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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Luchesi et Al. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 2(gt22):1-16 A difração de saberes e a construção da visão de sustentabilidade GT22 – Educação para a sustentabilidade nas dimensões ambientais, culturais e tecnológicas Gabriela Pereira Lucchesi Emília Wanda Rutkowski Evandro Ziggiatti Monteiro Fernando Shigueo Nakandakare Resumo: A cartografia social é um método de diagnóstico participativo que estimula as pessoas envolvidas a avaliar em grupo o território. Para compreender a percepção ambiental da comunidade universitária sobre o campus de Campinas da UNICAMP, foram realizadas oficinas de cartografia social, tendo o sistema Green Map® como legenda. O sistema permite que sejam construídos mapas ambientais de qualquer porção de espaço no planeta, utilizando 172 ícones de legenda, agrupados em 3 eixos: Modo de Vida Sustentável, Natureza e Cultura & Sociedade. O território do campus foi dividido pelas unidades de ensino e pesquisa, área de saúde e administrativa central, em cada um foi realizada uma oficina. A comunidade universitária, dividida em grupos, trabalhou sobre os mapas do seu local de trabalho e da área do campus. Os ícones ofertados foram aqueles considerados relevantes para um campus universitário. O grupo, auxiliado por um mediador, analisou o conjunto de ícones disponíveis e quais deveriam fazer parte dos mapas. Desde as primeiras oficinas houve a demanda por novos ícones e o desmembramento de um novo eixo a partir do Modo de Vida Sustentável: Riscos & Desafios. Foram utilizados 125 ícones, sendo 12 exclusivos para a UNICAMP. Ao se debruçar sobre os mapas, os oficinantes discutiram o significado dos ícones bem como sua abrangência, construindo um ambiente de ensinagem: um momento de expressão e reflexão sobre a sustentabilidade. O objeto de estudo é comum, entretanto as formações e experiências dos oficinantes são diversas. As contribuições seguiram suas linhas particulares conduzindo a um entendimento da complexidade do tema. Este ambiente constrói uma sinergia de saberes, conhecimentos e desejos ao sensibilizar professores, estudantes e funcionários sobre sustentabilidade no seu espaço de convívio diário. A cartografia social como um processo de ensinagem auxilia as atividades de educação ambiental no campus estimulando a construção de coletivos alternativos. Partindo de contextos diversos, os indivíduos percorrem diferentes processos até chegar a um fim comum. Transcendem a hierarquia formal dos ambientes de trabalho, estudo e pesquisa e constroem caminhos diferenciados em prol de um território de convívio sustentável. Palavras-chave: Cartografia Social; Sustentabilidade; Percepção Ambiental.

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Luchesi et Al. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 2(gt22):1-16

A difração de saberes e a construção da visão desustentabilidade

GT22 – Educação para a sustentabilidade nas dimensões ambientais,culturais e tecnológicas

