a arte moderna educa - revista de estudos pedagogicos 1944

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7/23/2019 A Arte Moderna Educa - Revista de Estudos Pedagogicos 1944 http://slidepdf.com/reader/full/a-arte-moderna-educa-revista-de-estudos-pedagogicos-1944 1/174 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUD OS PEDAGÓGICOS  Vol. II  Outubro, 1944  N.° 4 SUMÁRIO  Pags. Editorial .......................................................................................................................... .......................................................................................................................... 3  Idéias e debates:  AUL BRIQUET — Instrução pública na Colônia c no Império (1500-  1889) ..................................................................................................................... ................................................................................................................... 5 DONALD PIERSON — Estudo e ensino da sociologia ...................................................... 21  CARLETON WASHBURNE — A pesquisa na educação.....................................................  65  JACYR MAIA — Provas para seleção de calculistas........................................................  70  CELSO ELLY e LOURENÇO FILHO — A "Arte Moderna" educa?..................................  79  Documentação:  Movimento geral do ensino no período de 1932 a 1942 ............................................... 83  X Congresso Brasileiro de Geografia ..........................................................................  101  Bibliografia Pedagógica Brasileira (1941 e 1942) ...................................................... 108  Vida educacional: A educação brasileira no mês de julho .........................................................................  1.54  Informação do país .......................................................................................................  145  Informação do estrangeiro .............................................................................................  148  BIBLIOGRAFIA : The education of the adolescent;  Raul Briquet, Palestras e conferên cias; Isaias Alves, Dados de psicologia da criança ................................................. 150  ATRAVÉS DAS REVISTAS E JORNAIS : Ensino e democracia; Costa Rêgo, O aperfeiçoamento do ensino indus trial ; Congressos de diretores de ensino; Sylvio Rabello, A propó sito de escolas; Recenseamento universitário em Porto Alegre;  Renato Vieira de Melo, Um mestre; Os novos Territórios e a ta refa de educar; Ensino primário ............................................................................ 154  

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    R E V I S T A B R A S I L E I R ADE E S T U D O S P E D A G G I C O S Vol. II Outubro, 1944 N. 4

    S U M R I O

    Pags.

    Editorial ....................................................................................................................................................................................................................................................3

    Idias e debates:

    RAUL BRIQUET Instruo pblica na Colnia c no Imprio (1500-

    1889) .....................................................................................................................

    ................................................................................................................... 5

    DONALD PIERSON Estudo e ensino da sociologia ...................................................... 21

    CARLETON WASHBURNE A pesquisa na educao..................................................... 65

    JACYR MAIA Provas para seleo de calculistas........................................................ 70CELSO KELLY e LOURENO FILHO A "Arte Moderna" educa?.................................. 79

    Documentao:

    Movimento geral do ensino no perodo de 1932 a 1942 ............................................... 83

    X Congresso Brasileiro de Geografia .......................................................................... 101

    Bibliografia Pedaggica Brasileira (1941 e 1942) ...................................................... 108

    Vida educacional:

    A educao brasileira no ms de julho ......................................................................... 1.54

    Informao do pas ....................................................................................................... 145

    Informao do estrangeiro .............................................................................................

    148BIBLIOGRAFIA :

    The education of the adolescent; Raul Briquet, Palestras e confern

    cias;Isaias Alves, Dados de psicologia da criana ................................................. 150

    ATRAVS DAS REVISTAS E JORNAIS :

    Ensino e democracia; Costa Rgo, O aperfeioamento do ensino indus

    trial ; Congressos de diretores de ensino; Sylvio Rabello, A prop

    sito de escolas; Recenseamento universitrio em Porto Alegre;

    Renato Vieira de Melo, Um mestre; Os novos Territrios e a ta

    refa de educar; Ensino primrio ............................................................................ 154

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    REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGGICOS

    Atos oficiais:

    LEGISLAO FEDERAL :

    Decreto-Lei n. 6.785, de 11-8-944; Decreto n. 16.448, de 24-8-944;Portaria Ministerial n. 384, de 16-8-944; Portaria Ministerial n

    mero 385, de 16-8-944; Portaria Ministerial n. 386, de 16-8-944;

    Portaria Ministerial n. 387, de 17-8-944; Portaria Ministerial nmero 388, de 18-8-944 ...........................................................................................

    LEGISLAO ESTADUAL:

    Decreto-Lei n. 14.135, de 17-8-944, do Estado de So Paulo ......................................

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    ESTATSTICA E EDUCAO

    Quando os problemas sociais chegam perfeita maturao, exigemapresentao sob forma numrica rigorosa. Porque, desde a, passam do plano

    vago de suposies e hipteses para o terreno de realidades tangveis. Semdvida alguma, a preocupao do estudo estatstico, cm relao a cadaproblema, indica-nos a prpria atmosfera de idias em que ele se desenvolve eo nvel de progresso social atingido a seu respeito. Sem a verificao peridicados resultados e o confronto desses dados com os das necessidades da vidacoletiva, nenhuma obra de governo pode ter cabal direo. Sem ela, osobjetivos se diluem e, falta de certeza nos objetivos, no h plano nemmtodo. Trabalha-se. ento, sob o impulso da rotina, inspirao do acaso oudo arbtrio. Se a obra de grande amplitude como a da educao, perde todo ocarter de unidade ou sistema, fragmentada em iniciativas dispersas, seno svzes contraditrias. O que se passava em relao ao ensino brasileiro, emoutros tempos, parece muito ilustrativo a este respeito. Em 1907, houve, pelaprimeira vez. na repblica, a preocupao de levantar-se, de modo menoslacunoso, a estatstica geral do ensino no pas. Mas s dez anos depois osresultados desse trabalho viriam a ser publicados e, ainda assim, graas aosesforos de um devotado servidor do pas, o saudoso estatstico Oziel BordeauxRego. Entregue o ensino aos Estados, publicavam eles nmeros anuais,baseados em, levantamentos nem sempre perfeitos, sem ateno tambm a umasistemtica definida, que viesse tornar os dados comparveis entre si. Desde1932, essa situao mudou de modo completo. Criado o Ministrio daEducao, em fins de 1930, estabeleceu-se nele uma Diretoria Geral deEstatstica. Procedidos os trabalhos preliminares necessrios, instituiu-se, emdezembro do ano seguinte, o Convnio Interestadual de Estatsticas

    Educacionais. firmado entre a Unio e as unidades federadas. Passamos a ter,assim, desde 1932, levantamentos anuais absolutamente regulares e fidedignos,baseados em rigorosa sistemtica. E no, apenas, Ievantamentos re-

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    gulares e fidedignos. Tambm resultados conhecidos com a devidaoportunidade, para que possam servir de subsdio a uma poltica educacionaleficiente. Essa documentao no atesta somente o progresso obtido, mas

    fundamenta, por igual, maior progresso futuro. Cada resposta que a estatsticad a uma indagao de ordem social, ou novos informes que lhe acrescente,influem poderosamente como elemento de renovao e retificao dos planos emtodos em curso. Na estatstica. est. com efeito, implcita a noo deinvestigao e pesquisa, "isto" decorrendo "daquilo", "tais condies", "-taisresultados"... O mtodo estatstico no se limita contagem. Envida esforospara descobrir relaes, apontando, de modo objetivo, antecedentes econseqentes. O Ministrio da Educao no se tem limitado, por isso, aRealizar o trabalho de levantamento estatstico anual, coordenando e confron-tando os resultados dos sistemas estaduais do ensino. Tem. por vrios de seusrgos, procedido a trabalho de anlise e interpretao, baseado nos trabalhosregulares do Servio de Estatstica da Educao e Sade. No presente nmero,

    a REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGGICOS insere as tabelasgerais do movimento do ensino, no perodo de 1932 a 1942, e, seguidamente,publicar outros dados, sempre do maior interesse para o estudo objetivo daeducao brasileira.

