a filosofia do iluminismo - resenha

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A Filosofia do IluminismoNesta obra, Ernst Cassirer contrape a viso dos classcos e dos iluministas sobre os problemas fundamentais da Esttica. Esta resenha refere-se apenas ao captulo sobre este assunto.

A era iluminista trouxe a razo para descrever todas as coisas e no poderia ser diferente com a arte. A empolgao trazida com o florescimento da geometria, seduzia os pensadores a definirem regras para criar obras de arte. Os crculos do gematra so sempre os mesmos porque descendem da mesma frmula construtora. Da mesma forma, toda obra de arte teria um mesmo significado para seus apreciadores e quanto mais ela se deixasse revelar, seria melhor. Isso era o ideal de beleza desses homens.

Era o incio da consolidao da esttica como nova disciplina filosfica. J que o sculo das luzes tem a glria incomparvel de ter unido obra crtica obra criadora, ento a esttica tambm veio acompanhada de uma nova forma de criao artstica. Alm disso, o autor do texto ressalta que no sculo XVIII, h uma coincidncia perfeita entre os ideais cientficos e os ideais artsticos. Realismo na pintura, razo na fsica. No entanto, muito antes de Kant criticar a razo, j haviam artistas contestando essa forma de tratar a realidade. Um deles o prprio Shakespeare e suas peas imprevisveis, com Hamlet trazendo a revolta para a corte e com o casal suicida apaixonados e cegos.Mesmo havendo casos isolados, os pensadores da poca concordavam que deveria haver mtodos precisos para a criao e apreciao da arte. Assim, a obra se tornaria universal, tal qual os demais enunciados cientficos que eles se esforavam para criar. Desvinculando a obra de arte do prazer que ela causa no seu contemplador, que no passa de mera idiossincrasia, os clssicos queriam revelar sua realidade atravs de mtodos analticos. Comearam por quebrar as notas musicais das melodias. Verificar de quanto em quanto tempo, elas se repetem e com que intensidade. Assim, estariam chegando essncia da obra, para que ela pudesse ser imitada e ensinada sua gnese.A idia era libert-la dos limites da intuio e da imaginao. Dando o instrumental genrico ao artista, ele poderia criar alm de suas prprias limitaes pessoais. Erro cabal dessa teoria. Sem imaginao, no h obra de arte. preciso tanto imaginao do artista para conceber um modelo mental da obra, quanto do pblico que precisa imaginar o que est sendo transmitido com aquela coisa. Os prprios clssicos entram em contradio ao reconhecer a atratividade da fantasia, do imaginrio. Eles atribuam esse fator nico da obra de um artista a um dom especial, que acompanhava o artista desde o nascimento. Arte no era pra qualquer um. Para esses homens, a natureza tem um significado mais funcional do que substancial, ou seja, a essncia das coisas est na funo delas, no na sua prpria subjetividade. Na verdade, natureza era tomado como sinnimo de razo (tudo razo). Por isso, a obra de arte precisava se fazer entender, ser clara e concisa. O belo deveria ser simples e verdadeiro. A beleza no se deixa abordar, seno pela verdade. Se isso fosse seguido, previam, os teatros ficaro lotados. Ao tomar uma medida emprica como essa para julgar a qualidade de uma obra de arte, os clssicos se afastam de sua razo universal para enveredarem-se por uma filosofia do senso-comum.Porm, a teoria do classicismo francs nunca se disps a fazer isso, porquanto no se apia no uso cotidiano e banal do entendimento, mas nas faculdades supremas da razo cientfica. Por isso, quando eles relacionam o gosto ao bom senso, na verdade querem evitar discusses subjetivas. H um dito popular que diz que gosto no se discute. Mas porque no? Porqu difcil! E isso que uma nova corrente da esttica quer fazer com Diderot e outros. Embora no haja como encontrar padres de gostos precisos entre os homens, possvel encontrar similitudes. Cada gosto est limitado ao que os homens tem em comum, ou seja, ele varia dentro de uma amplitude limitada. Em certos lugares do mundo, uma mulher de pescoo comprido considerada bonita pela sociedade, mas em outras no. Esse gosto foi adquirido por cada membro da sociedade atravs da sua cultura.O gosto ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo. Subjetivo porque repousa no sentimento individual e objetivo porque resultado de centenas de experincias factuais.Mas o que essa corrente frisa mais que a obra de arte no um produto de significado nico, como queriam estabelecer os clssicos. Pelo contrrio, quanto maior a multiplicidade de significados, mais belo. A expresso que importante, no o contedo do pensamento do artista. Primeiramente, o foco das reflexes desses pensadores foi na impresso que a obra de arte causa no seu contemplador. Diderot prope a esttica emprica, onde o entendimento ocupa o lugar que a razo ocupava na esttica clssica.Porm, apesar de criticar a racionalizao extremista de outrora, os tericos dessa poca no descartam as regras de criao, j que a esttica no deve ser entregue ao acaso e ao arbitrrio.No desdobramento da teoria esttica, Shaftesbury comea a dar passos definitivos para o estabelecimento da Esttica como filosofia autnoma. Inspirado pela Renascena, ele desloca o centro das atenes dos estticos da fruio para o ato da criao. Sua nfase na espontaneidade da criao artstica. Por isso, a criatividade do gnio artstico indescritvel e muito menos analisvel. Alis, ele confere ao gnio a autoridade de quebrar todas as regras e impor novas. O gnio responsvel pela renovao do pensamento e da arte. E genial aquilo que supera o comum, inova. Apesar de concordar com os princpios de Shaftesbury, Dubos traz de volta o centro para a fruio e toma quase que como medida nica para a obra de arte a excitao que ela causa no seu fruidor. Para ele, a emoo de ver um pintura anloga a de ver uma execuo sumria. Quanto mais chocante, melhor. A obra de arte se torna um espetculo. Dubos era categrico, afirmava que os homens sofrem mais por viver sem paixes do que por causa de suas paixes que os fazem sofrer.Em seguida, vem Baugartem e diz que devemos nos ater as impresses, mas no trat-las como nico fator. Este homem o responsvel por sistematizar a esttica, liberando-a da lgica e metafsica tradicionais. A intuio, to rejeitada pelos clssicos, agora faz parte da criao, mas obedece a uma certa lgica. Intuio nada mais do que um clculo inconsciente e inesperado baseado em experincias anteriores. E as paixes, consideradas como perturbaes da alma pelos cartesianos, agora o motor da vida. Baugartem concorda com Dubos nesse ponto: no h como fazer arte sem uma boa dose de paixo. Como podemos ver, os pensadores iluministas foram paulatinamente aprendendo a relativizar os conhecimentos, tornando-os mais parecidos com o prprio homem, que convive com a dualidade o tempo todo.

