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ANDRÉ GUILHERME LEMOS JORGE A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO - 2007

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ANDRÉ GUILHERME LEMOS JORGE

A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

NO INQUÉRITO CIVIL

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO −−−− 2007

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ANDRÉ GUILHERME LEMOS JORGE

A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

NO INQUÉRITO CIVIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito Constitucional), sob orientação do Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO −−−− 2007

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BANCA EXAMINADORA

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“O conflito entre a justiça e a segurança jurídica deve ser resolvido à medida que o direito positivo, assegurado através da regulamentação e do poder, tenha também a preferência, mesmo se for materialmente injusto e inapropriado; a não ser que a contradição da lei positiva com a justiça atinja um grau tão insuportável que a lei como direito incorreto tenha de ceder à justiça”. �

�GUSTAV RADBRUCH

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é algo que sempre pode gerar injustiças, pelo fato de que às vezes um

simples gesto pode significar uma grande realização e, por vezes, nos esquecemos desses

pequenos grandes acontecimentos. Contudo, muitos são aqueles inesquecíveis, como os

proporcionados pelas pessoas que passo a elencar.

A Vladmir Oliveira da Silveira que, por me mostrar os caminhos da pós-graduação,

acabou por me transformar e, me transformando, somente poderia tê-lo como irmão e ícone.

Agradeço pela compreensão e paciência a meu professor e orientador Ricardo Hasson

Sayeg.

Aos professores Paulo de Barros Carvalho, Cláudio Filkenstein, Nelson Luís Pinto,

Marcelo Oliveira Figueiredo, André Ramos Tavares, Willis Santiago Guerra Filho, Jacy

Mendonça, Márcio Cammarosano e Silvio Rocha, que me acompanharam durante o curso de

mestrado.

Aos meus amigos, com quem troquei informações e muito aprendi, Ernani de Paula

Contipelli, Felipe Chiarello Souza Pinto, Thiago Matsushita, Daniel Majzoub, Lauro

Ishikawa, Osmar Paixão Côrtes, Luís Celso Cecílio Ribeiro, Marcus Bastos, Luciana

Piovesan, Rafael Jardim, Daniel Gelcer e Vanessa Toqueiro Ripari.

Aos professores Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Luiz Alberto David Araújo, Lênio

Streck, Luís Edson Fachin, Fernando Facury Scaff, Marcelo Cattoni, Cláudio Bezerra

Brandão, Ricardo Pereira Lira, Antônio Celso Pereira, Vicente de Paulo Barreto, Orides

Mezzaroba, Celso Campilongo, Ingo Sarlet, Luiz Gustavo Grandinetti, Fernando Dantas,

José Francisco Siqueira Neto, Menelick de Carvalho Netto, Heleno Taveira Torres, Luiz

Antônio Rizzatto Nunes, Alexandre Morais da Rosa e Jayme Wanderley Gasparoto, com os

quais convivi no Comitê de Área do Direito, na CAPES, no triênio 2005/2007.

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Aos membros do Conselho Técnico Científico da CAPES, no triênio 2005/2007, com

quem pude assimilar, como membro eleito pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos, o

real sentido da ciência e perceber que, por muito que venha a saber, muito pouco terei

aprendido.

Aos meus pais Wiliam e Maida, ápice pelo exemplo de caridade, base pelo renúncia

em favor da prole.

Aos meus irmãos, Plínio, Murilo, Rossana e Estevão, pela certeza indelével que me

trazem da força da fraternidade.

À Bia, pelo apoio e companhia.

Ao Criador, por me permitir a evolução.

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar que os princípios constitucionais do

contraditório e da ampla defesa devem ser aplicados aos atos que se encadeiam durante o

curso do inquérito civil. Buscou-se em toda a dissertação demonstrar a incongruência presente

na afirmação de que, por ser inquisitorial o processo, inexistiria espaço para a concretização

de diversos aspectos da contrariedade. A partir do estudo da evolução da principiologia, foi

traçado um corte epistemológico, para enfim apresentar o valor e o alcance das normas

erigidas constitucionalmente como direitos fundamentais. Surge o embate entre a segurança

social, representada pela inquisitoriedade pura e, de outro lado, o devido processo legal,

assegurador da liberdade individual. Como decorrência imediata do devido processo legal,

encontram-se o contraditório e a ampla defesa, pelo que a conclusão será que o Estado de

Direito somente atingirá sua plenitude quando se garantir a efetividade plena a todos os

aspectos da defesa. A fim de adentrar em definitivo no instrumento inquisitorial objeto do

trabalho, serão percorridos os caminhos traçados pelos administrativistas, nas inúmeras

tentativas de definir a sucessão de atos e fatos ocorridos no seio da Administração Pública. O

processo administrativo é uma conquista da evolução conceitual, após infindáveis debates,

sobretudo quando delimitamos o exato limite entre as funções do Estado. A instituição do

Ministério Público, nascida para coibir arbitrariedades advindas da concentração de poderes

investigatórios e decisórios nas mãos do soberano, acaba por se inserir no espectro das

atividades estatais. Um de seus instrumentos mais poderosos, o inquérito civil, atribui a cada

membro do parquet, uma gama imensa de poderes investigatórios, fato que, por si só, seria

suficiente para embasar a presença da defesa. A conclusão a que se chega, ao prestigiar a

moderna processualística administrativa e exigir a efetividade dos princípios constitucionais,

alinha-se à busca mundial pela concretização dos direitos humanos.

Palavras-chave: Princípios constitucionais, Direitos fundamentais, Contraditório, Ampla

defesa, Processo administrativo, Inquérito civil, Ministério Público.

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ABSTRACT

The objective of the following essay is to demonstrate how the constitutional principles of the

rights to contest and of legal defense should be applied to the acts within the public

prosecution. This kind of process is based in inquiring examination, which requires secrecy.

To support the adversary practice here would, therefore, be an incongruent statement. After

studying the evolution of the study of legal principles, we traced an epistemological division,

to present the value and the reach of the laws constitutionally originated as fundamental

rights. Now, appears the conflict between national security, represented by the secret

investigation, against the due process of law, guarantied as an individual liberty. As an

immediate consequence of the due process of law, we find the right to contest and the right of

legal defense, concluding that the State of Law will only achieve its plenitude when all

aspects of legitimate defense become effectively guarantied. Intending to penetrate

profoundly within the inquisition instrument, centered as object of this essay; we drove

through the roads traced by experts in Public Law, in innumerous attempts to define the series

of acts and facts bonded in the heart of the Public Administration. The administrative process

is a conquest of conceptual revolution, aroused after many debates, mainly when we

determined the exact limits between the State functions. The Public District Attorney Office,

once born to cohibit arbitrary acts, originated from the concentration of inquisitor and

decision making powers in the hands of the sovereign one, now tends to insert itself in this

power concentrating position. One of its most powerful instruments, the public prosecution,

attributes to each member of the D.A. Office a compound of immense investigatory powers, a

fact that per se, is enough to embrace the present theory. The conclusion arrived, giving

prestige to modern public process policies and demanding the effectiveness of constitutional

principles, lines itself in a parallel position to the world search for the materialization of

human rights.

Key Words: Constitutional Principles, Fundamental Rights, Adversary, Contest, Legal

Defense, Public process, Public Prosecution, District Attorney Office.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................11

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .............................................................................15

1.1. Princípios constitucionais ...........................................................................................15

1.2. Princípios gerais de direito .........................................................................................17

1.3. Princípios e regras ......................................................................................................19

1.4. Colisão entre princípios ..............................................................................................25

2 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ...............................33

2.1. Direito de defesa.........................................................................................................33

2.2. Princípios constitucionais e processo .........................................................................35

2.3. Princípio do contraditório...........................................................................................37

2.4. Princípio da ampla defesa...........................................................................................41

2.5. Distinções entre contraditório e ampla defesa............................................................42

3 PROCESSO E PROCEDIMENTO ................................................................................44

3.1. Notícia histórica..........................................................................................................44

3.2. Processualidade ..........................................................................................................46

3.3. Processo e procedimento administrativo ....................................................................49

4 INQUÉRITO CIVIL.......................................................................................................55

4.1. Evolução dos interesses ..............................................................................................55

4.2. Definição e natureza jurídica......................................................................................59

4.3. Competência ...............................................................................................................63

4.4. Instauração..................................................................................................................65

4.5. Poderes investigativos ................................................................................................68

4.6. Decisão e seus efeitos .................................................................................................71

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5 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL....................................................................76

5.1. Inquérito civil e processo administrativo....................................................................76

5.2. Contraditório no inquérito civil ..................................................................................77

5.3. Ampla defesa e inquérito civil....................................................................................87

5.4. Das provas obtidas por meios ilícitos........................................................................ 96

5.5. Inquérito civil, garantias fundamentais e estado de direito ........................................89 CONCLUSÃO...................................................................................................................96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................100

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordada a aplicação dos princípios constitucionais do

contraditório e da ampla defesa ao inquérito civil. Procuraremos extrair da Constituição

Federal normas de processo aptas a tutelar os jurisdicionados frente à conduta de quem age

em nome do Poder Público ou de quem, ao agir, interfere numa esfera demarcada pelos

direitos consagrados constitucionalmente como fundamentais.

O processo de tutela de direitos fundamentais deve ser desenvolvido como um

processo de natureza constitucional, da mesma forma como as ações previstas em nosso

ordenamento jurídico para garantir esses direitos que são constitucionais.

A efetividade dos princípios constitucionais será, portanto, tema central do trabalho,

razão pela qual o contraditório e a ampla defesa serão tratados como direitos fundamentais

concretos.

Antes, porém, de se tentar fixar quaisquer conclusões, é de fundamental importância

traçar a natureza jurídica do instituto inquisitorial introduzido em nosso ordenamento jurídico

pela Lei nº 7.347/85, em análise paralela com a atuação da instituição do Ministério Público,

responsável pela condução da investigação.

As manifestações por vezes noticiadas pela imprensa, a rememorar o regime fascista,

perpetradas por quem tem o dever legal de conduzir as investigações com isonomia, sem

perseguições ou favorecimentos, fazem com que o inquérito civil se converta em meio apto a

condenar sem processo, em detrimento do devido processo legal e da presunção da inocência.

Isto sem falar da famigerada figura do procedimento preparatório ao inquérito civil que, como

filhote da inconstitucionalidade, somente pode fazer grassar a insegurança social e a

arbitrariedade, sobretudo quando associada à publicidade irresponsável.

O direito de não ser condenado sem processo, ao mesmo tempo, exige a cautela

obrigatória que deve nortear a atuação dos que, por delegação do povo, recebem o feixe de

poderes exercitáveis sempre em benefício do gênero humano, de quem o povo é mera

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manifestação espacial e temporal. O humanismo será também pano de fundo para o presente

trabalho, para subsidiar a hipótese levantada da atuação desmedida de parte dos poderes

constituídos, bem como dos elevados a esta condição de “Poder”, como o Ministério Público

e a imprensa.

A partir da análise das condutas estatais, como premissas do problema para as quais se

pretende encontrar soluções, deduz-se que a divulgação antes da instauração, o falar fora dos

autos, o pré-julgamento, a exposição das diligências à mídia, a forja de provas, as buscas

genéricas, são exemplos da cultura da vingança assente no direito estatal do inimigo, que a

cada dia impõe mais obstáculos ao exercício do direito de defesa.

Assim, o primeiro capítulo analisará os princípios constitucionais, sua importância e

conceituação. Logo em seguida, serão cotejados os princípios constitucionais, amplamente

decantados pela pós-graduação pátria com o que a doutrina chama de princípios gerais de

direito.

A diferenciação entre princípios e regras é tema recorrente em qualquer pesquisa que

se pretenda completa sobre a matéria, de modo que não se pode deixar de enfrentá-lo.

Ademais, no diapasão da busca de efetividade que se tem hoje, em todo o globo, dos

princípios que albergam valores fundamentais, faz-se mister observar como se dá a solução de

eventuais conflitos entre princípios. A técnica da ponderação, com base no princípio da

proporcionalidade, será proposta como método de solução.

No capítulo 2, será enfocada a seara do direito de defesa, central na pesquisa que ora

se pretende encaminhar. A necessidade de se garantir ao cidadão os meios aptos de defesa,

perante a atuação do Estado, guarda com a efetividade do devido processo legal estreita

relação. As garantias fundamentais processuais serão tratadas como o fio condutor da

conclusão, porquanto o contraditório e a ampla defesa, como vigas da legitimidade da atuação

do Estado de Direito, têm aplicação resguardada pela própria razão de ser. Logo a seguir, pela

oportunidade que se abre a constante e ainda insuperada distinção dos princípios em comento,

serão conceituados o contraditório e a ampla defesa, definindo seus limites e expondo as

razões de discrímen.

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Antes de adentrar no estudo do inquérito civil, é indispensável fazer o

acompanhamento das lições doutrinárias acerca da conceituação de processo e suas

conseqüências jurídicas. Pari passu com a conceituação, traremos a noção de procedimento,

ainda enfocada sob diversas ópticas, por vezes suficientes para simplesmente afastar a

aplicação das garantias constitucionais processuais, com base exclusivamente em rótulos.

Comparativamente, em diversos estudos doutrinários, chega-se a inverter o ponto de partida

de análise, afirmando que o procedimento só será processo quando estiver presente o

contraditório, conferindo deste modo preponderância à rotulagem quanto a ser processo ou

procedimento. A interpretação que aguarda o contraditório chegar antes dependerá de vontade

legislativa – vontade essa que, não raro e perigosamente, pode nunca se fazer presente -, para

só então se classificar como processo ou procedimento.

No capítulo 4, com a devida preocupação com as minúcias e detalhes do procedimento

do inquérito civil, levaremos a termo as características do instituto e suas conseqüências, da

instauração até as conclusões possíveis. Inevitável será comparar o instituto com seu similar

utilizado na esfera penal, justamente pela maturidade que o tratamento deste já atingiu. Serão

expostos os pontos em que o contraditório e a ampla defesa teriam espaço, neste ponto ainda

baseados somente na legislação infraconstitucional. Deveras, os poderes investigativos que

serão tratados guardam intima relação com a teoria das provas, razão pela qual a colheita e a

produção das mesmas merecem atenção redobrada. Para garantir a licitude dos meios de

prova, pelo fato de se atribuir poderes ao investigador, proporemos a concessão da

possibilidade de contrariedade e defesa, em manifestação da paridade de armas ao

investigado.

O enfoque dado ao último capítulo, como arremate da pesquisa, sinaliza na direção da

inserção do inquérito civil no rol dos institutos aos quais a Constituição Federal, notadamente

sua fórmula política, atribui a marca de processo, com a conseqüente aplicação ao mesmo dos

direitos e garantias fundamentais. Procuraremos traçar, portanto, como eixo temático, a

confluência das idéias que norteiam o inquérito civil e o Estado de Direito, com suas garantias

fundamentais. A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa

ao inquérito civil, como corolário do devido processo legal, será proposta como regra, sob

pena de ser tida como ilícita a prova colhida ou formada sem que ditos princípios se façam

presentes. A conseqüência será, portanto, a nulidade dos atos processuais que se fundarem na

prova ilícita, assim qualificada quando obtida apartada da possibilidade do investigado de se

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defender ou contrariar a acusação. “De lege ferenda”, em vista da problemática levantada da

indiferença aos princípios tratados, a sua inserção em cada diploma infraconstitucional,

mesmo que desnecessário por serem já albergados na Constituição Federal, mas como atitude

apta a coibir os desmandos dos arautos da dogmática.

Finalmente, a conclusão retoma, em síntese, os principais aspectos tratados ao longo

da pesquisa nos capítulos anteriores.

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1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

1.1 Princípios constitucionais

A sensível ampliação da utilização dos princípios pela jurisprudência, seja na

interpretação, seja na aplicação do ordenamento jurídico, seria, por si só, fator de análise mais

aprofundada do tema. Ademais, de outro lado, a doutrina tem se debruçado sobre a

principiologia com afinco já há tempos, distinguindo a norma em regras e princípios, como

forma de demonstrar que estes devem albergar os valores fundamentais da sociedade, jamais

arredáveis por disposições contidas naquelas, de hierarquia inferior.

Por outro lado, confinar o estudo do fenômeno jurídico aos termos do direito positivo,

é fazer tábula rasa dos fatos e dos valores. Em outras palavras, estudar o Direito sob seu

aspecto dogmático, equivale a preocupar-se tão somente com o estudo da norma jurídica

positiva. Segundo André Ramos Tavares:

Atualmente a doutrina majoritária reconhece que as Constituições contemporâneas são tributárias de certos valores que albergam em suas normas como diretrizes, comandos ou objetivos a serem alcançados por todo o sistema normativo e pelos operadores do Direito. Ao sublinhar esta ‘nova fase’ do direito constitucional os autores estão especialmente preocupados em que se desmistifique a ‘neutralidade axiológica da Constituição, que vinha sendo apontada pela doutrina (2003, p. 22).

Ocorre que as normas jurídicas estão inseridas dentro de uma estrutura escalonada,

regidas pelo princípio da derivação, pelo qual as normas situadas no ápice do ordenamento

fundam e legitimam as normas de menor hierarquia. No ponto mais alto da escala normativa

estão postos os princípios, denominados “normas supremas do ordenamento” por Paulo

Bonavides, ao lecionar que os mesmos:

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Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem em norma normarum, ou seja, norma das normas (2003, p. 289-290).

Sampaio Dória, enfrentando o que ele mesmo qualificou de tormentosa tarefa, define

os princípios:

Como as bases orgânicas do Estado, aquelas generalidades do direito público que, como naus da civilização, devem sobrenadar às tempestades políticas, e às paixões dos homens. Os princípios constitucionais da União Brasileira são aqueles cânones sem os quais não existiria esta União tal qual é nas suas características essenciais (1926, p. 17-18).

Para Ruy Samuel Espíndola, a idéia de princípio, em sentido lato, ou mesmo sua

conceituação, independentemente de qual seja o campo do saber:

Designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia-mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou subordinam (2002, p. 52).

Cumpre não confundir princípios e valores, consoante Robert Alexy, para quem a

distinção reside na localização, posto que os valores encontram-se no âmbito axiológico,

enquanto os princípios estão no plano deontológico. Os valores são elementos estranhos ao

âmbito normativo, mas nele influenciam diretamente. É com acerto que Ramos Tavares

lembra que:

O Direito não é um fim em si mesmo, servindo apenas na medida em que proporciona as condições desejadas e adequadas para o relacionamento social seguro. Evidentemente que, nessa perspectiva, o Direito há de refletir as aspirações e valores que a sociedade deseja. É nesse momento, pois, que a carga axiológica da sociedade faz-se presente no Direito, especialmente no momento constituinte, ocasião em que os representantes diretos do povo irão marcar as normas fundamentais (2003, p. 23).

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O autor ainda aponta a localização dos valores, quando inseridos na esfera jurídica, ao

afirmar que os mesmos:

Ora se apresentam como autênticas normas, inseridas no próprio Texto Constitucional, ora servem como diretrizes interpretativas – o que significa dizer que as demais normas devem ser interpretadas consoante os valores plasmados nas normas constitucionais (2003, p. 24).

Neste diapasão, o receptáculo natural da idéia de valores dominantes na sociedade é a

Carta Política. Ainda com Ramos Tavares: “Os valores são positivados, em geral, por meio

dos denominados princípios constitucionais. São, pois, os princípios constitucionalmente

adotados que apresentam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico”.1

1.2 Princípios gerais de direito

Insta definir o que seriam os princípios gerais de direito, em especial para distingui-los

dos princípios constitucionais.

Para que este desafio atinja bom termo, faz-se mister breve digressão, na esteira do

pensamento de Paulo Bonavides, acerca da juridicidade dos princípios. O mestre aponta a

existência de três fases distintas, no que concerne aos princípios jurídicos, quais sejam a

jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

Na concepção jusnaturalista, os princípios somente poderiam ser considerados como

algo ditado pela razão. Para os adeptos desta corrente, um princípio deveria ser tomado como

axioma, ou seja, como uma verdade universal irretorquível.

Com a codificação, tomando por exemplo clássico nossa Lei de Introdução ao Código

Civil, os princípios gerais do Direito somente se prestavam a preencher lacunas, apenas sendo

convocados a atuar quando o ordenamento positivo não abrigasse solução, ou a solução

conduzia a um resultado indesejável pelo sistema.

1 ESPÍNDOLA, Conceito de Princípios Constitucionais, p. 24. .

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As Constituições passam a contemplar em suas normas uma carga axiológica definida

e pujante, com o advento da denominada fase pós-positivista, sobretudo após períodos em que

a lei era utilizada para justificar as mais graves atrocidades contra a humanidade. É aí que se

opera uma transmutação dos princípios gerais do direito em princípios constitucionais. Estes

passam a ter força cogente primária, convertem-se, nos dizeres de Paulo Bonavides, no

“pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas

constitucionais”.2

No mesmo sentido, Ramos Tavares3 fala numa fusão da maioria dos princípios gerais

do Direito, presentes nas concepções jusnaturalista e positivista, às Constituições atuais, o que

“fez essa categoria (princípios) sofrer aquela transformação mencionada, que os trouxe à

fase pós-positivista”.

Em sua obra Hermenêutica e Interpretação Constitucional, Celso Bastos conclui que

nas Constituições atuais:

Tem-se assistido a uma crescente assimilação dos princípios gerais do Direito, que passam a ser traduzidos em normas expressas. Aliás, é o corpo onde naturalmente devem encontrar-se insertos. Não obstante isso, esses princípios continuam a pertencer a um patamar mais elevado, merecendo a designação de princípios gerais de Direito. Diz-se ‘mais elevado’ não no sentido de colocá-los acima da própria Constituição, com o que serviriam de limites materiais ao próprio poder constituinte (2002, p. 219).

A partir da fase pós-positivista os princípios constitucionais encontram-se todos em

um idêntico patamar, não se podendo falar em relação de hierarquia. Diferentemente ocorre

com a colisão entre princípios, quando, hic et nunc, um cederá espaço à atuação do outro. Por

estarem de uma vez por todas normatizados, tornam-se o ápice e a base da pirâmide jurídica,

fulminando qualquer provimento estatal que com eles conflitem.

Não obstante, há que se registrar a existência de princípios constitucionais específicos

a determinados setores, como o princípio constitucional do não-confisco ou o princípio da

moralidade administrativa. Continuam, contudo, sendo princípios constitucionais, podendo

2 BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, p. 264. 3 TAVARES, Elementos para uma teoria geral dos princípios na perspectiva constitucional. In: LEITE, George Salomão (Org.), Dos Princípios Constitucionais, p. 30.

