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2 a edição | Nead - UPE 2010

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Martins, Ívison dos Passos Letras: Literatura Latina/Ívison dos Passos Martins. - Recife: UPE/NEAD, 2009.

56 p.

ISBN 978-85-7856-049-2

1. História da Literatura Latina 2. História – Civilização Ocidental 3. Origem do Povo Romano 4. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

M379l

CDD 850.9

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Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Vice-Reitor

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Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

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Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Prof.ª Izabel Cristina de Avelar Silva

Prof.ª Viviane Colares S. de Andrade Amorim

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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

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EDIÇÃO 2010

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Prof.ª Angela Maria Borges CavalcantiProf.ª Eveline Mendes Costa Lopes.

José Alexandro Viana Fonseca

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRodrigo SoteroRomeu Santos

Adonis DutraAfonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

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Origem e DesenvOlvimentO Da

literatura latinaProf. Ívison dos Passos Martins

Carga Horária | 60 horas

ementa

Formação do povo romano, costumes, família, educação, religião politeísta. His-tória da Literatura Latina. Sentenças latinas, período pré-literário, provérbios e fábulas. Influência helênica na literatura latina. Homero/Ilíada e a Odisseia. Pe-ríodo de Ouro da Literatura Latina, a Eneida. Período Imperial, Período Cristão.

ObjetivO geral

Conhecer a importância histórica da Literatura Latina bem como a estética e a ideologia de seus escritores como base para análise de autores de outras literatu-ras.

apresentaçãO

Seja bem-vindo à disciplina de Literatura Latina!

Os romanos foram geniais, não apenas no Direito e na administração mas tam-bém no campo da literatura, no qual se desenvolveram bastante. Sendo um povo rude a princípio, com característica prática, aplicou-se à legislação e ao registro enaltecedor da história de seu povo em seus anais. Posteriormente, com o conta-to com os gregos, desenvolveram o gosto pelas artes, o que mudou para sempre suas tendências literárias, adaptando, adotando e criando novos gêneros.

A civilização grega exerceu fascínio sobre os romanos. É de Horácio a seguinte frase: “Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio” - A Grécia, subjugada, subjugou o seu feroz vencedor e introduziu as artes no agreste Lácio.

O Império Grego já estava em decadência, embora se mantivesse viva a influên-cia de seu pensamento e de suas artes.

Conquanto, no início, imitasse o modelo estrangeiro, não se pode afirmar que a literatura latina era uma mera cópia da helênica. Ao contrário, os romanos

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deram continuidade a esta última, sendo impossível referir-se a uma sem fazer alusão à outra. Um estudo da própria herança literária grega revelará ao interessado a influência de civilizações anteriores, às quais a literatura grega se adaptou e nelas se baseou até alcançar o clímax.

Alcançando sua maturidade com autores como Cícero ou Virgílio, tornou-se eterna. Passou de influen-ciada a influenciadora da literatura mundial. Roma ditava os modelos a serem seguidos, mantendo um caráter unitário em todo o Império. Grandes escritores na Europa e, séculos mais tarde, no Brasil foram influenciados pelos modelos latinos. Portanto, nossa própria literatura se tornaria inexplicável em alguns aspectos bem como muito do que nossa sociedade hoje cultua, se desconhecêssemos esse legado maravi-lhoso de Roma.

O objetivo deste capítulo é o de proporcionar novas reflexões sobre a literatura latina. Convidamos você a conhecer esse mundo fantástico que compreende séculos de produção literária, ampliando seus conhe-cimentos na área.

Um abraço,Professor Ívison dos Passos Martins

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7Capítulo 1 77Capítulo 1

FOrmaçãO DO pOvO rOmanO

Prof. Ívison dos Passos MartinsCarga Horária | 15 horas

Este capítulo inicia com a origem dos romanos e sua incipiente manifestação lite-rária nos primeiros séculos. Analisamos suas produções autóctones, até o contato com a literatura grega. O encontro com esta última direciona os romanos a novos conceitos, estilos e objetivo ou objetivos.

1. FOrmaçãO DO pOvO rOmanO

1.1 Origem DO pOvO rOmanO

A civilização romana desenvolveu-se no Lácio, no centro da península Itálica, tendo como capital a cidade de Alba Longa. Localizada no Mediterrâneo entre as penínsulas Ibérica e Balcânica, a Itália faz fronteira com a França, Suíça e Áustria ao norte. É banhada pelo mar Adriático a leste e pelo mar Tirreno a oeste.

Desprovido de defesas naturais, cobiçado por suas terras férteis, o local sofreu di-versas invasões de povos vizinhos ao longo dos séculos. Foram construídas diver-sas cidadelas para sua defesa, entre as quais Roma. Em 753 a.C, ano tradicional de sua fundação, famílias oriundas de Alba Longa se estabeleceram no monte Palatino. Em seguida, estabeleceram-se nos outros montes. Com a conquista da localidade pelos etruscos, povo de origem incerta, a capital do Lácio foi subjulga-da, e as cidadelas foram unificadas em uma única cidade, Roma.

Os romanos, portanto, descendem dos etruscos e de diversos povos que foram chegando ao Lácio, provenientes da Europa central por volta do segundo milê-nio a.C. Este último grupo é representado pelos latinos, oscos, umbros, équos, samnitas e sabinos entre outros, denominados de forma genérica italiotas. Os gregos, por volta do século VIII a.C, formaram a Magna Grécia durante a Segun-da Diáspora Grega. Esta se tornou uma importante colônia ao sul da Península.

Dominando boa parte da Itália e estendendo-se des-de o Lácio, seguindo para a região norte, os etruscos muito contribuíram para o florescimento da civilização romana. Impuseram sua cultura, contribuindo, ao lado dos gregos, para a for-mação da identidade roma-na. Seu principal legado en-contra-se na sofisticação de sua arquitetura e na religião Fo

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8 Capítulo 1

– acreditavam na vida após a morte e construíam sepulcros elaborados para seus mortos. Apesar de dominarem as técnicas da grafia, não se sabe muito sobre o seu alfabeto, dificultando um estudo mais aprofundado desse povo.

1.2 Origem mitOlógica De rOma

Na Eneida, o poeta Virgílio (70 a.C.), baseado em pesquisas de mitos antigos, conta a lendária ori-gem da cidade.

Após a investida grega contra Troia, o príncipe herói Eneias parte rumo à Itália, enfrentando pe-rigos e sob a proteção de Vênus. Eneias segue em companhia de seu pai e de seu filho Ascânio. Este ergue a cidade de Alba Longa.

A história de Roma se inicia quando Amúlio usur-pa o trono de seu irmão Númitor, avô de Rômulo e Remo e rei de Alba Longa. Os gêmeos são tirados de sua mãe Rea Silvia, que é obrigada a se tornar sacerdotisa vestal, e lançados às margens do Rio Tibre. Alimentados por uma loba, foram depois encontrados por camponeses que os criaram. Quando se tornaram adultos, destronaram Amú-lio e restabeleceram o trono a seu avô.

2. religiãO rOmana

2.1. religiãO pOliteísta

O culto doméstico

De caráter frio e abs-trato, em seus pri-mórdios, a religião romana cultuava os manes, espíritos dos antepassados, os lares, ou deuses protetores da família e os penates protetores das proprie-dades e alimentos. O culto familiar era fei-to em casa, à beira do fogo sagrado da lareira e presidido pelo pater familias. O pai passava os cânticos e as rezas de geração a geração. Havia também outros deuses nativos, que re-presentavam as forças da natureza, entre eles Pomona (deusa dos frutos), Faunus (deus dos rebanhos) e Flora (deusa das flo-res). Outro elemento etrusco de importância foi a tríade composta por Júpiter, Juno e Minerva, que se juntou aos já cultuados Marte e Quirino (Rô-mulo).

O primitivo culto romano só depois do contato com a religião grega adquire complexidade e gra-ciosidade, pois os romanos não possuíam criativi-dade imaginativa para atribuir-lhes a complexida-

mado, pulou o traçado desenhado no chão, provo-cando a ira de seu irmão, que, entendendo o ato como um presságio de que Roma seria invadida, o matou friamente.

Rômulo torna-se o primeiro rei de Roma. Tempos mais tarde, desaparece numa tempestade e passa a ser adorado como um deus.SAIBA MAIS

http://www.portalplanetasedna.com.ar/monar-

quia_roma.htm SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%B4mulo_e_Remo

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Com a missão de fundar Roma, a nova Troia, eles partiram para o monte Palatino. Enquanto Rômu-lo traçava os limites da nova cidade, Remo, enciu-

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9Capítulo 1

A influência da mitologia ainda se reflete hoje, por exemplo, nos dias da semana, em algumas línguas neolatinas. Compare:

* Dies Dominis e Sabbatum são de influência cristã.

de como fizeram os gregos. Os deuses presentes na literatura romana são o reflexo dos deuses da Grécia. Segundo Jeanroy e Aimé s.d, p.3, os deu-ses romanos representados na literatura eram mais gregos que romanos.

2.2 O cultO públicO

Esse culto era mais elaborado e contava com os sa-cerdotes, em que o Pontifex Maximus (Sumo Pon-tífice), título depois adotado no Cristianismo pelo Papa, era o chefe da religião. Contava, ainda, com os flamines (sacerdotes), as vestais (sacerdotisas de Vesta), os sálios (dedicados ao culto de Marte, en-toavam hinos em louvor ao deus da guerra), fecia-les (sacerdotes criadores do direito internacional, encarregados dos tratados de paz e da declaração de guerra), áugures e aurúspices, sendo estes dois últimos uma forte herança dos etruscos.

Como você verá mais adiante, os cânticos dos sá-lios e outros, como os cânticos dos irmãos arvais, todos de caráter religioso e servirão de base para a formação da poesia romana. (Pedroza 1947). As manifestações poéticas das civilizações indoeuro-peias estão atadas, em sua origem, aos cânticos (Cardoso 2003).

Vesta, deusa do lar, tinha um destaque especial, havendo, inclusive, um colégio de sacerdotisas dedicadas ao seu culto. Chamadas sacerdotisas vestais, escolhidas pelo Sumo Pontífice, eram indicadas entre as meninas de grandes famílias para servirem por trinta anos, permanecendo virgens e mantendo sempre aceso o fogo sagra-do do altar da deusa.

Havia, entre as festas religiosas de caráter pú-blico, constando no calendário anual, as sa-turnálias (homenagem a saturno), matroná-lias (em homenagem às mães) e as lamúrias (homenagem(ando) a(os) mortos).

Do contato com os gregos, os romanos adotaram as divindades helênicas com algumas adaptações, como você poderá ver a seguir:

LatimDies solis/Dominis

Dies Saturni/

Sabbatum

Dies Mercurii

Dies Lunae

Dies Jovi

Dies Martis

Dies Veneris

Espanhol

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sábado

miércoles

lunes

jueves

martes

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Francês

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Italiano

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sabbatto

mercoledì

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giovedì

martedì

venerdì

Catalão

diumenge

dissabte

dimecres

dilluns

dijous

dimarts

divendres

Gregas

Zeus

Ares

Héstia

Hefaístos

Hera

Hermes

Deméter

Apolo

Atena

Hades

Afrodite

Poseidon

Romanas

Júpiter

Marte

Vesta

Vulcano

Juno

Mercúrio

Ceres

Apolo

Minerva

Plutão

Vênus

Netuno

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10 Capítulo 1

3. viDa privaDa DOs rOmanOs

3.1 Família

O casamento era, na maioria das vezes, arranjado pelos pais. Ao se casar, a mulher deixava custódia do pai pela do esposo. Havia o divórcio, embora, nos primeiros tempos, fossem mais raros.

O pai, pater famílias, sendo cidadão romano, pos-suía total poder de vida e de morte sobre os mem-bros de sua família. Quando nascia um filho, o pai tinha pleno direito de aceitar ou rejeitá-lo. No caso de rejeição, a criança seria deixada para padecer de frio ou fome, ou mutilada para ser usada por pes-soas de má fé que as utilizavam para receber auxílio do Estado. Sendo aceito, aos nove dias de nascido, o bebê recebia a bulla que era colocada em seu pes-coço, para afastar o mau olhado, e recebia também o nome. A menina usava sua bulla até o casamen-to, menino até a idade viril.

O nome consistia em três partes: praenomen, no-men e cognomen. Vejamos como exemplo o do grande orador romano Marcus Tulius Cicero.

I. Marcus “praenomen” (nome de batismo, esco- lhido entre os mais usados em Roma) II. Tulius “nomen” (nome de família ou “gens”) III. Cicero “cognomen” (último nome).

Uma das mais importantes instituições romanas é a família, na qual os laços familiares eram manti-dos fortemente, para que os bens permanecessem na mesma família por gerações.

A mulher romana gozava de melhor posição na so-ciedade do que as gregas. A matrona, dona de casa,

era responsável pelos escravos e pela casa. Com o tempo, as mulheres também puderam administrar seus bens.

Diferentemente do que ocorria na sociedade grega, elas tomavam suas refeições com seus maridos. Os homens usavam a toga viril, as mulheres, a stola (vestido largo abotoado com broches), e as casadas, a stola matronalis.

3.2 eDucaçãO

Durante os primeiros anos da república, a educa-ção era confiada à mãe até que a criança chegasse aos sete anos de idade. Os meninos (pueri), então, aprendiam com o pai os costumes de seus ances-trais, ler, escrever, fazer contas, sobre a agricultura, defender seus direitos e a ser parcimonioso e rígi-do consigo mesmo. As meninas (puellae), por sua vez, aprendiam com suas mães a trabalhar no tear como também as tarefas domésticas.

Posteriormente, os gregos introduziram um ou-tro sistema que dividia a educação em três graus: Ludus (ensino primário); a Grammatica (o aluno recebia estudos de teoria gramatical, leitura dos clássicos greco-latinos, através dos quais recebia, também, lições de geografia, tradições mitológicas, métrica...). Mais adiante, no ensino superior, rece-biam aulas de retórica, discursos para desenvolver a eloquência, bastante explorada nos períodos se-guintes, especialmente no Período de Ouro.

O pequeno romano frequentava a pérgula (esco-la de instalações simples, geralmente funcionava num tipo de alpendre de algum prédio público) desde a mais tenra idade, nesta época. Um escravo pedagogus (do grego “aquele que conduz a crian-ça”) o levava para a escola, carregando o material escolar que consistia em uma cerae (tabuinha ence-rada para se escrever) e o stilus (um ponteiro) que servia para grafar as palavras na cerae.

SAIBA MAIS

http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u65.jhtm

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4.2 inscrições

Fibula Praenestina (fivela ou broche que traz a inscrição em latim arcaico MANIOS MED FAKHED NUMA SIOI – EM LATIM CLÁSSICO: MANIUS ME FECIT NUMA-SIO significando “Manio me fez para Numásio”, indican-do a posse desse objeto).

O Lápis Niger (Pedra de mármore negro encontrada em um templo próximo ao Foro Romano, contendo as formas mais primitivas da língua latina de que se tem notícia).

São de igual importância, também as inscrições tumulares que, em forma de versos, registravam os feitos de homens ilustres. “As mais interessantes eram as da tumba dos Cipi-ões, nas quais são enumeradas as virtudes e as conquistas de L. Cornélius Scipio Barbatus

(consul em 298) [...]. (Jeanroy e Peuch, 1902, p.11)

Documento jurídico, a Lex Duodecim Tabularum (Lei das Doze tábuas, organização dos costumes an-tigos dos romanos, até então conhecidos apenas na forma oral), foi escrito em tábuas de madeira, daí o seu nome. Nelas se encontra a base da origem do direito romano. Infelizmente as tábuas originais não foram preservadas e conhecemos pouco sobre seu conteúdo. Outros documentos de cunho jurí-dico são a Tabulae eugubinae e a Tabula bantina.

4.3 Os cânticOs - literatura Oral

Embora não se possa considerar essa manifestação musical inicial como arte literária propriamente dita, por não gozar de status de material escrito, divisamos, aqui, o começo da arte literária dos romanos. Seu conteúdo varia entre o religioso e o profano. São a origem da poesia romana. “A poesia latina está representada em hinos festivos, cânticos rituais que se entoavam nos banquetes, nas festas triunfais, nas colheitas e nas cerimônias funerais etc.” (PEDROZA, 1947 p.16). Apesar de não contarmos com os originais, conhecemos esses cânticos através de citações de autores de épocas posteriores.

Ao atingir a idade de 17 anos, o rapaz vivenciava uma cerimônia especial, na qual trocava a toga pre-texta por uma toga totalmente branca, chamada toga viril. Seu nome era, então, escrito na lista de cidadãos de Roma; eram oferecidos sacrifícios aos deuses e encerravam o dia com um banquete. Só então, o rapaz era considerado um cidadão roma-no.

A literatura latina

Didaticamente, a literatura latina costuma ser divi-dida em 6 períodos:

1. Período arcaico ou pré-literário; 2. Período helenístico; 3. Período clássico (Ciceroniano e de Augusto); 4. Período pós-clássico; 5. Período de decadência6. Período da literatura latino-cristã.

4. períODO arcaicO Ou pré-literáriO

4.1 as inscrições – epigraFia

Esta fase primitiva “[...] estende-se desde o apare-cimento das primeiras inscrições (século VII a.C.) até a produção dos primeiros textos propriamen-te literários escritos em latim (imediações de 240 a.C.)”. (CARDOSO 2003 p. XIII)

O caráter prático dos romanos influenciou também sua literatura primitiva. Produziram documentos privados e públicos, cânticos religiosos e leis, obras que registravam sua história. Os romanos não eram um povo inclinado à cultura das letras e das artes; não possuíam a versatili-dade do pensamento nem o poder de imaginação tão própria dos antigos gregos. A virtude deles consistia es-pecialmente na moderação viril, na energia prática, na constância, as quais os tornaram capazes de se fazerem grandes, como estadistas, legisladores e como guerreiros. A arte e as letras não exerceram, nos romanos, atrativo algum, até que o contacto definitivo com os gregos des-pertou neles o espírito de emulação, excitando o desejo artístico. A mesma religião era por natureza simples e pri-mitiva, incapaz de encher a imaginação de lindos mitos e de lendas, que, ao invés, eram a vida e o fundamento da poesia grega. Na verdade, não tiveram os romanos mitolo-gia enquanto não adotaram a dos gregos.

(Masera apud Alencar, Menton de 1955, pág. 149).

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Fíbula Praenestina

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12 Capítulo 1

Acrescentamos aos já citados a épica (expressada oralmente, nesta fase, cantando os feitos heroicos de seu povo) presente nas mais diversas culturas, a exemplo disso, temos, na cultura escandinava, o Beowulf, que permaneceu sem registro escrito por séculos; as Nênias, Atelanas e os Cânticos Fesceni-nos, conhecidos hoje graças a inscrições lapidares ou a citações feitas por autores antigos. Emprega-ram –se, na confecção das épicas, os versos satúr-nios, (o nome deriva do termo saturnia tellus = terra do deus Saturno), base da poesia popular que forma a métrica latina inicial, posteriormente uti-lizada por Lívio Andrônico ao traduzir a Ilíada e a Odisseia para o latim. É interessante notar que “[...] o verso satúrnio foi utilizado, em Roma, nos mais antigos cânticos de que se tem notícia”. (Car-doso, 2003, p. 4).

* Segundo o historiador do período de Augusto, Tito Lívio (Pádua 59 - 17 a.C.), os cânticos fesce-ninos foram trazidos a Roma por um grupo de dançarinos da Etrúria que havia sido chamado para apresentar suas danças cheias de teatralida-de numa cerimônia ritual purificatória, a fim de conter uma doença que se alastrava pela capital em 364 a.C., pois os romanos, supersticiosos que eram, acreditavam que com a instituição dos jo-gos cênicos, em homenagem aos deuses, obteriam sua graça, aplacando a peste. Constitui-se, então, num espetáculo cerimonial a primeira represen-tação em Roma.

Os gestos dos dançarinos foram logo copiados pela juventude romana, mas ainda demorou um pouco para que o teatro se desenvolvesse, como afirma Cardoso, comentando sobre o episódio:

Após o espetáculo, os jovens romanos passaram a imitar os dançarinos, mesclando cantos e brincadeiras satíricas a danças gestuais [...] Para que se chegasse, porém, à produ-ção dramática literária que caracterizou a segunda metade do século III a.C. e a primeira metade do século II, foi necessário que Roma entrasse em contato com as farsas tarentinas – paródias obscenas representadas por atores mascarados, das quais a pintura em vaso nos dá uma ideia -, com a comédia siciliana, o mimo e finalmente, os textos trágicos da antiga Grécia e a chamada comédia nova (Car-doso, 2003, pp.24 e 25).

Diferentemente do que se poderia pensar, apesar da influência grega que estudaremos a seguir, a li-teratura latina tem como base suas primeiras mani-festações literárias autóctones.

SAIBA MAIS

http://www.iportais.com/pontoliterario19.html

Satura

Hinos triunfais

Atelanas

Tipo de dança com recitação de ver-sos e ao som de música.

Em honra aos heróis nacionais.

Tipo de comédia ou farsa, improvi-sadas pelos atores, base da comédia latina. Seu nome deriva da cidade de Atella.

Cânticos sálicos

Cânticos arvais

Nênias

Cânticos Convivais

Cânticos Fesceninos*

Em louvor ao deus da guerra Marte.

Entoados em louvor à deusa da ter-ra, implorando bênçãos sobre as co-lheitas.

Cânticos elegíacos, de caráter pro-fano, que eram entoados durante as cerimônias fúnebres.

Cânticos profanos em honra dos he-róis lendários ou contemporâneos ilustres, acompanhados de instru-mentos em banquetes.

