a efetividade das normas constitucionais programáticas

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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005 9 A EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS Allan Rocha de Souza* SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. As Normas Constitucionais. 3.Classificação das Normas Constitucionais. 4. O Conteúdo das Normas Constitucionais Programáticas. 5. A Eficácia das Normas Constitucionais Programáticas. 6. A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas 7. Conclusões. 1. Introdução Este artigo tem por objetivo compreender a efetividade das normas identificadas como programáticas no Brasil. Assim, nesta parte, após a identificação das questões essenciais sobre as normas constitucionais, far-se-á uma apresentação das diversas classificações das normas constitucionais com relação à sua eficácia no mundo jurídico, ao que se seguirá uma análise do conteúdo destas normas. A apresentação continuará buscando-se identificar as características e conteúdo eficacional das normas programáticas e apontará a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, concluindo, enfim, com o esclarecimento e apontamento dos comandos estabelecidos por estas normas sobre a atuação dos diversos poderes estatais, em especial o Legislativo e Judiciário. * Mestre em Direito, Professor de Direito da FDC, Advogado

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Page 1: A Efetividade das Normas Constitucionais Programáticas

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005

ALLAN ROCHA DE SOUZA 9

A EFETIVIDADE DAS NORMASCONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS

Allan Rocha de Souza*

SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. As NormasConstitucionais. 3.Classificação das NormasConstitucionais. 4. O Conteúdo das NormasConstitucionais Programáticas. 5. A Eficácia dasNormas Constitucionais Programáticas. 6. AEficácia dos Direitos Fundamentais nas RelaçõesPrivadas 7. Conclusões.

1. Introdução

Este artigo tem por objetivo compreender a efetividadedas normas identificadas como programáticas no Brasil.Assim, nesta parte, após a identificação das questõesessenciais sobre as normas constitucionais, far-se-á umaapresentação das diversas classificações das normasconstitucionais com relação à sua eficácia no mundo jurídico,ao que se seguirá uma análise do conteúdo destas normas.A apresentação continuará buscando-se identificar ascaracterísticas e conteúdo eficacional das normasprogramáticas e apontará a aplicação dos direitosfundamentais nas relações privadas, concluindo, enfim, como esclarecimento e apontamento dos comandosestabelecidos por estas normas sobre a atuação dos diversospoderes estatais, em especial o Legislativo e Judiciário.

* Mestre em Direito, Professor de Direito da FDC, Advogado

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2. As normas constitucionais

Todas as normas constitucionais integrantes de umaConstituição rígida, como é o nosso caso, comungam damesma natureza jurídica, e mesmo contendo regras quepostulam finalidades diversas entre si, estas sãocoordenadas ou inter-relacionadas entre si, formando umsistema de condicionamento recíproco entre elas.1 Asregras jurídicas existem para regulamentar os fatos e atosda vida social, elegendo o Direito determinadas categorias,qualificando-os juridicamente e fazendo-os ingressar naestrutura normativa. A existência de um fato ou ato jurídicoverifica-se pela presença dos elementos constitutivos quea lei determina como causa eficiente para a sua incidência,podendo distinguir entre os comuns, indispensáveis àexistência de juridicidade, tais como objeto, forma eagente, e os específicos, relativos a determinadacategoria.2

Estabelecidos estes parâmetros, faz-se necessárioque explicite-se os conceitos de validade, aplicabilidade eefetividade das normas constitucionais adotados nesteestudo. Condição geral e necessária para a aplicabilidadedas normas constitucionais, a vigência é o modoespecífico para a existência da norma jurídica, é portantoa qualidade da norma que a faz existir juridicamente,tornando-a obrigatória, devendo a norma igualmente serlegítima, estando de acordo com os mecanismos previstospara a sua elaboração, devendo estar claro que para vigera norma deve ser inicialmente legítima e posteriormenteter satisfeitas sua promulgação e publicação.3 Aaplicabilidade e eficácia das normas jurídicas constituemfenômenos conexos encarados por prismas diferentes, oprimeiro relacionado ao seu potencial e o segundo a sua

1 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ªed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p. 47.2 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suasNormas. 7 ª ed., atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 82-83.3 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 52-59.

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concretização. Enquanto a aplicabilidade consiste napossibilidade de que esta norma seja concretizada noenquadramento de um caso concreto nas normas jurídicasaplicáveis,4 a sua eficácia está relacionada a suacapacidade de realização e praticidade, à concretizaçãode suas disposições quando aplicada aos casosconcretos, influindo assim na conformação do mundo aoqual está relacionada.5

O conceito de eficácia da norma jurídica pode seranalisado em dois sentidos conexos, o primeiro é referenteà sua eficácia social, sua capacidade de adequar ocomportamento social de acordo com a previsãonormativa, denomina-se tecnicamente de efetividade, já osegundo sentido refere-se a sua eficácia jurídica, que é asua capacidade de a norma ser aplicada, exigida eexecutada.6 Assim, sobre as normas jurídicas, identifica-se como eficácia social a sua efetividade:

porque o produto final objetivado pelanorma se consubstancia no controlesocial que ela pretenda, que elapretende, enquanto a eficácia jurídicaé apenas a possibilidade de que issovenha a acontecer.7

No plano da eficácia jurídica, busca o Direitoclassificar as normas de acordo com o grau demanifestação de sua imperatividade.8

3. Classificação das normas constitucionais

Ressaltando que todas as classificações têm umvalor relativo, a primeira classificação que será abordada

4 Ibidem, p. 51.5 Ibidem, p. 60.6 Ibidem, p. 65-66.7 Ibidem, p. 66.8 Ibidem, p. 66.

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é a que distingue as normas constitucionais em auto-executáveis ou auto-aplicáveis (self-executing) e não auto-executáveis ou não auto-aplicáveis (not self-executing).Defendida originalmente por Thomas Cooley, foi seguidaentre nós por Rui Barbosa, conceituando serem auto-executáveis quando nos fornecerem uma regra mediante:

a qual se possa fruir e resguardar odireito outorgado, ou executar um deverimposto; e não auto-executável quandomeramente indica princípios, semestabelecer normas por cujo meio selogre dar a estes princípios vigor de lei.9

