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A FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NA ESCOLA CLASSE ARVORCER”– DESAFIOS PARA SE CONSTITUIR NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Josimara Xavier SEEDF [email protected] Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar os impactos que a formação continuada docente desenvolvida dentro da escola oferece para a implementação de novas práticas pedagógicas. Trazemos dados empíricos de uma pesquisa realizada em uma escola da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Considerando a complexidade das situações que enfrentamos hoje nas escolas com a fragmentação dos processos de trabalho, de ensino, de formação, compreendemos a importância de fundamentar teoricamente nosso trabalho em autores que discutem a formação continuada docente como propulsora de mudanças na prática e como possibilidade de transformação social por meio de uma educação emancipadora. Para isso nos apoiamos em Mundim (2011), Nóvoa (2009), Placco (2013), Saviani (2012), Tacca (2012), Veiga e Quixadá Viana (2012). O percurso metodológico deste trabalho está pautado na Epistemologia Qualitativa que defende o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, enfatizando-o como produção e não como apropriação linear do objeto de pesquisa. Como instrumentos metodológicos facilitadores das expressões dos professores utilizamos o questionário aberto e a conversação. A compreensão dos aspectos envolvidos na formação continuada docente se configura num desafio metodológico, para tanto, tornou- se necessário alicerçar o desenvolvimento desta pesquisa tendo como base uma postura crítico-reflexiva, adotando os princípios contidos na Epistemologia Qualitativa. Esperamos que as reflexões suscitadas a partir desse trabalho venham contribuir para a constituição de uma formação continuada docente que transcenda o fazer irrefletido e fragmentado preconizado pela ordem social vigente, possibilitando ao professor lançar mão de novas práticas pedagógicas em função da aprendizagem dos alunos e da sua emancipação. Palavras-chave: Formação continuada, Escola, Novas Práticas. Introdução O fortalecimento da formação continuada docente que acontece dentro do espaço escolar é um ponto que tem sido discutido por vários pesquisadores, dentre eles, Nóvoa (2011), Placco (2013), Veiga (2012). Esse fato a tem tornado expressiva na esfera educacional e, as várias indagações que pairam sobre essa formação propiciam a ampliação da visão sobre a sua importância, as suas possibilidades e as suas limitações. No nosso entendimento, a formação acontecendo no próprio espaço escolar possibilita aos professores a reflexão sobre o próprio trabalho, sua valorização, a identificação das teorias que o embasam, a análise e a crítica de suas próprias práticas levando-os à busca pela transformação da realidade na qual atuam. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 00331

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Page 1: A FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NA ESCOLA CLASSE … A FORMAÇÃO CONTINUADA... · Com efeito, ciência é exatamente o saber metódico, sistematizado (SAVIANI, 2012, p. 14)

A FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NA ESCOLA CLASSE

“ARVORCER”– DESAFIOS PARA SE CONSTITUIR NOVAS PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS

Josimara Xavier – SEEDF

[email protected]

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar os impactos que a formação continuada

docente desenvolvida dentro da escola oferece para a implementação de novas práticas

pedagógicas. Trazemos dados empíricos de uma pesquisa realizada em uma escola da

Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Considerando a complexidade das

situações que enfrentamos hoje nas escolas com a fragmentação dos processos de

trabalho, de ensino, de formação, compreendemos a importância de fundamentar

teoricamente nosso trabalho em autores que discutem a formação continuada docente

como propulsora de mudanças na prática e como possibilidade de transformação social

por meio de uma educação emancipadora. Para isso nos apoiamos em Mundim (2011),

Nóvoa (2009), Placco (2013), Saviani (2012), Tacca (2012), Veiga e Quixadá Viana

(2012). O percurso metodológico deste trabalho está pautado na Epistemologia

Qualitativa que defende o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento,

enfatizando-o como produção e não como apropriação linear do objeto de pesquisa. Como

instrumentos metodológicos facilitadores das expressões dos professores utilizamos o

questionário aberto e a conversação. A compreensão dos aspectos envolvidos na

formação continuada docente se configura num desafio metodológico, para tanto, tornou-

se necessário alicerçar o desenvolvimento desta pesquisa tendo como base uma postura

crítico-reflexiva, adotando os princípios contidos na Epistemologia Qualitativa.

