a experiência de ser-no-mundo com um filho com síndrome de asperger · 2019-01-09 · a...
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A experiência de ser-no-mundo com um filho com Síndrome
de Asperger
Joana Patrício Ferreira
Orientador de Dissertação:
Professor Doutor Victor Amorim Rodrigues
Tese submetida como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Psicologia
Especialidade de Psicologia Clínica
2015
ii
Dissertação de Mestrado realizada sob a orientação de Victor
Amorim Rodrigues, apresentada no ISPA – Instituto
Universitário para obtenção de grau de Mestre na
especialidade de Psicologia Clinica
iii
Agradecimentos
Agradecimentos especiais aos meus pais pela perseverança e espirito de trabalho que me
transmitiram desde cedo. Por me terem proporcionado os meios para chegar onde cheguei, a
todos os níveis. Sobretudo por acreditarem neste meu sonho que agora se concretiza. Grata pelo
vosso amor.
Obrigada à minha querida avó que sempre me deu toda a força e acreditou igualmente na
minha capacidade de conseguir tudo o que sonho. Grata pela ajuda que igualmente me prestou,
pelo amor e importante presença na minha vida.
Se por um lado temos família de sangue, por outro temos família que não é de sangue mas
que representa o mesmo. Daniela Mota e Patrícia Teixeira um enorme obrigada pela amizade
incondicional, nos momentos mais felizes e mais infelizes. Sem esse apoio não seria quem hoje
sou, todos somos uma construção e vocês fazem parte da minha. Grata pela fortaleza que
sempre proporcionaram.
Um forte agradecimento a todas as mães que participaram amavelmente no meu estudo, pela
partilha e interesse na mesma investigação.
Presto igualmente um especial agradecimento ao meu orientador Victor Rodrigues, que se
mostrou um excelente profissional, pela atenção sentida e orientação da investigação.
iv
Resumo: A experiência de ser-no-mundo com um filho com SA merece toda a atenção dada a
escassez de estudos qualitativos na área. O entendimento de como é ser cuidadora, do impacto
que tem o diagnóstico, das estratégias usadas, do suporte sentido e perspetivas de futuro, são
aspetos interessantes de estudo. Este estudo foi composto por 4 estudos de casos, onde
integraram quatro mães de crianças com SA em período escolar, utilizando o IPA (interpretative
phenomenological analysis). Surgiu como estrutura invariante a escassa informação sobre SA,
estratégias de enfrentamento do problema causando uma grande fonte de exaustão; valorização
do suporte escolar; atitude mais paciente das cuidadoras face aos conjugues; desejo de
normalização e preocupações a nível das relações interpessoais. A nível de variâncias nos casos
foi notado quer suporte familiar, quer falta dele, contudo, no último caso, marcados sentimentos
de tristeza e incompreensão; isolamento social por introjeção das características do filho num
dos casos; e reinterpretação positiva do diagnóstico por uma das mães.
Palavras-chave: Síndrome de Asperger | Cuidadoras | Ser-no-mundo
Abstract: The experience of being-in-the-world with a child with AS deserves all the attention
due to the scarcity of qualitative studies in the area. Understanding how to be caring, the impact
it has the diagnosis, the strategies used, the support direction and future prospects, are
interesting aspects of study. This study consisted of four case studies, which integrated four
mothers of children with AS in school time, using the IPA (interpretative phenomenological
analysis). It emerged as invariant structure the scant information about AS, strategies of facing
the problem causing a great source of exhaustion; enhancement of school support; more patient
attitude of caregivers face the spouses; desire for standardization and concerns when it comes
to interpersonal relationships. In the variance of the cases was noticed either family support or
lack of it, however, in the latter case, marked feelings of sadness and incomprehension; social
isolation by introjection of the child's features in one case; and positive reinterpretation of the
diagnosis by one of the mothers.
Key-words: Asperger's Syndrome | Caregivers | Being-in-the-world
v
Índice
Resumo .................................................................................................................... iv
Abstract ................................................................................................................... iv
Índice de tabelas .................................................................................................... vii
Lista de abreviaturas: .......................................................................................... viii
Introdução ................................................................................................................ 1
Parte I - Enquadramento Teórico ............................................................................ 2
Capitulo I .................................................................................................................. 2
1.1 Evolução histórica do síndrome de Asperger ................................... 2
1.2 Caracterização do Síndrome de Asperger ........................................ 3
1.3. Interação social ................................................................................ 4
1.4. Comportamentos esterotipados ....................................................... 5
1.5. Comunicação e aspetos linguísticos ................................................ 6
1.6. Sensibilidade sensorial .................................................................... 7
1.7. Diagnóstico ...................................................................................... 8
1.8. Importância do suporte social como promotor do desenvolvimento11
Capitulo II ............................................................................................................. 13
2.1. O impacto do nascimento de um filho com deficiência ................ 13
2.2. O impacto de ter um filho com Síndrome de Asperger ................ 14
2.3. Bem-estar, stress parental e sintomas psicossomáticos. ............... 14
2.4. Estratégias de enfrentamento ........................................................ 16
2.5. Suporte social ............................................................................... 17
2.6. Impacto no subsistema conjugal .................................................... 18
2.7. Ter um filho com asperger – sentimentos ..................................... 18
vi
Parte II – Estudo Empírico ................................................................................... 20
Capitulo III– Objetivos ................................................................................ 20
Capitulo IV – Amostra ................................................................................ 21
Capitulo V – Método .................................................................................... 21
Capitulo VI – Procedimento........................................................................ 23
Capitulo VII - Apresentação e discussão dos dados ................................. 24
Apresentação dos resultados ................................................................... 24
1.1. Estudo de caso I .......................................................................... 24
1.2. Estudo de caso II ......................................................................... 26
1.3. Estudo de caso III ........................................................................ 27
1.4. Estudo de caso IV........................................................................ 31
1.5. Estrutura Invariante ..................................................................... 33
1.6. Variâncias Realçadas .................................................................. 33
Discussão dos resultados......................................................................... 34
Capitulo VIII – Conclusão .......................................................................... 46
9. Anexos .............................................................................................................. 55
9.1. Consentimento Informado ........................................................................... 56
9.2 Guião de Entrevista Semi-Estruturada .......................................................... 59
9.3. Entrevistas .................................................................................................... 61
9.4. Quadros de Analise IPA ............................................................................ 103
9.5. Quadro de temas emergentes IPA .............................................................. 140
vii
Índice de tabelas
TABELA 1 - DSM-V - Síndrome de Asperger……………….……………………….10
TABELA 2 -CID-10 Síndrome de Asperger …………………………………..………11
TABELA 3 - Temáticas finais IPA - caso I……………………………………………25
TABELA 4 - Temáticas finais IPA - caso II …………………………………………..27
TABELA 5 - Temáticas finais IPA - caso III………………………………………….29
TABELA 6 - Temáticas finais IPA - caso IV……………………………………….…31
TABELA 7- Estrutura invariante ………………………………………………….33
TABELA 8 – Variâncias……………………………………………………………….33
viii
Lista de abreviaturas:
SA- Síndrome de Asperger
AS- Asperger's Syndrome
PEA- Perturbação do Espectro Autista
PGD – Perturbação Geral de Desenvolvimento
ASD – Autistic Aspectrum Disorder
CID - Classificação Internacional de Doenças e problemas relacionados com a Saúde
– OMS.
Introdução
A designação de Espectro do transtorno Autista refere-se a uma condição clínica de
alterações cognitivas, linguísticas e neurocomportamentais, e que realça mais do que um
conjunto fixo de características. Representa várias combinações possíveis de sintomas
que pode ter maior ou menor intensidade. Reconhecer esta variabilidade de combinações
é fundamental para compreender as diferentes necessidades individuais (Direcção-Geral
de Inovação e de Desenvolvimento Curricular & Direcção de Serviços da Educação
Especial e do Apoio Sócio-Educativo, 2008).
Contudo, é de extrema importância olhar para a experiência do Outro e não
simplesmente categoriza-la. Deste modo, ser-no-mundo com síndrome de Asperger é
sempre uma experiência muito particular pois, tal como não existem duas pessoas iguais,
existem centenas de configurações da expressão, forma e intensidade das manifestações
para cada caso como é percetível de constatar no documentário Em Busca de Um Novo
Caminho (2012). Assim, a experiência de mães de filhos com autismo será então, também
ela, diferenciada da experiência das mães de filhos com SA, portanto, a meu ver, parece
tanto importante como investigar o SA em especifico, desenvolver estudos sobre o
impacto que pode ter na vida dos pais de portadores deste Síndrome.
Assim sendo, como é ser-no-mundo sendo mãe e pai de um filho com síndrome
de asperger? Esta investigação vem analisar detalhadamente essa mesma experiência
particular, numa visão fenomenológica-existencial, em busca da compreensão do sujeito
através das suas experiências de vida, com fim de chegar ao sujeito tal como ele se
apresenta.
2
Parte I - Enquadramento Teórico
Capitulo I
1.1 Evolução histórica do síndrome de Asperger
As PEA enquadram-se em perturbações severas do neurodesenvolvimento que se
desenvolvem pelas manifestas dificuldades de comunicação e da interação, imaginação,
alterações de rotinas assim como manifestações de comportamentos estereotipados e
restritos. Assim, estas dificuldades dificultam a fluidez do pensamento comprometendo a
aprendizagem, em alguns casos, mas sobretudo o contacto e comunicação com o meio
(Geschwind, 2009). Sousa & Santos (2005) salientam que o universo autista é complexo
com conceitos distintos mas que se tocam em certos pontos. As pessoas com PEA, apesar
de apresentarem características diferentes entre si, podendo ser consideradas mais ou
menos graves dependendo do grau de autismo. Algumas crianças não são capazes de
comunicar oralmente, enquanto outras são capazes de produzir frases completas, ler e
escrever bem (Jordan, 2000).
O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra austríaco Leo
Kanner, o psiquiatra ficou fascinado com os casos que recebera, onze crianças muito
diferentes entre si, e com condições únicas, dedicando-se apartir daí à consideração
detalhada das peculiaridades dos seus casos. De entre os casos acompanhados Kanner,
detetou dificuldades em manter conversas interpessoais, a maior parte das crianças não
falavam, outras tinham fala incoerente, dificuldades nos pronomes, tinham sensibilidade
a sons altos e agrado por movimentos giratórios e não estavam adaptadas as regras sociais.
Mostravam-se indiferença à presença dos parentes, num grande deficit de relacionamento
social, com grande satisfação no isolamento, tendo maior interesse por objetos (Kanner,
1943). Klin, A. (2006) Acrescenta que aproximadamente 60 a 70% dos indivíduos com
autismo funcionam na faixa do retardo mental. O autismo foi descrito por Ginger (2010)
como um fechamento em si mesmo com base numa solidão autista extrema sendo bastante
associado inicialmente à culpabilização das mães por uma não responsividade afetiva
para com os seus filhos, “mães frigorifico” (Klin, A., 2006).
Brito, A. et al. (2012) afirmam que distintamente aos casos de autismo de Kanner,
nos quatro casos do pediatra Hans Asperger as crianças não eram tão alheias e que o SA
atinge maioritariamente o sexo masculino, enquanto que no ultimo o sexo é
indiferenciado, apesar de tudo tinham igualmente prejuízos na interação social, fala e
3
baixa coordenação motora, avançando assim com a hipótese de fazer parte de um
espectro.
Asperger em 1994, denominou-a como “psicopatia autística”, com um forte
isolamento social onde não encontrava deficits intelectuais. Apesar do trabalho de
Asperger ter sido conhecido nos anos 70 nos países germanos, este foi eliminado num
bombardeio que destruiu o seu laboratório (Klin, 2006; Grinker, 2010). Klin (2006),
entende que o SA classifica os indivíduos com QIs normais ou superiores, contudo as
crianças apresentavam bastantes dificuldades na comunicação não-verbal, e uma empatia
pobre para com o Outro. Observou que estas mesmas crianças tendiam a intelectualizar
as emoções, demonstravam uma linguagem com um grau de formalismo, e por isso os
denominou de “pequenos professores”, numa tendência de fala prolixa, em monólogo e
algumas das vezes incoerente. Os seus interesses ocupavam em foco o seu tempo
normalmente, interesses sobre temas incomuns e que abordavam durante as suas
conversas (Klin, 2006; Grinker, 2010).
Olhando para o cenário histórico pode-se constatar que o conceito de autismo
sofreu entretanto mudanças pragmáticas, sendo que inicialmente era categorizado como
psicose no DSM-II (Bosa, 2002), posteriormente passou a ser reconhecido e classificado
pela primeira vez, assim como as suas subcategorias (incluindo o SA) como uma
perturbação geral de desenvolvimento, quer no CID-10 que no DSM-IV (publicada em
1994) (Cassarini & Scorsolini-Comin citado por Teodoro, 2013). Recentemente, uma
nova alteração em 2013 com a publicação do DSM-V, no qual se extinguiram as
subcategorias do espectro passando a ser classificado qualquer quadro de autismo como
Transtorno do Espectro autista (assunto mais à frente explorado) (American Psychiatric
Association, 2013).
1.2 Caracterização do Síndrome de Asperger
O Síndrome de Asperger (SA) é conhecido como uma vertente mais suave e de
alta funcionalidade do espectro de desordens pervasivas (presentes e perceptíveis a todo
tempo) e de desenvolvimento do Espectro do Autismo (Teixeira, 2005). Klin (2006)
declara que o síndrome de Asperger é particularmente caracterizado pelo deficit na
interação social, segundo Salle et al, (2005) fortes dificuldades em se relacionarem com
pessoas e com situações novas. Um prejuízo significativo no que toca quer ao
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funcionamento social quer ao ocupacional, comportamentos estereotipados, focos de
interesse, tal como no autismo, contudo não apresenta retardo significativo na linguagem
falada, no desenvolvimento cognitivo e auto-cuidados (Klin, 2006).
Em termos de prevalência, Teixeira (2005) aponta que estudos mais recentes
estimam que existe uma prevalência de 20 a 25 por 10 000 crianças com SA, face a apenas
4 a cada 10 000 com autismo clássico. Vários estudos têm trabalhado também nas causas
para as PEA, contudo ainda não são precisas, mas é consensual que tem origem
multifactorial, já Asperger (1944), no seu trabalho anunciou que esta perturbação era
transmitida por via genética, afirmando que ela era uma limitação da personalidade
herdada. Ruter (2011) afirma que apesar de não serem clara as causas, existem evidências
científicas que apontam para que os fatores genéticos tenham um papel relevante e é cada
vez mais provável que fatores epigenéticos e ambientais influenciem o seu aparecimento
e gravidade. Do mesmo modo já Antunes (2009) admitiu que os estudos feitos com
gémeos verdadeiros vêm reforçar esta causa para o SA. Contudo, também fatores de
origem pré-natal podem ser preponderantes, como a APSA- Associação Portuguesa da
Síndrome de Asperger afirma, podendo ser desenvolvidas infeções, hipotiroidismo
congénito ou ate mesmo alterações que surgem no momento do parto.
1.3. Interação social
Apesar do seu isolamento, caracterizado pelos pais e professores como estando no
“seu próprio mundo ” e preocupados com a sua agenda, não são crianças tao distantes
como se observa nas crianças com autismo Teixeira (2005). De facto, as maiores
dificuldades são a nível do relacionamento inter-pessoal, onde se denota um uso limitado
de contacto visual e expressões faciais e corporais, nomeadamente dificuldade em elogiar
e reconhecer elogios durante uma interação, assim como o mantimento de
relacionamentos (Beidel et al., 2000 citado por Magalhães & Andrade, 2013). Brito et al,
(2012) avançam que os indivíduos com SA têm claras dificuldades de interpretação
literal, experienciam emoções básicas, apresentando uma fala pouco entusiasta e
dificuldades a nível da comunicação não-verbal. Estas crianças têm uma logica que pode
surpreender os outros mas desenvolvem dificuldades em compreender as regras sociais,
não percebendo como se faz uma coisa ou o que o outro tenta explicar. Também se
observam expressões “flat efect” em que se denotam expressões artificiais ou fixas
quando está um ambiente animado (Stliman, 2010).
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Apesar do grande obstáculo ser a relação inter-pessoal, não se quer dizer com isto que
o sujeito com SA não possa ter interesse em fazer amizades e conhecer pessoas, porque
os tem, apesar de tudo esses desejos acabam frustrados pelas abordagens desajeitadas e
pela insensibilidade que transmite ao outro através de por exemplo sinais de tédio ou
pressa para sair (Brito et al, 2012). Klin (2006) já havia dito que a abordagem do outro é
marcada pelos gestos anormais, atitudes inadequadas e por vezes excêntricas (Klin,
2006). Os indivíduos com SA tendem a manter mais contacto com interlocutores adultos,
através de uma conversa unilateral muito caracterizada pelo discurso prolixo e por norma
sobre temas fora do comum mas com bastante interesse e segurança para o mesmo (Brito
et al, 2012). Este comprometimento a nível das habilidades sociais leva a frequentes
comportamentos problemáticos, como agressão física ou verbal, serem excluídos e até
mesmo recorrerem ao isolamento (Bauminger et al. 2003 citado por Magalhães &
Andrade, 2013).
Assim sendo, estas circunstâncias podem abalar negativamente a qualidade de vida
de indivíduos com SA, podendo no futuro causar problemas de ansiedade e de humor
(Rogers, 2000 citado por Magalhães & Andrade, 2013). Recentemente, Ozsivadjian,
Knott & Magiati (2012) realizaram um estudo através de grupos focais com 17 pais de
crianças e adolescentes com Síndrome de Asperger e ansiedade. Estes pais relataram que
seus filhos tinham grande dificuldade em expressar suas preocupações verbalmente e
mais mostrou sua ansiedade através de mudanças em seu comportamento.
1.4. Comportamentos esterotipados
Os indivíduos com SA têm comportamentos estereotipados (Brito, A. et al, 2012)
sendo bastante comuns os interesses restritos que ocupam o foco de atenção e
incoordenação motora (Klin, 2006). Bauer (1996) postula que a característica evidente e
fascinante nos indivíduos com é a sua peculiar, idiossincrática área de “interesse
especial”. Este interesse que merece o foco destes indivíduos não é similar ao do autismo
típico, que se baseia sobre objetos ou parte deles, pelo contrario no SA o foca dirige-se a
áreas intelectuais particulares, que surgem como um interesse obsessivo à entrada da
escola, como por áreas de maremática, ciência, geografia ou historia, sendo o seu objetivo
saber tudo e falar sobre essa mesma área de interesse. Urbanski (2008) afirma ter visto
crianças com SA onde o seu foco são astronomia, mapas, componentes de carros, aviões,
foguetes Muitas crianças à entrada na escola demonstram hiperlexia, isto é uma
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capacidade de leitura rotineira na sua idade precoce (Bauer, 1996). Mais tarde, Brito, A.
et al (2012) colocam em enfase que estas capacidades notáveis nas áreas de interesse
podem levar mesmo a garantir o seu próprio sustento
Um sinal que desperta para o SA, segundo Urbanski (2008), é o facto de até aos 3
anos de idade algumas crianças com SA estarem atentas a coisas inusuais como as rotas
das viagens que fazem de carro, ou ate mesmo fascínio por desenhos animados como
Power Rangers ou dinossauros. Estas áreas de interesses podem se manter até à vida
adulta, outras podem mudar com o tempo, sendo substituídos por outras. Klin (2006)
refere que as pessoas com SA podem usar as suas características e talentos para serem
utilizados numa possível obtenção de emprego.
1.5. Comunicação e aspetos linguísticos
Frith (1994) afirmava que todos os sujeitos com SA pertencem ao espectro autista,
tendo em comum com o autismo a deficitária comunicação, apesar de não tão agravada
como no autismo, sendo que estas dificuldades são subtis sobretudo sobre uma linguagem
pragmática e social. Alguns anos depois, Teixeira (2005) afirma que uma característica
distinta das crianças com SA relativamente às com autismo é a função linguística normal
e as habilidades cognitivas, onde se encontram resultados de QI medio ou acima da média.
Apesar de dominarem a linguagem e terem um vocabulário rico não o conseguem usar
em contexto social, dai que a sua maior dificuldades é a de interpretar e aprender as
capacidades da interação social e emocional com os outros. klin (2006) remete para a
dificuldades na compreensão de metáforas e informações não literais emitidas pelos
outros, através do tom de voz ou respostas indiretas.
Assim Stilman (2010) aponta que o discurso tem um padrão muito particular,
monótono e sem-interesse, palavras ditas de forma robótica e cuidadosamente avaliadas,
e o som da sua voz tende a ser melodioso, como se fossem sons cantados. Como Asperger
(1994) já havia mencionado é uma linguagem que não parece natural e que não aparenta
ser dirigida ao ouvinte mas sim para a um espaço vazio.
Urbanski, (2008) havia explicado que apesar de terem linguagem normal, existem
algumas destas particularidades, nomeadamente a prosódia, isto é a entoação, ecolália,
ecoar o som, volume, inflexão e velocidade da linguagem. Um tom formal ou arrogante,
gírias mal aplicadas. As dificuldades de interpretação são imensas, em grande parte
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porque a sua compreensão tende para o concreto, o que complica quando a linguagem se
torna mais abstrata, pois não é entendido o significado. Como compensação é frequente
mudar o tema para a área de interesse especial.
Em indivíduos com SA onde as capacidades intelectuais podem ser excepcionais é
possível encontrar casos extemos de elevado desenvolvimento linguístico, com óptima
pronuncia e gramática, ate mesmo em línguas estrangeiras (Jordan & Powell ,1995 citado
por Frith, 1996). Frith,1994, afirma que o que pode mesmo distinguir indivíduos com SA
é esta capacidade de falar fluentemente pelos 5 anos, mesmo que anteriormente tenha
existido uma lentificação do desenvolvimento da mesma.
1.6. Sensibilidade sensorial
Aarons e Gittens (1992) relataram antecipadamente a hipersensibilidade sensorial
a pequenos ruídos. A perceção sensorial no geral pode ser diferente em crianças
diagnosticadas com perturbação do espectro autista, com maior sensibilidade em alguns
aspetos sensoriais (Blakemore et al., 2006). Dunn, W., Myles, S. & Orr, S. (2002 referem
que esta hipersensibilidade sensorial leva muitas a uma experiência intensa e dolorosa ou
no mínimo desconfortável.
Em 2010, Stillman afirma que um som intenso pode fazer as crianças chorar ou
retraírem-se pelo incómodo causado, como por exemplo com o choro de bebés,
ambulâncias ou pessoas a rir; O canal visual é o que as crianças com SA mais utilizam,
sendo capazes de captar detalhes em ambientes simples como objetos a girar ou a bater.
As luzes florescentes ou fortes podem também ser um problema pois levam a que se
sintam desconfortáveis para estas crianças; Quanto ao toque, as crianças com SA podem
ser bastante seletivas no que toca às texturas, pois algumas lhe causam desconforto,
nomeadamente em roupas. Stilman acrescenta que são ainda observadas alterações
somáticas funcionais oro-alimentares, que podem ser precoces, podendo levar a uma
recusa de certos alimentos, ingestão indiferenciada ou recusa em mastigar os alimentos.
Myles & Adreon (2001) ao estudarem as questões escolares de adolescentes com SA,
entenderam e explicaram que a simples refeição num refeitório escolar pode
sobrecarregar o mundo sensorial da criança rapidamente de tal como que esta chega ao
limite de ter de sair do mesmo dado o desconforto extremo.
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1.7. Diagnóstico
O diagnóstico das perturbações autísticas pode ser realizado através da avaliação
direta do comportamento do paciente seguindo por exemplo os critérios clínicos no
sistema de classificação do DSM-V e no CID, pois ambos se baseiam na tríade de
interação social, comunicação e comportamento. (Direcção-Geral de Inovação e de
Desenvolvimento Curricular & Direcção de Serviços da Educação Especial e do Apoio
Sócio-Educativo, 2008). Teodoro, M., Cassarini, C., Scorsolini-Comin,F. (2013)
adiantam que é um facto que historicamente, que a classificação do SA está muito
relacionada com o autismo, sendo importante um conhecimento prévio deste mesmo para
compreensão completa. O aparecimento dos sintomas especificamente do SA
dificilmente é reconhecido nos primeiros anos de vida, sendo diagnosticado por volta dos
5 ou 6 anos, em alguns casos associado a suspeita de superdotação (Brito, A. et al, 2012).
Existe uma diversidade de capacidades e personalidades, os indivíduos podem exibir
atrasos mentais graves, outros são extremamente intelectuais, alguns recorrem ao
isolamento, outros procuram situações sociais, uns têm respostas lentas, outros são muito
ativos no seu ambiente (Dunlap, Pierce & kay, 1999). Dada esta multiplicidade de
características e singularidade destas crianças, e por vezes acabam por não ser bem
diagnosticadas sendo confundidas com desordens de atenção, distúrbios emocionais,
entre outros.
É também provável que dados os sub-tipos pode haver alguma confusão relacionada
no que toca ao diagnóstico e é possível que crianças muito parecidas sejam diferentemente
diagnosticadas dentro do próprio quadro de PEA, dependendo de onde e por quem foram
avaliadas (Urbanski, 2008). Por isto mesmo, em 2013 o DSM-V veio trazer alterações na
organização do autismo, eliminando-se as categorias assinaladas no DSM-IV, todas elas
passaram a ser encaradas como um só denominando-se por Transtornos do Espectro
Autista. Isto deve-se ao facto das distinções entre os transtornos parecerem inconsistentes,
assim parece mais clara esta alteração dado que os sintomas são comuns, continuando
contudo a haver espaço para os quadros clínicos e singulares do paciente como por
exemplo a presença ou não de deficiência intelectual ou prejuízo na linguagem. A
presença de atrasos ou deficiências sociais de comunicação, comportamentos sensoriais
incomuns, interesses fixos, rotinas e comportamentos repetitivos, são preponderantes para
a distinção entre TEA e outros transtornos. Foram encaradas as e os seus interesses
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restritos, fixos e intensos assim como comportamentos repetitivos (American Psychiatric
Association., 2013).
Segundo o DSM-V, os critérios clínicos para efetuar um diagnóstico de Transtorno
do Espectro Autista são:
A. Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e
nas interações sociais nos múltiplos contextos, manifestadas nas seguintes
maneiras:
1. Dificuldades na reciprocidade emocional-social, mudanças como por exemplo
uma anormal aproximação social e incapacidade de troca de dialogo. Uma
reduzida troca de interesses, emoção ou afetos. Uma incapacidade em iniciar ou
responder a interações sociais;
2. Deficits na comunicação não-verbal usada para interação social, como uma
pobre integração da comunicação não-verbal e verbal; anormalidades no
contacto ocular e linguagem corporal ou dificuldades em perceber e usar gestos;
uma total falta de expressões faciais e comunicação não-verbal.
3. Deficits em desenvolver, manter e perceber os relacionamentos. Por exemplo
dificuldades em adequar os comportamentos aos variados contextos sociais;
Dificuldades no jogo imaginativo e em fazer amigos e falta de interesse nos
pares.
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades,
manifestadas pelo menos duas das seguintes maneiras:
1. Comportamentos motores repetitivos ou estereotipados, uso de objeitos ou
discurso (por exemplo estereopatias motoras simples, alinhar ou lançar
objetos, ecolália ou frases idiossincráticas)
2. Insistências, adesão a rotinas inflexíveis ou padrões de comportamento
verbal ou não verbal (extremo stress a pequenas mudanças, dificuldades em
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transições, padrões de pensamento rígidos, necessidade em seguir a mesma
rota ou comer o mesmo todos os dias);
3. Interesses altamente restritos e fixos que são anormais em foco ou em
intensidade (por exemplo uma forte ligação ou preocupação com objetos
incomuns, excessivamente circunscritos ou interesses preservativos);
4. Hiper-ou Hiporeatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum em
aspetos sensoriais do ambiente (aparente indiferença à dor/ temperatura,
respostas adversas a sons específicos ou texturas; cheiro ou toque excessivo
de objetos, fascínio visual com luzes ou movimento).
C. Os sintomas devem estar presentes no início da infância, mas podem não
se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam o limite de
suas capacidades.
D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento
social ou ocupacional ou em outras importantes áreas de funcionamento
actual.
E. Estes distúrbios não são explicados por deficiência intelectual (desordem
do desenvolvimento intelectual) ou atraso de desenvolvimento global. A
deficiência intelectual e o transtorno do espectro autista podem
frequentemente co-ocorrer; para fazer diagnósticos de co-morbidade de
espectro do autismo desordem e deficiência intelectual, a comunicação social
deve ser abaixo do esperado para o nível de desenvolvimento em geral.
Tabela 1 - DSM-V - Síndrome de Asperger
Traduzido de: American Psychiatric Association. (2013).
Já o CID-10 entende o SA como:
11
Tabela 2 -CID-10 Síndrome de Asperger
1.8. Importância do suporte social como promotor do desenvolvimento
Brito et al (2012) vêm despertar para o facto de que o prognóstico pode ser bastante
favorável se o meio onde o indivíduo com SA está inserido for favorável ao seu
desenvolvimento, assim sendo a participação das pessoas que fazem parte da vida do
paciente tem especial relevância para o seu desenvolvimento. As próprias relações
interpessoais podem contribuir e muito para o processo de mudança na vida dos
indivíduos com SA, e foi isso que Fadda (2013) concluiu num estudo assente em histórias
de vida consultadas em filmes e livros autobiográficos de pessoas diagnosticadas com
autismo (autismo severo, autismo e Síndrome de Asperger) e entendeu que é fundamental
uma atitude facilitadora por parte do terapeuta, ou da pessoa de convívio, e isso envolve
ter uma postura aberta e de confiança, pois deste modo o individuo aceita a presença do
outro e consegue partilhar e elaborar melhor as experiencias vividas de modo a que este
se torne tudo o que pode ser.
Já em 1992, Castro afirmou que a família, em particular os pais, tem uma importância
determinante no desenvolvimento integral e global da criança, seja ela portadora ou não
de algum tipo de deficiência. Tem ainda como função, assegurar a segurança da criança,
na medida em que tem que satisfazer as suas necessidades mais elementares; protege-la
do exterior; facilitar o desenvolvimento coerente e estável proporcionando-lhe um clima
de autoaceitação. Também mais recentemente Brito at al (2012) realçou a grande
importância que todos os esforços sejam feitos no sentido de auxiliar o sujeito a conviver
com a patologia, sobretudo os familiares e amigos, devendo estes ter conhecimento da
12
situação vivida pelo paciente, num ambiente de carinho e afeto. Os próprios pais de
crianças com SA, segundo o estudo de Morison, Sansosti & Hadley (2008), têm a
perceção de que o apoio social, sobretudo o próprio apoio/ suporte parental é
imprescindível para os seus filhos com SA.
Antunes, 2009 afirma que as dificuldades e exigências de uma criança com SA levam
a que seja necessária a adequações por parte de todos os intervenientes no seu
desenvolvimento. Esta adequação parece fundamental a nível do suporte escolar, segundo
a Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular & Direcção de Serviços
da Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo (2008) os órgãos da escola devem
estar envolvidos na procura de respostas adequadas, desde os docentes de educação
especial, técnicos terapêuticos, psicólogos, terapeutas a outros serviços da comunidade
que se mostrem pertinentes, até mesmo ao suporte dos próprios pais de forma a responder
às necessidades individuais dos alunos com PEA, até porque não é comum estes
partilharem a sua vida escolar com os pais, contudo é exatamente com eles que o trabalho
deve ser feito. Deve-se apostar então na criação de unidades de ensino estruturados para
estes alunos, de forma integrada com colaboração e participação dos pais na avaliação
que serão informados das dificuldades e onde podem também eles exprimir as suas
preocupações. Também Morison, Sansosti & Hadley (2008) fizeram um estudo com pais
de crianças com SA, onde estes chegaram ao consenso entre eles de que os professores
devem realçar os pontos fortes dos filhos e dar suporte, envolvendo todo o serviço escolar.
Jindal-Snape, Douglas, Topping, Kerr & Smith (2005) concluem que no caso de
crianças com SA e autismo clássico, é de primeira ordem tomar decisões adequadas no
que toca à oferta educativa da criança. Os pais no estudo elaborado pelos mesmos autores
são da opinião de que os professores devem ter formação específica de autismo, e
concomitantemente olhar caso a caso devido às necessidades diversificadas de cada
criança, assim, e só desta forma vêm vantagem em que a criança esteja em escolas de
ensino regular. Para que não seja uma utopia o ambiente inclusivo, na opinião destes pais,
só é possível quando ha disponibilidade, qualidade e atitude na equipa, assim como uma
modificação do currículo.
13
Capitulo II –
2.1. O impacto do nascimento de um filho com deficiência
Aquando o nascimento de uma criança existe sempre uma grande mudança, quando
essa mesma é portadora de deficiência a situação é inesperada e assim sendo, tem um
impacto acrescido na vida familiar (Gongora, 2002). Neste sentido Fera (2009) afirma
que o é importante que a família responda de forma positiva e adaptada aos padrões da
relação.
A mudança pode ser drástica, pois uma experiencia que era expectável de ser repleta
de bons sentimentos, ou seja idealizada, passa a ser repleta de novas adversidades que
não eram esperadas, e deste modo exige um re-ajuste dos projetos e expectativas quanto
ao futuro (Gauderer, 1997). Para Franco & Apolónio (2002) o que acontece aquando se
espera um filho é idealização do mesmo, e ao receberem o filho essa idealizaçao não
desapareceu, continua mas de uma forma consideravelmente diferente. Sendo que algo
inesperado acontece há maior predisposição a desenvolver problemas de índole
psicológica. Estes mesmos autores no seu estudo, detectam que a vivência emocional dos
pais é manifesta por ansiedade, depressão, esgotamento e confusão e que estes têm de ser
cuidados tal como as necessidades desenvolvimentais das crianças com necessidades. A
reestruturação demonstra-se preponderante, assim como da dinâmica familiar. A coesão
familiar é tida como um pilar fundamental segundo as mães dando força e resistência
psicológica sendo sentida uma grande preocupação com o futuro.
Seltzer, Greenberg, Floyd, Petee & Hong (2001) fizeram um estudo longitudinal, em
três momentos da vida de pais que tiveram uma criança com uma deficiência de
desenvolvimento, um grave problema de saúde mental e um grupo de comparação
normativa, com o intuito de entender o impacto nas famílias a nível do bem-estar e
realização ao longo do tempo. Estes autores concluíram que os pais de crianças com um
atraso no desenvolvimento tiveram menores taxas de emprego e menores taxas de
participação social, mas com igual bem-estar psicológico aos pais de comparação.
14
2.2. O impacto de ter um filho com Síndrome de Asperger
Também o contexto envolvente de um individuo com PEA sofre um impacto
significativo pois estes demonstram sintomas constantes em todos os contextos que
vivenciam. Muitas vezes, por não existirem características físicas da perturbação, ela
torna-se, aos olhos de quem não conhece a perturbação, invisível e com grande frequência
são sub-avaliadas as competências e emoções das famílias, ou por outro lado podem ser
mal interpretadas. Assim as PEA afetam o portador do síndrome e, pelas suas
características, sobretudo pelas dificuldades de interação e de apoio continuado, também
a família. (Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular & Direcção de
Serviços da Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo, 2008).
Mugno, Ruta, D 'Arrigo, & Mazzone (2007) afirmam que os pais dos indivíduos
diagnosticados com transtornos de desenvolvimento, incluindo síndrome de Asperger,
podem enfrentar desafios maiores do que os pais de indivíduos com desenvolvimento
típico. Madeira (2014) concluiu que os pais denotam mais impacto aquando a idade dos
filhos começarem a interagir, comunicar e aprender, sendo preponderante para a
adaptação o esclarecimento e o apoio na altura do diagnóstico e posteriormente.
2.3. Bem-estar, stress parental e sintomas psicossomáticos.
Surgem sentimentos ansiogenicos, stress, medo, incerteza face á criança e até
mesmo à reacção da família, que pode chegar mesmo a duvidar das suas capacidades
(Silva - Guzman, 2002). De facto, o bem-estar de mães de crianças com PEA foi alvo de
bastantes investigações, sendo registados altos níveis de depressão (Carter et al., 2009,
citado por Smith, Greenberg & Seltzer, 2011). Blacher & McIntyre (2006) afirmam que
as crianças com PEA relatam maiores níveis de angústia que mães de crianças portadoras
de outras deficiências. Giallo, Wood, Jellett & Porter (2013) chegaram às mesmas
conclusões ao compararem mães de crianças com desenvolvimento típico com mães de
crianças com PEA, percebendo que estas últimas experimentam mais fadiga, têm má
qualidade do sono, baixa atividade física e apoio social, mais stress, ansiedade e
depressão, acresce a menor eficácia parental e satisfação. Uma conclusão dos autores foi
a necessidade primordial a necessidade de assistência às mães nestas condições. No que
diz respeito a sintomas psicossomáticos, Smith, Seltzer & Greenberg (2012) concluíram
que as mães de crianças com PEA relataram mais dores de cabeça, costas, exaustão, dores
15
musculares. Também Kuusikko-Gauffin et al. (2013) fizeram um estudo com pais de
crianças com PEA (autismo e SA) e sem outras perturbações e entenderam que as mães
do primeiro grupo atingem níveis de ansiedade social mais altos (causada por medo de
humilhação e/ou vergonha em situações sociais) e os pais também do primeiro grupo têm
mais sintomas somáticos e cognitivos face ao grupo de controlo. Reforçam a importância
de melhorar o bem-estar destes pais dado o seu contributo enorme para o desenvolvimento
emocional nos filhos.