Maria Helena Diniz formula que as auto-executáveisseriam as que podem executar plenamente os deveresimpostos, por serem normas que possibilitam a fruição eproteção do direito outorgado, são preceitos constitucionaiscompletos que não requerem nenhuma complementaçãoinfraconstitucional para a sua aplicação e eficácia,enquanto as não auto-executáveis estabelecem apenasprincípios, que precisam ser complementados por açõeslegislativas ulteriores que conceda-lhes aplicabilidade eeficácia.10 A doutrina americana acolheu também umaoutra distinção, apresentada pela jurisprudência, em quedistingue-se as normas constitucionais em mandatórias,de cumprimento irrecusável, e em diretórias, quepermitem disposição diversa pelo legislador ordinário.11

Estas distinções clássicas, de origem americana, sãosuperadas pelas doutrinas hodiernas, devendo-se

9 COOLEY, Thomas M. A Treatise on the Constitutional Limitations whichrests upon the Legislative Powerof the States of the American Union. Boston:Little Brown, 1980. p. 99-100. Apud FERRARI, Regina Maria Macedo Nery.Normas Constitucionais Programáticas. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2001, p. 101-102.10 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. 4 ª ed., atual. Riode Janeiro: Editora Saraiva, 1998, p. 103-104.11 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas ConstitucionaisProgramáticas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 102.

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destacar a crítica que atribui àsconcepções clássicas uma naturezaanacrônica, desvinculada da realidadevigente, na medida em que cunhada eaplicável apenas sob a égide dasConstituições de matriz liberal, sendo,portanto, incompatível com oconstitucionalismo social dominante nonosso século, no qual assume relevo ocaráter programático de parte dasnormas constitucionais, estabelecendouma atuação positiva dos poderespúblicos na esfera socioeconômica, alémde revelar, também sob este aspecto,que a doutrina clássica de longe nãofornece a melhor e única solução para oproblema da eficácia e aplicabilidade dasnormas constitucionais.12

A doutrina italiana, influenciada por decisões judiciaissobre a eficácia e aplicabilidade de certas normasconstitucionais, concentrou-se em uma análise científicado tema, alcançando uma orientação, ainda aquém dasatisfação, mas:

capaz de produzir resultadosalentadores, mormente porquesalientam a grande importância daschamadas normas programáticas naordenação jurídica em que se inserem.13

Assim, Caetano Azzarati discrimina as normasconstitucionais em preceptivas, obrigatória e impositiva,e as diretivas, que, sem obrigatoriedade, contêm tão-somente uma diretriz para o legislador futuro, não tendoqualquer eficácia, nem sendo consideradas normasjurídicas, podendo ser violadas pela lei ordinária,14 sendo

12 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 237.13 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 77.14 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p.104-105.

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um ponto de vista muito criticado por outros autores italianos,que considerando que as normas diretivas tambémproduzem efeitos, mesmo indireto, já que constrangem olegislador a não transgredir do caminho apontadoconstitucionalmente, por isso propõem os italianos,alterando a classificação anterior, que os mandamentosconstitucionais devem ser classificados como preceptivosobrigatórios sem aplicação imediata, que se aplicam àsnovas leis preservando as anteriores, ou como preceptivosobrigatórios de aplicação imediata, aplicando-se sobre todaa legislação existente ou futura, e os diretivos, que são asnormas programáticas, dirigidas ao legislador mas semexcluírem a possibilidade da divergência com as leisordinárias.15 Há também a diferenciação proposta por VezioCrisafulli, que as distingue por serem de eficácia plena eimediata aplicação ou de eficácia limitada e aplicaçãomediata, e estas últimas podendo ser de legislação eprogramáticas, sendo as de legislação insuscetíveis deaplicação direta por questões técnicas ou por aludirem auma normatividade futura determinando os seus limites, eas programáticas, que são normas jurídicas de eficácia,ainda que negativa, pois paralisam as normas jurídicascontrárias a seus comandos.16

O constitucionalista português Jorge Mirandadestaca diversas classificações ou contraposições demaior incidência sobre os domínios constitucionais, quesão: (a) normas constitucionais materiais e normasconstitucionais de garantia, correspondendo, grosso modo,a normas primárias e secundárias, as primeiras refletindoo núcleo da Constituição em sentido formal enquanto asúltimas estabelecendo meios de assegurar o seucumprimento frente ao próprio Estado; (b) normasconstitucionais de fundo ou orgânicas e normasconstitucionais processuais ou de forma, aquelas

15 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 105.16 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 124.

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respeitantes às relações entre sociedade e o Estado ouao estatuto das pessoas e dos grupos na comunidadepolítica, enquanto estas são definidoras da estrutura ecompetência dos órgãos de poder; (c) normasconstitucionais preceptivas e normas constitucionaisprogramáticas, sendo preceptivas as de eficáciaincondicionada, e as programáticas, dirigidas a fins etransformações sociais, indo além das transformaçõesna ordem jurídica, implicam na verificação pelo legisladorde suas possibilidades concretizadoras; (d) Normasconstitucionais exequíveis e não exequíveis por simesmas, sendo as últimas carecidas de normasinfraconstitucionais tornando-as aplicáveis à vida social;(e) normas constitucionais per se e normas sobre normasconstitucionais, contendo, respectivamente,regulamentação específica ou reportando-se a outrasnormas constitucionais.17

Destaca o mesmo autor que entre as normaspreceptivas e as programáticas “não há diferença denatureza ou de valor. Só existem diferenças de estruturae de projeção no ordenamento”18, e sendo assim, sãoambas normas jurídicas, sendo normas jurídico-constitucionais, são vinculativas e têm o mesmo grau devalidade, variando apenas de realização e efetividade.19

Parcialmente sobreposta à classificação entre exequívele não exequível, mas enquanto as programáticas oupreceptivas diferenciam-se entre si quanto a interaçãocom a realidade constitucional, sendo suscetíveis ou nãode serem, só por força da constituição, imediatamenteconformadas, as exequíveis ou não distinguem-se pelacompletude ou incompletude destas, uma vez que seucaráter distintivo está na própria norma.20 Em razão da

17 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 3 ª ed. Coimbra:Coimbra Editora, 1996, p. 241-242.18 Ibidem, p. 243.19 Ibidem, p. 243.20 Ibidem, p. 246.

