a cultura da cana-de-aÇÚcar em plantio...

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Página 1 - Jose Tadeu Coleti Manejo do Solo para um novo plantio... A CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR EM PLANTIO DIRETO SPM (sistema de preparo mínimo) versão do SPD em cana-de-açúcar. José Tadeu Coleti eng.agr. 1. Práticas historicamente usadas no preparo de solo em cana-de-açúcar. Num retrospecto histórico sobre as práticas adotadas no macro-sistema de produção da cana-de-açúcar, abrangendo os últimos 30 anos, vamos nos deparar com a intensificação mecanicista no trato do solo , onde foi dominante o uso de implementos cada vez mais pesados, demandando, por conseqüência, máquinas de maior potência. Com o ingresso definitivo da cultura no ritmo de “plantation”, com a incorporação de extensos plantios, tudo foi direcionado para maiores rendimentos, robustez, eficiência, e alto desempenho. A grande preocupação com o desempenho foi a marca registrada de toda uma geração de técnicos e empreendedores do Setor. Algumas crises, como a do petróleo nos anos 80, motivaram alguma alteração , direcionando novas experiências com vistas à redução de custos na atividade como um todo. Desta época são as primeiras experiências com o SPD (sistema plantio direto) em cana-de-açúcar, capitaneadas pela COPERSUCAR, de cujos estudos (Perticarrari & Ide,1986) brotaram implementos como o sulcador com rotativa acoplada (Figura 1), o sulcador/subsolador com uma ponteira alada abaixo das asas do sulcador . Figura 1 - Projeto COPERSUCAR de sulcador c/ rotativa frontal.

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Página 1 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

A CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR EM PLANTIO DIRETO

SPM (sistema de preparo mínimo) – versão do SPD em cana-de-açúcar.

José Tadeu Coleti eng.agr.

1. Práticas historicamente usadas no preparo de solo em cana-de-açúcar.

Num retrospecto histórico sobre as práticas adotadas no macro-sistema de produção da

cana-de-açúcar, abrangendo os últimos 30 anos, vamos nos deparar com a

intensificação mecanicista no trato do solo , onde foi dominante o uso de implementos

cada vez mais pesados, demandando, por conseqüência, máquinas de maior potência.

Com o ingresso definitivo da cultura no ritmo de “plantation”, com a incorporação de

extensos plantios, tudo foi direcionado para maiores rendimentos, robustez, eficiência, e

alto desempenho. A grande preocupação com o desempenho foi a marca registrada de

toda uma geração de técnicos e empreendedores do Setor. Algumas crises, como a do

petróleo nos anos 80, motivaram alguma alteração , direcionando novas experiências

com vistas à redução de custos na atividade como um todo. Desta época são as

primeiras experiências com o SPD (sistema plantio direto) em cana-de-açúcar,

capitaneadas pela COPERSUCAR, de cujos estudos (Perticarrari & Ide,1986) brotaram

implementos como o sulcador com rotativa acoplada (Figura 1), o sulcador/subsolador

com uma ponteira alada abaixo das asas do sulcador .

Figura 1 - Projeto COPERSUCAR de sulcador c/ rotativa frontal.

Página 2 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 2 – Projeto COPERSUCAR do eliminador mecânico de soca.

Também desta época remonta o primeiro desenho do erradicador de socas (Figura 2),

cujo objetivo seria eliminar superficialmente as cepas da soca anterior e substituir a

eliminação química via glifosato, cujos custos inviabilizavam seu uso em larga escala.

Observações de campo e trabalhos experimentais atestaram a viabilidade agronômica e

econômica de tais práticas. Perticarrari & Ide (1986) , a partir de ensaios plantados sob

o sistema convencional (SC) versus sistema de plantio direto (SPD), conduzidos nas

safras 84/85 e 85/86 não encontraram diferenças significativas para produtividade

agrícola no 1º. corte , concluindo que o SPD, então denominado “cultivo mínimo”,

apresentou-se vantajoso tanto em solo arenoso como em argiloso , quando se analisou o

seu efeito sobre a produtividade das socas: menor decréscimo de produção no solo

arenoso e acréscimo de produção no solo argiloso. Demattê (1988) , numa das primeiras

e mais abrangente resenha histórica sobre o tema, já apontava áreas onde somente o

SPM poderia viabilizar sua recuperação: solos arenosos empobrecidos por problemas de

erosão, áreas infestadas por plantas daninhas perenes de difícil controle, solos com

pouca agregação. O Eng.Agr. Fernando Penteado Cardoso , citado por Montezuma

(2008) , acompanhou em sua propriedade 10 colheitas sucessivas de cana-de-açúcar a

partir de plantio , feito em 1995, sobre palhada de Brachiaria decumbens , sem qualquer

preparo do solo e os resultados obtidos demonstram a excelência e viabilidade do SPD

(tabela 1).

