a cena underground de belÉm e os entraves para uma apropriaÇÃo feminista desses espaÇos

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A CENA UNDERGROUND DE BELÉM E OS ENTRAVES PARA UMA APROPRIAÇÃO FEMINISTA DESSES ESPAÇOS. 1 Rayner Sousa dos santos Graduação/UFPA [email protected] Raynice Sousa dos Santos Graduação/UFPA [email protected] Resumo: No presente trabalho nos propomos a discutir a invisibilidade vivenciada pelas mulheres em espaços de entretenimento underground da juventude belenense. Tendo o Rock como estilo central desses espaços alternativos que, mesmo transmitindo uma identidade contestadora pra juventude, ainda caracteriza-se por manter muitos dos valores conservadores, quando diz respeito à participação feminina, seja tocando ou apenas “curtindo o som”. Na cena Rock de Belém, trabalharemos com bandas feministas ou que, ao menos, tenham mulheres a sua frente. Problematizando que a inserção dessas meninas em bandas compostas por homens se dá, muitas vezes, de forma subalternizada, enquanto que está reservada para aquelas que apenas frequentam esses espaços uma forma de desqualificação e assédio, tendo sua aceitação muitas vezes condicionada ao “visual” sexualizado. Com isso, pretendemos discutir os empecilhos a uma apropriação feminista dessa cena, a fim de promover e 1 Trabalho apresentado no Diálogo 03 - Infâncias e juventudes em contextos diversos, coordenado por Dra. Rosaly Brito, Ma. Leila Leite e Me. Milton Ribeiro, no I INVENTUDES. Diálogos sobre Crianças e Juventudes na Amazônia Belém-PA, 10 a 12 de novembro de 2015.

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A CENA UNDERGROUND DE BELÉM E OS ENTRAVES PARA UMA

APROPRIAÇÃO FEMINISTA DESSES ESPAÇOS.1

Rayner Sousa dos santosGraduação/UFPA

[email protected] Raynice Sousa dos Santos

Graduação/UFPA [email protected]

Resumo: No presente trabalho nos propomos a discutir a invisibilidade vivenciada pelas mulheres em espaços de entretenimento underground da juventude belenense. Tendo o Rock como estilo central desses espaços alternativos que, mesmo transmitindo uma identidade contestadora pra juventude, ainda caracteriza-se por manter muitos dos valores conservadores, quando diz respeito à participação feminina, seja tocando ou apenas “curtindo o som”. Na cena Rock de Belém, trabalharemos com bandas feministas ou que, ao menos, tenham mulheres a sua frente. Problematizando que a inserção dessas meninas em bandas compostas por homens se dá, muitas vezes, de forma subalternizada, enquanto que está reservada para aquelas que apenas frequentam esses espaços uma forma de desqualificação e assédio, tendo sua aceitação muitas vezes condicionada ao “visual” sexualizado. Com isso, pretendemos discutir os empecilhos a uma apropriação feminista dessa cena, a fim de promover e valorizar os trabalhos dessas meninas e suas contribuições para este cenário musical.

Palavras-chave: Rock; juventude; Feminismo.

INTRODUÇÃO

1 Trabalho apresentado no Diálogo 03 - Infâncias e juventudes em contextos diversos, coordenado por Dra. Rosaly Brito, Ma. Leila Leite e Me. Milton Ribeiro, no I INVENTUDES.

Diálogos sobre Crianças e Juventudes na AmazôniaBelém-PA, 10 a 12 de novembro de 2015.

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Este artigo procura oferecer uma compreensão da invisibilidade vivenciada

pelas jovens em espaços de entretenimento que tem o rock como eixo central e as

diversas formas de resistência, assumidas por elas, contra a discriminação – sobretudo

entre as jovens que se identificam, entre outras coisas, como feministas – nessa cena

de produção e manifestação cultural da juventude. A escolha desse tema surge, a

partir da constatação da pouca inserção feminina no meio Rock de Belém e na

problematização de como se efetua essa participação. As informações coletadas foram

desenvolvidas a partir deobservação participante, entrevistas com as frequentadoras e

de revisão da literatura sobre o assunto.