Provavelmente de origem etrusca, de acordo com Virgílio, em suas Ge-órgicas, 1. II versos 380-387, esses cânticos executados por campone-ses mascarados, enquanto bebiam vinho. De caráter sensual e satírico, recitados em algumas festas religio-sas com a finalidade de espantar o mau olhado, são provavelmente o embrião do teatro romano.

SAIBA MAIS

O capítulo Origem da poesia latina, Cardoso,

Zélia de Almeida, (2003);

http: //pt. wikipedia.org/wiki/ Lit. Latina/Lei_das_Doze_Tábuas.htm

4.4 anais

O primeiro escritor a se destacar neste gênero lite-rário que narra a história é Quinto Fábio Pictor, que foi comandante durante a segunda guerra pú-nica. Escreve a história de Roma, reportando-se à chegada de Eneias à Itália, narrando também a se-gunda guerra púnica da qual participou ativamen-te, garantindo-lhe maior crédito. Escrito em gre-go, pois “escrever em grego era dirigir-se a todo o

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13Capítulo 1

mundo civil daquela época” (Leoni 1967, pág.21), o texto possuía, ainda, uma tradução latina que, infelizmente, não chegou até nossos dias.

A conquista de todo o território italiano pelos ro-manos durou cerca de 230 anos. A língua latina se sobrepôs sobre os demais falares na Península Itálica, imposta pelos vencedores, embora ainda mantivesse sua forma arcaica.

5. períODO HelenísticO

romana, adotando as formas gregas e o enriqueci-mento do latim.

Interesses não mais provinciais, mas universais aumentam extraordinariamente a potência política de Roma. Tam-bém a literatura, portanto, sai do anônimo e do popular para tomar forma nas individualidades artísticas. Estava constituída, deste modo, a tradição literária romana que devia prosperar sem interrupção por muitos séculos.Até então, a métrica usada em Roma era a dos versos sa-turninos, que se baseava no acento tônico das palavras, ao contrário do que acontece a partir do século III, em que é incorporada a métrica quantitativa, baseada na quantidade das sílabas, de influência grega (Leoni, 1967, p. 21).

Principais autores desse período:

5.1 líviO anDrônicO

Embora de origem grega, nascido por volta de 280 a.C., Andrônico era originário de Tarento. Levado cativo entre outros, a Roma, foi escravo de Marco Lívio Salinator. Devido à sua instrução, recebeu a liberdade, sendo incumbido, por seu antigo dono, de quem adotou o nome de família, da educação de seus filhos. Foi mestre dos rapazes da aristocra-cia romana.

Andrônico utilizava textos gregos para suas au-las. Sob os auspícios de Lívio Salinator, traduziu a Odisseia de Homero para o latim, recebendo o título de Odusia, utilizando versos saturninos. Ao ser traduzida para uma língua que ainda não esta-va preparada para abrigar uma obra literária como aquela, é obvio que seu empreendedor encontrou grandes desafios, e o resultado final não refletia a riqueza da obra original. Posteriormente, seu tra-balho foi bastante criticado por Cícero e Horácio. “Refazimento bárbaro, que Cícero compara às an-tiquíssimas estátuas de Dédalo, sem articulações, com as pernas juntas e os braços rígidos” (Vitelli e Mazzoni, 1928, p. 7).

Comentário injusto, pois, sem dúvida, se tratava de um trabalho árduo. Faltava vocabulário e, até mesmo, a métrica grega, que era desconhecida en-tre os romanos. Essa tradução sobreviveu através de citações e referências feitas a ela por autores posteriores.

Traduziu, também, um texto, que não foi conser-vado, para ser representado durante Jogos come-morativos, segundo Cardoso, 2003, p.25.

Denominamos helenístico o período em que a li-teratura latina sofre influência da literatura grega. Até então, tem-se registro, apenas, de textos epigrá-ficos, cânticos, leis, anais e sentenças em versos.

Conquistada a Magna Grécia (272 a.C.), Roma se expõe diretamente à cultura helênica. O Império foi se estendendo, até que, em 265 a.C, a Penínsu-la Itálica estava completamente sob seu domínio. Jovens levados como cativos para Roma eram em-pregados para a educação das crianças. Os libertos abriam escolas públicas para ensinar aos filhos.

Eram utilizados textos de clássicos gregos para en-sinar gramática, retórica, etc.

A língua latina havia sofrido influência do contato com os etruscos e outros povos que iam sendo sub-jugados. Foi-se impondo sobre os diversos falares da região, dos quais restam algumas poucas inscri-ções, até serem extintos.

A vitória sobre a cidade de Cartago (guerras púni-cas), entreposto comercial ao norte da África, que ameaçava os interesses comerciais romanos, foi de-cisiva para o progresso e a expansão da literatura

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14 Capítulo 1

A obra literária de Lívio Andrônico compõe-se de traduções ou autoria de comédias e tragédias (de tragos, palavra grega que quer dizer canto do bode). Inicialmente, as tragédias tinham um cará-ter religioso em honra a Dionísio, deus do vinho. Evoluiu, então, para um drama que fala sobre o destino do homem, com grande dose de horror. Dele não restam muitas obras, apenas fragmentos da Odisseia em latim e títulos de outras obras. Pro-pagador e propulsor da literatura grega em Roma, despertou o gosto pela literatura dos vencidos, combinando as duas culturas. Segundo Pedrosa, que o cita como “poeta oficial do estado”:

Sem modelo, sem léxico, sem o recurso ainda das formas de uma língua plástica, com os recursos apenas da língua rude do povo romano, traduziu, em versos saturninos, a famosa epopeia grega que se tornou o livro de classe da mocidade de Roma. (Pedrosa, 1947, p.24)

5.2 néviO

Cneu Névio (c. 264 – 201 a.C.) era natural de uma cidade latina de Campânia. Participou da Primei-ra Guerra Púnica, tornando-se muito popular em Roma por seus atos de patriotismo. Tentou criar uma poesia nacional.

É considerado o primeiro autor latino a produzir uma obra de qualidade. Como todos os antigos po-etas latinos, Névio também cultivou vários gêneros literários ao mesmo tempo. Escrevendo uma peça na qual retratava a infância de Rômulo, procurou nacionalizar a tragédia, sendo considerado o cria-dor da tragédia romana. Em seus últimos anos, es-creveu, também, um poema épico: De Bello Púni-co, uma narrativa sobre guerra púnica e as origens de Roma.

Infelizmente, pouca coisa de sua autoria foi pre-servada até nossos dias. Nacionalizou, também, as comédias, que eram um meio de criticar a política e os costumes da época sempre com um final feliz, introduzindo a togata e a pretexta, ambas referen-tes às vestes dos romanos, que traziam um contexto romano, em oposição à palliata, nome dado em referência às vestes gregas, de temática grega.

Posteriormente, outros gêneros de origem popular substituíram a togata. Eram o Mimo e a Atelana, preferidos do público romano. Esta última, prova-velmente, de origem osca, proveniente da cidade

de Atela. Apresentava personagens estereotipados. Embora de caráter burlesco e popular, de acordo com Cardoso 2003, p.38, atelana passa por uma modificação em que se intelectualiza, por volta do 1º século de nossa era, “assumindo dimensões li-terárias”. Quanto ao mimo, tendo sua origem na Grécia, era mais variado, porém possuía um cará-ter mais grosseiro que a atelana, exibindo cenas de nudez e linguagem libertina. Ambos os gêneros deram lugar à pantomima, de caráter gestual, em que os atores utilizavam máscaras buscando temas na mitologia ou na realidade. A temática podia va-riar entre o cômico e o trágico. Escreveu e traduziu também tragédias.

Névio era avesso aos patrícios romanos. Com suas comédias satíricas, conseguiu atingir e enfurecer seus inimigos aristocratas, entre eles os Metelos. Isso lhe rendeu um tempo na prisão e o exílio em Útica, no qual faleceu em 200 a.C. Segundo Car-doso, 2003, p. 26, restam-nos, apenas, fragmentos das tragédias e os títulos das comédias. Dotado de uma grande autoestima, imortalizada em seu epitá-fio, Pedrosa transcreve:

Mortales immortales si foret fas flere,Flerent Divae Camenae Naevium poetam.Itaque postquamst Orcino traditus thesauroObliti sunt Romae loquier latina lingua.

“Pudessem pelos mortais os imortais chorar, chorariam por Névio as Divinas Camenas. Deixou-se de falar latim em Roma, apenas o poeta foi de Orco, os antros habitar.” (Pedrosa, 1947, p.25).

Entre as suas comédias, podemos citar: Alimonia, Damae, Romulus e Hector. O poema De Bello Punico, no qual narra a ida de Eneias a Cartago.

5.3 ÊniO

Quinto Ênio era natural da Calábria, nascido em Rúdias, na Magna Grécia. Sua língua materna era, portanto, a grega. Lutando no exército romano, após a segunda guerra púnica, o questor romano Cipião o levou para Roma, onde conquistou sim-patia, disseminando a cultura grega, ainda que sob os protestos de Catão. “Tornou-se o escritor oficial do Estado, mas sua obra, vasta e multiforme, o re-vela um educador do espírito romano [...]” (Leoni 1967, pág.27.) Foi também professor de grego.

Cultivou a épica, havendo registro de partes de um poema seu intitulado Annales, em que contava a

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15Capítulo 1

origem mitológica de Roma, a tragédia, conside-rada criação latina, e a comédia. Foi seguido por muitos poetas antigos. Como aconteceu com Né-vio, não restou muita coisa de sua obra. Compôs a comédia Caupuncula, (O pequeno albergue) e Pancratiastes (o atleta). Como Andrônico e Névio, utilizou versos gregos, como o hexâmetro.

Sua poesia foi admirada por Cícero e Virgílio, e sua grandeza só foi superada por Virgílio, com A Eneida. Escreveu, ainda, as tragédias Andrômaca, Hecuba, Ifigênia, as epopeias História sagrada de Evênero e os Annales, composto por 18 livros.

Como lembra Fidelino de Figueiredo, (apud Pe-drosa 1947 p. 26) Ênio utilizou as lendas tradicio-nais de Roma, fato que o tornou popular e amado entre os romanos.

ativiDaDe | Pesquise sobre a influência da epopeia latina em Luiz de Camões (Os Lusía-das), no Quinhentismo, e em Santa Rita Du-rão (Caramuru) e Basílio da Gama (Uruguai), no Arcadismo e traga suas conclusões para o fórum.

5.4 plautO

Tito Macio Plauto (250 a.C? – 184 a.C?), romano proveniente da Sársina, cidade da Úmbria, devido a perdas no comércio, a que se dedicou, acabou como escravo de um dono de moinhos, após ter sido rico. Escreveu obras teatrais, cerca de 130 co-médias, imitando os autores gregos, sendo que sua autoria só foi comprovada em cerca de noventa. Chegaram até nós, apenas, 27 delas. Embora sua obra, admirada até à época de Augusto, recebesse elogios de Cícero, Horácio fez críticas acirradas. Entretanto, foi notadamente original em sua obra, chegando a influenciar autores, como Shakespeare e Molière durante a Renascença. Obtendo tama-nho sucesso com as comédias, às vezes contendo vulgaridades para entreter o público, dedicou-se completamente a esse gênero.

[...] embora se aproxime dos gracejos dos “fascennini”, é rico de originalidade nas subtilezas e no enredo das cenas. [...] o autor não visa ao desenvolvimento completo e orgâ-nico da ação dramática, mas sim ao efeito de cada cena, em que se manifestam os dotes extraordinários de sua poesia e os tesouros da sua verdadeira originalidade. (Leoni, 1967, p.26)

Inicialmente influenciado por Névio, com o tem-po alcançou tamanha originalidade, tornando-se um dos maiores autores latinos ao lado de Terên-cio. Entre as suas obras, podemos citar: Asinária, Anfitrião, O Mercador, A Corda, os Mecmenos e a Marmita (Aulularia - contra os avarentos), esta última tendo sido inspiração para Ariano Suassu-na em o Santo e a Porca.

5.5 terÊnciO

Nascido em Cartago e levado para Roma por Te-rêncio Lucano, Públio Terêncio Afer difere muito de Plauto. Enquanto em Plauto, encontramos a energia do latim vulgar, em Terêncio, alguém que se preocupa mais com a estrutura da obra.

Recebeu educação e foi libertado. Terêncio alcan-çou a perfeição de estilo, linguagem refinada, des-tacando a elevação de sentimento de seus persona-gens, evitando as vulgaridades presentes nas farsas de Plauto.

Leoni (1967) lembra que seus contemporâneos, devido à complexidade de suas obras, preferiam as obras de Plauto que continham trechos mes-quinhos e vulgares. Fato que levou Terêncio, final-mente, ao afastamento do teatro. Falando sobre si mesmo, ele diz: “Homo sum, humani nihil a me alienum puto”, ou seja, Sou homem, nada do que é de interesse humano me é estranho.

Todo o temperamento de Terêncio o inclinava à reflexão moralista, quase à meditação filosófica, e a linguagem ge-ralmente dedicada das suas personagens não era a mais apropriada para prender a atenção do público dos teatros romanos. (SILVA, Agostinho da. s/d., pág. 237)

Entretanto, fora apreciado por Varrão e Cícero e ainda muitos séculos depois, durante a Idade Mé-dia e a Renascença, em que serve de inspiração para Cervantes, entre outros.

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16 Capítulo 1

Entre suas obras, podemos citar: Os Adelfos, An-dria, O Eunuco e Fórmio.

5.6 catãO

Marco Pórcio Catão (234 – 149 a.C.) era natural de Túsculo, na Sabínia. Numa época em que o helenismo estava em voga, apoiado por um parti-do liderado pela família dos Cipiões, o espírito de Catão manteve-se firme aos antigos costumes de sua terra, sendo chefe do partido dos romanos que rejeitava a ideia de que o desenvolvimento tivesse, necessariamente, que se basear em fontes de co-nhecimento estrangeiro.

Grande parte de sua obra é de cunho científico ou informativo, o que, como nos lembra Cardoso (2003), não pode ser considerado como arte literá-ria genuína. Vários autores romanos, a exemplo de M. T. Cícero, que veremos no próximo capítulo, também escreveram diversas obras puramente lite-rárias e obras de caráter científico. “A poligrafia foi uma característica do romano desde cedo” (Cardo-so, 2003, 187).

Utilizou linguagem simples e cheia de arcaísmos em sua prosa. Em suas obras, dedica-se às dificul-dades enfrentadas por Roma, como o êxodo rural na época de Augusto, a solução dos problemas econômicos através da agricultura, com dicas e de-veres sobre a arte do cultivo, em De agricultura, única obra de Catão e de toda a prosa antiga que chegou até hoje integralmente.

Libri ad filium constitui-se em uma enciclopédia na qual busca deixar para o filho princípios bási-cos da educação romana. Trata de retórica, direito romano, medicina e de militarismo, no intuito de preservar seu filho Marco da influência grega. Em um de seus 150 discursos, com seu espírito prático e austero, critica o luxo das mulheres romanas, de-fendendo a lei Ápia.

Escreveu, ainda, Origenes (tratado sobre a origem de Roma até sua época) e foi também historiador.

[...] Catão não só narrava as origens e a história de Roma mas também das demais cidades itálicas e concebia, pri-meiramente, a história de Roma como a história de toda a Itália. (Leoni, 1967, p.33)

Como era de se esperar, diferentemente de outros autores romanos da época que escreveram em gre-

go os seus Annales, sua obra fora escrita em um latim que ainda apresentava traços arcaicos. Catão procurava manter aceso o amor exagerado pelas antigas tradições romanas, agora modificadas pela influência helênica. Tratou de temas como a me-dicina, moral e costumes como em Carmen de moribus (Cântico sobre os costumes) redigido em versos satúrnios.

Os romanos se tornaram amantes das artes devido à influência helênica. Roma respira uma atmosfera culta e luxuosa. A literatura latina, neste ponto, aberta a influências exteriores, já modificada, está preparada para sua exaltação. Atingirá a grandio-sidade no próximo período que terá como o seu maior expoente Marco Túlio Cícero.

glOssáriO

augures - sacerdotes que supostamente interpretavam as vontades dos deuses por meio da observação da natureza, especialmente o canto dos pássaros e o apetite dos frangos sagrados de Juno.

aurúspices - intérpretes das vontades dos deuses por meio do estudo das entranhas de animais.

autóctOnes – algo ou alguém originário de determinada região.

beOwulF - poema épico, de origem escandinava, com 3.182 linhas. Foi escrito na Inglaterra, no dialeto anglo-saxão.

bulla - amuleto recebido pelas crianças romanas ao nascer para afastar mau olhado.

epigraFia - estudo, decifração e interpretação de inscrições antigas.

HOráciO - Quinto Horácio Flacco. Poeta latino pertencente à Fase Imperial da Literatura Latina.

incipiente - elementar, simples, rudimentar.

OrcO - nome romano para a divindade que, provavel-mente, mais tarde foi identificada como Plutão, rei das regiões inferiores. Equivale a Tanatos (mitologia grega), a personificação da morte.

pOligaFia - o ato de escrever obras de gêneros diversos: poesia, ensaios, contos, peças teatrais.

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17Capítulo 1

tOga - vestuário dos antigos romanos, que consistia em um manto de lã amplo e comprido.

vestais - sacerdotisas dedicadas à deusa Vesta. Respon-sáveis por manter aceso o fogo sagrado de roma. Deve-riam permanecer virgens até o fim de sua tarefa, a qual cumpriam por trinta anos, desde sua infância. Se acaso falhassem, eram enterradas vivas.

reFerÊncias

ALENCAR, Menton de. O latim clássico e do ginásio. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Aze-vedo LTDA, 1955.

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura la-tina. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo: Livraria Nobel, 1967.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de história da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial, 1947.

SILVA, Agostinho da. A comédia latina: Plauto e Terêncio. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra Editore, 1915.

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19Capítulo 2

períODO clássicO Da literatura

latinaProf. Ívison dos Passos Martins

Carga Horária | 15 horas

ObjetivOs especíFicOs

• DistinguirascaracterísticasfundamentaisdoPeríodoClássico;

• Conhecerosprincipaisautoresesuasobrasbemcomoainfluênciadavitória completa do helenismo e da política romana no campo literário.

Este capítulo se inicia com a chamada Época Áurea da Literatura Latina. É o período que vai de César a Augusto, primeiro imperador romano. A fase que compreende o governo de César recebe o nome de seu maior expoente: Marco Túlio Cícero.

1. períODO clássicO

O inevitável acontece em Roma: a apreciação pela arte grega atestava o triunfo do helenismo sobre a sociedade romana. Os apelos de Catão pela conservação dos antigos costumes romanos já haviam sido esquecidos. Atenas era o centro das artes. Os modelos gregos eram livremente seguidos, e muitos partiam para a Hélade, a fim de se aprofundarem em suas artes.

Como já vimos, este período pode ser didaticamente dividido em dois momentos especiais, de acordo com suas particularidades: Período Ciceroniano e Período de Augusto.

Que fatores influenciariam no desenvolvimento da literatura latina neste ponto ou o que faz com que a incipiente literatura latina,

de imitadora dos modelos gregos, atinja seu ápice?

1.1 períODO cicerOnianO (81 a.c. a 43 a. c)

Capítulo 2

O clima político que se seguia com a expansão de Roma, a despeito de algumas dificuldades e contrastes, juntamente com a necessidade de preservar e perpetuar seu patrimônio cultural e a defesa de ideologias in-centivaram o cultivo da eloquência e da história que, neste período, serão de grande importância para os pro-pósitos políticos em Roma. Fo

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20 Capítulo 2

A ascensão de César (100 a. C a 44 a.C) ao po-der favorece bastante a expansão das artes entre os romanos. Ao contrário de seus antecessores, Caio Júlio César era, além de político, historiador e exímio orador. Favoreceu o cultivo das letras em Roma, onde foi uma espécie de protetor e incenti-vador da arte literária, ou seja, “um Mecenas ante-cipado” (Pedroza, 1947, p. 42). Assim, a literatura latina dá seus primeiros passos ao esplendor que alcança seu ponto alto na era de Augusto.

Após a conquista de Alexandre Magno sobre a Grécia, Atenas perde seu posto para outras cidades do Mediterrâneo, com destaque para Alexandria, que passa a ser o centro de cultura daquela época. Alexandre procurou promover, em todo o territó-rio de suas conquistas, a cultura grega. Esse fato concorre ainda mais para a difusão da civilização helênica.

Influenciados pelos moldes de Alexandria, sur-gem, em Roma, os poetas novos, ou “poetae novi” em latim. O termo se refere à nova escola que imi-tava agora os modelos alexandrinos e não, os mo-delos provenientes de Atenas, como acontecia no período anterior. Foram assim denominados por Cícero, pois este não gostava do estilo adotado por esses poetas novos. Preferia o tradicional estilo de Ênio, ou seja, dos poetas antigos ou “poetae ve-teres” e, para fazer uma diferença entre estes e a nova geração, “chama-los-á até ‘cantores Euphorio-nis’, isto é, imitadores daquele poeta grego, que era considerado o mais incompreensível e o mais enfa-donho da escola alexandrina.” (Leoni 1967, p. 42)

O estilo praticado pelos poetas novos, amantes de pequenos poemas, em oposição às longas epo-peias, independentemente da opinião de Cícero, abriu caminho para a nova poeticidade romana.

São considerados poetas novos, embora não ti-vessem rompido totalmente com as velhas ideias, nomes como: C. Valério Catulo, considerado o maior deles, Marco Fúrio Bibáculo, Públio Terên-cio Varrão e Valério Edítuo.

