cas_sirer, ernst. a filosofia do iluminismo

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Ernst Cassirer Nio como negar que todo o mundo moderno viveu e vive, ainda ho}t, sob o Impacto do Século da. Luzes. A Fbsofa do lIunimmo é uma obrl de um grande filósofo que procura compreender o pensamento iluminista na eua profundidade, "na unidade de sua fonte Int.lectual a do prlncfplo que a rege", trazendo-nos, assm, seu fescfnlo e um valor sistemático próprio. Para Isto, o C.sal,.. (1874-1945) toma a história da não como • dl scus'" de reaul1ados, fnN como a busca de. forças crtadoras que "vam tais reauftados. procurando fornecer uma " fenorMnoktgla do .apfrito filosófico". O. estudos de Casai... sobre • história dos conceHos clentfflcos e sobre as fonnas simbólicas na arte, na linguagem, no mito visam mos_ como se dê • esb'uhnção do mundo humano. Para ele, o homem pode ser definido como um animai criador de ,rmbolo•. 2! eDIC'ÃO i LO.......... .. OR. .... IÃ\ UN lCAMP .---r

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  • \~\"\\~\\,,~ Ernst Cassirer

    Nio ~ como negar que todo o mundo

    moderno viveu e vive, ainda ho}t, sob o Impacto

    do Sculo da. Luzes.

    A Fbsofa do lIunimmo uma obrl de um grande filsofo que procura compreender o pensamento iluminista na eua profundidade, "na unidade de sua fonte Int.lectual a do prlncfplo que a rege", trazendo-nos, assm, seu fescfnlo e um valor sistemtico prprio.

    Para Isto, o a~ C.sal,.. (1874-1945) toma a histria da fl~fll no como dlscus'" de reaul1ados, fnN como a busca de. foras crtadoras que "vam tais reauftados. procurando fornecer uma " fenorMnoktgla do .apfrito filosfico".

    O. estudos de Casai... sobre histria dos conceHos clentfflcos e sobre as fonnas simblicas na arte, na linguagem, no mito visam mos_ como se d esb'uhno do mundo humano. Para ele, o homem pode ser definido como um animai criador de ,rmbolo .

    2! eDIC'O

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    EDITORA DA

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    UN ICAMP

    Rtilor. J~MIII'tins Filho Coor

  • F ICH A CATALOGRFICA ELABORADA PELA BI6L IOTECA CENTRAL _ UNICAt-lP

    C273r 2.cd.

    eas.iru. HmM A fiJoeofll. do iluminiSClo I Erasl C-ira;

    ttaduio: lvaro Cal",.!. - 2 .cd. Ca.mpi:w, SP: Edi"nI ciro UNlCAMP, 1994

    (Colclo Rcpert6riOll)

    Tn.dulo de: me PhHo90phie der aufltlbung. 1. numiDi5DlO - Filosofill.l. TItulo.

    SBN 85l6ll-0232- 1 2O.CDD- 142.1

    (odiee pua CIllUogo sislc....:;rieo: I . lIu ro.inismo-Fi loaoflll 142.7

    Coleo Repert6n03

    E.~edio 6 publicada por aco:rdo

    com a Imprensa da UW VC1'Iidade de Yale.

    Todos 0$ direitos reservados.

    Projeto Grfico CamiJa C"'sorino Crum Eliana KQ~nboum

    CoonSenaio EditoriaJ C~"SiMaP. Trix&a

    Editoralo Sondm VIdro ANa

    Marco Antonio Slomni Revido ""'

    Korio ih Abn.rido ROSJini Rosa DaIva V. do~lIfO

    1994

    Editora da UWClU1lp

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    Cidade Univcrsitrill _ Dario GeraldO

    CEP 13083-970 - Campinas - SP _ Bras.il

    Te].: (0192) 39.8-412

    Fax:(OI92) 39.3U7

    A

    Max Cassu er

    por .~eu 75.0 anfversrio (18 de UUfubro de /9J2J como prova de amor e resr;(i/

  • PREFAcIO

    A pre.sente obra pretende ser simultaneamente roenos e mais do que uma monografia sobre a filosofia do ILuminismo. Em primeiro lugar, menos: tal monografia teria que se im por como tarefa, expor ante os olhos do leitor toda a riqueza dos detalhes, acompanhar em suas mltiplas ramificaes o nascimento e o desenvolvimento dos diversos peculi ares da filosofia do Iluminismo. A prpria forma da coleo "Grundrisses der philosophischen Wissenschaften" [Elementos de Cincias Filosficas1 e os objetivos a que ela se prope impedem semelhante empreendimento. No plano geral dos "Grundrisses" [elementos], no se pode ter em vista o exame e a apresentao exaustiva, em toda a sua amplitude, dos problemas propostos pela filo sofia do Iluminismo. Em vez desse programa extensivo, requer-se um outro de natureza puramente intensiva. Trata-se de compreender O pensamento iluminista menos em sua amplitude do que em sua profundidade. de apresent-lo no na totalidade dos seus resultados e de suas man ifestaes histricas, mas na unidade de sua fon te intelectual e do princpio que a rege. No me parec.: necessrio nem possvel empreender um relato pico de curso, desenvolvimento e des1ino da Filcsofia das Luzes; o que se pre

  • 1

    I

    tende, sobretudo, tornar perco!ptvel o movimento imerior que se rea lizou nela e a

  • alicerces j assegurados pelo sculo XVt1? Isso no impede que tudo o que lhe cai nas mos adquira um Oulro sent ido e abra um novo horizonte fi los6fico . Na verdade, o que ai temOs no OUlra coisa seno uma viso nova e um novo destino do movi. men ta uni versal do pensamento fi losfico . Na Inglaterra e na Frana, o Huminismo comea por quebrar O molde obsoleto do conhecimento filosfico, a forma do sistema metafsico. No acredita mais no privilgio nem na fecundidade do "esprito de sistema": v neste no a fora mas o obstculo e o freio da razo filosfica. Entretanto, ao abandonar o esprit de systeme, no bater-se COntra ele, nem por isso o Iluminismo renuncia ao spriJ systtmatique. tiO qual pretende, pelo contrrio, incutir mais valor e eficcia. Em vez de se fechar nos limites de um edifcio doutrinai definitivo, em vez de resll'ingir-se tarefa de deduzir verdades da cadeia de axiomas fixados de lima vez par todas, a filosofia deve tomar livremente o seu impulso e assumir em seu movimento imanente a fonna fundamental da realidade, forma de toda a exist! ncia , tanto naturAl quanto espi ritual. A filesofia j no significa, maneira dessas novas perspectivas fundamentais, um dornfnio particular do conhecimento situado & par ou acima das verdades da fsica. das cincias jurldicas e polticas etc., mas o meio universal onde todas essas verdades formam-se, desenvolvemse e consolidam-se . J no est separada dos cincias da natureza, da histria, do direitc, da polt ica; numa palavra, ela o SOpro toniricante de todas essas disciplinas, a atmosfera fOra da qual nenhuma delas poderia viver. J no a subslAncia separada, abstrata, do espfrito: orerece o esprrito como um lodo, em sua verdadeira funo, no modo especfrico de suas investigaes e de seus problemas , em seus mtodos , no prprio Cl1J'SO do saber. Assim que todos os conceitos e os problemas, que o sculo XVIII parece ter muito simplesmente herdado do passado, deslocaram-se c sofreram uma mudana caracledslica de signiricao. Passaram da condio de objetos

    prontos e acabados para 2. de foras atuantes, da condio de resultados para a de imperativos. Tal o sentjdo verdadeiramente fecundo do pensamento iluminista. Manifesta-se menos por uro contedo de pensamen to determinado do que pelo prprio uso que faz do pensamento rilosfico, pelo lugar que ihe confere e pelas tarefas que lhe atribui. O sculo XVJIl , que se auto-intitulou orgulhosamente o "S~u!o da Filosofia" , justificou essa pretenso na medida em que devol veu d etivamente filosofia seus direitos originais, em que 8 restabeleceu em sua significao prime;ra, sua significao verdadeiramente "clssica". Deixou de encerrar-se na esfera do pensamento, abriu caminho at aquel a o:-dem mais profunda dO!lde jorra , com o pensamento puro, toda a atividade iotclectual do homem, e onde essa atividade deve encontrar seu alicerce. segundo a convico profunda da filosofia do Iluminismo. Desconhece-se, portanto , o sentido dessa filosofia se se acredita poder consider-Ia - e execut-Ia _ como simples "filosofia da reflexo" . I! verdade que roi um pensador Dada menos que da estirpe de Hegel o primeiro a enveredar por esse caminho da critica e que parece t-lo legitimado de uma vez por todas com a autoridade do seu nome. Mas encontramos no prprio Hegel uma curiosa retificao, pois o julgamento de Hegel como hiSlori ador e filsofo da histria diverge totalmente do veredicto que a metafsica do mesmo Hegel proferiu a respeito do lIuminismo. A Phiinomeno[ogie des Geisles (A fenorr:enologia do espfrito] traa um retrato da poca do Iluminismo muito diferente, por sua rique'18 e profundidade, daquele que Hegel costumava esboar num esprito puramente polmico. O movimento profundo, o csforo principal da fil osofia do Ilumin ismo no se limitnm, com efeito, a acompnnhar a vida e a con templ-Ia no espelho da reflexo. Pelo contrrio, ela acredita na espont aneid3de originria do pensamento e, longe de r~tringi-Io tarefa de comentar a posterior; e de refletir, reconhece-lhe o poder e o papel de organizar a vida. O pensa

  • 1 menla devI!. sem dvida, analisar, eXminar, mas tambm pro. tuante, em pennonen le rluxo , no poderia reduzi r-se a lima vocar, fazer na~cer a ordem cuja necessid ade ela cono.:ebcu, que simpl es soma de opinies individuais. A "filosofia" do il um imais no Cosse para provar, no prprio ala de realizar-se, o seu nismo propriamente dila al go muito diw rso do conjunlo do reaJismo e verdade prprios.

    e impossvel encontrar um acesso ti essa camada profund ta com maior clareza ti sua estrutura e 11 sua ori.:ntao car

  • deve partir dessa base, ou seja, adotar por ponto de partida o fio condutor que nos pode guiar com segu rana atra vs do labi. rinto dos dogmas e das doutrinas individuais.

