a contabilidade gerencial: uma perspectiva de ciclo de vida de seu desenvolvimento nas...

20
725 o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010 www.revistaoes.ufba.br A CONTABILIDADE GERENCIAL: UMA PERSPECTIVA DE CICLO DE VIDA DE SEU DESENVOLVIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES George Anthony Necyk* Fábio Frezatti** Resumo ste trabalho teve como objetivo ampliar o entendimento de como a Contabilidade Gerencial se desenvolve ao longo do tempo em uma organização, tomando como base o modelo de estágios de ciclo de vida de Miller e Friesen (1984), para organizações em geral, e o trabalho de Greenwood e Hinings (1993, 1996), que trata da dinâmica de transição entre estágios organizacionais, ambos baseados na Teoria da Configuração. A estratégia de pesquisa utilizada foi a de um estudo de caso único, que se justificou pela complexidade do tema e pela abordagem longitudinal retrospectiva. A empresa objeto deste estudo foi uma indústria de transformação com mais de 40 anos de idade. Em um horizonte de análise de 15 anos, foi possível constatar como a evolução dos estágios de ciclo de vida afeta o desenvolvimento da Contabilidade Gerencial: dentro do mesmo está- gio, aprofundando as características das soluções existentes; e na transição entre estágios distintos, alterando as soluções, introduzindo novas características. O trabalho é concluído com sugestões para estudos futuros, na expectativa de que se continue ampliando o en- tendimento do tema do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial. Palavras-chave: Contabilidade gerencial. Ciclo de vida. Teoria da configuração. Management Accounting: a life-cycle perspective of its development in organizations Abstract he objective of this work is to expand the understanding of how Management Accounting develops over time in an organization, taking as a foundation the Miller and Friesen (1984) life-cycle stage model for organizations in general, and the work of Greenwood and Hinings (1993, 1996) which deals with the transition dynamics between organizational stages, both based on Configuration Theory. The research strategy was a single case study, justified by the complexity of the theme and by the longitudinal retrospective approach to the study. The subject of this work was a more than 40 year-old manufacturing company. In a 15 year analysis time frame, it was possible to find how life-cycle stage evolution impacts Management Accounting development: within the same stages, deepening the characteristics of existing solutions, and in transition between distinct stages, altering solutions and introducing new characteristics. This work concludes with suggestions for future studies in the hope that knowledge about Management Accounting development continues to expand. Keywords: Management accounting. Life-cycle. Configuration theory. * Mestre em Ciências Contábeis pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo – FEA/USP. Consultor de empresas. Endereço: R. Francisco José da Silva 67/161. São Paulo/ SP. CEP: 05726-100. E-mail: [email protected] ** Livre docente e Professor titular da FEA/USP. E-mail: [email protected] E T

Upload: fontouramail

Post on 12-Sep-2015

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

contabilidade gerencial

TRANSCRIPT

  • 725o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    A CONTABILIDADE GERENCIAL: UMA

    PERSPECTIVA DE CICLO DE VIDA DE SEU

    DESENVOLVIMENTO NAS ORGANIZAES

    George Anthony Necyk*Fbio Frezatti**

    Resumo

    ste trabalho teve como objetivo ampliar o entendimento de como a ContabilidadeGerencial se desenvolve ao longo do tempo em uma organizao, tomando como baseo modelo de estgios de ciclo de vida de Miller e Friesen (1984), para organizaes emgeral, e o trabalho de Greenwood e Hinings (1993, 1996), que trata da dinmica de

    transio entre estgios organizacionais, ambos baseados na Teoria da Configurao. Aestratgia de pesquisa utilizada foi a de um estudo de caso nico, que se justificou pelacomplexidade do tema e pela abordagem longitudinal retrospectiva. A empresa objetodeste estudo foi uma indstria de transformao com mais de 40 anos de idade. Em umhorizonte de anlise de 15 anos, foi possvel constatar como a evoluo dos estgios deciclo de vida afeta o desenvolvimento da Contabilidade Gerencial: dentro do mesmo est-gio, aprofundando as caractersticas das solues existentes; e na transio entre estgiosdistintos, alterando as solues, introduzindo novas caractersticas. O trabalho concludocom sugestes para estudos futuros, na expectativa de que se continue ampliando o en-tendimento do tema do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial.

    Palavras-chave: Contabilidade gerencial. Ciclo de vida. Teoria da configurao.

    Management Accounting: a life-cycle perspective of its development in organizations

    Abstract

    he objective of this work is to expand the understanding of how ManagementAccounting develops over time in an organization, taking as a foundation the Miller andFriesen (1984) life-cycle stage model for organizations in general, and the work ofGreenwood and Hinings (1993, 1996) which deals with the transition dynamics between

    organizational stages, both based on Configuration Theory. The research strategy was asingle case study, justified by the complexity of the theme and by the longitudinal retrospectiveapproach to the study. The subject of this work was a more than 40 year-old manufacturingcompany. In a 15 year analysis time frame, it was possible to find how life-cycle stageevolution impacts Management Accounting development: within the same stages, deepeningthe characteristics of existing solutions, and in transition between distinct stages, alteringsolutions and introducing new characteristics. This work concludes with suggestions forfuture studies in the hope that knowledge about Management Accounting developmentcontinues to expand.

    Keywords: Management accounting. Life-cycle. Configuration theory.

    * Mestre em Cincias Contbeis pela Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de SoPaulo FEA/USP. Consultor de empresas. Endereo: R. Francisco Jos da Silva 67/161. So Paulo/SP. CEP: 05726-100. E-mail: [email protected]** Livre docente e Professor titular da FEA/USP. E-mail: [email protected]

    E

    T

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    726

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    Introduo

    Contabilidade Gerencial o ramo das Cincias Contbeis que se ocupa dasnecessidades de informao dos gestores ou, genericamente, dos usuriosinternos das organizaes. A Contabilidade Gerencial subsidia com informaeso processo de gesto das empresas, contribuindo para o controle gerencial,

    isto , o alcance dos objetivos estratgicos estabelecidos pela Direo do negcio(ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000, p. 6).

    Mais intensamente aps o final da Segunda Guerra Mundial, estudiosos epesquisadores do assunto utilizaram-se de vrias teorias para conceber soluese entender o processo de implementao de prticas contbeis gerenciais. Des-tacam-se a Teoria Neoclssica, a Teoria da Contingncia e as Teorias Institucionais.No entanto, estas so contribuies que no tm conversado entre si. Todo esseprocesso que trata de uma mudana especfica, pela reviso efetuada, se encon-tra pouco articulado e integrado.

    Muito recentemente, surgiram alguns estudos envolvendo estgios de ciclode vida e Contabilidade Gerencial (MOORES; YUEN, 2001; GRANLUND;TAIPALEENMAKI, 2005; AUZAIR; LANGFIELD-SMITH, 2005; DAVILA, 2005), que tra-zem uma nova viso ao tema de desenvolvimento, mudana e manuteno dasprticas contbeis gerenciais. Esses estudos utilizam a perspectiva de que asorganizaes passam por estgios ao longo de suas vidas e cada estgio estassociado a padres ambientais, estratgicos, estruturais e de tomada de deci-so caractersticos. A Contabilidade Gerencial, que seria um aspecto integrante daestrutura da organizao, deveria assumir caractersticas distintas conforme asnecessidades de informaes gerenciais de cada estgio do ciclo de vida. Servepara apoiar o processo decisrio, coordenar pessoas e apoiar o processo de ava-liao de desempenho. medida que a organizao se desenvolvesse ao longodos estgios, a Contabilidade Gerencial estaria se adaptando para acompanharas novas necessidades. No s haveria uma caracterizao abrangente das pr-ticas em cada estgio, mas tambm, potencialmente, um entendimento integradoda dinmica das mudanas entre os estgios.

    Embora a perspectiva de ciclo de vida abra novas possibilidades de compre-enso do fenmeno do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial nas empre-sas, h poucos estudos sobre o tema, conforme a reviso da literatura realizada,e mesmo os estudos existentes adotam, preferencialmente, uma abordagem cross-sectional. Ao se optar por essa abordagem, o potencial que essa perspectiva temde lanar luz sobre a relao de causa e efeito entre a progresso de estgios deciclo de vida e a sucesso de mudanas da Contabilidade Gerencial ao longo dotempo no foi devidamente explorado. Considerando, portanto, as limitaes dosestudos baseados nas abordagens contingenciais e institucionais e o potencialpouco explorado de novas perspectivas como o oferecido pelos modelos de ciclode vida para a compreenso do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial, apre-sentados anteriormente, coloca-se a seguinte questo: como a evoluo dos est-gios de ciclo de vida afeta o desenvolvimento da contabilidade gerencial nas empresas?

