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Reflexões sobre a escrita de alunos com a Síndrome de Asperger
Irací Casemiro Weisheimer (PG – UNIOESTE)1
Carmen Teresinha Baumgärtner (UNIOESTE)2
Resumo: O ensino da escrita no Brasil tem sido tema recorrente em pesquisas acadêmicas. A
recorrência do tema se dá, sobretudo, por conta de que, mesmo após muita publicação sobre o
assunto, ainda percebem-se muitos desafios por parte dos professores. Considerando que a
maior parte das propostas de ensino de Produção Textual fundamenta-se apenas numa
perspectiva metalinguística, despreocupadas com a forma em que os textos se configuram e se
articulam, o presente estudo, em estágio inicial, visa à proposição de reflexões sobre a escrita
de alunos com diagnóstico de Síndrome de Asperger, avaliando as suas singularidades. Visto
que a Educação Inclusiva traz muitas ansiedades, queremos por meio de pesquisa bibliográfica,
compreender conceitos e características da síndrome, as leis que amparam a Educação Especial
e as particularidades da escrita dos alunos com Asperger. As reflexões serão ancoradas nas
orientações teóricas da Psicologia Histórico-Cultural, de orientação vigostskyana, e nas
reflexões sobre a dialogicidade da linguagem de elaboração bakhtiniana.
Palavras-chave: Síndrome de Asperger; Educação Inclusiva; Escrita.
Abstract: In Brazil, the subject of writing has become a recurring theme in academic research.
The recurrence of this subject, considering the abundance of existing publications, is evidence
of the many difficult challenges teachers still encounter. Considering that the majority of the
suggestions for writing are based solely on a metalinguistic perspective, without concern for
the manner in which the writing is configured and articulated; the current study from the
beginning, looks to reflect upon the subject of writing by students with Asperger' syndrome,
evaluating their uniqueness. Despite the understanding that the difficulties in the ability of
writing in school can occur whether the student has the need for Special Education or not, the
objective in this article is to reflect upon the specifics of those students who have Asperger's.
Since inclusive education brings about many anxieties, we would like to contribute, an outlined
theoretical analysis that considers the notion and details of the syndrome and the writing ability
of students who have Asperger's. The cultural-historical psychology theory, the Vygotskian
Approach, and linguistic dialogicity anchor the reflections presented.
Keywords: Asperger's Syndrome; Inclusive Education; Writing.
1 Graduada em História, Especialista em Educação Especial, Mestranda em Letras, Universidade Estadual do
Oeste Paraná, campus Cascavel – PR, [email protected] 2 Professora dos Cursos de Letras, do Programa de Metrado/Doutorado em Letras – PPGL, e do Programa de
Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS. Líder do Grupo de Pesquisas em Linguagem, Discurso e
Ensino – LIDEN, [email protected]
Introdução
A leitura e a escrita são fatores fundamentais para a inserção do ser humano na
sociedade atual. Contudo, não devem ser definidas como uma simples decodificação de
símbolos, mas sim um meio para ampliar os conhecimentos e sua visão de mundo. As
diferentes manifestações da linguagem verbal como, propagandas, bulas, jornais, e-mails,
bilhetes, atas, e as não-verbais como placas, figuras, gestos, sons, gráficos, e tantas outras, são
partes inseparáveis das relações humanas.
Até décadas atrás, o trabalho em sala de aula valorizava sobretudo os conhecimentos
gramaticais, o ensino dos clássicos literários e a oralidade polida, privilegiando a língua escrita
culta e a língua falada pelas elites (SUASSUNA, 1995). Com novos estudos nos anos de 1980
das ciências linguísticas, novas tentativas de se ensinar a escrita passam a ser exercitadas,
considerando que é no texto que a língua “se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto
de forma, quer enquanto discurso” (GERALDI, 1993, p. 135).
