos porquem entrava na cidade e deu ordem e instruções a queestivessem todos dispostos para começar a disparar suas ar-mas quando chegasse o momento oportuno.

O inca entrou carregado em liteira, sentado sobre umestrado de ouro, e rodeado de seu séquito. Saiu-lhe então aoencontro o padre Vicente Valverde, que valendo-se do intér-prete Felipinho, fêz o "requerimento", isto é, explicou-lhe adoutrina cristã, e disse-lhe quão grandes senhores eram opapa e o rei, e o convidou a declarar-se vassalo do rei daEspanha e permitir que se pregasse o evangelho em suasterras. Se o inca entendeu ou não o que se lhe dizia, nunca sesaberá. Porém certamente não estava disposto a declarar-sevassalo de rei algum. Exasperado, tomou o Evangelho que opadre Valverde, levava nas suas mãos o examinou, e ao nãoencontrar nele nada mais do que gravações ininteligíveisatirou-o ao chão. Então, enquanto Felipinho recolhia o livro, osacerdote corria para os espanhóis, gritando:

- Não vêem o que se passa? Porque estais com prudên-cia e requerimentos com esse cão cheio de soberba? Saiam aele, que eu vos absolvo ... Vingança, vingança, cristãos. OsEvangelhos foram depreciados e foram jogados por terra. Ma-tem a esses cães que desprezam a lei de Deus.

Pizarro e os seus não necessitavam de tais exortações daparte do representante da igreja. E tão logo se cumpriu orequisito de apresentar o "requerimento" ao inca, o chefeespanhol deu o sinal já estabelecido para o ataque. Ao veremagitado seu lenço, os artilheiros soltaram seus projéteis sobreos principais índios, e ato contínuo a cavalaria atacou. Osíndios não tinham visto ainda uma arma como as espadascastelhanas, capazes de cortar um membro com um só golpe.Muitos trataram de fugir, porém não encontraram saída algu-ma. Quando por fim a pressão das pessoas se tornou muitogrande a parede de pedra cedeu, e muitos fugiram espavori-dos, enquanto alguns espanhóis a cavalo saíram a dar-lhescaça em campo aberto. Ao redor do inca a resistência foi mais

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Até em ruinas, as grandes construções dos lugares mais afastados do Ta-huantinsuyu supreendem o viajante.

forte. Os índios, sem mais armas para se opor, colocavam seuspróprios corpos entre os espanhóis e seu senhor. Quando osaventureiros chegaram à liteira que carregava o soberano,aconteceram atos de valor que depois eles mesmos narraram.Houve índios que, cortadas as mãos continuavam sustentandoo inca em seus ombros. Outros ao verem cairos que levavam aliteira, corriam para seu lugar, mesmo sabendo que morre-riam. Finalmente um espanhol agarrou a Atahualpa pelos ca-belos e o atirou em terra.

No final da jornada, Atahualpa caiu prisioneiro dos espa-nhóis, vários milhares de índios morreram na cidade, e só umespanhol ficou levemente ferido. Foi o próprio Pizarro, que foiferido por um compatriota seu quando tentava assegurar-sede que não fizessem qualquer dano ao inca prisioneiro.

A ironia de tudo isso foi que, quase ao mesmo tempo em

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Visto que na cultura inca a morte pelo fogo era ignominiosa, Atahualpaconcordou em ser batizado. Depois, os espanhóis o estrangularam.

que Atahualpa caía prisioneiro dos conquistadores, seu rival emeio irmão Huáscar caía em poder de suas tropas. Assimenquanto os espanhóis eram donos de um pretendente aotrono, este era dono de seu rival.

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A pedido de Pizarro, o cativo inca ordenou que seusexércitos abandonassem as proximidades de Cajamarca. De-pois de algumas negociações, Pizarro prometeu-lhe liberdadeem troca de um resgate que consistia em todo ouro e pratanecessários para encher uma casa com mais de cem metrosquadrados até tão alto quanto alcançasse a mão do inca. Atocontínuo sairam os chasquis por todo o país, e logo o ouro e aprata começaram a chegar em Cajamarca.

Pouco depois tiveram lugar dois acontecimentos impor-tantes para a história do Peru. Um deles foi a chegada deAlmagro com um contigente de reforços. Visto que os recémchegados' não estavam presentes no feito de Cajamarca, nãolhes correspondia nenhuma parte daquele enorme resgaste.Ainda que os pizarristas, quase que como esmola, deram-lhe aquantidade de cem mil ducados, a partir daí começaram asrivalidades entre almagristas e pizarristas.

O outro incidente de importância foi a morte de Huáscar.Este tratou de chegar a um acordo com os viracochas em trocade que estes liquidassem seu meio irmão. Inteirado Atahualpa- se por Felipinho ou pelo próprio Pizarro, os cronistas nãoconcordam - deu ordem a seus generais de que matassem aHuáscar. Porém não se apercebeu de que isto deixava campoaberto a Pizarro, que estava de posse dele, o último pretenden-te do trono.

Apesar de pago o resgate, os espanhóis não soltaram seuprisionei roo Assim decidi ram fazer-I he um julgamento,acusando-o de fatricida. Depois de um sumário processo, noqual estavam de acordo Almagro o padre Valverde, o inca foicondenado a morrer na fogueira. Quando, quase na hora,marchava para o suplício, o sacerdote lhe propõs que se sebatizasse não seria queimado, mas que seria morto de outramaneira. Visto que na cultura inca a morte pelo fogo eraignominiosa, o inca aceitou e, depois de batizá-Io, os espa-nhois o mataram por estrangulamento. Assim terminou aquelerenovo de Pachacútec e Huayna Cápac, em cuja terra nemsequer as aves voavam sem sua permissão.

Resistência e guerra civilOs espanhóis fizeram coroar o pequeno Tupac Hualpa,

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filho também de Huayna Cápac, com a esperança de contarcom um inca dócil a seus propósitos. Com ele na liteirapartiram de Cajamarca para Cuzco. Porém pouco antes dechegar na capital, Tupac Hualpa morreu misteriosamente, aoque parece envenenado por um dos generais do defunto Ata-hualpa. Enquanto isso, os invasores faziam todo o possívelpara desestabilizar o império que tentavam conquistar. Comesse propósito decretaram a liberdade de todos os "yanacu-nas", que eram os servos do império. Apesar de que, posterior-mente, planejavam converter a todos os índios em servos, nomomento lhes convinha aparecer como libertadores das clas-ses oprimidas.

Pouco depois receberam uma grata nova. Manco Inca,outro dos filhos de Huayna Cápac, a quem correspondia agorao trono segundo os principais chefes e sacerdotes do império,uniu-se a eles, crendo que deveras eram "viracochas" quetinham vindo para ajudá-lo a sufocar a rebelião dos quitenhos.

Pouco demorou Manco Inca em dar-se conta de seu erro.Depois de tentativas falidas, conseguiu escapar do acampa-mento espanhol, e a partir daí foi o principal chefe da resistên-cia inca contra os invasores.

Enquanto isso, Diego de Almagro tinha ido com os seusbuscar fortuna em outras partes. Primeiro marchou para onorte, onde o general Rumi Nahui tinha-se feito rei de Ouito,Junto a Sebastián de Benalcázar conquistou essa cidade edestruiu a resistência nessas regiões do norte. Ali se encon-trou também com Pedro de Alvarado, que dirigia uma expedi-ção independente para Quito. Em troca de grande soma, Alva-rado cedeu seus homens, armamentos e todos os seus direitosda expedição. Depois de regressar ao Peru, Almagro e os seuspartiram para o Chile, onde sofreram grandes penúrias.

Manco Inca aproveitou a ausência de Almagro para re-unir um exército de quarenta mil soldados e sitiou a Cuzco,que na ocasião estava sob o governo de Hernando e GonzaloPizarro, irmãos de Francisco. Este último, que se encontravana recém fundada Lima, não pode enviar-lhes socorro, pois elemesmo se encontrava quase cercado. As primeiras cinco colu-nas que sairam em auxílio dos sitiados de Cuzcoforam aniqui-ladas pelos índios.

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Não! Não torem guerreiros somente, com couraças e capacetes e espadase estandartes, os que fizeram a conquista das selvas e dos Andes.

Os cavalos eram fortes!Os cavalos eram ágeis!

José Santos Chocano

Se a luta tivesse sido só de índios contra espanhóis, comotalvez se entenda, estes não poderiam resistir por muito tem-po. Porém contavam com a ajuda de muitos índios que apro-veitaram essa oportunidade para sublevarem-se contra o regi-me inca. Eram dirigidos pelas velhas aristocracias locais,suplantadas pelo sistema de governo estabelecido pelos in-cas. Além do mais, os espanhois tinham trazido numerososíndios nicaraguenses e negros do Panamá. Foram todas estastropas auxiliares, além dos cavalos, das armaduras, e da pólvo-ra, que permitiu aos conquistadores resistir os avanços dastropas incas.

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I

Escultura eqüestre de Pizarro, em Lima

Pouco a pouco, sem dúvida, os partidários de Manco Incaiam possuindo os conhecimentos bélicos dos invasores. Elogo se viu o próprio Manco montado em um cavalo. Depoiscomeçaram a soar tiros de arcabuz do lado dos índios. Quan-do os de Manco fizeram alguns prisioneiros espanhóis,obrigaram-nos a ensinar-lhes como fabricar pólvora. Poste-

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riormente se deram encontros em que ficou provado que asuposta superioridade espanhola se devia somente a suasarmas e seus cavalos, como numa escaramuça em que quatroíndios a cavalo derrotaram a trinta peões da infantariaespanhola,

A resposta dos Pizarro foi o terror. Tão logo Franciscoconseguiu aliviar o cerco de Lima, enviou a seus irmãos umaforte coluna sob o comando de Alonso de Alvarado, que pelocaminho se dedicou a mutilar seus prisioneiros, cortando amão direita dos varões, alguns deles ainda crianças de colo, eos seios das mulheres. O que escapavam de tão terrível sorteeram acorrentados como escravos e utilizados para carregaros víveres do exército, até que morressem de fadiga e inanição.Por todas as partes, pelo sangue, fogo e ferro, os espanhoissemearam o terror.

Porém o grande alívio que chegou aos de Cuzco, foi oregresso de Diego de Almagro, que voltava do Chile. Acompa-nhava-o Paulo Inca, irmão de Manco, comandando um exérci-to índio. Durante algum tempo pensou-se que Almagro e Pau-lo Inca tomariam o partido de Manco, e os pizarristas temeram.Porém posteriormente viu-se em Almagro a lealdade ao espa-nhol, e em Paulo a ambição de ser coroado inca.

Almagro, que dizia que Cuzco não pertencia a Pizarro,mas que era parte do novo governo criado pela coroa e entre-gue a ele se lançou sobre Cuzco, onde os únicos que lheofereceram resistência foram os Pizarro. Feitos prisioneirosestes, os demais espanhóis se juntaram sob o comando deAlmagro e, coroando Paulo Inca como rei de Tahuantinsuyu,se dedicaram a fazer guerra a Manco Inca. Enquanto isso, sefaziam gestões de paz com o chefe dos pizarristas, Frarrcisco,que desde Lima exigia a liberdade de seus irmãos e a devolu-ção de Cuzco. Porém não conseguiram fazer um acordo, efinalmente Almagro caiu prisioneiro de Francisco Pizarro que,esquecendo que este havia perdoado a vida de seus irmãosquando os teve prisioneiros, o fêz justiçar.

Diante da insurreição de Manco Inca, Pizarro pediu refor-ços a outras colônias espanholas, e logo começaram a chegardo Panamá,México, Nicarágua e oulras partes. Porém apesardisso, e de muitos índios e n gros que o ajudavam, a subleva-

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ção continuou. Além disso, em lugares distintos, e ao queparece sem coordenar seus esforços com os de Manco Inca,outros índios se rebelaram também. Paulo Inca, a quem ospizarristas não reconheciam o título imperial dado pelos alma-gristas, lutava, sem dúvida, por sua parte, portemer a vingançade seu irmão. Houve batalhas nas quais as tropas de Mancoderrotaram a exércitos espanhóis de quinhentos homens -número considerável nessa época no Novo Mundo - além demilhares de auxiliares índios e negros.

Francisco Pizarro não chegou a ver o país "pacificado".Em meados de 1541, vários aimag ristas, cansado dos maustratos que recebiam; assaltaram sua residência em Lima. Só osmais achegados servos do governador acudiram em sua defe-sa. Ferido mortalmente, conta-se que Pizarro pediu que trou-xessem um confessor, e que seu pagem, que também morreuno encontro, lhe disse: "~ no inferno que você merece irconfessar".

Carlos V criou O vice-reino do Peru, e nomeou para servir como vice-rei ocavalheiro abulense Blasco Nútiez Vela.

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o vice-rei nado do PeruEm fins de 1542, Carlos V criou o vice-reinado do Peru, e

nomeou para servir como vice-rei o cavalheiro abulense Blas-co Núnez Vela, padrinho de Santa Tereza. A razão pela qual orei deu esse passo foi que haviam chegado notícias dos des-mandos cometidos no Perú por Pizarro e os seus. As notíciasprocedentes daquelas terras começaram a criar dúvidas erevoltas entre os teólogos, como veremos ao tratar de Francis-co de Vitória. Em conseqüência de tudo isso, e em particularcom as gestões de Bartolomeu de Las Casas, se decretaram asNovas Leis de Burgos, que proibiam os abusos dos encomen-dadores. Além disso, o rei queria assegurar-se de que nãoapareceria na América uma nova aristocracia feudal, como aque sua avó Isabel a Católica, tinha tido que enfrentar naEspanha. Logo, Blasco Núriez Vela chegou ao Peru com aresponsabilidade de pôr em ordem o governo espanhol, limitar.0 crescente poderio dos encomendadores, e pôr fim aos abu-.sos contra os índios. Era uma difícil tarefa, pois quando tive-ram conhecimento da missão do vice-rei os encomendadoresse levantaram, e logo tiveram como chefe Gonzalo Pizarro,irmão do conquistador, que tinha-se assentado em um grandelatifúndio vivendo do trabalho indígena. Diante de tais circuns-tâncias, Manco Inca, que ainda continuava sua resistência, sebem que agora reduzida a uma guerra de guerrilhas, fêz-sealiado do vice-rei.

Em tais circunstâncias, a situação parecia desesperadapara os encomendadores. Porém Manco Inca morreu assassi-nado por uns almagristas aos quais havia prestado refúgio, epouco depois o vice-rei foi morto pelos encomendadores nabatalha de Anaquito. Gonzalo Pizarro ficou então dono doPeru, com pouca resistência por parte dos nativos ou dasautoridades espanholas.