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receber, no máximo, o adjetivo “específico” logo após a conjunção; teríamos, destarte,

princípios constitucionais e princípios constitucionais específicos.

1.3 Princípios e regras

Como categoria geral, as normas formam o gênero, do qual regras e princípios são

espécies. Até algum tempo atrás, a teoria dos princípios baseava-se em construção simplista, a

qual tinha como único fator distintivo perante as regras o critério da generalidade. Da simples

leitura da regra, nota-se que sua incidência está restrita a determinadas situações, em virtude

da descrição sempre mais objetiva. Por seu turno, os princípios albergam um grau de

abstração maior, podendo desta forma serem aplicados a diversas situações. Há que se fixar

neste ponto que inexiste hierarquia entre regras constitucionais e princípios constitucionais, à

vista do princípio da unidade da Constituição, embora possam desempenhar funções distintas

dentro do ordenamento.

É nesse sentido que Willis Santiago Guerra Filho traça a distinção entre normas

jurídicas que são regras e normas que contêm princípios:

Normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade (2007, p. 52).

Canotilho propõe critérios para diferenciação dos princípios frente às regras, iniciando

pelo grau de abstração, segundo o qual os princípios possuem um grau de abstração

relativamente elevado, ao passo que as regras têm esse grau relativamente baixo. Como

segundo critério, o mestre lusitano aponta o grau de determinabilidade na aplicação do caso

concreto, que preceitua mediações para que os princípios possam ser aplicados, em

decorrência de seu alto grau de abstração, ao passo que as regras podem ser aplicadas

diretamente. Outro critério de distinção reside justamente no caráter de fundamentalidade no

sistema das fontes do Direito, pelo qual os princípios desempenham papel de primazia no

ordenamento jurídico, decorrente de sua posição hierárquica superior ou por força de sua

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importância estruturante no sistema jurídico. Aponta ainda a proximidade da idéia de Direito,

como traço peculiar aos princípios, que seriam standards juridicamente vinculantes,

decorrentes de exigência da “justiça”, enquanto as regras podem ter um conteúdo meramente

funcional. Por derradeiro, fia-se na natureza normogenética dos princípios, sendo estes

fundamentos das regras, i.e., os princípios são responsáveis pela “geração saudável” das

regras.

Em sentido diferente do apontado por Canotilho, sobretudo em virtude do princípio da

unidade da Constituição, Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso assinalam critérios

diversos. Ditos autores trabalham com o postulado de que princípios e regras desfrutam

igualmente do status de norma jurídica e integram, sem hierarquia, o sistema referencial do

intérprete. Destacam tão-somente três critérios, que para eles afiguram-se suficientes, embora

reconheçam a pertinência de múltiplos outros. Cingem-se, desta forma, ao conteúdo, à

estrutura normativa e às particularidades da aplicação.

Quanto ao conteúdo, os autores marcam uma posição de destaque dos princípios, ao

afirmar que as regras são descritivas de condutas, ao passo que aqueles são:

Normas que identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados. Trazem em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão política. Isonomia, moralidade, eficiência, são valores. Justiça social, desenvolvimento nacional, redução das desigualdades regionais, são fins públicos (BARCELLOS; BARROSO, 2003, p.111).

Já no que concerne ao segundo critério, o da estrutura normativa, atribui-se ao

intérprete dos princípios tarefa mais complexa, porque estes não detalham condutas a serem

seguidas, mas simplesmente fins ou estados ideais. A descrição pela regra delimita os atos a

serem praticados para seu cumprimento adequado, sendo desnecessário um processo de

racionalização mais sofisticado, mesmo que a atividade do intérprete jamais possa ser

qualificada como mecânica.

Finalmente, quanto ao modo ou particularidade de sua aplicação, regras são

proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo-ou-nada (all-or-nothing). Explicam

Barcellos e Barroso que, se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir, de modo

direto e automático, produzindo seus efeitos. Uma regra somente deixará de incidir sobre a

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hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não

estiver em vigor. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção. No que tange

aos princípios, situados em uma ordem pluralista, demais disso eventualmente podem se

contrapor, não se pode falar em tudo-ou-nada. A colisão dos princípios faz, assim, parte da

lógica do sistema, que é dialético. Para suplantar a celeuma envolvida, forçoso atinar para a

dimensão de peso ou importância dos princípios. Em termos práticos, sugerem os autores que,

à vista de elementos concretos, deverá o intérprete:

Fazer escolhas fundamentadas quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação (BARCELLOS; BARROSO, 2003, p.113).

Relatam ainda Barcellos e Barroso que:

Nos últimos anos ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares da moderna Dogmática Constitucional, indispensável para a superação do Positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria (2003, p.108-109).

A tese de separação de Dworkin4 se constitui de duas partes. A primeira parte indica

que as regras são aplicáveis de uma forma tudo-ou-nada (all-or-nothing fashion). Vindo a

ocorrer a hipótese declinada na regra, sendo esta válida, deverão sobrevir as conseqüências

previstas na norma. Se sobrevier conflito de regras, sem que uma estatua exceção para a outra,

uma delas será inválida, sendo despedida do ordenamento jurídico. Os princípios, como já

dito, não seguem o ditame do tudo-ou-nada, de modo a não forçar a imposição das

conseqüências, mas fornecem todos os subsídios para que a solução se opere, após as

mediações realizadas pelo intérprete. Podem colidir princípios, quando então um deles irá se

sobrepor aos demais, mas jamais tratados como exceção.

4 Partindo da idéia original de Dworkin, o autor alemão ALEXY, Robert, Teoria de los Derechos Fundamentales, p.81 e ss.

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Diz-se que os princípios não comportam exceção pela constatação de que apontam

uma direção, que deverá ser apreciada no caso concreto, à luz do peso relativo dos princípios

envolvidos. Assim, não têm a pretensão de regular exaustivamente as hipóteses às quais serão

aplicados. Já a norma, quando não se aplica, e para não ser taxada de inválida, deve trazer

consigo exceção que afaste, no caso concreto, a aplicação que seria ordinária.

A solução ao choque de regras jurídicas quem nos dá é George Salomão Leite e

Glauco Salomão Leite5, para quem “faz-se de império determinar qual delas será válida

através dos critérios de resolução de antinomias, para, depois, proceder à sua aplicação”.

E seguem, para arrematar a releitura do pensamento de Dworkin, com a solução para a

colisão de princípios, para a qual:

O intérprete/aplicador deverá verificar as circunstâncias fáticas presentes no caso concreto para saber qual o princípio deverá ser privilegiado naquele momento. A ponderação por um ou outro princípio só poderá ser feita à luz da situação concreta que reclama uma solução, exigindo do aplicador verdadeiro exercício de sopesamento entre os princípios concorrentes no caso específico (LEITE; LEITE, 2003, p. 153).

Para Robert Alexy, os princípios são normas que impõem que algo seja realizado na

maior medida do possível, respeitadas as possibilidades reais e jurídicas existentes. A partir de

um critério eminentemente qualitativo, vê os princípios, portanto, como mandamentos de

otimização, já que poderiam ser cumpridos em diversos graus, mas que devem obediência ao

substrato fático-jurídico.

A concepção de Alexy acerca das regras também não discrepa em essência do

lecionado por Dworkin. Por esta razão, Paulo Bonavides, pela voz da experiência, lança luzes

sobre a pretensa divergência sustentada pelo próprio Alexy, ao pontificar que:

5 LEITE, George Salomão e LEITE, Glauco Salomão. Dos Princípios Constitucionais. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.152.

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Embora Alexy sustente que sua teoria difere da de Dworkin por considerar os princípios como mandamentos de otimização, crê-se não haver razão para esse traço distintivo. Com efeito, as limitações que encontram os princípios e que restringem sua plena eficácia são as mesmas que orientam e determinam o peso de cada um, na hipótese de colisão. Então, de qualquer modo, a determinação do peso levará em conta as condições do caso concreto, buscando-se a otimização dos princípios envolvidos, restringindo apenas o necessário do que foi preterido (2003, p. 276).

Se ainda alguma dúvida pairar sobre a convergência dos pensamentos de Dworkin e

Alexy acerca da distinção entre regras e princípios, devemos nos socorrer da posição de Alexy

sobre o confronto entre regras. Em linhas gerais, afirma que se surgir este confronto,

evidentemente com conseqüências jurídicas opostas para a situação concreta, de tal sorte que

essa oposição não possa ser eliminada mediante a inserção de uma cláusula de exceção, há de

se conceber como inválida ao menos uma das regras.

Contudo, nem sempre o afastamento de uma regra implica invalidação. É o que

salientam George e Glauco Salomão Leite, lembrando que as regras atuam como

concretizações ou desdobramentos dos princípios. Assim, pode ocorrer que:

Quando uma regra figurar como concreção de um princípio que está em colisão com outro, o princípio afastado também levará consigo as regras que lhe dão desdobramento normativo, sem que isso acarrete a exclusão dessas regras da ordem jurídica (LEITE; LEITE, 2003, p. 154).

Salutar a distinção feita por Sérgio Sérvulo da Cunha,6 entre a eficácia e a efetividade.

Enquanto a eficácia está relacionada à incidência da norma, no seu plano lógico-jurídico, a

aplicação da norma ao caso concreto está relacionada à efetividade. O autor desenvolve essa

idéia em algumas passagens, buscando denominar como eficácia a produção de efeitos pela

norma, mediante a sua incidência. Para ele o conceito de eficácia supõe o de vigor, que é a

capacidade de produzir efeitos.

Ilustrativa a passagem em frente:

6 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 197.

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Ao ouvirmos falar em eficácia, nosso olhar se dirige imediatamente para aqueles resultados, para o plano da realidade social onde queremos que eles produzam. Se assim fizermos, porém, estaremos saltando por cima de outro plano da realidade (o plano lógico, relativo aos conceitos, classes, categorias, relações), sem o qual não é possível a produção daqueles efeitos (CUNHA, 2006, p. 197).

Havendo descumprimento da norma, três alternativas se abrem, quais sejam: a) nada

se faz e a norma restou inefetiva; b) reclama-se que a norma seja aplicada à autoridade

competente; c) reclama-se que a norma seja aplicada, mas é impossível de se fazer produzir os

seus efeitos, sendo por isso imposta uma sanção ao seu descumpridor.

Os efeitos produzidos por uma norma jurídica são diferentes dos efeitos produzidos

por um princípio, sendo que a diferença principal é normalmente o efeito jurídico produzido

pelas normas, encontrado no seu próprio enunciado. Para Sérvulo da Cunha, a eficácia da

norma fica suspensa até a ocorrência do fato concreto nos moldes em que ela mesma projetou.

E, quanto aos princípios, não há que se falar em vigência, somente em sua força.

Significativa conclusão de Sérvulo da Cunha, razão pela qual extraímo-la:

Entre o princípio e os fatos que ocorrem no respectivo âmbito de eficácia situam-se as normas, que estabelecem a mediação entre uns e outros. Em sistemas logicamente consistentes, a interpretação da norma – mediante a qual se transita da eficácia para a efetividade – não pode obliterar o princípio (CUNHA, 2006, p. 200).

Há ainda importantes conceitos sobre os princípios, como aquele que preceitua que

quanto mais numerosas as normas correspondentes a um âmbito de eficácia, mais fácil será

revelar o princípio respectivo e o seu enunciado. Em outras palavras, o âmbito de eficácia de

um princípio geral do Direito é maior do que o âmbito de eficácia de um princípio geral de

algum dos ramos do Direito. É auto-explicativo o trecho que se segue:

Assim como não se sabe se o enunciado de uma norma previu adequadamente todos os fatos sobre os quais deve incidir, ou se deixou de fora algum fato que não chegou a ser previsto, o âmbito de eficácia dificilmente se encontra inteiramente preenchido. Podemos, por isso, formular o conceito de ‘déficit de concretização’ de um princípio, na medida em que deixou de ser encaixada, no seu âmbito de eficácia, alguma norma que ali deveria constar. Quanto menor o déficit de concretização, maior a intensidade da eficácia (CUNHA, 2006, p. 201).

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Ao tratar da intensidade da eficácia, Sérvulo da Cunha aponta duas características do

princípio: a) sua capacidade normogenética; b) possibilidade de ser aplicado “per saltum”, ou

seja, independentemente da mediação de uma norma. O legislador deve atenção ao princípio,

evitando contrariá-lo e editando as normas que o concretizem. Entretanto, salvo determinação

expressa:

Não está obrigado a preencher o campo de eficácia do princípio, desde que tal abstenção não o mobilize nem contrarie: essa tarefa inclui-se na sua discricionariedade. Se há déficit de concretização do princípio, isto é, se faltam normas pertinentes ao seu âmbito de eficácia, é preciso avaliar se ocorre silêncio eloqüente, contenção do legislador diante de uma questão problemática, ou se existe lacuna – caso em que poderá ser “per saltum” a eficácia (CUNHA, 2006, p. 201).

1.4 Colisão entre princípios

Pode ocorrer em determinado caso concreto que mais de um princípio possa ser

aplicado, o que levou a doutrina a erigir soluções para tentar afastar a colisão. Antes de

qualquer digressão, forçoso lembrar que inexiste hierarquia normativa entre princípios, o que

justamente torna a tarefa de optar por um, em detrimento de outro, quando ambos seriam

aplicáveis, algo complexa. A dimensão do peso a que alude Dworkin, tratada acima, sugere

que quando dois princípios colidem, o princípio de peso relativamente maior será aplicado,

sem que com isso invalide o princípio de peso menor.

São temas típicos do Processo Constitucional os princípios gerais do processo

consagrados na Constituição, como contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Vale assinalar serem civis as ações que provocam o exercício da jurisdição

constitucional. Mesmo aquelas que visam tutelar interesses difusos, somente o são por não

serem os titulares individualizáveis, não chegando a se tornarem interesses públicos, de todos

e de cada um da sociedade política.

Sustentam os defensores de um ramo dedicado ao processo constitucional autônomo

que as ações previstas no ordenamento jurídico para garantir direitos fundamentais são ações

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constitucionais, sendo elas próprias garantias constitucionais. Expoente defensor do processo

constitucional, Willis Santiago Guerra Filho, para quem:

Será aquela forma processual própria para a tutela de direitos fundamentais, sendo este o seu objeto, seja imediato, quando for a ordem jurídica subjetiva aquela ameaçada ou violada, seja mediato, quando a necessidade de proteção seja da ordem jurídica constitucional objetiva, cuja violação ameaça igualmente o núcleo essencial desta mesma ordem, em sendo aquela de um Estado democrático de Direito, resultante dos direitos e garantias fundamentais por ela consagrados (2007, p. 12).

De outro lado estão os interesses diversos dos indivíduos, das coletividades que

venham a formar ou mesmo os estatais, os quais pela variedade e extensão não têm como se

resguardar preventiva ou exaustivamente em ordenamento, daí a previsão do processo

constitucional como meio apto a solucionar as situações imprevistas. É o que pode se chamar

de “obra aberta”7 em constante construção e reformulação pelos intérpretes, sobretudo no seio

de um Estado que se pretenda Democrático de Direito a reclamar a permanente conciliação de

valores que somente de forma abstrata de compatibilizam.

A interpretação constitucional não pode olvidar da fórmula política adotada, que serve

como guia e baliza para a concretização dos valores. Na clássica lição de Pablo Lucas Verdú,

“a fórmula política de uma Constituição é a expressão ideológica que organiza a convivência

política em uma estrutura social”.8 Não há como negar que a interpretação constitucional

pressupõe uma teoria dos direitos fundamentais, que para tanto devem ser conceituados para a

delimitação do processo constitucional.

Algo que ainda entre nós merece cuidados, em vista da freqüente confusão semântica,

mesmo entre doutrinadores, reside na distinção entre direitos humanos e direitos

fundamentais. Buscaremos na obra de Guerra Filho seus fundamentos, para que não pairem

dúvidas sobre o tema. Diz o autor que, de um ponto de vista histórico, os direitos

fundamentais são originalmente direitos humanos. Contudo, os direitos fundamentais

adquirem a qualidade de produtor de efeitos no plano jurídico, enquanto manifestações

positivas do direito. Por seu turno, por serem pautas ético-políticas, situados em uma

dimensão suprapositiva, os direitos humanos têm natureza deôntica diversa das normas

jurídicas, especialmente as de Direito interno. Finalizando a questão, deve-se enfocar a 7 Nesse sentido ver: BONAVIDES, Paulo, A Constituição Aberta, 2004. 8 VERDÚ, Lucas, Curso de Derecho Político, p. 532.

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característica dos direitos humanos de terem uma vocação universalista, internacional, ao

contrário dos direitos fundamentais, assentados em ordem jurídica interna.

Outra distinção, agora no seio dos direitos fundamentais, encontra-se no pensamento

do jurista Paulo Bonavides, para quem se dividem em gerações. Willis Santiago Guerra Filho

pontua que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos

fundamentais”, o que, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as

gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. E para concluir o

raciocínio, clareia a importância de sua divergência no sentido de que:

Os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já trás (sic) direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los (2007, p. 43).

Bonavides leciona que a primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas

liberdades públicas, “direitos de liberdade”, que são direitos e garantias dos indivíduos a que

o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente intangível. Com a segunda

geração, surgem direitos sociais a prestações pelo Estado para suprir carências da

coletividade. Englobam os direitos culturais e econômicos, bem como os direitos de

coletividade, germinados por obra da reflexão antiliberal durante o século XX. Já na terceira

geração, concebem-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas

sim o próprio gênero humano. Podem ser caracterizados como direitos de solidariedade, e não

fraternidade como pretendem alguns. A derradeira geração de direitos fundamentais, que

seriam o direito à Democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, decorrem da

globalização política que ora se desenvolve, como forma de garantir a participação dos povos

da periferia nos rumos da sociedade aberta do futuro.

O que importa lembrar é que estão positivados em nosso ordenamento jurídico direitos

humanos que não estão ainda previstos na Carta Constitucional, como consta do § 2°, art. 5°.

Por outro lado, nem todas as disposições desta norma contemplam direitos fundamentais. A

explicação, vinda de Willis Santiago Guerra Filho, parece simples, já que para o autor:

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Deve-se levar em conta a circunstância de que a teoria do direito contemporânea, ao expandir seu objeto de estudo da norma para o ordenamento jurídico, terminou por incluir nele espécie de norma que antes sequer era considerada como tal, o que, por via de conseqüência, acarretou uma ampliação também no conceito de norma até então corrente. E é precisamente nessa ‘nova espécie’ de norma que se irá incluir aquela de direitos fundamentais, bem como, juntamente com elas, outras, dotadas da mesma ‘fundamentalidade’, mas que não conferem direitos, nem configuram qualquer outra situação subjetiva (2007, p. 50).

A distinção já feita entre regras e princípios adquire especial importância nesta altura,

já que a norma que consagra direito fundamental deve ser classificada como principiológica.

Como mandamentos de otimização, que se cumprem na medida das possibilidades oferecidas,

os princípios não seguem o modelo de solução de conflitos adotado para as regras; as colisões

entre aqueles serão solucionadas de forma que o acatamento a um não implique o desrespeito

completo do outro. Relevante para nós é também a solução para um choque entre regra e

princípio, quando este prevalece sempre, conquanto não diretamente sobre a regra, mas sobre

o princípio em que a regra se baseia.

Outra característica dos princípios, albergues das normas de direito fundamental, é

precisamente sua relatividade, que em outras palavras nada mais é do que a constatação de

que um princípio não pode ser acatado em toda e qualquer situação de forma absoluta, sob

pena de infringir, em algum momento, alguma pauta valorativa. Por tal razão, a postulação do

mestre cearense, fincada em bases lógica e axiológica, por um princípio da proporcionalidade,

“para que se possam respeitar normas, como os princípios – e, logo, também as normas de

direitos fundamentais, que possuem o caráter de princípios –, tendentes a colidir”.9

Para solucionar as colisões, importante também construir um sistema normativo,

deduzido do ordenamento jurídico. Kelsen10 erigiu a norma hipotética fundamental como elo

responsável pela validação de toda a cadeia de normas, mesmo não sendo obra resultante de

ato de vontade, mas simplesmente “obra pensada”. Muito embora o mestre vienense tenha

reformulado seu pensamento, torna-se inarredável a tentativa de construir uma pirâmide para

situar nosso ordenamento jurídico.

9 GUERRA FILHO, W.S. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 53. 10 KELSEN, Hans, Teoria geral das normas.

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Para Willis Santiago Guerra Filho11, no topo da pirâmide estaria a decisão política

fundamental, o princípio do Estado Democrático, que pode ser entendido como resultado da

conjunção de duas exigências básicas, “e que podem ser traduzidas no imperativo de respeito

à legalidade, devidamente amparada na legitimidade”. Deste princípio basilar podem-se

extrair outros, em ordem decrescente de importância, como “princípios fundamentais

estruturantes”, “princípios fundamentais gerais”, “princípios constitucionais especiais” e, por

fim, as normas constitucionais tidas como regras.

Como “princípios fundamentais estruturantes” podem ser apontados o “princípio do

Estado de Direito” e o “princípio democrático”, que como já mencionado sustentam a fórmula

política. Canotilho acrescenta a estes o “princípio republicano”, no que Guerra Filho discorda,

para enfim acrescentar o “princípio federativo” como legítimo princípio estruturante.

Da classe dos “princípios fundamentais gerais” devemos pinçar, dentre os enunciados

pela Carta Política no art. 1°, aquele protetor da dignidade da pessoa humana, que manda os

homens, em suas relações interpessoais, não agirem de forma a tratar o outro como objeto.

Por derradeiro, leciona Guerra Filho (2007), que o alvo de nosso estudo, os direitos

fundamentais, “estariam consagrados objetivamente em ‘princípios constitucionais

especiais’, que seriam a ‘densificação’ (CANOTILHO) ou ‘concretização’ (embora ainda em

nível extremamente abstrato) daquele ‘princípio fundamental geral’, de respeito à dignidade

humana”.12 O princípio da proporcionalidade, por sua natureza conciliadora dos direitos

fundamentais, somente pode ser deduzido também da dignidade humana.

A norma de direito fundamental, no atual estágio de desenvolvimento, não pode sofrer

restrições com base no vetusto argumento de ser norma programática. Aliás, tal denominação

somente tem, ainda, razão de ser, naquelas que contêm pautas para a ação estatal. É dizer,

aquelas normas exigentes de uma prestação do Estado, tais como as de direito cultural, podem

ainda ser denominadas de programáticas, embora sua efetividade esteja de todo e por tudo

resguardada. O princípio de interpretação constitucional denominado “princípio da máxima

efetividade” pode bem colorir esta idéia, pois pelo mesmo não se pode admitir normas

11 GUERRA FILHO, W.S., Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 56. 12 Ibidem, p. 58.

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constitucionais como promessas a serem um dia incerto atendidas, nem tampouco exortações

de boa conduta.