    No que se refere crtica terica do Iluminismo, est fora de cogitao abord-Ia no mbito deste livro. Mas vale colocar o nosso trabalho sob a gide do lema spinozista: /l on, ridere, nO/l lligere, /leque detestor;, sed melUgere. A Epoca das Luzes raramente beneficiou-se de semelhante favor. O mais grave 'defeito que se lhe aponta comumente o de nada enlender a respeito de tudo o que est his toricamente longe dela, de ludo o que, de um modo geral, lhe estranho; de ler elevado a sua pr6pria escala de valores, com uma ingnua suficincia, categoria de normll universal, a nica vlida e a nica possvel, e de aferir por esse padro todo o passado histrico. Se a Epoca do Iluminismo no pode ser inteiramente absolvida nesse ponto, no ser demais acrescentar que ela expiou com sobras o seu erro. Essa suficincia do "eu sei mais" (" Besserwissens", de que recriminam o Sculo das Luzes e sobre a qual ni ngum se cansa de acumular provas gerou inmeros preconceitos que ainda hoje impedem um julgamento isento do Il uminismo. medida que nos mantemos margem de toda a polmica direta abstemo-nos de submeter esses preconceitos a uma crtica explcita, de preceder, em suma, a um " resgate" da poca il umir.i sta. O que nos importou , acima de tudo, foi desenvolver e esclarecer, histrica e racionalmente , o contedo do seu pensamento e a sua problemtica filosficu central. Esse escla recimento constitui a pri. meira e a mais i nd i ~pcnsve l condio para uma reviso do famoso processo Que O Roma ntismo intentou contra a filosofia do Iluminismo. O julgamento adverso que foi proferido no decorrer desse processo ainda hoje repetido sem crlica pela maioria, c continua sendo de bom-tom aludir " trivialidade do Iluminismo". Hastar que nos seja permitido impor o silncio a esse gnero de julgamento para pensarmos ter alcanado o

    nosso objetivo. Alm disso , tampouco h necessidade de, apS a obra de Kant e a "revolu.o do pensamento" realizada pela Crtica da razo pura, revertermos aos problemas e s concluses da filosofia do Iluminismo. Mas se alguma vez tivesse de ser escrita essa '; histria da razo pura", da qual Kant nos ofereceu um esboo na ltima seo da Cr1tica da razo. ela no poderia deixar de reservar um lugar de destaque para aquela poca que foi a primeira a descobrir e a afirmar apaillonada mente a autonomia da Razo, e a ir:tp6-la em todos os domnios da vida do esprilo. Alis, de uma evidncia cristali",1 que nenhuma obra de histri a da filosoiia pode ser pensada e realizada numa perspectiva puramente histrica : toda a \'olla ao passado da filosofia constit ui um ala de consci,enlizao e de autocrljca filosfica . Ora, mais do que nunca , parece-me j ser tempo de que a nossa poca realize esse retorno autocrtico sobre si mesma e se veja 00 lmpido espelho que a poca do Iluminismo lhe oferece. Muitas coisas que hoje consideramos ser fru to do "progresso" perdero seu brilho, sem dvida , nesse espel ho; muitas coisas de que nos vangloriamos parecero inslitas e caricaturais. E seria julgar apressadamente e iludir-nos perigosamente atribuir todas essas deformidades a defeitos do espelho, em vez de ir procurar-lhes a causa em outro lugar. O Sapere audel, que , segundo Kant , a "divisa do Iluminismo", tambm vale para a nossa prpria atitude histrica a seu respeito. Cumpre deixar de lado os insultos e as atitudes de sobranceria. Tenhamos a coragem de DOS medi r por esse pensamento, de nos explicar intimamente com ele. O sculo que viu e glorificou na razo e na cincia "s suprema faculdade do homem" no pode estar para ns inteiramen te superado; devemos encontrar o meio de descobrir sua verdadeira fi sionomia e , sobretudo , de libertar as foras prOfundas que produziram e modelaram essa fisionomia.

  • -No podemos encerrar este prefcio sem agradecer uma vez mais ao professor Frilz Medicus. editor dos "Grundrisses der philosophischen Wissenschar.en", a quem devemos a pri. meira sugesto para este livro e que leve a gentileza de nos Iajudar a reler as provas.

    Em!! Cassirer

    Hamburgo, outubro de 1932.

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    SUMRIO

    r. O PENSAMENTO DA ERA DO ILLiMiN [ Si~C i 9

    11. NATUREZA E Clt:NClA DA NATUREZA NA FILOSOFIA DO ILUMINISMO 65

    111. PSICOLOG IA E TEORIA DO CONHECI MENTO 135

    IV. A lD EIA DE RELIGIO .. .. .......... "" .. . 189

    o dogma do pecado original e o problema da teodicia 193 A idia de tolerncia e a fundao da "religio natural" 220

    Religio e histria 246

    v. A CONQUISTADO MUNDO HlSTORICO .. . . 267

    VI. O DlREITO, O ESTADO E A SOCIEDADE .. . 3 15

    A idiu de direi to c o pl'indpio dos di ['ei tos inuli cnveis 31 5 A idia de contrato e o mtodo das cinci as sociais 337

  • 1 VII. os PROBLEMAS FUNDAME NTAIS DA ESTE. TlCA ...... . 367 o Cf scuJo da crtica"

    . . .. .. ... . ... 367

    A esttica clssica e o problema da objetividade do belo ....... . 37 1 o problema do gosto e a converso ao subjetivismo 394 A esttica da intuio e o problema do gnio . . 411

    Entendimento c imaginao. Gottsched e os suos 433

    Fundao da esttica sistemtica - Baumgal'len 441

    I

    () PENSAMENTO DA ERA DO IL UMINISMO

    D'Alemberl inic iou os seus Elememos de Ii/osa/ia com um IMinel onde procura defi nir a shuao do esprilc humano em IIH.!dos do sculo XVIIT . No decorre r dos trs ltimos sculos, \;Qmea ele por assinalar, foi possvel observar que em meados de cada um desses sculos ocorreu sempre uma transfom1ao Importante no conj unto da vida intelectual. Assim , em meados (ltI /Scu lo XV inicia-se o movimento literrio e intelectual da Renascena ; em meados do sculo xv r, a Reforma religiosa c~ui no apogeu; e no sculo XV lI a vitria da filosofia carte lima que provoca uma revoluo radical na imagem do mundo ~r po1>svel descortinar um rnovimemo anlogo no sculo XVIII e determinar sua direo e seu alcance? "Por mui to pouca ateno que se preste" - prossegue D'Alembert - "aos lUtados do sculo em que vivemos, aos acontecimentos que nos ngl tam ou que, pelo menos, nos ocupam, aOS nossos costumes , fi. nossas ("~ras e at s nossas conversas, 6 muito diHcil passar dctlperceb ,Ja a extraordinria mudana que, sob mltiplos aspeclos, ocorreu t:m nossas idias; mudana essa que, por sua

    19

  • rapidez, parece prometer-no:; uma ainda maior. Cabe ao tcm fixar o objeto, a na tureza e os limites dessa revoluo. cuj inconvenientes e cujas vantagem. ti nossa posteridade conhecer. melhor do que ns. O nosso sculo chamado o Sculo da Fi! sofia por exce lncia . Se! examinarmos sem preveno o esta atual dos nossos conhecimentos. mi o se pode deixa r de convi que ti. filosofia rcgi:;trou grandes progressos entre ns. A cinci dn natureza adqu ire a cada dia novas riq uezas; fi -geometria. ai ampliar os seus limites , transportou seu facho p:\ra as rcgie: da fsica que se encontravam mais perto dela ; o verdadeiro si tema do mundo ficou conhecido, foi desenvolvido e aperfeioa do. Desde a Terra at Satumo. desde a histri a dos cu s do: insetos, a cincia da natureza mudou de feies . Com ela, q U8S1 IOdas as outras cincias adquiriram novas formas e, COm efei to era imprescindvel que o fi zessem . O estudo da natureza pllrece se r por si mesmo frio e tranqilo. porque a satisfao q ue ele' ocasiona um sentimento uniforme, contnuo c sem abalos, e porque os prazeres, para serem vivos, devem ser separados por intervalos e marcados por acessos . No obstante , a inveno e o uso de um novo mtodo de filosorar, a espcie de entusiasmo que acompanha as descobertas , uma certa elevao de idias que em ns suscita o espetcu lo do universo, todas essas causas tiveram que exci tar nos espritos uma vi va fermentao. Essa fC I'mcntao, agindo em iodos os sentidos por sua naturezlI . emol veu eom uma espcie de violncia tudo o que se lhe deparou 'I C0l110 um rio que ti "'es~e rompido :leus d iquc~. Assi m, desde osi princpios das ci~ncias profundas att! os fu ndamentos da Rcve Im;o, desdc 11 mcta fisica ate as questcs de gO~ IO. d\! ~lk a m sica moral. delode as disputas escolsticas dos telogos at os objetos de comrcio, dcsde os direitos dos principes aos direi lOs dos povos , desde a lei natural at as leis arbitrrias das naes, numa p;Jlavra . desde as questcs que mai s profundamente nos tocam utl! as que s !>upo::rficialmcntc no~ interessam. tudo fo i

    20

    ,lIlCut;do, anaHsado e, no mnimo, agitado . Uma nova luz sobre .-IMuns objetos, uma nova obscuridade sobre vrios, foi o fruto IJU a conseqii! ncia dessa eervc:Cncia geral dos espritos: tal u;mo o efeito do fluxo e do refluxo do oceano carregar para 111_ praias alguns materiais e delas afastar outros." I

    O homem que usa essa linguagem um dos cientistas mais Ic.peitveis do seu tempo , um de seus portavozes intelectuais. Suas palavras fornecem-nos, portanto. uma idia da ndole c da direo de toda a vida intelectual de sua poca. Ora, a poca em que viveu D'Alembert sentiuse empolgad por um movimento pujante e, longe 'de abandonarse a esse movimento, empenhou-se em compreender lhe a origem e o destino. O conheci mento de seus prprios atos, a autoconscincia e a previso IntelectuaL eis o que lhe parecia ser o verdadeiro sentido do pensamento, de um modo geral, e a tarefa essencial que, acre lUtava ele. a histria lhe impunha. No se trata apenas de que o pensamento se esfora por alcanar novas metas, desconheci d05 at ento; que quer agora saber para onde o seu curso o leva e quer, sobretudo, dirigir o seu prprio curso. Aborda o mundo com a nova alegria de descobrir e com um novo esprito de descoberta; todos os dias aguarda novas e infaHvei5 !1!ve Inro. .:ontudo, a sua sede de saber, a sua curiosidade intelechml no se voltam somente para o mundo . O pensamento sente-se ainda mais profundamente conquistado, mais apaixonadamente comovido por uma outra qU~5to: a de sua prpria natureza e do seu prprio poder. No t por isso que ele se afasta incessantemente do curso das descobertas destinadas a amplillr O hori 'lon le da realidade objetiva, a fim de retornar sua origem? A sentena de Pape, lhe proper sJudy oI mankind i5 man, ex prime com impressionante brevidade o sentimento profundo que essa poca tinha de si mesma . E uma poca que sente, em seu prprio mago, uma nova {ora atuando e que, no obstante. est menos fascinada pelas criaes incessantes dessa {ora do

    21

  • 1 que pelo seu modo de adc. No comente de usufruir os seus resultados, ela expJo~a a forma dessa alividede produtora para tentar anali s-la , ~ nesse sentido que se apresenta, para o conJUDto do sculo XVIll , o problema do "progr~so" intelectual. Nilo existe um sculo que lenha sido to profundamente penetrado e empolgado pela idie de progresso intelectua l quanto o Sculo das Luzes . Equivocar-aeiam, porm. sobre o sentido essencia1 dessa idia, aqueles que tomassem "progresso" num senlida' quantitativo como uma simples extenso do saber, como um progressus in indelinilum. A par da ampliao quan!itativa en. contra-se sempre uma determinao qualitativa; constante ex, tenso do saber para E1m de sua periferia corresponde um regresso sempre mais conscieote e mais pronunciado ao cenl prprio e caracterstico da expanso. Se se busca a muhipHci-dade. para a encontrar a certeza da unidade. Dedic.se extenso do saber com o sentimento, com a segurana de que ela no vai enfraquecer e diluir o espirito mas, pelo contrrio, vai reanim-lo e "concentr-lo". Percebe-se que os diversos caminhos que o esprito deve percorrer, franqueado-Ihe a realidade como um todo a Cim de lhe traar o quadro completo, s aparentemente so caminhos divergentes. Objetivamen te considerados, os caminhes divergem, mas essa divergncia nada tem de dispers.ao. Todas as e!lergias do esplrito permanecem ligadas a um centro motor comum. A diversidade, a variedade das Cor. mas t to-s o desenvolvimento e o desdobramen to de uma fora criadora nica, de natureza homognea. Quando o sculo XVll I quer designar essa fora, sintetizar numa palavra a sua natureza, recorre ao nome de "razlo". A "rruo" o ponto de encootTO e o centro de expanso do sculo, a expresso de todos os seus desejos, de todos os seus esforos, de seu querer e de suas realizaes. Cuidemos, porm, de no cometer. o erro de nos satisfazennos precipitadamente com essa ca racterstica, de acredita rmos que o historiador do sculo XV III vai encontrar a o ponto