Entretanto a coroa não podia permitir tamanha desobe-diência. E, posteriormente, Gonzalo Pizarro foi feito prisionei-ro e decapitado, enquanto que seu irmão Hernando passariavinte e um anos preso na Espanha.

O vice-rei nado trouxe uma certa estabilidade ao Peru.Porém não demorou muito para que as Novas Leis fossem

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Os conquistadores mandaram lavrar seus brasões nos umbrais dos antigospalácios indigenas.

esquecidas, e os espanhóis continuaram explorando os índiospelo espaço de vários séculos.

A morte de Manco Inca não pôs fim à heróica resistênciadaquele povo. O filho de Manco Inca, Tupac Amaru, foi coroa-do pelos seus, e conseguiu certa medida de autonomia até quefoi capturado e executado pelos espanhóis. Passado o tempo,um descendente seu, José Gabriel Condorcanqui, tomou atocha da rebelião. Condorcanqui era um homem de refinadaeducação que ostentava o título espanhol de Marquês deOropesa. Durante todo o ano de 1780, os índios se queixaramdas crescentes taxas e impostos do governo espanhol. Emvários lugares houve levantes, que as autoridades conseguiammais ou menos conter. Porém no dia 4 de novembro de 1780Condorcanqui, tomando o nome de Tupac Amaru II se estabe-leceu. Sua rebelião foi a mais difícil de apagar, pois soube

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atrair os mestiços, negros e os brancos pobres, que sentiam-seoprimidos pelos onerosos impostos, as meias, o serviço pes-soal que os grandes terra-tenentes esperavam, etc. Além domais Tupac Amaru " insistia em que sua rebelião não eracontra a religião católica, da qual se proclamava filho fiel, nemtão pouco contra os espanhóis pelo simples fato de seremespanhóis, mas contra as injustiças de alguns poucos espa-nhóis poderosos e corruptos. Por isso, foi necessário enviar deBuenos Aires! um exército de 17.000 homens que por fim obateu e o fêz prisioneiro. Levado diante do visitador JoséAntonio de Areche, um dos principais exploradores, se lheperguntou quais eram seus cúmplices, e diz-se que sua res-posta foi a seguinte:

Nós somos os únicos conspiradores. Vossa mercê, porter afogado o país com taxações insuportáveis. E eu, por terquerido libertar o povo de semelhante tirania.

Areche condenou Tupac Amaru a morte. Além disso,antes de ocorrer sua sentença, matou, em sua presença, suaespôsa. Seu irmão, Diego Cristobal Tupac Amaru, continuou arebelião até que ele mesmo também foi preso e enforcado.

A obra missionáriaComo era de se esperar, devido a tais acontecimentos

iniciais, a obra missionária no Peru não foi, a princípio, plenade êxito. A atuação de Valverde em Cajamarca indica o tom ecaráter da maioria dos primeiros sacerdotes que visitaram opaís. E até a própria coroa estava disposta a premiar tal condu-ta, pois Valverde foi feito o primeiro bispo de Cuzco. A atitudedos índios para tais bispos ficou manifesta quando os da Ilhade Puná puderam por as mãos no senhor bispo, em vingançapelos velhos crimes cometidos pelos conquistadores com suaanuência, o mataram e o comeram. Além do mais, não faltaramos curas que vieram para a América a fim de se tornarem ricos,como Hernando de Luque que custeou a empresa de Pizarro.

De igual modo que em outras regiões, o trabalho missio-nário caiu a cargo das quatro grandes ordens dos dominica-nos (os primeiros a chegar), franciscanos, mercedários e jesuí-tas. Porém ainda essas ordens de strita pobreza não estavam

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Toríbio Alfonso de Mogrovejo.

imunes das tentações produto da corrupção reinante. Dosmercedários se contava toda sorte de história de vícios, licen-ciosidade e roubos. Quando foi enviado um visitador parainvestigar a situação, este morreu misteriosamente em SãoSalvador, antes de chegar no Peru. Por longo tempo o altoclero se fêz cúmplice e se beneficiou da exploração de queeram objeto os indígenas. E também de nada adiantou o pro-testo quando se decidiu ter igrejas separadas, umas para osíndios e outras para os brancos.

Em tais circunstâncias, não é de se estranhar que muitosíndios se negassem a aceitar o cristianismo, e que até haviacaciques que matavam aqueles entre seus súditos que seconvertiam. A nova fé era símbolo da opressão e exploraçãodo povo. Porém apesar disso, pouco a pouco, mal ou bem,

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todos os índios foram aceitando a fé dos vencedores. Missio-nários e "doutrinadores" (curas pagos pelos encomendadorespara doutrinar seus índios) se ocuparam de que fossem enten-dendo a nova fé. E muitos se ocuparam também de que aentendessem de tal modo que se tornassem mais dóceis dian-te de seus senhores.

Em 1581 chegou a Lima, para tomar o cargo dessa arqui-diocese, Toríbio Alfonso de Mogrovejo. Nessa época a arqui-diocese era enorme, pois compreendia sob sua jurisdiçãometropolitana o que hoje é a Nicarágua, Panamá, parte daColômbia, todo o Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Chile, eparte da Argentina. Vinha imbuído dos ditames renovadoresdo Concílio de Trento, de cujas seções tratamos no volumeanterior.

Que sua atuação seria difícil, pode ver-se pelo fato de queao convocar um concílio provincial em Lima para julgar aatuação do bispo de Cuzco, de quem chegavam péssimasinformações, o bispo de Tucumán tomou os documentos doprocesso e os queimou no forno de uma padaria. Entre taispessoas, o novo arcebispo tratou de impôr a disciplina tridenti-na, e o conseguiu pelo menos de certo modo. Graças a ele,aquele concílio proibiu o "comércio do clero", e depois proibiutambém aos sacerdotes que cobrassem pela administraçãodos sacramentos. Toríbio fêz também compôr um catecismoque se publicou primeiro em espanhol, quichua e aymara, edepois em muitos outros idiomas índios. Este "Catecismo deSão Toríbio" se utilizou em boa parte da América do Sul pormais de três séculos. Além do mais, determinou dom Toríbioque os sacerdotes permanecessem em cada paróquia pelomenos seis anos, e tinham também que aprender a língua deseus fiéis. E os encomendadores deviam respeitar as dozefestividades católicas que os índios celebrariam, além dosdomingos (os espanhóis tinham mais de trinta festas dessanatureza, porém se opunham a que os índios as celebrassempara não perderem seus trabalhos).

Os planos reformadores de dom Toríbio chocaram-secom os do vice-rei, que insi tia nos direitos de Patronato Realque, como representante do roi, lhe correspondiam. Com fir-meza e humildade o Arcebispo COnlllHJOU sua obra reformado-

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Santa Rosa de Lima. Foto de OSG.

ra. Em 1726, cento e vinte anos depois de sua morte foi declara-do santo pela igreja católica.

A vida e obra de Santo Toríbio de Mogrovejo mostram ocaráter da igreja que começava a tomar forma na região. Em

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luta constante com os elementos mais licenciosos, defendendoos índios e os pobres sem chegar a se opôr àjustiça fundamentaldo regime, tratando de aprofundar a fé dos nativos do país semcontar com recursos humanos adequados, o catolicismo lati-no americano ia se formando.

Os outros três grandes santos da igreja limenha mostramo tom desses catolicismo. Santa Rosa de Lima (1586-1617) foimembro da Terceira Ordem de São Domingo, isto é, permane-ceu em sua casa e ali levou uma vida ascética. Seu ascetismo alevou ao mais alto grau de mortificação da carne, até o pontode levar escondida sob seus cabelos uma coroa de cravos deprata que lhe dilaceravam a fronte. Igual a Santa Tereza, tinhadesejado ser missionária, porém seu sexo a impedia. Portantodedicou-se a vida de meditação, e teve experiências de bodasespirituais com Cristo e de êxtases. O seu era o mesmo idealde Santa Teresa e de tantas "beatas" (esse era o nome oficialque lhes davam) que existiram na Espanha naquele séculoXVI.

Outro santo limenho, São Martin de Porres, era mulato e,conseqüentemente, a ordem dos dominicanos não lhe permi-tiu passar do grau de "donado", isto é, de servente de mosteiro.Porém logo chegou a ser um dos mais conhecidos residentesda prioría de Santo Rosário, em Lima, onde seu pai o colocou.Sua fama se deve a seu modo afável e serviçal. Apesar de serdominicano, seu caráter era de franciscano. Visto que tinhasido barbeiro e aprendiz de farmacêutico antes de entrar nomosteiro, sabia de curas e de sangrias (naquele tempo eram osbarbeiros os que se ocupavam com certos tipos de cirurgia), e,com isso e sua presença e cuidado aliviava aos enfermos,tanto humanos como animais. Logo teve todo um hospital nomosteiro, até que o obrigaram a transferir seus enfermos parauma outra parte, e os levou para a casa de sua irmã. Em seusmomentos livres, ia pelos montes semeando figos e outrasfrutas, com a esperança de que um dia servissem de alimento aalgum faminto. Porém o que surpreendia a todos era suahumildade, pois freqüentemente se chamava a si mesmo de"cão mulato". Foi essa humildade, além de muitos milagresque se lhe atribuem, que lhe valeu o título de santo, concedidopelo papa em 1888. Naturalmente. o que se destaca nele é a

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verdadeira santidade que, no caso de uma pessoa "inferior"como um mulato, negro ou índio, consistia em estar disposto aaceitar o lugar que lhe correspondia na sociedade.

O outro santo peruano, São Franciscano Solano (1549-1610), mostra as tendências apocalípticas que tinham aquelesque buscavam ser fiéis cristãos no meio daquela sociedadecorrompida e injusta. Francisco Solano era um homem caladoque tinha servido de "doutrinador" na Argentina e Paraguai, e aquem todos conheciam pela sua amabilidade e seu bom hu-mor. E, apesar disso, numa noite de dezembro de 1604 aqueleespírito sossegado saiu correndo e clamando pelas ruas deLima que Deus estava pronto para castiçar aquela nova Nívive,e que se os limenhos não se arrependessem, nessa mesmanoite a cidade seria tragada pela terra em meio de um grandeterremoto. O impacto do novo Jonas foi grande, e as pessoascorreram às igrejas, prometendo se corrigir em seus costu-mes.

Por terras de CollasuyuAté aqui temos nos ocupado principalmente daquelas

porções do Tahuantinsuyu que hoje pertencem ao Peru eEquador, e temos dito pouco sobre a Bolívia e o Chile. Assim,mesmo que de forma ligeira, devemos destacar certos fatos daigreja nessas regiões, ocorridos naquela "era dos conquista-dores".

A queda de Cuzco nas mãos dos invasores europeus foitambém a queda do planalto boliviano, apesar de que tambémpor ali continuou a resistência por algum tempo. A primeiraexpedição espanhola a Bolívia foi a de Diego de Almagro, queem sua viagem para o Chile bordeou o lago Titicaca por terrasque hoje são bolivianas. Pouco depois Gonzalo Pizarro dirigiuoutra expedição, cujo resultado foi a fundação de Chuquisaca.

Porém a grande invasão espanhola da Bolívia teve lugarquando se descobriu que havia riquíssimas jazidas de prata naco-lina de Potosí. Os índios o sabiam, mesmo que não quisessemexplorá-Ias. Mas, ao chegar ao conhecimento dos espanhóis,estes dispararam para a região, e por volta de 1573 Potosí eratão grande quanto Londres. Porém pelo próprio fato de suas

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Ali foram os missionários que servirem de vanguarda para a penetraçãoeuropéia ...

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.. e logo o território esteve semeado de igrejas.

grandes riquezas e pelo modo precipitado de seu crescimen-to, essa cidade era também o território mais corrompido eanárquico do continente. Logo se foram fu ndand Doutras cida-des, a maior parte delas no caminho que deviam seguir asexpedições que levavam a prata potosina.

Quanto a obra missionária, no Planalto, ela tomou a mes-ma forma que tomou no Peru. Logo quase todos os índiosestavam sob a encomenda de algum espanhol, e por essemeio, com base na lei do mais forte, pouco a pouco todosforam se tornando cristãos.

Nas regiões selvagens do que hoje é a Bolívia, sem embar-go, seguiu-se uma ordem muito distinta do que ocorreu noPlanalto. Ali foram os missionários, sobretudo os jesuítas, queserviram de vanguarda para a penetração européia. Os índiosmojos, por exemplo, não se deixavam ver pelos conquistado-

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Os Filhos do Sol- 157

res, e foi só depois de árduos esforços que os jesuítas conse-guiram estabelecer com eles contatos permanentes. Depoisde viver com eles por vários anos, alguns dos índios aceitaramresidir nos povoados, como os sacerdotes lhes sugeriam. Enão foi senão longos anos mais tarde, em 1682, que por fi m secomeçou a batizá-Ios em grande número. Muito parecida foi ahistória da obra entre os índios chiquitos, chamados assim,não por sua estatura, mas por serem pequenas as portas desuas choças. Em todo caso, pelas selvas amazônicas do orien-te boliviano o trabalho evangelizador continuou por váriosséculos, e houve vários mártires entre os missionários.

A conquista do Chile, na qual Almagro fracassou, foiempreendida depois de sua morte por Pedro de Valdivia,lugar-tenente de Pizarro. Em 1540,Valdivia marchou para o sule fundou a cidade de Santiago. Ato contínuo, distribuiu asterras circunvizinhas, com seus índios, entre seus soldados, ese estabeleceu o mesmo sistema de exploração que temosvisto nos outros lugares. Uns dez anos mais tarde, Valdiviacruzou o Bío-Bío, antiga fronteira do império inca, e fundou acidade de Conceição. Porém os araucanos, sob o comando dofamoso Caupolicán, lhe ofereceram forte resistência. O pró-prio Valdivia foi capturado e morto pelos nativos, e Caupolicánsofreu, depois, parecida sorte nas mãos dos espanhóis. Poréma insurreição continuou, pois os índios aprenderam as artesbélicas dos europeus, e não puderam ser dominados senãonos fins do século XIX. Portanto, do ponto de vista da "era dosconquistadores", o Chile não se extendeu muito mais adiantedo Bío-Bío e os arredores de Conceição.

Entre os primeiros conquistadores, houve sacerdotesmuito parecidos com Vicente Valverde. De Juan Lobo se diziaque, em combate contra os índios, era como um lobo no meiode ovelhas. E vários outros pegaram também nas armas contraos índios. Quando finalmente chegaram os franciscanos e osdominicanos, em 1553 e 1557 respectivamente, a qualidade doclero, e sua atenção ao bem- star dos índios, melhoraramnotavelmente.