Porém, mesmo diante de significativas mudanças nas teorias linguísticas, ainda
percebemos que o ensino da produção de textos é um grande desafio. Independentemente de a
criança ter ou não Necessidade Educacional Especial, muitas vezes os professores de Língua
Portuguesa não chegam a um resultado satisfatório em relação à produção de textos dos seus
alunos, não sendo esses, sujeitos ativos de seus textos (GERALDI, 1993). E quando se tem
uma criança com a Síndrome de Asperger (SA), a situação pode ser ainda mais desafiadora.
Visto que a Educação Inclusiva traz muitas ansiedades, o trabalho aqui proposto será
de grande valia, pois, mesmo sendo um trabalho inicial, abordaremos sobre as características
da Síndrome de Asperger, a Legislação Educacional para crianças com Necessidades
Educacionais Especiais, e a produção textual dos alunos com SA, questões essas que poderão
contribuir para uma melhor compreensão das crianças com Asperger. Para fundamentar esta
reflexão, as principais orientações teóricas baseiam-se na Psicologia Histórico-Cultural, de
orientação vigotskyana, e no interacionismo linguístico bakhtiniano.
Síndrome de Asperger
Nos diferentes momentos históricos, as pessoas com algum tipo de deficiência, eram
estereotipadas como “anormais” e muitas vezes ficaram à margem social, chegando até ao
extremo de ser abandonadas à morte (BARROCO, 2007). A pessoa que conseguia sobreviver
não desempenhava nenhuma atividade que cooperasse com a família e a sociedade em geral, e
ficava recolhida ou enclausurada num hospício. Com o modo de produção capitalista, houve
avanços na educação para pessoas com deficiência, contudo se restringia basicamente aos
filhos de burgueses (BUENO, 1993). É só no século XVIII que essas pessoas são vistas como
capazes de desempenhar alguma atividade, mas as suas explicações sobre os motivos da
deficiência eram embasadas no misticismo (ARANHA, 2001).
Na década de 1920, com a abordagem Histórico-Cultural, a deficiência já não é mais
vista como um defeito inato que rotula a pessoa como inferior. Diferentemente de todas as
abordagens anteriores, essa privilegia a importância das interações sociais para o
desenvolvimento do indivíduo, sendo a aprendizagem, resultante da relação das crianças com
os adultos e com outras crianças do seu meio social e cultural (VIGOTSKI, 1997).
Com a inclusão da Síndrome de Asperger, dentro do espectro autista, todas as crianças
com Asperger, tem direito a todas as políticas de inclusão, com direito à educação em escolas
regulares comuns, em caso de necessidade, com acompanhamento especializado.
O termo Síndrome de Asperger (SA) foi usado pela primeira vez em 1981, pela doutora
inglesa Lorna Wing, na sua pesquisa sobre o Autismo. A doutora quis homenagear o
pesquisador da síndrome, Hans Asperger. No ano de 1943, Léo Kanner e Hans Asperger foram
os primeiros médicos a estudar as crianças que até aquele momento eram consideradas
“atrasadas”. O doutor Kanner se dedicou a pesquisar o Autismo clássico, e o psiquiatra e
pediatra austríaco Hans Asperger, a forma mais branda do transtorno, a Síndrome de Asperger
(ASSUMPÇÃO, 1997).
Por inúmeras ocasiões, a SA foi confundida com uma Perturbação Obsessiva,
Compulsiva, Depressão e Esquizofrenia. Atualmente se entende a Síndrome de Asperger
pertencente ao Espectro Autista leve (TEA), de acordo com Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), ao DSM-V.