1.2 cícerO

Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, a 3 de ja-neiro de 106 a.C. Foi o maior orador romano de que se tem notícia. Como outros autores, antes e depois dele, Cícero também praticou a poligrafia. Cultivou gêneros diversos, como a oratória, poe-sia, epistolografia e historiografia. Além disso, foi político, questor, advogado e jurista.

Há poucas informações sobre seu pai, um rico equestre de saúde frágil. Sua mãe Hélvia era des-cendente de família bem situada em Roma, sen-do considerada uma típica matrona romana, que numa das cartas de seu filho caçula, Quinto, foi considerada uma dona de casa frugal.

O cognome de Cícero tem um significado jocoso em latim, pois quer dizer “grão-de-bico”, atribuído a um de seus antepassados, porque este possuía, no nariz, uma protuberância que lembrava aquela le-guminosa. Ao ser sugerido que mudasse de nome, Cícero respondeu que o tornaria mais glorioso do que o de Escauro e o de Catulo, que não eram me-nos curiosos, significando, respectivamente, “aque-le que tem o calcanhar saliente” e “Cachorrinho”. Foi discípulo de Fílon e de Quinto Múcio Cévola, com quem estudou Direito. Continua sua educa-ção na Grécia, dedicando-se profundamente a seus estudos, mantendo contato com sábios gregos con-temporâneos.

Aos vinte e cinco anos, em 81 a.C, data em que tradicionalmente se inicia o Período Ciceroniano, pronuncia seu primeiro discurso em público. A oração em defesa de Quíncio, num processo de es-poliação, é intitulada PRO QUINTICIO.

A estreia de Cícero se deu quando o jovem advogado de vinte e cinco anos [...] se defrontou com o expoente Hor-têncio, defendendo Quíncio (Quintus horrtensius Horta-lus -114-50 a.C.) num processo de espoliação. Era Hortên-cio um advogado famoso em Roma, veemente, inflamado, dono de um estilo vivo e rápido e de um fraseado elegante e polido. Medindo-se com tal figura, Cícero compôs um discurso que, embora ostentasse maneirismos de lingua-gem e sobrecarga de elementos ornamentais, revelava já aquelas características, que para ele, são essenciais à arte oratória: era escrito com inteligência e sensibilidade, ex-plorava o poder da palavra e tinha o objetivo de persuadir. [...] A preocupação de Cícero, ao compor tal obra, foi, evi-dentemente, a de convencer o público e os juízes. Cícero empregou todos os meios para esse fim. (Cardoso, 2003, p.152)

SAIBA MAIS

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São

Paulo: Livraria Nobel, 1967.

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21Capítulo 2

Através da eloquência, Cícero defendeu seus clien-tes e sua própria ideologia, sendo considerado um defensor da pureza de caráter, da honestidade e dos bons costumes, embora, em alguns casos, apre-sentasse certa ambiguidade, como veremos mais adiante. Plutarco, considerado seu melhor biógra-fo, afirma que:

“De todos os oradores, foi este o que melhor fez sentir aos romanos o encanto que a eloquência imprime às coisas honestas e o poder de que a justiça se reveste quando é sustentada pelo poder da palavra”. (Alencar, Menton de 1955, pág. 149).

Aos 27 anos, casa-se com Terência, moça de família abastada, irmã de Fábia, sacerdotisa vestal. De seu casamento, que durou cerca de 30 anos, Cícero teve dois filhos: Túlia, sua primogênita, e Marco, onze anos mais novo. Após o divórcio, casou-se novamente com Publília, jovem de família rica, o que, acredita-se, tenha sido justificado por dificul-dades financeiras. Mas, o casamento não durou muito tempo. A maior perda, entretanto, sofrida por Cícero, foi a morte de sua filha, em 45 a.C. Declarou: “Perdi a única coisa que me prendia à vida.” (Haskell, H.J, 1964 p. 249). Fortemente de-cepcionado com a indiferença de Publília, diante da morte de Túlia, Cícero divorcia-se dela.

Possuía amigos em toda a Itália, inclusive na Sicí-lia, onde foi questor, mas também obteve vários inimigos devido à causa de sua linguagem mordaz e irônica.

Durante seu consulado, Cícero obteve vitória, no tribunal, contra Catilina – o inimigo da Repúbli-ca, sendo aclamado como o pai da pátria.

Apesar de amigo de Bruto, Cícero não participa da conspiração que levou ao assassinato do ditador. Após a morte de César, o escritor se opôs à cam-panha de Antônio, na disputa deste pelo poder, escrevendo suas terríveis Filípicas.

As orações de Cícero, que se posicionou ao lado de Otávio na sucessão de César contra Marco An-tônio e sua mulher, também alvo das críticas do grande orador, atraíram o ódio do casal contra Cí-cero. Sem contar com a benignidade de Otávio, com quem Marco Antônio acaba se reconciliando, é perseguido e assassinado por exigência deste úl-timo, em sua liteira, pelo centurião Herênio e por Popílio, tendo a cabeça decepada em Fórmia, no

ano 43 a.C. Conta-se que a esposa de Antônio, a título de vingança, chegou a cravar na língua de Cícero cerca de cem alfinetes.

A obra de Marco Túlio Cícero, exemplo para a li-teratura mundial, pode ser organizada em: discur-sos, cartas, obras filosóficas e históricas, retórica e poesia.

Discursos: cheios de habilidade em que busca anga-riar a simpatia de seus ouvintes, Cícero procurava persuadi-los pelo poder da palavra. (Cardoso 2003) apresenta os discursos de Cícero, dividindo-os em judiciários e políticos. Entre eles, podemos citar: Pro Quíncio, Pro Roscio Amerino, Pro Murena, In Catilinam (as Catilinárias), pro Archias (em favor de Árquias) Pro Ligário, Philipicae (as Filí-picas), Pro Cluentius (em favor de Cluêncio), que figuram entre seus discursos mais famosos.

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cícero

CALDWELL, Taylor Um Pilar de Ferro. São Pau-

lo: Editora Record, 2008.

CÍCERO. Da República. Rio de Janeiro: Ediou-

ro, s/d.

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Cícero

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22 Capítulo 2

De conduta ilibada, Cícero defende os casos de Cluêncio e de Murena, acusados de apropriação indevida de bens públicos. O fato torna-se curioso, pois, em outra ocasião, enquanto esteve na Sicília, agiu de outra forma, num caso similar. Em suas Verrinas, ele se posiciona contra Verres, perseguin-do-o veementemente, a pedido dos moradores da ilha. Segundo Cardoso (2003), a posição de Cícero foi bastante discutível devido a sua ambiguidade.

Cartas: Cícero deixou-nos inúmeras epístolas, que podem ser qualificadas, entre outras, como:

a) ad familiares (aos familiares);b) ad Aticum (para Ático);c) ad Quintum (para Quinto);d) ad Brutum (para Bruto).

Com um estilo puro, dotado de elegância e alti-vez, o maior orador romano se despe em sua cor-respondência, mostrando seus conflitos pessoais e familiares além de brindar a humanidade com relatos acurados da sociedade de seu tempo.

O mérito literário das cartas de Cícero, diz Augusto Mag-ne, não é inferior ao dos discursos, e, é, para os modernos, muito mais fácil de perceber. Nelas manifestam-se naturali-dade, graça, espírito, tanto mais que são escritas com mais abandono. As impressões do momento vêm aí consignadas com vivacidade encantadora e espontânea (Pedroza, 1947, p. 63).

Obras filosóficas

Embora não fizesse parte da alma romana, a fi-losofia foi cultivada por eles, influenciados pelos grandes filósofos gregos. Cícero não possuía origi-nalidade nesta área, entretanto entregou a Roma e à humanidade esta ciência com a máxima fideli-dade que lhe foi possível. Traduziu vários filósofos gregos para o latim e “[...] seus tratados são a fonte principal que hoje possuímos sobre alguns filóso-fos gregos que escreveram depois de Aristóteles e cujos trabalhos se perderam” (Alencar 1955, p. 157). Entre suas principais obras filosóficas, pode-mos citar:

• DaRepública(De Republica) e Sobre as Leis (De Legibus) – ambas de cunho político;

• SobreaNaturezadosdeuses(De natura Deo-

rum) – de caráter religioso, expõe suas ideias de livre arbítrio;

• AsAcadêmicas(Academica); • AAmizade(De Amicitia) – analisa a amizade

e seu significado para a vida. • SobreaVelhice(De Senctute), entre outros.

Cícero foi mencionado nas obras de Santo Agosti-nho, como, por exemplo, em suas Confissões, sen-do considerado um pagão justo pelo catolicismo, digno de ser citado. “Suas obras abordam, predo-minantemente, os problemas de ordem política, moral e religiosa” (Cardoso, 2003, p. 171). Inte-ressado na religião judaica, acredita na existência de um Ser Supremo, “Crê que Deus existe, que Ele se revela no espetáculo da natureza [...]”(Pedro-za, 1947 p.24), revelando estar de acordo com o pensamento de Paulo, anos mais tarde (cf. epístola aos Romanos 1:20). Entretanto, Cícero defende a imortalidade da alma, divergindo, aqui, do ensina-mento judeu, expresso no livro do profeta Ezequiel (cf. Ezequiel 18: 4 e 20). Cícero dedica um capítulo inteiro ao assunto em Sobre a Amizade.

Obras históricas

Em suas obras Sobre o Consulado (De Consulatu meo) e Sobre os Tempos (De Temporibus), Cícero relata a trajetória de sua vida durante seu consu-lado e seu exílio por questões políticas, respecti-vamente, em 58 a.C. Foi bastante aclamado em seu retorno, especialmente por sua querida filha. “Em cada cidade, ele foi recebido por delegações, congratulando-o” (Haskell, H.J, 1964 p. 204 tradu-ção nossa).

Retórica

Cícero procura revelar a forma idealizada da eloqu-ência. Nessas obras, preocupa-se em mostrar como atingir o requinte da oratória, discutindo sobre o gênero e as técnicas de argumentação retórica.

Com sua morte, a eloquência tão cultivada por Cícero como o exercício dos talentos da palavra, “[...] vai reduzir-se a discursos inexpressivos – per-didos, em sua grande maioria – e em peças solenes e economiásticas, os panegíricos” (Cardoso, 2003, p.158).

• Dainvenção(De Inventione), • Orador(De Oratore),

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23Capítulo 2

• DoGêneroÓtimodeOradores(De Optimo Genere oratorum),

• SobreoOrador(De Oratore)

• (Partitiones oratoriae), • Tópicos (Tópica); apresenta o teor de uma

obra homônima de Aristóteles

Obras poéticas

Embora não tenha sido considerado um grande poeta, desenvolveu, nesta área, poemas de bom gosto como os que seguem:

• Prognósticos(Prognostica). • Fenômenos(Phenomena). • PoemaaCésar(Poema ad Caesarem). • Mário(Marius) poema heroico, do qual sobre-

viveram apenas 15 linhas.

1.2.1 Latim Clássico

O latim, não possuindo ainda o refinamento es-tilístico da grega, teve de se estruturar para poder abrigar as obras de grande vulto que se produzi-riam através dos séculos.

A língua latina estudada nas universidades, de in-teresse para os alunos de literatura latina, é o latim clássico. Essa modalidade nasceu com a elaboração e o aperfeiçoamento pelos escritores clássicos, na busca em desenvolver uma língua perfeita, tarefa empreendida por nomes, como Ovídio, Horácio e Cícero, entre outros. O próprio Cícero é consi-derado o inventor dessa variedade, “o verdadeiro criador de uma língua clássica em Roma” (Cardo-so, 2003, p.XIII).

Os romanos conheceram diversas modalidades de latim. Características de uma língua viva, entre elas figuram o latim vulgar, o latim culto, o latim clás-

sico dos escritores, oradores e poetas, baseada no latim culto, e o familiar que o próprio Cícero uti-lizava em casa “(conversando com esposa e filhos) uma língua muito mais simples” (Cretella Júnior, 1961, p. 17), mas sem as “imperfeições” do latim vulgar.

O latim vulgar dos colonos e o latim castrense dos soldados romanos, levados às mais longínquas partes do Império, transformaram-se, durante os séculos, nas modernas línguas neolatinas. A varie-dade clássica, entretanto, permaneceu, sem modi-ficações, através dos séculos. Foi utilizada na Ida-de Média e, no século XVII, a obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, contendo a pri-meira e a segunda lei de Newton, publicada pelo cientista, foi escrita em latim. O Próprio Erasmo de Rotterdam publicou, em latim, sua obra Elogio à loucura (Stultitiae laus). Além disso, é a língua oficial do Vaticano bem como fonte de termos científicos, inclusive em línguas não latinas, como o alemão e o inglês.

1.3 lucréciO

Titus Lucretius Carus nasceu provavelmente em Roma, no ano de 99 a.C, tendo falecido por volta de 55 ou 54 a.C. Embora alguns autores sugiram que tenha cometido suicídio, Vitelli e Mazzoni, (cf. Vitelli e Mazzoni, 1928, p. 130) acreditam que isso deva ser descartado por falta de comprovação.

Não existem muitos dados sobre ele. Sabe-se que era epicurista e que escreveu Sobre a natureza (De rerum natura), obra publicada postumamente por Cícero, que, embora fosse contra essa corrente fi-losófica, soube reconhecer os méritos de Lucrécio. Este é o único trabalho de sua autoria que chegou até nós.

Cogita-se, de acordo com São Jerônimo, que o po-eta enlouqueceu por causa de um filtro que lhe foi dado por uma mulher. Escrevia seus versos duran-te os momentos de lucidez. Sobre ele, escreve Virgílio em sua Geórgicas:

“Felix qui potuit rerum cognoscere causas Atque metus omnes et inexorabile fatum Subjecit pedibus strepitum-que acherontis avari. (Pedroza 1947, p. 44)

Feliz aquele que pode conhecer as causas das coisas e colo-cou, sob seus pés, todos os temores, o destino inexorável e o estrépito do avaro Aqueronte (tradução nossa).

SAIBA MAIS:

http://www.estudosclassicos.hpg.ig.com.br/litlati-

na.htm#Ciacutecero

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24 Capítulo 2

Em De rerum natura, composta por seis livros em versos hexâmetros, expõe as ideias de Epicu-ro. Os dois primeiros livros tratam do surgimento de todas as coisas, nos quais se pressagia o sistema epicureu, sugerindo algo bem próximo do evolu-cionismo moderno, “isto é, a teoria dos átomos, por cujo movimento mecânico nascem todas as coisas.” (Leoni 1967, p. 46.) Divulga o epicurismo, já existente em Roma, embora só após a publica-ção de seu poema é que essa corrente filosófica ganha maior difusão. Traz ideias de que a liberta-ção dos temores, inclusive de Deus, seria a chave para o prazer. Para ele, Deus e a punição divina deveriam ser extirpados da alma humana. Ainda segundo Lucrécio, a vida não tem sentido, ou seja, trata-se meramente de uma ilusão. Contrariando os conceitos de Cícero, cria que a alma era mortal, além de excluir qualquer tipo de intervenção da Divindade na vida dos homens.

1.4 césar

Caio, ou Gaio Júlio César, nasceu em Roma, no ano 100 a.C e morreu vítima de conspiração po-lítica, liderada por Cássio e Bruto, em 44 a.C. Era descendente da família Júlia (gens Iulia), sen-do descendente de Mário e do próprio lendário Eneias através de seu filho Julo (Iulo) de onde de-rivava o nomen de sua gens.

Teve uma forte educação no campo da filosofia e da retórica, havendo estudado com o gaulês An-tonio Gnifone, profundo conhecedor da erudição greco-latina. Posteriormente, foi aluno de Mólon, em Rodes.

Foi Pontífice Máximo, pretor, pró-consul na Gália e participou do triunvirato juntamente com Pom-peu e Crasso. Além disso, foi grande orador, poeta e historiador.

Amante das letras e das coisas do espírito, Júlio César, como já foi mencionado, era um grande in-centivador da literatura.

Seus escritos

Como historiador, escreveu Comentários sobre a Guerra Gálica (Commentarii de Bello Gallico). Composto por sete livros, o trabalho descreve campanhas empreendidas por ele que contribuí-ram para o alargamento das fronteiras do Império, constituindo-se um trabalho de grande importân-cia. Seu general, Hírcio, acrescentou um oitavo livro que mantém a narração da guerra até o ano 50 a.C.

De igual forma, Comentários sobre a Guerra Civil (Commentarii de Bello Civili) narra a guerra civil entre César e Pompeu. Ao invadir a Itália, na dis-puta pelo poder com seu opositor, atravessa o rio Rubicão e pronuncia sua famosa frase: “Alea jacta est”, - que significa “A sorte está lançada”, queren-do dizer que não voltaria atrás. Pompeu fugiu para a Grécia com alguns membros do senado, e César foi proclamado ditador. Em 44 a.C, temerosos de que César restaurasse a monarquia, defensores da República, sob a direção de Cássio e Bruto, trama-ram sua morte. Tendo sido chamando ao Senado, ele foi morto a punhaladas, por alguns senadores.

As duas obras foram concebidas numa linguagem não rebuscada, despretensiosa e impecável, condi-zentes com seu conteúdo.

Das obras a seguir, restam, apenas, fragmentos:

• Cartas;• Discursos;• Livros de analogia;• Poemas• Apothegmas• Anticatão – obra, na qual César responde a

um elogio feito por Cícero ao escritor romano Catão.

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/ Guerras_da_Gália

http://www.vidaslusofonas.pt/julio_cesar.htm

Filme: Spartacus, (EUA) : 2004 direção:

Robert Dornhelm.

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25Capítulo 2

1.5 catulO

Caio Valério Catulo nasceu em Verona, provavel-mente em 87 a.C e morreu por volta do ano 54, com cerca de 33 anos, vítima de tuberculose. É considerado o maior dos “poetas novos”. Visitou outros lugares para aprofundar seus conhecimen-tos de literatura, entretanto passou a maior parte de sua vida em Roma. Não tomou parte na política de seu tempo, apenas escreveu alguns epigramas contra Pompeu ou César. Tendo sido por um tem-po inimigo deste último, reconciliou-se posterior-mente.

Dedicou-se fortemente à literatura grega, seguin-do os moldes alexandrinos. Sua linguagem era simples, espontânea e bastante original, o que se torna, além de sua paixão e amor aos prazeres e ao luxo, uma de suas principais características:

Vivamus mea Lesbia, atque amemus,rumoresquesenum severiorumomnes unius aestimemus assis!

Catullus V 1-6.

Tradução nossa:

Vivamos, minha Lésbia, e nos amemos,e que todos os rumoresdos velhos carrancudos não nos importem!

Durante sua breve juventude, o poeta vive intensa-mente os prazeres da vida, tendo-se tornado mes-tre da poesia lírica. Frequentou a alta sociedade romana, tendo conhecido, por influência do dis-soluto pretor Mêmio, Clódia, mulher apaixonante e deslumbrante, esposa de um cônsul. Escreveu-lhe poemas apaixonados o quais a chamava de Lésbia (Haskell, H.J 1964 p 17). Os versos retrocitados, a título de exemplo, são dedicados a ela, embora não seja a única presença feminina em seus trabalhos.

Após sua viagem à Bitínia, Ásia Menor, em com-panhia de Mêmio, o jovem autor passa por uma transformação em sua vida, que o afasta da paixão amorosa e de seus gastos que quase acabaram com o módico patrimônio da família que tenta recupe-rar durante sua ida à Bitínia. Era profundamente nacionalista, escrevendo um poema sobre sua terra natal, já próximo de sua morte.

Entre suas poesias, contidas numa coletânea de

116 versos de temas variados, intitulada Carmina (do latim carmen: cânticos), Catulo vai da licen-ciosidade dos amores frívolos e frescor ao intenso amor à pátria ou à profundidade e emoção dos versos dedicados a seu irmão querido, morto na Ásia Menor. Contudo, o amor impetuoso que es-gota sua vida por inteiro é o principal tema. “Daí provém uma variedade de sentimentos humanos expressos com espontaneidade e maestria artística [...]”. (Leoni, 1967, p. 44)

2. períODO De augustO

César recebera títulos de Ditador Perpétuo, Cen-sor Vitalício, concedidos pelo Senado, mas, quan-do houve rumores de que pretendia tornar-se rei, desistiu diante dos protestos dos defensores da Re-pública, que temiam a restauração do sistema po-lítico anterior. Em 44 a.C, uma conspiração, lide-rada por Cássio e Bruto, resulta no assassinato de César no Senado. Posteriormente, Otávio, depois de lutar pelo poder, assume, em 27 a.C, o título de Augusto, nome, até então, restrito às divindades, iniciando o culto ao imperador. Começa a era dos Imperadores.

Augusto concedeu ao povo a relativa Pax Romana (Paz Romana) após vários conflitos e conquistas.

Quanto ao Período Ciceroniano, apesar de surgi-rem grandes autores como Cícero, Catulo, entre outros, as obras refletiam os conflitos internos existentes durante o governo de César:

A produção literária da idade de César, embora manifes-tando a forte personalidade dos escritores, tem algo rude, discordante: as obras mostram a violência dos sentimentos que não podem ser disciplinados na harmonia entre a re-alidade da vida e as necessidades artísticas (Leoni, 1967, p.65).

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26 Capítulo 2

O Imperador tinha consciência de que a literatura era um excelente meio de propaganda da ideologia romana. As-sim, ele incentiva as manifestações artísticas e literárias a fim de divulgar a paz, além da ostentação de poder. Co-menta Leoni: “Todas essas ideias – paz, força, grandeza, potência, missão civil de Roma – constituíam as principais fontes inspiradoras da literatura do período de Augusto” (Leoni, 1967, p. 66).

