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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Cavalcante, Maria do Socorro Tavares

Movimentos sociais / Maria do Socorro Tavares Cavalcante. Recife: UPE, 2010. 52 p.

ISBN - 978-85-7856-078-2

1. Movimentos sociais. 2. Movimentos sociais - Educação. 3. Cidadania I. Universidade de Pernambuco - UPE. II. Título.

CDU 316.3

C376m

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REITORProf. Carlos Fernando de Araújo Calado

VICE-REITOR

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

PRó-REITOR ADMINISTRATIVOProf. José Thomaz Medeiros Correia

PRó-REITOR DE PLANEJAMENTOProf. Béda Barkokébas Jr.

PRó-REITOR DE GRADUAÇÃOProfa. Izabel Christina de Avelar Silva

PRó-REITORA DE PóS-GRADUAÇÃO E PESqUISA Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

PRó-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E ExTENSÃOProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

COORDENADOR GERALProf. Renato Medeiros de MoraesCOORDENADOR ADJUNTO

Prof. Walmir Soares da Silva JúniorASSESSORA DA COORDENAÇÃO GERAL

Profa. Waldete ArantesCOORDENAÇÃO DE CURSO

Profa. Giovanna Josefa de Miranda Coelho

COORDENAÇÃO PEDAGóGICAProfa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

COORDENAÇÃO DE REVISÃO GRAMATICALProfa. Angela Maria Borges Cavalcanti

Profa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva

GERENTE DE PROJETOSProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

ADMINISTRAÇÃO DO AMBIENTEIgor Souza Lopes de Almeida

COORDENAÇÃO DE DESIGN E PRODUÇÃOProf. Marcos Leite

EqUIPE DE DESIGNAnita Sousa

Gabriela CastroRafael Efrem

Renata MoraesRodrigo Sotero

COORDENAÇÃO DE SUPORTEAfonso Bione

Prof. Jáuvaro Carneiro Leão

EDIÇÃO 2010Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares

Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife / PE - CEP. 50103-010

Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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movimentos sociais

Profa. Maria do Socorro Tavares Cavalcante | 60 horas

Objetivo geral

Apresentação da disciplina

Ementa

Contexto sócio-histórico dos movimentos sociais contemporâneos. Processos pedagógicos nos mo-vimentos sociais organizados. Movimentos comu-nitários.

Refletir sobre os conceitos e os métodos de análise dos movimentos sociais contemporâneos, eviden-ciando os processos de mudança social e política nas escalas de grupo, sociedade e globo.

A disciplina Movimentos Sociais será vivenciada com base na reflexão sobre as concepções, os conceitos e as ideias que norteiam as organizações humanas instituídas na busca do bem comum. Os estudos nessa área sempre tiveram a marca da contribuição intelectual de muitos pensadores e o foco nos problemas nas especificidades de todo o processo que envolve as relações huma-nas e suas consequências. Entretanto, as inovações que essas teorias inegavelmente trouxeram terminaram por se esgotar na constante reformulação das mesmas questões. Por outro lado, as interpretações sobre as consequências políticas da industrialização excludente chocam-se cada vez mais com a realidade. O explosivo comportamento das massas não só não se verifica como, pelo contrário, as periferias urbanas na luta por reconhecimento.

Essa situação cria condições para novas propostas de investigações que valorizam os estudos de caso, pelos quais se pretende classificar e compreender esses novos comportamentos.

Será feito, ao longo dos estudos com a disciplina, um esforço analítico para compreender como foi construída essa noção de movimentos sociais urbanos e quais as referências metodológicas usadas nessas investigações.

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capítulo 1 7

Profa. Maria do Socorro Tavares Cavalcante

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO A grande novidade dos grupos ligados aos movimentos sociais é sua capacidade de expressar os desejos de base da sociedade. Associações de bairro, grupos de moradores, clube de mães, Co-munidades Eclesiais de Base (CEBs), ao se tornarem mais numerosos e atuantes, são vistos como formas autênticas de participação popular, em que a democracia interna garante tanto a manifes-tação de uma vontade coletiva quanto o confronto direto com as políticas públicas autoritárias.

Parte-se do pressuposto de que, em nosso passado político, a ausência da participação popular é uma tradição. Essa leitura um pouco apressada da história, que apresenta as camadas populares como permanentemente tuteladas, é certamente discutível. Entretanto, essa não é, no momento, a questão central. O que importa é ressaltar as consequências dessa visão, que atribui aos mo-vimentos sociais (como características constituintes do conceito) uma capacidade de construir identidades políticas (novos atores) e uma autonomia frente ao sistema político representativo, uma vez que expressa a manifestação espontânea das camadas populares.

Esses dois aspectos estão intimamente ligados e são definidos como opostos aos mecanismos clientelistas e populistas atribuídos à política tradicional.

O novo é o espontâneo que se opõe à manipulação, é a ação consciente de que substitui a coop-tação; garantindo a expressão dos verdadeiros interesses populares que ficavam sufocados pelos partidos e pelos políticos profissionais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Conceituarmovimentossociais eseusespaços na educação.

• Identificarmovimentossociaiscontem-porâneos e sua influência nos compor-tamentos da sociedade.

intRoDUÇÃo aos estUDos Dos movimentos

sociais

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capítulo 18

culturalista, procura-se “valores culturais” co-muns como suporte para a unidade do grupo e deixa-se de analisar sua prática reivindicativa, que pode mostrar frente em que outros gru-pos são definidos essas identidades. Mas esse interesse pelos processos internos de constru-ção dos grupos populares não chegou a apro-fundar a análise das diferenças e dos conflitos que aí se manifestam.

A ênfase na construção da identidade reforçou a tendência classificatória que apenas opõe o “novo” ao “tradicional”.

A primeira limitação desse procedimento apa-rece na falta de precisão com que se utiliza a noção de participação.

Revestida de um caráter moral, a participação tornou-se sinônimo de convivência igualitária e de contestação. Desde os movimentos liber-tários dos anos 60 (feminismo, anti-racismo, pacifismo etc.), que esse significado ganhava espaço. Mas é preciso não esquecer que a no-ção de participação se aplica ao conjunto de formas de manifestação da sociedade frente ao Estado. As ações reivindicativas dos grupos populares se colocam ao lado de outras for-mas de organizar interesses que permanecem e cumprem funções diferentes.

1. MOVIMENTO SOCIAl UM BREVE HISTÓRICO

Movimento social é um fenômeno de diversas facetas, que acompanha a história das diferen-

tes sociedades - portanto, é mais apropriado tratar (no plural) de movimentos sociais rela-cionando-os ao cenário social do qual emer-gem-; e é também objeto de análise, está in-serido num campo teórico que o descola, ao menos parcialmente, da realidade diversificada e, dessa forma, é possível ultrapassar as singu-laridades e particularidades de cada movimen-

É fácil perceber que, nessa construção, as novi-dades são definidas por contraste e, com isso, em lugar de definir, apenas classificamos dois campos distintos e opostos. E se as classifica-ções podem viabilizar a construção de um dis-curso mobilizador é limitante quando o objeti-vo é chegar a uma explicação.

De fato, os estudos sobre esses novos atores não questionam as inter-relações entre esses dois campos, uma vez que são definidos valen-do-se de práticas apresentadas como incom-patíveis.

Entretanto, continua a haver convivência entre essas formas de participação e a redemocrati-zação de alguns países que viviam sob a domi-nação autoritária, mostrou o quanto é com-plexa a relação entre partidos e movimentos sociais e como esteve obscurecida. A utilidade dessa caracterização por contraste fica clara quando os autores colocam a questão da cria-ção de novas identidades políticas.

O que fundamenta essas novas identidades é a experiência de vida comum que reúne o grupo e seu modo democrático de funcionamento que garante a autenticidade do grupo. Tra-tada desse modo, a formação de identidades novas parece produto apenas de vivência de carências comuns que explicitam, para todos os membros do grupo, uma mesma condição de dominação.

A falta de questionamento, quanto aos inter-locutores a quem se dirige o discurso do gru-po, faz perder o caráter relacional da noção de identidade. Retomando uma perspectiva

Figura 01

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2. MOVIMENTOS SOCIAIS: ESPAÇO PEDAgÓgICO PARA A CIDADANIA

Se tomarmos os anos a partir da década de 1970, observamos que diferentes protagonis-tas, atores sociais, sujeitos coletivos e políticos, estiveram presentes no cenário nacional bra-sileiro, por meio dos movimentos sociais pela redemocratização do país e pela consolidação e garantia de direitos, tais como os movimen-tos de trabalhadores urbanos e rurais, os mo-vimentos populares, de gênero, étnicos, de meninos e meninas que vivem nas ruas, movi-mentos pela cidadania e ética na política, mo-vimentos ecológico e ambientalista. Mais re-centemente, tais atores sociais também estão articulados em redes, em fóruns e por meio de participações institucionalizadas em Orga-nizações não Governamentais, em Conselhos Gestores dos municípios, estados e federação e nas experiências de orçamento participativo, entre outras formas de organização, participa-ção e gestão social.

Essas configurações da sociedade civil orga-nizada têm expressado, desafiado e colocado propostas que se contrapõem ao processo

to social e abranger, num mesmo conceito, fenômenos empíricos muito variados.

Nesse sentido, o conceito de movimento so-cial compreende tanto os movimentos sociais de caráter histórico, como os “da Antigüida-de e da Idade Média: revolta de escravos, he-resias e seitas sociais, levantes camponeses e outros” como os movimentos milenários do século xIx; os motins rurais do século xVIII; os movimentos socialistas e trabalhistas pós-Revolução Industrial); os movimentos de bairro ou populares urbanos, já na segunda metade de nosso século, acentuadamente após 1960, os movimentos brasileiros (rurais) dessas úl-timas décadas e anteriores; os denominados novos movimentos sociais, de mulheres, pa-cifistas, ecológicos, étnicos, etc., das últimas décadas do século xx. Por estarem presentes, de diversas formas, no decorrer da história de diferentes sociedades, pôde-se afirmar que os movimentos sociais não são fenômenos extra-vagantes ou excepcionais, ao contrário, são centrais, estão no cerne da vida social.

Os temas e as questões que envolvem o estu-do sobre movimentos sociais ocupam um lu-gar privilegiado na teoria sociológica clássica e contemporânea. Basta lembrar que um dos aspectos essenciais na Sociologia, desde sua origem, é a análise das manifestações coleti-vas, sob forma de movimentos de massa, das revoltas, enfim, é a análise da multidão. Cada corrente de pensamento sociológico procura compreender, explicar, exorcizar, dinamizar ou controlar a multidão este fenômeno que “im-pressiona, desafia, assusta ou entusiasma”.

Tais correntes teóricas apresentam uma varie-dade de conceitos sobre movimento social que quase nunca são comparáveis entre si, seja pe-los próprios antagonismos e diferenças entre as correntes, seja porque os movimentos so-ciais se constituem objetos que envolvem in-teresse e paixão. Assim “como a maioria das noções das ciências sociais, a de movimento social não descreve parte da realidade, mas é um elemento de um modo específico de cons-truir a realidade social”

Figura 02

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de mundialização em curso encabeçado pela globalização do capital, influindo ou deman-dando influir na formulação e na gestão das políticas públicas.

Nessa perspectiva, é possível afirmar que as diversas expressões da participação social dos sujeitos e atores coletivos, na contemporanei-dade brasileira, têm ampliado e ocupado os “espaços públicos de se fazer política”. Consi-deramos, assim, que as experiências ou expe-rimentos de participação social na atualidade têm trazido à política um novo significado: a política entendida como forma de sociabili-dade, e têm provocado mudanças, inclusive, no sentido da democracia, desenvolvendo “a ideia de que a democracia não é só um regime político, mas é um regime de vida”.

As análises dos movimentos sociais no Bra-sil revelam forte enfoque teórico, oriundo do marxismo, sejam eles vinculados ao espaço urbano e/ou rural. Tais movimentos, quando se referiam ao espaço urbano, possuíam um leque amplo de temáticas, a exemplo das lutas por creches, por escola pública, por moradia, por transporte, por saúde, por saneamento bá-sico etc. quanto ao espaço rural, a diversidade de temáticas expressou-se nos movimentos de boias-frias (das regiões cafeeiras, citricultoras e canavieiras principalmente), de posseiros, sem-terra, arrendatários e pequenos proprietários.

Cada um dos movimentos possuía uma reivin-dicação específica, no entanto, todos expres-savam as contradições econômicas e sociais presentes na sociedade brasileira.

No início do século xx, era muito mais co-mum a existência de movimentos ligados ao rural, assim como movimentos que lutavam pela conquista do poder político. Em meados de 1950, os movimentos nos espaços rurais e urbanos adquiriram visibilidade por meio da realização de manifestações em espaços pú-blicos (rodovias, praças, etc.). Os movimentos populares urbanos foram impulsionados pelas Sociedades Amigos de Bairro - SABs - e pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte repressão policial, os movimentos não se ca-laram. Havia reivindicações por educação, por moradia e por voto direto. Em 1980, desta-caram-se as manifestações sociais conhecidas como “Diretas Já”.

Em 1990, o MST e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos, tais como os movimentos sindicais de professores. Con-comitante às ações coletivas que tocam nos problemas existentes no planeta (violência, por exemplo), há a presença de ações coleti-vas que denunciam a concentração de terra, ao mesmo tempo em que apontam propos-tas para a geração de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); ações coletivas que denun-ciam o arrocho salarial (greve de professores e de operários de indústrias automobilísticas); ações coletivas que denunciam a depredação ambiental e a poluição dos rios e dos oceanos (lixo doméstico, acidentes com navios petro-leiros, lixo industrial); ações coletivas que têm espaço urbano como lócus para a visibilidade da denúncia, reivindicação ou proposição de alternativas.

As passeatas, manifestações em praça públi-ca, difusão de mensagens via internet, ocupa-ção de prédios públicos, greves, marchas, en-tre outros, são características da ação de um movimento social. A ação em praça pública é o que dá visibilidade ao movimento social, principalmente quando este é focalizado pela mídia em geral. Os movimentos sociais são si-nais de maturidade social que podem provocar impactos conjunturais e estruturais, em maior ou menor grau, dependendo de sua organiza-ção e das relações de forças estabelecidas com o Estado e com os demais atores coletivos de uma sociedade.

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3. AlgUNS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORâNEOS NO BRASIl E NO MUNDO

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST O Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra, também conhe-cido pela sigla MST, é um movimento social brasileiro de inspiração marxista, cujo objetivo é a implantação da re-forma agrária no Brasil. Teve origem na aglutinação de movimentos que faziam oposição ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar, principalmente na década de 1970, o qual priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com ob-jetivo de exportação de excedentes populacio-nais e integração estratégica. Contrariamente a esse modelo, o MST declara buscar a redistri-buição das terras improdutivas.

Apesar de os movimentos organizados de massa pela reforma agrária no Brasil remonta-rem apenas às ligas camponesas, associações de agricultores que existiam durante as déca-das de 1950 e 1960, o MST proclama-se como herdeiro ideológico de todos os movimentos de base social camponesa, ocorridos desde que os portugueses entraram no Brasil quando a terra foi dividida em sesmarias, por favor real, de acordo com o direito feudal português, fato esse que excluiu, em princípio, grande parte da população do acesso direto a terra.

Figura 03

Figura 04

Uma das atividades do grupo consiste na ocu-pação de terras improdutivas como forma de pressão pela reforma agrária, mas também há reivindicação quanto a empréstimos e ajuda para que realmente possam produzir nessas terras. Para o MST, é muito importante que as famílias possam ter escolas próximas ao as-sentamento, de maneira que as crianças não precisem ir à cidade e, dessa forma, fixarem as famílias no campo.

