teologia feminista

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A TEOLOGIA FEMINISTA 1. ORIGENS DO FEMINISMO CRISTO No fim do sculo passado, um grupo de mulheres crists norte-americanas, lideradas por Elizabeth Cady Stanton, comearam a se reunir periodicamente para estudar todas passagens bblicas onde havia referncia mulher, a fim de rel-las e interpret-las luz da nova conscincia que a mulher tinha de si mesma. Nesses encontros nasceu a Womans Bible, editada em duas partes, respectivamente em 1895 e 1898, uma obra que abalou o mundo protestante americano. A realizao desse vasto projeto de reviso e reinterpretao da Bblia por parte de um grupo de mulheres o primeiro sinal marcante de uma nova conscincia da mulher, que amadureceu tambm no interior de comunidades crists. A idealizao da Bblia da Mulher foi considerado como um fato tanto cultural como eclesial e como ponto de partida de um longo processo, que levaria em torno dos anos sessenta contemporaneamente ao emergir das teologias da libertao elaborao do projeto de uma teologia feminista. 1.1 No campo catlico Fundou-se a Aliana Internacional Joana DArc, instituda na Gr-Bretanha em 1911. Foi um dos primeiros movimentos no meio catlico e propunha-se a assegurar a igualdade dos homens e das mulheres em todos os campos. As associadas da Aliana usavam como lema de reconhecimento a frmula: Pedi a Deus: Ela vos ouvir! O uso polmico do feminino Ela a propsito de Deus sublinhava que Deus no nem masculino nem feminino, mas est alm das diferenciaes sexuais, relativizando assim, pelo menos no plano lingustico, o predomnio do gnero masculino. 1.2 No campo protestante Verificou-se outro momento importante no perodo de 1956 a 1965, quando as principais correntes do protestantismo decidiram admitir as mulheres no pastorado, fato que representou uma grande novidade eclesiolgica nestas comunidades, com exceo das igrejas livres do Estados Unidos que praticavam a ordenao de mulheres desde 1853. 2. INFLUNCIA NA TEOLOGIA CATLICA O movimento teolgico feminino em crescente ascenso se imps tambm teologia da Igreja catlica: Por ocasio do Conclio Vaticano II, quando um grupo de mulheres, chefiadas por Gertrud Heinzelman, dirigiase publicamente aos padres conciliares com o livro-manifesto, onde o tema principal era: No estamos mais dispostas a calar. A Editora do volume, argumentando a partir de sua condio de jurista, se exprimia na introduo da obra da seguinte forma: Se o batismo faculta ao homem receber os sete sacramentos, mas faculta mulher receber apenas seis sacramentos, ento o batismo no opera com a mesma eficcia no sentido de tornar o homem e a mulher membros da Igreja. Deste modo se era proibido mulher a recepo de um sacramento, isto significava a reduo dos direitos eclesiais da mulher como pessoa, como tambm uma diminuio no que tange ao estatuto dos membros da Igreja. Alm disso, no que se refere ao estado laical, os direitos dos homens e das mulheres no eram equivalentes, por que os homens tinham a possibilidade de receber a ordenao sacerdotal, enquanto as mulheres permaneciam excludas desta possibilidade. 2.1 Aps o Conclio Vaticano II Nos anos do ps-conclio a problemtica ampliou-se tornando-se evidente pelo livro, pioneiro em campo catlico, da teloga Mary Daly, intitulado A Igreja e o segundo sexo (1968), que representou a primeira resposta catlica articulada o prprio ttulo insinuava isso obra da escritora francesa Simone de Beauvoir, O Segundo sexo (1949), A mstica da feminilidade (1963) de Betty Friedan e a Poltica do sexo (1969) de Kate Millet, representaram o texto-base do feminismo contemporneo. No primeiro tomo de sua obra, Simone de Beauvoir dedica um captulo ao estudo da relao entre cristianismo e mulher, que se abre com estas palavras: A ideologia crist contribuiu no pouco para a escravido da mulher. O livro de Mary Daly no pretendia ser um confronto filosfico com toda a exposio de Simone de Beauvoir, que se movia na perspectiva da moral existencialista, mas apenas seguir o filo da crtica ao cristianismo para avaliar sua base histrica e elaborar uma resposta adequada da

parte crist. Nesse livro, a jovem professora do Boston College tentava, com abordagem nova e despreconcebida, apresentando uma leitura da tradio bblica e eclesistica do ponto de vista da mulher. O livro , em grande parte, um processo tradio antifeminista da Igreja, embora Daly no fim de sua reconstruo histrica exprisse a convico de que, apesar dos condicionamentos e dos desvios da histria eclesistica, o Evangelho permanece sempre uma mensagem de esperana para cada homem ou mulher. E, pegando a onda do conclio recm-celebrado, propunha um vasto programa de reforma da doutrina e da prtica da Igreja, que formulava em termos de exorcismo cultural (Harvey Cox) frente ao sexismo da Igreja e da sociedade: A cristandade, e particularmente a Igreja Catlica, ainda no enfrentou a tarefa que lhe compete, ou seja, exorcisar o demnio dos preconceitos sexuais permanecendo at mesmo a reboque do mundo. Nas ltimas dcadas, um grupo de mulheres crists, bastante numeroso e qualificado, inicialmente nos Estados Unidos e depois na Alemanha e Europa, desenvolveram um novo tipo de reflexo teolgica, que foi denominado de teologia feminista e cuja fase de formao pode ser colocada aproximadamente em paralelo com o que aconteceu com a teologia latino-americana da libertao e com a teologia negra norteamericana, entre os anos de 1968-1975. 3. DA TEOLOGIA DA MULHER A TEOLOGIA FEMINISTA A teologia feminista no , propriamente falando, uma teologia da mulher. Nos anos do ps-guerra, como reao s abstraes de certa teologia neo-escolstica e para fazer frente a novos problemas emergentes, afirmaram-se as chamadas teologias do genitivo, como por exemplo para relembrar as mais conhecidas e as melhor elaboradas - a teologia das realidades terrestres (Thils) e a teologia do trabalho (Chenu). Nas teologias do genitivo, o genitivo (objetivo) exprime o mbito, o setor da realidade, o objeto, sobre o qual se aplica a reflexo teolgica. As teologias do genitivo so teologias chamadas de setoriais e servem para dar mobilidade e concretude ao discurso teolgico. Elas so de alguma forma, inevitveis, mas pode-se abusar delas na medida em que os genitivos podem ser acriticamente multiplicados e nem sempre delimitam, sob o perfil metodolgico, um adequado campo de pesquisa e de reflexo teolgica. 3.1 A Teologia da Mulher No contexto da vivaz proliferao das teologias do genitivo surgiu, nos anos Cinqenta, tambm uma teologia da mulher. No ano mariano de 1954, em que se celebrava o centenrio da definio do dogma da Imaculada Conceio (1954), um nmero especial da revista LAgneau dOr props o esboo de uma teologia da mulher, tema que foi retomado nos anos seguintes, por exemplo, na publicao da obra Elements pour une thologie de la femme (Rondet) e em Pour une thologie de la fminit (Henry). A teologia feminista decididamente crtica com relao teologia da mulher por causa da sua unilateralidade e de seuandrocentrismo (pensamento centrado em s prpria ou preocupada consigo mesma); com efeito, ela foi elaborada por telogos (e, alm do mais, clrigos), que no elaboravam uma correspondente teologia do homem , ou teologia da masculinidade, alm disto, tambm por fora de sua prpria origem utilizavam acriticamente representaes e esquemas mentais derivados da dominante cultura patriarcal. Karl Barth, foi mais correto, sob o perfil metodolgico, quando dedicou uma seo da sua Kirchliche Dogmatik (no vol. III/4, editado em 1951) a uma antropologia dos sexos, onde enfrentava o tema antropolgico de homem e da mulher, ainda que sua exposio, do ponto de vista do contedo, no estivesse isenta de esquemas mentais derivados tambm da cultura patriarcal. 3.2 A Teologia Feminista Se quisermos utilizar a categoria de teologia do genitivo para dar uma primeira definio da teologia feminista, ser preciso dizer que ela , ao contrrio da teologia da mulher, uma teologia do genitivo subjetivo, isto ,uma teologia de mulheres feita pelas mulheres: Pela primeira vez, concretamente, as mulheres se tornaram sujeito da prpria experincia de f, da sua formulao e da relativa reflexo, e por isso, sujeito do fazer teologia, e, somente na dependncia deste novo fato cultural e eclesial, a teologia feminista tambm uma teologia do genitivo objetivo: mulheres crists refletem sobre sua experincia humana e crist, e experimentam criticamente sua experincia. Desse modo a teologia feminista introduz no crculo hermenutico o crculo que liga a experincia do passado fixada nos textos da Bblia e da tradio experincia atual da mulher a outra metade da humanidade e da Igreja, enriquecendo a experincia de f, a sua formulao e as suas expresses. A teologia feminista a teologia de mulheres crists que tem a coragem de fazer viagem rumo liberdade; ela no quer