    Este artigo fruto de um projeto de pesquisa para dissertao de mestradoem que os autores estiveram envolvidos. Esta pesquisa teve como objetivo ampli-ar o entendimento de como a Contabilidade Gerencial se desenvolve ao longo dotempo em uma organizao, tomando como base um modelo de estgios de ciclode vida, na forma de um estudo de caso longitudinal retrospectivo como estrat-gia de pesquisa. Esta pesquisa justificou-se pelas novas perspectivas que podemvir a lanar sobre o fenmeno do desenvolvimento e da mudana da Contabilida-de Gerencial nas empresas. A existncia de padres no s aumentaria o poderexplicativo de situaes encontradas no presente, mas tambm ampliaria a capa-cidade preditiva de como a Contabilidade Gerencial deveria ser configurada emsituaes futuras planejadas. Uma perspectiva longitudinal poderia, adicionalmente,lanar luz sobre a dinmica de progresso entre os estgios e o efeito que issoteria sobre as prticas contbeis gerenciais antes vigentes.

    A

  • 727o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    O trabalho, alm desta introduo, est organizado em quatro partes: oreferencial terico, os aspectos metodolgicos, as anlises e as concluses. Oreferencial terico foi desenvolvido como base para a derivao das proposiesdo estudo de caso. A seguir, os aspectos metodolgicos so apresentados, relaci-onando os principais mtodos de coleta e anlise utilizados. Finalmente, as anli-ses dos estgios de ciclo de vida e das mudanas na Contabilidade Gerencial soapresentadas, bem como as concluses do trabalho.

    Referencial Terico

    O referencial terico est centrado em duas contribuies principais: Miller eFriesen (1984), que realizaram um dos poucos estudos empricos reconhecidos deum modelo de ciclo de vida, fundamentado na Teoria da Configurao, com uma abor-dagem longitudinal retrospectiva; e Greenwood e Hinnings (1993, 1996), os quaisteorizaram sobre a articulao das Teorias da Configurao e as Teorias Institucionais,a fim de propor um modelo explicativo da dinmica das mudanas organizacionais. DeMoores e Yuen (2001), utilizamos a caracterizao da Contabilidade Gerencial cons-tante de seu estudo pioneiro sobre a relao dos atributos da Contabilidade Gerenciale os estgios de ciclo de vida do modelo de Miller e Friesen (1984).

    Miller e Friesen

    Entre os vrios modelos de estgios de ciclo de vida existentes, o de Miller eFriesen (1984) destaca-se no s por sua profundidade conceitual, como tambmpelos testes empricos realizados. Por essas caractersticas, esse modelo tem oreconhecimento dos estudiosos da rea (LEVIE; HAY, 1999) e tem sido utilizadocomo base em novos estudos empricos, incluindo os da Contabilidade Gerencial(MOORES; YUEN, 2001). Por essas razes e mais o fato de que esse modelo foitestado em um enfoque longitudinal, esta pesquisa toma-o como a sua principalbase terica. O objetivo de Miller e Friesen (1984) foi o de estabelecer uma tipologiaque pudesse ser utilizada para prever diferenas nas caractersticas ambientais eorganizacionais em distintos estgios de desenvolvimento. A justificativa do traba-lho que desenvolveram residia na ausncia de estudos longitudinais, que evidenci-assem a seqncia evolutiva entre os estgios do ciclo de vida. At ento, os estu-dos eram eminentemente cross-sectional, identificando caractersticas estticas dediferentes organizaes em distintos estgios de vida, no mesmo momento histrico.Com base em estudos anteriores, Miller e Friesen (1984) definiram cinco estgiosde desenvolvimento: nascimento, crescimento, maturidade, renovao e declnio.

    Subjacente abordagem de ciclo de vida das organizaes de Miller e Friesen(1984), jaz o conceito de configurao, conforme desenvolvido por Miller e Friesen(1980a, 1980b e 1984) e Miller (1986, 1987 e 1996). Cada estgio de ciclo de vidacorresponde a uma configurao, definida por Miller (1996, p. 508) como [...] ograu pelo qual os elementos organizacionais so orquestrados e conectados porum tema singular. A premissa bsica a de que os elementos da estrutura, daestratgia e do ambiente se combinam em um nmero finito de formas alternati-vas comuns, apesar de a multiplicidade de atributos de uma organizao sugerirteoricamente um nmero infinito de combinaes. Entendendo a ContabilidadeGerencial como um aspecto da estrutura de uma configurao, teoriza-se que aContabilidade Gerencial teria que mudar em cada estgio do ciclo de vida paramanter a consistncia com os demais atributos da configurao.

    A relao entre a Teoria da Contingncia e a Teoria da Configurao temsido explorada com freqncia na literatura. Enquanto alguns autores vem asegunda como um caso mais sofisticado da primeira, outros, sem desconsideraresse aspecto, reconhecem haver pressupostos metodolgicos que tornam as duasabordagens distintas. Segundo Meyer et al (1993), a abordagem por meio de con-figuraes tem o potencial de sintetizar os conceitos fragmentados da teoria da

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    728

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    contingncia em padres que contm um amplo conjunto de elementos. Portanto,ao se tratar de estgios de ciclo de vida e, por conseguinte, da Teoria das Configu-raes, est-se aplicando uma forma de fit/matching mais complexa, de cartersistmico, que est presente na Teoria da Contingncia. Entretanto, Gerdin e Gre-ve (2004, p. 306) alertam para o risco de se compararem achados segundo abor-dagens distintas de fit/matching, j que as premissas de anlise por detrs decada uma delas podem levar a concluses diferentes.

    Uma explicao para a dinmica das mudanas organizacionais tambm oferecida pela Teoria da Configurao (MILLER; FRIESEN; 1980b), considerando quemudanas em elementos da organizao isolados so, normalmente, evitadas oumalsucedidas medida que destroem as complementaridades entre os vrios ele-mentos da configurao. No mximo, dentro de uma mesma configurao, os ele-mentos evoluem, aperfeioando ou aprofundando as mesmas caractersticas, com-patveis com o modelo adotado (ex: uma nfase burocrtica em padronizao eformalidade favorece o desenvolvimento de novos controles). Somente quando umamudana absolutamente necessria ou muito vantajosa que ocorrem mudanasrevolucionrias, levando a organizao de uma configurao a outra diferente. Teoriza-se que tais mudanas deveriam ocorrer rapidamente para encurtar o perodo detransio e de incoerncia entre os elementos organizacionais. Essas revoluesseriam caras e arriscadas e, portanto, no aconteceriam com freqncia. Conse-qentemente, as organizaes privilegiariam a manuteno de suas configuraespor longos perodos. A evoluo configuraria uma mudana de magnitude, enquan-to a revoluo seria uma mudana de padro.

    Miller e Friesen (1980b, p.596) relacionam os principais eventos de mudanaque poderiam desencadear a transio para uma nova configurao: (1) estilo detomada-de-deciso (ex: a troca do principal executivo); (2) ambiente externo (ex:boom ou recesso econmica); (3) estrutura (ex: fuses, aquisies etc.) e; (4)estratgia (ex: novo produto ou estratgia de mercado). Uma vez concluda atransio para a nova configurao, no significa que haja uma estabilidade abso-luta, mas ocorrem mudanas evolutivas e incrementais, reforando as caractersti-cas do tema central da configurao.

    As configuraes teriam um alto valor preditivo. A deteco da presena decertos elementos poderia apoiar uma predio confivel dos elementos remanes-centes, assim caracterizando a configurao. (MILLER, 1996, p.505). O poderpreditivo reside no fato de a maior parte das combinaes de elementos ser pou-co provvel, enquanto um nmero relativamente pequeno de combinaes seriabem mais comum. As implicaes tericas e prticas seriam relevantes, medidaque se pudessem fazer predies sobre detalhes da forma organizacional de umaentidade a partir de traos que caracterizem sua configurao ou, no caso desteestudo, seu estgio de desenvolvimento de ciclo de vida. Os critrios utilizadospor Miller e Friesen (1984, p. 1166) esto resumidos no Quadro 1.