    22

    de partida e de chegada de suas investiga6cs . O que foi aO$ olhos do sculo o seu orograma e e. s~a realizao para o historiador apenas o comeo, o inicio de seu trabalho ; onde se acreditou encontrar ento uma resposta, Epresenta-se a verdadeira questo. O skulo XVIII est impregnado de f na unidade Cl- imutabiliQl!de da razo. A razo una e idntica para todo o Individuo pensante, para toda a nao, toda a poca, toda a cul tura . De todas as variaes dos dogmas religiosos . das mximas c convices morais, das idias e dos julgamentos tericos, deslaca-se um contedo inne e imutvel. consistente. e sua unidade e sua consistncia so justamente a expresso da essncia prpria da raz.o . Para ns - se bem que estejamos de acordo, no plano das idias e dos fatos , com determinadas teses da filosofia do Iluminismo _ a palavra "razo" deixou de ser h muito tempo uOla palavra simples e unfvaca. Assim que recorremos a esse voc4bulo, sua histria logo revive em ns e ficamos cada vez mais conscientes da gravidade das mudanas de sentido que ele sofreu no transcurso dessa histria. Nessas condies, sempre nos acode ao esprito como a expresso de "razo" ou a de "racionalismo" tm pouco peso, mesmo no sentido de uma caracterfstica puramente histrica . Tanto isso verdade que o conceito genrico como tal permaneceu vago e indeterminado at o momento de receber uma diJlerenlia specilica, um sentido verdadeiramente preciso e determinado. Onde procurar, para o sculo XVIII, essa difereny8 especfica? Se tanto se comprazia em autodenominar-5C um "sculo da razo" e um "sculo filosfico" , onde encontrar o trao caracterstico e distintivo dessa designao? Em que sentido devemos tomar aqui a "filosofia"? Quais as tarefas particulares que lhe so atribudas, de que recursos disp6e para as levar a cabo e para estabelecer sob re alicerces seguros uma doutrina do mundo e do homem?

    Se se comparar a resposta que o ~culo XVIII deu a essas questes com as que j encontrou prontas no comeo de suas

    23

  • atividades inlelccluais, o que impressiona de imed iato t lima diferena negativa. O sculo XVII via na construo de "sistemas filosficos" a tarefa prpria do conhecimento filosfico. Para que lhe parecesse verdadeiramente " filosfico", era preciso que o sabe r tivesse alcanado e estabelec ido com firmeza a idia primordial de um se r supremo e de uma certeza suprema intuitivamente apreendida, e que tivesse transmitido a luz dessa certeza a todo o ser e a todo o saber dela dedll'lido. E o que efe tivamente ocorre quando, pc lo mtodo da demonstrao e da deduo rigorosa, so medialamenle ligadas certeza primordial outras p roposies. a fim de se percorrer, por meio dessa conexo mediara. toda a cadeia do cognoscvel e de a encerrar sobre si mesma . Nenhum elo dessa cadeia pode ser separado do conjunto, nenhum de les se explica nem se conclui por si mesmo. A nica explicao de que ~ suscetivel consiste em sua "deduo" rigorosa e sistemtica, a qual o reconduz causa primeira do ser e da certeza, permit indo assim avaliar a distncia ,I q ue se encontra em relao a essa causa primeira e ao nmero de elos intermedirios que o se param daquela. O sculo XVIII renunciou a esse modo e a essa forma de "deduo", de deriva. o e de explicao sistemtica . No rival iza , em absoluto, com Descartes e Malebranche, com Leibniz e Spinoza , no tocante ao rigor e autonomia do mtodo. Busca uma outra concepo da verdade e da " fi iosofia" que confe re a uma e a outra mais amplitude, uma forma dotada de mais li berdade e mobilidade, mais concreta e mais viva. A Era do lI uminismo no outorga esse ideal de pensamento s doutrinas rilosMicas do passado; prefere formlo tomando por exemplo a fsica contempornea , cujo mode lo tem sob seus olhos. Em vez do Discurso do mtodo de .Descartes, apia-se nas Regulae philosophandi de Newton para re. solver o problema central do mtodo da filosofia. E essa soluo logo encaminha a investigao para uma direo inteiramente diferente . A via newloniana nfie a da deduo pura mas a da

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    IInlise. Newton no comea por definir certas princpios, certos conceitos e axiomas universais, a fim de percorrer passo a passo, por meio de raciocnios abstratos, o caminho que leva ao conheimento do parlicular, dos simples " fatos" . E na direilo inversa ' Iue se move seu pensamen to . Os fen6menos so o dado; os I"indpios, o que preciso descobrir . Se os princpios so, com deito, o 7fQ'U!?OV 'tfi tptum , os fenmenOs devem permanecer o neD-rti?0v :n:t?J, 1~fl(i :e por isso que o verdadeiro mtodo da fsica jamais poder consistir em partir dt aJgum dado arbitrariamente admitido (de um willkrlich-

  • apresentase como matematicamente detenninada, eslnnllrada e articulada segundo o nmero e ti medida. Mas justamente essa articulao que nio pode ser objeto de uma antecipao con. ceptuaJ; ela deve ser encontrada e demonstrada nos fatos . O encaminhamento do pensamemo no vai, por conseguinte, dos conceitos e dos ax iomas para os fenmenos, mas o inverso. A observao o datum; o princpio, a lei , o quaesilum. E esse novo programa metdico que deixa sua marta em todo o pensamento do sculo XVIIJ. O esprit systmatique nem por isso subest imado ou marginalizado; mas foi cuidadosamen te distin. guido do esprit de systeme. Toda a teoria do conhecimento se empenha em confinnar essa distino. D'Alemberl, no "Discurso preliminar" da Enciclopdia. situa-a no centro do debate , e o Tratado dos sistemas, de Condillac, d a essa idia sua formo explcita e sua justificao. Tenta o autor, nessa obra, aplicar a crftic8 hist6rica aos grandes sistemas do sculo XVII, procurando mostrar a causa de seus respectivos fraca!lsos: em vez de se prender aos fatos e de deixar que os conceitos se fOnDem no contato com aqueles, tais sistemas elevaram unilateralmente ao status de dogma o primeiro conceito que lhes Ocorreu . Em contraste com esse "espfrito de sistema", cumpre doravante estabelecer novos vnculos entre o espfrito "positivo" e o esprito "ra. danai". No que eles estejam, em momento nenhum, em posio connitante , mas s se conseguir obter uma verdadeira sfntese entre eles se se respei tar uma autntica via de medi ao. No se busque, portanto, a ordem, a legalidade, a " razo", como uma regra "anterior" aos fenmenos, concebfvel e exprimfvel o priori; que se demonstre a razo nos pr6prios fenmenos como a forma de sua ligao interna e de seu encadeamento imanente. Que no se pretenda antecipar a razo sob a forma de um sistema fechado: h que deix-Ia desenvolver-se a longo prazo, pelo conhecimento crescente dos fatos, e impor-se pelos progressos em sua clareza e em sua perfeio. A lgica que todo o mundo

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    busca e que todo o mundo est persuadido de encontrar, em lodo o caso, no caminho da cincia, no t a lgica escolstica nem uma 16gica de concepo puramente matemtica: a "lgica dos fatos" . Qt!.e o espirito se abandone, pois, a toda a riqueza dos fenmenos, que se mea continuamente por ela: longe de correr o risco de af se perder, est seguro de encontrar nela .ua verdade e sua prpria dimenso. E. assim que se estabelecer a verdadeira re

  • I fenmenos celestes, Kepler leva essa observao a um grau de rigor. de "exatido" malemtica que jamais fora atingido antes dele. Graa, a trabalhos de uma pacincia infatigvel . ele chega s leis que estabelecem a figura das trajet6rias dos plane ias c detenninam 8 relao entre o pe rodo de revoluo de cada planeia e a sua distncia do Sol. Mas essa observao dos falOS t apenas um primeiro passo. A tarefa que 8 mecnica de Galileu se imps tem mais amplitude e ma ior alcance : a sua problemll. tica penetra numa nova camada, mais profunda, da concc: ptu8lizao tm ffsice. Com efeilo, j no se traia de examinar um determinado selOr dos fenmenos da natureza , por mui to vasto e importante que ele seja , mas de fu ndamentar universalmente a dinmica. a teoria da natureza como tal. E no escu pa a Calileu que li intuio imed iata da natu reza n50 est ahura de semelhante tareCa, que ela deve recorrer a ou tros instrumen tos de conhecimento. a outras runes intelectuais . Os fenmenos da natureza Merecem-se li inlUio na unidade de seus processos, como tOlalidades indivisveis. Ela percebe-os como simples dados individuais ; pode descrever em largos traos seu desenvolvimento, mas essa forma de descrio no poderia substituir uma "explicao" verdadeira . Para explicar um renmcno nalural , no basta apresent-lo em seu ser e em sua maneira de ser; necessrio fazer ver de que condies particulares lal fenmeno depende e tttonhecer com impecvel rigor em que espcie de dependncia ele se encontra a respeito dessas condies. Es~a exigncia s pode ser satisfeita pela decomposio da imngem sinttica do fenmeno que nos fornecido pele intuio e pela observao imediata para resolv-Ia em seus mOmentos constitut ivoli. Esse procedimento analtico , segundo Galileu , a condio de todo o conhecimento rigoroso da ha tureza. Esse mtodo de construo dos conceitos Hsicos , simuhaneamente, um mtodo de "resoluo" e um mtodo de "composio". S6 decompondo um acontecimento aparentemente simples em seus elemen

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    h'" e depois reconstru indo-o a panir desses elementos ~ que se nmsegue compreende-lo. Galileu d um exemplo clssico desse procedimento na sua descoberta da trajet6ria parablica dos H'rpoS lanados no espao. A fonna dessa trajetria no podia .cr diretamente dccifrada pela in tuio nem aduzida de um t(tllnde nmero de observaes separadas. A intuio forneceI1 OS, certo, algu ns tra~ gerais: mostra-nos que a uma fase 115censional sucede uma fase de queda do corpo la nado etl;., mas faltam suti leza, exatido, rigor e prcci~o nessa determina50. S6 podemos chegar a uma concepo exata, verdadei ramente matemtica , desse processo se relacionarmos esse fenmeno com as condics patticulares q ue o determinam, e considerarmos se pur:u.lamcn te cada um dos pl anos de delenninao que nele se entreCruzam para procunu estabelecer a lei. E descobe rta a lei da trajetria parablica: O recrudescimento e o decrscimo de velocidade explicam-se de modo rigoroso a partir do instante em que se consegue provar que o fenmeno balstico um processo complexo cuja determinao depende de duas " foras" : a fo ra dc impu lso originria e a fora de gravitao. Todo O desen volvimento ulterior da fsica est dado de antemo nesse simples exemplo como num modelo elementar; toda a estmtura do $Cu mtodo j a est illlplfcita.