ser unilateral, mas reagir com eficcia unilateralidade da teologia dominante e prtica eclesial, e se apresenta como uma contribuio dimenso incompleta da teologia, em vista de uma autntica teologia da integralidade. 3.3 O Neo-feminismo A teologia feminista se constitui e se afirma num confronto crtico com as instncias do feminismo moderno. Na histria do feminismo que nasce semanticamente no s como termo, mas tambm como movimento diversamente organizado na primeira metade do sculo XIX, na Frana, Gr-Bretanha, Estados Unidos e se difunde nos outros pases do Ocidente possvel identificar dois estgios: - o estgio dos movimentos pela emancipao da mulher (at o incio dos anos Sessenta), representavam as vrias organizaes feministas empenhadas nas lutas pela igualdade dos direitos civis; - e um estgio posterior ao primeiro (a partir dos anos Sessenta), em que o feminismo, primeiro nos Estados Unidos e depois no resto da Europa, assumiu a forma de movimentos de libertao da mulher (neo-feminismo), que impulsionaram as lutas da teologia feminista, para alm da Igualdade. A conscincia da mulher experimenta uma profunda transformao e, agora, percebe que lhe atribudo um papel e um lugar, num mundo que permanece mundo do homem; assim sendo, questiona este mundo masculino e os seus modelos antropocntricos e as suas estruturas patriarcais. O neo-feminismo vai alm da emancipao e da igualdade, que contudo continuam sendo um pressuposto necessrio de um vasto processo, que ao mesmo tempo psicolgico, socioeconmico e cultural: a) Ele comporta uma libertao fundamental e radical das mulheres, que reivindicam a autonomia como seres humanos: trata-se, pois, de um processo (scio) psicolgico; b) alm disso, ele pressupe uma lcida anlise dos fatores sociais e econmicos, que estiveram em jogo na opresso das mulheres: trata-se tambm de um processo social e econmico; c) por fim, ele se revolta contra uma cultura unilateralmente masculina, asssumindo assim tambm a forma de contra-cultura. A teologia feminista expresso de mulheres, ao mesmo tempo feministas e crists, que compartilham com outras irms - num relacionamento ideal e militante que responde pelo nome de irmandade. A nova conscincia da mulher e a militncia para a emancipao e a libertao da mulher, est empenhada em suas comunidades a uma reflexo de f. Trata-se, ento, de uma forma de teologia contextualizada, em que a reflexo teolgica no acontece de forma predominantemente acadmica, mas surge depois, a partir de um determinado contexto de compromisso e de militncia. Segue-se que a teologia feminista no tem a sistematicidade da teologia acadmica; uma teologia feita por fragmentos, e no uma teologia sistemtica e completa; uma teologia mais narrativa do que argumentativa, na medida em que no parte de conceitos abstratos, mas do relato participado e compartilhado na escuta, de histrias de experincias, para chegar, a partir da, formulao da experincia de Deus. Contudo, ainda que na fragmentariada, a teologia feminista alcanou tal grau de elaborao que se constituiu num relevante fenmeno teolgico. A teologia feminista assume a mesma estrutura das teologias da libertao, que se auto-compreendem como segundo ato. Uma autntica teologia crist sempre segundo ato: a inteligncia teolgica pressupe a f, uma experincia de f, uma espiritualidade como primeiro ato. Uma teologia que no se situe no contexto de uma experincia de f corre o risco de converter-se numa espcie de metafsica religiosa, numa roda que gira no ar sem mover o carro (Gustavo Gutirrez). Por isso: a experincia de f vem em primeiro ato e a teologia vem em segundo ato. O ato primeiro pressuposto de uma experincia de f contextualizada por um compromisso exigente (teologia contextualizada); da opo pelos pobres (na teologia latino-americana de libertao), da luta contra o racismo da sociedade branca (na teologia negra da libertao); uma militncia nas lutas de libertao (teologia militante); uma prxis (termo mais adequado do que prtica ou ao) transformadora de torcidas relaes de dependncia e de dominao. Tambm a teologia feminista se articula como segundo ato, como reflexo que pressupe como primeiro ato um compromisso e uma militncia nos movimentos de emancipao e de libertao da mulher. uma teologia que opera numa constante correlao de ao e reflexo. Letty Russel fala de teologia da libertao em perspectiva feminista; Elisabeth Schtissler Florenza apresenta a teologia feminista como teologia crtica de libertao para sublinhar, ao mesmo tempo, a funo terica de crtica frente cultura e prxis dominante na Igreja e na sociedade, mas tambm, frente prpria teologia, e conjuntamente o empenho prtico, a militncia nos movimentos de libertao da mulher. A teologia feminista no , pois, uma nova verso, revista e corrigida, da teologia da mulher, porque tem sua origem numa situao cultural e eclesial diferente e trabalha com uma metodologia baseada numa nova relao entre teoria e prtica. Tambm no se pode falar de uma teologia

feminina, expresso que alis no usada, e que, se fosse usada, serviria apenas para perpetuar esteretipos, que a teologia feminista procura pelo contrrio demolir: uma teologia feminina exigiria como contrapartida a elaborao de uma teologia masculina, ao passo que a teologia feminista se autocompreende como uma contribuio crtica para uma teologia da integralidade. Algumas telogas e telogos catlicos falam tambm de uma teologia ao feminino, entendendo com esta expresso uma reflexo teolgica elaborada por parte de mulheres e/ou a partir de mulheres, na medida em que levanta o tema da questo feminina: trata-se de uma abordagem ainda ligada abordagem da teologia da mulher, e qual falta o carter da militncia como primeiro ato, que um dos elementos bsicos da teologia da libertao em geral, e da teologia feminista em especial. O termo teologia feminista comparvel, semanticamente, quele da teologia negra: como a teologia negra uma teologia da libertao dos negros, assim a teologia feminista uma teologia da libertao das mulheres, uma reflexo elaborada e praticada por mulheres que militam no movimento de libertao da mulher, e, como tal, se inscreve no vasto e variado espao das teologias da libertao. 4. PERSPECTIVAS E CORRENTES DA TEOLOGIA FEMINISTA A teologia feminista no um bloco unitrio: nela possvel identificar uma diversidade de perspectivas e uma variedade de correntes, indicamos apenas trs: 4.1 A primeira corrente Situa-se explicitamente no interior da tradio biblico-crist e das suas instituies e busca exercitar uma funo proftica frente sociedade, mas tambm e sobretudo frente Igreja. a corrente bsica da teologia feminista, que realiza plenamente a caracterizao geral, que foi dada acima, e as caracterizaes temticas que sero dadas a seguir. Ela compreende, para citar os nomes e as obras mais importantes: nos Estados Unidos, Letty Russell, Rosemary Radford Ruether, Phyllis Tribel, Elizabeth Schussier Florenza, Nelle Morton, Anne Carr; e na Europa, Karl Elizabeth Borresen, Catharina Helkes, Elisabeth Moltmann-Wendel e Marga Buhrig. 4.2 A segunda corrente Compreende mulheres, que no se situam mais na corrente da tradio bblico-crist, mas se movem num espao aberto, ps-cristo, em busca de novos caminhos para fazer a experincia de transcendncia. Enquanto na primeira corrente o discurso permanece um discurso cristo, na segunda corrente ainda se faz um discurso religioso, que no mais, pelo menos prevalentemente, cristo. Aqui se colocam Mary Daly, a partir de Beyond God the Father (1973) e Peggy Ann Way, que teorizou a autoridade da possibilidade: Estou contente por no encontrar mais nenhuma segurana na Bblia, na histria, nos mitos e nas estruturas. Estou contente com o meu modo atual de compreender, que fundamenta a autoridade do meu ofcio nas possibilidades do futuro e numa f na qual eu experimento to profundamente que nenhuma criatura poder separar-me do amor de Deus, que est em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8:39), nem a Bblia nem a histria nem os mitos nem as estruturas ou a conscincia masculina... Uma parte da autoridade do meu ofcio est na possibilidade de libertar a Deus do abuso, que o liga a uma hermenutica masculina, histria ou estrutura gramatical. Quando a mulher decide abandonar o espao da sociedade sexista e da Igreja patriarcal, ela experimenta uma vida nova, entra num espao novo. Neste caminho as mulheres se unem numa liga, que Daly define como Irmandade, entendida geralmente como o estar-junto das mulheres num caminho de libertao. A irmandade , antes de tudo, a comunidade do xodo do espao sexista, e por isso uma liga antimundo , enquanto comporta o xodo do velho mundo sexista; e, tambm, uma liga anti-igreja, enquanto comporta o abandono da Igreja, que a tumba das mulheres. Mas a irmandade no apenas, em sentido negativo, a comunidade de expatriadas e de exiladas espirituais; tambm, de forma positiva, rede noosfrica da libertao, comunidade da comunicao, aliana csmica, enquanto exprime a chegada das mulheres a uma nova harmonia com o ser, com o prprio Eu, com o universo e com Deus como fonte energtica do ser e da vida. 4.2.1 Crtica a contradio defendida por Daly O telogo americano John Cobb fez algumas observaes crticas a Mary Daly que afirmou haver profunda contradio entre a lgica inerente ao feminismo radical e a lgica inerente ao sistema dos smbolos cristos, a saber:

a) feminismo e cristianismo no so incompatveis; o cristianismo processo, movimento e assim continua sendo; portanto, mantm a capacidade de corrigir-se e de renovar-se; b) o movimento de libertao das mulheres nasceu num ambiente histrico fecundado pela tradio judaicocrist: Creio que o processo de protesto proftico est inscrito no prprio corao da tradio; c) por fim, difcil conservar a abertura Transcendncia, cortando completamente os pontos com a tradio religiosa, da qual se provm e sem o ancoradouro numa comunidade de f. 4.3 A terceira corrente Responde pelo nome de religio de Deusa ou de espiritualidade da Deusa. Se Simone de Beauvoir escreveu O segundo Sexo (1949), mais de vinte anos depois a escritora americana Elisabeth Gould-Davis escreveu The First Sex (1971) para sublinhar polemicamente que, se o sexo feminino o segundo sexo, pode gloriar-se de ser, no plano da histria das culturas, o primeiro sexo, na medida em que a cultura do matriarcado teria precedido a atual cultura do patriarcado. O livro de Gould-Davis expresso da redescoberta da obra de Bachofen o historiador das culturas. Das Mutterrecht (1961), escrevendo sobre o direito materno e o matriarcado, onde se formula pela primeira vez a hiptese de uma ginocracia como estgio anterior androcracia, ainda que na concepo evolucionista do historiador suio a passagem do originrio matriarcado para o posterior patriarcado assinale um progresso no plano cultural. Um grupo de feministas recupera a tese de Bachofen, afastando-se de sua concepo evolucionista e prope a retomada de smbolos religiosos do matriarcado, como mais aptos a inspirar a espiritualidade da mulher. Nascendo desta forma a retomada do culto da Deusa. Segundo o estudo de Merlin Stone, When God Was a Woman (1976), o culto da Deusa sobreviveu at a era clssica da Grcia e de Roma, e foi totalmente supresso somente na poca dos imperadores cristos de Roma e de Bizncio, que fecharam definitivamente os ltimos templos da Deusa pelo ano de 500 d.C. 5. A Busca Espiritual das Mulheres Preocupada sobretudo com a busca espiritual das mulheres Carol Christ como se exprimiu no ensaio Por Que as Mulheres Tem Necessidade da Deusa: O smbolo da deusa tem muito a oferecer s mulheres que lutam para liquidar aqueles estados de nimo e aquelas motivaes potentes, persuasivas e persistentes de desvalorizao do poder feminino, de denegrio do corpo feminino, de desconfiana na vontade feminina, e de negao dos vnculos e do patrimnio cultural das mulheres, que foram gerados pela religio patriarcal. E visto que as mulheres esto lutando para criar uma cultura nova, na qual so celebrados o poder, os corpos, a vontade e os vnculos das mulheres, parece natural que volte tona a Deusa como smbolo da renovada beleza, fora e poder das mulheres. Aqui so indicados claramente quatro motivos da volta da Deusa na nova espiritualidade feminista, e precisamente: a) se os smbolos da religio patriarcal tm profundos efeitos psicolgicos e polticos, e servem para confirmar o poder do homem, o smbolo da Deusa significa a afirmao do poder feminino como poder benfico e criativo; b) se a religio patriarcal denegriu as mulheres como mais carnais e mais ligadas aos ciclos da natureza em sua corporeidade, o smbolo da Deusa significa uma afirmao positiva e jubilosa do corpo feminino e dos seus ciclos; c) se a religio patriarcal desvalorizou a vontade da mulher como passiva, remissiva e mais sugestionvel ao mal, o smbolo da Deusa significa afirmao positiva da vontade feminina como energia que deve ser afirmada em harmonia com a energia e com a vontade dos outros seres; d) alm disso, o smbolo da Deusa serve para fortalecer os vnculos que intercorrem entre as mulheres e que se exprimem na irmandade. A Deusa, aqui redescoberta, vista por algumas feministas como divindade feminina que personifica o poder das mulheres, e que pode ser tambm invocada na orao e no ritual; mas, em geral, como no texto citado deCarol Christ vista como smbolo do novo poder das mulheres; o nome transcendente da reencontrada identidade no caminho da auto-transcendncia. Naomi Goldenberg que, na qualidade de psicanalista da escola de Jung, se interessa por examinar sonhos e fantasias das mulheres como fonte de revelao, julga que, quando as mulheres se revoltam e caem os smbolos religiosos patriarcais, acontece uma mudana de deuses: Quando os Pais morrem, ns todas reencontramos em nosso interior, e o smbolo da Deusa exprime uma religio que traz fora, a fora divina ou sobrenatural, na pessoa. Inclui-se nessa corrente da Golddess Religion, mas com uma fisionomia prpria, o movimento Wicca ou seja, da bruxaria, cujas principais representantes so Starhawk (pseudmino de Miriam Simos) e Zsuzsanna Budapest. A expresso Wicca deriva de uma antiga palavra inglesa Wicclan, que equivale a

witchcraft, a arte da bruxaria, entendida como arte das mulheres sbias e peritas. Herdeiras da religio da Grande Me da poca do matriarcado, as bruxas eram peritas na arte da medicina, conheciam os segredos das ervas e das poes, eram curandeiras e videntes. O movimento Wicca a retomada desta arte sbia e dispe de rituais com meditao, exerccios de respirao, cnticos, danas, bnos e invocaes Deusa orientados para o desenvolvimento da prpria energia fsica, psquica e emotiva e busca de harmonia com os ritmos da natureza e com os outros seres. A propsito dos novos rituais feministas, escreve Zsuzsanna Budapest: Os rituais (...) so uma forma de exorcizar o policial patriarcal que est em ns, de purificar a profundidade da mente e de ench-la com imagens positivas da fora e beleza das mulheres. Disto smbolo a Deusa do divino que existe nas mulheres e de tudo o que feminino no universo. Com a segunda e a terceira corrente encontramo-nos, mais do que com a teologia feminista, com movimentos ps-cristos de Espiritualidade Feminista, ainda que entre elas haja muitas diferenas. Frente a estes movimentos, a atitude da teologia feminista pode ser fixada assim: a) antes de tudo, a teologia feminista utiliza anlises e temas de reflexo, enquanto ela oferece uma linguagem e um imaginrio elaborados na perspectiva da mulher onde esto em ao a sua capacidade de integrao, seu senso da comunidade, sua proximidade com a natureza, e portanto sirvam para superar distores patriarcais e para criar interdependncia; b) a teologia feminista, contudo, imputa a estas correntes da Espiritualidade Feminista de perderem o carter de militncia que caracteriza a teologia feminista como teologia da libertao, e de refugiar-se, romanticamente, nos espaos separados e intercomunicveis do gino-centrismo, como acontece na filosofia do feminismo radical de Daly; ou, acriticamente, de voltar cultura retro-datada do matriarcado e religio da Deusa; c) a teologia feminista, alm disso, considera que no se pode saltar o espao cristo; ela se situa, enquanto teologia, na linha proftica da tradio crist e pretende oferecer uma contribuio crtica para uma teologia de integralidade. Para a teologia feminista, a irmandade no anti-Igreja, no a liga gino-centrista dos Eu; mas um estar-junto das mulheres para um caminho de libertao, para uma Igreja que seja comunidade de mulheres e homens e para uma prtica de reciprocidade. 6. INTERPRETAO NO SEXISTA DA BBLIA A Bblia ensina a submisso da mulher ao homem. Durante muito tempo as Igrejas a interpretaram em sentido desfavorvel mulher: chegada a hora para ns mulheres exclamou entre rumorosos aplausos Mrs. Cutlerna Conveno Americana Para os Direitos da Mulher, realizada em Filadlfia em 1854 de ler e interpretar a Bblia por ns mesmas. Nasceria desta exigncia um vasto projeto, j lembrado no incio, de A Bblia da Mulher (1895-1898). Os dois pressupostos dos quais partiam Elisabeth Cady Stanton e as suas colaboradoras e que a teologia feminista ainda considera vlidos eram os seguintes: necessria uma obra de reviso da interpretao bblica tradicional, porque: a) a Bblia usada como arma poltica contra a emancipao da mulher: a Bblia um livro poltico; e b) este uso contra a mulher pode encontrar uma justificao no fato de que a prpria Bblia um livro patriarcal. um campo de pesquisa que ainda hoje permanece muito ativo e que se move dentro do programa de Despatriarcalizar a Inrterpretao bblica segundo a formulao da estudiosa feminista do Antigo Testamento Phillis Trible, ou de Interpretao no sexista da Bblia segundo a formulao de Letty Russell. 6.1 Interpretao Patriarcal Luz de Gnesis O lugar clssico da interpretao patriarcal Gnesis 2-3, enquanto o texto da fonte sacerdotal de Gnesis 1 reza: homem e mulher os criou (Gn 1:27), o texto da mais antiga fonte javista de Gnesis 2-3 contm o relato de Ado e Eva, segundo o qual a mulher criada em segundo lugar (Gn 2,18), formada por uma constela de Ado (Gn 2,22) e a primeira a pecar levando o prprio Ado ao pecado (Gn 3,12-13). Enquanto o relato de Gnesis 1 afirma com sobriedade teolgica a criaturalidade do homem e da mulher e a sua semelhana com Deus, no relato do Gnesis 2-3 fcil deduzir a inferioridade tica da mulher: Eva criada em segundo lugar foi a primeira a pecar. Com referncia ao texto de Gnesis 2, Theodor Relk escreveu em Psicanlise da Bblia: O relato bblico do nascimento de Eva a brincadeira mais pesada que os milnios dirigiram mulher. 6.2 Os Argumentos a Partir das Epstolas Paulinas