Página 3 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Tabela 1 - Resultados de produtividade registrados em canavial implantado sobre palhada de

Brachiaria decumbens, ao longo de 10 safras.

Apesar da substancial alteração de cenário, com a introdução em larga escala da colheita

mecânica na sua modalidade cana crua, sem uso da limpeza via fogo, muita dúvida vem

surgindo sobre qual sistema produtivo adotar, no que tange ao manejo do solo para

plantio e manutenção das socas.

A mudança de cenário , com a implementação da cana crua e o avanço do plano de

eliminação de queima deverá acelerar também a validação daquilo que se vem

propugnando como alternativa de manejo por muitos técnicos e estudiosos do Setor. E

no bojo dessa nova abordagem na condução da lavoura canavieira situa-se uma

profunda mudança de paradigmas. Iniciamos uma “revolução verde” distinta daquela

nobelizada na década de 60, onde se privilegiou o ajuste do solo às exigências da planta,

considerando o solo como mero meio de produção e negligenciando as funções

ecológicas do sistema solo-planta. Estamos migrando para uma nova agrotecnologia

focada em uma produção sustentada, onde o cultivo mínimo, seja na versão SPD

(sistema plantio direto) ou na versão SPM (sistema preparo mínimo), entra como uma

das principais bases para a otimização da eficiência biológica , contemplando a inter-

relação fertilidade, biologia do solo e nutrição de plantas.

Ano t.ha-1

Média Cortes

1996 156,1 ----- 1o

1997 132,7 144,4 2o

1998 123,2 137,3 3o

1999 76,7

122,2 4o

2000 96,0 116,9 5o

2001 85,0 111,6 6o

2002 101,0 110,1 7o

2003 77,6 106,0 8o

2004 81,0 103,2 9o

2005 79,2 100,8 10o

Página 4 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

2. O SISTEMA DE PREPARO MÍNIMO (SPM) EM CANA-DE-AÇÚCAR

Os pioneiros do sistema de plantio direto (SPD) na área de grãos já estão deixando um

rico legado de informações sobre esse manejo do solo, sugerindo uma adaptação de

resultados já consolidados que poderiam ser validados em cana-de-açúcar , até com

algum ganho de tempo na prospecção, no que tange aos impactos na microbiota

residente junto ao sistema radicular das plantas cultivadas. De qualquer forma,

diferentes desafios podem ser levantados na implementação do SPD em cana-de-açúcar

e sobre eles devemos refletir.

2.1- Os desafios do SPD em cana-de-açúcar.

2.1.1- O equipamento ideal para a operação. O SPD “legítimo”, onde somente se

abriria sulco na entre-linha da antiga cultura, dificilmente pode ser aplicado em socas

velhas, onde imperava o sistema de colheita manual com despalha a fogo, geralmente

em espaçamentos mais estreitos, com talhões curtos e alinhamento da sulcação

incompatível com o melhor rendimento das colhedoras. Daí porque ser pertinente falar

em SPM (sistema de preparo mínimo) como a mais adequada forma de se obter as

vantagens do SPD para a cultura da cana-de-açúcar, já consolidadas na cultura de

grãos. O grande objetivo do SPD sempre foi o mínimo revolvimento do solo e isto se

obtém com a técnica do SPM . Para tanto entra em cena o equipamento chave (Figura 3)

para a efetivação do SPM – o subsolador/destorroador , um equipamento de hastes

(cinco ou sete), conjugado a discos frontais individuais para corte da palhada e rolos

traseiros flutuantes, para nivelamento da superfície do solo (Figura 4).

Figura 3 – Detalhe de hastes e rolo destorroador do equipamento chave para o SPM.

Página 5 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 4 – Detalhe dos discos frontais para corte da palhada .

