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Curso Tópico da Cultura de Cana IAC 1 AULA 1 BOTÂNICA E FISIOLOGIA DA CULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR PROFESSORES Maximiliano Salles Scarpari Pesquisador Científico Centro de Cana IAC Antônio Carlos Machado de Vasconcelos (in memorian)

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Curso Tópico da Cultura de Cana IAC

1

AULA 1

BOTÂNICA E FISIOLOGIA DA CULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR

PROFESSORES

Maximiliano Salles Scarpari

Pesquisador Científico – Centro de Cana IAC

Antônio Carlos Machado de Vasconcelos (in memorian)

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FATORES QUE INFLUENCIAM O ENRAIZAMENTO DAS PLANTAS

Antônio Carlos Machado de Vasconcelos (in memorian)

Pesquisador Científico – Centro de Cana IAC

A compreensão dos fenômenos que ocorrem na parte aérea das plantas torna-se mais completa

quando também se compreende o que acontece abaixo da superfície do solo, principalmente com

relação ao crescimento e à distribuição de raízes no perfil. O sistema radicular é o principal elo entre a

planta e o ambiente de produção; pode se dizer que é a boca e o alicerce do vegetal.

O desenvolvimento do sistema radicular tem influência direta sobre alguns fatores como:

resistência à seca, eficiência na absorção dos nutrientes do solo, tolerância ao ataque de pragas do solo,

capacidade de germinação e/ou brotação, influência sobre o porte da planta (ereto ou decumbente),

tolerância à movimentação de máquinas, etc.; de tais fatores dependem a produtividade final.

Entretanto, não é a quantidade de raízes o fator determinante destas vantagens, mas a sua

distribuição no perfil do solo ao longo das estações do ano. Uma quantidade muito grande de raízes nas

camadas superficiais do solo pode significar um gasto excessivo de metabólitos sintetizados na parte

aérea e translocamento para as raízes, além de maior risco de estresse hídrico em períodos de veranico.

Mas, em condições de cana irrigada ou em uma região que chove bem, esta distribuição pode ser muito

favorável.

A arquitetura e a distribuição radicular dependem de alguns fatores tais como genéticos; fases

de desenvolvimento e dos fatores edafoclimáticos.

1. FATORES GENÉTICOS

Assim como existem diferenças marcantes nas características da parte aérea entre espécies

vegetais e entre variedades de determinada espécie, também existem grandes diferenças nos

desenvolvimentos e arquitetura dos seus sistemas radiculares. O conhecimento da parte aérea de uma

variedade não significa o conhecimento da planta. Como exemplo, veja na FIGURA 1 a diferença de

desenvolvimento radicular de algumas variedades de cana-de-açúcar estudadas em um Latossolo

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Vermelho com caráter álico, da região de Assis (SP), em ciclo de cana-planta, no ano de 1997

(VASCONCELOS, 1998). Vejam que são grandes as diferenças entre variedades, tanto em quantidade

quanto em distribuição em profundidade.

FIGURA 1 - Distribuição do sistema radicular das variedades IAC87-3396, RB72454, SP80-1842 e RB855536 aos 16,5 meses de idade (g/78 dm

3).

Vale lembrar que, mesmo para uma única variedade, não podemos fazer uma descrição

estanque do seu sistema radicular, pois se o estudo apresentado na Figura 1 fosse realizado em um

outro tipo de solo, em soqueira, durante outro ano, sob outras condições de precipitação e

temperatura, certamente esta descrição apresentaria algumas variações. Isto explica parte das

interações entre genótipo e ambiente.

No Instituto Agronômico de Campinas INFORZATO & ALVAREZ em 1957 realizaram alguns

estudos do sistema radicular da cana-de-açúcar. De lá para cá, pouco estudo tem sido realizado pelos

programas de melhoramento com relação ao desenvolvimento radicular.

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2. FASES DE DESENVOLVIMENTO

Estudando as fases de desenvolvimento da cultura, (VASCONCELOS, 2002) observou a

ocorrência de diferenças entre ciclos e idade da planta, quando levantamentos foram realizados do

desenvolvimento radicular de diversas variedades de cana, desde o início de desenvolvimento de cana-

planta até a terceira soca. O mesmo constatou a ocorrência de aumento da massa de raízes de um ciclo

para outro e também durante um mesmo ciclo. Em determinados períodos, segundo o mesmo autor,

pode também ocorrer redução, comandada quase que exclusivamente pela quantidade de água no solo.

A arquitetura do sistema radicular também muda de acordo com a idade da planta, tanto entre

ciclos (cortes) como dentro de um mesmo ciclo (meses de desenvolvimento). O sistema radicular da

cana planta explora mais intensamente as camadas mais superficiais, se comparada à soqueira, que

apresenta um incremento na exploração de subsuperfície (Figuras 2a e 2b). Enquanto as práticas de

calagem e de adubação de cana-planta exercem maiores efeitos sobre a produtividade até o 2º corte, os

atributos químicos de subsuperfície têm maior importância a partir do 3º corte LANDELL et al. (2003).

Em uma lavoura de 8º corte pode-se encontrar alta ocorrência de raízes abaixo dos dois metros

de profundidade (Figura 3). Embora a cana planta apresente menos raízes que as soqueiras, sua

eficiência de absorção por unidade de superfície é maior, pois apresenta um conjunto de raízes mais

novas e mais tenras que as soqueiras, que têm uma proporção maior de raízes mais velhas e mais

lignificadas.

FIGURA 2 – Representação da distribuição do sistema radicular de cana-planta (a) comparada à distribuição em cana soca (b).

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FIGURA 3 – Perfil do solo com raízes expostas visíveis até 2,4 metros de profundidade (soqueira

de 8º corte).

3. FATORES EDAFOCLIMÁTICOS

Quanto aos fatores edafoclimáticos podemos relacionar três conjuntos de fatores do solo que

interferem no desenvolvimento radicular: PEDOGENÉTICOS, ATRIBUTOS FÍSICOS e ATRIBUTOS

QUÍMICOS e relativo ao clima a temperatura e a precipitação.

3.1. PEDOGENÉTICOS

A constituição granulométrica do solo (argila, silte, areia fina, areia grossa) e sua dinâmica nas

diversas camadas do perfil dependem dos processos pedogenéticos que resultam na formação das

diversas classes de solo. Esse assunto será bem abordado pelo Prof. Hélio do Prado, na aula posterior a

essa.