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similaridade entre as distinções, propõe-se um esquemaclassificatório alternativo, com três alternativas, quecorrespondem a sucessivos graus de eficácia: (a) normaspreceptivas exequíveis por si mesmas; (b) normaspreceptivas não exequíveis por si mesmas; e (c) normasprogramáticas.21 As similitudes desvendadas entre asegunda e terceira categorias são: ambas devem serconsideradas na interpretação das normas restantes;podem contribuir para a integração de lacunas jurídicas;adquirem um duplo sentido proibitivo pois proíbem aemissão de normas contrárias e comportamentos quetentam impedir a produção de atos por ela impostos; fixamcritérios para o legislador ordinário sobre que versam,gerando inconstitucionalidade material quando háafastamento destes; e, uma vez concretizadas pelasnormas infraconstitucionais, não podem mais ser estasnormas complementadas revogadas, subtraindo aexecutoriedade da norma constitucional.22 Há tambémdistinções entre estas categorias, pois as preceptivas nãoexequíveis determinam imediatamente ainconstitucionalidade superveniente das normas legaisanteriores que disponham em sentido contrário, além deobrigarem a edição de normas complementares paraatribuir-lhes exequibilidade sob pena deinconstitucionalidade por omissão, enquanto que asnormas programáticas determinam a inconstitucionalidadesuperveniente apenas a partir do momento em quereceberem exequibilidade, assim como também ainconstitucionalidade por omissão, que só pode-se verificara partir do mesmo momento, sendo que estas contudonão autorizam o legislador a disporem de sua efetividadequando e se desejarem, pois a ocorrência de situaçõesobjetivas, normativas ou não, que tornem possíveis aemissão de normas legislativas suscetíveis de lhes

21 MIRANDA, Jorge. Op. cit. p. 249.22 Ibidem, p. 250-251.

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conferirem exequibilidade, estas passarão a serobrigatórias.23

Maria Helena Diniz, utilizando os critérios daintangibilidade e da produção de efeitos concretos, concluique as normas constitucionais se classificam em: (a)normas com eficácia absoluta; (b) normas com eficáciaplena; (c) normas com eficácia relativa restringível; e (d)normas com eficácia relativa complementável oudependente de complementação.24 As primeiras,supereficazes ou de eficácia absoluta, são intangíveis, nãohavendo contra elas sequer o poder de emendar. Suaeficácia tem dois aspectos, positivo e negativo, sendoaquele caracterizado pela incidência imediata eintangibilidade, uma vez que não são emendáveis, e oúltimo por vedarem qualquer lei que implicitamente ouexplicitamente lhes contraste, permanecendo assimintangíveis. As normas com eficácia plena distinguem-sedas primeiras pela sua tangibilidade, o que significa queembora tenham aplicação imediata sobre todo o sistemajurídico, podem ser alteradas pelo legislador ordinário,dentro dos parâmetros estabelecidos na própriaConstituição. Ressalvando que as normas com eficáciarelativa restringível correspondem às normas de eficáciacontida da classificação proposta por José Afonso daSilva, apesar da preferência por nomeclatura diversa, aautora aponta como suas características a aplicabilidadeimediata ou plena, acompanhada da possibilidade derestrição ou redução de sua eficácia pela atividadelegislativa posterior, ressalvando que até a superveniênciade legislação restritiva o direito nela contemplado serápleno. Ao final da classificação situam-se as normas comeficácia relativa complementável, cuja aplicação e eficáciapositiva são mediatas, pois dependem de lei posterior quelhes desenvolva a eficácia, possibilitando o exercício do

23 Ibidem, p. 252.24 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 109.

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direito, sua eficácia negativa porém é imediata, poisparalisarão os regramentos incompatíveis, impedindotambém qualquer conduta contrária ao queestabelecerem.25 Subdividem-se em normas de princípioinstitutivo, que necessitam de normas posteriores para darfeições às instituições nelas previstas, e normasprogramáticas,

que comandam o próprio procedimentolegislativo, por serem estabelecedorasde programas constitucionais a seremdesenvolvidos mediante legislaçãointegrativa da vontade do constituinte.26

Pode-se, com isso, identificar “um gradualismo naeficácia das normas constitucionais, por não seremidênticas quanto à produção de seus efeitos e à suaintangibilidade ou emendabilidade.”27 A autora, emconclusão, aponta que:

Há um escalonamento naintangibilidade e nos efeitos dospreceitos constitucionais, pois aConstituição contém normas comeficácia absoluta, plena e relativa.Todas têm juridicidade, mas seria umautopia considerar que têm a mesmaeficácia, pois o seu grau eficacial évariável. Logo, não há normaconstitucional destituída de eficácia.Todas as disposições constitucionaistêm a possibilidade de produzir, a suamaneira, concretamente, os efeitosjurídicos por elas visados.28

25 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 109-115.26 Ibidem, p. 115.27 Ibidem, p. 117.28 Ibidem, p. 117.

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Ao apontar a sua classificação, José Afonso da Silvaaponta o paradigma sobre o qual constrói a suas distinçõesafirmando que todas as normas constitucionais têmeficácia, e que a distinção entre elas “deve ressaltar essacaracterística básica e ater-se à circunstância de que sediferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitosjurídicos.”29 Ao invés de dividir em dois grupos, relativos àeficácia e aplicabilidade, postula o autor uma classificaçãotríplice, que são: (a) normas constitucionais de eficáciaplena; (b) normas constitucionais de eficácia contida; e(c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida,sendo esta última repartida em dois grupos, (c.1) normasprogramáticas e (c.2) normas de legislação. A primeiracategoria inclui todas as normas que, por possuírem umanormatividade suficiente, têm a possibilidade plena deproduzirem todos os seus efeitos essenciais, atingindotodos os objetivos visados pelo constituinte. A segundacategoria inclui normas que também podem produzir todosos seus efeitos de imediato, diferenciando-se dasprimeiras por conterem mecanismos que permitem contersua eficácia em certos limites desejados pelo legisladorordinário. Já as normas do terceiro grupo são todas asque não produzem todos os efeitos essenciais, por faltar-lhes uma suficiente normatividade, tarefa que foi atribuídaao legislador ordinário.30 Pode-se afirmar então que asnormas de eficácia plena são de aplicabilidade direta,imediata e integral sobre os interesses objeto de suaregulamentação, as do segundo grupo também são deaplicabilidade direta e imediata, mas sem a integralidade,pois sujeitas às restrições previstas e dependentes deregulamentação posterior, enquanto as do último gruposão de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porquesomente incidem sobre os interesses que protegem apósuma normatividade ulterior desenvolvendo a sua

29 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 82.30 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 82-83.