Esperamos que as reflexões suscitadas a partir desse trabalho venham contribuir para a

constituição de uma formação continuada docente que transcenda o fazer irrefletido e

fragmentado preconizado pela ordem social vigente, possibilitando ao professor lançar

mão de novas práticas pedagógicas em função da aprendizagem dos alunos e da sua

emancipação.

Palavras-chave: Formação continuada, Escola, Novas Práticas.

Introdução

O fortalecimento da formação continuada docente que acontece dentro do espaço

escolar é um ponto que tem sido discutido por vários pesquisadores, dentre eles, Nóvoa

(2011), Placco (2013), Veiga (2012). Esse fato a tem tornado expressiva na esfera

educacional e, as várias indagações que pairam sobre essa formação propiciam a

ampliação da visão sobre a sua importância, as suas possibilidades e as suas limitações.

No nosso entendimento, a formação acontecendo no próprio espaço escolar

possibilita aos professores a reflexão sobre o próprio trabalho, sua valorização, a

identificação das teorias que o embasam, a análise e a crítica de suas próprias práticas

levando-os à busca pela transformação da realidade na qual atuam.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300331

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Mas será que ela tem acontecido a partir das questões que surgem do rico e

dinâmico cotidiano escolar ou permanece vindo de fora para dentro? Partindo dessa

preocupação buscaremos destacar a necessidade de conhecer os caminhos que tem

tomado a formação continuada docente na contemporaneidade e refletir sobre as possíveis

contribuições que essa formação por dentro da escola traz para a instituição de novas

práticas por parte dos professores.

As novas demandas educacionais exigem uma formação docente que vise a

reestruturação dos saberes dos professores e a sua prática no meio no qual atua. O que

implica afirmar que há que se ter clara a intencionalidade da formação que se quer

realizar. Nesse sentido, compreender que a escola é um espaço para disseminação do

conhecimento construído social e historicamente de forma sistematizada se torna

fundamental.

Em linhas gerais, organizamos nosso artigo utilizando como eixos orientadores do

percurso: a escola e o seu papel social; a formação continuada docente por dentro da

escola e a nossa experiência no Observatório de educação.

Na primeira parte, trazemos o sentido social da escola e o trabalho pedagógico

nela desenvolvido como base do fazer docente e a possibilidade dela se constituir como

forte colaboradora para a emancipação humana a partir da transmissão sistematizada do

vasto patrimônio histórico produzido pela humanidade: o conhecimento.

Em seguida trazemos a formação continuada docente por dentro da escola, e as

possibilidades dessa formação se dar numa perspectiva emancipatória, mesmo em um

contexto de contradições protagonizadas pela ideologia dominante.

Depois falamos sobre o Projeto Observatório de Educação, trazendo um pouco da

nossa experiência onde suscitamos a possibilidade de implementar novas práticas no

trabalho do professor, apresentando o cenário no qual desenvolvemos nossa pesquisa e as

reflexões a respeito da formação continuada preconizada por nós.

Por fim, fechamos o trabalho trazendo algumas considerações sobre os desafios

de se instituir a formação continuada docente a partir das demandas que surgem do

próprio cotidiano escolar, relacionando-a as práticas pedagógicas dos professores, aos

objetivos da pesquisa e à discussão teórica fundamentada.

A Escola e seu papel social

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300332

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Diante de tantas certezas incertas nos deparamos com muitas e novas demandas

da e para a escola, mas percebemos um esvaziamento da sua função precípua de produzir

e disseminar o saber sistematizado e constituído historicamente.

