a filosofia como ferramenta importante para a administração

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A filosofia como ferramenta importante para a administração: reflexões a respeito da sua influência Antes de mais nada quero mencionar que este artigo foi escrito a quatro mãos com meu amigo e colega de profissão Cláudio de Abreu Júnior que é Filósofo, e vive atualmente em Buenos Aires, Argentina, e-mail:[email protected] Cláudio de Abreu Júnior, possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2002) e mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2006). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Epistemologia, atuando principalmente em Filosofia da Ciência. Atualmente é doutorando pela Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), participa também do Programa de Pesquisa Filosofia e História da Ciência, Universidad Nacional de Quilmes - IEC-UNQ. INTRODUÇÃO Desde que o homem primitivo começou a refletir sobre suas ações, tem- se os primeiros rudimentos da filosofia, isto é, o esforço para entender os fatos e acontecimentos a sua volta, entretanto para efeito de estudo sistematizado, aceita-se que a Filosofia Ocidental surge nas colônias gregas da Ásia Menor, representando um enorme avanço no desenvolvimento do homem em relação ao seu passado. Surgiu no momento em que o ser humano se tornou autoconsciente, contrapondo-se as explicações mitológicas dos deuses gregos de até então. Buscar conhecer como são as coisas da vida através da filosofia para entender racionalmente o mundo, eis a pretensão da filosofia. Com base em tal pretensão, grandes descobertas ocorreram. Ao se reportar a história constata-se que, praticamente, todos os povos da antiguidade desenvolveram formas diferentes de saber. Os indianos e mulçumanos desenvolveram a matemática e a astronomia; os egípcios a trigonometria; os romanos, a hidráulica e o direito; os gregos além de desenvolverem geometria, a mecânica, a lógica, a astronomia, sistematizaram filosoficamente as condições de formação do conhecimento e assim por diante. A ética sempre fez parte da filosofia, tendo como seu objeto de estudo a moral, o dever fazer, a qualificação do bem e do mal, a melhor forma de agir coletivamente.

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Page 1: A filosofia como ferramenta importante para a administração

A filosofia como ferramenta importante para a administração: reflexões a

respeito da sua influênciaAntes de mais nada quero mencionar que este artigo foi escrito a quatro mãos com meu amigo

e colega de profissão Cláudio de Abreu Júnior que é Filósofo, e vive atualmente em Buenos

Aires, Argentina, e-mail:[email protected]

Cláudio de Abreu Júnior, possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica

do Paraná (2002) e mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

(2006). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Epistemologia, atuando

principalmente em Filosofia da Ciência. Atualmente é doutorando pela Universidad Nacional de

Tres de Febrero (UNTREF), participa também do Programa de Pesquisa Filosofia e História da

Ciência, Universidad Nacional de Quilmes - IEC-UNQ.

INTRODUÇÃO

Desde que o homem primitivo começou a refletir sobre suas ações, tem-se os primeiros

rudimentos da filosofia, isto é, o esforço para entender os fatos e acontecimentos a sua volta,

entretanto para efeito de estudo sistematizado, aceita-se que a Filosofia Ocidental surge nas

colônias gregas da Ásia Menor, representando um enorme avanço no desenvolvimento do

homem em relação ao seu passado. Surgiu no momento em que o ser humano se tornou

autoconsciente, contrapondo-se as explicações mitológicas dos deuses gregos de até então.

Buscar conhecer como são as coisas da vida através da filosofia para entender racionalmente

o mundo, eis a pretensão da filosofia. Com base em tal pretensão, grandes descobertas

ocorreram. Ao se reportar a história constata-se que, praticamente, todos os povos da

antiguidade desenvolveram formas diferentes de saber. Os indianos e mulçumanos

desenvolveram a matemática e a astronomia; os egípcios a trigonometria; os romanos, a

hidráulica e o direito; os gregos além de desenvolverem geometria, a mecânica, a lógica, a

astronomia, sistematizaram filosoficamente as condições de formação do conhecimento e

assim por diante.

A ética sempre fez parte da filosofia, tendo como seu objeto de estudo a moral, o dever fazer, a

qualificação do bem e do mal, a melhor forma de agir coletivamente.

Procura estabelecer princípios e universalmente válidos de valorização e condução na vida.

Entretanto, cada época histórica possui uma determinada moral.