O autismo leve (Síndrome de Asperger), diferente do nível severo (Autismo Clássico)
não oferece amplos atrasos no desenvolvimento da fala e nem apresenta comprometimento
cognitivo grave. Geralmente a pessoa com SA, tem elevadas habilidades cognitivas em alguma
área específica. O autismo, indiferente do nível, é um distúrbio neurológico caracterizado por
comprometimento da interação social, comunicação verbal e não-verbal e comportamento
restrito e repetitivo, sendo uma divisão muito recente na exposição científica. De acordo com
Klin,
Cronicamente frustrados pelos seus repetidos fracassos de envolver outras
pessoas e de estabelecer relações de amizade, alguns indivíduos com SA
desenvolvem sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor que podem
requerer tratamento, incluindo medicação. Eles também podem reagir de
forma inapropriada ou não compreender o valor do contexto da interação
afetiva, geralmente transmitindo um sentido de insensibilidade, formalidade
ou desconsideração pelas expressões emocionais das demais pessoas. Podem
ser capazes de descrever corretamente, de uma forma cognitiva e
frequentemente formalista, as emoções, as intenções esperadas e as
convenções das demais pessoas; no entanto, são incapazes de atuar de acordo
com essas informações de uma forma intuitiva e espontânea, perdendo, dessa
forma, o ritmo da interação. Sua intuição pobre e falta de adaptação
espontânea são acompanhadas por um notável apego às regras formais do
comportamento e às rígidas convenções sociais. Essa apresentação é
responsável, em grande parte, pela impressão de ingenuidade social e rigidez
comportamental, que é tão forçosamente transmitida por esses indivíduos
(KLIN, 2006, p. 09).
Pelo fato das pessoas com SA ter prejuízos no que, culturalmente se considera trivial
nas relações interpessoais, há um desafio particular ao sistema educacional. A falha no
entendimento das regras do convívio social, e a obsessão por um determinado campo de
interesse, podem ser exaustivos na rotina do professor. O aluno com SA pode apresentar
desatenção, alteração no humor, depressão, e angústia. Segundo Piauilino (2008), uma pessoa
com a Síndrome de Asperger apresenta:
Dificuldade de fazer amigos; Dificuldade em perceber ou comunicar-se
através de pistas não verbais, como expressões faciais; Não compreendem
que os outros têm sentimentos diferentes dos seus interesses obsessivos por
algum assunto, como linhas dos ônibus ou trens; “Desajeitamento” motor;
Inflexível quanto à mudança de rotinas, especialmente quando são
inesperadas; Melodia da fala é mecânica, quase robótica (PIAUILINO 2008
p.92).
Os alunos com SA são vistos como excêntricos, pelos colegas, e muitas vezes, são
vítimas de discriminação, necessitando a mediação do professor, nos conflitos que ocorrem na
sala de aula, o que pode deixá-los deprimidos. Os estudos da Síndrome apontam que ela ocorre
mais no sexo masculino, sendo a etiologia ainda desconhecida. Segundo as literaturas da área,
é fundamental que a família da criança com Asperger procure um tratamento de qualidade.
Com psicólogos preparados, a criança pode participar de terapia multidisciplinar, também a
linguagem corporal pode ser ensinada, evitando o isolamento e a depressão. Além da família,
é muito importante o papel dos professores, pois são eles os responsáveis por trazer os recursos
e estratégias para promover o aprendizado de todas as crianças. O acolhimento dos alunos
especiais nas aulas depende também, de uma política inclusiva que incite toda a comunidade
escolar.
Na abordagem Histórico-Cultural, o desenvolvimento é percebido como a internalização
dos modos de pensar e agir de uma dada cultura. Se a criança for submetida ao processo
educacional de qualidade, com mediações específicas para cada aluno, ele poderá aprender e se
desenvolver. Vygostky diz que “A criança cujo desenvolvimento se há complicado por um
defeito, não é simplesmente menos desenvolvido que seus coetáneos normais, é uma criança
desenvolvida de uma outra forma” (VYGOSTKY, 1989, p. 3). Assim, os mecanismos de
desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem. As relações sociais, o
aprendizado da escrita, bem como outros aprendizados, fornece a base para o desenvolvimento
de processos internos altamente complexos no pensamento da criança.