O conceito de "cena" está sendo usada aqui para estabelecer relações entre

certos gostos e estilos musicais e determinados territórios. Essa relação se estabelece

de modo a manter o caráter flexível e invisível das fronteiras de supostas "unidades

culturais", que podem ser uma cena local, regional, nacional ou internacional (STRAW,

2006). A cena aqui é um espaço de sociabilidade, capaz de agregar agentes, que se

identificam com determinadas manifestações culturais, na construção de uma

identidade juvenil comum.

Os espaços em que se dão essas atividades e produções culturais podem ser

vistos como Underground (“subterrâneo”, em inglês) que é utilizado para se referir às

produções artísticas que se propõem a manifestar-se fora do circuito comercial, como,

por exemplo, assinar contratos com grandes gravadoras ou produzir músicas para

atender a uma “moda”. Esses espaços podem ser casas de rock alternativas, bares e

festas domésticas. Muitas vezes esses ambientes não ficam restritos apenas aos

shows, mas também se tornam locais de discussões, troca de experiências e

intervenções político-culturais um exemplo, em Belém, é a Veg Casa, (localizada na

Rua da Olaria, Bairro: Canudos) ambiente que intercala discussões sobre machismo,

racismo e vegetarianismo.

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O ROCK E A CULTURA JUVENIL

O rock, como estilo cultural, tem seu surgimento por volta da década de 50 nos

EUA, estando imbuído de certa contestação aos valores tradicionais da cultura elitista

branca daquele país, por ser uma mistura do rhythm and blues negro e o country and

western dos brancos rurais pobres, por isso mesmo passa a ser incorporado pela

juventude, como forma de questionar a sociedade estabelecida pelos seus pais

(BRANDÃO, DUARTE, 2004, p. 26). No entanto, apesar dessa origem contestadora, ele

mantém (como vários outros estilos) muitos dos valores conservadores no que diz

respeito à participação feminina.

Dessa forma, os espaços de entretenimento rock, dependendo da vertente

(punk, hardcore, grindcore, metal, etc.), são extremamente masculinizantes e

agressivos, e, por isso mesmo, tem uma grande resistência em aceitar uma inserção

feminina autônoma. Mesmo vertentes como o punk-rock, que não fica restrito apenas

ao cenário musical, mas tem toda uma proposta de estilo de vida que busca contestar

o status-quo, ainda relega às mulheres um papel secundário, pois, nesse meio, não

basta que as garotas se identifiquem com o punk, como ocorre com os garotos, é

preciso que elas provem que são “viris” o suficiente para estarem ali. Tendo como

consequência dessa contradição, feito surgir, entre as meninas punks, o movimento

que ficou conhecido como Riot Grrrl, como forma de se oporem ao machismo do

mundo Punk, o mesmo sendo pautado no “faça-você-mesmo” (a base de toda cultura

punk) e numa atuação que valoriza a ação autônoma e tem as garotas como

protagonistas, além de elaborar uma espécie de "fraternidade feminina", embasada na

sororidade. O riotn grrrl se mostrou uma grande arma de empoderamento e

visibilidade para essas garotas, abrindo a possibilidade para vários outros temas e

práticas. Como explica Melo (2008) “São jovens garotas que, ao associar música e

política, questionam, denunciam e desconstroem as relações desiguais de gênero e

suas consequências, em especial as relativas à juventude, e constroem, a partir de uma

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linguagem e de práticas, uma identidade feminista”, ou, como ela mesma demonstra,

uma cultura juvenil feminista. Cultura juvenil que, segundo Abramo (2004), é uma

noção que não está necessariamente vinculada a movimentos sociais, em que esses

jovens empregam o tempo livre para suas manifestações culturais.

O FEMINISMO NA CENA ROCK DE BELÉM.

Antes de tudo, queremos deixar claro que quando falamos em “entraves para

uma apropriação feminista desses espaços” não estamos, com isso, querendo dizer

que todas as meninas, que, de alguma forma, assumem uma atitude de resistência à

discriminação, se afirmam “feministas”. O que tentamos dizer é que, por mais que

muitas até tenham aversão à sua associação com o feminismo, independente disso

tudo, suas práticas podem, segundo nossa visão, se interpretadas como “feministas”, a

partir do momento que não aceitam a condição de meras observadoras e tentam se

afirmar como sujeitos autônomos (mesmo que essa autonomia esteja condicionada a

certos critérios) dentro desses espaços. Entre as diversas formas de resistência, temos:

formação de bandas de meninas (feministas ou não), coletivos, confecção de fanzines,

rodas de discussões, debates, oficinas, etc.