A escola tem, ou pelo menos deveria ter, a função educativa ligada às questões do

conhecimento, do saber, não se tratando, pois,

[...] de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento

elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao

saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular. Em suma, a escola

tem a ver com o problema da ciência. Com efeito, ciência é exatamente o saber

metódico, sistematizado (SAVIANI, 2012, p. 14).

Eis aí a contradição discutida por Saviani (2012), onde ele alerta para a

necessidade do resgate da razão de ser da escola que é de sistematizar o conhecimento e

transmiti-lo a todos de forma não discriminatória, transcendendo a imagem deturpada de

que tem que atender às demandas do Estado e do mercado, produzindo e transmitindo

uma cultura escolar que fortalece a cultura de dominação e de reprodução do capital.

Dessa maneira, a escola, com base na organização do trabalho pedagógico pode

colocar o saber a serviço da manutenção ou da transformação das relações sociais,

servindo de ferramenta para alienar ou emancipar o homem.

Da mesma maneira, o trabalho pedagógico deve ser organizado para superar o

processo de proletarização da profissão docente facilitando o acesso e a participação do

professor na organização da gestão, tanto no âmbito pedagógico como no âmbito

administrativo, colocando-o em condição de ver as contradições do mundo moderno e

questioná-las buscando a sua superação.

Apesar de vermos nitidamente o aumento nas atribuições, mas o esvaziamento da

função da escola compreendemos que a formação docente dentro da escola é fundamental

para sistematizar o trabalho pedagógico, para suscitar momentos de reflexão crítica e

também para o desenvolvimento de novas práticas que contribuirão para a aprendizagem

dos alunos.

Nesse movimento, o professor vai refletindo sobre a função da escola, a sua

função, vai tomando consciência da sua profissionalidade, da sua responsabilidade ética

e de modo intencional e sistematizado, vai lançar mão de novas estratégias de ensino que

favorecem a aprendizagem dos alunos e suas constituições como sujeitos.

Todavia diante da realidade que vivemos, constatamos que para os professores, a

escola muitas das vezes se configura como sua segunda casa, como um lugar de

possibilidade de bons relacionamentos, trocas entre os pares, e “[...] não aparece uma

crítica ao modelo de escola instituído socialmente, assim como não aparece uma

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300333

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exigência por novas formas de pensar o espaço escolar, introduzindo-lhe mudanças

significativas” (TACCA, 2012).

Entendemos então que essa falta de consciência do papel social da escola, a

ausência da formação continuada a partir das necessidades que surgem do cotidiano

escolar e a falta de reflexão sobre a organização do trabalho pedagógico para nortear o

fazer docente ou ainda, a provisoriedade de ações pautadas em atender demandas

imediatistas do dia-a-dia escolar poderão ser fatores que dificultarão a concretização do

processo de afirmação profissional bem como o processo ensino/aprendizagem numa

perspectiva emancipatória.

A nosso ver, apenas com a constituição da consciência a respeito da função social

da escola associada à formação continuada que leve à reconstrução da práxis docente,

novas práticas educativas poderão ser geradas e por consequência a aprendizagem

significativa dos alunos.

A formação por dentro da escola

Quando pensamos no que vem a ser formar nos deparamos com uma infinidade

de termos que fazem parte do vocabulário da formação docente de onde nascem várias

interpretações e defesas ideológicas. Para nós, apoiados em Veiga e Quixadá Viana

(2012), formar é o meio de desenvolvimento profissional contínuo e singular que leva o

professorado a estabelecer uma nova relação com o conhecimento e com a sua prática.

A formação docente que preconizamos, é compreendida em seu aspecto

fundamental para a concretização de uma educação cada vez mais preocupada com o

político, o histórico e o social. Deverá proporcionar aos docentes o desenvolvimento de

habilidades críticas e de investigação da própria realidade.