Sendo assim, acreditamos que dependendo das condições sociais, culturais e dos modos
como as relações sociais cotidianas se organizam, as crianças com a Síndrome de Asperger
podem ter um satisfatório desenvolvimento. Portanto, quanto mais precoce for diagnosticada a
Síndrome e a família encaminhar a criança no serviço especializado de apoio, maiores serão as
perspectivas de resultados positivos na aprendizagem do aluno com a SA.
Documentos oficiais que amparam a educação especial
Durante muito tempo, a compreensão sobre o melhor modo de trabalhar com os alunos
com alguma deficiência ou com características fora do padrão convencional de ensino, era a
forma paralela à educação comum. Com o avanço de estudos no campo da educação, e com a
promulgação de leis específicas para as pessoas com deficiência, houve a necessidade de
reestruturar as escolas de ensino regular comum, para atender a todos os alunos.
O desenvolvimento dos serviços de educação especial teve, num primeiro momento,
um caráter assistencial, objetivando apenas ao bem-estar da pessoa com deficiência.
Posteriormente, os serviços levaram em consideração os aspectos clínicos, até chegar à
proposta de inclusão integral nas salas de aula do ensino regular, das crianças com
Necessidades Educacionais Especiais.
Com a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(1990) e a Declaração de Salamanca (1994), a educação com atendimento especializado passa
a ser meta no âmbito nacional. A Constituição Federal garante “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”
(art.3º, inciso IV). O artigo 205, afirma que a educação é um direito de todos, e garante o pleno
desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu
artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”
como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).
Com as reflexões sobre o direito à igualdade para as pessoas com deficiência, houve a
necessidade de uma legislação que orientasse a estrutura e funcionamento da educação no
Brasil. Foram elaboradas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB’s). De
acordo com o Ministério da Educação - MEC (BRASIL, 2006), o atendimento aos alunos com
Asperger deve ser feito em salas multifuncionais, no período contraturno, com atividades
direcionadas a necessidade de cada criança. Se a equipe pedagógica especializada concluir que
é necessário, a criança com Asperger poderá ter um professor de apoio na classe comum, e se
utilizar de serviços da Rede de Apoio em instituições especializadas.
O currículo escolar é um instrumento fundamental para escolas estaduais, municipais e
particulares, pois as orientam como organizar, articular, desenvolver e avaliar as suas propostas
pedagógicas. O município de Cascavel-PR tem um currículo de ensino específico à sua rede
de educação. Ainda que a iniciativa de fazer um currículo próprio tenha partido da Secretaria
Municipal de Educação, também teve a participação dos próprios professores, das equipes da
Secretaria Municipal de Educação - SEMED e pesquisadores da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE. Como consta no próprio documento,
A elaboração de um Currículo para a Rede Pública Municipal de Ensino de
Cascavel se justifica pela necessidade de sistematizar um arcabouço teórico-
metodológico que confira a direção e a consequente apropriação dos métodos
deste conhecimento, uma vez que “se não temos suficiente clareza, segurança
acerca dos fundamentos teóricos que nos orientam; se não paramos para
refletir sobre eles, corremos o risco de agir contrariamente aos nossos
objetivos (SED/ MS, 2000, p.12). (CASCAVEL, 2008, p. 9).
Na rede pública municipal de ensino de Cascavel-PR, os alunos com Necessidades
Educacionais Especiais, podem receber o Atendimento Educacional Especializado (AEE). O
AEE se destina aos alunos com deficiência física, intelectual, sensorial (visual e surdez), alunos
com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e com altas habilidades. Esses alunos
têm atendimentos nas escolas comuns, Salas de Recursos Multifuncionais, mantidos pela rede
municipal de ensino. A Educação Especial é uma modalidade oferecida preferencialmente no
sistema regular de ensino, com serviços de apoio e uma diferenciação de serviços
especializados, conforme a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996).
