a construção do conhecimento agroecológico por agricultores

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – NÚCLEO DE AGROECOLOGIA E CAMPESINATO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DOMÉSTICAS CURSO DE ESPECIA LIZAÇÃO LATO SENSU CONVI VÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NA PERSPECTIVA DA SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR E DA AGROECOLOGIA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO POR AGRICULTORES FAMILIARES E TÉCNICOS EM SERVIÇO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CENTRALIDADE DA EXPERIMEN TAÇÃO EM QUINTAIS PRODUTIVOS NO CARIRI PARAIBANO MARIA APARECIDA DE AZEVEDO Orientador a: ANA DUBEUX Recife/PE Agosto , 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – NÚCLEO DE AGROECOLOGIA E CAMPESINATO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DOMÉSTICAS

CURSO DE ESPECIA LIZAÇÃO LATO SENSU CONVI VÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NA PERSPECTIVA DA SEGURANÇA E SOBERANIA

ALIMENTAR E DA AGROECOLOGIA

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO POR

AGRICULTORES FAMILIARES E TÉCNICOS EM SERVIÇO: UMA

ANÁLISE A PARTIR DA CENTRALIDADE DA EXPERIMEN TAÇÃO EM

QUINTAIS PRODUTIVOS NO CARIRI PARAIBANO

MARIA APARECIDA DE AZEVEDO

Orientador a: ANA DUBEUX

Recife/PE Agosto , 2012

MARIA APARECIDA DE AZEVEDO

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO POR

AGRICULTORES FAMILIARES E TÉCNICOS EM SERVIÇO: UMA ANÁLISE

A PARTIR DA CENTRALIDADE DA EXPERIMENTAÇÃO EM QUINTAIS

PRODUTIVOS NO CARIRI PARAIBANO

Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização, Lato sensu, Convivência com o Semiárido na Perspectiva da Segurança e Soberania Alimentar e da Agroecologia, apresentado ao Departamento de Educação e ao Departamento de Ciências Domésticas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito para obtenção do Grau de Especialista em Agroecologia, Segurança e Soberania Alimentar.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________Prof./a Ana Dubeux, Doutora, UFRPE

(orientador/a)

_____________________________________Prof./a Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Doutora, UFRPE

_____________________________________Felipe Tenório Jalfim, Mestre, PDHC

Recife, 20 de agosto de 2012.

O Curso teve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- CNPq/MCT/INSA (EDITAL 35//2010) e da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco-SARA, através da Secretaria Executiva de Agricultura Familiar-SEAF e do Instituto Agronômico de Pernambuco-IPA.

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A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO POR AGRICULTORES FAMILIARES E TÉCNICOS EM FORMAÇÃO CONTINUADA:

UMA ANÁLISE A PARTIR DA CENTRALIDADE DA EXPERIMENTAÇÃO EM QUINTAIS PRODUTIVOS NO CARIRI PARAIBANO

RESUMO

Este artigo é resultado de um processo de sistematização de experiências enriquecido pelo

diálogo com os referenciais teóricos existentes e foca a centralidade da experimentação

na construção do conhecimento agroecológico. A transição paradigmática da ciência

contextualiza e é usada para problematizar o processo de construção do conhecimento

agroecológico. A experiência dos quintais produtivos revela uma oportunidade inovadora

para construção do conhecimento, compartilhada por agricultores e técnicos a partir da

experimentação comparativa de técnicas agroecológicas, respaldadas por um processo de

formação realizada no território do Cariri paraibano. A centralidade da prática confere

uma base estável em torno da qual o conhecimento agroecológico se constrói bem como

propicia novas relações entre os diferentes sujeitos que participam da experiência.

Palavras chave: ATER agroecológica, construção do conhecimento agroecológico,

experimentação, sistematização.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de um processo de sistematização de experiências enriquecido

com o diálogo com os referenciais teóricos existentes, que aprofundam o debate sobre a

construção do conhecimento agroecológico e sua relação com o paradigma hegemônico

e contra-hegemônico da ciência. O artigo tem o objetivo de contribuir para o processo

de construção do conhecimento agroecológico refletindo sobre a formação continuada

de técnicos e agricultores em agroecologia, refletindo sobre uma proposta de formação

conjunta no campo da produção agroecológica a partir da experiência vivenciada em seis

territórios da região nordeste nas áreas de atuação do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC).

O artigo foca a centralidade da experiência de agricultores e técnicos no processo de

construção do conhecimento agroecológico, a partir do processo de sistematização como

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as agricultoras da comunidade de Santa Rita, município do Congo, no Cariri Paraibano que

vivenciam a experimentação em quintais produtivos.

A sistematização, com metodologia participativa foi desenvolvida ao longo de cinco

meses, de outubro de 2011 a fevereiro de 2012 e contou com cinco oficinas com facilitação

externa, três encontros do grupo de agricultores, realização de entrevistas, desenhos dos

sistemas produtivos e linha do tempo, e sistematização e validação dos aprendizados no

processo, até a elaboração do texto final1. Para a realização do trabalho, construímos com

o grupo um eixo que orientou toda a reflexão realizada, cuja centralidade era a construção

do conhecimento agroecológico em pequenos sistemas irrigados de hortas e pomares

na comunidade de Santa Rita. Cabe considerar que a autora do presente artigo, além de

responsável pela sistematização da experiência em foco, é também partícipe da experiência

do desenvolvimento agroecológico dos quintais através da formulação e implementação de

processo de formação territorial com hortas e pomares agroecológicos.

O artigo aprofunda a reflexão suscitada pela sistematização que revelou dentre seus

resultados um rico processo de construção de conhecimento agroecológico compartilhado

por agricultores e técnicos. A evolução da prática vivenciada nos quintais de Santa Rita

é fortemente relacionada ao processo de formação territorial denominado “Formação

pela experimentação com hortas e pomares agroecológicos” desenvolvido pelo PDHC de

outubro de 2008 a dezembro de 2011.

A pertinência do tema deve-se ao fato que em geral as formações no campo agroecológico

são destinadas a técnicos ou a agricultores e há posições controversas quanto a

possibilidade de formar a ambos em conjunto, como foi o caso no programa desenvolvido

pelo PDHC. A despeito destas divergências, a necessidade da formação continuada

para as equipes técnicas prestadoras de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER

é praticamente um consenso. A sistematização de experiências emerge como uma

metodologia capaz de oportunizar a reflexão e a qualificação técnica, sendo apontada

como um elemento a ser valorizado e um procedimento metodológico a ser incorporado no

1 A equipe de sistematização foram os agricultores e agricultoras Maria José da Silva Alves, Maria Glicéria Farias Alves (Selma), Maria Socorro de Araújo, Maria da Conceição de Sousa Almeida (Selma), Aldeni Aparecida Fidelis de Moura Oliveira (Lila), Andrea de Amurim da Silva, Marinaldo Farias de Freitas e os técnicos: Maria Aparecida de Azevedo, Aldo Belo, Orlando Cavalcante Júnior, Nelson Jerônimo da Costa e Irmã Vanilda, da Ordem Canisiana.

3

exercício atual da ATER.

Falkenbach (2000) e Holliday (2006) norteiam a prática da sistematização efetuada bem

como o debate e contextualização da mesma. O potencial atribuído à sistematização é:

Contribuir para que os sujeitos da educação popular assumam a discussão e construção do novo – parcial, porém, amplo e estratégico – desde a singularidade de suas práticas e do seu eu/outro relacionais e também singulares; a discussão e construção de um projeto político que, ao invés de aprisionar os sujeitos sociais e históricos e limitar suas aventuras humanas, corresponda a uma abertura à construção e à realização de novos cenários sociais e novos sujeitos; a discussão e participação na construção de um referencial político que possa sintetizar e provocar a realidade social, mas também sintetizar e expressar vontades e projetos humanos – de mulheres e homens concretos. (FALKENBACH, 2000, p. 2)

A autora reflete sobre a sistematização no universo das práticas de educação popular,

mas com propriedade sua afirmação pode ser aplicada ao exercício da construção do

conhecimento agroecológico.

A construção do conhecimento agroecológico – CCA, é um conceito em construção.

A noção de CCA pode ser entendida como uma tentativa de caracterização de um processo de transição entre diferentes formas de produção do conhecimento, apontando para uma nova interação entre os atores. Porém, se avalia que essa noção ainda não se encontra satisfatoriamente delimitada em seu entendimento abrindo espaço para confusões teóricas e metodológicas. (COTRIM e DAL SOGLIO, 2011, p. 2 )

Este conceito tem sido utilizado tanto pela Associação Brasileira de Agroecologia

quanto por organizações e movimentos sociais que integram a Articulação Nacional de

Agroecologia. Em publicação da ANA, afirma-se que o termo construção do conhecimento

agroecológico “[...] se refere a processos de elaboração de novos saberes sobre a

Agroecologia a partir dos conhecimentos tradicionais dos agricultores e agricultoras e da

sua interação com o saber técnico-acadêmico.” (SANTOS, 2007, p. 21).

Neste âmbito a sistematização ao contribuir para que os sujeitos da experiência – os

agricultores e técnicos do Cariri paraibano problematizem e compartilhem seus pontos

de vista e reflexões sobre a prática experimental no desenvolvimento conhecimento

agroecológico - e por conseguinte no dos quintais – incrementa o próprio processo de

construção do conhecimento vivenciado também no processo conjunto de formação de

agricultores e técnicos.