Face à pluralidade de estudos que avaliam o stress em pais de crianças com PEA,
Epstein, Saltzman-Benaiah, O’Hare, Goll & Tuck (2008) desenvolveram o estudo do
stress parental em pais de crianças com SA percebendo que este era significativamente
maior nas mães que nos pais, associadas às grandes dificuldades de sensibilidade
sensorial e funções executivas, isto é planeamento, inibição e pelo quadro inconstante da
perturbação. Alertam ainda para a consideração deste stress parental quando se trabalha
com famílias.
A qualidade de vida das mães de crianças com SA tem também sido alvo de
estudos, Allik, Larsson & Smedje (2006) avaliaram a qualidade de vida de mães e 30
pais de crianças com SA, assim como de um grupo de pais de crianças com
desenvolvimento típico, sendo que nas primeiras as mães tinham menores níveis de bem-
estar sobretudo físico quando comparadas com os pais e que isso estaria relacionado com
os problemas de conduta e hiperatividade. Já Tonge (1999) havia notado que problemas
de comportamento eram comuns em indivíduos com SA. Mais recentemente, Brobst,
Clopton & Hendrick (2009) detetou que os pais de crianças com ASD experienciam mais
problemas comportamentais dos filhos. Igualmente Hastings (2002) havia dito também
que o bem-estar ou stress parental está relacionado com as próprias características da
criança, problemas de comportamento e a idade por exemplo. A pesquisa de Abbeduto et
al (2004) mostrou que o nível de stress parental e os desafios enfrentados pelos pais
variam conforme a gravidade e intensidade dos sintomas da criança assim como dos
factores familiares.
Mor., Ujiie, Smith & Howlin (2009) numa amostra de população japonesa,
estudaram também o stress parental em 193 famílias num grupo de pais de crianças com
SA e num grupo de pais de crianças com autismo, e concluíram que existiram níveis mais
altos nos pais de crianças com SA o que pode em grande parte ter a ter com os problemas
comportamentais e estereotipados que o quadro clinico revelam e os pais relacionam.
16
Além disso, pais de adolescentes com a síndrome de Asperger autismo relatam menor
qualidade de vida do que os pais de crianças e adolescentes com autismo, o que é
indicativo das dificuldades vividas entre estes pais (Mugno, Ruta, D 'Arrigo, & Mazzone,
2007).
Taylor & Warren (2011) entendem que a compreensão da experiência de vida dos
cuidadores torna-se fundamental, é importante perceber o grau com que experienciam os
sintomas depressivos assim como compreender igualmente quais os factores que podem
atenuar ou activar a angústia.
2.4. Estratégias de enfrentamento
Bonanno (2004) explica que se torna preponderante um certo nível de resiliência
por parte dos casais de crianças com necessidades especiais de forma a manter o equilíbrio
emocional, cognitivo e físico face ao stress sentido pela condição dos filhos Este impasse
de resultados faz com que haja interesse na investigação sobre esta temática assim como
dos factores e riscos associados ao ajuste psicológico materno em termos de autoeficácia,
optimismo e coping utilizado (Benson 2010).
Glidden, Billings, & Jobe (2006) reforçam que é importante entender os recursos
que os pais utilizam para o enfrentamento da situação, isto é coping utilizado, pois quando
as estratégias de enfrentamento usadas são adaptativas, usando uma estratégia focada no
problema ou reavaliação positiva então terão maior bem-estar psicológico ao contrário de
estratégias de fuga por exemplo.
A religiosidade das mães tem sido alvo de estudos, para alguns autores como Ekas
et al., 2009 está associada a melhores resultados no tratamento das crianças, por outro
lado outras investigações como a Tarakeshwar e Pargament, (2001) consideram que há
que ter em atenção ao apego religioso na medida em que pode ser um apego negativo,
através de uma atitude passiva deixando tudo nas mãos de Deus.
17
2.5. Suporte social
Bradford (1997) exaltou alguns factores que contribuem para a adaptação à doença
cronica, como as crenças sobre saúde, os sistemas de saúde, padrões de interação familiar
e padrões de comunicação intra e extrafamiliar, sendo que estes dois últimos iram oferecer
suporte.
Heiman & Berger (2008) realizaram um estudo com pais de crianças com SA e pais
de crianças com dificuldades de aprendizagem, comparados com pais de crianças sem
deficiência alguma, sendo concluído que os pais de crianças com SA têm além de maiores
níveis de stress, também menos expressividade na família, fraco sistema de amizades e
apoio social quando comparados com o grupo de controlo. Na verdade, os pais de crianças
com desordens desenvolvimentais demonstram dificuldade em pertencer a uma
organização social e ter amigos confidentes, sendo isto consequência do seu estilo de vida
mais acomodado à família em resposta às necessidades dos seus filhos (Seltzer, M.,
Greenberg, S., Floyd, J., Petee, Y. & Hong, J.,2001).
Milgram e Atzil (1988, citado por Schmidt & Bosa, 2003) empenharam-se na
avaliação dos diferentes papéis desempenhados por pais e mães de crianças com autismo
sendo que as mães pendem a apresentar maior risco de crise assim como stresse parental,
algo que está relacionado com os maior assunção dos cuidados com a criança como é
socialmente expectável, sendo frequentemente mencionado a falta de suporte dos
maridos, num desejo de que haja uma responsabilidade e cuidados conjuntos de forma a
não ser sentido tal desamparo. Por outro lado, entendem a menor participação pois vêm
o papel dos pais como um responsável pelas questões financeiras, que em contraposição
às expectativas.
Tudo aponta para que tal como para a criança com SA o apoio social é essencial,
também nos pais se mostra crucial para própria actuação do meio. Segundo Benson,
(2012) o apoio social, sobretudo familiares e amigos, apresentam efeitos benéficos sobre
a saúde emocional e física, reduzindo a angústia sentida pelas mães, constaram ainda e
que mães com mais perceção de apoio social tornam-se mais autoeficazes e humor acaba
por ser menos depressivo.
Todavia, outros autores como Valério (2004), investigaram mães de crianças
portadoras de deficiência mental em processo de reabilitação, concluindo que as mães
demonstram bons índices de qualidade de vida, a mesma ideia partilha Nunez (2003) onde
reforça que o importante é a reacção dos pais às doenças dos filhos .
18
2.6. Impacto no subsistema conjugal
Aquando um filho com PEA nasce, dado o maior nível de stress, há maior
probabilidade de existirem conlitos entre os pais o que pode afetar a satisfação conjugal
(Hastings et al., 2005). Apesar de Hastings et al afirmarem que os níveis de ansiedade e
depressao são observados em pais e maes, Bendixen et al. (2011) relatam que o stress
sofrido pelo pai é diferente do das mães, o que não implica que seja em maior ou menor
grau. Os autores Hartley, Seltzer, Barker & Greenberg (2011) reforçam que os pais têm
interação conjugais negativas e que isso pode ser devido ao stress relacionado com o
problema do filho. Brobst, Clopton & Hendrick (2009) fizeram também um estudo
comparativo com pais de filhos com ASD e pais de filhos sem a perturbação, percebendo
que além de fraco suporte social, existia uma menor satisfação conjugal. Contudo, algo
interessante é que não houve diferenças significativas nos grupos no que toca à perceção
de apoio do cônjuge.
Hartley et al. (2010) chegam a considerar no seu estudo que o risco de divorcio
aumenta em pais de crianças com ASD, apesar da maioria continuar casada. A taxa de
divórcio foi maior quando as mães eram mais jovens aquando o nascimento da criança
com uma ASD e quando a criança nasceu mais tarde na ordem de nascimento. Já foi
referida a importância do suporte, e Dunn et al. (2001) perceberam que os pais de crianças
com ASD que têm maior suporte social (apoio da família e amigos sobretudo), e pais que
têm estratégias de enfrentamento do problema tendem a ter menor risco dessas mesmas
interação conjugais negativas pois os níveis de stress são também eles menores.
2.7. Ter um filho com asperger – sentimentos
Ivey & Ward (2010) fez um estudo de caso, muito particular, com uma irmã de um
rapaz com SA e que posteriormente teve um filho com SA e de como isso interferiu nas
suas praticas parentais e que demonstra a vivencia nos dois sentidos. A mãe realçou no
estudo que vai continuar a lutar durante toda a sua vida pelos direitos e autonomia do seu
filho. A experiência com o seu irmão com SA teve um grande impacto no que toca à
estruturação do seu estilo parental, na medida em que decidiu encarar a deficiência do seu
filho ao contrário do que anteriormente os seus pais fizeram com o seu irmão. Para esta
mãe devem-se aceitar as características únicas das crianças com SA e ter em atenção quais
19
as necessidades das mesmas. Os seus outros filhos intervêm nas atividades diárias do
irmão e afirma que a sua família foi criada de forma a garantir que o irmão com SA fosse
entendido como normal. A mãe afirma que:
“Mothers [of children with autism] are the mother
tigers of the world. Whether you are born with this
personality or not… you become one.”p.10.
É uma facto que pais de crianças com autismo na maior parte das vezes não têm o
decrescer de responsabilidades consoante a idade dos filhos, dado que muitas vezes
continuam a viver com os mesmos na idade adulta (Seltzer et al., 2001) Em 2012, os
autores Griffith, Totsika, Nash, Jones & Hastings fizeram um estudo com o fim de entender
a experiência de pais de filhos adultos com SA, com três mães de adultos com SA e uma
mãe de um adulto com autismo atípico, através de entrevistas analisadas segundo o IPA,
deste emergiram seis temas: oferecer suporte “encoberto”, através da prestação de suporte
pratico (tarefas domésticas, lavar roupa, limpar, ir às compras e preparar refeições) apenas
um era independente, os restantes eram supervisionados nas tarefas domesticas e
crescimento pessoal pelos pais. Em termos de apoio emocional tendem a ser contactados
pelos filhos constantemente e respondem às suas ansiedades e desafios do dia-a-dia e
sentem isso como um papel que lhes é inerente; o papel de proteger, dado que a maior
parte das pessoas e serviços não sabe o que é nem como ligar com o SA; interação social,
que se demonstrou baixa havendo relatos de que o filho não tem amigos o que causa aos
pais muita tristeza e preocupação; a relação interfamilar, onde há grande diversidade
desde pais que sentem impossibilidade de chegar ao filho outros que chegam mas sentem-
se frustrados por não os “desbloquear” totalmente do seu “mundo” e que isso era uma
forma de barreira, relatam através de desculpabilização o comportamentos mais rudes dos
filhos; Suporte para os pais, demonstrou se uma grande surpresa pois estes sentiam que
não precisam dele, mas sim os seus filhos; e por fim, o suporte futuro, as mães dos filhos
dependentes delas referiram medos dado que precisam de apoio por toda a vida, quais os
familiares ou serviços que iram dar apoio, medos pela sua segurança e de oportunidades
sociais.
20
Parte II – Estudo Empírico
Capitulo III– Objetivos
As perturbações do Espectro autista têm sido estudadas ao longo dos anos, contudo
pouca é a investigação especificamente com pais de crianças e jovens com SA. Viver com
um filho com SA não é uma experiência equivalente à de viver com um filho com
autismo, dada a singularidade da existência que nos compõem.
Não é de hoje o meu interesse pela temática, foram por mim realizadas entrevistas a
pais num estudo anterior no intuito de entender as particularidades das crianças e jovens
com SA. Nessa investigação foram por mim reconhecidas as dificuldades dos portadores
de SA mas também um alerta para o impacto que essas têm na vida quotidiana dos seus
cuidadores.
O que este estudo procura é entender a experiencia de ser-no-mundo com um filho
com SA, em várias vertentes da sua vida. É um facto referenciado literariamente que os
desafios com uma criança/jovens com SA são imensos, e isso tem necessariamente
repercussões na vida dos pais, tal facto não pode ser subestimado. Muitos estudos
quantitativos têm sido feitos sobre mães e pais de crianças com perturbações do espectro
autista, a nível da qualidade de vida e stress sentido.
Contudo, como será sentido concretamente pelas mães, como cuidadoras de crianças
com as características que o SA envolve? Espera-se então compreender esta vivência
desde o impacto do diagnóstico, apoio conjugal, familiar e do grupo de pares, apoio
social, tipos de coping, maiores preocupações sobre as dificuldades dos filhos,
preocupações futuras e expectativas. Turato (2005) refere que no contexto de saúde é
importante conhecer esses fenómenos no sentido saúde-doença, entendendo mais
profundamente os sentimentos, idéias e comportamentos dos doentes, mas também dos
seus familiares. Sendo as mães cuidadoras destas crianças importa explorar como é esta
vivência em termos qualitativos numa amostra selecionada neste diagnóstico específico.
21
Capitulo I V – Amostra
A amostra, tal como o IPA pressupõe, é homogénea, sendo que os participantes
encontram-se todos eles na mesma situação de exploração podendo ser explorado o tema
em questão em profundidade, ou seja todos eles são cuidadores, mais propriamente, mães
de crianças portadoras de SA. A amostra é composta por mães da zona centro de Portugal.
A amostra foi recolhida através do contacto de mães que participam experiencias num
fórum, sobre os seus filhos com SA. Foram contactadas as primeiras 4 mães, verificando
o diagnóstico de SA. As idades das mães variam dos 37 aos 45 anos. Três das mães
encontram-se empregadas, sendo que uma deixou o emprego por opção de acompanhar o
filho. As idades dos seus filhos variam entre os 6 e os 10 anos.
Capitulo V – Método
Já Denzin & Lincoln (1994 citado por Turato, 2005) referiam que o estudo
qualitativo se debruça sobre o estudo de fenómenos no seu contexto natural, tentando dar
sentido ou interpretar os mesmos segundo as significações que as pessoas lhes atribuem.
Sendo que só podemos conhecer uma vivência, abordando-a tal como ela é expressa pelo
individuo, o método qualitativo foi o elegido para o desenvolvimento da investigação.
Segue-se o modelo fenomenológico-existencial, usando uma análise minuciosa,
aplicando o método IPA. A escolha de análise qualitativa dos resultados baseia-se na
riqueza que esta pode fornecer e pela sua escassez, quando comparada às pesquisas
quantitativas que se manifestam bastante mais alargadas nesta área de estudo. Como
Lagdridge (2007) refere, os estudos fenomenológicos abordam a pesquisa qualitativa em
jeito de entender mais sobre a experiência por meio da reflexividade. São usadas questões
de investigação abertas, seguindo um guião de entrevista semi-estruturada, de modo a
entender mais sobre um determinado assunto. As entrevistas foram concretizadas de
forma a privilegiar a reflexão do entrevistado. Assim não se pretendem obter
generalizações mas sim entender o fenómeno através das representações pessoais de cada
individuo, não em jeito de explicação mas sim de compreensão do fenómeno vivido.
O IPA foi o método utilizado, sobretudo por ser uma abordagem mais interpretativa
que descritiva. Foi desenvolvido por Jonathan Smith, na Universidade de Londres, sendo
a abordagem mais usada no Reino Unido. O IPA tem como objetivo ter uma exploração
detalhada da perceção que o individuo tem de um experiencia e qual o significado para
22
si. Envolve a análise temática dos dados de amostras relativamente pequenas, dado que o
interesse não é efetuar generalizações mas sim compreender o fenómeno. Ao contrario da
fenomenologia descritiva, procura amostras homogéneas, usando vinhetas ou entrevistas,
predominantemente semi-estruturadas, com espaço para reflectir acerca da experiencia, o
seu impacto, família, amigos, métodos de coping, entre outros. A transcrição da gravação
de entrevistas inclui as perguntas do entrevistador e respostas do entrevistado, focando-
se no conteúdo semântico e não nos detalhes. Segue-se a leitura e re-leitura, as vezes que
forem necessárias para criar familiaridade ao descrito pelo entrevistado. São apontando
na margem esquerda comentários ou interpretações baseadas no conhecimento da
literatura psicológica, com o intuito de dar significação ao texto original. Seguidamente,
são apontados na margem direita do texto transcrito os temas emergentes que representam
por sua vez unidades de significado psicológico. Com significado que reflecte
teoricamente as questões significativas ou seja as maiores preocupações. Sendo que esses
termos podem mudar na próxima fase. Nesta terceira fase por sua vez, listam-se os temas
numa folha de papel e posteriormente identificam-se ligações entre os temas e
reorganizam-se os mesmos, alguns agrupam-se e alguns dividem-se. Na última fase de
análise é criada uma tabela com todos os temas em ordem coerente, sendo que alguns
podem ser ignorados no caso em que não acrescentem algo para a análise ou não se
encaixem bem. Finalmente, os temas são analisados e é encontrada a estrutura invariante
entre os casos explorados.
23
Capitulo VI – Procedimento
Todas as participantes foram contactadas através mensagem num fórum de pais com
filhos com síndrome de Asperger, sendo contactadas por meio telefónico as que
demonstraram interessa na participação no estudo. Nesse primeiro contacto foram tidas
em conta as questões éticas que Langdridge (2007) abordou, como o consentimento,
anonimato e o objetivo da investigação, de forma aos mesmos o pleno conhecimento
sobre a natureza da investigação; a confidencialidade e anonimato, exaltando que todas
as informações recolhidas irão permanecer confidenciais e os seus nomes não serão
expostos. Após encontro e esclarecimento das participantes na investigação, foi elaborado
um guião semi-estruturado (Anexo A) com o intuito de colocar questões abertas,
propensas a reflexão do próprio. No último contacto telefónico foram ainda agendadas as
entrevistas.
Todas as entrevistas decorreram numa sala da universidade ISPA, num ambiente
relaxante e acolhedor, sendo dado de novo um enquadramento do estudo e o
consentimento informado. Procedeu-se à entrevista em si, gravada através do gravador
que compõe o telemóvel Huawei G6, sendo que as durações variaram de 30m a 1.15h.
Após as entrevistas estarem realizadas, e como o método o propõe, foram feitas as
transcrições sendo lidas variadas vezes de modo a criar familiaridade. Posteriormente
foram realizados os quadro de análise, onde no centro se encontrava o texto original das
entrevistas, comentários na marquem esquerda, e na margem direita os temas
preliminares. Esta fase representa o início do processo de conceptualização, onde se dá
um processo interativo entre o texto original e o leitor. Estas unidades de significado
psicológico, na margem direita, deram origem a temas preliminares. Estes mesmos temas
foram agrupados em clousters, de acordo com características comuns em termos de
significado, formando os quadros de temas emergentes analisados nos resultados que se
seguem. Para validar estes temas foram revistas as transcrições e ilustrados com citações.
Em seguida, os. Seguidamente os temas foram comparados e combinados em jeito de
um encontro com a estrutura invariante da experiência de ser-no-mundo mãe de um filho
com SA. Seguindo-se por fim, a respetiva discussão desses resultados.
24
Capitulo VII - Apresentação e discussão dos dados
Apresentação dos resultados
1.1.Estudo de caso I
Dados pessoais:
Nome: Filipa* Profissão: Desempregada (anterior: Arquiteta)
Idade: 41 anos Filhos: Rapaz com 8 anos (filho único)
Estado Civil: Casada Idade de diagnóstico: 1º ano de escola (6 anos)
Temática Final IPA
Impacto do diagnóstico
Falta de informação
Esclarecimento das características
Surpresa, sentimentos de desorientação e medo.
Início difícil de ultrapassar
Preocupações acerca do comprometimento a nível da socialização
Consequências do diagnóstico
Cansaço, grande envolvimento.
Decisão de não ter mais filhos
Superação das dificuldades - maior tranquilidade.
Atual sentimento de apoio
Papel de mãe
Atitude mais paciente que o conjugue
Acompanhamento recorrente no CADIN
Coping ativo e emocional. Instrumental.
Valorização das competências
Suporte Familiar:
Aceitação e grande fonte de apoio
Suporte escolar:
Inicialmente nulo Vs Atualmente forte
Apoio e integração – sentimento de normalidade
Apoio e vigiamento da professora e psicóloga
Suporte no grupo de pares:
Maior parte desconhece - Pouca procura de apoio
Significados:
Valorização do suporte pelo acompanhamento
SA como um favorecimento de melhor preparação para as dificuldades do futuro
Futuro positivo
25
Receios comuns aos de outros pais
Tabela 3 - Temáticas Finais - Caso I
No estudo de caso de Filipa* ficou evidente o sentimento de desamparo e falta de
informação após o diagnóstico, contudo pontoou maior esclarecimento sobre as
características do filho. Inicialmente foi difícil de ultrapassar e encontrar o caminho para
enfrentar o problema, contudo com o suporte sentido a nível escolar, psicóloga e familiar
tem superado as dificuldades. Sente-se mais tranquila pelo suporte ao filho, contudo não
esconde o grande envolvimento que é necessário da sua parte assim como o cansaço
adjacente a ele, levando a tomar a decisão de não ter mais filhos.
Filipa sente apoio por parte do seu conjugue contudo entende que ela tem uma
atitude mais paciente. Esta característica parece importante na medida em que é
essencial a seu ver para ultrapassar as dificuldades do filho, é uma“ responsabilidade
acrescida de ser paciente para o ajudar a ultrapassar as situações. Ultrapassar não no
sentido de ter cura, mas no sentido de aprender a lidar com isto e dar a volta por cima”
SIC. Presta ainda um Coping ativo virado para o problema, emocional e instrumental
na procura dos meios para o ultrapassar.
A entrevistada atribui um significado particular ao SA na medida em que ele
pode fornecer maior maturidade para enfrentar dificuldades futuras, tendo uma projeção
de um futuro positivo.
26
1.2.Estudo de caso II
Dados pessoais:
Nome: Madalena Profissão: Domestica
Idade: 45 anos Filhos: Rapaz com 10 anos (filho único)
Estado Civil: Casada Idade de diagnóstico: 2º ano de escola (7
anos)
Tabela 4 - Temáticas Finais IPA - Caso II
Tabela temática Final
Impacto após diagnóstico
Stress e surpresa
Diagnostico como esclarecedor
Abandono da profissão (domestica)
Consequências do diagnóstico
Despoletamento de sentimentos de proteção
Problemas conjugais agravados com o diagnóstico
Rotina e cansaço, queixas psicossomática- enxaquecas
Desinvestimento em si própria
Sentimento de alteração do seu Eu– afastamento social
Papel como mãe:
Coping ativo, emocional e procura de suporte social instrumental
Centração nas dificuldades do filho
Atitude paciente Vs marido menos paciente
Suporte Escolar
Valorização da aliança entre psicóloga e professora
Melhoramento da socialização
Suporte familiar
Aceitação e disponibilidade para apoio.
Sem procura deste suporte
Suporte do grupo de pares
Chamada de atenção para o seu desinvestimento em si própria
Favorecimento do campo relacional do filho e mãe no contexto familiar
Significados
Diagnóstico com evolução
Descobriu capacidade de coping
Valorização do acompanhamento – tranquilização pelo progresso de socialização
Receios no campo relacional e amoroso (contacto com o Outro)
Desejo de normalização a nível emocional
27
Madalena relatou uma vivência de grande stress e surpresa após o diagnóstico
de SA, apesar disso entende-o como esclarecedor da condição do filho. A exigência que
surgiu após o diagnóstico levou a que no momento do desemprego não procurasse
emprego. A sua situação conjugal era pontuada por discussões, sendo que o diagnóstico
veio agrava-las, pois têm visões diferentes em algumas formas de agir sobre o filho.
Apesar de inicialmente negar, a entrevistada foi refletindo em entrevista e consentiu uma
mudança do seu Eu, sobretudo a nível social, deixando de ter convívios e hobbies que
antes havia tido “eu tento transmitir calma a ele mas no fundo ando stressada com tudo o
que não lhe diz respeito, irritada, isolada.”SIC. O foco está no seu filho fazendo um
desinvestimento em si mesma, tentando proteger o filho do que o transtorna, entrando em
rotinas que a leva a sentir grande cansaço de tal forma que associa fortes enxaquecas ao
pós diagnostico.
Como mãe tem prestado Coping ativo, na procura de informação e
enfrentamento do problema. A procura de suporte social instrumental, isto é
acompanhamento adequado a nível escolar que se demonstrou preponderante para
melhorar socialização do filho. Destaca-se ainda o coping emocional. Madalena centra-
se nas dificuldades do filho tendo uma atitude paciente, sendo o seu conjugue menos
paciente para certas tarefas. A entrevistada valoriza bastante a aliança entre a psicóloga e
a professora. Não procura suporte familiar apesar de a este nível existir aceitação e
disponibilidade para tal, a nível do grupo de pares mantem alguns convívios no contexto
familiar.
Esta vivência para si significa um misto de descobertas e medos. Revela que
descobriu a sua capacidade de agir sobre o problema que desconhecia “ acho que
encontrei em mim forças para enfrentar o desconhecido” SIC. Entende que o SA é uma
patologia que permite uma evolução, valorizando a força do acompanhamento que a tem
tranquilizado. Tem por fim, um forte desejo de normalização das características do filho
e receios mais focados nas relações interpessoais a nível do contacto com o outro,
sobretudo a nível amoroso.
1.3.Estudo de caso III
28
Dados pessoais:
Nome: Patrícia* Profissão: Analista de Negócios
Idade: 45 anos Filhos: Rapaz com 8 anos (dois irmãos)
Estado Civil: Casada Idade de diagnóstico: 7 anos
Tabela 5 - Temáticas Finais IPA - Caso III
Este caso foi marcado por uma particular dificuldade em encontrar o diagnóstico
correto, de SA. Primeiramente, as características eram entendidas como imaturidade.
Tabela temática Final
Impacto do diagnóstico
Preocupação e não aceitação do diagnóstico de psicanalista - Sentimento de ser má mãe
Identificação mas surpresa com o diagnóstico de SA
Diagnóstico esclarecedor
Pouca informação
Alívio e aceitação
Consequências do diagnóstico
Re-aproximação conjugal e envolvimento no acompanhamento
Alteração do quotidiano familiar – maior cansaço
Pouco tempo livre - dedicado ao contexto familiar
Boa adaptação/ resposta às crises relacionadas com o síndrome
Papel de mãe
Procura do diagnóstico correto e informação
Procura de suporte social instrumental e Coping emocional – Mãe como pilar
Desinteresse na adesão a fármacos
Papel maternal de persistência e negociação Vs pai menos paciente
Sobrevalorização do bem-estar do filho em prol da perca do seu bem-estar
Responsabilização pelo suporte e desenvolvimento do filho
Discrepância no Suporte familiar
Suporte familiar do lado materno Vs falta de suporte e negação da família paterna
Valorização do suporte de família materna no acompanhamento
Família paterna não encara SA como problema
Suporte escolar
Suporte Escolar - integração escolar
Professora empática – desenvolvimento das capacidades interpessoais
Suporte de amigos
Valorização da aceitação e suporte dos amigos próximos
Significados
29
Mais tarde, procurou uma psicanalista que lhe alertou para o facto das características do
Diogo serem causa da fraca identificação com a figura materna criando-lhe um
sentimento de ser má mãe, embora não se identifica-se com as palavras ditas. Mais tarde
contactou com outro psicólogo especialista que lhe diagnosticou SA, sendo que esse
momento para si foi esclarecedor, aceitando por identificação das características e criando
um sentimento de alívio por saber o que se passa com o seu filho. Após o diagnóstico
houve uma grande alteração da rotina familiar, causando-lhe mais cansaço, tendo pouco
tempo livre, dado que dedica todo o seu tempo à família. A nível conjugal o SA
apresentou um significado muito particular na sua vida, a reaproximação ao seu marido,
o qual se envolve no acompanhamento do filho, fazendo uma díade com boa capacidade
de resposta e adaptação às crises do filho.
Encara que toda a procura do diagnóstico e informação se deveu a si, ou seja
teve um enfrentamento do problema, prestando uma procura de suporte social
instrumental, a nível escolar e no PIN, considerando-se o pilar para o filho. Entende que
o seu papel como mãe é o de ser persistente e usar estratégias de negociação com o filho,
sendo que o marido apesar de apoiar se mostra menos paciente. Tem a sensação de perca
de bem-estar, contudo prioriza o bem-estar do filho, responsabilizando-se pelo seu
desenvolvimento.
Sente que o suporte escolar adequado proporcionou a integração do filho e o
desenvolvimento das capacidades interpessoais. A nível do grupo de pares o suporte é
sentido e valorizado. Por outro lado, a nível familiar existe uma discrepância, por um lado
suporte da família materna o qual valoriza, por outro, falta de suporte e negação do
diagnóstico da família paterna.
Algo muito interessante de análise é ainda o entendimento de que após o diagnóstico entendeu
que, apesar de tentar controlar tudo, não é possível controlar tudo o que acontece. No geral
entende que é mais exigente educar o filho com SA, mas encara o futuro de forma
positiva, contudo revela receios quanto à impulsividade e distracção características do
filho, como o que possa acontecer a ele ou ele possa fazer ao outro. Receia ainda o
Perceção de que nem tudo é controlável
Noção da exigência do filho com SA face aos outros
Rotinas e entendimento literal como características mais trabalhosas.
Receio do preconceito e olhar crítico do Outro
Desejo de normalização
Receios quanto às suas crises (impulsividade e distração)
Encara futuro positivamente
30
preconceito e olhar crítico do Outro quanto ao filho e forma de agir com ele. Manifesta o
seu desejo pela normalização.
31
1.4.Estudo de caso IV
Dados pessoais:
Nome: Lara* Profissão: Professora
Idade: 37 anos Filhos: Rapaz com 6 anos (filho único)
Estado Civil: Casada Idade de diagnóstico: 6 anos (à quatro meses)
Tabela Temática Final
Impacto do diagnóstico
Surpresa, tristeza, desespero – pouca informação
Valorização do diagnóstico- esclarecedor
Procura de informação
Consequências do diagnóstico
Sentimento de esgotamento - Foco no suporte e compreensão do SA
Papel de mãe
Coping ativo e instrumental (procura de acompanhamento)e emocional.
Responsabilização pelo desenvolvimento –Tentativa de normalização
Necessidade de estar atenta, ser exigente e paciente - Dedicação total
Promoção da autonomia
Valorização das capacidades do filho
Marido aceita num papel mais permissivo Vs Mãe papel dominante e ativo
Valorização suporte escolar
Sentimento de acompanhamento adequado - tranquilização
Suporte familiar
Acusações e descredito no diagnóstico – sentimento de incompreensão
Má relação com irmã (psicóloga) após diagnóstico - tristeza
Suporte grupo de pares
Aceitação – apoio na necessidade de falar
Significados
Noção de trabalho das dificuldades
Preocupações relacionadas com socialização – receio de bullying
Expectativas positivas no futuro, dado o suporte
Dificuldade do outro em ver o problema
Tabela 6 - Temáticas Finais IPA - Caso IV
32
Lara enquadro o momento do diagnóstico com surpresa, tristeza e desespero “uma
mistura de tristeza com desespero mesmo, porque o meu filho era autista e pouco conhecia
sobre, sobretudo os casos asperger desconhecia” levando-a a procurar de imediato
informação sobre a patologia pois não ficou esclarecida em consulta. Esse momento foi
contudo um momento importante porque “ sabendo do diagnóstico eu poderia entender
muita coisa que até ai não entendia” SIC. Todo o processo após o diagnóstico tem sido
esgotante para a entrevistada, que se foca no suporte e compreensão da patologia do filho.
Como mãe, Lara presta um coping ativo, direcionado para o problema, coping
emocional e instrumental na procura de acompanhamento adequado. Demonstra valorizar
o filho estando sempre atenta, com exigência e concomitantemente uma atitude paciente,
numa dedicação total. Sente-se responsabilizada pelo desenvolvimento do filho, numa
tentativa de normalização das características, promovendo a autonomia. Quanto ao seu
conjugue apoia apresentando um papel mais permissivo, enquanto que Lara tem um papel
mais ativo e dominante. O suporte escolar é positivo fazendo-a sentir tranquilizada a esse
nível. O grupo de pares parece crucial na questão de apoio a nível de sentir-se
compreendida e poder falar sobre o assunto. Esse apoio torna-se importante na medida
em que não tem suporte familiar, sendo descreditado o diagnóstico, causando um
sentimento de incompreensão. Denota-se ainda uma má relação com a irmã que surgiu
logo após o diagnóstico dada a negação do diagnóstico de SA por parte da mesma,
surgindo acusações, como consequência é algo que entristece Lara.
Atribui ao diagnóstico uma significação de trabalho sobre as dificuldades, e a
noção de que há dificuldade do Outro em ver o problema. Manifesta preocupações
relacionadas com as relações inter-pessoais, ou melhor as dificuldades neste campo, com
receio de bullying, contudo tem expectativas positivas quanto ao futuro através do suporte
que lhe é dado.
33
1.5.Estrutura Invariante
Tabela 7- Estrutura Invariante
1.6.Variâncias Realçadas
Tabela 8 - Variâncias
Fraco suporte familiar- "sindrome invisivel"
Isolamento por introjecção
Tentativa de normalização
Estrutura invariante
Pouca informação sobre SA
Estratégias de coping direcionadas para
enfrentamento do problema
Valorização do suporte escolar
A nível conjugal mãe com papel ativo e
atitude paciente
Desejo de normalização
Preocupações a nível das relações
interpessoais
Surpresa e
desespero
Tranquilização
Valorização do
diagnóstico
Cansaço/exaustão
Receio do olhar
critico do Outro
34
Discussão dos resultados
Desconhecimento do SA
A vivência de ter um filho com SA ficou marcada pelo impacto provocado pelo
desconhecimento do síndrome. Este parece uma condicionante na vivência, pois o
primeiro impacto com a problemática deve ser esclarecedor. As mães referiram no geral
um apanhado sobre a patologia em si, contudo não foi algo bem definido e explicitado.
Associado a um diagnóstico vem sempre a necessidade de perceber como agir sobre ele,
a variados níveis. Neste ponto de situação houve necessidade de todas as mães em
procurar informação detalhada através de livros, internet e outros meios, consultando
especialistas de forma a entender qual a facticidade do problema e como agir sobre ele.
“Na altura senti me um pouco perdida e surpresa porque desconhecia de todo a
existência deste síndrome, ficamos assustados com o síndrome mas também em
como ajuda-lo, que profissionais consultar, o que fazer” Filipa
Apesar do pouco entendimento aquando do impacto do diagnóstico, e da surpresa
e desespero relatados, o diagnóstico mostra-se valorizado pelas mães após o seu
entendimento, revelando-se uma explicação para as características, clarificando a razão
das mesmas, que até ai não eram entendidas, quer no contexto familiar, quer no contexto
escolar, onde são maioritariamente notadas e referidas como obstáculos ao
desenvolvimento.
“Eu senti que o diagnóstico foi importante, quando a médica falou até ela sentiu
que era importante para mim, porque sabendo do diagnóstico eu poderia entender
muita coisa que até ai não entendia” Lara
“Um alívio! Porque aquela ideia de que eu era má mãe saiu-me da cabeça, ok…
não foi nada que eu tivesse feito, não foi por falta de atenção da minha parte, não
foi por negligência, pronto não foi por nada…” Patrícia
Tenório (2003) afirmou que a pessoa, no processo de diagnóstico não deve ser
apreendida como um fenómeno único, assim sendo não deve ser apenas avaliada segundo
padrões de comportamento pré-estabelecidos, respeitando a singularidade de cada
expressão do mesmo no sujeito. Assim sendo, esta visão não descredibiliza a importância
do diagnóstico, pelo contrário, considera-o, contudo não o estabelece em características
35
estabelecidas como os manuais de diagnóstico rotulam. O que parece ter tido impacto
negativo foi o facto de se olhar para o sujeito como um rótulo muito associado ao autismo,
e de não existir identificação dos filhos como autistas, dada a representação que as mães
têm do mesmo.
“(...) assustei-me… disse que o meu filho não era autista. Tinha aquela ideia de
que uma criança autista mal fala, se balança…” Madalena
Sendo o SA apresentado como um espectro do autismo, classificação refira no
DSM-V, leva a que surjam interpretações desajustadas, quer pela apresentação associada
sobretudo numa classificação das características e não nelas mesmas, algo agravado pelo
desconhecimento da patologia. Todos estes aspetos têm influência no olhar-sobre-o-
problema.