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    Idias e debates

    INSTRUO PBLICA NA COLNIA E NOIMPRIO (1500-1889) (*)

    RAUL BRIQUET DaUniversidade de So Paulo

    Neste esboo, esforar-nos-emos em expor o que nos pareceu essencial

    para a apreciao sumria da evoluo do ensino oficial, primrio e secundrio,no Brasil, de 1500 a 1889.

    A) BRASIL-COLNIA

    Compungitivo quadro o que Moreira de Azevedo traou em 1892, dacivilizao brasileira, nos dois primeiros sculos da colonizao portuguesa."Portugal s queria que o Brasil produzisse ouro, prata, brilhantes e produtosnaturais. Embaraava o comrcio, no atendia indstria, mandava destruir osteares da capitania de Minas Gerais, e proibia os ofcios de ourives, lapidarios,gravadores e fundidores nas capitanias de Minas, Bahia, Pernambuco e Rio deJaneiro. Se matava a indstria no procurava tampouco despertar a atividade

    intelectual. No atendia cultura literria da colnia. No consentia quecirculassem livros nem quaisquer impressos, no tolerava que se estabelecessetipografia alguma, nem uma escola mandava criar onde se ensinassem oselementos rudimentares da instruo. E assim correram duzentos anos sem quepensasse o governo no cultivo literrio de seus povos da Amrica. Sepultado naignorncia, era governado o povo pelo despotismo, pelo temor, era pobre e oEstado rico, vivia abismado no embrutecimento e na misria. (2.141)

    Ressalta, portanto, a benemerncia dos Jesutas. Estes, nos sculos XVI eXVII, no obstante interessados especialmente no ensino

    (*) Colaborao destinada aoHandbook of Brazilian Studies.

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    secundrio e superior, ocuparam-se da instruo elementar da infncia e damocidade brasileira.

    Sculo XVI Das expedies jesuticas enviadas de Portugal ao Brasil,

    no sculo XVI, salientam-se as trs primeiras: de 1549, de 1550 e de 1553.Com Tom de Sousa, desembarcam, em S. Salvador, no ano de 1549, seis

    jesutas portugueses, dos quais quatro sacerdotes Padres Manuel daNbrega, Aspicuelta Navarro, Leonardo Nunes e Antnio Pires, e doisescolsticos Irmos Vicente Rijo ou Rodrigues e Diogo Jcome. Malchegados, fundam o Colgio (*) da Bahia. Em 1551. Vicente Rodrigues jensinava a ler, escrever e cantar a vinte meninos. Por isso, foi cognominado oprimeiro mestre-escola do Brasil; morreu no Rio, em 1600, havendo-sededicado durante meio s-culo evangelizao dos selvcolas.

    Opinam alguns que o mrito da criao da primeira escola no Brasil sedeva a Leonardo Nunes, que, em fins de 1549, estabeleceu, em So Vicente, o

    Abarebeb, onde se ensinavam a leitura, escrita. cantos religiosos, e noes devernculo e latim. No est provado que, no colgio da Baa, se houvesseensinado a ler e escrever antes dessa poca, de sorte que a Leonardo Nunescaberia as honras de pioneiro do ensino primrio no Brasil. (1, 9)

    Na segunda expedio, aportam, no ano de 1550, em So Vicente, quatrojesutas: Manuel Paiva, Afonso Braz, Francisco Pires e Salvador Rodrigues,acompanhados de sete "meninos rfos", para ajudarem a catequese.

    Vem com Duarte da Costa, em 1553, a terceira expedio. Trazia setemissionrios, dos quais trs padres portugueses: Lus da Gr, Braz Loureno eAmbrsio Pires, e quatro irmos: Jos de Anchieta. de Tenerife, e espanholAntnio Blasques, que abriu a primeira aula de latim, em 155.3, no Rio, e os

    portugueses: Joo Gonalves e Gre-grio Serro.Em 1552, existiam trs escolas de instruo elementar: a de S. Salvador, ado Esprito Santo e a de So Vicente, sendo que, nesta e na primeira, seaprendiam rudimentos de latim e portugus. Com a visita de Nbrega a S.Vicente, a escola mudada, em 1554, sob o

    (*) Colgio aqui tomado na acepo restrita de residncia ou casa dosJesutas.

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    nome de Colgio de S. Paulo, para Piratininga, "de melhor clima e por amordos ndios".

    Dos jesutas o mais culto, parece, foi Aspicuelta Navarro, o primeiro que

    estudou o tupi; noite, vertia, para essa lngua, hinos religiosos que distribuaaos alunos. (12, n. 4, 8)

    A alma da catequese em S. Paulo foi Anchieta, inexcedvel no zelo deapstolo e de mestre-escola. Sabia latim, espanhol, portugus e tupi. Na faltade livros, copiava as lies em cadernos. Redigiu a primeira gramtica delngua tupi-guarani. publicada cm Coimbra, em 1595, sob o ttulo Arte deGramtica da Lngua mais Usada na Costa do Brasil. Essa obra foi melhorordenada e simplificada pelo Pe. Lus Figueira; dela se tiraram sete edies acontar da primeira. de 1621, at ltima, fac-similada. em 1878.

    Anchieta redigiu oDicionrio ou Vocabulrio da Lngua Tupi tal qual erafalada em S. Paulo no sculo XVI; a epstola Quam plurimarum Rerum

    Naturalium (1560) sobre as principais coisas que observou na capitania de SoVicente (clima, animais, plantas, doenas, costumes, etc). Redigiu em latim,um Poema Virgem Santssima De Beata Virgine dei Matre Mariatraduzido, em 1940, pelo jesuta Armando Cardoso, de S. Paulo. Teria sidoescrito nas praias de Ipiroig. Anchieta narra em 5.784 versos os episdios davida de Nossa Senhora, da Concepo Assuno. (8, 379)

    Os aborgenes foram sempre emocionveis pela melodia. Os padrespediam remetessem de Portugal meninos que tocassem flauta, gaita, nsperas(campainhas com badalo que se entrechocavam), ferri-nhos com argohnhasdentro, e pandeiros com soalhas. (13, 624)

    Socorriam-se da msica sob a forma de canes, melodias religiosas, paratornar a alma infantil mais sensvel doutrina crist. "Com a mus ca e aharmonia, afirmava Nbrega, atrevo-me a atrair para mim os ndios daAmrica". Introduziram representaes teatrais que se faziam, em geral, noadro das igrejas. Anchieta comps vrios autos, dos quais merecem meno ointitulado a Pregao Uni-versal, em versos portugueses e tupis,representado em Piratininga, no ano de 1575, e o Rico Avarento e o LzaroPobre, levado cena em Recife, nesse mesmo ano. (2, 143)

    Funda-se em 1575, o Colgio de Olinda. Lus da Gr d lies de latim ede "casos" ou seja de teologia moral, em que se discutem atos, virtudes evcios. Da a pouco, lia-se o segundo livro da Eneida, e j o Bispo D. PedroLeito vinha argumentar com os estudantes

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    brasis, iniciando, desse modo, o cerimonial dos "atos pblicos", que tomirificamente se desenvolveu nas formalidades de exames, oficiais eparticulares.

    No Colgio da Bahia e no de Olinda conferia-se, ao termo do curso, ograu de mestre em artes.Ao fim do sculo XVI, contavam-se vinte ncleos de populao (cidades,

    vilas, povoaes e aldeamentos), com 100.000 mestios e ndios catequizados,e 25 a 30.000 europeus. Como se v, os esforos didticos so exclusivamentedos inacianos, que se adaptam admiravelmente s condies materiais do meioe psicolgicas dos alunos.