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Tais processos pedogenéticos e de formação dos solos determinam seus atributos físico-hídricos

e químicos assim como a profundidade de cada horizonte. As animações “ANIMAÇÃO CHUVA 1” e

“ANIMAÇÃO CHUVA 2” ilustram muito bem essa visão. Entre os Latossolos e os Argissolos existem

diferenças marcantes de teor de argila, quantidade de macroporos e de microporos e capacidade de

retenção de água nas diferentes camadas do perfil que, por sua vez, influenciam o desenvolvimento

radicular, como veremos mais detalhadamente a seguir. O adensamento, que pode ser resultado de

processos da gênese do solo (solos Ta), também afetam o desenvolvimento radicular.

3.2. ATRIBUTOS FÍSICOS

Um dos atributos que mais interfere no desenvolvimento radicular é a densidade do solo. A

densidade pode apresentar aumento de valores devido à compactação resultante de pressões exercidas

pelo tráfego de máquinas, veículos, implementos e animais. Um aumento na densidade do solo ocorre

simultaneamente à redução da macroporosidade, redução da aeração, redução da condutividade

hidráulica e gasosa e aumento da resistência à penetração. Todas essas alterações interferem, direta ou

indiretamente no desenvolvimento radicular, como ilustrado na FIGURA 4, onde se pode ver porções do

perfil com densidade excessiva impedindo o desenvolvimento radicular da cana-de-açúcar. Esse solo,

com argila em torno de 60%, tem densidade de 1,19 g.cm-3 na profundidade entre 60 e 80 cm, mas nas

porções de impedimento do crescimento radicular, foram encontrados valores de densidade em torno

de 1,45 g.cm-3. Para essa classe de solo e com esse teor de argila, a densidade de 1,45 g.cm-3 é muito

alta.

Mas, para saber se uma densidade é alta ou não, é necessário conhecer o teor de argila do solo

e o perfil de desenvolvimento radicular nas condições edafoclimáticas em que se cultiva o vegetal. Para

um Latossolo Vermelho com argila em torno de 30%, o valor da densidade de 1,45 g.cm-3 seria baixo e

não prejudicaria o desenvolvimento radicular. PORTANTO, MESMO CONSIDERANDO-SE UMA ÚNICA

CULTURA OU UMA ÚNICA VARIEDADE, GENERALIZAR FAIXAS DE DENSIDADES CRÍTICAS PARA DIVERSOS

SOLOS E DIVERSAS CONDIÇÕES É UM GRANDE ERRO.

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FIGURA 4 – Distribuição do sistema radicular da cana-de-açúcar, com destaque para porções do

perfil com densidade excessiva.

Na FIGURA 5, é apresentada uma condição de densidade de um solo cultivado com cana-de-

açúcar, comparada à condição original de solo sob mata nativa. Os solos em questão são Latossolos com

teor de argila superior a 50% (VASCONCELOS, 2004). No solo de mata, a densidade permanece

aproximadamente constante ao longo do perfil, em torno de 1,10 e 1,15 g.cm-3. Nos solos cultivados,

houve aumento de densidade. Entre 0 e 20 cm, aumentou de 1,10 para 1,30 g.cm-3. Entre 20 e 40 cm,

aumentou de 1,13 para 1,35 g.cm-3. Esse aumento de densidade é acompanhado pela redução da

porosidade total (FIGURA 6). Por outro lado, houve aumento da capacidade de retenção de água no solo

(FIGURA 7). É comum haver maior RETENÇÃO DE ÁGUA em solos mais densos, devido ao aumento da

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proporção de microporos em relação aos macroporos. Mas a porosidade total diminui e com isso,

diminui também a aeração e conseqüentemente a condutividade hidráulica e gasosa. PORTANTO,

MAIOR RETENÇÃO DE ÁGUA NO SOLO RESULTANTE DE COMPACTAÇÃO NÃO SIGNIFICA MAIOR

DISPONIBILIDADE DE ÁGUA PARA A PLANTA. ASADY et al. (1985) relatam que a penetração de raízes em

camadas compactadas decresce linearmente quando a aeração é reduzida a partir de 30% até 0%.

FIGURA 5 – Densidade do solo em condição de mata nativa e de cultivo com cana-de-açúcar (cana-planta).

Além da pressão exercida pelas máquinas, a umidade do solo no momento das operações

também atua como importante fator na distribuição da compactação no perfil e o grau dos efeitos

prejudiciais dependem das proporções de argila: silte: areia das diferentes classes de solo.

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FIGURA 6 – Porosidade total do solo em condição de mata nativa e de cultivo com cana-de- açúcar (cana-planta).

FIGURA 7 – Capacidade de retenção de água no solo em condição de mata nativa e de cultivo com cana-de-açúcar (cana-planta).

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3.3 UMIDADE DO SOLO

É indiscutível a importância da disponibilidade de água para a planta. E o sistema radicular é a

boca de captação dessa água. Portanto a utilização de água pela parte aérea depende da distribuição do

sistema radicular. Por outro lado, a distribuição do sistema radicular no perfil do solo depende da

umidade e dos ciclos hídricos em determinada região. Em regiões ou períodos secos, a arquitetura

radicular apresenta uma maior proporção de raízes profundas em relação ao total, que em locais e

períodos úmidos. Se o solo seca de cima para baixo, as camadas superficiais tornam-se mais resistentes

à penetração de raízes antes das camadas mais profundas. Enquanto o sistema radicular, na superfície,

tem seu crescimento paralisado ou até reduzido pela morte de raízes, ocorre que nas camadas mais

profundas, o crescimento se mantém por mais tempo, resultando em um “aprofundamento” do

sistema. Além disso, os metabólitos que seriam utilizados para a formação de raízes superficiais, podem

ser então utilizados na formação de raízes mais profundas.

É a natureza: o próprio processo de secagem do solo fazendo com que haja uma mudança

estrutural no vegetal para a sua sobrevivência.