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eficácia.31Ao fim, distingue o autor as normas que seenquadram no terceiro grupo da classificação proposta,dividindo-o em normas programáticas, que versam dematérias de caráter ético-social, constituindo programasde ação social, e as de legislação, que sem possuir umconteúdo ético-social, se inserem na parte organizativada constituição.32

Objetivando demarcar adequadamente a situaçãojurídica dos indivíduos frente à Constituição e “reduzir adiscricionariedade dos poderes políticos na aplicação daLei Fundamental e propiciar uma critério mais científico àinterpretação constitucional pelo Judiciário,”33

especificamente quanto às omissões do Executivo eLegislativo, propõe o autor uma nova classificação,consoante com os objetivos de uma Constituição, “queorganiza o exercício do poder político, define os direitosfundamentais do indivíduo e traça os fins políticos a seremalcançados pelo Estado,”34 que assim se as apresentacomo sendo:35 (a) normas constitucionais de organização,que têm por objeto organizar o exercício do poder político,e por isso instituem os órgãos de soberania, definindo-lhes a competência e também os processos de habilitaçãoe mecanismos para o exercício do poder político;36 (b)normas constitucionais definidoras de direito, queestabelecem os direitos fundamentais e inafastáveis dosindivíduos, que podem ser agrupados em quatrocategorias, sendo respectivamente os políticos, osindividuais, sociais e difusos, podendo ter como efeitos ageração de situações desfrutáveis, dependentes apenasde omissões, ou a exigibilidade de prestações positivas

31 Ibidem, p. 82.32 Ibidem, p. 84.33 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de SuasNormas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 93.34 Ibidem, p. 93-94.35 Ibidem, p. 94.36 Ibidem, p. 95.

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pelo Estado, ou ainda a necessidade para a contemplaçãode interesses dependentes de regras integradorasposteriores, o que resulta no poder de seus titulares emexigir prestações negativas dos órgãos reguladores;37 e(c) as normas constitucionais programáticas, que têmpor objeto estabelecer os fins públicos que deverão seralcançados pelo Estado, e, em seu conteúdo, podem definirdireitos para o presente, como os direitos sociais, ou firmarproposições diretivas deste logo observáveis, ou entãoprojetar comportamentos para serem efetivados.38

4. O conteúdo das normas constitucionais programáticas

Após a Primeira Guerra Mundial, duas Constituições,a mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919, apresentaramao mundo uma renovação de perspectiva sobre o Estado,o indivíduo e as relações entre ambos, marcando atransição entre o Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar, Estado Social ou inntervencionista, cuja proteçãodo direitos dos indivíduos se apresentava com umconteúdo negativo, de abstenção do Estado com relaçãoa estes espaços individuais.39 Tendo permanecidoindiferente aos usos feitos destas liberdades, percebeu-se não ser este Estado o único a oprimir, e que arealização das liberdades liberais estão condicionadas apoderes não estatais, como raça, religião e situaçãoeconômica, situações de cujas pressões faz-senecessário resistir para a efetivação plena das liberdadesreconhecidas então, refazendo o posicionamento socialem relação ao papel do Estado, que torna-se o meioapropriado para a superação destas pressões, o quenecessariamente supõe a ampliação de suas funções e

37 Ibidem, p. 99-112.38 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 118-119.39 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 156.

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intervenção na vida econômica e social daquelacomunidade, como se pretendia.40 Esse embate entre ospreceitos liberais e sociais repercute até os nossos diasnos textos constitucionais, com diversos preceitosvoltados à proteção dos trabalhadores, a estruturaeconômica, e os deveres sociais de prestação. Com isso,as constituições absorvem o papel de dirigir a atuação doEstado, através da implementação de normas que definemo papel positivo e social a serem alcançados por estemesmo Estado, “o que nem sempre tem sido veiculadomediante normas precisas, dotadas de todos os elementosnecessários para incidir,”41 porém, na maior parte dasvezes, constituem-se de normas de vultuosa imprecisão,comprometendo justamente a sua eficácia e aplicabilidade.

Definições são quase sempre reducionistas em seuconteúdo e rarefeitas em suas conclusões, mas aindaassim assumem um papel de destaque ao refletirem ascaracterísticas essenciais dos institutos e conceitosjurídicos a que se referem, e também melhorinstrumentalizar os estudiosos para aperfeiçoar osdebates que se seguem. E, neste sentido, Pontes deMiranda propõe a seguinte definição para normasprogramáticas:

“Regras jurídicas programáticas sãoaquelas em que o legislador,constituinte ou não, em vez de editarregra jurídica de aplicação concreta,apenas traça linhas diretoras, pelasquais se hão de orientar os poderespúblicos. A legislação, a execução ea própria justiça ficam sujeitas a essesditames, que são como programasdados à sua função.”42

40 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 135-136.41 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 157.42 PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com a Emendan. 1 de 1969. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 126-127.

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Em outras palavras, mas ainda assim incorporandona conceituação os seus efeitos, José Afonso propõe oseguinte conceito das normas constitucionaisprogramática:

são programáticas aquelas normasconstitucionais através das quais osconstituintes, em vez de regular, direta eimediatamente, determinados interesses,limitou-se a traçar-lhes os princípios paraserem cumpridos pelos seus órgãos(legislativos, executivos, jurisdicionais eadministrativos), como programas dasrespectivas atividades, visando arealização dos fins sociais do Estado.43

Para vivificar os conceitos emitidos resta necessárioa apresentação de suas características essenciais, entreelas a sua natureza, discricionariedade dos meios deefetivação, a quem se destinam e a sua relação com osdireitos sócio-econômicos. Quanto à sua natureza, deve-se ater ao fato de que são de igual natureza a todas asdemais normas, são dotadas de imperatividade ehierarquia superior às demais normas jurídicas, que casocom elas conflitem ficam eivadas de vícios de formação econseqüente inconstitucionalidade. Sua segundacaracterística é, por fazerem-se necessários instrumentoscomplementares para a plenitude de sua eficácia,transferem aos poderes políticos um poder discricionáriona escolha dos meios para concretizá-la, sem contudopermitir que os meios escolhidos ou a omissão quanto àescolha destes causem o afastamento de sua aplicaçãoou esvaziem o seus objetivos. Estas normas dirigem-seprimeiramente aos poderes públicos, tanto o Legislativocomo o Executivo e o Judiciário, vinculando positivamentetodos os seus órgãos, sendo isso ponto pacífico nadoutrina, restando a discussão sobre o efeito vinculante

43 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 138.