A organização não tem registro legal por ser um movimento social e, portanto, não é obri-gada a prestar contas a nenhum órgão de go-verno, como qualquer movimento social ou associação de moradores.

O movimento recebe apoio de organizações não governamentais e religiosas, do país e do exterior, interessadas em estimular a reforma agrária e a distribuição de renda em países em desenvolvimento. Sua principal fonte de finan-ciamento é a própria base de camponeses já assentados, que contribuem para a continui-dade do movimento.

Dados coletados em diversas pesquisas de-monstram que os agricultores organizados pelo movimento têm conseguido usufruir de melhor qualidade de vida que os agricultores não organizados.

O MST reivindica representar uma continuida-de na luta histórica dos camponeses brasileiros pela reforma agrária. Os atuais governantes do Brasil têm origens comuns nas lutas sindi-cais e populares, e, portanto compartilham em maior ou menor grau das reivindicações histó-ricas desse movimento. Segundo outros auto-res, o MST é um movimento legítimo, que usa a única arma de que dispõe para pressionar a

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sociedade para a questão da reforma agrária, a ocupação de terras e a mobilização de gran-de massa humana.

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu em 1997, da necessidade de orga-nizar a reforma urbana e de garantir moradia a todos os cidadãos. Está organizado nos municí-pios do Rio de Janeiro, Campinas e São Paulo. É um movimento de caráter social, político e sindical. Em 1997, o MST fez uma avaliação in-terna em que reconheceu que seria necessária uma atuação na cidade além de sua atuação no campo. Dessa constatação, duas opções de luta se abriram: trabalho e moradia.

Estão em quase todas as metrópoles do País. São desdobramentos urbanos do MST, com um comando descentralizado. As formas de atuação variam de um movimento para outro. Em geral, as ocupações não têm motivação política, apenas apoio informal de filiados a partidos de esquerda. O objetivo das ocupa-ções é pressionar o poder público a criar pro-gramas de moradia e dar à população de baixa renda acesso a financiamentos para a compra de imóveis.

Atualmente, o MTST é autônomo em relação ao MST, mas tem uma aliança estratégica com esse.

Figura 05

O Fórum Social Mundial (FSM) é um evento altermundialista, organizado por movimentos sociais de diversos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transforma-ção social-global. Seu slogan é Um outro mun-do é possível.

É um espaço internacional para a reflexão e a organização de todos os que se contrapõem à globalização neoliberal e estão construindo alternativas para favorecer o desenvolvimento humano e buscar a superação da dominação dos mercados em cada país e em relações in-ternacionais.

A luta por um mundo sem excluídos, uma das bandeiras do I Fórum Social Mundial, tem suas raízes fixadas na resistência histórica dos povos contra todo o gênero de opressão em todos os tempos, resistência que culmina em nossos dias com o movimento irmanando milhões de cidadãos e não-cidadãos do mundo inteiro contra as consequências da mundialização do capital, patrocinada por organismos multila-terais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) entre outros.

O Fórum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira vez na cidade de Porto Alegre, esta-do do Rio Grande do Sul, Brasil, entre 25 e 30 de janeiro de 2001, com o objetivo de se contrapor ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Esse Fórum Econômico tem cumprido, desde 1971, papel estratégico na formulação do pensamento dos que promovem e defen-dem as políticas neoliberais em todo mundo. Sua base organizacional é uma fundação suí-ça, que funciona como consultora da ONU e é financiada por mais de 1.000 empresas multi-nacionais.

Os “hippies” (no singular, hippie) eram parte do que se convencionou chamar movimento

Figura 06

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de contracultura dos anos 60, tendo relativa queda de popularidade nos anos 70, nos EUA, embora o movimento tenha tido muita força em países como o Brasil somente na década de 70. Uma das frases idiomáticas, associada a esse movimento foi a célebre máxima “Paz e Amor” (em inglês “Peace and Love”) que pre-cedeu à expressão “Ban the Bomb”, a qual cri-ticava o uso de armas nucleares.

As questões ambientais, a prática de nudismo e a emancipação sexual eram ideias respeitadas recor-rentemente por essas co-munidades.

Adotavam um modo de vida comunitário, ten-dendo a uma espécie de socialismo-anarquista ou estilo de vida nômade e à vida em comunhão com a natureza, negavam o na-cionalismo e a Guerra do Vietnã, bem como todas as guerras, abraçavam aspectos de reli-giões como o budismo, o hinduismo, e/ou as religiões das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicio-nais da classe média americana e das econo-mias capitalistas e totalitárias. Eles enxerga-vam o patriarcalismo, o militarismo, o poder governamental, as corporações industriais, a massificação, o capitalismo, o autoritarismo e os valores sociais tradicionais, como parte de uma “instituição” única, e que não tinha legi-timidade.

Nos anos 60, mui-tos jovens passa-ram a contestar a sociedade e a pôr em causa os valo-res tradicionais e o poder militar e econômico. Esses movimentos de contestação iniciaram-se nos EUA, impulsionados por músicos e artistas em geral. Os hippies defendiam o amor livre e a não-violência. Como grupo, os hippies ten-dem a viver em comunidades coletivistas ou de forma nômade, vivendo e produzindo inde-pendentemente dos mercados formais, usam

Figura 07 - Jovem mú-sico hippie com trajes

típicos da época.

Figura 08

cabelos e barbas mais compridos que o consi-derado “elegante” na época do seu surgimen-to. Muita gente não associada à contracultura considerava os cabelos compridos uma ofensa, em parte por causa da atitude iconoclasta dos hippies, às vezes por acharem “anti-higiênicos” ou os considerarem “coisa de mulher”.

Foi quando a peça musical Hair saiu do circuito chamado off-Broadway para um grande teatro da Broadway, em 1968, que a contracultura hippie já estava se diversificando e saindo dos centros urbanos tradicionais.

Os Hippies não pararam de fazer protestos contra a Guerra do Vietnã, cujo propósito era acabar com a guerra. A massa dos hippies eram soldados que voltaram depois de ter contato com os Indianos e a cultura oriental que, com base nesse contato, se inspiraram na religião e no jeito de viver para protestarem. Seu principal símbolo era o Mandala (Figura circular com 3 intervalos iguais).

Movimento Feminista

O Feminismo é um discurso intelectual, filosófico e polí-tico que tem como meta os direitos iguais e a proteção legal às mulheres. Ele en-volve diversos movimentos, teorias e filosofias, todas preocupadas com as ques-tões relacionadas às dife-renças entre os gêneros, e advogam a igualdade para homens e mulheres e a campanha pelos direitos das mulheres e seus interesses. De acordo com Maggie Humm e Rebecca Walker, a história do feminismo pode ser dividida em três “ondas”. A primeira

Figura 09

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teria ocorrido no século xIx e início do século xx, a segunda nas décadas de 1960 e 1970, e a terceira teria ido da década de 1990 até a atualidade. A teoria feminista surgiu desses movimentos femininos, e se manifesta em di-versas disciplinas como a geografia feminista, a história feminista e a crítica literária feminis-ta.

O feminismo alterou notada-mente as pers-pectivas predo-minantes em diversas áreas da sociedade oci-dental, que vão da cultura ao di-reito. As ativistas femininas fizeram campanhas pelos direitos legais das mulheres (direitos de contrato, di-reitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da mulher à sua autonomia e à integri-dade de seu corpo, pelos direitos ao aborto e pelos direitos reprodutivos (incluindo o aces-so à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela proteção de mulheres e de garotas contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade e os salários iguais, e todas as outras formas de discrimi-nação.

Durante toda a sua história, a maior parte dos movimentos e teorias feministas tiveram líderes que eram especialmente mulheres brancas de classe média, da Europa Ocidental e da Amé-rica do Norte. No entanto, desde, pelo menos o discurso Sojourner Truth, feito em 1851, às feministas dos Estados Unidos, mulheres de outras raças propuseram formas alternativas

Figura 10

de feminismo. Essa tendência foi acelerada na década de 1960, com o movimento pelos di-reitos civis que surgiu nos Estados Unidos, e o colapso do colonialismo europeu na África, no Caribe e em partes da América Latina e do Su-deste Asiático. Desde então, as mulheres, nas antigas colônias europeias e no Terceiro Mun-do, propuseram feminismos “pós-coloniais” - nas quais algumas postulantes, como Chandra Talpade Mohanty, criticam o feminismo tradi-cional ocidental como etnocêntrico. Feminis-tas negras, como Angela Davis e Alice Walker, compartilham esse ponto de vista.

Desde a década de 1980, as feministas stand-point argumentaram que o feminismo deveria examinar como a experiência da mulher em es-tado de desigualdade se relaciona ao racismo, à homofobia, ao classismo e à colonização. No fim da mesma década e início da seguinte, as feministas ditas pós-modernas argumenta-ram que os papeis sociais dos gêneros seriam construídos socialmente e que seria impossível generalizar as experiências das mulheres por todas as suas culturas e histórias.

Movimento Estudantil

O movimento estudantil, embora não seja conside-rado um movimento po-pular, dada a origem dos sujeitos envolvidos, que, nos primórdios desse movimento, pertenciam, em sua maioria, à cha-mada classe dos peque-nos burgueses, é um mo-vimento de caráter social e de massa. É a expressão política das tensões que permeiam o sistema dependente na sua inteireza e não apenas a expressão ideológica de uma classe ou de visão de mundo. Em 1967, no Brasil, sob a conjun-tura da ditadura militar, esse movimento inicia um processo de reorganização, como a única força não institucionalizada de oposição polí-tica. A história mostra como esse movimento constitui força auxiliar do processo de trans-formação social ao polarizar as tensões que se desencadearam no núcleo do sistema depen-dente. O movimento estudantil é o produto social e a expressão política das tensões laten-

Figura 11

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tes e difusas na sociedade. Sua ação histórica e sociológica tem sido a de absorver e de ra-dicalizar tais tensões. Sua grande capacidade de organização e de arregimentação foi capaz de colocar cem mil pessoas na rua, quando da passeata dos cem mil, em 1968. Ademais, a histórica resistência da União Nacional dos Es-tudantes (UNE), como entidade representativa dos estudantes, é exemplar.

O movimento estu-dantil é um movi-mento social da área da educação, no qual os sujeitos são os próprios estudan-tes. Caracteriza-se por ser um movi-mento policlassista e constantemente renovado - já que o corpo discente se renova periodicamente nas instituições de ensino.

Podem-se encontrar traços de movimentos es-tudantis pelo menos desde o século xV, quan-do, na Universidade de Paris, uma das mais antigas da Europa, registraram-se vários movi-mentos grevistas importantes. A universidade esteve em greve durante três meses, em 1443, e por seis meses, entre setembro de 1444 e março de 1445, em defesa de suas isenções fiscais. Em 1446, quando Carlos VII submeteu a universidade à jurisdição do Parlamento de Paris, eclodiram revoltas estudantis - das quais participou, entre outros, o poeta François Villon - contra a supressão da autonomia uni-versitária em matéria penal e a submissão da universidade ao Parlamento. Frequentemente, estudantes eram detidos pelo preboste do rei e, nesses casos, o reitor dirigia-se ao Châtelet, sede do prebostado, para pedir que o estudan-te fosse julgado pelas instâncias da universida-de. Se o preboste do rei indeferia o pedido, a universidade entrava em greve. Em 1453, um estudante, Raymond de Mauregart, foi morto pelas forças do Châtelet e a universidade en-trou novamente em greve por vários meses.

Contemporaneamente, destacam-se os movi-mentos estudantis da década de 1960, (dentre os quais os de maio de 1968), na França. No mesmo ano, também se registraram movimen-tos em vários outros países da Europa Ociden-

Figura 12 - Mobilização de es-tudantes por melhorias no en-sino público.

tal, nos Estados Unidos e na América Latina. No Brasil, o movimento teve papel importante na luta contra o regime militar que se instalou no país a partir de 1964.

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ACESSE:http://www.cce.udesc.br/cab/oqueeomovimento-estudantil.htm

FILME

Diamante de SangueSerra Leoa, final da década de 90. O país está em plena guerra civil, com conflitos constantes entre o governo e a Força Unida Revolucionária (FUR). quando uma tropa da FUR invade uma aldeia da etnia Mende, o pescador Solomon (Djimon Houn-son) é separado de sua família, que consegue fu-gir. Solomon consegue esconder em um pedaço de pano e o enterra, mas é descoberto por um integrante da FUR. Nesse exato momento, ocorre um ataque do governo, que faz Solomon e vários dos presentes serem presos.

1. Elabore uma linha de tempo ilustrando a his-tória dos movimentos sociais.

2. Liste as ideias centrais do filme sugerido e faça um paralelo com as ideias relativas ao conceito de movimentos sociais.

3. Liste as principais características dos movi-mentos sociais contemporâneos no Brasil e no mundo.

Saiba Mais:

Atividades:

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capítulo 2 17

Profa. Maria do Socorro Tavares Cavalcante

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO O elemento comum que entrelaça os movimentos sociais com a educa-ção é a cidadania. Entretanto, esse termo possui diversas abordagens tanto do ponto de vista teórico-metodológico quanto do processo de mudança e de transformação da sociedade.

A questão da cidadania está ligada à noção de direitos. Trata-se dos direitos naturais e imprescritíveis do homem (liberdade, igualdade pe-rante a lei e direito à propriedade), e dos direitos da nação (soberania nacional e separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário). De acordo com essa ideologia, o homem era suficientemente esclarecido para escolher seus representantes, com conhecimento de causa, inde-pendentemente das pressões e era ainda, acima de tudo, um proprietário (de terras e imóveis).

De acordo com Locke, teórico liberal, há uma diferenciação de direitos entre a classe trabalhadora e a burguesia, pois a primeira, acostumada com o arado e a enxada, era incapaz de ter ideias sublimes. Portanto, a educação para a cidadania era irrelevante para a classe trabalhadora, uma vez que ela não tinha qualidades para ser cidadã.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Relacionar movimentos sociais e pro-cessos de sala de aula.

• Identificarelementostípicosdosmovi-mentos sociais no ambiente escolar.

• Descrevermovimentoestudantil

PRocessos PeDaGÓGicos e

movimentos sociais

estUDantis

Figura 01

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capítulo 218

A igualdade natural, inata entre os homens, seria desfeita no plano da sociedade real, pela desigualdade entre cidadão-proprietário e o não-cidadão e não-proprietário. Enfim, as di-ferenças sociais eram vistas como diferenças de capacidade.

Adam Smith justifica, assim, a necessidade da educação em função da divisão do trabalho. Seria competência de o Estado facilitar, enco-rajar e até mesmo impor a toda população a importância do aprendizado mínimo às neces-sidades de capital.

O pressuposto básico era de que o povo instru-ído seria ordeiro, obediente aos seus superio-res e não presa de crendices e de superstições religiosas e místicas.

O essencial não era instruir, racionalizar o in-divíduo, mas racionalizar a vida econômica, a produção, ou seja, a única educação que inte-ressava era a formação e a produção de mer-cadoria para o trabalho.

A cidadania do séc.xIx, ao contrário dos sécu-los anteriores, dirige-se a todos, incluindo as massas, entretanto a sua finalidade precípua era discipliná-las e domesticá-las, ou seja, bus-cava-se, pela educação, que os membros do tecido social participem do convívio coletivo de forma harmoniosa.

Os direitos sociais não são conquistados, mas sim outorgados pelo Estado.

Nesse processo, em que a educação tem des-taque, a prática pedagógica enfatiza as estra-tégias de persuasão, de esclarecimento e de moralização de cada futuro cidadão.

A educação ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania. Isso porque ela se cons-trói no processo de luta, que é em si próprio, um movimento educativo.

1. MOVIMENTO ESTUDANTIlPor muito tempo, o movimento estudantil era

sinônimo de credibilidade e de respeito, gra-ças às inúmeras pessoas que lutaram ao longo do tempo e, principalmente no período mili-tar, para que os estudantes tivessem melhores condições de estudo e de liberdade de expres-são, além de defender os direitos de todos os cidadãos.

