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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A PSICOMOTRICIDADE E A SÍNDROME DE ASPERGER POR: ROSILENE MUNIZ DE OLIVEIRA RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A PSICOMOTRICIDADE E A SÍNDROME DE ASPERGER

POR: ROSILENE MUNIZ DE OLIVEIRA

RIO DE JANEIRO

2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE APLICADA EM CRIANÇAS COM SÍNDROME DE ASPERGER

POR: ROSILENE MUNIZ DE OLIVEIRA

PROFESSOR ORIENTADOR: VILSON SÉRGIO DE CARVALHO

RIO DE JANEIRO

2005

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AGRADECIMENTOS

A Deus, a meus pais e amigos por me

incentivarem a cumprir mais esta etapa.

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DEDICATÓRIA

A minha filha Mayara que é o

grande amor da minha vida.

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RESUMO

Neste trabalho monográfico foram colhidos dados bibliográficos que elucidem

as características da Síndrome de Asperger, bem como as principais diferenças

desta e o Autismo clássico.

Aborda a possibilidade de melhora na vida social e afetiva de crianças, através

da intervenção com a Psicomotricidade, que enquanto seres humanos merecem

melhor qualidade de vida e a integração psiquismo-motricidade levando-se em

consideração o grau de limitação imposto pela desordem comportamental.

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METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, cujo objeto de estudo são crianças de

ambos os sexos, que apresentam desordem comportamental conhecida como

Síndrome de Asperger.

Nesta pesquisa serão utilizados livros publicados anteriormente e documentos

acessados no computador, através da Internet.

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SUMÁRIO

Capa ..................................................................................................................01

Folha de rosto ...................................................................................................02

Agradecimentos ................................................................................................03

Dedicatória .......................................................................................................04

Resumo ............................................................................................................05

Metodologia ......................................................................................................06

Introdução ........................................................................................................09

Capítulo I .........................................................................................................11

Características e alterações da Síndrome de Asperger ..................................11

1.1 – Características clínicas ...........................................................................11

1.2 – Epidemiologia .........................................................................................14

1.3 – Diagnóstico .............................................................................................15

Capítulo II ........................................................................................................17

Fatores psicomotores alterados na Síndrome de Asperger ............................17

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8 2.1 – Esquema Corporal ..................................................................................18

2.2 – Lateralização ...........................................................................................22

2.3 – Estrutura espaço-temporal ......................................................................25

2.4 – Conceitos relacionais: expressão, comunicação e afetividade ...............28

Capítulo III ........................................................................................................31

Estratégias de tratamento psicomotor .............................................................31

Conclusão ........................................................................................................37

Referências Bibliográficas ...............................................................................39

Anexos ............................................................................................................41

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INTRODUÇÃO

A apresentação desta monografia chama a atenção para a Síndrome de

Asperger,pouco conhecida e descrita de forma mais acurada na década de 40. É

uma síndrome marcada essencialmente por três categorias de disfunções, que

pode variar de relativamente social, uso de linguagem para a comunicação e

certas características envolvendo comportamento repetitivo ou perseverativo

sobre um número limitado, porém intenso de interesses;

Estudos conduzidos até o final do século XX sugerem que a Síndrome de

Asperger é consideravelmente mais comum que o Autismo clássico, embora as

disfunções sejam parecidas, aquela concorre a um prognóstico melhor por se

apresentar de maneira mais suave e com alta funcionalidade.

O aparecimento desta Síndrome é idiopático, discute-se a hipótese genética,

porém nada ainda bem definido.

A descrição dos parágrafos supracitados será abordada com mais detalhes

no primeiro capítulo.

Já no segundo capítulo serão explorados fatores psicomotores alterados na

Síndrome de Asperger e como a Psicomotricidade, enquanto ciência, poderá

estruturar um corpo que se não trabalhado de forma direcionada e intensa se

manterá na estagnação da indisposição nas relações com coisas ou pessoas sem

perspectivas de melhora na vida social e afetiva.

E finalmente no terceiro capítulo será apresentada a estratégia de uma

abordagem psicomotora, assim como a importância dessa estratégia para

profissionais que por muitas vezes se deparam com os pais dessas crianças,

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10 chegando a seus consultórios ou instituições onde atuam, desanimados e

desesperançados com as desordens comportamentais que compõem o quadro da

síndrome.

Espera-se que este projeto possibilite a compreensão de que as abordagens

de tratamento já existentes são de suma importância, entretanto associadas a

Psicomotricidade contribuem na melhora da aprendizagem de uma criança com

Síndrome de Asperger e em suas relações com o mundo.

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CAPÍTULO I

CARACTERÍSTICAS E ALTERAÇÕES DA SÍNDROME DE

ASPERGER EM CRIANÇAS

A Síndrome de Asperger, também chamada “Desordem de Asperger”, é

uma categoria relativamente nova de desordem de desenvolvimento, o termo

tendo entrado em uso geral nos últimos 15 anos. Embora um grupo de crianças

com esse quadro clínico tenha sido descrito originalmente, de uma forma muito

acurada, na década de 1940 por um pediatra vienense, Hans Asperger, a

Síndrome de Asperger (AS) foi oficialmente reconhecida no “Manual de

Diagnóstico e Estatísticas de Desordens Mentais” pela primeira vez na quarta

edição, publicada em 1994. Devido a haver poucos artigos de revista

compreensíveis na literatura médica até agora e devido a AS ser provavelmente

consideravelmente mais comum do que inicialmente se pensava, esta discussão

vai tentar descrever a síndrome em alguns detalhes (BAUER, 1995).

1.1 Características clínicas

O termo síndrome de Asperger é aplicado ao mais suave e de alta

funcionalidade daquilo que é conhecido como o espectro de desordens pervasivas

(presentes e perceptíveis a todo tempo) de desenvolvimento (ou espectro de

autismo). Como todas as condições ao longo do espectro, parece representar uma

desordem de desenvolvimento neurologicamente baseada, muito freqüentemente

de causa desconhecida, na qual há desvios e anormalidades em três amplos

aspectos do desenvolvimento: relacionamento social, uso da linguagem para a

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12 comunicação e certas características de comportamento e estilo envolvendo

características repetitivas ou perseverativas sobre um número limitado, porém

intenso, de interesses. É a presença dessas três categorias de disfunção, que

pode variar de relativamente amena a severa, que clinicamente define todas as

desordens pervasivas de desenvolvimento (PDD), de AS até o autismo clássico.

De fato, a presença de características básicas de linguagem agora é usado como

um dos critérios para o diagnóstico de AS, embora esteja próximo de dificuldades

sutis com linguagem pragmática e social. Muitos pesquisadores acham que há

duas áreas de relativa intensidade que distinguem AS de outras formas de

autismo e PDD e concorrem para um melhor prognóstico em AS. Estudiosos não

chegaram a consenso se existe alguma diferença entre AS e Autismo de Alta

Funcionalidade (HFA).

BAUER (1995), relata que um pesquisador, chamado Uta Frith,

caracterizou crianças com AS como tendo “traços de autismo”. De fato, é provável

que se possa encontrar múltiplos sub-tipos e mecanismos por detrás do amplo

quadro clínico AS. Isto abre espaço para alguma confusão relacionada a termos

de diagnóstico e é provável que crianças muito parecidas através do país venham

sendo diagnosticadas como AS, HFA ou PDD, dependendo de onde e por quem

foram avaliadas.