Estando bem fundamentada teoricamente deve objetivar o desenvolvimento do

fazer pedagógico buscando atender as necessidades educacionais e sociais dos envolvidos

no processo educativo levando-os à condição de sujeitos de suas histórias.

No nosso entendimento, a formação continuada deve estar a serviço da

aprendizagem do aluno, ou seja, deve trazer em si, o objetivo de levar o professor a

reconhecer as singularidades dos alunos e a partir daí elaborar estratégias de ação que

favoreçam a aprendizagem.

Nesse sentido, Tacca (2012) afirma que as estratégias pedagógicas são recursos

externos dos quais o professor utiliza e terão a função de manter a motivação dos alunos

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300334

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despertando neles a vontade de aprender. Porém, não se restringe à busca do

conhecimento, mas deverá possibilitar o desenvolvimento do ato de pensar, processo no

qual o aluno tenha a possibilidade de reelaborar o conhecimento.

Considerando a possibilidade de elaboração e reelaboração de conhecimentos

tanto por parte dos professores como pelos alunos, entendemos que a formação que vem

de fora da escola dificilmente irá atender as reais necessidades que surgem do contexto

escolar com suas especificidades. Ela poderá apenas se constituir em uma formação

reprodutora que não trará grandes impactos na prática, nem no modo de pensar dos

professores e nem tão pouco no modo de aprender dos alunos.

Pensando na formação que venha efetivamente possibilitar a geração de novas

práticas docentes, Nóvoa (2009, p. 06) afirma que “[...] é preciso passar a formação de

professores para dentro da profissão” e acrescenta dizendo que “não haverá nenhuma

mudança significativa se a ‘comunidade dos formadores de professores’ e a ‘comunidade

dos professores’ não se tornarem mais permeáveis e imbricadas”.

É partindo dessa ótica que defendemos a formação dentro do espaço escolar, a

partir das questões que brotam do chão da escola, numa perspectiva crítico-reflexiva

fortalecendo o trabalho coletivo e mobilizando conhecimentos que se constituirão não só

em um importante salto no processo pedagógico, mas também em um exemplo de

responsabilidade e de compromisso com a comunidade escolar e a sociedade de modo

geral.

Nesse sentido, a reflexão partilhada coletivamente não será apenas uma mera

palavra escrita no Projeto Político Pedagógico, será concreta. Nenhum professor se

resignará com o fracasso dos alunos, ao contrário, iniciará um movimento real no sentido

de efetivar a melhoria da qualidade do ensino e a mudança da prática docente na busca

pela efetivação da aprendizagem e da transformação da realidade social.

Ao defendermos a formação continuada nessa perspectiva não estamos afirmando

categoricamente que esse é o modo de se formar professor, mas umi modo de formação

que pode gerar a reflexão dos professores sobre o próprio trabalho, conscientização crítica

a respeito da sua condição de agente socialii e favorecer ainda, a criação de novas

estratégias de ensino que possibilitem a aprendizagem dos alunos numa perspectiva

emancipatória.

O Projeto de Pesquisa, a formação continuada docente e a possibilidade de

implementação de novas práticas pedagógicas.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300335

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O Observatório de Educação – CAPES – é um projeto de pesquisa interventiva

iniciado em 2010 e atua em seis escolas de três Coordenações Regionais de Ensino da

Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Tem por objetivo investigar as

bases epistemológicas das concepções e as práticas de alfabetização e letramento e de

desenvolvimento humano presentes na escola e sua implicação nos resultados escolares,

tendo como referência os dados da Provinha Brasil e do IDEB.

De maneira mais ampla procura investigar as concepções de alfabetização e de

desenvolvimento humano que subjazem às práticas pedagógicas e à cultura escolar que

envolvem crianças que são reconhecidas com dificuldades de aprendizagem.