    Quadro 1 Critrios de Classificao em Estgios de Ciclo de Vida

    Nascimento Crescimento Maturidade Renovao Declnio Idade < 10 anos Taxa de crescimento > 15% < 15% > 15% Estagnada Estrutura

    Informal Funcional (incio da formalizao)

    Funcional (burocratizao mais avanada)

    Divisional

    Propriedade*

    Proprietrio- gestor

    Diversificao da linha de produtos*

    Alta

    Grau de Inovao* Baixo Lucratividade* Em queda Sofisticao da Contabilidade Gerencial*

    Alta

    (*) utilizar se necessrio para a classificao

    FONTE: MILLER; FRIESEN, 1984, p. 1166.

  • 729o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    No modelo de Miller e Friesen (1984), o tema da Contabilidade Gerencialestava coberto em cerca de quatro variveis de um conjunto de 54 atributosorganizacionais e do ambiente. De sua pesquisa emprica, resumiram-se as princi-pais caractersticas relacionadas Contabilidade Gerencial, em cada estgio domodelo de ciclo de vida.

    No nascimento (birth), as estruturas so simples e centralizadas. H poucoscontroles formais e sistemas de informao. A firma dominada pelo fundador, oqual concentra as decises, prescindindo de um staff especializado. Um estilo in-tuitivo de deciso predomina, em lugar de um modelo analtico. Projetos no sodetalhados, nem alternativas consideradas, poucas opinies so levadas em con-ta em uma deciso-chave.

    Na fase de crescimento (growth), a linha de produtos ampliada e mercadosso abordados de forma segmentada. A estrutura torna-se mais especializada e ainfluncia do pioneiro na rotina administrativa diminui. Maior esforo despendidona coleta e processamento de informao a respeito do ambiente competitivo(monitoramento), para controle do desempenho financeiro dos diversos produtose para facilitar a comunicao e coordenao entre os vrios departamentos. Ograu de ousadia das decises ainda est presente, mas reduzido, uma vez quemais gerentes so envolvidos nas decises, diminuindo o apetite a riscos eproatividade. As decises tendem a ser mais analticas, menos dependentes dopalpite do pioneiro e mais centradas nas discusses entre os gerentes.

    Ao atingir a maturidade (maturity), o grau de inovao diminui, arranjos po-lticos so perseguidos para manter a estabilidade do ambiente e a meta passa aser a melhoria da eficincia e a lucratividade das operaes. A estrutura maisprofissionalizada e o fundador, provavelmente, j tenha se retirado. H maior n-fase na formalidade dos controles, oramentos e indicadores de desempenho. Oestilo de deciso mais conservador, menos inclinado a assumir riscos e a inova-es. O nvel de anlise similar ao da fase anterior.

    Na fase de renovao (revival), h mais inovaes do que em qualquer outroperodo do ciclo de vida. A diversidade de produtos e mercados leva a uma estru-tura divisionalizada. A direo da empresa utiliza controles sofisticados paramonitorar o desempenho de suas divises, a fim de orientar suas decises estra-tgicas. A maior complexidade exige outros tipos de controle de monitoramentoambiental e de coordenao interna, alm daqueles comuns fase anterior. Oestilo de deciso volta a privilegiar a inovao e o risco, de modo a gerar cresci-mento. A ousadia renovada, no entanto, equilibrada por uma abordagem maisanaltica e participativa de deciso. H uma tentativa consciente de formular umaestratgia para orientar o curso futuro da organizao.

    No declnio (decline), as organizaes se tornam estagnadas. O foco inter-no. H uma ausncia marcante de sistemas de controle internos ou externos. Acomunicao entre reas e nveis hierrquicos deficiente, diminuindo a capacida-de de reao aos desafios. A tomada de deciso caracterizada por extremoconservadorismo e centralizao. A gesto das crises deixa pouco tempo para adireo se dedicar anlise. A organizao regride para solues simples aosgraves problemas que enfrenta.

    O tema central desse modelo como a organizao responde crescentecomplexidade da tarefa administrativa medida que progride em seu ciclo de vida.Seus achados comprovaram que os desafios so respondidos por meio de solu-es estruturais, de estilo de deciso e de estratgia crescentemente complexos.Com base nesses achados, enunciamos a primeira proposio deste estudo.

    Proposio 1: o grau de formalizao da Contabilidade Gerencial aumen-ta atravs dos estgios organizacionais nascimento, crescimento,maturidade e renovao , conforme a maior complexidadeorganizacional, exceto pelo estgio de declnio.

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    730

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    Greenwood e Hinings

    Diferentemente da Teoria da Contingncia, a relao da Teoria da Configu-rao com as Teorias Institucionais tem sido menos explorada na literatura.Greenwood e Hinings (1993 e 1996), no entanto, trazem uma contribuio impor-tante no sentido de estabelecer paralelos entre essas teorias, ao enfocarem otema de mudanas organizacionais. Greenwood e Hinings (1993, p. 1052) adotamo termo arqutipo como sinnimo de configurao, os quais definem como [...]um conjunto de estruturas e sistemas que refletem um esquema interpretativocomum. Nessa definio, primeiramente, enfatizam um padro abrangente eholstico de caractersticas da estrutura organizacional e dos sistemas de gesto,no lugar de um conjunto restrito de propriedades organizacionais e de sistemas.Segundo, realam que o padro funo de idias, crenas e valores, os quaiscompem um esquema interpretativo.

    Greenwood e Hinings (1996) viram paralelos entre os pressupostos da Teo-ria da Contingncia e o das Teorias Institucionais. O fenmeno do isomorfismo(DIMAGGIO; POWELL, 1991, p.66) descreve como presses institucionais levariamas organizaes a adotarem formas similares, ou seja, o contexto institucionalforaria a convergncia para modelos de organizao. O enfoque em modelos deorganizao as poucas formas aceitas tambm uma proposio bsica daTeoria da Configurao. Mesmo havendo uma possibilidade infinita de combina-es de atributos organizacionais, na prtica, observa-se um conjunto restrito demodelos organizacionais. Ao mesmo tempo, essas poucas solues organizacionaisrefletiriam idias, crenas e valores do contexto institucional, como afirmou Selznick(1957, p. 17): o comportamento organizacional institucionalizado tem sido defini-do como atividades estveis, repetitivas e duradouras que se tornam permeadaspor valor alm dos requerimentos tcnicos da tarefa em mos. Da mesma forma,a nfase sobre valores mencionada nas Teorias Institucionais teria paralelo com aidia ou o tema central que molda a organizao em um conjunto coeso e coeren-te de atributos, isto , a configurao.

    No modelo que conceberam para o entendimento das mudanasorganizacionais (Figura 1), Greenwood e Hinings (1996) distinguiram entre a din-mica extra-organizacional e intra-organizacional. A dinmica externa consiste nocontexto institucional, como entendido pela NIS (New Institutional Sociology), e nocontexto de mercado, como sugerido pela Teoria da Dependncia de Recursos,isto , a organizao utiliza-se do poder, controle e negociao como forma deassegurar a estabilidade do fluxo de recursos vitais e reduzir a incerteza ambiental(PFEFFER; SALANCIK, 1978 apud DONALDSON, 1995, p.129). De forma indepen-dente ou conjunta, as presses institucionais ou de mercado podem alterar aestrutura interna de poder ou prescrever formas alternativas de organizao, ar-qutipos (configuraes) diferentes. Em outras palavras, segundo Greenwood eHinings (1996), as possveis configuraes que uma organizao pode assumirso dadas pelo seu contexto externo, isto , seu ambiente institucional ou demercado. Tal influncia seria to maior quanto maior fosse o grau de regulaoque o setor sofresse.

  • 731o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    Figura 1 Mudana Organizacional segundo Greenwood e Hinings

    Variveis Variveis Resultados Antecedentes Intervenientes

    Dinmica Externa

    Presses de Mercado

    Presses Institucionais

    Insatisfao de Interesses

    Compromisso com Valores

    Estrutura de Poder

    Capacidade de Ao

    Mudana Organizacional

    Fonte: GREENWOOD; HININGS, 1996, p. 1034.

    Internamente, para que uma mudana seja desencadeada, preciso haverpelo menos um grupo de interesse insatisfeito. medida que a organizao setorna mais complexa, a estrutura tende a se diferenciar em grupos especializados.Espera-se que esses grupos persigam interesses prprios que se traduzam emgarantir a alocao favorvel de recursos organizacionais escassos e valiosos. Ainsatisfao dos interesses um motivador para mudanas, mas o tipo de mudan-a - evolutiva ou radical - depende de o grupo insatisfeito perceber a conexoentre o modelo vigente e sua posio desvantajosa. O compromisso existentecom os valores vigentes ditaria o tipo de resposta:1) status quo, todos os grupos esto comprometidos com o modelo

    institucionalizado;2) indiferena, quando os grupos no esto nem a favor nem contra o modelo

    em uso;3) competio, quando alguns grupos apiam o modelo atual e outros um al-

    ternativo;4) reforma, quando todos os grupos se opem ao modelo vigente e preferem

    um alternativo.