O mais óbvio marco da síndrome de Asperger e a característica que faz

dessas crianças tão únicas e fascinantes é sua peculiar, idiossincrática área de

“interesse especial”. Em contraste com o mais típico autismo, onde os interesses

são mais provavelmente por objetos ou parte de objetos, no AS os interesses são

mais freqüentemente por áreas intelectuais específicas. Freqüentemente, quando

eles entram para a escola, ou mesmo antes, essas crianças mostrarão interesse

obsessivo em uma área como matemática, aspectos de ciência, leitura (alguns

tem histórico de hiperlexia - leitura rotineira em idade precoce) ou algum aspecto

de história ou geografia, querendo aprender tudo que for possível sobre o objeto e

tendendo a insistir nisso em conversas e jogos livres.

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13 A outra maior característica de AS é a deficiente socialização, e isso,

também, tende a ser algo diferente do que se vê no autismo típico. Embora

crianças com AS sejam freqüentemente notadas por pais e professores como

estando “em seu próprio mundo” e preocupadas com sua própria agenda, elas

raramente são distantes como as crianças com autismo. De fato, muitas crianças

com AS, pelo menos na idade escolar, expressam desejo de viver em sociedade e

ter amigos. São freqüentemente profundamente frustradas e desapontadas com

suas dificuldades sociais. Seu problema não é exatamente a falta de iteração, mas

a falta de efetividade nas interações.

Embora características “normais” de linguagem seja uma característica

que distingue AS de outras formas de autismo e PDD, usualmente há algumas

diferenças observáveis na forma como essas crianças usam a linguagem. Essa é

a habilidade em que são mais fortes, às vezes muito fortes. Sua prosódia -

aqueles aspectos da linguagem falada como volume, entonação, inflexão,

velocidade, etc - é freqüentemente diferente. Às vezes soa formal ou pedante,

expressões idiomáticas e gírias são freqüentemente não usadas ou usadas

erroneamente, e as coisas são freqüentemente tomadas muito literalmente. A

compreensão da linguagem tende ao concreto, com problemas crescendo quando

a linguagem se torna mais abstrata nos graus mais elevados.

Quando se examina a história inicial da linguagem de crianças com AS

não há padrões simples: algumas delas atingem normalmente, e às vezes até

prematuramente os marcos, enquanto outras mostram claramente atrasos na fala

com rápida recuperação da linguagem normal quando começa a fase escolar.

Nessas crianças abaixo de 3 anos em que a linguagem ainda não chegou à faixa

normal, a diferenciação de diagnóstico entre AS e autismo leve pode ser difícil, a

ponto de somente o tempo pode clarificar o diagnóstico. Freqüentemente,

particularmente durante os primeiros anos, pode-se perceber características

associadas à linguagem similares às do autismo, como aspectos perseverativos

ou repetitivos da linguagem ou uso de frases feitas ou figuras de material ouvido

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14 previamente.

1.2 Epidemiologia

Segundo BAUER (1995), estudos que tem sido conduzidos até agora,

sugerem que AS é consideravelmente mais comum que o autismo clássico.

Enquanto o autismo tem tradicionalmente sido encontrado à taxa de 4 a cada

10.000 crianças, estima-se que a Síndrome de Asperger esteja na faixa de 20 a 25

por 10.000. Já, para à Associação de Amigos do Autistas, os índices mais aceitos

variam dentro de uma faixa de 5 a 15 casos em cada 10.000 indivíduos.

Todos os estudos concordam que a síndrome de Asperger é muito mais

comum no sexo masculino do que no feminino. A razão para isso é desconhecida.

AS é muito comumente associada com outros tipos de diagnóstico, novamente por

razões desconhecidas, incluindo: “tics” como a desordem de Tourette, problemas

de atenção e problemas de humor, como depressão e ansiedade. Em alguns

casos há um claro componente genético, onde um dos pais (normalmente o pai)

mostra ou o quadro AS completo ou pelo menos alguns dos traços associados ao

AS; fatores genéticos parecem ser mais comuns em AS que no autismo clássico.

Traços de temperamento como ter interesses intensos e limitados, estilo rígido ou

compulsivo e desajustamento social ou timidez também parecem ser mais

comuns, sozinhos ou combinados, em parentes de crianças AS. Algumas vezes

haverá história positiva de autismo em parentes, reforçando a impressão de que

AS e autismo sejam às vezes condições relacionadas. Outros estudos tem

demonstrado taxa relativamente alta de depressão, uni ou bipolar, em parentes de

crianças com AS, sugerindo relação genética pelo menos em alguns casos.

Parece que, como no autismo, o quadro clínico seja provavelmente influenciado

por muitos fatores, inclusive genéticos, de modo que não há uma causa única

identificável na maioria dos casos.

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1.3 Diagnóstico

Para melhor instrumentalizar e uniformizar o diagnóstico de Síndrome de

Asperger (AS), foram criadas escalas, critérios e questionários, oriundas dos

critérios de diagnóstico de Autismo.

Embora às vezes surjam indícios bastante fortes de autismo por volta

dos dezoito meses, raramente o diagnóstico é conclusivo antes dos vinte e quatro

meses, e a idade mais freqüente é superior aos trinta meses.

Existem vários sistemas diagnósticos utilizados para a classificação do

autismo. Os mais comuns são a Classificação Internacional de Doenças da

Organização Mundial de Saúde, ou CID-10, em sua décima versão, e o Manual

de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais da Academia Americana de

Psiquiatria, ou DSM-IV.

No Reino Unido, também é bastante utilizado o CHAT (Checklist de

Autismo em Bebês, desenvolvido por Baron-Cohen, Allen e Gillberg, 1992), que é

uma escala de investigação de autismo aos 18 meses de idade. É um conjunto de

nove perguntas a serem propostas aos pais, com respostas tipo sim/não.

Não há um quadro único e uniforme da síndrome de Asperger nos

primeiros 3 a 4 anos de vida. O quadro inicial pode ser difícil de distinguir do

autismo típico, sugerindo que, quando se avalia qualquer criança com autismo e

inteligência aparentemente normal, a possibilidade dela ter um quadro mais

compatível com o diagnóstico Asperger deve ser considerada. Outras crianças

podem ter atrasos iniciais de linguagem com rápida recuperação entre os 3 e 5

anos de idade. Em alguns casos, entretanto, se observa atentamente a criança na

fase de 3 a 5 anos de idade, traços do diagnóstico podem ser encontrados, e em

muitos casos uma avaliação abrangente pode ao menos apontar para um

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16 diagnóstico no espectro PDD/autismo.