O epistolrio paulino argumenta em vrias ocasies (I Co 11,1-16; 14,34-35; Ef 5,21-33; I Tm 2,9-15) a partir do relato das origens do Gnesis 2-3, afirmando a submisso da mulher ao homem. Impe-se um preciso trabalho hermenutico deste e de outros textos os quais contribuem para configurar a Bblia hebraico-crist tambm como documento patriarcal que desenvolvido de maneira diversa por homens e mulheres biblistas. 6.3 A Interpretao Feminista da Bblia A teologia feminista exclui, dois tipos de interpretao bblica, aparentados no mtodo, mas contrapostos nos resultados, como so a interpretao antifeminista e a interpretao feminista ps-crist. A interpretao bblica antifeminista, por longo tempo praticada e que em parte ainda subsiste, assume os dados bblicos relativos mulher, que interpreta na linha da interpretao patrstica e escolstica, chegando a afirmar a inferioridade, ou a submisso da mulher com relao ao homem. A interpretao bblica feminista ps-crist tambm parte de dados bblicos, como foram lidos pela tradio eclesistica, mas chega concluso de que a Bblia, ensinando a subordinao-sujeio da mulher ao homem, irremediavelmente patriarcal. Concluses contrapostas uma tradicional e outra ps-crist mas aparentadas no mtodo fundamentalista de leitura da Bblia, onde o texto a mensagem. A teologia feminista na linha da mais esclarecida exegese bblica em geral distingue entre valor teolgico e o modo da anunciao que historicamente condicionado. Em particular, Letty Russell distingue entre a Tradio como pardosis, como ao dinmica e libertadora de Deus na histria, como Escritura, do veculo das tradies histricas, como escrito historicamente condicionado: A Tradio no um bloco de contedos a serem conservados acuradamente por parte de hierarquias autorizadas, mas uma ao de Deus que deve ser transmitida aos outros de todo sexo e raa. Rosemary Radford Ruether identifica na Bblia a linha das tradies proftico-messinicas e as separa de outras tradies no utilizveis. Em resumo, a tradio utilizvel para o feminismo na Bblia no so particulares afirmaes sobre a libertao das mulheres, mas antes o modelo crtico do pensamento proftico. Phyllis Trible introduz a distino entre f bblica e religio bblica e mostra a presena de um princpio despatriarcalizante em ao na Bblia. Despatriarcalizao no uma operao que o exegeta realiza sobre o texto. uma operao hermenutica que age no interior da prpria Bblia. Ns expomos, ns no impomos. 6.4 Crtica ao Modelo Interpretativo A neo-testamentarista Elisabeth Schussler Fiorenza critica em seu vasto estudo in Memorian of Her (1983) esse modelo interpretativo que, as suas variantes, seria reconduzvel a um modelo neo-ortodoxo, para o qual o texto no a mensagem, mas apenas o continente da mensagem; a mensagem aparece, neste modelo hermenutico, como uma espcie de essncia a-histrica, como uma espcie de ncleo exprimivel em termos de libertao e separvel do texto patriarcal. Enquanto para as feministas ps-crists (segunda e terceira corrente) texto e mensagem bblicos so e permanecem patriarcais e portanto no mais utilizveis, para as feministas que praticam na leitura da Bblica o modelo neo-ortodoxo, s o texto patriarcal, a mensagem exprimvel em termos de libertao. Fiorenza prope, pelo contrrio, uma hermenutica critica feminista, que no parte de textos patriarcais para chegar a um ncleo essencial de libertao, a-histrico e separvel, mas parte de textos patriarcais para chegar aos seus contextos histricos e sociais em vista de uma reconstruo teolgica feminista das origens crists. Trata-se de introduzir um novo paradigma (Thomas Kuhn), que chamado hermenutica crtica feminista enquanto: a) adota o mtodo histrico-crtico na leitura dos textos; b) mas, ao mesmo tempo, parte tambm das exigncias da teologia feminista da libertao, enquanto quer praticar uma leitura militante da Bblia, que recupere a memria dela. 6.5 A Mulher nas Origens Crists No incio do cristianismo, Fiorenza identificou dois movimentos: o movimento de renovao iniciado por Jesus na Palestina em ambiente judaico e o movimento messinico cristo primitivo iniciado antes de Paulo em ambiente helenista, tendo como centro a cosmopolita Antioquia. Ambos chamavam a um discpulato de iguais e reuniam comunidades de iguais, comunidades inclusivas, onde eram at privilegiados os excludos da sociedade (mulheres inclusive): eram os movimentos igualitrios. No movimento missionrio cristo primitivo tambm as mulheres desempenhavam um papel de missionrias e de guias das comunidades, como aparece em Rm 16, 1-16, onde Febe chamada dikonos; Prisca, synergs (colaboradora); e Jnias, apstolos.

Pertenceria ao movimento cristo primitivo o texto de Gl 3,28 (No h mais judeu, nem grego; no h mais nem escravo, nem homem livre; no h mais nem homem nem mulher; todos vs, realmente, sois um s em Cristo Jesus), que a teologia feminista faz valer, por sua viso de igualdade, totalidade e liberdade, como a magna charta do feminismo cristo. A anlise crtica leva a sustentar que Gl 3,26-28 uma confisso batismal pr-paulina que Paulo cita para indicar a nova realidade da f frente lei: Gl 3,28 no uma formulao de ponta paulina, ou uma posio avanado prpria de Paulo, ou uma afirmao ocasional isolada de Paulo, que permaneceria como que submersa por outras passagens subordinacionistas Gl 3,28 uma expresso-chave, no da teologia paulina, mas da auto-compreenso teolgica do movimento missionrio cristo que teve um impacto histrico de vasto alcance. Mas, enquanto a exegese tradicional geralmente interpreta Gl 3,28 em sentido espiritualista como igualdade da alma do homem e da mulher diante de Deus, ou em sentido futurista como afirmao de igualdade do homem e da mulher na nova criao escatolgica, a teologia feminista sublinham o carter performativo (Wayne Meeks) da antiga afirmao batismal: J tempo escrevem Jurgen e Elisabeth Moltmann que estas palavras sejam traduzidas em ao na Igreja e na sociedade. A mensagem relaes de domnio. Na nova comunidade, em que o batismo insere a pessoa, no vigora a estrutura do matrimnio patriarcal, que subordina a mulher ao homem; o bimordismo sexual no se torna dimorfismo sexual; todos so membros da mesma famlia de Deus como irmos e irms. Por esta viso e por esta prtica, as primeiras comunidades crists se apresentam como comunidades alternativas no meio do mundo greco-romano, comunidades que por sua viso e prtica de igualdade entravam em conflito com uma sociedade estruturada por privilgios e discriminaes. Mas na reconstruo de Fiorenza a conduta de Paulo se apresenta ambgua: de um lado, afirma a igualdade e a liberdade; de outro, estabelece limites participao das mulheres nas assemblias crists, como aparece particularmente em 1 Cor 11,1-16; 14, 34-35. Fica assim aberta a porta a ulteriores desenvolvimentos em sentido patriarcal. Na carta aos Colossenses e aos Efsios assiste-se introduo, atravs do cdigo familiar da ordem patriarcal nas famlias crists com a submisso das mulheres ao maridos (Ef 5,21-33); nas cartas Pastorais a ordem patriarcal introduzida na prpria estrutura da comunidade crist e do ministrio (I Tm 2,9-15). O discipulato de iguais assim progressivamente espiritualizado e restrito alma. Ainda no uma prtica geral, como testemunham o evangelho de Marcos (contemporneo da Carta aos Colossenses) e o Evangelho de Joo (contemporneo dasPastorais), que sublinham o servio e o amor como centro do mistrio de Jesus e como exigncia principal do discipulato, mas ser a linha patriarcal, e no aquela igualitria a mais antiga e originria que pode apelar para a prxis do movimento de Jesus e do primeiro movimento missionrio que se afirmar e ter xito definitivo no sculo IV. E contudo este xito no pode ser justificado teologicamente, porque no pode apelar para a autoridade de Jesus na sua prpria prxis crist. 7. A HERMENUTICA BBLICA FEMINISTA A hermenutica bblica feminista comporta um trabalho mltiplo, que exige se d ateno: a) aos textos patriarcais, onde o influxo patriarcal chega at ao contedo das afirmaes teolgicas; a prpria teologia do matrimnio em Ef 5,21-23 e expressa em termos de subordinao da mulher ao homem; b) interpretao patriarcal dos textos dada pela tradio eclesistica; c) histria da transmisso do texto e das suas tradues; sabido para dar apenas um exemplo que em Rm 16,7 Paulo sada como apstolos Andronico e Jnias; mas, a partir do sculo XIV edies e tradues grafaram Jnios em vez de Jnias, porque no viam como o Novo Testamento podia dar a uma mulher o nome de apstolos. CONCLUSO A hermenutica bblica feminista apresenta dois modelos hermenuticos: o primeiro identifica um ncleo ou mensagem de libertao, que preciso separar do revestimento histrico patriarcal do texto e retomar para torn-lo operante na prtica atual; o segundo, v em ao nos escritos do Novo Testamento um lento e progressivo processo de patriarcalizao das estruturas da comunidade: trata-se, ento, atravs de uma hermenutica crtica, de redescobrir o estrato mais antigo e de tomar contato com a teologia e com a prtica das primeiras comunidades crists para corrigir sucessivas distores na teoria e na prtica, para reconstituir um elo de igualdade na comunidade.

