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Reflexões sobre a escrita de alunos com a Síndrome de Asperger Irací Casemiro Weisheimer (PG UNIOESTE) 1 Carmen Teresinha Baumgärtner (UNIOESTE) 2 Resumo: O ensino da escrita no Brasil tem sido tema recorrente em pesquisas acadêmicas. A recorrência do tema se dá, sobretudo, por conta de que, mesmo após muita publicação sobre o assunto, ainda percebem-se muitos desafios por parte dos professores. Considerando que a maior parte das propostas de ensino de Produção Textual fundamenta-se apenas numa perspectiva metalinguística, despreocupadas com a forma em que os textos se configuram e se articulam, o presente estudo, em estágio inicial, visa à proposição de reflexões sobre a escrita de alunos com diagnóstico de Síndrome de Asperger, avaliando as suas singularidades. Visto que a Educação Inclusiva traz muitas ansiedades, queremos por meio de pesquisa bibliográfica, compreender conceitos e características da síndrome, as leis que amparam a Educação Especial e as particularidades da escrita dos alunos com Asperger. As reflexões serão ancoradas nas orientações teóricas da Psicologia Histórico-Cultural, de orientação vigostskyana, e nas reflexões sobre a dialogicidade da linguagem de elaboração bakhtiniana. Palavras-chave: Síndrome de Asperger; Educação Inclusiva; Escrita. Abstract: In Brazil, the subject of writing has become a recurring theme in academic research. The recurrence of this subject, considering the abundance of existing publications, is evidence of the many difficult challenges teachers still encounter. Considering that the majority of the suggestions for writing are based solely on a metalinguistic perspective, without concern for the manner in which the writing is configured and articulated; the current study from the beginning, looks to reflect upon the subject of writing by students with Asperger' syndrome, evaluating their uniqueness. Despite the understanding that the difficulties in the ability of writing in school can occur whether the student has the need for Special Education or not, the objective in this article is to reflect upon the specifics of those students who have Asperger's. Since inclusive education brings about many anxieties, we would like to contribute, an outlined theoretical analysis that considers the notion and details of the syndrome and the writing ability of students who have Asperger's. The cultural-historical psychology theory, the Vygotskian Approach, and linguistic dialogicity anchor the reflections presented. Keywords: Asperger's Syndrome; Inclusive Education; Writing. 1 Graduada em História, Especialista em Educação Especial, Mestranda em Letras, Universidade Estadual do Oeste Paraná, campus Cascavel PR, [email protected] 2 Professora dos Cursos de Letras, do Programa de Metrado/Doutorado em Letras PPGL, e do Programa de Mestrado Profissional em Letras PROFLETRAS. Líder do Grupo de Pesquisas em Linguagem, Discurso e Ensino LIDEN, [email protected]

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Reflexões sobre a escrita de alunos com a Síndrome de Asperger

Irací Casemiro Weisheimer (PG – UNIOESTE)1

Carmen Teresinha Baumgärtner (UNIOESTE)2

Resumo: O ensino da escrita no Brasil tem sido tema recorrente em pesquisas acadêmicas. A

recorrência do tema se dá, sobretudo, por conta de que, mesmo após muita publicação sobre o

assunto, ainda percebem-se muitos desafios por parte dos professores. Considerando que a

maior parte das propostas de ensino de Produção Textual fundamenta-se apenas numa

perspectiva metalinguística, despreocupadas com a forma em que os textos se configuram e se

articulam, o presente estudo, em estágio inicial, visa à proposição de reflexões sobre a escrita

de alunos com diagnóstico de Síndrome de Asperger, avaliando as suas singularidades. Visto

que a Educação Inclusiva traz muitas ansiedades, queremos por meio de pesquisa bibliográfica,

compreender conceitos e características da síndrome, as leis que amparam a Educação Especial

e as particularidades da escrita dos alunos com Asperger. As reflexões serão ancoradas nas

orientações teóricas da Psicologia Histórico-Cultural, de orientação vigostskyana, e nas

reflexões sobre a dialogicidade da linguagem de elaboração bakhtiniana.

Palavras-chave: Síndrome de Asperger; Educação Inclusiva; Escrita.

Abstract: In Brazil, the subject of writing has become a recurring theme in academic research.