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Trata-se, pois, de uma inovação enquanto método de pesquisa acadêmica, que ganha

especial pertinência diante do objeto de análise, que é o processo de geração de

conhecimentos no campo da agroecologia.

A sistematização de experiências pressupõe como fundamento a Concepção Metodológica Dialética, que entende a realidade histórico-social como uma totalidade, como processo histórico: a realidade é, ao mesmo tempo, una, mutante e contraditória porque é histórica; porque é produto da atividade transformadora, criadora dos seres humanos. (HOLLIDAY, 2006, p. 8).

Esta metodologia permite, a partir de seu fundamento, aprofundar a compreensão da

realidade. Sua dimensão dialética exercitada a partir da reconstrução e interpretação crítica

da experiência com seus protagonistas conflui para o que Souza Santos (2002) denomina

conhecimento emancipatório, “ Um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos

separa e antes nos una pessoalmente ao que estudamos”.

A sistematização consiste em um processo de geração de conhecimento que não

apenas evidencia múltiplos aprendizados gerados a partir da prática da construção do

conhecimento agroecológico, mas constrói novos conhecimentos, à medida que exercita

um primeiro nível de teorização sobre a prática, com os próprios atores da experiência

(HOLLIDAY, 2006). A sistematização efetuada torna-se ela mesma uma experiência

que por sua vez realimenta o processo da construção do conhecimento, revelando uma

complexa teia de conhecimentos que se tece a partir da realidade.

Para contemplar as múltiplas dimensões do aprendizado agroecológico, o referencial

teórico proposto por Norgaard (1996) no âmbito da sociologia ambiental ao apresentar a

noção de coevolução entre os seres humanos e ambiente, e também a crítica que Souza

Santos (2001), Morin (1996 e 2003) e Capra (1996), fazem do paradigma da ciência

moderna, serão o referencial de análise e problematização do processo de construção do

conhecimento agroecológico.

2. A TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA NA CIÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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Para refletir sobre a construção do conhecimento agroecológico iremos analisar em

primeiro lugar o paradigma da ciência hegemônico – o espaço por excelência da construção

do conhecimento – e a crise deste mesmo paradigma.

A ciência se desenvolve a partir da visão que o homem tem do mundo que o cerca:

“Desde a mais remota antiguidade, a potência das forças da natureza fazia o homem

sentir-se pequeno demais, e a ver o planeta como um campo ilimitado. Assim até o início

dos anos 1960, a atitude predominante era a do terror-domínio.” (KHATOUNIAN, 2001,

p. 24).

Diante de um mundo complexo, os primeiros objetivos da ciência tornam-se compreendê-

lo e, se possível, mantê-lo sob controle. Neste sentido, “[...] modelo de racionalidade que

preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e

foi desenvolvida nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais”.

(SOUZA SANTOS, 2001, p. 60).

O mesmo autor descreve que para compreender o mundo a ciência moderna reduz

sua complexidade, dividindo-o: “Conhecer significa dividir e classificar para depois

determinar relações sistemáticas entre o que se separou”. A matemática é ferramenta

fundamental da ciência e sua conseqüência é que “[...] conhecer significa quantificar”. O

desdobramento natural é que “O que não é quantificável é cientificamente irrelevante”.

Ademais “As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em

seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir”

(SOUZA SANTOS, 2001, p. 63).

A própria experiência, a realidade em si mesma, perde a primazia diante de sua

representação pela ciência, ainda que esta seja apenas uma simplificação, e “O rigor

científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao

quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objetivar os fenômenos, os objectualiza e os

degrada, que ao caracterizar os fenômenos, os caricaturiza. (SOUZA SANTOS, 2001, p.

73).

Esta abordagem no desenvolvimento da ciência produz conseqüências na relação do ser

humano com a natureza em todos os sentidos: utilização de tecnologias e ferramentas,

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evolução da pesquisa, posicionamento das instituições socialmente reconhecidas pelo seu

papel na produção do conhecimento, entre outros aspectos. Neste processo, o ser humano

passa a se relacionar de maneira predatória com o planeta, ampliando o seu poder sobre

a natureza gradativamente. Na agricultura, os reflexos do desenvolvimento da ciência

moderna foram notáveis em especial durante a última metade do século XX:

O rendimento de grãos básicos, como o trigo e arroz, aumentou enormemente, os preços dos alimentos caíram, a taxa de aumento da produção de alimentos excedeu, em geral, à taxa de crescimento populacional, e a fome crônica diminuiu. Esse impulso na produção de alimentos deveu-se principalmente a avanços científicos e inovações tecnológicas, incluindo o desenvolvimento de novas variedades de plantas, o uso de fertilizantes e agrotóxicos, e o crescimento de grandes infra-estruturas de irrigação.” (GLIESSMAN, 2001, p. 33).

Gliessman, grande referência no desenvolvimento da agroecologia, reconhece o

crescimento da produção de alimentos, mas no mesmo texto indica que: “A despeito de

seus sucessos, contudo nosso sistema de produção global de alimentos está no processo de

minar a própria fundação sobre a qual foi construído.” (GLIESSMAN, 2001, p. 33).

Segundo Souza Santos “[...] a retumbância dos êxitos da intervenção tecnológica esconde

os limites de nossa compreensão do mundo[...]” (SOUZA SANTOS, 2001. p. 73) e

rapidamente começamos a nos chocar com os nossos limites. As contradições e lacunas

que a ciência moderna encerra não demoraram a se explicitar. Consequências danosas e

imprevistas do processo de modernização da agricultura começaram a se fazer notar a partir

da década de 60 e se avolumaram nas décadas de 70 e 80. Tais conseqüências a princípio

não foram consideradas relevantes diante do sucesso da agricultura convencional e só

passaram a ser consideradas quando os efeitos acumulados não mais podiam ser ignorados:

Tratados marginalmente por longo tempo, apenas se tornaram visíveis ao grande público quando sua crítica ao método convencional mostrou-se irrefutável. Nas conferências da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ocorridas em 1972, 1982 e 1992, materializaram-se as evidências de que os danos causados pela agricultura convencional eram de tal magnitude que urgia mudar de paradigma. A agricultura se tornara a principal agente de poluição no planeta, afetando desde a camada de ozônio até os pingüins da Antarctica, passando pelo próprio homem. (KHATOUNIAN, 2001, p. 23).

No Cariri paraibano as consequências são severas. É uma das áreas que mais tem avançado

o processo de desertificação, segundo estudos do IPCC que cobrem o período de 1998 a

2005/2006, citados por SERPA (2006). Em Santa Rita “[...] as capoeiras usadas como

7

pasto, normalmente sem qualquer controle da carga animal, vão se tornando campos onde

as pedras parecem brotar da terra” ( AZEVEDO et al., 2012, p. 1).

A degradação das terras e a diminuição da oferta de água associada, com menos água e por

menos tempo nos rios, riachos e poços, assoreamento dos açudes e barreiros, agudizando

os efeitos das secas cíclicas e a salinização de áreas irrigadas associadas a um cenário

de desconstrução dos saberes ancestrais e ausência de políticas públicas foi dissolvendo

os laços que uniam a população ao lugar onde viviam e o êxodo rural contribuiu

decisivamente para o esvaziamento de amplas áreas do sertão, dentre elas a comunidade de

Santa Rita.

Os impactos do processo de “modernização” da agricultura repercutem em múltiplas

dimensões:

A desarticulação dos sistemas de valores preexistentes, a desorganização de formas tradicionais de sociabilidade e a dissolução de identidades locais são fenômenos facilmente perceptíveis nas comunidades rurais que incorporaram as tecnologias da agricultura industrial em suas rotinas de produção (PETERSEN, 2007, p. 6-7).

Em Santa Rita as famílias se sentiam isoladas, sozinhas e impotentes frente às adversidades

do clima, da terra cada vez mais fraca, da ausência dos vizinhos e entes queridos que

foram buscar alternativas no sul do país. O grupo de agricultores reconstruindo o cenário

da comunidade antes de 2005 revela nas falas o desalento de então, se recordam da

comunidade como um lugar ermo, ainda que diste apenas 10 km da sede do município do

Congo:“Nunca aparecia ninguém de fora [...] Nem padre aparecia. Quando apareceu um

padre pra rezar uma missa foi uma festa” (Marinaldo, apud AZEVEDO et al., 2012, p 2 ).

Um lugar onde as dificuldades e privações só pareciam aumentar: “Chegou um tempo que

as terras do roçado não dava nada! Morreu até um parente, um sobrinho da gente com

veneno...Comprometeu os rins dele...”(Andrea, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 2)

As repercussões da aplicação deste modo de ciência, que provoca uma ruptura entre o

homem e a natureza, podem ser observadas em Santa Rita e em qualquer parte do país.

No entanto, embora o conjunto de consequências contribua para colocar em cheque o

paradigma da ciência moderna, ele segue hegemônico, sobretudo no campo das ciências

agrárias. Na maior parte das universidades e centros de pesquisa que preparam profissionais

8

para o exercício da ATER e da produção de ciência e tecnologia no país ainda predomina a

visão que o desenvolvimento tecnológico é o caminho do desenvolvimento.