A literatura romana, agora, adquire um caráter mais universal expandindo-se por todo o território do Império, finalmente conhecendo o seu ápice.

ativiDaDe | Reflita sobre o poder e o papel da literatura, não só como entretenimento mas como formadora de opinião. Pense, por exemplo, na poética de resistência de Ferreira Gullar, no Brasil, durante a Ditadura. Traga suas conclusões para o fórum.

2.1 virgíliO

Públio Virgílio Marão é bastante conhecido por sua obra A Eneida, um dos grandes poemas da li-teratura latina e universal. Nasceu em Andes, na região italiana de Mântua, no ano 70 a.C e morreu aos 51 anos, em 19.

Virgílio era filho de camponeses que se preocupa-ram em proporcionar ao menino, desde cedo, uma educação esmerada. Estudou com mestres de gran-de reputação em Cremona, Milão e, finalmente, em Roma.

O poeta não se destaca na eloquência, mas, sim, em gêneros, como a filosofia e a poesia. Finaliza-dos seus estudos, Virgílio retorna à sua terra natal. Seu regresso à propriedade de seus pais é devido à tentativa de confisco pelos triunviros que distribu-íam terras entre os veteranos de Augusto. Embo-ra não haja muitos detalhes do caso, sabe-se que Virgílio perdeu as terras, mas sob a proteção de Mecenas e de outros amigos influentes, recupera os bens da família.

De saúde fragilizada e amante de uma vida tranqui-la e de existência simples, nunca se casou. Desde cedo já conhecido por seu talento, escreveu as Bu-cólicas, poemas pastoris, nos quais exalta o estilo de vida e os amores do campo num tom bastante patriótico. O tema das Bucólicas ressurge nova-mente nos poetas árcades, em sua exaltação à vida

campestre, como sendo o ideal. Outro poema As Geórgicas é uma obra didática, na qual trata de assuntos relativos à vida campestre, como o cultivo do campo, a criação de animais e, finalmente, da criação de abelhas. Este poema, dividido em qua-tro partes, foi escrito a pedido de Mecenas.

Além das obras citadas anteriormente, Virgílio es-creveu, entre outras:

a) Culex - poema sobre um mosquito que, ao sal- var a vida de um pastor, posteriormente em sonho, pede a este que lhe dê uma sepultura digna;

b) Moretum - relato da vida laboriosa de um

cam- ponês; c) Ciris - metamorfose da princesa Mégara; d) Copa - elegia dedicada a uma estalajadeira.

Podemos, ainda, citar Etna, Driae, Priapeia e Ca-talecta. Esta última reúne poemas, sendo a maior parte deles de sua própria autoria.

2.1.2 A Eneida

A obra de maior importância do poeta mantua-no é, sem dúvida, a Eneida. Percebendo a força da literatura na propagação da política e do poder romano, Augusto o encarrega de escrever um poe-ma que fosse um tributo ao recém-nascido Impé-rio. Surge então a grandiosa epopeia de Virgílio: a Eneida.

Exaltou a pátria, cantando as glórias de seu povo e, não obstante utilizasse moldes gregos, seria injusto afirmar que ele meramente copiou de outros escri-tores. Manteve caráter próprio, tendo influenciado escritores, como Dante Alighieri na Itália e Luiz de Camões em Portugal. “Virgílio consegue mostrar sua criatividade e seu poder de inovar.” (Cardoso, 2003, p.16). Sua composição, de doze livros ou cânticos, levou dez anos para ser completada, de 29 a 19 a.C. Contudo, o poeta não viveu o bas-

SAIBA MAIS

O capítulo A Poesia didática – CARDO-

SO, Zélia de Almeida. A literatura latina.

São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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27Capítulo 2

tante para conferir-lhe os retoques finais. Durante uma viagem à Grécia, a fim de obter mais dados para seu último trabalho, foi acometido de insola-ção. Seu estado de saúde agravou-se bastante, até que o poeta faleceu ao chegar a Brindisi, Itália. Finalmente, “seus restos foram levados a Nápoles, que ele tinha amado tanto.” (Jeanroy/Puech -.s.d. p. 148). Pressentindo que estava próximo de sua morte, Virgílio pede que o poema seja destruído. Entretanto, Augusto solicitou que a obra fosse pre-servada. A Eneida, embora não estivesse ainda a gosto do poeta, não se tratava de um trabalho in-concluso. O poema máximo da literatura universal necessitava, apenas, de alguns ajustes.

A história inicia com a tragédia sofrida por Eneias, com a destruição de sua cidade Troia. O herói par-te, então, acompanhado de seu pai Anquises e seu filho. Perseguido pelo ódio de Juno e protegido por Vênus, Eneias vagueia pelos mares até apor-tar em Cartago, na costa africana. Ao conhecer a troiana Dido, apaixona-se por ela, e os dois vivem um breve romance até que chega a hora de Eneias partir. Vendo que este a deixava para trás, movida pelo ódio que sentiu ao ser abandonada , Dido co-mete suicídio.

É interessante notar, especialmente, o livro VI que relata a chegada de Eneias a Cuma. Lá, ele vai ao encontro da Sibila, sacerdotisa de Apolo, e toma conhecimento dos perigos e acontecimentos futu-ros. Após alguns outros incidentes, a ele é permiti-do visitar as regiões inferiores, onde estão as almas dos Mortos. Ali, encontra as sombras de Dido, que foge ao vê-lo, e as de Diófobo, cruelmente assassi-nado durante a destruição de Troia.

Eneias, então, é levado pelo poeta Museu à mora-da de Plutão, encontrando-se com a alma de seu falecido pai. Em seguida, contempla as almas dos grandes heróis romanos que ainda irão nascer, passando desde Númitor a Rômulo e, inclusive, o próprio Augusto. Virgílio faz, também, alusão à ascendência divina dos imperadores.

Como ilustração clara da ideologia romana conti-da no épico, vejamos um fragmento do poema:

“Quanto a ti, ó romano, lembra-te de governar os outros povos com teu poder. Esta será a tua arte: impor as condi-ções de paz, poupar os vencidos e destruir os soberbos.”(Virgílio Eneida VI, 847-853 grifo acrescentado).

SAIBA MAIS

http://www.paideuma.net/zelia2.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Virgílio

2.2 HOráciO

Quinto Horácio Flaco nasceu em Venusa, Itália, em 8 de dezembro de 65 a.C e morreu pouco de-pois do falecimento de seu protetor Mecenas, em Roma, em 8 a.C, em sua casa, onde recebia os ami-gos. Para um filho de escravo liberto e humilde co-brador de impostos, Horácio recebeu aprimorada educação. Estudou em Roma, onde foi aluno de Orbílio Pupilo, um dos mestres mais famosos da cidade, a quem os alunos chamavam de Orbilus Plagosus (Orbílio, o espancador), fama que advi-nha de sua severidade. Finalmente, seguiu para Atenas, onde concluiu seus estudos, familiarizan-do-se com os filósofos gregos.

Alistou-se no exército de Bruto, a favor da causa re-publicana, tendo sido comandante de uma legião. Para sua decepção, sofreram uma terrível derrota em Filipos (42 a.C) contra os triunviros, tendo seus bens confiscados. Posteriormente, com a anistia, pode regressar, com outros adversários do governo, a Roma. Não conseguindo reaver seu patrimônio, Horácio teve que procurar alguma maneira de so-breviver. Hospedado em casa de amigos, conhece Virgílio que o coloca em contato com Mecenas, o que automaticamente o coloca numa posição favo-rável quanto a Otávio.

Recebe de Mecenas uma propriedade rural e, en-tão, dedica-se a publicar seus trabalhos. Horácio era epicurista e amava o campo devido à sereni-dade que este lhe proporc ionava . Seu lema era: Car-pe Diem (Aprovei-te o dia). Segundo o escritor Suetô-nio, “Horácio era brevis et obesus, de temperamento jovial, zangadiço, egoísta e sensual” (Pedroza, 1947, p.114).

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28 Capítulo 2

A obra de Horácio, grandiosa por sua qualidade e não, por sua quantidade, divide-se em:

a) Épodos e sátiras: suas primeiras obras. Nesses poemas satíricos, escritos em hexâmetros, Ho-rácio “prefere a ironia à paixão violenta.” (Jean roy/Puech - s.d. p. 148), em que critica os cos-tumes e valores de sua época.

b) Odes: consta de 4 livros que o transformam no

mestre do lirismo. c) Epístolas: cartas contendo discussões de

cunho filosófico e moral. Assim como, no caso de Cícero, as epístolas são a melhor fonte de conhecimento sobre Horácio, pois é nelas que ele mostra a si mesmo em sua intimidade e o conhecimento de mundo.

d) Ars poetica, ou A Epístola aos Pisões: obra em

que se preocupa com a doutrina da estética da literatura clássica.

e) Cantos seculares (Carmen Sæculare): obra

realizada a pedido do imperador Augusto em honra a Apolo e Diana.

Horácio, utilizando o latim, língua pouco flexível, e colocando, nas mãos dos romanos, o que havia de melhor nas produções literárias gregas, é consi-derado o maior poeta lírico da literatura romana assim como Cícero foi considerado o maior ora-dor. Quanto a ser um poeta lírico, ele afirmava:

Si me lyricis vatibus inseresSublimi feriam sidera vértice.“Se me confundires com poetas líricos, tocarei as estrelas com a cabeça erguida.” (Alencar, Menton de, 1955, pág. 159).

O poeta imita, a princípio, os escritores gregos, mas não pode ser considerado apenas um imita-dor. Trouxe, à poesia latina, contribuições helêni-cas, tais como Alceu, Asclepíades e Safo, a poetisa da ilha de Lesbos. Entretanto, conferiu um toque de originalidade ao que fazia. Nas palavras de Pi-chon: Le talent d’Horace est dans l’union de ces deux qualités, ou, si l’on veut, de l’esprit romain et du génie grec. “O Talento de Horácio reside na união dessas duas qualidades, ou, se quisermos, do espírito romano e do gênio grego”. (Alencar, Men-ton de, 1955, pág. 160, tradução nossa).

2.3 titO líviO

Tito Lívio nasceu em Pádua (Patavium), no ano 59 a.C e morreu na mesma cidade no ano 17 d.C. Viveu parte de sua vida entre Roma e Nápoles, da qual pouco sabemos. Porém, aparentemente, deve ter tido uma vida bastante calma e sem muitos acontecimentos extraordinários.

A despeito de defensor da República, Lívio obteve a amizade de Augusto, sem, contudo, aproveitar-se desta para conseguir favor algum.

Dedicou-se à filosofia e à crítica, porém se desta-cou mais como historiador, em que tal como Júlio César, tornou-se notável neste gênero. Na verdade, foi o maior historiador da época de Augusto. Em seu trabalho História de Roma (Ab Urbe condita libri), em 142 livros, procurou enaltecer a história de Roma, abrangendo desde sua fundação até os dias de Augusto, seguindo o exemplo dos autores antigos.

Sua escrita é impecável, sem bajulações, com uma linguagem equilibrada e sóbria. A oratória está pre-sente em seu estilo. “Tito tem todas as qualidades morais de um historiador: sinceridade, imparciali-dade. Suas opiniões são moderadas, e ele também tem pouca simpatia pelos demagogos violentos quanto pelos patrícios intransigentes”. (Jeanroy/Puech - s.d. p. 198 tradução nossa). Ainda sobre o caráter de sua obra, ao trabalhar as personagens, é interessante notar que “A dramaticidade dá vida aos fatos vividos por figuras históricas, que à fei-ção das personagens ficcionais, são tratadas com grande cuidado.” (Cardoso, 2003, p.141). É do seu modo de escrever, também, que recebemos o ter-mo patavina. Originalmente a palavra identificava a fala dos habitantes de Pádua, (Patavium em la-tim), ou seja, o modo de falar de seus habitantes, de certo modo, ininteligível para os romanos. Daí a expressão: “não entender patavina”.

Sua obra reflete suas ideias sobre a vida romana: conservação dos costumes de seus ancestrais, pa-triotismo, defesa de seus direitos, parcimônia, ri-gidez, piedade e lealdade. Exaltou os que serviram à pátria.

De seus escritos, sobreviveram até nossos dias, além de fragmentos de uma obra perdida, os se-guintes escritos:

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29Capítulo 2

a) História de Roma – obra já citada, escrita em 142 livros divididos em grupos de dez, dos

quais, apenas 35 foram preservados. A obra cobre um longo período histórico desde a fundação de Roma, abrangendo as guerras e conquistas de territórios até o século IX da era cristã. Enalteceu a pátria, atribuindo aos deuses a vitória dos romanos. Sua linguagem é poética e no que escreve “sente-se o eco da poesia de Virgílio.” Procura ser fiel nos fatos históricos, baseando-se, enquanto possível, em fontes documentais. Pode, nesse aspecto, ser comparado a Fernão Lopes na literatura por-tuguesa, que, ao relatar a história portuguesa, em suas crônicas, rompe com o passado que mesclava a lenda à realidade. Note-se, todavia, que esse tipo de trabalho, mesmo sendo de ca-ráter científico, o que é de se estranhar no es-tudo literário, sua importância se justifica pelo fato de que a linguagem poética está presente.

b) Epístola - carta na qual trata sobre a educação

dos jovens. c) Obras filosóficas - dessas obras, uma parte foi

escrita em forma de diálogos, a exemplo do li-vro De Amicitia (Cícero) e outra, escrita de forma didática.

2.4 OvíDiO

De família de cavaleiros nobres, Públio Ovídio Naso nasceu em Sulmo (moderna Sulmona), Abruzzos, Itália. Seu nome em latim significa “na-riz”, que, como no caso de Cícero, ele recebe esse nome por causa de um antepassado seu, que pos-suía o nariz grande. Seu nascimento foi por volta de 43 a.C, e sua morte ocorreu no ano de 17 d.C.

Estudou em Roma, ao lado de seu irmão mais ve-lho, com renomados mestres, entre eles Aurélio Fusco e Pórcio Latro, recebendo aulas de retórica. Depois, seguiram para Atenas, onde passaram cer-ca de um ano. Ovídio e seu irmão tiveram, desde cedo, educação esmerada. Era desejo de seu pai que ele se tornasse advogado como Cícero, com uma carreira brilhante no fórum.

Ovídio, porém, não se sentia atraído pelo ambien-te forense e, sim, pelas letras, tendo-se dedicado à poesia, chegando a dizer sobre si mesmo: “Et quod temptabam dicere veros erat” Tudo o que digo me sai em verso (Ovídio, 2003, p.124).

A morte inesperada de seu irmão aos vinte anos foi um golpe muito duro para ele. Por algum tempo, decide entrar na carreira pública, desempenhando nela vários cargos, porém sem abandonar as letras. Foi amigo de Horácio e Virgílio, inclusive de Au-gusto. Mas a amizade com este último só durou até que o imperador odiasse o poeta por sua licencio-sidade.

Sua vida pessoal foi um tanto conturbada por fatos inusitados. Como exemplo, citamos a ocasião em que assistiu à intimidade sexual entre Júlia, neta de Augusto, e seu amante Silano. Oito anos atrás, a mãe da jovem e filha do imperador havia sido ex-patriada por causa de seus atos libidinosos devido à política de Augusto contra a imoralidade.

Porém, no ano 10 d.C, por razões ainda não total-mente elucidadas, Augusto o condena a se exilar em Ponto Euxino, enquanto sua esposa permane-ce na Itália, sem poder se ausentar, temendo que seus bens fossem confiscados. O navio onde se encontrava naufragou devido a uma tempestade. Salvo, chegou à cidade de Tomos, no Ponto Euxi-no, onde permaneceu por sete anos até sua morte, em 17 d.C.

Dotado de um estilo refinado, fluente e erudito, é também, ao mesmo tempo, sensual e cheio de erotismo. Isso o fez favorito entre a gente culta, frí-vola e elegante de seu tempo. Inspirado em outros poetas, desde cedo apresentou estilo e característi-cas próprias. Desenvolveu uma linguagem rica em figuras de linguagem, atingindo uma sofisticação que não se encontra em nenhum outro poeta la-tino. A despeito do caráter libertino apresentado por Ovídio, sua pureza linguística e “o uso mode-rado das licenças poéticas fizeram dele o imortal padrão em que toda a posteridade se pauta.” (Oví-dio, 2003, p.132).

A obra de Ovídio é ampla e podemos citar entre elas:

a) Amores - obra composta em cinco livros, na qual Ovídio deixa aparecer toda a sua erudi-ção;

b) Ars Amatória (A arte de amar) – obra original, Ovídio produz aqui um manual de conquista

das mulheres. Sua obra é considerada “profun-damente obscena” (Pedroza, 1947, p. 123), de-vido à sua falta de decoro. Tornou-se o único

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30 Capítulo 2

poeta romano, considerado imoral; c) Remedium amoris (Remédios do amor) – nes-

te trabalho, tratando dos meios para acalmar as paixões, compõe uma palinódia que não contentou a ninguém. O poeta procura redi-mir-se, retratando do que dissera em sua obra anterior – ambas são poemas didáticos;

d) Medicamina faciei – dicas sobre o asseio femi-

nino; e) Heroides: 21 cartas em versos elegíacos, escri-

tas nos apreciados versos alexandrinos, nos quais suas personagens mitológicas ou não, escrevem cartas aos objetos de seus respectivos amores;

f) Fasti – obra composta de 6 livros, na qual ele

apresenta a antiga vida romana sob vários as-pectos, como suas festas, vida e usos e costu-mes;

g) Metamorfoses: compondo-se de 15 livros,

cole ção de mitologia na qual acontecem me-tamorfoses fantásticas com seus personagens. No livro XV, ele conta como César, arrebata-do em sua morte por Vênus, se transforma em um cometa.

As seguintes obras são da época de seu exílio:

a) Tristia – elegias, gênero no qual se destacou como nenhum outro poeta latino;

b) Ex ponto – elegias em que protesta sua inocên-

cia; c) Helieutica – a arte da pesca, poema didático; d) Medea – tragédia que chegou até nós, incom-

pleta; e) Íbis – panfleto contra um romano de origem

africana que o ofendera.

2.5 sÊneca, O pai

Marco Lúcio Aneu Sêneca, natural de Córdoba, Espanha (60 a.C a 39 d.C). É também conhecido como Sêneca, o Velho, para diferenciá-lo de seu filho, Sêneca, o Filósofo. Foi um nome digno de alusão, após Cícero, no campo da retórica, que lhe rendeu o nome de Sêneca, o Retor.

Sêneca passou boa parte de sua vida na capital do Império, onde frequentou escolas de renome. Ha-via, em Roma, inúmeras escolas de retórica, que formavam oradores para que melhor exercessem suas atividades.

Casou-se com Hélvia e tiveram três filhos. O se-gundo deles foi Lúcio Aneu Sêneca, que veremos no próximo assunto.

Sua obra

Em uma de suas Consolações, cartas escritas com a finalidade de consolar, dar alento a alguém, es-critas por Lúcio à sua mãe, Sêneca, o Filósofo, des-creve o pai como “um homem de rigor antigo” (cf. Vitelli e Mazzoni 1928, p. 436). Esse rigor pode ser sentido em seus escritos.

As suasórias e as controvérsias são temas presentes em sua obra que consta de exercícios de retórica. O primeiro termo se refere aos discursos fictícios que o autor atribuía a personagens históricos (cf. Cícero Sobre a amizade) nos quais, através deles, aconselhava sobre diversos temas (exercícios de oratória). O segundo tratava sobre as causas de direito civil (imaginárias), seu preferido. Escreveu também um livro sobre a história romana, mas este, infelizmente, perdeu-se com o tempo.

Já bastante idoso, preparou uma compilação de memória, uma coletânea de diferentes temas de exercício de retórica, a pedido de seus filhos. Com-posta de dez livros, apenas a metade foi preservada, juntamente com alguns outros fragmentos. Chega-ram até nós, porém, resumos dos últimos cinco, re-digidos cerca de três ou quatro séculos mais tarde. Um fato que não se deve deixar de mencionar é que, após Cícero, a tendência a surgirem discursos vazios fez com que originasse uma retórica extrava-gante para suprir a superficialidade do conteúdo. Os livros possuíam um prefácio introdutório, no qual, entusiasticamente, se discutiam as caracte-rísticas dos retóricos. “Interessam-nos, sobretudo,

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ovídio

OVÍDIO. Metamorfoses. São Paulo:

Martin Claret, 2003

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31Capítulo 2

nos livros de Sêneca, o Pai, os prefácios. Neles, o escritor faz considerações sobre a retórica, revelan-do-nos, muitas vezes, sua posição crítica em relação ao assunto” (Cardoso, 2003, p.165).

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Aneu_Sêneca

Por volta de 35 d.C, surge Marco Fábio Quintilia-no, também nativo da Espanha. Graças a esse es-critor, que morreu com cerca de 60 anos, a retórica retoma sua função primária em Roma.

O próximo período que consideraremos é chama-do de Pós-Clássico ou a Idade de Prata, no qual veremos autores, como Fedro, Petrônio, entre ou-tros, de igual importância.

glOssáriO

HelenismO - divulgação da cultura grega levada a cabo por Alexandre Magno.

epistOlOgraFia - gênero literário que diz respeito à escrita de cartas.

QuestOr - cargo na Roma antiga, cujo encarregado toma-va conta das finanças.

escaurO - Marco Emílio Escauro, político romano (163 a. C. - 89 a. C.)

QuintO múciO cévOla - mestre que ensinou a Cícero sobre as leis.

plutarcO - filósofo e prosador grego do período greco-romano (45 – 120 d.C).

