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Espaço Agroecológico Interdisciplinar na Escola do Campo em Itahum, Dourados, MS. Agroecology space Interdisciplinary School field in Itahum, Dourados, MS. LIMA, Mauro Sérgio Almeida de. 1 1 Secretaria de Estado de Educação, Campo Grande MS, Coordenadoria Regional de Educação de Dourados, MS, [email protected]. Resumo: A Educação do Campo é uma conquista recente dos povos e movimentos do campo, e sua construção deve observar o contexto regional buscando sempre relacionar o local de moradia e de vida com o conteúdo aplicado nas escolas. Também existe a necessidade de interdisciplinaridade e foco na agroecologia que são requisitos da disciplina TVT (Terra, Vida e Trabalho), específica da Educação do Campo. Sendo assim, o presente artigo propõe se em demonstrar a criação de um espaço agroecológico em construção na escola do campo Antônio Vicente Azambuja no distrito de Itahum, município de Dourados, Mato Grosso do Sul para a discussão e praticas agroecológicas. A escola atende os alunos oriundos, em sua maioria, dos assentamentos rurais Amparo e Lagoa Grande e a intenção é a troca de experiências nos projetos desenvolvidos a partir de práticas agroecológicas, para que sejam reproduzidos em seus locais de moradia. Os alunos trazem consigo conhecimentos e os professores direcionam e aprimoram para construção da horta agroecológica, pomar doméstico, horto de plantas medicinais, compostagem e SAF (Sistema Agro Florestal) com orientação de instituições parceiras. Palavras-chave: Educação do Campo, Agroecologia, Meio Ambiente, Educação. Abstract: The field of education is a recent conquest of peoples and movements of the field, and its construction should note the regional context always trying to relate the location of housing and living with the content used in schools. There is also the need for interdisciplinarity and focus on agroecology that are requirements of the TVT discipline (Earth, Life and Work), specific field of education. Therefore, this article proposes is to demonstrate the creation of an agro-ecological space under construction in Antonio Vicente Azambuja Field School in Itahum district in the city of Dourados, Mato Grosso do Sul for discussion and agroecological practices. The school serves students from the, mostly rural settlements Amparo and Great Pond and the intention is to exchange experiences in projects developed from agroecological practices, to be played in their neighborhoods. Students bring with them knowledge and teachers direct and improve construction of agroecological garden, home orchard, garden of medicinal plants, composting and SAF (Agro Forestry System) with guidance from partner institutions.do resumo para o inglês. Máximo de 250 palavras, em fonte Arial, corpo 11pt, com alinhamento justificado e espaçamento simples entre linhas. Keywords: Rural Education, Agroecology, Environment, Education.

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Espaço Agroecológico Interdisciplinar na Escola do Campo em Itahum, Dourados, MS.

Agroecology space Interdisciplinary School field in Itahum, Dourados, MS.