A partir do momento em que a ciência e a tecnologia começaram a ocasionar enormes riscos

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de malefícios à natureza e à humanidade, através de acontecimentos como a explosão das

bombas atômicas (que destruíram Hiroshima e Nagasaki no final da II Guerra Mundial);

contaminação de lagos, rios, mares e alimentos por substâncias tóxicas; ocorrências de danos

ecológicos; exploração abusiva de florestas; poluição ambiental; desastres nucleares como o

de Chernobyl; guerras bacteriológicas; clonagem; manipulações genéticas; a ética adquiriu

novo relevo vindo a ocupar a mente e os debates de muitos cientistas e dos seres humanos.

As imensas transformações no mundo da tecnologia implicam num processo vertiginoso de

transformação social, no que se refere às mudanças do modo de pensar em uma nova

dimensão antropológica. O impacto da globalização da tecnologia é mundial. Como exemplo,

as conseqüências que podemos ter da aplicação ilimitada da engenharia genética, não apenas

aplicada aos animais e plantas, mas ao ser humano. Este fato já implica na busca de uma nova

concepção de ser humano. O questionamento estende-se a muitos setores da atividade

humana e está se transformando num questionamento cada vez mais radical, também nas

estruturas das instituições sociais, políticas e econômicas de um país.

Hoje, se vive na era da globalização. O mundo se tornou uma aldeia global. Passouse do

Estado-Nação para o Estado-Mundo. As concepções de mundo são adaptadas para essa nova

ordem mundial. Surgem ONG's, esoterismos, a filosofia se presta a um novo papel, não mais

de integrar o indivíduo ao Estado, como no mundo grego antigo, mas sim, de propor novas

formas de conceber um individualismo, o individualismo humanitário que parece estar se

acentuando com a idéia do voluntariado social, tanto por parte dos sujeitos quanto das

organizações e dentro do processo administrativo tem-se: História, Teoria do Conhecimento,

Ética.

As teorias administrativas só podem ser entendidas através dos diferentes períodos históricos

voltados predominantemente para uma Teoria do Conhecimento e uma Ética. Sem eles se

torna praticamente impossível entender as diferentes modelos organizacionais.

Historicamente, as teorias da administração surgem em meados do século XIX com o

surgimento do modelo capitalista. A ideologia capitalista tem no lucro a força motriz do sistema.

Anteriormente a esse período, as economias feudal, mercantil e artesanal da Idade Média

estavam subordinadas à ideologia religiosa católica e, por conseguinte, a moral cristã medieval.

Portanto, para se entender a filosofia das empresas é necessário, antes de mais nada, ter

consciência da importância do trabalho na vida humana e as atividades correlatas

desempenhadas pelo executivo nas organizações. Ter noções de alguns pressupostos da ética

protestante é o primeiro passo para se situar as teorias da administração.

Page 3: A filosofia como ferramenta importante para a administração

As teorias presentes no universo da gestão empresarial sejam elas, a Teoria Científica de

Taylor, A Teoria Clássica de Henry Fayol, A Teoria das Relações Humanas, a Teoria

Comportamentalista, a Teoria da Informação, a Teoria Holística possuem fundamentos

filosóficos e que respondem às questões essenciais da existência humana.

Ciência e filosofia: semelhanças e diferenças

Esta atividade humana bastante complexa a qual se denomina "ciência" – que se constitui

como um dos fenômenos culturais mais importantes em nosso tempo – envolve muitas

pessoas e muito dinheiro em um processo do qual resulta um tipo especial de saber, que é

mais sistematizado, com maior alcance, com maior precisão e controlável intersubjetivamente.

Para obter esse resultado, a ciência deve trabalhar com um objeto recortado, ter um método,

uma linguagem, prezar pela democracia e pelo controle.

Por recortar um objeto se deve entender delimitá-lo, precisá-lo, restringir o escopo de interesse

em relação à realidade. Isso está diretamente vinculado à clareza do problema de trabalho. A

atividade científica específica, ou seja, a que realmente se leva a cabo – em oposição a, por

exemplo, a atividade científica de uma disciplina específica, que pode ser definida como o

resultante de todas as atividades científicas específicas desta disciplina (Com essa

diferenciação não se pretende mais que deixar claro a importância de restringir o objeto de

estudo até que seja possível tratá-lo com o rigor e a precisão que caracterizam a atividade

científica. Não se pretende com isso tomar posição sobre qualquer outra discussão possível

sobre este tema.) –, para que seja possível, deve limitar-se a uma pequena parcela da

realidade. Cada pesquisa trata de uma parte do mundo da disciplina a qual pertence. A

Biologia, a Química e a Física (dentre outras) trata cada uma de uma parte do mundo das

ciências naturais; a Administração, a Economia e a Sociologia (dentre outras) tratam cada uma

de uma parte do mundo das ciências sociais. As ciências naturais e as ciências sociais tratam

cada uma delas de uma parte do mundo das ciências empíricas. 