BIBLIOGRAFIA

- BARNAB, Marinalva. Teologia Feminista, Prof. da Faculdade Teolgica Batista de Braslia. - GEBARA, Ivone. As Incmodas Filhas de Eva na Igreja da Amrica Latina. So Paulo: Paulinas, 1989. - LUNEN-CHENU, Marie-Therse Van. GIBELINI, Rosino. Mulher e Teologia. So Paulo: Loyola, 1992. - FIORENZA, Elisabeth S. As Origens Crists a Partir da Mulher - Uma Nova Hermenutica. So Paulo: Paulinas, 1992. Augusto Bello de Souza Filho Bel. em Teologia VOLTAR

ALGUNS TRAOS ACERCA DA TEOLOGIA FEMINISTAJones Talai Mendes(1)

Resumo

Este artigo oferece alguns traos que permitem situar a pertinncia e o estatuto teolgico da Teologia Feminista e sua relao com as questes de Gnero. A Teologia Feminista teologia crtica da libertao medida que aponta e denuncia as relaes de opresso existente nas relaes de Gnero e por vezes ratificada por teologia de matriz patriarcal e imagens de Deus pautadas nessa matriz. Trata do desafio da Teologia Feminista no contexto latino americano e apresenta algumas de suas caractersticas. Palavras-chave: feminismo, gnero, teologia, Bblia.

Introduo

Este pequeno artigo pretende tematizar algo do que a Teologia Feminista. Para isso procuramos relacionar o fenmeno do Feminismo com a Teologia, enquanto teologia crtica. Assim tambm aponto para o papel da Teologia Feminista na Amrica Latina e tambm para as atuais leituras de gnero que problematizam a questo do que significa ser mulher e ser homem a partir da reflexo teolgica.

A Teologia Feminista

A Teologia Feminista, tal como a conhecemos hoje comeou na dcada de 1960, embora possamos falar de telogos feministas, sem esse ttulo, ao longo da histria da Igreja, sobretudo nos sculos XIX e XX. A teologia feminista se insere no contexto mais amplo de um movimento feminista que assume muitas formas ideolgicas e atinge todas as fases da vida humana e todas as disciplinas acadmicas. Um dos primeiros trabalhos teolgicos na rea The Church and the Second Sex(2)A Igreja e o Segundo Sexo, de Mary Daly (1968), que lidera um movimento que foi gerando gradativamente um corpo de telogas escrevendo em todas as disciplinas teolgicas e eclesiais. Muitas vezes, a teologia feminista mal interpretada como teologia de mulheres ou de temas femininos, e no como uma teologia da libertao que se ope s estruturas sociais opressoras que afetam mulheres e homens igualmente. Essa teologia origina-se criticamente em uma situao cultural e social androcntrica, em que as mulheres so subordinadas e tratadas sem direitos iguais. O pano de fundo da teologia feminista a sociedade como um todo. Busca a igualdade entre homens e mulheres conjuntamente. A teologia feminista l as fontes da teologia, a Escritura e a Tradio, no sentido de gerar uma compreenso da salvao crist que tenha relevncia social em uma Igreja e em uma sociedade patriarcais(3).

- O autor professor de Teologia, coordenador do Centro de Estudos Bblicos no Rio Grande do Sul CEBI-RS e assessor para espaos teolgicos da Fraternidade Palavra e Misso.(1) (2)

- Em continuidade anlise de Simone de Beauvoir: O Segundo Sexo.

- Estruturalmente semelhante teologia feminista, a teologia womanista representa a interpretao dos smbolos cristos pelas mulheres negras, que se distinguem tanto das telogas feministas brancas como dos telogos negros. As hispnicas tambm desenvolveram uma teologia especfica. Cf. Roger Haihgt. Jesus: Smbolo de Deus. Paulinas. 2003.(3)

Feminismo e TeologiaSegundo Elisabeth Schssler Fiorenza(4), no se sabe quem foi que usou pela primeira vez a expresso teologia feminista para caracterizar esse novo modo de fazer teologia a partir de uma perspectiva de mulheres. Para a autora, o sexismo(5) uma das formas de opresso que estereotipa e limita as pessoas por causa de seu sexo. Em uma sociedade sexista, o papel predominante da mulher o de ajudante do homem. Sua identidade se d a partir de sua condio de submisso ao homem. Por isso h uma critica feminista da cultura e da religio na medida em que estas mantm a mulher em uma situao de dependncia e ausncia de liberdade. A cultura e a religio sexistas constroem uma sociedade em que no apenas os homens, mas as prprias mulheres interiorizaram esta imagem e compreenso de si mesmas como inferiores e derivativas. Por isso o movimento feminista exige uma redefinio dos papis e imagens das mulheres e dos homens, para que as mulheres se tornem pessoas humanas e se realizem em igualdade econmica e poltica(6).

O feminismo, diante desta imagem cultural, sustenta que as mulheres so pessoas humanas que como tal devem ter pleno desenvolvimento de suas personalidades. Afirma que os direitos, talentos ou fraquezas humanas no so divididos por sexo. Reivindica que h necessidade de as mulheres tornarem-se econmica e socialmente independentes para que possam autonomamente assumir a responsabilidade plena por suas vidas. O feminismo critica todas as instituies que, de um modo ou de outro, exploram as mulheres, as estereotipam, as mantm em posies inferiores. Isso inclui aquelas dimenses do cristianismo que as igrejas e as teologias promovem, e que a partir de uma ideologia sexista, perpetuam a inferioridade da mulher, seja por meio de suas desigualdades institucionais ou das justificaes teolgicas da diferena inata das mulheres em relao aos homens(7). - Elisabeth Schssler Fiorenza. Discipulado de iguais: uma ekklesia-logia feminista crtica da libertao; traduo de Yolanda Steidel Toledo. Petrpolis, RJ: Vozes, 1995, p. 66-92.(4) (5)

- Atitudes, posturas, aes discriminatrias contra o sexo feminino. - Idem, p. 69. - Idem, p. 70..

(6)

(7)

A Teologia Feminista como Teologia Crtica

Muitos estudos histricos e hermenuticos mostram que a teologia um empreendimento cultural e historicamente condicionado. A prpria revelao de Deus nas escrituras expressa em linguagem humana a partir de conceitos e questes estabelecidas historicamente. Tanto as escrituras quanto a teologia partilham de um contexto cultural patriarcal e cultural sexistas. Buscam expressar a verdade em linguagens, imagens e tendncias situadas nesse ambiente. A partir disso, a teologia feminista problematiza a perspectiva cultural androcntrica no sentido de promover uma re-leitura da tradio crist, analisada a partir de um ponto de vista da mulher. Deve-se dizer que esta reviso hermenutica apenas uma soluo parcial do problema, visto que a tradio androcentrada no apenas oferece uma viso de mundo, mas tambm promove inverdades, represso e dominao. O pressuposto metodolgico da teologia crtica a constante necessidade de renovao da comunidade crist. A teologia feminista pressupe e tem como meta uma prxis teolgica e eclesial emancipadora. Ao analisar o Sitz im Leben (lugar na vida) em que a teologia normalmente produzida, as telogas feministas percebem que esta feita por clrigos (homens) brancos, num contexto acadmico, de classe mdia onde fatores inerentes a essas caracterizaes determinam seu discurso teolgico. Nessa perspectiva a teologia crist no apenas branca de classe mdia e sim branca, de classe mdia e masculina, compartilhando, como tal, do sexismo cultural e do patriarcalismo.(8) Ao criticar o sistema simblico e pensamento andro-normativos, a teologia feminista trata tambm da anlise dos mitos, dos mecanismos, sistemas e instituies que colocam a mulher em situao humilhante e de inferioridade. Assim esta teologia, enquanto procura novos paradigmas para mulheres e homens, promove novos smbolos, mitos, etilos de vida, questes, horizontes, compartilha dos interesses e metas da teologia da libertao.

(8)

- Idem, p. 77.

Perspectiva Escatolgica

Segundo Fiorenza, a teologia feminista deduz sua legitimao da viso escatolgica de liberdade e salvao, e seu radicalismo, da compreenso de que a Igreja crist no idntica ao Reino de Deus.(9) O texto de Glatas 3, 27 j no h judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher fascina a perspectiva de igualdade, integridade e liberdade. A teologia feminista levanta crtica ao androcentrismo eclesial, onde apenas homens podem aspirar certas funes ministeriais. Diz que as igrejas crists superaro suas tradies patriarcais e opressivas do passado e suas ideologias do presente quando a prpria base e funo dessas tradies forem modificadas. Nesse sentido, no adiantaria colocar vinho novo em odres velhos. Novas relaes s se daro em novas estruturas teolgicas e eclesiais. A Teologia feminista, como a teologia da libertao, desemboca em prticas transformadoras.(10) Torna- se necessrio a construo de uma linguagem teolgica feminina, que contemple a presena e a experincia das mulheres na Igreja e caminhe no sentido de promover novos smbolos, imagens e mitos.(11)

(09) (10)

- Idem, p. 81.

- Libnio & Murad. Introduo Teologia: perfil, enfoques, tarefas. Loyola. So Paulo. 1996, p.257.