Tanto os discos como o rolo nivelador permitem a regulagem das pressões aplicadas

sobre o solo, através de molas helicoidais cujas vibrações são transmitidas às hastes,

possibilitando uma subsolagem vibratória que resulta mais efetiva (Figura 5).

Figura 5 – Detalhe das hastes subsoladoras dotadas de molas helicoidais de pressão.

Este equipamento pode ser considerado o ideal para o sistema de preparo mínimo

(Gazon,2007) , porque com seu emprego se obtém a necessária descompactação do solo

sem o agravante da desestruturação do mesmo, pois opera até uma profundidade de 55

cm e o espaçamento entre hastes aletadas é da ordem 50 a 60 cm. Assim viabilizado, o

SPM foi recebendo , nos últimos anos, uma série de combinações, seja no consórcio

Página 6 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

com leguminosas de incorporação , seja na rotação econômica com grãos do tipo soja

ou amendoim.

2.1.2- Dimensionar a real importância da compactação: O SPD já se consolidou na

cultura de grãos, com sucessivas culturas e por muitos anos , e o fenômeno da

compactação não foi limitante no processo. Se é verdade que se trata de culturas

distintas, também é verdade que se trata de culturas que convivem com elevado tráfego

de máquinas , do plantio à colheita, mas principalmente na colheita. E o efeito

compactação existe em ambas, se bem que na cultura da cana-de-açúcar este efeito pode

impactar todo um ciclo. Estamos diante de culturas anuais (grãos em geral) versus uma

cultura semi-perene. Tudo o que se estudou sobre os efeitos da compactação na cultura

da cana-de-açúcar continua válido, mas é bom lembrar que tais estudos foram gerados,

na sua imensa maioria, sob o regime de cana queimada. A atual adoção do “tráfego

controlado” (Mello,2007) na colheita mecânica , com a “canteirização” das linhas de

cana (Figura 6), já prenuncia uma sensível redução dos efeitos deletérios da

compactação sobre a longevidade da cana soca.

Figura 6 – Controle do tráfego: “canteirização”do canavial .

De outro lado, a superposição da matéria seca durante um ciclo de 5 ou mais cortes

sucessivos, sob regime controlado de tráfego , constitui-se num verdadeiro colchão

redutor do efeito compactação (Figura 7). Vale lembrar ainda que por sua concepção e

desenho, o subsolador/destorroador consegue atingir a zona tradicionalmente

mencionada como crítica, ou seja, até os 45 cm de profundidade, como o demonstrou

Gazon (2007) , em trincheira aberta após a operação com tal equipamento (Figura 8).

Página 7 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 7 – Colchão de palha formado pela colheita mecânica de cana crua.

Figura 8 – Solo trabalhado no sistema preparo mínimo. Foto: Gazon, 2007

2.1.3- Controlar pragas de solo ( migdolus, sphenophorus, cigarrinha). Sob este

aspecto o SPM poderá sofrer alguma limitação, mas é bom lembrar que Migdolus e

Sphenophorus se apresentam em reboleiras e não de forma generalizada. A

determinação prévia de pontos críticos na grande lavoura poderá direcionar o controle

de tais pragas, reservando as demais áreas , que na prática sempre serão maiores, para o

SPM. No caso particular da cigarrinha da raiz espera-se que o controle biológico , via

Metharrizium , em socas sucessivas, deverá estar integrado ao sistema e não havendo

Página 8 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

fogo e revolvimento excessivo do solo , seus efeitos benéficos podem seguir com o

novo plantio.

`2.1.4- Uso de corretivos . Talvez aqui resida a maior dúvida de técnicos e produtores:

a aplicação superficial de corretivos. Dos pioneiros do SPD em grãos há um trabalho

conduzido por Sá (1999), onde o autor estudou, numa sequência de cultivos de inverno

(aveia preta e trigo) e de verão (soja e milho), de 1991 a 1995, tratamentos com

aplicação superficial de calcário versus incorporação com arado de aiveca e de discos,

seguidos de grade niveladora. Sua conclusão: a) a aplicação em superfície restringiu-se à

camada de 0-10 cm de profundidade, porém o rendimento de grãos náo diferiu estatísticamente

dos tratamentos com incorporação; b) apesar da melhoria da fertilidade no perfil com a

incorporação do corretivo até 25-30 cm, o maior retorno econômico, após sete cultivos de

grãos, foi obtido com a aplicação do calcário em superfície. E este mesmo autor aventa

hipóteses sobre a ação do corretivo aplicado em superfície: a) a porosidade contínua no