A lógica e a matemática tratam cada uma delas de uma parte do mundo das ciências formais.

As ciências formais e as ciências empíricas tratam cada uma de uma parte do mundo, que é o

objeto da ciência – global, que, mesmo com essa classificação hierárquica de múltiplos níveis,

engloba todas as pesquisas específicas.

O método é o conjunto de estratégias que os cientistas usam em suas atividades de pesquisa.

Trata-se de um conjunto de normas que versam sobre o processo de construção do

conhecimento, sendo que concebe esse processo como constando de quatro etapas: a de

observação, a de formulação de hipóteses, a de fazer previsões, a de verificar se realmente se

deu o previsto (Evidentemente que esta apresentação do método científico é bastante simples

e geral. Contudo, parece servir para o objetivo presente.). O método explicita o caminho a ser

Page 4: A filosofia como ferramenta importante para a administração

percorrido ao longo do trabalho de pesquisa e assim permite que o cientista foque suas

energias somente no desenvolvimento de seu trabalho sem precisar dar conta de questões

metateóricas.

A linguagem de uma ciência expressa seu marco teórico referencial e se distingue da

linguagem de outras ciências na medida em que está também restringida, como no caso do

objeto, a uma parte específica da realidade. Evidentemente que as ciências apresentam teorias

que se relacionam – apresentam vínculos, estão ligadas –, o que permite, em certas

circunstancias, que certos conceitos façam parte de mais de um marco teórico referencial, ou

seja, que estejam presentes em mais de uma teoria, que podem ser cada uma de uma ciência

distinta. Isso mostra que uma demarcação rigorosa entre as ciências talvez não seja possível;

contudo, há uma linguagem que marca o conjunto de teorias físicas, o conjunto de teorias

biológicas, o conjunto de teorias econômicas e visivelmente não são similares.

A democracia refere-se ao fato de que toda teoria deve ser apresentada em termos de uma

língua de domínio público (nada de uma linguagem que somente alguns "iniciados" possam

entender) e de um modo padrão – dado pelas instituições responsáveis pelas normas técnicas

para a apresentação de trabalhos científicos. Isso garante que qualquer pessoa, dadas

algumas condições básicas (Muitas vezes o grau de complexidade de uma teoria, por exemplo,

exige o estudo de algumas coisas, tais como algo de matemática, algo da própria disciplina em

questão etc.), possa entender o que está sendo apresentado. O conhecimento científico deve

ser de acesso universal (Evidentemente que aqui esta afirmação atinge apenas o aspecto

citado, pois não é objetivo deste trabalho discutir a "democracia" em seus outros âmbitos de

aplicação em relação ao conhecimento científico.).

As atividades científicas devem por fim, ser controladas. Isso significa que uma experiência

científica deve poder ser repetida afim de que se possa comprovar o que a teoria afirma. Isso

ajuda em muito para que o conhecimento científico seja sistematizado, com maior alcance, com

maior precisão e controlável intersubjetivamente.

A filosofia, por sua vez, é costumeiramente definida como amor ao saber. Como uma primeira

aproximação uma vez que valoriza todo um aspecto histórico que remonta a filosofia grega,

pode ter validade. Contudo, é importante buscar algo mais explicativo. Nesse sentido, pode ser

aceitável dizer que a filosofia é o estudo das concepções de mundo que a humanidade teve,

por exemplo, ao longo de períodos – como a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a

Idade Contemporânea – e como se deu o processo de passagem de uma concepção a outra

(Aqui se admite como filosofia a tradição que se iniciou com os gregos pré-socráticos. Com isso

não se pretende dizer que antes disso e em outros povos não exista filosofia.). Trata-se de uma

apresentação interessante, mas claramente generalizada. Seria de proveito ver a filosofia como

uma atividade humana que, como à atividade científica, busca a verdade e tem o mundo como

objeto, mas se diferencia desta à medida que – em vez de ter objeto recortado, método,

linguagem, democracia e controle – se caracteriza por se constituir de discussões conceituais

Page 5: A filosofia como ferramenta importante para a administração

acerca de questões estruturais para as quais ainda não existe um modo sistemático de

responder. A pergunta "Qual é a causa do câncer?" é uma pergunta científica. Já a pergunta

"Qual é a natureza da causalidade?" trata-se de uma pergunta filosófica.