    A tcoria de Newton conservou e confirmou todos os traos que ai j so nitidamente reconhecveis . Ela est construfda, com efeito, pelo cruzamento dos mtodos dc "resoluo" e de

    ~composio ". Tomando como ponto de partida as trs leis de Keplcr, a teori a newtoniana no se satisraz em ler e interpretar cssali le is como expresso de um simples estado fa tual da obser vao; ela ten ta, ademais, reconduzir esse estado de fato aos seus pressupostos , provar q ue ele a conseqllncia necessri a da convergncia de diversas condies. Em primeiro lugar, cumpre que cada um dos sistemas de condies seja explorado por si mesmo e que o seu modo de a.o seja conhecido. Foi assim

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  • I que o fenOmeno do movimento planetrio, que Kepler vira como um todo, revelou ser uma formao complexa . A teoria nev.1oniana reduziu-o a dois tipos de lei fundamentais: lei da queda livre e lei do movimento ccntrfiugo. Cada uma delas t::.ha sido estudada separadamente, e de maneira rigorosamente conclusiva, por Galileu e Huyghens: todo o problema consistia ento em realizar a sntese: das descober tas deles, redzindo-as il um nico princpio inteligvel. A faanha de NewtOn est justamente na realizao dessa sJntese: consiste menos na descoberta de um fato desconhecido antes dele, na aquisio de um material inteiramente novo, do que no remanejamento intelectual operado na base do material empfrico. f' no se trata mais de contemplar a estrutura do C06mo e sim, doravante, de a penetrar; ora, o cosmo s se abre para esse espcie de penetrao quando submetido ao pensamento matemtico e ao seu mtodo analtico. Ao criar, com o clculo dos fluxos e o c !cuia infinitesimal, um instrumento universal a servio desse programa , parece evidente que Newton e Leibniz demonstraram, pela primeira vez em termos de rigor absoluto, a " inteligibilidade da natureza". O caminho do conhecimento da natureza desenrola-se indefinidamente, mas sua direo permanece fixada com firmeza, porquanto o seu ponto de partida e o seu destino no so exclusivamente determinados pela natureza dos objetos mas tambm pela fortn.l e pelas foras especficas da razo .

    A filosofia do 8&:u10 XVIII est, em todas as suas partes. vinculada ao exemplo privilegiado, ao paradigma metodolgico da fsi ca newtoniana; mas logo sua aplicao foi generaliz.ada. No se contenta em compreender a anlise como a grande ferrornenta intelectual do conhecimemo ffsico-matemtico e v af o instrumento necessrio e indispensvel de todo o pensamento em geral. Em meados do sculo, o triunfo de tal concepo j est assegurado. Se verdade que certos pensadores e certa s escolas divergem em seus resultados, h, no obstante, uma

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    ,,,ncordncia unnime quanto a essss premissas da teoria do I "nhcci mento. O Tratado de nu!tafsica, de Valia ire ; o "Discurso pI"liminar" da Enciclopldia, de D'Alembert; e as Investigacs .. bre a clareza dos princfpios da teologia e da moral, de Kant, lul/lm a esse respeito a mesma linguagem. Todos proclamam que n verdadeiro mtodo da metaf{sica harmoniza-se, basicamente, lvlll o que foi introduzido por Newton na fsica e proporcionou tAl) copiosos fru tos. Voltaire declara que o homem que se desconhece ao ponto de pretender penetrar a essncia interior das It}jsaS, conhec-Ias na pureza do seu " cm si" (An-Sich) , no tarda "lU adqu irir conscincia do limite de suas faculdades: ele v-se 11. posio de um cego que tivesse de julgar a natureza das (!Ires. A benevolncia da natureza colocou, partm, !.Ima bengala uRI mos do cego, que a anlise.. M!.Inido dessa bengala ele VAi poder abrir caminho entre as aparncias, ser informado dos .cus efei tos e de seu ordenamento, de nada mais necess itando 1l".Ta orientar-nos intelectualmen te, para organizar sua vida e a d!ncia.' " t=; claro que jamais se deve formul ar hipteses; no !lU deve dizer: comecemos por inventar prindpios com os quais tralaremos de explicar tudo. Mas temos que dizer: faamos exalllmente ti anlise das coisas. Sempre que nos impossvel ter a nJuda da bssola da matemtica c do farol da experincia e da (bica para guiar o nosso rumo, mais do que certo que nopodemos avanar um s passo." Contudo, de posse desses dois Instrumentos, vamos poder e devemos arriscar-nos no mar alto 1.10 saber. Bem entendido. devemos renunciar esperana dc 'Irrancar alguma vez s coisas o seu segredo, de penetrar no se r ubsoluto da matria ou da alma humana . Mas o "seio da naturcz.a" nos estA francamente abcrto se entendermos por isso a nrdem e a legalidade empricas . e. nesse ponto central que vamos nos cstabelecer a fim de, a partir da, avanarmos em todas as tl i ree~. A potncia da razo humana no est em romper os limites do mundo da experincia a fim de encontrar um caminho

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  • de sada para o domnio da transcendncia, mas em ensinar-nos a percorrer esse domnio emprico com toda a segurana e a habilit-lo comodamente. Uma vez mais. manifesta-se aqui a mudana de significao caracterstica que a idia de razo sofreu em relao ao pensamen to do sculo XVII. Para os grandes sistemas metafsicos seiscentistas, para Descartes e Malebranche, para Spinozn e Leibniz, a razo a regio das "verdades eterna s", eSSHS verdades que so comuns ao esprito humano e ao esprito divino. O que conhecemos e do que nos apercebemos luz da razo "em Deus", portanto, que o vemos imediatamente: cada ato da razo assegura-nos a nossa participao na essncia div ina, franqueia-nos o acesso ao domnio do inteligvel, do supra-sensvel puro e simples. O sculo XVIII confere razo um sentido diferente e mais modesto. Deixcll de ser a soma de "idias inatas", anteriores a toda a experincia, que nos revela a essncia absol uta das coisas. A razo define-se muito menos como uma possesso do que como uma forma de aquisio. Ela no o errio, a tesou raria do esprito, onde a verdade depo

    ~itBda como moeda sonan.te, mas o pOder original e primitivo que nos leva a descobrir, a estabelecer e a consolidar a verdade. Essa operao de assegurarse da verdade constitui o germe e a condio necessria de toda a certeza verificvel. F. nesse seno tido que tode o sculo XVII1 concebe a razo. No a tem em conta de um contedo determinado de conhecimentos, de princ pios, de verdades, preferindo considerla uma energia, uma fora que s pode ser plenamente percebida em sua ao e em seus efeitos. A sua natureza e os seus poderes jamais podem ser plenamente aferidos por seus resultados; sua funo que cumpre recorrer . E a sua funo essencial consiste no poder de ligar e de desligar. A razo desliga o esprito de todos os fatos simples, de todos os d ados simples, de todas as crenas basea das no testemunho da revelao, da tradio, da autoridade; s descansa depois que desmontou pea por pea , at se us ltimos

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    11 II ll'Tl tOS e seus ltimos motivos, a crena e a "verdade pr-faf,d , 111111". Mas, aps esse lrabalho dissolvente, impese de nuvO 11111", lurda construtiva. a evidente que a razo no pode perma li'! 1'1 en lre esses dis;ecfa membra ; dever construir um novo .IIUd o. uma verdadeira totalidade . Mas ao criar ela prpria

    I t ~)llI l idade, ao levar as partes a constitui rem o todo segundo M 1 1'~ru que ela propria promulgou, a razo assegurase de um I ,fd to conhecimento da estrutura do edifcio a~sim erigido. I 111 compreende essa estrutura porque pode reproduzir-lhe a !

  • sua tarefa principal na aquisio e ampliao de cer10s conhecimentos positivos. No que se refere prpria Ellciclopdia, que se converteu no arsenal de todos esses conhcdmentos. essa tendncia fundamental manifesta-se igualmente sem ambigidade. Diderot, o seu fundador, declara no ser sua inteno adquirir um mero acervo de conhecimentos mas provocar uma mu tao no modo de pensar. A Etlciclopldia fo i criada "pour cltanger la laon commune de penser lt . ' A conscincia dessa tarefa sensibiliza e agita todos os esprritos, suscitando nelcs um sentimento intei ramente novo de tenso in terior. At os mais moderados e os mais refletidos entre os pensadores verdadeiramente "cientfi cos" sentem-se impelidos para a frente, empolgados por esse movimento. Ainda no se atrevem a definir seus fins ltimos, mas no podem escapar sua potncia e acreditam sentir que se avolumo nele, atravs dele , como que um novo futuro da humanidade. Por ex.emplo, Duelos escreveu em suas ConsidratiOIlS sur les moeurs de ce s;ecle: "No sei se tenho lima opinio excessivamente benvola do meu sculo , mas parece-me haver uma certa (em enlao un iversa1 [. . . ] cujos progressos poderiam ser dirigidos e acelerados por uma educao bem entendida ". Pois o que se quer no deixar-se muito simplesmente contaminar pela efervescncia geral e empolgar pelas foras em ao. Quer-se, outrossim, compreend-Ias e domin-Ias medida que se adquire essa compreenso. No se quer mergu lhar apenas em redemoinhos e turbilhes de idias novas, mas assumir o leme e guiar o curso do esprito para metas definidas.

    O primeiro passo nesse caminho foi, para o sculo XVIII partir em busca de uma fronteira detenninada entre o esprito matemtico e o esprri to filosf ico. A tarefa era diricil e complicada ainda por uma dialtica interna, porquanto se tratava de satisfazer igualmente a duas exigncias dife rentes, em aparente oposio. No se devia, obviamente, queb rar o vnculo entre matemtica c filosofia, nem mesmo afrouxn-lo: no eram

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    as matemticas o "orgu lho da razo humana" , sua pedra de toque, sua cauo e fiana? Mas. pOr ou tro lado, via-se com crescente clareza que O poder inerente s matemticas deparavase com certos limites: elas so, sem dvida, o exemplo e o modelo da razo, mas sem lograr, no entanto, domin-Ia , esgotar-lhe o col1ledo. Assim se estabelece um curioso processo intelectua1 que pa rece acionado por foras diametralmente opos tas. O pensamento fi losfico parece querer, de um s movimento, libe rtar-se das matemticas e vineular-se-Ihes, emancipar-se do seu domnio exclusivo, tentando simultaneamente. digamos, no rechaar ou contestar essa autoridade mas justific-Ia por um outro lado. Ele ganha em ambos os planos. no sentido de que a anlise, que constitui a forma essencial do pensamento matemtico dos tempos modernos se reconhecida em sua significao profunda, eXlTavasa largamente, por sua prpria funo universal, os limites da matemtica pura, da g!andeza e do n6mero. O tratado de Pascal, Do esprito geomt1trico, ded ica-se a determinar cuidadosamente os limites das cincias matemticas da natureza e da cincia do esprito, prenncio de que j no sculo XV II se percebia com nhidez o deflagrar iminente desse movimento. Nessa ob ra, Pascal ope o "esprito geomtrico" ao "esprit lin" para mostrar como eles se distinguem um do ou tro em suas respectivas estruturas e U500S. Mas essa severa delimitao no tardar em ser questionada de novo. Fontenelle, por exemplo, no prefcio de seu livro De ['utiJit des matMmaliques et de lo psysique,' declara que "o esprito geomtrico no est to exclusivamente ligado geometria que no possa separar-se dela e transportar-se para outros domn ios. Uma obra de moral, de p0ltica , de crhica, at mesmo uma obra de eloqncia jamais ser, ceferis puribus, to bela e to perfeita quanto se fosse concebida num esprito geomtrico" . O sculo XVIlI dedica-se a esse problema e resolVe-