Filípicas - orações ou discursos nos quais Cícero ataca fe-rozmente Marco Antônio, denunciando problemas tanto de sua vida privada quanto da pública.

árQuias - poeta de origem grega, defendido por Cícero, ao ser acusado de usurpação do direito à cidadania romana.

áticO - Tito Pompônio Ático (109 a.C-32 a.C), intelectual, negociante e amigo de Cícero. Cidadão romano, recebeu o apelido de Ático (de Ática, região grega onde está situa-da Atenas) por ter vivido 20 anos na Grécia.

máriO - Caio Mário, antecessor do ditador Sila. Foi político e general da República Romana.

mólOn - Apolônio Mólon, professor de retórica, da cida-de de Rhodes, na Grécia. Foi mestre de Cícero e de Júlio César.

catilinárias - grupo de quatro discursos célebres, pronun-ciados quando era cônsul romano, no ano 63 a.C., no qual Cícero repreende Catilina, seu rival, por ter sido acu-sado de tramar seu assassinato e tencionar por fogo em Roma.

epicurismO – sistema filosófico, defendido pelo filósofo gre-go Epicuro (séc. VI a.C) no qual o prazer deveria substituir a dor.

epigrama – composição poética satírica e breve, de origem grega.

mecenas - Caio Cilnio Mecenas, que, ao lado de Augusto, é um dos grandes protetores das letras. Era amigo íntimo de Horácio e de Virgílio.

HexâmetrO - verso métrico de origem greco-latina, formado por seis dáctilos (pés de verso, composto por uma breve e duas sílabas longas) por verso.

reFerÊncias

ALENCAR, Menton de. O latim clássico e do gi-násio. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo LTDA, 1955.

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CRETELLA, Júnior José. Latim para o ginásio. São Paulo Companhia Editora Nacional, 1961.

HASKELL, H.J. This was Cicero. New York: Fa-wcet World Library, 1964

JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo: Livraria Nobel, 1967.

OVIDIO. Metamorfoses. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-

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32 Capítulo 2

ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial, 1947.

VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra Editore, 1915.

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33Capítulo 3

períODO pós-clássicO Da literatura latina

Prof. Ívison dos Passos MartinsCarga Horária | 15 horas

ObjetivOs especíFicOs

• ObterumacompreensãogeraldoPós-clássicobemcomodistinguiralgunsdeseusprincipais autores;

• Conhecerasprincipaisobrasdesteperíodoesuascaracterísticasfundamentais.

Este capítulo apresenta a fase que compreende desde a morte de Augusto à de Adria-no, na qual apesar de ainda manter seu viço, a literatura latina começa a dar sinais de declínio.

1. períODO pós-clássicO

Ainda se produzem grandes obras, embora a literatura se afaste cada vez mais do mode-lo clássico, perdendo-se nos detalhes e no pedantismo. Somente no final do século II d.C., a literatura pagã co-meça a entrar em declínio.

Da metade do II século d.C., pode-se verdadeiramente fa-lar de decadência: a poesia perde-se em complicações técnicas; a eloquência esteri-liza-se; em lugar da história e da filosofia, fica apenas a erudição, sobretudo em forma de compilação e extratos de antigos escritores (LEONI, 1967, p.96).

Seguindo a divisão didática de Leoni, podemos subdividir essa época em:

a) Idade de prata, que inclui escritores, como: Fedro; Sêneca; Lucano; Petrônio; Plí-nio, o velho; Juvenal e Suetônio.

b) Idade de decadência: Apuleio (Leoni 118). c) literatura romano-cristã.

Capítulo 3

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Roma no período Imperial

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34 Capítulo 3

Veremos, aqui, apenas a Idade de Prata, também chamada de Período de Transição. A Idade de Pra-ta vai da morte de Augusto até a de Adriano (14-138 d.C). Embora cada vez mais se distancie da qualidade dos escritores do período anterior, a lite-ratura latina produz ainda grandes obras. Surgem as fábulas com Fedro, a poesia épica de Lucano, Pe-trônio com Satiricon, ousado não só por sua temá-tica mas também por ser o embrião do romance de costumes e Sêneca, destacando-se, principalmente, na filosofia. Apesar de destacarmos apenas alguns dos principais autores, citaremos outros nomes, ainda que só de passagem.

1.2 FeDrO - Fábulas

Sabe-se muito pouco sobre a vida particular de Caius Iulius Phaedrus ou Caio Júlio Fedro. Natu-ral da Trácia, era filho de escravos. Ainda jovem, foi levado a Roma, onde foi alforriado por seu se-nhor Augusto.

Seguiu de perto o modelo de Esopo, entretanto manteve sua originalidade, escrevendo em versos jâmbicos, quando Esopo o fazia em forma de pro-sa. Sendo o primeiro a escrever fábulas em latim, embora estrangeiro, tornou-se então o introdutor desse gênero literário na literatura latina. Nelas, procura ensinar preceitos morais, através de alego-rias, como no caso das fábulas gregas. Com elas, ele procurava “narrar uma pequena história alegórica, cujas personagens são animais simbólicos, e com ela ilustrar um pensamento ou máxima moral” (Cardoso, 2003, p. 119). Seus escritos compõem cinco livros, num total de 123 fábulas. Fedro só al-cançou o devido reconhecimento a partir da Idade Média. Escritores como La Fontaine, inspiraram-se nas fábulas de Esopo e de Fedro.

Sejano, seu contemporâneo, ocupando o cargo de Prefeito do pretório, foi alvo de Fedro em alguns de seus trabalhos, por causa de seus atos de cruel-dade. Suas alusões a esse homem, renderam-lhe o exílio. Apenas pôde regressar a Roma, após a mor-te de Sejano.

As fábulas O lobo e o cordeiro e A raposa e a más-cara ilustram essas referências a Sejano. Transcre-vemos aqui, esta última, por sua brevidade, a título de exemplo:

Vulpes ad personam tragicam

Personam tragicam forte vulpes viderat:“O quanta spécies”, inquit, “cerebrum non habet!” Hoc illis dictum est quibus honrem et gloriam fortuna tribuit, sensum communem abstulit. (VALENTE, 1952, p.113).

A raposa e a máscara

A raposa viu, por acaso, a máscara:– Oh, quanta formosura! Exclamou. Mas não tem cérebro!Isso foi dito a quem a Fortuna concedeu honra e glória, mas tirou o bom senso. (Tradução nossa)

A máscara, persona em latim, era a representação da fisionomia nobre abatida pela dor, no caso das representações das tragédias. Note que, com o passar do tempo, a palavra em questão veio a de-signar também o personagem e, depois, passou a significar um indivíduo qualquer, uma pessoa. Fe-dro satiriza Sejano, ao descrevê-lo como belo, mas desprovido de bom senso, afirmando que, como a máscara usada nos teatros, ele também era vazio por dentro.

O estilo de Fedro, além de seu tom de moralidade, é satírico. Através das fábulas, podia escarnecer do modo de vida excêntrico e da depravação moral da sociedade de seu tempo. Transcrevemos, aqui, outra fábula que critica os desdenhosos, ou seja, aqueles que desprezam, com palavras, aquilo que não podem obter:

De Vulpe et uva

Fame coacta vulpes alta in vineaUvam appetebat summis saliens viribus;Quam tangere ut non potuit, discendens ait: “Nondum matura est; nolo acerbam sumere”.Qui facere quae non possunt verbis elevant,Adscribere hoc debebunt exemplum sibi.

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35Capítulo 3

Sobre a raposa e a uva

Coagida pela fome, uma raposa, saltando com todas as forças, cobiçava um cacho de uvas numa vinha alta, a qual não pode atingir, disse ao retirar-se: Ainda não está madura. Não quero colher a amarga. Deverão aplicar a si este exemplo (esta fábula) os que rebai-xam com as palavras o que não podem fazer (VALENTE, 1952, p.137).

Observe o tom moralista no final do texto: Qui fa-cere quae non possunt verbis elevant, Adscribere hoc debebunt exemplum sibi: Deverão aplicar a si este exemplo (esta fábula) os que rebaixam com as palavras o que não podem fazer.

Entre as muitas fábulas de Fedro, mundialmente conhecidas, traduzidas e por vezes adaptadas nas mais variadas culturas, figuram as seguintes:

O lobo e o cordeiro (Lupus et Agnus); A rã que explodiu e o boi (Rana rupta et bos); A raposa e o corvo (Vulpes et corvus); A vaca, a cabra, a ovelha e o leão (Vacca, capella, ovis et leo); Um gralho inchado de vã soberba (Graculus tumens inani su-perbia); e O lobo e o grou (Lupus et gruis).

1.3 lucanO

A poesia épica conta com um grande nome: M. Aneu Lucano. Nascido em 39 d.C., na cidade de Córdoba, era sobrinho de Sêneca, o filósofo. Sua principal obra, Pharsalia, é um poema épico em 10 livros, dos quais, apenas os três primeiros foram publicados em vida.

Trata-se de uma obra original, sendo Lucano um poeta e declamador genial, a ponto, de, por inveja, Nero chegar a proibi-lo de se apresentar em públi-co. A Pharsalia ficou conhecida a Bellum civile (A guerra civil), por causa do episódio culminan-te que leva esse nome. É uma obra inovadora, na qual Lucano, mesmo escrevendo um poema épico, tenha-se em mente a Eneida, difere deste, deixan-do de lado a intervenção das divindades e dos seres fantásticos, mencionando-os, apenas, em algumas lendas geográficas ou mitológicas. Trata de ser o mais fiel possível à historicidade dos fatos. O livre arbítrio do ser humano é quem age na tomada de suas decisões. Trata sobre a guerra entre César e Pompeu, numa linguagem poética e com patrio-tismo e amor à liberdade, além de deixar clara a filosofia estoica.

Quintilano disse que Lucano possuía mais de orador do que de poeta. Este é um julgamento muito estreito; mas não é menos verdadeiro do que os discursos dos quais ele encheu sua obra, a exemplo dos historiadores, que são tal-vez as porções em que seu gênio se revela o melhor (Jean-roy/Puech - s.d. p. 242 tradução nossa).

Para melhor exemplificar o que temos dito, cita-mos um pequeno trecho de sua principal obra:

No tempo do estio, o Rubicão, de águas averme-lhadas, é um simples regato: serpeia no fundo dos vales, servindo de limite entre os campos da Gália e da Itália. Agora o inverno lhe dava forças, e lhe avolumavam as águas três meses de chuvas e as neves alpinas desfeitas pelo tépido sopro do Euro. A cavalaria avançava obliquamente ao curso do rio, como para quebrar o ímpeto da corrente; segue-se a infantaria, que desta maneira acha mais praticável o vau. Vencida a passagem, César chega à margem oposta do rio, para nessa vedada terra itálica; e brada: “Deixo aqui a paz: Não quero mais asleiseostratados.ÓFortuna,somenteatiacom-panho: entrego-me aos fados e à sorte das armas”. (“Bellum civile”, I. 183, Apud Leoni 1967, p. 254).

Infelizmente, Lucano não pôde contribuir mais com seu estilo inovador, pois foi forçado a cometer suicídio aos 26 anos, como pena por ter se posicio-nado contra o imperador. Além de Bellum civile (A Guerra Civil), Lucano escreveu cartas, discursos e outros escritos de menor importância.

1.4 petrôniO

Gaio ou Tito Petrônio, chamado de “arbiter ele-gantiarum” (arbitro da elegância), por sua fineza e genialidade, é natural de Marselha. Era o preferido de Nero, frequentador de sua corte. Tal como Lu-cano, Petrônio, também, foi sentenciado a suici-dar-se por ordem do imperador.

Sua obra principal e única a chegar até nossos dias é “Satiricon”, apesar de o título latino oferecer dú-vidas, pois há quem sugira outros, como: Satyricon libri ou Saturae. Quanto a sua autoria, embora não haja plena certeza de ser este Petrônio o autor,

SAIBA MAIS

http://www.vidaslusofonas.pt/lucano.htm

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36 Capítulo 3

(houve vários outros escritores romanos chamados Petrônio), seguiremos a tradição, considerando esse como seu autor.

Satiricon retrata a sensualidade e licenciosidade da sociedade romana de seu tempo. Entre outros aspectos, é de grande importância, por ser consi-derada o primeiro romance da literatura latina. Temas delicados, como o homossexualismo e o amor livre, podem ser vistos na obra, como, por exemplo, na história de três rapazes pervertidos: Enclópio, Ascilto e Gitão. Os jovens vivem situa-ções inusitadas, como o episódio em que são ata-cados num bordel, ou quando Gitão, choroso, diz a seu amante, Enclópio, que fora assediado por Ascilto. Em outro episódio, intitulado O Menino de Pérgamo, de conteúdo bastante forte, em que o garoto, assediado por vários dias, cede aos desejos de seu sedutor após receber vários presentes.

Satiricon (livro de assuntos satíricos) recebe a alcu-nha de O Banquete de Petrônio, por causa da ceia retratada no livro, oferecida por Trimalquião, ho-mem que enriquecera há pouco tempo. Citamos, aqui, uma apreciação da obra feita pelo professor Giulio Davide Leoni, em sua introdução à obra, que muito nos esclarece sobre o assunto:

Como um verdadeiro romance de aventuras, não pode ser resumido: é uma série de aventuras vividas por Enclópio, moço irrequieto em busca de distrações e sensações extraor-dinárias. Este aventureiro, rico de experiência mas também de uma certa cultura, é perseguido pelo deus Príapo assim como Ulisses o foi pelo deus Posídon; mas as aventuras de Enclópio e de seus companheiros (moços pervertidos, mulheres corruptas, ricas damas e criadas astuciosas, um bizarro velho que gosta de poesia) são muito mais variados do que os “errores” do herói homérico. O episódio central é a famosa ceia do riquíssimo Trimalquião: “novo rico”, ele quer deslumbrar os seus hóspedes com a ostentação de suas riquezas e de seus costumes esquisitos, mas acaba provocando simplesmente uma hilaridade. (PETRÔNIO, - s.d. p. 13).

A obra chegou fragmentada até nós, tendo alguns de seus livros se perdido, com o tempo. Seu valor é atribuído a vários fatores, entre eles, o histórico, o estudo do latim, e, principalmente, em ser inova-dora, quanto ao gênero novelesco.

Segundo o professor Leoni, Satiricon “atesta a origem itálica, e assim antiga, do romance de cos-tumes.” (Leoni, 1967, p.106). O episódio em que Enclópio, perdido, procura encontrar seu alber-

gue, perguntando a uma velhinha vendedora de legumes, serve para ilustrar um pouco da lascívia e comicidade da obra, que não deixa de ter seu valor histórico:

– Por favor, disse-lhe, minha velhinha, não saberíeis dizer onde fica o meu albergue?A minha tola pergunta a pôs de bom humor:– Pois não haveria de saber? Respondeu.E, levantando-se, tomou o caminho, indo à minha frente. Já a julgava uma adivinha; mas, pouco depois, chegados a uma pequena estrada erma, a gentil velhinha levantou a cortina de uma porta e disse-me:– É aqui que deves morar.Admirado, dizia que não conhecia aquela casa quando, entre dois letreiros, vi, na semiobscuridade, homens que, no interior da casa, davam voltas em companhia de pros-titutas nuas. Percebi, então, mas muito tarde, que havia sido conduzido a um prostíbulo. (SATIRICON, I, p.21-22)

Outra obra que segue o mesmo gênero literário de Satiricon é O Asno de Ouro ou Metamorfoses. Embora, por questão de espaço, vejamos, apenas, alguns dos principais autores da Literatura Latina, julgando oportuna a sua menção a título de com-paração.

Escrito por Apuleio, pertencente ao Período da De-cadência e nascido na cidade de Madaura, África em 125 d.C. Conta a história de Lúcio, um rapaz que é transformado em burro, por erro. Vive, en-tão, aventuras inusitadas, até que com a ajuda da deusa Ísis, consegue recobrar sua forma humana:

Fótis entra no quarto com grande afobação e pega um fras-co que estava colocado no armário. Eu, depois de ter beija-do o frasco e tê-lo apertado sobre o meu coração, pedindo-lhe que me concedesse um feliz voo, tiro depressa todas as roupas, pego uma boa quantidade de unguento e untando o corpo todo, começo a friccionar. E já levantava os braços com repetidos esforços, desejando transformar-me em pás-saro, quando não vejo aparecer nem plumas nem penas, mas os pelos aumentam como crinas, a pele delicada se endurece como couro; na extremidade das mãos, os dedos perdem o seu número e se reúnem numa unha só; e, na parte extrema do espinhaço, cresce uma enorme cauda. Eis um enorme focinho, a boca comprida, as narinas fendidas, os lábios pendentes; e as orelhas que crescem enormemen-te, cheias de pelos (...) (Metamorfoseon III, 24-25, Apud Leoni, 1967, p. 281).

SAIBA MAIS

http://www. pt.wikipedia.org/wiki/Petrônio

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37Capítulo 3

É um romance cômico. O comentário a seguir mostra um importante ponto a ser destacado:

(...) “a obra de Apuleio foi considerada por alguns como uma representação alegórica do mito platônico de Fedro: a alma deve morrer para chegar à concepção do divino e sofrer duras provas para elevar-se até deus.” (CARDOSO, 2003, p.130).

1.5 sÊneca, O FilósOFO

A Espanha produziu grandes expoentes para a Literatura Latina, entre eles, Sêneca. Lúcio Aneu Sêneca nasceu na cidade de Córdoba. Era filho do reitor Sêneca, também o pai, e de Hélvia. Levado a Roma, recebeu educação esmerada em oratória e estudou filosofia com mestres estóicos, sendo esta última, sua predileta. Foi advogado e, posterior-mente, membro do senado, chegando a ser ques-tor.

Sêneca, que havia sido exilado pelo imperador Cláudio, tendo sido falsamente acusado por este, foi chamado por Agripina, para assumir a educa-ção de Nero, tornando-se seu principal conselhei-ro, quando Nero se tornou imperador. Sêneca posicionou-se do lado do imperador monstro, ao defender, no Senado, o assassinato de Agripina. Anos mais tarde, tomando partido contra Nero, Sêneca acaba por ser condenado ao suicídio.

Suas contribuições literárias vão desde obras filo-sóficas à sátira e à tragédia.

Conhecido como o filósofo, Sêneca foi quem fez ressurgir, em Roma, a filosofia após Cícero, um de seus principais introdutores. Dedicou-se, também, à oratória, à poesia, produzindo belas tragédias e estudos filosóficos.

Roma, a despeito de a Grécia ser a pátria dos fi-lósofos, produziu grandes nomes, entre eles o de Sêneca. Quanto à filosofia e à experiência, nas

duas “estão concentradas as ideias de Sêneca, que sempre se esforçou em mostrar o aperfeiçoamento moral, baseando-se não em teorias áridas, mas nos fatos cotidianos da vida”. (LEONI, 1967, p. 102).

Vimos o Mimo no primeiro capítulo. Esse gêne-ro acabou por suplantar as tragédias, uma vez que possuía um caráter sensual e agradava às massas com seus espetáculos de nudez. O drama começa a entrar em decadência. Depois de Sêneca, não sur-giram mais autores dramáticos que fizessem nome com esse gênero.

Suas Obras

Obras filosóficas

Sêneca foi verdadeiramente o único filósofo auten-ticamente latino. Lembre-se de que Cícero foi mais um transmissor da filosofia grega em Roma do que propriamente um filósofo. Seus escritos filosóficos foram prolíficos, especialmente quando estava pró-ximo de sua morte, mas não há uma datação preci-sa para o surgimento de seus trabalhos filosóficos.

Podemos assinalar alguns de seus tratados filosó-ficos: Sobre a ira (De ira); Sobre a brevidade da vida (De brevitate vitae); Sobre a clemência (De Clementia); Sobre a providência (De providentia); Sobre o ócio (De otio); Sobre a vida feliz (De vita beata); Da constância do sábio (De constantia sa-pientis) e as Consolações. Seus tratados sobre a ira, a brevidade e a felicidade da vida e a consolação fizeram-no, além de um pensador profundo, um grande moralista (...). (PEDROSA, 1947, p. 149).

Nos tratados destacados, vemos os mais diversos temas filosóficos abordados por Sêneca:

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Séneca

Sobre a ira Dirigido a seu irmão, Novato, este tratado discorre sobre a ira e as formas em que esta se apresenta. Sentimento desnecessário para o homem, Sêneca propõe a autodis-ciplina para combatê-lo. Há quem diga que, por causa da incipiência da obra, tenha sido esta uma de suas primeiras produções.

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38 Capítulo 3

* Segundo Pedrosa, a filosofia epicurista era um grande entrave para a divulgação do cristianismo:

E assim com um suicídio triste, praticado a cálculo frio, ter-minou a sua carreira o único filósofo que possuiu Roma, pagando justo tributo a sua perigosa doutrina, segundo a qual a esperança cristã é um Mal, e o prazer, um comple-mento da virtude (PEDROSA, 1947, p. 149).

SAIBA MAIS

http://pt.shvoong.com/humanities/h_

ph i losophy/189967-v i ta -beata-

s%C3%AAneca/

Sobre a brevidade da vida

O assunto aqui abordado é a falta de tempo, devido aos cuidados e obrigações da vida, para que se volte para a introspecção. Conde-na os cuidados excessivos, o des-perdício do tempo que nos é dado em ocupações inúteis, em detri-mento das coisas da alma.

Sobre a clemência

Este tratado é dirigido a Nero an-tes de sua ascensão ao poder. Sua finalidade é a de propor uma po-lítica de regime absoluto, em que o governante se pautaria em uma das virtudes: a clemência. Sêneca deixa clara a intenção didática da obra.