Assim sendo, talvez seja interessante considerar de que forma estes diagnósticos
sem rótulos vincados podem beneficiar o impacto e a vivência da pessoa com a patologia,
assim como o cuidador da mesma. Sobretudo a nível do SA, a literatura aponta para a
diversidade de expressões do mesmo, portanto deve-se entender a real importância de
colocar entre parênteses o conhecimento teórico (estabelecendo a epoché) e olhar a forma
de como a vivência se expressa, como é sentida. Considerando então que o diagnóstico
tem impacto na vivência posteriormente sentida parece interessante explorar esta
intersubjetividade. Assim beneficia-se a compreensão objetiva da realidade do sujeito e a
transmissão dessa mesma ao cuidador, tendo um significado mais genuíno e aproximado
da vivência do sujeito, e não baseado em classificações redutoras ou conceitos teóricos.
Estratégias de enfrentamento do problema
A forma de se lidar com um problema é algo crucial para entender a vivência da
pessoa. São várias as estratégias usadas para lidar com um problema ou uma situação
inesperada.
A experiência de ter um filho com SA, foi marcada por estratégias de enfrentamento.
Embora tenham sido apontados familiares onde tenha existido a negação do problema,
em nenhum caso foram relatas estratégias de negação do mesmo por parte das cuidadoras,
sendo notório a persistência para o esclarecimento do problema detetado nos seus filhos.
Neste sentido surgiram estratégias de enfrentamento do problema e das crises através de
36
coping ativo, procura de suporte social e coping emocional. Carvalho, I.; Campos, L. &
Verissimo, L. (2010) no seu estudo revelaram que as estratégias mais utilizadas por
cuidadores informais de crianças com PEA são resolução de problemas (pela existência
de redes de suporte familiar, social e profissional capazes de responder às necessidades
do filho), indo ao encontro dos relatos dos casos analisados.
“comprei tudo o que há para comprar de livros de Asperger, tenho sete ou oito
livros diferentes” Patricia
“Tento dedicar o meu tempo todo, trabalhar as coisas que estão em deficit…”
Lara
“É mesmo ajuda-lo e procurar esse suporte, essa ajuda que ele precisar. Além
de todo o papel de mãe, que é dar carinho e estar presente.” Filipa
“Mostrar-lhe que não está sozinho, que o amo muito…”Lara
As estratégias de coping de enfrentamento do problema demonstram de tal
forma o envolvimento das cuidadoras que as leva a um ponto de exaustão, relatado por
todas as cuidadoras. Este resultado vai ao encontro dos estudos quantitativos elaborados
onde afirmam que existe em mães de crianças com PEA maior sentimento de angústia e
stress sentido (Giallo, Wood, Jellett & Porter,2013; Blacher & McIntyre, 2006).
Carvalho, Campos & Veríssimo (2010) referem igualmente que a avaliação mais negativa
referente à prestação de cuidados a crianças com PEA são os agravados sintomas de
stress.
“Leva-me a um ponto de exaustão enorme. Ele é muito absorvente… De uma
maneira que os irmãos não são.” Patrícia
No caso de Madalena há uma referência a aspetos a nível psicossomático,
nomeadamente as dores de cabeça, sintomatologia também referida como evidente em
mães de crianças com PEA no estudo de Smith, Seltzer & Greenberg (2012).
“Fisicamente esse cansaço fica evidente, se pensar bem até as enxaquecas
surgiram depois disso…” Madalena
O coping prestado é esclarecedor do significado que a vivência tem para o sujeito,
de um lado demonstra um enfrentamento necessário do problema que surgiu e que é
encarado no projeto de vida das cuidadoras, como algo a ser trabalhado pela vida fora.
37
Por outro lado, deve ser entendido o impacto que este envolvimento tem. A exaustão
sentida deve ser atendida em acompanhamento evitando ainda situações como a detetada
num dos casos em estudo, e mais a frente abordada pela sua variância, o caso de
afastamento social e fusão com as características do filho. Dada esta compreensão é acima
de tudo essencial, tal como Taylor & Warren (2011), referiram no seu estudo, garantir o
bem-estar das cuidadoras pois são também elas as impulsionadoras do desenvolvimento
dos filhos.
Valorização do suporte escolar
É sem dúvida o contexto escolar que mais é abordado pelas mães de crianças com SA.
Tende a ser neste âmbito que surgem os primeiros alertas, sobretudo pelas dificuldades
óbvias nas relações interpessoais e os comportamentos desapropriados, tal com referido
por Madeira (2014) que concluiu que os pais têm maior alerta na idade em que os filhos
começam a interagir. É inquestionável a necessidade de se sentir apoio por todos os
envolventes para que sejam detetadas as inconsistências e surjam parcerias para
soluciona-las de forma correta e atempada. A intervenção a este nível deve ser uma
preocupação na medida em que condiciona bastante o desenvolvimento da criança e,
assim sendo, tem impacto na vivência das cuidadoras, na medida em que um bom
acompanhamento escolar é verdadeiramente valorizado.
“este ano não, porque a professora já teve problemas com crianças com as mesmas
características e sabe como lidar, mas por exemplo o ano passado o Diogo estava
completamente isolado. (…) aquilo custava-me horrores.(…). Mas pronto…(…) o
que se passa este ano é que como a professora tem esta sensibilidade isso não está
a acontecer.” Patrícia
Este relato de valorização do suporte escolar sentido não é exclusivo de Patrícia.
Todas as mães revelam maior tranquilização pelas competências e interação adquiridas
através dele. Benson, (2012) referiu que este apoio sentido reduz a angústia sentida pelas
mães, constaram ainda e que mães com mais perceção de apoio social tornam-se mais
autoeficazes.
38
“quando os meninos não brincavam com ele, isso psicologicamente afetou-me
bastante. Foi uma altura muito má nas nossas vidas na minha e da dele, e fui-me
muito a baixo. Mas agora na altura só colégio tive muito apoio da professora e
mesmo a nível das auxiliares do colégio e tudo… nunca mais foi incomodado
pelos colegas, pelo contrário conseguiu-se integrar muito bem na turma.” Filipa
O aspeto que emerge com maior preponderância quanto ao suporte social sentido é
exatamente este, o desvanecimento das dificuldades de interação com o outro, na medida
em que neste contexto pode ser promovida a integração e envolvimento do aluno
identificado com os restantes, através de estratégias específicas. Sendo uma das maiores
preocupações as dificuldades de interação e questões de bullying, entende-se que este
sentimento de tranquilização surja com este apoio. Interessante de rever neste estudo que
tal como no de Griffith, Totsika, Nash, Jones & Hastings (2012) o suporte para os filhos é
destacado como prioritário.
Necessidade de atitude paciente e papel ativo
Invariante foi também a noção da necessidade de ter uma atitude paciente para atender
às dificuldades e acompanhar positivamente o acompanhamento do filho com SA. Dadas
as características fomentadas em rotinas e inflexibilidade, foi comum a todas as mães o
relato de paciência, persistência sobre essas mesmas, paciência essa que não existia em
algumas mais e tornou-se importante desenvolve-la.
“Além disto é uma responsabilidade acrescida de ser paciente para o ajudar a
ultrapassar as situações.” Filipa
Outra questão é o apoio a nível conjugal que é sentido, contudo o pai não tem em
nenhum caso um papel dominante no acompanhamento, são as mães que prestam um
apoio principal. Milgram e Atzil (1988, citado por Schmidt & Bosa, 2003) já haviam tido
interesse por esta questão concluindo no seu estudo que existem diferentes papéis
desempenhados por pais e mães de crianças com PEA, sendo os homens mais dedicados
à manutenção financeira.
Esta questão foi algo notado através das estratégias de enfrentamento e o grande
envolvimento que já foram relatados, contudo intensificado quando abordado o suporte
39
conjugal. Os pais parecem ser mais impacientes no que toca no lidar com as características
ou tarefas das crianças com SA. Resultados que podem ser entendidos emparelhando a
visão de Bendixen et al. (2011) que relatam que o stress sofrido pelo pai é diferente do
das mães, o que não implica que seja em maior ou menor grau.
“Claro que eu é que domino nesta questão, em todas as casas há alguém que
domine, normalmente a mãe. Enquanto eu fizer as coisas ele deixa-se levar, se for
para fazer ele faz, mas sou eu que lhe passo a informação, acompanho o menino as
consultas, disse que era importante ir a psicóloga e ele foi (…) pronto há
determinadas situações onde faço questão que ele esteja e ele está lá e apoia e
acompanha, mas de um modo geral é a mãe que tá ali.” Lara
Tal como Brobst, Clopton & Hendrick (2009) referiram mães de filhos com ASD
não expressão uma perceção negativa do apoio do cônjuge. Compreende-se que
necessitam da sua aceitação e apoio, contudo o papel ativo sobre a patologia é entendida
como um papel seu, papel de mãe.
Tentativa de normalização
Se por um lado, há aceitação das mães quanto ao diagnóstico, por outro as estratégias
de enfrentamento do problema e os desejos passam por uma tentativa de normalização
das características do SA. A normalização segundo a reflexão de Casa-Nova (2013)
significa uma ideia de um modelo que se entende como algo a seguir pela sociedade,
como algo que deve ser adotado. Esperar que alguém aja com normalidade é esperar
alguma previsibilidade no comportamento do Outro, o que favorece segurança.
Compreende-se que esta vivencia seja caracterizada pelo desejo de normalização pois ele
confere segurança à vivência das cuidadoras no que toca ao futuro. Esta tentativa
demonstra-se de variadas formas, desde a nível interpessoal a nível de comportamentos
esperados.
“E espero que daqui a um, dois, três anos, ele esteja menos Aspie que agora.”
Patrícia
“E quero que um dia tenho uma mulher, case…” Madalena
“mas gostávamos que ele fizesse mais coisas, jogasse a bola, fizesse legos,
puzzles… essas coisas que os outros meninos fazem não é?” Lara
40
De alguma forma, todas as mães desejam que dentro de alguns anos os seus
filhos tenham as suas mais fortes características do SA atenuadas. Parece existir uma
ligação entre este desejo de normalização pelo preconceito e incompreensão ainda
existente sobre as características do SA, estando muito associado também ao autismo.
Existe uma visão do olhar crítico do Outro e receio dele mesmo. Existe uma dualidade
entendida, por um lado a preocupação recai sobre o melhoramento da qualidade de vida
do filho, pelo atenuamento das características que a podem comprometer, entendendo o
diagnóstico como algo com evolução e não regressão, por outro também existe especial
atenção sobre como o Outro olha para o diagnóstico e como o compreende.
“agente diz que o Diogo tem Síndrome de Asperger, as pessoas dizem: ah isso é o
que? A gente diz que é uma doença do espectro autista, o que é que fica retido na
altura? Autismo, no dia a seguir já estão a dizer que o filho da Patricia* é autista
e dois dias depois o filho da Patrícia* já é deficiente, e eu não quero isso, porque
já viu o Diogo e o Diogo é uma criança normal…Tem algumas características
quando passa aquele bocadinho em que descompensa, é o fim do mundo, mas
tirando isso é uma criança normal.” Patrícia
Assim sendo, e também pelo já referido impacto que o diagnóstico tem nas mães,
mostra-se essencial fazer um esclarecimento à população em geral sobre este síndrome.
Existem já variados fóruns e sites de apoio ao autismo e as suas vertentes, contudo talvez
seja preponderante divulgar de forma mais abrangente pelos sistemas de comunicação,
de forma a que se entenda as habilidades e competências possíveis nestes futuros adultos.
Para romper com o estigma dirigido a estas crianças e o qual afeta o bem-estar das
cuidadoras, é importante mudar o paradigma da sociedade, compreender certos
comportamentos de crianças e adultos com SA como algo adaptado, não à sociedade em
geral, mas ao seu mundo-sentido. Como Galli (nd.) refere, ouvir ou entender os sintomas
não fará com que eles desapareçam, temos de integrar em nós mesmos o que representam,
de tal forma que os sintomas passam a ser algo que não necessitamos mais. É um facto
referido literariamente que na maior parte dos casos as características se mantêm pela
vida adulta. Na visão deste autor assim nestes casos transformasse a doença. Esta
perspetiva é interessante pois só assim é possível perceber a riqueza e ter o proveito das
capacidades destes futuros e particulares adultos.
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Preocupações a nível das relações interpessoais
Sendo as relações interpessoais a características mais vincada nas crianças com SA é
normal que seja esta uma das maiores preocupações das mães das mesmas. Nos casos
foram relatadas algumas relutâncias quanto a profissões em contacto direto com
pessoas, e dificuldades em entender e receber o afeto a nível amoroso. Foram ainda
salientadas preocupações relativas à impulsividade nas relações interpessoais, onde
existe medo de Patrícia* no magoar o outro, e ainda receios relacionados com bullying.
“imagino é que em trabalhos onde seja preciso o contacto com outras
pessoas se atrapalhe mais…” Madalena
“é só mais a parte afectiva que me preocupa, porque ele é muito afectuoso!
Mas às vezes não sabe como ter esse afecto.” Madalena
“Mesmo assim tenho receio que não as consiga manter pelas suas
características ou não consiga fazer novas amizades no futuro porque ele é
um menino de hábitos lá está….” Filipa
“As pessoas de fora, de quem ele não gosta evita muito o contacto, evita olhar
nos olhos” Patrícia
“o problema da socialização, o problema que mais me preocupa, porque é
com isso que vai ter de viver para o resto da vida, é a mais evidente nele e a
que mais me preocupa” Lara
Entende-se que é por meio da socialização que nos desenvolvemos, com o outro
como parte integrante no nosso projeto de vida, quer a nível de estruturação emocional,
quer a nível profissional. Griffith, Totsika, Nash, Jones & Hastings (2012) fizeram um estudo
com três mães de adultos com SA e uma mãe de um adulto com autismo atípico, através
do IPA e concluíram igualmente que a interação social na vida adulta se demonstrou baixa
havendo relatos de que o filho não tem amigos o que causa aos pais muita tristeza e
preocupação. Assim sendo, parece ser totalmente legítima esta preocupação.
42
Variâncias
Apesar do IPA se basear no encontro de uma experiencia comum, entendida pela
estrutura invariante e evidente em todos os casos, também as variâncias têm importância
expressa. Sendo o homem um ser singular é justificável a emergência de diferentes
significados psicológicos nas cuidadoras, também eles explicativos da experiencia
individual e relevantes para análise e futuras reflexões e intervenções terapêuticas.
Suporte familiar – Síndrome “invisível”
Interessante também é reparar que apesar de nem todos terem um forte apoio
familiar, pela maioria dos casos parece existir tristeza quanto a isso. Sobretudo, parece
existir tristeza pela negação do mesmo pela desvalorização das características. No caso
de Lara admite sente que os familiares não veem um problema evidente, tendendo a
apontar o diagnóstico como um exagero, crendo que as características passam com a
idade. Lara revela sobretudo grande tristeza quanto a sua irmã que é psicóloga e nega o
diagnóstico de SA, acusando-a de ser ela a culpada das características do filho.
Para mim é algo muito mau, faz-me sentir incompreendida como se defendesse
algo absurdo mesmo fundamentado pelos psicólogos, pediatras,
professoras…Lara
Também no caso de Patrícia a família desconsidera a necessidade de gastos em
médicos e acompanhamentos:
“na cabeça deles com o Diogo não se passa nada, porque acham que o Diogo é
uma criança normal e que aquilo que ele tem é teimosia, e pronto- a tua cunhada também
era assim” Patrícia
Apesar de existir em apenas dois casos é importante ter um olhar critico sobre esta
questão e incluir nos planos de acompanhamento sessões dirigidas aos familiares onde
haja esclarecimento dos mesmos, favorecendo a credibilização do diagnóstico e apoio
para o enfrentamento do mesmo.
43
Reflexão positiva do significado do diagnóstico
O significado atribuído ao diagnóstico mostra-se importante, no caso de Patrícia
entende-se que apesar de haver uma tentativa de normalização, tem noção de que algumas
não se apagaram no tempo. Que o que caracteriza o seu filho como pessoa engloba as
características do SA, aceitando-o de tal forma que não as mudaria se pudesse. Passo a
citar:
“E se me perguntarem se eu as mudava, não… não mudava, porque é assim que eu
gosto dele. Com estas características que ele tem porque… ele é assim!” Patrícia
Ainda no caso de Patrícia parece haver tal reinterpretação positiva do problema que a
entrevistada entende que lhe beneficiou, apesar da exaustão sentida, congruente com o
estudo quantitativo de Carvalho, Campos e Veríssimo (2010) onde detetaram uma
correlação positiva entre a resolução de problemas e criação de perceções alternativas dos
acontecimentos. Com esta vivência Patrícia tem entendido que nem tudo é controlável,
algo que antes era uma constante na sua vida. Esta vivência de controlo de horas e de
situações alterou-se, tendo consciência de que na vida tudo muda, não sendo uma
mudança algo incontornável. Entende assim algo muito importante, que o projeto de vida
não é imutável e composto por crises. De facto, a existência é isso mesmo, uma serie de
alterações, positivos ou negativas, onde deve existir uma adaptação, refletindo-se essa
mesma numa aprendizagem que constitui e significa o sujeito como um ser único.
“O Diogo é o desafio da minha vida”
Deste modo, o referido estudo de Carvalho, Campos & Verissimo (2010) sustenta este
entendimento, pois nele concluiu-se que cerca de 53% dos inquiridos revelam uma
experiência positiva dos cuidados a crianças com perturbações do espectro autista. Apesar
de tudo nesse mesmo estudo não são negadas experiências negativas, que coexistem com
as positivas. De facto, todas estas experiencias bloqueadoras pontuam o projeto de vida
de todos os sujeitos, fazendo parte da condição de existência. Segundo Heidegger (citado
por Galli, nd) é necessário que o homem em momentos de ruptura, saia da facticidade e
entre na transcendência, detectando as fontes de bloqueio, mobilizando-se para uma nova
atitude. Nesse sentido, o conflito não deve ser concebido como algo negativo mas sim
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como uma luta necessária inerente ao próprio processo da vida, sendo este momento
proporcionador de conhecimento e construção do homem e do mundo (Augras, 2002).
Isolamento social por introjeção
Não poderia ficar de lado a análise no caso de Madalena em que a entrevistada revelou
um envolvimento que se expressou num mecanismo desadaptado- introjeção- isto é
incorporando os padrões, atitudes e modos de agir e pensar que não são deles próprios,
nomeadamente a falta de investimento como ser-social, levando ao isolamento e
deixando certos hobbies. Segundo Galli (n.d.) um dos efeitos prejudiciais de quem
introjeta é que dificilmente distingue o que realmente sente e o que os outros sentem,
sendo entendível a incompreensão que sente quanto as chamadas de atenção do seu
marido.
“Ele diz que estou a ficar com as características dele e realmente nesse sentido
posso-lhe dar razão.” “Quando o meu marido me diz estas coisas fico irritada,
dá-me a sensação que não está a dar valor a algo que é preciso”.
Este mecanismo pode atuar como uma força desintegradora da personalidade, de
modo que não leva ao crescimento do sujeito, mais sim a um “vazio estéril”. A cuidadora
referiu de facto, após promoção de reflexão, mudanças quanto ao que era- antes-do-
diagnostico, referindo desinvestimento em si mesma. Destitui-se por escolha das suas
outras condições existenciais de ser-esposa, ser-amiga, ser-saudável. Estudos como os
de Hartley et al. (2010) chegam a considerar no seu estudo que o risco de divórcio
aumenta em mães de crianças com PEA.
Heidegger (citado por Araújo, 2010) parte do pressuposto que o homem existe como
ser, como forma de estar-no-mundo, enquanto que as coisas simplesmente são, isto é
revelam imutabilidade. Esta capacidade do sujeito estar no mundo representa um projeto
se si próprio, projeto esse que se refaz pela mudança, por aquilo que decide ser. Ele faz
escolhas, e até mesmo não escolher é uma escolha, por isso ele não só é, mas existe.
Reflectir sobre este entendimento é importante para interpretar o caso de Madalena, dado
que como cuidadora, escolheu não pensar sobre si, como que se anulando. “acho que não
penso muito no que se refere a mim…”SIC.
45
Sendo a facticidade imutável deve ser encarada como é, fazendo uma enfrentamento
da mesma, contudo exercendo mudança para continuar a reflectir sobre os restantes níveis
da sua existência. A vivência do seu filho ter SA é uma facticidade e não a sua existência.
Assim é preponderante este aspeto na medida em que a intervenção terapêutica defina
estes campos, que podem ser revistos em mães de crianças com SA. Perceber de que
forma estão a entender o seu projeto de vida, o que deseja dele e a emergir a reflexão da
necessidade de atuar sobre ele a todos os níveis. Tal interiorização é conseguida através
da reflexão que o método fenomenológico propicia, algo que foi percetível ao promover
a reflexão em entrevista apenas.
46
Capitulo VIII – Conclusão
A vivência de ser-no-mundo mãe de um filho com SA é caracterizada pela escassa
informação sobre SA, motivo de surpresa e desespero e que leva à valorização do
diagnostico por representar uma orientação e esclarecimento das características
observadas nos filhos. Em todos os casos foi igualmente evidentes estratégias de
enfrentamento do problema, desde coping ativo, emocional e procura de suporte social e
instrumental, manifestando grande envolvimento por parte das cuidadoras de tal modo
que se expressa numa grande fonte de exaustão dada a inflexibilidade das características
e trabalho necessário para as contornar. A valorização do suporte escolar é notória, sendo
o local onde são notadas as maiores dificuldades mas também onde, com o apoio
apropriado, elas se contornam, em reunião com professores-pais-psicóloga, levando a
sentimentos de tranquilização. É comum um entendimento de atitude mais paciente por
parte das cuidadoras face ao marido, tendo elas um papel mais ativo, embora sentindo
todas elas apoio pela aceitação do diagnóstico e participação pontual dos seus conjugues
em certas tarefas necessárias. Apesar de ser referida a aceitação dos filhos com SA e
enfrentamento do problema há um desejo de normalização compreensível dado o receio
do olhar crítico do Outro. Por fim, emergiram preocupações a nível das relações
interpessoais, algo que se compreende dado este ser o prejuízo mais frequente e difícil de
contornar nas crianças.
A nível de variâncias nos casos foi notado quer suporte familiar, quer falta dele,
contudo, no último caso, foi sentido tristeza e sentimentos de incompreensão sentindo-se
na pele a expressão de síndrome “invisível”, dado que os familiares de duas das
cuidadoras descredibilizam as características como um problema a ser trabalhado. O
isolamento social por introjeção das características do filho foi notado num dos casos,
sendo algo bastante interessante de analisar na vivência dessa mesma mãe. Aqui se
revelou a necessidade de “sentir como” para tentar compreender os obstáculos e refletir
sobre a questão. Por fim, foi destacada uma reinterpretação positiva do diagnóstico por
uma das mães, entendendo-se que esta pode ser uma experiencia com desafios mas
também grande riqueza pela construção de significados do homem e do mundo.
Entende-se assim que a "arte de viver" sendo mãe de um filho com asperger se baseia
na capacidade de aceitar a facticidade no sentido de a ultrapassar, agindo ativamente
integrando-a no projeto de vida.
47
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55
9. Anexos
9.1. Consentimento Informado
56
57
58
59
9.2 Guião de Entrevista Semi-Estruturada
Guião de Entrevista Semi-Estruturada para a “Experiência de ser-no-
mundo com um filho com Síndrome de Asperger”
1) Informação contextual
1.1 Profissão
1.2. Estado civil
1.3. Que idade tem o seu filho?
1.4. Há quanto tempo o seu filho teve o diagnóstico de Asperger?
1.5. É filho único?
2) Impacto do diagnóstico
2.1. Pode descrever-me, por favor, o melhor possível como se sentiu aquando do diagnóstico
do seu filho?
2.2. Como é para si viver com o diagnóstico?
2.3. Pode-me falar um pouco das alterações que sente após o diagnóstico?
2.4.1 (Se não referir aspetos psicológicos e aspetos físicos…) Em termos físicos e
psicológicos sente alterações após o diagnóstico?
3) Estratégias de enfrentamento
3.1) Neste momento tenta enfrentar as dificuldades que surgem derivadas do transtorno?
Se sim…
3.1.1) Pod me dar exemplo das estratégias para ultrapassar as dificuldades que sente?
Se não…
60
3.1.2) Quais os maiores obstáculos para que não o consiga fazer?
3.1.3) Como pensa que poderia ultrapassa-los?
3.2) Qual é para si o seu papel como mãe neste momento?
4) Suporte sentido
4.1.Como sente o apoio por parte do seu cônjuge?
4.2. Pode-me esclarecer quanto ao suporte que sente a nível escolar do seu filho?
4.3. Como é sentida por si o transtorno do seu filho aos olhos dos seus familiares?
4.4. Em termos do seu grupo de amigos como sente a compreensão por parte dos seus
amigos?
5) Significados e medos futuros
5.1. Quer partilhar comigo como se sente a respeito do futuro do seu filho?
5.2. Pode-me falar um pouco dos seus receios/expectativas?
5.3 O que sente que esta vivência lhe transmitiu?
6) Existe mais algum aspeto ou experiência que queira partilhar comigo?
61
9.3. Entrevistas
9.3.1. Caso I
Psicóloga: Bom dia Filipa*
Entrevistada: Bom dia Joana
Psicóloga: Como lhe tinha falado, o estudo que estou a desenvolver é sobre a vivencia de
mães com filhos com síndrome de asperger, sendo lhe garantido o anonimato.
Entrevistada: Sim, senhora. Sem problema algum.
Psicóloga: Otimo. Então gostaria que me desse alguns dados pessoais como a idade.
Entrevistada: 41 anos.
Psicóloga: E em termos de empregabilidade?
Entrevistada: Sou arquiteta, tive um tempo fora da área mas de momento estou a exercer
Psicóloga: E estado civil?
Entrevistada: Casada.
Psicóloga: O seu filho que idade tem?
Entrevistada: 8 aninhos
Psicóloga: E tem mais algum filho?
Entrevistada: Não, não só o Ricardo, até porque concentramos todas as nossas energia
nele dado o problema. Optamos por não ter mais filhos.
Psicóloga: Claro, compreendo. O síndrome foi descoberto à quanto tempo?
Entrevistada: Cerca de dois anos, no primeiro período quando entrou para a escola
Psicóloga: Ok Filipa, gostaria que partilhasse comigo como se sentiu apos o diagnóstico
do seu filho
Entrevistada: Na altura senti me um pouco perdida e surpresa porque desconhecia de todo
a existência deste síndrome, ficamos assustados com o síndrome mas também em como
62
ajuda-lo, que profissionais consultar, o que fazer, entretanto é mais tranquilo. Agora já
percebo de onde veem as características dele, coisa que não entendia.
Psicóloga: Como é para si viver com este diagnóstico?
Entrevistada: Neste momento é cansativo…é muito envolvimento de todos. Os sintomas
são muito pouco visíveis, mas conseguimos dar a volta às questões que dificultavam mais
a vida dele e agora estamos a viver com mais tranquilidade que no inicio.
Psicóloga: Ele tem tido algum tipo de acompanhamento?
Entrevistada: Sim, desde os 6 anos de idade que é acompanhado por uma psicóloga, agora
é acompanhado por um psicólogo do CADI, duas vezes por semana mesmo especializado
na síndrome de asperger, sempre foi também acompanhado por um psiquiatra do CADI.
Psicóloga: E como tem sido para si lidar com todo esse processo, quer em termos
psicológicos quer físicos
Entrevistada: No início, nem tanto na altura de descobrir o diagnóstico, mais quando
começou a ter problemas grandes na escola, quando os meninos não brincavam com ele,
isso psicologicamente afetou-me bastante. Foi uma altura muito má nas nossas vidas na
minha e da dele, e fui-me muito a baixo. Mas agora na altura só colégio tive muito apoio
da professora e mesmo a nível das auxiliares do colégio e tudo… nunca mais foi
incomodado pelos colegas, pelo contrário conseguiu-se integrar muito bem na turma.
Apartir daí as coisas foram ficando na faixa da normalidade.
Psicóloga: Sente que o suporte escolar é importante?
Entrevistada: Sim, muito importante. Encontrar um sitio na escola que lhe de o apoio que
ele precise, muito importante mesmo.
Psicóloga: Compreendo... quer partilhar comigo quais as estratégias que costuma utilizar
nos momentos mais complicados?
Entrevistada: Depende muito da situação... se o problema derivar da escola é falar com a
professora e ver o que podemos fazer para ultrapassar a situação. A nível de outras coisas
que não estão relacionadas com a escola é tentar arranjar um suporte para ele dar a volta
63
a situação. Porque eles precisam mesmo de ajuda, senão as consequências podem ser
muito más.
Psicóloga: Claro… e para si qual o seu papel enquanto mãe?
Entrevistada: É mesmo ajuda-lo e procurar esse suporte, essa ajuda que ele precisar. Além
de todo o papel de mãe, que é dar carinho e estar presente. Além disto é uma
responsabilidade acrescida de ser paciente para o ajudar a ultrapassar as situações.
Ultrapassar não no sentido de ter cura, mas no sentido de aprender a lidar com isto e dar
a volta por cima.
Psicóloga: E como tem sido para si o suporte por parte do seu marido, quanto a si?
Entrevistada: O meu marido apoia-me em tudo que é necessário, embora a nível de apoio
do Ricardo eu tenha-o dado mais a nível de consultas e tudo mais, mas acaba por me dar
também apoio a mim e cá em casa, nas tarefas domésticas e com ele, para que seja
possível eu acompanha-lo.
Psicóloga: Diz-me que em termos de consultas e outros deslocamentos tende a ser mais
quem o acompanha, enquanto que o seu marido está presente mais em casa dando ai
suporto correto?
Entrevistada: Sim! Ele trabalha e não podemos os dois acompanhar o Ricardo, então
tendo a ser eu. Ele em casa puxa por ele nas tarefas que trás da escola também, mas não
há nada como a paciência da mãe.
Psicóloga: Compreendo, exige muita persistência...
Entrevistada: Exato, e com o cansaço as vezes torna-se difícil.
Psicóloga: E quanto aos familiares, como entenderam este diagnóstico?
Entrevistada: Muito bem, principalmente por parte dos avós que sempre ajudaram com o
que fosse, e isso é importante, porque estão muito próximos e é uma grande fonte de
apoio.
Psicóloga: No grupo de amigos sentiu o mesmo apoio?
64
Entrevistada: Nós falamos sem problema nenhum sobre o assunto se ele se proporcionar,
mas não é algo que falemos muito, nem todos sabem só mesmo os mais próximos. Esses
compreendem mas a nível de apoio não nos apoiamos tanto neles mas sim mais nos
familiares.
Psicóloga: Quem estão mais presentes...
Exatamente e quem nos podem ajudar mais.
Psicóloga: Compreendo... Quer partilhar comigo o que pensa a respeito do futuro do seu
filho?
Entrevistada: Eu acho que ele vai conseguir ser tudo o que quiser... com muita luta e amor.
Porque quem já passou o que ele passou como as dificuldades a nível da escola... ele é
um lutador. Acho que em termos de futuro este síndrome até o fez ficar mais preparado
para as adversidades que possa encontrar na vida adulta.
Psicóloga: hum hum...
Entrevistada: Porque talvez tenha mais maturidade para lidar com os problemas, muitas
crianças com a idade dele não passaram por muita coisa e frustrações que ele passou,
talvez isso o ajude muito no futuro.
Psicóloga: Faz me todo o sentido o que me diz. E a nível de receios?
Entrevistada: Inicialmente o meu receio era que não conseguisse dar a volta por cima, não
conseguisse ser independente, ter uma profissão... mas neste momento vejo que não há
que ter esse medo. Ele agora quer ir para a faculdade, pronto... quer lutar pelo futuro dele.
Portanto os meus receios agora são semelhantes aos receios dos pais com filhos sem o
síndrome de asperger... que acabe o curso e não encontre emprego ou que haja alguma
má companhia que o desvie. enfim acaba por ser preocupações semelhantes às que os
outros pais têm. Antes de ter o apoio certo tinha receios bastante piores como o receio de
ele não ter um único amigo...
Psicóloga: Hum, hum... então sente que esses receios diminuíram consoante o
desenvolvimento que o Ricardo adquiriu pelo apoio que lhe tem sido prestado a variados
níveis?
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Entrevistada: Sim, claro... ele não estaria tão adaptado se não assim fosse. A nível de
amigos notou-se grandes desenvolvimentos, aliás ele agora não tem um bom grupo de
amigos, tem vários grupos de amigos.
Psicóloga: Isso são notórios desenvolvimentos... não sei se tem mais alguma experiencia
que queira partilhar comigo...
Entrevistada: É assim eu acho que o que me falta mesmo salientar é o facto de, ok que
agora já ha mais informação, mas no inicio mesmo assim os pais ficam um pouco perdidos
sem saber o que fazer e a quem recorrer e isso é um bocado assustador, falo por mim. E
depois é as consequências que isso pode ter nestas crianças em termos sociais mesmo
antes de serem acompanhados, como a exclusão na escola... O Ricardo chegou a acontecer
não ter um único amigo na escola, não ser convidado para as festas de aniversário, todos
os dias lhe baterem nos recreios, isso é horrível, isso é que é assustador. Mas apartir do
momento em que conseguimos encontrar a ajuda certa, alguém que colabore com eles
para dar a volta disso, e as coisas funcionarem... ai já tudo.. é engraçado porque à medida
que se resolve o aspeto socialização, as dificuldades escolares que possam existir parece
que se dissipam... estando bem socialmente dão a volta ao resto... Pelo menos com o
Ricardo foi assim, apartir do momento em que fez amigos deu a volta ao resto , as notas
dispararam. O pior ano dele em termos escolares foi o 3º ano, ele nunca teve tão mal a
beira de chumbar como no 3º ano de escolaridade e está no 11º. Quer dizer, os anos que
deveriam ser mais difíceis foram os anos que fez melhor, e é que isso coincidiu com as
dificuldades de socialização... Mesmo assim tenho receio que não as consiga manter pelas
suas características ou não consiga fazer novas amizades no futuro porque ele é um
menino de hábitos lá está….
Psicóloga: Compreendo, penso que está a querer transmitir que tudo é possível
trabalhando a questão socialização, sendo a dificuldade maior.
Entrevistada: Exacto, foram muito importantes as terapias, ele tinha 2 horas no CADIN
mais uma ou duas horas já não me lembro bem com a psicóloga que faz o
acompanhamento educacional. Portanto estava muito tempo em terapia. No CADIN tinha
sessões sozinho, sessões com outros meninos com asperger, foi... teve muito tempo em
terapia. A psicóloga do CADIN foi impecável, a outra também. Foi uma das minhas
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preocupações encontrar um colégio onde de facto mantivesse o acompanhamento, porque
não queria passar por aquilo que ele ja tinha passado no outro colégio onde esteve.
Psicóloga: Não tinha suporte no outro colégio?
Entrevistada: Não... a professora que lá estava recusava-se a colaborar com a psicóloga,
não seguia nada do que ela dizia, não fazia nada do que pedia, dizia que não tinha tempo.
Depois no recreio os meninos batiam-lhe, algo que também me perturbou muito, e ela
não fazia nada. Por isso quando escolhi um novo colégio, meti como condição ele vir a
ter um bom acompanhamento caso contrario não o iria inscrever. Este colégio também
me foi aconselhado por uma psicóloga que me disse que à partida eles teriam
disponibilidade para colaborar nessas situações. E assim foi... ele foi colocado numa
turma da primaria do 4º ano, em que a professora colaborou com tudo com a psicóloga,
tinha reuniões com ele, vigiava-o no recreio. Conseguiu a aceitação dos outros meninos
da sala, e o certo é que funcionou! Ele ficou mais maduro.. a nível oral é muito bom, o
pior é na escrita, e colocou-o a fazer apresentações nas aulas para impressionar os colegas
e valoriza-lo e o certo é que funcionou, apartir dai as coisas começaram a correr muito
melhor. Por isso é que eu acho que é tao importante o apoio psicológico e na escola.
Porque um menino que tem dificuldades de socialização tem mais dificuldades em
interagir e tem de ser ajudado ao máximo para o conseguir fazer, porque com pequenos
gestos é possível dar ali uma ajuda importantíssima. Claro que a ajuda no CADIN foi
importante... Haviam coisas simples que não conseguíamos mudar, por exemplo o
cumprimento do Ricardo era um encontram no ombro dos outros, não dizia bom dia... É
claro que isso levava a que as crianças lhe batessem e isso teve de ser trabalhado com ele.
Não foi num ano nem em dois mas resultou, basta ter paciência. E sobretudo, o mais
importante… dar-lhe todo o amor para que seja a base para ele se desenvolver, sem isso.
Ele precisa de se sentir amado, sinto isso… com isso e tempo tudo se consegue.
Psicóloga: Claro é um trabalho que é desenvolvido e a seu tempo, no tempo certo, dará
os seus frutos e é verdadeiramente isso que importa.
Entrevistada: Sem dúvida...
Psicóloga: Muito bem, queria disponibilizar-me para lhe oferecer toda a informação que
tenho sobre o síndrome, assim como para lhe mostrar os resultados da investigação assim
que concluída a dissertação.
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Entrevistada: Isso era excelente, nunca é demais e estamos sempre a aprender.