    Sculo XVII Os fatos predominantes so a invaso holandesa, comMaurcio de Nassau, e a reao nativista correspondente.

    Carlos Silveira lembra que, assim como o sculo XVI poderia serchamado de Anchieta, quanto obra educativa no Brasil, tambm poderia o

    XVII denominar-se sculo de Nassau. Com efeito, esse grande estadista trouxeconsigo uma "expedio" mais cientfica do que militar. Dela participou onaturalista Macgrave (J.), que formou riqussima coleo de exemplares dafauna do norte do Brasil, sendo prodigiosa a soma de dados reunidos naHistria Rerum Naturalium Brasiliae. Deve-se a Piso, G. a obraDe MedicinaBrasiliensi, em que compendiou observaes preciosas sobre doenas eenfermidades da terra. Figurava na comitiva o grande paisagista FranciscoPost.

    Logo que desceu em Pernambuco, Nassau fundou a cidade, do-tando-a,sem demora, de uma escola, do jardim pblico e de um observatrioastronmico.

    A primeira criao oficial de Portugal, de carter instrutivo, a de umaaula de artilharia e arquitetura militar na Bahia, em 11 de janeiro de 1699, eoutra, em S. Lus do Maranho, a 15 do mesmo ms e ano. Com isso, ogoverno central objetivava to s instruir a milcia na defesa das costas. Note-se que a primeira escola de artilharia, em Frana, se fundou em 1690.

    Sculo XVIII A terceira aula decretada pela metrpole, em 1738, ainda de artilharia, no Rio.

    Nessa cidade, criam-se, em 1739, dois Seminrios para rfos, o de S.Jos e o de S. Pedro. Naquele, os alunos aprendiam latim, filosofia, teologiamoral e dogmtica, liturgia e cantocho; neste, as primeiras letras, doutrinacrist, latim e msica. Muda-se, em 1756, o Seminrio de S. Jos, para um

    prdio junto igreja de S. Joa-

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    quim e, da, o nome que teve at a reforma de Bernardo de Vasconcelos, de1837, quando passou a chamar-se Colgio Pedro II.

    Antnio Isidoro da Fonseca, cognominado por Jos Verssimo (14), o

    patriarca da imprensa no Brasil, organiza em 1747, no Rio, com autorizao deGomes Freire, uma tipografia que chegou a publicar alguns opsculos. Sabedordo fato, o governo central manda destru-la e remeter para Portugal, "por contae risco dos donos", os tipos de imprensa, vedando toda e qualquer publicao, ecominando a pena de priso para o reino. (2, 144)

    Fundam-se o Seminrio do Par, em 1749, o de Mariana, em 1750, e odo Maranho, em 1751.

    Em 3 de maio de 1759, os Jesutas so expulsos de Portugal e Brasil,surgindo ento escolas de Beneditinos, Carmelitas e Francisca-nos que, naopinio de Moreira Azevedo, no chegaram ao grau de adiantamento quanto aomtodo, ensino e regularidade dos padres de Jesus.

    Para cobrir as despesas do ensino pblico, estabelece a lei de 10 de

    novembro de 1772, o subsdio literrio, imposto sobre carne verde, vinho,vinagre e aguardente, que, no Rio, cobrado em 1773. Era exgua a receitadele, pois no alcanava, na Bahia, p. ex., o sufi ci -ente para pagar oprofessorado pblico. (11,465)

    Escolas ou Aulas Regias Criam-se, em 1774, no Rio a aula regia defilosofia, e, em So Joo dei Rei, a de latim.

    O Vice-Rei D.Lus de Vasconcelos funda, em 1782, no Rio. a Escola deRetrica e Potica, cuja direo confia ao poeta Manuel Incio da SilvaAlvarenga; nela se prepararam oradores sacros, sali-entando-se dentre elesMonte Alverne.

    Abre o mesmo Vice-Rei, em 1782, o Gabinete de Histria Natural, que

    possua cerca de mil exemplares empalhados. Chamado pelo povo Casa dosPssaros, dele se originou o atual Museu Nacional, institudo por D. Joo VI,em 6 de junho de 1818.

    () Conde de Resende, novo Vice-rei, pede ao Dr. Manuel Joaquim deSousa Ferraz, cultivador de plantas medicinais, "em uma horta contgua aohospital militar, no morro do Castelo", que apresente projeto para a criao deum jardim de plantas medicinais. O plano remetido para o reino em 1795. Ogoverno portugus nega licena. alegando que viria prejudicar o comrcio como Oriente, e "ordenando que se arrancassem todas as plantas inditicas quehouvesse no Brasil, sob pena capital para aqueles que as cultivassem". (2.150)

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    E' fundado, em l789, o Seminrio de Olinda, que se inaugura era

    Em 1792. havia uma nica livraria no Rio de Janeiro, que s dispunha de

    obras de teologia; fora disso, um vendedor de obras de me-dicina portuguesa.(5.93). Em contraste, surgiam, no Rio, as Acade-mias dos Esquecidos (1724),dos Felizes (1736), dos Selectos (1762) e, na Bahia, a dos Renascidos (1759),todas de vida efmera, e que no contriburam para a educao do povo.

    No ano de 1799, criam-se, em Pernambuco, as cadeiras de aritmtica,geometria c trigonometria. (9 , I, 31)

    O ensino, no Rio, em fins do sculo XVIII, compreendia oito aulas: umade filosofia, outra de retrica, uma de grego, trs de latim e duas de instruoprimria.

    Concluses. O ensino pblico, no perodo da Colnia, caracteriza-se: a)pela indiferena completa da metrpole no tocante vida espiritual do Brasil,

    indiferena talvez excusvel se se atender ao fato de que o ensino pblico emPortugal s foi objeto de cogitao sria do governo, por parte do Marqus dePombal, no fim do sculo XVIII. Toda a diligncia instrutiva, at ento,limitava-se a algumas aulas de fortificaes; b)pela ao supletiva dos jesutasque difundiam o ensino primrio e o secundrio; c) pela criao de escolas ouaulas regias, que no obedeciam a nenhum plano preestabelecido; esparsas eavulsas, nelas se ensinavam matrias (filosofia, retrica, etc) que maisconstituem o remate do que as bases da instruo pblica; d) pelodesenvolvimento do ensino religioso com a fundao de seminrios.

    B) BRASIL-REINO

    Por carta regia, Manuel Dias de Oliveira nomeado, em 1808, professorde desenho e figura; deve-se-lhe o incio do ensino do desenho do n, noRio de Janeiro.

    No comeo do sculo passado era impressionante o estado de ignornciado povo, porquanto as poucas escolas que existiam miravam antes de tudo formao religiosa. Southey, na Histria do Brasil, declara que no raro umsertanejo abastado solicitar que lhe tragam, de algum porto de mar, umportugus de bons costumes, que saiba ler e escrever, para se casar com a filha.(2, 152)

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    A chegada de D. Joo VI foi benfica para o surto o cultural doBrasil. Em 1808. recomenda ao cirurgio-mor --- Jos Correia Picanoa instalao, em S. Salvador, de um curso de Cirurgia, quese inaugura

    em maio de 1816.Ainda em 1808, o General Francisco Borja Garo Stockler apre-senta um

    projeto de reforma, segundo o qual o ensino seria dividido em quatro graus,projeto que lembra o plano de Condorcet primeiro grau, ministrado empedagogia,porpedagogos, onde se ensinariam os conhecimentos necessrios atodos os cidados, seja qual fr a profisso e estado social; segundo grau cm institutos, por instituidores, no qual se desenvolveria o estudo da matriaanterior, alm dos conhecimentos necessrios a agricultores, artistas ecomerciantes; terceiro grau liceus, regidos por professores, onde seaprenderiam conhecimentos introdutrios para p estudo aprofundado dascincias e que abrange todo gnero de erudio; quarto grau, academia, ondeos lentes lecionariam cincias puras e aplicadas nas suas relaes com a ordemsocial.