Sobre a providência

A providência divina, que trata sobre o relacionamento entre os seres humanos e a divindade.

Sobre o ócio

O ócio, para Sêneca é o ato da contemplação, atividade concer-nente aos estudos da Filosofia. Nesta obra, ele aponta o ócio como o meio necessário para se contemplar a verdade.

Sobre a vida feliz

Sêneca, defensor do estoicismo, neste tratado polêmico, sugere que uma vida feliz e aprazível é alcançada através da virtude*.

Da constância do sábio

Trata sobre a constância do espí-rito do sábio, com seu espírito im-perturbável, livre do domínio da Fortuna.

À parte de suas convicções religiosas, nota-se que o prazer e a felicidade, segundo o escritor latino, estavam estreitamente ligados à virtude.Excerto de De Brevitate Vitae:

A maior parte dos homens, ó Paulino, queixa-se da parci-mônia da natureza, porque somos criados para uma vida tão curta; estes espaços de tempo que nos são dados pas-sam tão rápidos, que, excetuados uns poucos, a vida aban-dona os demais no meio dos pápidos, que, excetuados uns poucos, a vida abandona os demais no meio dos preparati-vos mesmos da vida. E, como dizem, não é apenas a turba e o imprudente vulgo que deplora este flagelo público: este sentimento provocou queixas até de homens ilustres(...) (De brevitate vitae, 1 Apud Leoni, 1967, p.252).

Quanto às consolações, Sêneca deixou-nos Conso-lação a Hélvia (Ad Helviam matrem), Consolação a Márcia (Ad Martiam consolatio) e Consolação a Políbio (Ad Polybium).

Em Consolação a Hélvia, escrita para sua própria mãe, Sêneca, durante o desterro, além de descrever o lugar onde se encontrava, procura dar consolo a esta. Referindo-se à dor do exílio, escreve:

Sem dar importância, portanto, ao critério da maioria, que se deixa transportar pela superficialidade e pela opinião corrente, vamos ver o que é o exílio. É, na substância, uma mudança de lugar. Para que não pareça que eu esteja ate-nuando sua aridez e tirando o que tem de pior, direi ainda os aborrecimentos que derivam dessa mudança: pobreza, desonra, desprezo. Com esses combaterei mais tarde: por enquanto quero limitar-me a examinar qual é a dor prove-niente da pura e simples mudança de lugar. (“Ad Helviam Matrem de Consolatione, Apud Leoni, 1967, p.245).

Já em Consolação a Márcia, escreve a uma senho-ra romana (Márcia) que havia perdido um filho, oferecendo-lhe palavras de consolo. Esta foi sua primeira consolação. Em Consolação a Políbio, dirige-se a Políbio, ex-escravo de Cláudio que havia perdido um irmão. Sobre o conteúdo dessa obra, é interessante notar: “Tem-se nítida impressão de

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suicídio de Sêneca

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39Capítulo 3

que Sêneca, no desespero do exílio, tentou chegar até Cláudio através de Políbio, que desfrutava de grande prestígio no palácio imperial” (CARDO-SO, 2003, p. 176).

A sátira:

Sêneca deixou-nos uma única sátira, intitulada Apocolocintose (Apocolocynthosis). Sátira meni-peia, neste trabalho Sêneca ataca com força a me-mória do falecido imperador Cláudio por causas pessoais. Exilado pelo imperador, pai adotivo de Nero, o escritor vai para Córsega, onde permane-ce até que Agripina pede que ele regresse a Roma e seja encarregado da educação de Nero, como já vimos anteriormente. Com o falecimento de Cláudio, em 54 d.C., Sêneca escreve um elogio ao morto. Como de costume, os imperadores após a morte, desde César, eram deificados. Em suas Me-tamorfoses, Ovídio cita o momento em que Júlio César é transformado em um cometa. É interes-sante notar, que mesmo passados alguns anos, Sê-neca ainda se ressentia por haver sido desterrado e escreve, em tom de zombaria e insolência, sobre os funerais de Cláudio que, após a morte, ao invés de se tornar um deus, vai para as profundezas.

Num tom mordaz, de galhofa e grotesco, Sêneca recria o momento da morte e dos funerais do im-perador, retratando-o de uma forma desrespeitosa e, com certeza, vingativa. O imperador é retratado como um palerma que só depois de algum tempo, cai na real e se dá conta de que havia morrido. O mundo romano, afinal, estava liberto do mau governo de Cláudio:

Enquanto desciam pela via sacra, Mercúrio pergunta o porquê da aglomeração de gente: seria o enterro de Cláu-dio? Era o mais esplêndido enterro de todos os séculos (...) Todo o mundo estava alegre, em festa: o povo romano passeava, sentindo-se livre. Agatão e alguns rábulas se quei-xavam de todo coração! E os juízes, pelo contrário, deixa-vam os seus abrigos, pálidos, quase que no momento de entregar os pontos: gente que recomeçava naquele instante a viver! Um destes juízes, vendo os rábulas chorarem a pró-pria sorte, aproximou-se e disse: “Quantas vezes eu falei: não é sempre carnaval!” Como viu o seu enterro, Cláudio compreendeu que estava morto... (Apocolocynthosis, XII, 1-2 Apud Leoni, 1967, p. 253).

As tragédias:

Tomando como exemplo as peças de Eurípides, Sêneca escreveu elegantes tragédias. Não são tra-

gédias próprias para a representação teatral, mas, sim, para serem lidas. Legou-nos nove tragédias, nas quais trabalha a análise psicológica.

São elas: A loucura de Hércules, Hércules no Eta, Édipo, Fedra, Medeia, Tiestes, As troianas, Agamenon e As fenícias. Esta última chegou in-completa até nós. Ainda não se sabe se por ter se perdido no tempo ou se o próprio escritor não a terminara por alguma razão ignorada.

A loucura de Hércules e Hércules no Eta

Hércules é o personagem central das duas obras. Na primeira, ao ser enlouquecido por Juno, mata seus filhos e sua esposa. A segun-da traz o episódio de sua morte no monte Eta.

ÉdipoSêneca baseia-se na obra de Só-focles Édipo-Rei, mantendo as características básicas dos perso-nagens. A tragédia traz a agonia que se abate sobre o rei de Tebas, ao descobrir os males que prati-cou em sua inocência.

FedraEm Fedra, a rainha de Creta, que dá nome ao livro, é acometida de violenta paixão por seu enteado, Hipólito, acarretando a morte dele.

MedeiaConta a trágica história da feiti-ceira Medeia que, ao ser abando-nada por seu amante, que se casa com Creusa, filha de Créon, rei de Corinto, procurando uma manei-ra de se vingar, mata os próprios filhos.

Tiestes Possui um desfecho similar ao da história de Progne, Tereu e Filo-mela, (cf. Metamorfoses, Ovídio, X). Atreu é traído por sua esposa e seu irmão Tiestes. Como vingan-ça, Atreu, simulando uma recon-ciliação, dá um banquete horren-do a Tiestes, no qual lhe oferece as carnes dos filhos deste, como iguaria.

As troianas e Agamenon

“Em As troianas, acompanhamos a série de infortúnios enfrentados pelas sobreviventes de Troia, ao terminar a guerra; em Agame-non, defrontamo-nos com a his-tória do rei de Micenas, que, ao retornar ao lar, encontra a morte, planejada pela própria esposa”. (CARDOSO, 2003, p. 42).

As feníciasOutra vez retoma a lenda de Édi-po, com os dramas vividos por ele e por Jocasta.

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40 Capítulo 3

Fragmento de Medéia:

Medéia enfurecida

Óminhaloucador,vêsepodesfalarcommaiorjuízo!Sefor possível, Jasão deve viver, deve ser meu, como foi até agora; se não for possível, viva igualmente, lembre-se de mim e conserve tudo o que os meus benefícios lhe deram. A culpa inteira é de Créon: servindo-se da autoridade de seu cetro, ele corta o nosso conúbio, tira dos seus filhos a mãe, quebra uma fé ligada por estreitos liames. Ele só deve ser punido conforme a justiça! Eu quero transformar a sua casa num amontoado de cinzas! O promontório Meléia, que afasta os navios num mais longo rumo, poderá ver, embora distante, um negro vórtice de chamas subir ao céu. (Medea, II cena I Apud Leoni, 1967, p.253).

1.6 plíniO, O velHO

O administrador e escritor latino Gaius Plinius Se-cundus, ou sim-plesmente Plínio, o velho, para diferenciar-se de seu sobrinho, Plí-nio, o novo. Nas-ceu ao norte da Itália, em Como, no ano de 23 a.C. Foi educado em Roma, com 23 anos, exerceu cargo militar na Ger-mânia, desempenhou o cargo de governador da Espanha, foi amigo de Vespasiano e de Tito, tendo assumido diversos outros cargos públicos, o que, apesar de uma vida cheia de compromissos, não o impediu de se consagrar aos estudos científicos, dedicando-se à ciência antiga.

De sua vivência na Germânia, pôde escrever sobre a guerra contra os germanos. Escreveu também uma biografia de Pompônio Segundo e outras obras que, igualmente, não chegaram completas até nós.

SAIBA MAIS

SÊNECA. Medeia, obras de Sêneca.

Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

Sua principal obra e que chegou até nossos dias, na íntegra, é a História natural (Historia naturalis) dedicada a Tito, escrita em 77 d.C. Esse trabalho rendeu-lhe a alcunha de o Naturalista.

Trata-se de uma espécie de enciclopédia de ciên-cias naturais, abordando temas, como a agricul-tura, medicina, zoologia, cosmografia, história, artes... Plínio foi um grande pesquisador, tendo-se baseado em obras de autores gregos e latinos para escrever seu compêndio.

Apesar de certa imprecisão em seus dados, que, por vezes, provinham das próprias obras em que havia pesquisado, trata-se de um dos melhores trabalhos da antiguidade clássica, com uma enorme rique-za de detalhes. Sua obra, embora densa, registra a visão científica de sua época e o deslumbramento do homem diante do universo. Plínio foi bastante honesto e ousado em seu empreendimento:

Minucioso e cuidadoso, Plínio desce a pormenores e co-menta seu próprio trabalho. Na descrição dos astros e dos fenômenos meteorológicos, não se atém à mera enumera-ção: refere-se, também, a crenças e crendices, aflorando no terreno filosófico religioso (...) No estudo do homem, analisa não só as pessoas “diferentes” das demais por seu comportamento e suas atribuições (feiticeiros, antropó-fagos, andróginos, magos) como também aqueles que se destacam dos outros por peculiaridades ou deficiências físicas (gigantes, pigmeus, albinos, aleijados). A análise da gestação humana e a descrição de partos especiais ocupam grande parte do espaço destinado ao homem: Plínio aí se refere às numerosas superstições que se relacionam com fatos, muitas das quais pertinentes até nossos dias (CAR-DOSO, 2003, p. 194).

E assim, prossegue, com o mesmo esmero, nos estudos dos vegetais, dos animais, incluindo, até mesmo, uma história da arte, na seção de estudo dos minerais. Neste trecho a seguir, vemos a curio-sa descrição da mitológica Fênix, que ele havia es-tudado da obra de outros autores, e que ele mesmo não havia visto a ave:

Na Etiópia e na Índia, há aves de várias cores e misteriosas; entre as muitas deste tipo, na Arábia, existe a Fênix que – não sei se é fábula – parece única no mundo e dificilmente visível. Narra-se que é grande como uma águia: ao redor do pescoço, é áurea, no resto é purpurina; a cauda, azul claro, tem penas cor de rosa. Na parte superior da cabeça, há uma crista (Naturalis historia, X, 2 Apud Leoni, 1967, p.258).

Pesquisador nato, Plínio residia a poucos quilô-

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Plínio, o velho

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41Capítulo 3

metros de Pompeia. Morreu em 79 d.C, sufocado pelos gases emitidos pelo Vesúvio, enquanto pes-quisava aquele fenômeno in loco. O que sabemos sobre o escritor, deve-se muito a seu sobrinho, Plí-nio o Jovem, que, em uma de suas cartas a Táci-to, relata que seu tio empenhou-se no resgate de vítimas da erupção do Vesúvio, em Pompeia, onde pereceu.

Mencionamos, aqui, trechos da carta de Plínio, o jovem, a Tácito, quanto à curiosidade do tio refe-rente à manifestação do Vesúvio e sua morte:

“Meu tio ficou atônito e julgou digno de ser observado de perto. – Depressa uma galera! – exclama ele – e me convida a que o siga; eu preferi continuar no meu estudo, e ele saiu só e se embarcou (...)” “Meu tio quis aproximar-se da praia, apesar do mar ainda estar muito agitado. – encaminhou-se para ela, bebeu água e fez estender um pano sobre o qual se deitou; de repente, vêem-se brilhar umas chamas ardentes, precedidas dum cheiro a enxofre que obriga todos a fugir. Meu tio, sustentado por dois escravos, procura libertar-se, mas, de repente, cai sufocado pelo vapor: - e Plínio é mor-to! (Apud Pedrosa, 1947, p.160).

1.7 juvenal

Décimo Júnio Juvenal nasceu por volta de 55 d.C, na região do Lácio. Foi reitor, advogado. Artista genial, criticou, sem rival, os costumes, os vícios e a degradação moral de seu tempo através das sátiras. Tomando exemplos do passado, ataca, de forma mordaz e, às vezes, até de um jeito pacato, em tom moralista, a devassidão de sua época.

Realista, os assuntos presentes em seu livro As sá-tiras são variados e atemporais, por apresentar as-suntos bem humanos, tratando da hipocrisia, dos maus literatos, do luxo, dos prazeres desregrados, da degeneração do sexo masculino, da devassidão do sexo feminino e das vantagens da carreira mi-litar. As dezesseis sátiras estão divididas em cinco livros.

Sua obra, também, possui algo de inovador, já que apresenta uma vontade de entregar à literatura algo novo, que não a mera reprodução do que ha-

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Naturalis_Historia

via sido escrito no passado e as complicações, que, no próximo período, seriam uma das principais causas do declínio: “uma tentativa feliz de renovar as imitações retóricas de que está cheia a literatura latina do primeiro século e do início do segundo século depois de Cristo”. (LEONI, 1967, 112).

Juvenal é um rigoroso crítico de sua época e, con-fessando-se enfadado de ouvir os poetas (os maus literatos) que afligiam o público com seus épicos, comédias, tragédias, elegias..., declara:

Devo eu ser sempre apenas um ouvinte? Tantas vezes im-portunado pela “Teseida” de um rouco Cordo, não lhe re-tribuirei? Ter-me-ão, pois, recitado impunemente comédias e elegias? E impunemente ter-me-á consumido o dia um imenso “Télefo” ou um “Orestes” escrito até nas margens e no verso do grande volume e ainda não terminado? (...) (Satirae I, 1, Apud Leoni 1967, p. 266).

1.8 suetôniO

O escritor nasceu por volta de 70 d.C, e, até hoje, não se sabe ao certo qual o seu lugar de origem.

Tendo sido secretário do imperador, foi também historiador e, escrevendo De vita caesarum (A vida dos doze imperadores), da qual não se sabe o títu-lo original, destacou-se como biógrafo. “O escritor mais importante da época de Adriano é Suetônio (Gaius Suetônius Tranquillus) [...]” (Vitelli e Ma-zzoni, 1928, p. 600), sua obra nos proporciona um quadro dos costumes e vícios praticados nas cortes dos imperadores. Na Historiografia, Suetônio não teve a grandiosidade de Públio Cornélio Tácito. Este analisava o passado a fim de obter o caminho a ser seguido no futuro, embora sem apresentar acontecimentos gloriosos, provia a chave para o entendimento das causas morais dos fatos. Outra característica de Tácito era a de preocupar-se com o psicológico dos personagens históricos. Procu-rou isentar-se de qualquer tipo de bajulação e da interferência de seus sentimentos pessoais em sua obra. Suetônio, por sua vez, se diferencia de Táci-to e do próprio Juvenal, dedicando-se à História como simples sequência de fatos ocorridos, sem se aprofundar em lições a serem tiradas, ou o estudo dos motivos do homem, “já que Suetônio encara o fato histórico com os olhos indiferentes do cole-cionador e do arquivista, que não tem preensões literárias”. (LEONI, 1967, p. 116).

A obra de Suetônio tem servido de fonte para pes-

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42 Capítulo 3

quisas sobre a História romana. O trecho a seguir, retirado de De vita caesarum, nos dá um exemplo de seu trabalho:

(...) “Estou me portando de maneira vergonhosa, ignóbil; isto é indigno de Nero, é indigno; é preciso ter coragem nessas ocasiões, vamos, levanta-te”. Mas já se aproximavam os cavaleiros, aos quais fora ordenado que o conduzissem vivo para Roma. Quando o percebeu, disse tremendo um verso de Homero: “O galope dos cavalos de pés rápido fere os meus ouvidos”. E, ajudado por Epafrodito, o encar-regado dos requerimentos, enterrou o ferro no pescoço. Estava ainda agonizante quando um centurião entrou pre-cipitadamente e fingindo que vinha em seu socorro, com-primiu a ferida com a mão. Nero apenas respondeu; “É tarde” e “este é fiel”. A essas palavras, expirou. Seus olhos salientes e fixos incutiam nos presentes espanto e medo. O que primeiro e principalmente pedira aos companhei-ros fora que ninguém se apossasse de sua cabeça, mas, de qualquer maneira, o cadáver fosse inteiramente queimado. Isto foi permitido por Icelo, liberto de Galba, não muito antes libertado da prisão em que fora lançado no começo do levante.

Os funerais de Nero custaram duzentos mil sestércios. Foi envolvido em lençóis brancos bordados a ouro, dos quais se utilizavam nas calendas de janeiro. Suas amas Églobe e Alexandria, ajudadas por Acte, sua concubina, encerraram seus restos mortais no túmulo da família dos Domícios, que se avista do campo de Marte sobre a colina dos jardins. Há nesse monumento um sarcófago de pórfiro encimado por um altar em mármore de Luna e cercado por uma ba-laustrada em pedra de Tassos. (Apud Leoni, 1967, p. 279).

Estamos nos aproximando da idade da decadência da literatura latina. O período que se segue conhe-cerá o fim da literatura pagã e dará lugar à flores-cente literatura latino-cristã, que surge a partir da ascensão do Cristianismo e sua adoção como reli-gião oficial do Império.

Os motivos e os temas serão distintos, mas a lite-ratura em língua latina ainda continuará existindo por vários séculos.

glOssáriO

Esopo – escritor natural da Grécia cujas fábulas inspiraram Fedro.

La FontainE – escritor francês do século XVII, considerado o pai da fábula moderna; inspirou-se no modelo de Esopo.

MEnipEia – estilo em que se escreve alternando verso e pro-sa. O nome deriva de Menipo de Gádara, filósofo grego do IV século a.C., em quem Varrão se inspira para compor sua obra Sátiras menipeias. Desta obra, restaram apenas fragmentos.

Rubicão - rio localizado ao norte da Itália.

agatão – escritor trágico natural de Atenas, Grécia. Segun-do Aristóteles, Agatão teria escrito uma tragédia intitulada Aquiles.

RábuLa – advogado inexperiente.

VEspasiano – Tito Flávio Sabino Vespasiano. Imperador ro-mano (9-79 d.C) de origem sabina. Era pai do general Tito.

tito – general romano que comandou o cerco de Jerusa-lém em 70 d.C., no qual foi destruído o Templo; sucedeu seu pai no ano 79 de nossa era.

VEsúVio – vulcão localizado na baía de Nápoles, Itália, que causou a destruição das cidades de Pompeia e Herculano, no ano de 79 d.C.

in Loco – expressão latina que quer dizer: no lugar.

reFerÊncias

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo: Livraria Nobel, 1967.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial, 1947.

PETRÔNIO. Satiricon. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

VALENTE, Milton. Ludus Primus. Porto Alegre: Editora Livraria Selbach, 1952.

VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra Editore, 1915.

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43Capítulo 4Capítulo 4

períODO Da DecaDÊncia e O surgimentO Da

literatura latinO-cristã

Prof. Ívison dos Passos MartinsCarga Horária | 15 horas

ObjetivOs especíFicOs

• ReconhecerascausasquelevaramàDecadênciaeosfatoresfundamentaisquecon-duziram ao surgimento de uma literatura cristã no mundo romano;

• Conheceralgunsdosautoresexpoentesdaliteraturalatino-cristãdesdeseufloresci-mento até a Idade Média bem como suas principais obras.

Este capítulo se inicia com a época da Decadência e, em seguida, apresenta o nascimen-to da Literatura Latino-cristã e alguns de seus principais autores que se destacaram ao longo dos séculos, uma vez que seria impossível estudarmos todos eles em tão pouco espaço e tempo.

1. DecaDÊncia

Durante o governo dos imperadores antoninos, a literatura latino-pagã começa a decli-nar, perdendo seu brilho para, finalmente, deixar de ser produzida no século V.

É necessário, portanto, conhecermos alguns dos fatores que provocaram esse declínio na literatura pagã.

Em linhas gerais, podemos citar, sem nos aprofundarmos em sua complexidade, os se-guintes fatores:

A decadência surge de problemas políticos internos e externos, pois a literatura que fun-cionava, de certa forma, como propagadora da ideologia e glória do Império, começava a perder essa função, paulatinamente, à medida que a importância política de Roma vai, também, decaindo. Por volta do século III d.C., os bárbaros já eram uma séria ameaça ao Império, invadido em 406. Roma, por fim, viu-se forçada a abandonar suas antigas colônias para cuidar de suas próprias fronteiras. Outra causa, e uma das principais, se dá pela escassez de escritores expressivos.