SPD, devido a canalículos de raízes de culturas anteriores; galerias de organismos do solo e

planos de fraqueza do solo podem favorecer o deslocamento de partículas finas de calcário

mediante o movimento descendente de água, promovendo a correção da acidez em outras

camadas do perfil, melhorando o ambiente radicular; b) a mineralização lenta e gradual dos

resíduos culturais depositados na superfície, liberando, entre os diversos compostos, ácidos

orgânicos que podem formar complexos estáveis com o Al3+ ou compostos com o Ca2+,

deslocando-o no perfil, ou mesmo liberar NO3- e SO4

2- , que poderiam atuar como íon

acompanhante do Ca2+.; c) a mistura de partículas de calcário com resíduos culturais pela

ação da fauna , podendo ser transportadas ao longo do perfil, formando sítios de matéria

orgânica enriquecidos com Ca2+ e Mg2+, proporcionando aumento do teor disponível desses

nutrientes para as raízes. Mais recentemente, Nicolodi et al. (2008) confirmam trabalhos

anteriores indicando menor influência da acidez na produtividade das culturas no SPD

consolidado (mais de cinco anos neste sistema), quando sugerem que as alterações no solo são

qualitativas e nem sempre podem ser verificadas pelos métodos tradicionais de avaliação da

fertilidade do solo, concluindo não haver diferença entre o uso das informações obtidas na

camada de 0-10 cm ou 0-20 cm de profundidade.

Em cana-de-açúcar , Cerqueira Luz (2006), citado por Montezuma (2008), mostra um trabalho

de Sistema de Plantio Direto, onde se testaram tratamentos com calcário superficial , antes ou

depois da sulcação, com e sem leguminosa e sua conclusão é muita parecida com a de Sá

(1999): não há diferenças significativas entre os tratamentos (Tabela 2) , apenas uma tendência

de melhor resposta para tratamentos com leguminosa, principalmente no convencional. Morelli

et al.(1987) verificaram que a associação de calcário e gesso no plantio da cana-de-açúcar

Página 9 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

contribuiu significativamente na elevação dos níveis de saturação por bases no perfil do solo,

indicando mais uma alternativa para o uso adequado de corretivos no SPM.

Tabela 2 - Comparativo de Tratamentos com e sem leguminosa no sistema plantio direto (SPD)

e distintas formas de distribuição do calcário (superficial e incorporado). Argissolo Eutrófico e

Latossolo Distrófico. Usina São João – Araras SP . Fonte: Cerqueira Luz, 2006

Tratamentos Argissolo eutrófico

Média de 4 cortes (t.ha-1

)

Latossolo distrófico

Média de 4 cortes (t.ha-1

)

P.D. Cal.Sup.Antes Sulc S/L. 92,9 a 92,7 a

P.D. Cal.Sup.Antes Sulc C/L. 98,6 a 92,1 a

P.D. Cal.Sup. Depois Sulc S/L. 101,3 a 88,4 a

P.D. Cal.Sup. Depois Sulc C/L. 100,2 a 91,6 a

P.Convencional sem Legumin. 96,3 a 86,1 a

P.Convencional com Legumin. 101,5 a 98,0 a

3- AS PRINCIPAIS VANTAGENS DO SPM (sistema de preparo mínimo)

Nicolodi et al. (2008) , resumindo diversos trabalhos sobre o tema, salientam que os

efeitos da mudança do sistema de cultivo (do SC para o SPD) são evidentes, com

melhor desenvolvimento das plantas, devido ao aumento dos teores de matéria orgânica

(MO) e de nutrientes, a diminuição da toxidez do Al3+

às plantas, a melhoria da

estrutura e da capacidade de retenção de água do solo e a preservação das relações

construídas com o tempo de cultivo, principalmente pelo não-revolvimento e

conseqüente manutenção dos resíduos das culturas na superfície. No caso específico da

cana-de-açúcar podemos eleger as principais, cujo peso vai orientar e cada vez mais

justificar sua implementação.