LIMA, Mauro Sérgio Almeida de.1

1Secretaria de Estado de Educação, Campo Grande MS, Coordenadoria Regional de Educação de Dourados, MS, [email protected]. Resumo: A Educação do Campo é uma conquista recente dos povos e movimentos do campo, e sua construção deve observar o contexto regional buscando sempre relacionar o local de moradia e de vida com o conteúdo aplicado nas escolas. Também existe a necessidade de interdisciplinaridade e foco na agroecologia que são requisitos da disciplina TVT (Terra, Vida e Trabalho), específica da Educação do Campo. Sendo assim, o presente artigo propõe se em demonstrar a criação de um espaço agroecológico em construção na escola do campo Antônio Vicente Azambuja no distrito de Itahum, município de Dourados, Mato Grosso do Sul para a discussão e praticas agroecológicas. A escola atende os alunos oriundos, em sua maioria, dos assentamentos rurais Amparo e Lagoa Grande e a intenção é a troca de experiências nos projetos desenvolvidos a partir de práticas agroecológicas, para que sejam reproduzidos em seus locais de moradia. Os alunos trazem consigo conhecimentos e os professores direcionam e aprimoram para construção da horta agroecológica, pomar doméstico, horto de plantas medicinais, compostagem e SAF (Sistema Agro Florestal) com orientação de instituições parceiras. Palavras-chave: Educação do Campo, Agroecologia, Meio Ambiente, Educação. Abstract: The field of education is a recent conquest of peoples and movements of the field, and its construction should note the regional context always trying to relate the location of housing and living with the content used in schools. There is also the need for interdisciplinarity and focus on agroecology that are requirements of the TVT discipline (Earth, Life and Work), specific field of education. Therefore, this article proposes is to demonstrate the creation of an agro-ecological space under construction in Antonio Vicente Azambuja Field School in Itahum district in the city of Dourados, Mato Grosso do Sul for discussion and agroecological practices. The school serves students from the, mostly rural settlements Amparo and Great Pond and the intention is to exchange experiences in projects developed from agroecological practices, to be played in their neighborhoods. Students bring with them knowledge and teachers direct and improve construction of agroecological garden, home orchard, garden of medicinal plants, composting and SAF (Agro Forestry System) with guidance from partner institutions.do resumo para o inglês. Máximo de 250 palavras, em fonte Arial, corpo 11pt, com alinhamento justificado e espaçamento simples entre linhas. Keywords: Rural Education, Agroecology, Environment, Education.

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Introdução A educação do campo foi uma conquista ao longo de décadas de lutas dos povos e movimentos do campo, para que os camponeses obtivessem uma educação do e no campo que pudesse contemplar a realidade de vida dos seus locais de moradia. A partir do entendimento dos camponeses não existem possibilidades de uma educação urbana ser ministrada em espaço rural sendo que a realidade educacional urbana não corresponde aos anseios da comunidade, tampouco com as práticas utilizadas em seus locais de moradia. A Educação do Campo nasceu como mobilização/pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades camponesas articuladas às lutas por reforma agrária partindo-se de uma compreensão de campo carente de terra e condições de trabalho, de escolas apropriadas para as pessoas que ali residem visando maior desenvolvimento de seu território. (CALDART, 2008).

O campo sempre foi considerado local de atraso e subalternidade, uma visão construída pela sociedade ocidental, como aponta Marschner (2011) afirmando que “o imaginário como uma dinâmica que assumem conteúdos simbólicos numa dada sociedade, é capaz forjar juízos de valor, classificações, bem como dar vida a instituições.” (p.43), e isso reflete em vários setores como a educação, saúde, lazer, entre outros, suscitando muitos debates e reflexões. A respeito da educação no campo, a discussão é no sentido de que se torne uma educação emancipatória para que rompa o caráter subalterno, onde as políticas são de cima para baixo, sendo assim Fernandes (2012) indica que “as políticas emancipatórias, quase sempre, são elaboradas de baixo para cima com o objetivo de construir autonomias relativas e formas de enfrentamento e resistência na perspectiva de superação da subalternidade” (p.3). A busca pela autonomia na educação do campo em construir seu próprio currículo, voltado à sua realidade, é uma das reivindicações mais importantes no sentido das políticas emancipatórias citadas por Fernandes (2012). Fernandes & Molina, (2005) defendem o campo como espaço de particularidades e matrizes culturais. Esse campo é repleto de possibilidades políticas, formação crítica, resistência, mística, identidades, histórias e produção das condições de existência social. Cabe, portanto, à educação do campo, o papel de fomentar reflexões que acumulem forças e produção de saberes, no sentido de contribuir para a negação e/ou desconstrução do imaginário coletivo acerca da visão hierárquica que há entre o campo e a cidade. Essas são ações que podem ajudar na superação da visão tradicional do imaginário social do jeca-tatu e do campo como espaço atrasado e pouco desenvolvido. Algumas grandes discussões e encontros entre intelectuais, educadores, ONGs, Sindicatos, representantes dos movimentos sociais do campo e das comunidades camponesas podem ser citadas como essenciais para a construção do modelo de

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educação do campo e das políticas públicas que atendessem as necessidades e a realidade do campo, como: O I ENERA (Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária) em 1997; posteriormente o II ENERA (2004) que culminaram com grandes conquistas como o PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária); as resoluções de 2002 que regulamentam a educação do campo no Brasil, bem como o PRONACAMPO (Programa Nacional de Educação do Campo) em 2012 com políticas específicas para a educação do campo, entre outras.