Algumas das bandas formadas que se mantém ativas na cena, são de garotas

no vocal ou completamente femininas, como: Cavalo do cão (Grindcore), Qualquer

Coisa (Rock alternativo), EsgotoSurfers (Fastcore, punk, surf rock), Criaturas de Sinbat

(Hardcore) e a recém-formada kritores Kaos (Punk Crust Feminista). Existem diversas

outras covers que ainda se poderia citar. Nas letras dessas bandas a temática varia de

acordo com a vertente à qual estão vinculadas e, em alguns casos, a orientação

política. Kritores Kaos é a banda que melhor poderia ilustrar o engajamento feminino

nesse cenário, a banda tem influência do movimento riot grrl, com formação recente,

tocando em poucos eventos, sua vocalista e fundadora, Luma Josino, 25 anos, tem

compromisso político com o feminismo e o comunismo, sendo por isso articuladora do

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Coletivo Kaóticas, que busca levantar discussões nesses âmbitos, geralmente em

parceria com a Veg Casa.

A banda Cavalo do cão, formada em 2013, pela vocalista, Monise Souza, 27

anos, sempre esteve à frente da banda e fala sobre as dificuldades de se afirmar

dentro desse espaço. Percebendo que, os integrantes homens da banda, em sua nova

formação, têm muita resistência em acatar as suas instruções, bem como vivem

frisando que não querem que se torne a “Banda da Pitty” e que geralmente depois de

um show, ouve comentarem “muito legal, vocês terem colocado como vocalista uma

mulher...”, como se algum dos homens a tivesse “colocado” ali, nem mesmo cogita-se

que ela teria formado a banda, ou quando querem resolver algum problema (como:

agendar shows, estrutura do espaço, etc.) sempre buscam um dos homens. Ela

também nos fala sobre uma espécie de “sabatina” a qual quem tem interesse no rock

(seja que vertente for) é geralmente submetido, isso se torna muito agudo no caso das

meninas que desejam se inserir nesse meio e que tem de algum modo que “provar”

que “sacam” o suficiente do meio para assim validar sua permanência, uma vez que a

crença é de que mulheres não têm gosto próprio.

Não é comentado, mas o que se percebe é que no espaço rock, como em

diversos outros espaços de entretenimento, a aceitação feminina fica condicionada a

critérios como a sua objetificação. Se transformarem em objeto de desejo do homem,

então, passa a ser a condição necessária para que elas sejam aceitas e valorizadas

nesses espaços. Segundo Bourdieu (1999) “... elas existem primeiro pelo e para, o

olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes e disponíveis.” Isso

fica perceptível no tratamento dado a elas nesses espaços, como meros corpos

disponíveis, cuja única função é atrair a atenção masculina.

Nos espaços restritos aos shows existe o que Bourdieu (2004) chama de

“estratégias de condescendência”, em que os agentes que ocupam uma posição

superior (nesse caso o homem) no espaço objetivo, encobrem a distância social, que

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não deixa de existir, na garantia do reconhecimento dessa mesma distância. Na cena

isso pode ser percebido quando se vê meninas tocando instrumentos pesados

(guitarra, baixo, bateria, etc.) e aparecem frases do tipo “ela toca como um homem”, o

que se depreende disso é ambíguo, pois, ao mesmo tempo, em que existe o

reconhecimento do talento de quem está tocando, esse reconhecimento se respalda

na hierarquização de gênero, pois naturaliza-se que só os homens podem ter aptidões

necessárias para tocar certos instrumentos. Isso tudo vai condicionando o

comportamento, definindo as posições dentro desses espaços, “De fato - continua

Bourdieu - as distâncias sociais estão inscritas nos corpos, ou, mais exatamente, na

relação com o corpo, com a linguagem e com o tempo” (idem). Como sabemos a

construção do corpo feminino também é um fenômeno cultural, e se manifesta

materialmente de diversas formas, uma delas é a imposição de restrições e limites aos

gestos e relações sociais, nas divisões de trabalho, na divisão de objetos – exclusivos

ou excludentes, etc. Nós podemos observar essas restrições na posição que é

“permitida” as garotas assumirem na cena underground (de participantes passivas,

sem autonomia, ou como meros corpos sexualmente disponíveis), pois está implícito

que o corpo feminino é “frágil”, “delicado”, não possuindo, portanto, as características

necessárias para compor, de modo efetivo, um meio “viril” e “agressivo” como esse.