Ele está organizado em dois momentos distintos, mas que se interligam e

complementam, um momento de intervenção nas escolas e um momento de estudo e

discussão das ações, tensões e avanços nos processos interventivos e formativos

impulsionados pela pesquisa.

A Escola Pesquisada

A Escola Classe Arvorecer pertence à rede pública de ensino do Distrito Federal,

localiza-se em área urbana, possui uma boa estrutura física, tem uma equipe gestora

bastante atuante, que viabiliza recursos e materiais para a implantação e implementação

de projetos.

As turmas nas quais realizamos a pesquisa estão compostas por uma média de 28

alunos do segundo ano do ensino fundamental que apresentam dificuldade de

aprendizagem no processo de alfabetização, e são indicados pelas professoras.

Uma das turmas iniciou o ano letivo sem professor e teve no decorrer do primeiro

bimestre um revezamento de professores. Ora assumia uma professora do turno contrário,

ora uma das coordenadoras, ora os alunos eram dispensados, esse fato dificultou em

princípio nosso trabalho, pois não conseguimos sistematizar as intervenções. A outra

turma tem como regente uma professora que participa do projeto de pesquisa desde o

princípio, fato que possibilita o planejamento de acordo com as necessidades apontadas

por ela.

Considerando que todo início de ano letivo há o processo de escolha de turmas no

qual o professor tem a possibilidade de escolher a turma em que vai atuar, foram várias

as professoras que fizeram parte da nossa pesquisa. Apenas uma das professoras está

conosco desde o princípio. Vamos chamá-la aqui de professora “Rosa”.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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Os encontros

Durante dois anos e meio do projeto sendo desenvolvido na escola percebemos a

necessidade de realizar um trabalho junto às professoras, pois como pesquisar práticas de

alfabetização e letramento apenas atendendo os alunos com dificuldade de aprendizagem?

A prática e a formação docente seriam para nós alvo da nossa pesquisa e geradoras de formação

por sua própria demanda.

Assim, em 2013, propusemos momentos reflexivos para as duas professoras que

participavam do projeto. Nos nossos encontros falávamos da nossa intenção em fortalecer

nossos laços, na intenção de compreender a dinâmica pedagógica da escola e contribuir

na implementação de novas práticas pedagógicas que viessem a favorecer o processo de

alfabetização e letramento dos alunos e não apenas os atendidos por nós.

Sempre relembrávamos os objetivos do Projeto e reforçávamos a interrelação

entre eles, o currículo e os descritores da Provinha Brasil e a importância de um

redimensionamento constante das práticas pedagógicas para ajustar o ensino às

necessidades de aprendizagem dos alunos.

Também ouvíamos os relatos das professoras em relação às suas impressões

quanto ao desenvolvimento do projeto, o avanço dos alunos atendidos e sobre as

necessidades dos mesmos para daí planejarmos nossas atividades interventivas.

A professora “Rosa” que está conosco desde o início do projeto em todos os

momentos foi a mais interativa e propositiva, inclusive abrindo espaço para realizarmos

um trabalho interventivo com toda a turma propondo atividades de produção textual

coletiva com temas também determinados por ela, de acordo com o trabalho que estava

desenvolvendo com os alunos.

Rosa sempre se posicionou de forma pró-ativa, em momento algum se colocou na

condição de vítima da clientela com a qual trabalhava, reconhecendo-se responsável para

também pensar em estratégias e ações que favoreceriam avanços qualitativos dos alunos.

Nessa perspectiva, Tacca (2012) chama atenção a importância do professor tomar

postura similar á de Rosa, não esperando as condições ideais e criando possibilidades para

a aprendizagem dos alunos, pois considerando o professor como profissional ativo, ele

deve ser capaz de gerar alternativas frente a uma atuação intencional e crítica na busca

pela concretização do processo ensino-aprendizagem.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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A partir das falas, ações e posicionamentos das professoras, voltamos nosso olhar

para os possíveis impactos que a formação continuada por dentro da escola poderiam

trazer para a inovação de concepções e de suas práticas.