Esttica 1. Esteticizao e esttica. Creio que se pode dar a volta a um verbete destes comeando com os problemas de que se supe padecer a coeso social com o multiculturalismo. Vamos, ento, a um diagnstico actual. O da esteticizao, presente em quase todos os relatrios sobre a condio ps-moderna, que vo grosso modo da mercadoria como espectculo ao auspicioso amolecimento dos fundamentos metafsicos da modernidade. No sem assumir a debilitao intensional da designao esttica, Wolfgang Welsch d-nos conta do lifting generalizado do espao vital, o qual assumiria as dimenses de uma compulso. Fossem as sociedades ocidentais capazes de agir como seria seu desejo, e acabariam transformando os ambientes urbano, industrial e natural num cenrio hiperesttico. (1997: 2) A realidade esteticamente mobilada, o hedonismo a nova matriz cultural, a esteticizao uma estratgia econmica (antes da programada obsolescncia dos produtos os tornar inusveis, j eles esto esteticamente out); e a esta esteticizao universal, em superfcie, junta-se uma esteticizao fundamental, em profundidade: a simulao no cumpre funes imitativas mas produtivas que descobrem a realidade como infinitamente malevel (novas tecnologias); a realidade social no menos virtual e moldvel, graas aos media; e surge o homo aestheticus que aperfeioa o corpo e espiritualiza a alma: as atitudes face a questes de prtica e de orientao moral so esteticizadas por princpio, e integram estilos de vida. Welsch conclui por uma condio geral:Em ltima instncia, a esteticizao da conscincia significa que no discernimos j primeiros ou ltimos fundamentos, mas antes que a realidade para ns assume uma constituio que at agora s conhecamos da arte - a do ter sido produzido, do ser mudvel, do no ser obrigatrio, do ser suspendido, e assim por diante. (id.: 8)Tem o texto de Welsch vrios implcitos e explcitos de muito interesse para o verbete. (i) A esteticizao em pauta introduzida pelos itens do chic, da elegncia e da animao. Assim se puseram todas as shopping areas na moda, sem exceptuar subrbios e reas residenciais protegidas. Fica implcito um contraste com o fim de Oitocentos - quer com os castelos feudais da nouveaut, quer mesmo com zonas destinadas ao divertimento popular do tipo do Crystal Palace de Sydenham. (Martins, 1951: 13, 66 e ss) Como acontece com muitos outros, o contraste tem interesse pela existncia de um mesmo objecto, porventura diferentemente configurado. No caso, o meu objecto a mercadoria em destaque esttico durante o tempo de exposio. Lembraria, em primeiro lugar, a saturao luminosa das mercadorias apresentadas para venda pelo dono do grand magasin Bon March, um dos castelos da nouveaut, ou que o comerciante D' Avenel (cf. Sennett, 1976) fazia brotar a fasca metafrica, forando proximidade fsica mercadorias dissimilares: suspendia-lhes assim a utilidade e tornava-as inesperadas e excitantes (sublinho termos que aparecem no texto de Welsch como predicados da esttica e da esteticizao). Em segundo lugar, cabe-nos ainda a evocao de lugares como o Palcio de Cristal onde se expe para efeitos de educao e entretenimento a riqueza das naes. A, dado o objecto fruio universal das massas sem materialmente se dar, a catedral popular (termo de Oliveira Martins) funciona como um imenso bazar platnico. (de Cauter, 1993:9) Tal como a mercadoria em geral, o exposto reserva a sua presena autntica e volta para ns o fac-simile.Nos dois casos, a esteticizao limitada: privilgio de classes mdias no primeiro; restrio a uma contemplao da metfora da riqueza das naes e num lugar especificamente reservado para tal efeito, no segundo caso, que o das massas. Nem toda a superfcie, nem toda a profundidade; mas j a mercadoria, a esteticizao e o consumo (quando uns consumam com a barriga, tiveram todos de consumir com os olhos). (ii) Welsch deixa meio explcita, como comparticipante na esteticizao, a existncia de um processo de desclassificao que produz clssicos para as massas, ou seja, para uma audincia heterognea, que ultrapassa limites de classe e de idade. A esteticizao quotidiana aparece-lhe assim como uma pardia das vanguardas, por isso que as massas continuam a no produzir, e que as no toca como arte o que artistas de vanguarda se propem classificar como arte. As massas s recebem o que era arte. A esteticizao um agente de perpetuao de contedos abandonados que foram outrora sinais de arte: atributos estticos tradicionais so despejados na realidade, e a vida quotidiana adquire um carcter artstico; a esteticizao corresponde quando muito aos velhos programas de esteticizao la Schiller, Programa do Idealismo Alemo, Werkbund e similares. Welsch fala mesmo em aprofundamento do Kitsch. (Welsch, id.: 3)(iii) Welsch deixa explcito que nesta esteticizao a esttica substitui a moral: num mundo onde esto a desaparecer as normas morais, maneiras e etiquetas - a correcta escolha do copo e do acompanhamento convenientes a uma dada ocasio - parecem resistir sem esforo e com firmeza. A competncia esttica - difundida por revistas de estilo de vida e adquirida em cursos de etiqueta - sublinha a perda de padres morais. (id.: 6)(iv) Welsch ope esteticizao uma objeco legtima, por isso que provm da esttica. Seria uma lei bsica desta disciplina a impossibilidade de viver e perceber o belo de forma permanente. A esteticizao universal e fundamental antev-se anestesia: onde tudo se torna belo, nada pode ser belo j - a excitao continuada conduz indiferena. (id.: 25) Existem, portanto, razes estticas a favor de uma interrupo da esteticizao. Muito nitidamente se deduz que as razes estticas so razes humanas e visam mesmo um retorno de padres morais. Sem deixarem de ser estticas. Face a uma completa anestesia futura, Welsch prope o diferimento e at a anestesia que transparecem nos juzos (um tanto caricaturais) da classe esteticamente competente (a dominante): como se v do material de entrevistas que Bourdieu fez desembocar em La Distinction, as classes dominantes - ou seja: educadas -, distinguem-se por uma relao com o belo que se atm forma em funo do desinteresse, e que difere o prazer