A magnitude dos impactos tanto no aspecto ambiental quanto social, no Brasil, com a

fragilização da agricultura familiar motivou um movimento de inúmeras entidades e

organizações a buscarem alternativas frente ao modelo hegemônico da modernização da

agricultura, em especial a partir da década de 80.

Inicialmente este movimento ficou conhecido como agricultura alternativa e mobilizava

diversas entidades da sociedade civil que assessoravam agricultores familiares em todo o

país.

Seja pela maior autonomia e flexibilidade institucional, pelo trabalho estreitamente vinculado ao cotidiano das comunidades rurais ou mesmo pela adoção já em suas origens de uma perspectiva crítica no que respeita ao modelo hegemônico de desenvolvimento, são as organizações da sociedade civil que têm apresentado os maiores avanços nesse campo. (PETERSEN, 2007, p. 10).

Contava com apoio da Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil

(FAEAB) e da Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) que organizaram

quatro grandes encontros nacionais conhecidos como Encontros Brasileiros de Agricultura

Alternativa (EBAAs) respectivamente: Curitiba, 1981; Rio de Janeiro, 1984; Cuiabá, 1987

e Porto Alegre, 1989.

As experiências referenciais que foram construídas a partir do movimento da agricultura

alternativa conflui para consolidar a agroecologia para além da prática, como ciência:

A Agroecologia se desenvolveu como ciência a partir da constatação da existência de sofisticadas racionalidades ecológicas em agriculturas camponesas. Assim como nos sistemas agrícolas tradicionais, a agroecologia aproveita os recursos da natureza localmente disponíveis para desenvolver agriculturas que assegurem produções estáveis e satisfatórias para atender às necessidades econômicas das famílias agricultoras e que ao mesmo tempo possuam elevada capacidade de se auto-reproduzir técnica, cultural e ecologicamente. (PETERSEN, 2007, p. 8)

Segundo Gliessman (2001, p. 54) “A ciência da agroecologia é definida como a

aplicação dos conceitos e princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas

sustentáveis”.

O conceito se amplia, elucidando as múltiplas dimensões envolvidas na prática

agroecológica:

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A Agroecologia pode ser definida como o manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo [...] desde os âmbitos da produção e a circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para encarar a crise ecológica e social, e com isso a restaurar o curso alterado da co-evolução social e ecológica. (SEVILLA GUZMÁN, 2006, p. 202).

Ao propor analisar a unidade básica de produção como um sistema – o agroecossistema –

a agroecologia confronta diretamente as premissas simplificadoras da ciência moderna. O

pensamento complexo, apresentado por Edgar Morin, contribui para a problematização dos

limites da ciência moderna:

Há uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, realidades e problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. [...] A hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui). [...] Ao mesmo tempo, o retalhamento das disciplinas torna impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo. (MORIN, 2003, p. 13-14).

O conceito de sistema como um todo organizado que desempenha uma dada função, que é

formado por componentes organizados que interagem de tal forma que as propriedades do

conjunto não sejam a simples somatória da propriedade das partes, já inicia o rompimento

com os limites da ciência mecanicista, embora esta teoria tenha se desenvolvido a partir

desta mesma ciência.

A visão sistêmica continua a se distanciar do paradigma hegemônico tanto que autores das

mais diversas áreas do conhecimento se referem a um novo paradigma emergente como o

paradigma sistêmico. Neste, segundo Capra (1996), “[...] os próprios objetos são redes de

relações, embutidas em redes maiores”. Continua o mesmo autor: “As propriedades das

partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto

do todo maior. Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento ‘contextual’, o oposto

do pensamento analítico”.

A crítica ao paradigma hegemônico da ciência moderna desenvolvido por Souza Santos

(2001), o desenvolvimento do conceito de sistemas e o pensamento complexo seguem

convergentes:

Os fatos observados tem vindo a escapar ao regime de isolamento prisional a que a ciência os sujeita. Os objetos tem fronteiras cada vez menos definidas;

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são constituídos por anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles. (SOUZA SANTOS, 2001, p. 73).

A complexidade desta abordagem é um aspecto do desafio do exercício da construção do

conhecimento agroecológico.

No entanto, a despeito da complexidade dos agroecossistemas e de tudo que influi

em seu desenho e manejo, as práticas e metodologias mais inovadoras que surgiram

norteadas pela agroecologia em quase três décadas de experimentação metodológica

foram desenvolvidas por famílias agricultoras e suas organizações em parceria com ONGs

inseridas no movimento agroecológico “[...] produto do exercício da inteligência criativa

de populações rurais na construção de melhores ajustes entre seus meios de vida e os

ecossistemas.” (PETERSEN, 2007, p. 8).

Soma-se ao reconhecimento da capacidade criativa e sofisticada das famílias camponesas

o reconhecimento que, diante da complexidade e diversidade dos agroecossistemas, a

família é a protagonista principal no desenho da evolução de seus agroecossistemas. Assim,

podemos afirmar que no processo de construção do conhecimento agroecológico o diálogo

de saberes torna-se imprescindível.

A partir do reconhecimento da capacidade criativa e aportes de múltiplos atores, incluindo

agricultores e agricultoras, assessoria técnica, pesquisadores, bem como a contribuição dos

movimentos sociais, é possível exercitar o diálogo de saberes na construção do referencial e

prática agroecológica, aproveitando a riqueza cognitiva inerente ao ser humano:

A sinergia entre cultura e ciência em processos locais de inovação agroecológica dinamiza a produção de conhecimentos necessários para que as agriculturas evoluam fundamentadas na otimização das potencialidades ecológicas locais e na convivência com suas limitações. Por intermédio de procedimentos metodológicos que colocam a sabedoria popular e o saber acadêmico em uma relação de complementaridade, a agroecologia permite que as famílias e comunidades rurais se apropriem de conhecimentos que dificilmente teriam condições de construir sem o aporte do método científico. Dessa forma, elas aumentam os seus horizontes de possibilidades para gerirem autonomamente os recursos que têm à disposição para aprimorar seus meios de vida, entre eles a criatividade coletiva. (PETERSEN, 2007, p. 9).

O acolhimento das múltiplas formas de geração de conhecimento não apenas fortalece o

protagonismo dos diversos atores, mas os convida a posturas dialógicas não subalternas

e propicia que conhecimentos específicos sobre a dinâmica local do agroecossistema

11

norteiam inovações mais pertinentes e efetivas no desenvolvimento agroecológico dos

agroecossistemas.

No entanto isto abre um novo campo de desafios na interação entre cientistas e técnicos

com as famílias agricultoras, pois a racionalidade científica da ciência moderna “[...] é

um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de

conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas

regras metodológicas” (SOUZA SANTOS, 2001, p. 61).

O modelo totalitário da racionalidade científica se reflete em posturas igualmente

totalitárias no processo de geração e difusão do conhecimento. Morin nos convida a refletir

sobre a inseparatividade entre o ser humano individuo da sociedade do qual ele faz parte e

esta reflexão permite ampliar a compreensão sobre o contexto dos desafios colocados para

a prática da ATER agroecológica:

Produzimos a sociedade que nos produz. Ao mesmo tempo, nao devemos esquecer que somos nao so uma pequena parte de um todo, o todo social, mas que esse todo esta no interior de nos proprios, ou seja, temos as regras sociais, a linguagem social, a cultura e normas sociais em nosso interior. Segundo este principio, nao so a parte esta no todo como o todo esta na parte. Isto acarreta consequencias muito importantes porque, se quisermos julgar qualquer coisa, a nossa sociedade ou uma sociedade exterior, a maneira mais ingenua de o fazer e crer (pensar) que temos o ponto de vista verdadeiro e objetivo da sociedade, porque ignoramos que a sociedade esta em nos e ignoramos que somos uma pequena parte da sociedade. ( MORIN, 1996, p. 9).

Um aspecto fundamental para compreendermos a dimensão dos desafios colocados é a

constatação de que “[...] os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos

de valor, não estão nem antes nem depois da explicação científica da natureza ou da

sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação” (SOUZA SANTOS, 2001, p. 83-

84).

Ao reconhecer o aspecto autoral no desenvolvimento da ciência apontado por Souza

Santos, bem como reconhecer a rica contribuição dos agricultores familiares no desenho

agroecológico de agroecossistemas, outra relação pode ser estabelecida. O cientista ou o

técnico não é mais aquele que sabe e vai ensinar um agricultor, estender o conhecimento

gerado nas instituições de pesquisas e universidades aos agricultores e agricultoras

familiares, mas um parceiro em uma nova jornada de construção coletiva do conhecimento.

12

3. IMPLICAÇÕES DOS DESAFIOS DA TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA NO

EXERCÍCIO DA ATER

A partir da década de 60 o Estado brasileiro priorizou um modelo de desenvolvimento

orientado a aumentar a produtividade agrícola calcado no processo de “modernização” da

agricultura. Este modelo, conhecido mundialmente por “Revolução Verde”, no Brasil está

apoiado no tripé pesquisa, extensão e crédito e passou a nortear as instituições públicas do

país destas três áreas. Como resultado deste modelo reforça-se a tendência reducionista

da pesquisa por produto, difundindo depois “pacotes tecnológicos” completos em si

mesmos, adequados para satisfazer as demandas específicas dos setores hegemônicos,

sempre buscando a máxima produção possível (MUSSOI, 2011). A difusão dos “pacotes

tecnológicos” é fortemente respaldada em extensa gama de publicações como comunicados

técnicos, cartilhas e folders.