3.1- Provimento de água e redução de processos erosivos. Numa perspectiva de

variações climáticas cada vez mais acentuadas , o cuidado no sentido de preservar a

água do solo faz parte da nova agrotecnologia na condução da lavoura canavieira. Uma

das críticas ao SC diz respeito à perda de água do solo, fortemente patrocinada pelas

Página 10 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

práticas de excessiva mecanização no preparo do mesmo. Lombardi Neto(1990) , citado

por Montezuma (2008), registrou perdas significativas entre os diferentes sistemas de

preparo (Tabela 3) . Um dos objetivos do SPM (sistema de preparo mínimo) consiste

exatamente neste provimento de água à cultura via mínimo revolvimento do solo, de tal

forma que se combine a operação mecânica com o período que antecede as grandes

chuvas de verão, possibilitando a captação de tais águas e sua retenção no solo, para o

plantio futuro.

Tabela 3 – Perdas de solo (t.ha-1

) e água (mm) em diferentes sistemas de preparo, em

Latossolo Roxo e Argissolo.

Sistemas de

preparo

Latossolo

Roxo

Latossolo

Roxo

Argissolo Argissolo

Solo (t.ha-1

) Água (mm) Solo (t.ha-1

) Água (mm)

Plantio direto 1,0 15,2 -- --

Escarificador 3,3 30,4 22,5 121,1

Grade pesada 4,4 42,2 56,2 222,6

Arado Discos 6,5 58,1 49,8 211,6

3.2 - Preservação e incremento da microbiota . Durante muito tempo, dentro de uma

visão mecanicista, preocupada com reduzir os efeitos da compactação, repetidas vezes

citada como vilã das baixas produtividades, tanto pesquisadores como técnicos de

campo descuidaram de um importante elo do ciclo da sustentabilidade: as atividades

biológicas no interior do solo , numa simbiose mutualística, onde a planta supre o fungo

com energia para crescimento e manutenção via produtos fotossintéticos, enquanto o

fungo provê a planta com nutrientes e água. A sustentabilidade da produção agrícola

está ligada aos efeitos benéficos das micorrizas sobre a nutrição de plantas,

principalmente em relação à absorção de P. Segundo J.L.Harley, citado por Berbara et

al (2006) “plantas não têm raízes, elas têm micorrizas”... Segundo Siqueira & Franco

(1988) , citado por Berbara et al (2006), a associação de micorrizas arbusculares

(FMA), a mais abundante nos sistemas agrícolas, representando 50% da massa

microbiana, é também a mais importante .Estudando o sistema radicular em cana-de-

açúcar, Vasconcelos (2002) demonstrou que a população de fungos micorrízicos

arbusculares (FMAs) apresentou variação crescente no número de esporos por 100

cm3 de solo, com 106 esp/cm

3 em janeiro e 258 esp/cm

3 em maio , salientando que o

Página 11 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

maior aumento esteve em sintonia com a fase de pleno desenvolvimento vegetal,

quando há grande demanda de nutrientes, o que provavelmente estimulou a formação

de hifas extra-radiculares, para aumentar a absorção dos nutrientes , e de hifas intra-

radiculares, para aumentar a superfície de troca. Ainda Vasconcelos (2002) constatou

que na faixa de colheita mecânica sem despalha a fogo, a quantidade de esporos foi

significativamente maior que na colheita manual , queimada. Constatações deste tipo

podem induzir a uma inferência sobre o que um ciclo de manejo em cana crua,

geralmente acima de 6-7 anos, vai estar agregando de FMAs aos solos cultivados.

Figura 9 – Hifas extra-radiculares e sua interação com a planta.

E aí nos reportamos a Berbara et al (2006) que propõe estratégias de manejo visando

incrementar não apenas a diversidade de FMAs, mas em especial hifas extra-radiculares

(Figura 9) , o que se consegue, entre outras práticas, com a supressão da mecanização

excessiva no preparo de solo – o sistema de preparo mínimo!

4. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA CONVENCIONAL(SC) EM CANA-DE-AÇÚCAR

Antes de se mencionarem variações do SPM é conveniente caracterizar o chamado

preparo convencional para o plantio da cana-de-açúcar. Distinguindo implantação de

canavial em zona de expansão e reforma de canavial pré-existente, devemos citar as

seguintes operações:

Página 12 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

3.1- em zona de expansão : Desmatamento e limpeza, dessecação química,

construção de terraços, 1a. grade pesada ou intermediária (dependendo da vegetação),

aplicação de corretivos (calcário, gesso, fosfato), 2a. grade pesada ou arado de aiveca,

grade intermediária, pousio de 3 meses aproximadamente, grade niveladora ou

intermediária (dependendo do período do pousio), sulcação e plantio.

3.2 - em área de reforma de canavial pré-existente (Figura 10) : recuperação ou novo

desenho de terraços, correção de defeitos no terreno (erosões, ravinas), aplicação de

corretivos (calcário, gesso, fosfato), destruição de soca com grade pesada logo após o

corte ou até 30 dias ( até três gradagens pesadas em caso de palhada) e no caso de atraso

da operação anterior usa-se dessecação e a seguir grade pesada para eliminação da

matéria seca, arado de aiveca , grade intermediária, subsolador tradicional (se houver

indicações de compactação severa), pousio, grade niveladora ou intermediária

(dependendo do período do pousio), sulcação e plantio.

Figura 10 – Uma área de preparo convencional.

O aspecto de um preparo convencional , onde não existiu preocupação com a época da

realização, poderá ser o da Figura 11, onde são ainda visíveis os remanescentes depois

de duas operações de gradagens, surgindo também os efeitos erosivos da época ou o

desenvolvimento de plantas daninhas , cujo resultado é nada interessante e pode ainda

onerar a introdução do novo canavial com um banco de sementes bastante elevado.

Página 13 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 11 – Efeitos erosivos e existência de plantas daninhas no pousio de preparo

convencional de solo na reforma de canaviais.

4. VARIAÇÕES DO SPM (Sistema de preparo mínimo) EM CANA-DE-

AÇÚCAR.

Entre as variações do SPM em cana-de-açúcar, podemos elencar os

seguintes cenários:

4.1 - sobre canavial pré-existente (Figura 12). Eliminação química de soca ou

eliminação mecânica de soca (erradicador de duas linhas), retificação de traçado e

eventual correção de defeitos no solo, aplicação de corretivos, subsolagem com

destorroador e discos frontais, sulcação e plantio.

Figura 12 – Dessecação em canavial pré-existente.

Página 14 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

4.2 - sobre pastagem (aqui se supõe uma pastagem agronomicamente bem conduzida , no histórico

anterior) (Figura 13): dessecação química da pastagem, demarcação e construção da

estrutura conservacionista (terraços e caminhos), aplicação de corretivos,

subsolador/destorroador, sulcação e plantio.

Figura 13 – Plantio direto sobre pastagem . Foto: Gazon, 2007.

4.3 - Associação com leguminosas para formação de matéria seca : dessecação

química do canavial anterior, correção e/ou adequação da estrutura conservacionista,

aplicação de corretivos, semeadura a lanço de leguminosas (crotalária juncea, crotalária

spectabilis, feijão guandu),subsolador/destorroador , pousio no verão, incorporação da

massa , preferencialmente, com rolo-faca (Figura 14), aguardar a secagem da massa

verde, sulcação e plantio.

Figura 14 – Rotação com crotalária juncea e rolo faca na incorporação.Foto: Nicula, 2007

Página 15 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

4.4 - rotação de cultura com grãos

MODALIDADE 1 : dessecação da soca velha , distribuição de corretivos,

incorporação com subsolador/destorroador, plantio da cultura eleita para a rotação (soja

ou amendoim).

MODALIDADE 2 : distribuição de corretivos logo após o corte,

subsolador/destorroador a seguir, plantio de soja RR(resistente a glifosato) , que permite

a dessecação gradual de remanescentes de soca, pousio no verão, colheita do grão no

outono, sulcação direta e plantio.

MODALIDADE 3 : o “legítimo SPD” acontece já em regiões tradicionais

de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo, como Jaboticabal, Sertãozinho, Ribeirão

Preto, Guariba e outras onde se consolidou a colheita mecânica de cana crua , e consiste

na semeadura de amendoim ou soja logo após a dessecação do canavial, sem uso de

prévia subsolagem (Figura 15).