Várias siglas ficaram conhecidas como: UNE, UBES, USES e tantas outras que se tornaram marcas na história brasileira.

Acontece que hoje essas marcas se transfor-maram em produtos políticos partidários que são disputadas renhidamente, para ver quem vai dominar tal sigla e, por meio do prestigio, usá-la como trampolim político.

Hoje eles utilizam os congressos para atrair es-tudantes, e você até pode pensar: isso não é bom? Mas acontece que os atuais congressos não são propriamente para discutir temas que melhorem a educação, mas são verdadeiras festas em que acontece de tudo. E verdadeiras arenas onde os representantes de políticos se digladiam para sair como a vitória em determi-nados pleitos que ocorrem nesses congressos, e as vitórias só se tornam realidade depois de reprimir ou de oferecer privilégios aos delega-dos que têm poder de voto.

Outra coisa que atrai os jovens é achar que o espírito revolucionário é moda e não um meio que existe para conscientizar os estudantes e a sociedade em geral. E esses estudantes, na sua grande maioria, não sabem nem o que é movimento estudantil.

Figura 02

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capítulo 2 19

É muito fácil identificar a forma como hoje é tratado o movimento estudantil, basta você acompanhar as eleições do grêmio nas escolas e você vai ver que a maioria das chapas são eleitas porque têm no seu comando pessoas que são populares ou tidas como as mais en-graçadas da escola e dificilmente têm alguma proposta a ser apresentada. E são esses jovens que são cobiçados pelos partidos políticos na época da eleição, eles trabalham para candida-tos que oferecem de tudo, e acabam tirando toda a atenção do ambiente escolar.

Sem contar alunos que se reprovam por vá-rios anos apenas para continuar à frente dos grêmios e manter certos grupos políticos no comando.

O período mais forte do movimento estudan-til foi na ditadura militar. E atualmente o que acontece com o movimento não é uma forma de ditadura? Exemplo disso é parentes de po-líticos que já estão se preparando dentro dos movimentos para ser o corrupto do futuro e ainda garantir que seu parente tenha um go-verno tranquilo, sem “subversivos” para ator-mentar seu governo.

O movimento estudantil, como movimento so-cial que se desenvolveu dentro das populações escolarizadas, é um dos problemas abandona-dos pela Sociologia da Educação nas últimas décadas, após a produção de obras apressa-das sobre a revolta dos estudantes de maio de 68. No entanto, o movimento estudantil é um tema que, atualmente, está a exigir a abertu-ra de novas frentes de pesquisa, o advento de novas estratégias e a reformulação radical das hipóteses. Para Passeron (1991, p.72), é um equívoco considerar esse um tema superado,

como se no meio estudantil não pudesse ocorrer ou-tra coisa diferente do que havia acontecido, como se a história ideológica sinuosa e contraditória dos estados de ânimo estudantis dos anos 70 em uma paisagem universitária transformada não pudesse ser outra coisa que repetição ou decomposição do que teria expressado em sua totalidade significativa uma crise arquetípica ... cada qual deixa às velhas análises a tarefa de vigiar sobre um meio universitário supos-tamente adormecido.

O tema “movimento estudantil” exige, portan-to, uma releitura que possibilite lançar luzes, em outro foco, sobre a atual crise da univer-

sidade brasileira, seu acelerado processo de desmonte e de privatização, em meio aos dis-cursos de democratização do acesso ao ensino superior por camadas sociais excluídas.

No Brasil, ainda nos anos 60, o crescimento numérico dos ‘excedentes’, fruto da expan-são do ensino secundário, que, aprovados nos concursos vestibulares, não obtinham vagas no ensino superior, foi utilizado como legitimador da expansão da rede privada de ensino supe-rior. As políticas educacionais, implementadas no país na última década, de inspiração neo-liberal, servindo-se do discurso democratizan-te de ampliação do acesso ao nível superior, consolida a iniciativa privada com a concessão do status de Universidade a inúmeras institui-ções privadas, além de permitir a criação de novas modalidades de cursos superiores de curta duração. Como consequência, temos uma inflação de títulos universitários sem o es-perado retorno social e econômico, fenômeno iniciado na década de 60 e que vem, desde então, acirrando-se, e hoje, no Brasil, torna-se nevrálgico com a polêmica das “cotas” para afrodescendentes e alunos provenientes de es-colas públicas .

A forte relação entre desempenho escolar e origem social, amplamente estudada quando nos referimos à educação básica, exige, hoje, um estudo voltado para o ensino superior. A universidade ainda é, por exce-lência e definição, uma das principais instituições que mantêm e legitimam os privilégios sociais. A par da discussão da adoção de ações afirmativas instaura-se a questão de se a democratização do acesso ao ensi-no superior realmente favorece a ascensão social das camadas desfavorecidas. Ou por outro lado a Univer-sidade seria uma instituição formativa que reproduz e legitima o status quo, confirmando as desigualdades sociais.

Bourdieu é um autor fundamental para essa discussão. Como constatam Nogueira e No-

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gueira (2002, p.6), a Sociologia da Educação de Bourdieu tornou-se um marco histórico, quando, a partir dos anos 60, debruçou-se so-bre o problema das desigualdades escolares, aliando teoria e empiria, de forma original e abrangente.

O movimento estudantil, que, por princípio, é uma instância de luta contra os privilégios e em prol da democratização do acesso ao en-sino, se contrapõe ao papel legitimador das desigualdades sociais desempenhado pela Universidade. No entanto, o movimento estu-dantil – inserido que está numa sociedade e numa Universidade desigual – tende a repro-duzir essa desigualdade em seus quadros 1, confirmando trajetórias de distinção e, mesmo não intencionalmente, constituindo um tipo de elite.

O conceito de elite refere-se, em sentido lato, a um grupo de pessoas que ocupam posições proeminentes e, de forma específica, àqueles que se destacam em determinado campo so-cial, ou ainda o estrato superior da sociedade. Não tratamos aqui do sentido restrito de elite como classe dirigente, elite governante ou po-lítica, mas seguindo uma linha de pensamento que admite a pluralidade das elites e sua hete-rogeneidade, e que, portanto, aceita como eli-tes os que acumulam elevado capital cultural, acadêmico ou social, entre outros.

Inserindo a discussão sobre o movimento es-tudantil à luz dos estudos de Bourdieu, sobre a reprodução das desigualdades sociais, por meio das práticas escolares – universitárias, nesse caso -, podemos levantar pistas de como se efetivam as estratégias de distinção no inte-rior da Universidade. A tendência evidente no movimento estudantil é a de seus líderes serem provenientes das camadas médias, sendo in-

significante a presença de estudantes das ca-madas populares ou de estudantes-trabalha-dores. As lideranças do movimento estudantil se destacam na massa universitária, angarian-do prestígio e distinção, acumulando um ca-pital político e social não acessível aos demais estudantes. Portanto torna-se interessante, do ponto de vista sociológico, desvelar os critérios de seleção dos quadros do movimento estu-dantil e avaliar a visibilidade e o prestígio de seus líderes na universidade e na sociedade em geral. Pensamos que esse estudo pode se inse-rir, assim, na problemática maior da educação como mecanismo de equalização social ou es-tratégia diferencial de distinção. Nas últimas décadas, o movimento estudantil desempenhou um papel de destaque na polí-tica nacional. Muitos de seus líderes são hoje políticos de renome, ministros, governadores. No meio acadêmico, muitos professores e pro-fissionais que hoje exercem cargos de desta-que na Universidade e fora dela, foram mili-tantes estudantis.

A desmobilização e a crise do movimento estu-dantil, acirrou a tendência a não reconhecer o jovem como um interlocutor político e social, reduzindo-o a simples consumidor. Ressentin-do-se do momento atual, em que as organiza-ções estudantis e as juventudes partidárias não mais apresentam a força do passado, aumenta a queixa de que os jovens estão ausentes dos espaços e dos canais de participação políti-ca. Isso ocorreria em razão da inexistência ou fraqueza de atores juvenis nas esferas políticas, personificada na baixa adesão dessa categoria etária aos movimentos e às organizações polí-ticas, como aponta Abramo (1997, p.7). Ainda segundo Abramo (op.cit.), esse discurso vem acompanhado de um diagnóstico que aponta o crescimento de tendências sociais que ultra-valorizam o individualismo e o pragmatismo, induzindo os jovens a tornarem-se pré-políti-cos e até a-políticos, ausentes e desinteressa-dos pelas questões políticas e sociais do país.

Para Abramo (1997, p.31), a juventude, nos anos 60, apareceu como uma possibilidade de profunda transformação social, representando na época ora temor ora esperança utópica e, hoje, após 30 anos, teve sua imagem consoli-dada como a de uma geração idealista, gene-

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rosa, criativa, que ousou sonhar e se compro-meter com a mudança social. Essa imagem da geração de 60 influencia, ainda hoje, o movi-mento estudantil que se espelha na sua atua-ção e nos ideais, numa tentativa de opor-se à imagem, disseminada pela midia da juventude dos anos 80 e 90, representada como apática, individualista, consumista, conservadora e in-diferente à questões políticas e sociais.

Essas representações da juventude sugerem certo maniqueísmo ao opor duas gerações como dotadas de atributos diametralmente opostos. O papel de inovação cultural e de transformação social (Uma parcela da esquer-da brasileira atribui esse papel ao PT e/ou ao MST) não é mais atribuído à juventude como o fora outrora. Como se a juventude fosse a única categoria social capaz de mudar ou corrigir as tendências negativas do sistema, apesar de apostar na sua incompetência para efetivar com sucesso as mudanças necessárias. A juventude atual seria incapaz de resistir ou de oferecer alternativas às tendências inscritas no sistema social: o individualismo, o conser-vadorismo moral, o pragmatismo, a falta de idealismo e de compromisso político, e, por-tanto não haveria saída para a crise de valores, para a massificação e para a alienação, ressalta Abramo (1997, p.31), já que a juventude nega seu papel como fonte de mudança .

A juventude universitária de hoje, que se en-gaja no movimento estudantil, ainda procura preservar – atualizando e ressignificando - esse idioma comum dos anos 60, como relembra Brandão (1994, p.72), forjado sobre ideias e ideais de liberdade, autodeterminação dos po-vos e justiça social, com os quais se montavam diferentes retóricas e se elaboravam diferentes projetos, mobilizando-os e à sociedade para caminhar no sentido de um futuro melhor.

2. NÍVEIS FORMATIVO- PEDAgÓgICOS NOS MOVIMENTOS SOCIAS POPUlARESA capacidade de inovar sempre, de se adaptar, de agir reflexiva e teleologicamente são ine-rentes a todo ser humano e a todos os gru-

pos e as sociedades humanas. Incorporar essa concepção e consequente postura epistemo-lógica, implica conceber o conhecimento e a transformação como construção social ativa. Implica superar a ideia de transferência de co-nhecimento ou de “conscientização” em vista de verdades preestabelecidas. No engajamen-to concreto em espaços sociais e históricos, explicitando contradições e num permanente processo de reflexão-acão, permeado pelo diá-logo coletivo, realiza-se a simultânea denúncia das situações injustas e o anúncio das novas possibilidades. Nem o determinismo do pre-sente nem a predeterminação do futuro cabem nessa concepção. Nesse sentido, buscaremos identificar três níveis da realidade, nos quais aparecem desafios e oportunidades específi-cas para os movimentos sociais populares. A explicitação desses níveis fará que possam ser melhor enfrentadas suas especificidades como momentos pedagógicos complementares, oti-mizando oportunidades e acúmulos já existen-tes.

O fato de a própria estrutura e os objetivos dos movimentos sociais populares serem organiza-dos em vista da superação do status quo atual e de seus pressupostos, faz deles um locus pri-vilegiado da construção de novos referenciais para os seus integrantes. Neles as individuali-dades podem tornar-se conscientes dos meca-nismos ideológicos que pesam sobre eles e o quanto a sua visão de mundo e ação está im-pregnada por estes. Na maior parte das vezes, é a situação existencial integral dos indivíduos que é posta em questão, oportunizando um processo de aprendizagem que ultrapassa os limites da racionalidade moderna. E, se é ver-dade que as “premissas fundamentais de todo sistema racional são não-racionais, são noções, relações, distinções, elementos, verdades, (...) que aceitamos a priori porque nos agradam”

Figura 03

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(Maturana, 2002, p. 52), então esse nível de ação é fundamental para a consolidação e a vigorosidade estratégica dos movimentos so-ciais populares.

O núcleo temático desse nível é a resistência e a superação das determinações da totalidade social capitalista nas microrrelações cotidia-nas. Pois é nessas, por meios cada vez mais sofisticados, como a comunicação de massa e uma outra infinidade de meios semióticos, sociológicos e psicológicos que interferem so-bremaneira nas estruturas de sentimentos e no direcionamento e no manejo dos sonhos e das utopias pessoais, que o sistema se está le-gitimando, ao influenciar níveis cada vez mais implícitos e inconscientes. Esses métodos atin-gem cada vez mais a integralidade das pessoas, tornando-as mais dependentes e modeladas aos padrões de consumo e de produção apro-priados à reprodução da estrutura existente. Resulta daí o reforço da ideia de indivíduo que, por meios competitivos, busca a felicidade na aquisição de produtos carregados simbolica-mente pela propaganda. Mesmo que não se tenha acesso a esses padrões de consumo, o espetáculo de imagens e de identificação com personalidades mistificadas cria a ilusão de co--participação nesses padrões idealizados e pro-jetados. Assim, mantém-se ativado o desejo mimético determinador da conduta individual e coletiva. Torna-se difícil, para os indivíduos imersos nessa realidade fetichizada, perceber alternativas que ultrapassem os limites do es-forço individual. Problemas de ordem coletiva aparecem como resultado de atos imorais dos indivíduos, ou determinações naturais inevi-táveis. Mudanças sociais fundadas na ação coletiva são, assim, inviabilizadas. Resulta daí uma subjetividade que se sente extremamente impotente ante as determinações estruturais e

que canaliza e delimita as suas potencialidades e criatividades aos limites do egoísmo pessoal e das estruturas sociais correspondentes.

Por ser um espaço de redefinição do imaginá-rio, do sentido da vida e das utopias individu-ais, os movimentos sociais populares contri-buem para o questionamento e a superação desses limites e para a liberação de novas for-mas de sensibilidade e de relação. Essa mu-dança, porém, está condicionada pelas opor-tunidades de experienciar possibilidades reais de transformação, viabilizadas pela vivência no movimento. Sentir que há a possibilidade de mudança no entorno é ponto de partida para engajamentos maiores. Pessoas protagonistas dos movimentos sociais populares geralmente identificam o seu engajamento nesse tipo de vivências. É óbvio que elas não conduzem au-tomaticamente ao engajamento, mas sem as vivências ele não existe. Assim, as “necessida-des sociais podem tonar-se objeto de desejos coletivos, coesionados com base nas experi-ências de esperança no cotidiano das pesso-as. Sem este suporte experiencial, geralmente sobram apenas propostas centralistas, ampa-radas em algum mito do Estado ideal, ou ilu-sões ideológicas sem nexo com o cotidiano das pessoas.” (Assmann e Mo Sung, 2000, p. 28).