Legalmente, as pessoas com deficiência têm garantido o direito à educação na rede
regular comum de ensino. Porém, muitas barreiras permanecem, dificultando a consolidação
da proposta da inclusão escolar, devido à falta de recursos ou suporte pedagógico e o
preconceito decorrente da falta de conhecimento a respeito da Síndrome, o que resulta na
divisão de opiniões sobre a Educação Inclusiva. Desse modo, reflexões sobre a Educação
Especial são demasiadamente importante, pois a inclusão das pessoas com deficiência é uma
realidade atual em todas as escolas de ensino regular comum do país.
Linguagem escrita e a Síndrome de Asperger
Para refletir sobre a linguagem e sujeito utilizamos do referencial teórico fundamentado
nos conceitos sócio-interacionistas do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). Bakhtin
expõe em seus trabalhos, concepções muito importantes sobre a linguagem. Para ele, a
linguagem é um fenômeno histórico e dialogicamente formado a partir das interações entre os
sujeitos, portanto, é uma atividade viva, dinâmica e múltipla. Assim sendo, a prática com textos
desenvolvidos em sala de aula precisa ser compreendida a partir da interação entre o professor
e seus alunos. Bakhtin afirma:
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem
de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro
que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as
transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda
não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas
ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio pelo
qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda
não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica nova e
acabada. A palavra é capaz de registrar as fazes transitórias mais intimas, mais
efêmeras das mudanças sociais (BAKTHIN, 1997, p.41).
A palavra está presente em diferentes situações da vida das pessoas e em distintos
lugares. Assim, a palavra é a ligação entre os interlocutores, uma vez que é na relação dialógica
que mantêm uns com os outros que a interação se concretiza e se reconstrói a cada nova
enunciação. Ainda que a linguagem oral ofereça relações com a escrita em várias ordens, elas
estabelecem caráteres linguísticos distintos de expressão. Vygosky,
Assinala a diferença na natureza do código oral em relação ao código
escrito. Designa como simbolismo de primeira ordem aquele cuja relação
significado/significante é imediato, e chama de simbolismo de segunda
ordem àquele que não detona diretamente um objeto, mas se refere a um
outro símbolo que, por sua vez, é aquele que diretamente representa o
objeto. Ou seja, o simbolismo da segunda ordem, no sentido de que os sinais
gráficos terão de ser, primeiramente, decodificados na sua correspondência
sonora para, em seguida, ser apreendida a compreensão do significado da
palavra lida, posto que os elementos gráficos não guardam relação com o
objeto representado, mas com a forma oral com que este é designado. O
domínio fluente da leitura determina o seu funcionamento no nível imediato,
de primeira ordem, portanto, no sentido de que para o leitor fluente não é
mais necessário reconstruir oralmente a palavra lida como condição para
aprender seu significado. Este é, então, apreendido diretamente da
linguagem visual da escrita, prescindindo de uma reconstrução oral.
(VYGOTSKY, 1975, p. 116).
Segundo Vygotsky, escrever exige dominar um sistema simbólico complexo que
permite um salto qualitativo nos reflexos psíquicos e que possibilita o acesso ao conhecimento
elaborado pertencente à esfera mais complexa da atividade humana. Não há, pois, nessa
perspectiva, um sujeito pronto e acabado. Ao ler e escrever, o aluno precisará considerar as
suas práticas “na história de cada palavra escrita, a história das compreensões do passado e a
construção das compreensões do presente” (GERALDI, 1995, p.10).
Ensinar a escrita apenas no âmbito da gramática já é uma tarefa árdua. Os fatores para
essas dificuldades são variados. Os alunos, quando começam a produzir textos, se deparam
com questões que podem não estar bem resolvidas, como o domínio do código, noção espacial
e consciência fonológica. Eles ficam, muitas vezes, confusos na relação da fala e a escrita e
suas convenções ortográficas. Esse processo não ocorre naturalmente, demanda muito esforço
dos professores nas suas práticas pedagógicas e dos alunos, porque não compõe somente numa
memorização de formas corretas de escrever palavras, mas implica numa metodologia ativa de
aprendizagem.