  • absolutamente il imitada e no se encontra vincu lado a nenhuma problemtica particular. Tenta fornecer a prova dessa tese em duas di rees diferentes. A anlise, cuja potncia 56 (ora at ento e~perimentada no domnio do numero c da grandeza , agora aplicada , por um lado , no plano do psquico. te por outro, no plano do social. Tratase, nos dois casos . de provar que uma nova in teligibilidade se revela e que um novo domnio de grande importncia tomou-se acessvel autoridade da ra7...i o . desde que esta aprenda a submet-lo ao $Cu mtodo especifico, o mtodo da relao anaUt ica e da reonstruo sinttica. No tocante . em primeiro lugar, realidade pstquica, ela pa rece . pela maneira como se nos oferece concretamente, pela experi,lcia imediata que temos dela, zombar de semelhante ten tativa. Apresentasenos com uma riqueu ilimitada. numa diversidade infinita . No tem um s6 momento, uma s de suas formas, que sejam idnti cos aos outros ; nenhum dos seus conteudos jamais rcapresentado da mesma maneira. Na corrente do devir psquico , em seu incessante flu~o, no h duas ondas que tenham umu s e mesmll forma ; cada uma como que jorra do nada, nica c sem volta . e ameaa logo mergulhar de novo no nada. Contudo. segundo a concepo dominante da psicologia do sulo XV II I. essa diversidade perfeita, essa heterogeneidade, essa fl uidez do con teudo psfquico, apenas aparente. Um olhar mais penetrante reconhece, sob a mutabil idade quase desenrreada do psquico, a base slida , os elementos estveis e consistentes. E tarefa da cincia trazer para a luz esse elementos que escapam ao conhe cimento imediato para coloclos sob os nossos olhos, claramente determinados e nitidamente di stintos . T
  • que s se enCOntra e se demonstra na cltpen cncia imediata, e no se deixa reduzi r a nenhum outro. Mas assim t , no fundo. o mtodo de deduo, em seu conjunto, que se v privado de seus frutos e de seu verdadeiro rendimento. Tan to depois como an tes dessa diligncia, o ser psfquico apreselHa-sc-nos como uma d iversidade irredutfvel que perfei tamente possvel descrever em sua particularidade, mas no se deixa explicar C deduzir a partir dessas qualidades originri as. Se se quiser tomar verdat deiramente a srio essa deduo. netcssrio que se recorra, para o conjunto das Operaes do esprito, mxima que Locke fizera sua no domfnio apenas das idias. e preciso mostrar para todo esse conju:lIo que o pretenso "imediatismo" niio passa de aparncia, que ele no se sustenta sob o olha r penetrante da anlise c:entfica , Os atos singulares do esprito, cadll um deles em separado, no constituem, de maneira nenhuma, dados originais, mas resultados e produtos. Para compreender a sua constituiilio, para reconhecer a sua verdadeira natureza, necessrio acompanhar sua gnese, observar passo a passo como desperta na alma, a partir de simples dados sensoriais que a afetam, a (acuidade de identificar esses dadO$, de os comparar, distin gui r, abstrnir e combinar. Poi essa a tarefa que o Tratado dos sel/.Stloos de Condill ac props-se a realizar. Parece quc o mtodo ana lilico obtm aqu i um novo triunfo, em nada inferior s suas proezas no dom/nio das cincias naturais, da explicao cientfica do mundo material. A realidade material e a realidade psf quica esto doravante reduzidas, por assim dizer, ao mesmo denominador: ambas so construdas com os mesmos elementos . associados de acordo com as mesmas leis.s

    Mas, a par dessas duas realidades, existe uma outra que no pode con tinuar sendo considerada um simples dado C cu ja origem deve ser explorada, nico meio de submet-Ia. por sua vez, autoridade da lei e da raz50. Trata-se daquclil ordem de co isas que se nos manifesta pela existncia do Estado c da sacie.

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    dade. ~ tambm uma !'ealidad~ em cujo seio nasce o homem, que ele no cria nem organiza , com & qual, muito simplesmente. se defron ta; e tudo o que se espera do homem, tudo o que se lhe exige, que se adapte a essas forroas prcexisl'entes. Mas a anuncia e 8 obedincia passiva tambm tm aqui seus limites. A facu ldade de pensar, ass im que 6 despertada no homem, f-lo erguer-se incansavelmente contra essa espcie de realidade. A sociedade intimada a comparecer perante o tribunal da razo, in terrogada sobre a legitimidade de seus ttulos, sobre os Cunda mentos de sua verdade e de sua val idade. E. por esse procedi mento, o ser social, por sua vez, deve condescender em deixarse tratar como uma realidade Jlsica que o pensamento esfora-se por conhecer. Institui-se de novo, em primeiro lugar, a diviso em partes componentes: considerase a vontade geral do Estado como se fosse constituda de vontades particu lares, como se f055e nascida de sua uni50. Somente por meio desse pressuposto fundamentai que possvel fazer do Estado um "corpo", a fim de submet-Io ao mesmo mtodo que deu suas provas na descoberta das leis universais do mundo material. Hobhes precedeu o sculo XVIII nesse caminho. O fundamen to e o principio de sua teoria poltica, a lese segundo a qual o Estado um "corpo", tm precisamente essa sign ificao: os procedimentos do pensa men to que nos levam ao conhecimento exa to da natureza dos corpos fsicos so-Ihe igualmente aplicveis sem restrio. Portanto, o que Hobbes diz do pensamento em geral. que um "clculo", que esse clculo consiste em adicionar e subtrair, vale igualmente para todo O pensamento poltico. Esse pensa menta tam~m deve comear, portanto, por desfaze r o vnculo que une as vontades particulares, 8 fim de o reator de novo sua maneira e pelo seu prprio mttodo . ~ assim que Hobbes dissolve o status civilis no status lIotllralis, que suspende em pensamento o vncuJo existente entre as vontades individuais para deixar apenas subsist ir seu an tagonismo radicaJ, a "guerra

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  • de todos tcntra todos". Mas precisamen te a partir dessa negao que ser gerado e edificado em seguida o contedo pos itivo da lei civil em sua validade incondicional e ilimitada. A gnese da vontade do Estado pela fonna do cont rato impe-se como a nica que pennte reconhecer-lhe o contedo e estabelecer-lhe os fundamentos. E o vnculo que liga a filosofia da natureza de Hobbes sua doutrina poltica: uma e outra so duas aplicaes diferentes do seu pensamento lgico fu ndamen. tal por meio do qual o conhecimento humano s compreende verdadeiramente o que el e gera a par tir de seus elementos. Toda a conceit uao vJida, toda a definio completa e perfeita deve ter a seu pon to de partida : s6 pode ser uma definio " causal". A flosofia concebida, em sua totA filosofia pol(tica e social do sculo XVIII no aceitou, de um modo gera l, sem restries o contedo da doutr ina de Hobbes, mas foi profunda e duradouramente influenciada por sua }orma. Alicerou-se na teoria do contrato , cujos pressupostos fundamentais foi busca! no pensamento antigo e medieval; mas, ao mesmo temlX), aplica a esses pressupostos desenvolvimentos e mod ificaes caractersticos da infl uncia exercida sobre ela pela imagem do mundo decorrente das cincias naturais da poca. Tambm nesse domnio se desenha com nitidez a vitria do mtodo de " resoluo" e de "composio" . A sociologia constitui-se imagem da fsica e da psicologia analtica. O seu mtodo, explica por exemplo Condill ac no seu Tratado dos sistemas, consis te em ensinar-nos a reconhecer na sociedade um " corpo artificial" composto de partes que exercem umas sobre as outras uma influncia recproca . E necessrio organizar o conjun to desse corpo de tal maneira que seja impossvel a

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    uma classe de cidados usar os privilgios que desfrutari am para destruir o equilbrio e a hanTIonia do todo, e que, em con trapartida , todos os interesses particulares s irvam ao bem geral e lhe estcjam subordinados.' Nessa formulao, um problema de sociologia e de poltica , de cer to modo, transformado num problema de estadismo. O esprito das leis de MOlltesquieu vislumbra igualmente o essenc:al de sua tarefa nessa transformao. Montesquieu no se props apenas a descrever as formas e os tipos de constituies - despotismo, monarquia constitucional, oonstituio republicana - e expOr empiricamente sua maneira de ser. Sua ambio era 'mais alta: reconstruir esses regimes polticos a partir das foras que os constituem . l! necessrio conhecer essas foras para faz-I as ati ngi r ~ua verdadeira me ta, para mostrar de que manei ra e por que meios elas podem ser utilizadas com vistas instaurao de uma constituio que reali ze a exigncia da maior liberdade possvel. Segundo a demonstrao de Montesquieu, uma tal liberdade s IX)ssivel num nico caso: quando toda e qualquer fora particular limitada e restringida por uma fora oposta . A clebre doutrina da " diviso dos poderes" nada mais do que o desenvolvimento conseqente e a aplicao concreta desse pensamento fundamental. Montesquieu quer mudar o equilbrio instvel que rege e caracteriza as formas imperfeitas de Estado , convertendo-o num equilbrio esttico; ele quer mostrar que ligaes cumpre estabelecer entre as foras par ticulares para que nenhuma delas chegue a sobrepujar as outras, para que todas, justamente por que se equilibram de modo recproco, deixem liberdade o ma is vasto campo possvel. O ideal que a doutrina polftica de Montesquieu descreve , por conseguinte, o ideal de um "governo misto" que oferea uma garamia contra O risco de uma recada no despotismo , a saber, que a forma de mistura seja to sbia e to prudentemente ca lculada que a irrupo de uma fora de um lado deflagre incont inenti O aparecimento de

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  • uma fora oposta quela do outro lado, de modo que o equil brio procurado restabelease por si mesmo. Montcsq uieu tem a certeza , ao considerar as coisas desse modo. de que elaborou um slido esquema intelectual que lhe permitir ordenar e con trola r a infin ita multiplicidade e diversidade de formas de Estado cmpiricamcnte existentes. Esse ordenamento e essa formulao de princpios fundamentais constituem seu objetivo essenciaL "Apresen tei os principios", assim declara elc no prefcio de O esprito das leis, "e vi os casos particulares submeteremse a ele, como por si mesmos, as histrias de todas 8S naes serem apenas seqncias e cada lei particular ligada a outra lei, ou depender de outra mais geral". O mtodo da razo , portanto. nesse domnio, exatamente o mesmo que nas cincias da natureza e no conhecimento psicolgico. Consiste em partir de fatos solidamente estabelecidos pela observao mas em no se ater, por certo, a esses simples fatos como tais : no basta que os fatos estejam "ao lado" uns dos outros, preciso que eles se encaixem uns "nos" outros. que a simples coexistncia se revele, quando tudo foi bem apurado, como dependncia, e a forma de agregado converta-se em forma de sistema. Essa forma sistemtica no pode, evidentemente, ser imposta aos Catos desde {ora; preciso, isso sim, que provenha deles prprios. Os "princpios" que devemos investigar por toda a parte, e sem os quais ser impossvel assegurar um conhecimento em qualquer domnio, no so tais ou tais pontos de partida arbitrariamente escolhidos pelo pensamento e impostos experincia concreta para remodel-la. So condies gerais a que s podemos ser con duz.idos por uma anlise completa do dado. O caminho pelo qual o pensamento deve enveredar conduz, portanto, seja em flsiC8 como em psicologia e em poltica, do particular para o geral, processo que, no entanto, seria impossfvel se lodo o particular como tal no es tivesse j submetido a uma regra universal, se o gera l no estivesse implcito nele desde o comeo,

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    se no esrivesse, de certo modo, nele "investido" . O prprio conceito de "princfpio" renuncia aSsim, bem entendido, ao car ter absoluto a que tinha pretenses nos grandes sistemas metaffsicos do sculo XVJ I. Contenta-se em possuir uma validade relativa; quer assinalar a ltima parada a que o pensamento chegou, em cada caso, medida que avanava, sob reserva de que seja, por sua vez, abandonada e suplantada, q:.lil tldo necessrio. Em funo dessa relatividade , o "princpio" torno-se dependente do estado e da forma da cincia da mes~a maneira . por exemplo, que uma s e mesma proposio que em uma cincia postu lado como princpio, pode aparecer em outra como uma concluso. Disse D'Alembert: "e assim que evernOs nos conduzir na escolha, no desenvolvimento e na enunci:lo dos principios Cundamentais de cada cincia, daqueles que formam a cabea de cada poro da cadeia . Chamamos-Ihes princlpios porque a que os nossos conhecimentos comeam. Mas, bem longe de merecerem esse nome por si mesmos, eles talvez no sejam mais do que conseqncias muito distantes de outros principias mais gerais que sua sublimidade encobre ao nosso olhar. Nlio imitemos os primeiros habitantes da beira-mar que, no vendo o fim do mar para alm da margem, acreditavam no ter ele uma concluso." 7 A relatividade que aqui reconhecida e admitida no contm a menor implicao cptica, o menor risco de cepticismo; ela apenas exprime a certeza de que nenhum limite in transponfvel imposto razo em seu incessante progresso, que os fins a que ela parece chegllr s podem e s devem constituir para ela um novo comeo.