Segundo STASOVSKI & PETERSON (1993), as alterações estruturais nas raízes em resposta à seca

são permanentes e o restabelecimento do crescimento após a reidratação envolve, usualmente, a

formação de novas raízes laterais. ENGELS et al. (1994) constataram que plantas de milho podem

responder rapidamente ao ressecamento e reumedecimento das camadas superficiais do solo através

do aumento do crescimento de raízes nas camadas com condições mais favoráveis. Os autores concluem

que esta plasticidade no crescimento de raízes é um fator que contribui para a manutenção de um

adequado estado nutricional.

A umidade do solo e os outros atributos como porosidade, aeração e resistência à penetração

estão interligados quanto à influência sobre o crescimento radicular. Pouco adianta um teor de água no

solo satisfatório, se houver baixa aeração e alta resistência à penetração. É lógico que a umidade

diminui a resistência à penetração se comparada à condição de solo seco. Mas um solo compactado,

mesmo estando úmido, tem elevada resistência à penetração.

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3.3.1 OUTRAS CULTURAS

Em um trabalho interessante realizado na cultura do milho em solo com 18% de argila, TARDIEU

(1988) simulou diversas passadas com trator pesado em solo bem úmido, comparando esse tratamento

com uma passada com trator leve em solo pouco úmido. Onde houve uma passada de trator leve, a

densidade entre 20-40 cm se manteve próxima atingiu 1,3 g.cm-3 e ocorreu redução do crescimento

radicular (16 a 35% de redução). No tratamento com trator pesado em solo úmido, a densidade chegou

a 1,69 g.cm-3 sob a faixa trafegada e redução drástica do crescimento radicular (85 a 91% de redução),

conforme ilustrado na “ANIMAÇÃO COMPACTAÇÃO”. O trabalho na íntegra pode ser acessado no

arquivo ARTIGO Raiz milho.pdf

Trabalhando com a cultura da soja, em Latossolo Vermelho (70% de areia e 22% de argila)

ROSOLEM e TAKAHASHI (1996) quantificaram a restrição ao crescimento radicular, causada pelo

aumento de densidade. O aumento da densidade do solo de 1,06 g.cm-3 para 1,45 g.cm-3 causaram

redução de 10% no crescimento radicular. O aumento de 1,06 g.cm-3 para 1,69 g.cm-3 causaram redução

de 50% no crescimento radicular.

Quanto à importância da disponibilidade de oxigênio às raízes, GARDNER e DANIELSON (1964)

constataram alta correlação (r = 0,998) entre a penetração de raízes de algodão e a porcentagem de

aeração. A velocidade de difusão do oxigênio também é importante: segundo ERICKSON e VAN DOREN

(1961), quando a difusão do oxigênio cai para menos de 58 mg.m-2.s-1, o crescimento radicular é

restringido. Solos compactados apresentam difusão inferior a 33 mg.m-2.s-1 (ERICKSON, 1982).

3.4 ATRIBUTOS QUÍMICOS

Quanto aos aspectos nutricionais, a adaptação de uma variedade a solo de baixa fertilidade

depende da eficiência de absorção do sistema radicular e de sua tolerância a elementos tóxicos.

Segundo ANGHINONI & MEURER (1999), a aquisição de nutrientes é alterada sempre que a cinética de

absorção ou o crescimento das raízes forem afetados. O teor de alumínio no solo, responsável pela

redução no crescimento das raízes, varia com as espécies, cultivares e com o solo, especialmente quanto

ao seu teor de cálcio, pois as raízes não crescem em solos deficientes deste nutriente, que é essencial

para a divisão celular e para a funcionalidade da membrana celular. Segundo FURLANI (1983), a toxidez

de alumínio pode provocar a fixação do fósforo para formas menos disponíveis, diminuir a taxa de

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respiração, interferir em reações enzimáticas responsáveis pela deposição de polissacarídeos nas

paredes celulares e modificar a dinâmica de absorção e transporte de vários nutrientes, principalmente

Ca, Mg e P. Por outro lado, ZHANG & BARBER (1992) comprovaram que a liberação de fósforo estimula o

crescimento de raízes.

Segundo TINKER (1981), é essencial que raízes e nutrientes se distribuam apropriadamente

entre si para haver máxima eficiência do sistema radicular e isso também deve ser considerado em

relação à variável “tempo”, devido ao crescimento e distribuição das raízes, ao movimento de íons no

solo, às alterações de demanda pela cultura e às mudanças do teor de água no solo.

3.5 FATORES CLIMÁTICOS

3.5.1 TEMPERATURA

A temperatura do solo influencia a biomassa radicular (WALKER, 1969), o grau de elongação

(LOGSDON et al., 1987) e de ramificação (BOX, 1996). Segundo esse último autor, a orientação do

crescimento radicular é mais horizontal sob baixas temperaturas.

3.5.2. PRECIPITAÇÃO

A precipitação em determinada região e a capacidade de armazenamento de água no solo têm

uma influência conjunta sobre o desenvolvimento radicular. Não adianta um solo ter excelentes

atributos físico-químicos e elevada capacidade de armazenamento de água, se não chove na região. O

contrário também é verdadeiro: se chove bem, mas o solo tem capacidade de armazenamento muito

baixa, poucos dias sem chuva e com elevada evapotranspiração podem resultar em deficiência hídrica e

estresse vegetal.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGHINONI, I.; MEURER, E. J. Eficiência de absorção de nutrientes pelas raízes. In: Workshop sobre

sistema radicular: metodologias e estudo de casos. Aracaju, 1999. Anais… Embrapa Tabuleiros Costeiros,

1999. p. 57-87.

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ASADY,G.H.; SMUCKER, A.J.M.; ADAMS, M.W. Seedlings test for the quantitative measurement of root

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BROTAÇÃO

Antônio Carlos Machado de Vasconcelos (in memorian)

Pesquisador Científico – Centro de Cana IAC

Em lavouras comerciais, a propagação da cana-de-açúcar é realizada vegetativamente, ou seja,

de forma assexuada a partir do tolete, que é uma parte da planta contendo as gemas, reservas

nutricionais, água e hormônios vegetais. A gema é como se fosse um colmo em miniatura com seus

órgãos mantendo-se em estado latente. Havendo condições favoráveis, esses órgãos passam para o

estado ativo de crescimento e desenvolvimento devido às mudanças das reservas nutricionais pela

atividade de enzimas e reguladores de crescimento (DILLEWIJN, 1952).