A imposição da cultura helênica era cada vez mais significativa, a ponto de alguns es-

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44 Capítulo 4

critores, nessa época, utilizarem o latim e o grego indiscriminadamente, o que também contribuiu para essa decadência. As obras produzidas nessa época já não apresentavam nada de novo, apenas procuravam copiar o que havia sido produzido an-teriormente, numa mesmice que ia conferindo às obras literárias um caráter afetado e uma demasia-da complexidade.

A poesia perde-se em composições técnicas, que nada têm de vivo: exaurem-se as fontes criadoras, impera a imitação, especialmente dos “poetae novi” e consequentemente da poesia alexandrina. Essa imitação era quase insinuada pelo próprio imperador Adriano, que escreveu muito em verso e em prosa, em latim e grego. (LEONI, 1967, p.118).

Entre os autores dessa época, aparecem historiado-res, gramáticos, mas sem expressão: Leoni (1967) menciona os poetas Ánio Floro, Álfio Avito, Ania-no e o próprio imperador Adriano, entre outros, também sem expressão, cujas obras carecem de originalidade, em que sobejam as imitações dos “poetae novi”.

No último capítulo, você tomou conhecimento de Apuleio, ao compararmos a obra de Petrônio à sua, no que diz respeito ao formato adotado: o romance. Apuleio, cuja obra já conhecemos ante-riormente, pertence à fase da Decadência, sendo, praticamente, o único autor digno de menção du-rante esse período.

Após Suetônio, não surgem mais historiadores grandiosos. O único que se sobressai é Amiano Marcelino, oriundo de Antioquia, na Síria. Procu-rou fazer um trabalho com um caráter mais ori-ginal. Escreveu uma obra intitulada Rerum gesta-rum libri XXXI, um trabalho extraordinário, que fez dele o último historiador romano expressivo. Reproduzimos aqui uma passagem de sua obra:

Quando Juliano, esperado e invocado, chegou a Viena [França meridional], todos, de qualquer idade e condição, correram a acolhê-lo, com grandes honras, à sua entrada; e, tendo-o visto de longe, toda a plebe daquela cidade e dos lugares vizinhos o precedia, chamando-o de chefe clemen-te e ditoso, festejando-o com unânimes aclamações (...) E uma velhinha cega que perguntara quem havia entrado, ouvindo dizer que era César Juliano, exclamou: Ele porá de novo em pé os templos dos deuses. (Rerum gestarum libri XXXI, XV, 8, 21-22. Apud Leoni, 1967, p.286-287).

A literatura pagã vai perdendo seu viço, enquanto surge, no cenário, a literatura cristã.

2. a literatura latinO-cristã

A literatura cristã, antes de se tornar latina, já vi-nha sendo produzida, desde o século I, como con-tinuação dos escritos sagrados do judaísmo. Esse material inicialmente foi escrito em grego coiné, ou seja, a língua franca, utilizada como meio de comunicação por vários povos de distintas et-nias de então. Baseado em vários dialetos gregos, como, por exemplo, o ático, e enriquecido de he-braísmos, foi o idioma escolhido pelos escritores neotestamentários. Sendo assim, o latim veio a ser, apenas posteriormente, a língua utilizada na litera-tura cristã, suplantando o grego, no cristianismo ocidental.

Como surgiu uma literatura cristã no mundo romano?

A perseguição contra os cristãos na Palestina fez com que eles se espalhassem pelo mundo conheci-do de então e que chegassem à capital do Império, ainda no século I de nossa era, pregando a adora-ção a um único Deus, rejeitando as prerrogativas divinas que os imperadores atribuíam a si mesmos, proclamando a igualdade de todos os seres huma-nos perante o Criador; em breve, atraíram a aten-ção dos romanos, conquistando novos adeptos ou atraindo o ódio das autoridades e de pessoas que se sentiam ameaçadas, de alguma forma, pela dou-trina cristã.

Mesmo com os cristãos se escondendo em cata-cumbas para poder cultuar a Deus com certa li-berdade, a nova fé crescia espantosamente cada vez mais. Eram perseguidos impiedosamente pelo governo, sofrendo martírio, acusados, falsamente, de praticarem crimes hediondos:

A clandestinidade acabou por gerar lendas e mal-en-tendidos. Por realizarem seus ritos em sigilo e em lugares estranhos, como as catacumbas, os cristãos foram julgados malfeito-res, capazes dos atos mais abjetos. Por se considera-rem todos irmãos, foi-lhes imputado o crime de in-cesto;(...). (Cardoso 2003, p. 179).

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45Capítulo 4

Posteriormente, o cenário começa a se transfor-mar. No IV século, o cristianismo, até então vio-lentamente combatido pelo Império Romano, como, por exemplo, sob Diocleciano, começa a sair da marginalização para o prestígio. O Impe-rador Constantino em 313 concede liberdade de culto aos cristãos através do Édito de Milão.

Finalmente, du-rante o governo de Teodósio I (391 d.C.), a re-ligião cristã pas-sa a ser a única religião do Es-tado. O paga-nismo, agora marginalizado, continua a ser praticado, mas, dessa vez passa de perseguidor a perseguido.

Já no século II, surgem escritores, como Tertuliano e Minúcio Félix, que pertencem a essa época de fixação da doutrina cristã. Suas obras são fruto da necessidade de se divulgar as doutrinas de Cristo, de refutar heresias, de escrever tratados sobre a fé cristã, contida nos escritos sagrados, mais especial-mente, o Novo Testamento.

A língua latina começa, então, a ser utilizada para a defesa da doutrina do Evangelho, no idioma que todos poderiam entender. Embora Irineu refutasse as heresias em grego, os sermões que pregava eram em latim. Os escritores latino-cristãos provinham de distintas pátrias, todos ligados pelo idioma e pela nova fé. A temática dos autores cristãos varia-va de acordo com as necessidades.

Enquanto isso, escritores latinos, como Plínio, o jovem e, de origem grega, como Luciano (200 d.C.), o Voltaire da literatura grega, atacaram o cristianismo, ridicularizando-o.

Quadro sinótico da literatura latino-cristã

1. I século da Era Cristã – Epigrafia, primeiros documentos proto-cristãos.

2. II século – escritores apologistas: Tertuliano e

Minúcio Félix. Seus escritos possuem um ines-

timável valor literário e histórico, uma vez que nos dão uma visão do surgimento da identida-de cristã e de seu desenvolvimento nessa épo-ca. A literatura latina não religiosa com gramá-ticos e juristas segue seu rumo com escritores de menor vulto.

3. III século – surgem também escritores, como

São Cipriano (dogmático e epistológrafo), Ar-nóbio (apologista) e Lactâncio.

4. IV século – este período, em que o cristia-

nismo se torna a religião oficial, nos deixou nomes como o de Santo Ambrósio e São Jerô-nimo, tendo como maior escritor Agostinho, Bispo de Hipona. “Santo Agostinho é o últi-mo dos grandes pensadores que ainda pode, de alguma forma, ser considerado como repre-sentante da cultura romana.” (Cardoso, 2003, p.185-186) – Aqui se encerra o período dos Pais da Igreja ou Patrística.

5. V século em diante – A Idade Média, com a

Escolástica, até o século XIV, nos legou gran-des nomes, como São Beda e São Tomás de Aquino, entre outros.

Quanto à literatura latina, agora denominada lati-no-cristã, com outros propósitos e distinta ideolo-gia, segue seu curso. Observe o quadro abaixo para exemplificar alguns dos temas explorados a título de ilustração. A segunda coluna é uma reação à situação apresentada na primeira:

Inserção de ritos e ideologias pagãs no cristianismo.

A imoralidade, a defesa do homossexualismo, praticado na Grécia e trazido a Roma.

Os sofistas buscavam envilecer a nova religião

A apologia, a defesa da fé, os dogmas contra as here-sias.

A ênfase na moral cristã. Condenação das práticas homossexuais, que gera-ram um grande conflito entre as duas religiões.

Através da homilia, os escritores cristãos busca-vam alcançar os corações. Pela exegese, a Palavra de Deus era esclarecida.

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46 Capítulo 4

Além de apologias, homilias, defesas de dogmas e trabalhos exegéticos, também surgiram outros gê-neros diversos, como a poesia, a historiografia, a filosofia e as ciências. Provindos de diversas nacio-nalidades, os escritores cristãos procuraram exaltar sua fé, a nova temática da literatura.

i séculO

Embora não sejam consideradas plenamente tex-tos literários, as inscrições e símbolos deixados pe-los cristãos primitivos, nos dão um vislumbre de sua fé:

• Símbolos:Opeixe , ainda hoje, é utilizado nos meios cristãos. Juntando-se as primeiras letras da expressão grega ’30F@LH OD4FJ@H 1g@La4@H GTJZD. (Jesus Cristo Filho de Deus Salvador), temos: 3O1KG, em minúsculas [P2LH = peixe em grego.

O monograma formado pelas duas pri-

meiras letras da palavra OC3EI?E: Cristo, em grego.

O alfa e o ômega: !/S, respectivamente a

primeira e a última letra do alfabeto grego, re-presentando Cristo como o Princípio e o Fim, certamente numa referência a Apocalipse 1:8. Outros símbolos, como a pomba, significando a paz e a âncora significando a esperança.

• Inscrições tumulares contendo expressões,

como: In Deo (em Deus) ou In Pax (em Paz): “Valeria dormit in pace” (Scott, 1995, p.77)

= Valéria dorme em paz. Atestando a crença original cristã, da morte como um sono. (cf. 1 Coríntios 15:6 e 1 Tessalonicenses 4:14 e 15).

As catacumbas, além de túmulos, eram também o local de culto para os cristãos, onde realizavam seus cultos, expressando suas crenças por meio de ilustrações:

Ignorantes como eram, não sabendo ler nem escrever, e perseguidos por causa da sua fé em Cristo, era necessário que procurassem algum símbolo que os habilitasse a ex-primir sua crença e que fosse, ao mesmo tempo, ininteli-gível para os seus perseguidores. Daí nasceu o uso de dois símbolos: um chamado “o Peixe” e outro o “Monograma”, compostos de mais de uma letra. Crê-se agora que o símbo-lo do Peixe entrou primeiro em uso, e que o Monograma foi adotado depois do imperador Constantino. (SCOTT, 1995, p.101)

3. a literatura latinO-cristã DO ii séculO até a iDaDe méDia

3.1 tertulianO

Quinto Sétimo Florente Tertuliano (c. 160), natu-ral de Cartago, veio de família pagã, até que se con-verteu ao cristianismo, já em idade adulta. A partir de sua conversão à religião cristã, tornou-se um de-fensor apaixonado de sua nova fé, numa época em que o cristianismo ainda era alvo das perseguições dos imperadores. Sua conversão, até certo ponto, se parece com a do apóstolo Paulo, relatada em suas cartas. Tertuliano passa de pagão defensor de suas ideias e zombador da fé dos cristãos a um fer-renho advogado do cristianismo. Como o apóstolo Tertuliano, abraça a doutrina que antes desprezara e perseguira.

Por essa razão, dedicou sua obra à defesa da fé cris-tã. Foi erudito, escrevendo tanto sobre o profano quanto o sagrado. Alcançando um altíssimo grau de erudição, tornou-se um dos maiores polemistas de sua era. Zélia de Almeida Cardoso (2003 p. 181) menciona Ad nationis (Às nações), uma de suas obras na qual Tertuliano censura impetuosamente o paganismo. Em outra obra, intitulada Apologéti-ca, levada a cabo posteriormente, o escritor cristão nos lega uma apologia do cristianismo:

O ágape cristão

A fundação de nossa ceia é já indicada pelo seu nome: de fato, é chamada com um termo que entre os gregos, significa “amor” [ágape]... Não nos sentamos antes de ha-ver prelibado uma prece a Deus; comemos o quanto come quem está com fome, bebemos o quanto é útil a pessoas só-brias. Assim nos saciamos com pessoas que se lembram de que devem adorar a Deus também à noite e falamos como pessoas que sabem que Deus as escuta... Depois nos sepa-ramos, não para ajudar bandos de salteadores ou grupos de vagabundos nem para nos abandonarmos à lascívia, mas para prosseguirmos com a modéstia e pudor, como pessoas que não se alimentaram tanto de comidas quanto de senso moral. (Apologética, 39 Apud Leoni 1967, p.288).

O texto de Tertuliano nos remete ao modo de ce-

SAIBA MAIS

www.pime.org.br/mundoemissao/cultura-

culcristaos.htm

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47Capítulo 4

lebrar a Ceia do Senhor, como encontrado em 1 Coríntios 11: 17-34.

Tendo escrito numerosas obras, foi um escritor polêmico. “Tertuliano compôs obras bastante vi-rulentas, nas quais se notam o tom inflamado, a lógica tenaz e grande capacidade imaginativa” (CARDOSO, 2003, p. 181).

Sobre a pureza dos cristãos, em contraste com a vileza dos pagãos, escreve:

Entretanto, se transborda o Tigre, se o Nilo não transbor-da, se falta a água, se sobrevém a carestia, se a terra treme, vós outros gritais: “Os cristãos às feras”. E enquanto os pagãos pretendem aplacar a cólera dos deuses frequen-tando as tabernas e outros lugares de infâmia, nós nos cobrimos de saco e cinza, fazemos penitência, jejuamos para implorar a divina misericórdia... (Apologética, Apud Xavier, 1947, p.201).

Seu linguajar é erudito, mesmo quando utiliza ter-mos de cunho popular. Figuram entre suas obras de maior importância: Apologética, Adversus Marcionem e De Carne Christi.

Tertuliano, convertido aos 35 anos à fé cristã, pos-teriormente abandonou suas crenças, para se unir à seita montanista. Algumas das obras produzidas nesse último período de sua vida foram:

• Depallio(SobreoPálio);• DePudicícia(SobreaPudicícia);• DeJejunio(SobreoJejum);• DeCorona(Sobreacoroa);• Despectaculis(Sobreosespetáculos)...

iii séculO

Arnóbio (Arnobius), originário da Numídia, era filho de pais que professavam o paganismo como sua religião. Ao se converter à religião cristã, o dis-tinto escritor retórico escreve Adversus nationes (Contra as nações) a fim de deixar clara sua con-versão:

Contra o sacrifício de animais

Se, de repente, um novilho ou qualquer destes animais, enquanto é arrastado para o sacrifício, a fim de mitigar a cólera dos numes, adquirisse voz humana, assim falaria: “Mas então, ó Júpiter ou qualquer outro deus que tu sejas, parece-te coisa humana e correta, coisa, que de qualquer modo se possa julgar justa, que outro tenha cometido um

delito e deva eu ser morto? E que tu concordes em te senti-res satisfeito com meu sangue, quando eu jamais te ofendi, jamais lesei, consciente ou inconscientemente, a tua divi-na majestade, sendo eu, como tu bem sabes, um animal mudo, dotado de instintos elementares, sem a distração de um caráter variável e multiforme? ... Talvez porque sou ani-mal vil, sem razão, sem sentimento, como dizem aqueles que se chamam homens mas que, em crueldade superam todas as feras?” (Adversus nationes, VII, 9. Apud Leoni,

1967, p. 289-290).

Entretanto, sua obra, mesmo sendo uma apologia aos cristãos, denunciando as falsas acusações con-tra estes, possui alguns equívocos doutrinários ao longo da obra, provenientes de sua falta de amadu-recimento na fé.

Outro nome, importante por ser o último escritor do período de formação, é Lúcio Cecílio Firmia-no Latâncio (Lucius Caecilius Firmianus Lactan-tius). Discípulo de Arnóbio e cultor da retórica, o escritor converteu-se à religião cristã, compon-do vasta obra literária. Considerado o Cícero do cristianismo, seu estilo é puro e fluente. Escreveu Divinarum instituitionum libri VII (Instituições divinas). Nesta obra dogmática, Lactâncio discorre sobre a falsa religião, a vida feliz, o verdadeiro cul-to, a unidade de Deus...

Escreveu De morte persecutorum (Sobre a morte dos perseguidores), em que registra as perseguições sofridas pelos cristãos:

O imperador Diocleciano se enfurecia não só contra os fa-miliares mas contra todos. E entre todos, obrigou primeiro a filha Valéria e a mulher Prisca a manchar-se com a culpa do sacrifício. Eunucos, que haviam sido potentíssimos, de cujo serviço ele mesmo e sua corte antes se serviam, foram mortos; sacerdotes e ministros, detidos e condenados sem nenhuma prova ou confissão, eram conduzidos ao suplício com todos os familiares. Pessoas de todas as idades e de am-bos os sexos eram arrastadas à fogueira: não um a um, pois era grandíssimo o seu número, mas, como rebanhos, eram queimados por todos os lados pelo fogo aceso em redor deles; os escravos eram tirados ao mar com mós de moi-nho atadas ao pescoço. Perseguição não menos violenta se abateu sobre o resto do povo. (De morte persecutorum, 15. Apud Leoni, 1967, p. 291).

séculO iv

3.2 jerônimO

Sofrônio Eusébio Jerônimo (342-420), também São Jerônimo, é proveniente da Dalmácia. Foi edu-

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48 Capítulo 4

cado em Roma. Seus escritos abrangem traduções e obras de sua própria autoria. É interessante notar que foi uma tradução, a da Bíblia para a linguagem do povo, que o tornou famoso.

S. Jerônimo foi reputado como grande tradutor:

Ele possuía, em grau excelente, a capacidade de adaptar-se ao pensamento e ao espírito dos outros, penetrando-lhes a intenção, fazendo seu o que os outros diziam e escreviam.

(Bardenhewer, Apud Xavier, 1947, p. 244).

De suas traduções, podemos citar, entre muitas, as seguintes:

• Crônicas de Eusébio;• Cartas de S. Epifânio;• Homelias de Orígenes;• A Vulgata Latina: O Velho e o Novo Testa-

mento traduzidos para o latim, língua vernácu-la, a pedido do Papa Damasco, em 383 d.C., para que fosse revisada a Bíblia Latina.”

A tradução de S. Jerônimo, embora seja a mais co-nhecida, não foi a primeira a ser levada a cabo em latim. Já no século II d.C., circulavam traduções anônimas. A tradução de S. Jerônimo é sua mais importante obra:

Duas são as versões latinas que se distinguem: a Antiga Latina, que engloba todas as traduções feitas até o século IV, e a vulgata Latina, preparada por Jerônimo entre 386 e 405. As evidências indicam que as primeiras traduções lati-nas começaram a surgir no norte da África, provavelmente em Cartago, um dos centros da cultura romana, e, pelos indícios dos textos latinos que há nos escritos de Tertulia-no, essas traduções remontam ao último quartel do século II. (PAROSCHI, 1993, p.62).

São contemporâneos dessas primitivas traduções (séc. II) os primeiros autores cristãos, de que se tem notícia: Vítor e Apolônio. Embora nada tenha res-tado de suas obras, Zélia de A. Cardoso (2003 p. 180) comenta que o primeiro escreveu um estudo sobre a Páscoa. O segundo, um discurso apologéti-co, registrado nas atas do senado.

Essas traduções foram, também, um dos meios de incorporação de termos religiosos adotados do gre-go no latim.

A título de ilustração, reproduzimos, abaixo, um trecho da Vulgata, do Evangelho de S. Lucas:

Considerado o maior escritor da antiguidade lati-na, deixou-nos um valioso testemunho histórico sobre os tempos mais remotos da fé cristã, como em De viris illustratbus christianis: “(...) a exem-plo de Suetônio e quase completando a obra do escritor latino, recolhe dados biográficos dos pri-meiros escritores cristãos”. (LEONI, 1967, p. 123).

EVANGELIUM SECUNDUM LUCAM 1: 5-13.

5 Fuit in diebus Herodis regis Iudaeae sacer-dos quidam nomine Zacharias de vice Abiae, et uxor illi de filiabus Aaron, et nomen eius Eli-sabeth.

6 Erant autem iusti ambo ante Deum, inceden-tes in omnibus mandatis et iustificationibus Domini, irreprehensibiles.

7 Et non erat illis filius, eo quod esset Elisabeth sterilis, et ambo processissent in diebus suis.

8 Factum est autem, cum sacerdotio fungeretur in ordine vicis suae ante Deum,

9 secundum consuetudinem sacerdotii sorte exiit, ut incensum poneret ingressus in tem-plum Domini;

10 et omnis multitudo erat populi orans foris hora incensi.

11 Apparuit autem illi angelus Domini stans a dextris altaris incensi;

12 et Zacharias turbatus est videns, et timor irruit super eum.

13 Ait autem ad illum angelus: “ Ne timeas, Zacharia, quoniam exaudita est deprecatio tua, et uxor tua Elisabeth pariet tibi filium, et vocabis nomen eius Ioannem.

(Evangelho de Lucas cap. 1 versos 5-13). Fonte: http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulga-ta/documents/nova vulgata_nt_evang-lucam_lt.html#1

SAIBA MAIS

Texto integral da Vulgata Latina:

http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vul-

gata/documents/nova-vulgata_index_lt.html

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49Capítulo 4

Entre as obras de sua autoria, podemos citar:

• Comentarii in Psalmos (Comentários sobre os salmos);

• Vita Pauli, Malchi, Hilarionis (A vida de Pau-lo, de Malaquias e de Hilário);

• Homilias (homilias);• De Viris illustribus etc (A vida de homens ilus tres)...