Entre aqueles primeiros dominicanos merece mençãoespecial a figura esquecida d fr i Gil González de San Nico-las, que foi um hábil e atr vid mi ionário entre os índios, e

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158 - A era dos conquistadores

posteriormente chegou a conclusão de que a guerra que selhes fazia era injusta. Atacar com o único propósito de con-:quistar pessoas que não tinham feito nenhum mal, dizia oclérigo, era pecado mortal, e portanto não deveria oferecer-sea consolação da penitência aos que dirigiam tais guerras e nãose arrependessem disso. Logo as palavras do frei Gil fizerameco entre os demais dominicanos e os franciscanos, e chega-ram a negar a confissão aos que fomentavam guerras contraos índios. A situação era difícil para as autoridades, tanto civiscomo eclesiásticas, porque frei Gil e os seus tinham razão.Porém posteriormente, e depois de uma série de conflitos, seateou fogo ao fogoso pregador mediante uma acusação deheresia porque tinha declarado que as futuras gerações espa-nholas sofreriam o castigo dos crimes que seus pais cometeram.Isto equivalia dizer que o pecado que se transmite de pais aosfilhos não é só o original, mas também o atual, e tal opinião eraherética. Com essa desculpa se lhe impôs silêncio, e no padreGil González se afogou uma das vozes proféticas de suaépoca.

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A Flórida - 159

IXA Flórida

Não por serem franceses, mas porserem luteranos.

Pedro Menéndez de AvilésNão por serem espanhóis, mas por

serem traidores, ladrões e assassinos.Dominique de Gouges

Desde muito cedo os espanhóis souberam que existiamextensas terras ao norte. Em 1513 Juan Ponce de León, gover-nador de Porto Rico, recebeu uma cédula real que o autorizavaa descobrir e colonizar a ilha que os espanhóis chamavam"Bímini", na qual se dizia que existia uma fonte maravilhosacujas águas devolviam a juventude, ou pelo menos tinha sur-preendente poder curativo. O resultado foi o descobrimentoda Flórida, que recebeu esse nome porque os exploradorestomaram posse dela em nome do rei da Espanha na festa daPáscoa Flórida. Depois de navegar por ambas as costas dapenínsula, e ter alguns encontros violentos com os nativos,Ponce de León regressou a Porto Rico. Levava notícias de umpoderoso cacique na costa ocidental da península (perto deonde hoje está a cidade de Tampa). Visto que os nativosfalavam do cacicado de Calus, os espanhóis deram àquelecacique o nome de "Carlos", por tal nome se conheceu-odesde então. Vários anos mai taro ,Ponce de León empreen-deu uma segunda expediç o orn o propósito de conquistaraquela terra supostament ri a. or m foi ferido pelos índios emorreu em Cuba em con oqi"1 nela di o.

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160 - A era dos conquistadores

Don Juan Ponce de León. Estátua que se ergue em São João de Porto Rico

Em 1528 Pánfilo de Narváez, de quem já temos tratado aofalar de Cuba e do México, tentou conquistar o país. Suaexpedição foi um fracasso no qual o próprio Narváez perdeu avida. Oito anos mais tarde Alvar Núríez Cabeza de Vaca eoutros três sobreviventes chegaram, cansados e maltrapilhos,aos territórios espanhóis do México.

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A F/6rida - 161

Hernando de Soto explorou a reqiao em 1539 e 1540porém não a colonizou. E a tentativa de Tristán de Luna em1559 não durou mais do que dois anos.

O desafio francêsFoi a penetração francesa na região que obrigou os espa-

nhóis a dar-lhe mais atenção. Enquanto não existia a ameaçafrancesa, as autoridades espanholas estavam mais interessa-das no México e no Peru, de onde fluía mais ouro e prata.Porém a presença dos franceses poderia interromper as comu-nicações espanholas. E em todo caso todas essas terras su-postamente pertenciam ao rei da Espanha por doação papal, equalquer outro europeu era considerado um intruso.

Para o cúmulo dos males desde o ponto de vista espa-nhol, os franceses que em 1562 se estabeleceram nas costasda Flórida sob o comando de Jean Ribaut eram quase todoshuguenotes, isto é, calvinistas. Pouco tempo depois fundou-seoutra colônia semelhante sob a direção de René de Laundo-niere. Em resposta a tudo isso, a coroa espanhola comissio-nou a Pedro Menéndez de Avilés, que chegou a São Agostinhocom uma forte esquadra e atacou aos franceses. Destes, osque não fugiram e foram depois mortos pelos índios, forammortos pelos espanhois, que degolaram cento e trinta e doissoldados. Somente perdoaram as mulheres e os meninos me-nores de quinze anos. Ribaut não foi capturado nesta ocasião,pois estava ausente. Porém quando naufragou e se rendeu aosespanhóis, estes o mataram, assim como aos seus setenta etantos companheiros. Menéndez de Avilés fundou então acidade de São Agostinho, que a partir daí seria o principalbaluarte espanhol na Flórida.

Ribaut e os seus não ficaram sem vingança. O ousadofrancês Dominique de Gourges, que não era protestante po-rém amigo de Ribaut, preparou secretamente uma expediçãoque desembarcou na Flórida, no mesmo lugar da matançaanterior, capturou um bom número de espanhóis, e os enfor-cou. Visto que Menéndez tinha dito que matava suas vítimas"não por serem franceses, mas por serem luteranos", Gourgesdeixou junto aos mortos um artao cm que dizia que os tinhaenforcado "não por serem pantióis, mas por serem traido-

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res, ladrões e assassinos". Então, antes de que pudessemchegar reforços de São Agostinho, partiu para a França. Po-rém ainda ali o perseguiu a ira de Felipe II, que reclamavavingança contra ele, e teve então que passar escondido orestante de seus dias.

o empreendimento espanholMenéndez de Avilés e seus lugar-tenentes fundaram vá-

rias colônias na Flórida, porém nenhuma delas, exceto SãoAgostinho, conseguiu prosperar. O clima era inclemente, e osnativos eram grandemente hostis. O ouro era pouco, e tam-bém pouco foi o número dos espanhóis dispostos a partir paraessas terras. De fato, enquanto rapidamente a coroa teve queregulamentar a emigração para o México e para o Peru, paraFlórida não iam mais que militares e missionários. Logo, asuposta colonização da região nunca passou de uma série depostos militares, cuja função era assegurar-se de que não seestabeleceriam ali outros europeus.

Não é necessário relatar a história de todas aquelas mis-sões, basta apontar o curso geral que seguiram. Os que maisde perto trabalharam com Menéndez de Avilés foram os jesuí-tas. Porém também houve missionários franciscanos e domini-canos. De modo geral, estes missionários se estabeleciam emalgum lugar em que havia uma guarnição espanhola, e traba-lhavam a partir desse centro. Porém o fato é que tanto osnativos como os espanhóis se mostravam receosos uns dosoutros. Repetidamente se deram casos em que os espanhoismatavam os índios porque temiam que estes os atacassem desurpresa. E os próprios missionários tão pouco se confiavameles, a quem viam como selvagens matreiros. O resultado foique em quase todos os lugares se repetiu a mesma história.Algum cacique se mostrava amistoso, e os missionários espe-ravam sua pronta conversão. Porém alguém dizia ou suspeita-va de que a suposta amizade do cacique não era mais que umsubterfúgio, e que os índios pretendiam destruir os espanhóis.Aí então se matava o cacique, ou se cometia algum outro atoviolento. Posteriormente, a missão fracassava, e em muitoscasos a própria guarnição, rodeada de índios hostis, era obri-gada a partir. Em toda essa história, não faltaram mártires

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A Flórida - 163

entre os missionários, até o ponto em que os jesuítas decidi-ram abandonar a empresa e dedicar seus recursos humanos acampos mais prometedores.

Talvez o mais interessante projeto missionário desta épo-ca foi o colégio que Menéndez de Avilés se propôs fundar emHavana. O propósito daquele colégio seria educar nele osfilhos dos caciques floridanos, e de outras terras, com a espe-rança de que aprendessem ali a fé cristã e mais tarde, casadoscom espanholas e de regresso a seus países, servissem para aconversão de seus povos. O que se esperava não era queaqueles filhos de cacique chegassem a ser sacerdotes, poisnessa época era proibido ordenar os índios. O que se esperavaera que, visto que pertenciam às aristocracias locais, tais con-versos tivessem muito peso em suas comunidades, e abrissementão o caminho para os missionários. Além do mais, diziaMenéndez, os discípulos de tal escola serviriam também comoreféns que garantiriam a boa conduta de seus pais para com osespanhóis. Assim, naquele. projeto, como em todos os queempreendia a Espanha, o propósito missionário ia unido aointeresse de conquista e colonização.

Da Flórida os espanhois passaram para territórios maisao norte, em parte porque temiam as incursões dos ingleses,que começavam a mostrar interesse nestas regiões, eem parteporque esperavam encontrar climas mais temperados e índiosmenos hostis. Assim se estabeleceram postos militares avan-çados e missões em Guale (hoje Geórgia), Santa Helena (Ca-rolina do Sul) e Ajacán (Virgínia). Toda essa expansão tinhasua base de operações em Havana, de onde se mandavampessoal e alimentos, pois os postos estabelecidos naquelesterritórios inóspitos nunca conseguiram abastecer-se a simesmos.

Em Ajacán ocorreu um trágico incidente que mostra asdificuldades do método missionário que Menéndez de Avilésse propunha seguir em seu coi gio. Naquelas terras escreve-ram os jesuítas suas esperança, pois foi oferecida a eles umaajuda pelo irmão do caciqu. to jov m, que tomou o nomecristão de Luís, tinha sido arrancad de sua pátria pelos espa-nhois, e de algum modo f i I vndo r México. Ali se ofereceupara acompanhar e apoiar li1)1[1 1l1L,;'\ a sua nativa Ajacán

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_ 164 - A era dos conouistetiores

porém, quando a expedição chegou na região não poce en-contrar o povo de Luís, e a falta de alimentos a obrigou a partirpara a Espanha. Quatro anos mais tarde Luís partia de Havanacom uma missão jesuíta, composta por dois sacerdotes, trêsirmãos e quatro catequistas. Chegados a Ajacán, ficou claroque o verdadeiro propósito de Luís era simplesmente regres-sar aos seus, e tinha-se oferecido para o trabalho missionárioporque sabia que era esse o único método que teria para podervoltar a ver sua prátria. Todo o contingente missionário foimorto pelos nativos, exceto o catequista Alonso Méndez, queconseguiu escapar e por quem se teve finalmente notícia des-ses fatos.

A colonização espanhola naquelas terras limitou-se àscostas do Atlântico, exceto no caso da península floridana, emcuja costa ocidental os espanhois fundaram a cidade de Pesa-cola, por temor aos franceses que tinham-se estabelecido emLuisiana. Os postos de Ajacán, Santa Helena e Guale tiveramque ser abandonados diante do avanço das colônias inglesas.Pouco a pouco, durante o século XVII!, os espanhóis foramtomando verdadeiramente posse do interior da Flórida. Porémem 1763 tiveram que ceder esses territórios aos ingleses emtroca de Havana, que tinha sido tomada por eles. Vinte anosmais tarde a Flórida voltou para mãos espanholas, porém em1819 foi cedida formalmente aos Estados Unidos, queem todocaso havia já ocupado militarmente boa parte da região.

Da presença daquelas antigas missões no continente nor-te americano não restou mais que a lembrança, algumas ruí-nas, e os esquecidos ossos dos missionários que ofereceramali suas vidas.

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o Vice-reinado da Prata - 165

xO vice-reinado

da Prata... o ódio que têm (os

encomendadores) aos padres daCompanhia; pela razão de terem

entendido e estarem persuadidosde que por eles estão privados das

encomendas e serviços quepoderiam ter para suas chácaras efazendas com os índios do Paraná.

Juan Blásquez de Valverde

Os territórios que hoje constituem as repúblicas da Ar-gentina, Uruguai e Paraguai foram os últimos de todaHispano-América em que os conquistadores se estabelece-ram permanentemente. Em busca de um estreito que o levasseao Pacífico, Juan Diaz de Solís descobriu o Rio da Prata em1516, porém sua expedição terminou tragicamente quando foimorto pelos índios. Quatro anos mais tarde, Magalhãesdeteve-se na região antes de continuar sua viagem para oestreito ao qual deu seu nome. E em 1526 Sebastião Cabotorecolheu os sobreviventes da expedição de Díaz de Solís, queforam os primeiros a contar lendas das riquezas fabulosas que,segundo os índios, se encontravam para o oeste. Logo seformou o mito da "cidade encantada dos Césares", onde oouro abundava e havia um rei branco. Igual às lendas do EIDorado e das Sete Cidades de Ouro, atraíram os aventureirosde outras regiões, neste caso a busca pela cidade dos Césaresimpulsionou a exploração para o interior do país. Em 1535Pedro de Mendozá fundou a cidade de Buenos Aires, porémlogo teve de abandonar a empresa devido à falta de suprimen-tos e a hostilidade dos nativos, que os espanhóis mesmohaviam provocado.

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166 - A era dos conquistadores

AssunçãoEnquanto a expedição de Mendoza começava a sofrer

dificuldades, um de seus lugar-tenentes, Domingo Martínez deIrala, penetrou no interior, e em 1537 fez construir um forte aoredor do qual foi fundada mais tarde a cidade de Assunção.Em 1541, os restos da expedição de Mendoza abandonaramBuenos Aires e foram estabelecer-se em Assunção, sob ocomando do mesmo Alvar Núríez Cabeça de Vaca a quemtemos visto caminhar desde a Flórida até o México. Porém, aguarnição se amotinou, depondo Cabeça de Vaca, e tomandopor chefe Martínez de Irala.

Ao que parece, Irala e os seus foram muito mais benévo-los com os índios que a maioria de seus compatriotas emoutras partes do continente. Talvez isso se deva, em parte,porque sabiam que dependiam deles para sua subsistência, eque estavam isolados de toda ajuda possível no caso de umataque por parte dos nativos. Em todo caso, o caráter pacíficodaquela primeira expedição em terras do Paraguai foi um fatordo bom êxito que, posteriormente, tiveram as missões jesuítasnesse país. Assim, os espanhóis viveram em relação relativa-mente amistosa com os índios, e as raças foram-se misturandocom o nacimento de um grande número de mestiços. Logo,quase todos os crioulos de Assunção sabiam tanto o espanholcomo o guarani, que era a língua dos nativos daquela região.

Apesar do episcopado de Assunção ter sido criado em1547, por diversas razões o primeiro bispo não chegou senãosomente em 1556. A nova diocese ficou sob a jurisdição daarquidiocese de Lima.

Os espanhóis que se estabeleceram em Assunção trata-ram de marchar para o Ocidente em busca da cidade dosCésares, porém constataram que os territórios que se acha-vam nessa direção, que hoje pertencem à Bolívia, já eram partedas terras conquistadas a partir do Peru e que, portanto, lhesestavam vedadas.