A filosofia forja os instrumentos que a ciência utiliza em suas atividades. Perguntando sobre o

ser das coisas (ontologia), sobre a possibilidade do conhecimento (gnosiologia), sobre o modo

como as coisas são apresentadas (estética), perguntando sobre o agir das coisas (ética), a

filosofia cria o conjunto de conceitos com os quais entendemos o mundo, ou seja, a filosofia

suporta a cada tempo, a concepção de mundo de então.

Em cada concepção de mundo há uma preocupação central, uma concepção de homem, uma

concepção da natureza, um tipo de relação com o transcendente, uma instituição hegemônica.

A filosofia trata destes conceitos e das estruturas de mundo

que lhes são pertinentes.

Como amor ao saber a filosofia busca entender o passado e presente em busca de poder

colaborar com um futuro melhor. Forja conceitos quando seu escopo de ideias não é suficiente

para chegar a uma solução para as questões estruturais da existência humana. Nesse

processo, vai deixando um rastro, um caminho que vira estrada. Neste ponto nasce a ciência!

Assim se deu, por exemplo, com a Biologia. A vida já foi um dos ais importantes problemas

filosóficos e hoje é uma ciência com varias divisões e subdivisões. Neste processo há também

a contrapartida da ciência, que quando atinge seu limite retorna para a filosofia uma série de

questionamentos. Esta relação entre filosofia e ciência faz de cada ciência específica (Pode ser

que se passe o mesmo com cada ramo da filosofia em relação à ciência.) herdeira da filosofia.

Concepções de mundo

No que se refere à Administração, este processo que leva as ciências específicas a herdarem

elementos de seu marco teórico da filosofia, se inicia com os primeiros filósofos gregos. Os pré-

socráticos, ao observarem o ambiente ao seu redor, que o mundo segue uniformidades

universais e necessárias, ou seja, é ordenado. Logo na sequência, Platão e Aristóteles tratam

de explicar essa ordem natural e, além disso, aplicar a noção de "ordem" à perspectiva

relacional da existência humana.

Deste modo se consolida a concepção de mundo tanto natural quanto social, que é a base

teórica da cultura ocidental. Platão e Aristóteles estão inseridos no período de apogeu da

cultura grega, que com a invasão de Alexandre e com a corrosão pela corrupção presente na

sociedade grega, acaba por colapsar. 

Page 6: A filosofia como ferramenta importante para a administração

Agora o grego não tem mais poder sobre os rumos da cidade, pois as decisões pertencem ao

imperador. Ao grego, que perdeu todas referencias e vive num mundo e numa condição

totalmente nova, resta o poder sobre si mesmo, ou seja, sobre sua conduta. O período

póssocrático é marcado então pela reflexão ética.

A Idade Média apresenta uma situação bastante diferente. Com a queda do Império Romano

no Ocidente, o mundo medieval se fragmentou e a economia, por exemplo, teve como modelo

o feudalismo baseado na origem divina da propriedade; politicamente, as relações se

consolidam segundo o binômio senhor/vassalo num contexto em que o clero possuía muitas

terras e o imperador era cristão. Portanto, com a igreja cristã sendo a instituição hegemônica, o

conhecimento importante era o conhecimento metafísico, tendo a lógica como sua principal

ferramenta. Trata-se de uma cultura transcendentalista onde moral e lei estão baseadas nas

virtudes teologais e o indivíduo é concebido como fiel.

A Idade Moderna, depois do rompimento com os padrões medievais, apresenta uma estrutura

de mundo que é visivelmente distinta das anteriores. O modelo econômico é capitalista com

base nas ideias de livre iniciativa e lucro pessoal; é o tempo das discussões políticas, do

surgimento da burguesia individualista e das monarquias absolutistas; o conhecimento está

agora focado na astronomia e na experiência com o mundo material. Neste período a

instituição hegemônica passa a ser a Coroa, que é o ícone do domínio individual e a base para

a lei e a moral, que agora dependem da vontade do monarca. Nesta cultura individualista o

indivíduo é concebido como um súdito.