    Os autores desenvolveram hipteses de que uma mudana radical poderiaocorrer somente no caso de competio ou reforma. A mudana radical ocorreriaat mesmo independentemente de haver presses de mercado ou institucionais,simplesmente pela dinmica interna de poder. Na falta de um compromisso quetenda competio ou reforma, a insatisfao porventura existente geraria ummovimento de convergncia, de mudana evolutiva.

    O fenmeno da convergncia, o aprofundamento das caractersticas da con-figurao atual, pode ser explicado por fatores econmicos ou, alternativamente,por fatores polticos (GREENWOOD; HININGS, 1993, p. 1056). No primeiro caso, ho reconhecimento de que para uma organizao melhor ser um todo consistente

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    732

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    do que a combinao de partes que no se encaixam direito, levando, assim, a ummaior desempenho. No segundo caso, parte-se do pressuposto de que as organi-zaes so compostas de grupos que so beneficiados distintamente pela alocaode recursos. A coalizo dominante caminharia no sentido de reforar a coernciada configurao, medida que consolidassem sua posio poltica e o controlesobre a distribuio de recursos. A existncia de um esquema interpretativo crenas e valores dominante no significa que todos os atores organizacionaisestejam comprometidos com essas idias. A cultura se expressa na estrutura enos sistemas organizacionais na proporo em que os atores aceitam e se com-portam de acordo com as crenas e valores que a compem. Uma cultura forte d-se quando as crenas e valores centrais so aceitos por toda a organizao e asprticas e procedimentos so consistentes com eles.

    Por fim, para que a mudana se efetive, duas condies so tidas comonecessrias: poder e capacidade para agir. Grupos de interesse tm poder dife-renciado. Alguns tm maior potencial de provocar ou resistir a mudanas. Logo, aestrutura de poder da organizao um fator crtico na determinao daimplementao ou no de uma mudana, especialmente, uma de carter radical.Conforme apontado anteriormente, o contexto externo pode provocar alteraesna estrutura de poder, ao alar as capacidades de um grupo a um maior nvel derelevncia, em detrimento de outro, devido a mudanas institucionais ou de mer-cado. Por outro lado, a capacidade de implementar mudanas, de se mover deuma configurao a outra, exige: suficiente conhecimento dos conceitos da novaconfigurao, ter as habilidades e competncias para funcionar no novo modelo ea habilidade para gerenciar a transio para o futuro estado organizacional. No-vamente, h um aspecto de liderana relacionado s atividades de transio. Es-tes fatores influenciam a velocidade da mudana; onde esto mais presentes,haveria confiana para mover-se mais rapidamente, do contrrio, um processomais lento e cauteloso.

    A partir da reflexo de Greenwood e Hinings, enunciamos a segunda propo-sio terica deste estudo.

    Proposio 2: a mudana de configurao ou a transio entre estgiosde ciclo de vida requer um grupo de interesses insatisfeito, comprometidocom uma configurao alternativa, com poder e capacidade suficientespara implement-la.

    Aspectos Metodolgicos

    A estratgia bsica recomendada para a pesquisa foi a de estudo de caso(YIN, 2005, p. 19). A questo de pesquisa deste trabalho tem o formato como,caracterizando o estudo de uma situao complexa, de carter explanatrio, talqual a do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial nas empresas. Este fen-meno no se presta experimentao e est inserido no contexto da realidadede um ente social, isto , a empresa objeto do estudo.

    Por outro lado, h no objeto do estudo no s aspectos contemporneos,mas tambm histricos, uma vez que se pretende resgatar o desenvolvimento daContabilidade Gerencial de um ponto no passado at os dias atuais, o que implicao uso de tcnicas de levantamento especficas para conferir validade e confiabilidadeao estudo. A retrospectiva do desenvolvimento da Contabilidade Gerencial confe-re uma caracterstica longitudinal ao estudo. Estudos longitudinais contrapem-sea estudos cross-sectional. Estes ltimos se referem a um momento especfico notempo, enquanto os primeiros se referem a mais de um momento no decurso dotempo. Na literatura, encontram-se duas acepes para estudos longitudinais(SMITH, 1975, p.276; LEONARD-BARTON, 1995, p. 38; PETTIGREW, 1995, p. 96;GLICK et al, 1995, p. 126; VAN DE VEN; POOLE; 1995, p. 159; KOTECKI, 2001,p.74): prospectivo e retrospectivo. Nos estudos longitudinais prospectivos, os dadosso coletados ou as observaes so realizadas em vrios momentos, medida

  • 733o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    que o experimento ou fenmeno se desenvolve. Nos estudos longitudinais retros-pectivos, os dados so coletados em um dado momento, aps o experimento oufenmeno ter ocorrido. Esse o caso do estudo realizado por Miller e Friesen(1984) e o deste trabalho no que diz respeito histria da empresa. Para Yin(2005, p. 63), um estudo longitudinal um dos fundamentos lgicos para conside-rar um estudo de caso nico como apropriado: [...] estudar o mesmo caso nicoem dois ou mais pontos diferentes no tempo.

    A principal fonte de evidncias encontra-se nos depoimento de profissionaisda empresa estudada: usurios da informao contbil (corpo diretivo) e os princi-pais responsveis pela preparao da informao contbil. Tal fonte foicomplementada por dados coletados em arquivos, documentos e por exemplos deartefatos, sempre que estivessem disponveis. A entrevista constituiu o mais impor-tante mtodo de coleta empregado nesta pesquisa. O objetivo consistiu em, a par-tir do depoimento dos entrevistados, formar uma imagem do conjunto de eventosde mudana que afetaram a empresa no decurso de sua histria, nas dimenses deseu contexto ambiental, de suas estratgias, de sua estrutura - incluindo a Conta-bilidade Gerencial - e de seu estilo de tomada-de-deciso. Considerando as particu-laridades deste estudo, algumas tcnicas de entrevista especficas foram especial-mente combinadas: entrevistas em profundidade, histria oral e incidentes crticos.

    O protocolo deste estudo seguiu as orientaes gerais de Yin (2005, p. 94),as quais subdividem o protocolo em sees: viso geral, procedimentos de cam-po, as questes do estudo de caso e o guia para o relatrio do estudo de caso.Os levantamentos se realizaram por meio de blocos de entrevistas que enfocarama situao atual, o resgate da histria da empresa e de sua Contabilidade Gerenciale a dinmica das mudanas observadas. Em paralelo, foram levantados os dadossecundrios complementares.

    O presente trabalho estabeleceu proposies com base no referencial terico,as quais foram analisadas luz das evidncias coletadas, constituindo-se naprincipal estratgia analtica adotada. Simplificadamente, verificou-se em cada pero-do/estgio a compatibilidade dos eventos (incidentes crticos) com as caractersti-cas esperadas, conforme o modelo terico de ciclo de vida, e se a mudana entre edentro dos estgios estava de acordo com a teoria. Explanaes alternativas foramlevadas em conta, como, por exemplo, considerar as caractersticas da Contabilida-de Gerencial no decorrentes, exclusivamente, do estgio de ciclo de vida. A abor-dagem descritiva foi utilizada como etapa intermediria, para organizar a massa deevidncias em um painel cronolgico de incidentes crticos organizados por perodo/estgio e por dimenso organizacional ambiente externo, estratgia, estrutura(incluindo Contabilidade Gerencial) e estilo de tomada-de-deciso.

    Como preparativo para a anlise, Miles e Huberman (1994, p. 111) sugeremformas de apresentar os dados qualitativos, entre as quais se destacam, para osobjetivos deste trabalho, os displays ordenados no tempo, que so diagramas emque eventos so ordenados cronologicamente e classificados em categorias oudimenses de anlise. Tal proposio visa tornar inteligvel um conjunto de narra-tivas, que, de outro modo, tornaria difcil uma anlise direta. Entre as variaesdessa tcnica, mencionam o quadro cronolgico de incidentes crticos (MILES;HUBERMAN, 1994, p. 115), ou seja, o quadro dos eventos que tiveram influnciadecisiva no curso de um processo de mudanas.