    Tambm em 1808 cria-se a Academia de Guardas-Marinhas; instalada aImpresso Regia, e o Governo inicia a publicao da Gazeta do Rio deJaneiro,primeiro peridico impresso no Brasil.

    No ano seguinte, o intendente de policia do Rio probe que se anuncie ouponha venda toda e qualquer obra sem prvia licena, sob pena de multa epriso. (2, 154)

    Franqueia-se ao pblico, em 1810, a Biblioteca Nacional, formada com asobras e manuscritos da Biblioteca da Ajuda dos reis de Portugal, e trazida parao Brasil por D. Joo VI. (5, 142). E' fundado o Jardim Botnico, cujo plano do botnico ingls Kancke, sob o nome de Real Jardim da Lagoa de Freitas.

    (9, I, 68).Em 4 de dezembro de 1810, estabelece-se a Academia Militar.

    Compreendia o ensino de doze cadeiras, com sete anos de curso; em 1858passou a chamar-se Escola Central; em 1874, Escola Politcnica, e, hoje, aEscola Nacional de Engenharia.

    No ano de 1811, o Pe. Felisberto Antnio Figueiredo Moura abre, no Rio,um colgio em cujo programa figuravam o portugus, o latim, o francs, oingls, a retrica, a aritmtica, o desenho e a pintura. Pelo aviso de 8 de julhode 1821, ficavam os seus alunos isentos de priso e recrutamento. Tais favores,ainda nesse ano, foram estendidos a todos os alunos matriculados em escolaspblicas, uma vez que provassem freqncia, aproveitamento e aplicao.

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    A qumica merece ateno do Governo que institui, na Bahia, em 1815, acadeira de qumica, confiada a Sebastio Navarro de Andrade, j havendoestabelecido, no Rio, em 1812, o Laboratrio Qumico-Prtico. (9, I, 62-63)

    Chega em 1816 a Misso Artstica Francesa, ncleo com que se inaugura,no ano de 182G, a Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e ArquiteturaCivil.

    Criam-se duas aulas regias, uma de desenho e retrica, em Vila-Rica, aos7 de maio de 1817, e outra de msica, na Bahia, em 30 de maro.

    O Prncipe Regente, em 19 de maio de 1821, restabeleceu o Seminrio deS. Joaquim, extinto por D. Joo VI, em 1818, restituindo-lhe os bens tomadosnessa poca. Em dezembro de 1821, so dispensados de ponto os funcionriosdo Tesouro Nacional que, durante as horas de aula, freqentem as escolas decomrcio. Suprimiu-se igualmente a censura prvia de originais a serempublicados, cabendo ao editor a responsabilidade, em caso de abuso deliberdade de imprensa, e permitiu-se o despacho livre de direitos aduaneirospara li vro s. (2. 158).

    Em 17 de maio de 1821, criada, na cidade de Paracatu, em Minas, acadeira de retrica e filosofia.

    Concluso. No reinado de D. Joo VI no melhorou o ensino popular.Criaram-se, no h dvida, escolas de grau superior, sem, todavia, ciment-lassobre o slido ensino primrio e secundrio. Desse vcio de estruturaeducacional ressentiam-se, tambm, muitas naes cultas da poca.

    C) BRASIL-IMPRIO

    Proclamada a independncia, a educao nacional foi matria, naConstituinte de 1823, de debates que visavam especialmente a organizao deuniversidades no pas. Discutia-se no s o nmero delas, se uma, duas ou trs,mas tambm a localizao respectiva. Dessas tentativas de ensino universitrio,o Parlamento contentou-se com a fundao, no ano de 1827, dos CursosJurdicos de Olinda e So Paulo.

    O Pe. Belchior Pinheiro de Oliveira, representante de Minas Gerais,prope que se confira o ttulo de Benemrito da Ptria e a Condecorao daOrdem do Cruzeiro a quem apresentar, at o fim da-

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    quele ano de 1823, o melhor trabalho sobre educao fsica, moral eintelectual para a mocidade brasileira. (9, I, 75)

    A Comisso de Instruo Pblica pede, sem resultado, que se mande

    publicar, por conta do Governo, a memria do Deputado Martim FranciscoRibeiro de Andrada Machado, acerca da "Necessidade de uma Instruo Gerale mais Conforme com os Deveres do Homem na Sociedade; Insuficincia daAtual". Nessa monografia, o ilustre paulista faz consideraes sobre os trsprimeiros graus da instruo comum, mtodos pedaggicos, compndios,mestres e importncia de um diretor de estudos. (9, I, 119 e 147)

    Merece referncia o projeto de Janurio Cunha Barbosa (1826), para areforma do ensino nacional. Sugeria a inspeo escolar, a fundao do InstitutoImperial do Brasil, nos moldes do Instituto de Frana, com quatro classes:cincias matemticas, naturais, sociais, literatura e belas-artes. Vedava toda equalquer alterao no sistema de instruo pblica, durante seis anos, a fim de

    se evitarem "modificaes que no fssem ditadas pela experincia e madurareflexo". (9, I. 166-67, 17'))

    A primeira lei sobre a instruo pblica de 15 de outubro de 1827;estabelece o ensino mtuo; o programa inclua a leitura, escrita, as quatrooperaes, fraes, sistema decimal, propores, geometria prtica, lnguanacional, religio, e leituras sobre a constituio e histria do Brasil. (9 I,189)

    O Ato Adicional de 1834 transfere s Provncias o privilegio de legislar arespeito da instruo pblica, reservando-se o Governo Central o ensino emseus vrios graus na capital do pas, e o superior no Imprio. Esse ato a fontedo malefcio em que tem vivido o ensino primrio em grande parte do territrio

    nacional.Funda-se, em 1835, a primeira Escola Normal do pas, na cidade de

    Niteri, sendo o exemplo seguido pela Bahia, em 1842, e por S. Paulo e Rio deJaneiro, no ano de 1880.

    Em janeiro de 1838, o Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelosregulamenta o Colgio Pedro II, organizado, em 2 de dezembro de 1837, pelaconverso do Seminrio S. Joaquim. O curso era de oito anos, com classes de30-35 alunos, e, pela primeira vez, as matrias do ensino secundrio obedeciama uma seriao lgica. Nesse ano, Bernardo de Vasconcelos mostra que oensino mtuo, ou de Lencaster, que se havia ensaiado desde 1823, no deraresultado "por se limitar a

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    uma grosseira instruo". E' vibrante o discurso proferido na Cmara. em1847, por Torres Homem, contra tal prtica didtica.