TucumánEnquanto isso, Vaca de Castro, o governador do Peru,

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o vtce-reinedo da Prata - 167

sugeriu a Carlos V, como um modo de desfazer-se dos muitosaventureiros que tinham invadido o país, que se empreendes-

,se uma nova expedição para o sudeste (o que é hoje o ocidenteargentino). Com a licença do rei, a empresa foi confiada aDiego de Rojas, que contornou o lago Titicaca e desceu pelaladeira oriental dos Andes. Apesar de Rojas ter encontrado amorte em 1544, por uma flecha envenenada, o resultado dessaexpedição foi o descobrimento e colonização de Tucumán.

Pouco depois houve conflitos de jurisdição entre os espa-nhóis procedentes do Peru e os que vinham do Chile, poisambos reclamavam a região. Por esta razão, e por ser um lugarafastado, Tucumán foi por um longo tempo um território vio-lento, no qual vigorava a lei do mais forte.

Quando finalmente se fundou a diocese de Tucumán, soba jurisdição da arquidiocese de Lima, seu primeiro bispo, odominicano Francisco de Vitória (que não deve ser confundi-do com o outro dominicano de mesmo nome que foi professorna universidade de Salamanca) tornou-se um digno pastor dagrei, pois foi este o bispo violento de quem falamos anterior-mente, que estava mais interessado no ouro que no seu pasto-rado, e que arrebatou um expediente de Santo Toríbio deMogrovejo, e o jogou no forno de uma padaria.

Quando frei Francisco renunciou em 1587, sucedeu-o ofranciscano Hernando de Trejo, pessoa digníssima que seesforçou em aplicar as medidas reformadoras que tinham-seestabelecido, em Lima, sob a inspiração de Santo Toríbio.

Foi também em Tucumán que trabalhou entre os índiosSão Francisco Solano, de quem já temos tratado.

Buenos AiresEmbora tenha sido fundada muito antes do que Tucumán

e Assunção, Buenos Aires foi logo abandonada, e teve de serfundada de novo em 1580, agora com tropas procedentes deAssunção sob o comando de Juan de Garay. Pouco depois che-gou um forte contingente de franciscanos capitaneados porJuan de Ribadeneyra. A partir de então, os franciscanos fica-ram com a responsabilidade ela vida eclesiástica da recém-fundada cidade.

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16U II Oli.l dos conouist adores

Entretanto, Buenos Aires não estava destinada a prospe-rar rapidamente. Durante muito tempo não passou de umapequena população, pois não tinha riquezas capazes de com-petir com os atrativos do México ou do Peru. Em 1617 Felipe IIIseparou-a da jurisdição do Paraguai, e três anos mais tarde foicriada a diocese da Santíssima Trindade do porto de BuenosAires. Porém, durante todo esse tempo a cidade continuouvivendo em grande parte do contrabando e do tráfico de escra-vos. Em 1725 contava somente com dois mil habitantes.

Foi pelos fins do século XVIII, com a criação do vice-reinado da Prata (1776), que Buenos Aires começou a ganharimportância, pois foi convertida em capital de um vasto territó-rio.

As missões do ParaguaiO mais interessante capítulo da história da igreja em toda

essa região durante a "era dos conquistadores" foi o referenteàs missões jesuítas no Paraguai.

Já vimos que, em outros lugares, tais como o norte doMéxico, adotou-se a potítica missionária de reunir os indíosem povoados onde viviam sob a direção dos missionários. Emalguns casos isto se fêz à força, e em outros mediante apersuasão. Porém, em nenhum lugar atingiu o êxito consegui-do no Paraguai.

O precursor das missões jesuítas no Paraguai foi o fran-ciscano Luís de Bolarios, Este chegou à Assunção em 1574, ededicou-se a aprender os costumes e línguas nativas. Quatroanos mais tarde fundou o primeiro povoado missionário, ondereuniu meio milhar de índios. Pouco a pouco, com o apoio dogoverno civil, fundou cinco povoados ao redor da cidade deAssunção, cada um com várias centenas de índios. Seu propó-sito era utilizar a presença espanhola como exemplo e estímu-lo para os índios, mantendo, porém, suficiente distância entreestes e os colonizadores para evitar os abusos e desavençasque haviam ocorrido em outras tentativas semelhantes.

A obra dos jesuítas inspirou-se na de Bolanos.e um dosprincipais instrumentos foi a tradução guarani do catecismode São Toríbio, produto dos trabalhos de Bolafios.

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o Vice-reinado da Prata - 169

Porém diferentemente do franciscano, os jesuítas esta-vam convencidos de que os colonos e soldados espanhóiseram um verdadeiro impedimento para sua obra missionária, eportanto decidiram enfronhar-se mais para o interior do país,para regiões onde o europeu fosse quase desconhecido. Essapolítica ficou confirmada quando a missão entre os guaycu-rúes, que eram os índios que mais pareciam ameaçar a cidadeespanhola, tornou-se a mais difícil e menos frutífera. Posterior-mente os jesuítas entregaram suas missões entre estes índiosaos sacerdotes diocesanos, e dirigiram-se mais para o interiordo país.

O principal promotor dessas missões foi o padre RoqueGonzáles, natural de Assunção, que falava o guarani com amesma fluência do espanhol. Seu caráter, as vezes doce eousado, permitiu-lhe penetrar em regiões onde antes nuncatinha sido visto um rosto branco. Em mais de uma ocasião,quando soube que os índios eram hosns, simplesmentedirigia-se à região e pedia para falar com o cacique. Dessemodo ele e outros jesuítas foram ganhando a confiança dosnativos, e quando os convidaram a viver em povoados elesaceitaram.

Os povoados assim fundados eram, na verdade, peque-nas teocracias. Embora os índios elegessem seus chefes, to-dos eram supervisionados pelo missionário, que tinha a últimapalavra, não só em questões de moral e religião, mas tambémnos assuntos práticos da comunidade.

O plano básico destes povoados era geralmente o mes-mo. No centro havia uma grande praça, onde tinham lugar asreuniões, as procissões e as festas. Defronte à praça estava aigreja, com a residência do missionário. Havia além disso umarmazém onde se guardavam os bens comuns, e um edifício àparte para as viúvas e os órfãos. Além dos edifícios necessá-rios para oficinas, escolas, havia um bom número de constru-ções enfileiradas pelas ruas, e em cada uma delas pequenosapartamentos para cada família.

Boa parte da propriedade era tida como comum, se bemque era permitido aos índios ter pequenos terrenos particula-res. Os animais, os aparelhos de lavoura, as sementes, etc.,

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Havia pequenos apartamentos para cada faml/ia

eram propriedade de todo o povoado. Ainda que todos tives-sem de trabalhar certo número de horas nos campos comuns,sempre havia tempo para os que se interessavam em artesana-tos especiais, e os nativos chegaram a se tornar hábeis arte-sãos. Nalguns daqueles povoados, foram os índios que cons-truíram os órgãos para suas igrejas.

Porém, nem tudo era côr de rosa. Cada povoado estavarodeado de grupos de índios que se negavam a abandonar avida anterior, e que incitavam os outros a voltar para ela. Osdesertores foram muitos, porém a maior parte deles voltavafinalmente à "redução". Em outros casos, os índios indômitosprovocaram os outros à rebelião, e foi assim que perderam avida Roque Gonzáles (que foi canonizado em 1934) e vários

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o vlce-reinedc da Prata - 171

Crucifixo procedente do Paraguai. Ainda que de data posterior, reflete a arteque apareceu nas missões dos jesuítas.

companheiros seus.Os piores inimigos das reduções, sem dúvida, não eram

os índios, mas os brancos, tanto espanhóis como portugue-ses. Estes últimos temiam que as missões jesuítas fossem ummodo de extensão do poderio espanhol para terras brasileiras.Além do mais, a zona em que estavam as missões era precisa-mente o território que estavam acostumados a invadir parabuscar escravos. Os espanhóis, por sua parte, se queixavamde que as missões lhes tiravam os índios que, de outro modo,trabalhariam em encomendas. Logo, ainda que aparentemen-te houvesse um conflito de fronteiras entre espanhóis e portu-gueses, o fato é que ambas as partes coincidiam em sua

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1/2 - A ela dos conquistadores

malquerência para com as aldeias dos jesuítas.Em 1628 os portugueses de São Paulo começaram a

atacar as missões. Arrasavam povoados indefesos e levavammilhares de índios, para vendê-los como escravos. Em algunscasos os missionários acompanharam seus rebanhos em seuinfortunado êxodo, até que os portugueses os obrigassem aregressar. O primeiro remédio que se buscou foi transferir asreduções para territórios que estavam claramente fora das fron-teiras com o Brasil. Apesar do enorme trabalho que isso acar-retou, não resolveu a situação, pois os paulistas simplesmentese enfronhavam ainda mais em territórios espanhóis.

Diante dessa situação, os missionários decidiram armarseus paroquianos. As oficinas dos povoados se dedicaram afabricar armas, e o irmão jesuíta Domingo de Torres, com umtiro de arcabuz, matou a um dos chefes paulistas. Então osportugueses se queixaram diante da corte espanhola, com oapoio mal dissimulado dos encomendadores. Porém o papaUrbano VIII excomungou os caçadores de índios, e Felipe IVdeclarou que eles eram livres e não eram sujeitos a escravidão.Além do mais, os jesuítas organizaram um exército índio dequatro mil homens que colocaram sob o comando do aguerri-do irmão Torres. Em 1641, os jesuítas e seus índios derrotaramdecisivamente os paulistas. Nesse mesmo ano, o rei rejeitou asqueixas dos que acusavam os jesuítas de haver armado osíndios, e declarou que tinham o direito de fazê-lo, sempre quefosse em defesa própria. O futuro das missões, parecia assimassegurado.

A partir de então, o número e população dos redutosjesuítas aumentaram prodigiosamente, e em 1731 chegou acontar com 141.242 índios batizados. Tratava-se da mais vito-riosa tarefa missionária levada a cabo naquela "era dos con-quistadores", e teve lugar graças ao valor e a firmeza de umgrupo de conquistadores espirituais que se negaram a deixarlevar-se pelo atrativo do apoio militar espanhol.

Porém a oposição às missões não cessou. Comentava-seque os jesuítas escondiam grandes quantidades de ouro emseus povoados. Uma longa série de investigações sempreprovou o contrário, porém repetidamente havia quem revives-se a história e desse lugar a novas suspeitas e pesquisas. Além

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o Vice-reinado da Prata - 173

do mais, dizia-se que os jesuítas pretendiam criar uma repúbli-ca independente, e até se disse que eram governados por umrei, "N icolas I do Paraguai". Além do mais, essa era a época emque os jesuítas tinham caído em desgraça na corte espanholae noutras. Finalmente, em 1767, foi decretada a expulsão dosjesuítas de todas as colônias espanholas. O governador Fran-cisco de Paula Bucarelli tomou consigo um forte batalhão,temendo levantes ao fazer cumprir essa ordem. Porém osjesuítas fizeram todo o possível para que seus povoados pas-sassem aos outros missionários em paz e harmonia.

Supostamente, os franciscanos e dominicanos deveriamcontinuar aquele trabalho. Porém, eram poucos os missioná-rios que essas ordens podiam dispor, sobretudo porque osjesuítas haviam deixado vazios por todos os lados. Pouco apouco, os povoados foram se despovoando. Os administrado-res nomeados pelas autoridades civis começaram a exploraros índios, que perderam sua confiança nos novos missioná-rios. Os índios se queixaram diante da coroa, porém ninguémlhes deu atenção. Assim, começaram novamente as incursõesescravagistas dos paulistas, e não faltaram outras por partedos espanhóis. Já em 1813,as antigas missões estavam reduzi-das a um terço do que tinham sido na época de sua maiorglória.

Assim foi desaparecendo aquele empreendimento que,em seus melhores momentos, escreveu belas páginas na histó-ria da obra da igreja em prol dos desapossados e perseguidos.

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174 - A era dos conquistadores

Os portugueses na Africa e no Oriente

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Os Portugueses na Átrice - 175

XIOs portugueses

na ÁfricaHá aqui clérigos e canónicos tãonegros como o piche, porém tãoeducados, com tanta autoridade,tão instruídos, tão bons músicos,

tão discretos e tão justos, que bemmerecem a inveja dos de nossas

próprias catedrais

António VieiraFoi no século XIII, mais de duzentos anos antes de Caste-

la, que Portugal completou seu processo de reconquista con-tra os mouros. A partir de então, o único caminho da expansãoque restava era o mar, pois os castelhanos logo deram mostrasde não estarem dispostos a permitir que o reino vizinho esten-desse seu território às custas deles. Portanto, Portugal lançou-se ao mar. Na primeira metade do século XV, o príncipe Henri-que, o Navegante, deu grande impulsão a exploração da costaocidental africana. Sob seus auspícios, e depois de quatorzetentativas falidas, marinheiros portugueses conseguiram pas-sar além do Cabo Bojador, e explorar a costa até Serra Leoa.Embora o que tenham conseguido conhecer não fosse maisque uma margem do continente africano, isto deu motivaçãopara novas explorações, que continuaram ainda depois damorte de Henrique em 1460.

Os motivos que impulsionavam essa empresa eram vá-rios. Um deles a esperança d h gar à fndia, e aos demaisterritórios onde se podia obt r o. r> iciarias, navegando assimao redor da África, ou enc nl',IIHlo lima rota através desse

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Vasco da Gama

continente, porém além dos limites do poder dos mulçuma-nos, que nessa época dominavam quase toda a costa africana.Outro motivo propulsor de tais experiências era o desejo deestabelecer contatos e alianças com a Etiópia. Repetidamentechegavam a Europa informações vagas de um grande reinocristão que se encontrava do outro lado dos mulçumanos, eisto criava esperanças de que, estabelecendo contato comesse reino, fosse possível lançar uma grande cruzada conjuntaque de uma vez por todas pusesse fim à ameaça do Islã. A tudo

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A nave capitânea da esquadra d VIlS(;O ctu G"lIl1a

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isso se somava a curiosidade, pois as notícias que chegavamcom os exploradores sobre uma terra em que abundavam avesvistosas e bestas selvagens, e na qual os seres humanos ti-nham costumes extravagantes, despertavam os portugueses aperguntar ainda mais sobre as regiões distantes. Por último,logo somou-se o nefando motivo do tráfico de escravos, oouro negro manchado de sangue.