Figura 15 – Plantio direto sobre soca de cana dessecada com glifosato. Foto: Montezuma, 2008

Neste caso se utilizam plantadoras desenvolvidas para o plantio direto,

dotadas de discos cortadores de palha e , preferencialmente, realiza-se a semeadura em

ângulo de 45o em relação à cultura anterior( Figura 16) ,visando a maior eliminação da

palhada para facilitar o ingresso futuro da colhedora de grãos.

Página 16 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 16 – Plantio de amendoim em ângulo de 45o . Foto: Montezuma,2008

Esta experiência tem sido ampliada e os produtores confirmam seu sucesso

(Figura 17) .

Figura 17 – Nascimento da soja em plantio direto sobre soca da cana .

Foto: Montezuma,2008

Página 17 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

CONCLUSÃO

Gamero & Lanças (1999) , relatando a experiência da Usina São Martinho (SP),

apontaram as vantagens concretas do SPM : eliminação das grades, readequação dos

demais equipamentos, redução de custos, maior flexibilidade para executar a operação

de preparo, menor demanda de máquinas, manutenção da palhada em superfície,

maiores facilidades para a sistematização da colheita mecanizada , redução ou até

eliminação de terraços (abaixo de 5 m - DV) sem vestígios de erosão. Outra grande

vantagem do sistema diz respeito à eliminação do embuchamento da palhada (12

a 18 t.ha-1

de massa seca) com o uso dos discos cortantes do equipamento. Segundo os

mesmos autores, foi realizado comparativo de custos entre os dois sistemas (SC x SPM)

e o segundo apresentou uma redução da ordem de 22 % . Segundo Gazon (2007) este

diferencial de custos , favorável ao SPM, pode chegar a 33 % .

E Montezuma (2008) acrescenta outras vantagens ao SPM :

reduz compactação do solo, maior rendimento operacional,

otimização do tempo disponível ,

reduz perdas de umidade,

favorece atividade biológica ,

evita assoreamento de sulco,

maior eficiência na destruição de soqueira,

favorece o controle de plantas daninhas perenes,

possibilita plantio em período chuvoso,

cultivo de cereais na rotação,

maior produtividade e longevidade da soca.

O ingresso definitivo da cana-de-açúcar na linha de uma agrotecnologia sustentada

passa necessariamente pelo cuidado com a inter-relação fertilidade, biologia do solo e

nutrição das plantas e esta mudança de paradigma se inicia no preparo do solo : o

mínimo revolvimento do solo deve ser perseguido !

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Página 18 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

NICOLODI, M., ANGHINONI, I., GIANELLO,C. Indicadores da acidez do solo para

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RELAÇÃO DOS TÍTULOS DAS FIGURAS

Figura 1 – Sulcador com rotativa acoplada (Perticarrari & Ide, 1986)

Figura 2 - Desenho do eliminador mecânico de soca (Perticarrari & Ide, 1986)

Figura 3 - Equipamento chave para o SPM : subsolador com hastes parabólicas, discos

frontais de palha e rolo traseiro para nivelamento do solo.

Figura 4 – Operação de preparo de solo com o subsolador/destorroador (Gazon, 2007)

Figura 5 - Detalhe da haste e molas helicoidais .

Figura 6 - Controle de tráfego na colheita mecânica e “canteirização”das linhas de cana

(Mello, 2007)

Figura 7 – Colchão de palha após a colheita mecânica de cana crua.

Figura 8 Qualidade do preparo de solo obtido com a passagem do

subsolador/destorroador (Gazon, 2007)

Figura 9 – Hifas internas e externas no sistema raiz-solo (Berbara et al.,2006)

Página 19 - Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...

Figura 10- Preparo sob sistema convencional em reforma de canavial.

Figura 11 – Efeitos deletérios sobre o solo no SC e pousio a solo descoberto durante o

verão.

Figura 12 – Canavial dessecado com glifosato pronto para receber o SPM.

Figura 13 - Pastagem dessecada com glifosato, predisposta à introdução do SPM para

plantio imediato de cana.

Figura 14 – Rolo-faca: equipamento importante na conclusão do SPM em área de

Crotalária juncea.

Figura 15 – Semeadura de amendoim ou soja logo após a dessecação do canavial

(Montezuma, 2008)

Figura 16 – Semeadura de amendoim em ângulo de 45o em relação ao traçado do

canavial anterior.

Figura 17 – Soja em desenvolvimento sobre a palhada de canavial dessecado.