    A aula oficial de lngua alem criada em 1840, sendo, em 1841. o curso

    secundrio reduzido a sete anos,Justiniano Jos da Rocha, em relatrio (1851) sobre o ensino secundrio

    na Corte, aponta como uma das causas do acanhamento nos estudos afacilidade com que se permitem transferncias de alunos de uma escola paraoutra, por fteis pretextos, e quebrando assim a continuidade de esforos, asinergia de vontades e a simpatia mtua entre professores e discpulos. Almdisso, os pais s se preocupam com a habilitao dos filhos para a matrculanos cursos superiores. Impressiona-se igualmente com a "fome de empregopblico no Brasil que, na verdade, desanima e atribui tal fato a no estaremdevidamente preparados para nutras profisses que consultem a economiasocial". (9, I. 309-311, 319)

    Das reformas do ensino secundrio do Governo Imperial, a maisinteressante , sem dvida, a de Lus Pedreira Couto Ferraz, mais tardeVisconde do Bom Retiro, decretada em 1851 e regulamentada em 1854. Noensino primrio institua as escolas do primeiro grau e as do segundo grau ouprimrias superiores. O curso secundrio continuava a ser de sete anos. Oaluno reprovado tinha de repetir o ano. No havia transferncia, sendo o alunoobrigado a aguardar o prazo de um ano, a fim de revalidar a matrcula. Deveriater doze anos na admisso e no mais de dezoito ao cursar o stimo e ltimoano do Colgio Pedro II. (9, II, 29)

    Projeto Paulino de Sousa. Embora no convertido em lei, o projeto dePaulino de Sousa, filho do Visconde de Uruguai. Ministro do Imprio em 1869

    e 1870, deve ser mencionado. Paulino de Sousa lembra que no bastam leis; mister que sejam cumpridas e para tanto indispensvel a constante vigilnciado Governo Central. Lamenta a falta de continuidade administrativa, e ainterferncia de polticos na obra educacional da nao. O reformador tem dese aprofundar no conhecimento da ndole do pas e esclarecer-se, por longaexperincia, de sorte que o sistema educacional que preconiza seja aquele quemelhor se ajuste s circunstncias peculiares. (9, II, 98)

    O ensino primrio deve representar o escopo supremo do educador, no spor ser a base do secundrio e do superior como tambm por constituir aeducao da maior parte da populao. Deseja o funciona-

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    mento das escolas primrias superiores criadas por Couto Ferraz, mas que noforam instaladas. O Brasil, assinala ele, o pas do mundo que menos gastacom o ensino pblico, agravando-se a situao com a falta de iniciativa

    individual por no termos o hbito das associaes, para fins de utilidadepblica. Embora o Ato Adicional atribua s Provncias a tarefa de promover oensino secundrio, nada impede que o Governo Central venha em socorro dasProvncias impossibilitadas de custearem escolas pblicas, pois a ignorncia ouinsuficincia da instruo elementar uma calamidade pblica a que o poderimperial deve acudir, (9, II. 113)

    Recorda, ainda, que o fim do ensino secundrio no habilitar para admisso aos cursos superiores seno o de enriquecer o esprito da aluno comconhecimentos de utilidade varivel, mas indispensveis formao doverdadeiro cidado.

    Projeto Joo Alfredo. Paulino de Sousa foi substitudo por Joo Alfredo, que

    logo, em 1871, entrou com um projeto, tambm inaprovei-tado, de

    obrigatoriedade do ensino primrio, instalao de escolas primrias do segundo

    grau e criao de uma escola profissional primria em cada municpio. No ano

    de 1873 tm incio as Conferncias Pedaggicas que, em 1883. j subiam ao

    nmero de cinqenta. Exames preparatrios. O nmero de alunos matriculados

    nas escolas superiores, com curso regular do Colgio Pedro II, era diminuto

    relativamente ao daqueles que se matriculavam com certificados dos chamados

    exames preparatrios. Esses asseguravam o funcionamento regular das escolas

    superiores. Em 1850, foi expedido um decreto que regulava o processo desses

    exames, a ttulo provisrio, mas que vigorou perto de oitenta anos.

    At o ano de 1873, tais preparatrios, tambm denominados parcelados,por no obedecerem a seriao alguma de matrias, s se faziam nas capitais,onde existiam Cursos Superiores, isto , no Rio, Bahia, S. Paulo e Olinda,Nessa data, porm, o Governo autoriza que sejam realizados nas capitais dasProvncias, e fcil avaliar os malefcios decorrentes.

    S em 1869 que se tornou obrigatrio o exame de portugus paramatricula nos cursos superiores, sendo que tal exigncia comeou a vigorar de1871 em diante. (9, III, 95).

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    O princpio saneador dos exames parcelados, que o exame de madureza,s foi observado na Repblica, de 1898 a 1900, continuando depois o regime depreparatrios.

    Reforma Lencio de Carvalho. Em 1878 decretada essa reforma,. altima do Imprio e que vigorou at de Benjamin Constant, de 1890.Caracteriza-se pela liberdade do ensino secundrio e superior, critrio esse queculminou na reforma de Rivadvia Correia, de 1911. Exigia, porm, aobrigatoriedade do ensino primrio para as crianas de ambos os sexos, de 7 a14 anos, salvo se os pais provassem que davam aos filhos convenienteeducao. (9, II, 184)

    O ensino elementar, alega o Ministro, uma defesa do indivduo e dasociedade. Estabeleceu jardins de infncia, escolas primrias mistas,bibliotecas, museus escolares, conferncias pedaggicas, e o auxlio federal sescolas normais das provncias, que teriam anexadas uma e mais escolas

    primrias.Se a liberdade aplicada ao ensino secundrio e superior doutrina

    louvvel do ponto de vista terico, comenta Pires de Almeida, o apro-veitamento prtico dele depende direta e estritamente do critrio daoportunidade da sua aplicao, das condies de cultura e desenvolvimentointelectual do povo, capaz de compreender o alcance dessa medida. O mal dareforma Lencio de Carvalho, da liberdade do ensino superior, que no bastainscrever a doutrina nas leis, sendo mister que a inovao se harmonize com otemperamento e costumes da populao. E a tradio salutar, no Brasil, temsido a orientao oficial, segura, prudente, discreta e desinteressada. (1, 658-659)

    Projeto Rui Barbosa. Dos planos apresentados depois da reforma deLencio de Carvalho at a proclamao da Repblica, o de Rui Barbosa o quedeve reter a ateno.

    Consta de dois pareceres e projetos, o de 1882, sobre o ensino secundrioe superior, e o de 1883 acerca do primrio. Neles, mormente no ltimo, o autordesenvolve circunstancialmente a matria, demonstrando ter-se ocupado comcarinho do assunto.

    Lembra ele que o problema da Educao Nacional deve exigir sacrifciosfinanceiros iguais aos de tempo de guerra. Se neste se combate o adversriotemporrio, naquele combatem-se dois adversrios perenes a ignorncia e asuperstio. (3, 4)

    "Bem orientada, a educao constitui uma alta fonte reprodutiva dossacrifcios financeiros que impe. A produo est na razo direta

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    da inteligncia humana que dinamiza a matria prima; portanto, tanto maisaperfeioados os instrumentos da conquista da cincia e da arte, que so osaber e a tcnica, e tanto mais belos os frutos colhidos na educao dos povos.

    Pequenas transfuses, pequenssimas, no levantam as foras do doente, noaumentam a resistncia do organismo combalido por mais de um sculo decontemporizaes". (4, 40 e 43)

    Rui discorre a respeito da metodologia do ensino primrio e dosecundrio. Reprova a bifurcao entre o ensino humanstico e o cientfico. (3,9)

    No tocante ao ensino primrio, vota Rui pela obrigatoriedade dele, umavez que este s pode ser dispensado para os povos que atingiram certo grau deevoluo e tenham conscincia dos deveres sociais. Naturalmente, demandaisso trabalho persuasivo, pois que "a fora impotente para fundar qualquercoisa", e a lei, to s, inoperante. (4. 105). Quanto ao ensino secundrio esuperior, a liberdade deve ser ampla, devendo a fiscalizao oficial limitar-se verificao do cumprimento real dos requisitos morais e das instalaes doestabelecimento.

    Em 1883. inauguraram-se, no Rio de Janeiro, a Exposio Peda-ggica eo Congresso de Instruo com duas sees: uma destinada ao estudo dosproblemas do ensino primrio, secundrio e profissional, e a outra aos doensino superior.

    Dos colgios brasileiros sobreelevaram-se, alm do Pedro II, no Rio, oCaraa, em Minas, e o S. Luis, de It.

