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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A FRENTE FEMINISTA DE NATAL: AVANÇOS E LIMITES NA ORGANIZAÇÃO
POLÍTICA DAS MULHERES
Micaela Alves Rocha da Costa1
Lenilze Cristina Dias da Silva2
Resumo: a Frente Feminista de Natal é uma organização política articulada por diversos coletivos
anticapitalistas e organizações que buscam combater a violência de gênero e lutar na efetivação dos
direitos das mulheres na capital do RN. As desigualdades sociais e econômicas evidenciam as
mulheres como os sujeitos que mais sofrem com seus rebatimentos. O acirramento da violência
contra as mulheres sinaliza a necessidade de organização das lutas coletivas frente a uma conjuntura
de extrema violência e ineficiência das políticas públicas. Nessa conjuntura, a Frente Feminista tem
estado presente e organizado atividades em datas importantes, como o 8 de março, dia internacional
das mulheres, além de outras atividades políticas relevantes. Todavia, sua atuação política tem se
mostrado insuficiente frente à dinamicidade da realidade, que cobra ações pontuais, mas também
exige articulações fundamentadas. Também se soma a estes fatores a militância virtual e de pouca
e/ou nenhuma organicidade coletiva para aprofundamento do debate e o fortalecimento de
instrumentos e coletivos organizados de mulheres que apontem a centralidade no enfretamento das
bases estruturantes do capital. Assim, este trabalho tem por objetivo discutir as possibilidades e
desafios da Frente Feminista de Natal, enquanto instrumento de organização política das mulheres.
Palavras-chave: Movimento feminista. Luta de classes. Militância.
Introdução
A ineficiência da segurança pública no Brasil não é um elemento novo no cotidiano, nem
para a classe trabalhadora que sofre diretamente com a violência, nem para as classes média e alta
que também tem sentido estas expressões de forma contundente. O acirramento das desigualdades
sociais, a precarização das políticas públicas, a falta de investimento em áreas importantes como
saúde, educação, cultura, lazer, habitação, etc., a criminalização da juventude negra e pobre e a
ofensiva conservadora – que acentua as expressões do machismo, do racismo e da LGBTfobia - tem
fomentado cada vez mais a barbárie em nossa sociedade. O medo se instala como um elemento
naturalizado no cotidiano de milhares de pessoas.
O estado do Rio Grande do Norte e sua capital, Natal, tem atraído a atenção nacional e
internacional nos últimos tempos devido ao aumento exacerbado da violência, que tem dizimado a
população potiguar. Conforme aponta a pesquisa realizada em 2016, pela ONG mexicana Conselho
1 Militante feminista, assistente social, mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal / RN, Brasil. 2 Militante feminista, assistente social, especialista em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais pela
Universidade do Estado do Cerará (UECE), mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal / RN, Brasil.
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Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal3, a capital potiguar é considerada a 10ª cidade mais
violenta do mundo. O estado chegou a 1.000 assassinatos registrados de janeiro a maio de 2017,
contabilizando uma média de 6,8 homicídios por dia. Entre esse número alarmante, está
contabilizado o assassinato de 56 mulheres.
Em 2016, um total de 69 mulheres foram assassinadas por feminicídio, conforme dados do
Observatório da Violência Letal Intencional (OBVIO)4. Ainda no mesmo ano, contabilizou-se um
total de 61 casos de estupros no estado5. É nesse contexto intensificação da barbárie e do machismo,
que os movimentos sociais tem se reorganizado e se rearticulado, juntamente com o movimento
sindical a fim de enfrentar as diversas expressões da questão social6 e exigir do poder público
maiores investimentos nas políticas púbicas. A Frente Feminista de Natal (FFN) tem se destacado
neste contexto, pautando bandeiras importantes para uma vida sem violência para as mulheres.
Nesse sentido, cabe, portanto, engendrar uma reflexão acerca da importância do feminismo
na atual conjuntura de crise do capital e da organização das mulheres na Frente Feminista de Natal,
pautando os limites e as possibilidades impostas neste processo, no sentido de fornecer elementos
que fortaleçam o feminismo e o movimento feminista potiguar em tempos de retrocesso.