Gabriela Pereira LucchesiEmília Wanda Rutkowski

Evandro Ziggiatti MonteiroFernando Shigueo Nakandakare

Resumo: A cartografia social é um método de diagnóstico participativo que estimula as pessoasenvolvidas a avaliar em grupo o território. Para compreender a percepção ambiental da comunidadeuniversitária sobre o campus de Campinas da UNICAMP, foram realizadas oficinas de cartografia social,tendo o sistema Green Map® como legenda. O sistema permite que sejam construídos mapasambientais de qualquer porção de espaço no planeta, utilizando 172 ícones de legenda, agrupados em3 eixos: Modo de Vida Sustentável, Natureza e Cultura & Sociedade. O território do campus foi divididopelas unidades de ensino e pesquisa, área de saúde e administrativa central, em cada um foi realizadauma oficina. A comunidade universitária, dividida em grupos, trabalhou sobre os mapas do seu local detrabalho e da área do campus. Os ícones ofertados foram aqueles considerados relevantes para umcampus universitário. O grupo, auxiliado por um mediador, analisou o conjunto de ícones disponíveis equais deveriam fazer parte dos mapas. Desde as primeiras oficinas houve a demanda por novos íconese o desmembramento de um novo eixo a partir do Modo de Vida Sustentável: Riscos & Desafios. Foramutilizados 125 ícones, sendo 12 exclusivos para a UNICAMP. Ao se debruçar sobre os mapas, osoficinantes discutiram o significado dos ícones bem como sua abrangência, construindo um ambientede ensinagem: um momento de expressão e reflexão sobre a sustentabilidade. O objeto de estudo écomum, entretanto as formações e experiências dos oficinantes são diversas. As contribuiçõesseguiram suas linhas particulares conduzindo a um entendimento da complexidade do tema. Esteambiente constrói uma sinergia de saberes, conhecimentos e desejos ao sensibilizar professores,estudantes e funcionários sobre sustentabilidade no seu espaço de convívio diário. A cartografia socialcomo um processo de ensinagem auxilia as atividades de educação ambiental no campus estimulandoa construção de coletivos alternativos. Partindo de contextos diversos, os indivíduos percorremdiferentes processos até chegar a um fim comum. Transcendem a hierarquia formal dos ambientes detrabalho, estudo e pesquisa e constroem caminhos diferenciados em prol de um território de convíviosustentável.

Palavras-chave: Cartografia Social; Sustentabilidade; Percepção Ambiental.

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1. Introdução

A necessidade de debater a temática sustentabilidade tem tornado crescente

o papel da educação ambiental no sentido de consolidar sua importância nos mais

diversos espaços. Dentre estes, a universidade revela seu papel tanto junto à

formação de indivíduos aptos a cumprir com os desafios que despontam no

panorama da sustentabilidade, como também na dimensão de pensar seu próprio

espaço como um ambiente capaz de construir horizontes que assumem a

sustentabilidade associada ao seu planejamento. Perante esse panorama, as

universidades têm assumido a sustentabilidade como temática e vêm promovendo

desde eventos que a traçam como pauta central, até seu comprometimento por meio

de declarações e adoção de programas voltados à construção de modelos a serem

seguidos pela sociedade.

Ao assumir a sustentabilidade como vetor no seu planejamento estratégico e

caminhar para tornar seu campus sustentável até 2020, a Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP) criou a demanda por experiências e instrumentos que

permitam pensar e desenvolver o tema. Perante a necessidade de um levantamento

que incluísse a comunidade acadêmica no seu processo, iniciou-se uma série de

oficinas participativas voltadas ao levantamento dos elementos pertinentes ao

debate da sustentabilidade. Adotando o ponto de vista dos seus usuários traçados

por meio da cartografia social, o conjunto de oficinas colaborou para a construção de

um consenso de sustentabilidade dentro do campus e o fomento de uma necessária

educação ambiental. Dentre as diferentes abordagens possíveis quanto à educação

ambiental, o presente artigo tem como objetivo apresentar as oficinas de cartografia

social do ponto de vista da educação ambiental e dos preceitos de sustentabilidade

abordados.

Para tanto, apresenta-se os conceitos adotados que abrangem as

necessidades de formação, a educação ambiental e a representação social de

sustentabilidade. Em seguida, a aplicação da metodologia da cartografia social

conjuntamente com o Green Map System e seus produtos resultantes: os mapas

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verdes. O artigo discute a construção do território segundo os preceitos levantados e

as experiências das oficinas do Projeto Cartografia Social demonstrando a

construção da representação social como um denominador comum presente nos

mapas verdes. Como considerações finais, explicitam-se potencialidades e desafios

do Projeto na construção de um campus sustentável e sua contribuição junto às

experiências de educação ambiental em campi universitários.