The recurrence of this subject, considering the abundance of existing publications, is evidence

of the many difficult challenges teachers still encounter. Considering that the majority of the

suggestions for writing are based solely on a metalinguistic perspective, without concern for

the manner in which the writing is configured and articulated; the current study from the

beginning, looks to reflect upon the subject of writing by students with Asperger' syndrome,

evaluating their uniqueness. Despite the understanding that the difficulties in the ability of

writing in school can occur whether the student has the need for Special Education or not, the

objective in this article is to reflect upon the specifics of those students who have Asperger's.

Since inclusive education brings about many anxieties, we would like to contribute, an outlined

theoretical analysis that considers the notion and details of the syndrome and the writing ability

of students who have Asperger's. The cultural-historical psychology theory, the Vygotskian

Approach, and linguistic dialogicity anchor the reflections presented.

Keywords: Asperger's Syndrome; Inclusive Education; Writing.

1 Graduada em História, Especialista em Educação Especial, Mestranda em Letras, Universidade Estadual do

Oeste Paraná, campus Cascavel – PR, [email protected] 2 Professora dos Cursos de Letras, do Programa de Metrado/Doutorado em Letras – PPGL, e do Programa de

Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS. Líder do Grupo de Pesquisas em Linguagem, Discurso e

Ensino – LIDEN, [email protected]

Introdução

A leitura e a escrita são fatores fundamentais para a inserção do ser humano na

sociedade atual. Contudo, não devem ser definidas como uma simples decodificação de

símbolos, mas sim um meio para ampliar os conhecimentos e sua visão de mundo. As

diferentes manifestações da linguagem verbal como, propagandas, bulas, jornais, e-mails,

bilhetes, atas, e as não-verbais como placas, figuras, gestos, sons, gráficos, e tantas outras, são

partes inseparáveis das relações humanas.

Até décadas atrás, o trabalho em sala de aula valorizava sobretudo os conhecimentos

gramaticais, o ensino dos clássicos literários e a oralidade polida, privilegiando a língua escrita

culta e a língua falada pelas elites (SUASSUNA, 1995). Com novos estudos nos anos de 1980

das ciências linguísticas, novas tentativas de se ensinar a escrita passam a ser exercitadas,

considerando que é no texto que a língua “se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto

de forma, quer enquanto discurso” (GERALDI, 1993, p. 135).

Porém, mesmo diante de significativas mudanças nas teorias linguísticas, ainda

percebemos que o ensino da produção de textos é um grande desafio. Independentemente de a

criança ter ou não Necessidade Educacional Especial, muitas vezes os professores de Língua

Portuguesa não chegam a um resultado satisfatório em relação à produção de textos dos seus

alunos, não sendo esses, sujeitos ativos de seus textos (GERALDI, 1993). E quando se tem

uma criança com a Síndrome de Asperger (SA), a situação pode ser ainda mais desafiadora.

Visto que a Educação Inclusiva traz muitas ansiedades, o trabalho aqui proposto será

de grande valia, pois, mesmo sendo um trabalho inicial, abordaremos sobre as características

da Síndrome de Asperger, a Legislação Educacional para crianças com Necessidades

Educacionais Especiais, e a produção textual dos alunos com SA, questões essas que poderão

contribuir para uma melhor compreensão das crianças com Asperger. Para fundamentar esta

reflexão, as principais orientações teóricas baseiam-se na Psicologia Histórico-Cultural, de

orientação vigotskyana, e no interacionismo linguístico bakhtiniano.

Síndrome de Asperger

Nos diferentes momentos históricos, as pessoas com algum tipo de deficiência, eram

estereotipadas como “anormais” e muitas vezes ficaram à margem social, chegando até ao

extremo de ser abandonadas à morte (BARROCO, 2007). A pessoa que conseguia sobreviver

não desempenhava nenhuma atividade que cooperasse com a família e a sociedade em geral, e

ficava recolhida ou enclausurada num hospício. Com o modo de produção capitalista, houve

avanços na educação para pessoas com deficiência, contudo se restringia basicamente aos

filhos de burgueses (BUENO, 1993). É só no século XVIII que essas pessoas são vistas como

capazes de desempenhar alguma atividade, mas as suas explicações sobre os motivos da

deficiência eram embasadas no misticismo (ARANHA, 2001).