    Anlise

    A empresa, objeto deste estudo de caso, era uma indstria de transforma-o de minrios que produzia e comercializava mais de 20 tipos de produtos. Aempresa pertence a um grupo familiar 100% nacional, o qual detinha outros in-vestimentos em uma cadeia verticalizada de minerao, transformao e distribui-o. A empresa havia sido fundada em 1961 e era de capital fechado. Em obser-vncia ao compromisso de confidencialidade, o nome do grupo e de suas empre-sas no foram mencionados neste artigo.

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    734

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    Conforme os critrios de seleo recomendados pela metodologia (SEIDMAN,1991, p. 42), que visa a dar o mximo de variabilidade dentro do escopo da pes-quisa, identificaram-se 5 profissionais como participantes do estudo de caso, en-globando usurios e preparadores da informao gerencial nos nveis de conse-lho, diretoria e gerencial. A grande maioria dos participantes tinha em torno de 15anos de experincia em cargos gerenciais.

    Estgios de ciclo de vida

    O objetivo dessa anlise foi, a partir de uma retrospectiva histrica quetermina com a situao atual, avaliar a coerncia da evoluo das caractersticasambientais e organizacionais dos perodos com os atributos esperados dos est-gios de ciclo de vida, conforme apresentados no referencial terico.

    A entrevista desenvolveu-se de uma forma aberta, primeiramente estimu-lando o participante a relatar os eventos segundo as dimenses e categoriasutilizadas por Miller e Friesen (1980b, p. 596). Como referncia, utilizou-se a sriehistrica da receita lquida cujos valores foram expressos em reais de 31 de de-zembro de 2006, que foi o ltimo ano apurado da srie. Em uma segunda parte daentrevista, os eventos citados foram repassados de modo a se obterem maioresdetalhes sobre eles. Sobre cada evento citado, requisitou-se, alm da sua descri-o, a sua data (ou perodo) de ocorrncia aproximada, seus antecedentes, seusimpactos e as principais pessoas envolvidas, quando fosse o caso. Da triangulaodos diversos relatos, das sries histricas volume de produo (em toneladas),nmero de funcionrios, receita lquida e lucro lquido (R$ de 31/12/2006) - e deevidncias documentais, fez-se a localizao aproximada dos eventos no tempo.Os eventos foram classificados em uma das dimenses do modelo de ciclo de vidade Miller e Friesen ambiente, estratgia, estrutura, liderana -, ou, especialmen-te, como relativo Contabilidade Gerencial, para se dar o destaque necessrio aoobjeto deste estudo.

    O horizonte estabelecido para a anlise remonta ao ano de 1994, eventomais remoto citado por todos os participantes. Perodos foram definidos com basena ocorrncia de um evento primrio ou de um conjunto de eventos primrios queocorreram de forma simultnea. Por evento primrio, entende-se aquele que notem um antecedente prximo claramente identificvel e impactou na ocorrncia depelo menos um evento posterior. Como preconizado por Miller e Friesen (1984), aevoluo da receita lquida e o tipo de estrutura organizacional foram os doisprincipais critrios de classificao dos perodos em estgios de ciclo de vida. Se-guindo a sugesto de Miles e Huberman (1994, p. 115), os dados qualitativos oseventos ou incidentes crticos foram organizados em um diagrama em que foramdispostos cronologicamente, explicitando as relaes de precedncia, tal comoobservado nos relatos dos antecedentes e implicaes (ver Anexo).

    Com base no disposto acima, o horizonte de anlise foi subdividido em qua-tro fases: de 1994 a 1998, de 1998 a 2001, de 2001 a 2005 e de 2005 em diante.O quadro 2 resume os principais impactos dos estgios de ciclo de vida sobre aContabilidade Gerencial. Dos perodos anteriores, pr-1994, a empresa herdoucomo principal sistema de controle gerencial um sistema de custos-padro cujagnese remonta a 1972, quando o governo exigiu um controle formal para reajus-te de preos. At ento, no havia um sistema de custos na empresa. A partir da,o sistema evoluiu em verses mais complexas, sendo utilizado primordialmentepara fins de precificao de produtos.

  • 735o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    Quadro 2 Estgios de Ciclo de Vida e a Contabilidade Gerencial

    Perodo Estgio / Ttulo Impactos sobre a Contabilidade Gerencial

    1994-1998 Declnio / Crise ps-Plano Real Manuteno da prtica de precificao Descontinuao de controles gerenciais

    1998-2001 Crescimento / Retomada do crescimento Manuteno da prtica de precificao

    2001-2005 Crescimento / Retomada da Sucesso Manuteno da prtica de precificao Implementao de novos controles

    gerenciais 2005- Transio: Maturidade ou Declnio /

    Profissionalizao? Alterao da prtica de precificao Introduo do processo oramentrio

    O conjunto de perodos analisados apresenta uma organizao que alternaperodos favorveis de crescimento e outros de declnio. No perodo de 1994 a1998, devido crise, o processo sucessrio iniciado no perodo anterior foi aborta-do. At a retomada da sucesso, a partir de 2001, havia uma nica concepo degesto da empresa, encarnada na figura do pioneiro, o fundador. Ele concentravao controle e a gesto. Os administradores eram meros executores. Seu estiloinformal e pessoal de administrar prescindia de maiores controles. As deciseseram dele e ele mantinha contato direto com seus colaboradores. Foi um estiloque funcionou e levou a empresa a um tamanho significativo, embora se possaperguntar das limitaes e dos riscos envolvidos. S mais recentemente na hist-ria da empresa uma nova concepo de gesto surgiu, justamente com a retoma-da da sucesso. Os sucessores tinham a idia de separar o controle da gesto,para o que necessitavam de controles formais e impessoais. Havia claramente umconflito entre estas duas concepes, prevalecendo ainda a do pioneiro frente dos sucessores. Com o fim de uma fase de crescimento, em 2005, havia duasalternativas de desenvolvimento da organizao possveis: a transio para umestgio de maturidade, com a institucionalizao dos mecanismos de governanacorporativa, ou a regresso ao modelo anterior, em uma nova fase de declnio.Pode-se considerar que a tendncia maior era pela transio para o estgio dematuridade, pela inevitabilidade e maior proximidade da sucesso, embora o pro-cesso estivesse se dando mais lentamente, justamente pela convivncia de ambasas concepes de gesto.

    De modo geral, as caractersticas observadas nos perodos so compatveiscom a descrio dos estgios correspondentes com o referencial terico. Notou-se, entretanto, uma discrepncia na longevidade da influncia do pioneiro sobre agesto da empresa. O que deveria, segundo o modelo, diminuir ao longo do cres-cimento, permanece fortemente entranhado nas configuraes, no horizonte des-te estudo. Um dos efeitos observados disso foi o retardamento da sofisticaodos controles gerenciais, pois o estilo de gesto do pioneiro era pessoal e infor-mal. O referencial terico admite que possa haver disfunes, com impactos sobreo desempenho. Dessa forma, o desempenho poderia ter sido menor do que seriapossvel em uma configurao ideal. De fato, sabe-se que o principal concorrentetinha, na atualidade, uma ordem de grandeza maior do que a da empresa e, pormuito pouco, a empresa no foi absorvida por ele, em seu pior momento de crise.

    O caso fornece evidncias de que a empresa, sob comando do fundador,pode crescer e declinar de maneira sucessiva, sem necessariamente trocar a es-sncia do seu modelo de gesto. De forma reativa, cresce quando a situao favorvel e decresce quando desfavorvel. Por conseguinte, h, possivelmente,um limite ao tamanho e complexidade que a empresa gerida pessoal e informal-mente pode assumir sem colocar em risco sua continuidade, pela falta de contro-les apropriados. Talvez, de forma excepcional, o pioneiro consiga fazer um suces-sor com caractersticas similares s dele. Provavelmente, a questo existencialpara a maioria das empresas que ainda tm o pioneiro no comando como equando realizar a transio para uma gesto profissionalizada. Porprofissionalizada, entende-se uma organizao em que haja separao do controle(exercido pelos acionistas) e gesto (exercido pelos administradores profissio-nais), por meio de mecanismos formais.