    De tudo o que precede sobressai qce. comparando o peno sa rnento do sculo XVIII cem c do sculo XVlJ, em nenhum ponto verificase uma verdadeira ruptura entre eles. O novo ideal do saber desenvolve-se em continuidade perfeita a partir de pressuposies que tinham sido fixadas pela lgica c pela teoria do conhecimento do sculo XVI[, Descartes e Leibniz em

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  • razo. O ordename nto racional , o domnio racional do dado, s possvel com uma rigorosa unificao. "Conhecer" uma multiplicidade significa colocar os seus elementos em relao reciproca de tal maneira Gue, partindo de um pon to determinado, a totalidade possa ser percorrida segundo uma regra constante e geral. Essa forma de pensamento "discursivo" tinha sido fixada por Descartes como nonna fundamental do conhecimento mate mtico. Demonstrara ele que toda operao matemtica tem por fi nalidade detenninar uma proporo entre uma grandeza "des-. conhecida" (incgnta) e uma outra que conhecida. Entretanto, essa proporo s pode ser concebida com perfeito rigor se o conhecido e o desconhecido participam de uma " natureza comum" . Um e outro , o conhecido c o desconhecido. devem poder apresentar-se sob fonna quantita tiva e, como tais, inferirse de uma s e mesma unidade numrica. A forma discursiva do c0nhecimento tem constantemente, pois, o carter de uma reduao: ela reduz o complexo ao simples, a diversidade aparente iden tidade que a fundamenta . O pensamento do sculo XVIII dedica.se a essa tarefa fundamental, procurando estender o seu efeito a domnios cada vez mais vastos . Graas a essa extenso, a id~ja de "clculo" perde sua significao exclusivamente matemtica. O c lculo deixa de ser aplicvel to-s ao n(lmero e grandeza: extravasa do domnio da quantidade para o das qua lidades puras . Pois as prprias qualidades deixam-se relacionar entre si, ligar.se umas s outras, de modo que se possa inferir umas das ou tras numa ordem fixa e rigorosa. Basta sempre, quando pos svel, estabelt..>ct.r u lei geral dessa ordem para que se possa. em virtude dessa ordem e dentro dos seus limites, manter sob as nossas vistas o conjunto do domfnio onde a lei se aplica. A id6ia de clculo tem, assim, a mesma extenso que a de cincia; ela aplicvel a todas as multiplicidades cuja estrutura se reporta a certas relaes fundamentais que permitem determinla intei ramente. Condillac foi o primeiro a exprimir, em La langue des

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    particular. A diferena que existe entre eSSas duas formas de pensar no lepresenta uma radical mutao; apenas exprime uma espcie de deslocamento de acento. Cada vez mais, o acento desloca-se do geral para o particular, dos "princpios" para os "fenmenos", Mas o pressuposto fundamental de que entre os dois domnios no existe oposio , nenhum connito, mas uma reciprocidade perfeita de determinaes. conserva sua plena fora, se pusermos de lado, porem, o cept icisrno de Hume, o qual envolve, efetivamente, uma forma nova e fundamentalmente di feren te de problemtica . A "autoconfiana" da ralio em momento nenhum abalada . Antes de IUdo, foi a exigncia de uni dade do racionalismo que conservou todo o seu poder sobre os espritos. A idia de unidade e a de cincia so e continuaro sendo intercambiveis. "Todas as cincias, em seu conjunto", escreve D'Alembert, retomando assim as teses inicia is de Des cartes nas Regulae ad directionem ingenii, "nadll mllis so do que a fora do pensamento humano, que sempre uno e idn tico, e que deve permanecer sempre semelhante a si mesmo, por mais variados e mltiplos que sejam os objetos a que esse pensamento se aplica." O sculo XVII deve a solidez e a unidade in terior a que chegou - sobretudo no meio cultural do classicismo francs - ao esprito de coerncia e rigor com que manteve essa exigncia unificadora, ampliando-a a todos os dom nios do esprito e da vida . Essa ex.igncia no se imps apenas cincia, rnM tambm religio, politica e literatura. "Un roi, une loi, une foi" , eis a mxima que governa essll poca. Guando se passa para o sculo XVIII , parece que esse absolutis mo da unidade de pensamento vai perdendo sua potncia , esbarrando em mltiplos obstculos que o levam a admitir conce.'l5eS. Mas as modificaes e concesses no atingem, de fato, o prprio mago desse pensamento; a funo unificadora como tal continua sendo reconhecida como a fu no fu nd amental da

    Em rraDC !lO original : "Um rei, uma lei. uma f." (N. do T.)

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  • ca/CIl/S, com uma preCisa0 perfeita , essa idia geral da cleneia de que quis dar, em sua psicologia, uma demonstrao caracte rstica e uma ilustrao pe rtinente e recunda. Para ele, que se ateve, de uma (orma geral, idia cartesiana da alma, de sua imortali dade e de sua espiritualidade, est fora de dvida que uma matematizao imediata do psquico impossfve l, porquanto a aplicao direta dos conceitos de grandeza s vlida quando o prprio objeto ~ constitufdo de partes e pode ser re constitufdo a partir delas. A matematizao produzir-se-, por tania, no domnio da substncia corporal que se define apenas por sua extenso, e no no domfnio da substncia pensante "indivisfvel". Mas essa oposio fundamental. essa distino substancial insuprimvel que separa a alma do COrpo no ope qualquer fronteira intransponvel simples juno de conhecimento analtico. Essa funo despreza todas as diferenas asso ciadas s coisas, no estando Jigada, de maneira nenhuma, na pureza de sua forma e de seu uso formal, ao pressuposto de um contedo determinado. Se o psicolgico no se dei:..a , como o corporal , dividir em partes, ele decompe-se, no obstanlc, em momentOli e em elementos constitutivos no pensamento. Ba'5ta para isso conseguir superar a diversidade aparente de suas formas, mostrando que essas so apenas o desenvolvimento progressivo de um germe, de uma fonte comum, de um fenmeno originrio do .. psfquico em geral". Essa demonstrao fornecida pela clebre imagem que Condillac colocou no centro de sua psicologia. Partiu ele da hi ptese de uma esttua de mnnore que ~ progressivamente "animada" e dotada de uma vida psquica de contedo cada vez mais rico medida que cada um dos sen tidos imprime, inscreve no mrmore, uma por uma , suas qualidades respectivas. Trato-se de mostrar desse modo que a srie contnua dessas " impresses" e a ordem temporal segundo a qual elas lhe so fornecidas bastam para constituir a totalidqde da existncia psfquica, para produzi-la em toda a

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    riqueza e delicadeza dos seus matizes, Se se consegue por esse mtodo produzir o psquico, no menor, evidentemente, u possibilidade de o reduzir, E revela-se, com efeito, que tudo aquilo a que chamamos " realidade psicolgica" e experimen ta mos como tal apenas. no fundo, a repetio e a transformao de uma qualidade fundamental determinada, essa qualidade, precisamente, que j est implcita na mais elementar das impres ses sensveis, A sensao a fronteira entre o mundo do corpo e o mundo da alma, entre o mnnore como "matria" morta e um ser vivo e animado. Mas no porque se transps essa fronte ira que se tem necessidade, na dimenso do psfquico, de equipar-se de outra maneira e improvisar novos princpios. Aquilo que temos O costume de considerar princpios diferentes, de opor vida sensvel da alma as faculdades "superiores" do espirito, nada mais , na verdade, seno modificaes do elementO originrio da sensao. Pensamento e julgamento , desejar e querer, imaginao e criao artstica, nada acrescentam de novo, qualitativamente falando, nada de essencialmente heterogneo, em relao ao elemento sensfvel originrio. O esplrito nada cria, nada inventa; ele repete e combina, Nessa prpria repetio pode dar mostras, verdade, de um poder quase inesgotvel. Estende o universo vislvel para alm de todo limite ; projetA-se no inrinito do espao e do tempo, sem deixar de preocupar-se com a produo em si mesmo de figuras sempre novas, Em tudo isso, porm, o espfri to s tem que haver-se consigo mesmo e suas "idias simples". Essas constituem o slido terreno sobre o qual assenta todo O edifcio de seu mundo, tanto do mundo "exterior" como do mundo " interior" - e esse terreno jamais pode ser abandonado.

    A tentativa a que Condillac se entrega aqui, a de provar que toda a realidade psquica uma transformao, urna metamorfose da simples impresso scnsfvel, ser retomada e desen volvido por Helvtius em seu livro Do esplri/o. A influnciol

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  • que ~sa obra bastante Iraca e pouco original exerceu sobre a literatura filosfica setecentista explica-se pelo fato de que essa poca encontrou a um trao caracterislico do seu pensamento sob uma foma deveras expressiva, at num exagero que toca as raias da caricatura. Nesse exagero aparecem claramente os limites e o risco metodolgicos desse modo de pensamento. Esse risco consiste no nivelamento que ameaa a conscincia na medida em que a sua riqueza viva fundamentalmente negada, em que passa a ser considerada no mais do que uma mscara e uma roupagem. O pensamento analtico arranca a mscara que dissimula os fenmenos psquicos, mas a realidade assim desmascarada s vai mostrar em seguida, em lugar da diversidade anterior e da mobilidade inlerna, a mai s nua uniformidade. A diferenciao das formas, assim como a dos valores. desmorona , revela ser mera iluso enganadora. No interior do psquico, deixa de haver doravante "alto" ou "baixo", "superior" Ou " inferior". Tudo colocado no mesmo plano, tudo se torna equivalente e indiferente. Helvtius desenvolve sob retudo essas consideraes no domnio da tica. Sua inteno profunda consiste em eliminar essas hierarquias artificiais que as convenes instituram e que se empenham cuidadosamente em manter. Ao passo que a tica tradicional falou sempre de uma categoria particular de sentimentos "morais", ao passo que acreditava descobrir um "sentimento de simpatia" originrio no homem capaz de oporse aos seus instintos sensuais egostas. capaz de os dominar e reprimir, Helvtius procura mostrar como semelhante "hiptese" no se coaduna com a simples realidade dos sentimentos e das aes humanas. Quem se debruar simplistamente e sem preconceitos sobre C5sa realidade no descobrir nela o menor vestgio desse pretenso dualismo. Descobrir por toda parte o mesmo impulso instintivo sempre semelhante e totalmente uniforme. Ver que tudo o que o homem glorifica como desinteresse, magnanimidade e altrusmo s se distingue