Na década de 1920, com a abordagem Histórico-Cultural, a deficiência já não é mais

vista como um defeito inato que rotula a pessoa como inferior. Diferentemente de todas as

abordagens anteriores, essa privilegia a importância das interações sociais para o

desenvolvimento do indivíduo, sendo a aprendizagem, resultante da relação das crianças com

os adultos e com outras crianças do seu meio social e cultural (VIGOTSKI, 1997).

Com a inclusão da Síndrome de Asperger, dentro do espectro autista, todas as crianças

com Asperger, tem direito a todas as políticas de inclusão, com direito à educação em escolas

regulares comuns, em caso de necessidade, com acompanhamento especializado.

O termo Síndrome de Asperger (SA) foi usado pela primeira vez em 1981, pela doutora

inglesa Lorna Wing, na sua pesquisa sobre o Autismo. A doutora quis homenagear o

pesquisador da síndrome, Hans Asperger. No ano de 1943, Léo Kanner e Hans Asperger foram

os primeiros médicos a estudar as crianças que até aquele momento eram consideradas

“atrasadas”. O doutor Kanner se dedicou a pesquisar o Autismo clássico, e o psiquiatra e

pediatra austríaco Hans Asperger, a forma mais branda do transtorno, a Síndrome de Asperger

(ASSUMPÇÃO, 1997).

Por inúmeras ocasiões, a SA foi confundida com uma Perturbação Obsessiva,

Compulsiva, Depressão e Esquizofrenia. Atualmente se entende a Síndrome de Asperger

pertencente ao Espectro Autista leve (TEA), de acordo com Manual Diagnóstico e Estatístico

de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), ao DSM-V.

O autismo leve (Síndrome de Asperger), diferente do nível severo (Autismo Clássico)

não oferece amplos atrasos no desenvolvimento da fala e nem apresenta comprometimento

cognitivo grave. Geralmente a pessoa com SA, tem elevadas habilidades cognitivas em alguma

área específica. O autismo, indiferente do nível, é um distúrbio neurológico caracterizado por

comprometimento da interação social, comunicação verbal e não-verbal e comportamento

restrito e repetitivo, sendo uma divisão muito recente na exposição científica. De acordo com

Klin,

Cronicamente frustrados pelos seus repetidos fracassos de envolver outras

pessoas e de estabelecer relações de amizade, alguns indivíduos com SA

desenvolvem sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor que podem

requerer tratamento, incluindo medicação. Eles também podem reagir de

forma inapropriada ou não compreender o valor do contexto da interação

afetiva, geralmente transmitindo um sentido de insensibilidade, formalidade

ou desconsideração pelas expressões emocionais das demais pessoas. Podem

ser capazes de descrever corretamente, de uma forma cognitiva e

frequentemente formalista, as emoções, as intenções esperadas e as

convenções das demais pessoas; no entanto, são incapazes de atuar de acordo

com essas informações de uma forma intuitiva e espontânea, perdendo, dessa

forma, o ritmo da interação. Sua intuição pobre e falta de adaptação

espontânea são acompanhadas por um notável apego às regras formais do

comportamento e às rígidas convenções sociais. Essa apresentação é

responsável, em grande parte, pela impressão de ingenuidade social e rigidez

comportamental, que é tão forçosamente transmitida por esses indivíduos

(KLIN, 2006, p. 09).

Pelo fato das pessoas com SA ter prejuízos no que, culturalmente se considera trivial

nas relações interpessoais, há um desafio particular ao sistema educacional. A falha no

entendimento das regras do convívio social, e a obsessão por um determinado campo de

interesse, podem ser exaustivos na rotina do professor. O aluno com SA pode apresentar

desatenção, alteração no humor, depressão, e angústia. Segundo Piauilino (2008), uma pessoa

com a Síndrome de Asperger apresenta:

Dificuldade de fazer amigos; Dificuldade em perceber ou comunicar-se

através de pistas não verbais, como expressões faciais; Não compreendem

que os outros têm sentimentos diferentes dos seus interesses obsessivos por

algum assunto, como linhas dos ônibus ou trens; “Desajeitamento” motor;

Inflexível quanto à mudança de rotinas, especialmente quando são

inesperadas; Melodia da fala é mecânica, quase robótica (PIAUILINO 2008

p.92).