Ainda para Bourdieu (1999), quando se compreende a dominação masculina é

importante analisar estas estruturas de subordinação, que estão inscritas nos corpos

sob as formas que estes se apresentam. Isto pode ser verificado, em alguns casos, na

própria performance em palco de algumas meninas, permanecem de olhos abaixados

ou direcionados a um único ponto, não encaram diretamente a plateia, suas falas são

inseguras e sua interação com o público é limitada. Esta internalização das hierarquias

atinge o corpo dos sujeitos dominados determinando os gestos, posturas e disposições

que vão se manifestar como marcas da sua submissão.

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Para as garotas que estão ali apenas para “curtir o som”o que fica patente é

que estas são encaradas como meras acompanhantes, são o público, a plateia dos

caras ou que estão à procura de algum, como acontece com as mulheres em espaços

de entretenimento de forma geral, mas em particular na cena rock. Essa visão se

mostra mais latente em estereótipos como o das Groupies. Groupie é um termo em

inglês utilizado para caracterizar jovens mulheres que admiram um cantor, de

música pop ou rock, seguindo-o em suas viagens, em busca de um envolvimento

emocional ou sexual com o seu ídolo. Essa é mais uma visão misógina que busca

reduzir a participação feminina a mero apêndice do homem, pois, de acordo com ela, a

garota não está ali pelo seu interesse musical (como ocorre com os homens) mas sim,

única e exclusivamente, pelo interesse sexual. Esse tipo de estereótipo dá viabilidade

ao assédio e a discriminação a que muitas garotas acabam por ficar expostas nesses

ambientes.

Laryssa Leal, 17 anos (que frequenta a cena há algum tempo) nos fala sobre

suas percepções a cerca das dificuldades que as meninas enfrentam quando adentram

o meio “vejo que esses precisam ser mais ocupados por mulheres. Eu como mulher,

posso falar que, às vezes, não me sinto a vontade em lugares que têm, na sua maioria,

homens, e é o que acontece na cena, vejo que muitas meninas/mulheres se retraem e

não entram, por exemplo, na roda punk (chamada de Pogo ou dança punk, trata-se de

uma série de movimento agressivos composto de socos, chutes e empurrões, porém,

realizados de maneira amigável) ou simplesmente deixam de fazer certas coisas por

serem mulheres”.

E quando questionada se as meninas que compõe a cena se consideram

feministas, nos reponde que sim, e frisa importância de haver uma maior união para

garantir, de fato, a ocupação desses espaços por mulheres.

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Quanto a alguma experiência de discriminação que tenha enfrentado ela, nos

fala de um episódio: “Posso contar uma experiência que aconteceu comigo alguns dias

atrás, que relata isso, tava pogando de boa, até que eu sinto um empurrão bem forte

que me pareceu intencional, ok! Continuei pogando, nem olhei pra trás. Outro

empurrão e mais outro. Olhei pra trás, tinha muitas pessoas, mas consegui identificar o

cara. Depois de algum tempo, que tinha saído de perto da roda, o mesmo cara chegou

perto de mim e todo sorridente disse "tu é boa mesmo! Te empurrei quatro vezes e

não caiu.”, tudo dito como se fosse um elogio, ou seja, num espaço em que deveria

haver uma política de equidade, testaram minha força por eu ser mulher, sim, porque

ele não faria isso com outro homem. Há casos também, como quando uma mulher se

joga do palco (Stage diving) e os homens se aproveitam do momento para abusar de

seus corpos, passando a mão nos seios, bunda, etc. Esses são alguns exemplos do que

nós, mulheres, temos que vivenciar nesses espaços!”

Histórias de discriminação e assédio como essas se tornam comuns. Isso tudo

impede essas meninas de terem uma participação total na cena, pois, coisas que para

os garotos são tão naturais, para elas acabam se tornando momentos traumáticos.