Embora essas crianças se relacionem de modo perfeitamente normal

dentro da família, problemas podem ser notados quando entram no ambiente da

pré-escola. Isso pode incluir tendência a evitar interações sociais espontâneas ou

mostrar habilidades fracas em interações, problemas para sustentar simples

conversações ou tendência a ser perseverativo ou repetitivo quando conversando,

respostas verbais díspares, preferência por rotinas e dificuldade com transições,

dificuldade para regular respostas sociais/emocionais com raiva, agressão,

ansiedade excessiva, hiperatividade, parecendo estar “em seu próprio mundo”, e

tendência a sobrefocar em objetos ou assuntos em particular. Certamente, a lista

é muito parecida com os primeiros sintomas de autismo ou PDD. Comparado a

essas crianças, no entanto, terá linguagem menos anormal e poderá não ser tão

obviamente “diferente” das outras crianças. Áreas com habilidades particularmente

fortes podem estar presentes, como reconhecimento de letras ou números e

memorização de fatos.

Em seu trabalho original de 1944, descrevendo crianças que depois

passaram a ser designadas pelo seu nome, Hans Asperger reconheceu que

embora os sintomas e problemas mudem com o tempo, o problema geral

raramente acaba. Neste trabalho, ele escreveu que “no curso do desenvolvimento,

certas características predominam ou recuam, de modo que os problemas

apresentados mudam consideravelmente. Todavia, os aspectos essenciais

permanecem inalterados. De fato, uma das mais importantes razões para

distinguir AS de outras formas de autismo é seu histórico consideravelmente mais

brando.

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CAPÍTULO II

FATORES PSICOMOTORES ALTERADOS NA SÍNDROME DE ASPERGER

Sendo a AS considerada como um espectro de autismo na forma mais

suave e branda, não há como não correlacionar alguns fatores em comum com o

autismo, que se apresentem na Síndrome de Asperger, e, portanto, descrever as

principais alterações psicomotoras características nessas desordens de

desenvolvimento.

A complexidade do autismo e, é claro, da AS leva-nos a tentar elucidar

estruturas a partir da prática clínica, para que, em seguida, possamos introduzir-

nos na particularidade da clínica psicomotora.

Segundo LEVIN (2003), no autismo, a relação com a linguagem é de

anulação. Permanece numa relação de exclusão a respeito da ordem simbólica,

implica o Outro na ausência, não há marcas. O modo de inscrição é o da

exclusão, da não existência, da não inscrição. O Outro pode estar, mas recusa a

inscrição (em todo caso, a criança leva a marca desta recusa). A criança não está

unida a nada, tampouco há nada que sirva como guia, como referência. O Outro

não tem um lugar, o que determina que ela tampouco o tenha. Talvez sua

referência seja o nada em si mesmo.

A ausência do Outro marca na criança a ausência que é própria da coisa.

A expulsão marca-a e responde à partir daí clausurando o estatuto e a condição

próprios do humano: a linguagem. Deste modo, a criança vive sem nenhum tipo

de referência ao Outro enquanto linguagem. O corpo no autismo permanece

mudo, silencioso, carente de qualquer gestualidade, mantém-se encapsulado e

coisificado nessa única posição do mutismo. Mutismo que não se produz por ter

um problema na audição, mas porque o que olha e escuta é o seu não lugar.

Posição mortífera onde nenhum significante remete a outro, nem ordena a

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18 linguagem. Tanto o corpo quanto as posturas, o tônus muscular, os movimentos, o

silêncio, o espaço e o tempo, estão numa relação de exclusão à linguagem. Não

fazem superfície, não fazem borda (LEVIN, 2003).

Deste modo, o corpo da criança autista movimenta-se num tempo eterno,

infinito, sem pausa, num espaço sem limites, sem um lugar no qual possa se

orientar, navegando no vazio próprio da coisa inerte. No autismo geralmente

podemos observar como a criança pega um objeto e com ele se entretém durante

um tempo sem tempo, indefinido. Com características similares, temos observado

na prática psicomotora movimentos estereotipados que podem ser realizados com

ou sem objetos durante um tempo prolongado (fora do tempo) e sem pausa.

Movimentos que clausuram a relação da criança com o mundo exterior. Podemos

qualificar estes movimentos como movimentos autísticos, já que não se dirigem a

ninguém. Movimentos vazios, sem limites espaciais, que dão conta no modo de

relação ao Outro, serem excluídos. O movimento, ao não passar por um registro

Outro, não se separou do corpo e, portanto, é movimento no gozo do corpo. Por

este motivo há o gozo nestes movimentos estereotipados, eles não se dirigem a

nenhuma outra coisa do que ao nada e, longe de fazer borda-superfície,

perpetuam a indiferença e a inércia própria da coisa.

LEVIN (2003) refere que no autismo, a criança não tem a noção do seu

esquema corporal. A ausência desta noção não se remete a uma problemática

específica, mas à carência ou ausência do Outro enquanto estatuto simbólico. Em

todo caso, esta problemática seria devida à impossibilidade de identificar-se, de

transformar-se ou assumir uma imagem a partir da qual pudesse se sustentar para

diferenciar-se.

2.1. Esquema Corporal

O esquema corporal é um dos elementos básicos indispensáveis para a

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19 formação da personalidade da criança. Uma criança cujo esquema corporal é mal

constituído não coordena bem os movimentos.Percebemos que é atrasada

quando se veste, que as habilidades manuais lhe são difíceis. A noção de

esquema corporal é a representação relativamente global, científica e diferenciada

que a criança tem de seu próprio corpo. A própria criança percebe-se e percebe

os seres e as coisas que a cercam, em função de sua pessoa. Sua personalidade

se desenvolverá graças a uma progressiva tomada de consciência de seu corpo,

de seu ser, de suas possibilidades de agir e transformar o mundo à sua volta.

A forma como o sujeito se expressa com o corpo traduz sua disposição

ou indisposição nas relações com coisas ou pessoas. Esse aspecto psicológico,

muito importante, ajuda-nos a identificar melhor certas perturbações devidas a

fatores afetivos. Chama também nossa atenção para a possibilidade de melhorar

a vida social e afetiva das crianças, tornando precisas suas noções corporais e

fazendo com que adquiram gestos precisos e adequados.(MEUR e STAES, 1984).

A consciência do corpo é alcançada pela percepção do mundo exterior,

da mesma forma que a consciência do mundo exterior acontece por meio do

corpo.Várias condutas psicomotoras dependem do esquema corporal: o equilíbrio,

a coordenação motora, a percepção dos movimentos e de posição no espaço e a

linguagem(um dos fatores característicos da Síndrome de Asperger). Dessa

forma, os prejuízos na formação do esquema corporal refletem-se sob múltiplas

formas: a criança torna-se desajustada, demonstram dificuldades na compreensão

de palavras que designam posição espacial, entre outras.O desenvolvimento do

esquema corporal também representa a função de socialização do indivíduo. As

primeiras experiências sociais realizam-se com o corpo das pessoas significantes

que a rodeiam e as atitudes mantidas são percebidas pela criança, que aprende a

relacionar essas atitudes com o mundo exterior.

É importante ainda diferenciar sobre um conceito comumente

confundido com esquema corporal: a imagem corporal. A imagem corporal realiza-

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20 se dentro do conjunto do processo simbólico, sendo uma imitação idealizada e

interiorizada. Ou seja, a imagem corporal expressa essa intuição que se tem do

próprio corpo em relação ao espaço dos objetos e das pessoas. A imagem que

temos de nós mesmos é renovada a cada ação psicomotora e relacional, e as

renovações da imagem dependem do desejo do outro. O outro nos dá muitas

vezes uma visão de nós mesmos, a seus olhos, que podem nos surpreender. E, a

cada visão diferente, há uma face que o indivíduo descobre de si mesmo.