Os alunos com SA são vistos como excêntricos, pelos colegas, e muitas vezes, são

vítimas de discriminação, necessitando a mediação do professor, nos conflitos que ocorrem na

sala de aula, o que pode deixá-los deprimidos. Os estudos da Síndrome apontam que ela ocorre

mais no sexo masculino, sendo a etiologia ainda desconhecida. Segundo as literaturas da área,

é fundamental que a família da criança com Asperger procure um tratamento de qualidade.

Com psicólogos preparados, a criança pode participar de terapia multidisciplinar, também a

linguagem corporal pode ser ensinada, evitando o isolamento e a depressão. Além da família,

é muito importante o papel dos professores, pois são eles os responsáveis por trazer os recursos

e estratégias para promover o aprendizado de todas as crianças. O acolhimento dos alunos

especiais nas aulas depende também, de uma política inclusiva que incite toda a comunidade

escolar.

Na abordagem Histórico-Cultural, o desenvolvimento é percebido como a internalização

dos modos de pensar e agir de uma dada cultura. Se a criança for submetida ao processo

educacional de qualidade, com mediações específicas para cada aluno, ele poderá aprender e se

desenvolver. Vygostky diz que “A criança cujo desenvolvimento se há complicado por um

defeito, não é simplesmente menos desenvolvido que seus coetáneos normais, é uma criança

desenvolvida de uma outra forma” (VYGOSTKY, 1989, p. 3). Assim, os mecanismos de

desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem. As relações sociais, o

aprendizado da escrita, bem como outros aprendizados, fornece a base para o desenvolvimento

de processos internos altamente complexos no pensamento da criança.

Sendo assim, acreditamos que dependendo das condições sociais, culturais e dos modos

como as relações sociais cotidianas se organizam, as crianças com a Síndrome de Asperger

podem ter um satisfatório desenvolvimento. Portanto, quanto mais precoce for diagnosticada a

Síndrome e a família encaminhar a criança no serviço especializado de apoio, maiores serão as

perspectivas de resultados positivos na aprendizagem do aluno com a SA.

Documentos oficiais que amparam a educação especial

Durante muito tempo, a compreensão sobre o melhor modo de trabalhar com os alunos

com alguma deficiência ou com características fora do padrão convencional de ensino, era a

forma paralela à educação comum. Com o avanço de estudos no campo da educação, e com a

promulgação de leis específicas para as pessoas com deficiência, houve a necessidade de

reestruturar as escolas de ensino regular comum, para atender a todos os alunos.

O desenvolvimento dos serviços de educação especial teve, num primeiro momento,

um caráter assistencial, objetivando apenas ao bem-estar da pessoa com deficiência.

Posteriormente, os serviços levaram em consideração os aspectos clínicos, até chegar à

proposta de inclusão integral nas salas de aula do ensino regular, das crianças com

Necessidades Educacionais Especiais.

Com a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

(1990) e a Declaração de Salamanca (1994), a educação com atendimento especializado passa

a ser meta no âmbito nacional. A Constituição Federal garante “promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”

(art.3º, inciso IV). O artigo 205, afirma que a educação é um direito de todos, e garante o pleno

desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu

artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”

como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento

educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).

Com as reflexões sobre o direito à igualdade para as pessoas com deficiência, houve a

necessidade de uma legislação que orientasse a estrutura e funcionamento da educação no

Brasil. Foram elaboradas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB’s). De

acordo com o Ministério da Educação - MEC (BRASIL, 2006), o atendimento aos alunos com

Asperger deve ser feito em salas multifuncionais, no período contraturno, com atividades

direcionadas a necessidade de cada criança. Se a equipe pedagógica especializada concluir que

é necessário, a criança com Asperger poderá ter um professor de apoio na classe comum, e se

utilizar de serviços da Rede de Apoio em instituições especializadas.

O currículo escolar é um instrumento fundamental para escolas estaduais, municipais e

particulares, pois as orientam como organizar, articular, desenvolver e avaliar as suas propostas

pedagógicas. O município de Cascavel-PR tem um currículo de ensino específico à sua rede

de educação. Ainda que a iniciativa de fazer um currículo próprio tenha partido da Secretaria

Municipal de Educação, também teve a participação dos próprios professores, das equipes da

Secretaria Municipal de Educação - SEMED e pesquisadores da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná - UNIOESTE. Como consta no próprio documento,

A elaboração de um Currículo para a Rede Pública Municipal de Ensino de

Cascavel se justifica pela necessidade de sistematizar um arcabouço teórico-

metodológico que confira a direção e a consequente apropriação dos métodos

deste conhecimento, uma vez que “se não temos suficiente clareza, segurança

acerca dos fundamentos teóricos que nos orientam; se não paramos para

refletir sobre eles, corremos o risco de agir contrariamente aos nossos

objetivos (SED/ MS, 2000, p.12). (CASCAVEL, 2008, p. 9).