“Esta ciranda não é só minha, é de todas nós!”: alguns apontamentos sobre Frente Feminista de
Natal
Foi a partir da movimentação, aproximações e articulações políticas entre coletivos e
militantes independentes para organização de atos e atividades em datas históricas de luta, como por
exemplo, o dia internacional da mulher, que houve o surgimento da Frente Feminista de Natal. Esta
é construída por inúmeras organizações, coletivos, grupos feministas, militantes partidárias e
mulheres independentes que buscam combater a violência de gênero e consolidar a luta feminista na
3 Ver mais em: Consejo Ciudadano Para Aa Segurid Publica Y Justicia Penal A.C. Por segundo año consecutivo
Caracas es la ciudad más violenta del mundo; Acapulco la segunda. Disponível em:
http://www.seguridadjusticiaypaz.org.mx/sala-de-prensa/1471-por-segundo-ano-consecutivo-caracas-es-la-ciudad-mas-
violenta-del-mundo-acapulco-la-segunda - Acesso em 17 de junho de 2017. 4 Ver mais em: Tribuna do Norte. Observatório da violência divulga número de mulheres assassinadas em 2016 no Rio
Grande do Norte. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/observata-rio-da-viola-ncia-divulga-
naomero-de-mulheres-assassinadas-em-2016-no-rio-grande-do-norte/358052. Acesso de 17 de junho de 2017. 5 Tribuna do Norte. RN já registra 61 casos de estupro esse ano. Disponível em:
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rn-ja-registra-61-casos-de-estupro-este-ano/358854 Acesso em 17 de junho
de 2017. 6 Conforme aponta Iamamoto, (2011, p.27) “A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o
trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada
por uma parte da sociedade”. Para a autora, além das desigualdades citadas, a questão social também é “[...]
mediatizada por disparidades das relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais” (2008, p.160).
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cidade. Contudo, em um contexto social marcado pelo acirramento da violência na cidade e no
estado, a Frente Feminista de Natal passou a atuar de forma mais articulada, combativa e pontual
em resposta a este contexto.
As principais organizações que se articulam por meio da Frente Feminista são: a Marcha
Mundial das Mulheres com o Núcleo Amélias, o Movimento Mulheres em Luta, o Coletivo
Autônomo Feminista Leila Diniz, o Coletivo M.I.G.A, o Grupo Afirmativo de Mulheres
Independentes (GAMI), Fórum de Mulheres, Associação de mulheres de Felipe Camarão, Coletivo
As Carolinas, Coletivo Negras de Periferia, Juntas Potiguar, além de estudantes do Diretório Central
dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), trabalhadoras do
Sindicato dos Servidores da Saúde do RN (SINDSAÚDE), do Sindicato dos Policiais Civis do
estado do RN (SINPOL), entre outras organizações7.
As militantes organizadas fazem parte de partidos políticos, tais como: Partido dos
Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Consulta Popular, bem como, algumas
militantes anarquistas. Assim, cabe destacar a diversidade de pensamentos e diferentes
posicionamentos políticos que estão presentes dentro da Frente Feminista, tensionando as pautas de
luta, mas buscando a unificação das mulheres na luta por autonomia, liberdade e por uma vida sem
violência.
O perfil social majoritário das mulheres que compõem a Frente Feminista varia entre a
juventude inserida no ensino médio de escolas públicas e institutos federais, jovens inseridas na
universidade (pública e privada), bem como mulheres trabalhadoras vinculadas nos sindicatos das
áreas que atuam. São estas mulheres que estão na vanguarda das lutas e que também tem sentido
fortemente os impactos do acirramento da violência na cidade, que assusta e ameaça de
sobremaneira as mulheres. Para além da violência física, a violência sexual também é muito temida.
Estas expressões demonstram a gravidade da crise a qual estamos inseridas e enfatizam a
importância do feminismo8 para a vida das mulheres. Em um contexto marcado pela presença ativa
do patriarcado9, do machismo10, do racismo11 e da divisão sexual do trabalho12, através de inúmeras
7 Cabe destacar a dificuldade de listar todas as organizações que compõem a Frente Feminista, visto que por ser uma
ferramenta de luta coletiva, está em constante construção pelas mulheres. 8 Feminismo é ao mesmo tempo uma teoria que analisa criticamente o mundo e a situação das mulheres, um movimento
social que luta por transformação e uma atitude pessoal diante da vida. (SILVA E CAMURÇA, 2010, p. 9). 9 Patriarcado são as relações sociais de opressão, exploração e dominação masculina sob as mulheres que perpassam
todas as esferas da vida. Conforme aponta Saffioti (2004, p. 105) neste regime, as mulheres são objetos da satisfação
sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras. 10 Machismo é uma ideologia que legitima a dominação da mulher pelo homem (SAFFIOTI, 1987).