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    736

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    No modelo de Miller e Friesen (1984, p. 1171), tal separao uma caracters-tica do estgio de crescimento: [...] o impacto nas decises [...] dos proprietriosem particular ter sido substancialmente reduzido. Da a disfuno anteriormentemencionada. A sucesso do pioneiro um aspecto do modelo de ciclo de vida. possvel que, para as empresas norte-americanas estudadas por Miller e Friesen(1984), esse evento tenha ocorrido em algum momento na fase de crescimento,quando, ento, o pioneiro se afasta dos negcios, medida que o controle dilu-do. De maneira diferente, no caso brasileiro, no qual predominam empresas famili-ares, com alta concentrao de controle, a permanncia do pioneiro no estgio decrescimento seja um fenmeno mais comum. Considerando o quo comum essacaracterstica particular do capitalismo brasileiro em comparao com o modeloanglo-americano, uma alternativa a trat-la como disfuno do estgio de cresci-mento seria considerar duas configuraes distintas de crescimento: uma semprofissionalizao, com um mnimo de controle, muito similar ao estgio de nasci-mento, e outra, profissionalizada, com um conjunto mais sofisticado de controles,como descrita por Miller e Friesen (1984). Outra alternativa, defendida por estetrabalho, seria ampliar a fase de nascimento, deixando de limit-la at os 10 anosde vida da empresa, e renome-la, por exemplo, como o estgio pioneiro. Somentecom a mudana do estilo pessoal e informal de gesto, normalmente associado figura do pioneiro, haveria, ento, uma mudana de estgio. Esta ltima concepomanteria o mesmo nmero e a mesma descrio dos estgios de Miller e Friesen(1984), apenas retirando o limite durao do estgio de nascimento.

    As consideraes acima remetem freqncia e importncia do estgio dedeclnio. O ciclo de expanso e contrao da atividade parece ser comum emempresas como a estudada, nas quais, na ausncia de uma estratgia proativa,se reage ao ambiente crescendo no tempo das vacas gordas ou encolhendo ata tempestade passar. Nos perodos de contrao, os quais podem tambm es-tar associados a crises econmicas, como observado no caso, o paradigma degesto e, portanto, a configurao do pioneiro no mudou. Ou se entende que acontrao de vendas faz parte do mesmo estgio pioneiro ou se entende que oestgio de declnio no fundo um perodo que preserva a idia central da confi-gurao do estgio precedente, mas em um contexto disfuncional, o qual compro-mete o desempenho da empresa. Desse modo, o declnio seria o efeito da per-sistncia em uma configurao cuja capacidade de resposta efetiva s condiesdo contexto tenha chegado ao seu limite. A reverso do contexto desfavorvelpode, simplesmente, conduzir a organizao condio usual (anterior) de neg-cios, persistindo a configurao prevalente. Por outro lado, havendo o prolonga-mento do contexto desfavorvel, a empresa pode se ver forada a encontrar umaoutra configurao que responda mais satisfatoriamente s demandas, ou, en-to, perecer. No caso, a empresa foi salva pela mxi-desvalorizao, em 1998, querestabeleceu a competitividade da empresa no mbito internacional.

    No caso em estudo, identificaram-se trs transies: para o declnio, para ocrescimento e, possivelmente, para a maturidade. No declnio, observou-se adescontinuidade de controles e de prticas. A falta de informao gerencial nodeclnio um trao descrito por Miller e Friesen (1984), compatvel com adescontinuao observada dos controles. Outra maneira de explicar o impacto datransio de estgio de ciclo de vida sobre os controles que foram descontinuados considerar que o paradigma de gesto do pioneiro prevalente no reconhecia autilidade desses controles e, estando minada a posio dos seus defensores, nocaso sua filha e os gestores por ela contratados, foi uma ocasio propcia para selivrar deles. Nessa viso, o declnio no teria mudado a essncia da configuraoassociada ao pioneiro. Conforme previsto pela Teoria da Configurao, a organi-zao apenas expulsou o componente que no guardava coerncia com suas idiase valores centrais dominantes. Talvez, essa segunda interpretao explique me-lhor, tambm, porque o sistema de custo-padro foi mantido, mesmo no declnio.No caso, esse sistema respondia a uma necessidade especfica do pioneiro quehavia se convencido de sua utilidade.

  • 737o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    Na transio para o primeiro estgio observado de crescimento, h poucasmodificaes registradas na Contabilidade Gerencial. Os relatos so de que o sis-tema de custos-padro continuou sendo aperfeioado. Essa mudana evolutivade um atributo dentro de uma mesma configurao compatvel com o referencialterico. Mais uma vez, refora-se a idia de que a transio de perodo no signi-fica necessariamente uma mudana de paradigma, o que, portanto, poderia re-presentar a manuteno de uma mesma configurao. Na anlise individual desseperodo, concluiu-se que este no seguia o padro tpico de um estgio de cresci-mento, pela forte presena no comando do pioneiro e pela ausncia de investi-mentos em novos produtos. Na transio para o segundo estgio de crescimen-to, poder-se-ia repetir as mesmas consideraes acima, mas h um aspecto novo,um impulso de profissionalizao como base para a sucesso de comando, trazidopor outro grupo de interesses (os demais acionistas, capitaneados pelas filhas dopioneiro). As mudanas implementadas aproximam esse perodo de um estgiomais tipicamente associado ao crescimento, com maior autonomia dos gestores eum conjunto mais amplo de controles formais que permitam a governana do ne-gcio. A provvel transio para a maturidade assinala a possibilidade de concre-tizar a profissionalizao da empresa, com a institucionalizao das novas prti-cas gerenciais. Qui, o conjunto dessas duas ltimas transies, desde a reto-mada do processo sucessrio, possa ser mais bem compreendida como a emer-gncia de um novo paradigma organizacional.

    Os dois perodos de crescimento parecem demonstrar que o estgio deciclo de vida, como definido por Miller e Friesen (1984), por si s no determinamudanas nas prticas gerenciais, incluindo a a Contabilidade Gerencial. O pri-meiro registrou mudanas evolutivas, o segundo, mudanas revolutivas. As evi-dncias parecem apontar que a complexidade organizacional crescente pode fa-vorecer a sofisticao dos controles se houver um grupo de poder com interesse efora suficiente para concretizar essas mudanas. No primeiro perodo de cresci-mento, no havia um grupo de poder alternativo, no segundo, sim. O exemplo doabandono de instrumentos no declnio demonstra que algumas prticas podemser descontinuadas, simplesmente, por no serem compatveis com a concepode gesto daquele(s) no poder. Pela mesma razo, outras so mantidas, a exem-plo do sistema de custos-padro.

    Vale ressaltar, ainda, o efeito da estabilizao monetria sobre as prticascontbeis gerenciais na empresa estudada. Esse foi um evento histrico e geogrfi-co, ou seja, diz respeito ao Brasil de 1994, que afetou a forma como todas as empre-sas no pas passaram a ser geridas. O fim da ciranda financeira em que viviam asempresas obrigou-as a buscarem os resultados operacionais, em suas respectivasatividades-fim. No caso estudado, como evidncia dos impactos deste evento, foirelatado que o sistema de custos-padro passou a apoiar os esforos de aumentode eficincia e ganhos de produtividade, ampliando e consolidando seu uso.

    Mudanas na contabilidade gerencial

    Esta anlise teve como objetivo aprofundar o entendimento sobre como atransio entre estgios de ciclo de vida influencia o desenvolvimento da Contabili-dade Gerencial. Tomando como referncia a anlise dos estgios de ciclo de vida daseo anterior, optou-se por concentrar a anlise sobre o processo de transioatual em que aparecia muito claramente uma mudana paradigmtica em termos defilosofia de gesto, qual seja: a do pioneiro e a dos sucessores. Buscou-se relacio-nar essa transio com uma mudana relevante da Contabilidade Gerencial. Aps aintroduo do custo-padro na empresa, antes do incio do perodo estudado, oadvento do oramento, seguramente, o evento mais inovador em termos de pr-ticas contbeis gerenciais na histria recente da empresa, o qual est relacionado transio em curso. Ao concentrar a anlise sobre um evento corrente, tambm seesperava contar com relatos mais vvidos e ricos dos participantes.

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    738

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    No modelo de mudana organizacional de Greenwood e Hinings (1996), oambiente externo influencia o processo ditando as alternativas de possveis confi-guraes que a organizao possa assumir no seu setor de atuao. Quanto maisregulado o setor, mais estritas so as possibilidades de escolha. Adicionalmente, aspresses externas podem alterar a estrutura de poder interno da empresa, permi-tindo que a agenda de grupos antes menos influentes passe a ditar os destinos daorganizao. Na empresa em estudo, o cenrio externo parece tambm influenciarno ritmo da transio, pois quando a perspectiva negativa, h uma tendncia deo pioneiro brecar inovaes e buscar o conforto de suas prticas tradicionais. Noobstante, os relatos do estudo de caso tendem a apoiar a idia de que a razo datransio muito mais motivada pela questo sucessria, ou seja, uma questointerna do que por presses externas. Greenwood e Hinings (1996) admitem essahiptese, na qual a dinmica interna de poder pode desencadear processos demudana, independentemente das presses de mercado ou institucionais.