Na rede pública municipal de ensino de Cascavel-PR, os alunos com Necessidades

Educacionais Especiais, podem receber o Atendimento Educacional Especializado (AEE). O

AEE se destina aos alunos com deficiência física, intelectual, sensorial (visual e surdez), alunos

com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e com altas habilidades. Esses alunos

têm atendimentos nas escolas comuns, Salas de Recursos Multifuncionais, mantidos pela rede

municipal de ensino. A Educação Especial é uma modalidade oferecida preferencialmente no

sistema regular de ensino, com serviços de apoio e uma diferenciação de serviços

especializados, conforme a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996).

Legalmente, as pessoas com deficiência têm garantido o direito à educação na rede

regular comum de ensino. Porém, muitas barreiras permanecem, dificultando a consolidação

da proposta da inclusão escolar, devido à falta de recursos ou suporte pedagógico e o

preconceito decorrente da falta de conhecimento a respeito da Síndrome, o que resulta na

divisão de opiniões sobre a Educação Inclusiva. Desse modo, reflexões sobre a Educação

Especial são demasiadamente importante, pois a inclusão das pessoas com deficiência é uma

realidade atual em todas as escolas de ensino regular comum do país.

Linguagem escrita e a Síndrome de Asperger

Para refletir sobre a linguagem e sujeito utilizamos do referencial teórico fundamentado

nos conceitos sócio-interacionistas do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). Bakhtin

expõe em seus trabalhos, concepções muito importantes sobre a linguagem. Para ele, a

linguagem é um fenômeno histórico e dialogicamente formado a partir das interações entre os

sujeitos, portanto, é uma atividade viva, dinâmica e múltipla. Assim sendo, a prática com textos

desenvolvidos em sala de aula precisa ser compreendida a partir da interação entre o professor

e seus alunos. Bakhtin afirma:

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem

de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro

que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as

transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda

não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas

ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio pelo

qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda

não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica nova e

acabada. A palavra é capaz de registrar as fazes transitórias mais intimas, mais

efêmeras das mudanças sociais (BAKTHIN, 1997, p.41).

A palavra está presente em diferentes situações da vida das pessoas e em distintos

lugares. Assim, a palavra é a ligação entre os interlocutores, uma vez que é na relação dialógica

que mantêm uns com os outros que a interação se concretiza e se reconstrói a cada nova

enunciação. Ainda que a linguagem oral ofereça relações com a escrita em várias ordens, elas

estabelecem caráteres linguísticos distintos de expressão. Vygosky,

Assinala a diferença na natureza do código oral em relação ao código

escrito. Designa como simbolismo de primeira ordem aquele cuja relação

significado/significante é imediato, e chama de simbolismo de segunda

ordem àquele que não detona diretamente um objeto, mas se refere a um

outro símbolo que, por sua vez, é aquele que diretamente representa o

objeto. Ou seja, o simbolismo da segunda ordem, no sentido de que os sinais

gráficos terão de ser, primeiramente, decodificados na sua correspondência

sonora para, em seguida, ser apreendida a compreensão do significado da

palavra lida, posto que os elementos gráficos não guardam relação com o

objeto representado, mas com a forma oral com que este é designado. O

domínio fluente da leitura determina o seu funcionamento no nível imediato,

de primeira ordem, portanto, no sentido de que para o leitor fluente não é

mais necessário reconstruir oralmente a palavra lida como condição para

aprender seu significado. Este é, então, apreendido diretamente da

linguagem visual da escrita, prescindindo de uma reconstrução oral.

(VYGOTSKY, 1975, p. 116).

Segundo Vygotsky, escrever exige dominar um sistema simbólico complexo que

permite um salto qualitativo nos reflexos psíquicos e que possibilita o acesso ao conhecimento

elaborado pertencente à esfera mais complexa da atividade humana. Não há, pois, nessa

perspectiva, um sujeito pronto e acabado. Ao ler e escrever, o aluno precisará considerar as

suas práticas “na história de cada palavra escrita, a história das compreensões do passado e a

construção das compreensões do presente” (GERALDI, 1995, p.10).