A partir de 2012, com a resolução SED/MS nº 2.501, de 20 de dezembro de 2011, aproximadamente 60 escolas entre extensões e escolas polos iniciaram a atuação como Escolas do Campo, valorizando a comunidade camponesa atuando a partir das realidades regionais. A Escola Estadual Antônio Vicente Azambuja está inserida no contexto das escolas do campo e atende alunos oriundos dos P. As. (Projetos de Assentamentos) Lagoa Grande e Amparo, do distrito de Itahum, das fazendas do entorno, alunos indígenas, acampados, entre outros, num total de aproximadamente 320 alunos.

A escola Antônio Vicente Azambuja possui um espaço privilegiado em uma área aproximada de 100x100 metros que correspondem a 01 hectare de terra, em que a estrutura física da escola ocupa metade do espaço total. Sendo assim, a outra metade do espaço está sendo o foco do projeto “Espaço Agroecológico Interdisciplinar na Escola do Campo” que será orientado pela Coordenadoria Regional de Dourados com parcerias de entidades e instituições, que assim como a Coordenadoria procura cumprir seu papel de gestão dando respostas à sociedade camponesa para que a escola represente um polo de pesquisa e execução de projetos que atentem para a realidade das comunidades locais, no caso os camponeses. A Coordenadoria Regional de Educação de Dourados foi instalada a partir da resolução SED/MS nº 3.020 de 05 de fevereiro de 2016, a Assessoria de Políticas Específicas para a Educação da coordenadoria regional atualmente representa as escolas do campo da região da Grande Dourados no total de 10 escolas, sendo 02 indígenas em um total de mais de três mil alunos.

No Estado de Mato Grosso do Sul, observando a resolução que rege a Educação do Campo, o item III do artigo 2º diz que se deve possibilitar o acesso aos conhecimentos universais e específicos relacionados à realidade social dos estudantes, por meio de organização curricular, de carga horária e calendário escolar que atendam às características gerais de Educação Básica e às especificidades da realidade camponesa sul-mato-grossense. (RESOLUÇÃO/SED N. 3.016, DE 04 DE FEVEREIRO DE 2016.)

As escolas do campo possuem em seu currículo a disciplina TVT (Terra Vida e Trabalho) com duas aulas semanais em todos os anos da Educação Básica, e sua principal característica é a ação interdisciplinar fundamentadas em práticas agroecológicas que são comuns em comunidades da Agricultura familiar. A

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disciplina TVT funciona como uma ferramenta que fomenta projetos para a ação interdisciplinar na escola e seus professores devem ter a especificidade para atuação, ou seja, devem possuir características de educadores do campo com conhecimentos sobre a realidade camponesa.

A educação do campo como conquista dos povos do campo, a principal exigência é que seja construída em conjunto com a comunidade para atender as demandas de cada região e isso implica que não seja uma educação imposta por especialistas, mesmo sabendo que existem regras e leis a serem seguidas. Uma das alternativas mais concretas está na construção do referencial curricular da disciplina TVT (Terra Vida e Trabalho) que se transformou no pilar essencial da educação do campo, pois é o eixo temático gerador do campo. Pode se perceber a função interdisciplinar no Art. 5º afirmando que:

As escolas do campo terão na sua Proposta Pedagógica os eixos temáticos Terra-Vida-Trabalho e os fundamentos das diversas áreas de conhecimento norteadores de toda a organização curricular interdisciplinar, abrangendo os componentes curriculares/disciplinas e seus conteúdos, bem como outras atividades escolares que venham enriquecer a formação dos estudantes, relacionando-as entre si e atendendo à realidade da comunidade (RESOLUÇÃO/SED N. 3.016, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2016.)

A função da disciplina, de acordo com a resolução, é se relacionar com as outras áreas do conhecimento através de parcerias e projetos que evidenciem a educação do campo, sempre atuando de forma interdisciplinar.