at ao prazer nenhum. So, por assim dizer, kantianas sem nunca terem lido Kant. (cf. Bourdieu, 1979)(v) Welsch quer fazer do esttico o conatural crtico da relatividade e do pluralismo. Invoca muito precisamente os valores da tolerncia. preciso sensibilidade s diferenas. A sensibilidade da competncia da esttica, como a anestesia o da esteticizao. (id.: 26-7)Welsch espera to somente efeitos oportunos mas indirectos da esttica; mas obviamente sabe que a oportunidade dos efeitos decorre da educao. Como se v, e tendo o relativismo como um dado sem contorno possvel, a esttica - ou antes a sua presena pedaggica - chamada a contornar o incontornvel (de forma indirecta e diferida, decerto; mas decerto tambm como se supe o belo receber-se): este suplemento peculiar no elimina o pluralismo; pelo contrrio, vai-lhe dando condies de universalidade por isso que o tornaria universalmente aceitvel. No soa aqui uma no muito longnqua campainha? A campainha kantiana daquele juzo de gosto que se oferece ao assentimento geral (e que provavelmente se acha no direito de o esperar pelo muito desinteresse que ao juzo acompanha)? Entramos nos domnios, creio, dos melhores Estudos Culturais e adjacncias: multiculturalismo e pluralidade de valores ou de regimes de valor. Como se sabe, John Frow prope-se naturalizar escolhas e juzos no interior de regimes de valor. Regime de valor uma expresso que atribui a cada comunidade o regime holstico e tribal, potico ou esttico, que dificilmente poder ter de facto. O valor torna o scio da comunidade expressivo da comunidade. Frow pode assim apresentar-nos comunidades to diferenciadas e auto-sustentadas que peam mediao por equivalncias de valor, por isso que no se produzem meramente escolhas ou juzos. Juzos e escolhas passam a valer valor. O valor transformou-se numa globalidade comunitariamente articulada - um todo que em outra comunidade encontrar decerto o seu todo equivalente e contraposto. (cf. Frow, 1995) Na verdade, o ensasta que, tendo suposto uma pluralidade de comunidades autofinalizadas, descreve universais contingentes de valor, tambm a figura do todo social-nacional como estrutura paradoxal que as abrange (nestas condies, eu juraria que estrutura um uso paradoxal; e que, justamente, no haveria tal coisa como uma estrutura, e to positiva que pudesse ser ainda paradoxal). O mesmo fazer notar a individualidade abrangente do ensasta, que se supe habitante de um todo nacional: no scio de um regime de valor, mas cidado de uma estrutura paradoxal do valor. Na medida em que estas descries, desde os regimes de valor equivalncia entre regimes de valor, so de facto moduladas nos territrios da esttica, interessante que Eduardo Prado Coelho d um seu assentimento estrutura paradoxal (que vai at ao incremento do pluralismo dos regimes de valor), por impossibilidade democrtica de proceder de outro modo - e encontre uma excepo e uma objeco precisamente no domnio da esttica. Cite-se pelo interesse:Em democracia (...), depois dos resultados de uma consulta eleitoral, eu devo suspender a paixo das minhas convices para aceitar provisoriamente as razes dos outros. Provisoriamente. Mas ter isto sentido no plano esttico? Poderei adiar e suspender as minhas paixes? A questo colocada por John Frow (apoiando-se em Steven Connor) nestes termos: praticamente possvel viver com uma estrutura paradoxal do valor como transcendncia imanente, como um sistema de universais contingentes? E, no entanto, ser praticamente possvel no viver deste modo?. No valor, como no amor, o juzo eterno enquanto dura. (Coelho, 1998: 8)O excerto notvel. Obviamente, o que Coelho quer encontrar um valor absoluto, como se se no pudesse em absoluto viver (e se tem afinal de viver, aceite o argumento) numa estrutura paradoxal de valor. E procura-o na esttica, onde o valor, absoluto por produzido por um regime de valor, no seria absolutamente relativizado por dezenas de outros valores absolutos. As paixes polticas so diferidas; e tomamos, dir-se-ia, prazer no prazer dos outros, cujas paixes a consulta eleitoral transformou em razes (suspensas, tambm so razes as minhas). Mas, ao revs, e singularmente, no plano esttico sou um indivduo com paixes, cujas so inadiveis e inabrogveis. E quando o articulista conclui, equiparando valor e amor, descobrimos que o valor talvez tenha o seu paradigma no valor esttico, por omisso do adjunto. E o que mais: o valor, se tem valor de paixo, necessariamente cego e v segundo a sua lgica. Finalmente, se tudo isto, invocada a consulta eleitoral, no era realmente necessrio, as eleies e a democracia, estando onde esto, asseguram representao e representatividade suficientes. Adiam as paixes polticas, representadas em diferido como razes; e para sempre adiam as paixes estticas para a inadiabilidade que seria o mais prprio delas. A democracia , afinal, um garante das paixes, do valor das paixes e do valor passional de todos os regimes de valor. Possui uma no reconhecida qualidade esttica.A intromisso no cenrio do cidado democrtico enquanto esteta, e depois de apurados os resultados da votao, muito significativa. Mas, a meu ver, ainda mais significativa a cegueira ao carcter esttico (invoquem-se todos os bons autores, Kant includo) desta estrutura paradoxal do valor como transcendncia imanente, como um sistema de universais contingentes. Assegurado o comum pela consulta, Eduardo Prado Coelho opta pelo individual. A exemplaridade negativa de uma esttica de paixes, suposta irrazovel, mas tambm ela garantida pela consulta, no se lembra j da sua destinao ao comum. Outrora, lembre-se, a paixo em si supunha-se que no fosse mais do que equivalncia de valor. A diferena entre a paixo poltica e a paixo esttica resulta de um efeito de sobrescrita que d o lustro esttico paixo esttica. Provisrias ambas, a segunda autofinalizada pelo brilho do paradoxo. a esteticizao que faz a esttica.Tornemos agora a Welsch. E no apenas (o revestimento esttico nele uma forma de auto-iluso, antes de ser um passe de ilusionismo) para lembrar que a tolerncia (ou j agora a consulta eleitoral que nos