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    pelo nome, no na coisa em si. dos instintos mais elementares da natureza humana, dos desejos e das paixes mais "baixas". No h nenhuma grandeza moral que se eleve aciroa desse nvel: por elevados que sejam os objetivos que a vontade se atribui, algum bem supraterrestte, alguma finalidade suprasensvel que ela possa imaginarse perseguindo, ela nem por isso deixar de permanecer igualmente encerrada no crculo estreito do egosmo. da ambio e da vaidade. A sociedade jamais poder obter a represso desses instintos primitivos mas to-somente a sua suo blimao e o seu disrerce - isso, de resto, tudo o que ela pode esperar e exigir, se acaso se fizer uma idia exata de si mesma e dos indivduos. As mesmas consideraes so vlidas a propsito do mundo terco. Assim como, segundo Helvtius, no existe escala de valores no plano tico, tampouco h, na opinio dele, dierenas verdadeiramente radicais entre as for mas tericas. Tudo se funde, em definitivo, na massa nica e indivisa das impresses. Aquilo a que chamamos julgamento e conhecimento, imaginao e memria, entendimento e razo nada disso constitui, de fato, uma faculdade especfica, prpria e originria da alma. Tambm aqui se produziu O mesmo dis farce . Acredita-se numa elevao acima da impresso sensvel quando, na verdade, ela foi apenas ligeiramente modificada; no mximo, envolveu-se-a numa outra vestimenta . Para a cr tica, que rechaa tais envoltrios, todas as condutas tericas aparecem de Iorma idntica. Todas as operaes do esprito se reduzem, com efeito, ao julgamento, e esse nada mais do que a percepo de semethanas e dessemelhanas (cotlvenances e disconvenances) entre as idias individuais. Mas esse conhecimento da semelhana e da diferena tambm pressupe uma "conscincia" originria que inteiramente anl::>ga percepo de uma qualidade sensvel, na verdade completamente idn tica. "Eu julgo ou eu sinto que, de dois objetos, um que denomino toesa exerce sobre mim uma impresso diferente daquele

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  • que denomino p; que a cor que nomeio vermelllC age sobre meus olhos de modo diferente do daquela que denomino ama relo; e concluo em semelhante caso que julgar no ser.o sentir." 8 Todo o edifcio dos valores ticos, do mesmo modo que a escala lgica do conhecimento, demolido de alto a baixo. como se v. Os dois edifcios so arrasados por essa mesme razo de que s 80 nvel do cho se pensa encontrar para eles uma rundao slida e inabalvel. Entretanto, seria um erro considerar, como no poucas vezes foi Ceito, que as perspectivas que Helvtius aqui representa S80 tpicas do contedo da filosofia do Iluminismo. ou mesmo do pensamento do enciclope dismo francs, porquanto foi justamente no circulo da Enciclopdia que se produziram as crticas mais severas e as mai s precisas contra a obra de Helvtius, e foram os nomes mais eminentes da literatura filosfica francesa, homens como Turgot e Diderot, os que tomaram a iniciativa. Mas o que. em lodo o caso. indiscutvel que tanto em Helvtius quanto em Con diUac atua um certo mtodo que caracteriza o conjunto do sculo XVI11, uma certa forma de pensamento que determina de an temo tanto as suas realizaes positivas quanto as suas difi culdades internas, suas vitrias e seus fracassos.

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    O pensamento do sculo XVlll. tal como o consideramos at o presente momen to, corresponde em suma ao desenvolvi menta do esprito analtico que . sobretudo. um renmeno francs . Na verdade, a Frana era a ptria, a prpria terra clssica da anlise desde que Descartes consumara a refornla, a transformao radical da filosofia . A partir de meados do sculo XVII, esse esprito cartesiano penetra em todos os dom. nios. Ele no se impe somente na filosofia mas tambm na

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    litera tura. na moral, na poltica, na teoria do Estado e da 50 ciedade; chega ao ponto de afirmarse na teologia, dando a essa disciplina uma forma inteiramente nova.' Mas na filosofia , assim como no movimento das idias em geral, a sua in fluncia no . em nbsolu to, incontestada. Com a HlosoHa leibniziana tinha sur gido, de fato, uma nova corrente intelectual que trazia consigo, se m dvida nen hu ma, prOfundas mudanas para a mundiviso desse tempo mas que, sobretudo. imprimia ao pensamento uma forma e uma direo inteiramen te novas. primeira vista, pa rece que Lei bn iz apenas deu prosseguimento obra de Descartes, libertou as potncias que nela dormitavam a fim de lhes conferir seu pleno desenvolvimento. Assim como a sua obra matemtica, assim como a anlise do infinito sai di retamente da problemtica cartesiana. porquanto apenas quer ser a elaborao conseqente, a realizao sistemtica da geometria analtica , tam bm se pode dizer, com efeito, que toda a lgica leibniziana tem sua origem na combinatria que ela tende a desenvolver como uma teoria forma l geral do pensamento. E incontestvel para Leibniz que s no progresso da anlise exisle futuro e esperana pal'a o progresso dessa tcoria formal. paru a realizao do ideal da sciemia generalis. lal como se lhe afigura. t: sobre esse ponto que vo doravante concentrar todos os seus tra balhos de lgica . Tratase de chegar a um "alfabeto do pensa menta"; de redulir todas as formas comple:tas de pensamento nos se'JS elementos, ou seja, s operaes de simplicidadc ex tre ma, do mesmo modo que, na teoria dos nmeros, todo o nmero pode se r concebido e apresentado como um produto de nml;!ros primos. Uma vez. mais, parece que a unidade, a uniformidade e a simplicidade, a identidade lgico, em suma , constitui o fim ltimo e supremo do pensamen to. Todas as proposics verda deiras, nu medido em que pertencem ao domn io das verdades estritHmente racionai s. das verdades "eternas", sio proposies . ";rlUalmente idnticas". reportando-se ao princpio de identi

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  • dade e de contrad io. Pode-se. como fez Louis Couturat em sua notvel exposio da doutrina, tentar considerar desse ponto de vista O conjunto da lgica leibniziana; pode-se ir mais longe e associar-lhe, situando-a no mbito dessa problemtica, a sua teoria do conhec imento, a sua filosofia da natureza e a sua metafsica. Parece, de fato, que ao procederse assim apenas se est sendo fiel s intenes pessoais de Leibniz, que sempre declarou no existir nenhuma divisria ergu ida entre 8 sua lgica, a sua matem tica e a sua metafsica, que toda a sua fil oscfia e~a matematice.mente oriunda dos pr6prios fundamentos da matemtica.

    E, r,o entanto, parece. se considerarmos justamente a rei a o Intima e indissolvel que une as partes dessa filosofia , que os motivos considerlldos at o presente como fundamenta is, por muito importantes e indispensveis que sejam para a gnese do universo intelectual leibniziano, no o esgotam em sua totali dade. Quanto mais se aprofunda, com efeito, a significao e a especificidade do conceito feibniziano de substncia mais nitidamente se v que esse conceito implica, no apenas do ponto de vista do seu contedo mas tambm sob o seu aspecto formal, uma nova mutao reine tu!ue Wendung). Uma lgica que se construsse unicamente com base no conceito de.identidade, que a( estabelecesse todo o se~tido de conhecimento, que reduzisse toda a multiplicidade unidade, toda a mudana constncia, toda a diversidade estrita uniformidade, semelhante lgica no se hannonizaria com o coOledo do novo conceito de substncia. A metafsica de Leibniz disting'o.le-se da de Descartes e de Spinoza ao postular, em vez do dualismo cartesiano e do monismo spinozista, um " universo pluralista". A "mnada" leibniziana no uma unidade aritmtica, puramente numrica: uma uni dade dinmica. O verdadei ro correlato dessu unidade no a individualidade mas a infinidade. Cada mnada um centro dinmico vivo; somente a sua riqueza e diversidade infinitas

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    constituem a verdadeira unidade do mundo. A mOnada 5 exis te na med ida em que ati va, e sua atividade consiste em passar para estados semp~ e novos e em descnvolv-Ios incessanlemcnte de seu pr6pria fundo. "A natureza da mnada ser fecunda e gerar uma diversidade sempre nova". ~ por isso que todo o momento da m6nada, ainda O mais simples, envolve o seu passado e j est prenhe de seu futuro. E nenhum desses momentos absolutamente idntico aos outros; jamais se resolve na mesma soma de "qualidades" puramente estticas. Toda a determinao que a encontremos deve ser, pelo comrrio, considerada tran sit6ria. Para descobri-la e compreendla racionalmente no basta apoiarmo-nos num sinal caracterstico fixado aqui ou ali; temos que coloca r claramente sob os olhos a regra da transio, representarmo-nos a sua lei especfica. Prolongando esse pensa mento at .as suas ltimas conseqncias, v-se que o terna lgico fundamental que domina e impregna a mundiviso de Leibniz s6 na aparncia o da iden tidade. Em vez dessa identidade analftica, caracterstica do pensamento de Descartes ou de Spi noza, encontramos aqui um princpio de con.tinuidade, sobre o qual Leibniz construiu a sua matemtica e o conjunto da sua metaHsica. Continuidade quer dizer unidade na multiplicidade. ser 110 devir, constncia 1U1 mudana . Esse termo designa uma ligao que s6 pode exprimir-se na mudana e na constante ai teruo das determinaes, e que exige, por conseguintc, a multiplicidade to necessariamente, to originriu e essencialmente quanto a unidade. At mesmo a relao do geral com o particular ser doravante esclarecida de uma nova maneira. lnj cialmcmc, parece que Leibniz manteve, de rato, e. prioridade do universal e seu "primado" lgico de maneira incond icional. O fi m supremo de todo O conhecimento reside nas "verdades eternas", exprimindo as relaes universais e necessrias entre as idias, efltre o sujeito e o predicado do julgamento. As ver dades de fato, as simples verdades "contingentes", no se inte

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  • gram nesse modelo lgico; contudo, so tunto mais clnra e distintamente percebidas quanto melhor se conseguir reduzilas a determinaes puramen te racionais e, fina lmente, resolv-Ias_ Embora esse fim S seja acessivel a um entendimento divino, nem por isso constitui menos a norma , o fio de Ariadne do conhecimento humano acabado. E no entanto, por outra parte, no existe. se nos referirmos intuio fundamental que domina a lgica e a teoria do conhecimento leibniziallos, uma simples relao de subsuno entre o universal e o particular. No se trata de subordinar um ao outro mas de conhecer que um est impHcito e fundamentado no outro. E por esse motivo que, a par do " princpio de identidade", aparece, como norma to legtima e indispensvel de verdade quanto aquele, o " princpio de razo suficiente", o qual constitui para Leibniz a condio de todas as "verdades de fato". A ffsica governada pelo princfpio de razo suficiente, assim como a matemtica o pelo princpio de identidade. Ela no se con tenta em estabelecer relats puramente conceptuais. a concordncia ou discordncia de idias. Deve partir da observao, da experincia sensvel, mas no pode, por outro lado, contentar-se em recolher simplesmente as observaes, colecion-Ias e consider-las em sua acumulao. e. necessrio que desse agregado se extraia um ~ i stema : e como conseguilo seno dando forma massa incoerente de "fatos", estabelecendo relaes internas de modo que ela se apresente como urra soma de "causas" e "efeitos"? A vizinhana no espao e a sucesso no tempo tornam-se assim uma verdadeira "conexo" em que cada elemento detenninado e condicionado pelos outros segundo regras fixas, de modo que, de todo o estado singular do universo, na medida em que ele plenamente cagnoscvel, pode-se aduzir a totalidade dos seus fenmenos.