Neste sentido, muitos estudiosos já tentaram definir e conceituar o que é exatamente a interdisciplinaridade, porém são muitos conceitos e definições aceitos e discutidos, mas nenhum deles tido como definitivo. Carlos (2007) afirma que Platão já remontava à filosofia a função de unificação das ciências, como um primeiro vestígio de interdisciplinaridade. Kant, Descartes e Comte contribuíram nas ciências humanas, mas Carlos (2007) afirma que o tema retornou com mais força a partir de 1970. Uma das maiores estudiosas do assunto no Brasil, Professora Ivani Fazenda utiliza um conceito interessante, que a interdisciplinaridade só pode ser explicada na ação. Cada ação interdisciplinar é um alimento que ingerimos no nosso organismo, e vamos ingerindo tal alimento até que nos sentimos com o corpo saciado. Então:

Numa sala de aula interdisciplinar, a autoridade é conquistada, enquanto na outra é simplesmente outorgada. Numa sala de aula interdisciplinar a obrigação é alternada pela satisfação; a arrogância, pela humildade; a solidão, pela cooperação; a especialização, pela generalidade; o grupo homogêneo, pelo heterogêneo; a reprodução, pela produção do conhecimento. [...] Numa sala de aula

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interdisciplinar, todos se percebem e gradativamente se tornam parceiros e, nela, a interdisciplinaridade pode ser aprendida e pode ser ensinada, o que pressupõe um ato de perceber-se interdisciplinar. [...] Outra característica observada é que o projeto interdisciplinar surge às vezes de um que já possui desenvolvida a atitude interdisciplinar e se contamina para os outros e para o grupo. [...] Para a realização de um projeto interdisciplinar existe a necessidade de um projeto inicial que seja suficientemente claro, coerente e detalhado, a fim de que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de fazer parte dele (FAZENDA, 1994, p. 86-87).

Portanto, Fazenda (1994) consegue elucidar com exemplo de como atuar e tornar uma sala de aula ou um espaço interdisciplinar, fazendo com que seja prazerosa a ação.

Sendo assim, a agroecologia é um imenso campo de pesquisa interdisciplinar e está diretamente ligada à educação do campo, então da necessidade de projetos e espaços nas escolas do campo ou fora delas que possibilitem a atuação. Nesse sentido, podem-se adotar princípios da agroecologia, para tratar de vários aspectos inerentes ao meio ambiente, qualidade de vida das pessoas, produção saudável, entre outros.

A Vida camponesa, com suas relações de reciprocidade, de companheirismo, de hábitos diferenciados, em um ritmo não ditado pela correria da cidade, não ditado somente pela tecnologia, o compadrio, as rodas de conversa, a criação dos filhos, etc. são exemplificações peculiares de uma vida no campo e interessantes fontes interdisciplinares de pesquisas.

Em se tratando da especificidade camponesa, a relação com o meio ambiente, as formas de cultivos, o clima, a relação do camponês com a Terra, que vai além da degradação e plantação de monocultivos (é uma relação que não perpassa por uma situação de compra e venda, senão de sobrevivência, de cuidados mútuos, de amor), são relações diferenciadas às vivenciadas no meio urbano, podendo se entender que os povos do campo tentam um novo projeto de sociedade àquela imposta.

A relação com o Trabalho, o tempo diferenciado de trabalho, as formas de mutirão, de ajuda, tantas vezes, senão todas às vezes, sem o estresse da cobrança extrema por produtividade, podendo levar ao entendimento que na sua maioria são donos da força de trabalho e trazem consigo ensinamentos de gerações passadas que ainda podem ser repassados às gerações futuras.

Pode-se chegar à conclusão que o campo gera conhecimentos, e as pessoas do campo trazem consigo conhecimentos diferenciados que podem e devem ser respeitados e compartilhados, e a escola do campo é uma ferramenta indispensável

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para essa parceria, sendo uma ponte entre os educadores, educandos e a comunidade escolar. Segundo Freire (1985) é preciso interagir com a comunidade para se alcançar o desenvolvimento endógeno e processos emancipatórios, transformadores nos quais os sujeitos envolvidos conhecem a realidade e, sobretudo, a interpreta e a transforma. Também pode se afirmar a necessidade de uma educação no campo diferente da educação urbana, pois a forma de relação com a Terra, a Vida e o Trabalho são totalmente diferentes nas duas localidades.