deixaria tranquilamente a ss com as nossas paixes estticas) pe fim persecuo e ao medo, mas no uma frmula para a harmonia social. (Walzer, 1997: 98) E frmula de harmonia social era tambm, pela inevitabilidade e pelo todo que se lhe imagina, a vida em estrutura paradoxal de valor.Welsch exibe uma f notvel nessa esttica que faria de cada indivduo uma representao sensvel da diferena do outro indivduo. Talvez pela esteticizao que a atropela, est-se convicto de que a esttica existe. Como no divisamos a sua feliz espontaneidade, ou como pde ela deixar-se atropelar? Devemos educar-nos em esttica, mas somos seres estticos? Paradoxalmente, a esttica no seria coisa esttica, por isso que no seria coisa feita.Creio que Welsch responde a uma demanda do mercado (multi)cultural assente na convico de que todos tm direito no apenas a representao (as consultas eleitorais esto l para isso, ao menos formalmente), mas tambm a uma boa representao: a uma representao melhorada. Espera-se ento da arte que seja esttica, i. e.., que nos represente em nativos do nosso regime de valor, mas que o retrato saia favorecido em termos de outros regimes de valor. A representao melhorada implica que no h uma pluralidade de regimes de valor que ao comprido se estendam num espao nacional ou equivalente, de forma assaz paratctica, e equivalentes todos em valor. O regime de valor, e a estrutura paradoxal do valor, so eufemismos activamente deceptivos. Designam de facto as comunidades culturais que tm menos valor e para quem faz sentido o que nas outras se percebe como um retrato valorizado. E regimes e estrutura so j representaes de favor. H assim um todo, concedo que paradoxal, que resulta de relaes de dominao. Supostas em regime de valor, as comunidades esto afinal desde sempre em relao hierrquica com outras comunidades dominantes e dominadas, e desde sempre se acham interna e externamente hierarquizadas por regimes de classe, classificao e representao. tambm por isso que a esttica que Welsch encontra , mutatis mutandis, o programa schilleriano por si to derrogado em termos de esteticizao e reencontrado agora como esttica, e, ao que me parece, repetindo uma certa distino entre necessidade e facto, com uma acrescida cegueira para o facto. O responsvel da cegueira o realismo que do exerccio da faculdade esttica to-somente espera efeitos moderados e indirectos. Welsch apoia-se assim na necessidade. Encerra Schiller o Sobre a Educao Esttica deste modo: Existir porm um tal Estado da bela aparncia, e onde poder ser encontrado? Como necessidade, ele existe em cada alma finamente modelada; como facto, estaramos inclinados a encontr-lo (...) apenas em alguns crculos selectos, onde o comportamento dirigido no pela imitao superficial de costumes alheios mas sim pela beleza de uma natureza prpria, etc. (Schiller, 1994: 102) No facto, limitativo, volta-se necessidade, designada agora por a beleza de uma natureza prpria. esta necessidade que Welsch postula onde s se veria esteticizao. Para produzir efeitos (por opo realista, indirectos), a esttica teria de existir porque dela temos necessidade. Na ausncia de socialidades especficas, nota-se que, alm do mais, a teraputica proposta contra a esteticizao vai imaginando esta como democracia: um social desierarquizado e desarticulado em indivduos-comunidades diferentes mas equivalentes, e apenas com necessidades de apreciao. A apreciao junt-los-ia.Analogamente, a atribuio de regimes de valor de que decorreriam equivalncias de valor, permite a sua revisitao em termos de com-paixo esttica. E, inegavelmente, de uma esteticizao apenas moderada pela menor dimenso passada da riqueza das naes.2. Esttica clssica e proto-esttica. Quando Terry Eagleton inaugura The Ideology of the Aesthetics com a afirmao de que a Esttica nasceu como um discurso do corpo, (Eagleton, 19978: 13) procura no corpo um polo de convenincia para opor razo. Mas o que refere como corpo quando muito um domnio menos irrespirvel do que o do pensamento conceptual. Este corpo no nietzschiano ou bachtiniano. A esttica -nos to-s apresentada como corpo para ser sintoma de umas primeiras resistncias do materialismo primitivo - i.e., do inconsciente - tirania da razo. (id.: ibid.) Ora, em Baumgarten, o pai fundador da disciplina cujo pensamento se interpreta na sequncia desta apresentao, essa narratio no colhe, por isso que a esttica se apresenta como cincia da cognio sensitiva; e se, como nota Welsch, (id.: 40) para o fim da Aesthetica o autor derroga a verdade conceptual, por abstracta e empobrecedora face a uma realidade que sempre individual, a verdade que, antes de nos propor a faculdade esttica como advogada de defesa do individual (ou do particular: escreve Eagleton a tirar proveito do equvoco), a apresentou senhora da corte (a razo) como prestvel servidora. (id.: ibid.) E mesmo a derrogao configura uma prestao de servios.Estas figuras polticas esto de resto em acordo com outras que dominam o discurso de Eagleton: assim, a esttica nasce disciplinada num contexto de absolutismo poltico; procurada e inventada por uma burguesia intelectual constrangida pelas polticas mercantilistas da nobreza (indstria controlada pelo estado e comrcio protegido pelos direitos alfandegrios), esmagada pelo poder das cortes, alienada das massas populares, e sem influncia como classe na vida nacional. (Eagleton, id.: 14). Em consequncia, o corpo um sbdito que faz questo em se afirmar paciente, razovel e fidelssimo. A sua poltica a esttica:Nada receeis pela realidade e verdade se o elevado conceito da aparncia esttica (...) alguma vez se generalizar. No se generalizar enquanto o ser humano ainda for suficientemente inculto para poder abusar dele; e se se generalizasse, tal facto s poderia ser ocasionado por uma cultura que impossibilitasse simultaneamente qualquer abuso. Aspirar a uma aparncia autnoma exige mais capacidade de abstraco, mais liberdade afectiva e mais energia volitiva do que o ser humano necessita para se limitar realidade, tendo ele j de ter deixado esta para trs se quiser chegar quela. (Schiller, 1994: 