    Localizado em S. Francisco de Paula, a 40 km. de Ouro Preto, o Caraafoi fundado em 1821, sendo o primeiro reitor dele o lazarista D. AntnioFerreira Vioso, mais tarde Bispo de Mariana. O primeiro perodo do colgio

    encerra-se com a revoluo de 1842. Em 1856, os lazaristas franceses assumema direo, culminando a fama do estabelecimento de 1867 a 1885, sob a reitoriado Pe. Jlio Clavelin, considerado, por alguns, como o maior educador doBrasil. Em 1900, estava em declnio a instituio que tanta honra e glriaderramou por sobre Minas Gerais. (6, 151 e 161)

    O So Luis, de incio, era um internato fundado, em 1867, na cidade deIt, pelo Pe. Jos de Campos Lara, e que l prosperou at 1917, data em que foitransformado em externato e transferido para a capital de S. Paulo. Teve e temgrande renome, podendo-se considerar o So Lus e o Caraa os maisreputados colgios do Brasil no perodo imperial.

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    Concluses. Esquemticamente, o ensino pblico no Imprio, define-se: a)pela falta de um plano nacional de educao, de sorte que os vrios graus deinstruo no se desenvolviam como um todo orgnico; b) pela

    descontinuidade administrativa, no prestigiando os Ministros do Imprio, porvia de regra, a obra dos antecessores; c)pela verba insignificante destinada aoensino primrio e secundrio; d) pela assinergia de ao entre o PoderLegislativo e o Executivo, donde valiosos projetos de representantes da Naoque no foram objeto de debate no Parlamento; e) pela insuficincia do ensinoprimrio; f) pela liberdade do ensino secundrio, decretada em 1878, eprematura para um pas que ainda no tinha consagrado, como ponto pacfico, ocarter fundamental do ensino secundrio, at ento, destinado quase s, aencaminhar alunos para os cursos superiores.

    BIBLIOGRAFIA SELETIVA

    1. ALMEIDA PIRES DE, J.R.: L'INSTRUCTION PUBLIQUE AU BRS1L.Histoire et Lgislation. Rio. Leuzinger. 1889. 1.102 pgs.

    Redigida por um mdico, em lingua francesa, obra meritria pela variedadede dados e probidade expositiva. Tem, por vezes, preferencias que se nojustificam. A falta de ndice e as raras divises do texto dificultam a leitura.

    2. AZEVEDO,MOREIRA DE,M.D.:A INSTRUO PBLICA NOS TEMPOSCOLONIAIS DO BRASIL. Rev. Inst. Geogr. Bras. Rio, Vol. S5, 2." parte,1892. pgs. 141-158. Talvez a fonte mais consultada sobre esse perodo. Peem evidncia o descaso da metrpole pela vida espiritual do Brasil. Satisfazplenamente para uma idia de conjunto do ensino pblico na poca colonial.

    3. BARBOSA, RUI: REFORMA DO ENSINO SECUNDRIO E SUPE

    RIOR. Parecer e Projeto. Impr. Nac. Rio. 1882 74 pgs.4. BARBOSA,RUI:REFORMA DO ENSINO PRIMRIO. Parecer e Projeto.

    Impr. Nac. Rio. 1883. 378 pgs. Embora no tratem de histria da educaobrasileira, esses trabalhos do eminente jurisconsulto, poltico e escritor brasileirodevem ser, aqui, citados. O autor estuda os motivos de se incrementar o ensinoprimrio e secundrio, mostra as principais falhas administrativas no tocante a tovitais problemas e aprecia os modernos mtodos pedaggicos; em suma, umrepositrio preciso de crtica construtiva.

    5. CAMPOS, SOUSA: EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL. Ministrio daEducao. Rio. 1940. pgs. 3-255.

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    A despeito de ter por escopo a educao superior, de leitura proveitosa para o caso do

    ensino em geral. Anlise minudenciada das trinta tentativas de organizao universitria j

    iniciadas no perodo colonial.

    CARVALHO, A. GONTIJO DE: ESTADISTAS DA REPBLICA. S. Paulo. Rev. Tribunais.1940.

    Estudioso de problemas nacionais, o A. inclui, nesse volume, um captulo sobre o

    Caraa, clebre colgio mineiro.

    LEITE,SERAFIM:HISTRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL. 2 vols. Lisboa 1939,especialmente L. I. A Empresa no Brasil pgs. 1-104.

    Modelo de erudio. Estilo atraente. Corrige noes errneas, consolida opinies vagas e

    c indispensvel para se conhecer a obra dos Jesutas no Brasil. S. Leite e Madureira (n. 8)realizaram a condio preliminar de Capistrano de Abreu, para quem pretenda escrever a

    histria do Brasil, qual a de comear-se redigindo a histria da Companhia de Jesus em nosso

    pas. (I. XIV).

    MADUREIRA, J.: A LIBERDADE DOS NDIOS A COMPANHIA DE JESUS. SUA

    PEDAGOGIA E SEUS RESULTADOS. Rio. Impr. Nac. 1939. 2. vol. 6. parte:RESULTADOS

    DA PEDAGOGIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL COLONIAL (1549-1759)captulos I- II I. pgs. 351-389-465.

    Recomendvel para um juzo acerca da pedagogia dos Jesutas e seus resultados,

    principalmente no Brasil. Convm, talvez, l-lo antes da obra de Serafim Leite, pois esteestuda exclusivamente a ao inaciana no pas.

    MOACIR,PRIMITIVO:INSTRUO E IMPRIO. 3 vols. S. Paulo. Ed. Nac. 1. v. 1936, 614

    pgs. 2. vol. 1937, 614 pgs.; 3. v. 1938, 688 pgs.

    O mais louvvel esforo que se tem feito para historiar a educao no Brasil. O autor

    tem prestgio para tal cometimento no s pela energia e pacincia em consultar arquivos edocumentos, como tambm por haver publicado, cm 1916. um timo volume sobre o Ensino

    Pblico no Congresso Nacional. No caso de se indicar uma nica obra a respeito da histria

    da educao brasileira, certamente ser esta a aconselhvel. A bibliografia, todavia, no

    circunstanciada nem filia o vulto daquele que o autor leu e cotejou; por outro lado, adistribuio da matria pelos vrios graus de educao algo embaraosa, parecendo-nos que

    a ordem cronolgica geral seria mais prtica.

    OLIVEIRA, M. SANTOS DE:HISTRIA DA INSTRUO PBLICA, em o DICIONRIO

    HISTRICO, GEOGRFICO E ETNOGRFICO. Inst. Hist. e Geogr. Bras. Rio. 1922, tomoI, cap. XV. pgs. 373-382.

    Tem o singular prstimo de apresentar, em dupla coluna, pela ordem cronolgica, as

    efemrides dos decretos e atos oficiais que se referem ao ensino pblico no Brasil.

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    11. PEIXOTO, AFRNIO: CEM ANOS DE ENSINO PRIMRIO, em o Livrodo Centenrio do Poder Legislativo. Empresa Brasil Limitada. Rio. 1926,vol. 1. pgs. 461-527.

    Brilhante professor universitrio e polgrafo brasileiro, o autor versa, com

    acuidade e elegncia, os mais variados temas, sejam de medicina, literatura oucultura geral. O trabalho referido documentado com cpia de dados estatsticos.Eqidistante do pessimismo e do entusiasmo, alega os males educacionais queafligem a nao. Estilo incisivo que leva meditao. Apelo para a prontanacionalizao do Brasil, mxime nos estados sulinos. Defende a escola nica.

    12. SILVEIRA, CARLOS DE: HISTRIA DA INSTRUO NO BRASIL. " Rev.Esc. Normal de S. Carlos", n. 4. Ano II, junho 1918; pgs. 3-11, n. 5.Ano III, dez. 1918. pgs. 5-30.