Em 1487 Bartolomeu Dias contornou o Cabo da BoaEsperança, e entre 1497 e 1499 Vasco da Gama subiu pelacosta oriental do continente, atravessou o Oceano índico até a.índia, e regressou a Portugal com provas concretas de que erapossível chegar às fndias por esse rumo. Como temos dito,quando os reis católicos confiaram a Colombo a busca dosuposto caminho marítimo para as índias que hoje é a AméricaCentral, deram-lhe uma carta para Vasco da Gama, com quemele esperava reunir-se nas índias.

o Congo

Em 1483 o marinheiro português Diego Cão descobriu adesembocadura do Congo, e recebeu notícias de que esseterritório, e boa parte do interior do país, pertencia a Manicon-go, cujo nome era Nzinga Nkuwu. A esperança de estabelecercontato com a Etiópia o fêz tratar os súditos do Manicongocom todo respeito. Ali ficaram quatro portugueses, porém Cãolevou consigo quatro africanos, em parte como hóspedes e emparte como reféns para garantir a vida dos quatro portuguesesque tinham ficado. Em Lisboa, o governo lusitano tratou osafricanos com todas as honras, e quando estes regressaram aseu país pouco mais de um ano depois contavam maravilhassobre os portugueses. Manicongo ofereceu aliança à corteportuguesa, e esta respondeu enviando um contingente demissionários e artesãos. No mesmo mês, Nzinga Nkuwu fêz-sebatizar, e tomou o nome de João, que era o nome do rei dePortugal. Ao mesmo tempo, os portugueses ajudavam seusaliados a derrotar seus vizinhos mais belicosos.

Essa aliança se fortaleceu nos tempos do filho de João,Afonso, que havia sido educado por missionários e era cristãosincero. Afonso foi um governante cujo principal erro foi con-

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fundir a pregação cristã com a vida real dos portugueses, econsequentemente confiar em demasia nestes últimos.

Diante dos domínios do Manicongo estava a ilha de SãoTomé, colonizada pelos portugueses sob a direção de Fernãode Melo. Os colonos dessa ilha tinham descoberto que seuterreno era muito propício para o cultivo da cana de açúcar.Porém para dedicarem-se a essecultivo necessitavam de mão-de-obra barata, que obtinham tomando escravos do continen-te africano. Nos territórios do Manicongo, por outro lado,sempre tinha existido a escravidão, porém de um modo menossub-humano da que era praticada pelos brancos. Emtodo caso,Melo fêz o quanto pode para minar as boas relações entre oCongo e os portugueses, pois desse modo se beneficiaria comseu tráfico de escravos. Repetidamente os de São Tomé seinterpuseram nas mensagens de Manicongo para Lisboa, efizeram ver aos europeus que os africanos não eram senãoselvagens, indignos de qualquer crédito.

Às dificuldades surgidas dessa situação somou-se a máqualidade dos missionários enviados ao Congo para ajudar asubstituir os que foram enviados primeiro. Muitos se dedica-ram ao tráfico de escravos. Outros se negaram a viver nascasas monásticas construídas para eles, e insistiram em viverem suas próprias casas, onde tinham concubinas e filhos. Oque sucedera foi que nos últimos anos Portugal tinha conse-guido, por fim, estabelecer contato comercial com o Oriente, etanto o governo como a igreja perderam seu interesse noCongo.

Finalmente, o novo rei de Portugal, Manuel, respondeu àsqueixas de Afonso com um Regimento no qual dava instru-ções detalhadas sobre o modo pelo qual os portugueses deve-riam se comportar no reino aliado. Porém ninguém lhe prestougrande atenção, pois o tráfico de escravos e o cultivo da canade açúcar eram negócios d v ras lucrativos.

Apesar de tudo isso, Af n ontinuava firme tanto emsua fé cristã como em LI'" confiança na boa vontade doseuropeus. Em 1520, d pi' cJ( IOI)()é1 gestões, o papa Leão Xconsagrou como bisp J Hill () .onqo. Henrique, irmão deManicongo. Porém, d r ÇJt( ~ :;0 II :;( lt país, o novo prelado se

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encontrou com a triste situação dos clérigos europeus quenão lhe faziam caso algum. Henrique morreu em 1530, e doisanos mais tarde São Tomé foi feito bispado, com jurisdiçãosobre o Congo.

Tudo isso foi aceito por Afonso. Porém com sua mortesurgiram longas guerras de sucessão do trono, e parte do queestava em jogo nelas era o papel dos portugueses no país. Em1572, o manicongo Alvaro declarou-se vassalo da coroa portu-guesa, e desse modo o país continuou tendo uma certa auto-nomia até 1883.

Enquanto isso, aquela aliança que tinha começado demaneira tão prometedora, e a missão que a acompanhou,tinham caído em ruínas. Os portugueses não estavam já tãointeressados em chegar a Etiópia através do Congo, pois ti-nham contornado o Cabo da Boa Esperança e estabelecidocontato direto com o Oriente. A partirde então, aÁfrica mudoude aspecto para eles, e começaram a vê-Ia, não já como umobjetivo digno de atenção, mas como um obstáculo que eranecessário saltar para chegar ao Oriente, e como uma fonte deescravos para as novas colônias do Brasil.

Angola

Em parte devido as dificuldades com Manicongo, os por-tugueses começaram a interessar-se pelos territórios de Ngo-la, um pouco mais para o sul. Nessas terras, conhecidas hojecomo Angola, os lusitanos seguiram um plano de campanhadistinto do que tinham seguido no Congo, pois se dedicaram aimpôr sua vontade na região. Parte do que sucedia era que ostraficantes de escravos, buscando maiores lucros, utilizavam oterritório de Angola para burlar o monopólio que Manicongotinha sobre o comércio humano que passava por seus dorní-nios. Por essa razão, fortes interesses faziam todo o possívelpara evitar que se estabelecesse uma aliança com Ngola. Pos-teriormente, o território foi transformado em uma colônia por-tuguesa.

Porém ainda assim Portugal não tinha grande interessenessas terras. Só aspirava obter delas escravos para a Améri-ca, e refúgio para seus barcos que comerciavam com o Orien-

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te. Para Angola, como para o Congo, foi o pior de Portugal,tanto em termos do governo civil, como do religioso. O interiordo país não era visto senão como o lugar de onde procediamos escravos, de modo geral capturados e trazidos até perto da

. costa por outros africanos. Conseqüentemente, foram poucosos brancos que penetraram na região com essa finalidade, emuito menos os que o fizeram com algum propósito altruísta.

MoçambiqueEmbora Bartolomeu Dias tivesse rodeado o Cabo da Boa

Esperança há mais de dez anos antes, não foi senão em 1498que Vasco da Gama e os seus ancoraram na baía de Moçambi-que. O que tinha sucedido era que o governo português tinhaesperado ter notícias de outra expedição enviada ao Orientepor via terrestre. Os resultados desse experimento convence-ram a corte de Lisboa de que a via marítima era melhor, e foipor isso que enviaram Vasco da Gama.

. Quando ele chegou a Moçambique, encontrou boa parteda costa oriental da África nas mãos dos muçulmanos. Depoisde bombardear a cidade, seguiu caminho até Mombasa, ondefêz o mesmo. Por fim, mais ao norte, encontrou boa acolhidaem Malindi, rival das outras duas cidades, e estabeleceu comela uma aliança que perduraria por muito tempo.

Depois de receber as informações de Vasco da Gama asautoridades lusitanas decidiram que era necessário enviaruma forte esquadra para a região, para estabelecer a hegemo-nia portuguesa e assim garantir a segurança de seu comércio.Em 1505 enviaram Francisco de Almeida com vinte e trêsnavios e ordens no sentido de que, a caminho da fndia, estabe-lecesse o poderio português na costa oriental da África. Emcinco anos, toda essa costa reconhecia a hegemonia portu-guesa. Quando, em 1528, Mombasa começou a duvidar dessahegemonia, foi arrasada uma vez mais, e a partir daí a resistê n-cia foi pouca.

Em 1506 chegaram os primeiros sacerdotes a Moçambi-que, e desde então sempre os houve nessa colônia portugue-sa. Porém, de modo geral não se tratava de missionários, masde capelães cuja principal função era servir o contingente

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Mapa da África, do ano de 1497.

português que servia de guarnição nos diferentes fortes.Quando, em 1534, foi fundado o episcopado de Goa, na fndia,toda a costa oriental da África ficou debaixo de sua jurisdição.

Pouco a pouco, os missionários, especialmente os jesuí-tas e os dominicanos, penetraram pelo país. O mais famosoherói dessa empresa foi o jesuíta Gonçalo da Silveira, que seaprofundou até Zimbabwe em busca de seu rei, o monomota-pa, ao qual converteu e batizou. Porém, certos comerciantesafricanos, temendo o impacto do sacerdote, disseram ao reique o missionário não era senão um espião e um feiticeiro, e orecém batizado resolveu matar seu mestre. Este soube datrama que se fazia contra ele, e apesar disso decidiu permane-cer no país, onde foi estrangulado enquanto dormia. Depoisdele foram muitos os missionários que perderam a vida nospróximos cinqüenta anos. Porém apesar disso, o fato é que amaioria do clero não se interessava pelos africanos, e que com

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isso refletia a atitude do próprio Portugal, cujo interesse seconcentrava no Oriente mais do que na África.

Como em tantos outros lugares, aquela igreja não soubedistinguir entre sua fé e os interesses coloniais._Se bem quelogo se ordenassem sacerdotes, e até um bispo, africanas, eque muitos deles se mostraram digníssimos de seus ministé-rios, também é certo que, seesperava de tais sacerdotes africa-nos que tudo fosse conduzido segundo os interesses comer-ciais e políticos de Portugal. Na África como na América, acruz chegou com a espada e, com demasiada freqüência, aespada foi usada de modo mais sutil possível, para dominar oucontentar aos que, de outro modo, possivelmente teriam sesublevado.

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XIIEm direção

ao nascer do SolNão foi pequeno o mérito que

adquiriram na China os padres, epor conseguinte a religião cristã,

pelos muitos livros de nossaciência e das leis dos nossos

reinos ... A isto acresça-se que ospadres sempre tinham em sua casa

um bom mestre de literaturachinesa, e que trabalhavam dia e

noite estudando essa literatura.

Matteo RicciQuando, no início dos descobrimentos de Colombo, o

papa repartiu o mundo não cristão entre a Espanha e Portugal,a este último coube não só a África, que já vinha sendo explo-rada desde há muito tempo, mas também todo o Oriente, queera o objetivo para o qual se tinha dirigido boa parte da explo-ração da costa africana. Com o regresso de Vasco da Gama, acoroa portuguesa empreendeu a tarefa de colonizar os imen-sos e riquíssimos territórios que, segundo o papado, lhe cor-respondiam. Porém, logo ficou claro que a pequena naçãoibérica, com uma população de aproximadamente um milhãode habitantes, nunca poderia apoderar-se da fndia, Japão ouChina. Visto que, por outro lado, nesses países abundavamprodutos de alto preço na Europa, tais como a seda e asespeciarias, logo se decidiu seguir uma política, não de con-quista, mas de comércio.

Porém tal negócio seria muito mais lucrativo se os portu-gueses conseguissem monopolizá-lo. Para isso era necessário

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estabelecer toda uma rede de postos comerciais, maríti mos emilitares que ao mesmo tempo em que lhes permitisse tratarcom o interior desses territórios, impedisse aos seus rivais deoutros países europeus o acesso. Com esse propósito os por-tugueses fizeram fortes em uma série de pontos estratégicos.Além de ter as bases africanas as quais já nos referimos,abriram caminho para o noroeste, pelo Mar Vermelho,apoderando-se de Socotra, Ormuz e Adén. Na fndia tomarame fortificaram a cidade de Goa, e no Ceilão fizeram o mesmocom Colombo. Pouco depois, sua presença em Malaca abriacaminho para a China aos europeus ousados que chegarammais tarde. Por último, na mesma China, Macau lhes serviacomo centro de comércio com essa enorme nação. Muitosdesses lugares foram tomados pela força, e em outros, comoMacau, os portugueses puderam estabelecer-se porque assimo desejavam as autoridades do país, que queriam traficar comeles. Porém ainda onde teve lugar uma conquista armada, odesejo dos lusitanos era estabelecer com os nativos uma rela-ção pacífica, que permitisse as transações económicas quedesejavam realizar.

Em todos os lugares acima mencionados, e em outrospara onde foi estendendo-se a influência portuguesa, logohouve sacerdotes e igrejas. E se conseguiram também algunsconvertidos entre os habitantes nativos, especialmente na fn-dia, onde algumas das castas mais baixas viam na nova fé umapresença de libertação. Todavia a maioria dos portugueses seocupava pouco com a conversão dos nativos, ou com suaprópria fé.

São Francisco XavierFoi então que apareceram em cena os jesuítas, cuja or-

dem acabava de ser fundada. O rei João III de Portugal, aquem tinham chegado notícias dos ideais e do zelo da novaordem, solicitou de Roma que seis jesuítas fossem enviados àssuas colónias do Oriente. Loyola respondeu que somentecontava com dois irmãos disponíveis, e finalmente decidiu-seque Francisco Xavier fosse um dos enviados. Este se dispas a

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partir imediatamente, sem gastar mais tempo do que o neces-sário para remendar sua batina.

O impacto dos jesuítas em Lisboa foi tal, que o rei quisretê-los em sua capital, e decidiu-se que um deles permanece- .ria ali, e o outro, Francisco Xavier, empreenderia a missão parao Oriente. Em abril de 1541, saiu de Lisboa o missionário,armado com o título de Núncio Apostólico para o Oriente.

Durante a travessia, Xavier deu mostras de seu zelo mis-sionário, particularmente na ilha de Socotra, onde dedicou-sea evangelizar os nativos mediante sinais, pois não conhecia o.idioma. Ao chegar em Goa, em maio de 1542,os costumes dossupostos cristãos do lugar o escandalizaram, e foi então quepela primeira vez utilizou um método que logo o faria ficarfamoso. Saía com uma campainha pelas ruas, convidando ascrianças a seguir-lhe. Levava-as, então, para a igreja, ondelhes explicava o catecismo e os ensinos morais da igreja, e asenviava a seus lares para que falassem aos seus pais aquiloque tinham ouvido. Desse modo, Xavier foi abrindo caminhopela cidade, Logo os adultos vieram a escutar suas pregaçõesinflamadas. E a isso seguiram-se cenas de arrependimento, erenúncia aos prazeres, que recordavam os tempos de Savona-rola em Florência.

Todavia não era para pregar aos portugueses que o mis-sionário tinha ido para a índia. Sua estada em Goa não erammais que um interlúdio enquanto se preparava para marcharpara outras regiões. Próximo dali havia uma extensa zona,chamada de a Pescaria porque era rica em pérolas. Muitos dosnativos dessa região tinham se convertido, e logo tinham fica-do abandonados, carentes de alguém que os guiasse na vidacristã. Os únicos cristãos aos quais viam eram os comercian-tes de pérolas, que os visitavam de vez em quando, e cujoexemplo deixava muito a desejar.