A admoestação de Marcelo Lima Guerra nos parece de exatidão inquestionável,

quando, ao tratar da aplicação dos direitos fundamentais, assinala que:

Em toda sua atuação jurisdicional, a atividade hermenêutica do juiz submete-se ao princípio da interpretação conforme a Constituição, no seu duplo sentido de impor que a lei infraconstitucional seja sempre interpretada, em primeiro lugar, tendo em vista a sua compatibilização com a Constituição, e, em segundo lugar, de maneira a adequar os resultados práticos ou concretos da decisão o máximo possível ao que determinam os direitos fundamentais em jogo (1998, p. 52-53).

Ocorre que adequar os resultados concretos da decisão ao que determina o direito

fundamental em jogo significa também, por vezes, afastar a aplicação de outro possível. Tal

aplicação prática é a responsável pela conflituosidade entre princípios, solucionável entre nós

pela aplicação do princípio da proporcionalidade, princípio dos princípios, que ao mesmo

tempo manda respeitar um e desrespeitar ao mínimo o outro.

A forma como o princípio é visto atualmente pode ser desdobrada em três vertentes:

proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. O mesmo que afirmar o

emprego do princípio em tela seria identificar o fim almejado pela disposição constitucional

interpretada, delineando os meios utilizáveis para tanto. Dentre os meios, porque se só existir

um não há conflito, deve-se buscar algum adequado para atingir o resultado. Pode ser que

vários superem esta fase, quando então, dentre todos igualmente eficazes, somente o que

menos agrida os valores constitucionais colidentes no caso concreto. Por último, a

proporcionalidade em sentido estrito preceitua a escolha de meio juridicamente mais

vantajoso, a partir do sopesamento entre as vantagens e desvantagens que trazem para

interesses das pessoas, individual ou coletivamente consideradas. Guerra Filho (2007)13 vê

cair como luva a função da proporcionalidade “pela circunstância de se tratar de um

princípio extremamente formal e, à diferença dos demais, não haver um outro que seja seu

oposto vigorando, em um ordenamento jurídico digno desse nome”.

13 GUERRA FILHO, W.S., Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 97.

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Tal ênfase no tratamento dos problemas jurídicos a partir do sopesamento dos

princípios leva ao inevitável enfraquecimento do legalismo, presente no positivismo

normativista, para o qual as normas do direito positivo se reduziriam às regras. Parte daí a

crítica de Forsthoff, mencionada por Guerra Filho (2007)14, de não admitir valor maior do que

o da segurança, garantida supostamente pela estrita observância da lei, que não poderia se

submeter a controle a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Encerra-se este capítulo com a transcrição integral de trecho daquele que, quando se

fala em princípio da proporcionalidade no Brasil, tem seu nome associado:

O momento atual, porém, se mostra extremamente propício à sua recepção, com a entrada em vigor da nova Constituição, para vir ao encontro dos reclamos da sociedade brasileira por uma ordem sócio-política equânime. A ausência de uma referência explícita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva, pois ao qualificá-lo como “norma fundamental”, nos termos da Teoria Pura kelseneana, se lhe atribui o caráter ubíquo de norma a um só tempo ‘posta’ (positivada) e “pressuposta” (na concepção instauradora da base constitucional sobre a qual repousa o ordenamento jurídico como um todo) (2007, p. 106).

Mesmo que se pudesse imaginar fosse possível elaborar uma lista contando todos os

princípios de um sistema jurídico, não se poderia responder à questão sobre qual é a relação

de primazia entre eles. A lista somente iria fixar algo quando os pesos relativos aos princípios

pudessem ser estabelecidos, mas mesmo que não o fizesse também seria qualificada como

teoria de princípios. Conforme a fixação fosse sem relação de primazia ou então

estabelecendo todas as relações possíveis para cada caso, ele seria tanto mais fraco ou mais

forte, respectivamente.

Dworkin (2002)15 procurou elaborar a mais precisa teoria dos princípios da qual se

tem notícia, a qual deveria conter aqueles princípios e seus pesos relativos, que melhor

justificam os precedentes, as normas estatuídas e as prescrições da Constituição e sobre cuja

base, em cada caso, sempre exatamente uma resposta é correta. A Soundest Theory of Law

(“teoria da lei que soasse mais alto”) peca justamente pelo fato de ser impossível provar em

cada caso a única resposta correta e, mesmo que se faça em inúmeros casos, hora sobrevirá

em que obediência cega a dado valor fulminará outro. Evidentemente que os princípios têm

14 GUERRA FILHO, W.S., Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 92. 15DWORKIN, R., Levando os Direitos a Sério, p.90.

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forte semelhança com os valores, servindo estes de fundamentos para juízos de valor

comparativo, aptos a solucionar a colisão entre aqueles.

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2. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

2.1 Direito de defesa

A idéia de defesa esteve presente nos sistemas jurídicos primitivos, embora sem os

contornos conceituais atuais do contraditório. O processo romano-canônico surgiu como uma

junção de regras costumeiras do direito bárbaro com o direito romano e o direito canônico.

Deu surgimento à idéia de um novo processo em que se pretendia defender o cidadão, pois o

processo era muito mais lento e rígido, com reduzida liberdade de convicção do magistrado.

O direito de defesa existia nos ordenamentos jurídicos destes primitivos povos, sempre

que o litígio fosse entre dois particulares. Quando o Estado litigava com algum particular, não

havia defesa por parte deste, a não ser que o Estado fizesse alguma concessão. Foi com a

revolta dos ingleses em 1215, contra os abusos do Rei “João Sem-Terra”, que foi feita a

Magna Carta, na qual foram positivados vários direitos fundamentais dos cidadãos. Este

documento trouxe o princípio do contraditório que poderia ser invocado contra o soberano,

em seu artigo 39.

Diversos documentos históricos foram promulgados visando proteger a idéia de

defesa, tais como: The Petition of Rights, Habeas Corpus Act e Bill of Rights. Os valores do

devido processo legal aparecem também na Revolução Francesa e na Constituição

Americana, conforme leciona Mendonça Júnior:

A partir do final do século XIX, desenvolve-se o processo como relação de direito público, tendo como escopo a realização da justiça material, atuando com feição instrumental para a consecução dessa finalidade. O contraditório apresenta-se como pilastra para o alcance dos fins processuais na sociedade moderna (2001, p. 32).

E arremata: “Os desdobramentos do due process of law constituem-se em garantia da

legitimidade da jurisdição, propiciando um processo regular, perante juízos imparciais e em

busca de decisões justas”.16

16 MENDONÇA JÚNIOR, D., Princípios da Ampla Defesa e da Efetividade no Processo Civil, p.33.

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Para o mesmo autor, a defesa decorreria “da vinculação do direito de ação, criando

para o réu o poder de pedir ao órgão estatal que desatenda ao pedido do autor, emitindo-se

uma decisão declaratória negativa do direito material postulado”.17 Segue seu raciocínio no

sentido de que a Constituição Federal, ao se referir a litigantes, consigna sua referência ao

processo judicial e ao administrativo; já quando menciona acusados, cuida de todos em geral,

inclusive aqueles acusados nos procedimentos disciplinares das instituições de direito privado,

porquanto algumas destas exercem fortes influências na coletividade, de modo a assumir

interesse público.

Por paridade de armas, busca-se superar uma visão meramente formal de igualdade, a

fim de atingir uma noção de igualdade real, que leve em conta as desigualdades individuais.

Podemos elencar dois pontos essenciais à idéia de igualdade no processo: a) a exigência de

um mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo, só se

admitindo desigualdades em razão de situações pessoais inteiramente justificáveis; b) a

igualdade de armas no processo para as partes.

A necessidade da paridade de armas significaria a possibilidade de ser conferido às

partes tratamento especial para compensar eventuais desigualdades, para suprir o desnível da

parte inferiorizada. Esse tratamento favorável ao réu foi cristalizado na máxima do in dubio

pro reo ou favor rei.

Na Corte Constitucional da Itália, faz-se necessário que à capacidade profissional do

Ministério Público se contraponha semelhante qualificação ao que assista ao imputado. Aqui

no Brasil, também em razão do princípio do contraditório, no processo penal, deve o réu estar

bem defendido, pois se assim não for poderá o juiz declará-lo indefeso, proporcionando-lhe

melhores condições para ser defendido.

17 MENDONÇA JÚNIOR, D., Princípios da Ampla Defesa e da Efetividade no Processo Civil, p. 34.

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2.2 Princípios constitucionais e processo

O sistema inquisitivo baseia-se na busca da verdade plena, buscando raízes na crença

de que quanto maiores os poderes concedidos ao inquisidor, tanto mais condições de

surgimento da verdade. Pode-se afirmar que na fase inquisitorial surge cristalino o embate

entre a segurança social e a liberdade individual, sendo que o primeiro sempre estará em

posição sobranceira, pois ao investigado não se concedem os direitos inerentes à defesa.

Entre nós tal sistema é destinatário de críticas freqüentes, principalmente por alguns

insistirem em classificar o acusado como objeto e não sujeito de direitos, como se autorizado

o arbítrio do julgador. Não se pode negar que aquele que concentra em si as qualidades de

inquisidor e julgador terá mais propensão a julgar favoravelmente à pretensão. Do mesmo

modo, o Ministério Público, no curso do inquérito civil, por ele instaurado e conduzido, terá

mais entusiasmo para encaminhar a peça inicial da ação civil pública, ou ao menos levar o

indiciado a assinar um termo de ajustamento de conduta.

Ironia do destino, a instituição do Ministério Público surge justamente com o intuito

de se suplantar a fase inquisitorial, consoante nos relembra Scarance Fernandes:

A instituição do Ministério Público surgiu na história justamente para que, mediante um processo acusatório, fosse superado o sistema inquisitorial, quando, nas mãos de uma só pessoa, se reuniam as funções de acusar e de julgar. Essa conquista favoreceu o indivíduo e assegurou o contraditório, propiciando ao acusado o direito de contraditar os atos formulados por órgão diverso do que julga. É, assim, necessário existir no processo penal partes em posições opostas, colocadas em condições de contrariarem os atos da parte adversa (2002, p. 63).

A bem da verdade, essa preocupação com as garantias processuais aptas a defender o

cidadão perante o Estado, podem ser resumidas como a efetividade do devido processo legal.

Como bases do due process of law tem a doutrina apontado a plenitude de defesa, o juiz

natural, a publicidade, a motivação das decisões, o duplo grau de jurisdição, o direito à

revisão criminal e ainda a imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado.

Dentro dessas bases podemos identificar os princípios da ampla defesa e do contraditório,

embora a doutrina não tenha ainda – nem sabemos se um dia o fará – definido claramente os

contornos de ambos.

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De qualquer maneira, inequívoca sinalização no sentido de que o devido processo

legal por vezes se confunde com o próprio Estado de Direito. A aglutinação destes conceitos

vem bem definida por Rovégno, para quem:

Atualmente, as idéias de Estado Democrático de Direito, devido processo legal, processo acusatório e contraditório caminham unidas, interpenetram-se e revigoram-se mutuamente, constituindo um notável patrimônio humanístico da sociedade contemporânea (2005, p. 247).

A norma que concede direito fundamental deve ser compreendida como princípio,

cujo recuo em determinados casos somente então é admissível quando um princípio em

sentido contrário o justifica. O legislador é, dessa forma, vinculado ao princípio de direito

fundamental.

Princípios são mais que pontos de vista não-vinculativos, dos quais o juiz pode se

servir à vontade. Inexiste motivo para contar algo no sistema jurídico que em nenhum sentido

vincula juridicamente. Delosmar Mendonça Júnior lembra que o processualista moderno

adquiriu a consciência de que:

Como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade. A Constituição é vista como raiz processual, e o processo como instrumento político e ético que reflete, em cada momento histórico, o perfil ideológico do Estado, positivado em princípios e regras (2001, p. 46-47).

Falando sobre a importância da previsão do contraditório como princípio pétreo, o

autor aduz que:

Conjunturas sócio-políticas podem levar ao entendimento limitado, no sentido de que o contraditório seria a mera ciência do processo e audição da parte, sem possibilidade de ampla participação, não apenas na formação da prova, mas também em todos os argumentos jurídicos destinados a formar a convicção do juiz. Então, a Constituição “qualificou” a defesa e, conseqüentemente, o seu instrumento (contraditório) (MENDONÇA JÚNIOR, 2001, p. 56).

Pela profundidade com que se pretende tratar dos princípios do contraditório e da

ampla defesa, é inevitável fixar alguns conceitos.

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2.3 Princípio do contraditório

É Leonardo Greco (1996) quem nos traz a notícia da gênese do contraditório, ao

lecionar que:

A audiência bilateral tem origem na Antiguidade grega, mecionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca (Picardi), chegando ao Direito comum como um princípio de Direito natural inerente a qualquer processo judicial, consistente no princípio segundo o qual o juiz somente está apto a decidir o pedido do autor depois de notificá-lo ao réu e de dar a este a oportunidade de se manifestar (1996, p. 154).

E continua o mestre:

John de Salisbury, no século XII, no seu Policrático, ressaltava a importância da teoria do processo como elemento fundamental de união entre a Filosofia política, impregnada de ética, e a concepção da dialética como ars opponendi et respondendi (Giuliani). E, assim, o contraditório deixou de impor apenas a ciência inicial do réu ao pedido do autor e a sua resposta a esse pedido, para tornar-se um método contínuo preparatório de todas as decisões adotadas no processo (GRECO, 1996, p. 154).

Pela importância que outro registro do artigo nos trará em nossas conclusões, pedimos

licença para transcrever trecho do mesmo:

A regra da igualdade se fragilizou a partir do século XVI, com o absolutismo monárquico, porque o processo passou a ser regulado pelo príncipe, o que reduziu o contraditório ao direito de ser ouvido, à audiência bilateral (Oliveira)”. “O positivismo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, por sua vez, se encarregou de esvaziar a função axiológica da audiência bilateral e do próprio contraditório, desclassificando-o como princípio imanente do processo judicial e sobrevivendo circunstancialmente como regra técnica característica de alguns procedimentos, mas não de outros (GRECO, 1996, p. 155).

Sabemos que, sob o regime de Hitler, o contraditório sofreu forte oposição, tendo

inclusive sua eliminação sido proposta. Somente no pós-guerra é que podemos notar a

retomada de forças do contraditório como princípio, sobretudo pela proteção à dignidade

humana. Como não poderia deixar de ser, nossa Constituição, na esteira das Cartas de Direitos

Fundamentais, adotou o contraditório como garantia fundamental, ou como prefere o

Professor Greco:

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Garantia da eficácia concreta dos direitos fundamentais, característica não só do processo judicial, mas também do processo administrativo, conferindo uma dimensão jamais alcançada ao princípio político da participação democrática, já que, sem ele, esses direitos não passam de vazias proclamações (1996, p. 155).

Outro ponto em que nos parece aguda a percepção do professor da Faculdade de

Direito Campos de Goytacazes, Greco (1996), é quando afirma peremptoriamente que “o

direito de influir por todos os meios idôneos nas decisões judiciais que possam atingir a sua

esfera de interesses não depende de regulamentação por lei infraconstitucional”.18

Corrobora com tal assertiva a idéia que visa proteger a aplicação ampla e irrestrita do

contraditório a quaisquer procedimentos que tenham o condão de limitar a liberdade, o

patrimônio ou mesmo um simples interesse do cidadão, simplesmente por se tratar o

contraditório de expressão do princípio político da participação democrática.

Traz ainda a mais moderna interpretação do conteúdo e alcance do princípio, somente

possível àqueles que se libertaram das amarras da legalidade, para buscar na legitimidade o

fundamento do Estado de Direito. Deveras, o princípio em comento, mormente o aspecto de

influir na prestação jurisdicional “é uma garantia da qual não pode ser privado qualquer

cidadão, como exigência de participação eficaz, haja ou não litígio, haja ou não cognição

exaustiva, haja jurisdição provocada ou de ofício, seja qual for o procedimento (Trocker)”.19

Devemos, pois, diminuir a importância da regência da matéria de fato, seja pelo

princípio dispositivo ou pelo inquisitório, além do que o contraditório não pode sofrer

limitações impostas pelo legislador ordinário, sob pena de comprometer sua eficácia.

É por tais razões que o contraditório não pode se distanciar do inquérito policial, como

não pode também se afastar do inquérito civil, como se verá por mais razões. O descarte de

provas inadiáveis, como exames cadavéricos ou de corpo de delito, faz-se de rigor se aptas a

constituir fundamentos essenciais de uma condenação, justamente por não atendido a contento

o princípio do contraditório.

18 GRECO FILHO, V. Direito processual civil brasileiro, p. 156. 19 Ibidem, p. 158.

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Nosso vetor bem poderia ter sido, no início das pesquisas, breve passagem do final do

artigo do professor Greco, nos seguintes termos:

No momento em que a crise da Justiça, assolada pela explosão de demandas, exige soluções corajosas, a afirmação das exigências de um processo de qualidade, impregnado de humanismo, deve ecoar como um alerta de que os cidadãos esperam aquilo do Judiciário não são somente decisões rápidas, mas especialmente decisões justas (1996, p. 158).

Com Canuto Mendes de Almeida (1973)20, “o contraditório é, pois, em resumo,

ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. O atuar das

partes, muito embora de maneira egoística, porquanto somente apresentará argumentos que

lhe são favoráveis, faz da decisão um convencimento aperfeiçoado. O aspecto moral da

decisão não foi esquecido por Cândido Rangel Dinarmarco, para quem a segurança e a

conseqüente austeridade da Justiça são valores inalienáveis. Nas suas palavras:

Para aumentar a segurança e, com isso, a austeridade da Justiça, possibilitando decisões e soluções mais justas e adequadas ao direito material é que está aí a garantia do contraditório como instrumento de que se vale o Legislador para evitar os riscos de medidas que não estejam de acordo com os juízos axiológicos da própria sociedade (1987, p. 100).

As prerrogativas conferidas pelo princípio do contraditório variam conforme o teor da

matéria tratada pela doutrina, mas acompanhamos o pensamento do professor Vicente Greco

Filho, que enumera as seguintes:

Poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção de provas, fazendo, no caso das testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos do processo aos quais deve estar presente; recorrer quando inconformado (1996, p.58).

Sob outro prisma Delosmar Mendonça Júnior traça observações do contraditório

relacionado ao princípio da igualdade:

20 ALMEIDA, J.C.M. de, Princípios Fundamentais do Processo Penal, p. 82.

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Se todos são iguais perante a lei, e, na lei, a prerrogativa de mostrar fundamentos fáticos e jurídicos para a obtenção de tutela jurisdicional favorável deve corresponder a igual oportunidade e prerrogativa de demonstrar a inviabilidade da pretensão material. Nos processos penal e administrativo não se pode falar em igualdade de indivíduos; todavia, em virtude da autolimitação do poder estatal deve haver a igualdade de “partes dentro do processo”, ou seja, a paridade de posições, em face da dialética do processo (2001, p. 38-41).

A norma emerge como consectário da igualdade, de modo que ambas as partes da lide

possam desfrutar na relação processual, de iguais faculdades e devam se sujeitar a iguais ônus

e deveres.

O contraditório é composto por três elementos essenciais: a) informação, por meio do

qual sem conhecimento da existência da demanda não há possibilidade de defesa de direitos,

além de que sem ciência da atitude de uma parte a outra não pode participar; b) participação,

de modo a garantir o contínuo acompanhamento das atividades processuais, ensejando

manifestações de colaboração com a descoberta da verdade e do direito e também reação,

confrontação, contraposição e contrariedade aos atos desfavoráveis; c) paridade que em toda

matéria que diga respeito à defesa judicial de direitos no processo está afeta ao princípio do

contraditório.

Imprescindível cuidarmos do contraditório diferido, mormente no que concerne às

perícias. Por vezes, os vestígios não subsistirão até o desfecho da investigação, nem tampouco

até a fase instrutória do processo, de modo que as perícias devem ser feitas imediatamente.

Por esta razão, e por outras, como desconhecimento dos autores do fato ilícito, o contraditório

pode ser diferido. Novamente vamos nos socorrer dos ensinamentos de Greco Filho:

A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das Partes, como há atos privativos do juiz, sem a Participação as Partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática antes da decisão. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita (1996, p. 47).

Scarance Fernandes, falando sobre a necessidade do contraditório diferido nos casos

em que há necessidade da realização de perícia técnica urgente, que não pode ser postergada

para momento posterior, faz as seguintes observações:

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As perícias são realizadas também sem a participação do investigado ou de seu advogado. A observância do contraditório, nesses casos, é feita depois, dando-se oportunidade ao suspeito ou réu de contestar a providência cautelar, ou de combater, no processo, a prova pericial realizada no inquérito. Fala-se em contraditório diferido ou postergado (2002, p. 60).

Fundamental lembrar que a noção de contraditório, tradicionalmente, está associada ao

processo jurisdicional. Somente com a mudança da concepção segundo a qual o estado era

soberano e o administrado súdito, passa-se a admitir o contraditório na esfera administrativa.

A resistência ao uso do nome “partes” na relação processual administrativa pode ser

reflexo da “não aceitação teórica da idéia de confronto de argumentos, pontos de vista,

interpretações, nessa esfera, dada a posição de supremacia da autoridade administrativa; ou

talvez para bem distingui-la do processo judicial”.21

2.4 Princípio da ampla defesa

Por ampla defesa deve-se entender, na esteira do ensinamento do Professor Celso

Ribeiro Bastos (2001)22, “o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe

possibilitem trazer para o processo todos os elementos atinentes a esclarecer a verdade”.

Como no contraditório, a ampla defesa carrega em si prerrogativas, que vão desde a

defesa pessoal e a defesa técnica, passando pela acusação clara e precisa, a concessão de

tempo e meios adequados para preparação da defesa, até o direito de não ser obrigado a depor

contra si. Além destas, a doutrina costuma apontar outras que acabam por confundir-se com

aquelas apresentadas como prerrogativas do contraditório, razão pela qual evitaremos repeti-

las.

Mendonça Júnior ao tratar do grau de eficácia do princípio constitucional da ampla

defesa, assevera que por se tratar de:

21 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 98. 22 BASTOS, C. R.; MARTINS, I. G. S., Comentários à Constituição do Brasil, p. 285.