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violências, bem como o sucateamento do público em detrimento do privado, a luta feminista se
torna imprescindível para a reivindicação e efetivação de alguns dos direitos das mulheres por meio
das políticas públicas. Conforme aponta Oliveira (2012, p.140), “as políticas públicas para as
mulheres no Brasil estão inseridas em um contexto de recessão do conjunto maior de políticas, no
qual cada vez mais é necessária a incidência coletiva dos movimentos sociais articulados, a fim de
conquistarem novos espaços na efetivação de direitos”.
Nesse sentido, a organização das mulheres em torno da Frente Feminista, possibilitou a
construção de um espaço muito importante de articulação política e diálogo entre diversos coletivos
para a reivindicação de algumas pautas comuns a todas as mulheres, como exemplo, a segurança
pública. Consoante com Silva e Camurça (2010, p. 27), “[...] sem mulheres organizadas nenhuma
outra luta social feminista se fará”.
“Fazer do teu e do meu luto, nossa luta”: as principais atividades da Frente Feminista.
Desde sua consolidação enquanto espaço de organização política, a Frente Feminista tem
pensado e construído diversas atividades, envolvendo mulheres e homens da capital. Através de
levantamento documental realizado em um grupo da Frente Feminista em uma rede social13 e
listagem de atividades das quais participamos, buscamos identificar as reuniões e atividades
organizadas pela Frente Feminista ao longo de três anos (2013 – 2017).
As atividades registradas são diversas: reuniões para a construção de atos, intervenções,
adesivagem, panfletagem, fabricação e colagem de cartazes em diversos pontos da cidade,
manutenção das redes sociais da Frente Feminista, articulação política com sindicatos e partidos
políticos da esquerda, audiências públicas na Câmara Municipal de Natal, campanha financeira,
atos públicos, vigília, notas de repúdio, cartas abertas à prefeitura do Natal e ao governo do Estado,
entre outros.
Dentre estas atividades, as que mais se destacam são reuniões para organização de atos
alusivos a luta das mulheres, tal como o 8 de março e o dia 25 de novembro. Para além destas datas,
um ato marcou o dia 24 de agosto de 2015 como o “Dia Estadual de combate à violência contra as
11 Racismo: Teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças (etnias). Preconceito exagerado contra
pessoas pertencentes a uma raça (etnia) diferente, geralmente considerada inferior. Atitude hostil em relação a certas
categorias de indivíduos. Dicionário Michaelis On line. 12 A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; esta
forma é adaptada historicamente e a cada sociedade. Ela tem por características a destinação prioritária dos homens à
esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte
valor social agregado (Kergoat, p. 67, 2009) 13 Grupo fechado da Frente Feminista de Natal no Facebook.
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mulheres”, em resposta a onda de estupros ocorridos na cidade do Natal nesta época. Na data, as
mulheres presentes reivindicaram o funcionamento das Delegacias Especializadas de Atendimento à
Mulher (DEAM’s) 24h por dia, em todos os dias da semana, visto que as mesmas só funcionam em
horário comercial e durante a semana, prejudicando as mulheres que sofrem violência nos finais de
semana ou feriados, contribuindo para o agravamento da situação.
Outra pauta fundamental foi a reivindicação de plantonistas preferencialmente mulheres nas
DEAM’s, visto que a maioria dos atendentes são homens despreparados profissionalmente para
lidar com a situação, desrespeitando a própria orientação presente na Lei Maria da Penha (lei
11.340/06) . A implantação de iluminação imediata dos trechos escuros nos bairros de Natal e no
Campus Universitário da UFRN, local de grande circulação de mulheres e jovens, também foi um
elemento considerado na pauta, a fim de trazer maior segurança para as mulheres.
Outra atividade de bastante importância e repercussão na agenda de lutas da Frente
Feminista foi a organização de atividades em resposta aos onze casos de feminicídio ocorrido em
onze dias seguidos no estado do RN, em agosto de 2016. As atividades realizadas foram
impactantes e de grande visibilidade tanto em Natal, como nas demais cidades do estado. A
primeira atividade realizada foi uma audiência pública na Câmara Municipal de Natal (CMN) sobre
“Os Assassinatos de Mulheres no RN e a Luta Contra o Machismo”, que reuniu vereadoras,
representantes da Frente Feminista, do Ministério Público, além de representantes da Secretaria
Municipal de Políticas para as mulheres. E a segunda atividade, um ato-vigília realizado em uma
esquina de bastante circulação na cidade, reuniu dezenas de mulheres que reivindicaram mais
segurança, punição aos culpados dos crimes, ampliação do funcionamento das DEAM’s e
investimento para as políticas públicas para as mulheres, além de fazer uma intervenção simbólica
com velas acesas, em luto pela morte das mulheres cruelmente assassinadas.