96) Tranquilizai-vos: a realidade pouca coisa para o exerccio de uma tal vontade. Ou seja: a aparncia autnoma uma aparncia de autonomia. O sbdito (porque no?, o indivduo) possui direito soberano unicamente no mundo da aparncia (id.: 94); e a esttica mesmo uma essencializao da aparncia, por isso que esta s esttica (quer dizer, aparncia absoluta)na medida em que seja sincera (em que renuncie expressamente a qualquer exigncia de realidade) e na medida em que seja autnoma (em que dispense qualquer apoio da realidade). (id.: 94)A esteticizao progressiva que conduz(ir) ao reino da bela aparncia - essa mesma que Schiller nos conta em estilo fenomenolgico - uma histria de domesticao, pela qual a beleza extrai o prazer livre do ser humano e a forma tranquila apazigua a vida selvagem. (id.: 84) A beleza submete at o mais insubmisso da arbitrariedade humana; e se, ao que parece, usa da frula, f-lo na medida em deve prevenir e que o ser humano tem de aprender (aqui , sem dvida, notvel o sentido que articula a oposio entre duas entidades muito conspcuas): tem de aprender a desejar de forma mais nobre, para que no tenha de querer de forma sublime. (id.: ibid.) Creio que o corpo ser o candidato mais bem situado para querer sublimemente, ser insubmissa arbitrariedade humana e vida selvagem - e, finalmente, para ser domesticado pelo belo.Nem sequer um certo leo me parece apresentvel como figura do corpo. Apreciado em seus instantes estticos (quando excepcionalmente no est submetido necessidade), vemos que se limita a encher o deserto ecoante com os seus rugidos e que a sua exuberante energia [se] compraz [assim] num dispndio sem objectivos.(id.: 97) O deserto ser ecoante para que possamos ver o leo; mas o leo que vemos em atitude esttica, e de resto j uma fora ociosa, (id.: ibid.) s decerto o vemos com o proveito desejvel apenas quando cesse o [nosso] contacto directo com o sentimento como fora e defront[emos] o entendimento como fenmeno. (id.: 100)Finalmente, deve atentar-se que com Schiller a esttica comea por ser a abjurao de um ethos de classe: A utilidade o grande dolo do tempo, a que todas as foras devem ser consagradas e que todos os talentos devem homenagear. Nessa grosseira balana, o mrito espiritual da arte no tem qualquer peso e esta, privada de todo o estmulo, desaparece do ruidoso mercado do sculo. Mesmo o esprito de investigao filosfica arrebata imaginao uma provncia aps outra, e as fronteiras da arte estreitam-se quanto mais a cincia expande os seus limites. (id.: 30-1) pelo que se diagnostica aqui que estas Cartas so ao mesmo tempo a histria universal da humanidade como esteticizao e um projecto de esteticizao. Como no lembrar a posio de Welsch face quele seu outro diagnstico? daquela histria universal que Welsch herda a faculdade esttica, para de novo a transformar em narrativa universal. Trata-se de, conhecido j o desfecho, rapidamente a repetir como ensinamento. A nova educao em esttica (tipo lio das coisas, por ser em contexto e em contacto) uma nova esteticizao que pretende recuperar a moderao da esttica original. O realismo concede ao tempo o que tempo exige: efeitos menores e indirectos. Mas h l algum realismo mais realista do que a esttica? Pois no isto o que a esttica original exige: formas de desinteresse e prazer nenhum - desejar, enfim, para no se querer?Acrescente-se agora que este topos afortunado, onde se opem beleza e utilidade, no nestas Cartas de todo utilizado em favor do sensvel e menos ainda do sensual. A esttica recomenda o ascetismo. Assim como, na obra de arte que honra a beleza verdadeira, a forma faz tudo (id.: 80), assim tudo se faz na esttica pela forma ou pro forma. A faculdade esttica um leo que se prope pregar no deserto. Apesar da denncia do demnio da utilidade (e do estado, e da especializao unilateral do ser humano), apesar do encmio da pulso ldica, no me parece que Schiller vise exactamente uma emancipao do corpo, ou que faa do reino da aparncia um bom anlogo da sociedade civil reconstruda ao rs-do-cho e no legislada de cima, como pretende Eagleton. (id.: 116) O mesmo Eagleton, apesar de tudo, ressalva a idealizao que mais depressa lana o decoroso vu da esttica sobre a no-regenerabilidade crnica da vida material muito mais do que a transfigura; (id.: 117) e, a partir do momento em que o reino da aparncia no vem disputar a realidade ao Estado, a sua constituio a partir da Natureza, e ao acaso de uma centelha, submete-se afinal s ideologias da legalidade de um absolutismo iluminado. (id.: 116) Transforma-se, digamos, num reino da graciosidade. Ora bem, na sua timidez manifesta, e mais conforme ao princpio da realidade, o que Welsch deseja - uma cultura esttica capaz de contribuir indirectamente para a cultura poltica (id.: 26, eu sublinho) - teve existncia discursiva e material de facto. A cultura esttica foi cultura poltica na Inglaterra de Setecentos e Oitocentos como um discurso poltico do corpo. A, a esttica foi muito empiricamente simpatia, senso moral ou senso ntimo, gosto, lei natural. Esta especificidade foi motivada pela emergncia de uma sociedade civil: o nus da legitimao transferiu-se para o estabelecimento de uma sociedade civil autnoma na qual o policiamento moral da sociedade pelo estado foi considerado desnecessrio para o estabelecimento de trono, religio, felicidade e paz. (Caygill, 1989: 41)Esta sociedade, que se considera capaz de autopoliciamento, a mesma a quem repugna a interveno do estado no comrcio e na indstria; e que pode dar tanto mais peso poltico a essa repugnncia quanto depende da indstria e do comrcio a riqueza da nao. de si uma harmonia, que no necessita de ser legislada ou prescrita de cima pela razo de estado. O senso moral permitiria discernir sensivelmente entre o que est bem e o que est mal, assim lanando os fundamentos de uma coeso social mais profundamente interiorizados do que alguma vez poderia conseguir uma mera totalidade racional: A moralidade vai-se assim decididamente esteticizando, e isto em dois sentidos relacionados entre si. Aproximou-se mais das fontes da sensibilidade, e diz