A principal condição favorável é a adequada disponibilidade de água. Após o momento em que

o tolete é coberto com solo, se houver disponibilidade de água, inicia-se o processo de ativação das

enzimas e hormônios que controlam a divisão e o crescimento celular, tanto da gema como também dos

pontos dos primórdios das raízes na zona radicular (FIGURA 1). Num período de aproximadamente 60

dias as reservas dos toletes são fundamentais para a evolução do processo de brotação e essa relação

de dependência reduz-se gradativamente à medida que o sistema radicular se desenvolve, aumentando

a superfície ativa de absorção de água e nutrientes do solo.

FIGURA 1. (a) Parte do tolete, com destaque para a gema e a zona radicular; (b) broto e raízes em processo de crescimento inicial.

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Outros fatores também interferem na brotação e podem ser classificados em ambientais,

genéticos, fisiológicos e fitotécnicos. Na verdade, esses fatores são inter-relacionados e podem atuar

complementarmente.

1. FATORES AMBIENTAIS:

1.1. Classe de solo

Na classificação dos solos no nível hierárquico de ordem examina-se o gradiente textural como

um dos itens principais (PRADO, 2006). A proporção entre o teor de argila, silte e areia afetam, entre

outros fatores, a estrutura, a coesão e a estabilidade do solo. Estes, por sua vez, interferem na

resistência da camada superficial ao rompimento pelos brotos primários. Isto é particularmente

significativo por ocasião da ocorrência de chuvas pesadas seguidas por períodos de veranicos, quando

pode ocorrer a formação de dura camada superficial de solo com crostas de alta resistência. Do

gradiente textural e da constituição geomorfológica depende também a capacidade de retenção de

água do solo que, por sua vez, afeta a brotação.

1.2. Umidade do solo

A água tem papel fundamental nos processos bioquímicos que ativam a brotação. A deficiência

hídrica no solo pode prejudicar ou impedir a brotação das gemas e isso depende da intensidade e da

duração do período de deficiência (FIGURA 2). Em condições de sequeiro, no Centro-Sul do Brasil, o

plantio de cana de ano é realizado nos meses de outubro e novembro e da cana de 18 meses é,

normalmente, realizado entre os meses de janeiro e abril, períodos em que há boa disponibilidade de

água. Porém, é comum ocorrerem períodos de veranicos, os quais podem retardar ou reduzir a

brotação. No caso de veranicos curtos, o armazenamento de água e nutrientes nos toletes plantados

pode proporcionar a manutenção e a sobrevivência das gemas e dos brotos recém emitidos. Com o

retorno das chuvas, o processo de brotação é retomado, resultando apenas em atraso da brotação. Caso

o veranico seja prolongado, ou seja, caracterizado como período de seca com elevada deficiência

hídrica, poderá ocorrer morte de gemas e de brotos, resultando em falhas na brotação. Por esse motivo

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os plantios realizados a partir do mês de abril podem apresentar redução de estande devido às falhas na

brotação. Nessas condições, o ataque de pragas pode ser potencializado, como por exemplo, de cupins

que vão à procura da água armazenada nos toletes, aumentando os danos às gemas e intensificando os

efeitos da deficiência hídrica.

FIGURA 2. Balanço hídrico em Tarumã (SP), entre set/98 e jan/01.

A umidade adequada para a brotação pode variar em função da região, da classe de solo e,

principalmente, de condições físicas do solo como aeração, densidade e condutividade hidráulica.

CASAGRANDE (1991) sugere que mais importante que aferir a umidade do solo, de grande valia seria

que se determinasse o potencial com que a água está retida no solo. SING & SRIVASTAVA (1973)

mostraram os efeitos dos diferentes níveis de retenção de água no solo e seus efeitos no

desenvolvimento inicial dos brotos e raízes da cana-de-açúcar (TABELA 1). O potencial próximo de zero é

equivalente à condição de capacidade de campo, a qual proporcionou as melhores taxas de

desenvolvimento inicial. O potencial de 15 atm, equivalente ao ponto de murcha permanente, resultou

em uma porcentagem de brotação de 65,55% e redução na altura e peso de brotos e matéria seca e

comprimento de raízes.

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Tabela 1. Relação entre o potencial de água do solo e o desenvolvimento de brotos e raízes do tolete (rebolo) da cana-de-açúcar, após 140 horas do plantio.

1.3. Aeração do solo

Durante a brotação ocorre intensa atividade de divisão e crescimento celular, os quais requerem

elevado gasto de energia advinda do processo de respiração. Para que o processo ocorra

satisfatoriamente deve haver adequado fornecimento de oxigênio por meio de uma boa aeração do

solo. A aeração é intimamente relacionada à umidade, à densidade e à porosidade. Com excesso de

umidade, há redução da aeração, que também pode ser resultante do aumento da densidade e redução

da macroporosidade.

1.4. Temperatura do solo

A temperatura do solo interfere na velocidade das reações bioquímicas e na ação de enzimas

envolvidas na divisão, diferenciação e crescimento celular e, portanto, é um dos fatores que mais

interferem na brotação. WHITMAN et al. (1963) estudaram os efeitos da luz, temperatura e água na

brotação da cana planta. Eles enfatizaram que a temperatura ótima foi ao redor de 30°C e significativa

redução ocorreu abaixo de 22°C e nenhuma brotação entre 10 e 16°C. Nas condições de Ribeirão Preto

(SP), as temperaturas médias diárias do solo a 5 cm de profundidade ficaram abaixo de 22°C entre os

meses de maio e setembro/2005, mas estiveram acima de 15°C. Alguns plantios, chamados, plantios de

inverno, são realizados nessa época e, portanto, a brotação nesse período ocorre mais lentamente e, em

geral, resulta em maior porcentagem de falhas. Dependendo da deficiência hídrica, pode ocorrer

redução drástica no estande. Para contornar parcialmente esse problema, o plantio de inverno deve ser

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realizado utilizando-se de maior quantidade de gemas por metro e em regiões com inverno

relativamente úmido.

FIGURA 3. Temperatura do solo na profundidade de 5 cm, em Latossolo Vermelho, em Ribeirão

Preto, entre novembro/2004 e fevereiro/2006. (Fonte: Instituto Agronômico).