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destas normas sobre os particulares, questão polêmicajá abordada supra. E, por fim, relaciona-se o conteúdodestas normas com a disciplina das relações econômicase sociais da sociedade da qual as constituições refletemao mesmo tempo que tentam modificar, passando a seros elementos fundadores de uma ordem econômica esocial sistematicamente disciplinada.44

5. A eficácia das normas constitucionais programáticas

As normas programáticas são reflexos de umconflito de interesses que se desenvolve no seio dassociedades contemporâneas, importando, no mínimo, asuperação da democracia formal em direção a construçãode um regime de democracia substancial. São normasque determinam os princípios que esquematizarão aatuação legislativa futura, e também os princípiosinformadores de toda a ordem jurídica, consubstanciandoo compromisso entre as forças políticas contrárias, partedo mesmo regime político.45 O seu simples surgir nosistema constitucional acarreta, a partir do mínimoeficacial destas normas, obrigações positivas para osdiversos poderes,46 mas também negativos, como apontaCanotilho quando diz que:

Estas normas são todas diretivasmateriais constitucionais e assumemrelevo de uma tripla forma: (1) comoimposições, vinculando o legislador, deforma permanente, à sua realização;(2) como directivas materiais,vinculando positivamente os órgãosconcretizadores; (3) como limites

44 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 182-212.45 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 156.46 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 220.

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negativos, justificando a possibilidadede censura em relação aos actos quea contrariam.47

Entre os seus efeitos, pode-se então, concordandocom a posição de Barroso, afirmar que:

As normas constitucionais programáticas,dirigidas que são aos órgãos estatais, hãode informar, desde o seu surgimento, aatuação do Legislativo, ao editar leis, bemcomo da Administração e do Judiciário aoaplicá-las, de ofício ou contenciosamente.Desviando-se os atos de qualquer dosPoderes da diretriz lançada pelo comandonormativo superior, viciam-se porinconstitucionalidade, pronunciável pelainstância competente.48

Estas conclusões são contudo descrições sintéticasde seus efeitos gerais, pendendo serem destacados osefeitos específicos destas normas, como o faz, porexemplo, Maria Helena Diniz, para quem a eficácia jurídicadestas normas tem os seguintes efeitos sobre oordenamento jurídico:

(a) “impedem que o legislador comumedite normas em sentido oposto aodireito assegurado pelo constituinte,antes mesmo da possível legislaçãointegrativa que lhes dá plenaaplicabilidade, condicionando assim afutura legislação, com a consequênciade ser inconstitucional;(b) impõem um dever político ao órgãocom competência normativa;

47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculaçãodo Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 315.48 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 121.

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(c) informam a concepção estatal aoindicar suas finalidades sociais e osvalores objetivados pela sociedade;(d) condicionam a atividade discricionáriada administração e do judiciário;(e) servem de diretrizes teleológicaspara interpretação e aplicação jurídica(subsunção, integração e correção);(f) estabelecem direitos subjetivos porimpedirem comportamentos antagônicosa elas.”49

José Afonso prefere apontar, de forma conclusiva,os casos onde as normas programáticas têm eficáciajurídica, imediata e vinculante, estabelecendo um rol dedeterminações objetivas sobre o assunto:

(a) “estabelecem um dever para olegislador ordinário;(b) condicionam a legislação futura, coma conseqüência de serem inconstitucionaisas leis ou atos que as ferirem;(c) informam a concepção do Estado eda sociedade e inspiram a suaordenação jurídica, mediante a atribuiçãode fins sociais, proteção dos valores dajustiça social e revelação doscomponentes do bem comum;(d) constituem sentido teleológico paraa interpretação, integração e aplicaçãodas normas jurídicas;(e) condicionam a atividade discricionáriada Administração e do Judiciário;(f) criam situações jurídicas subjetivas,de vantagem ou de desvantagem.”50

49 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 116.50 SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 164.

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De forma ligeiramente diversa e mais sintética emsuas colocações, Barroso prefere distinguir entreproposições que se referem à norma em seus aspectosobjetivos, e as que dirigem-se aos administrados,revelando os contornos dos direitos subjetivos existentesem razão de seus próprios efeitos objetivos:

“Objetivamente, desde o início de sua vigência,geram as normas programáticas os seguintes efeitosimediatos:

(a) revogam os atos normativos anteriores quedisponham em sentido colidente com o princípio queconsubstanciam;

(b) carreiam um juízo de inconstitucionalidade paraos atos normativos editados posteriormente, se com elasincompatíveis.

Ao ângulo subjetivo, as regras em apreço conferemao administrado, de imediato, direito a:

(a) opor-se judicialmente ao cumprimento de regrasou a sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários aosentido do preceptivo constitucional;

(b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretaçãoe decisão orientadas no mesmo sentido e direçãoapontados por estas normas, sempre que estejam empauta os interesses constitucionais por ela protegidos.”51

Outro tópico bastante controvertido é sobre aexistência ou não de um direito subjetivo constituído a partirdas normas programáticas. O primeiro aspecto a serconsiderado é que “delas não resulta para o indivíduo odireito subjetivo, em sua versão positiva, de exigir umadeterminada prestação,”52 ao mesmo tempo em que“fazem nascer um direito subjetivo negativo de exigir doPoder Público que se abstenha de praticar atos quecontravenham os seus ditames.”53 Pois como “elas (as

51 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 122.52 Ibidem, p. 121.53 Ibidem, p. 121.

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normas programáticas) não prescrevem, detalhadamente,uma conduta exigível, vale dizer: não existe, tecnicamente,um dever jurídico que corresponda a um direito subjetivo,”54

embora “indiretamente, como efeito, por assim dizeratípico, elas invalidam determinados comportamentos quelhes sejam antagônicos,”55 e assim, “neste sentido, épossível dizer-se que existe um dever de abstenção, aoqual corresponde um direito subjetivo de exigi-la.”56 Sendofundamental deixar claro que:

se as normas constitucionais tratamde direitos sociais e econômicos, faceà sua imperatividade superior, éirrecusável ao cidadão a possibilidadede postular, perante o Judiciário, orespeito aos direitos que daí decorrem,de modo a garantir o seu exercício, autilidade concreta a ser satisfeita pelaprestação de outrem e a vedação decomportamentos em desconformidadecom os valores constitucionais.57

Analisando as mudanças ocorridas no direito em razãodas transformações constitucionais do século XX, Canotilhoaponta a substância das transformações ocorridas:

A força dirigente e determinante dosdireitos a prestações (económicos,sociais e culturais) inverte, desde logo,o objeto clássico da pretensão jurídica,fundada num direito subjectivo: de umapretensão de omissão dos poderespúblicos (direito a exigir que um estadose abstenha de interferir nos direitos,liberdades e garantias) transita-se para

54 Ibidem, p. 121.55 Ibidem, p. 12156 Ibidem, p. 121.57 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Op. cit. p. 249.