respeito a uma virtude que, tal como o artefacto, em si mesma um fim. Em sociedade, a boa vida no se define nem pelo dever nem pela utilidade mas pela agradvel realizao da nossa natureza. (Eagleton, id.: 34)Do mesmo modo, a beleza muito de amar e admirar, por isso que tais sentimentos, considera Shaftesbury, so de extrema vantagem para a afeio social e de muito auxlio virtude, a qual em si mesma no mais do que amar na sociedade a ordem e a beleza. (apud Eagleton, id.: 35) Esta esteticizao do social, como j no legislado a priori, um topos que, remontando a Shaftesbury, passa por muitos outros moralistas, de Hutcheson a Burke e a Adam Smith. Estamos perante uma espcie de obsesso: a teoria da sociedade civil, constata Caygill, foi assombrada pelo gosto. (Caygill, id.: 37) Importa ento fazer notar que o dictum schilleriano, segundo o qual o homem esteticizado, como ser interior e uno consigo, tem no estado apenas e somente uma frmula da sua legislao interior, se adequa bem melhor a esta tradio do que tradio germnica, incluindo o pensamento expresso nas Cartas.Manifestemos a Eagleton e a Caygill toda a deferncia como experts na matria, e passemos adiante. Os moralistas ingleses e o seu discurso da autoproduo do social por uma esttica emprica encontram alguns problemas que a esttica de Schiller muito precisamente evita com a frmula algo abstracta que os designa e derroga: a utilidade. Comrcio, manufactura, mercadoria no podem no ser actividades scio-estticas; e a busca egosta do lucro no pode no ser altrusta, ou seja, bela. Como se sabe, foi daqui que nasceu a cincia da economia poltica. Nasceu como filosofia moral. Mantendo-me nos domnios da deferncia, quero apenas explorar a descrio que Adam Smith nos faz da sociedade como um todo esttico. Na Theory of Moral Sentiments, Smith considera a beleza que a utilidade lana sobre todas as produes da arte. Por assim dizer, a sociabilidade comea com a nossa aprovao admirativa da riqueza dos grandes. Este movimento simpattico divisa um todo na garantia teleolgica duma beleza da acomodao. Convence esta da perfeita adequao do objecto finalidade, como no poderia se em apreo no estivesse um todo assim contextualizado - um palcio e uma economia. Citemos:Encanta-nos ento a beleza dessa acomodao que reina nos palcios e na economia dos grandes; e admiramos como cada coisa se acha adaptada para promover o seu conforto, para prevenir s suas necessidades, para gratificar o seu querer, e para divertir e entreter os seus desejos mais frvolos. Se considerarmos a satisfao real que todas estas coisas so capazes de fornecer por si mesmas e separadas da beleza desse arranjo destinado a promov-las, no pode no tornar-se evidente que so, no mais alto grau, desprezveis e triviais. Todavia, raramente as vemos a esta luz abstracta e filosfica. Confundimo-las naturalmente na nossa imaginao com a ordem, com o movimento regular e harmonioso do sistema, a mquina ou a economia por meio da qual foram produzidas. Os prazeres da riqueza e da grandeza, quando desta forma complexa considerados, ferem a nossa imaginao como algo de grande, belo e nobre, cuja posse compensa bem do trabalho e da ansiedade.E bom que a natureza se nos imponha dessa maneira. esta decepo que d origem e pe em perptuo movimento a indstria da humanidade. (Smith, 1996: 248)Assim, Smith levado a considerar a existncia de uma desadequao moral: o ser humano acha-se ferido na raiz pela inconvenincia inaugural do objecto finalidade que, todavia, a responsvel pela sua indstria; e, na condio de no filosofarmos, s recuperamos da inconvenincia com a fico moral de uma aprovao concedida beleza, ou seja, economia dos ricos. Admir-la amar o sistema. Os ricos cumprem uma funo de exemplaridade social que de todo em todo esttica. Na contemplao admirativa e desinteressada no tanto da sua riqueza, como da economia dela, ficamos, como quem diz, isentos daquela insaciabilidade humana que fere a utilidade do artefacto. Linhas adiante surgir a celebrrima mo invisvel: os ricos seleccionam para si apenas o raro e o melhor, pouco mais consomem do que o pobre, e dividem com este o produto de todos os melhoramentos, movidos apenas pelo seu egosmo e rapacidade naturais: So conduzidos por uma mo invisvel a fazer uma distribuio dos necessrios vida quase idntica que teria sido feita, fora a terra repartida em pores iguais entre todos os seus habitantes; e assim, sem inteno e sem o saber, favoreceram o interesse da sociedade e forneceram os meios da multiplicao das espcies. (idem: 249)Notamos aqui, pese a Smith, um deslizar da utilidade para o consumo (o qual de resto deve ser tambm autolegislado) que no pode no ser gravoso para esta esttica da simpatia, e por isso que desde logo obriga a primeira a tomar vias indirectas e compensatrias, por um lado, e porque, por outro lado, obriga a sensibilidade a emigrar no apenas para artefactos, mas para artefactos especiais: grosso modo, as obras de arte, dispostas pelos ricos em sua bela economia. Digamos que a esttica emprica, j menos paradigmtica, se v obrigada a transferir para esses objectos a sua exemplaridade, que agora delegada. Refira-se que a Economia Poltica, e j com Smith, abandonar o plano do consumo e, com ele, tambm a filosofia moral.Ora bem (e muita expertise ficar em suposto), a emigrao da esttica da sociedade para a arte seguir aquele sentido que conhecemos como um confronto, na Europa de Oitocentos excepcionalmente bem marcado pelos anos ao redor de 40. De um lado, a arte, lugar legtimo do esttico, e do outro a sociedade dominada pelo monstro frio da utilidade. (vd. o prefcio Mlle de Maupin). Algo se destaca do objecto como forma. Implica isto o que Miguel Tamen descreve como a alterao do estatuto da noo de "forma" - o seu novo funcionamento tropolgico (de natureza prosopopeica): (...) a forma no apenas um substituto do homem, mesmo que reconciliado. Como escreve Schiller, a forma aquilo atravs do qu o homem se realiza na sua totalidade, o instrumento da schne Mitteilung. No se trata portanto apenas da postulao (que tanta importncia viria a ter e tem