Cabe destacar que os ditos “pacotes” refletem à perfeição a simplificação exacerbada dos

sistemas produtivos, a sua quase caricaturização apontada por Souza Santos anteriormente

ao criticar a ciência moderna.

Porém os resultados deste processo de “modernização” da agricultura, já considerados

no presente artigo, coloca os aprendizados gerados principalmente pelas organizações da

sociedade civil em diálogo com os formuladores de políticas públicas. Nos anos 90 surge

uma experiência no campo governamental que amplia a reflexão, debate e visibilização

da agroecologia como matriz orientadora da ATER na EMATER do Rio Grande do

Sul, no período de 1999 a 2002 e que veio a influir posteriormente na política pública

federal. Neste período o provimento de ATER neste estado foi pautado nos princípios da

agroecologia (CAPORAL, 2002).

A inclusão da agroecologia dentro das políticas públicas ganha espaço com a elaboração

em 2003 da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER Com a

publicação desta política pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, em 2004

a agroecologia se inseriu oficialmente nas políticas públicas federais. A consolidação dos

referenciais pautados pela Política Nacional de Ater junto às entidades prestadoras de

13

ATER foi apoiado por amplo processo de formação de quadros promovido pelo MDA,

considerado por Duarte e Siliprandi (2006), a principal ação do Departamento de ATER do

MDA para implementação da PNATER de 2004.

Mas há contradições severas na promoção da agroecologia pelas políticas públicas neste

período após a publicação da PNATER, pois, se por um lado se forma quadros que devem

considerar os referenciais agroecológicos na promoção dos serviços de ATER, ações

de apoio à produção, comercialização e crédito promovidas pelo mesmo ministério são

orientadas pelo modelo da modernização da agricultura. Dentre estas ações destaca-se pelo

grande impacto que repercute diretamente nos sistemas de produção o Programa Nacional

de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF que amplia significativamente o

crédito para agricultores familiares, apoiando a estruturação das atividades produtivas

segundo o modelo preconizado pela Revolução Verde2.

Mussoi (2011), ao analisar a extensão rural agroecológica no Brasil aponta:

O MDA conseguiu fortalecer outras instituições de ATER além da oficial e alocar recursos pontuais para formação de uma ATER diferenciada. Mas diante do montante de recursos que são liberados via planos safras para o modelo produtivista e do agronegócio, está muito aquém de implementar uma ATER agroecológica.” (MUSSOI, 2011, p. 68).

A PNATER de 2004 foi reformulada e tornada lei em 2010 com a Lei nº 12.188 e nesta o

termo agroecologia sai do texto da política que passa a estabelecer como princípio a “[...]

adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial para o

desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis” (BRASIL, 2010, p. 1).

Há autores, como Caporal (2011), que identificam um retrocesso entre a PNATER de 2004

e a de 2010 para o desenvolvimento de uma ATER pública norteada pela agroecologia.

Mas para outros, a lei promulgada em 2010 apenas dá continuidade ao que vinha sendo

implementado pelo MDA a partir de 2003: “[...] as disposições desta nova lei estão

perfeitamente articuladas com as diretrizes da Política de ATER já executada pelo MDA”

(MUSSOI, 2011, p. 23).

2 A contradição se reflete, por exemplo, no formato das planilhas utilizadas pelo sistema financeiro para avaliar a viabilidade da tomada de crédito pelas famílias agricultoras segundo atividades produtivas descrita em um sistema específico, todo norteado pelas recomendações técnicas da modernização da agricultura. Consiste num desafio quase intransponível formular projetos neste sistema que fortaleçam a produção agroecológica, tal como sistemas diversificados de produção, com manejo da biodiversidade, métodos alternativos de controle de pragas e doenças, entre outros aspectos.

14

À parte este debate, as PNATER de 2004 e 2010 constituem marcos a partir dos quais

técnicos e técnicas extensionistas de todo o país foram convidados a considerarem a

agroecologia enquanto referencial para a prestação de serviços de ATER e assumirem junto

aos agricultores familiares papéis distintos da difusão de inovações.

Mussoi (2011), destaca em seu estudo a dificuldade de empresas de assessoria técnica e

pesquisa brasileiras, criadas a seis ou sete décadas para apoiar a expansão da modernização

da agricultura, modificarem seus procedimentos técnicos e de gestão para acompanhar

uma perspectiva de ATER baseada na agroecologia e que demanda procedimentos mais

democráticos e participativos.

Ecoando o pensamento de Morin (1996), em que trazemos introjetado os valores da

sociedade à nossa volta, Petersen (2007) considera que a dificuldade de modificação

dos procedimentos das instituições não se afasta da dificuldade da transformação do

procedimento dos profissionais que tiveram formados seus corações e mentes para atuarem

colocando em marcha a modernização da agricultura junto às comunidades rurais.

Um primeiro campo de desafio para a construção do conhecimento agroecológico apoiado

pela ATER é a complexidade. É necessário reverter uma tendência de simplificação

dos agroecossistemas, compreender os fluxos e relações entre os diversos subsistemas

e ainda os valores e expectativas da família agricultora, bem como as relações mais

amplas, da família com a comunidade, com o mercado e as políticas públicas voltadas

para a agricultura familiar. Khatounian contribui na reflexão sobre essa dimensão do

desenvolvimento participativo de agroecossistemas, ao refletir sobre o processo de tomada

de decisão da família agricultora diante do desafio da transição agroecológica e o papel do

técnico de ATER:

As estratégias dos agricultores, embora coerentes com sua lógica e objetivos, não são imutáveis, nem inteiramente lógicas, nem necessariamente as mais adequadas. O agricultor decide com os elementos de que dispõe. À medida que mais informação entra em suas ponderações, a decisão pode ser diferente. Por essa razão, a inserção de elementos externos na reflexão sobre o sistema pode abrir caminhos para sua evolução. Muitas das mudanças necessárias rumo á sustentabilidade dependem da capacidade do técnico de compreender o sistema e de colocar à apreciação dos agricultores elementos aproveitáveis dentro da lógica deles, em lugar de soluções prontas. (KHATOUNIAN, 2001, p.83).

15

O desafio de construir conhecimento de outra forma, um conhecimento novo que assume

a complexidade dos agroecossistemas e ainda desenvolver os instrumentos de apoio para

o fazer, num contexto em que se é bombardeado pela propaganda de produtos e empresas

afinadas ainda com a modernização proposta na Revolução Verde, em um país que o

crédito ainda hoje é prioritariamente destinado às ditas inovações da agricultura moderna

é de fato um desafio considerável. Soma-se a este que a maioria dos profissionais hoje

em exercício no país foi formado em universidades ainda em grande parte orientadas pelo

paradigma cartesiano e fragmentado da ciência moderna.

Para os técnicos extensionistas a mudança do paradigma da ciência e o estabelecimento

da agroecologia como norteadora das ações de ATER, implica em uma mudança das

relações de poder estabelecidas com os agricultores familiares. Este é um segundo campo

de desafios para a prática da ATER e, mais que a substituição de metodologias no exercício

da ATER, se faz necessária uma mudança profunda do indivíduo.

Na formação continuada de agentes de ATER focada em metodologias participativas,

com o objetivo de favorecer que eles assumam a postura de facilitadores de processos

de construção do conhecimento agroecológico, caso posturas hierárquicas na geração

do conhecimento estejam profundamente introjetadas no indivíduo que presta assessoria

técnica, as metodologias ao serem utilizadas ficam impregnadas desta postura e não

se traduzem em uma parceria com os agricultores familiares onde se divide o poder

de elaborar e empreender novas propostas nos sistemas produtivos bem como a

responsabilidade por conduzi-las efetivamente, medidas essenciais para o desenvolvimento

de agroecossistemas sustentáveis.

Não só os técnicos estão convidados a rever sua forma de pensar, a agricultura familiar

também sofre os impactos da ciência moderna e seu reflexo na agricultura:

A introdução das técnicas industriais na agricultura retira do agricultor o domínio do conhecimento associado ao seu próprio trabalho. Trata-se de um mecanismo que ao mesmo tempo expropria o saber-fazer das comunidades rurais e transfere este poder para as empresas produtoras das modernas tecnologias agrícolas. (PETERSEN, 2007, p. 6-7).

Diante da erosão dos saberes ancestrais dos agricultores e agricultoras familiares e de suas

formas próprias de geração de conhecimento promovidas pela Revolução Verde, muitas

16

famílias precisam de ser fortalecidas em seu protagonismo, inclusive no desenvolvimento

de práticas e tecnologias que apoiem a evolução de seus agroecossistemas e embasem a

construção do conhecimento agroecológico.

Em Santa Rita as mulheres no início revelam a incerteza diante da possibilidade de começar

uma horta:“A Irmã Tereza veio passar uma semana com a gente. Ela chamou a gente pra

fazer horta e ai! ainda ficamos uns três dias pensando...” (Andrea, apud AZEVEDO et al.,

2012, p. 3).