Agroecologia como suporte pedagógico

A partir das décadas de 1970 e 1980 foi adotada em muitas regiões uma forma alternativa de agricultura, como conjunto de formas alternativas não industriais de agricultura capaz de produzir alimentos e produtos vegetais sem o uso de fertilizantes sintéticos e pesticidas, bem como de organismos geneticamente modificados, são as agora reconhecidas formas agroecológicas. Na agricultura convencional o uso de agrotóxicos justifica-se no controle de pragas, porém, as ditas “pragas” existem justamente devido ao mau uso do solo e a má relação com a natureza. Pois:

É importante salientar que os organismos chamados de “pragas”, que compreende insetos, alguns, aracnídeos, lesmas e muitos outros organismos, são na verdade “herbívoros” que perderam suas fontes naturais de alimento em decorrência da ganância e inconsequência do ser humano em devastar indiscriminadamente a flora, muitas vezes com argumentos de produzir alimento, porém frequentemente é evidenciado a intenção apenas de “explorar” a madeira, queimar, “simulando” a preparação das áreas para cultivos e depois vendem a área, partindo para outras regiões (PADOVAN; KOMORI, 2005).

A agricultura mudou radicalmente e a antiga, dita atrasada, tem como principal meta o respeito e a conservação dos ecossistemas; os camponeses trazem consigo peculiaridades como: técnicas de conservação do solo, trabalho familiar, economia solidária, de respeito à natureza, entre outros, que se perdeu em nome da busca incessante da alta produtividade. Então:

A Agroecologia representa uma abordagem que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, assim como aos problemas sociais, enfocando não somente a produção, mas também a sustentabilidade ecológica do sistema de produção (ALTIERI, 2002, p. 26)

Em nível de Legislação, no ano de 2012, a agroecologia conquistou seu espaço na política a partir da aprovação do Decreto 7.794/2012 (DOU, 21/08/2012), que

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instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - PNAPO, de forma participativa com os povos, instituições e movimentos do campo, buscando espaços de reflexões e diálogos, um dos espaços se refere as escolas do campo.

Ressalta-se que a agroecologia engloba questões humanas, sociais e culturais, além de preservarem os recursos para as próximas gerações, devendo se assegurar alimentação saudável e bens de consumos para a população, pois:

São muitas as maneiras pelas quais a agricultura convencional afeta a produtividade ecológica futura, pois recursos naturais agrícolas como solo, água, diversidade genética são explorados demais e degradados; processos ecológicos globais, dos quais a agricultura essencialmente depende, são alterados e as condições sociais que conduzem à conservação de recursos são enfraquecidos e desmantelados (GLIESSMAN, 2009, p.28)

A agroecologia é fonte inesgotável de temas para a interdisciplinaridade e a disciplina TVT (Terra Vida e Trabalho) pode ser o elo de ligação para tal ação, sendo que os professores devem ser os organizadores, nunca esquecendo que os protagonistas devem ser os alunos e a comunidade local, os maiores beneficiários da Educação do Campo.

O projeto “Espaço Agroecológico Interdisciplinar na Escola do Campo em Itahum, Dourados, MS” busca conscientizar a comunidade escolar da necessidade de práticas saudáveis para a manutenção e preservação do ecossistema, uma transição de um modelo convencional para o sustentável, em bases agroecológicas, que demanda algumas técnicas específicas a serem introduzidas aos poucos nas propriedades rurais e na consciência das pessoas. Porém, é uma realidade na agricultura familiar em algumas localidades, e deve ser incentivada para a população camponesa, pois elas são as que conservam uma relação de respeito mais intensa com o meio ambiente, o projeto seria então uma troca de experiências. Logo:

Quando se fala da adoção de princípios da agroecologia em propriedades rurais, busca-se uma mudança no sistema de manejo, por meio da implementação de práticas que proporcionem melhorias nos processos produtivos, na qualidade de vida e do meio ambiente. Isso pode ser conquistado através da diversificação de cultivos e de criações de animais, da rotação e consorciação de culturas, do oferecimento contínuo de materiais orgânicos ao solo, da manutenção do solo coberto o ano todo e do redesenho da paisagem, dentre outras práticas (PADOVAN; CAMPOLIM, 2011, p. 9)

Os ecossistemas, os agroecossistemas, os recursos naturais do planeta, a água, a água na agricultura, o solo, energia, plantas, animais, clima, tipos de clima, ciclo alimentar, sucessão natural das espécies, processos de produção agroecológica,

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fotossíntese e respiração das plantas, o solo como organismo vivo, correto preparo do solo, o solo e a matéria orgânica, adubos orgânicos sólidos e líquidos, adubos minerais-rochagem, adubos verdes, proteção de plantas e saúde vegetal, quebra ventos, calagem, gessagem, rotação de culturas, adubação orgânica, fosfatagem natural, consorciação de culturas, mulching ou cobertura morta, são alguns dos temas essenciais para que se exercite a agroecologia no dia a dia dos camponeses, e estão intrínsecos a todas as áreas do conhecimento da Educação Básica do Campo.

Sendo assim, uma das funções da Educação do Campo é:

Educar para a cooperação agrícola, para criar e aprender novas formas de desenvolvimento do meio rural, tais como as relacionadas à agroecologia e à agricultura familiar, em harmonia e respeito à natureza como novas formas de cooperação (RESOLUÇÃO/SED N. 3.016, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2016, Art. 2º, item IV)

As novas formas que a lei se refere estão todas relacionadas à adoção da agroecologia como suporte didático para projetos e aulas voltadas à preservação e conservação do meio ambiente e da sustentabilidade no campo, com intenção específica de que os alunos e alunas da educação do campo tenham um conhecimento global da realidade produtiva no campo, aprendendo a lidar com novas técnicas e construindo um projeto produtivo baseado em um sistema de responsabilidade com o ecossistema.

A resistência ao modelo agroecológico de produção é sempre percebido nas ações em áreas do campo, isso pode se explicar a partir de muitos anseios dos produtores que muitas vezes adquirem a terra ou seus lotes com um pensamento de possibilidades de elevar seu padrão de vida, deixando a segundo plano a relação com a terra. O projeto “Espaço Interdisciplinar na Escola do Campo” que está sendo desenvolvido é uma ferramenta educacional que visa conscientizar os alunos para a relação de amor com a terra e a vida no campo a partir da agroecologia. Pode se afirmar que o projeto é uma semente plantada que pode ser aplicada em outras escolas do campo futuramente, para que tais alunos sejam futuros parceiros da agroecologia em um futuro próximo. Metodologia O projeto seguirá um cronograma de ações pré-determinado com agendamento de reuniões com representante de entidades e instituições que possam colaborar com materiais necessários para o levantamento e conservação dos espaços, bem como com assessoramento técnico para os professores e alunos. Os espaços serão construídos pelos professores da escola em conjunto com os alunos, de forma