- Nesse sentido seria interessante contemplar a critica feminista do mito de Maria, com suas riquezas e limitaes, entre estas o uso ideolgico da mariologia tradicional no sentido de dissuadir as mulheres de se tornarem plenamente independentes, como pessoas humanas integrais. Cf. Elisabeth Schssler(11)

Teologia Feminista na Amrica Latina

A teologia feminista na Amrica Latina deve contemplar a situao das mulheres nesse contexto histrico especfico. A teologia feminista na AL parte da descoberta da mulher como sujeito histrico oprimido e discriminado. Sujeito discriminado tambm da produo teolgica. Esse passo foi fundamental para o comeo de uma construo de uma conscincia feminista com rosto prprio. O feminismo latino americano no o feminismo dos pases ricos. No incio no havia grande dilogo das mulheres telogas com os movimentos feministas latino americanos nem com as feministas do chamado primeiro mundo. A politizao e a ideologia no permitiam aproximao. As feministas rejeitavam a religio e desconfiavam das telogas ao passo que estas descartavam qualquer reivindicao feminista que no estivesse articulada a libertao econmica global da sociedade. Surge uma nova leitura bblica, onde se procura articular e explicitar que a mulher est implcita na categoria de pobre, e a opo pelo pobre significa tambm opo pela mulher pobre. As leituras bblicas vo sendo marcadas pela esperana de uma nova sociedade de igualdade econmica e de novas relaes entre homens e mulheres. As mulheres feministas chamam a ateno para a necessidade de uma linguagem inclusiva e criticam a invocao do divino em categorias masculinas. Nos anos de 1980 comea um aprofundamento do dilogo sobre a mulher e sua atividade teolgica com os telogos da libertao. Essa problemtica assume contornos mais amplos e deixa de ser uma exclusiva questo de mulheres para ser um desafio mais amplo, ainda que a mulher seja a protagonista principal. Pode-se falar de um movimento da libertao feminista ou feminista da libertao.(12) Um dos desdobramentos da teologia feminista atualmente se faz presente na temtica do Ecofeminismo. No Ecofeminismo confluem duas preocupaes bsicas e atuais: a Ecologia e o prprio feminismo. Preocupado com a configurao da dominao sobre as mulheres e a natureza o ecofeminismo quer analisar as tramas dos padres culturais, sociais e simblicos pelos quais os seres humanos se distanciam da natureza, e como a partir de uma postura androcntrica e patriarcal, ocorre uma fragmentao, uma separao entre homens e mulheres, entre os gneros e entre a espcie humana e a natureza.(13) O feminismo, ao menos latino americano prope uma viso holstica.(14)

- Cf. Virginia Azcuy. Igrejas Crists na Encruzilhada: Reflexes teolgicas a partir da Argentina, Amrica Latina e Caribe. In: Concilum. Revista Internacional de Teologia. 316 Vozes. (2006/3)(12) (13)

- Elaine Neuenfeldt. Fontes e Caminhos Ecofeministas. Srie: A Palavra na Vida. 175/176. CEBI. So Leopoldo, p. 5. (14) - Interpreta a f crist a partir da tica da reciprocidade, que compreende o ser humano como unidade e diversidade homem-mulher. Como teologia holstica colabora na eliminao de todas as separaes funestas entre corpo e esprito, terra e cu, homem e mundo, natureza e histria, sem nivelar as polaridades e tenses do que deve constituir uma unidade criativa e fecunda. Libnio & Murad. Introduo Teologia: perfil, enfoques, tarefas. Loyola. So Paulo. 1996, p. 256.

A Leitura de Gnero

A hermenutica de gnero(15) um caminho e ao mesmo tempo um apelo para que as pessoas pensem: O que ser homem? O que ser mulher? Essas questes so contempladas a partir da necessidade de superar modelos que resultam insatisfatrios ao tratar das relaes humanas a partir de suas especificidades. A hermenutica de gnero est no caminho da teologia feminista da libertao sem, no entanto se confundir com ela. Gnero o sexo socialmente construdo. A identidade sexual enquanto produto da cultura, onde muitas vezes residem relaes de opresso que devem ser superadas. A construo de identidades se d de maneira relacional. A partir da relao consigo mesmo, com a ecologia(16), com o divino, com a comunidade. A hermenutica de gnero um caminho de reconstruo social. A leitura de gnero repensa as imagens de Deus que construmos a partir de uma antropologia crtica(17) e inclusiva, onde homem e mulher possam tecer relaes mutuamente libertrias. A hermenutica de gnero(18) lida tambm com temas como corpo, sexualidade, poder, linguagens, alteridade, ecumenismo, etnia etc. Esta hermenutica tem a funo positiva de reconstruir os paradigmas em termos de uma retrica crtica que entende as tradies e os textos bblicos como uma herana viva.(19) Tal herana no legitima a opresso patriarcal, mas tem a capacidade de promover prticas libertadoras de comunidades de f. um tema bastante desafiador por no ser apenas um tema a ser tratado em nvel acadmico ou intelectual. Desafia as pessoas a olhar para as experincias vividas e narradas a partir de suas prprias histrias. De fato, no so todos que tem essa disposio, pois como se diz popularmente: A gente tem que comear em casa.

- Falar de uma Hermenutica de Gnero recoloca alguns problemas, sendo uma primeira questo a de quem escreveu esses textos bblicos. Do ponto de vista de Gnero, de modo geral, os textos bblicos so escritos ou atribudos a homens, os quais falam ou botam as palavras na boca das mulheres. As falas das mulheres parecem ficar subscritas, esto presentes, porm explicitamente ausentes. Nesse sentido, os textos expressam uma cultura, uma viso de mundo prprias da sua poca, reproduzindo tambm as suas relaes de gnero e seus conflitos. Cf. Maria Helena da Silva Mutzenberg. Uma Hermenutica de Gnero, in: Hermenutica Feminista e Gnero. Srie: A Palavra na Vida. 155/156. CEBI. So Leopoldo, p. 43-44.(15)

- Nesse sentido existe o chamado ecofeminismo, onde so pensadas as relaes entre feminismo, poder e ecologia. Essa relao pensada a partir da categoria de gnero.(16) (17)

- Romper com a antropologia androcntrica a partir de uma nova antropologia apoiada numa viso humanocntrica., que considera mulher e homem imagem e semelhana de Deus. Homem e mulher como sujeito e agente com igualdade de direitos e responsabilidades, pela organizao do cosmos nas diversas dimenses: social, econmica, poltica, ecolgica, religiosa, ideolgica, ete. Lucia Weiler. O que Consideramos ser uma Hermenutica de Gnero? In: Hermenutica Feminista e Gnero. Srie: A Palavra na Vida. 155/156.CEBI. So Leopoldo, p. 36 (18) - Gostaria aqui de assinalar alguns nomes de mulheres que fazem teologia feminista e/ou de gnero no Brasil, para oferecer referncias a quem se interessar pelo assunto. A lista est aberta pois esta lista, a fao de memria: Wanda Deifeldt, Elaine Neuenfeldt, Maria Soave, Nancy Cardoso Pereira, Marga Strher, Tereza Cavalcanti, Ta Frigrio, Lcia Weiler, Mnica Otterman, Agostinha Vieira de Mello, Ivone Gebara, Ana Maria Tepedino, Maria Clara Bingemer etc - Teresa Mee. O que Consideramos ser uma Hermenutica de Gnero, in: Hermenutica Feminista e Gnero. Srie: A Palavra na Vida. 155/156. CEBI. So Leopoldo, p. 44(19)

Concluso

Enfim, so muitos os desdobramentos possveis que hoje nos trazem as chamadas teologias de contexto ou ainda de genitivo, onde um tema ou aspecto da realidade so abordados usando um enfoque hermenutico que ajude, a luz da f, a decifrar uma dimenso da existncia humana. Segundo Libnio, alunos que leram somente os escritos de ponta da teologia da libertao das dcadas de setenta-oitenta,

sentem srias dificuldades de compreender as novas temticas da subjetividade(20), onde podemos contemplar a teologia feminista com suas grandes exigncias. De fato necessrio encontrar espao para discutir as questes de gnero em suas diversas matizes tambm no mbito da teologia para que esta possa no s estar atualizada das grandes temtica de interesse contemporneo, mas tambm para que possa enriquecer-se das perguntas e respostas que a sociedade oferece. As questes de gnero que se desenvolveram a partir da teologia feminista hoje so objeto de estudos e discusses em diversas reas como a sociologia, a psicologia, antropologia, filosofia etc. Como ficar a teologia alheia a uma questo que trilha um irrefrevel caminho?