Ainda em maio de 2016 houve uma grande mobilização das mulheres, em razão do crime de
estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. Este crime teve grande repercussão nacional e mundial,
uma vez que uma jovem14 foi violentada por pelo menos 30 homens, que a doparam e a mantiveram
em cárcere privado por aproximadamente 36 horas. Não bastasse a violência cometida, os
criminosos publicaram os vídeos do crime cometido, o que possibilitou a identificação dos mesmos
e a constituição de prova irrefutável. Isto porque muitas pessoas julgaram moralmente a vitima e a
14 Ver mais em: Globo. Vítima de estupro coletivo no Rio conta que acordou dopada e nua. Disponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/vitima-de-estupro-coletivo-no-rio-conta-que-acordou-dopada-e-
nua.html. Acesso em 26 de junho de 2017.
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culpabilizaram pela violência sofrida, inclusive, o Estado foi considerado negligente com a
situação, já que se tratava de estupro de vulnerável.
Tamanha violência evidenciou o quanto as mulheres estão suscetíveis as mais diversas
situações de violência, ao mesmo tempo, que expõe o quão o machismo é naturalizado e até mesmo
justificado na sociedade brasileira. A Frente Feminista fez um chamado a fim de discutir esse caso
com as mulheres potiguares e o evento aconteceu no bairro da Ribeira, em Natal/RN. As mulheres
se concentraram no Largo do Teatro Municipal Alberto Maranhão, oportunidade em que debateram
sobre a insegurança pública, a impunidade, a da naturalização do machismo, o linchamento público
que passam as mulheres em situação de violência sexual e da ineficiência do Estado em reconhecer
e tratar como crime as violências vivenciadas pelas mulheres.
Em 2017, a frequência de atividades diminuiu consideravelmente, contudo alguns atos de
rua permaneceram sendo construídos coletivamente, como é o caso da atividade no dia
internacional das mulheres. Neste ano ainda foram construídas atividades contra o aumento da tarifa
no transporte público da cidade do Natal, bem como atividades descentralizadas contra o governo
Temer, em articulação com outros coletivos, centrais sindicais e partidos políticos frente a grave
crise política e econômica no país.
Além destas atividades, os perfis em redes sociais da Frente Feminista de Natal tem bastante
destaque. São mais de duas mil curtidas na página oficial15, sendo este um canal de bastante
importância para divulgação e acompanhamento das atividades propostas, entre outras que tenham
relação com as lutas feministas na cidade do Natal e no estado do Rio Grande do Norte. As
responsáveis por movimentar o conteúdo da página são as próprias militantes, que em outro
momento, construíram uma comissão de comunicação com o objetivo de organizar melhor esta
interlocução e partilha de ideias. Esse trabalho tem sido fundamental para manter as redes sociais
em contínua movimentação através da visibilidade conquistada por meio das lutas feministas.
“Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”: limites para a consolidação da Frente
Feminista no marco da sociabilidade capitalista.
São inúmeros os desafios que estão impostos aos movimentos sociais na atual conjuntura
marcada pelo retrocesso de direitos. Para os coletivos feministas, os desafios parecem maiores, visto
que a luta continua não só no campo objetivo, mas no subjetivo também. A exploração e opressão
das mulheres dificultam a vida das mesmas e neste cenário perverso e em crise, se acentuam.
15 Página oficial da Frente Feminista no Facebook disponível em: https://www.facebook.com/frentefeministanatal/.
Acesso em 22 de junho de 2017.
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Um dos desafios impostos a luta das mulheres e coletivos que constroem a Frente Feminista
está a formação da consciência de classe, uma vez que a razão que aproximam as mulheres é,
majoritariamente, a violência que todas vivenciam em maior ou menor proporção. Todas por serem
mulheres são alvos constantes de situações de violência, desde a forma mais velada até a mais
explícita e cruel. Assim, as mulheres ao se reconhecerem vítimas da violência e criticarem a
sociedade por esta situação tomam consciência de si e precisam ir além para subverterem esta
realidade. De acordo com Cisne (2014, p. 37), “[...] a consciência não é algo meramente individual
ou exclusivamente subjetivo, posto que os indivíduos estabelecem no processo de formação da
consciência relações com o mundo externo”.