Possibilitar experiências de pertencimento, de pluralidade e de transformações vivenciáveis, uma espécie de conversão de valores, é de im-portância vital para a consolidação e a renova-ção do movimento. Mas elas adquirem sentido emancipador, tornam-se força social, na medi-da em que são constantes e criticamente re-fletidas. O tornar-se consciente da experiência vivida é que supera o voluntarismo disperso e vulnerável. Por isso, momentos de reflexão, de formação, de avaliação e de planejamento da própria ação tomam sentido estratégico tanto para os indivíduos como para os movimentos. Há, no entanto, o outro extremo desse aspec-to, no qual ocorre uma espécie de passagem forçada para perspectivas mais amplas de transformação, para níveis estratégicos que exigem dedicação e acúmulos teórico-quanti-tativos muito grandes, o que muitas pessoas não estão dispostas, nem podem realizar. Isso, muitas vezes, tem levado a uma “politização” forçada das questões. Há, por trás disso, uma crença equivocada de que todas as pessoas de-

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veriam chegar a ter esses acúmulos e de que esses são adquiríveis sem um processo de vi-venciamento ativo e concreto, quando muito antes de ser uma questão teórica é uma ques-tão de postura, de ponto de vista, de método, que está em jogo. Por caírem nessa armadilha epistemológica, muitos movimentos e lide-ranças acabaram por se afastar da realidade vivencial da população e realizando uma vio-lência contra o potencial de energias humanas disponíveis, enfraquecendo ou perdendo as perspectivas emancipadoras.

Ao observarmos, como sujeitos externos, a dinâmica interna dos movimentos sociais po-pulares, ou mesmo suas manifestações mas-sivas, com regras razoavelmente estabelecidas e objetivos razoavelmente claros, podemos ser levados a afirmar que existe ali um sujeito cole-tivo, quase que um “objeto empírico unitário” (Melucci, 2001, p. 25), que se sustenta por si só. No entanto, um movimento só se sustenta por ter uma base social fora dos seus limites, em que é gestado e legitimado. Seu surgi-mento só é possível por existirem, antes disso, redes de relações constituídas nos subterrâne-os da oficialidade e do imaginário social que, quando coesionados, podem tornar-se visíveis e conscientes. É um referencial ético-moral comum, que possibilita uma identidade nos e com os movimentos sociais populares, sem a qual o movimento não seria possível, pois não possuiria bases estruturadoras e porque não seria reconhecido socialmente. A existência de pessoas que compartilhem sentidos, com vi-vências de esperança comuns com um “desejo de convivência num projeto comum de vida” (Melucci, 2001, p. 77), é fundamental para a estruturação e a legitimação social do movi-mento. Mesmo que as dimensões instrumen-tais e estratégicas não estejam claras para to-dos, define-se aí uma postura marcadamente diferente daquela instigada pela normalidade social.

Por isso, a formação de novas subjetividades individuais, seja no movimento ou em outros espaços sociais, tem importância estratégica para os movimentos sociais populares. Eles próprios são o locus privilegiado para tal. Mo-vimentos que não trabalham para fortalecer e diversificar essa dimensão estão fadados ao enfraquecimento e posterior desaparecimento

ou a verem suas demandas diluídas na buro-cratização conivente com o que existe.

2.1 Explicitação das estruturas de poder e fundamentação de novas práticas

Não só para os indivíduos, mas também para toda a sociedade, os movimentos sociais po-pulares podem, no seu processo de gestação, de constituição e de intervenção, ter um caráter p e d a g ó g i c o , porquanto suas mobilizações e re iv indicações tornam visíveis debilidades do sistema e forçam o poder a tomar posições e, nesse sentido, são também uma forma de ex-plicitação das estruturas de poder. De forma que a “ação coletiva nas sociedades complexas impede que o sistema se feche, produz ino-vação e intercâmbio das elites, faz entrar na área do decidível aquilo que está excluído, de-nuncia as zonas de sombra e de silêncio que a complexidade cria” (Melucci, 2001, p. 134). Além disso, como organizações coletivas não determinadas pela legalidade vigente e com intencionalidade e ações críticas em relação ao existente, apontam e introduzem novos valo-res, culturas e horizontes na dinâmica social, pelo seu capital social e político.

Os momentos da luta cotidiana[1]que dizem respeito a uma melhor distribuição de bens no interior do sistema organizativo, a ampliação das possibilidades de decisão e da participa-ção nesses, bem como as ações voltadas para

Figura 04

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melhorar a posição nos processos decisórios, constituem o núcleo temático desse nível de ação. Na ação social cotidiana, é que são to-madas, vivenciadas e possivelmente superadas as contradições. Material básico sem o qual os movimentos sociais populares correm o risco de se perderem em profetismos abstratos ou basismos sem consequências. É o espaço de efetivação organizativa, que gera um tensiona-mento político-social, viabilizando conquistas e reformas significativas para a vida de muitas populações, ainda que não alterem diretamen-te as estruturas de reprodução da sociedade. A existência dos direitos conquistados, contudo, depende fundamentalmente da capacidade de constante mobilização, organização e proposi-ção da organização popular. O sistema, apesar de poder conviver com eles, haverá de suprimi-los, caso não haja mais resistência da base que os defende, ou seja, caso julgue desnecessário lançar mão desses artifícios para garantir seu reconhecimento.

A relação entre capital e trabalho, expressa nas negociações entre sindicatos de trabalhadores e empresários como espaços legalmente cons-tituídos e juridificados, também pertence a esse nível de ação, pois se sabe que melhorias salariais, por si só, não significam nenhuma ruptura com o sistema. Muitas vezes, inclusive, é preciso que o sistema vá bem, para que haja salários razoáveis. Os trabalhadores sabem que, no caso de crises, eles são os primeiros a ser sacrificados, tanto com diminuição de salários como com perda dos postos de tra-balho. Isso, no entanto, não diminui a impor-tância dessas organizações como espaços de explicitação das relações de poder, geração de novos valores e no garantir de direitos perante o capital.

Também as reivindicações de muitos movi-mentos sociais populares, como a obtenção de moradias, de terra, de trabalho, de igual-dade de direitos políticos etc., vistos isolada-mente, não contradizem o sistema atual em sua essência, mas da capacidade de mobiliza-ção desses movimentos depende a obtenção ou não dos direitos correspondentes. As estra-tégias de conquista desses direitos materiais podem ser diversas, como greves, ocupação de espaços institucionais, mobilizações sociais e culturais, ou mesmo atos de desobediência civil. Todas as formas, no entanto, baseiam-se fundamentalmente em argumentos/elementos externos ao sistema, como o bem-estar mate-rial e a qualidade das relações etc., elementos estes não submetidos à racionalidade do siste-ma, o que torna os movimentos sociais popu-lares uma espécie de laboratório de construção de outros princípios de vida que podem servir de base para transformações mais profundas. Sem o consciente trabalhar dessa dimensão, presente como potencial em todas as formas de ação dos movimentos sociais populares, as conquistas ficam, quando muito, no nível da legalidade e dos acordos. Mesmo um governo de transformação, por mais sincero que seja em suas intenções, sem essa base de pressão, de renovação e de crítica não pode efetivar mudanças significativas, nem mesmo as pos-síveis dentro do sistema vigente, muito menos contribuir para a superação desse sistema.

Ao obrigar as estruturas com finalidades con-servadoras a se reestruturarem, os movimen-tos sociais populares insidem de forma indireta sobre a sociedade, que não aquela que diz res-peito às suas bandeiras. Instigada pelas ações dos movimentos, a sociedade é estimulada a se posicionar a respeito de temas conflituosos, gerando, assim, um aumento no nível de po-litização e criticidade na população, trazendo para a cena pública questões e enfoques antes ausentes. Instaura-se, dessa forma, uma pro-cessualidade pedagógica que não se restringe às áreas de atuação direta dos movimentos so-ciais populares.

Ao evidenciar papéis que vão além de seus objetivos imediatos, amplia-se a visualização do processo histórico de transformação, di-ficultando a absolutização, sectarização e os sentimentos de fracasso em torno de questões

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pontuais. Pode, por exemplo, um movimento social popular não atingir seus objetivos dire-tos e contribuir tanto ou mais para um pro-cesso de transformação que um movimento que conquiste imediatamente seus objetivos. Por não conseguirem fazer desses momentos oportunidades de fortalecimento da identida-de crítica e da projeção da ação para além dos objetivos específicos, muitos movimentos não superam seu caráter meramente reivindicativo.

Nesse nível de ação, ocorrem acúmulos coleti-vos que podem até mesmo servir para outras organizações sociais. Também capitais de ou-tras organizações podem ser incorporadas e potencializadas. Vistos dessa forma, os movi-mentos sociais populares são os canais pelos quais dimensões, grupos e questões reprimi-das pelo sistema vêm à tona, tornam-se te-matizáveis, subsidiando processos sociais de transformação.

Alicerçadas nos acúmulos coletivos adquiridos nas lutas específicas, constroem-se as possibi-lidades de identificação com outros movimen-tos, seja por causa das bandeiras, seja por cau-sa dos pressupostos e posturas comuns. A luta contra a opressão, a exploração e as desigual-dades geralmente servem de mote articulador. Assim, visualizar-se um horizonte de transfor-mação que vai além das bandeiras imediatas, que no entanto, sem o constante relacionar-se com elas, não seria possível.

2.2. Refundação do Político

Com muita frequência, setores e propostas oriundas dos movimentos sociais populares têm conseguido ocupar espaços governamen-tais ou estatais consideráveis. Essas situações têm criado oportunidades de intervenção di-reta em políticas e na efetivação de objetivos dos movimentos sociais populares. Por outro lado, esses setores veem-se também obrigados

a aceitar as regras institucionais legais, ineren-tes ao estado liberal de direito e a zelar pela sua manutenção. Isso tem causado crises, tan-to nos indivíduos de origem popular como nos movimentos que, pelos seus quadros, ocupam esses espaços. Na origem dessas crises, está es-sencialmente a disparidade entre os impulsos originais e os limites efetivos impostos pela ra-cionalidade inerente ao estado moderno.

A não-efetivação de bandeiras históricas dos movimentos por parte dos governos populares é, muitas vezes, atribuída à má vontade polí-tica dos indivíduos que ocupam os cargos nos movermos, o que em alguns casos pode ser verdade. A questão essencial, no entanto, diz respeito aos limites e às possibilidades da pró-pria institucionalidade ocupada. Entender essa dinâmica é questão fundamental numa estra-tégia de transformação social ampla, a fim de clarear os limites, potenciais e possíveis arma-dilhas da ocupação de espaços de governo. Ao entendê-la, seremos certamente remetidos a pôr em questão e repensar a própria forma como se organiza o Político na atualidade.

Na atual estrutura política, há uma íntima rela-ção complementar com o modo de produção capitalista. Ambos integram a mesma totalida-de e se condicionam mutuamente. Os direitos são direitos individuais e, por mais diferencia-dos que possam ser, jamais podem ultrapassar esse limite, característico do estado de direi-to. O bem-estar e a reprodução material são atribuídos à responsabilidade dos indivíduos, restringindo-se o estado, a rigor, a garantir a liberdade individual e o direito à propriedade de seus membros. Daí que as possibilidades de ação, no interior da estrutura estatal, encon-tram-se limitadas por regras e regidas por uma lógica, de forma que a manutenção e a repro-dução da totalidade social sejam garantidas.

Figura 05

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Para poder garantir isso, abandonou-se uma preocupação presente em todas formas de or-ganização social anteriores, qual seja, decidir e incidir sobre a melhor maneira de produzir, de trocar, de consumir e de garantir a existência e a sobrevivência dos seus membros. A configu-ração do espaço político como o conhecemos hoje, portanto, é a forma como foi estrutura-do o Político na nossa época, baseado em um modo de produção alicerçado sobre a explora-ção do trabalho (Lukács, 1978, p. 119ss).

Dessa forma, a ação política está limitada pela formalidade das leis, pela formalidade do direi-to. A legalidade dos procedimentos sobrepõe-se à legitimidade. Nenhuma aspiração popular pode mais ser efetivada pelo estado, sem que este cumpra os requisitos formais que o direi-to impõe. Esses limites impedem fundamen-talmente que haja qualquer interferência na lógica da reprodução material da sociedade, fundada na exploração do trabalho e na pro-priedade privada. Mesmo o sistema represen-tativo moderno tem essa função conservadora, na medida em que exclui o povo das decisões políticas importantes, que passam a ser aceitas como democráticas, ainda que não passem de negociações de interesses parciais no parla-mento. O próprio conceito de cidadania pode ser, assim, um instrumento de dominação e de neutralização, na medida em que seu signifi-cado se reduz aos limites da institucionalidade estatal burguesa, inviabilizando a tematização de temáticas com potenciais emancipatórios que ultrapassam a racionalidade do Direito moderno.

Conquanto existam muitas fendas no interior da organização política atual, em que os movi-mentos sociais podem interferir com conquis-tas substantivas, e ainda que a participação nesses espaços seja fundamental para o des-

velamento de sua dinâmica e para a coloca-ção de novos desafios, as principais bandeiras, ou seja, aquelas que propõem uma nova for-ma de sociabilidade, de relações de poder, de produção etc., não são tematizáveis e muito menos efetiváveis dentro dos limites dos atuais mecanismos da estrutura estatal. Conscientes disso, os movimentos sociais populares jamais deixarão suas utopias e ações se aprisionarem pelos trilhos da institucionalidade. Essa consta-tação, no entanto, só é possível na medida em que elementos não regidos pela racionalidade instrumental do estado e da economia entram em cena. A origem desses elementos remete a valores oriundos dos movimentos sociais po-pulares.

Cientes disso, as forças oriundas dos movimen-tos sociais populares terão certamente uma postura diferenciada na sua ação e na relação nos e com os espaços institucionais. Muitas ve-zes, por não haver essa compreensão, há um empenho muito mais forte no revigoramento de estruturas institucionais, notadamente as estatais, que, a rigor, têm funções conservado-ras, do que na construção e no fortalecimento de instrumentos de poder popular. A autono-mia da organização popular, em vez de ser estimulada é, nesses casos, atrelada a estrutu-ras estatais. Até mesmo pessoas e movimen-tos com sinceras intenções de transformações caem nessa armadilha.

A passagem de uma postura essencialmente reivindicatória para uma mais propositiva nem sempre veio acompanhada de uma superação da visão paternalista de estado. Este continuou sendo encarado como o local por excelência, o “carro chefe” do fazer político e, portanto, da transformação, não se elaborou uma crítica correspondente à sua lógica e estrutura. Aos poucos, o processo de confronto e de apren-dizagem com as estruturas estatais vem rom-pendo com a ideia de que todos os problemas econômico-sociais podem ser resolvidos sem que se altere a estruturação básica do espaço do Político atual. Clarear criticamente o poten-cial e os limites da ocupação de espaços ins-titucionais é um processo de aprendizagem, que está em seu início, para os movimentos sociais populares. Possibilitado pelas ricas ex-periências, mesmo que contraditórias, que estão ocorrendo tanto em níveis locais como

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nacionais, a questão está se tornando cada vez mais presente. O que já se está delineando com claridade é que não bastam as leis e os ca-minhos legais, mesmo num governo popular, mas novas formas de constituir o espaço do Político precisam ser inventadas. A constante organização e a mobilização popular como re-ferência não determinada pela racionalidade oficial é vital para que isso aconteça.

2.3. Perspectivas

Ev idenc iando diferentes níveis p e d a g ó g i c o s dos movimentos sociais popu-lares, procura-mos desvendar as suas funções e s t r a t ég i c a s . Algo mais que as bandeiras imediatas e cotidianas pode surgir e se desen-volver no modo como os movimentos sociais populares se constituem internamente e na forma como interagem com o conjunto da sociedade. Essas dimensões, trabalhadas de forma consciente, podem ativar enormes po-tencialidades objetivamente já existentes.