Psicóloga: Com certeza! Então desde já um muito obrigada pela participação neste estudo
e pelo relato da sua vivência.
Entrevistada: Obrigada eu, foi com tudo o gosto.
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9.3.2. Caso II
Psicóloga: Boa tarde Madalena*
Entrevistada: Boa tarde doutora
Psicóloga: Desculpe remarcar para uma hora depois do falado inicialmente mas ficou de
facto complicado pelo trabalho no hospital.
Entrevistada: Não tem problema, também foi melhor para mim.
Psicóloga: Otimo! Então como lhe tinha dito inicialmente, a investigação que estou a
desenvolver é sobre a vivencia de mães com filhos com síndrome de asperger, e tal como
as questões éticas exigem será lhe garantido o anonimato.
Entrevistada: Claro, claro.
Psicóloga: Pode-me dar alguns dados pessoais? como a idade…
Entrevistada: Sim claro, 45 anos.
Psicóloga: Profissão?
Entrevistada: Estive no desemprego desde que o meu filho teve o diagnostico e desde ai
por opção sou doméstica, para conseguir ter maior margem de manobra para acompanhar
o Filipe.
Psicóloga: compreendo…E estado civil?
Entrevistada: Casada…
Psicóloga: Reparei que o disse com alguma insegurança…
Entrevistada: Sim, estamos numa fase complicada, falamos em divórcio… não sei.
Psicóloga: E vejo que para si é algo difícil de falar…
Entrevistada: É… Sabe desde que o Filipe teve o diagnostico, tudo piorou, já estávamos
a algum tempo com duvidas, mas desde aí os tempos foram muito stressantes, são
exigidos muitos recursos financeiros, entramos em discórdia…
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Psicóloga: Entram em discórdia…
Entrevistada: Sim, qualquer coisa é razão para se discutir, até as dificuldades do Filipe
são motivo. Diz que eu o mimo muito e que assim não vai evoluir porque lhe faço as
vontades todas.
Psicóloga: E o que você acha sobre isso?
Entrevistada: Eu acho que não… por exemplo em termos sociais o Filipe tem dificuldades
e sente-se muito mal mesmo em shoppings e sítios com muito barulho. Eu tento-o afastar
desses sítios…Aconselhei-me com a psicóloga e ela disse-me que não ve problema nisso
desde que socialize no seu meio .
Psicóloga: Hum, hum… Compreendo. O seu filho que idade tem?
Entrevistada: 10 anos
Psicóloga: E tem mais algum filho?
Entrevistada: Não.
Psicóloga: À quanto tempo receberam o diagnóstico?
Entrevistada: Cerca de três anos, no segundo ano da escola, mas logo no primeiro ano que
vimos que algo se passava, mas pensamos que não passava de timidez e falta de jeito para
certas coisas.
Psicóloga: E isso foi algo sentido pela professora?
Entrevistada: Não… só nós notávamos isso. Ela dizia que ele tinha dificuldades mas
nunca falou de nada por ai além…
Psicóloga: Estou a entender… Madalena e como foi para si esse momento do diagnóstico
do seu filho? Como se sentiu?
Entrevistada: Não fazia ideia do que era… fiquei surpreendida mal ouvi autismo. A
psicóloga da escola disse que ele tinha características de uma criança com asperger, não
entendi... e ela disse que era uma vertente do autismo, e ai assustei-me… disse que o meu
filho não era autista. Tinha aquela ideia de que uma criança autista mal fala, se balança…
não fazia ideia, depois é que ela me deu a conhecer o espectro por alto e em casa fui
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pesquisar. Nesse dia que falou comigo deu-me o contacto da clinica onde, que acompanha
casos semelhantes, onde é agora seguido ainda, e fui a uma consulta. Até hoje está a ser
lá acompanhado.E muito bem. Se não fosse isso…
Psicóloga: Sente que o suporte na clinica é importante?
Entrevistada: Totalmente! Ele trabalha com a equipa dele todas as dificuldades do Filipe
e tem melhorado na socialização sobretudo…só que como tem muita sensibilidade
sensorial não o levo para onde tem muita gente. Mas tem dois grandes amigos e teve uma
namoradinha.
Psicóloga: como é isso para si?
Entrevistada: É uma grande alegria, para pais normais pode ser estranho mas para mim
ver o meu filho ter amigos e até uma namoradinha recentemente é importante. Sempre foi
um medo meu que não se conseguisse dar com outras pessoas. Ele é muito inseguro, não
olha as pessoas, as pessoas acham-no antipático ou que não está interessado. Mas é
mesmo dele, apesar de estar a trabalhar isso é algo que quando não está a vontade se nota
muito, o não olhar nos olhos. E depois ta sempre no seu canto de volta dos seus livros de
dinossauros, adora tudo o que diz respeito replicas, filmes, documentários e tudo. Isso e
os legos, faz coisas impressionantes. Mas lá está… anda nisso, ou melhor andava mais
nisso, todo o tempo. E eu não queria que fosse uma pessoa fechada.
Psicóloga: Percebo que para si fosse uma preocupação dado que o outro é importante
para todos nós.
Entrevistada: Muito… E quero que um dia tenho uma mulher, case… mas não é muito
dado. Vamos ver.
Psicóloga: Tudo no seu tempo … E como tem sido para si viver com este diagnóstico?
Entrevistada: Tem sido uma correria, estava desempregada quando ele foi diagnosticado
e desde ai decidi parar mesmo para poder estar totalmente disponível para o levar à
clinica, para o levar ao futebol, coisa que lhe tem feito muito bem, mas lá está convívios
não consegue. Para o acompanhar em casa sobretudo… o meu marido diz-me que mudei
muito…
Psicóloga: E a Madalena acha que mudou?
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Entrevistada: Tenho de lhe dar alguma razão… nós tínhamos uma vida social em conjunto
e agora so ele a tem basicamente, só ele está em convívios com os amigos do trabalho.
Eu não acho jeito deixar o menino nos avós, não gosto de o deixar em casa de amigos
porque sei que ele não gosta…Ele diz que estou a ficar com as características dele e
realmente nesse sentido posso-lhe dar razão.
Psicóloga: E como se tem sentido desde a descoberta do diagnostico? Em termos físicos
e psicológicos.
Entrevistada: Psicologicamente é o cansaço, a exaustão. Como o meu marido diz eu não
desbloqueio, tenho uma rotina que não quebro. Fisicamente esse cansaço fica evidente,
se pensar bem até as enxaquecas surgiram depois disso… pode ter ligação não é?
Psicóloga: A Madalena acha que possam estar ligadas a esse cansaço?
Entrevistada: Pois… já pensei fazer acunpultura, relaxar mais, mas não é fácil.
Psicóloga: É importante refletir sobre como está do modo que refere e do que a pode ter
levado a esse mesmo estado. O que mudou? Desde quando? Porquê?
Entrevistada: Pois… acho que não penso muito no que se refere a mim… sobretudo nestas
alturas em que faz testes… esta é outra fase para o ajudar a concentrar-se…
Psicóloga: Como se sente quanto ao apoio escolar?
Entrevistada: É bom, agora que sabem o que ele tem. Antes não referiam grandes coisas
achavam-no tímido e apesar da distração conseguiam faze-lo fazer as coisas. Mas agora
que sabem o que tem a professora e a psicóloga falam de forma a perceberem como o
ajudar, e que estratégias utilizar, e isso também tem sido muito bom. Ele não tinha amigos,
não conseguia mesmo criar ligação e agora já tem dois. Ainda tem umas crises em que se
isola mais, mas acho que isso sempre vai ter.
Psicóloga: Compreendo...e como lida nesses momentos de crise?
Entrevistada: Tenho paciência! São momentos em que parece muito imaturo e aí tenho
de me lembrar que para ele não é fácil, que tem feito esforço. E tento acalma-lo. Mas as
vezes quem precisa de calma sou eu... Tento perceber o que sente e mostrar-lhe que tudo
se resolve. Ele chegou a ter crises de choro por não ter amigos e toda a gente ter amigos…
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não foi fácil para mim ajuda-lo mas tentei ao máximo explicar que iria ter, teria de se dar
mais a conhecer no recreio, entrar nas brincadeiras… Mostrar que gosto dele e que se ele
se aproximar dos outros também vão gostar dele.
Psicóloga: Acredito que não seja uma situação fácil Madalena, de qualquer modo referiu
que já teve progressos a nível da socialização o que é notório.
Entrevistada: Eu acredito que sim.. e que no resto também irá ter progressos, a psicóloga
disse que eles têm um ritmo próprio e tudo a seu tempo.
Psicóloga: Sem duvida nenhuma… e qual considera ser o seu papel como mãe?
Entrevistada: Este mesmo. Acompanha-lo, ajuda-lo nas tarefas, mostrar-lhe que tudo se
resolve, que pode contar comigo também como amiga dele e que pode falar comigo,
porque ele não fala muito das coisas dele e todos precisamos disso.
Psicóloga: Hum, hum… E quanto ao apoio do seu marido?
Entrevistada: A ele ajuda-o as vezes nas tarefas da escola, mas quando ele começa com
birras ou a distrair-se ele irrita-se, e isso deixa-o com menos vontade de ali estar. As vezes
dão-se bem nisso outras é assim… Eu tenho mais calma para o ajudar mas mesmo assim
o pai muitas vezes ajuda nisso enquanto eu faço o jantar por exemplo. Mas pronto o meu
marido tanto entende que ele tem dificuldades como parece que as vezes as desvaloriza.
E que ele precisa que o leve para sítios e se habitue aos barulhos e a ver pessoas, não tem
noção como isso pode ser intrusivo para ele mesmo sabendo da hipersensibilidade dos
autistas.
Psicóloga: Tem uma visão um pouco diferente da sua quanto ao problema?
Entrevistada: Sim… e discutimos por isso muitas vezes…
Psicóloga: Compreendo. Estas situações são complicadas de gerir… e os familiares têm-
lhe prestado apoio nesse sentido?
Entrevistada: lá está… eles estão longe, os avós e tios vivem em Peniche.. são a família
mais próxima que temos e que sabem. Mas não os procuramos, eu tenho conseguido dar
conta do recado. Mas perguntam por ele, como estão as consultas como está na escola, se
é preciso algo.
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Psicóloga: Hum, hum… e no grupo de amigos costuma procurar mais apoio?
Entrevistada: Sim algum, mais a nível dos filhos deles, quando trazem os filhos para jantar
eles próprios tentam que eles interajam com o meu. E resulta, talvez tambem por ele estar
no espaço dele. Mas já houve situações em que o filho da Marta fez uma birra e ele
começou as voltas na sala por causa do barulho do choro dele lá está, faz-lhe mesmo
confusão.
Psicóloga: Vejo que os amigos estão mais presentes.
Entrevista: Sim estão, e eles próprios me chamam a atenção que deveria tambem sair…
o único convivo que tenho é assim em casa almoços ou jantares e não são assim tantos
porque ando cansada.
Psicóloga: Compreendo... Devia pensar um pouco melhor se o que lhe dizem, quer da
parte do seu marido, quer dos amigos, lhe faz sentido. E tentar perceber do que precisa e
de como gerir não apenas a vida do seu menino, mas igualmente a sua. Tentar encontrar
um ponto de equilíbrio para manter o seu bem-estar, porque tambem ele promove o do
seu menino.
Entrevistada: Sim.. quando o meu marido me diz estas coisas fico irritada, da me a
sensação que não está a dar valor a algo que é preciso. Mas pensando bem pode nem ser
nesse sentido…
Psicóloga: Tire um tempo para refletir como tudo isto tem sido para si e partilhe isso.
Entrevistada: Pois secalhar preciso mesmo de fazer isso, parar para pensar nas minhas
coisas….
Psicóloga: Exato… A Madalena falou-me de alguns receios quanto ao futuro do seu filho
a nível de casar e ter amigos... quer partilhar um pouco melhor comigo como vê o futuro
do seu filho?
Entrevistada: Na escola acredito que consiga estudar.. até onde ele quiser… imagino é
que em trabalhos onde seja preciso o contacto com outras pessoas se atrapalhe mais…
não sei o que vai gostar de estudar mas logo se verá. E eu não gosto muito de pensar no
futuro, não quero pensar que vai ser como é agora porque isto é uma evolução não é?
Psicóloga: A Madalena assim o tem sentido?
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Entrevista: Sim! Já tem amigos, já se concentra melhor comparado com aqueles primeiros
dois anos de escolinha. Até tem notas medianas… melhores que alguns colegas dele! O
acompanhamento que lhe damos tem sido feito para isso mesmo. Agora claro, se tiver
mais a vontade e jeito para interagir com certeza tudo será melhor, é só mais a parte
afetiva que me preocupa, porque ele é muito afetuoso! Mas às vezes não sabe como ter
esse afeto. Não sei se me estou a fazer entender… Gostava que ele casa-se e tivesse
filhos…
Psicóloga: Claro que sim…
Entrevistada: E pronto é isso…
Psicóloga: O que acha que esta vivencia lhe transmitiu?
Entrevistada: Como disse mais paciência…E não sei.. acho que encontrei em mim forças
para enfrentar o desconhecido. Eu pouco sabia sobre este problema e de todas as formas
tentei tornar-me uma expert no assunto! Porque so sabendo do que se trata conseguimos
ajudar não é?
Psicóloga: Sem duvida.
Entrevistada: Então comprei livros, procurei ajuda na escola e na clinica do Dr, de quem
tenho otimas referências, e que por experiencia própria falo que é um excelente
profissional sempre atento. Por outro lado, todas as coisas têm um custo, como sabe o
estado português é uma lástima nestes casos, e sai tudo do nosso bolso. Aprendi a gerir
melhor as finanças, a encontrar forma de que nada falte quando antes nem imaginava ser
possível fazer uma ginástica deste género…Mas… fiquei a pensar… e acho que tambem
me fez mudar. Estar calma para ele e tensa para mim. É isso que me vem agora a cabeça.
Acho que preciso de viver tudo isto sendo o que era.´
Psicóloga: Sendo o que era… pode-me falar um pouco mais disso?
Entrevistada: Sim… eu tento transmitir calma a ele mas no fundo ando stressada com
tudo o que lhe diz respeito, irritada, isolada. Antes fazia bastantes coisas com o grupo de
amigos… e se pensar bem ele sempre foi asperger e acabava por conseguir conciliar…
Psicóloga: Talvez respirar também a sua individualidade, os seus momentos, o que gosta
de novo…
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Entrevistada: É mesmo isso.
Psicóloga: Madalena foi um prazer a ter entrevistado, muito obrigada pela sua
participação neste estudo…
Entrevistada: Eu é que agradeço porque fez-me pensar falar sobre tudo isto.
Psicóloga: Se precisar de alguma coisa estou disponível, irei inclusive enviar-lhe as
informações que tenho sobre Síndrome de Asperger.
Entrevistada: Mais é sempre bem-vinda!
Psicóloga: Então obrigada mais uma vez, tenha um bom fim-de-semana!
Entrevistada: Bom fim-de-semana também para si!
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9.3.3. Caso III
Psicóloga: Olá Patrícia. Gostava que me dissesse algumas informações como por exemplo,
profissão.
Entrevistada: Hum… boa… ham analista de negócios.
Psicóloga: Ok, qual a sua idade e estado civil?
Entrevistada: 45 anos e sou casada.
Psicóloga: Casada… e que idade tem o seu filho?
Entrevistada: 8 anos.
Psicóloga: À quanto tempo teve o diagnóstico?
Entrevistada: O diagnóstico do Diogo foi feito primeiro informalmente a cerca de um
ano e depois o diagnóstico formal com os resultados dos testes foi feito em Julho do ano
passado portanto à 7 ou 8 meses.
Psicóloga: Portanto tinha ele 7 anos…
Entrevistada: Exato.
Psicóloga: Como lhe tinha dito, a entrevista é sobre a experiência de ter um filho com
Síndrome de Asperger, e eu gostava que me falasse um pouco de como é a sua experiencia
de viver com um filho com este síndrome.
Entrevistada: É assim, o Diogo é o terceiro de três filhos, e desde pequenino, portanto
vou contar um pouco do enquadramento da historia do enquadramento do Diogo, desde
pequenino que eu senti que o Diogo era diferente dos irmãos. Não era só uma questão de
ser de ser o mais teimoso, de ser o mais distraído, o Diogo era diferente, tinha algumas
características diferentes dos irmãos Nunca dei muita importância porque era algo que
não, apesar de me preocupar não era algo que me preocupava em excesso. Era o mais
novo… era um pouco agagasado… E fui, apesar de estar sempre desperta para o facto do
Diogo ser diferente, nunca.. nunca achei que tivesse de facto um problema grave, até
aos… 4 anos. Portanto, o Diogo começou a falar muito tarde, começou a falar já com dois
anos e qualquer coisa, aos 4 anos. O Diogo teve uma situação entre mim e o pai, portanto
nós tivemos afastados durante uns meses e nessa altura o Diogo teve um retrocesso brutal.
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Deixou de falar, tinha comportamentos de bebé mesmo e na altura fomos a uma psicóloga,
portanto aconselhados pelo colégio onde ele estava. Fizeram-lhe uma avaliação
psicológica e disseram-me que o Diogo estava basicamente a sentir que toda a gente o
tinha abandonado e esse diagnostico na altura serviu para varias coisas, incluindo para o
mais importante que veio a decidir o futuro, foi para eu e o pai resolvermos os nossos
problemas familiares, porque dissemos que... ok, o que quer que seja que se está a passar
ou que não se passou bem entre nós, não tem importância nenhuma comparado com a
estabilidade do Diogo. Então, voltamos a ter uma vida normal, resolvemos os nossos
problemas, e o Diogo começou a ter acompanhamento psicológico lá no colégio. Tinha o
apoio e a psicóloga do colégio dizia que os testes, não sei que nome, mas os testes que
fez, ou tinham resultados muito bons, ou tinha resultados muito maus…
Psicóloga: A que níveis?
Entrevistada: A níveis cognitivos teve resultados acima da média e havia outros, por
exemplo a nível de maturidade, depois se quiser eu tenho-os posso-lhe mostrar…
Psicóloga: Hum, hum…
Entrevistada: Ainda não os deitei fora, apesar do Dr. Lobo Antunes ter dito para eu deitar
tudo para o lixo. Acho que ainda os tenho lá. Mas pronto, se eu tiver lá os resultados eu
trago. E então, o Diogo este a fazer essa avaliação, e o acompanhamento durante todo
esse ano. No fim desse ano ele mudou de escola, foi fazer a pré- primária para outra escola
e eu tendo em conta o historial do Diogo no ano anterior, disse logo à educadora que ele
tinha tido aquele acompanhamento e que se visse algumas características que precisassem
de mais atenção que falasse comigo, no entanto eu achava que ele estava mais estável.
Mas que se fosse preciso iriamos falar novamente para que ele tivesse acompanhamento
psicológico. No fim desse ano, a professora disse que não sabia se ele estava preparado
para ir para o primeiro ano, por isso achava melhor fazer uma avaliação para ver se em
termos de maturidade está pronto para começar o primeiro ano, portanto o ano que vem.
E eu pensei tudo bem… o Diogo foi então re-avaliado pela própria escola, pelos
psicólogos da escola, que disseram que o Diogo não tinha nenhum problema psicológico,
que teria talvez alguns problemas de imaturidade. Aconselharam-me portanto a ir ter com
uma terceira pessoa, portanto outra psicóloga, que fez o … Voltou a repetir os testes que
tinham sido feitos ao Diogo no outro ano. Ela disse que o Diogo tinha alguns problemas,
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não lhe chamou nada em concreto, disse que tinha falta de atenção, deficit de atenção,
que tinha problemas graves de identificação com a figura materna, portanto eu, que era
uma criança que se sentia portanto desligada, que sentia que o mundo estava contra ele.
Esse diagnóstico veio-nos deixar assim um pouco preocupados com o Diogo porque nós
não sentíamos nada disso. Especialmente a questão de ter a ver algum problema comigo…
Psicóloga: Hum, hum….
Entrevistada: Porque o pilar do Diogo sou eu, para tudo! É a mãe, às vezes é cansativo.
Psicóloga: Exige muito de si portanto…
Entrevistada: Sim. O Diogo é a mãe para tudo… Pronto o Diogo foi para o primeiro
ano, que começou a correr mais ou menos bem, mas o Diogo uma das características que
tem é que necessita muito das pessoas que considera pilares, que são referencia, ele
precisa muito de mimo, de passar a mão pelo pêlo, como se costuma dizer! E a professora
que ele teve no primeiro ano não era assim… era uma pessoa fria, no primeiro dia do
primeiro ano o Diogo foi-lhe dar um beijo coisa que ele estava habituado a fazer com a
outra professora, ela disse logo: “Isto não é o jardim-escola, vai-se sentar não quero
beijos”. Portanto isso fez com que para o Diogo era uma “persona non grata”. Portanto o
Diogo criou uma aversão àquela professora. E até ao fim do primeiro período, o Diogo
não fez nada na escola, literalmente…
Psicóloga: Em termos de notas não teve sucesso?
Entrevistada: Não... em termos de notas teve sucesso, porque no dia dos testes eu pedi-
lhe para fazer e ele fez, mas de resto a professora mandava as fichas para casa a dizer “o
trabalho que o Diogo fez, nada”. Ele escrevia o nome, e mais nada.
Psicóloga: Não investia na escola…
Entrevistada: Não porque ele não achava que valesse a pena porque a professora era má
para ele e criou ali uma grande resistência. O Diogo fez então os 7 anos no fim do primeiro
período e fui à pediatra à consulta de rotina dos 7 anos, e eu disse-lhe que a professora
disse que não sabia o que havia de fazer com ele, que ele não é uma criança normal e que
não sabe o que há-de falar com ele e eu estava preocupada. Então a pediatra disse: “Olhe,
pare de brincar aos psicólogos que é o que tem andado a fazer este tempo todo e vamos
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levá-lo a uma pessoa que lhe vá fazer um diagnóstico como deve ser”. Portanto se lhe
disser que o Diogo tem alguma coisa, muito bem preocupa-se com isso, se disserem que
o Diogo não tem nada tire essa ideia da cabeça e vai ao contrário do que a terceira
psicóloga lhe disse, tirar essa ideia de que é uma má mãe, coisa que a psicóloga anterior
me tinha convencido, que todos os problemas derivavam de mim. Então ela encaminhou-
nos para o Dr. António Lobo Antunes, que viu o Diogo em Fevereiro do ano passado e
ao fim de hora e meia de estarmos lá sentados a falar com ele, digamos eu o meu marido
e o Diogo, ele disse-me ao fim: “Assim que o Diogo entrou eu vi logo o que é que o Diogo
tem. Eu já vi muitos Diogos na minha vida, e posso fazer o diagnóstico só de olhar para
ele”.
Psicóloga: Ele é especialista na área…
Entrevistada: É! E vou usar um palavrão que vai assustar a mãe, e eu pensei cá para
mim, não vai ser nada que eu já não saiba, porque eu dizia muitas vezes “O Diogo está
no mundo dele” (impacto), o Diogo tem um mundo que é só dele. Então ele disse assim
“O seu filho tem autismo mas não é autista” e explicou-me como uma pessoa tem autismo
mas não é autista. Disse-me que o Diogo tem síndrome de Asperger, ou “Asperger”, já
ouvi dizer das duas maneiras e ainda não sei como se diz ainda… Mas não é autista, pelo
que me diz ele aparenta ser uma criança com as capacidades cognitivas todas, portanto
sugeriu que eu fosse fazer os testes todos. Por um lado percebemos que o diagnostico
fazia sentido por outro ficamos surpresos, era algo novo e não tínhamos muita informação
sobre o síndrome de asperger em especifico. Depois começou a ser seguido no PIN onde
fez os testes todos com a Dr. Daniela Nascimento, onde ela me diz que,
independentemente do que o Dr. me tinha dito, ela ia fazer o teste de diagnóstico do Diogo
num espectro largo, portanto faz de conta que não sabe nada, para perceber o que dá.
Então ela fez 5 ou 6 sessões com o Diogo, comigo e com o meu marido fez outras quantas,
depois houve uns testes grandes para eu responder e para o pai responder e para a
professora. Depois daquilo tudo metido lá nas máquinas, lá com os algoritmos que vocês
utilizam, saiu o diagnóstico que confirma que de facto, não há dúvidas, Síndrome de
Asperger com deficit de atenção e hiperatividade, pacote completo! (risos).
Psicóloga: E pode-me dizer como se sentiu quando recebeu esse diagnóstico?
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Entrevistada: Um alívio! Porque aquela ideia de que eu era má mãe saiu-me da cabeça ,
ok… não foi nada que eu tivesse feito, não foi por falta de atenção da minha parte, não
foi por negligencia, pronto não foi por nada…
Psicóloga: Compreendo…
Entrevistada: O Diogo é assim, porque é assim. E não há nada que eu possa fazer para
tirar estas características dele. O que eu posso fazer é aprender a fazer com que ele
aprenda a lidar com elas, para que para ele seja mais fácil e tentar que as pessoas que
lidam com ele diariamente percebam as características dele. Tentar perceber e lidar com
as características do Diogo. Mas que ele vai provavelmente ter algumas destas
características ao longo de toda a vida, vai… E se me perguntarem se eu as mudava,
não… não mudava, porque é assim que eu gosto dele. Com estas características que ele
tem porque… ele é assim! E portanto agora ele está a ser acompanhado semanalmente lá
no PIN, já me falaram duas vezes em medicar o Diogo, e eu não quero medicação… o
meu principio é enquanto não puser em causa ele próprio ou terceiros, pronto vamos
continuar. Porque as notas dele são sempre bom e muito bom, portanto enquanto ele
continuar a dar para os gastos, digamos assim, eu não o quero medicado, porque ele é
assim. Eu tenho, e é por isso que estamos a investir no tratamento que ele está a fazer no
PIN, e fizemos alterações muito drásticas nas nossas vidas para termos mais tempo para
estar com ele essa é a minha forma de conseguirmos ajudar o Diogo. Se virmos que não
há nada a fazer, não há nada que consiga controlar o Diogo então nesse caso eu digo ok
eu desisto …
Psicóloga: Vão então tentar com os vossos recursos primeiro…
Entrevistada: Sim, sim!
Psicóloga: Mas como é para si exatamente viver com um filho com Síndrome de
Asperger?
Entrevistada: Como é que é para mim viver com o Diogo…? O Diogo para mim tem…
as características mais vincadas nele são muito pouca flexibilidade, extremamente rígido,
se ele me disser alguma coisa e eu digo “tá bem Diogo, 5 minutos” o Diogo fica parado
a contar até 300 porque sabe que quando chegar 300 passaram 5 minutos e foi o que eu
disse, portanto não pode ser mais que aquele tempo. Se eu lhe disser “ah este fim-de-
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semana vamos a casa dos avós” e entretanto por algum motivo está a chover, alguém está
doente, os avós saíram e nós não vamos a casa dos avós é um drama, porque eu disse que
íamos aos avós. E depois tem o outro lado, as rotinas… uma rotina que é uma rotina não
se quebra, por motivo nenhum. Ele tem muita dificuldade em entrar numa rotina e depois
tem muita dificuldade em sair delas… Uma historia caricata, à uns seis meses teve um
problema num pé porque cortou-se numa praia, numa pedra, concha, qualquer coisa,
cortou-se no pé, não interessa… e teve de andar a pôr uma pomada durante um mês e nos
primeiros dias para meter a pomada foi uma chatice, porque não queria meter a pomada.
Ao fim do mês quando acabou o pacote, ele diz: “mãe e a pomada?”, eu disse: “Diogo já
não há pomada, já acabou, já não é para pôr mais”- “Então e agora?! Já não é para pôr
mais?! E o pé vai ficar doente!” – “Não Diogo, olha para o teu pé já não tem nada!” -
“Mas é preciso!” – e eu disse: “Diogo não vais andar a meter pomada para o resto da vida,
era para pôr a embalagem e a embalagem já acabou, já não é para pôr mais.” Foram uns
três ou quatro dias que pronto…
Psicóloga: Tudo o que seja rotinas…
Entrevistada: O Diogo tem uma musica que todos os dias tenho de cantar, a mesma à
anos, os irmãos já não podem ouvir a musica, eu já não posso ouvir a musica…
Psicóloga: Mas faz sentido para ele, não é?
Entrevistada: Faz sentido para ele, e nota-se uma grande diferença. Ele está
completamente agitado vai para a cama muito agitado, deita-se… e eu sento-me ao pé
dele, começo a cantar, até posso dizer qual é a musica é aquela das Doce: “Fecha a
porta…” Pronto, assim que eu canto: “Fecha a porta apaga as luzes …” ele encosta-se e
faz assim : (imita uma respiração funda), acalma e às vezes ainda não acabei a musica já
está a dormir. Tem mesmo ali qualquer coisa… O pai está muitas vezes a dizer “Tens de
acabar com a musica” e eu digo “Como acabar com a musica?! Se eu não cantar ele não
dorme!” é que não dorme mesmo e depois não dorme mais ninguém cá em casa. Que
todos os problemas sejam cantar Fecha a porta até aos 70 anos.
Psicóloga: Então mas a Xana, como é que se sente mesmo em termos psicológicos ou
físicos depois do diagnóstico?
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Entrevistada: Como é que me sinto? Hamm… Sinto-me pronta para a batalha.É assim o
Diogo não foi uma gravidez planeada, e eu costumo dizer que o Diogo apareceu na minha
vida para me mostrar que eu sou uma pessoa muito preocupada com horas para cumprir,
coisas arrumadas… portanto, o Diogo veio-me mostrar que tudo o que eu penso que
controlo, não controlo. Portanto, tudo aquilo que eu julgo que está tranquilo, aí dentro
pode haver o caus! E ele é o desafio da minha vida.
Psicóloga: Hum, hum…
Entrevistada: Leva-me a um ponto de exaustão enorme. Ele é muito absorvente… De
uma maneira que os irmãos não são. Mas por outro lado, enche-me o coração de amor de
uma maneira que os outros também não enchem. Porque é extremamente carinhoso, é
muito preocupado, é capaz de estar a ver televisão e do nada, levanta-se, vem a correr ter
comigo dar-me um beijo, assim do nada, não diz nada só assim. Fico assim wow, e faz
isso imensas vezes.
Psicóloga: É muito afectuoso…
Entrevistada: É!
Psicóloga: Consigo, com outras pessoas ou…?
Entrevistada: Não, é só comigo. Comigo, ponto final, é mãe é mãe, é Deus no céu e mãe
na terra (risos). E com as pessoas da família, aquelas pessoas que ele considera o núcleo
dele, sou eu, o pai, os irmãos, se bem que com a irmã tem ali uma relação de amor-odio,
porque “Detesto a Mariana, detesto a Mariana!!” e a seguir é capaz de se agarrar a ela
assim toda encurvada do género larga. Mas pronto… as pessoas que ele considera que
são do núcleo dele, pessoas com quem ele tem os carinhos. As pessoas de fora, de quem
ele não gosta evita muito o contacto, evita olhar nos olhos, tem aqueles estereótipos
próprios das crianças… por exemplo este ano não porque a professora já teve problemas
com crianças com as mesmas características e sabia como lidar, mas por exemplo o ano
passado o Diogo estava completamente isolado. Eu ia-o buscar a escola e ele estava
sentado sozinho numa sala, num canto, porque mais ninguém brincava com ele e aquilo
custava-me horrores. Dava-me vontade de entrar na sala e começar a bater nos miúdos e
acabar no professor, porque agente vê que os adultos também não faziam nada para evitar
aquilo. Mas pronto…
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Psicóloga: Então em termos escolares sente algum suporte derivado à professora já ter
lidado com alguns…
Entrevistada: Sim, sim, acho que tenho muita sorte com a professora que lhe calhou…
Psicóloga: Por estar preparada…
Entrevistada: Sim! Tem … a escola do Diogo é uma escola de referência nacional ou
pelo menos aqui do distrito de Lisboa para crianças com síndromes de aspergers. O Diogo
tem na sala dele três meninos surdos-mudos, as professoras ali estão habituadas a tratar
de crianças diferentes. E o Diogo é uma criança diferente do que está habituada, já teve
muitas crianças com Asperger, diz ela que dos que já lhe passaram pela mão é o
melhorzinho digamos assim. Mas ela sabe as características dele, sabe como lidar com
ele… entretanto já demos entrada com os documentos para ele ter acesso ao artigo 3 não
sei o que…aquele que dá acesso a que ele tenha o estatuto de …
Psicóloga: Criança com necessidades educativas especiais.
Educativas especiais, porque a professora diz que não é por questões cognitivas dele,
porque diz ela que “Quem me dera a mim que metade da turma tivesse metade das
competências que tem o Diogo”, o problema do Diogo é que a meio de um teste desliga,
desliga… portanto ele precisa de necessidades educativas especiais não porque precise
do conteúdo gramatico adequado a ele porque não precisa, ele precisa é de ter mais estudo
e é por isso que estamos a dar entrada para o tal artigo, porque o Diogo muitas vezes
agente vê que ele está desligado, no mundo dele, e que nós estamos a falar e ele não tá
cá. Masse lhe perguntar o que eu disse ele repete exatamente o que eu disse.
Psicóloga: Eles têm os sentidos muito apurados…
Tem, tem…
Psicóloga: Então a sua preocupação a nível da escola é mais com os meninos quando o
isolam um pouco mais?
Entrevistada: É, o que se passa este ano é que como a professora tem esta sensibilidade
isso não está a acontecer, porque a professora obriga-os a brincar com o Diogo, e o Diogo
no outro dia queixou-se que não o deixavam jogar, calhou em conversar com a professora
sobre o assunto, por acaso nem foi em termos de queixinhas, foi “ah ele queixasse é que
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os meninos não jogam a bola com ele” e ela no dia seguinte diz “Porque é que o Diogo
não joga à bola?” e eles “ah porque ele é que não gosta de jogar” – “Não, o Diogo joga,
porque aqui é assim, ou jogam todos ou não joga nenhum” e a partir daí o Diogo já joga
à bola, tem amigos coisa que não tinha, e já me pede ah o não sei quantos pode vir cá a
casa ou eu posso ir a casa dele? Coisa que antes nunca tinha acontecido. Portanto está a
começar a socializar, o que é muito bom…
Psicóloga: Acredito que para si seja muito bom. E em termos familiares, como é que tem
sentido o apoio da sua família e da família do seu marido?
Entrevistada: Então, a minha família e a família do meu marido são muito diferentes...
E a forma de estar nas duas famílias é muito distinta. Quando o diagnostico foi feito ao
Diogo a atitude da minha família foi -ok, o que é que é preciso agente fazer, como é que
vamos lidar com ele? A atitude da família do meu marido foi – Ah mas ele não tem nada,
é uma criança normal, vocês andam a gastar dinheiro em médicos para quê? Ele não tem
nada. Ah… a minha filha também era assim, o meu filho era assim, o teu primo era assim-
não sei o que… era assim. Estas duas formas de estar são muito diferentes. O que faz com
que, enquanto a minha família está sempre integrada em tudo aquilo que se passa, sabe
quando o Diogo tem sessões no PIN, o que é que se faz… Posso dizer que eu comprei
tudo o que há para comprar de livros de Asperger , tenho sete ou oito livros diferentes, eu
li-os, a minha mãe leu, a minha irmã leu-os…
Psicóloga: Todos tentaram estar dentro do assunto…
Entrevistada: Toda a gente, e depois do diagnóstico ter sido feito ao Diogo eu pedi duas
sessões à parte, uma para explicar aos avós e aos tios do Diogo o que é que o Diogo tinha,
como poderiam lidar com o Diogo quando estiverem com ele, e depois outra para os
irmãos. Posso dizer que da família do meu irmão não foi ninguém. E da minha foram
todos.
Psicóloga: E diga-me uma coisa, tinha referido à pouco que tinha tido um problemas com
o seu marido, isso foi na altura em que estavam ainda em diagnostico, a tentar perceber o
que estava a acontecer com o seu filho?
Entrevistada: Não, não, isso foi quando ele tinha uns quatro anos, quando ele foi à
primeira psicóloga.
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Psicóloga: É de facto uma pena que nem todos os familiares apoiem a situação.
Entrevistada: Eu acho que nem é uma questão de apoiar, é que na cabeça deles com o
Diogo não se passa nada, porque acham que o Diogo é uma criança normal e que aquilo
que ele tem é teimosia, e pronto- a tua cunhada também era assim, mas secalhar a minha
cunhada também tem alguma coisa que ninguém lhe diagnosticou, não é? E é um
bocadinho por isso. E o meu marido diz muitas vezes “não vale a pena insistires porque
se eles não veem o problema, nós não vamos estar a incutir um problema onde eles não
vêm, portanto se acham que tá tudo bem então deixa estar, eles tão cá meia dúzia de vezes
no ano portanto...” E depois há outra questão, que é, agente diz que o Diogo tem Síndrome
de Asperger, as pessoas dizem: ah isso é o quê? Agente diz que é uma doença do espectro
autista, o que é que fica retido na altura?