Ao considerar este último ponto os técnicos e técnicas na ATER agroecológica, ao adotar

uma postura que contribua para o diálogo de saberes e o desenvolvimento participativo de

agroecossistemas deve contribuir para que surjam oportunidades para o empoderamento

dos agricultores, sem perder de vista a sua contribuição técnica específica, elemento

que deve ser colocado para problematizar as escolhas da família, considerando tanto a

manutenção como evolução da produtividade e renda da família agricultora , composição

da força de trabalho, mas também a segurança alimentar, qual inserção no mercado que

mais pode contribuir para a qualidade de vida da família, e ainda o custo e implicações a

curto, médio e longo prazos de qualquer degradação dos recursos, além de tantos outros

aspectos que não pretendemos aprofundar neste artigo.

Profundas reformulações nas instituições dedicadas ao ensino, pesquisa e extensão rural são necessárias para que essas novas abordagens metodológicas sejam exercitadas e desenvolvidas. Esse é um desafio de grande envergadura uma vez que interpela o paradigma científico que organiza essas instituições e seus métodos de ação. Orientando simultaneamente a instituição e seus profissionais, o paradigma se auto-reproduz ao estabelecer um duplo bloqueio à sua superação: as inovações nas concepções institucionais dependem de inovações prévias das concepções de seus profissionais e vice-e-versa. (PETERSEN, 2007, p. 9).

Diante do conjunto de desafios e considerando que, embora a agroecologia tenha se

inserido nas políticas públicas, o modelo de desenvolvimento pautado pela modernização

da agricultura permanece como norteador da política de desenvolvimento rural no país, o

que amplia e mantém atual o desafio da reformulação das instituições de pesquisa, ensino e

extensão.

17

4. A CENTRALIDADE DA EXPERIÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO A PARTIR DA VIVÊNCIA DOS

QUINTAIS DE SANTA RITA

Entorno dos quintais de Santa Rita - O território do Cariri paraibano

O município do Congo, onde se localiza a comunidade de Santa Rita é um município de

333,469 km² no Cariri paraibano. Hoje a área ocupada com culturas agrícolas é muito

pequena, segundo o Censo IBGE 2010, apenas 1,75%. O restante da área rural são áreas

abertas, empobrecidas e ainda usadas para a criação de animais soltos.

Em paralelo à degradação das terras e encolhimento das áreas e da própria produção

agropecuária se viu o crescimento dos benefícios sociais ligados à aposentadoria. Já em

1996 o valor dos benefícios era cerca de o dobro da produção agropecuária.

Em diagnóstico preliminar do Cariri realizado pelo Projeto Dom Helder Camara3 a fala de

um dos mais combativos líderes sindicais do Cariri nos confirma a realidade: ‘[...] a nossa

maior divisa é o INSS’ (PDHC, 2001, p. 5).

A tendência de esvaziamento das áreas rurais ainda hoje perdura no Cariri: segundo dados

do Censo IBGE 2010 no conjunto de 17 municípios do Cariri Ocidental, dentre os quais se

inclui o Congo, vivem 113.336 habitantes, 5,1% a menos que em 2007.

Já havia produção de hortaliças em Santa Rita, mas com largo uso de agrotóxicos. Os

impactos dos agrotóxicos se faziam sentir diretamente na vida das famílias agricultoras:

“Quem pulveriza, até o suor fede o veneno! E, além disso, eles são tão caros que quando

tira o dinheiro do roçado não sobra quase nada depois que a gente paga o vendedor dos

venenos”. (Marinaldo, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 2).

Neste cenário, a partir de 2003, o Projeto Dom Helder Camara - PDHC passa a atuar no

Cariri, chegando à comunidade de Santa Rita em 2006.

Na sua essência, o Projeto Dom Helder Câmara é um projeto de ações referenciais voltadas para o desenvolvimento sustentável do semi-árido

3 Projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria de Desenvolvimento Territorial (MDA/SDT), que atende 15724 famílias de oito territórios rurais em seis estados do Nordeste. Resulta de um acordo de empréstimo com o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA), cuja missão e a de criar referenciais para as políticas públicas de combate a pobreza em áreas de agricultura familiar e reforma agrária na região semiárida nordestina e de doação do Fundo Global para o Meio Ambiente – GEF com o objetivo de reforçar os indicadores ambientais do PDHC, agregando a gestão e preservação ambiental ao desenvolvimento rural integrado, com superação da pobreza.

18

do Nordeste do Brasil, que orienta a suas ações embasado no conceito de convivência com o semi-árido, articulando as dimensões socio-políticas, ambientais, culturais, econômicas e tecnológicas e reconhecendo nas diferenças estruturais e culturais e nos processos de concertação, as possibilidades para construção de alternativas. (SIDERSKY et al., 2010, p. 17).

A ação deste projeto se apóia no provimento de Assessoria Técnica Permanente –

ATP, através de contratos com parceiras da sociedade civil responsáveis pela prestação

dos serviços de assessoria técnica diretamente às famílias agricultoras. A ATP tem a

atribuição de apoiar as comunidades agricultoras no desenho de agroecossistemas mais

sustentáveis, beneficiamento da produção e acesso a mercados, acesso à políticas públicas

e fortalecimento das organizações da agricultura familiar. Neste âmbito, o enfoque da

ação da assessoria técnica deve se pautar pelo referencial agroecológico e dentre as opções

metodológicas centrais são o enfoque participativo, o sistema de planejamento ascendente,

a inclusão de gênero e etnia e a inovação como fruto da construção do conhecimento.

Diferentes ferramentas metodológicas apoiam as associações de agricultores, através de

projeto a fundo perdido, que lhes permitem testar ou desenvolver processos de inovação

no contexto do desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis e integram o desenho da

assessoria técnica. São elas: intercâmbios, desenvolvimento de Unidades Demonstrativas -

UD ou ampliação de aprendizados já consolidados – projetos Fundo Investimento Social e

Produtivo - FISP.

Destaca-se que o processo de planejamento ascendente significa que as comunidades

realizam um Diagnostico Rápido Participativo – DRP, que embasa um plano de trabalho

para o primeiro ano, o Plano Operativo Anual – POA. O processo de planejamento com

as comunidades passa a ser anual e orienta o foco da prestação de serviços na assessoria

técnica às famílias agricultoras, integrando os contratos de ATP para o ano subseqüente.

É necessário destacar que a continuidade do provimento da assessoria técnica em si mesma

é exceção no provimento da ATER pública, marcada pela descontinuidade e fragmentação

das chamadas públicas.

Além da ATP, são promovidos na mesma região processos territoriais de formação focadas

em demandas específicas que, articuladas à primeira, promovem um impacto realmente

diferenciado. A partir do final de 2008 desenvolveu-se a “Formação pela Experimentação

com Hortas e Pomares agroecológicos”, inicialmente nos sertões do Cariri/PB e do Apodi/

19

RN e depois se disseminando para os territórios do Sertão Central e Inhamuns/CE, Pajeú/

PE, Sertão Sergipano/SE. O objetivo da formação foi:

Desenvolver um aprendizado de conversão agroecológica em áreas de produção de hortaliças e frutas de famílias assessoradas pelo Projeto Dom Helder no território do Sertão do Cariri/PB, de modo a avançar em sistemas referenciais baseados em práticas de manejo agroecológico que possibilitem a sustentabilidade ambiental dos agroecossistemas, refletida na manutenção de produção diversificada e de qualidade ao longo do ano, atendendo ao mercado consumidor das feiras agroecológicas. (PDHC, 2008, p. 3).

A estratégia pedagógica foca, sobretudo, a centralidade da prática no processo formativo:

A estratégica pedagógica central é a formação pela prática aliada à reflexão: a formação acompanha o ciclo dos cultivos e é eminentemente prática, com conteúdos que seguem a recomendação técnica mais apropriada para horticultura agroecológica, com os temas dispostos em ordem de prioridade em relação aos desafios concretos enfrentados pelos agricultores/as na produção. (PDHC, 2008, p. 8).

Para isso foram organizados encontros territoriais com agricultores das diversas

comunidades que praticam a horticultura no território e os técnicos que lhes assessoram,

denominados encontros de aprendizagem, que se repetem periodicamente, com frequência

de 21 a 30 dias, realizados na área produtiva de um dos agricultores, que passa a ser a área

de referência da formação. A dinâmica da formação está ilustrada no diagrama abaixo.

Figura 1. Diagrama da Formação Territorial pela Experimentação com Hortas e Pomares Agroecológicos.

20

Fonte: AZEVEDO, 2012

Na área de referência se desenvolvem experimentações de técnicas agroecológicas que

contribuam para superação de problemas identificados pelos agricultores e ou técnicos. Os

agricultores participantes da formação voltam às suas comunidades e, caso suas próprias

áreas de produção se defrontem com o mesmo tipo de problema levado para busca de

soluções na área referencial, são estimulados a experimentar da mesma maneira que

fizeram na área referencial, testando a solução proposta sob as condições específicas de sua

área produtivas, com apoio dos técnicos da ATP.

Esta experiência de formação coletiva, de técnicos e agricultores, inova ao propiciar uma

mesma base experiencial a ambos os atores, a partir da qual podem avançar juntos na

construção do conhecimento agroecológico. Pesquisadores de instituições de pesquisa e

universidades locais em diferentes momentos são convidados a participar deste processo e

eventualmente integrá-lo de forma contínua e sistemática.