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Princípio de aplicação direta, tem eficácia independente de regra legislativa de conformação, aplicando-se imediatamente ao caso concreto, na inexistência de lei (regra) especificando a hipótese. Havendo a regra, servirá como baliza interpretativa (função ordenadora). Se a regra contrariar a configuração mínima do princípio da ampla defesa, será inconstitucional (2001, p. 25).

Novamente serão utilizadas as lições de Odete Medauar para lembrar que a incidência

da ampla defesa no processo administrativo “defronta com as clássicas considerações a

respeito da auto-executoriedade das decisões administrativas, da urgência no atendimento do

interesse público, do exercício do poder discricionário, da ordem na Administração,

subjacendo uma idéia de não total compatibilidade”.23

Nesta linha de pensamento, com respaldo no direito de petição, constitucionalmente

previsto, temos que os recursos administrativos, como manifestação da ampla defesa,

encontram-se protegidos.

Incluem-se no rol das prerrogativas o direito de ser notificado do início do processo,

devendo constar no texto a indicação dos fatos e bases legais e o direito de solicitar produção

de provas, de vê-las realizadas e consideradas.

2.5 Distinções entre contraditório e ampla defesa

Relevante sim é tentar distingui-los, sempre com a advertência de que seus contornos,

por vezes tênues e imprecisos, tornam inglória a batalha. Não obstante, mais importante é

sempre lembrar que a matriz de ambos é o devido processo legal, para muitos o principal

componente do Estado Democrático de Direito.

A noção comumente difundida na doutrina, nos alerta Rovégno, “é aquela que coloca

a idéia de ampla defesa como a noção mais abrangente, que conteria a noção de

23 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 115.

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contraditório”.24 Na mesma linha o pensamento de Greco Filho, para quem “o contraditório

pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa”.25

Gil Ferreira de Mesquita aponta dois critérios distintivos entre ampla defesa e

contraditório, quais sejam o critério dos destinatários e o critério do grau de dependência. Para

o referido autor, a ampla defesa destina-se tão-somente ao acusado, enquanto o contraditório é

dirigido a ambas as partes. Isso porque o direito da parte de sustentar suas acusações

decorreria exclusivamente do direito de ação (art. 5°, XXXV), e não do direito de defesa.

Como decorrência do primeiro critério, o grau de dependência determina que sem o

contraditório, exercido pelo autor, não se abre oportunidade para a ampla defesa do réu.

Desta forma, sem o contraditório, exercido pelo autor, não há como o réu reagir,

mediante o exercício da ampla defesa. Preferimos ficar ainda com a comparação do mestre

Celso Bastos, que além de sustentar o maior alcance da ampla defesa, insere o contraditório

dentro dela, conquanto por vezes se confundam.

O que resta a fazer é partir para o desafio precípuo do presente trabalho, de modo a

concluir pela aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório ao inquérito civil.

Tínhamos a noção, desde o início das pesquisas, que a tarefa não seria fácil, seja pela

imaturidade do tema, seja pelo fato de que poucas obras com ele se preocuparam. Contudo, o

ideal que nos incentivava, insistente e atrativo, fez com que regássemos algo que, muito

embora seminal, se mostrava candente e de enfrentamento obrigatório, cedo ou tarde. Aquela

que nos acolheu, contra a insegurança da derrota, foi a certeza de que muitos tomarão

conhecimento de nosso debate e, concordando ou não, acabarão por adubar nossa esperança,

com mais qualidade e competência.

24 ROVÉGNO, A., O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, p. 274. 25 GRECO FILHO, V., Direito processual civil brasileiro, p. 58.

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3. PROCESSO E PROCEDIMENTO

3.1 Notícia histórica

Durante longos anos o processo teve uma função jurisdicional, sendo remota a

possibilidade da existência de processo no âmbito administrativo. Foi somente a partir da

década de 1950 que processualistas e administrativistas começaram a perceber que o processo

estava intimamente ligado à função estatal. Por tal razão, começaram a convergir para a idéia

de que o processo existia tanto na função jurisdicional quanto nas esferas legislativa e

executiva.

Até o final do século XIX, praticamente inexistia uma corrente que se preocupasse

com o que antecedia ao ato administrativo, devendo a autoridade administrativa ter a maior

liberdade e discricionariedade possível.

Vale dizer que o processo judicial e o processo político são mais antigos, tendo,

portanto, bases mais bem definidas, ao passo que é o processo administrativo bem mais

recente, razão pela qual os estudos a seu respeito são ainda incipientes, culminando em

desinformação legislativa e escassa sistematização metodológica.

Com a evolução do pensamento, no sentido de se preocupar com o que antecedia ao

ato, surge a concepção do ato-procedimento, em que os atos da série eram partes integrantes

do ato final, não tendo esses atos intermediários qualquer autonomia jurídica.

Quem nos traz a notícia histórica é Odete Medauar:

Entre fins da década de 20 e fins da década e 40 vai emergindo outra concepção do processo administrativo, não mais integrado ao próprio ato em que resulta, mas como o aspecto dinâmico de um fenômeno, ou seja, como o desenvolver-se de um fenômeno em direção a um certo efeito: o processo como sucessão de fases ou de atos (1993, p. 58).

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A partir da década de 1950, com a idéia do procedimento como expressão dinâmica da

função, manifestando a passagem do poder abstrato ao ato administrativo, resta atribuir a

conotação de processo quando está presente o contraditório.

A partir de 1988, com a previsão constitucional do processo administrativo,

adentramos a era da processualização da atividade administrativa, também denominada

jurisdicionalização do processo administrativo.

Daí surge a discussão sobre se a expressão litigantes constante da Constituição se

aplicava também à Administração Pública. Veremos, à frente, que a doutrina caminha na

direção de aceitar a aplicação, conquanto até recentemente a idéia de controvérsia tenha sido

incompatível com a atividade administrativa.

Em outros tempos, contudo, a democracia estava intimamente relacionada à origem

eleitoral do governante. Em um Estado democrático existem diversos mecanismos que

asseguram uma maior participação do povo nos desígnios do Estado, e é sob essa perspectiva

que se insere o processo administrativo, símbolo da democracia administrativa.

A abertura da democracia administrativa é via de mão dupla, pois, se de um lado

garante ao administrado entrar nos intestinos da Administração, esta, mediante auxílio dos

sujeitos, se aproxima dos interesses para melhor julgar. É o que Sérgio Ferraz e Adilson de

Abreu Dallari, ao tratarem do autoritarismo praticado pela Administração Pública, afirmam:

Ora, somente se pode pensar em efetiva realização do princípio democrático quando e onde possa o administrado participar da feitura do querer administrativo, ou da sua concretização efetiva. Para tanto, imprescindível é que se assegure ao cidadão o postular junto à Administração, com a mesma corte de garantias que lhe são deferidas no processo jurisdicional – particularmente, as certezas do contraditório, da prova, do recurso e da publicidade (2003, p. 21-22).

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3.2 Processualidade

Processo vem do latim processum e significa proceder, progredir. Ainda que seja

simples a definição da palavra, difícil é conceituá-lo, pois sequer possui uma natureza jurídica

plenamente definida. A definição de processo como instrumento disciplinado por atos

coordenados, tendentes a uma finalidade específica, ganhou a maioria das vozes.

Claro está que a Administração Pública nem sempre pode de imediato responder ou

mesmo atender às necessidades dos administrados, pois, por vezes, se faz necessária a

elaboração ordenada de atos até a decisão final, sendo esta, na maioria das vezes,

conseqüência de um processo administrativo.

Odete Medauar noticia que parte dos processualistas entendia que a processualidade

era restrita ao âmbito jurisdicional, sendo que a visão destes “dificultava a indagação a

respeito de pontos comuns do processo jurisdicional com esquemas de atuação de outros

poderes”.26

De outro lado, alguns administrativistas também entendiam que o processo seria

exclusivo da prestação jurisdicional. Tal posicionamento acabaria por significar negação de

uma processualidade administrativa, tendo por base preocupação terminológica, com o fim de

evitar confusão entre o modo de atuar da administração e o modo de atuar do Judiciário,

reservando-se para o âmbito administrativo o vocábulo “procedimento”.

Para Odete Medauar, esta negação também poderia ser fruto de “inexistência de

conscientização para um novo modo de atuação administrativa”. E como motivos da visão

acima exposta dos administrativistas, a autora aponta: i) construção da ciência

processualística voltada para a jurisdição, impedindo a sua visualização no âmbito

administrativo; ii) a idéia de que a atividade administrativa se desenvolve de uma forma mais

livre e discricionária é incompatível com a idéia de processo; iii) preocupação com o termo

final do ato administrativo, sem levar em consideração os elementos que o antecedem; iiii) a

26 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 13.

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concepção do ato administrativo, como a simples manifestação da autoridade administrativa,

também não se coadunando com a idéia de processo.

A partir do século XIX, o entendimento no sentido de aceitar uma processualidade no

âmbito das três funções do Estado, passa a ganhar força, justamente pela adoção do processo

como relação jurídica, o que permitia visualizá-lo “como um conjunto de posições jurídicas

ativas e passivas, de cada um dos seus sujeitos (poderes, faculdades, deveres, sujeições e

ônus) e não somente como simples sucessão de atos”.27

Desta forma, entre administração e administrado nota-se uma aproximação, gerando

mão dupla, ou seja, a exposição dos métodos de atuação administrativa, ao mesmo tempo em

que o cidadão passa a ter maior chance de se fazer ouvir pela Administração. Na mesma linha,

observa-se uma ingerência cada vez maior do Estado na vida dos particulares, fazendo-se por

isso necessária a fixação de parâmetros mais justos, limitados e menos discricionários para a

sua atuação. Como efeito direto, mais importância é dada aos momentos anteriores à prática

dos atos administrativos, como forma de proteção dos administrados perante a Administração.

Fica deste modo fixada a indispensável processualidade para a condução de cada uma

das funções do Estado, havendo pontos comuns entre elas, sendo cada uma regida pelo seu

respectivo regime jurídico. Antes de se fixar as peculiaridades do processo administrativo,

cumpre passar os olhos pela interpenetração das funções do Estado.

De suma importância traçarmos a distinção entre jurisdição e administração, pois desta

depende a inserção de cada conduta dos entes estatais em seu respectivo regime, com as

decorrências jurídicas aptas a tutelar os interesses dos cidadãos. Muitos se debruçaram sobre o

tema, alguns dos quais pretenderam a identidade entre a função executiva e a função

jurisdicional, pois ambas as atividades consistiam na aplicação da lei. Para Chiovenda, a

jurisdição seria “uma atividade secundária no sentido de que ela substitui a vontade ou a

inteligência de alguém, cuja atividade seria primária, enquanto o administrador exerce

atividade secundária no sentido de que a desenvolve no seu próprio interesse”.28

27 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 15. 28 CHIOVENDA, G., Instituições de Direito Processual Civil, p. 09.

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Para Cristofolini29, existem apenas duas funções do Estado que são a legislação e a

aplicação da lei, e esta se desdobra em administração e jurisdição, consistindo a distinção

entre estas em critérios meramente históricos e políticos.

De qualquer lugar que se olhe, podem-se distinguir as funções legislativa, jurisdicional

e administrativa, como feixes de um só Estado. Embora a separação dos poderes não seja

rigorosamente científica, porquanto as funções administrativa e jurisdicional têm a mesma

essência de aplicar a lei a casos particulares, iremos adotá-la, propondo que o que não for

atividade legislativa ou jurisdicional será, residualmente, administração, por quem quer que

lhe faça as vezes. Não obstante, a interpenetração de poderes, quando um “Poder” invade a

função reservada a outro, somente serve a corroborar o quadro de relatividade da

especialização de cada um, consoante magistério de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para

quem:

A especialização inerente à “separação” é, dessa forma, meramente relativa. Consiste numa predominância no desempenho desta ou daquela função. Cada poder, em caráter secundário, colabora no desempenho de outras funções, pratica atos teoricamente fora de sua esfera (1990, p. 119).

Sem embargo da posição acima exposta, a função administrativa age de forma

unilateral, com desigualdade entre os sujeitos, pois há uma superioridade pela Administração

em face do administrado. Já a função jurisdicional caracteriza-se pela bilateralidade e

igualdade entre as partes. No entanto, afirma Odete Medauar que:

Tratando-se de atuação pautada pela processualidade, a Administração tem sujeições e deveres (...). Portanto, na atuação realizada sob o esquema processual, há igualdade também no âmbito administrativo e o ato final não decorre só do desempenho unilateral da autoridade, embora lhe seja imputado, da mesma forma que a sentença é imputada ao juiz (1993, p. 49).

Tendo em vista que a atividade administrativa realiza-se de maneira múltipla e

complexa, apenas em uma parte de sua atividade se desenvolve por um esquema processual.

Essa processualidade se faz mais imperiosa na atividade administrativa, quando os seus atos

mais diretamente afetam direitos dos indivíduos ou restringem atividades. Dessa forma, a

29 CRISTOFOLINI, G., Efficacia dei provvedimenti di giurisdizione volontaria emessi da giudice incompetente. In: Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda, p. 393-394.

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processualidade que se desenvolverá no âmbito da administração deverá ir de encontro às

peculiaridades dessa função, de modo a colmatar as diferenças entre as partes.

Cumpre aos administrativistas atinarem para a importância da processualidade, pois,

sem o princípio democrático a função administrativa não se aplicará de maneira fiel. O

encadeamento dos atos antecedentes deve se dar dentro de uma relação de obrigatoriedade,

direitos, deveres, ônus e faculdades. Garante a ele que sempre que se pretender impor ônus, a

contrapartida será a observância do processo, já que o caminho que conduz a um ato estatal

não será escolhido livremente pela Administração, mas encontra-se de antemão delineado em

direção a um ato final.

O predomínio da vontade de uma pessoa sobre as demais demarca a tônica do poder.

Contudo, o que distingue o exercício deste poder, entre legítimo e arbitrário, é seguramente o

processo pelo qual se impõem deveres, ônus ou sujeições. A processualidade, então, vincula-

se à disciplina do exercício do poder estatal, traduzida por Sérgio Ferraz e Adilson Dallari na

fórmula: “Processo e democracia: binômio incindível”.

3.3 Processo e procedimento administrativo

Entre processualistas e administrativistas impera impasse quanto à denominação da

sucessão de atos operada no seio da Administração Pública, sobre ser processo ou

procedimento. Resta então adentrar o sinuoso caminho da distinção entre processo e

procedimento administrativo, ainda hoje palco de infindáveis discussões e que guarda

fundamental relação com as conclusões do presente trabalho. Se verificarmos que o inquérito

civil é processo administrativo, não há como negar ao mesmo incidência do art. 5°, inc. LV da

Constituição Federal. Opostamente, se classificarmos como procedimento administrativo,

teremos de sustentar a aplicação do inciso de outra maneira que não subsuntiva.

Assim, a definição clara do que se entende por processo e por procedimento se faz

inarredável. Lembremos, porém, que por muito tempo adotou-se o termo processo

exclusivamente para o Direito Processual. Mesmo os processualistas se deram conta do

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equívoco, como demonstra elucidativa passagem da obra do mestre uspiano Candido Rangel

Dinamarco:

Talvez a culpa do confinamento dessas regras ao processo jurisdicional seja do processualista. Talvez, não; é dos processualistas. Porque nós costumamos dizer que o processo é só o processo jurisdicional e, fora disso, é mero procedimento. E os processualistas, quando dizem isso, falam até num tom um pouco pejorativo, depreciativo: “aquilo é um mero procedimento”. O “mero” está sempre junto com o “procedimento” (1987, p. 166).

Para Hely Lopes Meirelles, existe procedimento sem processo, mas não o contrário.

Segundo seu magistério, apenas estaremos diante de processo administrativo quando

existirem controvérsias. Onde, por outro lado, não houver litígio, mas tão-somente preparação

para um ato final, veremos atuar um procedimento administrativo.

Interessante o posicionamento de Celso Antonio Bandeira de Mello. Para ele, processo

e procedimento administrativo são expressões equivalentes. Ressalta, contudo, que em favor

do termo processo milita a terminologia adotada pela Lei nº 9.784/99; já ao lado do termo

procedimento está a tradição administrativista. Deixa claro em sua obra-prima, nada obstante,

que a expressão preferível é processo, restando ao procedimento resguardar o rito.

Em suas palavras, processo ou procedimento administrativo – que, para o professor,

são sinônimos – são definidos como:

Uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos tendendo todos a um resultado final e conclusivo. Os atos previstos como anteriores são condições indispensáveis à produção dos subseqüentes, de tal modo que estes últimos não podem validamente ser expedidos sem antes completar-se a fase precedente (MELLO, 2002, p. 171).

Em primorosa obra sobre processo administrativo, Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu

Dallari conceituam processo administrativo como “uma série de atos, lógica e juridicamente

concatenados, dispostos com o propósito de ensejar a manifestação de vontade da

administração”.30

30 FERRAZ, S.; DALLARI, A.A., Processo Administrativo, p. 174.

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Parecem ser coincidentes as lições colacionadas no que concerne ao núcleo do

processo administrativo, como sendo uma sucessão encadeada de atos, em que o precedente

prepara o subseqüente, com o intuito de se atingir uma meta ou decisão.

Os processualistas, por seu turno, costumeiramente apontam o inquérito policial como

sendo procedimento administrativo. Como leciona André Rovégno, há um motivo peculiar,

bem identificado pelo autor, para esta divergência aberta pelos processualistas:

É certo, entretanto, que esses autores partem de noções de processo e procedimento muitas vezes ainda estruturadas sob forte resistência à aceitação da existência de processo fora dos limites do Direito Processual. Freqüentemente, a referência a procedimento administrativo é feita em lugar daquela normalmente aceita (como acabamos de ver na exposição precedente) de processo administrativo. Enfim, acreditamos que as conclusões dos processualistas, de forma geral, padecem de certo alheamento em face das construções científicas hoje largamente aceitas de processualidade no âmbito administrativo (2005, p. 182-183).

O trecho acima exposto, parte de brilhante dissertação de mestrado, vem na direção

oposta ao pensamento de Ada Pelegrini Grinover, em estudo sobre garantias constitucionais.

Significativo é o trecho em que a professora Grinover afirma que:

Considerando o inquérito policial um processo administrativo, parecia-me possível chegar a essa conclusão. Mas, na verdade, meditando mais, eu fui me convencendo, aos poucos, de que não era essa a mens legis constitutionis, quando a Constituição se refere ao processo administrativo, ela não quis se referir a uma peça investigatória, que tem natureza de procedimento administrativo, mas em que ainda não há acusado e em que, freqüentemente, ainda não há sequer indiciado (1991, p.23).

No mesmo sentido a lição de Rogério Lauria Tucci, para quem o inquérito policial é

“uma das modalidades de procedimento administrativo”.31 Sintomática da discussão que a

doutrina terá de enfrentar é a conclusão a que chega André Rovégno, para quem essa

concepção dos processualistas:

31 TUCCI, R.L., A polícia civil e o projeto de código de processo penal. In: MORAES, B.B., A polícia à luz do direito, p. 115.

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Construída sobre a resistência – largamente entranhada na doutrina processual – à noção de processualidade fora dos limites da jurisdição estatal, tem comprometido, com freqüência, o resultado dos estudos dos processualistas sobre o alcance do disposto no art. 5°, inciso LV da nossa Constituição (2005, p. 184).

A posição dominante da jurisprudência pátria é no sentido de se conceber o inquérito

policial como procedimento administrativo. Na clássica obra de Odete Medauar (1993),

encontraremos concepção de que o procedimento é gênero de que o processo é espécie. O

procedimento seria o nexo que liga o poder e o ato, que externa concretamente o exercício

deste poder; seria a regra de atuação do Estado, podendo, por vezes, apresentar-se como

processo.

A mesma autora busca distinguir processo e procedimento com base na atuação de

sujeitos diversos e na forma como se dá essa participação. Assim, procedimento “é a

sucessão de atos, realizados todos pelo mesmo sujeito a quem compete editar o ato final”.

Por seu lado, o processo é onde “o elemento característico se encontra na atuação de sujeitos

diversos daquele a quem compete editar o ato”.32 Quanto à forma de participação, só haverá

processo se esta for efetiva, se puderem os atores influir no procedimento. Em outras palavras,

existirá processo quando presente a garantia do contraditório; quando inexistente, será

simplesmente procedimento.

Distinguiremos processo de procedimento, lembrando que diversos diplomas legais

abraçaram a denominação “processo administrativo” para designar uma série de atos

concatenados com o propósito de ensejar um ato final de vontade da Administração Pública.

Podem-se vislumbrar duas realidades abarcadas na palavra “processo”: a primeira

delas pode ser vista de modo panorâmico, de cima para baixo, como uma sucessão de atos

instrumentais que terminam, em certo ponto, com o resultado. De outro ponto,

especificamente observando de dentro do caminho, notam-se as peculiaridades dos atos e

identifica-se seu itinerário. Deste modo, a primeira realidade se mostra maior, genérica,

enquanto a segunda é algo específica, atomizada. À primeira se aplica a denominação

processo; à segunda, chamamos procedimento.

32 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 180.

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Neste sentido, Sérgio Ferraz e Adilson Dallari observam:

É inequívoco que, em nossos dias, avulta na doutrina o rol dos autores que vêm prestando sua prestigiosa adesão à expressão “processo administrativo” para indicar o conjunto maior a que antes nos referimos. Tais doutos reservam a palavra “procedimento” para identificar o complexo dos atos que compõem o processo, ou seja, o iter que vai da instauração à decisão (2003, p. 33).

Apontam os referidos autores três critérios, com acerto inquestionável, para se preferir

a locução “processo administrativo”, em relação ao “procedimento administrativo”. Um

primeiro critério, denominado lógico, tem por fundamento o fato de que se a teoria geral do

Direito conceitua algo, não há como cientificamente se defender que um outro ramo da

mesma ciência venha a conceituar a mesma idéia com nome diverso. Se a teoria sinaliza que a

sucessão de atos, concatenados lógica e juridicamente, em direção a um fim, denominar-se-á

“processo”, não há motivos lógicos para o Direito Administrativo pretender qualificá-lo de

“procedimento”.

Na seqüência apontam os autores o critério normativo, por nós já exposto, mas que

consiste no desacerto de se pretender denominar “procedimento” algo que não só a legislação

ordinária citada, mas, sobretudo a Constituição Federal, optou por qualificar como “processo

administrativo”.