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uma proibição de omissão (direito aexigir que o Estado intervenhaactivamente no sentido se assegurarprestações aos cidadãos).58

6. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

A questão que se coloca de imediato é sobre apossibilidade ou não da aplicação dos preceitosconstitucionais sobre direitos fundamentais nas relaçõesprivadas, com isso são excluídos desta discussão osdireitos fundamentais que se destinam única eexclusivamente aos organismos estatais. Esse tema temsido tratado sob a denominação de eficácia privada,externa ou horizontal. Posições radicais e opostas, umasque negam a existência de vinculação dos particularesaos direitos fundamentais e constróem sua visão a partirdo liberalismo clássico, afirmando que estes direitosrepresentam apenas direitos de defesa dos indivíduos emface do Estado,59 ou ainda, e de outro lado, as quesustentam a submissão dos atores privados a estesdireitos equipara-se às do Estado, parecem ambas teremsido superadas ao longo do tempo.60 Com isso, superandoa discussão sobre a eficácia plena ou inexistente, econcluindo por uma eficácia distinta da qual os Estadosestão vinculados, discute-se hoje a forma de sua efetivaçãonas relações privadas. Ingo Sarlet aponta que:

para além de vincularem todos ospoderes públicos, os direitosfundamentais exercem sua eficáciavinculante também na esfera jurídico-

58 CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit. p. 365.59 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio deJaneiro, Lumen Juris, 2004, p. 226-227.60 Ibidem, p. 275.

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privada, isto é, no âmbito das relaçõesjurídicas entre particulares.61

A eficácia destes direitos nas relações privadas é:

indispensável no contexto de umasociedade desigual, na qual aopressão pode provir não apenas doEstado, mas de uma multiplicidade deatores privados, presentes em esferascomo o mercado, a família, a sociedadecivil e a empresa.62

Deste modo, pode-se afirmar que:

Ponto de partida para o reconhecimentode uma eficácia dos direitosfundamentais na esfera das relaçõesprivadas é a constatação de que, aocontrário do Estado clássico e liberal deDireito, no qual os direitos fundamentais,na condição de direitos de defesa, tinhampor escopo proteger os indivíduos deingerências por parte dos poderespúblicos na sua esfera pessoal e no qual,em virtude de uma preconizadaseparação entre Estado e sociedade,entre o público e o privado, os direitosfundamentais alcançavam sentidoapenas nas relações entre os indivíduose o Estado, no Estado social de Direitonão apenas o Estado ampliou suasatividades e funções, mas também asociedade cada vez mais participa cadavez mais do exercício do poder, de talsorte que a liberdade individual nãoapenas carece de proteção contra os

61 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4 ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 362.62 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 223.

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poderes públicos, mas também contra osmais fortes no âmbito da sociedade, istoé, os detentores de poder social eeconômico, já que é nesta esfera que asliberdades se encontram particularmenteameaçadas.63

Aceito o paradigma da vinculação dos particularesaos preceitos constitucionais fundamentais, a eficáciacontra terceiros das normas fundamentais (“Drittwirkungder Grundrechte”) procura então

responder à questão de saber sob quepressupostos um comportamentolesivo da esfera jurídica de uma pessoapode ser apreciado segundo os padrõesnormativos dos direitos fundamentaisconstitucionalmente positivados64

com isso a controvérsia dirige-se ao seu modusvinculandi, que relaciona-se ao problema da irradiação dosdireitos fundamentais,65 cujo problema parece consistir navulgarização destes preceitos constitucionais, variando adoutrina entre as teses de eficácia mediata ou direta e as devinculação imediata ou direta, devendo-se apontar tambéma existência de proposições intermediárias entre ambospólos.66 A primeira corrente pode ser reconduzida àsformulações desenvolvidas originalmente por Günter Dürig,segundo as quais estes direitos somente teriam aplicação

no âmbito das relações entreparticulares após um processo detransmutação, caracterizado pela

63 SARLET, Ingo Wolfgang, Op. cit. p. 365.64CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do Direito Constitucional ouConstitucionalização do Direito Civil. In: Estudos em Homenagem a PauloBonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 109.65 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit. p. 109.66 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 366.

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aplicação, interpretação e integraçãodas cláusulas gerais e conceitosindeterminados do direito privado à luzdos direitos fundamentais.67

Seu propositor identifica a necessidade deconstrução de pontes entre o direito privado e os preceitosconstitucionais fundamentais, uma vez que, segundo osseus adeptos, sua incidência direta acabaria por desfigurara autonomia de vontade, convertendo os direitos privadosunicamente em mecanismos de concretização do DireitoConstitucional.68 É possível concluir-se porém que osargumentos dos adeptos da teoria de eficácia mediata sãoapenas atenuações dos fundamentos que negam a suaeficácia completamente, diferenciando porque osprimeiros reconhecem a irradiação dos valoresconstitucionais perante todos os campos doordenamento.69 Com isso, caberia ao legislador:

a tarefa de mediar a aplicação dosdireitos fundamentais sobre osparticulares, estabelecendo umadisciplina das relações privadas que serevele compatível com os valoresconstitucionais.70

Já o Judiciário exerceria o papel de atribuirsignificado real às cláusulas indeterminadas, rejeitar asnormas incompatíveis por inconstitucionalidade, aplicandodiretamente esses direitos apenas nos casos de lacunado ordenamento privado e inexistência de cláusula geral.71

A outra posição defende a vinculação direta dosparticulares aos direitos fundamentais. Apresentada

67 Ibidem, p. 366.68 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 237-238.69 Ibidem, p. 240.70 Ibidem, p. 241.71 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 241.