2. Educação ambiental na construção de um saber coletivo

É sob a perspectiva da disseminação de conhecimentos e abertura de

espaços de debate que a educação ambiental, em suas diversas correntes, entra em

foco. A Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano, realizada em Estocolmo em 1972, é um dentre os documentos chave que

aponta para a educação ambiental como um fator relevante para a sensibilização da

população global acerca da crise ambiental. Cinco anos mais tarde, culminou na

Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental promovida pela

UNESCO e o Programa das Nações Unidas do Meio Ambiente em Tbilisi, em 1977

(DIAS; MARQUES; DIAS, 2016). Desde então, diversas propostas pedagógicas e

educacionais foram desenvolvidas ou colocadas em prática.

A busca para a sustentabilidade ambiental, social, política e econômica requer

para sua efetividade a formação ético-política dos cidadãos por meio de processos

informais e não formais de educação. A necessidade de aumento da informação

generalizada e a consequente mudança de valores constitui a base do movimento

da transformação da organização da sociedade, devendo ser estabelecidos diálogos

em escalas globais, regionais e locais (GADOTTI, 2000). Esta ação comunicativa

estabelece acordos intersubjetivos referentes às condições ideais para o

entendimento mútuo, possibilitando um processo comunicativo livre e autônomo

(TAVOLARO, 2005).

Dado a atual importância de se tratar das questões ambientais e suas

consequências, Spazziani e Gonçalves (2005) evidenciam a necessidade de orientar

e inspirar o desenvolvimento dos indivíduos com o intuito de se apropriarem de uma

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atitude crítica dialética e participativa. Atuar nas instâncias locais e na (des)ordem

mundial exige dos cidadãos a vivência, o diálogo e a prática colocada entre

gerações, culturas e hábitos diferentes (REIGOTA, 2010). Nesse sentido, formar

cidadãos mais cooperativos e ativos acaba por extrapolar as pedagogias

tradicionais, comumente centradas nos princípios da competitividade, seleção e

classificação (GADOTTI, 2000), valorizando a construção do conhecimento em

diálogo com diretrizes participativas.

O processo de construção do conhecimento é entendido aqui como a

interação dos sujeitos com o mundo exterior. A aprendizagem que se denota ocorre

em seu caráter ativo, disposto seus impulsos internos e a receptividade de resposta

externa (SPAZZIANI; GONÇALVES, 2005). A proposta de ensino engloba um diálogo

entre saberes, onde se produzem, em diferentes tempos e contextos, a partilha, a

produção de alguns novos saberes e a ressignificação de outros (OLIVEIRA, 2005).

Uma vez que o diálogo entre os saberes nos coloca de frente a diferentes

conceitos prévios individuais, engloba-se o conceito de representação social.

Reigota (2010) define o termo como “o senso comum que se tem sobre um

determinado tema, em que se incluem também os preconceitos, ideologias e

características específicas das atividades cotidianas (sociais e profissionais) das

pessoas”. Nesse contexto, a atividade educacional objetiva extrapolar suas bases

tradicionais de transmissão de conhecimentos de base científica e agregar o valor e

a contribuição dos conhecimentos tradicionais. Reigota (2010) pontua a combinação

dessas diferentes visões como a base para a negociação e diferentes e inovadoras

soluções para os problemas ambientais enfrentados. Promover a confluência dos

conhecimentos e saberes diversos resulta em um olhar mais holístico das

realidades. Quando tratamos da questão ambiental e da busca pela

sustentabilidade, entendemos a necessidade de agregar os diferentes campos de

conhecimento. A transdisciplinaridade implícita busca superar o conceito de

disciplina e colabora na construção coletiva de soluções (OLIVEIRA, 2005).

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Portanto, a compreensão holística das realidades se dá com a combinação

das representações sociais e as contribuições da abordagem transdisciplinar. Para

que o diálogo entre as diferentes realidades se construa, emerge a necessidade de

estabelecer metodologias à comunicação dos diferentes saberes voltados a um

objetivo comum. Sendo este a sustentabilidade, procura-se com este trabalho

demonstrar construção de uma instância de diálogo e, consequentemente, educação

ambiental fomentadora de um debate entre os agentes envolvidos voltados a um

entendimento comum quanto à temática em um campus universitário.