    Apanhado sucinto de um estudioso dos problemas de educao brasileira. Nelese resumem algumas lies do autor na Escola Normal de S. Carlos, em S. Paulo,onde foi professor de histria da educao.

    13. TAUNAY, AFONSO DE: PRIMEIRAS ESCOLAS DO BRASIL, pgs. 619-623;

    OS JESUTAS E O PROGRESSO CULTURAL, 673-677; OS JESUTAS E O ENSINO COLONIAL, pgs. 731-135. Mensrio do Jornal do Comrcio. Rio, set. 1941. T. CXV, v. III.

    O historiador que to magistralmente reviveu o ciclo dos bandeirantes,pronunciou trs conferncias na comemorao quatricentenria da fundao daordem. Encerra informaes que se no acham em trabalhos da mesma extenso.

    14. VERSSIMO DE MATOS, J.: A INSTRUO E A IMPRENSA NO BRASIL, em o Livro do Centenrio, vol. 1. Rio. Impr. Nac. 1909, cap. IV.pgs. 5-12.

    O ilustre beletrista e crtico literrio j havia apreciado, com muita argcia, osproblemas de Educao Nacional, em obra que, sob esse titulo, publicou em 1890,e reeditou em 1906. Na Instruo no Brasil, faz uma sntese rpida da histria doensino no Brasil, at o advento do sculo XX. A critica objetiva, serena e precisa;

    reala assim o saldo como o dficit da nossa evoluo educacional.

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    ESTUDO E ENSINO DA SOCIOLOGIA

    D0NALD PIERSON, PH. D.Da Escola Livre de Sociologia e Poltica

    de So Paulo

    AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA

    O Pensamento Social data das primeiras reflexes feitas pelo homem arespeito de si mesmo e de suas relaes com os outros seres humanos. Quaseto velho quanto a prpria capacidade humana de pensar. o Pensamento Socialestava, a princpio, limitado s generalizaes mais simples, que se baseavamna observao limitada de apenas poucos casos. Era fragmentrio e, segundotodas as probabilidades, bastante inexato. Mas, com o desenvolvimento dascivilizaes, veio a ter carter mais sistemtico e metdico, a ser maiselaborado, mais complexo, e, afinal, a transmitir-se s geraes posteriores noslivros deixados por grandes pensadores, ou escritos a respeito deles, comoConfcio e Lau Ts, na China; Gatama, o Buda, e Maavira, o Jina, na ndia;Or-genes. Filo e Sto. Agostinho, no "Mundo Alexandrino"; Moiss, Jeremias eJesus, na Palestina; Scrates, Plato e Aristteles, na Grcia; Tcito, Lucrcio,Zenon, Epicuro, Sneca e Paulo, no Imprio Romano; Zoroastro, Mani eMaom, nos desertos asiticos; Toms de Aquino e Dante Alighieri, na Europamedieval; Descartes, Leibniz. Calvino, Hume, Kant, Voltaire e Spinoza, naEuropa dos sculos XVII e XVIII; e Bergson, Croce, Santayana, Hobhouse,Whitehead. Hocking, Dewey e Lm Yutang, de tempos mais recentes.

    Nas observaes do homem a respeito de si mesmo e de seus se-melhantes, comeou, afinal, a aparecer, especialmente nas correntes europiasde pensamento, uma objetividade e um realismo que marcaram uma separao

    ntida do pensamento do passado modificao to claramente definida que sepoderia dizer que um novo estgio se tinha ento iniciado na considerao dosproblemas humanos. No domnio da

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    Fsica, este novo modo de observao e reflexo, embora talvez j tivesseaparecido no trabalho de homens como Euclides, Arquimedes e Eratstenes,pode ser claramente verificado em Coprnico (1473-1543), Brahe (1546-1601),

    Galileu (1564-1642). Kepler (1571-1630) e Newton (1642-1727). No domniodo social, esta nova era da observao humana definiu-se claramente notrabalho de homens como Machiavelli (1469-1527), o conselheiro italiano dosgovernadores medievais, que com: O Prncipe deu, pela primeira vez, umadescrio realista das instituies polticas; Bodin (1530-1596) que encarou osprocessos da sociedade como "naturais" em vez de sobrenaturais, como sendoda prpria natureza humana; Vico (1668-1744), cujas concepes da naturezaorgnica da sociedade e da continuidade histrica da vida humana muitocontriburam para o pensamente subseqente; Montesquieu (1688-1755).. quereafirmou a insistncia de Hodin sobre a ocorrncia no acidental dosacontecimentos humanos, estimulou procedimentos empricos, comparou eclassificou tipos de grupos polticos e reconheceu o srio problema do "bias"(1) (sugerindo para fazer face a esse problema, diga-se de passagem, aexperincia cosmopolita e o mtodo comparativo).

    Esta nova era da observao humana continuou a desenvolver-se no-trabalho dos teoristas do "contrato social", Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778); dos historiadores crticos. Eichorn (1781-1854);Ranke (1795-1886), Niebuhr (1776-1831) e Guizot (1787-1874), com seuinteresse mais pela Histria cultural que pela Histria militar e poltica, suamaneira realista de estudar os acontecimentos humanos, sua insistncia sobre arecuperao de fontes adequadas e suas concepes de causa mltipla e deinterdependncia; dos "economistas clssicos", Adam Smith (1723-1790),Malthus (1766-1834). Ricardo (1772-1823) e dos Fisiocratas, com seu interesse

    pela populao, pela diviso do trabalho, e pela taxao mais como relacionadaao bem estar do povo que simplesmente relacionada ao bem estar do Estado;sua insistncia sobre a necessidade de levar em conta, na considerao dosproblemas econmicos, muitos outros elementos, alm dos econmicos, como,por exemplo, as variaes do comportamento costumeiro; e sua concepo deque todos os fenmenos esto sujeitos a leis; dos "filsofos da histria",especialmente Hegel.

    (1) A tendncia de considerar os fenmenos sociais por meio dos "culos;coloridos" (por assim dizer) da nossa cultura, da nossa poca, do nosso grupo e da nossaprpria experincia.

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    (1770-1831), Comte (1798-1857), Marx (1818-1883), Spencer (1820-1903),

    Ward (1840-1913) e Spengler (1880-1936) ; dos bilogos Darwin (1809-1882),

    Wallace (1823-1913) e Huxley (1825-1895), cujas pesquisas cuidadosas e

    lgica brilhante ajudaram a colocar entre as coisas "naturais" o homem e suavida; e da "escola organicista", inspirada nos trabalhos desses bilogos e

    incluindo Lilienfeld, Espinas, Fouille, Schffle, Paul Barth e Ren Worms.

    Podem contar-se muitos outros que contriburam para o atual conhecimento a

    respeito da natureza humana e do desenvolvimento dos processos sociais, sendo

    especialmente importantes: Berkeley (1685-1753), Condillac (1743-1794),

    Bentham (1748-1832), Saint-Simon (1760-1825), Humboldt (1767-1835),

    Grote (1794-1871). Le Play (1806-1882), Mame (1822-1888), Lazarus (1814-

    1903), Bagehot (1826-1877), Dicey (1835-1922), Fiske (1842-1901), Kidd

    (1858-1916) e Giddings (1855-1931).