Os dados de violência às mulheres na cidade do Natal e em outros estados, expostos
anteriormente, evidenciam que estas não são situações particulares. Os casos de violência contra as
mulheres que alcançam repercussão midiática, comumente resultam em comoção, principalmente
das mulheres, em solidariedade àquelas que são vítimas e chegam até a perder a vida precocemente.
Porém, o entendimento de que o machismo, o racismo e o patriarcado são estruturantes para o
capitalismo e que um mundo sem violência contra as mulheres implica lutar contra o capital é um
dos maiores desafios para a luta feminista e para a Frente Feminista de Natal. Cabe ressaltar que
“[...] desse modo, considerar a diversidade da classe faz-se necessário, contudo, sem se perder na
ênfase das diferenças em detrimento da luta política engendrada pela criação dos sujeitos coletivos
em torno de uma luta classista, que deve ser o ponto comum entre todas as lutas que buscam o fim
das desigualdades sociais (CISNE, 2014, p. 33).
As atividades da Frente Feminista de Natal tem sido importantes para a aproximação das
mulheres da luta feminista, porém é necessário contribuir para que as mulheres apreendam que a
sua luta além de ter sexo, tem classe social, tem raça/etnia. É preciso entender que as opressões que
as mulheres vivenciam é uma expressão da luta de classes. De um lado a classe capitalista, de outro
a classe trabalhadora. A primeira tem dominação sobre a segunda, em razão de ter a propriedade
dos meios de produção. Deste modo detém também os mecanismos de coerção e consenso da classe
trabalhadora, que conscientemente ou não, incorpora os valores e a ideologia repassados
diariamente pela sociabilidade do capital. Consoante com Iasi (2011, p. 21) “[...] quando, numa
sociedade de classes, uma delas detém os meios de produção, tende a deter também os meios para
universalizar sua visão de mundo e suas justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de
produção que garantem sua dominação econômica”.
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Em vista disso, a exploração capitalista traz consigo a faceta mais intensa da dominação por
meio do patriarcado, reverberado pelo machismo, pelo racismo e pela divisão sexual do trabalho.
As relações sociais que os indivíduos estão inseridos é que determinam sua consciência. Logo, a
primeira forma de socialização ocorre na família, a segunda, se realiza na igreja, na escola, nos
movimentos sociais, partidos diversos, e até mesmo nos locais de trabalho. Estes são espaços de
socialização que influenciam os indivíduos na construção de sua concepção de mundo, porém, estas
mesmas relações sociais estabelecidas pelo capital e determinadas pela classe dominante “[...]
oferecem também, pelas contradições que são configuradas, as possibilidades para uma revolução
social” (CISNE, 2014, p. 36).
A diversidade de influências poderá ser permanente no individuo, ou transformada por este
conforme sua trajetória e inserção em novas relações, o que evidencia “[...] a existência de uma
‘unidade dialética’ entre indivíduo e sociedade, ou seja, uma ‘unidade de contrários’”. E este
processo é que constituirá a consciência de si do indivíduo (CISNE, 2014, p. 38). Neste sentido,
entendemos que a formação de consciência de classe é processual, fruto das relações construídas e
resultante dos processos históricos e do tensionamento da luta de classes na conjuntura. Assim, a
consciência de classe dos indivíduos podem apresentar possibilidades de avanços e retrocessos
determinados pela situação a qual estão inseridos. Desta forma, apreender que os avanços e recuos
são próprios da dinâmica da luta de classes, das relações estabelecidas na sociedade, como também,
a reprodução dos valores e práticas da classe de dominante permite analisar a Frente Feminista de
Natal como expressão de luta das mulheres que vivenciam cotidianamente estes rebatimentos.