Psicóloga: Autismo…
Entrevistada: Autismo, no dia a seguir já estão a dizer que o filho da Xana é autista e
dois dias depois o filho da Xana já é deficiente, e eu não quero isso, porque já viu o Diogo
e o Diogo é uma criança normal…Tem algumas características quando passa aquele
bocadinho em que descompensa, é o fim do mundo, mas tirando isso é uma criança
normal. E eu não quero que…
Psicóloga: Passem um rótulo…?
Entrevistada: Exatamente, porque basta que ele aprenda a lidar com estas formas de
como descompensa, e ele já aprendeu… Quando ele sente que está descompensado ele
diz “mãe vou para o meu quarto” e vai. E eu espero que daqui a seis ou sete anos quando
o Diogo for adulto que ele já saiba controlar, que quem não saiba que ele não tem
Asperger não fique a saber. Porque quem conhece as características e estão ao pé dele,
topam logo, como eu quando estou ao pé de uma criança com as características eu vejo,
não é? Mas eu espero que daqui a meia dúzia de anos as pessoas que conheçam as
características de Asperger já não as vejam no Diogo, porque ele já aprendeu a lidar com
elas e a reagir, é nisso que estamos a trabalhar, eu e o pai, com a questão do
acompanhamento no PIN e com a escola. E espero que daqui a um, dois, três anos, ele
esteja menos Aspie que agora.
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Psicóloga: E em termos dos seus amigos? Sente que houve alguma diferença após o
diagnóstico?
Entrevistada: Nós não temos muitos amigos porque eu trabalho muitas horas, e então
tenho muito pouco tempo livre, e como tenho muito pouco tempo livre tento estar ao
máximo com eles, com a família. E temos três ou quatro casais que são os amigos da casa
a quem nós dissemos o que se passava, e toda a gente tá… não houve ninguém que eu
visse que se tenha afastado ou que se mostrasse de forma diferente pelo diagnóstico, não.
Ah… houve assim uma situação um pouco estranha quando fomos para casa dos
padrinhos e fizemos um jantar la em casa. E estávamos a mesa e o Diogo estava
completamente, completamente descompensado, porque o arroz tinha ervilhas, e ele
estava doido porque o arroz tinha ervilhas! Ele já estava todo a tremer, e o pai disse
“Diogo levanta-te vai para lá ao teu quarto, acalma-te, quando tiveres calmo volta” e
aquilo para os padrinhos foi… eu vi na cara deles, estavam chocados com o que o pai
estava a dizer, estar a mandar o miúdo embora na hora de jantar, ele foi-se embora e nos
dissemos “calma já vais ver o que se passa”, entretanto servimos as bebidas, o pratinho
dele chegou, passados cinco minutos apareceu o Diogo parecia outro, bem-disposto, a rir,
sentou-se, comeu e não disse nada por causa das ervilhas terem estado… e os padrinhos
viram que o facto de ele ter ido lá dentro, estar aqueles 5 minutos lá dentro, sozinho a
fazer não sabemos o que mas lá esteve, e voltou outro. Portanto, nós já sabemos como
lidar com ele, e por muito, muito que possa parecer, estas atitudes de Diogo, acabou, vai
la dentro apanhar um pouco de ar, respira fundo e volta, funciona porque como costumo
dizer ele faz um re-put ao sistema dele e quando volta está tudo tranquilo. Mas pronto,
estes nossos amigos já perceberam que o Diogo de facto é diferente, que há coisas que
não podem fazer com ele. No verão, também com os padrinhos do Diogo foram com eles
para a praia, o Diogo estava na água e começou a dizer que estava com frio e o padrinho
disse “ok, então vai direito para cima”, e ele foi direitinho para cima passou por cima de
todas as toalhas. E ele ficou assim naquela e depois pensou “não posso dizer estas
coisas…!”
Psicóloga: É literalmente para cima…
Entrevistada: É! Direitinho é direitinho por cima de tudo o que estava pelo caminho. E
o Diogo foi. E ele depois “Diogo não podes” – “mas tu disseste para vir direitinho?” e ele
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“tá bem mas a volta das toalhas!” – “ahhh está bem!”. E pronto o Diogo é isto, é muito
literal.
Psicóloga: Então mas acha que é importante que os amigos estejam a par da situação e
que saibam lidar?
Entrevistada: Sim. Os amigos da casa. Aqueles amigos com quem nos precisamos
conviver…Também para perceberem algumas situações e porque é que apesar de nos não
tentarmos tratar o irmão de forma diferente dos outros irmãos, mas há situações em que
é impossível não tratarmos o Diogo de forma diferente, e porque é que fazemos isso,
porque é que fazemos algumas coisas e somos condescendentes com o Diogo em algumas
coisas e não somos com os irmãos, senão qualquer dia estão-me a dizer que tenho um
filho preferido. Mas não, tenho um filho que me dá um bocadinho mais de trabalho (risos).
Psicóloga: Ok, então e neste momento como tenta lidar com as dificuldades que vão
surgindo?
Entrevistada: Com a alimentação é um problema grande, o Diogo é muito difícil de
provar coisas diferentes, porque ele diz que não gosta e ele para provar alguma coisa tem
que provar por iniciativa dele. Posso dizer que uma coisa que ele come, e eu nunca pensei
que ele comesse é arroz de grelos, porque? Porque um dia eu estava a fazer arroz de grelos
para mim e para o pai e ele perguntou “o que é isso?” e eu “arroz de grelos” e ele percebeu
arroz de grilos e achou piada ao facto de eu estar a comer arroz de grilos. Então pediu-me
e disse “ah este arroz de grilos é bom” e eu “queres mais?” e o irmão “não é arroz de
grilos!!” e eu disse “amor, estavas a dizer que era o que?” e ele “arroz de grilos” e eu “não
filho, não são grilos são grelos” e ele “o que é que são grelos?” e eu “são essas coisas
verdes que ai estão ai dentro” se eu dissesse que eram legumes não comia. E ele “ah está
bem! Mas eu gosto.” E pronto ficou, ainda esta semana fizemos arroz de grelos e ele
comeu. Mas se eu lhe disser que estão ali grelos, ervilhas, feijão verde , seja o que for
leguminosa ele não come.
Psicóloga: Mas essa estratégia para a alimentação é deixar que seja ele a tomar a
iniciativa?
Entrevistada: Sim… sim.
Psicóloga: E para outros problemas que surjam ?
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Entrevistada: Sim, sim. É assim, o Diogo as vezes… por exemplo, o Diogo detesta
português e uns dias como por exemplo hoje traz trabalhos de português como por
exemplo fazer cópias, é uma coisa… hoje estivemos hora e meia para ele escrever seis
frases… e o pai descarta-se logo, porque ao fim de 5 minutos está passado, imaginemos
ao fim de uma hora… e estou ali, então vá qual é a palavra? Blá blá blá… e já sei que
tenho de negociar com ele, que é “ok tens 12 frases, então hoje fazes 6 e amanha fazemos
as outras 6 ” porque a primeira coisa que ele diz é “eu não gosto ” e “é muito grande, é
muito grande, é muito grande, é muito grande!” e não passa dali, mas eu “ta bem mas
olha então tapamos, estás a ver? Afinal é pequenino. Vamos fazer aos bocadinhos” e ele
“então ta bem”. Mas é capaz de passado um bocado voltar a dizer “mas tu já viste que
isto é mesmo grande?” e eu “ta bem mas hoje vais só fazer este bocadinho”, e ele “mas é
muito grande e ela (a professora) mandou isto tudo para eu fazer” e não sei o que e depois
eu não brinco e está ali a remoer, a remoer, a remoer, o tempo todo. E eu “Diogo o tempo
todo que estás com esta conversa toda já tinhas feito a copia” e ele “e tu estás sempre a
dizer-me isso! E tu estás sempre a dizer-me isso” e eu “oh filho mas é a verdade”, e que
horas são? E eu quero jogar wii e já não vou andar de skate e não sei o quê. “Então quanto
mais depressa acabares mais depressa vais andar de skate” e “e tu estás sempre a dizer-
me isso!”
Psicóloga: Como sente por ter de insistir nessas dificuldades?
Entrevistada: É da minha responsabilidade… É assim eu insisto nas coisas que ele tem
mesmo de fazer, não é? Não posso dizer “ah coitadinho, não queres fazer não faças”…
Não! Ele tem de aprender a escrever e eu sei que isto são lutas enormes que eu tenho e
que às vezes me levam à loucura mas eu sei que estou a fazer o meu papel como mãe. Eu
quando este diagnostico foi feito ao Diogo eu tenho possibilidade porque o meu trabalho,
pronto eu tenho isenção de horário, portanto comecei a entrar as 8horas da manha para
sair às 5horas, para ir buscar o Diogo mais cedo, estar mais tempo com ele, dar-lhe mais
atenção, estar com ele mais tempo naquelas coisas básicas do banho, porque antes
chegávamos as 8 e tal era banho, jantar, trabalhos de casa, tudo a correr! Agora continua
a ser banho, jantar, trabalhos de casa mas em vez de ser tudo numa hora é tudo em três
horas, o que quer dizer que eu fico muito mais cansada! Porque estou durante três horas
“Diogo vai tomar banho, vai tomar banho”…
Psicóloga: Portanto, a rotina em si alterou e o cansaço também após o diagnóstico…
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Entrevistada: Sim… até porque durmo menos (risos) durmo menos…porquê? Deito-me
à mesma hora mas levanto-me hora e meia mais cedo que aquilo que me levantava, deito-
me à mesma hora porque não me consigo deitar com as galinhas (risos).
Psicóloga: Então e em termos de futuro, calculo que seja uma coisa que lhe passe muito
pela cabeça, como será…
Entrevistada: O futuro do Diogo?
Psicóloga: Sim… Eu vejo o futuro do Diogo risonho, o Dr. Lobo Antunes da primeira vez
que esteve com ele disse-me que eu ele era como um avião que estava em trajecto daqui
por exemplo para a américa e que vai apanhar uma grande tempestade pelo caminho,
portanto ele vai ter um trajecto um bocado temultuoso, mas que nos cabe a nós garantir
que ele chega lá são e salvo. Pronto, eu sei que ele vai chegar lá são e salvo! Se eu chego
lá com a minha mentalidade toda intacta não sei, mas o meu objetivo neste momento é
tentar afasta-lo da tempestade. Portanto, e estou dedicada, não digo a 100% porque tenho
os meus outros filhos, marido e trabalho mas o meu objetivo de vida é o Diogo e
encaminhar o Diogo. Agora se me perguntam se o Diogo vai ser uma pessoa notável? Eu
quero garantir que lhe dou todas as ferramentas para ele ser uma pessoa calma, garantir
que tenha uma vida feliz, principalmente isso. Agora se vai ser medico, se vai ser
engenheiro, se vai ser pedreiro, não quero saber… quero é que ele seja feliz. De resto...
não…não me preocupo com isso.
Psicóloga: Um futuro risonho então…
Entrevistada: Sim, sim. Porque é assim ele é muito inteligente ele tem o raciocínio
matemático uma coisa brutal e se calhar vai seguir uma área mais ligada às matemáticas
…
Psicóloga: Ao concreto, têm muito jeito para isso…
Entrevistada: Sim, sim, têm por isso é que ele detesta o português (risos).
Psicóloga: É a sua guerra… (risos)
Entrevistada: É, é! Estou a ouvir coisas lá dentro espero que não esteja a fazer disparates,
mas pronto…
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Psicóloga: Estamos quase a acabar também, gostaria que partilhasse comigo quais sente
serem os maiores medos…
Entrevistada: Os maiores medos, é esta impulsividade que ele tem, que ele faça alguma
coisa que se magoe asserio ou que magoe outra pessoa, ou que como ele é muito distraído
ele passe uma estrada sem ver, que seja atropelado, sem ver, muito, muito medo que
aconteça alguma coisa, nesse sentido porque ele é distraído. E eu pensei que isto com a
idade ia acalmar mas não parece que ele está cada vez pior, e ele é capaz de… ainda esta
semana, ele tem treino, íamos a passar a estrada tive de lhe dar um puxam porque ele ia,
ia passar uma camionete e ele ia passar à estrada… e eu “Diogo!” e ele ficou a olhar para
mim do género “então mas…” “Diogo ia a passar uma camioneta onde é que tu ias?” e
ele “ah não vi! Não vi.” “Então mas filho tens de olhar para um lado, para o outro, ver se
vem se não vem.” E ele pronto“ ah estava distraído” e esse é o meu maior receio que ele
se magoe e que faça alguma coisa porque ele tem uma força muito, muito grande e quando
descompensa aquela dose de adrenalina… ainda na outra vez o irmão disse lhe uma coisa
que o enervou… ah já sei o irmão saiu-lhe no MacDonalds um boneco qualquer e um
boneco de menina ao Diogo, e quando chegamos a casa o André diz: “ai és uma menina”
, aquilo fez um clique no Diogo e o Diogo agarrou nele pelo pescoço de tal maneira que
lhe trancou a traqueia, o irmão deixou de respeitar, e eu não sabia se havia de chamar uma
ambulância para salvar o André, se havia de abanar o Diogo. Olhe foi assim uma cena
surreal, o pai não estava em casa…E ele quando percebeu aquilo que fez ao irmão entrou
em pânico, portanto o que me chamou a atenção nem foi o André, foi o Diogo quando viu
o que estava a fazer ao irmão…
Psicóloga: As chamadas crises que ele costuma ter…com as quais se sente muito mal.
Entrevistada: Exactamente, ficou completamente descompensado a gritar e só dizia
“Desculpa, desculpa, desculpa!”. Quando eu fui ao quarto o irmão estava todo roxo de
ele o ter estado a apertar, ele queria falar comigo e não conseguia, as lagrimas a caírem-
lhe pelos olhos a baixo… e o Diogo a gritar “Desculpa, desculpa, desculpa”. Portanto ele
tem uma força tão grande, quando ele tem estes ataques ele fica com uma força…enorme!
Que eu tenho medo que aquilo que aconteceu com o André aconteça com outra pessoa e
que seja pior e que ele magoe alguém a serio. Porque aquilo depois com o André passou,
apesar do irmão ter ficado com uns vergões no pescoço, mas se isto fosse com outra
criança na escola… Era logo chamada ao conselho diretivo!
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Psicóloga: Mas estão a trabalhar essas situações não é?
Entrevistada: Estamos, estamos, mas como não estou permanentemente com ele não é…
Psicóloga: Pois…
Entrevistada: Mesmo quando estou com ele descontrola quando não estou é mais difícil.
Psicóloga: Mas já tem visto uma evolução?
Entrevistada: Já, já controla-se muito melhor. Porque nós estamos todos a trabalhar,
incluindo os irmãos, tentar evitar as situações que fazem com que o irmão se descontrole.
Psicóloga: E em termos de apoio conjugal? Como tem sentido o suporte do seu marido?
Entrevistada: O suporte… no início quando foi feito o diagnóstico o pai teve um
bocadinho aquela atitude de ‘se eu não souber de nada é porque não existe’, enquanto eu
fui à Fnac ver tudo o que houvesse, queria ler tudo e dar lhe para ler. Ele dizia “há deixa
estar depois leio” portanto, ele nunca quis.. ele mesmo disse “o facto de eu agarrar num
livro para ler sobre o assunto é estar a assumir que tenho um filho com este problema”.
Mas pronto agora passados estes meses todos já lhe passou essa resistência…
Psicóloga: Têm enfrentado os dois diretamente o problema agora…
Entrevistada: Sim, e esta situação do Diogo tem servido para nos juntar muito a nós
como casal e como casal estamos agora como nunca estivemos nestes 15 anos em que
estamos casados.
Psicóloga: Fortaleceu-vos?
Entrevistada: Muito, muito mesmo. E estamos muito alinhados em termos de como é
que as coisas se fazem com o Diogo. Portanto se antes havia muitas situações com o
Diogo em que o pai dizia por dentro estás a fazer tudo mal, agora é muito raro porque
sabemos exatamente o que temos de fazer em diferentes tipos de situações e vice-versa,
portanto estamos muito alinhados na forma de como devemos lidar com o Diogo.
Psicóloga: Então se houver mais algum aspeto que queira realçar, alguma experiência…
Entrevistada: Acho que até já falei de mais! (risos) Eu disse logo que falava muito
(risos).
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Psicóloga: Ok, então a entrevista está terminada, depois, como lhe disse é para uma tese
de mestrado, se quiser assistir à tese tenho todo o gosto em que veja o resultado final.
Entrevistada: Ok, ok tudo bem!
Psicóloga: Obrigada!
Entrevistada: Obrigada!
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9.3.4. Caso IV Psicóloga: Olá Lara*, como está?
Entrevistada: Tudo bem obrigada.
Psicóloga: Como lhe tinha dito, esta é uma entrevista para perceber a experiencia de ter
um filho com Síndrome de Asperger, mas antes gostava que me desse algumas
Psicóloga: informações como a sua idade e profissão.
Entrevistada: A minha idade, 37 anos e sou professora.
Psicóloga: E o seu estado civil?
Entrevistada: Casada.
Psicóloga: Ok, obrigada e quanto ao seu filho que idade tem?
Entrevistada: 6 anos.
Psicóloga: E à quanto tempo foi feito o diagnostico?
Entrevistada: Ora… à cerca de 4 meses
Psicóloga: Ok, obrigada Lara. Então gostaria que me descreve-se o melhor possível como
se sentiu quando recebeu o diagnóstico do seu menino, ou seja à 4 meses.
Entrevistada: Na altura em que a médica falou em asperger não estava nada à espera,
nunca pensei que o meu filho pudesse estar num quadro de autismo, e na altura da
consulta estava sozinha, quis perceber o porquê de falar nisso, trazer o mais possível de
informação que pude. Na altura não tive nenhuma manifestação, digamos de
sentimentos de tristeza nem nada disso, reagi muito firme, muito bem. Mas de facto,
quando regressei, a caminho de casa, no carro, desabei com essa notícia, e mexeu muito
comigo. Senti que na consulta precisava de ouvir com atenção, mas quando sai aquilo
bateu mesmo, e pronto, há momentos em que as coisas estão mais difíceis mas bola
para a frente.
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Psicóloga: Hum, hum… e na altura em que estava no carro como se sentiu?
Entrevistada: Bem, nessa altura chorei, chorei muito, e tive uma mistura de tristeza com
desespero mesmo, porque o meu filho era autista e pouco conhecia sobre, sobretudo
os casos asperger desconhecia., não sabia que existiam, sabia dos casos mais graves de
autistas mas não conhecia esta vertente. E também lhe digo, que da consulta não vim
tão informada quanto isso, porque a medica tinha conhecimento de autismo mas não
especificou o espectro, fui eu que no dia a seguir contactei com a psicóloga e ela dizia
sempre que era asperger, era asperger e de facto, é o que é. Ela é atualmente quem
acompanha o Rodrigo. Aliás, ele teve uma psicóloga durante quase um ano e nunca,
nunca, nunca lhe detetou nada. Mas pronto, neste momento a psicóloga está a trabalhar
com ele as competências sociais e também as questões emocionais e de 15 em 15 dias
faz uma coisa ou outra. Faz também teatro musical, o que o ajuda também na
problemática ideia também da pediatra. Acho que ele neste momento está mesmo a
ser bem acompanhado por pessoas que o querem ajudar, até a professora dele, tem
sido fantástica.
Psicóloga: Sim, são de facto estratégias muito boas para desenvolver as competências
necessárias. Pode partilhar comigo como tem sido para si viver com o diagnóstico?
Entrevistada: Eu senti que o diagnóstico foi importante, quando a médica falou até ela
sentiu que era importante para mim, porque sabendo do diagnóstico eu poderia
entender muita coisa que até ai não entendia, por exemplo a questão da autonomia, eu
que sou muito persistente, ele não desenvolvia e eu tentava ao máximo desenvolve-la.
Quando ele entrou para escola, não conhecia a professora não é, não vinha do
agrupamento, e ela dizia que ele era um menino mimado e não tinha autonomia
nenhuma, mas não, ele precisa de atenção e tem é uma fala abebezada e a questão da
autonomia, que ela não soube lidar, não sabia da problemática. Questões como a do
lanche, o Rodrigo via o lanche e ficava a olhar para ele a perguntar “o que é que eu
faço?”, ele nunca tinha tido a experiencia de levar o lanche para a escola, era algo novo
e ele não sabia gerir, dai que a professora achasse que ele não tinha autonomia e que
queria que andássemos de volta dele a fazer tudo.
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Psicóloga: Compreendo, muitas vezes as características do síndrome são mal
interpretadas…
Entrevistada: Exatamente acho que era isso que estava a acontecer. O que interessa é
que esta professora tem sido de uma entrega total e é muito perspicaz. Ela sempre disse
que ele devia ter alguma coisa, sempre disse que não sabia o que era. Mas um dia ela
reuniu-se ao final do dia com a pediatra, psicóloga, e na altura a terapeuta da fala,
apesar de agora já não ter terapeuta da fala, era só aquela questão da fala abebezada
típica dos meninos com asperger, e que só falava assim em algumas situações e não
sempre. Então a pediatra conseguiu revelar á professora em que medida o meu filho se
enquadrava na problemática do autismo e professora apartir dai este mais atenta,
haaam, para essas questões e percebeu que ele de facto se enquadra.
Psicóloga: Sente então que esse apoio escolar é importante?
Entrevistada: Ah, sim! Super importante. Em termos de professora estou super, super
tranquila, sei que ela faz tudo o que deve ser feito ela ensina de uma maneira
extraordinária. Este ano já começou o teatro e ele teve uma evolução fantástica com a
ajuda da professora, porque antes ele não mostrava nenhum interesse por aquilo que
fazia, era muito demorado a fazer as atividades, muitas vezes ele chorava, e eu via isso
também em casa, quando era para fazer uma nova atividade e nós sabíamos que ele a
conseguia fazer, e ele chorava perante a nossa exigência e bloqueava de forma
exagerada e sofrida, dai que achássemos estranho o porque de ele agir assim, porque
nós não lhe estávamos a bater nem a fazer mal, só a pedir para fazer uma atividade, e
ele não parava de chorar, o choro era um choro normal agora a cara era uma cara
sofrida, para ele era muito grave.
Psicóloga: Compreendo, era um choro pouco ajustado à situação.
Entrevistada: Era! Exagerado. Hoje é o oposto, vem da escola muito feliz, entra no carro,
antigamente tentávamos puxar por ele para dizer algo, para saber quando havia festas
onde ia representar, o que tinha feito, nada. Ou sabia porque a educadora tinha
contacto diário conosco e questionava. Hoje não, hoje entra no carro todo contente, diz
o que fez, explica o que a professora ensinou, está motivado, diz que a professora ensina
96
muito bem e aplica as estratégias que a professora ensina. Em casa já é mais relaxado,
parece desleixado mas é aquela característica dele, mas na escola de facto é onde ele
acho que está melhor. Ainda bem que optamos por o meter na escola, e não ficar para
trás, porque apesar dos sinais de imaturidade ele aprende muito bem… tem dificuldades
ao nível da coordenação motora, mas a nível da matemática, português e estudo do
meio aprende muito bem é considerado mesmo pela professora um dos melhores
alunos que tem na sala.
Psicóloga: Vejo que isso a alegra bastante.
Entrevistada: Imenso. A professora tem uma experiencia a ensinar e no ensino especial,
está atenta às dificuldades, ela não sabia o que ele tinha mas sabia detetar as
dificuldades, e sabe-lhe chegar, sabe antecipar o que vai fazer…
Psicóloga: Hum hum... e como a Lara se tem sentido após o diagnostico?
Entrevistada: Pois… isto tem sido quase que uma obsessão minha em perceber o
problema… quero ajudá-lo o mais possível então procuro toda a informação e mais
alguma e isso esgota-me. Porque quero fazer o mais que poder, e depois a questão das
estratégias não é? Uma pessoa todos os dias tem qualquer coisa para fazer com ele fora
de casa, quando estamos em casa também. Não podemos descansar nunca, temos de
estar ao pé dele, o trabalho dele tem de ser todo orientado, senão demora ainda mais
tempo. Se já está uma hora pior seria. No meio disto tudo o menino tem uma
característica que é… o tempo que tem livre ele não brinca, ele não sabe brincar, ou
melhor, ele brinca mas não como gostávamos que brincasse. O que ele mais gosta é ver
televisão, ver filmes da Disney, gosta de ver filmes de menina, com princesas, Cinderela,
Frozen, coisas assim, nada de super-heróis, carros… nunca gostou de ver nada, os outros
vê e revê. E livros... gosta muito de livros, sobre animais, corpo humano, do espaço, são
estes temas que ele mais gosta também na sala de aula. Portanto o interesse dele é este,
quando tem tempo livre se nós não proporcionarmos uma tarefa orientada, porque se
não orientar mos ele não faz, e nem procura fazer nada, fica de volta do tablet e
televisão e livros… isso controlamos mas gostávamos que ele fizesse mais coisas, jogasse
a bola, fizesse legos, puzzles… essas coisas que os outros meninos fazem não é? Faz
97
bem… e quando queremos que faça estas atividades de brincar temos de ser nós a
proporcionar esses momentos mas lá está requer que estejamos presentes… dizer
“Pronto, agora vamos fazer um puzzle” e ele faz… ele faz puzzles de 100 peças na idade
dele está muito bem, faz mas quer a ajuda, ele é capaz de fazer sozinho mas prefere que
estejamos lá perto dele. Dai que em relação a pergunta que me colocou, para nós é
muito cansativo! E não é filho único, temos uma filha mais nova, mas é uma grande
ajuda, autónoma e ajuda temos muito tempo para ele. Mas nós não temos nenhum…
para nós é aquele bocadinho depois de o deitar e deixa nos exaustos… Eu temo que
esteja a falar demais…
Psicóloga: Não, Lara, de todo este espaço é destinado a isso mesmo, para que partilhe
comigo a sua experiencia e sentimentos não se preocupe com isso por favor.
Entrevistada: É? Pronto… ok.
Psicóloga: Claro Lara… Imagino que para si seja realmente cansativo nessas condições…
Entrevistada: É mesmo muito..
Psicóloga: O que representa para si ter um filho com este síndrome?
Entrevistada: Deu-me a entender muitas coisas, como a minha exigência… eu exijo
muito também da minha outra filha, mas sei que exijo mais do meu filho porque ele
precisa que puxe por ele. A minha irmã chega a dizer que sou demasiado exigente com
ele, aliás de ser exigente e muito mais... A exigência deles não muda, mas tem de ser
adaptada, ora tenho de ter mais paciência, não castigo tantas vezes, embora continue a
fazer, mas penso o que está por traz daquilo, ou seja nunca deixo de exigir o que acho
que tenho de exigir de um filho, tenho de lhe desenvolver várias competências, embora
saiba que não posso desenvolver todas elas, mas tento ao máximo. Enquanto eu não
sabia o diagnostico dele era mesmo muito exigente, ate a professora perguntava “A Lara
não acha que está a exigir de mais?” mas acho que estou no caminho certo, a psicóloga
diz que sim, a pediatra diz que sim… eu continuo a ser assim. Ele já mostrou que se eu
insistir ele demora muito mas corresponde, por exemplo ao vestir, ele veste-se, sabe-se
vestir, tem preguiça, é muito demorado a fazer as tarefas, mas faz… ele aperta os botões,
98
veste-se, a única coisa que não faz é atar os cordões. Já para comer ele come de tudo
porque eu obriguei-o a comer sempre de tudo. Isto essencialmente porque meto tudo
no prato, não posso partir da ideia que não gosta, e espero da reação dele, se provocar
vomito ele não gosta… mas mesmo nessas situações ele voltava a meter no prato. Tipo
lulas… ele não comia a imenso tempo e pensei que me ia mandar uma volta, agora que
estamos numa fase diferente ele tem o direito de não gostar de certas coisas, não gosta
de queijo e camarão , tem direito como nós a não gostar, mas há coisas que ainda não
estão definidas se gosta ou não e eu continuo a colocar no prato, porque uns dias diz
que gosta outros que não gosta, e eu continuo a meter no prato até ver se gosta ou
não… Mas não é só nisso que falo, é também das sequências, comia batata, depois arroz,
depois carne… demorava mais tempo, não misturava, e eu obriguei-o a misturar, claro
que as vezes faz um pouco sequencia mas lá vai misturando. No início quando disse para
misturar as coisas do prato ele comia um pouco de batata depois um pouco de carne e
olhava para mim, do género “o que é que eu como a seguir?”, “Olha Rodrigo comes
outra coisa que não tenhas comido agora!” mas é um sinal…Ainda hoje foi arroz com
feijão e ele come! Outra coisa é isto das comidas misturadas, arroz com qualquer coisa,
tipo arroz de frango, come uma coisa depois outra… mas pronto vai comendo um pouco
de cada de cada vez… porque eu contrario aquilo que tem na cabeça. Por isso digo que
vale a pena batalharmos porque há muitas coisas que mudam, muitas coisas que já
foram conquistadas e nem me lembro, porque de facto ele é capaz, no entanto também
entendo que hajam outros meninos que não o consigam, não sejam capazes, casos mais
complicados… mas ele é portanto vou puxando por ele nesse sentido em tudo é uma
das minhas estratégias para conseguir que ele consiga, insistir, enquanto ver resultados
é assim. E estou sempre atenta a tudo, alguma coisa nova, tento sempre dar a volta…
ainda no outro dia vinha a dar aquela musica dos D.A.M.A. que dizia –vamos alcançar as
nuvens- e ele disse: “Mamã, alcançar as nuvens?” e eu agarrei logo nisso e perguntei o
que entendia por isso, questionei-o e tentei por uma ideia simples para explicar outras
coisas, para explorar…
Psicóloga: Claro, a comunicação nos aspies é entendida de forma literal é importante
descodifica-la quando há sentidos ambivalentes…
99
Entrevistada: Isso… e daí que o saber o problema e conhecer o que envolve é muito bom
para nós, porque se formos espevitadas vamos entendendo o que surge. Porque apesar
das terapias, tudo o que for aprendido no momento mais vale… ah, e até porque ele é
muito curioso, e questiona-nos e temos de aproveitar quando questiona, tem memoria
fantástica… por aí.
Psicóloga: Então qual entende ser o seu papel como mãe?
Entrevistada: Mostrar-lhe que não está sozinho, que o amo muito… Apoiar, porque além
de saber as informações todas, ter a teoria nada serve se não passar a pratica e isso é
que é o mais difícil, embora até ache que me esteja a safar bem, não me sinto perdida
como alguns pais se sentem lá no grupo aspies. Tento dedicar o meu tempo todo,
trabalhar as coisas que estão em deficit…
Psicóloga: Trabalhar no sentido de ultrapassar as dificuldades…
Entrevistada: Claro, porque há pais que negam-nas e eu aceito-o mas também não me
sento a sombra da bananeira nem ter pena do meu filho, sinto sim tristeza por situações
que vivenciou e possa vivenciar e o deixe menos feliz. Mas não é pena, sei que não
deverá ter o problema muito avançado, não vejo isso, vejo que as características são
leves, a psicóloga e pediatra também, dentro dos aspies é de forma leve. Elas já
referiram que nós temos sido pais fantásticos, dizem que é graças a nós que ele é como
é. E nós dizemos que também é muito graças a elas! Mas elas dizem que se não
tivéssemos atuado desta forma, secalhar ele tinha mais dificuldades, tinha as
características mais acentuadas porque não somos muito permissivos, hora para comer
é para comer, hora para vestir, estamos lá mas é ele que veste, no trabalho de casa a
mesma coisa, incutir nele as coisas, com ajuda mas orienta-lo para ele ser independente.
Acho que parte das duas partes…
Psicóloga: Sente que é um trabalho conjunto?
Entrevistada: Exactamente, um trabalho entre todos mesmo…
Psicóloga: E como sente o suporte a nível do seu conjugue?
100
Entrevistada: Ele no inicio questionava-se se eram diagnostico certo, mas quando viu
que sim apoia-me em tudo, com o menino ajuda onde pode, é um pouco mais
permissivo, mas nas questões de educar tenta ser exigente. Claro que eu é que domino
nesta questão, em todas as casas há alguém que domine, normalmente a mãe.
Enquanto eu fizer as coisas ele deixa-se levar, se for para fazer ele faz, mas sou eu que
lhe passo a informação, acompanho o menino as consultas, disse que era importante ir
a psicóloga e ele foi, agora em Abril também vou ao Dr. Lobo Antunes e gostava que ele
fosse e ele vai, pronto há determinadas situações onde faço questão que ele esteja e ele
está lá e apoia e acompanha, mas de um modo geral é a mãe que tá ali.
Psicóloga: E relativamente aos seus familiares?
Entrevistada: Hum… não sinto muito apoio… sinceramente… é aquela questão, o menino
é um menino que engana bem… se não fossemos nós, quer dizer mais eu, não o pai, não
teria nada, ele não parece ter nada, porque para o pai por ele está sempre tudo bem
não é nada, eu é que percebia que algo não estava bem e queria procurar saber, e ele
sempre disse ok então vai. E portanto, lá está… ele passa bem como um menino que não
tem nada, quem olha para ele não vê nada, depois há varias opiniões… os avós secalhar
até acreditam no diagnostico, quer dizer não é acreditar… até dizem que pode estar
certo mas sempre que é exagero… tenho essa noção, porque as pessoas dizem que
passa, que é pequenino e passa, vou ouvindo muitas vezes…
Psicóloga: Hum, hum …
Entrevistada: Por exemplo os tios , da parte do meu marido há uns que aceitam bem, ok
tem problema estão a tratar, quer dizer há um diagnostico não questionam a veracidade
do diagnostico está a ver?
Psicóloga: Sim, sim…
Entrevistada: Há outras pessoas que também não questionam, mas continuam a afirmar
que parece um menino normal se não tivéssemos dito nada…
Psicóloga: Compreendo, este síndrome até é apelidado de síndrome invisível por essa
mesma questão de não ser algo visto a olho nu.
101
Entrevistada: Engraçado… nem sabia mas sim faz sentido, porque todos o dizem e de
facto só estando com ele mais tempo se vê. Por exemplo ele é muito imprevisível e em
algumas situações pergunto se não reparam e eles dizem que não , não reparam… oh
bolas… eu acho que é evidente, ele é um menino chato a brincar, o problema da
socialização, o problema que mais me preocupa, porque é com isso que vai ter de viver
para o resto da vida, é a mais evidente nele e a que mais me preocupa. Há um
afastamento dos colegas, não por parte deles mas porque acho que ele não tem
interesse mesmo por brincar, está mais com as meninas sobretudo as da mesma idade,
mas elas também se saturam de brincar com ele. Há uma situação muito gira, umas duas
meninas mais velhas que gostam muito dele e costumam estar no recreio juntos, e já li
que é costume eles lidarem com amigos mais velhos. Mas para voltar a questão inicial,
a minha irmã que é psicóloga quando eu disse que o menino era asperger ela disse que
eu era doida… ela chegou me a mandar uma mensagem no facebook bastante violenta,
que era eu que estava a criar problemas e isso foi muito complicado para mim, ainda
agora não temos uma relação boa por causa dessa situação, e continua a dizer que o
menino é mimado, atribuía o ele não ser desenrascado a ter sido superprotegido por
mim, e falei disso a psicóloga, e falou-me que não… eu era uma mãe muito dedicada
apenas isso, mas deixava ele fazer as coisas, por isso me custa aceitar o que me disse.
Psicóloga: Imagino que para si seja complicado não ter apoio por parte da sua irmã neste
assunto sendo ela profissional na área.
Entrevistada: Muito… ela trata-me como se fosse maluca mesmo.
Psicóloga: E no que toca aos seus amigos, como tem sido para si?
Entrevistada: Amigos… esses sim, lá está… tenho amigos que o conhecem e os que não
conhecem, e todos eles acreditam no diagnostico dele, engraçado… com eles há espaço
para isso, algo que nunca tinha pensado bem, tenho mais espaço para falar disso com
eles que com a minha própria irmã…
Psicóloga: Sente que a apoiam mais a esse nível…
102
Entrevistada: Sim, porque eu sou uma pessoa que como já viu preciso muito de falar… e
nesse nível ajuda muito, estou a vontade com eles, porque como falava demasiado com
a família da minha preocupação começaram a achar que era obcecada.
Psicóloga: Como é para si sentir isso dos seus familiares?
Entrevistada: Para mim é algo muito mau, faz-me sentir incompreendida como se
defendesse algo absurdo mesmo fundamentado pelos psicólogos, pediatras,
professoras…
Psicóloga: Compreendo… E quanto ao futuro do seu filho, quais as suas expectativas?