3. Cartografia social, Green Map System e a construção do mapa verde

A metodologia foi desenvolvida em torno de dois pontos nodais: a cartografia

social e o Green Map System (Erro: Origem da referência não encontrada). Se em

um primeiro momento entendeu-se a cartografia social como elemento fomentador

do debate e capaz de expandir a visão de sustentabilidade de acordo com uma

multiplicidade de perspectivas, em um segundo, notou-se a necessidade de uma

linguagem comum que possibilitasse uma visão integrada do campus e fomentasse

possíveis debates entre as subunidades da universidade.

Figura 1 - Abertura da oficina apresentando a metodologia e o Green Map System. Fonte: acervodos autores.

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Inicialmente, entendeu-se que a cartografia social trata-se de um ramo da

ciência cartográfica que trabalha, de forma crítica e participativa, com a demarcação

e a caracterização espacial de territórios em disputa, de grande interesse

socioambiental, econômico e cultural, com vínculos ancestrais e simbólicos

(GORAYEB; MEIRELES, 2014). Para que a cartografia ocorra considerando os

diversos agentes atuantes no território, o processo demanda o esclarecimento da

linguagem utilizada a fim de possibilitar um diálogo comum entre seus oficinantes.

Ao estabelecer um padrão plausível de posterior análise dos mapas desenvolvidos,

estipulou-se o uso de uma linguagem desenhada segundo parâmetros internacionais

e capaz de atender a diferentes realidades.

A linguagem selecionada foi o Green Map System que, criado em 1995 pela

ecodesigner Wendy Brawer, foi desenvolvido para a construção de um conjunto de

ícones significativos às questões ambientais. Os ícones utilizados foram criados de

forma colaborativa a partir de uma série de workshops em Nova Iorque (Cooper-

Hewitt National Design Museum) e Quioto (Tennendesign Forum), e continuamente

aprimorados por meio de plataformas virtuais. Sua modelagem se deu segundo

perspectivas de diferentes grupos e organizado em um sistema único em prol de

construir uma “língua comum” que facilitasse o diálogo entre indivíduos com as mais

diversas formações. Distribuídos sobre um mapa da cidade, os ícones possibilitam

formular uma caracterização das atividades e condicionantes locais e sua respectiva

espacialização no território. (TULLOCH, 2004)

No caso a ser apresentado, os ícones ofertados tomaram por base o conjunto

desenvolvido pelo Green Map System e destacados como notáveis à visão de

sustentabilidade em um campus universitário. Os ícones foram dispostos sob três

eixos: Modo de Vida Sustentável, Natureza, Cultura & Sociedade, divididos em

subtemas (Tabela 1).

Tabela 1 - Eixos e subtemas dos ícones utilizados nas oficinas

EixoSubtema Exemplos

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Modo de Vida SustentávelEconomia Verde Alimentação Saudável, Negócio Local, Ecopontos

Tecnologia & Design Captação de Energia Solar, Redução de Uso de Papel,Compostagem

Mobilidade Ciclovia, Tráfego Pesado, Locais AcessíveisRiscos & Desafios Área degradada, Local Suspeito/Perigoso, Área Abandonada

NaturezaTerra & Água Água Potável, Praça Sombreada, BrejoFlora Unidade de Conservação, Jardim/Horta, Árvore Especial

Fauna Zona de Migração, Habitat Aquático, Local de Observação deInsetos

Atividades ao ar livre Espaço Público/Praça, Vista Cênica, Local de Passeio de CãesCultura & Sociedade

Características Culturais Local de Encontro, Museu, Performance Cultural

Informação Ambiental Acesso Público à Internet, Educação Ambiental, Monitor dePoluição

Justiça & Ativismo Zona de Discurso Livre, Gentrificação, Local de Voluntariado

Serviços & Marcos Públicos Zonas de Vigilância, Hospital, Pontos de Referência

Fonte: Elaborado pelos autores

Os ícones foram ajustados para a realidade de um campus de uma

universidade pública brasileira sendo suprimidos, adaptados ou adicionados

conforme demandas apresentadas nas primeiras oficinas. O subtema de Riscos &

Desafios tomou uma proporção diferenciada da proposta inicial do sistema.