Depois de cinco meses em Goa, preparando-se para con-tinuar sua missão, Xavier foi até Pescaria, acompanhado dedois jovens clérigos que conheciam a língua da região. Aprincípio eram esses dois acompanhantes quem pregavam outraduziam o que o jesuíta dizia. Porém Xavier tinha um sur-preendente dom de línguas, e logo pode sair pelas aldeias com

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sua famosa campainha, chamando a todos para escutar seusensinos.

Os convertidos eram milhares. De outras aldeias próxi-mas vinham petições solicitando que o missionário fosse atéelas. Diante da impossibilidade de responder a todas, Xavieradestrou alguns convertidos, que foram por toda a regiãopregando e batizando. Logo houve quarenta e cinco igrejasnas outras aldeias.

De Pescaria, Xavier passou à região de Travancore, ondeo potentado que se chamava o Grande Monarca recebeu-ocortesmente. Quando, algum tempo depois, o exército de umterritório vizinho marchou contra Travancore, Xavier saiu aoseu encontro, armado somente de seu crucifixo, sua fé e suavoz de trovão, e os ameaçou com tal zêlo e persuasão quefugiram apavorados. A partir de então, foram milhares os quese converteram.

Em outras regiões os potentados e os da casta sacerdotalperseguiram os cristãos, tanto por razões religiosas comoporque viam neles agentes dos intrusos portugueses. O pró-prio Xavier foi atacado e ferido a flechadas, porém conseguiusobreviver. Muitos hindús foram para o martírio com um gozoque recordava o dos cristãos do primeiro século. Contra ospotentados que perseguiam os convertidos, Xavier tratou deempregar o poderio militar português. Porém os interessescomerciais se interpuseram, e a projetada invasão nunca ocor-reu. Se bem que Xavier nunca tenha empunhado armas parasua própria defesa, também é certo que apelou a elas, aindaque sem êxito, para a defesa de outros cristãos.

Em 1546, depois de deixar com outras pessoas a respon-sabilidade da obra na índia, embarcou para Malaca, ondeaprendeu o idioma malayo, e de onde passou depois para asMolucas. Ali se inteirou de uma ilha cujos nativos, depois deabraçar o cristianismo tinham se tornado apóstatas e canibais.Para lá foi o valente missionário, e a primeira coisa que viu aodesembarcar foi um montão de nove cadáveres de portugue-ses, atirados pela praia. Porém apesar disso penetrou na ilha,fêz contato com os nativos, e lhes falou com tal doçura, firmezae inspiração que se arrependeram e lhe pediram que lhes

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enviasse quem os ajudasse a manterem-se na fé cristã.Das Molucas, Xavier regressou a Malaca, e dali para Goa,

onde devia atender a suas obrigações como núncio apostóli-co. Além do mais, desde algum tempo antes já havia estabele-cido contato com alguns japoneses que lhe pediram que fossea seu país, e antes de aceitar a esses ped idos, e assi mdistanciar-se ainda mais de sua base de operações em Goa,era necessário regressar a ela.

Finalmente, em 1549, pode partir para o Japão, acompa-nhado dos três japoneses que o haviam convidado, e de outrosjesuítas. Naquele império insular esteve o missionário por maisde dois anos, e o número de convertidos, além da amávelacolhida que recebeu, levaram-no a pensar que havia fincadoas bases do que logo seria uma florescente igreja. Não podiaimaginar que pouco depois de sua morte, por uma complexasérie de razões, se desataria no país uma violenta perseguiçãoque quase faria desaparecer sua obra. (De fato, a igreja japone-sa pareceu ter sido completamente destruída, até que, trêsséculos mais tarde, outros missionários descobrissem queainda restavam na região de Nagasaki uns cem mil cristãos,resultado da missão de Xavier e seus compaheiros).

Morte de São Francisco Xavier. Óleo sobre tela de Gregório Vázquez Cebol-lo, Museu de Arte Colonial da Colômbia.

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Do Japão, Xavier regressou a Malaca, onde recebeu notí-cias de que se havia criado uma nova província jesuíta, quecompreendia todo o território ao oeste do Cabo da Boa Espe-rança, exceto a Etiópia, e que ele tinha sido nomeado superiordessa província. Visto que esse cargo deixava sobre seusombros novas responsabilidades, o infatigável missionário te-ve que adiar por algum tempo o sonho dourado que abrigavaem seu coração: pregar o evangelho na China.

Finalmente, em 1552, pode empreender sua anelada via-gem. Antes de partir despediu-se de Goa, depois de escreverao rei de Portugal: "O que nos enche de entusiasmo é queDeus mesmo tem inspirado em nós este pensamento ... e quenão duvidamos de seu poder, que sobrepuja infinitamente aorei da China". Entretanto não foi dado ao intrépido pregadorpenetrar nesse país. As autoridades o impediram, e ele viu-seobrigado a permanecer na ilha de Sanchón, às portas daquelevasto império, onde morreu.

Os métodos missionários de Xavier foram muitos e extre-mamente complexos. Exteriormente, o que quase sempre sevia ele fazer era sair à rua com sua campainha, ganhar aospequenos, e através deles a seus pais. Além do mais, seu domde línguas era extraordinário, pois poucos meses depois deestar em algum país podia ensinar o catecismo e pregar noidioma da região. Seu zelo e caráter por vezes doce e fogosolhe abriam portas e lhe permitiam fazer caso omisso de obstá-culos e perigos que de outro modo talvez fossem insolúveis.Pouco depois de sua morte se contavam numerosos prodígiosfeitos por ele, ou pelos pregadores nativos que enviara àsaldeias. Seu espírito de pobreza e de amor aos pobres e aosoprimidos, se pode manifestar repetidamente, e com isso ga-nhou o respeito de muita gente que odiava os comerciantes eos militares portugueses.

Porém, ao mesmo tempo temos que dizer que, carente derecursos humanos, e impulsionado sempre por seus desejosde pregar em novos lugares, muitas vezes Xavier fez poucopela instrução religiosa dos convertidos. Houve dias em que,segundo ele mesmo conta, balizou a dez mil pessoas. Depoismarchava a outros lugares, uma v LOS deixando com outro

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clérigo a responsabilidade daquela missão, e outras vezes não,por não ter pessoal suficiente. Além do mais, mesmo queaprendesse os idiomas dos lugares em que visitava, não davamostras de sentir verdadeiro respeito por sua cultura. Quandoalguém era batizado, era lhe dado um nome "cristão", isto é,português e lhe vestiam de roupas "cristãs". Ao que parece,muitos dos convertidos de Xavier entendiam que ao batiza-rem-se haviam não só se tornado discípulos de Jesus Cristo,mas também súditos da coroa portuguesa. Tais métodos, quederam resultados nas regiões da América onde a presençaeuropéia esmagou a cultura do país, criavam grandes dificul-dades naquelas regiões da Ásia em que existiam civilizaçõesmuitíssimo mais antigas que a ocidental, e desse ponto de vistaos europeus não eram mais que uns bárbaros que visitavamseus domínios.

A questão da acomodaçãoTudo isso se apresentou com a chegada ao Oriente de

uma nova geração de missionários jesuítas. Ainda que estesforam muitos, os dois mais notáveis foram Roberto de Nobili eMateo Ricci. O primeiro trabalhou na lndia, e o segundo naChina.

Nobili era um jesuíta de origem italiana que, de modosemelhante ao de Xavier, passou ao Oriente com permissãodas autoridades portuguesas. Praticamente toda sua carreiratranscorreu na [ndia, primeiro na Pescaria e depois na regiãode Madaura. Na Pescaria, Nobili se apercebeu que uma dasrazões pela qual aquelas pessoas estavam dispostas aconverterem-se era que isso as livrava do lugar de inferiorida-de em que as colocava o sistema de castar hindú. Porém, aomesmo tempo isso queria dizer que as castas superiores asso-ciavam a fé com os intocáveis e outras pessoas indesejáveis, econseqüentemente não estavam dispostos a escutar os mis-sionários. Nobili decidiu então seguir em Madaura um métododiferente. Ele mesmo dizia que era de origem nobre da Itália, eque portanto em seu país de origem pertencia às classes maiselevadas. Vestia-se como os brâmanes e dedicou-se a estudar

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Mateo Ricci

o sânscrito. Ao mesmo tempo que conservava seus votosmonásticos, seguia também a dieta vegetariana dos hindús, e

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se fazia chamar pelo título honorífico de "mestre". Além domais, começou a dar passos para que se autorizasse a celebra-ção da missa em sânscrito. Quando finalmente conseguiualguns convertidos entre as castas superiores, determinou queem sua igreja somente poderiam entrar os que pertenciam aelas.

Desse modo Nobili esperava converter primeiro os pode-rosos e, através deles, tentaria a conversão do resto do país.Segundo ele, ainda que o sistema de castas fosse mau, tratava-se de uma questão cultural e não religiosa, e conseqüentemen-te os missionários não deveriam opôr-se. Pelo contrário, eranecessário respeitar a cultura dos hindus, e utilizar o sistemade castas para a pregação do evangelho. Naturalmente, o quedeveria se perguntar é se no final de contas a justiça e o amornão são parte integrante do evangelho, e se este não se desvia-va quando, com o fim de ganhar mais adeptos, se negavamelementos tão essenciais de sua mensagem. Por isso, os méto-dos de Nobili criaram controvérsias, até que foram condena-dos por Roma no século XVIII.

o mapa do mundo de Ricci

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Mateo Ricci seguiu na China uma política parecida com ade Nobili na lndia, se bem que não chegou a extremos. AChina se mostrava hermeticamente fechada, pois não permitiaa europeu algum penetrar nela. Pouco depois da morte deXavier, um franciscano espanhol procedente das Filipinas de-clarou, depois de tentar pregar nesse país, que "com ou semsoldados, querer entrar na China é como tentar chegar a Lua".Porém, apesar disso os jesuítas não abandonaram o sonho deFrancisco Xavier. Compreendendo que a China era um paísaltamente civilizado, acostumado a tratar o resto do mundocomo bárbaros, chegaram à conclusão de que o único modode poder fazer algum impacto ali seria mediante o total conhe-cimento tanto do idioma como da cultura do país. Portanto,nas próprias fronteiras da China, um grupo de jesuítas sededicou a tais estudos.

Pouco a pouco os chineses de Cantão foram se conven-cendo de que aqueles europeus, diferentemente de muitosoutros aventureiros que vinham em busca de riquezas, eramdignos de estima. Finalmente, depois de uma longa série degestões, lhes foi dado permissão para estabelecerem-se nacapital provincial de Chaochín, porém não para viajar poroutras regiões do país.

Dentro daquele pequeno grupo de missionários encon-trava-se o italiano Mateo Ricci. Após unir-se a Sociedade deJesus em 1571, e estudar em Portugal, foi enviado ao Orientepelas autoridades desse país. Quando foi nomeado missioná-rio para a China, Ricci dedicou-se assiduamente ao estudo deseu idioma e seus costumes. Logo se apercebeu de que entreos chineses se dava grande valor à erudição e, conseqüente-mente, dedicou-se tanto a estudar a literatura chinesa como adar a conhecer aos chineses algo de seus próprios conheci-mentos de matemática, astronomia, e geografia. Pouco a pou-co, foi-se tornando conhecido como um erudito. Seu mapa domundo e os relógios que construía granjearam-lhe a admira-ção por muitas pessoas. Seu tratado Da Amizade, escrito emchinês segundo as normas da literatura chinesa, foi muito bemrecebido. E logo circularam notícias sobre o "sábio do Ociden-te", e muitos chineses cultos acorriam para conversar com ele,

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A cidade de Pequim nos tempos de Ricci

e assim discutir sobre astronomia, filosofia, e religião. A corteimperial começou a interessar-se no autor do mapa que falavade mundos até então insuspeitáveis, e que explicava os movi-mentos dos corpos celestes segundo princípios matemáticos.complicadíssimos, mas que pareciam corretos. Finalmente,em 1606, foi convidado à corte imperial de Pequim, onde ogoverno lhe deu facilidades para construir um grande observa-tório, e onde permaneceu, até sua morte, em 1615.

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o culto aos antepassados

A estratégia de Ricci consistiu em penetrar na China semtratar de ganhar grande número de convertidos, pois temiaque de outro modo as autoridades o expulsassem do país.Repetidamente dizia a seus chefes que na China se ganhariammais pessoas mediante a conversão privada que com a prega-ção aberta. Além do mais, nunca fêz construir uma igreja oucapela alguma. Seu púlpito era o salão onde ele e seus amigosse reuniam para estudar e conversar. Com sua morte, deixouum pequeno núcleo de conv rtidos, todos da classe mais altada sociedade chinesa. Por m sua pregação não tinha penetra-do nas demais classes sociais.

Depois da morte d Ri ci, a autoridades chinesas segui-ram nomeando outros je ulta pc ra que fossem seus astrôno-mos e relojoeiros ofici i . f1011CO a pouco foi aumentando onúmero de convertido. ont« o'; chineses. e antes do final doséculo eram por volt d( :dOlllllll: centenas de milhares.

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Semelhantemente, como no caso de Nobili, os métodosde Ricci deram lugar a longas disputas entre os católicos,ainda que o motivo não fosse as castas sociais, e sim a venera-ção aos antepassados e a Confúcio. Os jesuítas diziam que talveneração não era senão um costume social, que mostrava orespeito para com os antepassados. Seus opositores, na maio-ria dominicanos e franciscanos, alegavam que era idolatria.Além do mais, entre ambos os partidos se discutia qual de doistermos chineses deveria se empregar para referir-se ao Deuscristão. Quando o imperador da China se inteirou de que adisputa havia chegado ao papa, mostrou-se ofendido de quealguém pudesse pensar que um bárbaro europeu, que nemsequer sabia uma palavra de chinês, fosse capaz de ensinaraos chineses como falar seu próprio idioma.

Porém o que não se discutiu no caso da China, e sim nocaso da lndia. era se se pregava verdadeiramente o evangelhoquando era apresentado de tal modo que não parecia incluirpalavra alguma de juízo sobre as estruturas sociais existentes.Um cristianismo adaptado ao sistema de castas, merece verda-deiramente o nome de tal? Essa pergunta, apresentada em taistermos na [nela, seria uma das perguntas fundamentais que oscristãos teriam de se fazer nos séculos vindouros.

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o Brasil- 197

XIII

o BrasilSe os índios tivessem uma vida

espiritual, reconheceriam seu;Criador e sua vassalagem à Sua

Majestade e a obrigação deobedecer aos cristãos ... os homens

(portugueses) teriam escravoslegítimos capturados em guerras

justas, e também teriam o serviço ea vassalagem dos índios das

missões. A terra estaria povoada decolonizadores. Nosso Senhorganharia muitas almas e Sua

Majestade receberia grandes lucrosdessa terra.