Entrevistada: Podia não imaginar nada já, mas imagino, eu ouvi da pediatra quando me
falou das questões do meu filho “claro que o seu filho nunca vai estar a frente de um
balcão” mas o nunca não me entrou! …“nunca vai estar a comunicar com alguém em
termos futuros de um emprego” e eu não gostei… na altura falou mas acho que nunca
podemos dizer nunca… ele vai ser o que quiser, o que der certo, pode ou não fazer isso,
é uma coisa em aberto, não quer dizer que vá fazer uma coisa que vá contrariar as
características da síndrome, mas irá com certeza fazer algo que o faça feliz e goste. E lá
está tenho esperança que como a pediatra diga muita coisa se possa trabalhar, e muito
coisa já correu bem, na escola, na atitude em tudo o que faz. Em casa temos de trabalhar
muito e estar ligados a professora e psicóloga mas em tudo o que faz, cumpre, e acima
de tudo, vem satisfeito. Hoje ele vai a uma festa, sabe o que tem de fazer, tem vontade
e está a evoluir com tudo isso. Este ano por exemplo, porque os interesses vao variando,
ele está obsecado pelo corpo humano, e os livros que tem não lhe chegam, faz questões
muito interessado, pede mais livros… e eu não sei se não terá futuro até numa área
dessas, com um curso superior no lado da ciência, mas até pode não acontecer nada
disso… ele tem capacidades, estuda bem, vamos ver… uma coisa ou outra será sempre
bom. Mas convém que eu o faça gostar também das coisas que os outros meninos gostam!
Psicóloga: Entende que será um livro em aberto…
103
9.4. Quadros de Analise IPA 9.4.1. Caso I
104
Comentários Texto Original Unidades de
Significado
Psicológico
Ter um filho com o
síndrome teve
implicações em
termos familiares,
deixando de ter um
segundo filho dada
a energia para que é
precisa para este
filho.
Psicóloga: E tem mais algum filho?
Entrevistada: Não, não só o Ricardo, até porque
concentramos todas as nossas energia nele dado
o problema. Optamos por não ter mais filhos.
Decisão de não ter
mais filhos
Sentimentos de
desamparo e medo,
não sabendo a
quem recorrer por
desconhecer
totalmente o
problema.
Psicóloga: Ok Filipa, gostaria que partilhasse
comigo como se sentiu apos o diagnóstico do seu
filho
Entrevistada: Na altura senti me um pouco
perdida e surpresa porque desconhecia de todo a
existência deste síndrome, ficamos assustados
com o síndrome mas também em como ajuda-lo,
que profissionais consultar, o que fazer,
entretanto é mais tranquilo. Agora já percebo de
onde veem as características dele, coisa que não
entendia.
Desorientação e
medo.
Surpresa
Esclarecimento das
características
Sentido cansaço,
grande
investimento por
parte de toda a
família.
Sentida superação
das dificuldades e
maior tranquilidade
com o passar do
tempo.
De notar
acompanhamento
por psicólogo e
psiquiatra no centro
a que recorre.
Psicóloga: Como é para si viver com este
diagnóstico?
Entrevistada: Neste momento é cansativo…é
muito envolvimento de todos. Os sintomas são
muito pouco visíveis, mas conseguimos dar a
volta às questões que dificultavam mais a vida
dele e agora estamos a viver com mais
tranquilidade que no inicio.
Psicóloga: Ele tem tido algum tipo de
acompanhamento?
Entrevistada: Sim, desde os 6 anos de idade que
é acompanhado por uma psicóloga, agora é
acompanhado por um psicólogo do CADI, duas
vezes por semana mesmo especializado na
síndrome de asperger, sempre foi também
acompanhado por um psiquiatra do CADI.
Cansaço, grande
envolvimento.
Acompanhamento
leva a mais
tranquilidade.
Acompanhamento
recorrente no CADIN.
105
Mais difícil na
altura em que os
problemas escolares
começaram, que
aquando do
diagnostico, altura
complicada na vida
dela e do filho.
Agora está bem
apoiada
Apoio
escolar leva a
integração no
colégio e
sentimentos de
normalidade
Psicóloga: E como tem sido para si lidar com
todo esse processo, quer em termos psicológicos
quer físicos
Entrevistada: No início, nem tanto na altura de
descobrir o diagnostico, mais quando começou a
ter problemas grandes na escola, quando os
meninos não brincavam com ele, isso
psicologicamente afectou-me bastante. Foi uma
altura muito má nas nossas vidas na minha e da
dele, e fui-me muito a baixo. Mas agora na altura
no colégio tive muito apoio da professora e
mesmo a nível das auxiliares do colégio e tudo…
nunca mais foi incomodado pelos colegas, pelo
contrário conseguiu-se integrar muito bem na
turma. Apartir daí as coisas foram ficando na
faixa da normalidade.
Psicóloga: Sente que o suporte escolar é
importante?
Entrevistada: Sim, muito importante. Encontrar
um sitio na escola que lhe de o apoio que ele
precise, muito importante mesmo.
Inicio difícil de
ultrapassar VS agora
sentimento de apoio.
Apoio e integração –
sentido de
normalização
A nível escolar
procura de suporte
quando sente
dificuldades, a
outros níveis
procura de meios
para o filho
ultrapassar o
problema.
Considera que a
ajuda é crucial e
previne muitas
consequências
Dar suporte, dar
apoio emocional.
Necessidade de ter
uma atitude
paciente para
Psicóloga: Compreendo... quer partilhar comigo
quais as estratégias que costuma utilizar nos
momentos mais complicados?
Entrevistada: Depende muito da situação... Se o
problema derivar da escola é falar com a
professora e ver o que podemos fazer para
ultrapassar a situação. A nível de outras coisas
que não estão relacionadas com a escola é tentar
arranjar um suporte para ele dar a volta a
situação. Porque eles precisam mesmo de ajuda,
senão as consequências podem ser muito más.
Psicóloga: Claro… e para si qual é o seu papel?
Entrevistada: É mesmo ajuda-lo e procurar esse
suporte, essa ajuda que ele precisar. Além de
todo o papel de mãe, que é dar carinho e estar
presente. Além disto é uma responsabilidade
acrescida de ser paciente para o ajudar a
Procura de suporte
escolar
coping ativo
(favorecer-lhe
suporte)
Suporte é crucial para
o desenvolvimento
106
ajudar nas
dificuldades.
Sente que não há
cura mas há
possibilidade de o
ajudar a lidar com
o síndrome.
ultrapassar as situações. Ultrapassar não no
sentido de ter cura, mas no sentido de aprender a
lidar com isto e dar a volta por cima.
Favorecer o suporte.
Dar apoio emocional.
Manter uma atitude
paciente para
favorecer o
desenvolvimento.
Pai mais presente
em casa, ajudando
nas tarefas
domesticas, e apoio
após o horário
laboral. Por sua vez
a mãe tende a
acompanhar em
consultas e
deslocamentos
Ela tende a
acompanhar o
Ricardo para que o
marido não falte ao
trabalho. Há
suporte contudo
sente que ela
própria tem mais
paciência nas
tarefas do filho.
Os familiares
entenderam
bastante bem,
destacam-se avós
que são a grande
fonte de apoio desde
sempre, estão
próximos.
Os pais não
procuram muito
Psicóloga: E como tem sido para si o suporte por
parte do seu marido, quanto a si?
Entrevistada: O meu marido apoia-me em tudo
que é necessário, embora a nível de apoio do
Ricardo eu tenha-o dado mais a nível de
consultas e tudo mais, mas acaba por me dar
também apoio a mim e cá em casa, nas tarefas
domésticas e com ele, para que seja possível eu
acompanha-lo.
Psicóloga: Diz-me que em termos de consultas e
outros deslocamentos tende a ser mais quem o
acompanha, enquanto que o seu marido está
presente mais em casa dando ai suporto correto?
Entrevistada: Sim! Ele trabalha também, não
podemos ser os dois a deixar de o fazer para ir
com ele, então tendo a ser eu a acompanhar o
Ricardo. Ele em casa puxa por ele nas tarefas que
trás da escola também, mas não há nada como a
paciência da mãe.
Psicóloga: Compreendo, exige muita
persistência...
Entrevistada: Exacto, e com o cansaço as vezes
torna-se difícil.
Psicóloga: E quanto aos familiares, como
entenderam este diagnóstico?
Entrevistada: Muito bem, principalmente por
parte dos avós que sempre ajudaram com o que
fosse, e isso é importante, porque estão muito
próximos e é uma grande fonte de apoio.
Psicóloga: No grupo de amigos sentiu o mesmo
apoio?
Entrevistada: Nós falamos sem problema
nenhum sobre o assunto se ele se proporcionar,
mas não é algo que falemos muito, nem todos
Apoio na lida de casa.
Apoio nas tarefas do
filho em casa.
Apoio presencial em
consultas
Mãe mais paciente,
pai menos paciente
nas tarefas.
Aceitação.
Grande fonte de apoio
107
apoio no seu grupo
de pares, o assunto
não é tabu, mas só
sabem os mais
próximos, e não é
algo de que falem
recorrentemente.
A procura de apoio
baseia-se mais na
família.
sabem só mesmo os mais próximos. Esses
compreendem mas a nível de apoio não nos
apoiamos tanto neles mas sim mais nos
familiares.
Psicóloga: Quem estão mais presentes...
Exactamente e quem nos podem ajudar mais.
Não é tabu, mas nem
todos sabem.
Maior apoio na
família que nos
amigos.
A mãe acredita que
o filho terá
condições para ser o
que quiser lutando
pelo que quer, dado
que já passou
muitas dificuldades.
Acredita que o
síndrome deixará o
seu filho mais
preparado no
futuro.
Considera que o
filho possa ser após
este
acompanhamento
mais maduro que
outras crianças que
não passaram por
esta situação e
aprendizagens que
teve.
Os medos decaiam
mais sobre a fase
inicial quando não
sabiam se
conseguiriam
tornar o filho
independente.
Neste momento tem
receios semelhantes
aos de outros pais,
como encontrar um
Psicóloga: Compreendo... Quer partilhar comigo
o que pensa a respeito do futuro do seu filho?
Entrevistada: Eu acho que ele vai conseguir ser
tudo o que quiser... Com muita luta e amor.
Porque quem já passou o que ele passou como as
dificuldades a nível da escola... ele é um lutador.
Acho que em termos de futuro este síndrome até
o fez ficar mais preparado para as adversidades
que possa encontrar na vida adulta.
Psicóloga: hum hum...
Entrevistada: Porque talvez tenha mais
maturidade para lidar com os problemas, muitas
crianças com a idade dele não passaram por
muita coisa e frustrações que ele passou, talvez
isso o ajude muito no futuro.
Psicóloga: Faz me todo o sentido o que me diz.
E a nível de receios ?
Entrevistada: Inicialmente o meu receio era que
não conseguisse dar a volta por cima, não
conseguisse ser independente, ter uma
profissão... mas neste momento vejo que não há
que ter esse medo. Ele agora quer ir para a
faculdade, pronto... Quer lutar pelo futuro dele.
Portanto os meus receios agora são semelhantes
aos receios dos pais com filhos sem o síndrome
de asperger... que acabe o curso e não encontre
emprego ou que haja alguma má companhia que
o desvie. enfim acaba por ser preocupações
semelhantes às que os outros pais têm. Antes de
ter o apoio certo tinha receios bastante piores
como o receio de ele não ter um único amigo...
Condições para ter
um futuro promissor
Significado positivo-
Boa preparação para a
vida adulta.
Maior maturidade
para lidar com os
problemas.
Inicialmente:
Não conseguir
adquirir a
independência
Agora:
Semelhantes aos de
pais com filhos sem o
síndrome.
108
emprego depois do
curso
Receios semelhantes
aos de outros pais.
Receava
inicialmente que o
filho não tivesse
amigos, mas dado o
seu trabalho em
acompanhamento,
esse deixou de ser
um medo, sendo
que o seu filho
adquiriu
competências
estruturando um
grupo de pares.
Psicóloga: Hum, hum... então sente que esses
receios diminuíram consoante o
desenvolvimento que o Ricardo adquiriu pelo
apoio que lhe tem sido prestado a variados
níveis?
Entrevistada: Sim, claro... ele não estaria tão
adaptado se não assim fosse. A nível de amigos
notou-se grandes desenvolvimentos, aliás ele
agora não tem um bom grupo de amigos, tem
vários grupos de amigos.
Antes – não ter vida
social, um grupo de
pares.
Valorização dos
acompanhamentos do
filho como
promotores das
competências sociais
– tranquilização
A entrevistada
salientou a pouca
informação dada
sobre o assunto no
inicio, facto que
assusta os pais.
Essa falta de
informação tem
consequências como
não saber como
trabalhar as
competências
sociais
Apenas o
acompanhamento
certo leva a que
hajam
desenvolvimentos a
este nível.
Psicóloga: Isso são notórios desenvolvimentos...
não sei se tem mais alguma experiencia que
queira partilhar comigo...
Entrevistada: É assim eu acho que o que me falta
mesmo salientar é o facto de, ok que agora já há
mais informação, mas no inicio mesmo assim os
pais ficam um pouco perdidos sem saber o que
fazer e a quem recorrer e isso é um bocado
assustador, falo por mim. E depois é as
consequências que isso pode ter nestas crianças
em termos sociais mesmo antes de serem
acompanhados, como a exclusão na escola... O
Ricardo chegou a acontecer não ter um único
amigo na escola, não ser convidado para as festas
de aniversário, todos os dias lhe baterem nos
recreios, isso é horrível, isso é que é assustador.
Mas apartir do momento em que conseguimos
encontrar a ajuda certa, alguém que colabore
com eles para dar a volta disso, e as coisas
funcionarem... ai já tudo.. é engraçado porque à
medida que se resolve o aspeto socialização, as
dificuldades escolares que possam existir parece
que se dissipam... estando bem socialmente dão
a volta ao resto... Pelo menos com o Ricardo foi
assim, apartir do momento em que fez amigos
deu a volta ao resto , as notas dispararam.
Susto
Falta de informação
-
Exclusão (não
desenvolvimento de
competências sociais)
Acompanhamento
como factor de
desenvolvimento de
competências
Sobrevalorização das
competências sociais,
promotoras de
desenvolvimento
escolar
109
Socialização parece
ser encarada como
um nível
importante para
haver
desenvolvimento a
nível escolar
Mesmo assim tenho receio que não as consiga
manter pelas suas características ou não consiga
fazer novas amizades no futuro porque ele é um
menino de hábitos lá está….
Receio de
dificuldades a nível
interpessoal no futuro
Muito tempo
dedicado a terapias.
Variados tipos de
sessões, individuais
e com outros
meninos com a
mesma
problemática.
Condição para o
filho ingressar no
colégio foi o ter
acompanhamento
adequado
Na antiga escola do
seu filho a
professora não
investia no seu filho
nem promovia a sua
integração, havendo
sido feito bulling
sem intervir nessa
situação
Condição
primordial para
ingressar no colégio
foi a de ter um bom
acompanhamento,
caso contrário não
colocaria o filho no
colégio.
Psicóloga: Compreendo, penso que está a querer
transmitir que tudo é possível trabalhando a
questão socialização, sendo a dificuldade maior.
Entrevistada: Exacto, foram muito importantes
as terapias, ele tinha 2 horas no CADIN mais
uma ou duas horas, já não me lembro bem, com
a psicóloga que faz o acompanhamento
educacional. Portanto estava muito tempo em
terapia. No CADIN tinha sessões sozinho,
sessões com outros meninos com asperger, foi...
teve muito tempo em terapia. A psicóloga do
CADIN foi impecável, a outra também. Foi uma
das minhas preocupações encontrar um colégio
onde de facto mantivesse o acompanhamento,
porque não queria passar por aquilo que ele já
tinha passado no outro colégio onde esteve.
Psicóloga: Não tinha suporte no outro colégio?
Entrevistada: Não... a professora que lá estava
recusava-se a colaborar com a psicóloga, não
seguia nada do que ela dizia, não fazia nada do
que pedia, dizia que não tinha tempo. Depois no
recreio os meninos batiam-lhe, algo que também
me perturbou muito, e ela não fazia nada. Por
isso quando escolhi um novo colégio, meti como
condição ele vir a ter um bom acompanhamento
caso contrário não o iria inscrever. Este colégio
também me foi aconselhado por uma psicóloga
que me disse que à partida eles teriam
disponibilidade para colaborar nessas situações.
E assim foi... ele foi colocado numa turma da
primaria do 4º ano, em que a professora
colaborou com tudo com a psicóloga, tinha
reuniões com ele, vigiava-o no recreio.
Conseguiu a aceitação dos outros meninos da
Acompanhamento
com várias sessões e
de vários tipos
(individuais e em
grupo)
Antes- Intervenção
nula em situação de
bullying.
Valorização de um
colégio adequado as
suas necessidades
110
9.4.2. Caso II
Psicóloga
recomendou este
colégio.
Professora do novo
colégio diferenciou-
se da antiga.
Colaborando com a
psicóloga e estando
atenta.
Professora promove
as competências de
destaque de forma a
sentir-se valorizado.
Valoriza a
importância da
psicóloga e do apoio
na escola porque
ambos permitem
ultrapassar as
dificuldades de
interação social
através das
estratégias
partilhadas.
Os comportamentos
desajustados eram
causa do bullying e
sendo trabalhados
no CADIN a
situação melhorou.
Volta a afirmar que
apena é precisa
paciência
sala, e o certo é que funcionou! Ele ficou mais
maduro. A nível oral é muito bom, o pior é na
escrita, e colocou-o a fazer apresentações nas
aulas para impressionar os colegas e valoriza-lo
e o certo é que funcionou, apartir dai as coisas
começaram a correr muito melhor. Por isso é que
eu acho que é tao importante o apoio psicológico
e na escola. Porque um menino que tem
dificuldades de socialização tem mais
dificuldades em interagir e tem de ser ajudado ao
máximo para o conseguir fazer, porque com
pequenos gestos é possível dar ali uma ajuda
importantíssima. Claro que a ajuda no CADIN
foi importante... Haviam coisas simples que não
conseguíamos mudar, por exemplo o
cumprimento do Ricardo era um encontrão no
ombro dos outros, não dizia bom dia... É claro
que isso levava a que as crianças lhe batessem e
isso teve de ser trabalhado com ele. Não foi num
ano nem em dois mas resultou, basta ter
paciência. E sobretudo, o mais importante… dar-
lhe todo o amor para que seja a base para ele se
desenvolver, sem isso. Ele precisa de se sentir
amado, sinto isso… com isso e tempo tudo se
consegue.
Psicóloga: Claro é um trabalho que é
desenvolvido e a seu tempo, no tempo certo, dará
os seus frutos e é verdadeiramente isso que
importa.
Entrevistada: Sem dúvida...
Suporte escolar:
Antes- Fraco suporte
Vs agora- Bom
suporte.
Suporte a nível da
psicóloga- orientadora
Colaboração e
vigiamento por parte
da professora
Promotora de
integração
Valorização do
CADIN
Sentimentos:
Paciência
Valorização do
Suporte escolar
Melhoramento dos
comportamentos
Coping emocional
Expectativas de
sucesso
111
9.4.3. Caso III
Comentários Texto Original Unidades de
Significado
Psicológico
Durante o
desemprego
Madalena sente
que a melhor opção
será ficar
doméstica de forma
a acompanhar as
necessidades do
filho.
Quando
questionada sobre
o estado civil
revela problemas
conjugais e
possível divorcio já
falado entre ambos.
Sempre foram
sentidas algumas
dúvidas quanto à
relação contudo o
diagnóstico
aumentou essas
duvidas.
Sente que passou
por uma crise
stressante, também
a nível financeiro.
Inúmeras
discussões
inclusive sobre as
dificuldades do
filho.
Psicóloga: Profissão?
Entrevistada: Estive no desemprego desde
que o meu filho teve o diagnóstico e desde
ai por opção sou doméstica, para conseguir
ter maior margem de manobra para
acompanhar o Filipe.
Psicóloga: compreendo…E estado civil?
Entrevistada: Casada…
Psicóloga: Reparei que o disse com alguma
insegurança…
Entrevistada: Sim, estamos numa fase
complicada, falamos em divórcio… não sei.
Psicóloga: E vejo que para si é algo difícil
de falar…
Entrevistada: É… Sabe desde que o Filipe
teve o diagnostico, tudo piorou, já
estávamos a algum tempo com duvidas,
mas desde aí os tempos foram muito
stressantes, são exigidos muitos recursos
financeiros, entramos em discórdia…
Psicóloga: Entram em discórdia…
Entrevistada: Sim, qualquer coisa é razão
para se discutir, até as dificuldades do Filipe
são motivo. Diz que eu o mimo muito e que
assim não vai evoluir porque lhe faço as
vontades todas.
Psicóloga: E o que você acha sobre isso?
Abandono da profissão
Problemas conjugais
Impacto diagnostico:
Stress
Necessidade de
maior gestão de
recursos
financeiros
Discussões
conjugais a nível
das dificuldades
do filho
Despoletamento de
sentimentos de proteção
Comentários Texto Original Unidades de
Significado
Psicológico
Tendência a relatar detalhadamente as questões relacionadas com o filho e não com o impacto na sua própria vivencia. Retrocesso por problemas conjugais (não se refere a um problema do filho nos pais) União conjugal em prol do problema do filho Pré-diagnóstico, descrença que fosse um problema
: Como lhe tinha dito, a entrevista é sobre a
experiência de ter um filho com Síndrome de
Asperger, e eu gostava que me falasse um pouco
de como é a sua experiencia de viver com um
filho com este síndrome.
E: É assim, o Diogo é o terceiro de três filhos, e
desde pequenino, portanto vou contar um pouco
do enquadramento da história do
enquadramento do Diogo, desde pequenino que
eu senti que o Diogo era diferente dos irmãos.
(…)
E fui, apesar de estar sempre desperta para o
facto do Diogo ser diferente, nunca... Nunca
achei que tivesse de facto um problema grave,
até aos… 4 anos. Portanto, o Diogo começou a
falar muito tarde, começou a falar já com dois
anos e qualquer coisa, aos 4 anos. O Diogo teve
uma situação entre mim e o pai, portanto nós
tivemos afastados durante uns meses e nessa
altura o Diogo teve um retrocesso brutal. Deixou
de falar, tinha comportamentos de bebé mesmo
e na altura fomos a uma psicóloga, portanto
aconselhados pelo colégio onde ele estava.
Fizeram-lhe uma avaliação psicológica e
disseram-me que o Diogo estava basicamente a
sentir que toda a gente o tinha abandonado e esse
diagnostico na altura serviu para varias coisas,
incluindo para o mais importante que veio a
decidir o futuro, foi para eu e o pai resolvermos
os nossos problemas familiares, porque
dissemos que... ok, o que quer que seja que se
está a passar ou que não se passou bem entre
Foco no problema do filho Reaproximação conjugal
112
Marido sente que a
mulher mima o
filho em demasia
ao ceder a algumas
como exemplo à
fuga de contacto
com O outro.
Madalena sente
que deve proteger
o filho dessas
situações que o
incomodam
nomeadamente
pelo barulho.
Psicóloga valida
essa ideia
Entrevistada: Eu acho que não… por
exemplo em termos sociais o Filipe tem
dificuldades e sente-se muito mal mesmo
em shoppings e sítios com muito barulho.
Eu tento-o afastar desses
sítios…Aconselhei-me com a psicóloga e
ela disse-me que não vê problema nisso
desde que socialize no seu meio .
Diagnostico feito
a três anos,
contudo sentidas
algumas
dificuldades no
primeiro ano,
pensando ser
apenas alguma
descoordenação e
inibição com o
outro.
Psicóloga: À quanto tempo receberam o
diagnóstico?
Entrevistada: Cerca de três anos, no
segundo ano da escola, mas logo no
primeiro ano que vimos que algo se
passava, mas pensamos que não passava de
timidez e falta de jeito para certas coisas.
Psicóloga: E isso foi algo sentido pela
professora?
Entrevistada: Não… só nós notávamos isso.
Ela dizia que ele tinha dificuldades mas
nunca falou de nada por ai além…
Esclarecimento e
identificação das
características do filho
Desconhecia a
patologia.
Quando percebeu
ser um espectro
do autismo negou
por não
identificar o filho
como autista
Psicóloga: Estou a entender… Madalena e
como foi para si esse momento do
diagnóstico do seu filho? Como se sentiu?
Entrevistada: Não fazia ideia do que era…
fiquei surpreendida mal ouvi autismo. A
psicóloga da escola disse que ele tinha
características de uma criança com
asperger, não entendi.. e ela disse que era
uma vertente do autismo, e ai assustei-me…
Não identificação
com o
diagnostico de
autismo
aceitação do
diagnostico de
SA
Surpresa
Impacto do diagnóstico 1º diagnostico (embora ainda não consolidado em SA) –reaproximação conjugal
nós, não tem importância nenhuma comparado
com a estabilidade do Diogo. Então, voltamos a
ter uma vida normal, resolvemos os nossos
problemas, e o Diogo começou a ter
acompanhamento psicológico lá no colégio.
Preocupação/não compreensão quanto ao diagnostico da psicóloga Não se identificava com as palavras da psicóloga por ser o pilar do filho para tudo.
E. No fim desse ano, a professora disse que não
sabia se ele estava preparado para ir para o
primeiro ano, por isso achava melhor fazer uma
avaliação para ver se em termos de maturidade
está pronto para começar o primeiro ano,
portanto o ano que vem. E eu pensei tudo bem…
o Diogo foi então re-avaliado pela própria
escola, pelos psicólogos da escola, que disseram
que o Diogo não tinha nenhum problema
psicológico, que teria talvez alguns problemas
de imaturidade. Aconselharam-me portanto a ir
ter com uma terceira pessoa, portanto outra
psicóloga, que fez o … Voltou a repetir os testes
que tinham sido feitos ao Diogo no outro ano.
Ela disse que o Diogo tinha alguns problemas,
não lhe chamou nada em concreto, disse que
tinha falta de atenção, deficit de atenção, que
tinha problemas graves de identificação com a
figura materna, portanto eu, que era uma criança
que se sentia portanto desligada, que sentia que
o mundo estava contra ele. Esse diagnóstico
veio-nos deixar assim um pouco preocupados
com o Diogo porque nós não sentíamos nada
disso. Especialmente a questão de ter a ver
algum problema comigo…
P. Hum, hum….
E. Porque o pilar do Diogo sou eu, para tudo! É
a mãe, às vezes é cansativo.
P. Exige muito de si portanto…
E. Sim. O Diogo é a mãe para tudo…
Dificuldade em estabelecer um diagnóstico correto Diagnósticos diversificados Preocupação após diagnóstico de psicanalista Cansaço Mãe como pilar
113
Falta de
conhecimento
sobre o quadro
clinico de autismo
assustou a mãe.
Depois de falar
por alto procedeu
à recolha de
informação sobre
o assunto e
marcou consulta,
sendo bem
seguido nessa
clinica
atualmente.
Valorização do
trabalho feito na
clinica em que o
filho é seguido.
Resultados vistos
a nível de
socialização.
Mesmo assim
evita levar o filho
para locais com
muita gente mas
pelo barulho.
Felicidade nestes
progressos a nível
do melhoramento
da relação social
com o Outro
disse que o meu filho não era autista. Tinha
aquela ideia de que uma criança autista mal
fala, se balança… não fazia ideia, depois é
que ela me deu a conhecer o espectro por
alto e em casa fui pesquisar. Nesse dia que
falou comigo deu-me o contacto de uma
clinica, que acompanha casos semelhantes,
onde é agora seguido ainda, e fui a uma
consulta. Mas antes de ir Até hoje está a ser
lá acompanhado. Eu própria o levo e chego
a estar lá com ele. E tem lhe feito muito
bem. Se não fosse isso…
Psicóloga: Sente que o suporte na clinica é
importante?
Entrevistada: Totalmente! Ele trabalha com
a equipa dele todas as dificuldades do Filipe
e tem melhorado na socialização
sobretudo…só que como tem muita
sensibilidade sensorial não o levo para onde
tem muita gente. Mas tem dois grandes
amigos e teve uma namoradinha.
Psicóloga: como é isso para si?
Entrevistada: É uma grande alegria, para
pais normais pode ser estranho mas para
mim ver o meu filho ter amigos e até uma
namoradinha recentemente é importante.
Sempre foi um medo meu que não se
conseguisse dar com outras pessoas. Ele é
muito inseguro, não olha as pessoas, as
pessoas acham-no antipático ou que não
está interessado. Mas é mesmo dele, apesar
de estar a trabalhar isso é algo que quando
não está a vontade se nota muito, o não
Coping ativo-procura de
informação
Procura de
acompanhamento
Pouca informação acerca
do SA
Procura de suporte
instrumental social
Valorização do
acompanhamento na
clinica
Tranquilização nos
progressos a nível social
Dificuldades em se
relacionar
Características como
entrave à aproximação do
Outro
Relata novamente experiencias do filho e das características do filho e não propriamente do impacto que elas têm em si. O filho não estabelece ligações com pessoas que não lhe parecem ser de confiança.
E: Pronto o Diogo foi para o primeiro ano, que
começou a correr mais ou menos bem, mas o
Diogo uma das características que tem é que
necessita muito das pessoas que considera
pilares, que são referencia, ele precisa muito de
mimo, de passar a mão pelo pêlo, como se
costuma dizer! E a professora que ele teve no
primeiro ano não era assim… era uma pessoa
fria, no primeiro dia do primeiro ano o Diogo
foi-lhe dar um beijo coisa que ele estava
habituado a fazer com a outra professora, ela
disse logo: “Isto não é o jardim-escola, vai-se
sentar não quero beijos”. Portanto isso fez com
que para o Diogo era uma “persona non grata”.
Portanto o Diogo criou uma aversão àquela
professora. E até ao fim do primeiro período, o
Diogo não fez nada na escola, literalmente…
Necessidade de ter professora empática
Falta de investimento nas tarefas escolares face à não empatia com a professora na escola, contudo com sucesso escolar. Patricia demonstrou concentrar os seus esforços para entender qual o diagnostico do filho, aquele que lhe faria sentido face ao que conhece do filho. Pediatra aconselha a ir a um bom psicólogo fazer uma boa avaliação.
P: Em termos de notas não teve sucesso?
E: Não... em termos de notas teve sucesso,
porque no dia dos testes eu pedi-lhe para fazer e
ele fez, mas de resto a professora mandava as
fichas para casa a dizer “o trabalho que o Diogo
fez, nada”. Ele escrevia o nome, e mais nada.
P: Não investia na escola…
E: Não porque ele não achava que valesse a
pena porque a professora era má para ele e criou
ali uma grande resistência. O Diogo fez então os
7 anos no fim do primeiro período e fui à
pediatra à consulta de rotina dos 7 anos, e eu
disse-lhe que a professora disse que não sabia o
que havia de fazer com ele, que ele não é uma
criança normal e que não sabe o que há-de falar
com ele e eu estava preocupada. Então a pediatra
disse: “Olhe, pare de brincar aos psicólogos que
é o que tem andado a fazer este tempo todo e
vamos levá-lo a uma pessoa que lhe vá fazer um
Procura do diagnóstico concreto
114
Mostra que é um
receio que não se
relacione muito
com o Outro pelas
suas
características
Sente que as
características do
síndrome possam
influenciar a
aproximação do
Outro.
Relata que o filho
prefere o seu
espaço e as suas
atividades a sós,
embora já
equilibre melhor
o tempo.
Evidente desejo
de que a nível
emocional o filho
esteja adaptado e
estável de modo a
constituir família.
Marido acha que
ela mudou, e a
mesma afirma
que ele pode ter
alguma razão no
que toca ao nível
social, admitindo
sair menos em
convívios.
Protege o filho de
situações que ele
não gosta.
olhar nos olhos. E depois ta sempre no seu
canto de volta dos seus livros de
dinossauros, adora tudo o que diz respeito
replicas, filmes, documentários e tudo. Isso
e os legos, faz coisas impressionantes. Mas
lá está… anda nisso, ou melhor andava mais
nisso, todo o tempo. E eu não queria que
fosse uma pessoa fechada.
Psicóloga: Percebo que para si fosse uma
preocupação dado que o outro é importante
para todos nós.
Entrevistada: Muito… E quero que um dia
tenho uma mulher, case… mas não é muito
dado. Vamos ver.
Psicóloga: Tudo no seu tempo … E como
tem sido para si viver com este diagnóstico?
Entrevistada: Tem sido uma correria, estava
desempregada quando ele foi diagnosticado
e desde ai decidi parar mesmo para poder
estar totalmente disponível para o levar à
clinica, para o levar ao futebol, coisa que lhe
tem feito muito bem, mas lá está convívios
não consegue. Para o acompanhar em casa
sobretudo… o meu marido diz-me que
mudei muito…
Psicóloga: E a Madalena acha que mudou?
Entrevistada: Tenho de lhe dar alguma
razão… nós tínhamos uma vida social em
conjunto e agora só ele que tem
basicamente, só ele está em convívios com
os amigos do trabalho. Não gosto de o
deixar em casa de amigos porque sei que ele
não gosta…Ele diz que estou a ficar com as
Receio de que seja uma
pessoa fechada
Desejo de normalização a
nível emocional
Sensação de afastamento
social
Afastamento para
acompanhamento do filho
Entendimento de fusão
com características do
filho – afastamento social
Evidentes sentimentos de angustia após o diagnostico da psicanalista consultada, sentindo-se a culpada das caracteristicas do filho.
diagnóstico como deve ser”. Portanto se lhe
disser que o Diogo tem alguma coisa, muito bem
preocupa-se com isso, se disserem que o Diogo
não tem nada tire essa ideia da cabeça e vai ao
contrário do que a terceira psicóloga lhe disse,
tirar essa ideia de que é uma má mãe, coisa que
a psicóloga anterior me tinha convencido, que
todos os problemas derivavam de mim. Então
ela encaminhou-nos para o Dr. António Lobo
Antunes, que viu o Diogo em Fevereiro do ano
passado e ao fim de hora e meia de estarmos lá
sentados a falar com ele, digamos eu o meu
marido e o Diogo, ele disse-me ao fim: “Assim
que o Diogo entrou eu vi logo o que é que o
Diogo tem. Eu já vi muitos Diogos na minha
vida, e posso fazer o diagnóstico só de olhar para
ele”.
Psicóloga: Ele é especialista na área…
Sentimento de ser má mãe
Identificação das características do filho quando explicado o diagnostico de SA Iniciou acompanhamento desde logo, acompanhamento esse profundo, envolvendo os familiares e professora
E: E vou usar um palavrão que vai assustar a
mãe, e eu pensei cá para mim, não vai ser nada
que eu já não saiba, porque eu dizia muitas vezes
“O Diogo está no mundo dele”, o Diogo tem um
mundo que é só dele. Então ele disse assim “O
seu filho tem autismo mas não é autista” e
explicou-me como uma pessoa tem autismo mas
não é autista.
(…)
Por um lado percebemos que o diagnóstico
fazia sentido por outro ficamos surpresos, era
algo novo e não tínhamos muita informação
sobre o síndrome de asperger em especifico.
Depois começou a ser seguido no PIN onde fez
os testes todos com a Dr. Daniela (…) Então ela
Identificação com o diagnóstico de SA Identificação com o diagnóstico Surpresa Pouca informação
115
Admite que o
afastamento social
do filho pode
levar ao seu.
características dele e realmente nesse
sentido posso-lhe dar razão.
Consentimento da
chamada de atenção do
marido
Sente-se exausta,
sem desbloquear
da rotina que
segue.
Psicosintomatolog
ia evidente pelas
enxaquecas
Associamento de
enxaquecas a face
pós-diagnostico.
Sensação de falta
de tempo para si,
mesmo a nível de
saúde.
Sente que não
pensa muito em
si, sobretudo em
fases que
requerem mais do
filho como a
altura de testes.
Sente apoio
escolar, antes do
Psicóloga: E como se tem sentido desde a
descoberta do diagnostico? Em termos
físicos e psicológicos.
Entrevistada: Psicologicamente é o
cansaço, a exaustão. Como o meu marido
diz eu não desbloqueio, tenho uma rotina
que não quebro e é verdade. Fisicamente
esse cansaço fica evidente, se pensar bem
até as enxaquecas surgiram depois disso…
pode ter ligação não é?
Psicóloga: A Madalena acha que possam
estar ligadas a esse cansaço?
Entrevistada: Pois… já pensei fazer
acupuntura, relaxar mais, mas não é fácil.
Psicóloga: Não é fácil…
Entrevistada: Tempo para isso… ando
sempre a correr. Mas devia pensar nisso eu
sei.
Psicóloga: É importante reflectir sobre
como está do modo que refere e do que a
pode ter levado a esse mesmo estado. O que
mudou? Desde quando? Porquê?
Entrevistada: Pois… acho que não penso
muito no que se refere a mim… sobretudo
nestas alturas em que faz testes… esta é
outra fase para o ajudar a concentrar-se…
Psicóloga: Como se sente quanto ao apoio
escolar?
Rotina
Cansaço
Exaustão
Psicossomática -
enxaquecas
Desinvestimento em si
própria
Desinvestimento em si
Apoio do filho a nível
escolar
Desinvestimento em
relação a si
Sentimento de aceitação do diagnostico baseado na aceitação do filho tal como é. Faz tudo o que poder, e quando não tiver como solucionar de outra forma verá então outros caminhos como o medicamentoso.
fez 5 ou 6 sessões com o Diogo, comigo e com
o meu marido fez outras quantas, depois houve
uns testes grandes para eu responder e para o pai
responder e para a professora. Depois daquilo
tudo metido lá nas máquinas, lá com os
algoritmos que vocês utilizam, saiu o
diagnóstico que confirma que de facto, não há
dúvidas, Síndrome de Asperger com deficit de
atenção e hiperatividade, pacote completo!