A Idade Contemporânea, mesmo sendo – em comparação aos demais – um período de tempo

relativamente pequeno, por conta de sua complexidade, deve ser divido ao menos em duas

partes. No século XIX, primeira parte deste período, o socialismo surge como uma reação ao

capitalismo forjado no período anterior e nascem os direitos sociais; no que se refere à política,

a ideia de república consolida a ideia de "coisa pública" e a burguesia firma seu espaço na

estrutura social. O conhecimento se orienta para o Direito e para a Sociologia. É o tempo da

cultura social e do Estado Político como instituição hegemônica e base para a lei e a moral. O

século XX, segunda parte deste período, é o tempo da economia de mercado; na política

firmase o Estado Econômico com a divisão social feita de acordo com o poder aquisitivo; o

conhecimento orienta-se para a tecnologia. A cultura é caracteristicamente materialista e a lei e

a moral dependem da instituição hegemônica que agora é a empresa produtiva, o que leva o

indivíduo a ser concebido como um produtor.

O breve relato histórico mostra que a cada tempo é marcado por uma concepção de mundo. A

mudança de concepção se dá porque surgem novas situações e com elas novas necessidades,

inclusive de novos instrumentos (conceitos) que sejam úteis para o entendimento do mundo.

Os gregos necessitavam explicar a ordem natural e a ordem social. Na cultura medieval a

necessidade estava em fazer a mediação entre a revelação divina e a realidade deste mundo. 

Page 7: A filosofia como ferramenta importante para a administração

Na Idade Moderna tem-se a necessidade de reconstruir, fazendo uso da razão, toda a

concepção de mundo – que agora não pode mais estar baseada em forças transcendentais. A

tecnologia e as novas conformações sociais exigem da filosofia contemporânea um apurado

exercício de fundamentação teórica dos processos gerenciais referentes principalmente a

fenômenos políticos e econômicos.

Herança

A filosofia consegue vencer esses desafios justamente pelo fato de que cria instrumentos

(conceitos) que permitem ver a realidade de um modo distinto. 

Platão, por exemplo, postula a divisão do povo grego em três grupos: o primeiro seria

constituído de pessoas com alma de bronze, as quais deveriam dedicar-se à agricultura, ao

comércio e às tarefas manuais; o segundo grupo seria constituído de pessoas com alma de

prata, as quais deveriam dedicar-se à guerra e a defesa da cidade; por fim, o terceiro grupo

seria constituído de pessoas com alma de ouro, as quais deveriam dedicar-se a (preparar-se

para) governar a cidade. Neste contexto estão presentes as ideias de hierarquia, função e

capacidade. A sociedade está em ordem quando cada um executa sua função de acordo com a

hierarquia existente. Estes aspectos destacados da filosofia de Platão são vistos na

Administração Científica por meio de seus três princípios:

a) Principio de preparo: fazer seleção de colaboradores atentando para suas habilidades e

capacidades de produzir mais e melhor no método escolhido para a produção. Cada pessoa

tem um conjunto de capacidades que pode servir para certar atividades e não servir para

outras:

b) Principio de controle: vigilância sobre as ações para assegurar que a 

produção se dê de acordo com o estabelecido. Um bom exemplo da utilidade da noção de

hierarquia;

c) Princípio de execução: distribuir diferentemente as ações e as responsabilidades para que o

processo esteja de acordo coma disciplina estabelecida.

Outro pensador que colabora em muito com a atividade administrativa é Descartes. Em seu

Discurso do Método são apresentados quatro preceitos que constituem o fundamento da

construção do conhecimento.

Page 8: A filosofia como ferramenta importante para a administração

a) Primeiramente, devemos receber toda a informação sem filtrá-la, somente examinando sua

justificação e racionalidade. Trata-se de investigar de investigar a veracidade e a procedência

da informação, aceitando somente aquilo que é evidente;

b) Analisar o tema em questão fracionando-o em quantas partes for necessário. Ao fracionar,

por exemplo, um grande problema, tem-se melhores condições para analisar e, se for o caso,

fazer as devidas experiências;

c) Fazer a síntese por meio da elaboração ordenada e ampla das conclusões.Deve-se começar

pelos objetos menos complexos para, gradativamente,chegar aos que apresentem maior

complexidade;

d) Por fim, sempre com preocupação em relação à coerência geral, deve-se numerar e revisar

cuidadosamente as conclusões.

Esses preceitos cartesianos apresentam a base para ideias como a divisão do trabalho e

controle. Se os gregos pré-socráticos apontam para o fato de que o mundo é ordenado,

Descartes mostra que essa ideia (ordem) pode estar presente também na construção do

conhecimento e na ação humana. Em processos produtivos, por meio da divisão do trabalho,

tem-se a especialização e uma melhor possibilidade de controle do processo específico de

cada etapa da produção. Portanto, se a coerência geral é observada no planejamento do

processo produtivo, o que se tem é uma planta produtiva ordenada e, por isso, consistente.