1.5. Resistência à penetração de raízes

Como descrito detalhadamente no capítulo sobre o sistema radicular, um dos atributos que

mais interfere no seu desenvolvimento é a densidade do solo. A densidade pode apresentar aumento de

valores devido à compactação resultante de pressões exercidas pelo tráfego de máquinas, veículos,

implementos e animais. Um aumento na densidade do solo ocorre simultaneamente à redução da

macroporosidade, redução da aeração, redução da condutividade hidráulica e gasosa e aumento da

resistência à penetração. A região de crescimento da raiz que vence a resistência das porções

compactadas do solo é a região da coifa, que é constituída de um conjunto de células em pleno processo

de divisão celular e crescimento de um tecido tenro e muito sensível às barreiras físicas (FIGURA 4).

Portanto, o preparo do solo deve ser realizado de forma criteriosa no sentido de destruir

camadas compactadas, pois a presença dessas camadas impede ou reduz o crescimento radicular para

camadas mais profundas e resulta em um sistema mais superficial tornando os processos de brotação e

de desenvolvimento vegetal mais suscetíveis aos períodos de estresse hídrico.

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FIGURA 4. Região da coifa de raiz de cana-de-açúcar.

É importante se ter em vista duas questões:

- Qual a força que uma raiz consegue exercer sobre o solo para vencer a compactação?

- Qual o grau de compactação que é tolerável pela planta?

Mas as respostas para essas questões não são tão simples, porque é difícil traduzir em números

o que a planta está “sentindo” abaixo da superfície. Em resumo, é necessário determinar-se qual a

densidade crítica para o desenvolvimento radicular nas diversas classes de solo, em diferentes condições

ambientais.

2. FATORES GENÉTICOS e FISIOLÓGICOS

2.1. Variedades

O controle das reações bioquímicas que regulam o processo de brotação é realizado pelos

genes. Se as condições do ambiente estiverem favoráveis para ocorrer a brotação, tais reações serão

predominantemente regidas pelo genótipo vegetal gravado no conjunto de cromossomos de cada

variedade de cana-de-açúcar. Cada uma se comporta diferentemente quanto à capacidade de brotação

(FIGURA 5).

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FIGURA 5. Número de perfilhos por metro linear no período de brotação da cana-planta, com plantio

realizado em abril/2006. (Fonte: Instituto Agronômico).

Também existem diferenças varietais quanto à brotação em cana-planta e em soqueiras.

Segundo CASAGRANDE (1991), nem sempre uma variedade cujos toletes brotam bem, apresenta uma

boa brotação de socas. São duas características bem distintas para uma mesma variedade. È o caso da

variedade SP71-799 cujos toletes brotam bem, mas pode apresentar brotação irregular das socas se as

condições ambientais, pós-corte da cana, forem desfavoráveis. A recíproca também é verdadeira, ou

seja, existem variedades com brotação irregular dos toletes, em condições desfavoráveis, mas com boa

capacidade de resistir às condições adversas no período de brotação da soca, como por exemplo a

NA56-79. Atualmente, uma variedade com esse comportamento típico é a RB855156.

2.2. Presença de bainha

A característica de “palha agarrada” de uma variedade ou a sua capacidade de desfolha

espontânea interfere na brotação. O termo popular “palha agarrada” se refere à condição morfológica

em que a bainha da folha envolve fortemente o colmo desde os primeiros estágios de crescimento e,

após estar seca, se mantém aderida ao entrenó. Nesses casos, mesmo com a operação de desfolha da

muda, a gema fica coberta pela bainha que atua como uma barreira mecânica para a emissão dos brotos

e das raízes e para a condutividade térmica e hídrica do solo para a gema. A umidade e os

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microrganismos do solo gradativamente causam a desagregação das cadeias de celulose e lignina da

palha facilitando a emissão dos brotos e das raízes (Figura 6). Porém, há um atraso da brotação em

relação aos colmos sem palha.

FIGURA 6. Emissão de broto e raízes a partir de tolete com palha agarrada. (Fotos: Vasconcelos, 2006)

2.3. Tamanho das gemas

A ocorrência de gemas grandes e proeminentes é uma característica genética de algumas

variedades. Tais gemas estão mais sujeitas a danos mecânicos, tanto no momento do corte, como

também durante o carregamento, transporte, descarregamento e distribuição no sulco. Tais danos

podem inviabilizar a brotação da gema e tornam o ponto danificado sujeito a entrada de patógenos.

2.4. Dominância apical

A dominância da gema do ápice do colmo é verificada pelo não desenvolvimento das gemas

laterais, que permanecem num estado de dormência. Quando a gema do ápice é removida ou morta, as

gemas laterais podem se desenvolver, produzindo brotos (DILLEWIJN, 1952). Quando a planta está em

crescimento ativo, a sua gema apical produz auxinas que se translocam do ápice vegetativo para a base,

induzindo a distensão dos tecidos recém formados e o conseqüente alongamento. Dentre os

reguladores de crescimento que exercem considerável efeito auxínico, destacam-se o ácido indolacético

(AIA), ácido naftalenoacético (ANA), ácido indolbutírico e ácido diclorofenoxiacético – 2.4D

(CASAGRANDE, 1991).

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2.5. Número de gemas por tolete

Estudando a brotação, CLEMENTS (1940) avaliou o efeito do corte dos toletes em diferentes

tamanhos e números de gemas (1 a 5 gemas por tolete). Encontrou melhores resultados para menores

tamanhos de toletes (com menos gemas). Entretanto, em ambientes ou épocas de plantios favoráveis

para o desenvolvimento de podridões, a maior exposição de faces cortadas dos toletes pode aumentar a

infestação e intensificar os efeitos negativos dessas doenças.

O plantio da cana inteira também tem sido pesquisado com relação aos efeitos na brotação e na

produtividade da cana. Alguns trabalhos apresentam resultados positivos; outros mostram resultados

negativos. A verdade é que tais resultados dependem da variedade e das condições ambientais (solo,

disponibilidade hídrica, temperatura, potencial de inóculo da área, etc. Tudo indica que cada caso é um

caso e não existe um padrão de comportamento quanto ao seccionamento ou não dos colmos no

plantio.