P: E pode-me dizer como se sentiu quando
recebeu esse diagnóstico?
E: Um alívio! Porque aquela ideia de que eu era
má mãe saiu-me da cabeça, ok… não foi nada
que eu tivesse feito, não foi por falta de atenção
da minha parte, não foi por negligência, pronto
não foi por nada…
P: Compreendo…
E: O Diogo é assim, porque é assim. E não há
nada que eu possa fazer para tirar estas
características dele. O que eu posso fazer é
aprender a fazer com que ele aprenda a lidar com
elas, para que para ele seja mais fácil e tentar que
as pessoas que lidam com ele diariamente
percebam as características dele. (…) Mas que
ele vai provavelmente ter algumas destas
características ao longo de toda a vida, vai… E
se me perguntarem se eu as mudava, não… não
mudava, porque é assim que eu gosto dele. Com
estas características que ele tem porque… ele é
assim! E portanto agora ele está a ser
acompanhado semanalmente lá no PIN, já me
falaram duas vezes em medicar o Diogo, e eu
não quero medicação… o meu principio é
Procura de acompanhamento especializado Envolvimento do casal no acompanhamento Diagnóstico de hiperatividade Alívio após diagnóstico Dar suporte instrumental para lidar com SA Aceitação
116
diagnóstico
tentavam ajudar
a ultrapassar as
dificuldades. Após
o diagnóstico
recorrem a
estratégias para
promover o seu
desenvolvimento.
Estratégias a nível
de melhoramento
também das
relações sociais do
seu filho com
outros meninos,
contudo
recorrentes crises
de isolamento.
Revela a
necessidade de ter
paciência para os
momentos de
crise, lembrando
que as suas
atitudes são
consequência das
características do
síndrome e não
imaturidade.
Sente que o tenta
acalmar mas
quem pode
precisar de calma
é ela também.
Presta suporte a
nível emocional e
de forma a
ultrapassar e
resolver as crises
com ele.
Entrevistada: É bom, agora que sabem o que
ele tem. Antes não referiam grandes coisas
achavam-no tímido e apesar da distracção
conseguiam faze-lo fazer as coisas. Mas
agora que sabem o que tem a professora e a
psicóloga falam de forma a perceberem
como o ajudar, e que estratégias utilizar, e
isso também tem sido muito bom. Ele não
tinha amigos, não conseguia mesmo criar
ligação com a ajuda delas, agora já tem dois.
Ainda tem umas crises em que se isola mais,
mas acho que isso sempre vai ter.
Psicóloga: Compreendo...e como lida
nesses momentos de crise?
Entrevistada: Tenho paciência! São
momentos em que parece muito imaturo e
aí tenho de me lembrar que para ele não é
fácil, que tem feito esforço. E tento acalma-
lo. Mas as vezes quem precisa de calma sou
eu... Tento perceber como se sente e o que
sente e mostrar-lhe que tudo se resolve. Ele
chegou a ter crises de choro por não ter
amigos e toda a gente ter amigos… não foi
fácil para mim ajuda-lo mas tentei ao
máximo explicar que iria ter, teria de se dar
mais a conhecer no recreio, entrar nas
brincadeiras. Mostrar que gosto dele e que
se ele se aproximar dos outros também vão
gostar dele.
Centração nas
dificuldades do filho
Apoio escolar positivo
Aliança entre
psicóloga e
professora
Melhoramento da
socialização
Atitude paciente
Apoio emocional
Psicóloga: Acredito que não seja uma
situação fácil Madalena, de qualquer modo
referiu que já teve progressos a nível da
socialização, o que é notório.
Refere alterações do quotidiano para conseguir acompanhar o filho de forma mais presente.
enquanto não puser em causa ele próprio ou
terceiros, pronto vamos continuar. Porque as
notas dele são sempre bom e muito bom,
portanto enquanto ele continuar a dar para os
gastos, digamos assim, eu não o quero
medicado. Eu tenho, e é por isso que estamos a
investir no tratamento que ele está a fazer no
PIN, e fizemos alterações muito drásticas nas
nossas vidas para termos mais tempo para estar
com, essa é a minha forma de conseguirmos
ajudar o Diogo. Se virmos que não há nada a
fazer, não há nada que consiga controlar o Diogo
então nesse caso eu digo ok eu desisto …
Sem adesão a fármacos Alterações no quotidiano familiar
Foca nas características mais inflexíveis, entendimento literal e rotinas, quer ao iniciar uma rotina como a sair dela
P: Mas como é para si exactamente viver com
um filho com Síndrome de Asperger?
E: Como é que é para mim viver com o
Diogo…? O Diogo para mim tem… as
características mais vincadas nele são muito
pouca flexibilidade, extremamente rígido, se ele
me disser alguma coisa e eu digo “tá bem Diogo,
5 minutos” o Diogo fica parado a contar até 300
porque sabe que quando chegar 300 passaram 5
minutos e foi o que eu disse, portanto não pode
ser mais que aquele tempo.
(…)
E depois tem o outro lado, as rotinas… uma
rotina que é uma rotina não se quebra, por
motivo nenhum. Ele tem muita dificuldade em
entrar numa rotina e depois tem muita
dificuldade em sair delas… Uma historia
caricata, à uns seis meses teve um problema num
pé porque cortou-se numa praia, numa pedra,
Inflexibilidade do filho: Entendimento literal Dificuldade em iniciar e sair de rotinas
117
Sente que o papel
de mãe é apoiar
nas tarefas,
ajudar a
ultrapassar as
dificuldades,
apoio emocional
de modo a que se
sinta avontade
para que fale com
ela sobre as suas
coisas.
O seu cônjuge
ajuda nas tarefas
escolares, contudo
sente que é menos
paciente, levando
a que o filho não
resolva as tarefas
de forma
produtiva como
consigo.
Sente que o
cônjuge entende
as dificuldades,
enquanto que
outras vezes as
desvaloriza e não
as entende.
Entrevistada: Eu acredito que sim. E que no
resto também irá ter progressos, a psicóloga
disse que eles têm um ritmo próprio e tudo
a seu tempo.
Psicóloga: Sem duvida nenhuma… e qual
considera ser o seu papel como mãe?
Entrevistada: Este mesmo. Acompanha-lo,
ajuda-lo nas tarefas, mostrar-lhe que tudo se
resolve, que pode contar comigo também
como amiga dele e que pode falar comigo,
porque ele não fala muito das coisas dele e
todos precisamos disso.
Psicóloga: Hum, hum… E quanto ao apoio
do seu marido?
Entrevistada: A ele ajuda-o as vezes nas
tarefas da escola, mas quando ele começa
com birras ou a distrair-se ele irrita-se, e
isso deixa-o com menos vontade de ali
estar. As vezes dão-se bem nisso outras é
assim… Eu tenho mais calma para o ajudar
mas mesmo assim o pai muitas vezes ajuda
nisso enquanto eu faço o jantar por
exemplo. Mas pronto o meu marido tanto
entende que ele tem dificuldades como
parece que as vezes as desvaloriza. E que
ele precisa que o leve para sítios e se habitue
aos barulhos e a ver pessoas, não tem noção
como isso pode ser intrusivo para ele
mesmo sabendo da hipersensibilidade dos
autistas.
Psicóloga: Tem uma visão um pouco
diferente da sua quanto ao problema?
Apoio nas tarefas
Apoio emocional
Apoio nas tarefas
escolares
Atitude menos
paciente
Marido entende alguns
cuidados excessivos
As rotinas são uma característica difícil de contornar, dado esse facto e o facto de ser algo positivo para o Diogo, algumas das rotinas permanecem, como o cantar da musica.
concha, qualquer coisa, cortou-se no pé, não
interessa… e teve de andar a pôr uma pomada
durante um mês e nos primeiros dias para meter
a pomada foi uma chatice, porque não queria
meter a pomada. Ao fim do mês quando acabou
o pacote, ele diz: “mãe e a pomada?”, eu disse:
“Diogo já não há pomada, já acabou, já não é
para pôr mais”- “Então e agora?! Já não é para
pôr mais?! E o pé vai ficar doente!” – “Não
Diogo, olha para o teu pé já não tem nada!” -
“Mas é preciso!” (…) Foram uns três ou quatro
dias que pronto…
P: Tudo o que seja rotinas…
E: O Diogo tem uma musica que todos os dias
tenho de cantar, a mesma à anos, os irmãos já
não podem ouvir a musica, eu já não posso ouvir
a musica…
P: Mas faz sentido para ele, não é?
E: Faz sentido para ele, e nota-se uma grande
diferença. Ele está completamente agitado vai
para a cama muito agitado, deita-se… e eu
sento-me ao pé dele, começo a cantar, (…) ele
encosta-se e faz assim : (imita uma respiração
funda), acalma e às vezes ainda não acabei a
musica já está a dormir. Tem mesmo ali
qualquer coisa… O pai está muitas vezes a dizer
“Tens de acabar com a musica” e eu digo “Como
acabar com a musica?! Se eu não cantar ele não
dorme!” é que não dorme mesmo e depois não
dorme mais ninguém cá em casa. Que todos os
problemas sejam cantar Fecha a porta até aos 70
anos.
Cansaço da rotina Persistência das rotinas que acalmam o Diogo
Energia virada para o problema e reflecção
P: Então mas a Patrícia, como é que se sente
mesmo em termos psicológicos ou físicos
depois do diagnóstico?
118
Visões um pouco
diferentes quanto
ao problema do
filho leva a
discussões
conjugais
frequentes.
Familia encontra-
se afastada
fisicamente, mas
preocupada e
disponível para
prestar apoio, não
sendo sentida
necessidade disso
por parte de
Madalena.
Apoio no grupo
de pares,
nomeadamente
para interação
dos filhos dos
amigos com o seu,
em casa.
Situações em que
filhos provocam
crises por
hipersensibilidade
no seu filho.
Amigos estão
mais presentes
fisicamente e
envolvem-se,
chamando a
atenção para a
sua necessidade
de convívio.
Entrevistada: Sim… e discutimos por isso
muitas vezes…
Psicóloga: Compreendo. Estas situações
são complicadas de gerir… e os familiares
têm-lhe prestado apoio nesse sentido?
Entrevistada: lá está… eles estão longe, os
avós e tios vivem em Peniche.. são a família
mais próxima que temos e que sabem. Mas
não os procuramos, eu tenho conseguido
dar conta do recado. Mas perguntam por
ele, como estão as consultas como está na
escola, se é preciso algo.
Psicóloga: Hum, hum… e no grupo de
amigos costuma procurar mais apoio?
Entrevistada: Sim algum, mais a nível dos
filhos deles, quando trazem os filhos para
jantar eles próprios tentam que eles
interajam com o meu. E resulta, talvez
também por ele estar no espaço dele. Mas já
houve situações em que o filho da Marta fez
uma birra e ele começou as voltas na sala
por causa do barulho do choro dele lá está,
faz-lhe mesmo confusão.
Psicóloga: Vejo que os amigos estão mais
presentes.
Entrevista: Sim estão, e eles próprios me
chamam a atenção que deveria também
sair… o único convivo que tenho é assim
em casa almoços ou jantares e não são assim
tantos porque ando cansada.
Psicóloga: Compreendo... Devia pensar um
pouco melhor se o que lhe dizem, quer da
parte do seu marido, quer dos amigos, lhe
Discussões conjugais
Aceitação familiar:
Sem procura de
apoio familiar
mas existe
disponibilidade
da mesma
Sensação de ser capaz de
prestar o apoio necessário
Suporte grupo de pares:
Favorecimento do
campo relacional
em casa
Suporte grupo de pares:
Chamada de atenção para
falta de convívio
sobre a significação do SA na sua vida. Entendimento de que após o diagnóstico tomou mais entendimento sobre a necessidade de perceber que não contra tudo no seu projeto de vida. Encara o filho como o desafio da sua vida. Reforçada a exaustão pela absorvência do seu filho Valoriza as suas características e gestos emotivos do seu filho
E: Como é que me sinto? Hamm… Sinto-me
pronta para a batalha. É assim o Diogo não foi
uma gravidez planeada, e eu costumo dizer que
o Diogo apareceu na minha vida para me
mostrar que eu sou uma pessoa muito
preocupada com horas para cumprir, coisas
arrumadas… portanto, o Diogo veio-me mostrar
que tudo o que eu penso que controlo, não
controlo. Portanto, tudo aquilo que eu julgo que
está tranquilo, aí dentro pode haver o caus! E ele
é o desafio da minha vida.
Psicóloga: Hum, hum…
Entrevistada: Leva-me a um ponto de exaustão
enorme. Ele é muito absorvente… De uma
maneira que os irmãos não são. Mas por outro
lado, enche-me o coração de amor de uma
maneira que os outros também não enchem.
Porque é extremamente carinhoso, é muito
preocupado, é capaz de estar a ver televisão e do
nada, levanta-se, vem a correr ter comigo dar-
me um beijo, assim do nada, não diz nada só
assim. Fico assim wow, e faz isso imensas
vezes.
Energia direccionada para a resolução do problema Perceção de que nem tudo é controlável Filho como um desafio Exaustão Contentamento pela emotividade consigo
P: consigo, com outras pessoas, ou…?
Entrevistada: Não, é só comigo. Comigo, ponto
final, é mãe é mãe, é Deus no céu e mãe na terra.
E com as pessoas da família, aquelas pessoas
que ele considera o núcleo dele, sou eu, o pai, os
irmãos, se bem que com a irmã tem ali uma
relação de amor-ódio, porque “Detesto a
Mariana, detesto a Mariana!!” e a seguir é capaz
de se agarrar a ela assim toda encurvada do
Valorização do seu suporte do suporte do núcleo familiar
119
Madalena reflecte
sobre a chamada
de atenção do
marido e amigos,
e admite que
possam ter razão,
colocando em
questão se é
mesmo falta de
valor.
Reflecte ainda
pela necessidade
de pensar mais
sobre si.
faz sentido. E tentar perceber do que precisa
e de como gerir não apenas a vida do seu
menino, mas igualmente a sua. Tentar
encontrar um ponto de equilíbrio para
manter o seu bem-estar, porque também ele
promove o do seu menino.
Entrevistada: Sim... Quando o meu marido
me diz estas coisas fico irritada, da me a
sensação que não está a dar valor a algo que
é preciso. Mas pensando bem pode nem ser
nesse sentido…
Psicóloga: Tire um tempo para reflectir
como tudo isto tem sido para si e partilhe
isso.
Entrevistada: Pois secalhar preciso mesmo
de fazer isso, parar para pensar nas minhas
coisas….
Irritação pelas chamadas
de atenção mas
sentimento de razão nelas
Não vê
dificuldades de
maior nos estudos
no futuro. Receia
apenas
dificuldades nas
profissões que
podem envolver o
contacto com o
Outro.
Não gosta de
pensar no futuro
porque sente que
é uma evolução.
Psicóloga: Exacto… A Madalena falou-me
de alguns receios quanto ao futuro do seu
filho a nível de casar e ter amigos... quer
partilhar um pouco melhor comigo como vê
o futuro do seu filho?
Entrevistada: Na escola acredito que
consiga estudar.. Até onde ele quiser…
imagino é que em trabalhos onde seja
preciso o contacto com outras pessoas se
atrapalhe mais… não sei o que vai gostar de
estudar mas logo se verá. E eu não gosto
muito de pensar no futuro, não quero pensar
que vai ser como é agora porque isto é uma
evolução não é?
Imagina desembaraço nos
estudos
Crê na dificuldade em
seguir profissão que
envolva contacto com o
Outro.
Evitamento de focagem do olhar, característico do síndrome expresso sobretudo em pessoas que não gosta. Evidente tristeza relatada pelas consequências nas dificuldades interpessoais do filho, causando isolamento. Revolta sobre os meninos que o isolavam e sobre a professora que não sabia reagir sobre a situação.
género larga. Mas pronto… as pessoas que ele
considera que são do núcleo dele, pessoas com
quem ele tem os carinhos. As pessoas de fora, de
quem ele não gosta evita muito o contacto, evita
olhar nos olhos, tem aqueles estereótipos
próprios das crianças… por exemplo este ano
não porque a professora já teve problemas com
crianças com as mesmas características e sabe
como lidar, mas por exemplo o ano passado o
Diogo estava completamente isolado. Eu ia-o
buscar a escola e ele estava sentado sozinho
numa sala, num canto, porque mais ninguém
brincava com ele e aquilo custava-me horrores.
Dava-me vontade de entrar na sala e começar a
bater nos miúdos e acabar no professor, porque
agente vê que os adultos também não faziam
nada para evitar aquilo. Mas pronto…
Psicóloga: Então em termos escolares sente
algum suporte derivado à professora já ter lidado
com alguns…?
Professora como suporte Tristeza por dificuldades nas relações interpessoais
Tranquilização pelo facto de ter um bom suporte escolar, o qual soluciona as questões que se levantam.
E: É, o que se passa este ano é que como a
professora tem esta sensibilidade isso não está a
acontecer, porque a professora obriga-os a
brincar com o Diogo, e o Diogo no outro dia
queixou-se que não o deixavam jogar, calhou
em conversar com a professora sobre o assunto,
por acaso nem foi em termos de queixinhas, foi
“ah ele queixasse é que os meninos não jogam a
bola com ele” e ela no dia seguinte diz “Porque
é que o Diogo não joga à bola?” e eles “ah
porque ele é que não gosta de jogar” – “Não, o
Suporte Escolar na integração
120
Sente que haverá
evolução
baseando-se na
evolução já
sentida pelos
acompanhamento
s que o filho tem.
Sente que falta
mesmo a vontade
socialmente para
criar laços
afectivos, sendo
essa a sua
preocupação.
Refere ser muito
afectuoso e que
não sabe
promover esse
afecto.
Com o
diagnostico sente
que aprendeu a
ser mais paciente.
E descobriu a sua
capacidade de
prestar apoio ao
filho através da
recolha de
informação,
procura de
acompanhamento
escolar e em
clinica.
Mostra
valorização sobre
o
acompanhamento
na clinica, sendo
um profissional
atento.
Psicóloga: A Madalena assim o tem
sentido?
Entrevista: Sim! Já tem amigos, já se
concentra melhor comparado com aqueles
primeiros dois anos de escolinha. Até tem
notas medianas… melhores que alguns
colegas dele! O acompanhamento que lhe
damos tem sido feito para isso mesmo.
Agora claro, se tiver mais a vontade e jeito
para interagir com certeza tudo será melhor,
é so mais a parte afectiva que me preocupa,
porque ele é muito afectuoso! Mas às vezes
não sabe como ter esse afecto. Não sei se me
estou a fazer entender…Gostava que ele
casa-se e tivesse filhos…
Psicóloga: Claro que sim…
Entrevistada: E pronto é isso…
Psicóloga: O que acha que esta vivencia lhe
transmitiu?
Entrevistada: Como disse mais
paciência…E não sei.. Acho que encontrei
em mim forças para enfrentar o
desconhecido. Eu pouco sabia sobre este
problema e de todas as formas tentei tornar-
me uma expert no assunto! Porque so
sabendo do que se trata conseguimos ajudar
não é?
Psicóloga: Sem dúvida.
Entrevistada: Então comprei livros,
procurei ajuda na escola e na clinica do Dr,
de quem tenho optimas referências, e que
por experiencia própria falo que é um
excelente profissional sempre atento. Por
Diagnostico com
evolução
Receio de dificuldades a
nível amoroso no futuro
Noção de que tem atitude
mais paciente
Descobriu capacidade de
coping sobre o filho
Valorização do
acompanhamento na
clinica
Diogo joga, porque aqui é assim, ou jogam todos
ou não joga nenhum” e a partir daí o Diogo já
joga à bola, tem amigos coisa que não tinha, e já
me pede ah o não sei quantos pode vir cá a casa
ou eu posso ir a casa dele? Coisa que antes nunca
tinha acontecido. Portanto está a começar a
socializar, o que é muito bom…
Contentamento pelo desenvolvimento das capacidades interpessoais
Diferente aceitação por parte das famílias. Família materna aceita o diagnostico e pretende dar suporte e compreender, por outro lado a família paterna não aceita o diagnostico abordando as características como algo de família. Demostra-se importante o envolvimento familiar para compreensão e actuação.
P: Acredito que para si seja muito bom. E em
termos familiares, como é que tem sentido o
apoio da sua família e da família do seu marido?
E: Então, a minha família e a família do meu
marido são muito diferentes... E a forma de estar
nas duas famílias é muito distinta. Quando o
diagnóstico foi feito ao Diogo a atitude da minha
família foi -ok, o que é que é preciso agente
fazer, como é que vamos lidar com ele? A
atitude da família do meu marido foi – Ah mas
ele não tem nada, é uma criança normal, vocês
andam a gastar dinheiro em médicos para quê?
Ele não tem nada. Ah… a minha filha também
era assim, o meu filho era assim, o teu primo era
assim- não sei o que… era assim. Estas duas
formas de estar são muito diferentes. O que faz
com que, enquanto a minha família está sempre
integrada em tudo aquilo que se passa, sabe
quando o Diogo tem sessões no PIN, o que é que
se faz… Posso dizer que eu comprei tudo o que
há para comprar de livros de Asperger, tenho
sete ou oito livros diferentes, eu li-os, a minha
mãe leu, a minha irmã leu-os…Toda a gente, e
depois do diagnóstico ter sido feito ao Diogo eu
Suporte familiar do lado materno. Negação do diagnóstico por parte da família paterna Envolvimento da família materna no acompanhamento
121
Desabafo sobre a
inercia por parte
do estado no que
toca ao apoio
financeiro nestes
casos.
Sentimento de
que mudou um
pouco.
Assimetria entre o
que é para o filho
e o que é para si.
Investimento no
filho,
desinvestimento
nela, calma com o
filho, tensa com
ela.
Desejo de viver o
diagnostico sendo
o que era antes
dele.
Stress com o que
não o envolve.
Mais isolada
outro lado, todas as coisas têm um custo,
como sabe o estado português é uma lástima
nestes casos, e sai tudo do nosso bolso.
Aprendi a gerir melhor as finanças, a
encontrar forma de que nada falte quando
antes nem imaginava ser possível fazer uma
ginástica deste género…Mas… fiquei a
pensar… e acho que também me fez mudar.
Estar calma para ele e tensa para mim. É
isso que me vem agora a cabeça. Acho que
preciso de viver tudo isto sendo o que era.
Psicóloga: Sendo o que era… pode-me falar
um pouco mais disso?
Entrevistada: Sim… eu tento transmitir
calma a ele mas no fundo ando stressada
com tudo o que não lhe diz respeito, irritada,
isolada. Antes fazia bastantes coisas com o
grupo de amigos… e se pensar bem ele
sempre foi asperger e acabava por conseguir
conciliar…
Melhoramento da
capacidade de gerir
finança
Sentimento de alteração
da pessoa que era
Desistência de
investimento nos seus
hobbies
pedi duas sessões à parte, uma para explicar aos
avós e aos tios do Diogo o que é que o Diogo
tinha, como poderiam lidar com o Diogo quando
estiverem com ele, e depois outra para os
irmãos. Posso dizer que da família do meu
marido não foi ninguém. E da minha foram
todos.
Falta de suporte da família paterna do filho
Dadas as suas características a família paterna sente que não derivam do SA mas sim de características familiares. Denota ser, tal como referido pela literatura, o síndrome invisível. Relata o estigma que está associado ao SA, por ser uma perturbação do espectro autista. N a verdade o SA não é um síndrome conhecido pela generalidade ao invés do autismo puro, essa falta de conhecimento leva a que as pessoas retenham uma condição mais avançada que a do seu filho
P: É de facto uma pena que nem todos os
familiares apoiem a situação.
E: Eu acho que nem é uma questão de apoiar, é
que na cabeça deles com o Diogo não se passa
nada, porque acham que o Diogo é uma criança
normal e que aquilo que ele tem é teimosia, e
pronto- a tua cunhada também era assim, mas
secalhar a minha cunhada também tem alguma
coisa que ninguém lhe diagnosticou, não é? E é
um bocadinho por isso. E o meu marido diz
muitas vezes “não vale a pena insistires porque
se eles não vêm o problema, nós não vamos estar
a incutir um problema onde eles não vêem,
portanto se acham que tá tudo bem então deixa
estar, eles tão cá meia dúzia de vezes no ano
portanto...” E depois há outra questão, que é,
agente diz que o Diogo tem Síndrome de
Asperger, as pessoas dizem: ah isso é o quê?
Agente diz que é uma doença do espectro
autista, o que é que fica retido na altura?
P: Autismo…
E: Autismo, no dia a seguir já estão a dizer que
o filho da Patrícia* é autista e dois dias depois o
filho da Patrícia* já é deficiente, e eu não quero
isso, porque já viu o Diogo e o Diogo é uma
Família paterna não vê as características do síndrome como um problema Não insistência na aceitação da família paterna Receio do preconceito por ser representado como uma forma de Autismo
122
criança normal…Tem algumas características
quando passa aquele bocadinho em que
descompensa, é o fim do mundo, mas tirando
isso é uma criança normal.
O intuito do acompanhamento é diluir as características do filho de forma a lidar com elas e não se notarem aos olhos do Outro.
E: Mas eu espero que daqui a meia dúzia de anos
as pessoas que conheçam as características de
Asperger já não as vejam no Diogo, porque ele
já aprendeu a lidar com elas e a reagir, é nisso
que estamos a trabalhar, eu e o pai, com a
questão do acompanhamento no PIN e com a
escola. E espero que daqui a um, dois, três anos,
ele esteja menos Aspie que agora.
Diluir as características do filho com o acompanhamento / desejo de normalização
Tempo livre é pouco mas dedicado a família e a amigos que intervenham neste contexto familiar em casa e que sabem do diagnóstico do filho A forma de reagir sobre os comportamentos inadequados do filho podem ser entendidos como uma má forma de lidar.
P: E em termos dos seus amigos? Sente que
houve alguma diferença após o diagnóstico?
E: Nós não temos muitos amigos porque eu
trabalho muitas horas, e então tenho muito
pouco tempo livre, e como tenho muito pouco
tempo livre tento estar ao máximo com eles,
com a família. E temos três ou quatro casais que
são os amigos da casa a quem nós dissemos o
que se passava, e toda a gente tá… não houve
ninguém que eu visse que se tenha afastado ou
que se mostrasse de forma diferente pelo
diagnóstico, não. Ah… houve assim uma
situação um pouco estranha (…) estávamos a
mesa e o Diogo estava completamente,
completamente descompensado, porque o arroz
tinha ervilhas, e ele estava doido porque o arroz
tinha ervilhas! Ele já estava todo a tremer, e o
pai disse “Diogo levanta-te vai para lá ao teu
O pouco tempo livre é dedicado a família e amigos do contexto familiar Receio do olhar crítico dos outros quanto ao modo de lidar com as características
123
Depois de entenderem as características percebem o que é necessário para tranquilizar o filho, tendo uma boa capacidade de agir sobre as crises relacionadas com o SA.
quarto, acalma-te, quando tiveres calmo volta” e
aquilo para os padrinhos foi… eu vi na cara
deles, estavam chocados com o que o pai estava
a dizer, estar a mandar o miúdo embora na hora
de jantar, ele foi-se embora e nos dissemos
“calma já vais ver o que se passa”, entretanto
servimos as bebidas, o pratinho dele chegou,
passados cinco minutos apareceu o Diogo
parecia outro, bem-disposto, a rir, sentou-se,
comeu. Portanto, nós já sabemos como lidar
com ele, e por muito, muito que possa parecer,
estas atitudes de Diogo, acabou, vai la dentro
apanhar um pouco de ar, respira fundo e volta,
funciona porque como costumo dizer ele faz um
re-put ao sistema dele e quando volta está tudo
tranquilo. Mas pronto, estes nossos amigos já
perceberam que o Diogo de facto é diferente,
que há coisas que não podem fazer com ele. No
verão, também com os padrinhos do Diogo
foram com eles para a praia, o Diogo estava na
água e começou a dizer que estava com frio e o
padrinho disse “ok, então vai direito para cima”,
e ele foi direitinho para cima passou por cima de
todas as toalhas. E ele ficou assim naquela e
depois pensou “não posso dizer estas coisas…!”
Boa adaptação/ resposta às crises relacionadas com o síndrome Amigos estão a entender que têm de agir de forma particular
P: Sente que é importante que os amigos estejam
a par da situação e que saibam lidar?
124
Como referido na literatura muitas são as dificuldades a nível da restrição alimentar. A mãe relata que consegue comer coisas diferentes quando é por iniciativa dele.
E: Sim. Os amigos da casa. Aqueles amigos
com quem nos precisamos conviver…Também
para perceberem algumas situações e porque é
que apesar de nos não tentarmos tratar o irmão
de forma diferente dos outros irmãos, mas há
situações em que é impossível não tratarmos o
Diogo de forma diferente, e porque é que
fazemos isso, porque é que fazemos algumas
coisas e somos condescendentes com o Diogo
em algumas coisas e não somos com os irmãos,
senão qualquer dia estão-me a dizer que tenho
um filho preferido. Mas não, tenho um filho que
me dá um bocadinho mais de trabalho.
Psicóloga: Ok, então e neste momento como
tenta lidar com as dificuldades que vão
surgindo?
Entrevistada: Com a alimentação é um problema
grande, o Diogo é muito difícil de provar coisas
diferentes, porque ele diz que não gosta e ele
para provar alguma coisa tem que provar por
iniciativa dele. Posso dizer que uma coisa que
ele come, e eu nunca pensei que ele comesse é
arroz de grelos, porque? Porque um dia eu
estava a fazer arroz de grelos para mim e para o
pai e ele perguntou “o que é isso?” e eu “arroz
de grelos” e ele percebeu arroz de grilos e achou
piada ao facto de eu estar a comer arroz de
grilos. Então pediu-me e disse “ah este arroz de
grilos é bom” e eu “queres mais?” e o irmão
“não é arroz de grilos!!” e eu disse “amor,
estavas a dizer que era o que?” e ele “arroz de
grilos” e eu “não filho, não são grilos são grelos”
Valorização do suporte dos amigos próximos com quem se lida Noção da exigência do filho com SA comparativamente com os outros filhos Dificuldades sobre a restrição alimentar
125
e ele “o que é que são grelos?” e eu “são essas
coisas verdes que ai estão ai dentro” se eu
dissesse que eram legumes não comia. E ele “ah
tabem! Mas eu gosto.” E pronto ficou, ainda esta
semana fizemos arroz de grelos e ele comeu.
Mas se eu lhe disser que estão ali grelos,
ervilhas, feijão verde , seja o que for leguminosa
ele não come.
Psicóloga: Mas essa estratégia para a
alimentação é deixar que seja ele a tomar a
iniciativa?
Entrevistada: Sim… sim.
Psicóloga: E para outros problemas que surjam ?
Quando surgem dificuldades a nível escolar, a mãe revela ser um apoio onde há maior persistência, usando como estratégia a negociação para terminar tarefas. Pai menos paciente nos casos que envolvem a necessidade de persistir.
Entrevistada: Sim, sim. É assim, o Diogo as
vezes… por exemplo, o Diogo detesta português
e uns dias como por exemplo hoje traz trabalhos
de português como por exemplo fazer cópias, é
uma coisa… hoje estivemos hora e meia para
ele escrever seis frases… e o pai descarta-se
logo, porque ao fim de 5 minutos está
passado, imaginemos ao fim de uma hora… e
estou ali, então vá qual é a palavra? Blá blá
blá… e já sei que tenho de negociar com ele, que
é “ok tens 12 frases, então hoje fazes 6 e amanha
fazemos as outras 6 ” porque a primeira coisa
que ele diz é “eu não gosto ” e “é muito grande,
é muito grande, é muito grande, é muito
grande!” e não passa dali, mas eu “ta bem mas
olha então tapamos, estás a ver? Afinal é
pequenino. Vamos fazer aos bocadinhos” e ele
“então ta bem”.
Papel maternal de persistência Pai menos paciente Uso da negociação como estratégia
126
Focagem nas dificuldades do filho sobre o seu bem-estar. Após o diagnóstico foram necessárias alterações a nível da rotina familiar, que consequentemente provocaram mais cansaço. Aproveitamento do horário para prestar mais apoio ao filho. Admite-se que o futuro será positivo,
P: Como sente por ter de insistir nessas
dificuldades?
E: É da minha responsabilidade... É assim eu
insisto nas coisas que ele tem mesmo de fazer,
não é? Não posso dizer “ah coitadinho, não
queres fazer não faças”… Não! Ele tem de
aprender a escrever e eu sei que isto são lutas
enormes que eu tenho e que às vezes me levam
à loucura mas eu sei que estou a fazer o meu
papel como mãe. Eu quando este diagnostico foi
feito ao Diogo eu tenho possibilidade porque o
meu trabalho, pronto eu tenho isenção de
horário, portanto comecei a entrar as 8horas da
manha para sair às 5horas, para ir buscar o
Diogo mais cedo, estar mais tempo com ele, dar-
lhe mais atenção, estar com ele mais tempo
naquelas coisas básicas do banho, porque antes
chegávamos as 8 e tal era banho, jantar,
trabalhos de casa, tudo a correr! Agora continua
a ser banho, jantar, trabalhos de casa mas em vez
de ser tudo numa hora é tudo em três horas, o
que quer dizer que eu fico muito mais cansada!
(…) até porque durmo menos durmo
menos…porquê? Deito-me à mesma hora mas
levanto-me hora e meia mais cedo que aquilo
que me levantava.
P: Então e em termos de futuro, calculo que seja
uma coisa que lhe passe muito pela cabeça,
como será…
E: (…) eu vejo o futuro do Diogo risonho, o Dr.
Lobo Antunes da primeira vez que esteve com
ele disse-me que eu ele é como um avião que
Sensação de perca do seu bem-estar Alteração da rotina Mais cansaço Encara o futuro positivamente
127
contudo pontuado de algumas inconstâncias que cabe aos pais serem bem geridas. Dada a exigência e o envolvimento necessário, é posta em questão a saúde mental necessária para isso.
estava em trajecto daqui por exemplo para a
américa e que vai apanhar uma grande
tempestade pelo caminho, portanto ele vai ter
um trajecto um bocado temultuoso, mas que nos
cabe a nós garantir que ele chega lá são e salvo.
Pronto, eu sei que ele vai chegar lá são e salvo!
E: Se eu chego lá com a minha mentalidade toda
intacta não sei, mas o meu objetivo neste
momento é tentar afasta-lo da tempestade.
Agora se me perguntam se o Diogo vai ser uma
pessoa notável? Eu quero garantir que lhe dou
todas as ferramentas para ele ser uma pessoa
calma, garantir que tenha uma vida feliz,
principalmente isso. Agora se vai ser medico, se
vai ser engenheiro, se vai ser pedreiro, não quero
saber… quero é
que ele seja feliz. De resto... não…não me
preocupo com isso
Responsabilização pela fornecimento de suporte para ultrapassar dificuldades Preocupação com a sua capacidade de resistência à exigência sentida Responsabilização
128
9.4.4. Caso IV
Medo de magoar os outros e da sua distracção- sofrer um acidente Medo que pela descompensação magoe alguém Relato de situações em contexto familiar que demonstraram descompensação, crises que não foram bem geridas e revelaram atitudes imprevisíveis por parte do Diogo.
P: Estamos quase a acabar também, gostaria que
partilhasse comigo quais sente serem os maiores
medos…
E: Os maiores medos, é esta impulsividade que
ele tem, que ele faça alguma coisa que se magoe
asserio ou que magoe outra pessoa, ou que como
ele é muito distraído ele passe uma estrada sem
ver, que seja atropelado, sem ver, muito, muito
medo que aconteça alguma coisa, nesse sentido
porque ele é distraído.
E: é o meu maior receio que ele se magoe e que
faça alguma coisa porque ele tem uma força
muito, muito grande e quando descompensa
aquela dose de adrenalina… ainda na outra vez
o irmão disse lhe uma coisa que o enervou… ah
já sei o irmão saiu-lhe no MacDonalds um
boneco qualquer e um boneco de menina ao
Diogo, e quando chegamos a casa o André diz:
“ai és uma menina” , aquilo fez um clique no
Diogo e o Diogo agarrou nele pelo pescoço de
tal maneira que lhe trancou a traqueia, o irmão
deixou de respeitar, e eu não sabia se havia de
chamar uma ambulância para salvar o André, se
havia de abanar o Diogo.(…)
E: eu tenho medo que aquilo que aconteceu com
o André aconteça com outra pessoa e que seja
pior e que ele magoe alguém a serio.
Receio quanto à Impulsividade/ distracção Imprevisibilidade do comportamento do filho Medo das crises de descompensação Receio de magoar fisicamente
129
Marido mostrou-se inicialmente resistente ao diagnóstico, contudo agora aceita. Patrícia* mostrou desde logo forma de enfrentamento do problema. Patrícia* volta a salientar a reaproximação conjugal após o diagnostico, revelando ser esta a melhor fase em 15 anos de casados.