Como terceiro e último critério está o ideológico, pelo qual o processo é relação

jurídica, entre Estado e cidadão, para viabilizar e instrumentalizar o direito público subjetivo à

solução imparcial dos litígios pelo Estado, mesmo quando este seja parte. Os autores nos

fornecem a notícia histórica, segundo a qual tal posicionamento, desde a última década do

século passado, se irradiou “como rastilho de pólvora da processualística civil alemã para o

sentimento jurídico do mundo ocidental”.33

O direito público subjetivo à solução imparcial dos litígios pelo Estado, emanando do

status civitatis, encontra-se há muitas décadas consagrado na Declaração Universal dos

Direitos do Homem. Os administrativistas sempre se queixaram da ausência de um processo

administrativo com as configurações, inspirações, principiologia e segurança do processo

jurisdicional.

33 FERRAZ, S.; DALLARI, A., Processo Administrativo, p. 35.

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Afirmando que o Constituinte de 1988 teria ouvido esses reclamos, indagam os

mestres, para o tema, de maneira irretorquível:

Como amesquinhar essa notável redefinição, de índole substantiva (‘processo’ como direito público subjetivo), na apertada síntese de uma expressão de índole estritamente instrumental e adjetiva, como é próprio da expressão ‘procedimento administrativo? (FERRAZ; DALLARI, 2003, p. 35).

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4. INQUÉRITO CIVIL

4.1 Evolução dos interesses

Antes de qualquer digressão acerca do tema, imperioso ressaltar que em muitas

passagens da análise da evolução e alcance do inquérito civil, iremos buscar subsídio na

regulamentação do inquérito penal, não só pela similitude de naturezas, mas mormente pelo

fato de que a regulamentação da investigação criminal encontra-se mais solidificada,

decantada pelos anos de aplicação.

A criação do inquérito policial ocorreu para evitar os abusos das autoridades policiais,

como peça de informação preparatória de eventual ação penal. Com o fim de suprir as

deficiências da perquirição em juízo, além de pretender-se evitar devassas abusivas na vida do

investigado, foi estabelecido o inquérito policial, como subsídio para formação da culpa.

Cumpre, contudo, traçar distinções entre os institutos, pelo que o inquérito policial é

instrumento de investigação das infrações penais, quanto à autoria e materialidade, para servir

de base à propositura da ação penal. Por seu turno, o inquérito civil tem por função precípua

investigar fatos relevantes na área civil, de modo a embasar a propositura da ação civil

pública pelo Ministério Público.

Com a introdução da Lei da Ação Popular, em 29.06.1965, os indivíduos passaram a

ter legitimidade para propositura de ações em defesa dos interesses difusos, notadamente do

patrimônio público. Bastava que o indivíduo fosse cidadão, como tal compreendido aquele

detentor de direitos políticos. Contudo, em que pese representar um passo fundamental na

direção da “onda” de que falava Mauro Cappelletti, somente com a edição da Lei da Ação

Civil Pública (7.347/85), a tutela dos interesses e direitos difusos recebe forte impulso, em

virtude não só da ampliação do espectro de direitos protegidos, mas, sobretudo, pela

atribuição da legitimidade ad causam às instituições públicas e às associações.

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Embora a Lei nº 7.347/85 tenha conferido legitimidade para propositura da ação civil

pública a diversos agentes, somente o Ministério Público recebeu a prerrogativa de instaurar o

inquérito civil. Antes da lei da Ação Civil Pública de 1985, o Ministério Público já possuía

legitimidade para propor algumas ações civis públicas, como a ação direta de

inconstitucionalidade, no entanto sua iniciativa na esfera civil até então era muito modesta.

Isso se dava em razão de alguns fatores, como: a) a origem da instituição muito ligada ao ius

puniendi do Estado; b) forte dependência jurídica deste órgão em relação aos governantes.

Outro ponto residia exatamente na inexistência de instrumento formal de investigação

preliminar, que permitisse ao Ministério Público obter elementos para formar sua convicção

para o ajuizamento de uma ação civil pública.

Com o tempo foi surgindo um consenso dentro do Ministério Público de que seria

necessário que ele dispusesse de um instrumento para a investigação, apto a embasar a

propositura da ação civil, assim como já ocorria no inquérito penal. No entanto, também era

consenso de que o modelo de inquérito penal adotado não era satisfatório:

Porque deixava o titular da ação penal sem um mecanismo direto de investigação para formar a sua própria opinio delicti, já que normalmente tem de reportar-se às diligências conduzidas apenas pela autoridade policial, no mais das vezes sem qualquer participação ministerial (MAZZILLI, 1999, p. 43).

Promulgada a Constituição Federal em 1988, consagra-se de uma vez por todas a

importância destes direitos difusos, com a incorporação da ação civil pública e do inquérito

civil à condição de institutos constitucionais, com a finalidade de “proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).

No entanto, cumpre delimitar os interesses resguardados na ação civil pública e,

conseqüentemente, no inquérito civil. Nos termos do art. 1° da Lei nº 7347/85, a ação civil

pública tem por finalidade a reparação de danos morais e patrimoniais a interesses difusos e

coletivos. Primeiramente, os interesses individuais já estariam descartados de plano, salvo

quando se tenha que defender um interesse individual para se defender um coletivo ou difuso.

Em outras palavras, a ação teria como pedido imediato a defesa de um direito individual e

como pedido mediato, a tutela de interesse difuso ou coletivo.

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É Motauri Ciocchetti de Souza que nos traz bom exemplo no que entende ser caso

emblemático desta exceção:

Vamos supor que dez crianças com sete anos de idade não tenham conseguido vaga na rede pública de ensino fundamental. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, nos termos do art. 205 da CF, é uma das bases sobre as quais se assenta qualquer sociedade civilizada. Assim, estamos a lidar com um interesse difuso por excelência, sendo certo que a própria CF, em seu art. 208, I, impõe ao Poder Público o dever de garantir o ensino fundamental, que é obrigatório e gratuito. Pois bem: ao negar vaga na rede pública de ensino a dez crianças, o Poder Público gerou lesões não apenas individuais, como, também, a interesse difuso, representado pela violação dos princípios que norteiam o ensino público (2005, p. 25).

O autor discute e nega a possibilidade de propositura de demanda, tendo por objeto a

condenação genérica do Estado na obrigação de assegurar a todas as crianças com sete anos

de idade vaga em unidade escolar, para enfim concluir:

A solução para o problema em foco passaria, necessariamente, pela tutela direta das crianças, tendo o processo como pedido imediato a obtenção de dez vagas faltantes. O pleito poderia ser formulado por intermédio de ação civil pública, tendo em vista que seu pedido mediato é a tutela de um interesse difuso – o amplo e obrigatório acesso à educação, assegurado pela Constituição (MOTAURI , 2005, p. 26).

Cremos que é o momento de deixar nítida a conceituação de interesses

transindividuais, sem, contudo relegar a definição de interesses privados a segundo plano. É

que, como salientado por José Marcelo Menezes Vigliar, “muitos autores preferem, quando

tratam da temática dos interesses difusos, não apresentar definições mais precisas sobre o

que venha a ser o interesse privado”.34 A definição deve ser cindida em dois aspectos,

material e formal, sendo que esta última submete o interesse ao regime jurídico de direito

privado, caracterizado pela equivalência com outros interesses privados e pela

disponibilidade. No tocante ao aspecto material, o interesse privado compõe a esfera de

direitos objetivos do particular.

Quanto à noção de interesse público, há que se deixar de lado tradicional definição

baseada na titularidade do Estado, pois este atinge os interesses individuais indisponíveis, os

individuais homogêneos, os coletivos e os difusos. Em tempos de crise de legitimidade do

Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público, não raro seu interesse estará identificado

34 VIGLIAR, J.M.M., Ação Civil Pública, p. 38 e ss.

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com o desejo da coletividade. Neste ponto reside o conceito que deve ser levado adiante,

consoante admoestação de José Marcelo Menezes Vigliar35, no sentido de que “o interesse

público constitua noção inseparável do interesse da coletividade como um todo e não apenas

o do Estado, enquanto centro de imputação de direitos e obrigações”.

Atribui-se a Renato Alessi a identificação da existência de interesse público primário

(tocante à coletividade como um todo) e a existência do interesse público secundário (voltado

à consecução dos fins da Administração Pública).

Por uma crise surgida no seio da discussão sobre a legitimidade ad causam para defesa

dos interesses públicos primários, consolidou-se a equação ao problema trazido pelo art. 3° do

Código de Processo Civil, de cunho eminentemente individualista. O diploma processual, ao

prever a necessidade de demonstração de interesse e legitimidade para propositura de

demandas, bloquearia o acesso à justiça. É o que pontifica Luiz Guilherme Marinoni, em

fundamental obra para diretriz do processo pátrio:

Se determinados direitos pertencem a uma coletividade, ou à sociedade em geral, poderiam não pertencer individualmente a pessoa alguma. Esta colocação, marcada e influenciada pelo espírito individualista, fruto do liberalismo do século XIX, poderia fazer com que muitos direitos deixassem de ser realizados (1993, p. 39-40).

Como categoria intermediária, os interesses coletivos, referentes a toda uma categoria

de pessoas, são interesses metaindividuais, justamente porque atingem grupos de pessoas que

têm algo em comum. Não obstante, dentro desta categoria intermediária é possível distinguir

interesses que atingem uma categoria determinada de pessoas (ou, pelo menos, determinável)

e os que atingem um grupo indeterminado de indivíduos (ou de difícil determinação).

Atualmente, com a farta aplicação da ação civil pública e do inquérito civil, pacificou-

se a classificação dos interesses transindividuais em individuais homogêneos, coletivos e

difusos. Por interesses individuais homogêneos têm-se aqueles originados por uma situação

fática e, embora cindíveis, são atribuíveis a cada um dos interessados e passíveis de defesa

coletiva em juízo, em nome da universalidade da jurisdição e da economia processual, porque

35 VIGLIAR, J.M.M., Ação Civil Pública, p. 39.

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muitas vezes o valor diminuto da causa faria com que os interesses ficassem relegados aos

esquecimentos.

Já os interesses coletivos, em repisada conceituação, são aqueles que compreendem

uma determinada categoria, ou ao menos determinável de pessoas, ligados por uma relação

jurídica-base. Neste grupo resta empregada a característica de indivisibilidade. Por derradeiro,

os interesses difusos são também indivisíveis, mas caracterizados pela presença constante de

um fio condutor a unir interesses individuais, em determinados pontos comuns. Inexiste aqui

qualquer vínculo jurídico, nem se exige muita precisão no vínculo fático.

4.2 Definição e natureza jurídica

Conquanto já tenham sido esboçadas algumas linhas sobre função administrativa no

capítulo antecedente, cumpre agora aprofundar a sua identificação. Para Celso Antônio

Bandeira de Mello a função administrativa é:

A função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais vinculados, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário (2002, p. 33-34).

De suma importância também lembrar a definição de outro professor da Faculdade

Paulista de Direito, Carlos Ari Sundfeld:

Administrar significa aplicar a lei de ofício (Seabra Fagundes), isto é, aplicar a lei independentemente de provocação de qualquer pessoa. O ato administrativo (o ato produzido no exercício de função administrativa) não inova originariamente na ordem jurídica; apenas aplica concretamente a lei que, esta sim, produz as inovações jurídicas originárias (2002, p.106).

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Em virtude das inúmeras atividades desempenhadas pela Administração Pública, cada

qual com sua tecnicidade, a atividade administrativa dificilmente será conceituada

pacificamente.

Veja-se, a respeito, definição proposta por Odete Medauar, no sentido de identificar a

função administrativa como a atividade estatal que:

Coadjuva as instituições políticas de cúpula no exercício da atividade de governo; organiza a realização das finalidades públicas postas pelas instituições políticas de cúpula; produz serviços, bens e utilidades para a população (1993, p. 54).

A grande questão que se põe é justamente qual a posição do Ministério Público dentro

do Estado, porquanto fundamental para se aquilatar se exerce função administrativa. Por outro

lado, inegável afirmar que o inquérito civil é composto de comportamentos infralegais

potencialmente analisáveis pelo Poder Judiciário. A definição de função administrativa,

contudo, se dá de forma sempre residual face à desempenhada pelos Poderes Judiciário e

Legislativo. Vimos que a clássica separação dos poderes, em Jurisdicional, Executivo e

Legislativo, não pode ser considerada como cientificamente rigorosa, pois, por vezes, ocorre a

interpenetração dos poderes, exercendo uns e outras funções atípicas.

Secunda esta posição o fato de que mesmo os Poderes Judiciário e Legislativo

exercem funções administrativas, do mesmo modo que o Judiciário legisla (v.g.: regimentos

internos) e o Legislativo julga (v.g.: CPIs), daí por diante.

O inquérito civil, instaurado, conduzido e concluído pelo Ministério Público, ente

estatal, deve ser enquadrado dentro de uma das funções do Estado. Independentemente de

tentarmos, em vão, inserir o Ministério Público dentro de um dos “Poderes”

constitucionalmente previstos, tarefa árdua e desarrazoada, posto que goza de autonomia e

independência frente a todos, preferimos concluir simplesmente que inserido está no aparato

estatal. De qualquer modo, o membro do parquet, no exercício do inquérito civil, jamais

exercerá função jurisdicional ou legislativa; somente por este argumento, calcado na

residualidade, já poderíamos concluir pela função administrativa.

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No entanto, faz-se necessário afastar de uma vez por todas a confusão entre “função

administrativa” e “Poder Executivo”. Como foi visto, os poderes se interpenetram, exercem

atividades típicas e atípicas. Para sermos cientificamente honestos, não podemos reservar a

função administrativa ao Executivo, mas sim concluir que funções administrativas as exercem

o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e mesmo quem faça as vezes de

Estado, como as concessionárias e permissionárias de serviço público, as organizações

sociais, as OSCIPs, etc.

Como então enquadrar o inquérito civil, a não ser como manifestação de função

administrativa exercida por órgão alheio ao Poder Executivo? Podemos aplicar ao inquérito

civil o magistério de Bandeira de Mello, supra-exposto, pois o Ministério Público, em vestes

estatais, desempenha sua função mediante comportamentos infralegais e infraconstitucionais

vinculados, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

Cumpre trazer à baila a lição de Marcello Caetano, que nos parece cair como luva ao

argumento de função administrativa do inquérito civil, ao apresentar conceito não residual da

mesma, que seria:

Em sentido material, o conjunto de decisões e operações mediante as quais o Estado e outras entidades públicas procuram, dentro das orientações gerais traçadas pela Política e diretamente ou mediante estímulo, coordenação e orientação das atividades privadas, assegurar a satisfação regular das necessidades coletivas de segurança e de bem-estar dos indivíduos, obtendo e empregando racionalmente para esse efeito os recursos adequados (2001, p. 05).

Como arremate a este ponto, colacionamos conclusão de André Rovégno, que faz

importantes observações dizendo que o inquérito policial não é uma atividade administrativa,

pois não é realizado no interesse do próprio órgão que o desenvolve:

Para verificarmos se determinada atividade guarda as características que lhe garantam acento nos domínios do Direito Administrativo, basta verificar a condição de atividade do Estado ou de órgão a ele vinculado e, mais, se essa atividade não é jurisdicional, legislativa ou de governo (política) (2005, p. 162).

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Já para Caio Sérgio Paz de Barros: “É a atividade jurisdicional que caracteriza o ato

jurisdicional e, como tal, afirmamos que – apartados de toda a doutrina – o inquérito policial

é procedimento jurisdicionalizado”.36

Hugo Nigro Mazzilli, define o inquérito civil como:

Uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva. De forma subsidiária, o inquérito civil também se presta para colher elementos que permitam a tomada de compromissos de ajustamento ou a realização de audiências públicas e emissão de recomendações pelo Ministério Público (1999, p. 46).

A partir de sua conclusão sobre ter o inquérito civil natureza administrativa, Mazzilli

sustenta que o inquérito civil não é processo administrativo e sim procedimento, pois “nele

não há uma acusação nem nele se aplicam sanções; dele não decorrem limitações, restrições

ou perda de direitos. No inquérito civil não se decidem interesses; não se aplicam

penalidades”.37

Nesta linha, o processo administrativo só existiria para dirimir determinada

controvérsia na esfera administrativa e, como o inquérito não se presta a tal função, não pode

ser processo administrativo em sentido estrito.

A decisão de propor ou não a ação civil pública não se equipararia a uma decisão que

ocorre ao fim de um processo administrativo, pois esta gera conseqüências jurídicas para os

administrados, enquanto aquela se dá interna corporis, dentro do próprio Ministério Público,

sem qualquer participação de terceiros.

A conclusão exposta tem por fundamento a distinção entre função institucional do

Ministério Público e instrumento de atuação, sendo exemplo deste último o inquérito civil. A

função institucional seria, v.g., a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, ou ainda

dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

36 BARROS, C.S.P.B., O contraditório na CPI e no inquérito policial, p. 13. 37 MAZZILLI, H.N., O Inquérito Civil, p. 48.

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Ademais, fia-se Mazzilli, para negar qualidade de processo administrativo ao inquérito

civil no fato de este ser dispensável, ou seja, não constituir pressuposto processual para a

propositura da Ação Civil Pública. Ele pode ser dispensado, por exemplo, quando o

Ministério Público tem todos os elementos necessários para propor a ação.

Contudo, ainda que sirva essencialmente o inquérito civil para preparar a propositura

da ação civil pública, as informações nele contidas podem concorrer para formar ou reforçar a

convicção do juiz. Ademais, reconhece-se que, por vezes, é usado de forma excessiva “como

se fosse uma panacéia”. Na prática, sabe-se que uma investigação temerária pode provocar

enormes danos à pessoa, mesmo que sob o aspecto estritamente jurídico ninguém se presuma

culpado só pelo fato de estar sendo investigado.

De posse destas conclusões, condizentes com a realidade do país, de freqüente

aviltamento do direito público subjetivo à solução imparcial dos conflitos, postulamos a

classificação do inquérito civil como processo administrativo, como meio apto a atingir não

só finalidade da investigação, mas principalmente a segurança do processo jurisdicional, com

todas as garantias que lhe são inerentes.

O que não se pode, na esteira da moderna processualidade administrativa, é

amesquinhar a redefinição de processo como direito público subjetivo, e tratá-lo como mero

instrumento ou adjetivo, em flagrante descompasso com a marcha ditada pela Constituição

Federal, asseguradora dos princípios constitucionais, inclusive ao processo administrativo.

4.3 Competência

A competência para instaurar inquérito civil toca ao mesmo órgão que tem

competência para propor a ação civil. O local da competência para a instauração do inquérito

e para a propositura da ação civil pública é o do lugar em que ocorreu ou que deva ocorrer o

dano, como regra geral. Em outras palavras, a instauração e a presidência do inquérito civil

competem ao membro do Ministério Público que tenha, em tese, atribuições para a

propositura da ação civil pública correspondente.

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Em alguns casos determinados pela lei, pode o Procurador-Geral instaurar o inquérito

e propor a ação civil pública, quando a autoridade reclamada for o governador do Estado, o

presidente da Assembléia Legislativa ou o presidente de um dos tribunais estaduais. A lei

complementar paulista 734/93, que ampliava a competência dos Procuradores-Gerais de

Justiça para o oferecimento da ação civil pública, foi considerada inconstitucional,

restringindo dessa forma, nos demais casos, a competência ao “promotor natural”. No entanto,

nestes outros casos, a competência para a instauração do inquérito é concorrente, ou seja,

tanto do promotor que irá propor a ação civil, como do Procurador-Geral de Justiça.38

O Conselho Superior do Ministério Público também pode determinar a instauração do

inquérito civil quando, por exemplo, recusa o arquivamento de peças de informação.

Quanto à discutida competência para a instauração do inquérito civil para apurar

infração por improbidade administrativa, fundada na Lei nº 8.429/92, tendo a autoridade

investigada foro especial por prerrogativa de função, nos traz Mazzilli a seguinte solução:

Assim, em conclusão, pode o promotor de Justiça, com base na Lei nº 8429/92, investigar atos de improbidade de qualquer autoridade (exceto aquelas que a lei já lhe tenha excluído do poder investigatório, como, por exemplo, as hipóteses do art. 29, VIII, da Lei nº 8625/93); nada impede que o juiz singular processe essas ações cíveis de improbidade, podendo impor as sanções patrimoniais acaso cabíveis; contudo, não se pode impor nessas ações a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos senão àquelas autoridades que, em tese, possam receber essas sanções nos casos e na forma previstos na lei ordinária. Nos casos em que a própria Constituição discipline a perda de direitos políticos ou a perda de cargo das mais altas autoridades do País, como os presidentes da República, da Câmara, do Senado, os ministros dos Tribunais Superiores, v.g. – nesses casos, somente por ação penal originária, ou por processo por crime de responsabilidade, ou por infração político-administrativa de que resulte impeachment (1999, p. 84).

Na hipótese de o membro do Ministério Público manifestar seu convencimento no

sentido de arquivar o inquérito e, posteriormente, ser rejeitado, entendemos que este membro

do Ministério Público será suspeito em relação à produção de novas diligências. Se entender

faltar justa causa para prosseguir no inquérito civil ou para propor a ação, poderá não ter a

mesma diligência que outro teria em seu lugar, caso compelido a fazê-lo.

38 O Procurador-Geral da República ajuizou a ADIN nº 1285-1 que teve decisão liminar no sentido de que a lei estadual não poderia invadir o âmbito processual.

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A suspeição ou impedimento pode ser alegado pelo investigado no curso do inquérito

civil. A decisão sobre esta argüição caberá ao Procurador-Geral de Justiça. Importante

ressaltar que no inquérito policial, não se admite a argüição de suspeição ou impedimento,

embora a autoridade policial que estiver numa dessas duas situações deva se afastar da

presidência do inquérito.

4.4 Instauração

O Ministério Público, ao se deparar com as peças de informação, tem três

possibilidades: a) pode simplesmente determinar o arquivamento, se entender que essas peças

são suficientes para formar o seu convencimento de que não há nenhuma lesão ou ameaça de

lesão a um dos interesses de que tenha o dever de tutelar; b) pode, desde logo, propor a ação

civil pública, se entender que essas peças são suficientes para dar suporte a sua ação; c) pode

instaurar o inquérito, quando as peças de informação são insuficientes para que ele tome uma

das atitudes acima, para que então apure melhor os fatos e tome um dos dois caminhos.

O inquérito civil é instaurado por portaria do Ministério Público, ou por seu despacho,

lançado em requerimento ou representação a ele dirigida por cidadãos, autoridades

administrativas, associações ou quaisquer interessados. Quando terceiros interessados

provocam a iniciativa do Ministério Público, oferecendo-lhe informações sobre fatos que

constituam objeto de ação civil pública, este poderá requisitar a instauração do inquérito. No

entanto, não estará obrigado a instaurar o inquérito, podendo rejeitar o requerimento de

abertura, desde que fundamentada a sua decisão.