Isso, todavia, requer uma postura que implica construir horizontes e princípios que progres-sivamente vão instaurando novos ordenamen-tos sociais com base nas lutas e nas práticas cotidianas e no confronto com as estrutu-ras existentes, num processo de permanente aprendizagem. Implica, também, ir para além da simples junção de indivíduos para conquis-tar, pela soma das forças individuais, objetivos e/ou direitos que individualmente não se con-seguiria. Embora este possa ser seu ponto de partida, e o confronto com estruturas e lutas cotidianas seja o “combustível” cotidiano dos movimentos sociais populares, na processua-lidade do seu modo de ser é que se constitui seu sentido mais profundo, as condições de possibilidade de seu caráter revolucionário. A fundamentação de uma nova ordem social só pode emergir, ser aprendida, da própria orga-nização popular embasada em impulsos não regidos pela racionalidade oficial, por isso ela é um permanente processo de aprendizagem.

Figura 06

Dar-se conta da radicalidade histórica e da sua importância pedagógica é fundamental para que as ações cotidianas dos movimentos se-jam emprenhadas de sentidos transformado-res. Foi essa postura diante da realidade que tornou os movimentos sociais populares no Brasil tão significativos e que permitiu o de-senvolvimento de uma grande diversidade de temas, metodologias, ações etc., com possili-bidades pedagógicas fantásticas. A afirmação e o aprofundamento dessa postura podem contribuir decisivamente para sugerir novas pistas de ações.

Não havendo caminho preestabelecido, a construção dos caminhos e o aprender cons-tante com o próprio processo de construção destes é que passam a ser o balizador da ação. As transformações repentinas dão lugar a pro-cessos de transformação. Também o estado não pode mais ser visualizado como o lugar último de onde, quando se estaria no poder, seria possível superar todas as mazelas e alcan-çar todas as utopias, embora o Político jamais deixe de ser o horizonte central das ações. Aspirações essenciais dos movimentos sociais populares simplesmente não podem ser efe-tivadas dentro dos limites da estruturação do Político na atualidade. Ou seja, a tomada do poder passa a ser encarada apenas como um momento dentro de uma dinâmica mais am-pla, por mais decisivo que seja esse momento. O que não quer dizer que as questões políticas não continuem sendo centrais, mas elas não se deixam mais limitar pelas estruturas e pelas regras do estado moderno. Nesse sentido, a construção de outras formas de decisão e de estruturação política passam a tomar impor-tância crescente para os movimentos.

Tomar o indivíduo concreto e integral como referência parece garantir que os movimentos

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sociais populares não se percam em pautas que contemplem apenas um ou outro nível de transformação. Descortina-se, assim, toda uma trama de relações sociais, afetivas, simbó-licas, econômicas etc., que pesam sobre os in-divíduos e que, simultaneamente, fundamen-tam e legitimam as macroestruturas existentes. Permitem, assim, visualizar, com relativa sim-plicidade, a íntima relação dos modos de vida cotidianos com as macroestruturas sociais e econômicas.

De forma consequente, as atividades cotidia-nas dos movimentos sociais populares revelam as funções estratégicas de seu caráter peda-gógico. É a partir de onde se estabelecem os alicerces para transformações estruturais mais profundas, sem que percam importância o engajamento crítico, a ampliação e a transfor-mação de espaços e instância existentes. São, além de formas de garantir e ampliar direitos no interior dos sistemas, oportunidades de aprendizado e de formulação. Nesse processo de imersão na realidade, evidenciando as suas contradições e, simultaneamente, formulando meios de superação desses limites, é que se constitui, ou não, o caráter revolucionário do movimento. Por isso, ele é um processo que acontece intimamente relacionado com uma realidade, a partir da qual se constituem suas referências concretas. É uma tarefa fundamen-talmente de construção coletiva, que se fun-damenta nas carências imediatas das pessoas, passa pela explicitação dos mecanismos e das estruturas de poder e, por fim, constitui novas formas e espaços de decisão e de estruturação política.

O desafio colocado para os movimentos sociais populares é o de se organizarem de tal forma que, a um só tempo, estejam presentes os três níveis de ação e de aprendizado destacados, a dizer, a construção cotidiana de novas subjeti-vidades e modos de vida; ocupação, confronto

e explicitação das contradições e limites das estruturas de poder existentes e a construção de novas formas de organização do espaço do Político. Orientados por esse tripé pedagógi-co, viabiliza-se uma processualidade capaz de contemplar os impulsos inerentes aos movi-mentos, que não se coadunam com a racio-nalidade hegemônica, ou seja: seus potenciais emancipatórios. Obviamente, com a existência da diversidade de movimentos e dentro de estratégias conjuntas, estes podem privilegiar mais uma ou outra esfera, num processo de complementaridade e solidariedade mútua, entre si e com outros atores.

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ACESSE:www.memoriaemovimentossociais.com.br/

FILME

VERÔNICAVerônica é professora da rede municipal de ensi-no há vinte anos e agora, na iminência de se apo-sentar e passando por sérios problemas pessoais, está exausta e sem a paciência de sempre. Um dia, na escola em que trabalha, ela percebe que ninguém veio buscar Leandro, um aluno de oito anos. Já é tarde da noite quando a professora de-cide levá-lo em casa. Ao chegar ao alto do morro, encontram a polícia e muito tumulto. Traficantes mataram os pais de Leandro e querem matá-lo também. Verônica foge com o menino. Ela pro-cura ajuda e descobre que a policia também está ligada ao assassinato dos pais do menino. Sem poder confiar em ninguém, ela decide esconder o garoto. Assim, Verônica é obrigada a enfrentar policiais e traficantes para sobreviver. E enquanto procura uma maneira de escapar com o menino, redescobre sentimentos que estavam adormeci-dos na sua vida solitária e difícil.

1. Elabore um esquema textual (estilo numera-ção progressiva) sobre o capítulo: “Processos pedagógicos e movimentos sociais estudan-tis”.

Saiba Mais:

Atividades:

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Profa. Maria do Socorro Tavares Cavalcante

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO A questão da Educação fez parte da realidade brasileira dos anos 90. Tanto nas críticas do setor escolar, quanto nos discursos e nas propostas governamentais ou de representantes da sociedade civil de diferentes correntes político-ideológicas.

As reformas e propostas para a educação brasileira, durante o século xx, foram, em sua maioria, implementadas como paliativos de crises econômicas, de redefinição dos modelos de acumulação vigente e de constituição de novos atores sociais como sujeitos da cena política nacional.

Por exemplo, na década de 20, a proposta de reforma configurava exigência de uma sociedade prestes a explodir nos limites do modelo patrimonialista agroexportador.

Enfim, tem sido comum a elaboração de políticas estatais ditas modernizadoras, teorizando a educação como setor prioritário, mas privilegiando, na prática, os projetos e os processos que dão visibilidade política sem mexer com os setores estruturais críticos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Relacionar movimentos sociais e osavanços na educação na educação.

• Conhecerasprincipaisformasdeorga-nizações sociais.

• Traçarumalinhadetempocombasenahistória dos movimentos sociais

movimentos sociais e

eDUcaÇÃo

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1. MOVIMENTOS SOCIAIS, CIDADANIA E EDUCAÇÃO

1.1. Antecedentes históricos

O elemento comum que entrelaça os movi-mentos sociais com a educação é a cidadania. Entretanto, este termo possui diversas aborda-gens tanto do ponto de vista teórico-metodo-lógico quanto do processo de mudança e de transformação da sociedade.

No liberalismo, a questão da cidadania está ligada à noção de direitos. Trata-se dos direi-tos naturais e imprescritíveis do homem (liber-dade, igualdade perante a lei e direito à pro-priedade), e dos direitos da nação (soberania nacional e separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário). De acordo com essa ideologia, o homem era suficientemente escla-recido para escolher seus representantes, com conhecimento de causa, independentemente das pressões e era, ainda, acima de tudo, um proprietário (de terras e imóveis). Além disso, estabelecia que somente os proprietários (bur-gueses) tinham direito à plena liberdade e à plena cidadania.

De acordo com Locke, teórico liberal, há uma diferenciação de direitos entre a classe traba-lhadora e a burguesia, pois, a primeira, acostu-mada com o arado e a enxada, era incapaz de ter ideias sublimes. Portanto, a educação para a cidadania era irrelevante para a classe traba-lhadora, uma vez que ela não tinha qualidades para ser cidadã.

A igualdade natural, inata entre os homens, seria desfeita no plano da sociedade real, pela desigualdade entre cidadão-proprietário e o

não-cidadão e não-proprietário. Enfim, as di-ferenças sociais eram vistas como diferenças de capacidade.

À medida que o capitalismo se consolida, as lutas sociais vão deixando de ser apenas pela subsistência e surgem concepções alternativas dos direitos. A educação volta a ser pensada pelas classes dirigentes como mecanismo de controle social e os teóricos da economia po-lítica passam a recomendá-la para evitar de-sordens.

Adam Smith justifica, assim, a necessidade da educação em função da divisão do trabalho. Seria competência de o Estado facilitar, enco-rajar e até mesmo impor a toda população a importância do aprendizado mínimo às neces-sidades de capital.

O pressuposto básico era de que o povo ins-truído seria ordeiro, obediente aos seus supe-riores e não presa a crendices e a superstições religiosas e místicas.

O essencial não era instruir, racionalizar o in-divíduo, mas racionalizar a vida econômica, a produção, ou seja, a única educação que inte-ressava era a formação e a produção de mer-cadoria para o trabalho.

A cidadania do séc.xIx, ao contrário dos sécu-los anteriores, dirige-se a todos, incluindo as massas, entretanto a sua finalidade precípua era discipliná-las e domesticá-las, ou seja, bus-ca-se, mediante a educação, que os membros do tecido social participem do convívio coleti-vo de forma harmoniosa.

Os direitos sociais não são conquistados, mas sim outorgados pelo Estado.

Nesse processo, em que a educação tem des-taque, a prática pedagógica enfatiza as estra-tégias de persuasão, de esclarecimento e de moralização de cada futuro cidadão.

Ao lado da cidadania regulamentada pelo Es-tado, desenvolveu-se, ainda, o neoliberalismo comunista, em que a abordagem do cidadão é vista como retorno à ideia de comunidade em contraposição à sociedade urbano-industrial burocratizada.

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A noção de educação, nessa ideologia, é bas-tante conservadora: educa-se para a coopera-ção geral. A escola tem um papel fundamental nesse processo, em que as condições concretas vivenciadas não são as fontes multiplicadoras do aprendizado, mas sim uma visão român-tica, idílica, estigmatizada da vida no campo, das relações diretas, primárias, da pequena co-munidade. O livro didático é o representante máximo desse processo.

Entretanto, existe uma terceira definição do conceito de cidadania, elaborada por grupos organizados da sociedade civil, por meio de movimentos. Trata-se da cidadania coletiva.A educação ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania. Isso porque ela se cons-trói no processo de luta que é, em si próprio, um movimento educativo.

Nessa teoria, a cidadania não se constrói por decretos ou por intervenções externas, progra-mas ou agentes pré-configurados. Ela se cons-trói como um processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto do acú-mulo das experiências engendradas. A cidada-nia coletiva é constituidora de novos sujeitos históricos: as massas urbanas espoliadas e as camadas médias expropriadas.

1.2. O caráter educativo dos movimentos sociais

O caráter educativo dos movimentos sociais origina-se de várias formas, de planos e de di-mensões que se articulam. Não existe nenhum grau de prioridade entre as dimensões estabe-lecidas.

Resumidamente, podem-se enumerar as se-guintes dimensões:

A) A dimensão da organização política;B) A dimensão da cultura política;C) A dimensão espaço-temporal.

A) A dimensão da organização política

A dimensão da organização política refere-se à consciência adquirida progressivamente mediante o conhecimento sobre quais são os direitos e os deveres dos indivíduos na socie-dade.

A consciência se constrói com base na agrega-ção de informações dispersas sobre o funcio-namento da administração pública e da legis-lação em vigor.

A construção da cidadania coletiva se realiza quando, identificados os interesses opostos, se parte para a elaboração de estratégias de formulação de demandas e de táticas de en-frentamento dos oponentes.

Aquilo que foi elaborado, objetivando o con-trole social (Direito), passa a ser utilizado como ferramenta de libertação, à medida que o con-trole não está explícito. No plano do discurso, a lei se apresenta igual para todos.

B) A dimensão da cultura política

O exercício da prática cotidiana nos movi-mentos sociais leva ao acúmulo de experiên-cia, em que tem importância a vi-vência no passa-do e no presente para a construção do futuro. Experi-ências vivenciadas no passado como opressão, negação de direitos etc., são resgatadas no ima-ginário coletivo do grupo de modo a fornecer elementos para a leitura do presente. A fusão do passado e do presente transforma-se em força social coletiva organi-zada.

Nesse plano, destacam-se duas questões: a educativa e a pedagógica. A educativa é um

Figura 01

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processo cujos produtos são realimentadores de novos processos. A pedagógica são os ins-trumentos utilizados no processo.

C) A dimensão espaço-temporal

A consciência gerada no processo de partici-pação num movimento social leva ao conhe-cimento e ao reconhecimento das condições da população no presente e no passado, isso gera nas pessoas a ideia de um ambiente cons-truído, do espaço gerado e apropriado pelas classes sociais em sua luta cotidiana.

Essa dimensão possibilita a articulação entre o chamado saber popular e o saber científico, técnico, codificado, uma vez que as categorias tempo e espaço são importantes no imaginá-rio popular, ou seja, são representações fortes na mentalidade coletiva popular.

O espaço e o tempo têm dimensões amplas no meio rural, à medida que fazem parte do universo de referência do cotidiano vivido. No urbano, essas categorias são desapropriadas do controle das pessoas. O tempo não é mais o meu, mas o do cronômetro da fábrica ou da instituição onde trabalho. Os espaços são res-tritos. O privado quase inexiste e o pouco que há tem que ser defendido com unhas e den-tes contra as agressões e a violência da cidade grande. O espaço público se constitui mais em zonas de controle e de disciplinamento que cm manifestações de apropriação coletiva.

2. AS PRINCIPAIS FORMAS DE ORgANIZAÇÃO POPUlAR NO BRASIlNo Brasil, encontramos três formas básicas de agregação das demandas populares relativas às suas necessidades no setor urbano. São elas:

A) as sociedades amigos de bairros ou asso-ciações de moradores;

B) as associações de favelas;C) as lutas e os movimentos específicos pela

moradia ou por equipamentos urbanos.

As três formas têm reivindicações em torno de objetos similares, mas elas diferem subs-tancialmente quanto a suas origens, processo de desenvolvimento histórico, articulações e relações sociais, internas e externas; práticas de encaminhamento das demandas; projetos político-ideológicos; e, finalmente, quanto aos produtos configurados por suas ações no es-paço urbano construído.

A) As associações de moradores: as sociedades amigos de bairros

É a forma mais antiga de organização popular, estando presentes na cena urbana brasileira desde as décadas iniciais do séc. xx. Porém se desenvolveram intensamente a partir de 1945, quando, com o regime populista, participavam do jogo de barganha existente: o voto pela melhoria urbana.

O processo de desenvolvimento histórico des-sas organizações foi acompanhado de uma progressiva institucionalização do movimento. As entidades locais formaram conselhos e fe-derações regionais.

O projeto político das associações de amigo é conservador-institucionalizado. Não há preo-cupação em se mudar nada, no sentido quali-tativo, do processo da transformação social. A luta básica é para a obtenção do bem deman-dado pelo acesso ao consumo de bens e de equipamentos.

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Ainda que venhamos a encontrar nas pautas reivindicatórias dos congressos, reivindicação relativa a questões gerais, sabe-se que essas pautas são formuladas por elementos da cú-pula e não traduzem o nível de consciência do conjunto do movimento.

Enfim, nessas associações, de um modo geral, não se desenvolve uma consciência crítica de se reivindicar como um direito, ou atitude de rebeldia. Tudo é feito nos limites do bom rela-cionamento porque as regras do jogo cliente-lista assim o preconiza. As atitudes são mais de pedir que de exigir ou mesmo solicitar. O aprendizado das lideranças novas é lento e existe certo grau de subordinação ou de “res-peito” pelos caciques mais velhos.