Ensinar a escrita apenas no âmbito da gramática já é uma tarefa árdua. Os fatores para

essas dificuldades são variados. Os alunos, quando começam a produzir textos, se deparam

com questões que podem não estar bem resolvidas, como o domínio do código, noção espacial

e consciência fonológica. Eles ficam, muitas vezes, confusos na relação da fala e a escrita e

suas convenções ortográficas. Esse processo não ocorre naturalmente, demanda muito esforço

dos professores nas suas práticas pedagógicas e dos alunos, porque não compõe somente numa

memorização de formas corretas de escrever palavras, mas implica numa metodologia ativa de

aprendizagem.

Desde a década de 1980, as discussões sobre o papel da escola dentro da sociedade,

trouxe novas reflexões sobre as práticas pedagógicas no ensino. A linguagem é percebida como

lugar de interação humana, e que constantemente é modificada pelo sujeito que sobre ela atua.

Assim,

[...] durante um longo período, os estudos e práticas pedagógicas ignoraram

o fato de que os ‘erros’ cometidos pelos aprendizes de escrita/leitura eram, na

verdade, preciosos indícios de um processo em curso de aquisição da

representação escrita da linguagem, registros dos momentos em que a criança

torna evidente a manipulação que faz da própria linguagem, história da

relação que com ela (re)constrói ao começar a escrever/ler (ABAURRE,

FIAD E MAYRINK-SABINSON 1997, p.16-17).

A criança ao iniciar suas produções textuais, começa com escritas espontâneas, o que

pode ser um momento muito importante para o professor notar alguns indicativos de como o

aluno está tomando suas decisões no decorrer do texto. Utilizando as palavras de Abaurre, Fiad

e Mayrink-Sabinson, ao entrar “[...] em contato com a representação escrita da língua que fala,

o sujeito reconstrói a história de sua relação com a linguagem” (ABAURRE, FIAD E

MAYRINK-SABINSON, 1997, p. 22). Assim, é comum perceber os conflitos que os alunos

apresentam com relação à maneira como se tecem os estilos de enunciação oral e escrito do

sistema linguístico.

É fundamental compreender que a produção textual do aluno depende de interações

verbais já vividas. Na sala de aula, os conhecimentos historicamente acumulados discorrem

com experiências cotidianas, necessitando da relação mediada pelo professor para o

aprimoramento do conteúdo dos textos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs orientam os docentes a se utilizarem de

diferentes textos nas suas aulas, para que os alunos compreendam as propriedades discursivas,

se indagando, qual a função que a sua escrita e a do outro, exerce socialmente, como quem

produziu o texto, para quem, por que. Deste modo, o aluno poderá refletir sobre sua própria

linguagem. Entretanto, ainda se percebe a insegurança de alguns professores em trabalhar

textos, além da gramática. Sendo assim “[...] restringir-se, pois a sua gramática é limitar-se a

um de seus componentes apenas. É perder de vista sua totalidade e, portanto, falsear a

compreensão de suas múltiplas determinações” (ANTUNES, 2007, p. 41).

O processo de ensino e aprendizagem que considera a diversidade discursiva, oferece

condições para o domínio acerca dos mais diferentes gêneros presentes na sociedade, sendo os

alunos participantes ativos da sociedade em que estão inseridos, assim

Quanto mais dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos,

tanto mais plena e nitidamente descobrindo nelas a nossa individualidade

(onde é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a

situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais

acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 2003, p. 285).

Mesmo sendo muito importante considerar aspectos gramaticais e normativos da língua,

o que não pode ocorrer é a diminuição do ensino da escrita, apenas a isso. E se ensinar a escrita,

já é uma função trabalhosa, para as crianças que não tem Necessidades Educacionais Especiais,

ensinar as crianças com a Síndrome de Asperger nessa perspectiva, pode ser uma tarefa ainda

mais desafiadora. O aluno com Asperger, muitas vezes resiste realizar atividades que fogem

do seu campo de interesse e da sua rotina, o que pode, por vezes, ser um agravante para a

produção de um texto. Conforme,

Esse apego à rotina pode fazer com que uma simples mudança de itinerário,

uma tentativa de troca de roupas, ou a colocação de um determinado objeto

fora do foco habitual desencadeiem verdadeiras crises catastróficas que

podem resultar em agressões (SCHWARTZMAN, 2003 p.25).