Manoel da NóbregaO primeiro europeu a navegar pelas costas do que hoje é

o Brasil foi Vicente Yanez Pinzón, em princípios de 1500.Porém, nesse mesmo ano, o português Pedro Álvares Cabralpartiu de Lisboa com uma forte esquadra com destino àsfndias. Seguindo instruções do Vasco da Gama, no sentido deque evitasse as calmarias da costa africana. Álvares Cabraldesviou-se para o ocidente, e em 22 de abril seus vigias avista-ram a costa brasileira. Depois de explorar a região por algunsdias, a frota continuou o caminho para a fndia, porém não semantes enviar um navio de regresso a Portugal, com notíciasdetalhadas das terras descobertas e de seus habitantes.

Segundo o que fora acertado entre Espanha e Portugal, eaprovado pelo papa, aquelas terras ficavam dentro do territó-

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rio q-ue pertencia ao governo de Lisboa. Porém esta estavademasiadamente ocupada com suas empresas para o Oriente,e durante um terço do século fêz-se pouco para colonizaraquelas costas. Durante esse tempo houve várias viagens deexplorações, e se estabeleceram contatos com os nativos daregião. A única riqueza que se descobriu alí foi uma madeira,que foi chamada de "pau-brasil" que servia para produzir tin-tas, e que deu seu nome ao país. O rei Manoel de Portugalconcedeu o monopólio dessa madeira a um grupo de comer-ciantes portugueses. Estes estabeleceram pequenos postoscomerciais, com armazéns, em diversos lugares da costa. Alivivia um escasso número de portugueses que se dedicava acontratar os índios para que estes cortassem e levassem aosarmazéns a madeira "pau-brasil", em troca de facas, machadi-nhas, agulhas, alfinetes e outras ninharias.

Logo, os franceses se interessaram naquele comércio tãoprodutivo, e começaram a competir com os portugueses. Seumétodo era um pouco diferente, pois o que faziam era deixarna costa alguns representantes, que viviam entre os índios,aprendiam seu idioma, e serviam como tradutores e .cornoagentes mercantis. Quando chegavam os barcos franceses,aqueles tradutores e seus amigos índios levavam a madeira atéa costa, em troca de miudezas e utilidades semelhantes às quetraziam os portugueses.

Naqueles primeiros contatos, os europeus se maravilha-ram da hospitalidade com que os índios os receberam. Alémde darem a eles o que comer, ofereciam-lhes suas filhas comoconcubinas. Segundo as primeiras informações chegadas àEuropa, tratava-se de uma nobre raça de selvagens, incrivel-mente inocentes, sem religião nem governo. Em tais opiniõesalguns historiadores têm visto uma sutil indicação do descon-tentamento que começava a aparecer na Europa com respeitoa igreja e aos governos. Dizer que os índios brasileiros eramperfeitamente felizes sem religião nem governo era dar a en-tender que talvez o mesmo poderia ocorrer na velha Europa.

Entretanto, aqueles quadros idílicos da vida no NovoMundo logo cederam lugar a outras informações. Esses ín-dios, que pareciam tão nobres e pacíficos, eram canibais.

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o Brasil- 199

Quando tomavam algum cativo de uma tribo inimiga, mata-vam-no com um golpe na cabeça, e o comiam em meio a umasérie de cerimônias. Eram, além do mais, segundo se dizia,bastante materialistas, pois não entendiam mais do que a vidapresente, e conseqüentemente dispostos a vender suas almase mudar de religião em troca de uns anzóis e armas. Tambémnão gostavam de trabalhar, pois se limitavam a semear a man-dioca que necessitavam, e o resto do tempo passavam emcaças, festas e danças.

Porém apesar das opiniões desencontradas sobre os ín-dios, todos concordavam que as terras eram ricas, capazes deproduzir, não só o pau-brasil que pouco a pouco ia desapare-cendo das costas, mas também cana de açúcar. E visto quenessa época o açúcar era vendido a altíssimo preço nos merca-dos europeus, logo surgiram os que começaram a olhar para oBrasil com olhos cobiçosos.

As CapitaniasFoi então que o rei João III fêz a entrega, a quinze favori-

tos seus, de vários territórios na costa brasileira. Estes territó-rios receberam o nome de "capitanias" e os "donatários" queos receberam tinham amplos privilégios, parecidos aos dossenhores feudais de então. A cada capitania correspondiacinqüenta léguas de costa e todo o interior delas, até o pontoindefinido em que começavam as possessões espanholas.

O sistema de capitanias não teve bom êxito. Cinco delasnunca foram ocupadas por seus donatários, e posteriormenteoito das outras dez fracassaram. As que conseguiram subsistirforam a de Pernambuco, sob o comando de Duarte CoelhoPereira, a de São Vicente, que incluía São Paulo, e foi coman-dada por Martim Afonso de Souza. De fato, este último tinhacomeçado sua empresa colonizadora em 1532, antes que acoroa dividisse todo o país em capitanias.

Visto que a partir daí o rei reservou para si o monopólio damadeira e das especiarias que pudessem haver, a principalfonte de riqueza para os colonos era a cana de açucaro Porémseu cultivo, e a tarefa de produzir o açúcar, necessitavam de

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muita mão-de-obra. Era necessário aplainar os montes e lim-par os campos antes de ará-los e semeá-los. Depois tinha-seque cortar e moer a cana. E finalmente era necessário ferverseu caldo, e para isso se necessitava de cortar lenha. Assim, oúnico modo em que essa indústria poderia tornar-se lucrativaera mediante o trabalho dos índios. Porém estes se negavam atrabalhar nos campos, preferindo a caça e a pesca, e alegandoque essa era tarefa para mulheres. Os artefatos que antesserviam para comerciar com os índios não eram mais suficien-tes para motivá-los ao trabalho nos campos de cana ou nosengenhos.

Foi assim que surgiu a escravidão dos índios. Portugal,diferentemente da Espanha, demorou muito em legislar sobrese era lícito ou não escravizar os nativos do Novo Mundo. Equando essa legislação saiu, foi sempre ambígua e ineficiente.No princípio, os colonos compravam escravos de seus vizi-nhos índios, em troca de ferramentas e diversas miudezas.Estes, por sua vez, atacavam os inimigos tradicionais, e ossubmetiam a escravidão, e se os trouxessem aos portugueses,estes justificavam esse comércio explicando-lhes que estavamsalvando as suas vidas como prisioneiros de guerra pois deoutro modo seriam mortos e comidos pelos vencedores.

Porém, esse método de conseguir escravos não foi sufi-ciente, em parte porque os índios amigos, uma vez saciada suanecessidade de armas, machadinhas e anzóis, etc., não tinhammaior interesse em continuar comerciando com seus vizinhoseuropeus. Começou-se então a incitar as tribos a guerrearumas contras as outras, dando-lhes toda a sorte de desculpas.Além disso, logo apareceram os traficantes portugueses, quedescobriram que o modo mais barato e economicamente pro-veitoso de fazer escravos era navegar pelas costas e fazercativo qualquer índio que caísse em suas mãos. Na teoria, sóera lícito escravizar os índios conseguidos em "guerra justa".Porém as autoridades sabiam que as colônias não podiamsubsistir sem o trabalho dos escravos, e portanto sempre foipossível encontrar alguma razão para justificar as excursõesdos traficantes.

Outro modo de satisfazer a demanda de escravos foi

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trazê-los da África. Os índios começaram a penetrar cada vezmais no território, e assim sua captura se tornava mais difícil.Além disso, uma vez trazidos para as plantações e para osengenhos, sempre sonhavam em regressar para os seus, elhes era relativamente fácil desaparecer na selva. Os africanos,por outro lado, provinham de climas semelhantes aos do Bra-sil, porém não tinham os contatos com tribos do interior, comoíndios e, conseqüentemente, era-lhes mais difícil escapar. Alémdo mais, alguns missionários, em seus esforços para defenderos índios, estimulavam o tráfico de escravos africanos. Ea tudoisso acrescente-se a relativa facilidade com que os barcosnegreiros podiam atravessar o Atlântico desde o Congo, Ango-la ou Guiné. Assim logo se somou aos portugueses e aos índiosum grande número de escravos negros.

A vida daqueles primeiros colonos era licenciosa e desor-denada. Muitos tinham várias comcubinas índias, e algunscontavam com dezenas delas. Algumas dessas mulheres eramescravas, e outras lhes tinham sido dadas por seus pais emsinal de amizade. Os pactos selados desse modo eram utiliza-dos para incitar essas tribos amigas a lutar contra os francesesou outras tribos, na maioria das vezes para apoderar-se desuas terras e pessoas.

A colônia realAquele regime sem lei não podia durar muito tempo,

sobretudo porque as duas capitanias que tinham obtido êxitotornaram-se em extremo lucrativas. Tanto para estabelecer aordem como para apoderar-se de maiores riquezas, em 1549orei fêz do Brasil uma colônia real, e comprou seus direitos dosdonatários. Junto com o primeiro governador, Tomé de Sou-za, chegaram os primeiros jesuítas, sob a direção de Manoelda Nóbrega. Pouco depois, em 1551, Júlio III nomeou comoprimeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha.

Esse primeiro governador mostrou ser uma pessoa hábil,que regeu os destinos da colônia durante quatro anos, man-tendo a concórdia com os índios vizinhos e assegurando-se deque o poder real fosse obedecido por todas as capitanias, e

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não só em Salvador (Bahia), onde estabeleceu a primeiracapital.

O bispo mostrou ser menos sábio. Logo conseguiu ainimizade dos colonos, e não se ocupava em nada com osíndios. Os conflitos com o governador não se fizeram esperar,e o bispo decidiu partir para Portugal levando suas queixas aorei. Porém naufragou, e ele e seus acompanhantes forammortos e comidos pelos índios.

O segundo governador foi ineficiente, e foi substituído em1558, por Mem de Sá. Este era uma pessoa firme e aguerrida,de grande habilidade política e diplomática. Logo teve umastribos guerreando contra as outras, ao mesmo tempo em quemostrava a força das armas portuguesas. Os índios, que ti-nham começado a inquietar-se sob o governo anterior, seencheram de terror. Aos que não foram mortos ou fugirampara as selvas do interior, o governador obrigou a viver empovoados dos jesuítas.

De modo semelhante que no Paraguai e outros lugares,os jesuítas do Brasil tinham chegado a conclusão de que omelhor meio de evangelizar os índios era fazendo-os viver emaldeias, sob a supervisão de um dos jesuítas. Por isso sealegravam com os triunfos de Mem de Sá. Um deles expressouseu contentamento com o terror que o governador havia se-meado entre os índios, dizendo: "todos tremem de medo dian-te do governador, e esse medo, ainda que não dure pela vidatoda, nos basta para ensinar-lhes ... Esse medo os ajuda a ouvira Palavra de Deus".

Isto demonstra uma diferença notável entre as aldeiasjesuítas do Brasil e do Paraguai. Nas desse último país, comodissemos, tratou-se de ser seguido um método pacífico. Sacer-dotes tais como Roque Gonzales faziam todo o possível paraconvencer os índios que lhes convinha viver em aldeias, emuito raramente apelaram para as armas dos conquistadores.Ainda mais, os jesuítas do Paraguai logo decidiram estabele-cer seus povoados o mais distante possível dos colonos bran-cos, pois temiam o contato entre seus índios e esses colonos.Os do Brasil, pelo contrário, fundaram suas aldeias pela força,e os índios iam para elas porque lhes parecia ser o único modo

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de escapar da morte ou da escravidão.Por sua parte, os jesuítas receberam agradecidos essa

ajuda do braço secular, e lhes devolviam esse favor oferecen-do aos colonos o trabalho dos índios de suas aldeias. Noprincípio esse trabalho era remunerado. Porém, dada a enor-me autoridade dos sacerdotes nessas aldeias, e dado o siste-ma de propriedade em comum, posteriormente tornou-se umsistema de trabalho forçado, do qual os índios não podiamescapar, e que se administrava mediante acordos entre ossacerdotes e os colonos.

O êxito dessas aldeias, segundo o mediam os missioná-rios, foi enorme. Logo os pequenos aprenderam os princípiosdocatolicismo e a moral que os missionários lhes ensinavam,e se dedicaram a converter seus pais, e até delatá-los quandonão seguiam os preceitos da igreja. Os pequeninos que faziamtais coisas eram premiados e lisonjeados. Visto que todas astradições dos nativos estavam intimamente ligadas à sua reli-gião, quase todas elas foram extirpadas pelos missionários,com a ajuda de seus jovens convertidos.

Em fins do século XVI, havia no Brasil 128 jesuítas, equase todos os índios que se tinham submetido aos portugue-ses tinham vivido debaixo de suas tutelas.

Entretanto a reação indígena não se fêz esperar. Logoapareceu um culto messiânico que combinava elementosdo cristianismo com outros vindos das tradições do lugar.Quando as aldeias dos jesuítas sofriam de enorme mortanda-de devido a uma epidemia de varíola, os índios começaram afalar de um salvador, a quem chamavam "Santo", que os livra-ria do jugo dos portugueses, e faria deles seus escravos. Esseculto, que recebeu o nome de santidade, logo se espalhoutanto entre os índios dominados como entre os que continua-vam escondidos nas selvas, e serviu de ponto de cantata entreos dois grupos.

Em 1580 a santidade preocupava sobremaneira as autori-dades, e o novo governador decidiu fazer uso de um mestiço, aquem os portugueses chamavam de Domingo Fernandes No-bre, e os índios, de Tomocauna, para pôr fim a ameaça daque-le movimento. Tomocauna era um traficante de escravos que

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acostumara-se a penetrar no coração do Brasil, ganhar a con-fiança de alguma tribo, e regressar com milhares de escravos.Tomocauna dirigiu-se ao quartel general da santidade, ondemoravam o "papa" e sua esposa, "a mãe de Deus". O resultadoda sua expedição foi que convenceu a um bom número dosadeptos desse culto que lhes convinha viver na plantação docolono Fernão Cabral de Ataíde, que havia custeado a empre-sa. Junto com aqueles índios, Tomocauna regressou às terrasde Cabral, e este os recebeu e lhes permitiu viver ali, em trocade seus trabalhos.

Em 1591 chegou a Inquisição ao Brasil. Entre os proces-sados por ela estavam Fernão Cabral e sua esposa, acusadosde terem adorado o ídolo da santidade, ao qual chamavam"Maria". Eles disseram que o haviam feito só para contentar aseus hóspedes, porém o Santo Ofício condenou-os a doisanos de prisão.

Quanto à Tomocauna, regressou ao monte, onde se fêzamigo do papa Antônio, chefe da santidade, e os seguidoresdessa seita chegaram a venerá-lo com o nome de "São Luiz".

A acusação de que foram objeto Cabral e sua esposa foitípica dos processos da Inquisição daqueles tempos. No quese referia ao modo pelo qual os colonos tratavam os índios,ninguém foi acusado de escravizar ilegalmente, de explorá-losou de matá-los. Porém, muitos foram acusados de lhes venderarmas, de participar de suas cerimônias e, sobretudo, de co-mer carne na Quaresma quando estavam vivendo em suasaldeias.