Com o olhar mais atento às ações docentes compreendemos definitivamente que

deveríamos investir em momentos de formação continuada naquela escola, tendo como

objetivo o desenvolvimento de novas estratégias de ensino, junto com as professoras e a

partir das necessidades dos alunos visando uma ação crítica consciente.

A professora “Rosa” sempre se mostrou aberta às nossas proposições trocando

ideias e dialogando sobre seu planejamento, estratégias e congruências com o nosso

trabalho enquanto que as outras permaneceram praticamente alheias às nossas

proposições deixando-nos a tarefa de planejar e intervir junto aos alunos por elas

indicados.

Em 2013, fomos conhecendo o pensamento de cada uma das professoras

participantes da pesquisa, as concepções que traziam de escola, de educação, de aluno, de

sujeito, passamos a compreender suas práticas e perceber o quanto elas impactavam a

aprendizagem dos alunos, no sentido de favorecer ou dificultar o processo de

alfabetização e letramento deles. Compreendemos também que a trajetória de cada uma

inclusive a formativa, influenciava fortemente a busca por novas práticas que viessem a

favorecer o avanço qualitativo dos alunos.

Nesse período em que focamos no trabalho das professoras, conseguimos

enxergar a necessidade de se fortalecer os momentos de formação continuada dentro da

escola, para que houvesse a implementação de novas práticas pedagógicas que estivessem

de fato a serviço da aprendizagem dos alunos e da sua constituição enquanto sujeitos.

Nas palavras da Rosa

Traremos a partir daqui um pouco das conversas sobre formação que tivemos com

as professoras nos nossos encontros focando nosso olhar nas expressões da professora

Rosa:

Em um dos diálogos, ao perguntarmos se existiam barreiras na escola, nos alunos

e no trabalho pedagógico que impediam o trabalho na perspectiva do letramento, foi

unânime a resposta de que um dos fatores que não impedia, mas que o dificultava era a

falta de apoio pedagógico.

É importante lembrar que desde o início do ano letivo havia a figura do

coordenador e do supervisor pedagógico na escola. Todavia, percebemos pela fala da

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EdUECE - Livro 300338

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professora que não houve a sistematização do trabalho pedagógico no sentido de dar

suporte técnico/pedagógico aos professores.

Segundo Rosa, essa falta de momentos para planejar no coletivo a levou a se reunir

com outra professora de segundo ano para planejar, mas ainda assim, sentia a necessidade

de apoio pedagógico como podemos constatar no trecho que segue,

“A gente, assim, no segundo ano tem uma certa facilidade porque a gente, por

estar há cinco anos com segundo ano, tem uma troca muito boa uma com a

outra. Eu entro na sala dela, ela entra na minha sala, vê o que pode melhorar,

mas o que falta mesmo é a família e o pedagógico.”

A fala da professora indica que na Escola Classe “Arvorecer” os professores tem

buscado solitariamente soluções e estratégias de ação em sala de aula para superação dos

problemas que lá se apresentam e a formação continuada ainda não tem acontecido de

forma sistematizada com objetivos e estratégias bem delineadas.

Segundo Placco (2013), a rotina escolar deve servir como instrumento de

planejamento para o coordenador pedagógico se orientar e definir objetivos e metas para

a formação continuada docente, não deixando que sua atuação fique à mercê de

imprevistos.

Nessa perspectiva, Mundim (2011, p.48) afirma que “quando os coordenadores

pedagógicos adotam um caráter reflexivo e são capazes de produzir novas alternativas

frente às demandas que vão surgindo, passam a atuar como sujeitos”. Logo, podemos

afirmar que é imprescindível que os coordenadores pedagógicos da Escola Classe

“Arvorecer” se vejam e se reconheçam como sujeitos e sejam atuantes naquele espaço

dando esse suporte aos professores por meio dos momentos planejados intencionalmente

de formação continuada.