B) As associações de favelas

As favelas são ocupa-ções e construções, geralmente clandesti-nas, em áreas públicas desocupadas ou aban-donadas.

As causas do crescimento da população fave-lada são de ordem estrutural: baixos salários, desemprego, crise de oferta de imóveis para a população de baixa renda e crise nos pre-ços dos aluguéis, maior controle do Estado em relação à legislação e ao controle da produ-ção da moradia popular, estimulando os es-peculadores e os vendedores de loteamentos clandestinos e, consequentemente, reduzindo a entrada de usuário no sistema de autocons-trução; enfim, falta de opções para moradia popular, gerando as invasões coletivas, etc.

As Sociedades de Amigos de Bairros vivem em conflito com as favelas, uma vez que esta últi-ma desvaloriza o imóvel da primeira.

Paralelamente à organização dos favelados, o Estado passou a atuar, por meio de vários de seus órgãos operacionais, em políticas destina-das a reurbanizar as favelas. Essas políticas se resumiram, num primeiro momento, a progra-mas de colocação progressiva de água e luz.

Figura 02

Enfim, lentamente, o Estado vai transforman-do as favelas em bairros urbanizados.

C) Associações e movimentos comunitários

Essas organizações foram impulsionadas ini-cialmente pelas práticas da Igreja Católica em sua ala denominada Teologia da Libertação. Esses movimentos apresentam algumas carac-terísticas comuns:

• base social ampla e relativamentehomo-gênea (classes populares);

• nãoseorganizamementidadesbemde-

marcadas, mas em coletivos unificados por regiões geográficas, usualmente sedes de paróquias ou zoneamentos eclesiais;

• aparticipaçãodeseusmembrosnaslutas

é simultânea, e ocorrem várias ao mesmo tempo;

• emborasemprehajaumtipoqueaglutina

todos, internamente eles trabalham com coordenações e comissões, não havendo diretorias;

• acomposiçãointernadosparticipantesse

diferencia pelos papéis: agentes pastorais, padres, freiras, lideres populares, várias as-sessorias;

• existeumprocessodedivisãodotrabalho

nas funções a serem desempenhadas, em que têm grande importância os agentes pastorais;

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• as lutassedesenvolvemsimultaneamenteem várias regiões, cada uma num estágio de agregação;

• aslutasenvolvemossetoresmaisespolia-

dos e miseráveis da sociedade; toda a ar-gumentação das demandas se faz em tor-no da noção de direitos.

A dinâmica interna dessas entidades ou mo-vimentos é marcada pela participação direta, pelo assembleísmo e pela atuação contínua. A maioria das entidades não tem sede própria, nem estatutos e muito menos regimento inter-no. Mas existe um código de ética interno, em que o importante é sempre falar pelo grupo, após consultá-lo.

A dependência dos movimentos comunitá-rios ao apoio da Igreja é grande. Dependência das estruturas físicas e dependência da pró-pria condução da luta, que fica por conta dos agentes. Os membros da hierarquia eclesiás-tica têm participação não-contínua no movi-mento, mas decisiva. Suas atuações pedagógi-cas, fundadas no método ver-julgar-agir, têm efeitos básicos nas decisões tomadas.

3. O CARÁTER EDUCATIVO DOS MOVIMENTOS POPUlARESAnalisando a temática da educação popular e dos movimentos sociais populares urbanos, encontram-se alguns pontos de entrelaçamen-to entre ambos os fenômenos, tais como:

• Odesenvolvimentoautônomodaliteratu-ra sobre educação popular e movimento

social urbano, embora as duas temáticas tenham um objeto comum de reflexão: as populações tidas como carentes e margi-nalizadas da sociedade.

• Oconjuntodospesquisadoresquesededi-

caram às suas análises se entrincheiraram em campos específicos de suas áreas de conhecimento e da prática social, ou seja, a educação — no caso da educação popu-lar — e a ciências sociais — no caso dos movimentos sociais (certamente que se considera o entrecruzamento dessas áreas.

• Afasedeaugedaproduçãosobreaedu-

cação popular corresponde ao início das primeiras publicações sobre os movimen-tos sociais — final dos anos 70. quando a produção sobre os movimentos sociais cresce, ocorre o inverso com a educação popular — ela declina.

• No exame dos princípios e dos métodos

da educação popular, encontramos várias manifestações que se fazem presentes, concretamente, nos movimentos sociais populares dos anos 80.

Enfim, os movimentos sociais populares con-sistiram em formas renovadas de educação popular. Eles não ocorreram mediante um programa previamente estabelecido, mas pe-los princípios que fundamentaram programas de educação popular, formulados por agentes institucionais determinados, tais como grupos de assessorias articulados pela Igreja católica, por partidos políticos, pelas universidades, pe-las instituições governamentais nacionais e in-ternacionais, pelos sindicatos etc.

Vale ressaltar ainda que as metodologias de operacionalização desses programas foram formuladas pelos agentes assessores dos mo-vimentos. A aplicação e a difusão da metodo-logia desenvolveram-se com base no trabalho de lideranças da parcela da população orga-nizada.

Nas ciências sociais, a crítica à teoria da margi-nalidade foi substituída por outro objeto privi-legiado de investigação — os movimentos so-ciais — de variadas matizes: mulheres, negros, populares de periferia, pacifistas, político-par-tidários, sindicais, religiosos etc.

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Dentre esses, destacam-se os estudos sobre os movimentos sociais populares urbanos, que são, a nosso ver, uma continuidade da produ-ção sobre a educação popular, com uma dife-rença básica: não se trata mais de analisar pro-gramas, mas sim de manifestações concretas produzidas por grupos organizados.

O saber popular politizado, condensado em práticas políticas participativas, torna-se uma ameaça às classes dominantes à medida que ele reivindica espaços nos aparelhos estatais, por meio de conselhos etc., com caráter deli-berativo. Isso porque o saber popular estaria invadindo o campo de construção da teia de dominação das redes de relações sociais e da vida social. Nesses casos, observa-se a tentativa frequente de delimitar aquele poder ao aspec-to consultivo, porque, dessa forma, legitimam-se os processos de dominação, sem colocar em risco sua estrutura e organização. Sendo apenas consultivos, os conselhos continuarão com seus problemas estruturais de base (insta-bilidade e isolamento) em contraposição à di-nâmica da máquina estatal (lentidão, rigidez, burocratização).

O ponto fundamental de alteração, que a prá-tica cotidiana dos movimentos populares ope-ra, é na natureza das relações sociais. Não se trata de um processo apenas de aprendizagem individual, que resulta num processo de poli-tização dos seus participantes. Essa é uma de suas faces mais visíveis. Trata-se do desenvolvi-mento da consciência individual.

Entretanto, o resultado mais importante é dado no plano coletivo. As práticas reivindi-catórias servem não apenas como indicadores das demandas e das necessidades de mudan-ças, reorientando as políticas e os governan-tes em busca de legitimidade. As práticas reivindicatórias dos movimentos passam por processos de transformação, na estrutura das máquinas burocráticas estatais e nos próprios movimentos sociais. A pressão e a resistência têm como efeitos demarcarem alterações nas relações entre os agentes envolvidos, Nesse sentido, o caráter educativo é duplo: para o demandatário e para o agente governamental, controlador/gestor do bem demandado.

4. DEMANDAS SOCIAIS PElA EDUCAÇÃO NO BRASIl NOS ANOS 80Este capítulo tem por objetivo não só mapear o quadro da demandas da sociedade civil bra-sileira, na área da educação, na década de 80, por meio da história sociopolítica e econômica do período, como também refletir sobre ele.

Entende-se por demandas educacionais, nesse tópico, o conjunto de necessidades da socie-dade que demandam processos de ensino e aprendizagem. Elas podem se expressar dire-tamente, por intermédio de movimentos e de organizações, ou indiretamente, por intermé-dio de necessidades que se impõem como for-ma de solução para os problemas que afligem a sociedade, podendo estar ou não expressas em demandas de grupos específicos.

A década de 80 é conhecida como a década perdida, pois se perderam os índices de cres-cimento, a produtividade agrícola e industrial, a competitividade tecnológica, etc. Mas não foram só foram perdas econômicas que acon-teceram. Perdeu-se também qualidade de vida com o aumento dos índices de criminalidade, de poluição, de doenças infantis e epidemias, com a estagnação do declínio da taxa de anal-fabetismo, com o aumento do número de desempregados, de sem-terra e sem-teto, de assassinatos de crianças, de adolescentes, de líderes rurais etc.

Contudo, ocorreram ganhos no plano sociopo-lítico. A sociedade, na sua inteireza, aprendeu a se organizar e a reivindicar. Diferentes grupos

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sociais se organizaram para protestar contra o regime político vigente, para pedir “Diretas Já”, para ‘reivindicar aumentos salariais. A sociedade civil voltou a ter voz. A nação voltou a se manifestar por meio das urnas. As mais diversas categorias profissionais se orga-nizaram em sindicatos e associações. Grupos de pressão e grupos de intelectuais engaja-dos se mobilizaram em função de uma nova Constituição para o país. Em suma, do ponto de vista político, a década não foi perdida. Ao contrário, ela expressou o acúmulo de forças sociais que estavam represadas, até então e que passaram a se manifestar.

Na década de 80, as demandas educacionais foram grandes, estavam articuladas com a conjuntura política que o país atravessava e com a busca de resposta (ou seu equaciona-mento) para problemas de ordem estrutural, gerados pelo modo e pela forma da acumula-ção capitalista no país.

As principais demandas foram:

I - Demandas educacionais na sociedade:• Educação ambiental• Educação sobre o patrimônio histórico cul-

tural• Educação para a cidadania• Educação sanitária e de saúde pública• Educação popular• Educação de menores e adolescentes• Educação de minorias étnicas: índios• Educação contra discriminações: sexo, ida-

de, cor, nacionalidade

• Educação para deficientes• Educação para o trânsito e de convivência

em locais públicos• Educação contra o uso de drogas• Educação sexual• Educação contra o uso da violência e pela

segurança pública• Educação para geração de novas tecnolo-

gias. II — Demandas por educação escolar• Educação infantil: creches e pré-escolas• Ensino de 1º. e 2º. graus• As demandas da Universidade• As demandas por novas leis educacionais

do ensino• Ensino noturno A educação ambiental teve duas fontes gera-doras de demanda: uma de caráter preventivo e outra de caráter defensivo. A primeira, pre-ventiva, manifestou-se pelas campanhas, lutas e movimentos que proliferaram ao longo da década, voltados para a constituição de um sistema de valores e de práticas destinados a natureza, a conhecer o ecossistema, a saber, interagir com o meio ambiente de forma a não depredá-lo. Essas vertentes educativas tam-bém geraram ações que se constituíram em verdadeiras brigadas defensivas de resistência e de vigilância, contra os especuladores e os empresários que, em busca do lucro fácil, con-somem e destroem a natureza, suas plantas, animais, rochas e riquezas minerais.

A educação ambiental, de caráter defensivo, manifestou-se mediante ações concretas ou de campanhas que o próprio poder público teve que deflagrar em face das situações de cala-midade pública. Nessa categoria, encontram-se as ações realizadas em face das enchentes, inundações e secas que assolaram o país.

As políticas na área do patrimônio histórico e cultural desenvolveram-se na década de 80 com base nas secretarias e nos órgãos públicos criados na área da cultura. Fábricas antigas se transformaram em centros culturais, como o SESC-Pompeia em São Paulo, por exemplo. En-tretanto, a preservação do patrimônio histórico já se fazia, pontualmente, graças à consciência social de alguns grupos ou de beneméritos.

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capítulo 3 39

A educação para a cidadania foi a demanda predominante na sociedade brasileira nos anos 80. Ela esteve associada à ideia de jurisdição das relações sociais à medida que teve como parâmetro aspectos relativos às leis, aos direi-tos, à construção de uma nova Constituição, à elaboração de leis orgânicas, planos diretores etc.

A educação popular foi uma demanda presen-te em vários movimentos sociais organizados. Ela se manifestava em reivindicações pelo en-sino noturno, por escolas profissionalizantes etc. Entretanto, a maior fonte de expressão deste tipo de demanda não foi o sistema es-colar formal, mas as chamadas organizações não-formais de educação: a participação nos clubes de mães da periferia, em lutas e em movimentos sociais organizados em torno de bens, de equipamentos e de serviços públicos e pela moradia e acesso à terra.

A educação para deficientes deixou de ser, dé-cada de 80, uma disciplina da pedagogia ou da área médica e se incorporou em práticas da sociedade brasileira. Aos poucos, os defi-cientes físicos foram sendo tratados não como sujeitos de menor capacidade intelectual, mas como sujeitos de capacidade física com certas limitações.

A educação escolar, nos anos 80, viveu mo-mentos profundamente contraditórios. Ao mesmo tempo em que setores da sociedade civil se organizaram e demandaram verbas pú-blicas para a educação, ensino gratuito, novas legislações, novas estruturas de carreira para os professores, novas frentes de ensino e de pesquisa para a universidade, novos modelos de escola para o 1º. e 2º. graus, ensino no-turno, educação para os deficientes físicos, educação infantil em creches e em pré-escolas, etc.; a sociedade brasileira assistiu à deteriora-ção progressiva da instituição que já não es-tava bem: a escola pública, em todos os seus níveis.

5. O FÓRUM NACIONAl DE DEFESA DA ESCOlA PÚBlICA (FNDEP)O Fórum dos anos 80 surge, inicialmente, para reivindicar um projeto para a educação na sua totalidade, não apenas para a escola (embo-ra esta, na modalidade pública, seja o centro principal de suas atenções).

O Fórum expressava a vontade política de par-celas da intelectualidade brasileira, engajada na luta pela redemocratização do país, partici-pante do processo que alterou o regime políti-co vigente, deslocou os militares para fora dos postos de comando político-administrativo, lutou por eleições diretas em todos os níveis de governo e ajudou a reconstruir o sistema político multipartidário.

O Fórum dos anos 80 surgiu como expressão de novas formas de agregação dos interesses da sociedade civil, principalmente pela atua-ção de entidades, aglutinando coletivos social-mente organizados e não apenas indivíduos, pioneiros ou notáveis, como nos anos 30. Ou intelectuais ilustres da universidade, como nos anos 50 (ainda que nos anos 50 tenhamos tido a participação de algumas lideranças sindicais).A maioria das entidades que participaram da criação do Fórum era recente. Elas foram cria-das no bojo da rearticulação da sociedade civil, ao final dos anos 70. Algumas tinham origem mais antiga, mas foram recriadas nos anos 80, pois estavam na clandestinidade ou desarticu-

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ladas, como a UNE e a CGT. Outras expressa-vam fatos novos da sociedade brasileira, como o CEDES, um centro específico, voltado para o campo da pesquisa da publicação/divulgação da área da educação.

O FNDEP apresenta uma singularidade única: é um movimento que busca preservar a atu-ação estatal. Isto é, preservar cm função dos direitos da maioria dos cidadãos, preservar o Estado do desvirtuamento que ocorre em seu interior, em que as verbas públicas são apro-priadas por lobbies particulares, em função de interesses privados e não públicos. A defesa da escola pública busca resgatar o papel do Esta-do como o agente que deve criar, defender e gerenciar os bens públicos para a coletividade e não para corporações privadas.

Na Assembleia Nacional Constituinte, a defesa da educação é direito de todo cidadão, e dever do Estado oferecer o Ensino gratuito e laico foi o princípio no 1º. FNDEP.

Os percentuais das verbas públicas e seu desti-no foram outra preocupação básica do FNDEP, assim como a gestão democrática dos equipa-mentos escolares.