Na portaria inaugural não se exigem todos os requisitos que teriam, por exemplo, uma

denúncia. No entanto, devem ser indicados todos os elementos de individuação possíveis. A

instauração de ofício se dá quando o Ministério Público colhendo informações por iniciativa

própria, entende ser necessária a instauração de um inquérito para a apuração formal dos

fatos.

A delação ocorre quando uma pessoa interessada faz uma acusação informal, podendo

até mesmo ser verbal e anônima. O requerimento existe em razão do direito de petição, pelo

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qual qualquer interessado pode requerer ao Ministério Público que seja aberto inquérito civil

sobre determinado fato. Já a representação é apenas uma comunicação de determinado fato ao

Ministério Público, que pode ensejar a instauração do inquérito civil. A requisição não é mero

requerimento, é ordem, que obriga ao cumprimento, não cabendo ao membro do parquet

questionar a possibilidade de instauração do inquérito ou não.

O inquérito civil tem a função de apurar fatos relativos a danos a quaisquer interesses

metaindividuais. Também se presta a apurar lesões a interesses individuais indisponíveis, que

muitas das vezes podem ensejar a atuação do Ministério Público, por meio da Ação Civil

Pública. Além disso, afirma Mazzilli que o inquérito civil:

Presta-se ainda, analogicamente, a investigar outras questões fáticas que possam em tese ensejar a atuação ministerial com propositura de ação civil pública, ainda que com objeto diverso da defesa dos clássicos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, p.ex.: denúncia de irregularidades numa fundação, ações diretas de inconstitucionalidade, ações cíveis baseadas nas hipóteses previstas no ECA (1999, p. 108).

No momento em que foi criado o inquérito civil, somente se prestava para apurar fatos

taxativamente estipulados pela lei. Hoje em dia, após a Constituição e a Lei nº 7347/85, seu

objeto foi bem alargado, cabendo todas as hipóteses acima assinaladas, dentre outras.

Quanto à possibilidade da utilização do inquérito civil para a investigação de fatos que

possam ensejar a propositura de outras ações cíveis, que não a Ação Civil Pública, há duas

posições: a primeira entende pela impossibilidade, pois a instauração de inquérito civil estaria

limitada aos objetivos específicos da Lei da Ação Civil Pública, e a segunda que entende por

sua possibilidade. Ficamos com a primeira, justamente pelo fato de que o instrumento

inquisitorial não pode ter seu objeto alargado, para atingir condutas não abarcadas pela Lei nº

7.347/85.

Outra questão é saber se o Ministério Público poderia instaurar inquérito para apurar

lesões a interesses individuais homogêneos indisponíveis. Percebem-se três correntes a

respeito: a primeira nega essa possibilidade; a segunda a admite sem restrições e a terceira a

admite com algumas restrições.

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Mazzilli filia-se a essa terceira posição, ao afirmar que “no caso de interesses

individuais homogêneos e até coletivos, a iniciativa do Ministério Público só pode ocorrer

quando haja conveniência social da sua atuação”. 39

Contudo, há hipóteses em que resta discutível a possibilidade de instauração de

inquérito civil. Veja-se a possibilidade do inquérito civil para apurar decisões da

administração, tomadas dentro do campo da discricionariedade administrativa. Como os atos

administrativos discricionários vinculam-se a critérios de conveniência e oportunidade, só à

própria Administração seria lícito examinar esses dois critérios em cada caso. No entanto, em

alguns casos o inquérito é possível, porquanto todo ato administrativo tem uma vinculação

com as finalidades da Administração Pública; quando houver lesão a essas finalidades, poderá

o Ministério Público atuar para corrigi-la.

Outra controvérsia pode ser encontrada na apuração das omissões dos Poderes

Públicos. O Ministério Público até poderá instaurar inquérito para apurar fatos lesivos ao

patrimônio público, mas não o fará como advogado da Fazenda. Essa iniciativa só se justifica

quando o Estado não tome iniciativa de responsabilizar o administrador, por danos causados

ao patrimônio público.

A investigação feita no inquérito civil, em relação a administradores que tenham

obtido um enriquecimento ilícito à custa da administração pública, deve alcançar não só fatos

e documentos relacionados à gestão pública, mas também o seu patrimônio e suas contas.

Neste ponto, não se pode olvidar da possibilidade de instauração para apuração de

fatos de difícil individualização, como demonstra Mazzilli:

Assim, nem sempre o inquérito civil é instaurado para apurar um fato único e determinado, ou um fato isolado, como pretendem alguns. Muitas vezes é instaurado para apurar situações ou estados permanentes, como a poluição da encosta da Serra do Mar sobre Cubatão (SP), resultado da poluição desenfreada anos a fio (1999, p. 128).

39 MAZZILLI, H.N., O Inquérito Civil, p. 118.

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Certo é que a instauração pressupõe responsabilidade, podendo inclusive ser

fulminada por meio de mandado de segurança. Outrossim, o órgão do Ministério Público,

quando tem fundada dúvida sobre a presença ou não da justa causa para a instauração do

inquérito, pode tomar algumas providências imediatas, como requisitar um documento, antes

mesmo de instaurar o inquérito. Instaurado o inquérito civil, obsta-se a fruição do prazo

decadencial, de acordo com o estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. Um dos seus

principais efeitos é a eficácia em juízo.

4.5 Poderes investigativos

Veja-se, por exemplo, o extenso rol de poderes investigativos concedidos ao

Ministério Público pela Lei Complementar nº 75 de 20.05.1993, aplicável aos Ministérios

Públicos Estaduais e que consolidou e ampliou referida atuação investigativa.40

40 “Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: I - promover a ação direta de inconstitucionalidade e o respectivo pedido de medida cautelar; II - promover a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; III - promover a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição Federal; IV - promover a representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal; V - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; VI - impetrar habeas corpus e mandado de segurança; VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos; VIII - promover outras ações, nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos; IX - promover ação visando ao cancelamento de naturalização, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; X - promover a responsabilidade dos executores ou agentes do estado de defesa ou do estado de sítio, pelos ilícitos cometidos no período de sua duração; XI - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas, incluídos os relativos às terras por elas tradicionalmente habitadas, propondo as ações cabíveis; XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos; XIII - propor ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços; XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: a) ao Estado de Direito e às instituições democráticas; b) à ordem econômica e financeira; c) à ordem social; d) ao patrimônio cultural brasileiro; e) à manifestação de pensamento, de criação, de expressão ou de informação; f) à probidade administrativa; g) ao meio ambiente; XV - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção; XVI - (Vetado); XVII - propor as ações cabíveis para: a) perda ou suspensão de direitos políticos, nos casos previstos na Constituição Federal; b) declaração de nulidade de atos ou contratos geradores do endividamento externo da União, de suas autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal, ou com repercussão direta ou indireta em suas finanças; c) dissolução compulsória de associações, inclusive de partidos políticos, nos casos previstos na Constituição Federal; d) cancelamento de concessão ou de permissão, nos casos previstos na Constituição Federal; e) declaração de nulidade de cláusula contratual que contrarie direito do consumidor; XVIII – representar: a) ao órgão judicial competente para quebra de sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, para fins

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O Ministério Público tem poderes instrutórios gerais para conduzir o inquérito civil,

assim como as autoridades policiais conduzem o inquérito policial. Pode fazer inspeções

pessoais, requisitar e realizar perícias, colher depoimentos e documentos, ou seja, deverá fazer

a coleta de quaisquer provas que ajudem a esclarecer os fatos.

O falso testemunho prestado no inquérito civil pode ensejar a tipificação penal do

crime de falso testemunho. Além disso, se a testemunha, previamente intimada, não

de investigação criminal ou instrução processual penal, bem como manifestar-se sobre representação a ele dirigida para os mesmos fins; b) ao Congresso Nacional, visando ao exercício das competências deste ou de qualquer de suas Casas ou comissões; c) ao Tribunal de Contas da União, visando ao exercício das competências deste; d) ao órgão judicial competente, visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível; XIX - promover a responsabilidade: a) da autoridade competente, pelo não exercício das incumbências, constitucional e legalmente impostas ao Poder Público da União, em defesa do meio ambiente, de sua preservação e de sua recuperação; b) de pessoas físicas ou jurídicas, em razão da prática de atividade lesiva ao meio ambiente, tendo em vista a aplicação de sanções penais e a reparação dos danos causados; XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis. § 1º Será assegurada a participação do Ministério Público da União, como instituição observadora, na forma e nas condições estabelecidas em ato do Procurador-Geral da República, em qualquer órgão da administração pública direta, indireta ou fundacional da União, que tenha atribuições correlatas às funções da Instituição. § 2º A lei assegurará a participação do Ministério Público da União nos órgãos colegiados estatais, federais ou do Distrito Federal, constituídos para defesa de direitos e interesses relacionados com as funções da Instituição. Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas. Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial. § 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal. § 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido. § 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa. § 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso. § 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada.

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comparecer, poderá ser conduzida coercitivamente. Da mesma forma, o investigado também

poderá ser conduzido coercitivamente, mas não estará obrigado a prestar informações que o

prejudiquem, podendo calar-se sem ter como resultado qualquer prejuízo contra si.

As perícias, feitas para permitir o eventual ajuizamento da Ação Civil Pública, devem

determinar a materialidade e extensão dos danos, bem como os custos para a recomposição

dos mesmos. No entanto, quando o inquérito visa à colheita de materiais para a propositura da

Ação Civil Pública de modo a evitar a ocorrência de danos, as perícias são feitas para

determinar a situação de risco.

Observe-se a admoestação de Mazzilli, autor paradigmático, sobre o tema:

Deve-se sempre facultar a todos os interessados a apresentação de quesitos; com efeito, quando da propositura da ação civil pública, não raro os vestígios já terão desaparecido, de forma que aquela prova pericial muitas vezes sequer poderá ser repetida, sendo de toda a conveniência que, até mesmo ao investigado, se possível, se faculte apresentar quesitos. Essa providência, além de justa, ainda confere maior peso e qualidade à prova produzida, que poderá servir em juízo (1999, p. 163).

A notificação tem a finalidade de dar ciência a uma pessoa de que o Ministério Público

quer ouvi-la em um determinado tempo e lugar. O desatendimento injustificado desta

notificação poderá ensejar a condução coercitiva da pessoa. Também poderá determinar

requisições de diligências, certidões, documentos ou informações. Estas requisições não são

pedidos ou requerimentos, são ordens legais de caráter obrigatório para que se faça, apresente

ou se entregue algo. O destinatário da requisição pode ser qualquer autoridade pública,

mesmo que o requisitante pertença a pessoa jurídica distinta da que pertence o requisitado.

Requisições a autoridades policiais, para que estas procedam a investigações, diligências,

conduções coercitivas de pessoas, entre outras coisas, são da mesma forma permitidas.

A regra geral é a de que o inquérito civil está sujeito ao princípio da publicidade que

informa todos os atos da administração, razão pela qual somente em alguns casos

excepcionais é que o sigilo deve prevalecer.

Eis dois casos em que se excepciona a regra da publicidade no inquérito: i) quando o

Ministério Público tem acesso a informações sobre as quais recaia sigilo legal; ii) se da

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publicidade dos atos do inquérito puder resultar prejuízo para a condução da própria

investigação, ou seja, a apuração dos fatos fica mais dificultosa, pois os investigados podem,

sabendo da investigação, omitir indícios de materialidade e autoria.

Para alguns, como Mazzilli, o Ministério Público poderá impedir que o advogado

tenha acesso às informações constantes do inquérito, quando houver a necessidade de sigilo.

Sustentam que o Estatuto da OAB, ao prever a prerrogativa do exame de quaisquer autos aos

advogados, não engloba os casos em que há sigilo.

Por derradeiro, o Ministério Público pode requisitar quaisquer informações, a

quaisquer órgãos, mesmo que sejam sigilosas, responsabilizando-se sempre pelo seu uso

indevido. No entanto, não poderá ter acesso a essas informações sigilosas quando por

imposição constitucional, elas só puderem ser obtidas por força de ordem judicial.

4.6. Decisão e seus efeitos

Enquanto no inquérito policial o Ministério Público requer o arquivamento à

autoridade judicial, no inquérito civil simplesmente faz o arquivamento. A decisão que

determina o arquivamento deve ser necessariamente bem fundamentada, e é obrigatória a sua

revisão pelo Conselho Superior do Ministério Público.

O arquivamento implícito ocorre quando o inquérito termina sem a propositura da

ação civil pública e sem o controle de arquivamento. O controle do arquivamento implícito é

mais dificultoso, pois não são remetidos os autos do inquérito ao Conselho Superior, único

órgão competente para realizar essa revisão.

O arquivamento implícito pode ocorrer, v.g., quando um promotor ao oferecer a Ação

Civil Pública, faz com um objeto menos abrangente do que teoricamente permitiriam as

apurações feitas no inquérito. Dessa forma, estaria procedendo ao arquivamento em relação às

partes das investigações. O promotor poderá proceder dessa forma tanto no aspecto subjetivo,

em relação ao pólo passivo da lide, como em relação ao aspecto objetivo. No entanto, toda

vez que proceder dessa forma, deverá fundamentar a sua decisão.

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O Poder Judiciário não poderá de forma alguma intervir no controle desse

arquivamento. Mas o problema que surge é que aquele órgão que teria legitimidade para fazer

o controle, ou seja, o Conselho Superior do Ministério Público, não terá meios para ter

conhecimento do que não foi arquivado nesses casos. Dessa forma, o controle do

arquivamento implícito acabará sendo exercido pelos co-legitimados a propor a Ação Civil

Pública.

No que concerne à discricionariedade ou obrigatoriedade do Ministério Público em

instaurar ou não inquérito civil, bem como propor ou não a Ação Civil Pública, temos que,

quando identifica a hipótese de atuação, esta será obrigatória. Fora desses casos, não obstante,

será discricionária a instauração de inquérito e propositura da ação.

Neste sentido, a lição de Mazzilli, para quem o princípio da obrigatoriedade para o

Ministério Público significa que “identificando um de seus membros uma hipótese em que a

lei lhe imponha a ação, não se admite recuse-se a fazê-lo: neste sentido, sua ação é um dever;

entretanto, tem liberdade para apreciar se ocorre hipótese em que sua ação se torna

obrigatória”.41

Ao determinar o arquivamento do inquérito civil, o membro do Ministério Público

deverá, no prazo de três dias, remeter os autos ao Conselho Superior, sob pena de falta

disciplinar. O Conselho Superior, ao receber os autos do inquérito civil, deverá apreciar os

fundamentos desse arquivamento, surgindo três hipóteses: i) homologa o arquivamento; ii)

recusa o arquivamento determinando a propositura da Ação Civil Pública; iii) converte o

julgamento em diligência, para novas investigações que entenda serem necessárias. A lei da

ação civil pública permite que as associações civis legitimadas a propor a Ação Civil Pública

apresentem razões e juntem documentos antes de o Conselho Superior proferir a sua decisão

na revisão do arquivamento. Na verdade, quaisquer interessados também podem encaminhar

ao Conselho Superior as suas razões que possam contribuir para a decisão sobre o

arquivamento do inquérito, que não impede que outro co-legitimado proponha a ação.

O Ministério Público, depois de determinar o arquivamento do inquérito, não está

inibido a reabri-lo ou a propor a Ação Civil Pública. Há duas correntes doutrinárias a esse

41 MAZZILLI, H.N., O Inquérito Civil, p. 225.

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respeito, entendendo a primeira que o inquérito civil só poderia ser reaberto se houvesse

novas provas que tivessem força para o processo, em analogia com o inquérito policial, o que

reputamos acertado. A segunda corrente segue no sentido de que o inquérito pode ser reaberto

mesmo sem a existência de novas provas.

Quanto aos recursos, há previsão na Lei Complementar Paulista n° 734/93 de um

contra a instauração, e outro contra o indeferimento de instauração. Para Mazzilli, criticando a

abertura que fez a lei paulista:

O inquérito, procedimento administrativo investigatório a cargo do Ministério Público, é informado pelo princípio da obrigatoriedade (e não o da oportunidade e da conveniência). Por força da independência funcional de que gozam os órgãos do Ministério Público, o controle de legalidade sobre a sua instauração está afeto somente ao Poder Judiciário e não a outros órgãos, internos ou externos ao próprio Ministério Público, por mais hierarquizados que sejam (1999, p. 282).

Referido autor trabalha com a idéia de que eventuais ilegalidades no curso da

instrução do inquérito podem e devem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, através de

mandado de segurança ou habeas corpus. No entanto, continua, “o habeas corpus não serve

para trancar um inquérito civil, mesmo que ilegitimamente instaurado, ao contrário, será

adequado para coibir eventual mandado de condução coercitiva eventualmente expedido,

quando falte justa causa ao ato constritivo”.42 Isso se dá porque o inquérito civil não causará,

normalmente, qualquer cerceamento ao direito de locomoção.

Outra decisão que pode tomar o membro do Ministério Público é a propositura de

ajustamento de conduta. A primeira dúvida que surge em relação ao termo de ajustamento de

conduta é a possibilidade de haver transação de direitos metaindividuais, já que os

legitimados não agem em busca de direito próprio, não são os titulares do direito e por isso,

em tese, não poderiam transigir sobre um direito que não seria deles.

A primeira previsão desse tipo de transação foi feita no Estatuto da Criança e do

Adolescente. Depois, no Código de Defesa do Consumidor, onde havia dois dispositivos

prevendo esse termo de ajustamento. No entanto, só um deles foi formalmente vetado pelo

42 MAZZILLI, H.N., O Inquérito Civil, p. 289.

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Presidente, de forma a se ter a possibilidade deste compromisso de ajustamento para qualquer

interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo.

O compromisso é feito entre o causador do dano, de ajustar a sua conduta às

exigências legais, e o Ministério Público, que se obriga somente a não propor a Ação Civil

Pública. É reconhecida a este compromisso a qualidade de título executivo extrajudicial.

Só podem tomar compromisso de ajustamento os órgãos públicos legitimados à ação

civil pública ou coletiva. Dessa forma, associações civis, sociedades de economia mista,

autarquias, fundações públicas não poderiam tomar esses compromissos. No entanto, já há

entendimento no sentido de que as autarquias e fundações públicas podem tomar esses

compromissos.

Muitas vezes, quando o Ministério Público toma esses compromissos, o faz somente

em parte, ou seja, o objeto das investigações é mais amplo do que o que é acordado no

compromisso de ajustamento. Desta forma, as investigações prosseguirão em relação às

apurações que não foram objeto do acordo, enquanto o objeto do acordo é arquivado e

submetido à apreciação do Conselho Superior, para a sua revisão.

Feito o compromisso de ajustamento, o Promotor de Justiça promoverá o

arquivamento do inquérito civil, enviando os autos ao Conselho Superior. Homologado o

arquivamento, os autos retornam ao promotor, que notificará o responsável para que cumpra o

compromisso. Se for cumprido, comunica-se ao Conselho Superior. Em caso de

descumprimento, poderá incidir multa, além de poder ser executado o título executivo.

Incumbirá ao órgão do Ministério Público, que celebrou o compromisso, fiscalizar o

cumprimento do acordo por parte do responsável.

Poderá haver rescisão do compromisso voluntariamente, pelo mesmo modo pelo qual

foi feito, ou judicialmente, por uma ação anulatória. O compromisso de ajustamento tem

eficácia no momento em que é tomado pelo órgão público competente para tanto, ao contrário

do que diz a lei complementar paulista nº 734/93 que só terá eficácia quando houver o

arquivamento do inquérito.

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Deverá o termo versar sobre as condições do cumprimento das obrigações assumidas

pelo investigado, não podendo haver disponibilidade do direito material. O compromisso não

poderá versar sobre interesses indisponíveis, nem sobre disposição do patrimônio público.

O compromisso não impede que qualquer outro co-legitimado proponha a Ação Civil

Pública, no caso de discordar do compromisso efetuado pelo Ministério Público.

Diferentemente, questiona-se se o próprio órgão do Ministério Público que procedeu ao

compromisso de ajustamento poderia propor a Ação Civil Pública. Hugo Nigro Mazzilli

entende que sim, baseado na inexistência de óbice jurídico a isso, “porque os compromissos

de ajustamento supõem implicitamente terem sido pactuados sob a cláusula rebus sic

stantibus, ou seja, se as condições de fato em que se baseou o compromisso se alterarem,

nada impede que a questão seja discutida em juízo”.43

A lei de improbidade administrativa prevê expressa vedação quanto ao compromisso

de ajustamento de conduta. Essa vedação não deve ser vista de forma absoluta, devendo se

conformar ao interesse público, contanto que não exista a renúncia de quaisquer direitos por

parte do Ministério Público, pois isso seria muito mais vantajoso ao interesse público, do que

a propositura de uma ação.

O Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, não está isento de

causar danos a terceiros, o que justificaria o pagamento de indenização ao prejudicado, pela

pessoa jurídica de direito público a que está vinculado o órgão ministerial.

43 MAZZILLI, H.N., O Inquérito Civil, p. 314.

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5. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO

CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL

5.1 Inquérito civil e processo administrativo

O argumento de que o procedimento se expressa como processo se for prevista

também a cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório, peca pela simplicidade. Ao

afirmar só existir contraditório se for processo, entrega-se ao legislador o poder de conferir ou

não o contraditório, desde que qualifique como processo uma sucessão de atos. Preferimos

afirmar que é pela natureza do interesse envolvido que os princípios constitucionais devem se

fazer presentes e efetivados.

Sobre não ser o inquérito civil um procedimento, por não haver a sucessão de atos em

cadeia, deve-se relembrar que estes são divididos em formais (possuem um roteiro dos atos a

serem praticados, sendo orientados pelas regras processuais) e informais (em que a lei não

define a sucessão de atos que o compõem, mas, apesar disso, há efetivamente a sucessão de

atos). A processualidade administrativa residiria neste encaminhamento de atos com a

incidência dos regramentos constitucionais, como se fosse processo judicial.

Para nós, o inquérito civil é processo administrativo, de competência do Ministério

Público, consistente numa sucessão informal de atos que irão compor a decisão do órgão

responsável, tendentes a resguardar o direito público subjetivo à solução imparcial pelo

Estado.

Ademais, a idéia que se tem de diferenciar processo e procedimento com base no

contraditório não pode prosperar. Deve existir o contraditório tanto no processo como no

procedimento, aliás, todas as garantias constitucionais decorrentes do devido processo legal se

aplicam a todos e quaisquer procedimentos.