A noção do corpo em termos psicomotores encerra o conceito pavloviano de analisador motor, cujas projeções corticais se concentram no lóbulo parietal. As múltiplas informações proprioceptivas pré-selecionadas no tronco cerebral e nas estruturas talâmicas ascendem ao córtex para aí criarem uma conscientização específica do corpo, conscientização essa ontogenética e aprendida através da experiência motora e da mediação social. (FONSECA, 1995, p. 10)

A noção do corpo, assume um invariante tátil-cinestésico da postura, em

que convergem simultaneamente, mas com uma contribuição particular, os

anteriores fatores psicomotores da tonicidade, da equilibração e da lateralização.

Noção primeiro intuitiva, da qual decorre uma auto-imagem sensorial interior,

passa posteriormente a uma noção especializada lingüisticamente. . Numa

palavra, a noção do corpo envolve a noção do psíquico, é o psíquico.

Em psicomotricidade, a noção do corpo não avalia a sua forma ou as

suas realizações motoras, procura outra via de análise que se centra mais no

estudo da sua representação psicológica e lingüística e nas suas relações

inseparáveis com o potencial de aprendizagem. A noção do corpo como noção

construída pela própria criança adquire um sentido e uma significação cuja

integração está na base das funções psíquicas superiores. Desde a comunicação

básica, primitiva e vital, que subentende o inesgotável diálogo tônico-afetivo mãe-

filho, até o conforto tátil, que retrata a vinculação essencial do ser humano a

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21 outros seres humanos, passando pela imitação e pela comunicação não-verbal

universal, o corpo, sede da consciência, é nem mais nem menos o habitáculo

emocional e racional da inteligência.

O corpo, filogenético e ontogeneticamente, apropria-se das emoções e

das representações, é o lugar por onde a comunicação se estabelece. É

estruturalmente o centro da linguagem emocional e interior que antecede a

apropriação da própria linguagem falada.(FONSECA, 1995 )

A noção do corpo resume a totalidade do potencial de aprendizagem, por

integrar e reter a síntese das atitudes afetivas vividas e experimentadas

significativamente. Encarada nesta perspectiva, a noção do corpo torna-se um

dispositivo essencial ao desenvolvimento da aprendizagem, e conseqüentemente

da personalidade, na medida em que ela tem para a criança uma significação

experimental subjetiva peculiar.É uma base psicológica que se introduz em todas

as formas de comportamento. A estrutura do corpo e a variedade dos traços de

personalidade são objeto de estudo de inesgotáveis recursos para compreender

as relações corpo-personalidade. Dessa forma, a noção do corpo constitui uma

integração superior, onde se encontram dados intra e interneurossensoriais, que

mobilizam memórias neuronais indispensável ao desenvolvimento das aquisições

de aprendizagem psicomotora e simbólica. As informações visuais, táteis,

cinestésicas e vestibulares reunidas na imagem do corpo são um alimento

indispensável do cérebro, pois privando-o dessa multiestimulação ele pode

desorganizar-se e manifestar desordens de processamento da informação ou

mesmo desordens de comportamento.

Segundo Fonseca (1995), a noção do corpo, além de revelar a

capacidade peculiar do ser humano se reconhecer como um objeto no seu próprio

campo perceptivo, de onde resulta a sua autoconfiança e auto-estima, numa

palavra, o seu autocontrole, é também o resultado de uma integração sensorial

cortical, que participa na planificação motora de todas as atividades conscientes,

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22 pois, por meio dela, atingimos a matriz espacial das nossas percepções e das

nossas ações.

Quando a informação psicológica do corpo se liga com a informação

motora, as duas informações adquirem significação (intercomunicação),

significação essa que dá acesso a outras construções mais hierarquizadas e

complexas. Tal integração psicomotora está na base da aprendizagem. Primeiro, a

informação motora, depois a sua ligação com a informação psíquica, e por último

a informação psicológica, a noção do corpo como conceito superiormente

integrado no cérebro.

2.2. Lateralização

A lateralização humana respeita a progressiva especialização dos dois

hemisférios que resultam das funções sócio-históricas da motricidade laboral e da

linguagem (motricidade co-laboral). De fato, muitas diferenças entre a motricidade

animal e a motricidade humana (psicomotricidade) emergem do papel da

lateralização na organização e na hierarquização cerebrais.

A lateralização como o resultado da integração bilateral postural do corpo

é peculiar no ser humano e está implicitamente relacionada com a evolução e

utilização dos instrumentos (motricidade instrumental-psicomotricidade), isto é,

com integrações sensoriais complexas e com aquisições motoras unilaterais muito

especializadas, dinâmicas e de origem social.

A lateralização manual surge no fim do primeiro ano, só se estabelece

fisicamente por volta dos 4-5 anos, independente de muitas crianças atravessarem

a ambilateralidade e vários episódios de flutuação, antes de obterem a

lateralização direita ou esquerda. A integração bilateral é indispensável ao controle

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23 postural (universo corporal-proprioceptivo) e ao controle perceptivo-visual

(universo extracorporal-exteroceptivo). Sem esses dois dados, a lateralização

como sistema funcional complexo não se diferencia e, conseqüentemente, produz

os seus efeitos na psicomotricidade e na aprendizagem (FONSECA, 1995)

As grandes discrepâncias nas realizações das tarefas da equilibração

servem já para antever a complexidade desses problemas, ao mesmo tempo que

podem condicionar o desenvolvimento psicomotor e a organização

psiconeurológica dos processos de aprendizagem. A noção da linha média do

corpo, que depende da integração bilateral, é uma aquisição básica à orientação

no espaço e um instrumento fundamental para a organização diferenciada de

ações complexas, de onde emergem as grandes aprendizagens humanas. A

discriminação somato-sensorial inerente à atividade motora põe em jogo também,

como se sabe, uma inervação contralateral, da qual se estrutura a noção do corpo

também designada por somatognosia, imagem do corpo ou esquema corporal.

A lateralização é aprendida pelo movimento dos dois lados do corpo e

pelas concomitantes impressões sensoriais, que, em conjunto, produzem uma

espécie de conscientização interna de onde parte a conscientização das direções

no espaço envolvente. Em resumo, a lateralização traduz a capacidade de

integração sensório-motora dos dois lados do corpo, transformando-se numa

espécie de radar endopsíquico de relação e de orientação com e no mundo

exterior. Em termos de motricidade, retrata uma competência operacional, que

preside a todas as formas de orientação do indivíduo. Compreende uma

conscientização integrada da experiência sensorial e motora, um mecanismo de

orientação intracorporal (proprioceptiva) e extracorporal (exteroceptiva).

A lateralização como função complexa subentende diferentes níveis de

complexidades: identificação dupla homolateral; identificação dupla contralateral,

identificação de partes do corpo no outro e identificação de partes do corpo no

outro e no próprio. Vários componentes integram a lateralização: motora,

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24 sensorial, perceptiva, conceitual, simbólica, social, entre outras.