A organização cotidiana do Fórum esteve sem-pre centrada no trabalho individual de pessoas das instituições: que o constituíam. Suas ações eram ditadas pela dinâmica das ações parla-mentares. Na fase da Constituinte, o Fórum teve um papel de vanguarda, de postulador, de propostas e de direções políticas. No pro-cesso de elaboração da nova LDB, esse papel reduziu-se, consideravelmente, a partir de 1990, quando o Fórum perdeu a maioria de sua base de apoio no Parlamento.

A partir de então, o Fórum deixou de ser o in-terlocutor privilegiado, o mediador por exce-lência entre os parlamentares e as demandas educativas, passando a atuar a reboque dos fatos criados por grupos e por facções do Par-lamento e da administração central no nível federal. Entretanto, essa constatação não di-minuiu sua importância nos processos. Apenas sua dinâmica se alterou, sendo bastante deter-minada pelo exterior, ou seja, de certa forma o Fórum perdeu o poder e a força de autodeter-minação que havia conquistado no processo constituinte.

Existe, para o FNDEP, uma clara opção de que o equipamento escola seja uma obrigação es-tatal. E essa obrigação tem um caráter públi-co, dada a origem das verbas que constituem materialmente o equipamento. São verbas es-tatais, arrecadadas por meio de impostos co-brados da população, portanto, públicas.

O FNDEP tem contribuído para o processo de mudança e de transformação social, à medi-da que seu objeto de luta articula-se com uma visão de mundo cujos valores estão centrados na possibilidade de existência de um cidadão pleno, com acesso à instrução, a informações, à ciência e à tecnologia.

Sabe-se que a boa educação não altera a es-trutura desigual do país. Somente a legislação não tem o poder, em si, de mudar a realidade. Mas elas são elementos do processo de mu-dança e de transformação. Por isso, o FNDEP tem um significado amplo. Ele se inscreve como protagonista de uma peça com ideias e atores novos, em busca de construção ou de reconstrução de um cenário que é trágico na atual realidade brasileira.

6. A CRISE DOS MOVIMENTOS POPUlARES NOS ANOS 90Nos anos 80, a “onda” da participação gerou muitos frutos. Eles não foram tantos de ordem material, no sentido de conquistas imediatas. Mas foram muitos no sentido de instaurar

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uma nova racionalidade no social: a de que o povo, os cidadãos, os moradores, as pes-soas, ou qualquer outra noção ou categoria que se empregue, têm o direito de participar das questões que lhes dizem respeito. Esse é o grande saldo dos anos 80, particularmente em termos de Brasil. É um saldo de ordem moral, que deverá interferir na cultura política do país no próximo século.

A crise nos movimentos sociais é parcial. Ela está instalada em certos ramos dos movimen-tos, mais precisamente nos de ordem popular. Os movimentos ecológicos, ao contrário, não estão em crise. Estão em ascensão. É, certa-mente, uma das grandes frentes de mobiliza-ção no século xxI.

A crise dos movimentos populares deve ser considerada em seus devidos termos. Primei-ro, porque uma das características básicas de todo movimento social, quer popular ou não, é seu fluxo e refluxo. Eles não são instituições. Podem até se materializar em alguma organi-zação, mas isso é uma provisoriedade. A or-ganização pode morrer, mas a ideia geradora certamente persistirá e gerará o renascimento do movimento em outro contexto.

Portanto, movimentos são frutos de ideias e de práticas, que fluem e refluem. As ideias per-sistem, se transformam, agregando elementos novos, ou negando velhos, segundo a conjun-tura dos tempos históricos. Os movimentos são históricos e têm embutida uma historicida-de particular, que se expressa em suas práticas, em sua composição, em suas articulações e em suas demandas.

Na realidade, a crise atual dos movimentos é o acirramento de um processo que se instaurou ao final dos anos 80, fruto de problemas que os movimentos já carregavam em seu bojo.

Algumas lideranças ou assessorias dos movi-mentos populares têm atribuído como causas básicas da atual crise fatores de ordem externa ao movimento, a saber: a crise econômica do país, o desemprego, as políticas neoliberais, a queda do leste europeu, a crise das utopias, a descrença na política e na ação do Estado etc. Sem dúvida, todos esses fatores têm um papel importante no cenário da crise, mas a própria

compreensão desse papel passa, necessaria-mente, pela análise de alguns fatores internos aos movimentos.

Analisando o contexto e as características atu-ais dos movimentos populares, percebe-se que está ocorrendo uma volta ao passado, ao comportamento político tradicional das cama-das populares: de passividade, de espera, para que outros resolvam seus próprios problemas. A nova cultura política que os movimentos esboçaram no país, de luta pela participação na gestão da coisa pública, de criação de ci-dadãos e não meros consumidores de direitos estabelecidos foram esquecidos.

A origem e as causas do desenvolvimento da crise estão embutidas no desenrolar dos movi-mentos desde seus primórdios. Os fatores ex-ternos demarcam diferenças e divergências de concepções teórico-metodológicas e ideológi-cas entre a base do movimento, suas lideran-ças e assessorias, ainda que não se apresentem a esses níveis na consciência cotidiana de seus agentes.

Em síntese, o desenvolvimento da cultura po-lítica fundada na participação exige a cons-trução de canais em que haja liberdade de expressão e pluralismo. E as assessorias e/ou alguns núcleos articulatórios que atuam nos movimentos populares parecem não ter exata-mente essa filosofia.

A necessidade de implantar linhas e diretrizes, que não foram construídas no interior dos mo-

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vimentos, é incompatível com o desabrochar da vontade dos grupos e dos movimentos so-ciais.

A mesma coisa ocorre com a orientação igua-litarista. Partir da igualdade de condicionantes econômicas, sociais e culturais, como uma fa-vela, por exemplo, não significa que se deva buscar um desenvolvimento homogêneo ao grupo, no sentido de nivelador. A igualdade deve ser no acesso às oportunidades. Desblo-quear as estruturas que delimitam e/ou impe-dem o acesso da população.

O desenrolar da luta será uma conquista pro-gressiva, cheia de avanços e de retrocessos. As ações para esse desenrolar deverão ser estuda-das e arquitetadas periodicamente, segundo os fatores que a conjuntura coloca e os inte-resses dos membros do grupo, e não um perfil de lutas e de ações previamente demarcados, porque os demandatários são, supostamente, todos iguais.

A possibilidade da construção de identida-des diferenciadas deve estar sempre presente. Mas, infelizmente, esses resultados não são generalizáveis à maioria dos movimentos po-pulares. Ao contrário, é nos movimentos so-ciais compostos mais de camadas médias, os ecológicos e os ambientais, que encontramos as orientações de uma cultura política funda-da na participação plena dos indivíduos como cidadãos.

ResUmoA questão da educação foi destacada por se constituir no grande saldo obtido nos aconte-cimentos assinalados. A educação se apresen-ta como forma de aprendizagem para os par-ticipantes dos movimentos e das associações; como efeito pedagógico multiplicador das ações coletivas na sociedade civil e na socie-dade política e como demandas especificas na área educacional, dentro e fora da instituição escolar. Tudo isso podemos resumir com a fra-se: os movimentos sociais, das diferentes ca-madas sociais, com suas demandas, organiza-ções. Práticas e estruturas possuem um caráter educativo, assimilável aos seus participantes e à sociedade mais ampla. Os resultados desse processo traduzem-se em modos e em formas de construção da cidadania político-social bra-sileira.

Entretanto, a construção dessa cidadania tem ocorrido nos marcos da cultura política vigen-te. Ainda que, em vários momentos, o que está em pauta é justamente a busca de redefinição dessa cultura, introduzindo-se novas formas de pensar a questão da coisa pública e a questão dos direitos dos indivíduos e da coletividades (como seres humanos e como agrupamentos até então segregados e confinados aos bolsões de subsistência e de resistência), os vícios da cultura vigente perpassam as novas práticas.

RefeRênciasGOHN. Maria Gloria. Movimentos sociais e educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

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FILME

“Crash, no limite”Jean Cabot (Sandra Bullock) é a rica e mimada esposa de um promotor, numa cidade ao sul da Califórnia. Ela tem seu carro de luxo roubado por dois assaltantes negros. O roubo culmina num acidente que acaba por aproximar habitantes de diversas origens étnicas e classes sociais de Los Angeles: um veterano policial racista, um detetive negro e seu irmão traficante de drogas, um bem-sucedido diretor de cinema e sua esposa, e um imigrante iraniano e sua filha.

1. Após a leitura do texto Movimentos Sociais e Educação responda às seguintes questões:

A. Identifique os fatos narcantes do texto, fa-zendo um breve comentário de suas ideias.

B. Escolha um trecho do qual você não concor-

da e escreva um contra-argumento (ou con-traponto) deixando claro seu pensamento.

Saiba Mais:

Atividades:

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Profa. Maria do Socorro Tavares Cavalcante

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO Sabemos que os movimentos sociais têm sido consi-derados, por vários analistas e consultores de orga-nizações internacionais, como elementos e fontes de inovações e de mudanças sociais. Existe também um reconhecimento de que eles detêm um saber decor-rente de suas práticas cotidianas, passíveis de serem apropriadas e transformadas em força produtiva. quando se examina, por exemplo, a questão indíge-na, ressalta-se o saber que eles detêm sobre a floresta. Os movimentos são elementos fundamentais na so-ciedade moderna, agentes construtores de uma nova ordem social e não agentes de perturbação da ordem, como as antigas análises conservadoras escritas nos manuais antigos, ou como ainda são tratados na atualidade por políticos tradicionais.

A presença dos movimentos sociais é uma constante na história política do país, mas ela é cheia de ciclos, com fluxos ascendentes e refluxos (alguns estratégicos, de resistência ou rearticulação em face de nova conjuntura e as novas forças sociopolíticas em ação). O importante a destacar é esse campo de força sociopolítico e o reconhecimento de que suas ações impulsionam mudanças

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Descrever os movimentos sociais combase nos espaços não-formais de edu-cação.

• Analisar a influência dos movimentossociais na institucionalização dos direi-tos humanos.

movimentos sociais: esPaÇos

De eDUcaÇÃo nÃo-foRmaL Da socieDaDe civiL

*Por Maria da Glória Gohn

Figura 01

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sociais diversas. O repertório de lutas que eles constroem demarca interesse, identidade, sub-jetividade e projetos de grupos sociais. A partir de 1990, os movimentos sociais deram origem a outras formas de organização popular, mais institucionalizadas, como os fóruns nacionais de luta pela moradia popular. No caso da ha-bitação e da reforma urbana, por exemplo, o próprio Estatuto da Cidade é resultado des-sas lutas. O Fórum da Participação Popular e tantos outros fóruns e experiências organiza-tivas locais, regionais, nacionais e até mesmo transnacionais estabeleceram práticas, fizeram diagnósticos e criaram agendas para eles mes-mos, para a sociedade e para o poder público. O Orçamento Participativo e vários programas surgiram como fruto dessa trajetória.

Para citar alguns desses movimentos nos anos 90, destacamos: alguns são de caráter pluri-classista e conjunturais, como foi o Movimento Ética na Política, ou a Ação da Cidadania Con-tra a Fome e a Miséria; movimentos de desem-pregados, ações de aposentados e de pensio-nistas. Os primeiros tiveram espaço na mídia e contribuíram para a mudança política do país. A Campanha contra a Fome deve seu sucesso à atuação midiática via a figura de Betinho.

1. OS MOVIMENTOS E A VIDA COTIDIANAOs movimentos de gênero (relação homens e mulheres) em que se destacam o movimen-to de mulheres e o movimento de homosse-xuais; o movimento dos afro-brasileiros e o movimento indígena são considerados movi-mentos identitários e culturais; possuem uma identidade e conferem aos seus participantes uma identidade centrada em fatores étnicos e raciais. Na questão do movimento indígena,

há importantes conquistas obtidas pós Cons-tituição de 88, tais como a demarcação de suas terras, o direito de alfabetização em sua própria língua e, mais recentemente, a busca da venda de seus produtos, não em mercados alternativos, mas por preços justos e competi-tivos, em mercados globalizados.

Há outros movimentos identitários e culturais como os movimentos geracionais, em que se destacam os jovens e, nesses, seus movimen-tos culturais expressos, por exemplo, na músi-ca, via o Hip Hop, o Rap e tantos outros. Mo-vimentos de meninos e meninas de rua e de idosos completam o movimento das gerações.

Há, ainda, os movimentos culturais dos am-bientalistas, ecologistas, que cresceram mui-to após a ECO 92. A maioria dos movimen-tos identitários e culturais atuam em conjunto com ONGs e eles têm sido bastante noticiados pela mídia. Muitas vezes, lhes são atribuídos bem mais poder e força que, de fato, possam deter. Isso ocorre por dois motivos: por um lado, como resultado de suas lutas que cria-ram uma nova gramática no imaginário so-cial, conferindo-lhes legitimidade, por outro, esse superdimensionamento resulta também da forma como a mídia apaga o conflito, a diferença. Eles se transformam, nas reporta-gens, em lugares de identificação, elimina-se do processo de identidade, propriamente dito, a diferenciação, a luta, a resistência. Os mo-vimentos identitários são reportados como ações coletivas, frutos de projetos focalizados, coordenados por indivíduos empreendedores, agrupados segundo categorias de gênero, fai-xa etária, origem étnica, religião etc. O empre-endedorismo social é uma categoria advinda da cidadania empresarial, em que líderes co-munitários transformam-se em gestores de projetos sociais. A grande mídia, voltada para formar a opinião pública numa sociedade de massa, elimina a negatividade, só afirma, rea-firma e confirma a positividade segundo dados interesses. Todo e qualquer caráter universalis-ta é desconsiderado, focalizando-se apenas a especificidade daquele projeto. Suas redes ar-ticulatórias - que dão apoio e suporte - desa-parecem. Exibem-se resultados sem mostrar o processo para chegar àqueles números.

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E os movimentos populares propriamente di-tos, aqueles que nos anos 70/80 foram tão importantes, estimulados pela teologia da li-bertação? O que houve com eles? Mudaram de perfil? Desapareceram? Ou é a mídia que os oculta? Nossa resposta é: eles não desapa-receram, apenas alteraram suas práticas e per-deram visibilidade - política e na mídia, porque suas ações passaram a ser mais propositivas que reivindicativas. Alguns fatores conjuntu-rais explicam essas mudanças.

Primeiro porque sempre foram heterogêneos em termos de temáticas e de demandas. O que unifica o universo das suas demandas são as carências socioeconômicas. Eles criaram e desenvolveram, nos anos 90, redes com ou-tros sujeitos sociais, assim como redes dentro do próprio movimento popular propriamente dito, destacando os movimentos que atuam na questão da moradia. Nas redes com outros sujeitos, destacam-se as tecidas com o campo sindical, o campo institucional de outras enti-dades sociais, o campo político partidário, o campo religioso, o campo das ONGs, isto é, os movimentos populares criaram, ou amplia-ram, ou fortaleceram a construção de redes de sociais.

Ocorreram, entretanto, alterações profundas no cotidiano da dinâmica interna dos movi-mentos populares. De um lado, eles perderam visibilidade (porque, ao longo dos anos 90, os movimentos populares urbanos diminuíram as formas de protesto nas ruas e diminuíram sua visibilidade na mídia), e houve um deslo-camento dessa visibilidade para as ONGs. As identidades coletivas dos movimentos popu-lares deixaram alguns elementos de lado, tais como as frequentes contestações às políticas públicas, mas como eles incorporaram outros elementos, isso lhes possibilitou sair do nível apenas reivindicatório, para um mais operacio-nal, propositivo. Embora os eixos nucleadores das demandas fossem os mesmos, eles incor-poraram novas práticas; alguns de seus líderes ou assessores passaram a incorporar diferentes escalões da administração pública (nos locais em que a oposição ascendeu ao poder). Seus discursos se alteraram em função da mudança da conjuntura. As matrizes que estruturaram esses discursos e as práticas também se alte-raram. Não se tratava mais de ficar de costas

para o Estado, mas de participar das políticas, das parcerias, etc. Eles ajudaram a construir outros canais de participação, principalmente os fóruns; e contribuíram para a instituciona-lização de espaços públicos importantes tais como os diferentes conselhos criados na esfera municipal, estadual e nacional.