Na Administração Científica se pode ver claramente a presença do pensamento mecanicista

cartesiano, pois nesse tipo de administração, observa-se que:

a) A empresa é concebida como uma máquina que, com uma engrenagem formada pela

relação entre setores, funciona de modo equilibrado e coerente;

b) A especialização de colaboradores em determinada função, por exemplo, na 

linha de montagem faz com que o colaborador seja visto como uma peça da engrenagem da

máquina produtiva;

c) A concepção do indivíduo como produtor, sem levar em consideração as demais

perspectivas de sua existência;

Page 9: A filosofia como ferramenta importante para a administração

d) As relações são baseadas em prescrições e descrições, consolidando a hierarquia de forças

dentro da empresa.

Desde o surgimento da filosofia grega as bases conceituais da cultura ocidental estão sendo

forjada. Dentre muitas contribuições, foram salientadas as de Platão e Descartes. O primeiro

com, pelo menos, as noções de hierarquia, função e capacidade; o segundo ao discutir a

construção do conhecimento, apresenta um modelo que ação que pode ser adaptado ao

modelo produtivo. Já no século XX, a contribuição da filosofia é um pouco distinta. Uma vez

que a concepção de mundo baseada na ciência já está consolidada e que a construção do

conhecimento se dá de um modo que faz se crer em sua consistência, o foco do exercício

filosófico se alarga. A preocupação com a sociedade continua como também a preocupação

com a existência humana; porém, a reflexão sobre o conhecimento ganha destaque pelo fato

de que surge uma nova forma de concebê-lo. Se a Idade moderna, com Descartes, Newton e

outros, sentou a base para a segurança que se tem em relação ao conhecimento científico, o

pensamento de Popper suscitou, ao menos, um pouco de desconfiança em relação ao modelo

moderno.

Popper defende a ideia do falseacionismo. Não se pode saber se quando se tenha chego ou

não a verdade. O que realmente acontece é que as teorias seguem funcionando como

instrumentos para explicar fenômenos e então se segue fazendo uso delas. Contudo, é

possível que chegue um tempo em que uma teoria que se use seja refutada. Desse modo,

Popper inverte a lógica sobre o conhecimento, pois antes a busca era pela verdade

comprovada e agora a busca é pelas evidências das limitações da teoria, sua refutação. Em

outras palavras, antes a busca era por provar que a "coisa" é de determinado modo; agora, a

busca está focada no contraexemplo, ou seja, mostrar que o mundo não é como diz a teoria.

Esta mudança mostra ao administrador o quanto é dinâmico o mundo do conhecimento e como

não se pode ter um embasamento completamente sólido (estático). O ato de administrar

caracteriza-se por exigir oi constante exercício de examinar e reexaminar métodos e processo

para garantir a pertinência das rotinas adotadas. O conhecimento construído em ciências

sociais deve levar em consideração a situação, ou seja, não é imune a determinantes

específicos de cada contexto. 

Com Popper se aprende que o conhecimento não se justifica absolutamente, mas está

presente, por exemplo, no processo administrativo como um instrumento que por agora está

suprindo as necessidades, mas que pode ser mudado a cada vez que não conseguir mais

suprilas. Por vezes alguns fatores (internos ou externos) causam mudanças na cultura

organizacional e o controle passa a ser mais difícil; isto exige uma flexibilidade, expressa na

abertura para o diferente, em relação aos pressupostos que tem o administrador.

Page 10: A filosofia como ferramenta importante para a administração

Considerações Finais

Na era da globalização, das novas tecnologias, no mundo digitalizado. Tudo isso levou à

necessidade do conhecimento contínuo, do aprendizado permanente, da especialização.

As exigências para o trabalho são bastante diferentes da época Taylorista, na qual os operários

possuíam baixíssima qualificação e não havia mesmo praticamente necessidade desta.

O aparecimento da psicologia no processo de gestão organizacional nos anos 30, pouco tem a

ver com a visão de mundo hoje, bem mais individualista e competitiva.

Como deve ser filosoficamente esse novo homem?

Tem-se, também, os chamados modismos: o processo de gestão empresarial recebe os

impactos da cultura em que está inserido. A mitologia está presente na Administração através

de consultas astrológicas, numerológicas e outras práticas mágicas adotadas por algumas

empresas.

Na década de 80, a Filosofia Oriental esteve continuamente presente no mundo dos negócios

com a aplicação da Teoria Z de origem japonesa.