DIVULGAÇÃO FEMINISTA

O fanzine é um tipo de publicação amadora, produzido artesanalmente e sem

fins lucrativos. Zine é a abreviatura de fanzine (Fanatic + Magazine), surge nos E.U.A,

na década de 30, feito por fãs de literatura de ficção científica. Foi retomado pela

cultura punk, na década de 70 e é o principal veículo de comunicação de toda a cultura

underground. Os fanzines apareceram como uma rede de comunicação que permitiu

ao riot grrrl se propagar não somente nos Estados Unidos, como no mundo todo. Eles

podem tratar dos mais variados assuntos, indo da música às discussões políticas como

anarquismo e o feminismo. Em Belém temos conhecimento de diversos fanzines,

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muito divulgados em feiras libertárias, no entanto, dentro da temática feminista temos

poucos, um deles é o Cinisca Fanzine editado por Laiza Ferreira e Rafaela Fontoura

de Ananindeua/Belém-PA. O zine nasceu em 2011, e é todo feito direcionado

às mulheres. O zine editado pelo coletivo feminista Vacas Profanas e o Perseguida Riot

Zine que dispõe de uma página no Facebook, com divulgação da temática.

Da temática

Fig. 02 – Capa do Fanzine Perseguida Riot Zine.

Fig. 01 - cartaz de divulgação de show.

CONCLUSÃO

Ao efetuar esse estudo o que percebemos, primeiramente, é que quando

realizamos um olhar superficial sobre esses espaços de entretenimento jovem, o que

eles nos transmitem, no primeiro momento, é um clima de divertimento e

descontração, em que todos são “liberais”, “mente aberta”, livres de preconceito e

intolerância, no entanto, quando empreendemos um olhar mais, digamos

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“sociológico” da questão, o que percebemos é um espaço em que predomina a

hierarquização de gênero, pautada na demarcação de poder por parte do agente

perpetuador da opressão (o homem), em que a presença feminina permanece

silenciada e subalternizada. No entanto, o que também pode ser constatado é que o

feminismo, enquanto arma de empoderamento e emancipação feminina, continua

sendo o único instrumento possível de desconstrução desses arranjos de poder

desiguais, que se manifestam por processos de diferenciação nos papéis sexuais e na

dicotomia do que é tido como “masculino” e “feminino”. Levando-nos a refletir sobre a

importância de mais meninas ocuparem e se apropriarem de ambientes como esses,

de todas as maneiras possíveis: tocando, “curtindo o som”, discutindo e construindo

novos espaços de sociabilidade, e assim viabilizando o surgimento de uma cultura

jovem realmente aberta e igualitária.

Gostaríamos de finalizar esse artigo com a letra de uma das músicas da banda

Klitores Kaos, “Feminicida”, que fala do assassinato brutal, de uma estudante de

nutrição da UFPA, Ingred Israel, pelo ex-namorado.

Feminicida

Ingriiid, seu grito ainda persiste!

Ingriiid, jamais será esquecida!

Um homicida, machista e

covarde!

Ceifou sua vida, um feminicida!

Destemidas seremos,

Com coragem Lutaremos!

Nossas irmãs serão lembradas!

Unidas Venceremos!

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Mortas, por sermos mulheres

Quantas mais a perecer?

Não podemos nos calar!

O feminicídio tem que acabar!

Facadas sem pena, levaram

seus sonhos.

Seu sangue esvaindo, findando

seus planos.

Guerreira, continuaremos

Lutando por você.

Não mais desprotegidas

e sim fortalecidas!

Ingriid, seu grito ainda persiste!

Ingriid, jamais será esquecida!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, Helena W. Cenas juvenis: Punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.

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BOURDIEU, Pierre. Espaço social e poder simbólico. In: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.

BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

BRANDÃO, Antônio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos Culturais de Juventude. São Paulo: Moderna, 2004.

CAMARGO, Michelle de Alcântara. Lugares, pessoas e palavras: o estilo das minas do rock na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp, 2010.

CRUZ, Sabrina Uzêda da. A representação da mulher na mídia: um olhar feminista sobre as propagandas de cerveja.

FACCHINI, Regina. "Não faz mal pensar que não se está só": estilo, produção cultural e feminismo entre as minas do rock em São Paulo. Cad. Pagu, no.36. Campinas Jan./Junho 2011.

MELO, Érica. Cultura Juvenil Feminista Riot Grrrl em São Paulo. Dissertação de Mestrado em Sociologia, Unicamp, 2008.

STRAW, Will. Scenes andsensibilities. Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Comunicação [http://www.ecompos.com.br/e-compos – acesso 06/08/2006].

http://www.significados.com.br/groupie/

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