- Libnio & Murad. Introduo Teologia: perfil, enfoques, tarefas. Loyola. So Paulo. 1996, p. 253.(20)

O Feminismo Cristo: Como Tudo ComeouPostado por Augustus Nicodemus Lopes

Estudar a histria do surgimento do movimento feminista de grande ajuda para ns. Geralmente uma perspectiva global e ampla do assunto em pauta nos ajuda a entender melhor determinados aspectos do mesmo. No caso do movimento feminista, a sua histria nos revelar que a ordenao de mulheres ao ministrio, em alguns setores do movimento, apenas um item de uma agenda muito mais ampla defendido por um setor bastante ativista do feminismo nas igrejas crists. Origens do Movimento Feminista Fora da Igreja Examinemos primeiramente o movimento feminista fora da igreja, focalizando suas principais protagonistas. Sculo 18: A Vindicao dos Direitos da Mulher

A Primeira Onda do feminismo teve incio na primeira metade dos anos de 1700 quando uma inglesa, Mary Wollstonecraft (foto), escreveu A Vindication of the Rights of Woman (A Vindicao dos Direitos da Mulher). Um ano depois desta publicao, Olimpe de Gouges publicou um panfleto em Paris intitulado Le Droits de La Femme (Os Direitos da Mulher) e uma americana, Judith Sargent Murray, publicou On the Equality of the Sexes (Sobre a Igualdade dos Sexos). Outras pensadoras feministas surgiram em pouco tempo tais como Frances Wright, Sarah Grimke, Sojourner Truth, Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony, Harriet Taylor e tambm John Stuart Mill. Seus pensamentos e obras foram defendidos com fervor e pouco a pouco foram deitando profunda influncia na sociedade moderna contempornea do mundo ocidental. Sculo 19: A Declarao dos Sentimentos Em 1848 cerca de 100 mulheres se reuniram em uma conveno em Seneca Falls, Nova York, para ratificar a Declarao dos Sentimentos escrita para defender os direitos naturais bsicos da mulher. As autoras da Declarao dos Sentimentos reclamavam que as mulheres estavam impedidas de galgar posies na sociedade quanto a empregos melhores, alm de no receber pagamento eqitativo pelo trabalho que realizavam. Notaram que as mulheres estavam excludas de profisses tais como teologia, medicina e advocacia e que todas as universidades estavam fechadas para elas. Denunciavam tambm um duplo padro de moralidade que condenava as mulheres a penas pblicas, enquanto exclua os homens dos mesmos castigos em relao a crimes de natureza sexual. A Declarao dos Sentimentos foi um marco profundamente significativo no movimento feminista. Suas reivindicaes eram, em sua grande maioria, justas e consistentes. Por isto, o movimento foi ganhando muitas e muitos adeptos, apesar, e por causa das grandes barreiras que foram impostas s mulheres que se expunham na defesa de suas idias e ideais. As leis do divrcio foram liberalizadas e drsticas mudanas ocorreram com o status legal da mulher dentro do contexto do casamento. Por volta dos anos 30, como resultado de sua educao qualificada e profissional, as mulheres comearam a entrar no mercado de trabalho como fora competitiva. Muitas das barreiras legais, polticas, econmicas e educacionais que restringiam a mulher foram removidas e esta comea a pisar o mundo do homem com paixo e zelo. Sculo 20: Simone deBeauvoir e Betty Friedan

A primeira fase da construo do feminismo moderno comeou com a obra da filsofa francesa Simone deBeauvoir (foto), Le Deuxime Sexe (O Segundo Sexo), em 1949. As mulheres, segundo deBeauvoir, foram definidas e diferenciadas tomando como referencial o homem e no com referncia a elas mesmas. Ela acreditava que o sexo masculino compreendia a medida primeira pela qual o mundo inteiro era medido, incluindo as mulheres, sendo elas definidas e julgadas por este padro. O mundo pertencia aos homens. As mulheres eram o outro no essencial. Simone deBeauvoir observa esta iniqidade do status sexual em todas as reas da sociedade incluindo a econmica, industrial, poltica, educacional e at mesmo em relao linguagem. As mulheres foram foradas pelos homens a se conformar e se moldar quilo que os homens criaram para seu prprio benefcio e prazer. s mulheres de seus dias no foi permitido ou no foram encorajadas a fazer ou se tornar qualquer outra coisa alm do que o feminino eterno ditava; elas foram cerceadas num papel de Kche, Kirche, und Kinder (cozinha, igreja e filhos, em alemo). De acordo com deBeauvoir a mulher estava destinada a existir somente para a convenincia e prazer dos homens. No incio dos anos 60 uma jornalista americana, Betty Friedan, transformou os conceitos filosficos de Simone deBeauvoir em alguma coisa mais assimilvel para a mulher moderna, ao publicar A Mstica Feminina, um livro onde examinava o papel da mulher norte americana. De acordo com Friedan, as mulheres dos seus dias foram ensinadas a buscar satisfao apenas como esposas e mes. Ela afirmou que esta mstica do ideal feminino tornou as mulheres infantis e frvolas, quase como crianas, levianas e femininas; passivas; garbosas no mundo da cama e da cozinha, do sexo, dos bebs e da casa. Assim como deBeauvoir, ela afirma que a nica maneira para a mulher encontrar-se a si mesma e conhecer-se a si mesma como uma pessoa seria atravs da obra criativa executada por si mesma. Friedan batizou o dilema das mulheres de um problema sem nome. Friedan concordou com deBeauvoir que a libertao das mulheres haveria de requerer mudanas estruturais profundas na sociedade. Para isto, as mulheres precisariam ter controle de suas prprias vidas, definirem-se a si mesmas e ditar o seu prprio destino. O Problema sem Nome: Patriarcado

No final dos anos 60 a autora feminista Kate Millett (foto) usou o termo patriarcado para descrever o problema sem nome que afligia as mulheres. O termo tem sua origem em duas palavras gregas: pater, significando pai e arche, significando governo. A palavra patriarcado era entendida como o governo do pai, e era usada para descrever o domnio social do macho e a inferioridade e a subservincia da fmea. As feministas viram o patriarcado como a causa ltima do descontentamento das mulheres. A palavra patriarcado

define o problema que deBeauvoir e Friedan no puderam nomear mas conseguiram identificar. De acordo com as feministas, o patriarcado foi o poder dos homens que oprimiu as mulheres e que era responsvel pela infelicidade delas. As feministas concluram que a destruio do patriarcado traria de volta a plenitude das mulheres. A libertao das mulheres do patriarcado haveria de permitir que elas se tornassem ntegras. Surgimento do Movimento Feminista Dentro da Igreja

Podemos considerar o livro de Katherine Bliss, The Service and Status of Women in the Church (O Trabalho e o Status da Mulher na Igreja, 1952) como o marco inicial do moderno movimento feminista dentro da cristandade. O livro era baseado numa pesquisa sobre as atividades e ministrios nos quais as mulheres crists estavam comumente envolvidas. Bliss observou que, embora as mulheres estivessem extremamente envolvidas na vida da Igreja, a participao delas estava limitada a papis auxiliares tais como Escola Dominical e Misses. As mulheres no participavam em lideranas tradicionalmente aceitas, tais como as atividades de ensino, pregao, administrao e evangelismo, ainda que muitas delas pareciam estar preparadas e terem dons para este exerccio. Bliss chamou a ateno da Igreja para a reavaliao dos papis homem/mulher na Igreja, particularmente da ordenao de mulheres. Ativistas Cristos compram a Briga A obra de Bliss serviu de munio para ativistas cristos na luta pelos direitos civis e polticos em 1961. Eles, juntamente com as feministas na sociedade secular, comearam a vocalizar o seu descontentamento com o tratamento diferenciado que as mulheres recebiam por causa do seu sexo, inclusive dentro das igrejas crists. Neste mesmo ano, vrios peridicos evanglicos publicaram artigos sobre a sndrome das mulheres limitadas aos papis da casa e esposa, onde se argumentava que as mulheres estavam restritas a papis inferiores na Igreja. Os homens podiam se tornar ministros ordenados, mas s mulheres se lhes impunham barreiras nas atividades ministeriais como ensino, aconselhamento e pastoreamento. As mulheres, afirmavam os ativistas, desejam participar da vida religiosa num nvel mais significativo do que costura ou a direo de bazares ou arrumar a mesa da Santa Ceia ou servios gerais tais como o levantamento de recursos para os necessitados, os quais freqentemente so designados a elas. Tanto quanto com trabalho fsico, elas desejam contribuir com idias para a Igreja. O Conclio Mundial de Igrejas A ateno sobre os papis do homem e da mulher dentro da Igreja se tornou mais intenso na medida em que o movimento secular das mulheres foi ganhando fora. Ainda em 1961 o Conclio Mundial de Igrejas distribuiu um panfleto intitulado Quanto Ordenao de Mulheres, chamando as igrejas afiliadas para um re-exame de suas tradies e leis cannicas. Vrias denominaes comearam a aceitar que o cristianismo havia incorporado em seus valores uma atitude patriarcal dominante da cultura de suas origens. Muitos catlicos, metodistas, batistas, episcopais, presbiterianos, congregacionais e luteranos concordaram: a mulher na Igreja precisa libertao. Com esta concluso em mente, de que a mulher precisava de libertao dentro da Igreja, estabeleceu-se um curso de ao que tinha como alvo abrir as avenidas para o ministrio ordenado das mulheres tanto quanto para os homens. Nos anos 60 as feministas crists se colocaram num curso paralelo quele estabelecido pelas feministas na sociedade secular. Elas, junto com suas contra partes, buscaram anular a diferenciao de papis de homem/mulher. O tema dominante foi a necessidade da mulher definir-se a si mesma. As feministas criam que s mulheres se deveria permitir fazer tudo o que o homem pode fazer, da mesma maneira e com o mesmo status reconhecido que oferecido ao homem. Isto, segundo elas criam, constitua a verdadeira igualdade. Os Primeiros Argumentos em Prol da Ordenao de Mulheres As feministas crists buscaram a incluso das mulheres na liderana da Igreja sem uma clara anlise da