2.6. Estado fitossanitário da muda

A atividade metabólica dos processos envolvidos na brotação requer “saúde” dos toletes para

que ocorra eficientemente. Algumas doenças têm efeitos diretos sobre a gema e os toletes plantados,

causando o apodrecimento dos tecidos e falência das funções vitais. É o caso da podridão vermelha

(Colletotrichum falcatrum), da fusariose (Fusarium muniliforme) e da podridão abacaxi (Thielaviopsis

paradoxa). A ocorrência dessas doenças podem variar em função das condições ambientais e da época

de plantio. Segundo TOKESHI (1980), a podridão abacaxi, por exemplo, tem a ocorrência favorecida nos

plantios tardios ou em períodos de seca e já se observou canaviais com área superior a 50 há totalmente

perdidos após três plantios sucessivos onde, no primeiro plantio, usou-se 10 toneladas de mudas por

hectare e nos seguintes 20 a 30 t/hectare.

Outras doenças, como escaldadura (Xanthomonas albilineans) e raquitismo da soqueira (Vírus)

têm efeitos indiretos sobre a brotação, pois causam obstrução dos vasos, prejudicando o transporte de

metabólitos até os pontos de utilização.

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3. FATORES FITOTÉCNICOS

Os fatores fitotécnicos se referem às práticas agrícolas que podem interferir positivamente ou

negativamente na porcentagem e na velocidade da brotação. O efeito de todas essas práticas têm uma

explicação fisiológica para serem consideradas favoráveis ou não.

- Preparo do solo e destorroamento;

- Intervalo de tempo entre o corte da muda e a distribuição no sulco de plantio;

- Intervalo de tempo entre a distribuição no sulco de plantio e a cobertura com terra;

- Tempo em que os sulcos ficam abertos;

- Número de Gemas;

- Posição da gema no plantio em relação ao solo;

- Embebição dos toletes em água;

- Embebição em compostos químicos;

- Tratamento térmico;

- Tratamento da muda com inseticidas e fungicidas;

- Aplicação de inseticidas no sulco de plantio;

- Aplicação de fertilizantes na formação da muda;

- Aplicação de torta de filtro;

- Profundidade de plantio;

- Compactação dos toletes;

- Herbicidas.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASAGRANDE, A.A. Tópicos de morfologia e fisiologia da cana-de-açúcar. Jaboticabal: FUNEP, 1991.

157p.

DILLEWIJN, C.N. Botanique de la canne a sucre. Wageningen: Veenman & Zonen. Holande, 1960. 591 p.

PRADO, H. Saiba mais sobre a textura do solo. Disponível em

http://www.pedologiafacil.com.br/textura.php Acesso em 26/09/2006.

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TOKESHI, H. Doenças da cana-de-açúcar. In: Galli, F. Manual de Fitopatologia. Piracicaba: Ceres, p. 141-

206. 1980.

WHITMAN, PC; BULL, TA; GLASZIOU KT. 1963. The physiology of sugarcane; effects of temperature, light

and water on set germination and early growth (Saccharum spp.). Australian J. Biological Science 15(2),

415-428.

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CRESCIMENTO DA PARTE AÉREA DA CANA-DE-AÇÚCAR

Maximiliano Salles Scarpari

IAC/Centro de Cana

1. INTRODUÇÃO

1.1. Fotossíntese

As folhas são responsáveis diretas pela transformação da energia solar em energia química

através da fotossíntese. A fração da radiação interceptada é determinada pelo índice de área foliar (IAF)

dado pela razão entre a área total das folhas verdes e a área de solo (WATSON, 1947). No processo da

fotossíntese, o CO2 do ar é convertido em carboidratos (CH2O) n através da seguinte reação:

CO2 + H2O + ENERGIA SOLAR CH2O + O2

A taxa fotossintética aumenta com a temperatura até 30°C, estabiliza-se entre 30 e 34°C,

decrescendo em temperaturas mais elevadas. O decréscimo da taxa verificada em temperaturas

elevadas esta relacionada com o fechamento dos estômatos devido à perda da turgidez celular.

Decréscimo da temperatura do ar de 23°C para 14°C provoca queda de 84% na taxa de fotossíntese

(HARTT; BURR, 1967).

Existem diferenças na eficiência do uso da radiação entre as plantas, principalmente entre plantas

do tipo C3 e C4. Para níveis baixos, a diferença na eficiência é pequena, mas a taxa de assimilação em

condições próximas de saturação lumínica é muito maior para plantas do tipo C4 como a cana-de-açúcar

também pela ausência da fotorrespiração em folhas jovens (ALEXANDER, 1973). Essas diferenças se

confirmam pela presença nas plantas C4 de uma estrutura de folha especializada chamada anatomia

Kranz, alta eficiência no uso da água, ponto de compensação de CO2 muito baixo, cloroplasto bifuncional

e alta taxa de crescimento com valores de temperatura e radiação solar elevado (HATCH, 2002).

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1.2. Transpiração

A água existente no solo chega até as folhas graças à força gerada pela perda de vapor de água

através dos estômatos, causando uma diminuição do potencial hídrico ao longo da planta, sendo

denominada de transpiração estomática. Na presença da luz, o pH da célula-guarda dos estômatos

torna-se alcalino através da transformação do amido em glicose, causando uma diminuição do potencial

da célula-guarda e conseqüente entrada de água e aumento da pressão, abrindo o estômato. À noite, o

pH da célula-guarda torna-se ácido pelo acúmulo de CO2 saindo água e conseqüente fechamento

estomático. Outra forma de transpiração, a cuticular, representa aproximadamente entre 5 a 10 % do

total e não pode ser regulado pelos vegetais. Porém, quanto mais espessa for a cutícula, menor é a

perda de umidade.

A água é transportada através dos vasos de xilema resultando na formação de uma coluna coesa

de água denominada de teoria da transpiração-coesão-tensão. É importante destacar que a transpiração

também contribui para dissipar o calor e impedir o superaquecimento das folhas, além de ser

fundamental para o transporte de nutrientes contidos na solução do solo.

Na cana-de-açúcar, em termos proporcionais, a transpiração aumenta gradativamente nos seis

primeiros meses de desenvolvimento, pois em suas fases iniciais, as plantas formam folhas cada vez

mais largas. A partir deste estádio, a transpiração tende a se manter em níveis praticamente constantes.