Diante de uma atividade de produção textual, as crianças com SA, podem manifestar

um bloqueio, caso o enunciado necessite da compreensão do sentido figurado da linguagem,

como metáforas e ironias. Podem ter dificuldade em iniciar e terminar um assunto

(CAMARGOS JR, 2001), também apresentam limitações de interesses, querendo apenas

escrever sobre eles. Frequentemente ao realizar seus textos, fogem do tema, caso não seja

atraente. Os alunos com SA têm uma memória formidável, mas seus textos podem se

caracterizar por ter muitos detalhes desconexos e ideias repetitivas (ASSUMPÇÃO JR, 1997).

Dias (2005) realizou uma pesquisa sobre o processamento auditivo das crianças com

SA, que contribuiu para uma compreensão da relação entre cérebro e comportamento. Segundo

seus estudos, há indicativos que elas apresentam alterações no desenvolvimento cerebral que

comprometem as conexões neurais entre as diferentes regiões do cérebro e com manifestações

distintas em cada hemisfério cerebral, afetando as áreas corticais pertinentes à linguagem,

explicando as dificuldades nas expressões com duplo sentido; problemas com os fonemas /l/ e

/r/, /s/ e /ch/; alterações de grafia e falha de percepção espacial na escrita

(MOMENSOHNSANTOS; BRANCO-BARREIRO, 2005).

As crianças com a Síndrome de Asperger geralmente aprendem a ler muito cedo

(ASSUMPÇÃO JR, 1997), porém, escrevem com movimentos lentos e desajeitados, devido as

dificuldades relacionadas as habilidades da motricidade fina e relações espaciais. Eles têm

dificuldade para desenvolver um enredo de assuntos abstratos, eles se saem melhor escrevendo

passo a passo de um processo. Muitas vezes, as resistências, birras e estereotipias exibidas por

essas crianças, podem se originar da incompreensão da atividade ou por ter que escrever sobre

um assunto que não é do seu campo de interesse, o que causa muita ansiedade.

Levando em consideração que os alunos com a Síndrome de Asperger tem dificuldades

em expressar seus pensamentos de forma coerente nos seus textos e também por apresentar

dificuldades em ler as entrelinhas e compreender conceitos, o professor precisa pesquisar

estratégias de ensino que possam apoiar no resultado favorável da aprendizagem, que segundo

a Psicologia Histórico-Cultural, com intervenções adequadas, é possível.

A inclusão da criança com a S.A é um fato nas escolas do ensino comum. Para que haja

a efetivação dessa inclusão, é necessário um planejamento pedagógico que considera as

necessidades de cada criança. Também a parceria dos pais da criança, escola e o auxílio de

profissionais especializados é fundamental.

Portanto, acreditamos que a prática pedagógica no sistema comum de ensino, deve

refletir um posicionamento de acolhimento perante um aluno com a Síndrome de Asperger

motivando o senso crítico nas produções textuais, onde o professor e aluno dialogam, sendo o

texto uma possibilidade de encontro entre eles e as práticas discursivas e sempre tencionando

para superação das dificuldades, cabendo ao professor a função de mediador.

Conclusão

Esta pesquisa analisou, brevemente, as características dos alunos com Síndrome de

Asperger, as leis que amparam a Educação Especial e a relação desses alunos com a escrita,

considerando os pressupostos da abordagem Histórico-Cultural de Vigotski e concepção de

linguagem de Mikhail Bakhtin.

Com o conceito de que a diversidade humana deve ser acolhida e valorizada em todos

os âmbitos sociais, e com as leis e documentos que amparam a Educação Especial, deu-se

destaque as discussões sobre a inclusão social das pessoas com Necessidades Especiais no

cenário nacional.

Este trabalho não teve como objetivo, finalizar tais ponderações, mas sim, provocar a

reflexão acerca da qualidade do ensino no contexto da Educação Inclusiva. Portanto, é por

meio de estudos sobre esse novo processo educacional, que o educador poderá transformar seu

modo de ensinar, considerando todos os alunos na dinâmica pedagógica e social da educação,

oportunizando o aprendizado de qualidade aos alunos com a Síndrome de Asperger. Assim, o

resultado do trabalho pedagógico da escrita, poderá ter um resultado muito satisfatório.

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