No desenho da formação observa-se a realização de seminários territoriais que se repetem

com periodicidade de quatro a seis meses com os objetivos de planejamento, monitoria

e avaliação participativa do processo de formação pela experimentação, bem como

aprofundar com o público envolvido no aprendizado pela experimentação conceitos

de agroecologia que embasam as práticas experimentais. Nos seminários territoriais a

sistematização passa a ser utilizada como metodologia para reflexão sobre a trajetória,

acúmulos e desafios da Formação pela Experimentação.

A experiência dos quintais de Santa Rita é fortemente influenciada tanto pelas condições

do território como um todo quanto pelo fato de que se constitui área atendida pelo PDHC, o

que contribui para os processos de inovação e geração de conhecimento que se observou no

processo de sistematização da experiência com as agricultoras de Santa Rita.

Os quintais como espaço de construção do conhecimento agroecológico de agricultores e

técnicos

A experiência desenvolvida nos quintais produtivos adquire um papel central na construção

do conhecimento agroecológico e em Santa Rita. No fundo das casas estas áreas, em

21

geral sob a gerência das mulheres, são destinadas à criação de pequenos animais, cultivos

de hortaliças, medicinais e frutíferas, em geral para o consumo da família, um rico

espaço “[...] que carrega em si expressões naturais de convivência amistosa entre pessoas,

da relação com os animais e com a natureza, do espaço ao redor de casa que além de sua

ludicidade, se traduz em produtor de bens e alimentos para a família.” (LEONEL, 2010, p.

5).

Mas o contexto que marca o início da experiência de construção do conhecimento

agroecológico segundo as agricultoras de Santa Rita, longe do espaço rico e amigo que

aponta a autora acima ao refletir sobre os quintais no semiárido cearense, é marcado pela

falta - de água, de assessoria técnica, até dos membros das famílias que se deslocavam para

as cidades em busca de alternativas: “Não tinha nada aqui. Vivia com os 50 reais da bolsa

família e era muito difícil. Era tão difícil que nem galinha a gente criava... No ano que

chovia a gente botava roçado...” (Andrea, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 2)

“[...] quando dava a seca os maridos ia pra São Paulo e as mulheres ficavam em casa

tomando conta dos meninos.” (Selma, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 2).

Cabe considerar que os quintais produtivos são um espaço também em construção do

ponto de vista conceitual. Segundo Brito e Coelho (2000, p. 3) no Brasil o termo quintais é

usado para se referir ao terreno em torno da casa em geral definido “[...] como a porção de

terra perto da casa, de acesso fácil e cômodo, na qual se cultivam ou se matem múltiplas

espécies que fornecem parte das necessidades nutricionais da família, assim como outros

produtos como lenha e plantas medicinais.” Em todo o mundo tropical, segundo as

mesmas autoras ao analisarem sistemas agroflorestais, os sistemas de produção que incluem

árvores, plantas perenes e anuais e eventualmente pequenos animais ao redor das casas são

muito parecidos, seja na Indonésia, em Kerala – India, na África ou na América Central.

Os quintais tem em comum ser quase uma extensão do espaço domésticos, plantados e

mantidos pelas famílias e orientado principalmente para o consumo doméstico. Quintal

produtivo tem sido um termo muito utilizado no Brasil por organizações da sociedade

civil para denominar os quintais das famílias agricultoras que são sistemas agroflorestais

que reúnem os aspectos já destacados acima, mas servem como palco para manutenção de

saberes ancestrais bem como para a experimentação e desenvolvimento de diversas práticas

22

agroecológicas, que tem sua produção otimizada com apoio de assessoria técnica e pode vir

a gerar renda monetária expressiva, indo além da satisfação das necessidades domésticas

das famílias. Muitas vezes são usados como sinônimos de quintais agroecológicos. O

termo “quintais agroecológicos” é um conceito ainda menos descrito e conceituado que

quintais produtivos, porém ainda assim foi utilizado na formação pela experimentação

como um objetivo maior, um norteador de práticas e princípios: quando um quintal

produtivo estiver tão equilibrado do ponto de vista agroecológico, com intenso manejo da

biodiversidade e integração entre diferentes cultivos e animais de tal forma que dificilmente

surja um desequilíbrio de populações simbolizado por pragas ou doenças, de modo que

sequer métodos alternativos de controle sejam necessários, os quintais produtivos estariam

concluindo um processo de conversão agroecológica de agroecossistemas e se constituindo

quintais agroecológicos.

No Semiárido nordestino Leonel (2011) propõe que o quintal agroecológico seja

compreendido como uma tecnologia social que objetiva a segurança alimentar para a qual é

fator essencial a existência ou condições para o armazenamento da água e mais - se insere

em um imaginário e espaço de sociabilidade próprios.

A interação que se estabelece no espaço do quintal entre plantas de espécies diferenciadas, animais domésticos e as pessoas da casa e da vizinhança constitui um rico e produtivo contexto de vidas que resultam numa relação integrada de gente, animais e tudo o mais que compõe o ambiente e proporciona qualidade de vida social e produtiva das famílias rurais. (...) Pois é neste pequeno espaço que se constrói mais vida, mais esperança e dele se tiram os recursos alimentos e outros bens necessários à preservação e manutenção da existência no semiárido, e além disso, se resgatam e selecionam sementes nativas e/ou crioulas, se criam pequenos animais e se cultivam os sistemas agroflorestais formados por uma diversidade de plantas (...) É ali, no quintal que nas noites enluaradas se reúnem as pessoas para debulhar o milho e o feijão que irão fartar a mesa da família e saciar a fome de cada dia. (LEONEL, 2010, p. 5-6).

A experiência sistematizada de produção irrigada nos quintais, que serviu de base para este

artigo foi desenvolvida por um grupo de mulheres a partir de 2005 com o estímulo de irmãs

canisianas4 recém chegadas ao Congo. Iniciou com três mulheres e hoje são oito famílias da

mesma comunidade.

4 Ordem de freiras integrantes da Congregação São Pedro Canísio, com sede no Brasil em Aparecida do Norte/SP e que chegaram ao Congo em 2002, a pedido de Dom Mathias, Bispo de Campina Grande-PB.

23

A experiência foi fomentada pelas irmãs com o propósito de garantir em primeiro lugar a

segurança alimentar e nutricional das famílias e as mulheres não sabiam se seria possível

produzir sem veneno.

Não tinham a prática do plantio irrigado e os primeiros aprendizados apontados pelo grupo

estavam relacionados ao manejo do sistema produtivo: “Para conseguir produzir hortaliças

no semiárido, precisávamos aprender novas tecnologias de armazenamento de água.

Aprendemos a experimentar. Errar e acertar era parte desse processo e isso foi entrando

devagarinho nas nossas vidas”.(AZEVEDO et al., 2012, p. 5).

Embora as mulheres foquem os desafios superados na produção, como o manejo da água,

como produzir cenouras de qualidade ou as alfaces que sofrem com as águas salobras,

outras dimensões de aprendizados ocorriam, quase desapercebidamente - aprendiam a

perseverar e alimentar a existência do grupo: “A dedicação em um trabalho duro, apesar

do povo mangando, não desistindo mesmo com as próprias dúvidas de não saber se era

possível mesmo produzir daquela forma. Fortalecer-se mutuamente, apoiar a existência do

pequeno grupo de experimentação.” (AZEVEDO et al., 2012, p. 5).

A organização começa com o pequeno grupo de três mulheres, mas em 2006, com apoio

das irmãs, fundam uma associação.A Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Riacho do Algodão e Santa Rita foi fundada em 2006 e contava com 37 participantes de Santa Rita de Cima, Santa Rita de Baixo e Riacho do Algodão e a partir de sua constituição o PDHC passou a atender a Comunidade de Santa Rita com assessoria técnica e pequenos projetos. (AZEVEDO et al., 2012, p. 6).

A experiência vai além dos quintais produtivos, é a própria vida em mudança e novos

aprendizados relacionados ao processo de organização são destacados pelas mulheres como

saber ouvir e aceitar novas idéias, compartilhar impressões e experiências, explicar uma

situação, lidar com conflitos.

A produção agroecológica nos quintais a princípio impacta a alimentação, pois o primeiro

foco era a segurança alimentar. Porém em pouco tempo o volume de produção aumenta e

já é possível comercializar. Em 2008 inicia-se a comercialização na sede do município do

Congo, com uma das agricultoras do grupo levando a produção da comunidade para vender

na sede do município.

24

Neste mesmo ano inicia-se a formação territorial pela experimentação promovida pelo

Projeto Dom Helder Câmara e intercâmbios e dias de aprendizado passam a entrar na

rotina do grupo. Além da formação, vale salientar que a contribuição de políticas públicas

e projetos voltados para o meio rural apoiaram a consolidação do grupo, propiciando que

as famílias pudessem implementar várias tecnologias para captação e estoque de água e, à

medida que mais famílias têm condições de armazenar água, o grupo cresce e se estabiliza

em oito famílias.