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inicialmente por Hans Carls Nipperdey, foi retomada edesenvolvida posteriormente por Walter Leisner, utilizacomo argumentos estruturais a visão de que porconstituírem os direitos fundamentais normas de valoruniversal, não pode-se aceitar que o direito privado formeum gueto à margem da ordem constitucional,72 e emboraalguns desses:

direitos sejam dirigidos apenas aoEstado, outros, por sua natureza, podemser invocados diretamente nas relaçõesprivadas, independentemente dequalquer mediação por parte dolegislador, revestindo-se de oponibilidadeerga omnes.73

Seus defensores, porém, não negam a existênciade particularidades nos mecanismos para a sua aplicação,como também identificam a necessidade de equilibrar osdireitos fundamentais não privados com a autonomiaprivada,74 fundamento primário de todo o ordenamentojurídico privado, devendo ser ressaltado que tanto aliberdade de autodeterminação como a tutela dapersonalidade são princípios fundamentais de aplicaçãodireta, sendo estruturais na determinação dos institutosde direito privado.75 Na Alemanha e Áustria estáconsolidado o direcionamento defendido pelos quevislumbram a aplicação mediata ou indireta daConstituição nas relações privadas, enquanto que emPortugal e Espanha predomina a perspectiva de suaaplicação imediata ou direta.76

A extensão da proteção dos direitos fundamentais éexigida por fatores universais como a desigualdade

72 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 366.73 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 245.74 Ibidem, p. 246.75 HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madrid: EditorialCivitas S. A., 1995, p. 83.76 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 246.

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gritante, opressão e injustiça, que permeiam as relaçõesprivadas, e ao mesmo tempo deve-se rejeitar a simplesequiparação dos atores privados aos entes públicos, poispode conduzir a restrição inaceitável da autonomia privada,inaceitável para os Estados efetivamente preocupadoscom a liberdade individual.77 Deste modo, pode-se apontar:

uma substancial convergência deopiniões no que diz com o fato de quetambém na esfera privada ocorremsituações de desigualdade geradaspelo exercício de um maior ou menorpoder social, razão pela qual não sãotoleradas discriminações ou agressõesà liberdade individual que atentemcontra o conteúdo em dignidade dapessoa humana dos direitosfundamentais, zelando-se, de qualquermodo, pelo equilíbrio entre estesvalores e os princípios da autonomiaprivada e da liberdade negocial e geral,que, por sua vez, não podem sercompletamente destruídos.78

A análise do problema permite a conclusão de queentre estas normas é possível verificar “não oestabelecimento de um abismo, mas de uma relaçãopautada por um contínuo fluir, de tal sorte que, ao aplicar-se uma norma de direito privado, também se está a aplicara própria Constituição.”79 O problema assim é na verdade,mais adequadamente uma questão de conciliação entreos direitos fundamentais e os princípios de direito privado.80

Neste sentido Canotilho aponta que:

A ordem privada não está, é certo,divorciada da Constituição. Não há

77 Ibidem, p. 275-276.78 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 366-367.79 Ibidem, p. 36780 Ibidem, p. 367.

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espaços livre de direitos fundamentais.Todavia, o direito privado perderá a suairredutível autonomia quando asregulações civilísticas – legais oucontratuais – vêem o seu conteúdosubstancialmente alterados pelaeficácia directa dos direitosfundamentais na ordem jurídica privada.A Constituição, por sua vez, éconvocada para as salas diárias dostribunais com a conseqüência dainevitável banalização constitucional.Se o direito privado deve recolher osprincípios básicos dos direitos egarantias fundamentais, também osdireitos fundamentais devemreconhecer um espaço de auto-regulamentação civil, evitandotransformar-se em ‘direito de nãoliberdade’ do direito privado.81

A aplicação dos preceitos fundamentais deve entãoconsiderar o grau de igualdade entre os entes privadosque constroem essa relação, que refletem ao menos duassituações distintas no âmbito da literatura jurídica, aprimeira situação reflete as relações que se estabelecementre o indivíduo e os detentores do poder social, e sãomanifestamente desiguais, enquanto a próxima reflete asrelações estabelecidas por indivíduos em geral,caracterizada por relativa igualdade.82 Com relação àprimeira alternativa, constata-se um relativo consensosobre a aplicação direta dos direitos fundamentais, umavez que trata de uma relação indivíduo-poder, algunsequiparando-a à relação entre o indivíduo e os órgãosestatais.83 Já nos casos onde as relações são igualitárias

81 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit. p. 113.82 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 368.83 Ibidem, p. 368.

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pode-se sustentar ao mínimo uma eficácia indireta,devendo prevalecer o princípio da autonomia de vontade,a não ser quando houver violação do princípio da dignidadehumana,84 ainda porque:

não é demais lembrar que, no concernenteaos limites da autonomia privada, aincidência direta da dignidade da pessoahumana nas relações entre particularesatua também como fundamento de umaproteção da pessoa contra si mesmo, jáque a ninguém é facultada a possibilidadede usar a sua liberdade para violar aprópria dignidade, de tal sorte que adignidade da pessoa assume a condiçãode limite material à renúncia e auto-limitação de direitos fundamentais (pelomenos no que diz com o respectivoconteúdo em dignidade de cada direitoespecificamente considerado).85

Especificamente com relação ao Brasil, DanielSarmento, após elencar e refutar os argumentos em prolde um afastamento da efetividade dos direitosfundamentais nas relações privadas,86 sustenta que porser a dignidade o epicentro da ordem constitucionalnacional, esta é uma via de expansão para os direitosfundamentais, não admitindo portanto elaborações queatentem contra o absolutismo de seu valor,87 acrescentadodo fato de nossa Lei Maior ter um caráter progressista,intervencionista e social,88 conclui o autor que:

“existe sempre uma vinculação direta dosparticulares aos direitos fundamentais,

84 Ibidem, p. 369.85 Ibidem, p. 369.86 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 277-287.87 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 288.88 Ibidem, p. 277-279.