Em outro momento, refletindo sobre a formação externa e seus impactos na sua

prática pedagógica, Rosa, citando o Pró-letramento e o PNAICiii disse:

Eu fiz o Pró-letramento, agora estou fazendo o PNAIC, ele me fez pensar no

meu fazer [...] Diferenciar minha prática pedagógica. [...] Acredito que mudei

minha postura e a forma de ensinar ficaram mais fáceis e tornaram mais

atrativas para meu aluno. Saí um pouco do tradicional!.

Com o objetivo de compreendermos se havia a exploração na escola dos

conteúdos desses cursos externos, perguntamos se havia a ligação dessa formação externa

com a formação interna e seus impactos sobre a mudança de concepções e práticas no

grupo, onde Rosa respondeu:

Apesar da maioria das pessoas que trabalham comigo terem feito o curso, não

vejo ainda essa conexão, trabalhamos sozinhas ou em duplas. E se realmente

acontecesse essa conexão haveria uma maior aproximação entre os

professores, o trabalho seria mais fácil e até menos cansativo.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300339

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Como podemos constatar a partir da fala da professora, essa falta de ligação da

formação externa às demandas do cotidiano, torna o trabalho docente solitário e mais

penoso. Segundo Placco (2013), cabe ao coordenador pedagógico o papel de se posicionar

ao lado do professor numa parceria colaborativa, conectando a formação externa, ampla

e descontextualizada à formação que acontece dentro da escola, contextualizando-a, para

que venha a favorecer a reflexão, a crítica e a inovação das práticas pedagógicas.

Para que a formação continuada na escola se constitua nessa rede colaborativa,

coordenadores, professores e gestores têm que reconhecer o espaço escolar como um

espaço de formação tendo como propulsor dessa formação as necessidades que surgem

do cotidiano.

Partindo para a reflexão sobre a formação continuada dentro da escola e sua

importância, Rosa afirmou:

Ano passado fizemos um curso dentro da coordenação pedagógica e foi uma

oportunidade para troca de experiência com nossos colegas, e impulsionaram

também uma maior aproximação e favoreceu uma reflexão sobre nosso fazer

pedagógico. Buscamos estratégias para melhorar a aprendizagem dos discentes

e esse ano percebemos o crescimento dos mesmos. Acredito muito quando as

pessoas envolvidas buscam melhorar o seu trabalho em prol do outro.

Analisando a fala da professora, percebemos que apesar dela considerar a

importância da formação dentro da escola para a troca entre os pares, há o entendimento

de que a formação continuada se dá apenas nos momentos de cursos oferecidos na escola

e não em todos os momentos planejados e organizados pelos coordenadores pedagógicos.

Nesse sentido, Placco (2013) aponta que para que as escolas se constituam como

espaço significativo de formação continuada, os professores devem ser considerados

profissionais e não alunos, ou seja, “profissionais com uma responsabilidade social

definida por sua profissão, que é ensinar” (p. 73).

Os coordenadores pedagógicos devem estar cientes da sua função formadora e sua

responsabilidade de impulsionar tal processo e ambos, coordenador e professor devem

compreender que a escola é lócus privilegiado para a formação continuada e que essa

deve vir com o objetivo de impulsionar a reflexão, a crítica, novas concepções e novas

práticas pedagógicas.

Refletindo a respeito da formação continuada dentro da Escola Classe

“Arvorecer”, a professora Rosa acredita que ela só acontecerá quando houver a

“valorização da coordenação, pois muitos professores ainda não valorizam como deveria

ser... espaço de trocas, crescimento, reflexão...”.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300340

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Na esteira das reflexões feitas até aqui fica claro que para que a formação

continuada aconteça dentro da Escola Classe “Arvorecer” favoreça a inovação de

concepções, de práticas pedagógicas e a transformação da sociedade, ela deve ser pensada

coletivamente, organizada pelos coordenadores tendo como matéria prima as

necessidades e as possibilidades que brotam do cotidiano da escola.