As integrantes do grupo passam a exercitar novos papéis e defender em fóruns territoriais

o apoio à comercialização e em 2010 é inaugurada a Feira Agroecológica do Congo. Elas

organizam também uma nova associação de agricultores e agricultoras feirantes que é

reconhecida como Organização de Controle Social - OCS, mecanismo de certificação

participativa simplificado estabelecido pelo Ministério da Agricultura Pecuária e

Abastecimento - MAPA, como condição para comercialização de produtos orgânicos ou

agroecológicos.

A comercialização na feira agroecológica estimula o aumento e diversificação da produção

para atender aos novos clientes e mercados que se abrem e novos desafios surgem no

sistema produtivo, do planejamento da produção diversificada a como manter o solo

fértil e as hortaliças livres de pragas e doenças. Além dos aprendizados que repercutem

diretamente no sistema produtivo há aqueles relacionados ao estabelecimento de

uma relação mais próxima com os consumidores, à constituição de um canal curto de

comercialização que dispensa atravessadores, enfim, a construção de uma nova lógica

econômica pelas famílias agricultoras que experimentam este novo espaço de construção do

conhecimento agroecológico.

Diante deste desafio, a formação pela experimentação, dá outra dimensão ao processo de

geração e partilha de conhecimento, pois possibilita ao grupo experimentar novas práticas

agroecológicas, analisar e comparar diferentes técnicas bem como compartilhar e debater

propostas de produção com outros agricultores e técnicos que participam dos processos de

formação territorial. É possível confrontar a própria prática e analisá-la, e segundo uma das

integrantes do grupo de agricultoras de Santa Rita “O teste de fazer experiência é a melhor

coisa, pois a gente pode ir fazendo várias experiências.” (agricultora, apud AZEVEDO et

25

al., 2012, p. 9).

Segundo o grupo de sistematização a participação na formação territorial foi importante

para compreender a importância de planejar e avaliar a própria prática e estabelecer novas

formas de se relacionar com a assessoria técnica, afirmando que aprenderam “[...] como

conversar com os técnicos, de uma forma diferente porque agora podemos trocar idéias

entre agricultores e técnicos”. (AZEVEDO et al., 2012, p. 9).

Com esse olhar estas mulheres agricultoras mostram concretamente que a distinção entre

sujeito empírico e sujeito epistêmico não tem mais sentido no processo de construção do

conhecimento agroecológico, como Souza Santos (2001), nos apontava ao criticar a ciência

moderna e sua arbitrária fragmentação.

A formação influenciou ainda a prática da assessoria técnica às comunidades do território e

ampliou o debate sobre agroecologia. Segundo técnicos participantes a formação contribuía

para sua formação técnica em especial quando não havia referencial prático anterior

com produção agroecológica. Na prática da assessoria “[...] a formação contribui para

o trabalho de assessoria técnica na comunidade, pois uma vez que o agricultor já viu

aquela determinada atividade facilita assessorar e monitorar” (técnico, apud AZEVEDO

et al., 2012, p. 7). Outro aspecto também destacado pelos técnicos é que possibilitou mais

proximidade entre técnicos e agricultores e a comunicação tornou-se mais fácil. A base

comum da experiência e a troca de saberes mais horizontal estabelece um novo espaço para

o diálogo entre os diferentes atores.

No processo vivido, a visão de si mesmo das agricultoras muda, se relacionam com

os moradores da cidade de outra forma e nas famílias as mulheres também sentem a

mudança – à medida em que o grupo se fortalece e as mulheres iniciam a participar

de formações e eventos fora da comunidade, ganham em autonomia frente a seus

companheiros: “Aprendemos a ser autônomas enquanto mulheres porque temos a nossa

própria renda....Os maridos até hoje não aceitam. Tem hora que olho pro meu marido

e digo: ave homem, você não vai se acostumar nunca? Já fazem 10 anos que estamos

nessa!” (agricultora, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 9).

A sistematização da experiência permite que outros aprendizados emerjam do grupo e

destacam-se os relacionados à autonomia dos sujeitos e capacidade de intervir no mundo,

26

como objetividade ao propor e defender projetos próprios em espaços como fóruns e

conselhos, lidar com conflitos e fortalecer a vida em comunidade, organizar-se para acessar

políticas publicas.

No processo evidenciaram-se limites na prática e conhecimento agroecológico e ampliou-

se o olhar para o agroecossistema: “Tem muita coisa ainda que precisamos aprender na

agroecologia: (...) como a terra se degrada, porque a água vai embora, como a caatinga

funciona, qual é o papel da criação (de animais)” (AZEVEDO et al., 2012, p. 10).

Ao cabo do processo de sistematização, em sua síntese, destacaram os principais

aprendizados:

Conseguimos enxergar como somos hoje mais fortes. A superação do medo, o crescimento da confiança de poder aprender e realizar os sonhos, tanto diante de si mesmas quanto dos companheiros e de toda a comunidade. Percebemos ainda que a experimentação é tão importante para desenvolver o conhecimento agroecológico quanto o acesso a conhecimentos já construídos. Para ajudar a desenvolver o conhecimento agroecológico o acesso à assessoria técnica é fundamental. O conhecimento que construímos é inseparável da prática [...] A importância de um grupo forte e dinâmico Finalmente, aprendemos a aproveitar os momentos de reflexão (AZEVEDO et al., 2012, p. 11).

Falkenbach (2000) nos aponta no exercício da sistematização a oportunidade do

amadurecimento de uma relação consciente com o mundo e na experiência da

sistematização do desenvolvimento agroecológico dos quintais de Santa Rita percebe-se as

possibilidades vislumbradas por esta autora:

Antevejo, nesse instrumento da educação popular – a sistematização –, a possibilidade de propiciar aos sujeitos do processo, educadores e educandos, um grande salto: além de viabilizar o conhecer mais e o conhecer desde um lugar – a prática – que é a mediação da minha relação, da sua relação, da nossa relação com o mundo; de favorecer a “consciência-do-estar-sendo”, um processo de sistematização, vivenciado radicalmente, vai além. Proporciona àqueles que o integram a oportunidade de assumirem uma “relação consciente” – desde a prática – com o mundo: traçando rumos a partir do conhecido, escolhendo caminhos referenciados ao aprendido, comunicando e submetendo à crítica o processo então percorrido. (FALKENBACH, 2000, p. 3).

Sua dimensão dialética exercitada a partir da reconstrução e interpretação crítica da

experiência com seus protagonistas conflui para o que Souza Santos (2002) denomina

conhecimento emancipatório, alternativa à fragmentação da experiência, ao “[...]

conhecimento desencantado e triste” propiciado pela ciência moderna.

27

5. A REPERCUSSÃO DA EXPERIMENTAÇÃO AGROECOLÓGICA NOS

SUJEITOS DA ATER

Nos processos clássicos de ATER imbuídos do projeto da revolução verde, há uma

separação clara de papéis entre técnicos e agricultores. Na experiência analisada, a ATER

apoiando processos de construção do conhecimento agroecológico toma um outro sentido

e reflete uma relação dialógica que traz, ao lado de seu sujeito mais tradicional o técnico

que presta assessoria, o agricultor também como sujeito. Para as agricultoras do grupo

de sistematização, a experiência repercute em muitas dimensões simultaneamente. O

conhecimento técnico se amplia, propiciando uma produção de hortaliças agroecológicas

irrigadas suficiente para a segurança alimentar e para geração de renda. Por outro lado sua

organização se amplia, protagonismo, autonomia e passam a recuperar a fertilidade do solo

e seu potencial de guardar a umidade.

O crescimento do grupo em autonomia e autoconfiança é expressivo e destaca-se dentre

os aprendizados observados no processo de sistematização “Aprendi também a ser mais

objetiva na hora de defender os nossos direitos e a participar de outros espaços. O

conselho, por exemplo, é muito importante para a gente discutir, conversar, conhecer a

experiência dos outros” (agricultora de Santa Rita, apud AZEVEDO et al., 2012, p 9). A

liberdade de ir e vir e o fortalecimento diante de seus próprios maridos em uma sociedade

patriarcal fortemente marcada pela desigualdade de gênero, sobretudo no espaço rural,

continua a se revelar nas falas das mulheres: “Quem tá acostumado a sair, ficar preso não

vai dar certo não” (agricultora de Santa Rita, apud AZEVEDO et al., 2012, p. 10) .

Norgaard (2002, p. 171), ao ilustrar com um diagrama as várias dimensões que interagem

no processo de coevolução de sociedade e meio ambiente, proporciona interessante

referencial de análise. “A coevolução explica o modo em que tudo parece estar

estreitamente relacionado, e tudo parece estar mudando ao mesmo tempo”.

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Figura 2. A co-evolução do meio ambiente e a sociedade Fonte: NORGAARD (2002, p.171).

O grupo de agricultoras da comunidade de Santa Rita procurava desenvolver técnicas que

lhes permitissem produzir alimentos saudáveis. Porém não apenas sua produção mudou,

mas seu ambiente, grau de organização, conhecimento e até mesmo valores sofreram

modificações.

Este processo se deu a partir do desdobramento de sua prática, utilizando conhecimentos

que já tinham de quando acompanhavam os pais no plantio de pequenos jarros de temperos,

mas se ampliou com a assessoria técnica, a experimentação e a partilha.