Observa-se que há entre as mulheres que constroem a Frente Feminista de Natal a
reprodução do machismo, de racismo e de transfobia e estas são situações que fragilizam a luta
coletiva e contradizem a razão de existência da própria Frente. Estas práticas refletem que, mesmo
inseridas na luta feminista pelo enfrentamento a violência, a diversidade de mulheres que constroem
a Frente Feminista estão imbuídas dos valores conservadores e contraditórios, que por sua vez,
reproduzem a dominação como prática cotidiana mesmo nos espaços de luta feminista. Dessa
forma, compreende-se que,
[...] a consciência é um processo. Por isso, essas características da sua primeira forma de
expressão podem ser superadas – parcialmente ou em sua totalidade – a depender das
relações que o indivíduo venha a estabelecer e da forma como as apreende, vivencia e
interioriza. [...] ainda que o indivíduo atinja outras formas de consciência, algumas dessas
características podem retornar, dado o processo dialético e histórico da formação da
consciência em uma sociedade contraditória, dividida por classes e interesses antagônicos.
(CISNE, 2014, p.46)
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Assim, a Frente Feminista de Natal é uma expressão de um conjunto de mulheres que se
levantam perante as violências que presenciam e as quais não querem se submeter, mesmo que,
porventura, venham reproduzi-las. E o levante dessas mulheres poderá significar um caminho para
o alcance de um novo momento do processo de consciência superando as influências da primeira
socialização, conforme já exposto, rompendo com os valores e posturas conservadoras.
Portanto, a Frente Feminista é um espaço catalisador da revolta das mulheres contra a
violência e poderá possibilitar um meio pelo qual as mulheres alcancem a consciência em si, como
expressão da influência da segunda fase de socialização, de tal forma quem possam apreender que a
situação de violência vivenciada pelas mulheres não são situações particulares, mas vividas por elas
coletivamente. O reconhecimento da situação da violência em uma dimensão coletiva possibilita a
constituição de uma consciência de classe, porém se limita a reivindicações mais imediatas e nos
marcos do capital.
O enfrentamento a violência contra as mulheres, ao machismo, ao racismo, a LGBTfobia, as
desigualdades sociais perpassa enfrentar as relações de produção da riqueza estabelecidas por esta
sociabilidade marcadamente desigual. Logo, este é um dos desafios posto as mulheres e coletivos
que constroem a Frente Feminista, a fim de fortalecer este espaço que aglutina as reivindicações das
mulheres, apreendendo que a violência que atinge severamente as mulheres é expressão das
relações patriarcais e capitalistas.
Como estratégia para estas expressões conservadoras, a contínua formação política das
mulheres em torno de um projeto societário, que tenha o feminismo como um de seus pilares, é
fundamental. A teoria e o estudo aprofundado possibilitariam um olhar crítico na compreensão da
conjuntura, suas contradições e suas possibilidades, além de destacar a importância da articulação
das mulheres nesta sociabilidade, consolidando as pautas e estratégias de luta feminista e rompendo
a lógica do capital. Além disso, possibilitariam a compreensão e o respeito às diferenças próprias e
oriundas da diversidade do movimento feminista, sem excluir nenhuma luta, de nenhum segmento.
Para além desta tarefa de fortalecimento interno, outro desafio imposto a Frente Feminista, é buscar
a articulação junto aos movimentos sociais, com vistas a contribuir com a luta por direitos das
mulheres em outros espaços, dialogando e conquistando mais espaço e mais mobilizações. A
importância da articulação política se destaca, na medida em que compreendemos que somente
articuladas e mobilizadas, poderemos ter força e voz para barrar aos ataques desta sociabilidade
capitalista.
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Considerações finais
O contexto de recrudescimento da violência, de perpetuação do conservadorismo, de
misoginia e sexismo, entre tantas outras opressões, mostram uma sociabilidade perversa e anti-
civilizátoria. Esta ofensiva que desmonta direitos, precariza e desregulamenta o trabalho,
desmobiliza a organização dos trabalhadores, bloqueia a diversidade, refreia a agenda política e
intensifica a violência, tem como público alvo, um setor expressivo “[...] O alvo principal são
aqueles que dispõem apenas de sua força de trabalho para sobreviver; além do segmento masculino
adulto de trabalhadores urbanos e rurais, penalizam-se os velhos trabalhadores, as mulheres e as
novas gerações de filhos da classe trabalhadora, jovens e crianças, em especial negros e mestiços”.
(IAMAMOTO, 2008, p.145)
Neste sentido, cabe salientar que a luta do movimento feminista é um importante
instrumento para o enfrentamento desta sociabilidade e um convite aos espaços de resistência, no
combate à violência e que abre diversas possibilidades feministas para a organização,
conscientização e lutas emancipatórias para as mulheres trabalhadoras no enfrentamento da crise do
capital. Assim,
O feminismo, como sujeito político, se faz somente através das mulheres e de sua
movimentação. É imprescindível termos um NÓS MULHERES, a partir do qual é possível
analisar o contexto, identificar as contradições, fixar objetivos para esta movimentação.