    Se o contexto externo, portanto, no foi a fonte da insatisfao motivadorada transio, foi, por outro lado, conforme advogado por Greenwood e Hinings (1996),a fonte das alternativas de configurao e de prticas contbeis gerenciais associ-adas a outras formas organizacionais. Atuando em um mercado pouco regulado, aempresa tinha uma abertura maior quanto a configuraes possveis de seremadotadas. No havendo imposio do ambiente institucional externo, de naturezacoercitiva, configuraes alternativas, mais formais e impessoais, como a de cresci-mento e maturidade, devem ter chegado ao conhecimento das filhas do fundadorna forma de referncias do mercado, quer atravs de sugestes de consultores oude vivncias de profissionais externos contratados, quer atravs de conhecimentoadquirido no ambiente acadmico. De fato, as filhas, ambas, tinham ps-graduaoem temas organizacionais. Devido reaproximao delas com a gesto da empre-sa, foram contratados executivos do mercado para posies corporativas e consul-tores para tarefas especficas, os quais viabilizaram a introduo de prticas jconsagradas em empresas mais estruturadas do mercado. Portanto, os principaismecanismos institucionais que operaram na prescrio das formas alternativas deconfigurao devem ter sido de natureza mimtica e normativa.

    A insatisfao do grupo de sucessores, capitaneados pelas filhas, com aforma como seus interesses estavam acomodados nas empresas do grupo, emer-ge como o motor principal do processo de mudanas que leva transio entoem andamento. O fundador e o grupo de direo da empresa pareciam satisfeitoscom o curso normal dos negcios. O fundador, no momento da pesquisa, mantinhao controle total do negcio e os resultados voltavam a ser positivos, depois de umperodo de crise. O grupo de dirigentes tinha o reconhecimento do proprietrio-controlador e gozava de relativa autonomia dentro do modelo de gesto com oqual estava habituado. No havia razo para buscarem uma configurao alterna-tiva, se a vigente atendia plenamente aos seus interesses. interessante notarque no havia, na reaproximao dos sucessores, uma crise ou queda de desem-penho que obrigasse a empresa a buscar configuraes alternativas, mas havia,como argumentado anteriormente, uma disputa de poder em andamento. No pas-sado, como observado na crise ps-Plano Real, no foi cogitado mudar a configu-rao. Naquela ocasio, embora houvesse insatisfao com o desempenho, pre-valeceu o compromisso com o status quo, quando todos os grupos de interesse (ofundador e os gestores, j que os sucessores estavam afastados) estavam com-prometidos com o modelo institucionalizado. Na persistncia da crise, que se es-tendeu at 1998, a alternativa contemplada foi a venda da empresa, o que de-monstra certa limitao cognitiva acerca de outros modelos alternativos.

    A mudana demandada pelo grupo de interesse representado pelas suces-soras tinha carter radical, que se traduzia em uma nova configurao, que seopunha configurao existente. Segundo Greenwood e Hinings (1996), o com-promisso que os grupos de interesse tm com respeito s configuraes alterna-tivas em uma mudana radical pode ser competitivo, quando os grupos se dividementre o status quo e a alternativa, ou de reforma, se todos apiam a alternativa. O

  • 739o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    incio do processo de implementao do oramento ilustra esse ponto. O processoesteve para ser abortado logo no incio, como uma reao do fundador aos receiosmanifestados pelos gestores. Os gestores desconheciam, naquela ocasio, asreais intenes dos sucessores, temiam ingerncias, cobranas autoritrias edesprestgio. A firme determinao dos sucessores foi crucial para que aimplementao do oramento fosse iniciada. Sem esse patrocnio, os gestoresreconheceram nas entrevistas, o processo no teria acontecido. Com o passar dotempo e a desmistificao dos receios a respeito do oramento, foram os prpriosdirigentes que asseveraram ao fundador da necessidade e dos benefcios do pro-cesso. Conforme relatado, o fundador praticamente ignorava o oramento, maspassou a consentir no seu progresso. Os prprios gestores reconheceram que,decorrido mais de um ano desde que o processo se iniciou, a necessidade demudar o formato de gesto era indiscutvel, pelas caractersticas dos sucessores.O fundador no tinha um sucessor potencial com caractersticas semelhantes sdele. Observou-se que a prpria estrutura gerencial da empresa estava envelhecidae teria que ser substituda em alguns anos. Portanto, o modelo organizacionalteria que ser necessariamente outro. A viso dos sucessores era de um modelode governana no qual pudessem controlar os negcios sem necessariamenteestarem diretamente presentes na sua gesto, que levaria profissionalizao, aqual, por sua vez, demandaria sistemas de planejamento e controle formais. As-sim, pode-se considerar que havia uma competio de modelos, mas de carterabrandado pela inevitabilidade, reconhecida por todas as partes interessadas, datransio a uma nova configurao.

    Por outro lado, a convivncia de caractersticas de ambas as configuraesdurante a transio, com a prevalncia da configurao antiga, impunha um ritmomais lento, evolutivo, ao processo. A inevitabilidade do processo no impedia quefosse colocado em banho-maria sempre que o ambiente externo parecesse maishostil e desfavorvel. No primeiro semestre de 2006, com o recrudescimento docmbio, por exemplo, observou-se a diminuio do ritmo de reunies de acompa-nhamento e se voltou a priorizar o foco operacional. A prpria cultura de planeja-mento e controle no era disseminada como requerido, devido aos tabus existen-tes na configurao antiga, sobre o compartilhamento de informaes gerenciaiscom a estrutura. Embora reconhecendo os benefcios j auferidos com o atual graude disseminao de informaes, outro tanto deixava de ser alcanado pelo menorenvolvimento e comprometimento da estrutura como um todo. No s os gestores,mas os prprios acionistas estavam, gradualmente, se habituando nova dinmicade planejamento e controle, de estabelecimento de metas e de cobrana de resul-tados atravs dos nveis hierrquicos. Observa-se, nos relatos dos entrevistados, aimportncia do estabelecimento de novos hbitos e rotinas para a institucionalizaodas novas prticas, que um processo que requer tempo.

    Greenwood e Hinings (1996) tambm relacionam a mudana efetiva no sa uma estrutura de poder favorvel a ela, mas tambm capacidade de realiz-la.A estratgia dos sucessores, tanto no processo maior de transio, quanto noprocesso especfico de oramento, foi a de recorrer a recursos externos, na formade gerentes corporativos contratados e consultores. Embora tenha havido umareao ao grau de atuao dos gestores corporativos no dia-a-dia da operao,que se temia implicasse perda de autonomia ou desprestgio, especialmente, naintroduo de novas prticas, como no caso do oramento, reconhece-se que oprocesso no teria avanado no mesmo ritmo, no fosse pela presena deles. Nohavia conhecimento ou experincia a respeito, alm de o processo de implementaorequerer tempo adicional de trabalho. Vrios entrevistados observaram que asnovas prticas tiveram que ser acomodadas em meio a outras responsabilidadesdos gestores. Segundo o relato de alguns, o ritmo da implementao poderia sermaior se as reas administrativas contassem com recursos especficos para asnovas tarefas. Os prprios gestores das reas comentam que, inicialmente, nopreviam tempo para as novas atividades de planejamento e controle. A delegaode outras atividades para os subordinados foi o expediente relatado por alguns

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    740

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    como um meio de acomodar as tarefas adicionais. Era reconhecido que os gestorestinham um foco eminentemente operacional antes do oramento, mas, de maneiragradual, foram se incumbindo das atividades gerenciais.