Desde a década de 1980, as discussões sobre o papel da escola dentro da sociedade,
trouxe novas reflexões sobre as práticas pedagógicas no ensino. A linguagem é percebida como
lugar de interação humana, e que constantemente é modificada pelo sujeito que sobre ela atua.
Assim,
[...] durante um longo período, os estudos e práticas pedagógicas ignoraram
o fato de que os ‘erros’ cometidos pelos aprendizes de escrita/leitura eram, na
verdade, preciosos indícios de um processo em curso de aquisição da
representação escrita da linguagem, registros dos momentos em que a criança
torna evidente a manipulação que faz da própria linguagem, história da
relação que com ela (re)constrói ao começar a escrever/ler (ABAURRE,
FIAD E MAYRINK-SABINSON 1997, p.16-17).
A criança ao iniciar suas produções textuais, começa com escritas espontâneas, o que
pode ser um momento muito importante para o professor notar alguns indicativos de como o
aluno está tomando suas decisões no decorrer do texto. Utilizando as palavras de Abaurre, Fiad
e Mayrink-Sabinson, ao entrar “[...] em contato com a representação escrita da língua que fala,
o sujeito reconstrói a história de sua relação com a linguagem” (ABAURRE, FIAD E
MAYRINK-SABINSON, 1997, p. 22). Assim, é comum perceber os conflitos que os alunos
apresentam com relação à maneira como se tecem os estilos de enunciação oral e escrito do
sistema linguístico.
É fundamental compreender que a produção textual do aluno depende de interações
verbais já vividas. Na sala de aula, os conhecimentos historicamente acumulados discorrem
com experiências cotidianas, necessitando da relação mediada pelo professor para o
aprimoramento do conteúdo dos textos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs orientam os docentes a se utilizarem de
diferentes textos nas suas aulas, para que os alunos compreendam as propriedades discursivas,
se indagando, qual a função que a sua escrita e a do outro, exerce socialmente, como quem
produziu o texto, para quem, por que. Deste modo, o aluno poderá refletir sobre sua própria
linguagem. Entretanto, ainda se percebe a insegurança de alguns professores em trabalhar
textos, além da gramática. Sendo assim “[...] restringir-se, pois a sua gramática é limitar-se a
um de seus componentes apenas. É perder de vista sua totalidade e, portanto, falsear a
compreensão de suas múltiplas determinações” (ANTUNES, 2007, p. 41).
O processo de ensino e aprendizagem que considera a diversidade discursiva, oferece
condições para o domínio acerca dos mais diferentes gêneros presentes na sociedade, sendo os
alunos participantes ativos da sociedade em que estão inseridos, assim
Quanto mais dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos,
tanto mais plena e nitidamente descobrindo nelas a nossa individualidade
(onde é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a
situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais
acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 2003, p. 285).
Mesmo sendo muito importante considerar aspectos gramaticais e normativos da língua,
o que não pode ocorrer é a diminuição do ensino da escrita, apenas a isso. E se ensinar a escrita,
já é uma função trabalhosa, para as crianças que não tem Necessidades Educacionais Especiais,
ensinar as crianças com a Síndrome de Asperger nessa perspectiva, pode ser uma tarefa ainda
mais desafiadora. O aluno com Asperger, muitas vezes resiste realizar atividades que fogem
do seu campo de interesse e da sua rotina, o que pode, por vezes, ser um agravante para a
produção de um texto. Conforme,
Esse apego à rotina pode fazer com que uma simples mudança de itinerário,
uma tentativa de troca de roupas, ou a colocação de um determinado objeto
fora do foco habitual desencadeiem verdadeiras crises catastróficas que
podem resultar em agressões (SCHWARTZMAN, 2003 p.25).