ainda) de uma linguagem das formas, que por excelncia a linguagem das solues estticas, como tambm da postulao de que a linguagem schne e portanto do todo necessariamente uma linguagem formal. (Tamen, 1991: 124)Mais proximamente, implica isto que os artefactos dos ricos venham a ser derrogados por Morris como French and Fine; que os investimentos sociais em esttica venham a ser desprezados pelos pr-rafaelitas como higiene - e que estes se proponham remover esse lixo com a linha resistente e flexvel da rectido. (cf. Rose, 1992) Nos dois casos, trata-se de promover forma, forma simples, e forma anacrnica. O inventor das Arts & Crafts esperava, por exemplo, que a arte pudesse repousar do af de escravo que arrasta o carro do Comrcio, reintegrando s suas economias a utilidade enquanto forma (simples seno asctica, autntica seno camponesa). (cf. Morris, 1983: 85, 98 e passim) Corrigindo algum tanto Miguel Tamen, tematiza-se a descoberta das artes decorativas, e inventa-se a decoratividade da arte at pura forma, ou seja, at ausncia de assunto; inventam-se no s objectos de estudo que no so seno alegorias do formal (Tamen, id.: ibid.) como artes que no so seno alegorias educativas do formal: arquitectura de Loos Bahaus e ao international style modernista; dos expressionistas de Greenberg arte pobre, etc., etc., etc.... A arte pela forma ope-se mercadoria e utilidade, tentando desviar para a felicidade a riqueza das naes. Do mesmo modo, pelos fins de Oitocentos, a sociedade passa a ser prioritariamente percebida como um formigueiro a precisar da legislao externa do Estado. E j antes Ruskin procedera a uma curiosa reinflexo da economia (poltica) para a moral (filosfica). Destemidamente declarar que a Economia Poltica no uma cincia, posto que se nos apresente como tal; falta-lhe o que omitiu do seu plano de estudos: o consumo. (Ruskin, 1866: 60) Os ricos deveriam comprar forma, ou seja, forma imperfeita, ou seja forma no-maquinal. Os ricos deveriam ser gticos: promover uma sociedade esttica onde todo o artefacto, sendo emprico e inexacto, resgatado pelo harmonioso todo que a si o integra (como uma catedral, no menos empiricamente produzida). No deveramos exultar, como demasiadas vezes fizemos, com os moldes e os polidos perfeitos da madeira e do ao temperado. So signos de escravido em Inglaterra, mil vezes mais amarga e degradante do que a do Africano ou a do Hilota. (id., 1983: 55) Demos, enfim, um nome falso grande inveno civilizada da diviso do trabalho, por isso que so os homens a ser divididos e no o trabalho - em segmentos de homem, e fragmentos de vida. (id.: 57)Dispenso-me de referir evolues posteriores, como o projecto fascista de esteticizao da poltica.3. A lei de Stanley Jevons. Voltemos agora a Smith e orgnica social, para passarmos ao Oliveira Martins de A Inglaterra de Hoje. O que quele amide permite a descrio desse organismo, como se diz, delicado, a mquina; e a mesma descrio brota de uma perspectiva desinteressada (agora esteticamente interessada), por isso que seria feita luz da filosofia e da abstraco:Quando contemplamos [a sociedade humana] a uma certa luz abstracta e filosfica, ela aparece como uma grande, imensa mquina, cujos movimentos regulares e harmoniosos produzem milhares de agradveis efeitos. Como noutra mquina qualquer, bela e nobre, que seja produto da arte humana, tudo o que tenda a tornar os seus movimentos mais fceis e suaves, extrair beleza desse efeito, e, pelo contrrio, desagradar tudo o que tenda a obstru-los: assim, a virtude, a qual o fino polimento das rodas da sociedade, necessariamente agradar: enquanto o vcio, que, como a ferrugem vil, as emperrar e as far ranger umas contra as outras, necessariamente ofensivo. (apud Eagleton, id.: 37) Em Martins, viajante em Londres na ltima dcada do sculo, oscila a mquina social entre o grotesco e o sublime terrvel, sem ganhos morais que se vejam. A mquina produz trabalho til, mas tambm usura: as suas cinzas e desperdcios so o milho de desgraados que os condensadores resfolegam constantemente no mar imenso e negro da misria, da bebedeira e do crime. E os seus fracassos so os acidentes e as perdas que todos os dias ocorrem. (Martins, id.. 42-3) A ventura feita de artifcios e esteriliza o gnio de um povo. Eis aqui a economia dos ricos, exposta de forma a no suscitar admirao aprovativa: as banheiras complicadas, as retretes sbias, as cozinhas que so laboratrios, os vesturios arrevesados; os lavatrios vergando ao peso das escovas, navalhas, tesouras, espelhos, escovas, perfumes, cremes; os armrios carregados de botas de infinitas espcies, para cada um dos momentos da existncia; as bengalas vrias para cada gnero de passeio; os sacos, as malas, os estojos, os waterproofs, as mantas, os rolos, os binculos. (id.: 75-6) A esttica emprica manifestamente adoeceu em esteticizao (e a parataxe manifesta a figura da proliferao cancerosa a que Martins muito recorre para caracterizar a sociedade inglesa).Transferindo a lei de Stanley Jevons para estes domnios, dir-nos- ele de um spleen (uma anestesia) que necessariamente advm de colocarmos o desejo em objectos possuveis, sejam eles mulher ou milho. No tardaramos, com a posse (ou, justamente, tardaramos) a reconhecermo-nos vtimas de uma fico. Assim, crematismo e doena cultural andam a compaso mesmo que sucede com o gozo, sucede com o capital, segundo vemos, e explicado pela lei de Stanely Jevons. (id.: 266) A explicao do ascetismo mais elevado; e produz-se no contexto da mais global das regresses: a do prprio texto de Oliveira Martins s fices de esttica emprica, fundadoras da Economia Poltica. A Inglaterra de Hoje um tratado de economia poltica como filosofia moral, hoje s possvel ao discurso eleitoral dos economistas e ao autor das aventuras de Dick Shade, de quem se lero com proveito e por exemplo Os 12 Trabalhos de Dick Shade. (Neves, 1997) A saciedade resulta do desacordo entre o desejo e o uso que, em Adam Smith, a um tempo pe em andamento a mquina econmica e a sua cincia; mas a saciedade vem argumentar-nos a extino do desejo no uso, e a final paragem