Villegagnon e os primeiros protestantesDurante a primeira metade do século XVI, os franceses se

contentaram com visitas às costas do Brasil para comerciarcom os índios. Porém, nos meados do século começaram ainteressar-se em estabelecer uma colônia permanente na re-gião. Com a responsabilidade desse empreendimento surgiuNicholas Durand de Villegagnon, um hábil soldado que tinhase destacado em várias campanhas européias.

Em fins de 1555,Villegagnon chegou à baía de Guanaba-

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ra com sua flotilha de três navios. Nessa baía haviam estadoantes os portugueses, e lhe haviam dado o nome de Rio deJaneiro. Porém. a colônia portuguesa teve que ser abandona-da quando os índios tamoios, cansados dos maus tratos rece-bidos, a atacaram. Assim, os franceses não tiveram mais traba-lho que declarar que eram inimigos dos portugueses paraassegurarem-se de serem bem recebidos.

Villegagnon e os seus se estabeleceram em uma ilha dabaía. Era um local ideal para a defesa, pois estava quasetotalmente rodeada de altos montes. Os lugares mais vulnerá-veis foram fortificados com a ajuda dos índios. Ao que parece,o lugar era inexpugnável. Porém seu ponto débil era a falta deágua potável, que tinha de ser levada por terra firme.

Com escravos comprados dos índios vizinhos, os france-ses começaram todos os trabalhos próprios da colonização.Além do mais, visto que o projeto. consistia em fundar umacolônia em que houvesse liberdade de cultos (era essaa épocaque tratamos no volume anterior, quando existiram na Françatensões contínuas entre católicos e protestantes), Villegagnonescreveu a Calvino pedindo-lhe que enviasse pastores protes-tantes.

Desde o princípio, Villegagnon teve dificuldades comseus colonos. Muitos destes tinham vindo ao Novo Mundopara enriquecer-se. Porém seu chefe não lhes permitia escravi-zar aos índios amigos, nem aceitar as mulheres que estes lhesofereciam. Isto deu motivo para uma conspiração, porém Ville-gagnon inteirou-se dela, matou seu chefe, e pôs os demais nacadeia.

O próximo contingente chegado da França, sob o coman-do de um sobrinho de Villegagnon, trazia pastores protestan-tes enviados pelas autoridades ginebrinas em resposta a solici-tação recebida. Porém isto aumentou as desavenças napequena colônia. Os católicos acusavam os protestantes detentar convertê-los, e estes acusavam os católicos de lhesoprimirem. Houve vários incidentes violentos. Finalmente, Vil-legagnon tomou o partido dos católicos, e fêz matar a cincoprotestantes, e ordenou que ·os demais fossem expulsos dacolônia. Entre os assim castigados se encontrava o pastor

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Jean de Léry, um dos poucos europeus que naquelas costastentou entender os índios.

As crônicas que Léry deixou são umas das principaisfontes que nos permitem conhecer hoje o modo pelo qual osíndios viram a invasão de suas terras. Nelas se encontra ahistória do diálogo que o pastor teve com um ancião índio:

- Porque é que vocês, franceses e portugueses, vieramde tão longe buscar madeira para se esquentarem? Não existemadeira em seus países?

- Sim, existe - respondeu o pastor -, porém não comoesta. Além do mais, não a queremos para queimar, mas paratingir as roupas, como fazem vocês com suas cordas de algo-dão e com suas plumas.

- E precisam de muita?- Sim. No nosso país há comerciantes que têm muito

mais telas, facas, tesouras, espelhos e outras coisas do quevocês podem imaginar. Um só deles pode comprar toda amadeira que vem em vários barcos.

- Ah! O que você me conta é incrível. E esse homem tãorico, nunca morre?

- Sim. Morre como os demais.- E o que se faz então quando morre com todas essas

coisas que tem?- Ficam para seus filhos, ou senão para seus irmãos ou

parentes.- Já me dou conta que vocês os franceses são loucos.

Cruzam o mar com mil trabalhos e dificuldades e trabalhamcom afã para acumular riquezas para seus filhos Não basta-ria a terra que alimenta vocês para alimentá-los a eles tam-bém? Nós também temos pais, mães e filhos a quem amamos.Porém confiamos que depois de nossa morte a terra que nosalimentou os alimentará também. Por isso podemos viver semgrandes preocupações.

O pastor Léry e outros estabeleceram boas relações comos tarnoios, e quando finalmente os portugueses atacaram aosfranceses, tiveram que enfrentar, não só a esses últimos, mastambém seus aliados índios. Depois de graves baixas, umaexpedição sob o comando do governador Mem de Sá tomou o

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forte francês. Porém, os tamoios e os franceses refugiadosdentre eles, continuaram oferecendo resistência por longotempo.

Se bem que, a partir de então não houve uma colôniafrancesa na Guanabara, os navios dessa nacionalidade conti-nuaram visitando o lugar, e reforçando a resistência dos ta-moios e dos poucos franceses que restavam ali. Visto quealguns destes eram protestantes do ponto de vista portuguêsaquela luta se converteu em Umaguerra religiosa. Era necessá-rio desfazer-se dos hereges que manchavam aquelas terrascatólicas de Portugal.

A luta continuou por muito tempo. Os tamoios derrota-ram repetidamente aos portugueses e aos seus aliados tupini-quins. Finalmente, os sacerdotes jesuítas Nóbrega e José deAnchieta empreenderam uma difícil embaixada entre os ta-moios. Estes os receberam dispostos a aliar-se com os portu-gueses, que recentemente tinham rompido com os tupini-quins, inimigos tradicionais dos tamoios. Ao aliar-se com osportugueses, os tamoios esperavam poder esmagar os tupini-quins. Graças a embaixada dos jesuítas, um forte contingentetamoio abandonou a luta ou se aliou aos portugueses.

Quando finalmente chegaram os reforços de Lisboa, oscolonos não vacilaram em romper seus tratos com os tamoios.Muitos deles foram mortos ou foram feitos escravos, e o restofugiu para o interior do país. Entretanto, franceses e portugue-ses fizeram as pazes, com a condição de que os primeirosabandonassem a região. Isso ocorreu em 1575, e com essadecisão chegou a um ponto final o empreendimento de Ville-gagnon, que durou uns vinte anos.

A triste sorte dos índiosO que sucedeu então com os tamoios que restaram foi o

indício do que posteriormente sucederia com quase todas astribos que habitavam na costa. Os que não foram mortos ouescravizados se refugiaram nas selvas, onde invadiram os terri-tórios de outros índios, com conseqüentes guerras e mortes.Pelo fim do século, o aventureiro inglês Anthony Knivet caiuem suas mãos, e conseguiu salvar-se persuadindo-lhes de que

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era francês. Pouco depois os convenceu a retornar para acosta e tratar de reconquistar suas terras. Aquela tribo de trintamil membros se aproximava do mar quando foi atacada pelosportugueses. Dez mil morreram, e os outros vinte mil termina-ram seus dias como escravos.

Esta triste história, como toda aquela empresa coloniza-dora, mereceu a justa condenação do sacerdote jesuíta Antô-nio Vieira que, em meados do século XVII, referindo-se aosque pretendiam ir ao Brasil em busca de ouro, disse que seuverdadeiro propósito era apoderar-se dos índios, "para fazercorrer de suas veias o ouro vermelho que sempre tem sido ariqueza dessa província".

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A cruz e a espada andaram juntas pelos campos da América

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A cruze a espada

o método original que empregaramCristo e os apóstolos é sem dúvida

digno de todo louvor. Porém,somente pode empregar-se onde o

evangelho pode ser pregado demodo evangélico. Isto é possível

nos países orientais maisadiantados, como a China, oJapão, a Arábia, a índia e os

demais. Porém, querer que se sigao mesmo caminho nas índias

Ocidentais é loucura.

José de Acosta.A história que acabamos de narrar é, ao mesmo tempo,

impressionante e triste.É impressionante, porque ninguém negará o valor e o

arrojo daqueles homens de ferro, que se lançaram a conquis-tar vastos impérios com um punhado de soldados. É impres-sionante, porque em pouco menos de um século Espanha ePortugal tinham conquistado e colonizado territórios muitís-simo mais vastos que os seus, com populações muitíssimomais numerosas. É inegável o valor de Cristóvão Colombo, quese aventurou por mares desconhecidos nos quais se supunhaexistirem monstros marinhos terríveis, e toda a 'sorte de peri-gos. Poucos têm tido tanta fibra como Cortes, que depois danoite triste continuou firme em seu empenho de conquistar umimpério. E poucos têm sido tão ousados como Pizarro, que emCajamarca se atreveu apoderar-se de Atahualpa.

Porém, ao mesmo tempo é uma história triste. Triste

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porque naquele encontro foram destruídas populações intei-ras e ricas culturas. Triste, porque os que fizeram isso sequerse aperceberam do enorme crime que cometiam. E triste por-que, sobretudo, isso foi feito em nome da cruz de Cristo.

A cristandade ocidental tinha tido outros encontros compovos diferentes dela. A invasão dos povos germânicos foi umdesses encontros, as cruzadas foram outro. Porém nem emum caso nem em outro deram-se as circunstâncias que seconjugaram na era dos conquistadores. O que sucedeu nesseSéculo XVI foi que aquela cristandade ocidental, convencidade sua superioridade pela sua fé cristã, seus cavalos e suasarmas de fogo, acreditou-se chamada a impôr sua civilizaçãopela força. E esse chamado, como tão freqüentemente sucede,serviu por vezes como desculpa para a mais grassa explora-ção.

Só no Oriente foi seguida uma política diferente. Ali ficoubem claro que as armas ocidentais não eram suficientes paraconquistar aqueles países. Em conseqüência, o mito da supe-rioridade ocidental não teve a força que teve na África e naAmérica. É por isso que puderam aparecer ali missionários taiscomo Nobili e Ricci, que com todos os seus defeitos, pelomenos mostraram respeito pelas civilizações em que trabalha-vam.

Porém, na África e na América o armamento, a cavalaria eo uso do engano logo convenceram a espanhóis e portugue-ses de que sua civilização era verdadeiramente superior e que,conseqüentemente, tinham a missão de implantá-Ia nessasterras. Se, como conseqüencia se tornavam ricos, se conquis-tavam impérios, se se apoderavam de centenas de escravos,isso não era mais que a bem merecida recompensa por suaobra civilizadora e evangelizadora.

Tudo isso, sem dúvida, não foi unicamente produto da era_dos conquistadores. Desde muito antes se tinha preparado ocaminho para semelhante interpretação dos acontecimentos.Quando no século quarto, começou a desenvolver-se a teolo-gia oficial do império romano, que tendia excluir de sua procla-mação cristã a necessidade de justiça nas estruturas sociais, edava especial autoridade na igreja ao poderosos da ordem

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social, começou-se a preparar a tragédia da era dos conquista-dores. De fato, estes não fizeram mais que aplicar à novasituação criada pelos descobrimentos o modo de entender a fécristã, e a missão evangelizadora, que fora criado através dosséculos para o beneplácito dos poderosos. Com a finalidadede salvar as almas, diziam os jesuítas do Brasil, era bom que osportugueses infundissem terror aos índios. E os escravos afri-canos saíam ganhando com sua escravidão, diziam os negrei-ros, porque se lhes dava a oportunidade de tornarem-se cris-tãos e assim obter a salvação eterna. Cortéz e Pizarro, aomesmo tempo que sabiam ser pecadores avarentos, criam serevangelistas escolhidos e enviados por Deus. Porém, o mal jáfora semeado séculos antes, quando houve cristãos que nãovacilaram em chamar a Constantino de "o bispo dos bispos".

Contra tais atropelos, houve sinais de protesto tanto entreos colonizadores como entre os cristãos. Entre os primeiros játemos assinalado que o culto a virgem de Guadalupe é, de umcerto modo, a vindicação do elemento nativo frente a hierar-quia dos espanhóis. Nesse caso a longa hierarquia conseguiuassimilar o protesto, e fazê-lo parte de sua própria doutrina.Porém a santidade no Brasil, e a "sataria" dos descendentesdos escravos negros, permaneceram freqüentemente fora doalcance do poder hierárquico .

. Outras vezes esse protesto foi mais sutil, e então é impos-sível conhecer o alcance que teve. Tal é o caso do sucedidonuma igreja do Planalto da Bolívia, onde o sacerdote pediu aum escultor índio que lhe fizesse imagens que representassemSão Pedro e São Paulo. Algum tempo depois o índio trouxe asduas esculturas pedidas, e o sacerdote pô-Ias na entrada daigreja. Grande foi seu regozijo ao ver que muitos dos índiosvinham para venerar aquelas imagens. Porém passados mui-tos anos, foi descoberto que, num lugar afastado, os pedestaisem que antes se apoiavam aquelas duas estátuas, não eramsenão dois dos mais antigos ídolos dos nativos. Assim, semque os missionários suspeitassem, continuou por muito tem-po o protesto surdo daquelas culturas que pareciam esmaga-das.

E houve também protestos por parte dos cristãos. Barto-

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São Pedro e São Paulo eram, na verdade, dois antigos ídolos da região

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214 - A era dos conquistadores

lomeu de las Casas e Antônio de Montesinos não foram senãoos primeiros de uma longa série de defensores dos índios edos africanos. Muitos deles tinham sido esquecidos nos anaisde uma igreja dominada pelos poderosos. Porém os nomes efeitos cuja memória tem chegado até nossos dias dão testemu-nho de que, ainda em meio àqueles tempos violentos, nasselvas mais afastadas e nos lugares mais perigosos, houve osque souberam ver a distância entre o evangelho de JesusCristo e os conquistadores, entre o amor a Deus e o amor aMamom.

Até os dias de hoje perdura esse conflito na igreja que sefundou naquela era dos conquistadores. Por ter chegado aestas plagas sob o signo da espada, certos elementos dentrodela creram-se na obrigação de continuar sob esse signo, eseguir acomodando o evangelho aos desejos e conveniênciasdaqueles que detinham o poder. Porém, por ter nascido sob osigno da cruz, há nessa mesma igreja os que insistem nanecessidade de colocar todas as estruturas do poder humanosob o juízo da cruz. A destruição da Armada Invencível, pelosingleses e pelo clima, em 1598, marcou o fim da hegemoniaespanhola sobre os mares. O poderio português tinha come-çado a decair alguns anos antes. Outras nações tomariam olugar dessas potências e sob seus auspícios se fundariamoutras igrejas em diversas partes do mundo. Porém elas tam-bém teriam de enfrentar a mesma alternativa. O último capítuloda era dos conquistadores ainda não está de todo escrito.

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