    Concluses

    Em relao s proposies tericas estabelecidas, conclui-se que o estudode caso oferece evidncias para apoi-las. Com relao primeira proposio, ograu de formalizao de fato aumenta entre o estgio de crescimento (ou est-gio pioneiro) e a possvel transio para a maturidade. De acordo com a propo-sio, tambm est o retrocesso verificado no perodo de declnio, quando con-troles foram descontinuados. No entanto, o estudo de caso no permitiu verificaros impactos da transio para um estgio de renovao. Quanto segunda pro-posio, verifica-se que, somente com o retorno das sucessoras, insatisfeitas como status quo, tendo uma viso de organizao baseada em princpios distintos dofundador, que h o surgimento de um novo conjunto de controles gerenciais.No obstante, o fato de no reunirem poder suficiente, o processo em princpiorevolutivo se desenrolava em um ritmo mais lento do que o esperado. Espera-se,de acordo com o modelo da dinmica da mudana, que esta se processe maisrapidamente, uma vez que ocorra a transmisso de poder entre as geraes. Acapacidade de implementao, por sua vez, na falta de conhecimento interno, erasuprida por novos profissionais ou consultores especialmente contratados.

    No caso estudado, pde-se observar como os estgios de ciclo de vida,entendidos como configuraes, afetam o desenvolvimento da ContabilidadeGerencial: aprofundando as caractersticas dos instrumentos existentes de formacoerente com a idia central da configurao vigente ou requerendo a alteraodo conjunto de instrumentos, o que envolve a supresso de instrumentos antigosou a introduo de novos, de forma a alinh-los com a idia central de uma novaconfigurao. O aperfeioamento contnuo do sistema de custos-padro foi umexemplo observado do primeiro tipo de influncia do estgio de ciclo de vida. Aimplementao do oramento, por outro lado, exemplifica a influncia de uma mu-dana de estgio de ciclo de vida.

    O modelo de mudana organizacional de Greenwood e Hinings (1996), apli-cado anlise da transio entre estgios de ciclo de vida, revelou o carterdialtico desse processo. O modelo desses autores complementa o de Miller eFriesen (1984) na explicao e na previso das transies entre estgios de ciclode vida. O conceito de configurao subjacente a ambos se mostrou suficiente-mente abrangente e com uma plataforma flexvel para acomodar as contribuiesde outras teorias como a Institucional. Metodologicamente, este estudo aplicouuma abordagem hbrida de diversas tcnicas para evidenciar o desenvolvimentoorganizacional e, em particular, o da Contabilidade Gerencial. Ficou demonstrada aimportncia da abordagem qualitativa no estudo de fenmenos de mudana edesenvolvimento organizacional.

    Espera-se que as contribuies deste trabalho possam ser de utilidade empesquisas futuras na rea. Nos estudos de perspectiva longitudinal, auxiliaria generalizao dos achados a replicao desta pesquisa em casos similares, emempresas familiares em vias de profissionalizao, bem como sua extenso paracasos nos quais se pudessem observar outros tipos de transio. Sem desconsideraros custos e desafios envolvidos, um estudo longitudinal prospectivo, no qual a em-presa fosse acompanhada ao longo do tempo, medida que se desenvolvesse,poderia trazer outros detalhes do processo de desenvolvimento da ContabilidadeGerencial que em, estudos retrospectivos, seriam inviveis de se observar.

  • 741o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    Referncias

    ANTHONY, R. N.; GOVINDARAJAN, V. Management control systems. 10th ed. Boston:McGraw-Hill Irwin, 2000.

    AUZAIR, S. M.; LANGFIELD-SMITH, K. The effect of service process type, businessstrategy and life cycle stage on bureaucratic MCS in service organizations.Management Accounting Research, [S.l.], v. 16, p. 399-421, 2005.

    DAVILA, T. An exploratory study on the emergence of management controlsystems: formalizing human resources in small growing firms. Accounting,Organizations and Society, [S.l.], v. 30, p. 223-248, 2005.

    DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The new institutionalism in organization analysis.Chicago: University of Chicago Press, 1991.

    DONALDSON, L. American anti-management theories of organization: a critique ofparadigm proliferation. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

    GERDIN, J.; GREVE, J. Forms of contingency fit in management accounting research a critical view. Accounting, Organizations and Society, v. 29, p. 303-326, 2004.

    GLICK, W. H. et al. Studying changes in organizational design and effectiveness:retrospective event histories and periodic assessments. In: HUBER, G. P.; VAN DEVEN, A. (Orgs.). Longitudinal field research methods: studying processes oforganizational change. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1995. p. 126-154.

    GRANLUND, M.; TAIPALEENMAKI, J. Management control and controllership in neweconomy firms- a life cycle perspective. Accounting, Organizations and Society,[S.l.], v. 16, p. 21-57, 2005.

    GREENWOOD, R.; HININGS, C. R. Understanding strategic change: thecontribution of archetypes. Academy of Management Journal, [S.l.], v. 36, n. 5,p.1052 -1081, 1993.

    ______; ______. Understanding radical organizational change: bringingtogether the old and the new institutionalism. The Academy of ManagementReview, [S.l.], v. 21, n. 4, p.1022 -1054, 1996.

    HUBER, G. P.; VAN DE VEN, A. (Orgs.). Longitudinal field research methods:studying processes of organizational change. Thousand Oaks, CA: SagePublications, 1995.

    KOTECKI, M. L. Building a future: creating and leveraging organization resiliencewithin the context of history, change, and continuity. 2001. Tese (Doutorado) Benedictine University, Lisle, 2001.

    LEONARD-BARTON, D. A dual methodology for case studies: synergistic use oflongitudinal single site with replicated multiple sites. In: HUBER, G. P.; VAN DEVEN, A. (Orgs.). Longitudinal field research methods: studying processes oforganizational change. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1995. p. 38-64.

    LEVIE, J.; HAY, M. Progress or just proliferation? A historical review of stagesmodels of early corporate growth. Working Paper, 1999.

    MEYER, A. D.; TSUI, A. S.; HININGS, C. R. Configurational approaches toorganizational analisys. Academy of Management Journal, v. 36, n. 6, p. 1175-1195, dec., 1993.

    MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Qualitative data analysis. 2nd ed. Thousand Oaks,CA: Sage Publications, 1994.

    MILLER, D. Configurations of strategy and structure: towards a synthesis.Strategic Management Journal, [S.l.], v. 7, n. 3, p. 233-249, may/june, 1986.

    ______. The genesis of configurations. Academy of Management, [S.l.], v. 12, n.4, p. 686-701, oct., 1987.

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    742

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    ______. Configurations revisited. Strategic Management Journal, [S.l.], v. 17, n. 1,p. 505-512, jul., 1996.

    MILLER, D.; FRIESEN P. H. Archetypes of organizational transition. AdministrativeScience Quarterly, [S.l.], v. 25, p. 268-299, june, 1980a.

    ______; ______. Momentum and revolution in organizational adaptation.Academy of Management Journal, [S.l.], v. 23, p. 591-614, dec., 1980b.

    ______; ______. A longitudinal study of the corporate life cycle. ManagementScience, [S.l.], v. 30, n. 10, p. 1161-1183, 1984.

    MOORES, K.; YUEN, S. Management accounting systems and organizationalconfiguration: a life-cycle perspective. Accounting, Organizations and Society, [S.l.],v. 26, p. 351-389, 2001.

    PETTIGREW, A. M. Longitudinal field research on change: theory and practice. In:HUBER, G. P.; VAN DE VEN, A. (Orgs.). Longitudinal field research methods:studying processes of organizational change. Thousand Oaks, CA: SagePublications, 1995. p. 91-125.

    SEIDMAN, I. E. Interviewing as qualitative research: a guide for researchers ineducation and the social sciences. New York: Teachers College, ColumbiaUniversity, 1991.

    SELZNICK, P. Leadership in administration. New York: Harper and Row, 1957.

    SMITH, H. W. Strategies of social research. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall,1975.

    VAN DE VEN, A. H.; POOLE, M. S. Methods for studying innovation development inthe Minnesota innovation research program. In: HUBER, G. P.; VAN DE VEN, A.(Orgs.). Longitudinal field research methods: studying processes of organizationalchange. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1995. p. 155-185.

    YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e mtodos. 3a ed. Porto Alegre:Bookman, 2005.

    Artigo recebido em 22/02/2009.

    Artigo aprovado, na sua verso final, em 17/06/2010.

  • 743o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    A Contabilidade Gerencial: uma perspectiva de ciclo de vidade seu desenvolvimento nas organizaes

    ANEXOS

    Figura 2 Diagrama de Eventos Crticos (1. Parte)

  • o&s - Salvador, v.17 - n.55, p. 725-744 - Outubro/Dezembro - 2010www.revistaoes.ufba.br

    744

    George Anthony Necyk & Fbio Frezatti

    Figura 3 Diagrama de Eventos Crticos (2. Parte)