estrutura e funcionamento da mesma segundo os padres bblicos. Meramente julgaram-na como sexista e comearam a incrementar o curso de ao em resposta a este julgamento. As feministas crists, de mos dadas com suas contra partes seculares, comearam a demandar direitos iguais. Na reivindicao destes direitos, quela altura do movimento feminista cristo, ainda partiam do pressuposto que a Bblia era a Palavra de Deus. Vejamos seus argumentos. Os Pais da Igreja Foram Influenciados pelo Patriarcado Segundo as feministas crists, Clemente de Alexandria, Origines, Ambrsio, e Crisstomo, Toms de Aquino, Lutero, Tertuliano, Calvino e outros importantes telogos e lderes da Igreja Crist, influenciados pelo patriarcado, reafirmaram a inferioridade da mulher atravs da histria da Igreja e, assim, proibiram a ordenao de mulheres e cometeram erros quanto aos papis conjugais. As mulheres foram excludas das posies de autoridade porque os pais da Igreja as viam, em sua prpria natureza, como inferiores e menos capazes intelectualmente do que os homens. A Bblia ensina a Igualdade dos Sexos Em segundo lugar, as feministas crists passaram a afirmar que a Bblia dava suporte plena igualdade das mulheres e que os homens haviam negligenciado estes conceitos bblicos. As primeiras feministas crists afirmam que o registro da criao da mulher no Gnesis tem sido quase que universalmente interpretado de uma maneira equivocada para se ensinar que Deus imps a inferioridade e a sujeio da mulher. Os telogos (homens) foram acusados pelas primeiras feministas de ignorarem as passagens bblicas que do suporte igualdade feminina, torcendo-as para o seu prprio interesse. A doutrina da liderana da Igreja que exclua as mulheres do ministrio foi, portanto, apresentada como um subproduto de um estudo amputado das Escrituras. No h Diferena entre Homem e Mulher A tese maior proposta pelas feministas crists no incio dos anos 60 era idntica s teses do feminismo secular: no h diferena entre homem e mulher. As feministas argumentaram que concernente s emoes, psique e intelecto, no h demonstrao vlida de diferenas entre mulheres e homens. Qualquer aparente diferena resulta nica e exclusivamente de condicionamentos culturais e jamais de fatores biolgicos. Portanto, tendo em vista a igualdade dos sexos, as feministas crists reclamam que a mulher deve ser posta em posies de plena liderana dentro de casa e na Igreja em igualdade com os homens. O primeiro passo do movimento feminista dentro da Igreja foi a ordenao das mulheres para os ofcios eclesisticos e este foi somente o primeiro passo. A ordenao das mulheres requer o desenvolvimento de uma nova teologia, de uma nova viso sobre Deus, sobre a Bblia, o culto e o mundo. A teologia deve se redefinir, alinhando-se com o ponto de vista feminino. Foi o prximo passo dado. Desenvolvimentos Posteriores da Teologia Feminista Uma teologia inteiramente nova deveria ser buscada, portanto, baseada na experincia e na interpretao da mulher. Um novo desenvolvimento teolgico era necessrio para dar suporte ordenao feminina. Esta nova teologia se moveu em vrias direes. Veremos que ordenao feminina apenas um item de uma agenda muito maior e mais radical. Reinterpretao da Sexualidade Feminina Rejeitando a definio de feminilidade e dos papis femininos que lhes foram impostos pelos homens e pela mentalidade patriarcal dominante, uma parte significativa das ativistas radicais demandaram uma nova definio destes itens que partisse de outro referencial. A concluso a que chegaram foi que a prpria mulher o melhor referencial para sua autodefinio. E na caminhada desta nova descoberta, ela deve se descobrir em relao com outras mulheres e no com o homem. preciso registrar que no foram todas as feministas que

concordaram com este novo passo. Na dcada de 70, movimentos radicais em prol do lesbianismo passaram a identificar sua misso e propsito com o movimento feminista em geral. Foi aqui que o lesbianismo entrou no movimento feminista cristo mais radical como elemento chave na reinterpretao da mulher, sua feminilidade, espiritualidade e papis. A maior contribuio para a entrada do lesbianismo no movimento feminista foi dada pela lder feminista Kate Millet, que publicamente admitiu ser lsbica, aps escrever o livro Sexual Politics, best-seller publicado em 1970. O fato ganhou divulgao mundial mediante reportagem da revista Time naquele mesmo ano. Surgiram dentro das igrejas grupos de lsbicas crists pressionando para a ordenao de mulheres, de lsbicas, a celebrao do casamento gay e aceitao de homossexuais e lsbicas ativos como membros comungantes. Reinterpretao Feminista da Bblia A teologia feminista veio a ser profundamente afetada pela hermenutica ps-moderna, a qual ensina que a escrita e a leitura de qualquer texto so irremediavelmente determinadas pelas perspectivas sociais e experincias de vida dos seus autores e leitores. A esta altura, j se havia abandonado o conceito da inspirao e infalibilidade da Bblia. Empregando-se este princpio na leitura da Bblia, as feministas crists concluram que a mesma um livro machista e reflete o patriarcado dominante na cultura israelita e grega daquela poca. A Bblia o livro de experincias religiosas das mulheres e dos homens, judeus e cristos, mas seu texto foi formado pelos homens, adultos e instrudos. Poucos textos foram escritos por mulheres. Como resultado, os autores freqentemente enfatizaram somente o papel dos homens. Eles contaram a histria de todo o povo a partir de sua expectativa masculina. Desenvolveram a viso patriarcal da religio a ponto de transformar Deus um puro esprito sem gnero em um ser masculino! E que este Deus sempre escolheu homens como profetas, sacerdotes e reis porque os homens so melhores ou mais fortes moralmente do que as mulheres! As feministas radicais propuseram, assim, uma reinterpretao radical da Bblia partindo da tica delas. Propuseram tambm que as mulheres aprendessem a examinar as leituras feitas na tica patriarcal e a impugnar qualquer interpretao distorcida pelo machismo. De acordo com elas, a interpretao tradicional da Bblia sempre foi masculina pois o masculino era tido como universal. Hoje, essa leitura ideolgica incomodava muitas mulheres e homens nas igrejas. Elas passaram ainda a defender a publicao de verses bblicas onde o elemento masculino fosse tirado da linguagem. Estas verses, chamadas de linguagem inclusiva no deveriam mais se referir a Deus como Pai e deveriam chamar Jesus de a criana de Deus em vez de Filho de Deus. J existem dezenas de verses bblicas assim no mercado mundial. Algumas feministas ainda mais radicais declararam que a Bblia no confivel e que as histrias das mulheres de hoje precisam ser adicionadas ao cnon da Bblia. Reinterpretao do Cristianismo Como resultado desta nova leitura da Bblia, orientada contra todo elemento masculino e contra o patriarcalismo, as feministas propuseram uma reforma radical no Cristianismo tradicional. A ordenao de mulheres apenas um pequeno aspecto deste projeto. Na concepo delas, a verdadeira religio deve conter elementos que reflitam o poder e a cooperao das mulheres, cuja principal caracterstica gerar a vida. Assim, mui naturalmente, as feministas adotaram e cristianizaram os antigos cultos pagos da fertilidade, que celebram os ciclos da natureza, as estaes do ano, a fertilidade da terra, as colheitas e a gerao da vida. Os cultos seguem temas litrgicos relacionados com as estaes do ano. Este novo Cristianismo feminino entende que a mulher mais apta que o homem para estabelecer e conduzir a religio, pois enquanto o homem, guerreiro, mata e tira a vida, a mulher gera a vida. Aquela que conduz a vida dentro de si mais adequada para definir a religio e conduzir seus cultos. Reinterpretao de Deus

O passo mais ousado dado pelo movimento feminista cristo radical foi a "reinveno de Deus". Mais de 800 feministas, gays e lsbicas do mundo inteiro reuniram-se nos Estados Unidos em 1998 num Congresso chamado Reimaginando Deus. Os participantes chegaram a concluses tremendas: o verdadeiro deus de Israel era uma deusa chamada Sofia, que os autores masculinos transformaram no deus masculino Jav, homem de guerra. Jesus Cristo no era Deus, mas era a encarnao desta deusa Sofia, que a personificao da sabedoria feminina. Esta deusa pode ser encontrada dentro de qualquer mulher e identificada com o ego feminino (na foto, capa de livro publicado sobre o assunto). No Congresso celebraram uma Ceia onde o po e o vinho foram substitudos por leite e mel, e conclamaram as igrejas tradicionais a pedir perdo por terem se referido a Deus sempre no masculino. Amaldioaram os que so contra o aborto e abenoaram os que defendem os gays e as lsbicas. Concluso A leitura das origens e desenvolvimentos do movimento feminista, tanto o secular quanto o cristo, deixa claro que a ordenao de mulheres ao ministrio apenas um item da agenda muito mais ampla dos feministas radicais dentro da igreja crist. claro que nem todos os que defendem a ordenao de mulheres concordam com tudo que se contm na agenda do movimento feminista cristo. preciso deixar isto muito claro. Conheo pessoalmente diversos irmos preciosos que so a favor da ordenao de mulheres ao pastorado mas que repudiam as demais teses do movimento feminista radical. O que estou descrevendo aqui principalmente a postura dos radicais dentro do feminismo evanglico. Entretanto, no se pode deixar de notar a semelhana notvel entre muitos dos argumentos usados para defender a ordenao feminina e aqueles empregados na defesa do homossexualismo nas igrejas, das verses feministas da Bblia e mesmo da reinveno de Deus e do Cristianismo.