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O fato de as autoridades administrativas executarem as investigações e coordenarem o

procedimento até a sua entrega ao Poder Judiciário seria suficiente motivação à incidência do

contraditório. Ao que parece, a Administração, cada vez mais e com maior intensidade, em

processos sancionatórios, tem respeitado as garantias constitucionais.

5.2 Contraditório no inquérito civil

Há casos evidentes, sobre os quais não sobrepairam divergências, no sentido de que o

contraditório e a ampla defesa devem se fazer presentes durante o curso do inquérito civil,

quando uma situação de litígio poderá eventualmente se configurar, por exemplo, no caso do

loteador notificado pelo Ministério Público a suprir omissão, como proceder o registro do

loteamento. O simples ato de notificar demonstra ter o Ministério Público concluído sobre a

efetiva ocorrência de ilícito, podendo acarretar danos ao loteador, como o não pagamento dos

lotes pelos compradores. Neste caso, o conflito de interesses é flagrante, operando, pois, os

princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Há, em Fauzi Hassan Chouke,44 um trecho em que ele afirma verificar “um movimento

interpretativo que busca inserir dentro da investigação criminal a garantia do

contraditório”, isto após a promulgação da Carta de 1988. O motivo deste movimento, além

de ser o inquérito penal tido como processo administrativo, seria a existência de um conflito

de interesses, do que surge o litígio e, imediatamente, os litigantes. Hassan Chouke (1995)

mesmo concordando com a maioria da doutrina, no sentido de inexistir espaço para o

contraditório e a ampla defesa em inquérito, inclina-se para a possibilidade de o indiciamento,

de lege ferenda, passar a instaurar um litígio no inquérito, a partir do que passaria a incidir, aí

sim, o princípio constitucional.

44 CHOUKE, F.H., Garantias constitucionais na investigação criminal, p. 114.

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Em sentido contrário, porém, vai sua opinião, sustentada no argumento de não haver

acusado no inquérito policial, da mesma forma como não vê litígio na investigação,

acompanhando assim o magistério de José Frederico Marques, para quem “não se deve

tolerar um inquérito contraditório, sob pena de fracassarem as investigações policiais”.45

Em outra passagem, o saudoso mestre Frederico Marques é ácido, a ponto de afirmar:

“Infelizmente, a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo, o caráter

inquisitivo da investigação, o que consegue sempre que encontra autoridades fracas e

pusilânimes”.46

Para Alexandre de Moraes, tratando da aplicação do inciso LV do art. 5° da

Constituição Federal ao inquérito policial, este é “mero procedimento administrativo, de

caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério

Público”.47

Interessante é o entendimento de Fernando de Almeida Pedroso para quem

manifestações defensivas só têm razão de ser quando se dirigem àquele que poderá decidir

sobre algo, o que não é o caso do inquérito policial.

Note-se que todas as posições colacionadas dizem respeito ao inquérito policial e não

ao inquérito civil, tema do presente trabalho. Tem razão de ser esta busca de subsídios na

esfera penal, porquanto a doutrina que trata do inquérito civil, por vezes, insiste em buscar

subsídios naquela mais amadurecida, que tem como alvo a investigação criminal.

Vejamos assim o tratamento dado à matéria por Luis Roberto Proença, em magnífica

dissertação de mestrado, onde restou assentado quem, em virtude da natureza inquisitiva do

inquérito civil, não se aplicam “a ele os princípios constitucionais do contraditório e da

ampla defesa”.48 Ao ver no inquérito civil mero instrumento preparatório, não tendo por

escopo a aplicação de qualquer sanção ao investigado, afirma sê-lo:

Procedimento administrativo não-punitivo, não havendo razão para sobre ele serem aplicados aqueles princípios constitucionais. Não traz acusado, tratando-se de mera

45 MARQUES, J.F., Elementos de direito processual penal, p.151. 46 Ibidem, p. 152. 47 MORAES, A., Direito Constitucional, p. 289. 48 PROENÇA, L.R., Inquérito Civil, p. 35.

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investigação. Nesta, não há, outrossim, “litigantes”, tendo em vista que a situação não é de litígio, pois a convicção do Ministério Público sobre a real e efetiva responsabilidade de um infrator só pode se dar ao final da instrução do inquérito civil; do contrário, deveria ele desde logo ajuizar a medida judicial indicada (2001, p. 35).

Ressalta, entretanto, que, em alguns casos específicos, uma situação de litígio pode

surgir no curso do inquérito civil, momento em que, como o Ministério Público já tivesse

concluído sobre o caráter de ilicitude, deverão, aí sim, incidir os princípios do contraditório e

da ampla defesa.

Neste momento em que se pretende delinear a natureza do inquérito civil, nos parece

fundamental e conveniente relativizar certas lições oferecidas pela doutrina processualista

penal, relativas ao inquérito policial, tendo em vista as significativas diferenças existentes

entre este e o inquérito civil. A confissão extrajudicial, por exemplo, que possui pouca ou

nenhuma eficácia objetiva no caso da investigação criminal, deve ser tida como de altíssima

eficácia no caso da investigação civil presidida pelo Ministério Público.

Como um de seus aspectos, a influenciar a decisão pela inquisitividade plena, está a

formalidade restrita, por meio da qual as normas que disciplinam o inquérito civil, da

instauração até a conclusão, passando pela instrução, têm apenas caráter administrativo, de

organização interna do Ministério Público.

Outros dois aspectos, por vezes utilizados de maneira exacerbada por alguns membros

do Ministério Público, preocupam aqueles que vêem no Estado de Direito a fórmula política

da Constituição; trata-se da publicidade mitigada e da auto-executoriedade. Tais aspectos,

antes de se defender aqui seu banimento do ordenamento, devem, sim, ser utilizados com a

máxima cautela, por serem medidas excepcionais; jamais se pode olvidar que a regra está na

publicidade plena das investigações. Ademais, a titularidade de determinar diligências toca

originalmente ao Poder Judiciário, em que pese a clareza da Lei nº 7.347/85 em atribuir ao

Ministério Público tais poderes.

É como diz Mazzilli:

Não é o inquérito civil procedimento contraditório; ressalte-se nele, antes, sua informalidade. Não há rigores nem exigências em se colher uma prova antes de

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outra, ou fazer esta diligência antes daquela perícia, o que não quer dizer, porém, não seja submetido a rigoroso sistema de legalidade, que inclui controle de instauração, tramitação e arquivamento (1999, p. 48).

Muito provavelmente a possibilidade de recurso administrativo, em face da

instauração do inquérito civil, contribua para concluirmos existir litígio, no seio do inquérito

civil, ressalte-se que a lei federal não prevê referido recurso, mas a Lei Orgânica do

Ministério Público de São Paulo sim, conferindo-lhe, inclusive, efeito suspensivo.

Conquanto severas críticas tenham sido endereçadas à lei estadual, não se pode negar a

possibilidade de controle jurisdicional da instauração, mediante impetração de mandado de

segurança. Neste sentido, colhe-se relevante conclusão de Proença, no sentido de que a

possibilidade de controle jurisdicional por mandado de segurança “é em razão de que o ato de

instauração pode vir a se mostrar maculado de insuperável ilegalidade, seja por desvio de

finalidade, seja por inexistência de atribuição do órgão instaurador para a sua prática”.49

De outra maneira não se poderia concluir, sobretudo porque o inquérito civil tem o

condão, dentre outras soluções, de ajustar a conduta do investigado. Aproveitemos o ensejo

para verificar as possibilidades abertas com o encerramento das investigações.

Em primeiro lugar, pode o Ministério Público convencer o investigado a se enquadrar

à lei, através da reparação ou de conduta que a lei imponha. Por esta via, um termo de

ajustamento de conduta formaliza o acordo firmado entra Ministério Público e investigado,

extrajudicialmente.

A outra solução, na hipótese de não se obter a adesão voluntária do investigado-

infrator à lei, reside na propositura de ação civil pública. De maneira oposta, entendendo não

ser o caso de propositura de ação civil pública, procederá o órgão do Ministério Público ao

arquivamento do inquérito.

Em todas as hipóteses, o dever de motivação, albergado constitucionalmente (art. 129,

VIII), faz-se imperioso. Seja quando decide propor ação civil pública, mas sobretudo quando

decida pela não-atuação, a fundamentação dos atos ministeriais se faz obrigatória. Idêntico

49 PROENÇA, L.R., Inquérito Civil, p. 48.

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procedimento deve operar na assinatura do termo de ajustamento de conduta, especialmente

pela necessidade de acompanhamento das obrigações assumidas.

Contudo, relevância maior ao presente trabalho está no dever de motivação das

medidas investigativas que impliquem uso da força ou restrição de direitos. É o que afirma

Proença, pois:

Freqüentemente, ao longo de sua instrução, serão tomadas no inquérito civil medidas investigativas que implicarão o uso da força, de restrição de direitos ou de determinação de realização de condutas por terceiros, sendo indispensável, para a legitimação destas medidas, sejam elas fundamentadas, possibilitando o seu controle disciplinar e jurisdicional a posteriori (2001, p. 54).

A admoestação de Proença diz com o momento do país, em que as ações

investigativas deixaram de lado a discrição para lançarem mão das conveniências midiáticas.

O Ministério Público deve exercer os poderes que lhe foram atribuídos na exata medida da

autorização legal, nem mais, nem menos, sob pena de comprometer os bens jurídicos que lhe

são confiados, já que os elementos probatórios devem sempre ser colhidos licitamente.

Discutir a eficácia probatória dos elementos de convicção coligidos no inquérito civil

é, de certo modo, alinhar-se aos que sustentam a obrigatoriedade do contraditório e da ampla

defesa na tramitação da investigação.

Veja-se, por exemplo, a preocupação com a eficácia probatória dos exames periciais

realizados em sede de inquérito policial. A recusa ao contraditório e à ampla defesa deve ser

adotada com parcimônia, pois a não ser que se exija urgência, a autoridade responsável pela

investigação poderia, e deveria, garantir ao acusado a oportunidade de apresentar quesitos.

O melhor a fazer é distinguir entre atos próprios da investigação, nos quais a

cientificação do acusado seria incompatível com o deslinde do caso, e atos em que a

notificação não teria o condão de prejudicar a investigação, sendo possível a participação do

suspeito.

Um dos aspectos debatidos diz com o vazio legislativo que cerca o ato do

indiciamento, para inseri-lo no rol dos direitos da defesa durante a investigação criminal,

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consistente no direito da pessoa ser ouvida como indiciada. É o que alerta Rovégno, posto que

fica, “na prática, ao alvedrio da autoridade policial, esta, por vezes, o adia, a fim de ouvir o

investigado formalmente como testemunha – e, portanto, sob compromisso – ainda que o

faça, substancialmente, tratando-o como efetivo imputado”.50

Temos, destarte, que todas as vezes em que existir efetiva imputação, mesmo que o

individuo não seja formalmente tratado como indiciado, haverá lugar para a defesa. Exemplos

desta imputação podem ser encontrados em providências como prisão, quebra de sigilo,

autorização para busca e apreensão, dentre outras proporcionadas pela legislação aplicável aos

inquéritos, policial e civil.

Elucidativo é o posicionamento de Evandro Fernandes de Pontes e Flávio Böechat

Albernaz. Para ditos autores, em regra, o contraditório não é compatível com o inquérito

policial, embora alguns atos nele contidos devam estar submetidos à incidência do princípio

em tela. Como exemplo dessa incidência, apontam os meios que servirão de prova, exercidos

na investigação, que são irrepetíveis ou de difícil repetição, como diligências de busca ou

perícias. Elencam, outrossim, segunda possibilidade de incidência do princípio do

contraditório ao inquérito, que se revela de elevada importância, quando tratar-se de “atos

judiciais de restrição de direitos fundamentais, praticados no contexto das investigações

prévias”.51

Chegamos, enfim, ao momento de expor as posições daqueles francamente favoráveis

à adoção dos princípios do contraditório e da ampla defesa em fase inquisitorial. Marcelo

Fortes Barbosa afirma que a conjugação das expressões “acusados em geral” e “processo

administrativo”, associada à existência de provas irrepetíveis no inquérito, seria suficiente

para sustentar o cabimento da defesa à fase inquisitorial. A conjugação das expressões levaria

a crer que o legislador pretendeu ampliar o sentido de processo administrativo, de modo a

abranger toda situação coativa.

A postura de Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, no sentido de afastar

a inaplicabilidade dos princípios ao inquérito, simplesmente porque o texto constitucional

50 ROVÉGNO, A. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, p. 295. 51 PONTES, E.F.; ALBERNAZ, F.B., Contraditório e Inquérito Policial no Direito Brasileiro. In: CHOUKE, F.H. (Coord.). Estudos de Processo Penal, p. 147.

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refere-se a processo e não a procedimento administrativo, além de não tratar da figura do

indiciado, merece detalhamento. Os autores que classificam o inquérito como procedimento

administrativo não admitem a interpretação restritiva que alguns fazem sobre o inciso LV, do

art. 5° da Constituição de 1988. Ademais, reforçam o já dito quanto à expressão “acusados

em geral”, de modo a abarcar “qualquer espécie de acusação, inclusive a ainda não

formalmente concretizada”.52

Há ainda argumento adicional fornecido pelos mesmos autores, para quem a atuação

defensiva e a contraditoriedade no inquérito policial são direitos subjetivos do investigado,

cuja inobservância pode levar à nulidade dos atos realizados em discordância com os

princípios.

É o que nos mostra Odete Medauar, quando houver no ato administrativo controvérsia

entre particulares “é razoável utilizar o mesmo tipo de garantias jurídicas existentes no

âmbito da função jurisdicional; a primeira dentre estas é o contraditório ante a

Administração Pública”.53

Antes da instauração do processo, não se pode falar na existência de prova, mas tão-

somente em meios de provas pré-constituídos, porém com força de, eventualmente, embasar o

julgamento antecipado da lide ou mesmo da obtenção de tutela antecipada. Proença salienta

que somente nesta acepção de prova:

52 TUCCI, R.L.; TUCCI, J.R.C., Devido processo legal e tutela jurisdicional, p. 27. 53 MEDAUAR, O., A processualidade no direito administrativo, p. 59.

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É que se pode falar em força probante dos elementos coligidos no inquérito civil: se admitidos ao processo, deverão entrar na consideração do juiz, quando da valoração da prova, cabendo a este a ponderação específica da força de cada meio de prova, vis-à-vis os demais meios de prova coligidos no processo e as alegações do ex adverso, em obediência ao contraditório (2001, p 105).

Deste modo, ver nos elementos coligidos pelo Ministério Público no inquérito civil

presunção de veracidade, ou revesti-los de eficácia e validade em juízo, é atentar contra o

devido processo legal, pois deverão ser aferidas caso a caso, sob a luz do contraditório.

Aduzindo sobre a aplicação do princípio do contraditório a todo e qualquer

procedimento, Caio Sérgio afirma:

Realizamos essa – ingente – digressão com o escopo de pontuarmos, reafirmando que o processo são regramentos, e, neste sentido, o devido processo legal, enquanto garantia constitucional, traduz-se na atribuição das regras constitucionais aos procedimentos, mesmo informais, porque a Lei Maior conferiu – outro tanto – o contraditório e a ampla defesa aos atos administrativos (2005, p.60).

Contudo, embora os elementos de convicção coligidos no curso do inquérito civil

sirvam, num primeiro momento, ao convencimento do próprio membro do Ministério Público,

podem vir a auxiliar na formação da convicção do juiz.

Ao tratar da prova pericial, Proença finda por concluir que “se possível a participação

do investigado na realização dos trabalhos técnicos já na fase da investigação, em especial

no caso de perícias irreproduzíveis no futuro, tanto melhor”.54 Poderia ter sido dito, em

outras palavras, que o contraditório, como instrumento de acesso à verdade dos fatos, encaixa-

se perfeitamente no inquérito civil.

O que dizer então da confissão no inquérito civil, tida como de inegável força,

porquanto deverá ser necessariamente reconhecida pelo juiz, ao proceder à avaliação da

mesma?

Tais meios de prova, só poderão ter seu valor aferido em apreciação contraditória com

aqueles introduzidos no processo pelo réu, nem que seja para discutir sobre a sua 54 PROENÇA, L.R., Inquérito Civil, p. 114.

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autenticidade. Tomando por base o aspecto da discussão da autenticidade de prova, devemos

ponderar que a adoção do contraditório, ainda no inquérito, teria por condão afastar tal

discussão. Os exemplos sobre autenticidade lançam luzes inclusive para documentos e a

confissão extrajudicial, no que se pode antever a preocupação com a legitimidade destes

meios de convicção sem contraditório e ampla defesa, possibilitando a propositura de lides

temerárias.

A Constituição Federal determina que o processo seja contraditório, todo ele, e não

somente parte dele. O inquérito civil, como processo administrativo, desta forma deve ser

inteiramente realizado sob o pálio do contraditório. Ao interessado, investigado, acusado,

indiciado, não importa o nome que se dê, é essencial, ou seja, garantida ao menos a

possibilidade de produzir suas provas ou expor suas razões. Além disso, todos os elementos

coligidos, bem como os argumentos sustentados pelo Estado, devem ser abertos e franqueados

para exame e contestação.

Trazemos à baila a lição da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha55, para quem:

O contraditório garante não apenas a oitiva da parte, mas que tudo quanto apresente ela no processo, suas considerações, argumentos, provas sobre a questão, sejam devidamente levadas em conta pelo julgador, de tal modo que a contradita tenha efetividade e não apenas se cinja à formalidade de sua presença.

Para arrematar esta parte dos posicionamentos, não se pode deixar de lançar olhos pela

jurisprudência pátria que, remansosa, vem afirmando a não aplicabilidade dos princípios do

contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial. Fia-se no argumento constante de que no

inquérito não existem litigantes nem acusados, além de não poder ser classificado como

processo judicial ou administrativo; teria, sim, natureza de procedimento administrativo,

inquisitório e informativo. Como salienta o Supremo Tribunal Federal56, ipsis verbis:

A investigação policial, em razão de sua própria natureza, não se efetiva sob o crivo do contraditório, eis que é somente em juízo que se torna plenamente exigível o dever estatal de observância do postulado da bilateralidade dos atos processuais e da instrução criminal. A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao inquérito

55 ROCHA, C.L.A., Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Brasileiro. 56 STF- 1ª T. – HC n. 69.372/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 7 de maio de 1993, p. 8.328.

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policial tem sido reconhecida pela jurisprudência do STF. A prerrogativa inafastável da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo.

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5.3. Ampla defesa e inquérito civil

A aceitação da ampla defesa no inquérito civil tem sido mais freqüente do que a da

contrariedade, comumente amparada na constatação de que sua aplicação deve ser feita a

partir não só do inciso LV, mas do mesmo modo do inciso LIV, ambos do artigo 5° da

Constituição Federal. Ao afirmar o legislador constituinte que “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, estaria, na verdade, estabelecendo

que em toda atividade estatal que possa atingir os bens individuais, sob qualquer forma de

restrição, ainda que parcial e limitada no tempo, deve ser observado o devido processo legal.

Tal interpretação teria o condão de ampliar o alcance do princípio, pois uma leitura restritiva,

ao contrário, violaria a garantia do Estado Democrático de Direito, no qual o cidadão reúne

todos os meios de se defender face ao poder do Estado.

O inquérito, policial ou civil, coloca o indivíduo na condição de, no mínimo, suspeito,

pouco importante o nome que se lhe dê. Basta que esteja em situação de risco potencial de

restrição à plenitude de seu patrimônio jurídico, para encorajar-nos a classificá-lo como um

daqueles “acusados em geral”.

Rovégno, que em um primeiro momento parece se inclinar pela aplicação do

contraditório e da ampla defesa ao inquérito penal, por serem corolários do devido processo

legal, nega, contudo, a atuação sob a forma de contraditório, durante a investigação criminal,

justamente porque:

O contraditório é um instrumento que, através de um meio (fornecimento de dados) busca um fim (decisão favorável). Se o fornecimento de dados é tarefa da autoridade, sendo a atuação das partes, nesse sentido, absolutamente acessória e desnecessária, bem como, se a decisão favorável e definitiva, que interessa às partes, não decorrerá do inquérito policial, parece que, nesse expediente, a aplicação do contraditório perde a razão de ser (2005, p. 329).

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Por esta conclusão, os interesses do indivíduo no inquérito policial poderiam ser

plenamente satisfeitos com base, unicamente, no princípio da ampla defesa. Distinta situação

é aceitar o impedimento da defesa no inquérito policial, por ser um expediente de natureza

inquisitiva, o que significaria “aceitar a idéia de inquisitividade medieval, que tratava o

inquirido como objeto e não como sujeito de direitos”.57

Nesta linha de pensamento, com a locução “acusados em geral” se quer ampliar o

espectro de incidência da ampla defesa, conquanto seja aceita também a dispositividade da

atuação do investigado, haja vista nenhum dispositivo em nosso ordenamento impor a efetiva

atuação defensiva.

Deste modo, estaria garantida a atuação da defesa na investigação, inclusive com

pedidos de diligências, pedido de liberdade provisória, de relaxamento de flagrante,

impetração de habeas corpus, dentre outros aspectos.

Volvemos à natureza do inquérito civil, de processo administrativo, para, além de

pregar a aplicação do inciso LV, art. 5° da Constituição, nos aliarmos à tese de que atuar de

maneira contrária coincide com tratar o inquirido como objeto.

O conhecimento da acusação, com a informação ao acusado daquilo que pesa contra

ele, adquire contornos de primeira manifestação do direito de defesa. A informação deve

chegar ao investigado não através de comunicações fictícias, mas de modo eficaz e completo.

Além disso, fundamental que se garanta o acesso aos autos, a possibilidade de

apresentar razões e documentos, de produzir provas testemunhais ou periciais e, ao final, de

conhecer os fundamentos da decisão. Nos termos da lei federal nº 9.784/99, em seu artigo 3°,

os administrados poderão exercer todas as prerrogativas que compõem a ampla defesa, quais

sejam: a ciência da tramitação do feito, a vista dos autos, a possibilidade de obtenção de

cópias dos documentos deles constantes, a ciência da decisão, a possibilidade de apresentar

razões e provas antes da decisão, a efetiva consideração das razões produzidas e a assistência

por advogado.

57 ROVÉGNO, A., O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, p. 334.

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E mais que isso, a notificação do investigado para que tome conhecimento do

inquérito civil, possibilitando ao mesmo atuar defensivamente e a oferecer contraditoriedade,

são direitos subjetivos do investigado, cuja inobservância levará à nulidade dos atos

realizados em discordância com os princípios. A portaria de instauração do inquérito deverá,

desta forma, conter a ordem para que a serventia comunique o investigado, instruindo a

notificação com inteiro teor da representação e dos elementos até então coligidos aos autos,

sob pena de inconstitucionalidade.