A significação psiconeurológica da lateralização envolve, a organização

progressiva do cérebro como órgão de trabalho e órgão de comunicação. O

cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos, antes de

organizar símbolos; por essa razão, a integração bilateral antecede a

especialização hemisférica. Uma boa lateralização é o produto final de uma ótima

maturação. A organização espacial, a elaboração de praxias, a fala e a escrita

como pensamento cognitivo, requerem operações muito precisas e complexas dos

dois hemisférios, mas os dois hemisférios só estão aptos a cooperar e a trabalhar

conjuntamente quanto o tronco cerebral trabalha apropriadamente. (FONSECA,

1995 )

A lateralização, nos seus vários componentes funcionais, ocular, auditiva,

manual e pedal, promove a estabilidade do universo vivido, do qual partem todas

as relações essenciais entre o indivíduo e seu envolvimento. A não estabilização

no universo vivido, ou seja,do sistema postural peculiar do indivíduo (radar do Eu),

tende a alterar todas as relações de interação com o meio exterior, afetando a

organização práxica.

A automatização da tonicidade e da equilibração é básica para a

aquisição de muitas funções psíquicas superiores, como a linguagem, a leitura e a

escrita, daí também a importância que assume a lateralização em toda a

organização das funções psíquicas superiores. O acesso à linguagem no ser

humano requer uma equilibração altamente complexa, superiormente governada

por um hemisfério. Para lidar com informações tônicas, táteis e cinestésicas. A

postura abre o caminho a linguagem através da função de lateralização,

transformando o cérebro num órgão capaz de processar informações que tem

origem fora do seu corpo.

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2.3. Estruturação Espaço-temporal

A estruturação espaço-temporal é parte integrante de nossa vida; sendo difícil dissociar os três elementos fundamentais da psicomotricidade: corpo,

espaço e tempo, e quando utilizamos toda essa dissociação, limitamo-nos a um

aspecto bem preciso e restrito da realidade. .(MEUR e STAES, 1984).

Entretanto, para melhor esclarecimento desses aspectos é necessária

uma abordagem separada, sendo evidente que a atuação sobre a criança com

Síndrome de Asperger deverá considerar o conjunto de suas habilidades e de

suas limitações psicomotoras.

A estruturação espaço-temporal decorre como organização funcional da

lateralização e da noção do corpo, uma vez que é necessário desnvolver a

conscientização espacial interna do corpo antes de projetar o referencial somato-

gnósico no espaço exterior. (FONSECA, 1995).

A estruturação espaço-temporal emerge da motricidade, da relação com

os objetos localizados no espaço, da posição relativa que ocupa o corpo, enfim

das múltiplas relações integradas da tonicidade, da equilibração, da lateralização e

da noção do corpo, confirmando o princípio da hierarquização dos sistemas

funcionais e da sua organização vertical.

As relações, posições e direções espaciais vividas e localizadas

egocentricamente, hirarquizam-se em relações e direções espaciais situadas

objetivamente. Partindo da dimensão extra e interespacial, apropriando-se

obviamente de sistemas espaciais mais complexos e distanciados da sua própria

localização. A criança localiza-se a si própria antes de localizar no espaço ou de

localizar objetos no espaço. Localiza os objetos em relação a si própria e,

posteriormente, localiza cada objeto sem precisar referi-los corporalmente. Dá-se,

conseqüentemente, uma projeção da lateralização e da noção do corpo no

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26 espaço, isto é, a lateralidade desenvolvida no interior do organismo projeta-se no

exterior e transforma-se em direcionalidade

A estrutura do espaço-temporal depende, portanto, do grau de integração

e de organização dos anteriores fatores psicomotores. Sem uma adequada

lateralização e sem uma adequada noção do corpo, as elaborações ou extensões

das suas capacidades não podem estabelecer uma adequada estrutura espaço-

temporal, e, como conseqüência, a organização e estruturação resultam limitadas

ou imprecisas, com reflexos evidentes em vários aspectos da aprendizagem.

A estrutura espaço-temporal é, por outro lado, uma superestrutura, uma

vez que resulta da integração de duas estruturações distintas que têm o seu

desenvolvimento próprio. Por outro lado, a estrutura espacial, e por outro lado, a

estrutura temporal, as duas especificamente relacionadas com diferentes

modalidades sensoriais, visuais e auditivas, respectivamente.

Toda a informação relacionada com o espaço tem de ser interpretada

através do corpo (noção do corpo), podemos estimar a quantidade de movimento

necessário para explorar o espaço, ou contatar com qualquer objeto nele

localizado ou contido. Pela quantidade de movimento, podemos estimar a

distância percorrida no espaço a percorrer para apanhar o objeto. É através da

translação do movimento no espaço que obtemos conhecimento da distância a

que nos encontramos do objeto ou da distância percorrida no espaço.

Transformamos o conhecimento do corpo em conhecimento do espaço, primeiro

intuitivamente, depois lógica e conceitualmente.

A estrutura espacial é um conceito desenvolvido no próprio cérebro

através de atividades neuro, tônico, sensório, perceptivo e psicomotoras. A criança

constrói a noção do espaço através de interpretação de uma constelação de

dados sensoriais que não têm relação direta com o espaço.A importância de uma

noção espacial estável é vital, na medida em que é por meio do espaço e das

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27 relações espaciais que observamos as relações entre coisas e objetos no nosso

envolvimento. Podemos observar tais relações na medida em que as podemos

localizar no espaço e mantê-las nessa relação espacial enquanto as observamos.

Se uma vez de um mundo espacial estável temos um mundo espacial instável, as

observações que fazemos de tais relações não são perfeitas, nem adequadas, por

isso também não podemos fazer comparações precisas entre vários objetivos ou

figuras.A gênese do espaço da criança, resultante da sua progressiva organização

psicomotora, subentende, em paralelo, a apropriação da linguagem e da

percepção visual.

A estrutura espacial estável permite a criação de relações com o

envolvimento, isto é, a criação de uma estrutura espacial operacional e dinâmica

com a qual nos localizamos e orientamos mentalmente, face ao espaço e face aos

objetivos, podendo assim descobrir semelhanças e diferenças nos objetos e entre

os objetos.Há efetivamente uma dimensão espacial em tudo o que fazemos e que

conhecemos, daí certamente a importância da estruturação espacial na

observação psicomotora.

A estruturação temporal envolve a localização do espaço de forma

permanente, isto é, não só a localização do espaço , como também a localização

na dimensão do tempo. As relações que construímos com o envolvimento são

quatro e não apenas três.A estrutura temporal é mais elaborada em si que a

estruturação espacial, uma vez que transcede a estimulação sensorial

imediata.Através da estruturação temporal a criança tem consciência da sua ação,

o seu passado conhecido e atualizado, o presente experimentado e o futuro

desconhecido é antecipado. A noção do tempo é uma noção de controle e de

organização, quer ao nível da atividade, quer ao nível da cognitividade.

A dimensão temporal é tão importante como a dimensão espacial, onde

podemos localizar séries de acontecimentos que representam todas as relações

com o envolvimento. A dimensão temporal não só fornece a localização dos

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28 acontecimentos no tempo, como fornece a preservação das relações entre os

acontecimentos.A unidade de extensão da dimensão temporal é o ritmo, que

envolve a conscientização da igualdade dos intervalos de tempo. A função do

ritmo ultrapassa a dimensão temporal, visto que se insere em todas as

manifestações de comportamento, desde as biológicas, as nervosas até as

psicológicas, daí a sua importância na observação psicomotora.