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independentemente da existência, ounão, de uma manifesta desigualdade deforças entre as partes nas relaçõesjurídicas. Não apenas os grandes gruposempresariais, empregadores, associações,sindicatos e congêneres estão atreladosàqueles direitos, mas também o cidadãocomum, nas relações paritárias quemantiver com outras pessoas. A questãoda desigualdade material torna-serelevante apenas no momento em quese tiver de ponderar o direito em questãocom a autonomia privada.89

Alcança a mesma conclusão Ingo Sarlet, emboracom fundamentos ligeiramente diversos, como se observaa partir de sua conclusão:

“Se a tese assim designada eficáciamediata (indireta) segue dominante nadoutrina e na jurisprudência alemãs,inclinamo-nos hoje – pelo menos à luzdo direito constitucional brasileiro – emprol de uma necessária vinculaçãodireta (imediata) também dosparticulares aos direitos fundamentais(salvo, é claro, os que têm pordestinatário precípuo o poder público),sem deixar de reconhecer, todavia, naesteira de Canotilho e outros, que omodo pela qual se opera a aplicaçãodos direitos fundamentais às relaçõesjurídicas entre particulares não éuniforme, reclamando soluçõesdiferenciadas. Tal entendimento, dentreoutras razões que aqui não iremosdesenvolver, justifica-se especialmente

89 Ibidem, p. 289.

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entre nós, pela previsão expressa daaplicabilidade direta (imediata) dasnormas definidoras de direitos egarantias fundamentais, o que, por suavez, não se contrapõe ao fato de que,no âmbito da problemática davinculação dos particulares, ashipóteses de um conflito entre osdireitos fundamentais e o princípio daautonomia privada, pressupõemsempre uma análise tópico-sistemática, calcada nascircunstâncias específicas do casoconcreto, devendo ser tratada de formasimilar às hipótese de colisão entredireitos fundamentais de diversostitulares.”90

A possibilidade de incidência dos direitos sociais àsrelações privadas é controversa e suscita questões de altograu de dificuldade, ao qual se acrescenta a ínfima produçãodoutrinária sobre esta questão. Isto não justifica, contudo,a conclusão de que estes “direitos não influenciam naresolução de litígios privados, ou que sua projeção dependa,sempre, da intermediação operada pelo legisladorordinário.”91 A abordagem destas questões exigem que seconsidere a heterogeneidade das esferas de poder eprestacionais não-estatais e seus efeitos nas relaçõessociais. O enfrentamento desta questão deve consideraras dimensões defensiva e prestacional na estrutura dosdireitos sociais. A primeira dimensão configura-se umaobrigação negativa, um dever de abstenção de condutasque possam ofender ou ameaçar o exercício destes direitos,enquanto a dimensão prestacional corresponde a “deverescomissivos atribuídos ao polo passivo da relação

90 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. p. 370.91 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 331.

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jusfundamental.”92 Com relação à sua dimensão defensiva,a incidência deve ser direta, uma vez que os deveres deabstenção atingem a todos, dentro dos mesmos dosmesmos parâmetros usados para a eficácia dos direitosindividuais, considerando para tanto o alcance da autonomiaprivada nos casos em questão.93 Já sobre a sua dimensãoprestacional, surgem maiores dificuldades em determinaro alcance destas normas nas relações particulares, sendoum fator sistêmico importante é a contribuição feita porparticulares, na forma de tributos, para que o Estado assumaa responsabilidade de garantia do bem-estar dos menosfavorecidos, devendo isto ser equacionado com osprincípios da solidariedade e justiça, objetivos fundamentaisde nosso Estado, também sendo incorporado naponderação os efeitos econômicos que para o agenteprivado com a imposição de cumprimento de uma prestaçãoa um indivíduo não vinculado a este agente, uma vez queestes já contribuem com tributos.94 Neste estágio dadiscussão, não parece haver “como fugir de uma análisetópica, empreendida dentro do marco axiológico desenhadopelo constituinte.”95 E conclui o autor que:

Para reconhecer, no caso concreto, aexistência de eficácia horizontal diretade um direito social prestacional, seránecessário sopesar outros fatores,além daqueles util izados naponderação relativa à aplicação dosdireitos individuais na esfera privada.Ter-se-á que analisar, em primeirolugar, se existe pertinência lógica entrea relação travada entre as partes e odireito que se está postulando.

92 Ibidem, p. 334-335.93 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 335.94 Ibidem, p. 337 e ss.95 Ibidem, p. 350.

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Ademais, os direitos sociais quedependem de mediação legislativa paravincularem positivamente o Estado,também não geram obrigaçõescomissivas para os particulares semesta mediação. E é preciso, por outrolado, analisar a repercussão econômicado custo do direito sobre a atividadedo particular, para verificar se ela podelhe ser razoavelmente imputada, deacordo com os critérios de justiçaextraídos da ordem constitucional.96

7. Conclusão

Em uma síntese sobre as diversas proposições,pode-se concluir então que as normas programáticas têm,pelo menos, os seguintes efeitos:

(a) revogam a legislação e atos anteriores contráriosou impeditivos a consubstanciação de seus efeitos;

(b) determinam a conformação da legislação futura,eivando de inconstitucionalidade normas editadas emcontradição com os seus mandamentos ou as normas e atoseditados cujo conteúdo restrinja-lhe ou impeça a sua eficácia;

(c) estabelecem um dever político para o legisladorcumprir inelutavelmente;

(d) condicionam o poder discricionário tanto daAdministração quanto do Judiciário;

(e) informam os Poderes estatais e não estatais daconcepção social sobre os valores de justiça e ética aserem seguidos, também revelando os componentes dobem comum a todos os membros de tal comunidade;

(f) atribuem sentido teleológico à interpretação,integração e aplicação jurídica;

96 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 377.

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(g) estabelecem direitos subjetivos aosadministrados de oposição ao cumprimentos de regrasde substância contrária aos preceitos destas normasconstitucionais, e ao mesmo tempo de obter decisões nosentido indicado pelas normas.

Referências:

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RESUMO

Buscando compreender a efetividade das normas programáticasno sistema jurídico nacional, este trabalho apresenta inicialmenteas classificações das normas constitucionais com relação à suaeficácia no mundo jurídico, ao que se seguirá uma análise doconteúdo eficacional destas normas, apontando ao final oscomandos estabelecidos por estas normas sobre a atuação dosdiversos poderes estatais, em especial os Poderes Legislativo eJudiciário.

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ABSTRACT

Seeking understand the effectiveness of the constitutional rulesin the national legal system, this work initially presents theclassification of constitutional rules with relation to its legalefficacy, secondly the focus will be on na analysis of appliedcontent of such norms, finally listing the final commandsestablished by theses norms on the acting of the various statepowers, specially the legislative and judicial powers.

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