O seguinte trecho proporciona uma amostra de uma das obras de sua autoria:

Depois de muitos escritores gregos, vem agora finalmente o sacerdote Tertuliano, primeiro dos latinos depois de Ví-tor e Apolônio, originário da província da África, da cida-de de Cartago, filho de um centurião peninsular. Homem de agudo e impetuoso talento, viveu a maior parte da vida sob os imperadores Severo e Antonino Carcala e escreveu muitas obras, que, por serem de todos conhecidas, omiti-mos. Eu conheci um velho, um certo Paulo, nascido em Concórdia (uma cidade da Itália), que dizia ter encontrado em Roma, quando era ainda muito jovem, o secretário do bem-aventurado Cipriano, então velhíssimo, e aquele lhe contou como Cipriano costumava não deixar passar um só dia sem ler Tertuliano; e, muitas vezes, lhe dizia: “Dá-me o mestre!” e indicava Tertuliano. Este, ainda até a meia ida-de, foi padre da Igreja; depois, devido à inveja e às injúrias do clero da Igreja romana, caiu na heresia montanista: da nova profecia, ele fez muitos livros. Escreveu contra a Igre-ja particularmente estas obras: “A Pudicícia”, “A Persegui-ção”, “Os Jejuns”, “A Monogamia”, “O Êxtase” – em seis livros, com um sétimo que dirigiu contra Apolônio. Diz-se que viveu até idade decrépita e publicou muitas pequenas obras, hoje perdidas. (De viris illustratibus christianis, 53. Apud Leoni, 1967, p. 292).

3.3 santO agOstinHO

Santo Agostinho de Hipona, considerado o maior escritor de sua época, inclusive um dos maiores doutores que a Igreja possuiu nos seus dias. Vi-vendo no final do século IV, foi Bispo de Hipona. Foi epistológrafo, compondo inúmeras cartas, cujo conteúdo é de grande valor filosófico.

Duas de suas obras mais aclamadas são: A cidade de Deus (De civitate Dei) e Confissões (Confessio-nes), respectivamente classificadas como: apologé-tico-dogmática e escrito filosófico.

Mundialmente conhecida, as Confissões, escritas em treze livros, por volta de 397, trazem a experi-ência de encontro com Deus, o arrependimento de seus delitos. É uma obra, até certo ponto, didática

na qual o escritor africano procura tirar ensina-mentos através de suas experiências:

Quero recordar as minhas torpezas passadas e as deprava-ções carnais da minha alma, não porque as ame, mas para Vos amar, ó meu Deus. É por amor do Vosso amor que, amargamente, chamo à memória os caminhos viciosos para que me dulcifiqueis, ó Doçura que não engana, doçu-ra feliz e firme. Concentro-me, livre da dispersão em que me dissipei e me reduzi ao nada, afastando-me de Vossa unidade para inúmeras bagatelas.

Quantas vezes, na adolescência, ardi em desejos de me sa-tisfazer em prazeres infernais, ousando até entregar-me a vários e tenebrosos amores! A minha beleza definhou-se e apodreci a vossos olhos, por buscar a complacência própria e desejar ser agradável aos olhos dos homens. (AGOSTI-NHO, 1981, p. 53.)

Zélia de A. Cardoso (2003, p.185) nos lembra que Santo Agostinho é bastante original em seus escri-tos, pois, ao tratar de sua infância, apresenta uma intensa análise psicológica, fazendo uma análise aprofundada de sua alma ao abordar assuntos de cunho metafísico e moral.

Exprimindo fielmente a doutrina tradicional do catolicismo, suas obras têm sido fonte de pesquisa de teólogos da Igreja ao longo dos tempos. Quanto às duas obras, é importante notar:

As “Confissões” são a Teologia vivida numa alma e a histó-ria da acção de Deus nos indivíduos. A “Cidade de Deus” é a teologia viva no quadro histórico da humanidade, se-gundo a opinião de Portalié (Dictionnaire de Théologie

Catholique I coluna 2291, Apud Agostinho, 1981, p.14).

Entre as inúmeras obras, que compreendem desde escritos filosóficos a obras apologético-dogmáticas, do prolífico escritor, podemos citar, ademais, as se-guintes: Sermões, cartas, os escritos De doctrina christiana (Sobre a doutrina cristã); De sermone domini in monte (O Sermão do Senhor no mon-te); De fide rerum quae non videntur (Fé nas coi-sas que não vemos) e De mendacio (sobre a men-tira).

Um fato que não podemos esquecer, já comentado no capítulo 2, é que Agostinho admirava Cícero e citava suas obras, procurando harmonizar as ideias pagãs que pudessem ser incorporadas à fé cristã.

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50 Capítulo 4

3.4 ambrósiO

Santo Ambrósio (337-397) era natural da Gália. Foi bispo de Milão, escreveu cartas, comentários bíbli-cos, hinos, orações, trata-dos de doutrina, como o Hexaemeron (sobre os seis dias da criação) e De oficiis ministrorum - manual ecle-siástico, um tratado moral, baseado na obra ciceronia-na De officis.

Durante seu bispado, combateu veementemente o arianismo e a interferência de governos civis no campo eclesiástico. Prolífico escritor, Ambrósio deixou-nos um grande número de obras, divididas conforme quadro abaixo:

Suas exegeses são feitas sobre os testos vetero-testa-mentários, como se pode notar, a partir dos pró-prios títulos: De paradiso (Sobre o paraíso), Hexe-meron (Sobre a história da criação, escrita em seis livros), De Cain et Abel (sobre Cain e Abel), De Joseph (Sobre José), De Jacob et vita beata (Jacó e a vida feliz)...

Hexaemeron, título em grego, que significa 6 dias, em referência aos seis dias da criação de Gênesis capítulo I, é um trabalho exegético em torno do primeiro livro da Bíblia, abrangendo temas, como a Criação, o nome de Deus, os grandes animais marinhos, do sétimo dia, sábado como dia de des-canso (capítulo II, verso iii)...

Grande defensor dos bons costumes e da virginda-de e da pureza, escreveu:

Livre de lascivos sentimentos, contigo sonhe o íntimo do coração, para que o temor das ciladas do invejoso inimigo não perturbe aqueles que repousam.

A Cristo e ao Pai invoquemos, e ao Espírito de Cristo e do Pai:DeusOnipotenteeÚnico,ÓTrindade,protege-nos.(Hino vesperal. Apud Leoni, 1967, p.291).

A Mariologia, presente em sua obra De Spiritu Sancto, tem um dos seguintes conceitos:

Cristo não é dividido, mas único. Se o adoramos como o Filho de Deus, não negamos seu nascimento de uma vir-gem... Mas ninguém deve estender isso a Maria. Maria foi o templo de Deus, mas não Deus no templo. Portanto ape-nas aquele que estava no templo pode ser adorado. (Am-brósio de Milão, De Spiritu Sancto, III, 11,79-80. Apud http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf210.iv.ii.iv.xi.html?highlight=mary,was,the,temple,of,god,but,not,in#highlight –

Tradução nossa).

v séculO

3.5 pruDÊnciO

Aurélio Prudêncio Clemente (348 - ?413) nasceu em Saragosa, norte da Espanha. Foi político, sen-do governador da província romana Tarraconen-

SAIBA MAIS

http://www.mundodosfilosofos.com.br/

agostinho.htm

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ambró-

sio_de_Milão

Hinos:

Exegeses:

Dogmáticas:

Himno vesperal, Jam sur-git hora tertia, Aeterne re-rum conditor...

Hexemeron, De paradiso, De Cain et Abel, De Jose-ph, De Jacob et vita bea-ta...

De Spíritu Sancto, De Mys-teribus, De Sacramentis, De Poenitentia De Sacramento regenera-tionis vel de Philosophia, De Incarnationis Domini-cae Sacramento, De peni-tentia libri quinque...

Morais: De S. Mariae virginitate perpetua, De oficiis, Exhor-tatio virginitatis...

Disciplinares: Contra Auxencium, De obi-to Valeriani

Cartas: Ad Valerianum, LI ad The-odosium…

temas Obras

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51Capítulo 4

sis, atual Tarragona, magistrado e advogado durante o reinado do imperador Teodósio.

Descendendo de nobre família tradicionalmente cristã, somente em idade avançada, retirando-se da vida pública, volta-se para a vida eclesiástica, tornando-se asceta. Jejuava durante o dia e se abstinha de alimento de origem animal.

Sua obra poética é dividida em cinco livros, publicada em 405, com forte influência de S. Ambrósio. Suas poesias, datadas do século V, rivalizam com os poetas pagãos em qualidade, chegando a ponto de ser con-siderado o Virgílio ou mesmo o Horácio da cristandade.

No trecho a seguir, de sua obra Cathemerion, podemos ver o testemunho de seu abandono da vida secular para a vida consagrada a Deus:

Os cinco livros compostos por S. Prudêncio, em 405. Os títulos foram dados em língua grega:

1) Liber Cathemerinon - (Livro de acordo com as horas) incluindo 12 poemas sobre várias ho-ras do dia e sobre celebrações eclesiásticas;

2) Apotheosis - (Apoteose ou Deificação) neste li-

vro ataca os que negam a Santíssima Trindade e a divindade de Jesus. Em 381, no Concílio ecumênico de Constantinopla, o arianismo havia sido derrotado. Entretanto seus seguido-res permaneceram divulgando suas ideias.

3) Liber Peristephanon - (Livro das Coroas do

Martírio) composto de 14 poemas sobre márti-res Romanos e espanhóis.

4) Hamartigenia - (A origem do pecado): Mar-cião e seu dualismo Gnóstico é duramente atacado nesse livro.

5) Psychomachia - (Batalha das almas) a batalha

da fé contra a idolatria e os vícios. 6) Libri contra Symmachum - (Livros contra

Symmachus) obra escrita contra o senador pagão Symmachus, que requeria que o altar à Vitória fosse restaurado no Senado.

7) Dittochæon - (O Duplo Testamento) com-

posto em unidades de versos de quatro linhas cada, destinados a serem utilizados como títu-los para os murais da basílica de Roma.

Atqui fine sub ultimopeccatrix anima stultitiam exuat: saltem voce Deum concelebret, si meritis nequit:hymnis continuet dies,nec nox ulla vacet, quin Dominum canat:pugnet contra hereses, catholicam discutiat fidem,conculcet sacra gentium, labem, Roma, tuis inferat idolis,carmen martyribus devoveat, laudet apostolos.Haec dum scribo vel eloquor,vinclis o utinam corporis emicemliber, quo tulerit lingua sono mobilis ultimo. (Xavier, 1947, p.73).

Na verdade, antes que eu faça minha passagem, minha alma pecadora despir-se-á de sua insensatezE louvará meu Senhor, se não por seus atos, pelo menos com lábios humildes.Que cada dia se una com hinos de gratidãoE cada noite ressoe os cantos de Deus:Sim, seja minha porção combater todas as heresias, revelar os significados da fé Católica,Calcar os ritos gentios; Teus deuses, O Roma, Destronar, Os mártires louvar, os apóstolos cantar.Oh, enquanto empregarem tais temas minha pena e língua, Que a morte possa extirpar esses grilhões da carne, E me carregar para onde meu último suspiro se erga.Tradução baseada no inglês, por R. Martin Pope. Fonte:http://www.ihaystack.com/authors/p/aurelius _clemens_prudentius/00014959_the_hymns_of_prudentius /00014959_la-tin_and_english_ascii_p001.htm

praeFatiO preFáciO

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52 Capítulo 4

Compôs ainda hinos de natal como Divinum Mys-terium (O Divino Mistério), contido em Catheme-rinon, ainda em uso. Alguns dos hinos compostos por S. Prudêncio são:

a) Ades Pater Supreme; (Sê presente, Santo Pai);

b) Ales diei nuntius (O alado arauto do Dia);

c) Beata martyr, prospera (Prospera, Bem-aventu-rada Mártir);

d) Corde natus ex parentis (Nascido do coração do Pai).

3.6 sãO beDa

São Beda, ou o venerável Beda, (674-735). Mon-ge beneditino, saxão natural da Nortúmbria, foi o

Beda foi um exímio historiador, sendo considera-do o pai da história e da ciência da Inglaterra. Ou-tra empresa de sua parte foi a tradução de partes da Bíblia para o Inglês Antigo (Old English) que, infelizmente, não se conservaram até nossos dias. Diz-se que ao terminar de escrever sua Historia ecclesiastica gentis Anglorum, teria exclamado: “Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancti.” Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Beda

2

Verum eadem Brittania Romanis usque ad Gaium Iulium Caesarem inaccessa atque incognita fuit; qui anno ab Urbe condita DCXCIII, ante vero incarnationis dominicae tempus anno LXmo, functus gradu consulatus cum Lucio Bibulo, dum contra Germanorum Gallorumque gentes, qui Hreno tantum flumine dirimebantur, bellum gereret, venit ad Morianos, unde in Brittaniam proximus et brevissimus transitus est; et navibus (h)onerariis atque actuariis circiter octoginta praeparatis, in Brittaniam transvehitur, ubi acerba primum pugna fatigatus, deinde adversa tempestate correptus, plurimam classis partem, et non parvum numerum militum, equitum vero pene omnem disperdidit.

Historia Ecclesiastica gentis Anglorum Livro 1, II.Fonte: http://la.wikisource.org/wiki/Historia_Ec-clesiastica_gentis_Anglorum_-_Liber_Primus

2

A Bretanha nunca havia sido visitada antes pelos romanos e era, de fato, completamente desconhecida por eles antes da época de Caio Júlio César, que, no ano 639 da construção de Roma, mas o sexagésimo antes da encarnação de nosso Senhor, era cônsul com Lúcio Bibulo, e posteriormente, enquanto ele guerreava com os germanos e os gauleses, que estavam separados apenas pelo rio Reno, chegou à província de Morini, a mais passagem próxima e mais curta para a Bretanha. Aqui, tendo providenciado cerca de oitenta navios de carga e embarcações com remos, ele navegou até a Bretanha; onde, sendo primeiramente tratado asperamente em uma batalha e, então, enfrentando uma severa tempestade, perdeu uma considerável parte de sua frota, um não pequeno número de soldados e quase todos os seus cavalos.

maior estudioso de sua geração. Beda era grande conhecedor da literatura latina secular e cristã. Pro-duziu estudos exegéticos de qualidade sobre a Bíblia Sagrada. Destacou-se especialmente por sua Histo-ria ecclesiastica gentis Anglorum (História eclesi-ástica dos anglos ou História eclesiástica do povo da Inglaterra). Composta em cinco volumes, ou livros, a obra, em suas 400 páginas, conta a história da Inglaterra, a b r a n g e n d o tanto o lado político quanto o religioso do país:

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São Beda

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53Capítulo 4

Outro expoente, entre os muitos que surgiram durante a Idade Média, é São Tomás de Aquino (c.1227 - 1274). Um dos mais brilhantes períodos da Idade Média, o século XIII, é não mais uma época de apolo-gias, mas de filosofia.

Filósofo e escritor, oriundo da região de Nápoles, foi mestre em Paris, Anagni e Roma. Foi um dos maiores incentivadores da Escolástica, sendo por isso denominado o divino filósofo, o anjo das escolas e o prote-tor das ciências.

Entre suas principais obras, citamos:

Summa Theologica – obra de cunho filosófico-teológico. Considerada como um manual da fé.

Summa contra gentiles – obra contra os gentios ou pagãos, também de cunho filosófico-teológico.

Pange lingua gloriosi e Lauda, Sion, Salvatorem – hinos compostos a mando do Papa Urbano VI.

Comentários bíblicos:

• In Vetus Testamentum (Sobre o Velho Testamento);• In Novum Testamentum (Sobre o Novo Testamento); • In Epistolas S. Pauli (Epístolas de São Paulo).

E vários sermões.Citamos, aqui, um de seus hinos mais conhecidos, em que exibe sua genialidade poética:

Pange lingua gloriosi

Pange lingua gloriosi Corporis mysteriumSanguinisque pretiosiQuem in mundi pretiumFructus ventris generosiRex effudit gentium Nobis datus nobis natusEx intacta VirgineEt in mundo conversatusSparso verbi semineSui moras incolatusMiro clausit ordine In supremæ nocte cœnæRecumbens cum fratribusObservata lege plenæCibis in legalibusCibum turbæ duodenæSedat suis manibus Verbum caro panem verumVerbo carnem efficitFitque sanguis Christi merumEt si sensus deficitAd firmandum cor sincerumSola fides sufficit

Fonte: http://www.audicoelum.mus.br/textos_e_traduções_4.htm

Canta minha língua este mistério do corpo glorioso

Canta minha línguaeste mistério do corpo gloriosoE do sangue preciosoQue, do fruto de um ventre generosoO Rei das nações derramouComo preço da redenção do mundo Dado a nós, por nós nascidoDe uma intacta virgemE no mundo vivendoEspalhando a semente da palavraO tempo certo da sua permanênciaEncerrou no rito admirável Na ceia da última noiteReclinando-se com seus irmãosTendo observado plenamenteA lei da festa prescritaDeu a si mesmo com as suas mãosComo alimento ao grupo de doze

O Verbo encarnado, o pão realCom sua palavra muda em carneO vinho torna-se o sangue de CristoE como os sentidos falhamPara firmar um coração sinceroApenas a fé é eficaz

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54 Capítulo 4

SAIBA MAIS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino.

SAIBA MAIS

http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/latim.htm

Embora não fosse possível empreendermos um estudo aprofundado da literatura latino-cristã – o espaço não nos permite – contemplamos alguns de seus principais autores e suas obras mais conheci-das.

Ao passo que a literatura latina, em sua forma pagã, sucumbe no século V, a literatura cristã con-tinua seu percurso.

Apesar da queda do Império Romano (c.476 d.C.) e, posteriormente, a nacionalização das literatu-ras, utilizando-se as línguas vernáculas para tal, a produção de obras em latim continua até o século XVIII.

No séc. XVI, reaparecem escritores apologéticos, exegéticos ou filósofos, como Francisco Suarez (1548), autor de Defensio catholicae fidei (Defe-sa da fé católica); o jesuíta Luiz de Molina, espa-nhol de Cuenca, autor de De Poenitentia (Sobre a penitência) ou S. Afonso Ligório (Século XVIII) com sua Theologia Moralis (Teologia da moral). Escritos em latim, esses trabalhos, agora tinham a função de refutar aquilo que a Igreja denominava de heresias protestantes.

Também obras científicas, filosóficas e romances foram produzidos em latim até o século XVIII, pois publicar algo em latim, nessa época, era pu-blicar para o mundo. A língua ocupava o lugar do inglês, atualmente: “Em época tão avançada, como o fim do século XVII, percebia-se que uma obra corria grave risco de não produzir seu devido efei-to, a menos que fosse publicada em latim.” (Bai-ley, 1956, p.540 tradução nossa). Trabalhos como Philosophiae Naturalis Principia Mathematica de Isaac Newton e Utopia de Thomas Morus, são exemplos dessa realidade.

É claro que, durante a Idade Média, o latim riva-lizava com as línguas vernáculas, como no caso dos trovadores da região da Galiza (Espanha) e de Portugal, que utilizaram o seu dialeto galaico-português. Na Inglaterra, produziram-se as obras escritas em Inglês Antigo (Old English). E Luiz de

Camões, no século XVI, bem como outros escrito-res escreveram suas obras em suas próprias línguas nativas, ajudando ainda mais a consolidar e firmar o uso de seu idioma materno.

Depois de longo tempo, finalmente o latim cede lugar às suas rivais. A literatura de cada país co-meça a ser produzida unicamente em suas línguas nacionais.

glOssáriO

pRoto-cRistãos – termo referente à época dos cristãos pri-mitivos.

antoninos – imperadores da dinastia dos Antoninos (96-192 d.C.), sucessores dos Césares.

apoLogética – justificação ou defesa de determinados pon-tos de vista.

Montanista - seguidor/a de seita de Montanus, indivíduo que acreditava que o Espírito Santo habitava em sua pes-soa.

pais da igREja ou patRística – ensinamentos dos Santos Pa-dres da Igreja. Doutrina sob profunda influência da filosofia grega, a qual era utilizada para aclarar e defender o novo conteúdo da fé.

EscoLástica - trata-se da filosofia baseada nas obras de Aristóteles e São Tomás de Aquino.

HEbRaísMo – termos adotados da língua hebraica, utilizados em outro idioma.

diocLEciano – imperador romano (284-305 d.C.) que empreendeu a mais violenta de todas as perseguições aos cristãos.

aRianisMo – doutrina religiosa defendida por Ário, que negava tanto a divindade de Cristo quanto a Santíssima Trindade.

daLMácia – antiga Iugoslávia.

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55Capítulo 4

Língua VERnácuLa – língua própria de determinada região ou Estado.

QuaRtEL – quarta parte de um século.

saxão – indivíduo natural da Saxônia (Alemanha),pertencente a uma das tribos germânicas que

invadiram a Inglaterra no século V d.C.

angLos – indivíduo pertencente aos Anglos, uma das tribos germânicas que invadiram a Inglaterra no século V d.C. Posteriormente, deram nome ao território por eles ocupa-do: Inglaterra, ou seja, terra dos Anglos.

ascEta – pessoa que se dedica à contemplação ou misti-cismo.

MaRioLogia – estudos relativos à Virgem Maria.

reFerÊncias

AGOSTINHO. Confissões. Porto: Livraria Apos-tolado da Imprensa, 1981, 10. ed.

BAILEY, Cyril. El legado de Roma. Madrid: Edi-ciones Pegaso, 1957, 3. ed.

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo: Livraria Nobel, 1967.

PAROSCHI, Wilson. Crítica textual do novo tes-tamento. São Paulo: Vida Nova, 1993.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial, 1947.

SCOTT, Benjamin. As catacumbas de Roma. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.

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