Após ver algumas características da ciência e da filosofia, em que pese às diferenças, é

possível ver que existe uma relação entre essas formas de saber de tal modo que se dá uma

dinâmica onde a filosofia municia a ciência com conceitos e esta última municia a primeira com

questões para as quais não tem uma base conceitual para trabalhar.

Assim, cada etapa da civilização ocidental, a partir de suas necessidades, forja novas formas

de ver o mundo, do que resulta o surgimento de novos conceitos e novas formas de saber,

filosofia e ciência respectivamente. Neste contexto, a partir de Platão, Descartes e Popper (e

poderia ser Aristóteles, Agostinho de Hipona, Guilherme de Ockham, Newton, Kepler,

Rousseau, Maquiavel, Hegel, Nietzsche, Wittgenstein e tantos outros), foi destacada a

contribuição da filosofia para a Administração, esta ciência social de tamanha importância em

nossos dias.

Com isso aponta-se para o fato de que também a Administração, como uma ciência, é herdeira

Page 11: A filosofia como ferramenta importante para a administração

da filosofia. Propondo-se um estudo mais específico da construção do saber administrativo ao

longo de sua história. Parece ser o caso de que este estudo deva regressar a tempos

anteriores a consolidação do saber administrativo como um saber científico. Eis um caminho a

ser trilhado...

REFERÊNCIAS

BALZER, Wolfgang; MOULINES, C. Ulises; SNEED, Joseph D. An Architecture for

Science. The Structuralist Program. Dordrecht: Reidel, 1987.

Bazanini, Roberto. Filosofia da Administração. Texto adaptado. Disponível em: <

http://www.casadosite.com.br/bazanini/baza52./> Acesso em: 05.abril. 2010.

CHIAVENATO, I. Teoria geral da administração. São Paulo: Makron Books, 1996.

SANTOS, A. R. Ética: caminhos da realização humana. São Paulo: Ave Maria, 2001.

SEARLE, J. R. The Future of Philosophy. In: Phil. Trans. R. Soc. Lond. B (1999) 354, 2069-

2080.

TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 8 ed. São Paulo: Atlas, 1990.

Filosofia e administração

Maria Ignez Prado Lopes Bastos*

Na administração, a análise das organizações pode ser realizada a partir de insumos de diferentes áreas

do conhecimento humano. A relação entre as teorias das ciências humanas e as teorias organizacionais é

evidente.

A análise dos problemas administrativos sob a ótica da Filosofia equaciona a relação indivíduo e

organização, propiciando novas formas de abordagens e encaminhamento de soluções a partir de um

arsenal inesgotável de idéias e sugestões pertinentes ao bem estar do empregado e sucesso

organizacional.

Alguns exemplos a seguir:

Page 12: A filosofia como ferramenta importante para a administração

Partindo da tensão existente entre indivíduo e organização inspirada nas noções de apolíneo e dionisíaco

em Nietzsche podemos analisar e propor alternativas de solução aos problemas que inevitavelmente

surgem nessa relação. De acordo com o pensamento de Nietzsche as pessoas são apolíneas e

dionisíacas, enquanto a organização é apolínea. Razão e instinto precisam se relacionar de forma

produtiva. Até que ponto e de que forma isso é possível? O encaminhamento de uma solução parte de

uma relação entre filosofia e administração para a equação correta da questão.

Através do Panoptismo (poder de vigilância permanente sobre as pessoas) discutido por Foucault

podemos falar sobre a administração do poder nas organizações e suas conseqüências na relação formal

e informal entre as pessoas no sentido horizontal e vertical da estrutura organizacional.  O panóptico, uma

arquitetura que permitia uma vigilância permanente e concreta sobre as pessoas que ocupavam seus

espaços fazia com que a pessoa soubesse que estava sendo sempre vigiada, assegurando um estado

consciente e permanente de visibilidade que permitia o funcionamento automático do poder. A pessoa era

vista, mas não via. Sempre objeto de uma informação, mas nunca sujeito numa comunicação. A função

era corrigir as virtualidades dos indivíduos. Através dessa vigilância as pessoas disciplinavam-se a si

mesmas. Esta é uma forma de vigilância que até hoje determina o controle social e é utilizada nas

organizações através de instrumentos de comunicação e de controle. Uma sujeição real nascida

mecanicamente de uma relação fictícia. Este conhecimento, a partir de pressupostos reais, possibilita

pensar a comunicação na organização como instrumento de fomento à liberdade de criação das pessoas

em direção aos objetivos organizacionais propiciando o desenvolvimento pessoal e organizacional.