Inicialmente pensado no mapeamento de potencialidades e iniciativas positivas para

a sustentabilidade, os ícones voltados à identificação de problemas ambientais

foram criados em menor quantidade. As primeiras oficinas demonstraram a

necessidade de criação de ícones específicos para mapear os locais problemáticos

do campus, como “Local suspeito/perigoso” e “Local inadequado para estudo”. Com

isso, o subtema ganhou destaque para as discussões, uma vez que foi apreendido

pela comunidade como locais prioritários para atenção da gestão da universidade.

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Figura 2 – Exemplo do conjunto de ícones ofertados nas oficinas. Fonte: acervo dos autores.

O uso casado da cartografia social e do Green Map System permitiu a

construção de mapas verdes. As escalas dos mapas variaram de acordo com a área

composta pelos edifícios das unidades e suas respectivas áreas de influência e

trânsito. Por fim, os mapas verdes em seu formato final passaram a ser compostos

por 125 ícones possíveis, sendo 12 exclusivos para a UNICAMP.

Oficinas de Cartografia Social

As oficinas abrangeram as diferentes faculdades e institutos do campus

Zeferino Vaz da UNICAMP, incluindo as áreas de serviços como, por exemplo,

reitoria e hospital universitário. O modo de trabalho foi similar em todas,

apresentando as etapas abaixo:

1. Apresentação do projeto e equipe;

2. Apresentação do plano de trabalho e conceitos;

3. Divisão dos grupos;

4. Cadastro dos participantes;

5. Mapeamento;

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6. Apresentação dos mapas, discussão e encerramento.

As mesas das oficinas foram montadas da forma mais heterogênea possível,

distribuindo docentes, funcionários e estudantes. No caso das oficinas formadas por

diferentes órgãos administrativos e compostas somente por funcionários, como

voltada à reitoria, se procurou a mistura entre os colaboradores destes órgãos.

Desta forma, objetivou-se aumentar o diálogo e expor as diferenças de visões entre

indivíduos que não costumam corriqueiramente trocar impressões e expor os

diferenciados usos do campus universitário.

Os mapeamentos foram divididos em três etapas e mediados por

facilitadores, de modo que a primeira corresponde ao mapeamento geral do campus;

a segunda, ao mapeamento do entorno imediato da unidade em que se realizava a

oficina; e a terceira, à construção da “visão de futuro” para a unidade. Com isso, ao

fim de cada oficina obteve-se três mapas verdes: um geral da UNICAMP, um da

unidade e um de sua visão de futuro.

O mapeamento do campus buscou fomentar um diálogo dos participantes

com os limites da cidade universitária englobando seu entorno imediato. Ao abordar

esta escala, os oficinantes demonstraram seu conhecimento quanto aos diferentes

equipamentos e atividades existentes no campus. Logo, mesmo atividades

existentes, quando pouco apontadas demonstravam a baixa divulgação quanto a

sua existência. Quanto mais variada a composição da mesa, mais complexo era o

mapeamento e a troca de informações em relação aos problemas e potencialidades

existentes.

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Figura 3 - Processo colaborativo de mapeamento. Fonte: acervo dos autores.

O mapa do entorno imediato da unidade em que se realizava a oficina

buscou, por sua vez, o aprofundamento frente às características específicas de cada

unidade. A percepção dos seus usuários permitiu vislumbrar a relação entre as

estruturas existentes associadas às suas condições de uso, ocupação e percepção

ambiental. Também se fez presente nessa etapa o levantamento dos usos informais

concedidos aos espaços que revelaram relações espontâneas e potencialidades às

diferentes áreas. Além disso, revelaram problemáticas provenientes também do não

uso a determinadas áreas e necessidades de revisão dos atuais usos concedidos e

impactos gerados.