Considerações Finais

No contexto da Escola Classe “Arvorecer”, por meio da nossa observação e interação

com as professoras participantes da pesquisa, percebemos que há muitos desafios a serem

transpostos para que se concretize a formação continuada docente naquele espaço à partir

das questões que dele surgem.

Vencer esses desafios implica em transcender a concepção de escola numa

perspectiva apenas reprodutora, de que formação continuada ainda é aquela que é

instituída de fora para dentro transmitida por técnicos e que a construção de novas práticas

se darão naturalmente a partir de cursos externos à escola.

A formação continuada dentro da escola deve ser compreendida nos momentos

coletivos de troca de experiência, de planejamento e de estudos organizados e

implementados pelos coordenadores pedagógicos sendo valorizada por todo o coletivo.

Sentimos que os professores da Escola Classe “Arvorecer” estão no caminho de

compreender a importância de ver a escola como espaço de produção e disseminação de

conhecimento elaborado. Local onde a formação é construída a partir do diagnóstico das

suas necessidades e possibilita o agir profissional, oportunizando a inovação das práticas

pedagógicas com o intuito de atender as necessidades reais da sociedade, indo ao encontro

do ensino e da formação de sujeitos capazes de se posicionarem criticamente diante de

situações que socialmente se impõem.

Compreendemos que a formação que é pensada em nível macro pode contribuir

com a inovação na prática do professor, mas ela tem sido pouco impactante justamente

por não considerar as especificidades do ambiente, do coletivo docente, do grupo de

alunos e da comunidade na qual a escola está inserida. Dessa maneira, tem se configurado

na maior parte das vezes em ações mecanicistas e lineares, não trazendo os conhecimentos

à contextualização.

Com esse trabalho, nossa intenção enquanto pesquisadores é justamente tentar

despertar no grupo, a necessidade de contextualizar conhecimentos, é suscitar

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300341

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questionamentos a respeito da formação continuada docente que “recebemos” e

confrontá-la com a formação continuada por dentro da escola, suas perspectivas, suas

possibilidades e suas limitações. Além de favorecer a clareza na visão da importância de

se constituir momentos de formação no espaço no próprio espaço escolar, repensando-o,

reconfigurando-o em função da aprendizagem dos alunos e da transformação da realidade

que hoje vivemos.

Referências bibliográficas

MUNDIM, E. D. A. A constituição do sujeito coordenador pedagógico. Brasília:

PPGE/UnB, 2011. Dissertação de Mestrado.

NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. A formação permanente, o papel do coordenador

pedagógico e a rede colaborativa. In.: O coordenador pedagógico e a formação

centrada na escola. Orgs. ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria

Nigro de Souza. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

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2012.

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das concepções do mundo da escola e dos alunos. In: SILVA, F. de C. T. & KASSAR M.

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Oeste, 2012.

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professores: um campo de possibilidades inovadoras. In: VEIGA, Ilma Passos

Alencastro; SILVA, Edileuza Fernandes da (Orgs.). A escola mudou. Que mude a

formação de professores! Campinas, SP: Papirus, 2012. p. 13-34.

i Grifo nosso. ii Segundo Veiga (2012), o professor “agente social” é aquele consciente da necessidade de articular dialeticamente, as

diferentes dimensões da sua profissão: a científica, a técnica, a político-social, a psicopedagógica, a ética, a estética e

a cultural, afim de atender às necessidades dos alunos provenientes das camadas mais pobres da população (p.21). iii Pró-Letramento é um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem

da leitura/escrita e matemática nos anos/séries iniciais do ensino fundamental.

PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é de iniciativa federal assumindo o compromisso de

assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.

Para isso tem oferecido formação e bolsa para os professores alfabetizadores.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300342