da mquina, alis, em Martins-Jevons de novo limitada pela escassez.E eis-nos de novo prontos a regressar a uma sociedade contida pela norma econmica (i. e., pela virtude), que talvez se deva ver como Usbek v o serralho. Na mesma perspectiva esttica; na mesma perspectiva moral:Est preparad[o] mais para a sade que para os prazeres: uma vida lisa, que no estraga; tudo ali sente os efeitos da subordinao e do dever: os prprios prazeres ali so graves, e as alegrias severas; e quase nunca so apreciadas sem que seja como sinais de autoridade e de dependncia. (Montesquieu, 1989: 69)A lei de Stanley Jevons , como vimos em Welsch, aquela lei fundamental da esttica que condena a presente epidemia de melhoramentos:A esteticizao total resulta no seu oposto. Quando tudo se torna esttico, nada o j; a excitao contnua conduz indiferena; a esteticizao cai na anestesia. Existem, pois, razes de natureza esttica que falam a favor da interrupo da espiral esteticizante. So necessrias zonas esteticamente neutras no interior da esteticizao. (Welsch, id.: 25)Devo acrescentar agora o que o leitor descobriu sua conta e ainda no esqueceu. Welsch encontra a esttica na arte, com uma lio por acrscimo: a da moderna diversificao da arte. No se podem aplicar ao juzo de uma obra critrios que no pertencem sua concepo de arte; nem a todas as obras um s conjunto de critrios. metodologia de filisteu. A arte torna-se ento o lugar onde a esttica faz o que lhe compete: descobrir uma sntese antecipada do social e uma lio. Diz Welsch: O que cada vez mais uma auto-evidncia no campo da arte deveria ser tambm elevado a um padro social. (id.. ibid.) Esta auto-evidncia , como j vimos, a da pluralidade de objectos, critrios e valores; e ela deve transferir-se para a sociedade como uma lio de sensibilidade diferena. A arte o repositrio de uma verdade esttica. A moderna separao da arte e da sociedade to paradoxal que a socialidade orgnica desertou a sociedade e est contida na arte enquanto alegoria educativa do formal. Eis, mutatis mutandis, aquilo a que de Man chamou a ideologia esttica. (de Man, 1986) Ao mesmo tempo, permanece a ideia (e o facto) da irrelevncia social da arte moderna, alis, como quer Arthur C. Danto, filosoficamente assujeitada, i. e., investigando a sua essncia por sua prpria conta. (Danto, 1986)4. Concluso. Toda a esttica de matriz europeia e continental, como o corrobora o texto de Welsch, tem a ver com esta histria da modernidade. De resto, no deve ser por outros motivos que a lngua da esttica o valors.Rapidamente, a exemplaridade dessa histria, balizada por nomes de estudiosos da esttica ou de disciplinas afins. O belo foi um dom objectivo do criado que a nossa razo apreende: proporo, regularidade, consenso, unum multum, pondus, mensura... (Morpurgo-Tagliabue, 19932: 14); passaria depois para o domnio do subjectivo com Kant (1992). Mais tarde, Adorno reivindicaria o Belo natural kantiano para a Arte, (1982) e assistir-se-ia, por fim, recuperao do sublime kantiano e burkiano, por assim dizer como alegoria formal da oposio ao social. Esta, a ttulo de trao fundamental da arte moderna, acha-se hoje em dia extremamente difundida entre o pblico. (Lyotard, 1989) Em rea norte-americana, a emigrao da esttica para a arte talvez se possa contar de outro modo. Teria tido, passe a muita impreciso, o seu equivalente de uma esttica emprica no pragmatismo de Dewey, de que alis o objecto mais exemplar, por isso que os artefactos so colocados nos horizontes sociais do sentimento; (cf. Alexander, 1987) e a emigrao deu origem s discutidas e influentes teorias de Danto e Dickie, tendo o segundo postulado a existncia de um mundo da arte que o primeiro tinha apenas como um ambiente de teoria necessrio interpretao constitutiva de uma obra de arte enquanto tal. (Danto, 1981, 1986; Dickie, 1974, 1984). Com Nelson Goodman, termos uma teoria global das linguagens da arte, muito caracteristicamente assestada para a resposta pergunta quando arte?. (Goodman, 19762) Ps Dewey, a reflexo dos grandes tericos abandonou aquela crtica (da) relevncia social da esttica. Encontrmo-la em crticos como Greenberg; e reencontramo-la nalguma crtica aparentada aos estudos literrios e culturais, agora redefinidos pela Teoria grosso modo sada do ps-estruturalismo. Todavia, tambm aqui Welsch um caso de muito interesse. No parece, com efeito, que esta crtica (e aquela teoria muito menos) se proponha questionar a economia poltica das nossas sociedades; do mesmo modo, o nosso autor-cicerone aceitou (e, ao que parece, no pode no aceitar) aquela inevitabilidade econmica da esteticizao que produz a realidade por simulao, assim descobrindo a infinita maleabilidade da sua nudez real. Encerremos aqui - com esta esteticizao do processo produtivo, tentada pela filosofia moral britnica, desistida pelo Ado da economia poltica, de novo desejada por esteticistas como Ruskin, e agora inesperadamente acontecida. A esttica ganha uma relevncia social que no est em nosso poder desejar ou no desejar:Deste modo, j no pertence a esttica meramente super-estrutura, mas base. Pode ver-se que a corrente esteticizao no meramente coisa de beaux esprits, ou do ps-moderno devaneio do entretenimento, ou ainda de superficiais estratgias econmicas, mas que resulta de mudanas tecnolgicas fundamentais, dos factos duros do processo produtivo. (Welsch, id.: 5)ESTETICISMOBib.: Adorno, Theodor W.(1982) Teoria Esttica, Lisboa, Edies 70. Alexander, Thomas M.(1987) John Dewey's Theory of Art, Experience, and Nature: The Horizons of Feeling, Albany, State University of New York Press.Bourdieu, Pierre(1979) La distinction: critique sociale du jugement. Paris, Minuit.Caygill, Howard(1989) Art of Judgement, London, Blackwell.Coelho, Eduardo Prado(1998) Da Pluralidade dos Valores (2), Pblico, Leituras, 25 de Julho de 1998.de Cauter, Lieven(1993) The Panoramic Ecstasy: On World Exhibitions and the Disintegration of Experience, Theory, Culture & Society, vol. 10, n 4.Danto, Arthur C.(1981) The Transfiguration of the Commonplace. 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