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Ao término da construção dos mapas verdes, os grupos apresentaram os

debates realizados na mesa e suas propostas em um processo de fomento à

discussão sobre a sustentabilidade do espaço físico da universidade (Figura 4).

Neste momento, as visões das diferentes mesas se complementaram e alguns

conflitos se manifestaram. A importância dessa etapa consistiu no compartilhamento

entre os oficinantes, propondo uma instância de exposição e diálogo diante dos

desafios a sustentabilidade expostos na oficina.

Figura 4 - Compartilhamento das visões de sustentabilidade. Fonte: acervo dos autores.

Após as oficinas, os ícones foram dispostos em uma base de dados virtual,

onde se procurou compreender a territorialização apresentada pelos oficinantes em

cada uma das oficinas e no mapa geral da UNICAMP (Figura 5). Com isso, para

além das informações técnicas existentes ou produzidas academicamente, os dados

levantados buscaram contribuir por meio da percepção ambiental dos usuários do

campus para uma visão da sua sustentabilidade. Dessa forma, se por um lado os

dados técnicos apresentam as informações necessárias para o diagnóstico de um

problema e seu respectivo estudo de viabilidade, por outro, as informações enquanto

percepção ambiental expuseram o modo de uso, seus conflitos, dificuldades e

propostas com base nas vivências cotidianas a que se vincula.

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Figura 5 - Base virtual e ícones mapeados. Fonte: acervo dos autores.

4. A construção de um território de convívio sustentável

A proposta da territorialização e discussão com a comunidade acadêmica

sobre a sustentabilidade do espaço físico da universidade agrega novos elementos à

discussão do uso e ocupação do espaço no campus. Ao invés de se basear somente

nas informações técnicas existentes ou produzidas academicamente, as oficinas

trouxeram a percepção ambiental dos usuários do campus. Enquanto os dados

técnicos apresentam as estruturas, a percepção traz o modo de uso e as

dificuldades e propostas para melhoria da sustentabilidade com base nas vivências

cotidianas vinculadas.

O conjunto de ícones entregue provocou nos oficinantes a percepção da

complexidade temática sobre sustentabilidade, expressa por comentários, fato que,

por vezes, impactou no tempo disponível para as atividades. Também foram capazes

de questionar a própria adequação do conjunto de ícones à sua percepção da

temática, ou seja, a expansão do conceito prévio de sustentabilidade e sua

representação social.

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Os ícones expuseram alguns conceitos específicos, como “gentrificação” ou

“unidade de conservação”, desconhecidos para alguns. A moderação da mesa

também contribui para a educação ambiental nesse sentido, explicando o significado

e debatendo sobre sua conexão com a atividade proposta. Além disso, são expostos

a ícones que trazem conceitos desconhecidos e específicos, como “gentrificação” e

“unidade de conservação”, explicados pelo facilitador da mesa. Devido à

característica de diálogo e discussão das oficinas, a atividade se deu de forma a

estimular o poder argumentativo dos oficinantes, onde a busca pelo aceite dos

colegas para a escolha e localização dos ícones veio a ocorrer. A presença de

oficinantes com conhecimentos específicos sobre a realidade do campus

proporcionou uma troca de saberes.

A visão de sustentabilidade e os caminhos a serem seguidos entraram em

discussão no momento “visão de futuro”. Com base no que foi discutido

anteriormente sobre a percepção atual, pensou-se conjuntamente em soluções e em

prioridades para a gestão e planejamento do campus. Os ícones escolhidos para

comporem esse mapa verde refletiram aquilo que os oficinantes construíram ao

longo da oficina como necessidades a serem atendidas para rumar a um campus

sustentável. A escolha da localização, entretanto, esbarra em divergências como

conflitos sobre mobilidade ou a distribuição dos equipamentos comuns.