Em resumo, a estruturação temporal e a estruturação espacial, que juntas

constituem a estruturação espaço-temporal, são os fundamentos psicomotores

básicos da aprendizagem e da função cognitiva, dado que nos fornecem as bases

do pensamento relacional, a capacidade de ordenação e de organização, a

capacidade de processamento simultâneo e sequencializado da informação, a

capacidade de retenção e de reauditorização e revisualização, isto é, rechamada

do passado e de integração do presente e preparação do futuro, as capacidades

de representação, estruturação eapaço-temporal, a capacidade de quantificação e

de categorização. O reconhecimento de palavras ou de imagem requer a

construção espaço-temporal, as duas grandes realidades, espaço e tempo, estão

verdadeiramente inter-relacionadas nos processos psicomotores da criança.

A estruturação espaço-temporal está obviamente dependente dos outros

dois fatores psicomotores que compõem a segunda unidade funcional, mais

exatamente a lateralização e a noção do corpo. Uma vez que o ponto de partida

de estima e orientação do espaço e do tempo é o corpo, qualquer disfunção

somatognósica tem tendência a refletir-se na orientação com o espaço e com os

objetos. Com uma fraca diferenciação intra e extracorporal, a relação com o

espaço é posto em dúvida e a relação com o tempo afetado, daí resultando

distorções e restrições que têm reflexos em todo o potencial de aprendizagem.

2.4. Conceitos Relacionais: Expressão, Comunicação e

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Afetividade

A abordagem psicomotora só pode ser desenvolvida por meio do corpo

que dialoga e se comunica com outros corpos, que revela sua personalidade mais

agressiva ou mais afetiva, que se entrelaça na personalidade de outros, pelo

movimento desse corpo e por meio da psicomotricidade. Na síndrome de

Asperger, estes são alguns dos fatores mais acometidos, levando a deficiências

qualitativas na interação social, nos padrões de comportamento, e, nas atividades

e interesses individuais. É necessário termos em foco sempre os conceitos

relacionais, saindo do reducionismo da lógica formal para um enfoque mais

sistêmico, em que os corpos são vistos em interação com o meio, com o espaço,

com os objetos e consigo mesmo.

É fundamental que em todos os conceitos desenvolvidos anteriormente a

expressão, esteja incluída por meio das atividades com liberdade, mímicas,

dramatizações e danças, as quais funcionam como facilitadoras dessa livre

expressão. Em crianças com a síndrome de Asperger, os padrões repetitivos e

estereotipados de comportamento, incluem resistência a mudanças, insistência

em determinadas rotinas, apego excessivo a objetos e fascínio com o movimento

de peças. Embora algumas crianças pareçam brincar, elas se preocupam mais em

alinhar ou manusear os brinquedos do que em usá-los para sua finalidade

simbólica. Essas características tornam essas crianças pouco expressivas,

dificultando que a criança exprima verdadeiramente os seus sentimentos e,

consequentemente, as suas dificuldades, de ordem psicológica, física ou

biológica. Uma expressão plena, de corpo inteiro só é atingida com a coordenação

física e psíquica integradas.

Por outro lado, no fenômeno psicomotor, o tônus é tomado e atravessado

pela linguagem, que “diz” ao tocar e ao ser tocado (diálogo tônico que se inscreve

num sujeito desde o seu nascimento a partir do desejo do outro que, numa

primeira instância, é encarnado por sua mãe, ou por aquele que cumpra esta

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30 função). Deste modo, estas inscrições, estas demarcações, ficarão gravadas no

inconsciente e determinarão o sujeito enquanto tal, quer dizer, inscrito pelo desejo

do outro no universo simbólico. Esta dimensão psíquica não pode ser ignorada na

clínica psicomotora. O dizer corporal de um sujeito refere-se à inscrição corporal

na linguagem, já que esta funciona como inscrição, torna-o legível, e é por esta via

que as posturas, o tônus muscular, os gestos, dizem para um outro. O que fala é o

sujeito através do corpo, das variações tônico-motoras, do movimento, dos gestos

e do esquema corporal. (LEVIN, 2003).

Ainda em relação à expressão, entendemos que criar é expressar o que

se tem dentro de si, um autêntico esforço interior. Ela é inerente ao homem e sua

realização é uma necessidade. A criatividade facilita a comunicação e a livre

expressão.

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CAPÍTULO III

ESTRATÉGIAS DE TRATAMENTO PSICOMOTOR

A psicomotricidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e

da motricidade humana. Seu objeto de estudo é o sujeito humano total e suas

relações com o corpo, sejam elas integradoras, emocionais, simbólicas ou

cognitivas, propondo-se desenvolver faculdades expressivas do sujeito, nas quais

por esse contexto, assume uma dimensão educacional e terapêutica original, com

objetivos e meios próprios que se destacam de outras abordagens (FONSECA,

2004).

Para Alves (2002), o profissional que decide lidar com a criança portadora

de autismo, deve considerar tudo o que se sabe sobre o processo de

desenvolvimento normal e os fatores que otimizam o desenvolvimento; como

também, tem que considerar o que se sabe sobre os aspectos anormais que

interferem no desenvolvimento das crianças autistas.

Além do conhecimento de como evolui o autismo, o profissional tem de

conhecer e reconhecer os sintomas de distúrbios de relacionamento, distúrbios de

fala e linguagem, distúrbios do ritmo do desenvolvimento, assim como, distúrbios

da motricidade e da percepção, pois para a psicomotricidade esses sintomas são

vistos com “canais” mais significativos que podem favorecer a interferência

psicomotora.

Em psicomotricidade é preciso primeiro observar e depois intervir em

consonância, na medida em que esta deve ter como finalidade a promoção e a

melhoria da organização neuropsicomotora do indivíduo no maior número de

situações e contextos possíveis. A conseqüência imediata do diagnóstico ou da

observação é a construção e criação de programas de intervenção psicomotora

que devem visar a melhoria do chamado perfil psicomotor. É com base no perfil

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32 psicomotor que se deve estruturar o plano prescritivo individualizado (terapêutico,

remediativo ou reeducativo) (FONSECA, 2004)

Na clínica psicomotora, o profissional tem de fazer a ligação da teoria

com a prática para que aconteça o processo terapêutico, e esta ligação é o grande

desafio dos terapeutas. O elo da teoria com a clínica em crianças com síndrome

de Asperger pode ser feito por meio da sintomatologia psicomotora: a inibição

psicomotora (ALVES, 2002).

As crianças autistas possuem uma inibição psicomotora, o corpo e os

movimentos encontram-se comprometidos e limitados pela relação ao outro e aos

objetos, bloqueando de tal forma o corpo, que este passa a não servir para

explorar o mundo nem para relacionar-se com os outros (LEVIN, 2003).

A criança autista é cuidada, transportada, tocada e falada como uma

“coisa”, “uma boneca de pano” que não responde, que não “apela”.

A intervenção psicomotora deverá favorecer a quebra dessas posturas

viciosas e inadequadas que reforçam o isolamento, a auto-estimulação e a

passividade da criança autista que possui um corpo sem ligação representacional.