A noção do novo sujeito histórico, povo, um dos eixos estruturantes do movimento po-pular, reformulou-se, assim como deu novos sentidos e significados às suas práticas. Resul-ta desse processo uma identidade diferente, construída com base na relação com o outro, e não centrada exclusivamente no campo dos atores populares. Esse outro estava presente no relacionamento desenvolvido com novas formas de associativismo emergente, interação compartilhada com ONGs e a participação nas políticas públicas.

Isso tudo alterou o projeto político dos movi-mentos populares urbanos, no sentido de um projeto político policlassista, um novo projeto político dos movimentos populares, que con-templa outras questões além de demandas específicas do campo das carências socioe-conômicas, indo das questões do modelo de desenvolvimento do país às questões do meio ambiente e do desenvolvimento humano. Na maioria dos casos, não há uma ênfase exclu-siva nas questões apenas locais, incluem-se outras dimensões. Em parte, essas mudanças se explicam pelos efeitos do próprio modelo organizacional, adotado: de se atuar em redes. O outro, o diferente, acaba alterando o movi-mento local. Com isso, outros temas entraram para a agenda dos movimentos populares ur-banos, tais como o de uma cidadania planetá-ria, antes circunscritos aos movimentos sociais organizados e assessorados por outras cama-das sociais, como os ambientalistas, as mulhe-res, direitos humanos, antiglobalização etc.

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Dentre os movimentos populares urbanos, a luta pela moradia continuou a ter a centrali-dade como a luta popular mais organizada. Uma parte dela tornou-se bastante institucio-nalizada, atuando no plano jurídico, via suas assessorias, obtendo conquistas importantes como o já citado Estatuto da Cidade. Outra parte migrou, com suas assessorias, para as ONGs, participando de projetos institucionais, tais como as cooperativas de ajuda mútua e de autogestão, assim como várias alas do movi-mento das favelas, que passaram a ter projetos de reurbanização, remoção ou transferência para projetos do poder público. Esses últimos casos geraram movimentos de associações de moradores locais. Uma terceira parte inovou suas práticas seguindo o modelo do movimen-to popular rural: realizando ocupações, não mais de áreas vazias - cada vez mais escassas e distantes dos grandes centros urbanos, ocu-pando prédios públicos e privados, ociosos ou abandonados, nas áreas centrais das grandes cidades. Inicialmente, eles criaram fatos políti-cos novos e, ao mesmo tempo - novos corti-ços nas áreas centrais. Mas a pressão contínua fez que, progressivamente, fossem elaboradas políticas públicas para regularizar essas ocu-pações, a exemplo do plano de recuperação da região central de São Paulo, e os planos urbanísticos e de regularização da posse para os imóveis ocupados. Uma quarta categoria da luta pela moradia foi protagonizada pelos “moradores de rua”. Vivendo sob pontes, mar-quises, praças e logradouros públicos, esses “moradores” aumentaram significativamente nos anos 90 em termos de número e de lo-cais de ocupação. Políticas públicas têm sido elaboradas para esses segmentos que vão de sua remoção para conjuntos populares à mu-danças provisórias em albergues, em hotéis e em imóveis alugados, quando localizados em

situação de risco. Inúmeras vezes, esses mo-radores foram manchetes na mídia pelo lado da desgraça: incêndios ocorridos em suas pre-cárias acomodações ao ar livre. A organização dos moradores de rua é algo difícil porque eles são “flutuantes” no espaço e não têm, usual-mente, trabalho fixo. Muitos desses moradores foram, no final dos anos 90, “recrutados” pelo MST para participarem de seus acampamentos e de ocupações rurais.

O movimento popular de saúde, embora te-nha se fragmentado, entrou na luta da ques-tão de preços dos convênios, remédios, postos de saúde, etc. No movimento pelos transpor-tes, outros atores entraram em cena como os perueiros (transportes alternativos). O movi-mento pelas creches está sendo recriado em várias cidades, como em São Paulo, por causa da falta de vagas como “Movimento dos Sem Creche”.

Cumpre mencionar, no campo dos movimen-tos populares, a luta pela educação. Ele nunca teve grande visibilidade como um ator inde-pendente, pois suas demandas foram frequen-temente incorporadas pelo sindicato dos pro-fessores e demais profissionais da educação, ou por articulações mais amplas, como a luta pela educação no período da Constituição, levadas a efeito pelo Fórum Nacional de Luta pela Escola Pública. Mas, além da parceria com esses atores - que continuaram atuantes nos anos 90, as reformas neoliberais realizadas nas escolas públicas de ensino fundamental e médio alteraram de tal forma o cotidiano dos estabelecimentos de ensino, as quais deram as bases para a mobilização de movimento popular pela educação. Falta de vagas, filas para matrícula, resultado de exames nacio-nais, progressão contínua (passagem de ano sem exames), deslocamento de alunos de uma mesma família para diferentes escolas, atraso no repasse de verbas para a merenda escolar, denúncias de fraudes no uso dos novos fun-dos de apoio à educação, entre outras, foram pautas da agenda do movimento na área da educação. Registre-se ainda que a crise eco-nômica e o desemprego levaram centenas de famílias de camada média à procura de vagas nas escolas públicas. Além de aumentar a de-manda, essas famílias estavam acostumadas a acompanhar mais o cotidiano das escolas,

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levando essas práticas para o ensino público, antes mais fechado à participação comunitá-ria. Com isso, em muitos bairros, as escolas passaram a desempenhar o papel de centros comunitários, pois a falta de verbas e a bus-ca de solução para novos problemas, como a segurança, a violência entre os jovens e o universo das drogas, levaram-nas à busca de parceiros no bairro ou na região, com outros organismos e associações de bairro.

A questão ambiental, que até a ECO 92 estava localizada mais nos movimentos ambientalis-tas, passou a ser uma preocupação também dos movimentos populares de bairro. Isso foi um salto qualitativo muito grande, porque, nas demandas e nas reivindicações dos anos 70/80, a questão ambiental não era tão pre-sente como é hoje nos movimentos populares propriamente ditos. Referimo-nos aos movi-mentos mais de bairros periféricos, com córre-gos a céu aberto, ausência ou coleta irregular do lixo, foco de infeções várias.

Nos anos 90, surgiram novos movimentos po-pulares que não tinham tanta presença nos anos 80, como a própria questão dos idosos e dos aposentados da previdência pública. Mas o principal deles foi o relativo à questão da violência e da criminalidade nas periferias. A expansão da violência urbana para os bairros nobres, para o conjunto da cidade, levou a po-pulação das áreas periféricas a desnaturalizar a questão no sentido de ver e demandá-la como um problema também para eles e não como algo inerente àqueles bairros, como o senso comum sempre os caracterizou. A dificuldade encontrada por esses movimentos tem sido a presença de grupos e de gangues organi-zadas, controladoras do próprio movimento, ou da liberdade de ir e vir nessas regiões. Na realidade, o movimento contra a violência ur-bana não está presente apenas entre as cama-das populares, mas entre outras classes sociais também. Ele é ainda um movimento difuso, que está crescendo bastante, especialmente nos grandes centros urbanos. Certamente que nós já tínhamos o movimento pelos Direitos Humanos desde os anos 70. Ele teve um papel importante e fundamental desde a Luta pela Anistia, nos anos 70/80. Mas, pelas caracte-rísticas e pelo panorama da sociedade brasi-leira atual, pelos fatos e pelos acontecimen-

tos recentes na sua conjuntura, o movimento contra a violência nas cidades ganhou força. Ele está organizado em bairros e representam um clamor da sociedade civil na área da se-gurança pública, na busca de proteção à vida do cidadão no cotidiano. Pesquisas de opinião pública estão demonstrando que a segurança passa a ser o principal item de demanda da população, mais que o emprego. A segurança é hoje o temor maior, ela ganha do medo de o cidadão ficar desempregado, ou de contrair uma doença grave. Está sendo a preocupação número um da sociedade.

Os movimentos de Direitos Humanos criaram redes nacionais, estão interligados a redes in-ternacionais como a Anistia Internacional. Já os movimentos contra a violência, nos centros urbanos, são mais focalizados, eles têm um ca-ráter diferente, partem de grupos e de ações localizadas, motivados por perdas de entes queridos; eles passam a criar redes, mobili-zam as associações comunitárias dos bairros - muitas vezes também acuadas pelo medo à violência dos grupos armados organizados de uma região. O movimento contra a violência urbana tem organizado passeatas, manifesta-ções de rua, etc. O próprio movimento estu-dantil, que entra e sai da cena pública cons-tantemente, tem tido um papel importante no movimento antiviolência, em campanhas pelo desarmamento da população.

Resta mencionar um novo movimento de bair-ro, diferente do movimento já tradicional em várias partes do Brasil, das associações de mo-radores ou de sociedades amigos de bairros, os Centros Comunitários, voltados para a or-ganização de parcelas da população. Eles se dedicam à produção e à comercialização de inúmeros produtos de uso doméstico ou de alimentação, galpões de reciclagem de produ-

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tos, produção de alimentos sem agrotóxicos, fabriquetas de tijolos, apiários, granjas, produ-ção caseira de queijos, doces, uma infinidade de atividades nucleadas em cooperativas ou em ssociações nos próprios bairros populares. Por detrás dessas associações, existem ONGs de caráter mais abrangentes. Elas assessoram os grupos na montagem dos projetos para o pedido de financiamento, relatórios etc.

No campo dos movimentos sociais rurais, a or-ganização popular cresceu bastante nos anos 90. Dentre os inúmeros movimentos de sem-terra criados, o mais expressivo foi o Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST. Ele se destaca tanto no plano nacional como no internacional, via um eficiente trabalho de mídia e de marketing político de suas deman-das pela Reforma Agrária, bandeiras e místicas.

Para completar minha apresentação, neste painel, sobre os movimentos sociais, a partir dos anos 90, não poderia deixar de citar o mo-vimento antiglobalização, que também está presente no Brasil de uma forma incipiente, mas organizada. É um movimento novo, so-bre o qual escrevi um artigo no último caderno “Mais” da “Folha de São Paulo” (27/01/02), fazendo uma cronologia do movimento desde suas origens até dezembro de 2001, analisan-do seu significado político e cultural. É impor-tante destacar que, apesar das diferenças exis-tentes nesse movimento, composto de uma rede de redes, ele une a crítica que faz sobre as causas da miséria, da exclusão e dos confli-tos sociais, à busca e à criação de um consenso que viabilize ações conjuntas. À globalização econômica, o movimento propõe outro tipo de globalização, alternativa, baseada no res-peito às diferentes culturas locais. Com isso, ele contribui para construir outra rede de glo-balização, a da solidariedade.

2. DESENVOlVIMENTO DA CUlTURA DE RESISTêNCIA VIA MEIOS DE COMUNICAÇõES AlTERNATIVOS Como os movimentos e as ONGs desenvolvem suas próprias mídias, de resistência ou de bus-ca de integração na ordem social excludente?

O trecho que apresentamos a seguir foi reti-rado do Informativo ABONG-Associação Bra-sileira de Organizações Não Governamentais (ABONG, 2002, n. 200) e é aqui apresentado como ilustração de novas formas de sociabili-dades existentes no Brasil e de como as cama-das populares têm recriado, via utilização de meios de comunicação alternativos, formas de cultura de resistência.. Ele diz:

“Resultado de uma parceria entre o Centro de Cultura Luiz Freire/TV Viva e a Prefeitura de Re-cife, o Projeto TV Matraca ficou entre os 100 pré-selecionados para receber o “Gestão Pú-blica”, prêmio anual oferecido pela Fundação Getúlio Vargas/SP, a Fundação Ford e o BNDES aos projetos de desenvolvimento local. A TV Matraca é um retorno à TV de rua, projeto da TV Viva, de 1984, que consistia na exibição de programas em telões instalados em locais pú-blicos. Levantando os problemas e as tradições culturais de 34 bairros de Recife e discutindo temas importantes da atualidade, a TV Matra-ca, que estreou em março do ano passado, é exibida em dois bairros por noite, com material gravado e também com a participação da po-pulação ao vivo. Apresenta um programa dife-rente por mês, com seis blocos: “Meu bairro é o maior” retrata, por meio de reportagens, a história de um bairro de Recife; “Recife está no ar” mostra os projetos sociais realizados pela Prefeitura sob a ótica dos moradores; “Gira-mundo” é uma reportagem sobre algum tema importante do momento - no programa exibi-do neste mês, o assunto são as eleições -; “Se ligue” é um quadro de serviços e de dicas aos moradores dos bairros - nos programas ante-riores, foram dadas dicas de como prevenir-se

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da dengue e economizar energia; “Ciranda cultural” apresenta matérias de cultura; e ain-da um bloco voltado ao público infantil.

As participações ao vivo são organizadas pelos 34 “matraqueiros”, pessoas que representam lideranças nos bairros, com as quais é realiza-da uma reunião por mês para discutir as pau-tas do programa do mês seguinte. “As pessoas identificam-se com o que está acontecendo; ao mesmo tempo em que dão opiniões, veem-se no telão. O programa faz com que as pessoas descubram-se e também descubram seu bair-ro”, explica Eduardo Homem, coordenador da TV Viva. Ele conta que, em um dos programas realizados no bairro Alto de Santa Teresinha, a comunidade acabou descobrindo que ali havia 32 grupos culturais constituídos por jovens. Ainda segundo Eduardo Homem, a partir do próximo mês, o público infanto-juvenil vai ga-nhar um presente: a exibição de dois desenhos animados apresentados no “Anima Mundi”.

ResUmoDisso tudo resulta um cenário bastante contra-ditório. Entidades que buscam a mera integra-ção dos excluídos, por meio da participação comunitária em políticas sociais, disputam os mesmos espaços com entidades e movimen-tos críticos, com projetos emancipatórios para a sociedade e para a democratização do Esta-do. Acho que é preciso avançar, efetivamen-te, na direção de projetos inspirados em um novo modelo civilizatório, em que a cidadania, a ética, a justiça e a igualdade social, sejam im-perativos prioritários e inegociáveis. Portanto, não bastam princípios estratégicos, avaliação de resultados baseada na lógica custo-benefí-cio, etc. se o projeto político de uma entidade para a sociedade civil, na sua inteireza, incluin-do sua relação com a sociedade política, com os organismos estatais, não for bem claro. que modelo de Estado e de sociedade queremos?

E a mídia – a que conclusão podemos chegar? Creio que a principal é a de que ela é parte do cenário acima, ajuda a construir e a destruir movimentos e projetos, exerce vigilância, mas também esquece o que não atende aos inte-resses de suas redes.

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_____________ De Seattle à Gênova: uma radiografia do movimento antiglobalização. Folha de São Paulo, Caderno Mais, 27-01-02, p. 14-15.

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“Em nome do pai”Baseado na história real de Gerry Conlon, um pe-queno delinqüente, confundido com terrorista do IRA e apontado injustamente como um dos responsáveis por um atentado a bomba. Forçado a confessar sua participação, ele assume o crime e a investigação acaba incriminando também seu pai. Condenado, ele tenta provar sua inocência e limpar o nome do pai, contando com a ajuda de uma empenhada advogada.

1. Após a leitura do texto Movimentos So-ciais: Espaços De Educação Não-For-mal Da Sociedade Civil elabore um texto dissertativo discutindo o tema com a autora.

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