A visão de sustentabilidade para o território do campus é um processo

colaborativo de uma comunidade com diversas formações acadêmicas e

experiências pessoais e profissionais, portanto o resultado final é uma construção

transdisciplinar. Desta forma, há um diálogo entre as questões propostas por Oliveira

(2005) e as oficinas realizadas, onde o conhecimento comum construído culmina na

visão de sustentabilidade de um campus universitário representando uma axiomática

entre os campos das ciências exatas, humanas e biológicas e dos conhecimentos

empíricos dos oficinantes.

A exposição e as considerações acerca das representações sociais

individuais (REIGOTA, 2010) concebeu um novo conceito para a sustentabilidade do

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campus. Esse processo se deu de forma aditiva e transformativa, quando os

oficinantes somaram aos seus valores múltiplas facetas da sustentabilidade

apresentados por seus colegas. Logo, as oficinas se tornaram um espaço onde se

ampliaram as leituras e conhecimentos filtrados individualmente, sensibilizando os

oficinantes para novos debates sobre a temática.

O projeto agregou indivíduos da comunidade acadêmica de diferentes

categorias – estudantes, professores, técnico-administrativos – e graus hierárquicos.

No momento das oficinas, o grau hierárquico e as perspectivas ideológicas

individuais, embora nunca ausentes, foram atenuados. Buscar a sustentabilidade do

campus universitário em um grupo heterogêneo acabou por permear um discurso

similar como resultado do trabalho conjunto. Os coletivos pactuaram um conceito

próprio de sustentabilidade no campus e o refletiram no seu mapa verde.

Ao final das oficinas, dada a oportunidade de exporem suas considerações

sobre o campus, os oficinantes apresentaram o desejo de que elas rapidamente

fossem percoladas para as diversas instâncias da universidade. Trazer a

comunidade acadêmica para a discussão da sustentabilidade no espaço do campus

é uma experiência de construção horizontal do conhecimento e compartilhamento de

saberes.

5. Considerações finais

O processo de construção coletiva de mapas demonstrou ser um espaço

propício para a sensibilização ambiental dentro de campi universitários. Oferecer um

espaço de discussão e reflexão sobre a sustentabilidade possibilitou o fomento por

aspectos educacionais tais como: a troca de informações entre moderador e

oficinantes; discussões sobre qual a forma de se resolver conflitos e de melhorar

problemas identificados em consenso; a reflexão quanto a sustentabilidade como um

conjunto de elementos; a coleta de contribuições diferenciadas dos oficinantes que

trazem a construção aditiva de um “conhecimento comum” sobre a sustentabilidade

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do campus; e a dinâmica entre indivíduos com diferentes graus hierárquicos

trabalhando em conjunto para um fim comum.

Para além do processo de educação ambiental, os mapas verdes obtidos se

revelam como fonte de dados à construção de uma imagem da sustentabilidade

entendida pela comunidade acadêmica. Entretanto, as oficinas em si consistem em

uma dentre as etapas perante um amplo horizonte de atividades voltadas à

construção de um campus sustentável. A partir desse passo inicial e dos dados

obtidos, a visão de sustentabilidade permite que se direcionem atividades

educacionais e o planejamento no sentido de estabelecer um conjunto de ações

voltadas a construção do campus sustentável.

Por fim, a educação ambiental e a sustentabilidade se revelam como um

sistema mutualístico e interdependente, que carecem do fomento institucional para

sua realização em uma escala ampliada. Experiências como as oficinas de

Cartografia Social são contributos a esse processo e seu adentro junto aos

compromissos assumidos pela universidade. Dessa forma, a importância de um

suporte contínuo para realização das oficinas ocorre devido os horizomtes que

expande: por um lado voltada aos processos de fomento à educação ambiental e

sustentabilidade, por outro a formação de um diagnóstico basilar à leitura da

percepção do campus universitário e das dinâmicas existentes em seu território.

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