A clínica psicomotora pode interferir no corpo encapsulado, sem ação e sem

representação do autista, facilitando o florescer da ação por meio de várias vias,

entre elas os movimentos estereotipados que ao se dirigirem a nada bloqueiam o

contato, fortificam a interiorização e impedem a relação da criança com o mundo

exterior.

Para Carné (2002), dentro do processo terapêutico temos, primeiramente,

a análise do pedido de ajuda, que se dá a partir do encontro inicial com os pais. É

nesta primeira entrevista que o vínculo e a confiança começam a se estabelecer

com clareza de propósitos e de comum acordo. É necessário, ainda, que os pais

sejam inseridos num ambiente de tranqüilidade para falar sobre os motivos que os

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33 levam a procurar ajuda, o que nem sempre é fácil, pois as dificuldades dos filhos

podem provocar sentimentos e sensações de tristeza, fracasso, culpa ou raiva.

Brazelton & Bertrand (1992) chamam de “interações imaginárias” as

interpretações subjetivas que muitas vezes acompanham a queixa principal dos

pais.

Conforme Alves (2002), não existe trabalho psicomotor centrado somente

na criança autista. Os pais devem ter seu próprio espaço terapêutico, para saber

lidar no dia adia com a frustração de ter de conviver com a ausência dos sons, dos

movimentos, das reações tônicas e gesticulações de seu próprio filho.

Existem palavras-chave, como: relação, expressão, motivação,

comunicação, escuta, espera, respeito, permissividade; que devem permear cada

momento da prática psicomotora relacional, que ao serem vivenciadas pelo

psicomotricista no campo terapêutico favorece o campo psicomotor na atuação

com crianças autistas.

O profissional deve observar e decodificar. Sua atitude deve ser de

escuta, de permissividade e de respeito. Sua presença não deve ser diretiva, nem

invasiva. Na prática clínica, usa-se todos os mediadores não verbais da

comunicação: o olhar, o gesto, os sons vocais e/ou instrumentais, a distância

corporal, o contato se o sujeito o deseja e/ou aceita.

O brincar é um modo de intervenção, uma técnica de aproximação

essencial à psicomotricidade. Não se trata com crianças autistas de uma

educação ou reeducação psicomotora, mas, sim, de terapia psicomotora (ALVES,

2002).

A psicomotricidade é uma articulação, que parte de uma ordem simbólica

(a linguagem) que possibilita conceber o corpo, os gestos, o movimento, o tônus, o

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34 espaço, as posturas, os objetos e o tempo como o dizer corporal de um sujeito;

dizer que é olhado e é dito. Deste modo, a psicomotricidade afasta-se, por um

lado, do discurso que toma o corpo como objeto em si mesmo, o corpo como

“coisa”; e, por outro lado, afasta-se da terapêutica do jogo corporal pelo jogo

corporal por si mesmo, para constituir-se, então, na clínica que se ocupa das

perturbações psicomotoras do sujeito (LEVIN, 2003).

A terapia psicomotora relacional não possui sucessão cronológica e

coloca o terapeuta diante do fato de que a criança é quem mostra quando e por

onde o terapeuta pode aborda-la. É função do psicomotricista perceber e

compreender o que a criança quer expressar em seu “agir” mais singelo e

responder por meio do seu próprio corpo para possibilitar a sida da situação

“passiva” para “ativa”. O processo terapêutico só acontece se a criança e o

terapeuta estiverem envolvidos na linguagem corporal.

Para que o profissional consiga comunicar suas informações e a partir

disso estabelecer uma relação de crescimento, precisa aprender a escutar.

Escutar refere-se a ouvir o outro com todas as suas características e descobrir um

canal de cesso, estabelecendo a cada momento um tipo de comunicação (verbal

ou não-verbal) e modificando-a conforme a relação seja firmada.

Ouvir verdadeiramente alguém resulta em uma satisfação especial. Esse

ouvir significa na psicomotricidade ouvir os sons e captar a forma do mundo

interno da pessoa, entender os significados que transmite e significar a relação de

comunicação a partir desses instrumentos. Outro ponto importante é estabelecer

uma relação de autenticidade. A relação autêntica só será estabelecida numa

relação verdadeira, em que os sentimentos são expressos sem dúvidas e com

adequação. Permitir ao outro que se torne independente, com idéias, ações e

valores expressos conforme sua identidade é o papel do psicomotricista. Na

prática psicomotora passamos por diferentes etapas da comunicação, mas o

essencial nesses modos de comunicação é a carga afetiva que se encontra por

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35 baixo deles.

Na abordagem psicomotora aplicamos e vivenciamos, damos uma

importância significativa para a linguagem não-verbal. Por meio dela muitas vezes

descobrimos conteúdos importantíssimos, aqueles que o indivíduo não consegue

expressar verbal e conscientemente. O homem por meio de seus movimentos

expressa seus mais puros sentimentos, como alegria, medo, amor entre outros,

descobrindo como o corpo é sensível e como possui uma linguagem própria

revelada nos gestos, os quais possibilitam um elo de comunicação com o mundo.

Portanto, para se entrar em contato com a criança, não basta ter

excelentes materiais, é preciso a disponibilidade do corpo do psicomotricista, uma

disponibilidade de empréstimo de seu corpo a fim de que a criança possa projetar

simbolicamente seus desejos e encontrar ferramentas corporais e emocionais

para relacionar-se com o mundo.

O nosso maior foco de atenção como profissionais deve ser esse corpo e

sua expressão, em que por meio do agir e do calar-se (corporalmente),

permeando com a história pessoal e com o momento apresentado, conseguimos

tocar a profundidade desse indivíduo, facilitando-o na sua autodescoberta, na sua

modificação ou remodelagem, inevitável no ciclo da vida. Por meio da atividade

dinâmica e globalizante conseguimos perceber o outro e relacionamo-nos com ele.

É a ação que expressa a intenção. A ação permite apreender, reconhecer e

construir a realidade do mundo, a realidade dos objetos e do espaço. Diante

desses propósitos, a aceitação, conhecimento e expressão por meio da vivência

corporal, é que favorecerá sua evolução e expressão psicomotora mais

verdadeira.

Para Alves, (2002), a experiência clínica com crianças autistas tem um

olhar psicomotor voltado à detecção precoce, à prevenção e à intervenção o mais

cedo possível a fim de minimizar a estabilização do quadro, possibilitando o

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36 surgimento de um ser desejante e pensante, á garantia de uma integração na

sociedade.

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CONCLUSÃO

É cada vez mais freqüente a procura dos pais de crianças diagnosticadas

clinicamente com autismo ou algum de seus espectros, como a síndrome de

Asperger pela clínica psicomotora. As queixas variam de ausência de fala,

estereotipia, passividade, movimentos desgovernados, além da falta de interação

com outras pessoas.

Baseado no fato de que a síndrome de Asperger é ainda uma condição

pouco conhecida e de difícil diagnóstico tornou-se essencial estudos sobre as

dificuldades e potencialidades de indivíduos com esta síndrome e sobre as

possíveis intervenções necessárias ao desenvolvimento deste indivíduo. Portanto

o aspecto de relevância neste trabalho é justamente pesquisar qual a importância

da atuação da psicomotricidade no tratamento de crianças com síndrome de

Asperger.