Por fim, registremos que as normas processuais são de observância obrigatória e fiel

pela Administração Pública, do mesmo modo que os princípios constitucionais processuais.

Lembram Sérgio Ferraz e Adilson Dallari58 que a “desatenção a tais preceitos e princípios

pode acarretar a nulidade da decisão, por cerceamento de defesa”.

5.4 Das provas obtidas por meios ilícitos

Na mesma linha do processo em geral, as provas obtidas por meios ilícitos deverão ser

desconsideradas. Da mesma forma, as provas atingidas pelos vícios, também ficarão

comprometidas. A questão tem a ver com a teoria geral das provas, pela qual ninguém pode

ser denunciado ou condenado com fundamento em provas ilícitas. A atividade persecutória do

Poder Público deve se submeter a parâmetros de caráter ético-jurídico, cuja transgressão só

pode importar na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado.

A norma inscrita no artigo 5º, LVI, da Carta Política, preceitua que a prova obtida por

meios ilícitos deve ser afastada pelo Poder Jurisdicional, mesmo que os fatos apurados sejam

relevantes, sob pena de decretação de inconstitucionalidade da persecução ou da investigação.

Neste sentido, o membro do Ministério Público deve levar para os autos do inquérito civil

todos os elementos de convicção que lhe cheguem às mãos, não só a informação que

corrobore seu intento, mas também a que o contradiga. Mas, antes de tudo, deve levar tão-

somente os elementos obtidos ou produzidos por meios lícitos, porquanto o que está fora disso

não ostenta eficácia jurídica.

58 FERRAZ, S.; DALLARI, A., Processo Administrativo, p. 71.

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A Suprema Corte norte-americana considera essencial a Exclusionary Rule, a partir do

enunciado da IV Emenda à Constituição, pela qual a ilegítima produção ou a ilegal colheita de

prova incriminadora concorre, de modo absoluto e determinante, para o banimento processual

de evidência ilicitamente coligida. Note-se a advertência do então e sempre brilhante ministro

Rafael Mayer, para quem a produção ou colheita de prova, feita “à socapa, para servir, com a

incidência do declarante, como dado a comprometer a sua integridade pessoal, incorre na

infringência dos mais elementares princípios da ética e do mínimo de lealdade que deve

presidir as relações humanas”.59

Ademais, consoante preciso magistério de Ada Pelegrini Grinover60, é “irrelevante

indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes e fora do

processo ou no curso do mesmo)”. A bem da verdade, o que está a Carta Política a resguardar

é o momento da admissibilidade, de modo a tentar impedir os momentos posteriores,

notadamente a valoração da prova ilícita.

A atividade probatória encontra limites na dignidade da pessoa humana e no respeito

aos seus valores fundamentais. O direito de propor e ver produzidos os meios de prova, com

reais possibilidades de convencimento do juiz, constitui desdobramento do direito do

contraditório. Destarte, a obtenção de provas com infração aos princípios constitucionais do

contraditório e da ampla defesa tem repercussão imediata no plano processual, tornando a

prova imprestável, mesmo que sua utilização seja remota.

O alcance da inadmissibilidade atinge, além do seu momento de produção, também a

fase de admissibilidade e valoração. Embora a Constituição Federal não estabeleça sanção no

caso das provas ilícitas, as conseqüências devem defluir dos princípios gerais do direito.

Luiz Francisco Torquato Avolio, tratando da atipicidade constitucional, no sentido da

desconformidade a um modelo imposto pelas normas constitucionais, assevera que “com

relação às normas de garantia, não há lugar para a irregularidade sem sanção”.61

59 RTJ 110/807. 60 GRINOVER, A.P., Liberdades públicas e processo penal, p.151. 61 AVOLIO, L.F.T., Provas Ilícitas, p. 93.

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A conseqüência será, portanto, a decretação de sua inexistência jurídica, “já que essa

repercute no estrito âmbito do interesse das partes”62, tornando ineficaz a prova coligida aos

autos e aquelas dela derivadas. O ingresso contra constitutionem importa na nulidade absoluta

da prova, não surtindo efeitos desde a sua origem, “retroagindo a sua ineficácia ao momento

do seu nascedouro”.63 Aceitar a utilização de prova obtida no curso do inquérito civil, para

propositura da ação civil pública, sem que se tenha sido concedido ao investigado a

possibilidade de ampla defesa e contraditório, terá por conseqüência a nulidade absoluta da

prova, de todos os atos posteriores e, conseqüentemente, nula será a sentença que nela se

fundar.

Com base na constatação da nulidade dos meios de prova, desde seu nascimento, não

se pode alegar que a prova repetida no curso da ação civil pública tem o condão de afastar a

inconstitucionalidade do inquérito civil. O fato de ter sido proposta ação civil com base

naquela prova colhida ao arrepio da Lei Maior, acarreta a nulidade da petição inicial e, como

rastilho de pólvora, tudo o que daí advir ao processo jurisdicional. Dada a absoluta ineficácia

probatória do meio coligido ilicitamente no inquérito civil, tornam-se imprestáveis os

produtos seguintes, seja o oferecimento de ação civil pública, seja o compromisso de

ajustamento de conduta. De forma idêntica, mesmo a sentença transitada em julgado nos autos

da ação civil pública, fundada em prova coligida em desatenção às garantias constitucionais

do contraditório e da ampla defesa, por atipicidade constitucional, deverá ser declarada nula.

No termo de arquivamento, caso não conste expressamente a desconsideração da

prova eventualmente obtida por meio ilícito, nos parece que o interessado poderá valer-se de

mandado de segurança para suprir a omissão. Contribuirá para a concessão do writ igualmente

o fato de que os co-legitimados podem se utilizar daquelas provas para propositura de ação

civil pública, bastando que requisitem cópias do processo administrativo e com estas instruam

a petição inicial. Outro argumento sustentável no mandado de segurança é o de que o

arquivamento não transforma a matéria fática, subjacente aos autos arquivados, em situação

jurídica que deva ser respeitada, podendo o próprio Ministério Público, sobretudo quando por

outro membro, vir a se utilizar futuramente daquela prova ilícita. Secunda a posição exposta o

voto da lavra do eminente ministro Sepúlveda Pertence, in verbis: “estou convencido de que

62 AVOLIO, L.F.T., Provas Ilícitas, p. 93. 63 Ibidem, p. 94.

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essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar

eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita”.64

5.5 Inquérito civil, garantias fundamentais e estado de direito

Sérvulo da Cunha traz algumas importantes considerações sobre a efetividade das

normas constitucionais:

A efetividade – a coincidência entre o Direito que está nos textos e o Direito que está na realidade – é tanto maior quanto maior a inserção cultural da norma. Em outras palavras: o Direito Civil, pela sua tradição e enraizamento, goza de mais efetividade do que o Direito Constitucional; o mundo jurídico civil é mais produtor de certezas do que o mundo jurídico constitucional (2006, p. 216-217).

O constituinte, não tendo definido o que entende por “república”, “federação”,

“litigantes”, etc., nos entrega tarefa de se extrair seus conceitos do conjunto das respectivas

fórmulas operacionais, tal como postas no sistema da Constituição. A questão que ora se

coloca reside da interpretação que se deve fazer do termo “litigantes”, empregado pelo

legislador constitucional no inciso LV, art. 5º. Em tempos de divulgação das investigações

sem que esteja sequer instruído o processo, de condenações pela mídia e de verdadeira caça às

bruxas, a doutrina de há muito já deveria ter sinalizado para o alargamento do conceito de

litígio ou litigante.

Os agentes a atuar são outros, proliferam as condenações sem processo, inquéritos são

manuseados politicamente e escamoteiam-se os responsáveis pelo fuzilamento da honra

alheia. Buscar traduzir litigante como antigamente é, no mínimo, fechar os olhos aos atos

arbitrários e às operações cinematográficas bastante em voga hodiernamente.

Por mais razão, dever-se-ia, imediatamente, ampliar o conceito de litigante, de modo a

albergar os indiciados, mesmo que inexista lei garantindo contraditório e ampla defesa. O que

se está a propor é efetividade dos direitos fundamentais elencados pelo inciso LV, art. 5°, da

Carta Política, sob pena de este inciso contribuir com a ausência total de legitimidade do

64 HC-STF, n. 69.912.

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Estado, com o estabelecimento definitivo de ditaduras comandadas pelos detentores do poder

de instaurar inquéritos.

Pretende-se com isso delimitar o embate entre a segurança jurídica, que pode ser

traduzida como o respeito à legalidade, e, de outro lado, o contraditório e a ampla defesa.

Obviamente que o respeito à legalidade pode ser observado sob prisma inverso, afirmando

que se não há previsão legal, não deve ser feito, sobretudo se tratar da atividade

administrativa. Contudo, argumento deste talante cede por extremada fragilidade, em vista da

existência de princípios – como contraditório e ampla defesa – em sentido diverso do silêncio

da lei, que nada prevê sobre a incidência destes princípios ao inquérito civil, por exemplo.

Falar em ponderação entre a segurança jurídica e os princípios de defesa seria, no mínimo,

realizar exercício exagerado, posto que não estão em choque, mas sim há nítida

preponderância do direito de defesa. Entender o contrário é tentar justificar a arbitrariedade, e

no Estado de Direito não existem soberanos.

O déficit de concretização do princípio do contraditório nos processos administrativos,

ou seja, o fato de não haver nenhuma lei prevendo o contraditório no inquérito civil, não pode

ser suficiente para sua não aplicabilidade. Estaríamos fadados a depender eternamente do

legislador infraconstitucional, conquanto a Constituição já tenha previsto em sentido

contrário. No caso presente, pode-se afirmar que, mesmo não existindo lei dispondo sobre o

contraditório e a ampla defesa no inquérito civil, devem os mesmos ser aplicados da forma

“per saltum”, consoante vimos no capítulo sobre princípios.

As forças políticas responsáveis pela produção normativa são conformadas pelos

princípios constitucionais. Neste sentido, é elucidativa a passagem de John Rawls:

Idealmente uma constituição justa aspira ser um procedimento justo, combinado para assegurar um resultado justo. O procedimento seria o processo político governado pela constituição, o resultado o corpo legislativo promulgado, enquanto os princípios de justiça definiriam um critério independente para o procedimento e o resultado (1972, p. 197).65

65 RAWLS, John. A Theory of Justice, Cambridge. Mass.: The Universitary Press, 1972, p. 197, tradução nossa. (Ideally a just constitution would be a just procedure arranged to insure a just outcome. The procedure would be the political process governed by the constitution, the outcome the body of enacted legislation, while the principles of justice would define an independent criterion for both procedure and outcome.)

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A instituição do Ministério Público surge em momento de abuso da inquisitividade,

para que a apuração e o julgamento fossem cindidos, subtraindo-se assim do poder soberano,

que não encontrava limites, formais ou materiais, o poder irrestrito. A regulamentação do

inquérito civil brasileiro, ao entregar o poder de investigar ao Ministério Público, que em

momento posterior poderá decidir por acionar ou não, atribuir culpa e exigir ajustamento de

conduta, ou ainda simplesmente arquivar, mesmo que após expor a vida, intimidade e honra

do investigado, dá sinais de retorno à inquisição. Por vezes os inquéritos civis, mesmo tendo

movimentado o aparato estatal de maneira abusiva, realizado as vontades da imprensa

carnívora e arrasado a reputação do investigado, é arquivado mediante lacônica cota.

Ora, dizer que o contraditório e a ampla defesa, em instituto que pode – e

costumeiramente o faz – gerar graves prejuízos aos investigados, não se aplica, é brincar com

o Estado Democrático de Direito. A regra é a incidência, todas as vezes que o patrimônio, a

liberdade e a honra das pessoas possam ser afetados, mesmo que por procedimentos levados

adiante por instituições de direito privado, com importância para a coletividade. Se rótulos

como processo e procedimento tivessem aptidão a revogar Constituição Federal, estaríamos

entregues ao governo da doutrina. Veja a respeito o que dizem Sérgio Ferraz e Adilson Dallari

acerca do enclausuramento de aspirações e avanços nos tristes e estreitos limites da

rotulagem:

Quantas vezes não teve, cada um de nós, ensejo de ler reputado autor afastar um conceito inovador, uma abertura de perspectivas, com o simples (mas quase teologal!) argumento de que, independentemente e para além do que alguém pense, o Direito (do qual ele se arvora intérprete privilegiado!) conferiu ao vocábulo expressão própria e diversa (2003, p. 19).

A possibilidade de se argüir a exceção ou o impedimento do membro do Ministério

Público nos mostra que a corregedoria com isso pretende dar resposta e punir abusos em

defesa da própria instituição. Os poderes investigativos concedidos ao membro do parquet, e

a liberdade de decidir ao final, faz com que abusos freqüentemente sejam cometidos. Como se

fazer uma perícia sem a participação do assistente técnico; como obter a confissão sem que

anteriormente o investigado, ou seu advogado, tentem ajeitar o fato para que o direito assista o

seu interesse?

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O compromisso de ajustamento de conduta também merece detalhamento, por ter

eficácia de título executivo extrajudicial, possibilitando a propositura de execução. Vê-se que

tal instrumento, de inegável força coercitiva, relega o investigado ao plano de mero cumpridor

de obrigações assumidas, por vezes, sob o pálio da excessiva unilateralidade, quando não

escorado na arbitrariedade. Está, por assim dizer, o investigado assumindo culpa, mesmo que

por vezes conclua-se pela inadequação das medidas adotadas para o atendimento das

exigências legais. É que, como enfoca Proença66, “o que se pactua não são as obrigações

importadas pelas normas, mas apenas o modo como se dará o cumprimento das mesmas”.

Pode-se dizer, sem medo de falhar, que pode ocorrer de se cumprir o compromisso, mas não

se cumprir a lei. Não obstante, o investigado já terá, no ato da assinatura do termo, assumido

culpa, despendido esforços e maculado sua imagem, circunstâncias desonrosas que

indenização alguma será capaz de reconstruir.

“De lege ferenda”, os princípios tratados devem constar na regulamentação do

inquérito civil, para que não mais pairem dúvidas sobre sua aplicabilidade. Os diversos

motivos aqui explanados nos parecem suficientes para, mesmo que a lei não exista, que tal

aplicabilidade se faça de rigor, como regra, e não mais como exceção. A possibilidade de se

fazer provas, os desmandos na investigação, a atuação irresponsável da mídia, a assunção de

culpa em ajustamento de condutas, não podem ficar sem o devido albergue por parte do

Estado, sobretudo em um que se pretenda Democrático de Direito e defensor dos acusados em

geral. De outra parte, a responsabilização pessoal, inclusive criminal, dos agentes que

perpetrarem condutas violadoras do patrimônio, liberdade e honra dos investigados, já há

tempos deveria contribuir para a criação de uma cultura de respeito às garantias básicas do

Estado de Direito.

66 PROENÇA, L.R., Inquérito Civil, p.139.

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CONCLUSÃO

– Os princípios, desde que passem a integrar o plano constitucional, restam de uma vez por

todas normatizados, alcançando o plano deontológico. Mais que isso, tornam-se o ápice e a

base da pirâmide jurídica, fulminando qualquer provimento estatal que com eles conflitem.

– De um ponto de vista histórico os direitos fundamentais são originalmente direitos

humanos. Contudo, os direitos fundamentais adquirem a qualidade de produtor de efeitos

no plano jurídico, enquanto manifestações positivas do direito. Por seu turno, por serem

pautas ético-políticas, situados em uma dimensão suprapositiva, os direitos humanos têm

natureza deôntica diversa das normas jurídicas, especialmente as de Direito interno.

– Contraditório envolve poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas

que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção de

provas, fazendo, no caso das testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis;

falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos do

processo aos quais deve estar presente; recorrer quando inconformado.

– Como no contraditório, a ampla defesa carrega em si prerrogativas, que vão desde a defesa

pessoal e a defesa técnica, passando pela acusação clara e precisa, a notificação de que se

está sendo acusado ou investigado, a concessão de tempo e meios adequados para

preparação da defesa, até o direito de não ser obrigado a depor contra si.

– Podemos vislumbrar duas realidades abarcadas na palavra “processo”: a primeira delas

pode ser vista de modo panorâmico, de cima para baixo, como uma sucessão de atos

instrumentais que terminam em certo ponto, com o resultado. De outro ponto,

especificamente observando de dentro do caminho, notamos as peculiaridades dos atos e

identificamos seu itinerário. Deste modo, a primeira realidade se mostra maior, genérica,

enquanto a segunda é algo específica, atomizada. À primeira se aplica a denominação

processo; à segunda, chama-se procedimento.

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– Cumpre aos administrativistas atinarem para a importância da processualidade, pois, sem o

princípio democrático a função administrativa não se aplicará de maneira fiel. O

encadeamento dos atos antecedentes deve se dar dentro de uma relação de obrigatoriedade,

direitos, deveres, ônus e faculdades. Isso resguarda não só o administrado, mas garante a

ele que sempre que se pretender impor ônus, a contrapartida será a observância do

processo, já que o caminho que conduz a um ato estatal não será escolhido livremente pela

Administração, mas encontra-se de antemão delineado em direção a um ato final.

– O direito público subjetivo à solução imparcial dos litígios pelo Estado, emanando do

status civitatis, encontra-se há muitas décadas consagrado na Declaração Universal dos

Direitos do Homem. Os administrativistas sempre se queixaram da ausência de um

processo administrativo semelhante ao processo jurisdicional, de maneira que a notável

conquista da moderna processualística administrativista, no sentido de redefinir

substantivamente o processo como direito público subjetivo, não pode ser ignorada em

beneficio da expressão procedimento administrativo, meramente instrumental e adjetiva.

– Uma atividade será administrativa sempre que exercida pelo Estado ou órgão a ele

vinculado e, mais, se essa atividade não é jurisdicional, legislativa ou de governo (política).

– Face à realidade do país, de freqüente aviltamento do direito público subjetivo à solução

imparcial dos conflitos, postulamos a classificação do inquérito civil como processo

administrativo, como meio apto a atingir não só finalidade da investigação, mas

principalmente a mesma segurança do processo jurisdicional, com todas as garantias que

lhe são inerentes.

– O inquérito civil é processo administrativo, de competência do Ministério Público,

consistente numa sucessão informal de atos que irão compor a decisão do órgão

responsável, tendentes a resguardar o direito público subjetivo à solução imparcial pelo

Estado.

– É demais sabido que o inquérito civil, por formar provas contrárias ao patrimônio e

liberdade do cidadão; por levá-lo a assumir culpa quando assina o termo de ajustamento de

conduta; por tomar a confissão como pronta e acabada numa futura ação civil pública; se,

ainda, por restarem definidas perícias sem que os assistentes dos acusados possam arrazoar

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quesitos que poderiam afastar a presunção de culpa, demanda esquadrinhamento,

balizamento constitucional com o critério da proporcionalidade.

– O devido processo legal, do qual o contraditório e a ampla defesa são corolários,

imbricam-se intimamente com o Estado Democrático de Direito, confundindo-se para

garantir o direito fundamental de paridade de armas. Sobrepor a proteção social ao direito

de liberdade individual é prestigiar desproporcionalmente a regra em detrimento ao

princípio. O sistema acusatório surge para desvincular-se o acusador do julgador,

atribuindo-se ao Ministério Público a figura de titular de acusação e custos legis. No

entanto, a evolução das situações sociais e a demanda por atuação da Carta Política fazem

com que uma evolução seja praticada urgentemente, pena de volvermos ao arbítrio

inquisitorial.

– A notificação do investigado para que tome conhecimento do inquérito civil, possibilitando

ao mesmo atuar defensivamente e a oferecer contraditoriedade, são direitos subjetivos do

investigado, cuja inobservância levará à nulidade dos atos realizados em discordância com

os princípios. A portaria de instauração do inquérito deverá, desta forma, conter a ordem

para que a serventia comunique o investigado, instruindo a notificação com inteiro teor da

representação e dos elementos até então coligidos aos autos, sob pena de

inconstitucionalidade.

– A possibilidade de se argüir a exceção ou o impedimento do membro do Ministério

Público, nos mostra que a corregedoria com isso pretende dar resposta e punir abusos em

defesa da própria instituição. Os poderes investigativos concedidos ao membro do parquet,

e a liberdade de decidir ao final, faz com que abusos freqüentemente sejam cometidos.

Como se fazer uma perícia sem a participação do assistente técnico; como obter a

confissão sem que anteriormente o investigado ou seu advogado tentem ajeitar o fato para

que o direito assista o seu interesse?

– Aceitar a utilização de prova obtida no curso do inquérito civil, para propositura da ação

civil pública, sem que tenha sido concedida ao investigado a possibilidade de ampla defesa

e contraditório, terá por conseqüência a nulidade absoluta da prova, de todos os atos

posteriores e, conseqüentemente, nula será a sentença que nela se fundar.

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– Dada a absoluta ineficácia probatória do meio coligido ilicitamente no inquérito civil,

tornam-se imprestáveis os produtos seguintes, seja o oferecimento de ação civil pública,

seja o compromisso de ajustamento de conduta. No termo de arquivamento, caso não

conste expressamente a desconsideração da prova eventualmente obtida por meio ilícito,

nos parece que o interessado poderá valer-se de mandado de segurança para suprir a

omissão.

– A conjugação das expressões “acusados em geral” e “processo administrativo”, associada à

existência de provas irrepetíveis no inquérito, já seria suficiente para sustentar o cabimento

da defesa à fase inquisitorial.

– O déficit de concretização do princípio do contraditório nos processos administrativos, ou

seja, não haver nenhuma lei prevendo o contraditório no inquérito civil, não pode ser

suficiente para sua não aplicabilidade. Estaríamos fadados a depender eternamente do

legislador infraconstitucional, conquanto a Constituição já tenha previsto em sentido

contrário. No caso presente, podemos afirmar que, mesmo não existindo lei dispondo sobre

o contraditório e a ampla defesa no inquérito civil, devem os mesmos ser aplicados da

forma “per saltum”, consoante vimos no capítulo sobre princípios.

– Sustentar que o contraditório e a ampla defesa, em instituto que pode – e costumeiramente

o faz – gerar graves prejuízos aos investigados, não se aplica, é brincar com o Estado

Democrático de Direito. A regra é a incidência, todas as vezes que o patrimônio, a

liberdade e a honra das pessoas possam ser afetados, mesmo que por procedimentos

levados adiante por instituições de direito privado, com importância para a coletividade. Se

rótulos como processo e procedimento tivessem aptidão a revogar Constituição Federal,

estaríamos entregues ao governo da doutrina.

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