P: E em termos de apoio conjugal? Como tem
sentido o suporte do seu marido?
E: O suporte… no início quando foi feito o
diagnóstico o pai teve um bocadinho aquela
atitude de ‘se eu não souber de nada é porque
não existe’, enquanto eu fui à Fnac ver tudo o
que houvesse, queria ler tudo e dar lhe para ler.
Ele dizia “ deixa estar depois leio” portanto, ele
nunca quis.. ele mesmo disse “o facto de eu
agarrar num livro para ler sobre o assunto é estar
a assumir que tenho um filho com este
problema”. Mas pronto agora passados estes
meses todos já lhe passou essa resistência…
Psicóloga: Têm enfrentado os dois directamente
o problema agora…
Entrevistada: Sim, e esta situação do Diogo
tem servido para nos juntar muito a nós como
casal e como casal estamos agora como nunca
estivemos nestes 15 anos em que estamos
casados.
Psicóloga: Fortaleceu-vos?
Entrevistada: Muito, muito mesmo. E estamos
muito alinhados em termos de como é que as
coisas se fazem com o Diogo.
Procura activa de informação Início do diagnóstico (relutante) Vs Agora (sem resistências) Enfrentamento do problema como casal / Fortalecimento da relação
Comentários Texto Original Unidades de Significado
Psicológico
Factor surpresa
pelo filho estar
num quadro de
autismo, reagiu
firme no momento
e perda de forças
quando as ideias
assentaram,
contudo orientação
para enfrentar o
problema
Entrevistadora: Ok, obrigada Lara. Então
gostaria que me descreve-se o melhor
possível como se sentiu quando recebeu o
diagnóstico do seu menino, ou seja à 4 meses.
Entrevistada: Na altura em que a médica
falou em asperger não estava nada à espera,
nunca pensei que o meu filho pudesse estar
num quadro de autismo, e na altura da
consulta estava sozinha, quis perceber o
porquê de falar nisso, trazer o mais possível
de informação que pude. Na altura não tive
nenhuma manifestação, digamos de
sentimentos de tristeza nem nada disso, reagi
muito firme, muito bem. Mas de facto,
quando regressei, a caminho de casa, no
carro, desabei com essa noticia, e mexeu
muito comigo. Senti que na consulta
precisava de ouvir com atenção, mas quando
sai aquilo bateu mesmo, e pronto, há
momentos em que as coisas estão mais
difíceis mas bola para a frente.
Impacto- surpresa
coping – procura de informação
Bastante tristeza e
desespero pelo
pouco
conhecimento da
patologia
Pouco
esclarecimento em
consulta da
patologia
específica, apenas
relatou autismo no
geral.
Procura de
psicóloga para
acompanhar e
ajudar o filho.
Psicóloga: Hum, hum… e na altura em que
estava no carro como se sentiu?
Entrevistada: Bem, nessa altura chorei,
chorei muito, e tive uma mistura de tristeza
com desespero mesmo, porque o meu filho
era autista e pouco conhecia sobre, sobretudo
os casos asperger desconhecia, não sabia que
existiam, sabia dos casos mais graves de
autistas mas não conhecia esta vertente. E
também lhe digo, que da consulta não vim
tão informada quanto isso, porque a medica
tinha conhecimento de autismo mas não
especificou o espectro, fui eu que no dia a
seguir contactei com a psicóloga e ela dizia
sempre que era asperger, era asperger e de
facto, é o que é. Ela é atualmente quem
acompanha o Rodrigo. Aliás, ele teve uma
psicóloga durante quase um ano e nunca,
nunca, nunca lhe detetou nada. Mas pronto,
neste momento a psicóloga está a trabalhar
com ele as competências sociais e também as
Tristeza e desespero
Pouco esclarecimento - procura
de informação
130
Feito
acompanhamento
adequado às suas
necessidades.
Sente segurança
por quem
acompanha o filho
neste momento
questões emocionais e de 15 em 15 dias faz
uma coisa ou outra. Faz também teatro
musical, o que o ajuda também na
problemática, ideia também da pediatra.
Acho que ele neste momento está mesmo a
ser bem acompanhado por pessoas que o
querem ajudar, até a professora dele, tem
sido fantástica.
Acompanhamento
- teatro
-pediatra
-professora
-Psicóloga
Segurança
Atribui
importância ao
diagnóstico por ter
um caracter
esclarecedor das
características do
filho que até ai
eram mal
entendidas.
Dificuldade em
lidar com as
características por
não se saber de
onde surgiam
Psicóloga: Pode partilhar comigo como tem
sido para si viver com o diagnóstico?
Entrevistada: Eu senti que o diagnóstico foi
importante, quando a médica falou em
autismo até ela sentiu que era importante
para mim, porque sabendo do diagnóstico eu
poderia entender muita coisa que até ai não
entendia, por exemplo a questão da
autonomia, eu que sou muito persistente, ele
não desenvolvia e eu tentava ao máximo
desenvolve-la. Quando ele entrou para
escola, não conhecia a professora não é, não
vinha do agrupamento, e ela dizia que ele era
um menino mimado e não tinha autonomia
nenhuma, mas não, ele precisa de atenção e
tem é uma fala abebezada e a questão da
autonomia, que ela não soube lidar, não sabia
da problemática. Questões como a do lanche,
o Rodrigo via o lanche e ficava a olhar para
ele a perguntar “o que é que eu faço?”, ele
nunca tinha tido a experiencia de levar o
lanche para a escola, era algo novo e ele não
sabia gerir, dai que a professora achasse que
ele não tinha autonomia e que queria que
andássemos de volta dele a fazer tudo.
Importância do diagnóstico
Entendimento das
características
Professora actual
bastante
empenhada, inicial
reunião com
psicóloga,
terapeuta da fala e
pediatra para
esclarecer o
enquadramento do
menino na
Psicóloga: Compreendo, muitas vezes as
características do síndrome são mal
interpretadas…
Entrevistada: Exactamente acho que era
isso que estava a acontecer. O que interessa é
que esta professora tem sido de uma entrega
total e é muito perspicaz. Ela sempre disse
que ele devia ter alguma coisa, sempre disse
que não sabia o que era. Mas um dia ela
reuniu-se ao final do dia com a pediatra,
psicóloga, e na altura a terapeuta da fala,
apesar de agora já não ter terapeuta da fala,
Valorização do suporte escolar
131
patologia.
Professora mais
atenta a essas
dificuldades.
era so aquela questão da fala abebezada
típica dos meninos com asperger, e que só
falava assim em algumas situações e não
sempre. Então a pediatra conseguiu revelar á
professora em que medida o meu filho se
enquadrava na problemática do autismo e
professora apartir dai este mais atenta,
haaam, para essas questões e percebeu que
ele de facto se enquadra.
Professora como
bom suporte nas
dificuldades do
filho.
Tranquilização na
questão escolar
dada a professora
ser empenhada no
ensino do filho e
integração em
atividades
Passam a perceber
as dificuldades do
seu filho à
alteração de rotina
como resultado da
frustração e em
sofrimento
anormal para a
situação
Psicóloga: Sente então que esse apoio
escolar é importante?
Entrevistada: Ah, sim! Super importante.
Em termos de professora estou super, super
tranquila, sei que ela faz tudo o que deve ser
feito ela ensina de uma maneira
extraordinária. Este ano já começou o teatro
e ele teve uma evolução fantástica com a
ajuda da professora, porque antes ele não
mostrava nenhum interesse por aquilo que
fazia, era muito demorado a fazer as
atividades, muitas vezes ele chorava, e eu via
isso também em casa, quando era para fazer
uma nova atividade e nós sabíamos que ele a
conseguia fazer, e ele chorava perante a
nossa exigência e bloqueava de forma
exagerada e sofrida, dai que achássemos
estranho o porque de ele agir assim, porque
nós não lhe estávamos a bater nem a fazer
mal, só a pedir para fazer uma atividade, e ele
não parava de chorar, o choro era um choro
normal agora a cara era uma cara sofrida,
para ele era muito grave.
Suporte sentido nível escolar
-sentimento de tranquilização
-atenuamento das dificuldades
do filho
Compreensão da característica
de comportamento
Suporte escolar
propiciou o seu
desenvolvimento
pelas atividades e o
seu filho anda mais
alegre falando das
atividades e
explicando o que
faz, ao contrário
do que fazia antes,
isso parece ter
Psicóloga: Compreendo, era um choro
pouco ajustado à situação.
Entrevistada: Era! Exagerado. Hoje é o
oposto, vem da escola muito feliz, entra no
carro, antigamente tentávamos puxar por ele
para dizer algo, para saber quando havia
festas onde ia representar, o que tinha feito,
nada. Ou sabia porque a educadora tinha
contacto diário conosco e questionava. Hoje
não, hoje entra no carro todo contente, diz o
que fez, explica o que a professora ensinou,
está motivado, diz que a professora ensina
muito bem e aplica as estratégias que a
professora ensina. Em casa já é mais
relaxado, parece desleixado mas é aquela
Desenvolvimento face ao
suporte escolar
132
grande impacto na
mãe.
Sente que aprende
bem sendo um dos
melhores alunos a
algumas
disciplinas.
característica dele, mas na escola de facto é
onde ele acho que está melhor. Ainda bem
que optamos por o meter na escola, e não
ficar para trás, porque apesar dos sinais de
imaturidade ele aprende muito bem… tem
dificuldades ao nível da coordenação motora,
mas a nível da matemática, português e
estudo do meio aprende muito bem é
considerado mesmo pela professora um dos
melhores alunos que tem na sala.
Valorização das suas
capacidades
Professora atenta
às dificuldades e
com capacidade de
lidar com elas,
realce para a
capacidade de
antecipar sendo
essas uma das
maiores
necessidades para
o desenvolvimento
destas crianças.
Psicóloga: Vejo que isso a alegra bastante.
Entrevistada: Imenso. A professora tem
uma experiencia a ensinar e no ensino
especial, está atenta às dificuldades, ela não
sabia o que ele tinha mas sabia detetar as
dificuldades, e sabe-lhe chegar, sabe
antecipar o que vai fazer…
Valorização e confiança no
trabalho desenvolvido pela
professora
Sente-se esgotada
pela sua obsessão
em compreender
mais sobre SA
para corresponder
às necessidades do
filho
Sentimento de
necessidade de
presença constante
para orientação
Tempo
preenchido, é
necessário em casa
apoiar e estimular
o filho em
determinadas
tarefas.
Psicóloga: Hum hum... E como a Lara se tem
sentido após o diagnóstico?
Entrevistada: Pois… isto tem sido quase
que uma obsessão minha em perceber o
problema… quero ajudá-lo o mais possível
então procuro toda a informação e mais
alguma e isso esgota-me. Porque quero fazer
o mais que poder, e depois a questão das
estratégias não é? Uma pessoa todos os dias
tem qualquer coisa para fazer com ele fora de
casa, quando estamos em casa também. Não
podemos descansar nunca, temos de estar ao
pé dele, o trabalho dele tem de ser todo
orientado, senão demora ainda mais tempo.
Se já está uma hora pior seria. No meio disto
tudo o menino tem uma característica que
é… o tempo que tem livre ele não brinca, ele
não sabe brincar, ou melhor, ele brinca mas
não como gostávamos que brincasse. O que
ele mais gosta é ver televisão, ver filmes da
Disney, gosta de ver filmes de menina, com
princesas, Cinderela, Frozen, coisas assim,
nada de super-heróis, carros… nunca gostou
de ver nada, os outros vê e revê. E livros...
gosta muito de livros, sobre animais, corpo
humano, do espaço, são estes temas que ele
mais gosta também na sala de aula. Portanto
Esgotamento
Foco em compreender SA
Sentimento de necessidade de
presença constante
133
Preocupação com
o tipo de
brincadeiras, não
comuns, sente
necessidade de o
ensinar a brincar
de acordo com o
esperado e de
forma a
proporcionar
momentos para
desenvolver as
capacidades do
filho
Sentimento de
cansaço ao fazer as
tarefas todas que o
filho precisa,
sentindo ajuda por
parte da filha mais
nova que é
autonoma.
o interesse dele é este, quando tem tempo
livre se nós não proporcionarmos uma tarefa
orientada, porque se não orientar mos ele não
faz, e nem procura fazer nada, fica de volta
do tablet e televisão e livros… isso
controlamos mas gostávamos que ele fizesse
mais coisas, jogasse a bola, fizesse legos,
puzzles… essas coisas que os outros meninos
fazem não é? Faz bem… e quando queremos
que faça estas atividades de brincar temos de
ser nós a proporcionar esses momentos mas
lá está requer que estejamos presentes…
dizer “Pronto, agora vamos fazer um puzzle”
e ele faz… ele faz puzzles de 100 peças na
idade dele está muito bem, faz mas quer a
ajuda, ele é capaz de fazer sozinho mas
prefere que estejamos lá perto dele. Dai que
em relação a pergunta que me colocou, para
nós é muito cansativo! E não é filho único,
temos uma filha mais nova, mas é uma
grande ajuda, autónoma e ajuda temos muito
tempo para ele. Mas nós não temos
nenhum… para nós é aquele bocadinho
depois de o deitar e deixa nos exaustos…
Responsabilização pelo seu
desenvolvimento (tentativa de
normalização)
Cansaço
Exaustão
Reconheceu uma
característica da
sua personalidade-
exigência-
apontada por si e
revista pelos
familiares e
professora
Exigência para os
dois filhos,
contudo exigência
adapatada com
mais paciência
sobre o filho com
SA
Psicóloga: O que representa para si ter um
filho com este síndrome?
Entrevistada: Deu-me a entender muitas
coisas, como a minha exigência… eu exijo
muito também da minha outra filha, mas sei
que exijo mais do meu filho porque ele
precisa que puxe por ele. A minha irmã chega
a dizer que sou demasiado exigente com ele,
aliás de ser exigente e muito mais... A
exigência deles não muda, mas tem de ser
adaptada, ora tenho de ter mais paciência,
não castigo tantas vezes, embora continue a
fazer, mas penso o que está por traz daquilo,
ou seja nunca deixo de exigir o que acho que
tenho de exigir de um filho, tenho de lhe
desenvolver várias competências, embora
saiba que não posso desenvolver todas elas,
mas tento ao máximo. Enquanto eu não sabia
o diagnostico dele era mesmo muito
exigente, ate a professora perguntava “A
Lara não acha que está a exigir de mais?”
mas acho que estou no caminho certo, a
psicóloga diz que sim, a pediatra diz que
sim… eu continuo a ser assim. Ele já mostrou
que se eu insistir ele demora muito mas
Reconhecimento da sua
exigência sobre o filho com SA
Atitude mais paciente.
Valorização da opinião dos
profissionais
134
Ajuda para
desenvolver
competências e
tarefas do filho
Como algo
entendido por si
como importante
A mãe tenta
contrariar as
questões
alimentares,
selecções e
sequencias que o
filho definiu de
forma a não se
prender a comer
apenas certos
alimentos e de
certa forma,
tentando
contrariar essa
característica do
SA.
corresponde, por exemplo ao vestir, ele
veste-se, sabe-se vestir, tem preguiça, é
muito demorado a fazer as tarefas, mas faz…
ele aperta os botões, veste-se, a única coisa
que não faz é atar os cordões. Já para comer
ele come de tudo porque eu obriguei-o a
comer sempre de tudo. Isto essencialmente
porque meto tudo no prato, não posso partir
da ideia que não gosta, e espero da reacção
dele, se provocar vomito ele não gosta… mas
mesmo nessas situações ele voltava a meter
no prato. Tipo lulas… ele não comia a
imenso tempo e pensei que me ia mandar
uma volta, agora que estamos numa fase
diferente ele tem o direito de não gostar de
certas coisas, não gosta de queijo e camarão,
tem direito como nós a não gostar, mas há
coisas que ainda não estão definidas se gosta
ou não e eu continuo a colocar no prato,
porque uns dias diz que gosta outros que não
gosta, e eu continuo a meter no prato até ver
se gosta ou não… Mas não é só nisso que
falo, é também das sequências, comia batata,
depois arroz, depois carne… demorava mais
tempo, não misturava, e eu obriguei-o a
misturar, claro que as vezes faz um pouco
sequencia mas lá vai misturando. No início
quando disse para misturar as coisas do prato
ele comia um pouco de batata depois um
pouco de carne e olhava para mim, do género
“o que é que eu como a seguir?”, “Olha
Rodrigo comes outra coisa que não tenhas
comido agora!” mas é um sinal…Ainda hoje
foi arroz com feijão e ele come! Outra coisa
é isto das comidas misturadas, arroz com
qualquer coisa, tipo arroz de frango, come
uma coisa depois outra… mas pronto vai
comendo um pouco de cada de cada vez…
porque eu contrario aquilo que tem na
cabeça. Por isso digo que vale a pena
batalharmos porque há muitas coisas que
mudam, muitas coisas que já foram
conquistadas e nem me lembro, porque de
facto ele é capaz, no entanto também entendo
que hajam outros meninos que não o
consigam, não sejam capazes, casos mais
complicados… mas ele é portanto vou
puxando por ele nesse sentido em tudo é
uma das minhas estratégias para conseguir
que ele consiga, insistir, enquanto ver
resultados é assim. E estou sempre atenta a
Apoio nas dificuldades do filho
Tentativa de normalização
Necessidade de estar atenta
Valorização das capacidades do
filho
135
Está atenta a todas
as oportunidades
para melhorar o
entendimento do
filho
Refere
importância de se
estar atento às
dificuldades e
explicar ou
descodificar a
situação em si.
tudo, alguma coisa nova, tento sempre dar a
volta… ainda no outro dia vinha a dar aquela
musica dos D.A.M.A. que dizia –vamos
alcançar as nuvens- e ele disse: “Mamã,
alcançar as nuvens?” e eu agarrei logo nisso
e perguntei o que entendia por isso,
questionei-o e tentei por uma ideia simples
para explicar outras coisas, para explorar…
Psicóloga: Claro, a comunicação nos aspies
é entendida de forma literal é importante
descodifica-la quando há sentidos
ambivalentes…
Entrevistada: Isso… e daí que o saber o
problema e conhecer o que envolve é muito
bom para nós, porque se formos espevitadas
vamos entendendo o que surge. Porque
apesar das terapias, tudo o que for aprendido
no momento mais vale… ah, e até porque ele
é muito curioso, e questiona-nos e temos de
aproveitar quando questiona, tem memória
fantástica… por aí.
Toda a informação
que tem do SA é
integrada e
passada a pratica,
isso fá-la não se
sentir perdida
como inicialmente
se sentiu.
Noção de
empregar o tempo
todo no
desenvolvimento
do filho.
Psicóloga: Então qual entende ser o seu
papel como mãe?
Entrevistada: Mostrar-lhe que não está
sozinho, que o amo muito… Apoiar, porque
além de saber as informações todas, ter a
teoria nada serve se não passar a pratica e
isso é que é o mais difícil, embora até ache
que me esteja a safar bem, não me sinto
perdida como alguns pais se sentem lá no
grupo aspies. Tento dedicar o meu tempo
todo, trabalhar as coisas que estão em
deficit…
Coping emocional
Prestar apoio pratico
Sentimentos: orientação quanto
ao problema
Dedicação total
Aceitar o filho
como é, sem sentir
pena, com
perceção de ser um
espectro leve
Noção de bastante
suporte por parte
dos pais e
Psicóloga: Trabalhar no sentido de
ultrapassar as dificuldades…
Entrevistada: Claro, porque há pais que
negam-nas, eu aceito-o mas também não me
sento a sombra da bananeira nem tenho pena
do meu filho, sinto sim tristeza por situações
que vivenciou e possa vivenciar e o deixe
menos feliz. Mas não é pena, sei que não
deverá ter o problema muito avançado, não
vejo isso, vejo que as características são
leves, a psicóloga e pediatra também, dentro
Aceitação do problema
Expectativas positivas dado o
suporte dado
136
profissionais que
acompanham o
filho leva a
sentimento de
tranquilização face
ao futuro.
Apoio muito
regulado por
pouca
permissividade da
parte dos pais.
Apoio dirigida
para a orientação
dos aspies é de forma leve. Elas já referiram
que nós temos sido pais fantásticos, dizem
que é graças a nós que ele é como é. E nós
dizemos que também é muito graças a elas!
Mas elas dizem que se não tivéssemos
actuado desta forma, secalhar ele tinha mais
dificuldades, tinha as características mais
acentuadas porque não somos muito
permissivos, hora para comer é para comer,
hora para vestir, estamos lá mas é ele que
veste, no trabalho de casa a mesma coisa,
incutir nele as coisas, com ajuda mas orienta-
lo para ele ser independente. Acho que parte
das duas partes…
Pouca permissividade
Promoção da autonomia
Sentimento de
apoio contudo é a
mãe a figura
dominante, tem o
papel mais ativo e
o marido um papel
mais passivo de
apoiar,
acompanhar e
colaborar em algo
falado.
É a mãe que está
mais presente
Falta de apoio
sentido por parte
dos familiares.
Reforço do
sentimento de
passividade por
parte do marido
antes do
diagnostico, como
se não existisse
problema e
Psicóloga: E como sente o suporte a nível do
seu conjugue?
Entrevistada: Ele no início questionava-se
se era o diagnóstico certo, mas quando viu
que sim apoia-me em tudo, com o menino
ajuda onde pode, é um pouco mais
permissivo, mas nas questões de educar tenta
ser exigente. Claro que eu é que domino
nesta questão, em todas as casas há alguém
que domine, normalmente a mãe. Enquanto
eu fizer as coisas ele deixa-se levar, se for
para fazer ele faz, mas sou eu que lhe passo a
informação, acompanho o menino as
consultas, disse que era importante ir a
psicóloga e ele foi, agora em Abril também
vou ao Dr. Lobo Antunes e gostava que ele
fosse e ele vai, pronto há determinadas
situações onde faço questão que ele esteja e
ele está lá e apoia e acompanha, mas de um
modo geral é a mãe que tá ali.
Psicóloga: E relativamente aos seus
familiares?
Entrevistada: Hum… não sinto muito
apoio… sinceramente… é aquela questão, o
menino é um menino que engana bem… se
não fossemos nós, quer dizer mais eu, não o
pai, não teria nada, ele não parece ter nada,
porque para o pai por ele está sempre tudo
bem não é nada, eu é que percebia que algo
não estava bem e queria procurar saber, e ele
sempre disse ok então vai. E portanto, lá
Relutância vs aceitação e apoio
Pai mais permissivo
Mãe papel dominante e ativo
nas questões do SA
Fraco suporte familiar
Desvalorização do diagnóstico
por parte dos avós
137
insistência da mãe
para perceber o
que se passava.
Crença dos
familiares em que
as características
se dissipavam com
o crescimento
está… ele passa bem como um menino que
não tem nada, quem olha para ele não vê
nada, depois há várias opiniões… os avós
secalhar até acreditam no diagnóstico, quer
dizer não é acreditar… até dizem que pode
estar certo mas sempre que é exagero…
tenho essa noção, porque as pessoas dizem
que passa, que é pequenino e passa, vou
ouvindo muitas vezes…
Refere aceitação
do diagnóstico, isto
é do problema por
parte de alguns
irmãos do marido,
contudo não refere
apoio.
Muito abordada
quanto ao filho
não parecer ter
nada o que vai ao
encontro do
relatado
literariamente
como síndrome
invisível.
Dificuldades dos
outros em verem o
problema no seu
filho.
Mais evidente é a
dificuldade de
socialização e isso
mostra-se uma
preocupação sua
Psicóloga: Hum, hum …
Entrevistada: Por exemplo os tios, da parte
do meu marido há uns que aceitam bem, ok
tem problema estão a tratar, quer dizer há um
diagnostico não questionam a veracidade do
diagnostico está a ver?
Psicóloga: Sim, sim…
Entrevistada: Há outras pessoas que
também não questionam, mas continuam a
afirmar que parece um menino normal se não
tivéssemos dito nada…
Psicóloga: Compreendo, este síndrome até é
apelidado de síndrome invisível por essa
mesma questão de não ser algo visto a olho
nu.
Entrevistada: Engraçado… nem sabia mas
sim faz sentido, porque todos o dizem e de
facto só estando com ele mais tempo se vê.
Por exemplo ele é muito imprevisível e em
algumas situações pergunto se não reparam e
eles dizem que não , não reparam… oh
bolas… eu acho que é evidente, ele é um
menino chato a brincar, o problema da
socialização, o problema que mais me
preocupa, porque é com isso que vai ter de
viver para o resto da vida, é a mais evidente
nele e a que mais me preocupa. Há um
afastamento dos colegas, não por parte deles
mas porque acho que ele não tem interesse
mesmo por brincar, está mais com as
meninas sobretudo as da mesma idade, mas
elas também se saturam de brincar com ele.
Há uma situação muito gira, umas duas
meninas mais velhas que gostam muito dele
e costumam estar no recreio juntos, e já li que
é costume eles lidarem com amigos mais
velhos. Mas para voltar a questão inicial, a
minha irmã que é psicóloga quando eu disse
que o menino era asperger ela disse que eu
era doida… ela chegou me a mandar uma
Aceitação do problema por parte
de alguns irmãos do marido
Dificuldade do outro em ver o
problema
Preocupação acerca da
socialização
138
Desvalorização do
diagnóstico por
parte da irmã que
é psicóloga, sendo
agressiva com ela e
afirma estar a
criar problemas,
culpabilizando-a
de o
superproteger,
mimar.
mensagem no facebook bastante violenta,
que era eu que estava a criar problemas e isso
foi muito complicado para mim, ainda agora
não temos uma relação boa por causa dessa
situação, e continua a dizer que o menino é
mimado, atribuía o ele não ser desenrascado
a ter sido superprotegido por mim, e falei
disso a psicóloga, e falou-me que não… eu
era uma mãe muito dedicada apenas isso,
mas deixava ele fazer as coisas, por isso me
custa aceitar o que me disse.
Descredibilização do
diagnóstico por parte da irmã.
Tristeza
Má relação com a irmã após o
diagnóstico
Culpabilização das
características do filho por parte
da irmã, superproteção
Amigos são um
suporte para si,
sente que pode
falar sobre o
assunto ao
contrario de com a
sua irmã
Entendida uma
necessidade de
falar sobre o
assunto com
alguém e é nos
amigos que o
consegue fazer.
Apesar de toda a
validação pelos
profissionais os
familiares não
aceitam o
diagnostico como
verdadeiro e isso
fá-la sentir-se
incompreendida
Psicóloga: Imagino que para si seja
complicado não ter apoio por parte da sua
irmã neste assunto sendo ela profissional na
área.
Entrevistada: Muito… ela trata-me como se
fosse maluca mesmo.
Psicóloga: E no que toca aos seus amigos,
como tem sido para si?
Entrevistada: Amigos… Esses sim, lá
está… tenho amigos que o conhecem e os
que não conhecem, e todos eles acreditam no
diagnostico dele, engraçado… com eles há
espaço para isso, algo que nunca tinha
pensado bem, tenho mais espaço para falar
disso com eles que com a minha própria
irmã…
Psicóloga: Sente que a apoiam mais a esse
nível…
Entrevistada: Sim, porque eu sou uma
pessoa que como já viu preciso muito de
falar… e nesse nível ajuda muito, estou a
vontade com eles, porque como falava
demasiado com a família da minha
preocupação começaram a achar que era
obcecada.
Psicóloga: Como é para si sentir isso dos
seus familiares?
Entrevistada: Para mim é algo muito mau,
faz-me sentir incompreendida como se
defendesse algo absurdo mesmo
fundamentado pelos psicólogos, pediatras,
professoras…
Tristeza pela falta de apoio da
irmã
Aceitação e credibilização do
diagnóstico por parte dos
amigos
Apoio do grupo de pares
Sensação de necessidade de
falar
Acusação de ser obcecada pela
família
Sentimento de incompreensão
pelos familiares
139
Aquando o
pediatra remeteu
para o facto do seu
filho não estar em
contacto próximo
com o outro no
mundo
profissional, sentiu
que não seria bem
assim, não o coloca
de parte no futuro.
Acredita nas suas
capacidades para
ser o que quiser.
Acredita melhorar
as características
do filho num
futuro, como
presentemente já
melhorou a vários
níveis
Valorização das
capacidades do
filho adquiridas
pelo seu
interesse/foco
Psicóloga: Compreendo… E quanto ao
futuro do seu filho, quais as suas
expectativas?
Entrevistada: Podia não imaginar nada já,
mas imagino, eu ouvi da pediatra quando me
falou das questões do meu filho “claro que o
seu filho nunca vai estar a frente de um
balcão” mas o nunca não me entrou!
…“nunca vai estar a comunicar com alguém
em termos futuros de um emprego” e eu não
gostei… na altura falou mas acho que nunca
podemos dizer nunca… ele vai ser o que
quiser, o que der certo, pode ou não fazer
isso, é uma coisa em aberto, não quer dizer
que vá fazer uma coisa que vá contrariar as
características da síndrome, mas irá com
certeza fazer algo que o faça feliz e goste. E
lá está tenho esperança que como a pediatra
diga muita coisa se possa trabalhar, e muito
coisa já correu bem, na escola, na atitude em
tudo o que faz. Em casa temos de trabalhar
muito e estar ligados a professora e psicóloga
mas em tudo o que faz, cumpre, e acima de
tudo, vem satisfeito. Hoje ele vai a uma festa,
sabe o que tem de fazer, tem vontade e está a
evoluir com tudo isso. Este ano por exemplo,
porque os interesses vão variando, ele está
obcecado pelo corpo humano, e os livros que
tem não lhe chegam, faz questões muito
interessado, pede mais livros… e eu não sei
se não terá futuro até numa área dessas, com
um curso superior no lado da ciência, mas até
pode não acontecer nada disso… ele tem
capacidades, estuda bem, vamos ver… uma
coisa ou outra será sempre bom. Mas convém
que eu o faça gostar também das coisas que
os outros meninos gostam!
Credibilização nas capacidades
do filho
Noção da necessidade de
trabalho
Tentativa de normalização do
filho
Preocupação com
questões de
bullying, de
momento bullying
comum sobre
Psicóloga: Quanto a receios falou-me da
questão da socialização…
Entrevistada: Sim... As questões de
bullying, de se isolar, porque ele é um miúdo
muito alegre e deixe de ser por isso e que se
aperceba das questões do gozo, seja
Medos: bullying
140
9.5. Quadro de temas emergentes IPA
9.5.1. Caso I
Quadro 1
Decisão de não ter mais filhos
Surpresa, desorientação e medo
Falta de informação
Cansaço dado o grande envolvimento
Acompanhamento no CADIN – maior tranquilidade
Início difícil Vs recentemente com suporte
Procura de suporte escolar
Sentimento de integração – sentido de normalização
Suporte prático e apoio emocional
Necessidade de ter atitude paciente
Mãe mais paciente pai menos.
Acompanhamento crucial para o desenvolvimento
Pai como prestador de apoio na lida da casa e tarefas do filho em casa
Família - aceitação e grande fonte de apoio
Grupo de pares sem grande conhecimento – não procuram apoio
Condições para ter um futuro promissor
Boa preparação e maior maturidade para lidar com problemas na para a vida
adulta
Receios - Inicialmente não ter independência e vida social (exclusão)Vs
recentemente receios comuns
Sobrevalorização das competências sociais para desenvolvimento escolar
Vários acompanhamentos e diferentes sessões
Valorização do CADIN e de um colégio adequado
aspetos comuns,
contudo receio que
possa passar a ser
constante.
Entendimento de
que as
características do
SA o podem até
ajudar dado que
não entende bem ,
não pensa muito
nisso.
agredido. Ele já me disse que lhe chamam
caixa-de-óculos… para já o que vejo é
bullying relacionado com coisas tipo nos
miúdos como isso de usar óculos, só não
queria que fosse norma. Quero que ele seja
feliz. Secalhar o facto de ter asperger o ajude
nesse sentido, porque nestas questões parece
não entender bem o porque dos colegas
fazerem essas coisas, acaba por o proteger
não entender, custa no momento mas depois
não pensa. Talvez essa característica agora
me deixe mais descansada.
141
Suporte escolar – inicialmente fraco e sem intervenção Vs Atualmente forte e
com integração
Valorização do suporte escolar, psicóloga (sentida como orientadora) e CADIN
Sentiu-se perturbada face ao bullying
9.5.2. Caso II
Quadro 1
Abandono da profissão
Problemas conjugais agravados com o diagnóstico
Stress, susto
Sentimentos de proteção
Diagnostico como esclarecimento
Coping ativo (procura de informação e acompanhamento) instrumental e
emocional
Acompanhamento a consultas
Valorização do acompanhamento – tranquilização pelo progresso de
socialização
Preocupações a nível emocional e profissional ( no contacto com o Outro)
Receio que seja pessoa fechada
Desejo de normalização a nível emocional
Sensação de afastamento social
Consentimento da chamada de atenção do marido
Desinvestimento em si mesma – centração no apoio do filho
Noção de rotina, cansaço, exaustão, queixas psicossomática- enxaquecas)
Suporte escolar positivo
Valorização da aliança entre psicóloga e professora – melhoramento da
socialização
Marido apoia nas tarefas escolares, menos paciente
Marido entende alguns cuidados excessivos
Aceitação familiar, sem procura de apoio
Suporte grupo de pares – favorecimento do campo relacional mãe e filho
Crê num futuro académico positivo mas dificuldades profissionais no contacto
com o Outro
Acredita em dificuldades a nível de criação de laços afectivos (preocupações
afectivas)
Diagnóstico com propensão a evoluir positivamente
Noção de que desenvolveu atitude mais paciente e capacidade de coping sobre
o filho
Valorização do acompanhamento
142
Sentimento de alteração do seu Eu
Desistência dos seus hobbies
143
9.5.3. Caso III
Quadro 1
Reaproximação conjugal e envolvimento no acompanhamento
Preocupação e não-aceitação do diagnóstico de psicanalista - Sentimento
de ser má mãe
Procura de um diagnóstico correto e acompanhamento especializado
Mãe como pilar
Identificação mas surpresa com o diagnóstico
Pouca informação
Alívio e aceitação do diagnóstico
Fornecer suporte instrumental para lidar com SA
Desinteresse na adesão a fármacos
Alteração do quotidiano familiar – maior cansaço
Rotinas e entendimento literal como características mais trabalhosas.
Persistência de algumas rotinas cansativas em prol do seu bem-estar
Energia direccionada para a resolução do problema – exaustão
Perceção de que nem tudo é controlável
Valorização do seu suporte do suporte do núcleo familiar
Suporte Escolar - integração
Necessidade de ter professora empática
Contentamento pelo desenvolvimento das capacidades interpessoais
Suporte familiar do lado materno Vs falta de suporte família paterna
Envolvimento da família materna no acompanhamento
Negação do diagnóstico por parte da família paterna
Família paterna não vê as características do síndrome como um problema
Receio do preconceito por ser representado como uma forma de Autismo
Desejo de normalização
Pouco do tempo livre dedicado a família e amigos do contexto familiar
Receio do olhar crítico dos outros
Boa adaptação/ resposta às crises relacionadas com o síndrome
Valorização da aceitação e suporte dos amigos próximos
Noção da exigência do filho com SA face aos outros
Dificuldades e tentativa de normalização sobre a restrição alimentar
Papel maternal de persistência e negociação Vs pai menos paciente
Maior valorização da insistência sobre a sensação de perca do seu bem-
estar
Encara futuro positivamente
Responsabilização pelo suporte e desenvolvimento
Receios quanto às suas crises (impulsividade e distracção)
Uso da negociação como estratégia
144
Marido Inicio do diagnóstico (relutante) Vs atualmente (sem resistências)
Procura activa de informação
9.5.4. Caso IV
Quadro 1
Sentimentos de surpresa, tristeza, desespero e pouca informação
Acompanhamento adequado - segurança
Importância do diagnóstico como esclarecedor
Valorização do suporte escolar - Sentimento de tranquilização e atenuamento
das dificuldades
Coping ativo, instrumental e emocional.
Valorização do filho
Sentimento de esgotamento - Foco no suporte e compreensão do SA
Responsabilização pelo desenvolvimento –Tentativa de normalização
Necessidade de estar atenta, ser exigente e paciente - Dedicação total
Expectativas positivas dado o suporte
Pouco permissividade - Promoção da autonomia
Suporte conjugal relutância Vs aceitação e apoio
Pai mais permissivo Vs Mãe papel dominante e ativo
Fraco suporte familiar - Descredito do diagnóstico por parte de avós e irmã –
acusação de obsessão
Culpabilização por parte da irmã - tristeza
Sentimento de incompreensão
Credibilização do problema pelos cunhados
Dificuldade do outro em ver o problema
Preocupações a nível da socialização
Suporte do grupo de pares - apoio na necessidade de falar
Valorização das capacidades do filho
Noção de necessidade de trabalho
Receio de bullying