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interdisciplinar com projetos orientados por técnicos das instituições, entidades parceiras e da Coordenadoria Regional de Dourados. Os materiais e ferramentas utilizadas no projeto serão adquiridos a partir das parcerias firmadas entre a Coordenadoria Regional e convidados, sendo que algumas ferramentas e maquinas para agilizar os procedimentos já foram providenciados. O método da parceria é simples, o projeto é apresentado e as ferramentas e materiais necessários são apresentados para que o convidado possa indicar como pode contribuir. Haverá reuniões semanais agendadas previamente para discussão e orientação dos projetos, registrados em uma página virtual (Blog) para que todos os envolvidos no processo acompanhem a evolução das ações. As disciplinas farão a intervenção interdisciplinar no espaço do projeto já a partir das metragens necessárias e escolha dos locais, sempre com a participação dos alunos para que compreendam algumas necessidades prévias, como a análise do solo, o cercamento do local da horta que será em forma de mandala consorciada com frangos, local do viveiro de mudas e do pomar doméstico, entre outros. Resultados e discussões O projeto teve inicio com a limpeza do espaço e utilização das folhas e alguns galhos no inicio da compostagem para utilização na horta agroecológica que será em forma de Mandala. Algumas mudas de arvores frutíferas e do cerrado já foram plantadas no espaço do SAF e foram cedidas pelo IMAN (Instituto do Meio Ambiente) de Dourados com a parceria feita com a Prefeitura Municipal de Dourados através da Secretaria de Agricultura Familiar. Alguns professores já levaram seus alunos para trabalharem suas disciplinas no espaço do projeto. A professora de matemática participou da medição e escolha dos locais; o professor de geografia retirou amostras do solo juntamente com os alunos explicando a necessidade de correção; os professores de TVT plantaram as mudas frutíferas de do cerrado no espaço do SAF junto com os alunos menores explicando a importância da preservação e conservação do meio ambiente. Os alunos também participam das decisões, sendo assim a observação mais importante é da autoria dedicada aos alunos, se sentem pertencentes por participar e fazem da escola um ambiente mais agradável, como protagonistas dos espaços, a escola se torna uma referência agradável, logo, a satisfação em estudar a partir das suas realidades é de grande importância.

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A reunião entre a Coordenadoria Regional de Educação de Dourados e Prefeitura Municipal de Dourados, representado pelo Secretário de Agricultura Familiar Sr. Landmark Ferreira ocorreu no dia 05 de setembro de 2016 nas dependências da Coordenadoria, sendo apresentado o projeto escrito e a necessidade material e técnica para o andamento. A parceria foi firmada e uma visita ao local foi feita no dia 12 de setembro de 2016 com a presença dos professores de TVT, direção e envolvidos na parceria. Na ocasião caminhões, trator e encanteiradoura foi oferecida pela prefeitura como suporte para a manutenção, conservação e levantamento do projeto, bem como algumas mudas de árvores foram trazidas para a escola pela Prefeitura, cedidas pelo IMAN. Na escola existe um poço artesiano que é utilizado pela SANESUL (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul) para fornecer água para uma parcela dos moradores do distrito de Itahum, sendo assim, a Coordenadoria Regional de Educação de Dourados reuniu se com o Gerente Regional Sr. Paulo Roberto no dia 05 de setembro de 2016 para estabelecer parceria. A horta está sendo revitalizada para assumir o formato do projeto, em forma de Mandala, e os professores já trabalham a questão da importância da horta como sendo uma ferramenta interdisciplinar com a função de ensinar a alimentação saudável aos alunos e os benefícios que o modelo oferece como a utilização das folhas para a alimentação dos frangos e do esterco para a fertilização dos canteiros. Então, a horta perde a função que lhe era atribuída de ser uma fonte de alimentos para a merenda escolar e se constitui em uma alternativa para os alunos exercerem em seus locais de moradia, pois na escola aprendem as técnicas necessárias. Conclusões

O projeto visa o resgate de alguns princípios da Educação do Campo, e cada espaço construído fundamenta se em práticas que constroem e reconstroem princípios camponeses. A forma de vida no campo é foco do projeto, assim como a interdisciplinaridade, a agroecologia como centro da discussão, sendo assim, a escola do campo e as instituições ou entidades cumprem seu papel de respeitar as demandas da sociedade.

O envolvimento com a comunidade a partir dos projetos, principalmente nos momentos de coletas de mudas de plantas medicinais ou de esterco para o espaço, configura troca de experiências e valorização do saber acumulado da população mais experiente.

A intenção é que projetos iguais ou semelhantes sejam implantados nas escolas do campo que compreendem a jurisdição da Coordenadoria Regional de Educação de Dourados, ou até mesmo do Estado de Mato Grosso do Sul, para que a proposta de

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valorização dos saberes dos camponeses a partir das práticas agroecológicas sejam práticas comuns nas escolas. Referências bibliográficas

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