Obviamente, quanto maior a superfície de exposição, maior a perda de umidade e consequentemente

maior a reposição. Na cana-de-açúcar são gastos de 135 a 150 litros de água para a produção de 1 kg de

matéria seca (HUNSIGI, 1993). Dessa forma, as plantas regulam sua perda de água, ao mesmo tempo em

que permitem absorver o gás carbônico destinado à fotossíntese. A cana-de-açúcar, assim como outras

plantas C4, geralmente transpira menos água por molécula de gás carbônico fixado, o que as torna mais

eficiente em relação ao metabolismo como um todo.

1.3. Folhas

As folhas são alternadas, opostas e presas aos nós dos colmos e podem ser basicamente divididas

em duas partes, a parte superior conhecida como lâmina e a inferior, envolvendo o colmo, chamada de

bainha. A lâmina é uma estrutura alongada de comprimento variável na fase adulta entre 0,5 a 1,5 m,

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com largura de 2,5 a 10 cm, sempre dependendo da variedade (FIGURA 1). É sustentada por uma

nervura central que se estende por todo seu comprimento. Costuma ter bordos serrilhados (corpos

silicosos) e algumas variedades apresentam pêlos finos chamados de joçal, no dorso das bainhas,

dificultando o manuseio (VAN DILLEWIJN, 1952).

FIGURA 1 - Lâmina foliar da variedade RB 85 5156.

A partir da nervura central, saem em ângulo nervuras paralelas contendo um feixe vascular em

cada uma. Entre elas são encontradas fileiras de estômatos nas duas faces da folha, mas em maior

quantidade no limbo inferior. Estudos realizados no USDA indicaram que a área total de poros possui

uma correlação positiva com a riqueza em sacarose das variedades, mas essa informação ainda é pouco

utilizada nos programas de melhoramento, pois não esta clara a associação desta característica aos

genes passíveis de manejo.

As folhas podem ser numeradas de acordo com o “Sistema Kuijper” (FIGURA 2), que serve para

padronizar estudos de crescimento, nutrição e diagnose foliar. Nesse sistema a folha que apresenta a

primeira aurícula visível (TVD - Top Visiable Dewlap) no topo da planta, recebe a denominação de folha

+1. O nó que prende esta folha recebe a mesma denominação e, portanto, o internódio envolvido na

bainha desta folha também é o internódio +1. Esta folha representa a primeira folha completamente

desenvolvida do ponto de vista fisiológico e totalmente desenrolada anatomicamente. As folhas mais

velhas assim como seus nós, recebem numeração crescente, ou seja, +2, +3, etc., e as mais novas, em

direção ao ponteiro e gema apical, recebem a numeração 0, -1, -2, etc.

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FIGURA 2 - Porção apical de um colmo e sistema Kuijper de ordenação de folhas. Fonte: VAN DILLEWIJN (1952).

1.4. Crescimento foliar

Para facilitar o entendimento do crescimento foliar da cana-de-açúcar é necessário inicialmente

definir os ciclos da cultura (FIGURA 3), função principalmente da época de plantio. Cana de ano (12

meses) é plantada com início em outubro até dezembro e cana de ano e meio (18 meses) o plantio

geralmente é iniciado em janeiro indo até maio.

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FIGURA 3 - Ciclo da cana-de-açúcar para a região Centro-sul e balanço hídrico de Ribeirão Preto/SP. Fonte: BARBIERI; VILLA NOVA (1977).

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O comportamento do crescimento foliar durante o ciclo da cultura pode ser relacionado com o

acúmulo de graus-dia e déficit hídrico (TERUEL, 1995) sendo que para cada estádio da cultura existem

diferentes IAFs (FIGURA 4) como verificado por Leme; Maniero e Guidolin (1984). Em condições de

estresse hídrico, o desenvolvimento foliar é condicionado principalmente pela temperatura

(ROBERTSON et al., 1998), porém o principal fator atuando no desenvolvimento foliar é a

disponibilidade hídrica.

FIGURA 4 - Relação entre o índice de área foliar e a idade da cultura, durante o ciclo de cana-soca.

Araras – SP.

O conceito equivalente de somas térmicas, unidades de calor, graus-dia, etc., são frequentemente

utilizados na tentativa de definir relações de dependência entre a temperatura do ar e na variação de

tempo de ciclo. Essas somas térmicas se referem quase sempre às diferenças entre a temperatura

média diária e uma temperatura limite inferior para o crescimento denominada de temperatura base

(Tb) (VILLA NOVA et al., 1972) onde:

Para Tm > Tb

fTbTmTM

nGD .2

. (1)

Para Tm ≤ Tb

fTmTM

TbTMnGD .

2.

2

(2)

sendo:

GD = Graus-dia,

0 0,5

1 1,5

2 2,5

3 3,5

4

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360

Índ

ice d

e Á

rea F

oli

ar (

IAF

)

Idade da cultura em dias e meses do ano

SET JAN AGO OUT NOV DEZ FEV MAR ABR MAI JUN JUL SET

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TM = Temperatura máxima diária (ºC),

Tm = Temperatura mínima diária (ºC),

Tb = Temperatura base = 20ºC (BARBIERI; BACCHI; VILLA NOVA, 1979),

12Nf (3)

N = comprimento do dia em horas,

n = número de dias.

Estudando a área foliar com relação à interceptação da PAR - Radiação Fotossinteticamente Ativa,

Inman-Bamber (1994) verificou o fechamento quase completo das entrelinhas quando o IAF torna-se

maior que 4. Este fato determina a aceleração do amarelecimento e morte das folhas, explicando que

superfícies foliares maiores que 4 praticamente não aumentam a assimilação (BEZUIDENHOUT, 2000).

Trabalhos envolvendo medidas de crescimento têm indicado que a cultura em seu estágio de

máximo desenvolvimento apresenta um IAF entre 5 e 7 dependendo da variedade. Medidas de campo

do IAF obtidas por Scarpari (2006, em desenvolvimento) das variedades RB 85 5156 e SP 80-3280

relacionadas com o acúmulo dos graus-dia são mostradas na FIGURA 5 e nas FIGURAS 6 e 7 vemos a

distribuição espacial em um Cambissolo.

FIGURA 5 - Evolução temporal do IAF em 2003 e 2004.