Diante de uma atividade de produção textual, as crianças com SA, podem manifestar
um bloqueio, caso o enunciado necessite da compreensão do sentido figurado da linguagem,
como metáforas e ironias. Podem ter dificuldade em iniciar e terminar um assunto
(CAMARGOS JR, 2001), também apresentam limitações de interesses, querendo apenas
escrever sobre eles. Frequentemente ao realizar seus textos, fogem do tema, caso não seja
atraente. Os alunos com SA têm uma memória formidável, mas seus textos podem se
caracterizar por ter muitos detalhes desconexos e ideias repetitivas (ASSUMPÇÃO JR, 1997).
Dias (2005) realizou uma pesquisa sobre o processamento auditivo das crianças com
SA, que contribuiu para uma compreensão da relação entre cérebro e comportamento. Segundo
seus estudos, há indicativos que elas apresentam alterações no desenvolvimento cerebral que
comprometem as conexões neurais entre as diferentes regiões do cérebro e com manifestações
distintas em cada hemisfério cerebral, afetando as áreas corticais pertinentes à linguagem,
explicando as dificuldades nas expressões com duplo sentido; problemas com os fonemas /l/ e
/r/, /s/ e /ch/; alterações de grafia e falha de percepção espacial na escrita
(MOMENSOHNSANTOS; BRANCO-BARREIRO, 2005).
As crianças com a Síndrome de Asperger geralmente aprendem a ler muito cedo
(ASSUMPÇÃO JR, 1997), porém, escrevem com movimentos lentos e desajeitados, devido as
dificuldades relacionadas as habilidades da motricidade fina e relações espaciais. Eles têm
dificuldade para desenvolver um enredo de assuntos abstratos, eles se saem melhor escrevendo
passo a passo de um processo. Muitas vezes, as resistências, birras e estereotipias exibidas por
essas crianças, podem se originar da incompreensão da atividade ou por ter que escrever sobre
um assunto que não é do seu campo de interesse, o que causa muita ansiedade.
Levando em consideração que os alunos com a Síndrome de Asperger tem dificuldades
em expressar seus pensamentos de forma coerente nos seus textos e também por apresentar
dificuldades em ler as entrelinhas e compreender conceitos, o professor precisa pesquisar
estratégias de ensino que possam apoiar no resultado favorável da aprendizagem, que segundo
a Psicologia Histórico-Cultural, com intervenções adequadas, é possível.
A inclusão da criança com a S.A é um fato nas escolas do ensino comum. Para que haja
a efetivação dessa inclusão, é necessário um planejamento pedagógico que considera as
necessidades de cada criança. Também a parceria dos pais da criança, escola e o auxílio de
profissionais especializados é fundamental.
Portanto, acreditamos que a prática pedagógica no sistema comum de ensino, deve
refletir um posicionamento de acolhimento perante um aluno com a Síndrome de Asperger
motivando o senso crítico nas produções textuais, onde o professor e aluno dialogam, sendo o
texto uma possibilidade de encontro entre eles e as práticas discursivas e sempre tencionando
para superação das dificuldades, cabendo ao professor a função de mediador.
Conclusão
Esta pesquisa analisou, brevemente, as características dos alunos com Síndrome de
Asperger, as leis que amparam a Educação Especial e a relação desses alunos com a escrita,
considerando os pressupostos da abordagem Histórico-Cultural de Vigotski e concepção de
linguagem de Mikhail Bakhtin.
Com o conceito de que a diversidade humana deve ser acolhida e valorizada em todos
os âmbitos sociais, e com as leis e documentos que amparam a Educação Especial, deu-se
destaque as discussões sobre a inclusão social das pessoas com Necessidades Especiais no
cenário nacional.
Este trabalho não teve como objetivo, finalizar tais ponderações, mas sim, provocar a
reflexão acerca da qualidade do ensino no contexto da Educação Inclusiva. Portanto, é por
meio de estudos sobre esse novo processo educacional, que o educador poderá transformar seu
modo de ensinar, considerando todos os alunos na dinâmica pedagógica e social da educação,
oportunizando o aprendizado de qualidade aos alunos com a Síndrome de Asperger. Assim, o
resultado do trabalho pedagógico da escrita, poderá ter um resultado muito satisfatório.
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