Sem este ‘nós mulheres’ não há como o feminismo seguir sendo um sujeito político com
força transformadora. (CAMURÇA, 2007, p.16)
Deste modo, a tarefa principal para a Frente Feminista de Natal no atual momento é a
reorganização política dos coletivos e o fortalecimento das pautas feministas através da unidade nas
lutas e pautas da conjuntura que atingem diretamente as mulheres, como é o caso do acirramento da
violência no RN. O isolamento político em que se encontra a Frente Feminista enfraquece a
articulação política dos coletivos organizados na mesma, desmobilizando as mulheres e deixando
para trás as conquistas e a visibilidade alcançada, além de possibilitar a ofensiva conservadora em
curso.
É preciso sair da redoma da militância virtual, romper os muros do ativismo e recriar os
laços que fortalecem a luta coletiva das mulheres, recuperando a organicidade e manutenção dos
espaços de diálogo e respeito. Não que a militância virtual não seja importante, ela de fato cumpre
um papel significativo nas redes sociais, todavia a luta das mulheres não pode ficar limitada
somente a esta esfera. A realidade é dinâmica e exige uma organização além da esfera virtual.
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É preciso considerar também as diferenças entre os diversos coletivos e as diferentes
perspectivas feministas, sem secundarizá-los e sem fragmentar a luta, tendo como o horizonte
político os objetivos a serem alcançados que podem beneficiar as diversas mulheres. Conforme
apontam Silva e Camurça (2010, p.37), “é necessário demonstrar que o movimento é maior do que
cada um dos grupos e que tem força de pressão, ou seja, tem bons argumentos e capacidade de
mobilizar muita gente”.
O inimigo das mulheres é o patriarcado, o machismo, o racismo, bem como a exploração,
expressões perversas da sociabilidade capitalista. É preciso estar atenta para não cair em
armadilhas, esquecendo o foco da luta feminista, bem como seu principal inimigo. Em um cotidiano
profundamente marcado pela desigualdade, é muito fácil transformarmos as diferenças do
feminismo em sectarismo, fragmentando as lutas e enfraquecendo-as. Neste sentido, a organização
coletiva das mulheres e o fortalecimento dos espaços de luta são essenciais.
Por isso, sinalizamos que, apesar da atual paralisia política da Frente Feminista, o espaço e a
visibilidade conquistada pelas mulheres não podem ser esquecidos. As possibilidades já criadas por
esta ferramenta de luta feminista podem ser retomadas a qualquer momento pelas mulheres que
acompanham o movimento da História. Ou a luta construída retrocederá com o recrudescimento da
violência, transformando cada vez mais, as mulheres em vítimas do machismo. Para Saffioti (1987,
p.24) “[...] a presença ativa do machismo compromete negativamente o resultado das lutas pela
democracia, pois se alcança, no máximo, uma democracia pela metade”. E a realidade mostra que
já não é possível viver desta maneira.
Referências
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a transformação social. Cadernos de Crítica Feminista, 1(0). Recife: SOS Corpo, Instituto Feminista
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– Instituto Feminista para a Democracia, 2010.
The natal feminist front: Advances and limits in the political organization of women
Abstract: the Natal Feminist Front is a political organization articulated by several anti-capitalist
groups and organizations that seek to combat gender violence and fight for the realization of
women's rights in the capital of RN. Social and economic inequalities evidence women as the
subjects who suffer most from their refutations. The intensification of violence against women
signals the need to organize collective struggles in the face of a situation of extreme violence and
inefficiency of public policies. At this juncture, the Feminist Front has been present and organized
activities on important dates, such as the 8th of March, International Women's Day, as well as other
relevant political activities. However, its political action has been insufficient in the face of the
dynamicity of reality, which demands specific actions, but also requires informed articulations. It
also adds to these factors virtual militancy and little or no collective organicity to deepen the debate
and the strengthening of instruments and organized groups of women that point to the centrality in
facing the structuring of capital. Thus, this paper aims to discuss the possibilities and challenges of
the Natal Feminist Front, as an instrument for the political organization of women.
Keywords: Feminist movement. Class struggle. Militancy.