IAF

0

2

4

6

8

0 250 500 750 1000 1250 1500 1750

Graus-dia acumulados

IAF

(m

².m

-²)

SP 80-3280 RB 85 5156

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As avaliações foram feitas de 29/04/2003 a 15/10/2004 na variedade RB 85 5156 e de 02/07/2003

a 15/10/2004 na variedade SP 80-3280 resultado de amostragens com intervalo de dois meses

aproximadamente. Analisando a evolução temporal do IAF (FIGURA 5), maiores valores são encontrados

na variedade SP 80-3280 em quase todo o período da amostragem. A vantagem está no fato da área

foliar individual ser maior já que o número de folhas verdes é semelhante nas duas variedades.

Observações de campo também indicam folhas mais eretas principalmente no topo do dossel desta

variedade. Isto explica o fato da SP 80-3280 ter um rápido fechamento da entrelinha tendo um melhor

desenvolvimento do dossel e maior interceptação da radiação solar. Observações semelhantes foram

feitas por Sinclair et al. (2004) estudando algumas variedades de Canal Point (CP) onde o número de

folhas verdes era semelhante, entretanto a área foliar individual variava. Outra constatação importante

é que na área da variedade SP 80-3280 o acúmulo de água no solo é maior indicando que a

disponibilidade hídrica afeta grandemente o crescimento da parte aérea em cana-de-açúcar.

Observando as FIGURAS 6 e 7 na área da variedade RB 855156, tem-se claramente o maior IAF na

parte médio-baixa da área onde ocorre maior acúmulo de água. Pode-se inferir desse modo que na

parte alta a cana-de-açúcar sofre um maior déficit hídrico, tendo um menor rendimento em colmos,

maior senescência, entrando em maturação mais precocemente que na parte baixa (SCARPARI;

BEAUCLAIR, 2004a).

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FIGURA 6 - Variabilidade espacial do IAF das variedades RB 855156 (área maior) e SP 80-3280 (área

menor) avaliada no dia 03/03/2004 com as respectivas legendas ao lado das áreas.

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FIGURA 7 - Variabilidade espacial do IAF das variedades RB 855156 (área maior) e SP80-3280 (área menor) avaliada no dia 01/06/2004 com as respectivas legendas ao lado das áreas.

Nas FIGURAS 6 e 7 na área da variedade SP 80-3280, a variabilidade espacial do IAF é pequena,

indicando que em áreas mais planas este fator varia pouco, tendendo o IAF ser maior nas extremidades

onde é mais baixo e há maior acúmulo de água. Fica evidente a importância da disponibilidade hídrica

no crescimento da área foliar da cana-de-açúcar e conseqüente relação com a produtividade.

1.5. Efeito do estresse hídrico no crescimento foliar e na produtividade da cana-de-açúcar

Os danos causados pelo estresse hídrico no crescimento foliar e produtividade da cana-de-açúcar

dependem da intensidade e da duração do período de deficiência, da fase de desenvolvimento da

cultura em que ocorre e da variedade cultivada (SOARES et al., 2004). Para obter rendimentos máximos

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em colmos, a cultura deve contar com uma umidade adequada durante todo o período vegetativo,

sendo o crescimento da cana diretamente proporcional a água transpirada. Dependendo do clima, as

necessidades hídricas são de 1.500 a 2.500 mm distribuídos de maneira uniforme durante o período de

desenvolvimento (DOORENBOS; KASSAM, 1979).

Os períodos de estresse hídrico podem ocorrer durante todo o ciclo da cultura, mas seu efeito

sobre a produtividade de colmos varia muito em função da interação entre a época do ano em que

ocorre e a fase fenológica da cultura. DOORENBOS e KASSAM (1979) propuseram um coeficiente de

sensibilidade (ky), indicando que o estresse hídrico tem maior influencia na produtividade de colmos

quando ocorre nas primeiras fases da cultura, pois pode prejudicar ou atrasar a brotação e o

perfilhamento. Quando o estresse hídrico ocorre próximo à maturação, a produtividade de colmos é

pouco afetada.

O estresse hídrico na planta influencia a fotossíntese ocasionando uma severa redução na síntese

de carboidratos e expansão foliar, porém no momento em que é fornecida água, ela retoma

imediatamente o crescimento em ritmo constante (ALEXANDER, 1973).

No IAC recentemente implantamos o projeto PREVCANA IAC para análise das curvas de

crescimento das variedades. Avaliando a biomassa através da amostragem ao longo dos meses após o

plantio, obtemos as curvas de crescimento para cada variedade estudada e o ambiente de produção

comparando com a produtividade na colheita de todo o talhão. A metodologia consiste da escolha das

variedades separadas por hábitos de crescimento (rápido ou lento) e avaliações para cana planta e cana

soca de início e fim de safra. Na FIGURA 8 temos o comportamento ao longo do ciclo das curvas de

crescimento de algumas variedades analisadas para cana planta.

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FIGURA 8 - Comportamento das curvas de crescimento de algumas variedades.

Analisando o comportamento varietal temos a IAC 87 3396, a RB 86 7515 e a PAV 94 09 atingindo

seu ponto de máximo crescimento aos 10 meses de plantio para cana planta sendo variedades de

crescimento muito rápido comparado às outras variedades e com excelente produtividade no ambiente

estudado. Ainda, algumas variedades não atingem seu ponto de máximo crescimento antes dos 12

meses como é o caso da SP 79-1011 e RB855113 indicando que são variedades de crescimento mais

lento e atingem seu ponto de máximo após 12 meses de plantio. Outra observação analisada é o ponto

de inflexão das curvas de crescimento definido na mudança da concavidade da curva, quando há a fase

linear. Variedades que atingem rapidamente este ponto tendem a fechar mais rápido a entrelinha como

é o caso da RB867515 e da IAC 87 3396.

Variedades que possuem crescimento rápido atingem obviamente sua máxima produtividade

mais cedo que as variedades de crescimento lento e dificilmente as variedades de crescimento lento

conseguem ultrapassar esta vantagem, somente após um determinado período no campo. Por isso,

modelos de crescimento utilizam estas observações para definir o comportamento das curvas de

crescimento e desta forma relacionar com parâmetros fisiológicos, sendo importantes na construção de

cenários para o momento ótimo do corte dessas variedades (SCARPARI; BEAUCLAIR, 2004b).

Curvas de crescimento

0

20

40

60

80

100

120

140

0 2 4 6 8 10 12 14

meses

TC

HIAC87 3396

NA85 1602

PAV94 09

RB83 5486

RB85 5113

RB85 5453

RB86 7515

SP79 1011

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