Conforme vimos no capítulo1, a síndrome de Asperger é um transtorno

evolutivo raro, caracterizado por um severo déficit no contato social, que surge

desde a infância persistindo até a idade adulta. Para que pudéssemos demonstrar

a atuação psicomotora, foi necessário que se elucidasse as principais

características clínicas, a epidemiologia não muito incomum desta síndrome,

assim sendo também importante demonstrar sistemas de diagnóstico clínico, além

do diagnóstico de fatores psicomotores que mostram-se com freqüência alterados

em crianças com esta síndrome.

Além de descrever as alterações psicomotoras encontradas nestas

crianças, foi possível estabelecer estratégias de atuação psicomotora no autismo

e síndrome de Asperger, comprovando a hipótese de que a psicomotricidade

demonstra grande importância no processo terapêutico da síndrome de asperger

em crianças, sendo eficaz no que diz respeito ao desenvolvimento das habilidades

sociais, comportamentais, comunicativas e motoras.

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38 Como sugestões para próximas pesquisas são necessários diversos

estudos no campo que se refere a transtornos do desenvolvimento como a

síndrome de Asperger. Um importante avanço no campo de diagnóstico seria

proporcionado com estudos sobre a etiopatogenia e etiologia da síndrome de

Asperger, outro estudo de relevância seria analisar as alterações lingüísticas

apresentadas na síndrome de Asperger, visto que estas alterações levam a

prejuízos nos aspectos não-verbais da comunicação. É muito importante

apresentarmos também trabalhos que se dediquem ao acompanhamento de

indivíduos com síndrome de Asperger na fase adulta, haja vista sua dificuldade na

interação social.

Através do conhecimento científico possibilitaremos aos pais,

profissionais da área de saúde e de educação o diagnóstico preciso e precoce

nessa “falha do desenvolvimento infantil” que é a síndrome de Asperger,

favorecendo a intervenção especializada e eficaz e demonstrando então, para a

sociedade a real importância da atuação psicomotora nestes casos.

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MASSON, Suzanne. Psicomotricidade: Reeducação e Terapia Dinâmica. São Paulo: Manole, 1998.

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40 MEUR, A. de & STAES, L. Educação e Reeducação (Níveis Maternal e Infantil). São Paulo: Manole, 1984.

MOUSINHO, Renata. Linguagem/Corpo na Síndrome de Asperger. In: Psicomotricidade Clínica. São Paulo: Lovise, 2002.

WALON, H. Do Ato ao Pensamento. Lisboa: Portugália, 1996.

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ANEXO 1

CID-10 (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS DA

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS/1992)

Pelo menos 8 dos 16 itens especificados devem ser satisfeitos.

a. Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos

três dos próximos cinco itens:

1. dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial,

gestos e postura corporal para lidar com a interação social.

2. dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo.

3. raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de

tensão ou ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que

apresentem ansiedade ou infelicidade.

4. ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a

felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas

próprias satisfações através de envolvimento com outras pessoas.

5. falta de reciprocidade social e emocional.

b. Marcante lesão na comunicação:

1. ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes.

2. diminuição de ações imaginativas e de imitação social.

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42 3. pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos.

4. pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade

e imaginação em processos mentais.

5. ausência de resposta emocional a ações verbais e não-verbais de outras

pessoas.

6. pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a

modulação comunicativa.

7. ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação

oral.

c. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento,

interesses e atividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos

seis itens:

1. obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse.

2. apego específico a objetos incomuns.

3. fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais

específicos.

4. hábitos motores estereotipados e repetitivos.

5. obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de

recreação.

6. ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do

ambiente.

Page 43: A PSICOMOTRICIDADE E A SÍNDROME DE ASPERGER MUNIZ DE OLIVEIRA.pdf · Asperger (AS), foram criadas escalas, critérios e questionários, oriundas dos critérios de diagnóstico de

43 d. Anormalidades de desenvolvimento devem ter sido notadas nos

primeiros três anos para que o diagnóstico seja feito.

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ANEXO 2

DSM-IV (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA)

A inclusão de AS como uma categoria separada no novo DSM-IV, com

critérios mais ou menos claros de diagnóstico, pode levar a grande consistência

de identificação no futuro.

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2), e (3), com pelo menos dois de (1),

e um de cada de (2) e (3).

1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois

dos seguintes itens:

a. destacada diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, tais

como contato ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a

interação social.

b. dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o

nível de comportamento.

c. falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações

com outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar

objetos de interesse.

d. ausência de reciprocidade social ou emocional.

2. Marcante lesão na comunicação, manifestada por pelo menos um dos

seguintes itens:

Page 45: A PSICOMOTRICIDADE E A SÍNDROME DE ASPERGER MUNIZ DE OLIVEIRA.pdf · Asperger (AS), foram criadas escalas, critérios e questionários, oriundas dos critérios de diagnóstico de

45 a. atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem

ocorrência de tentativas de compensação através de modos alternativos de

comunicação, tais como gestos ou mímicas.

b. em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar

ou manter uma conversa com outras pessoas.

c. ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação

social apropriadas para o nível de desenvolvimento.

3. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento,

interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes

itens:

a. obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que

seja anormal tanto em intensidade quanto em foco.

b. fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais

específicos.

c. hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção

das mãos ou dedos, ou movimentos corporais complexos.

d. obsessão por partes de objetos.

B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas,

com início antes dos 3 anos de idade:

1. interação social.

2. linguagem usada na comunicação social.

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46 3. ação simbólica ou imaginária.

C. O transtorno não é melhor classificado como transtorno de Rett ou doença

degenerativa infantil

itens:

1. obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse.

2. apego específico a objetos incomuns.

Cid-10 (Classificação Internacional De Doenças da Organização Mundial De Saúde – OMS/1992)

Pelo menos 8 dos 16 itens especificados devem ser satisfeitos.

a. Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos

três dos próximos cinco itens:

1. dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial,

gestos e postura corporal para lidar com a interação social.

2. dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo.

3. raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de

tensão ou ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que

apresentem ansiedade ou infelicidade.

4. ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a

felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas

próprias satisfações através de envolvimento com outras pessoas.

5. falta de reciprocidade social e emocional.

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47 b. Marcante lesão na comunicação:

1. ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes.

2. diminuição de ações imaginativas e de imitação social.

3. pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos.

4. pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade

e imaginação em processos mentais.

5. ausência de resposta emocional a ações verbais e não-verbais de outras

pessoas.

6. pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a

modulação comunicativa.

7. ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação

oral.

c. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses

e atividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos seis

3. fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais

específicos.

4. hábitos motores estereotipados e repetitivos.

5. obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de

recreação.

6. ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do

Page 48: A PSICOMOTRICIDADE E A SÍNDROME DE ASPERGER MUNIZ DE OLIVEIRA.pdf · Asperger (AS), foram criadas escalas, critérios e questionários, oriundas dos critérios de diagnóstico de

48 ambiente.

d. Anormalidades de desenvolvimento devem ter sido notadas nos

primeiros três anos para que o diagnóstico seja feito.

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ANEXO 3

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