O poder dos gestores na organização se manifesta através de políticas, normas e procedimentos que

vigiam e controlam os trabalhadores na realização das tarefas necessárias para o sucesso

organizacional. Através desses instrumentos disciplinares se consegue resultados positivos de produção

ainda que muitas vezes em detrimento da qualidade de vida do empregado. O quanto esta vigilância e

controle podem estar prejudicando um desenvolvimento e benefício muito maior para a organização?

A organização usa o poder para minimizar os efeitos dos discursos que possam prejudicá-la. Foucault

examina o discurso apontando como ele é utilizado para estabelecer e manter o poder, vender idéias e

controlar a corporeidade.

O poder disciplinar aplica-se a fim de estabelecer condutas e normalizar, a partir da definição de um

comportamento desejável a priori.

Foucault mostra os princípios básicos da disciplina que estão presentes nas organizações atuais:

existência de um lugar para cada um, controle da atividade em seus mínimos detalhes. O que será feito,

como e quando serão realizados os trabalhos. Horários de descanso, de refeições e horários para a

produção. Supervisão hierárquica. Tempo de produção. Treinamento. Autoridade e vigilância hierárquica.

Atenção permanente nas condições para o exercício da disciplina. Vigilância e normalizações constantes.

Os indivíduos são vigiados e controlados de maneira a poderem ser qualificados, classificados e punidos.

Através do exame, que combina vigilância hierárquica e sanção normalizadora, o que se pretende é o

aproveitamento máximo de forças, do tempo e da capacidade dos indivíduos. Entende que o discurso tem

função política e é instrumento de poder. Um poder que cerceia e limita. Quem pode dizer que se

aproveita realmente o máximo de forças das pessoas?

Atualmente, as organizações, de uma maneira mais sofisticada, exercem o poder disciplinar sobre seus

empregados a partir de um sistema político que extrapola a parte física da organização e define seu modo

de consumo e seu estilo de vida pessoal.

Uma sociedade é marcada por normas que se constituem a partir da necessidade do controle sobre o

indivíduo. A norma é constituída para conter a manifestação social e é definida pela posição de poder.

Quem pode faz a norma. As organizações não sobrevivem sem normas, sem rotinas pré-determinadas,

Page 13: A filosofia como ferramenta importante para a administração

sem controles, sem hierarquia e sem divisão de tarefas. Dentro da organização o poder é exercido

através da posição ou cargo que a pessoa ocupa. A intenção, na organização, através de seus

regulamentos, normas e lay out dos prédios que ocupam , é propiciar um poder de vigilância permanente

sobre os trabalhadores de forma que cada um possa ser observado pelos seus superiores e tenham

poucas oportunidades de conversarem entre si. A intenção é tolher ao máximo a comunicação informal no

ambiente de trabalho através das ferramentas utilizadas na comunicação formal. Porque de acordo com a

gestão organizacional a comunicação informal gera conluios e distrações que provocam acidentes,

atrasam e tornam menos perfeitos os trabalhos.

Como cidadão, numa sociedade democrática, o homem é teoricamente livre para ter suas próprias

opiniões, tomar suas próprias decisões e ser tratado de igual para igual. Como empregado, na prática, lhe

são negados todos esses direitos. Espera-se que mantenha sua boca fechada, faça aquilo que lhe foi dito

para fazer e se submeta às regras absolutas de seu superior que muitas vezes não são explicitadas com

clareza, mas intuídas a partir de um modo de agir.

A obra de Foucault levanta novas hipóteses para a análise das organizações mostrando que os indivíduos

estão ligados ao mundo organizacional através do modo de dominação disciplinar e do uso cada vez

maior de tecnologias de informação em que a rede de computadores também pode fazer o papel de

panóptico.

É através da observação sobre os empregados e dos interesses da organização que são definidas as

normas disciplinares.

Para Foucault, são as organizações que refletem e reproduzem a sociedade disciplinar.

A partir da utilização do conhecimento filosófico em benefício das organizações podemos lançar luz sobre

muitas questões administrativas e encaminhar soluções que beneficiem tanto as pessoas como as

organizações.

Maria Ignez Prado Lopes Bastos*, Mestranda em Filosofia pela Faculdade São Bento, formada

em Administração Pública pela FGV, é diretora da MTB Assessoria Organizacional e autora do livro

"O Direito e o Avesso da Consultoria".