    No iremos mais alm, at o contedo particular dessa intuio fundamental; contentemo-nos em considerar a sua es(rutura categoria/o Verifica-se de imediato que o conceito de

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    todo (der negriIJ des Ganzen), dentro dessa nova perspectiva, adqu ire uma significao nova e mais profunda . O "todo" do mundo , que se trata de representar. j no redutvel a uma simples soma de partes; Lal representao no o esgota. A tota!idade revela-se como totalidade, no mais "mecnica" mas "orgnica"; seu ser no mai s consiste na soma de suas panes mas precede-as, j que ele que as toma possveis em sua naturezs e modalidade. Ar reside precisamente a diferena decisiva que separa a unidade da mOnada da do tomo, O tomo o elemento, o constituinte fundamental das coisas no sentido de que repre senta o que resta finalmente quando elas so divididas at o fi m. ~ " un idade" por oposio, de certo modo, l multiplicidade, opondo-se a toda e qualquer tentativa para subdividi-la uma vez mais, custa de sua solidez, fixidez e indivisibilidade. A mnada , em contrapartida, ignora essa oposio e essa resistncia, pois de um modo geral no existe para ela alternati va entre unidade e multi plicidade, ciso en tre esses dois momentos, mas pelo contrrio. reciprocidade interna , correlao necessria. A mnada no unidade simples nem simples multiplicidade. mas "expresso da multiplicidade na unidade" (multorum in uno expressio). Ela um todo que no consiste em partes nem constitui o seu resultado, mas que se desenvolve constantemente numa multiplicidade de determinaes. Sua particul aridade s se revela nesses atos sucessivos de particularizilfio (Beso"derU'lg); particularizao essa que s possvel e inteligvel na condio de t{ue a forma completa a partir da qual ela se desenvolve conservese em si mesma e permanea fechada sobre si mesma. A sua natureza e a sua realidade no vo perder-se, portanto, e dispersar-se na sucesso dessas determinaes; pelo contrrio, conservam-se in tatas e presentes , se assim podemos dizer, em cada uma delas. Essa viso fundamental conceptuel e terminologicamentc concebida por Leibniz graas idia de fora: pois a fora para ele o estado presente que tende para

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  • o esta~o que se lhe segue e que aquele envolve de antemo (status ipse praesens, dum lendit ad sequentem seu sequentem praein volvit). A mnada no um agregado mas um todo di nmico que s6 se pode manifestar numa profuso, digamos at, numa infinidade de efeitos variados e que, no entanto, embora direrenciando-se infinitavamente nas expresses de sua fora, conservase como um centro de fora, nico e vivo . Essa concepo, que j no se baseia simplesmente na idia de ser mas na de atividade pura, confere ao problema do indivdual um sentido inteiramente novo. Nos limites da lgica anaUtica, da lgica da identidade, s possvel tratar esse problema na con' dio de se encontrar o meio de reconduzir o indivduo ao conceito universal, considerando-o um caso especial do univer saJ. O individual s pode ser "pensado" em geral, ser percebido "cloro e distintamente", por essa referncia e nessa vinculao ao universal Tomado em si, segundo o modo em que se oferece percepo sensvel ou simples intuio , permanece "confuso". a bvio que, mediante uma vaga impresso de conjunto. podemos estabelecer que o individual d, mas no seramos capazes de dizer. com verdadeira exatido e certeza, o que ele . J! o conhecimento desse "o que", desse quid, que permanece em cada caso reservado para o universal, que s possvel obter considerando a natureza da espcie ou a definio que fornece as caracte:-lsticas gerais. Em suma, o individual S pode ser "concebido" pela maneira como, por assim dizer, ele se encontra "inserido" (umgrilfen) no universal, com o qual est relacionado por su1Jsuno. A doutrina leibniziana do conceito ainda est ligada , por mltiplos laos, a esse esquema tradicional , em bora seja a sua prpria filosofia a que lhe fez a critica mais decisiva, a que implicitamente a modificou e at a desmontou. Com efeito, o individual. na filcsofia leibniziana , obtm a posse de uma prerrogativa inalienvel. Longe de estar confinado ao simples papel de um caso ou de exemplo, ele exprime algo que

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    em si mesmo essencial e valioso para si mesmo . Cada subs tncia individual. dentro do sistema leibniziano . no s uma parte, uma frao, um fragmeoto do universo, mas esse mesmo universo, visto de um certo lugar e numa certa 'perspecliva". Ora , s a totalidade, abrangendo o universo inteiro dessa pers pectiva caracterfstica e singular, constitui a verdade do ser. Essa verdade no est const:tu(da de tal modo que as diversas imageos monadoJgicas do mundo tenha:n em comum alguma parte integrante , na qual elas se ha:monizariam, e que figuraria, em suma, como a origem com!m da "objetlvidade" . E. preciso compreender, pelo contrrio, que :oda a substncia, embora conservando sua prpria permanncia e desenvolvendo suas representaes segundo a sua prpria lei, relacionase, contudo, no prprio curso dessa criao individual. com a 10talidade das outras e afina-se, de algum modo, com elas. A idia central da filosofia leibniziana no tem que ser procurada no conceito de indiv idualidade nem no de universalidade; estes dois conceitos devem, pelo contrrio, ser compreendidos por meio de um outro . Ao refletirem-se um no outro eles geram, nessa prpria reflexo, o conceito fundamen tal de harmonia, o qual constitui o ponto de partida e o fim de todo o sistema . Em nossa prpri a natureza, explica Leibniz em seu tratado Da verdadeira teologia mfstica, esronde-se um genne, um vestgio, um smbolo da essncia divina e sua vera imagem. O que significa que s se alC4lna 8 verdade do ser, a harmonia suprema e a mais in tensa plenitude da realidade no auge da energia individual e no em seu nvelamer.to, sua igualizao e sua extino. Esse pensamento fundamental impe uma Dova orienla

  • vel, para a filosofia do scu lo XVIII. Com efeito, o pensamento profundo de Leibn iz no atuou de imediato, em sua totalidade, corno uma fora viva e presente. O sculo XVI li s6 conhecia inicialmente a Wosoria Jeibniziana sob uma (orma muito incom pleta, puramente " exotrica". Para o conhecimento da doutrina , dispe apenas de um pequeno nmero de textos que, como a Manadalogia e a Teodicia, devem sua ex.istncia a uma ocasio exterior e contingente e s6 contm a doutrina sob uma forma popular, transposta e abreviada , sem nenhuma justifica o nem qualq uer desenvolvimento rigorosamen te conceptual. A obramestra da teori a leibniziana do conhecimento, o~ Novos ensaios sobre o entendimemo humano, somente em 1765 in gressa no campo visual do sculo XVIII , graas edio organizada por Raspe com base no manuscrito de Hanover, ou seja , numa poca em que a filosofia do Iluminismo j realizara a ma ior parte do seu desenvolvimento e adquirira sua fi sionomia definitiva. A in fluncia das idias de Leibniz , por conseguinte , inteiramente indi reta: s6 atullrl na (orma transposta que o sistema de Wolff lhe imps. O ra, justamente, a 16gica de Wolff e sua metodologia distinguem-se da de Leibniz na medida em que procuram reduzir ao esquema mais simples e mais unirorme possfve l a diversidade das abordagens leibnizianas. Se Wolff confere idia de harmonia, aos princpios de conlinuidade e de razo suficiente o lugar que lhes compete na economia do sistema , por outro lado procura limitar-lhes a significao e a independncia originais, aprcsenlando-os como conseqncias, como dedues do princfpio de contradio. Os conceitos leibnizianos e os temas fundamentais do seu sistema s (oram, pois, tra nsmitidos no scu lo XVI I1 com certas restries e como que quebrado por sua passagem atravs de um meio refrativo. Pouco a pouco, entretanto, vai surgir um movimento de idias que tender 8 anu lar a ruptura e a remover os obstculos q ue se opem compreenso. Na Alemanha. Alcxander Baumgarlen,

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    o mais importante discpulo de Wol ff, quem manifestar , sobre esse ponto e em muitos Olltros, sua origina lidade e sua independnci a de es prito. Em sua metafsica e. mais particulannenle . nas grandes linhas da sua Estllica, Baumgarten encontra o caminho que reconduz at cerla5 lontcs das idias de Leibniz que estavam a t ento como que solt:rrad as. A esttica alem e a filosoria da histria retornam, por consegui nte, em seu desenvolvimento, concepo original e profunda do problema da individualidade que tinha sido inicialmen te revelada e aplicada na Monadologia e no " sistema de harmonia preestabelecida" de Leibniz. Mas no seio da cultura francesa do sculo XV III , uma vez mais. onde 8 influncia ca rtesillna vinha predominando amplamente, que a in rluncia e a n=ssonnci a de cer tas idias e de certos problemas fundamentais de Lc ibniz se fazem sentir com fora crescente. O encaminhamento dessa influncia no passa pela esttica e pela teoria da a rte. as quais s a muito custo se afastam da rbita. da doutrin a clssica seiscentista , mas pela filosofia da natu reza e pelas cinci as naturais descritivas, nas quai s a rigidez conceptual comea, pouco a pou co, a afrouxar. A maior nfase recai dorava nte sobre a idia leibnziana de desenvolvimentoj o sistema da natureza do sculo XVIII, que estava dominndo pela idia de fix idez das espcies, passa progreSsivamente por uma mudana dc dentro para fora. De Maupertuis. retomando os princpios da dinmica le ibn iziana, defendendo e explicando o princfpio de continuidade, a t a frsica e a metafsica do orgnico em Diderot c 06 pri. meiros esboos de teoria descritiva completa da natureza na Hist,iu natural, dt: Bu rfon, acompanha-se o desenrolar de um constante progresso . E verdade que Voltaire, no Candide, exerce seu esprito custa da Teodic:ia de Leibniz e rec riminalhe , em :;CU5 Elementos da filosofia de Newton , no te r feito out ra coisa seno retardar com suas idias a prpria {(Bica e o progresso da cincia em geral. "Sua razo su fi ciente , sua con tinui

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  • dade, seu orgulho, suas mnadas etc." - escreveu Voltaire em 1741 - "so germes de confuso, dos quais o senhor Wolff fez brotar metodicamente quinze volumes in quarlO que, mais do que nunca, instilaro nas cabeas alems o gO':i1O de ler muito e entender pouco." 1 1) Voltaire, contudo, nem sempre foi dessa opinio. Em O sculo de Lllls XIV, quando queri a fazer ver e compreender em suas grandes correntes O conjunto da estrutura intelectual do sculo XV II , no se tratava, para ele, de menosprezar o papel de Leibniz, e reconhecia efetivamente sem reservas a significao universal de sua obra. Essa mudana de op inio manifesta-se ainda mais nitidamente na gerao seguin te 11 de Voltaire, no crculo dos enciclopedistas franceses. D'Alembert, embora combatendo, certo, os princpios da metafsica leibniziana, nunca deixa de confessar sua profunda admirao pelo gnjo filosfico e matemilko de Leibniz. E Diderot, no artigo "Leibniz" da EncicfopMia, pronuncia o entusistko elogio de Leiboiz: ele proclama , com FonteneUe, que a Alemanha , s por ter albergado esse esprito, no merece menos honra que a Grcia por P lato, Aristteles e Arquimedes, ao mesmo tempo. O caminho ainda loogo, sem dvida, desdc esse elogio pessoal at uma penetrao autntica, uma compreenso mais profunda dos princpios da filosofia leibnizianu . Entretanto, se se quiser apresentar em seu conjunto a estru tura intelectual do sculo XVIJI, torn-la inteligvel em sua gnese, cumpre colocar lado a lado, distintamente, essas duas correntes intelectuais diferentes que nele confluram: 11 forma cartesiana clssica de anlise e essa nova sntese filosfica, que te ve em Leibniz o seu ponto de partida, mas que atuam em comum e se justapem. Da lgica das "idias claras e distintas" a marcha do pensamen to leva lgica da "origem" e do individual, da mera geometria dinmica e filosofia dinmica da natureza, do "mecanicismo" ao "organicismo", do ptincfpio de identidade ao princpio dc infinidade, de continuidade e de harmonia. Nessa

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    oposio fundamental j esto contidas as grandes tarefas intelectuais com que o sculo XVIII se defronta::- e qu~ ir abordar, desde a teoria do conhecimento at a fsica, desde a psicologia at a poltica e a sociologia, desde a filosofia da religio at a esttico, sob to variados aspectos.

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  • 11 NATUREZA E C/~NCIA DA NATUREZA NA

    FILOSOFIA DO ILUMINISMO

    I Para obter b medida exata do papel da cincia da natureza na gnese e elabor2o da imagem do mundo na poca moderna no nos cingiremos a considerat todas essas descobertas que se integraram :.:ma por uma, como traos caractersticos, ao con tedo dessa imagem e que definitivamente a modificaram de um modo radical. Essa transformao, cuja amplitude parece, prime