À medida que os aprendizados relacionados às tecnologias e convivência com o semiárido

se consolidavam novos desafios relacionados à organização se impunham, à medida que

as mulheres tinham acesso à renda própria e seu mundo se ampliava com os eventos

das formações territoriais, intercâmbios e comercialização, ganharam autonomia e se

impuseram como lideranças, influindo nos valores e modificando as relações de poder em

suas famílias.

A geração de conhecimento a partir do senso comum proposta por Souza Santos (2001)

é observada nesta experiência. Quando este autor sugere uma ruptura epistemológica

entre senso comum e ciência, a partir do senso comum, considera que “[...] significa

distinguir entre um conhecimento incompreensível e prodigioso e um conhecimento

óbvio e obviamente útil.” (SOUZA SANTOS, 2001, p. 107). Observa-se na prática das

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mulheres de Santa Rita a geração de múltiplos conhecimentos, úteis e pragmáticos, que

servem não apenas ao desenvolvimento de uma ciência sob um novo paradigma, mas serve,

sobretudo, para propiciar um desenvolvimento a partir do local. O mesmo autor aponta que

o senso comum emancipatório tem o potencial, enquanto forma de conhecimento, de “[...]

enriquecer nossa relação com o mundo” e é isto que se vê na experiência das mulheres de

Santa Rita. Aponta o autor que:O senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da criatividade e responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e, nessa correspondência, inspira confiança e confere segurança. (SOUZA SANTOS, 2001, p. 108)

A centralidade da experiência, tanto no desenvolvimento dos quintais produtivos, como na

organização das produtoras agroecológicas, da comercialização e da formação territorial

confere uma base estável, porém não estática, rica, em torno da qual o conhecimento

agroecológico se constrói. Os olhares dos vários sujeitos, as agricultoras, a assessoria

técnica e os gestores de políticas públicas passam a se servir da experiência como

referencial para alcançar novos níveis de atuação e parceria, desenvolvendo ações que se

potencializam e convergem.

A centralidade da experiência compartilhada por agricultores, técnicos e gestores públicos,

como base a partir da qual cada grupo constrói seus conhecimentos e estes, colocados

em diálogo, permite estabelecer a confiança e transparência que contribui para superar

impasses e propiciar o desenvolvimento da prática agroecológica com mais firmeza e

agilidade.

A experiência dos quintais da comunidade de Santa Rita nos revela que ao modificar o

sistema produtivo as mulheres modificaram-se a si mesmas, bem como os papéis sociais

que exerciam. Exemplo contundente foi a evolução dos papéis relacionados à organização

social. A Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Riacho do Algodão e Santa Rita,

fundada em 2006 teve como primeira presidente uma das irmãs canisianas que apoiavam

o grupo de mulheres de Santa Rita, pois elas não se viam ocupando e exercendo uma

responsabilidade como esta. Em dois anos assumem a diretoria e presidência da associação,

defendem a criação de uma feira agroecológica no Congo no Fórum de Desenvolvimento

Territorial e, em 2011, criam o Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar -

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SINTRAF do Congo, tendo como sua primeira presidente uma das mulheres do grupo de

Santa Rita. O crescimento em protagonismo e autonomia também se refletiram nas relações

com suas famílias, maridos, filhos, e na comunidade da qual fazem parte.

Por outro lado, os técnicos participantes da formação territorial desenvolvem o

conhecimento experiencial no manejo dos sistemas produtivos agroecológicos ao

acompanhar e avaliar o desempenho das técnicas no contexto local. A experiência assim

adquirida confrontada e enriquecida pelo referencial teórico da agroecologia permite o

desenvolvimento de uma expertise necessária ao desenvolvimento dos agroecossistemas

não trabalhada pelas instituições de ensino e pesquisa formadoras destes técnicos. Os

aspectos da geração e teste de novas de tecnologias, as repercussões ambientais e o

conhecimento são as dimensões que dinamizam a co-evolução para estes atores, mas

impactam a forma com que valoraram os agroecossistemas e sua produção e contribuem

para que organizem o exercício profissional de outra forma. Foi reconhecido pelos técnicos

que a estruturação de experimentos produtivos relacionados diretamente aos desafios

produtivos e outros enfrentados cotidianamente pelas famílias agricultoras contribuem para

focar a assessoria técnica nas comunidades.

Cabe considerar que o acolhimento e explicitação dos conhecimentos gerados a partir do

olhar de cada grupo de atores envolvidos na experiência propiciado pela sistematização,

contribuem para a superação de dois desafios poderosos destacados por Souza Santos

(2001) relativos ao conhecimento–emancipação: os monopólios de interpretação e a

renúncia à interpretação. O autor afirma ainda que a multiplicidade de comunidades

interpretativas é uma estratégia para superar os desafios citados e que:

Esta estratégia, embora guiada pelo conhecimento teórico local, não é um artefato cognitivo: as comunidades interpretativas são comunidades políticas. São aquilo a que chamei neo-comunidades, territorialidades locais-globais e temporalidades imediatas-diferidas que englobam o conhecimento e a vida, a interação e o trabalho, o consenso e o conflito, a intersubjetividade e a dominação, e cujo desabrochar emancipatório consiste em uma interminável trajetória do colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento-emancipação. (SOUZA SANTOS, 2001, p. 95).

Aos gestores de políticas públicas cabe avaliar os avanços e limitações na promoção da

agroecologia em um desenho de assessoria técnica permanente acrescido de processos

de formação territorial específica que privilegiam metodologicamente a centralidade

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da prática. Os resultados alcançados pelos diversos atores envolvidos contribuem

para consolidar uma proposta metodológica para o provimento de assessoria técnica e

qualificação dos quadros técnicos em serviço simultâneos, grande e atual desafio para o

desenvolvimento de sistemas produtivos pautados pela agroecologia.

6. CONCLUSÕES

No desenvolvimento de agroecossistemas pautados pela agroecologia é possível e desejável

a construção do conhecimento de forma compartilhada entre agricultores familiares e

técnicos em serviço e o processo é facilitado quando à experiência concreta, a prática em si

mesma – seja a prática produtiva, a prática da assessoria técnica, a prática da sistematização

de experiências – é dado o lugar central no processo de construção de conhecimento. A

centralidade da experiência confere uma base estável, porém não estática, em torno da

qual o conhecimento agroecológico se constrói e isto se reflete nos diferentes processos

vivenciados pelos agricultores desde à produção, passando pela comercialização até a sua

própria relação com o mundo.

Para tanto o provimento de uma ATER que contribua para a construção do conhecimento

agroecológico deve ser contínuo. Esta é uma condição necessária para que se estabeleça

uma sistemática de avaliação crítica da própria prática, tanto por técnicos como por

agricultores, que partilham suas perspectivas, realimentam o processo de geração de

conhecimentos e qualificam o processo de ATER.

O estímulo para que os vários sujeitos (técnicos e técnicas, agricultores e agricultoras,

lideranças e gestores) elaborem e compartilhem seu conhecimento a partir de um mesma

experiência concreta, permite tanto facilitar o diálogo entre os diferentes atores, quanto

amadurecer a percepção de que a experiência é um fenômeno complexo e de certa forma

subjetiva, e que cada grupo de atores, cada comunidade interpretativa, como esta é definida

por Souza Santos (2001), a descreve e valora de forma distinta e todas as perspectivas

colaboram para uma compreensão mais profunda da própria experiência.

Para os técnicos, muitos deles formado em escolas técnicas e universidades norteadas

pelo paradigma da ciência moderna e que não tinham um referencial concreto do

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desenvolvimento de sistemas de produção agroecológicos – eventualmente sequer

referencial teórico - a experimentação comparativa de diversas técnicas e práticas e o

intercâmbio com outros técnicos e agricultores permite que eles adquiram a experiência

necessária a partir de sua própria prática, dos experimentos que ajudam a estruturar e

acompanhar e o aprendizado gerado colocado em debate com apoio de referencial teórico

contribui para sua formação continuada, refletindo na qualificação da assessoria prestada

norteada pela agroecologia.

Os agricultores já desenvolvem naturalmente processos de experimentação em seus

agroecossistemas. Porém aprendem a estruturar a experimentação de forma a poder

comparar resultados de forma mais precisa, ampliam o debate e a reflexão sobre a

geração do conhecimento agroecológico focado na própria prática e aprendem sobretudo

a se colocarem de forma propositiva e dialogar com outros agricultores e com a

assessoria técnica de forma mais horizontal, compartilhando os desafios e sucessos

no desenvolvimento de seus agroecossistemas. O acolhimento, em um processo de

formação, da contribuição de cada grupo de atores, em igualdade de condições contribui

para que grupos aos quais era interditado a geração de conhecimento – os agricultores –

reconquistem a autonomia e protagonismo no desenvolvimento de seus agroecossistemas e

maior empoderamento ao lidar com a assessoria técnica.

Para finalizar, na construção do conhecimento agroecológico promovido tanto por

organizações governamentais quanto não governamentais, o aspecto metodológico

é central. E, quando a metodologia reflete a centralidade da prática, guardando uma

certa flexibilidade para que possa se adaptar às demandas que surgirem a partir do

desenvolvimento da própria experiência, fortalecer o protagonismo dos diferentes atores e

promover o diálogo entre os diferentes saberes em torno de uma experiência real, concreta,

viva e compartilhada.

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