    Como disciplina especial, porm, distinta das outras disciplinas sociaiscomo a Histria, a Antropogeografia, a Arqueologia, a Lingstica, a Etnologia,

    a Economia, a Cincia Poltica e as disciplinas aplicadas da Pedagogia, Ao

    Poltica, etc, a Sociologia comeou a surgir dos trabalhos do brilhante pensador

    francs Emile Durkheim (1858-1917) e das profundas e penetrantes anlises do

    pensador alemo Georg Simmet (1858-1918). A partir de seus trabalhos, j no

    se confunde a Sociologia com as outras disciplinas sociais, como adiante

    indicarei mais minuciosamente. E hoje em dia no se concebe a Sociologia qual

    "genera-lssimo das cincias sociais", como Small (acompanhando Spencer) a

    tinha definido. Assiste-se agora deflao de pretensiosas reivindicaes

    outrora feitas, apesar de certos vestgios de pocas anteriores ainda persistirem

    no esprito popular e mesmo nos espritos de certos "socilogos leigos".Em pocas relativamente recentes, alm das contribuies importantssimas

    de Simmel e de Durkheim, a Sociologia tem recebido contri-buices

    apreciveis de homens como Gumplovicz, Ratzenhofer, Tn-nies, Sombart,

    Mannheim, Max Weber, Rickert, Oppenheimmer e von Wiese, na Alemanha;

    Tarde, Le Bon, Simiand. Mauss, Lvy-Bruhl, Halbwachs, Janet, na Frana;

    Sumner, Cooley, Thomas, Park, Burgess e uma legio de socilogos

    pesquisadores por eles estimulados, nos Estados Unidos; e os italianos Gini e

    Pareto.

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    MOVIMENTOS DE PENSAMENTO

    Traar, entretanto, as origens da Sociologia simplesmente em funo de

    nomes, falsear a realidade, dando importncia indbita a homens enegligenciando os movimentos que esses homens representaram e dos quaisforam smbolos. Se, portanto, procurarmos as origens da nossa disciplina, serconveniente traar o desenvolvimento, por exemplo, da Filosofia, da Histria,Geografia, Etnologia e Lingstica (comeando especialmente com o trabalhodos irmos Grimm e passando ao desenvolvimento do estudo do folclore eprincipalmente da Psicologia de "Folk"); dos motivos filantrpicos quedominam todo o pensamento utpico e resultaram nas organizaes de caridadee no "Survey Movement"; da Biologia e, especialmente, da influncia da teoriada evoluo sobre as analogias organicistas em Sociologia; do socialismo; detrabalhos pseudo-cientficos como os de Lombroso, os. quais surgiram de umadisciplina hoje completamente desacreditada, a Frenologia; do interesse pelo

    comportamento coletivo e, especialmente, da controvrsia sobre "Nomina-lismo" e "Realismo", em que Durkheim to eficientemente se empenhou; e dapopularizao do estudo do comportamento da multido por Le Bon (2). O que necessrio, para compreender as origens da Sociologia, conhecer os vriosestgios do desenvolvimento do corpo de conhecimentos que agora constitui aSociologia.

    FOLKWAYS

    Um dos primeiros trabalhos a representar o moderno estgio de pesquisa o livro de William Graham Sumner, Folkways, publicado em 1906. Este

    trabalho altamente estimulante de pensamento pertence definitivamente aocampo da Sociologia como disciplina distinta, apresentando, como apresenta,uma descrio e uma explicao de dados so-ciolgicos em termos da prpriavida grupal. No h, nele, importao de explicaes provenientes de camposestranhos como a Biologia, a Geografia, a Economia ou outras disciplinas.Ainda mais, a anlise de Sumner baseia-se num enorme acmulo de dadosetnogrficos, no sim-

    (2) Vide, por exemplo, Windelband; W., Geschichte der Philosophie (Frei-Lurg,1892); Randal, J. H., The Making of the Modem Mind (Boston, 1926) elementar,popular; Durant, Will, Philosophy and the Social Question ele-mentar, mas claro erecomendvel.

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    plesmente para ilustrar teorias j estabelecidas (como se verifica, infelizmente,

    em esforo semelhante por parte de Herbert Spencer) mas para servirem de

    fonte emprica para formulaes tericas.

    COMUNICAO

    O primeiro problema com o qual lida a Sociologia : como podem os

    seres humanos, separados como esto do ponto de vista fsico, agir

    conjugadamente? Por outras palavras, como os animais humanos se tornam

    "humanos" e levam uma vida comum (3) ?

    O processo bsico por meio do qual os indivduos humanos se tornam

    capazes de combinar-se em unidades mais vastas o da comunicao. As

    sociedades so criadas e transmitidas por meio dela; de fato, como observa

    Dewey, sociedade existe na comunicao (4). Sem comu-

    nicao, nenhum de ns se tornaria "humano", dotado de linguagem,pensamento, atitudes ou sentimentos. Admitindo que tivssemos sobrevivido.

    seramos meros animais, capazes apenas de sede, fome, atividade sexual e

    medo. Felizmente para a cincia, mas infelizmente para os in-divduos em

    questo, conhecemos alguns desses animais no humanos.

    Referimo-nos a eles, na literatura sociolgica, como sendo "homens

    feras" (5).

    Alm do processo de comunicao, tratamos em Sociologia do processo de

    socializao, assim como dos processos de competio, conflito, acomodao,

    assimilao, etc. Todos esses processos so formas especficas que oprocesso

    geral de interao (6), comum a todas as cincias, x>de assumir.

    (3) Vide meu artigo, " O que torna humano o indivduo",Revista do Ar-quivo Municipal de So Paulo. LXXXIII (maio-junho, 1942), pgs., 39-57.

    (4) John Devey, "Democracy and Education", (New York, 1926), pgs. 5-6.

    (5) August Rauber, Homo Sapicns Perus (Leipzig, 1885). Vide tambmitura N. 28, "Isolamento e Retardao: Homens Feras", da srie de "Lei-

    ras de Sociologia e Antropologia Social", organizadas por Donald Piersonmimeograadas pela Escola Livre de Sociologia e Poltica de So aulo.

    (6) Vide meu artigo, " O processo de interao: conceito bsico nas cinciassociais", Sociologia, vol. III, N. 2 (maio de 1941), pgs. 106-120.

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    QUE SOCIEDADE ?

    Do ponto de vista do senso comum, a sociedade tem sido concebida: 1)

    como a soma total de todas as instituies, tais como o casamento, a religio, oEstado, a propriedade, a industria; etc; 2) como mero conglomerado depessoas.

    A primeira destas definies identifica a sociedade simplesmente comoestrutura social e, conseqentemente, a faz esttica, externa aos. indivduos e,at certo ponto, irreal. O termo, tal como ordinariamente empregado nestesentido, vago, sem clareza e de difcil compreenso.

    A segunda concepo, a que encara a sociedade como simples con-glomerado de pessoas, superficial. E' uma definio fsica e no so-cial. Asociedade mais que mero agregado fsico. As pessoas sentadas juntas numbonde no constituem uma sociedade. Nas sociedades, as pessoas no esto

    relacionadas umas s outras simplesmente como os tijolos numa pilha estorelacionados entre si. Relacionam-se mediante uma teia de atitudes esentimentos comuns, um emaranhado de fins e propsitos comuns.

    DAS "SOCIEDADES" " SOCIEDADE"

    Para compreender a "sociedade", devemos estudar as '"sociedades",.como, trs dcadas atrs, socilogos pesquisadores como W. I. Thomas fizeramver. Antes, os filsofos sociais haviam falado sobre sociedade no singular; isto, discutiram somente o conceito sem analisar sociedades reais, pelo menos demaneira no superficial; em outras palavras, sem analisar a sociedade no plural.Quando, portanto, pensmos no conceito de "sociedade", de grande utilidadeter em mente uma sociedade particular que nos seja familiar, como, porexemplo, uma determinada famlia (7).

    FINS E PROPSITOS COMUNS

    Que uma famlia? Duas ou mais pessoas unidas pelo sangue ou pelocasamento, e vivendo juntas na mesma casa? Talvez; mas estes ca-

    (7) Que no se confunde com instituio da famlia, como veremos adeante.

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    ractersticos, apenas, no fazem desse grupo uma "famlia". Para isso necessrio muito mais que a mera coexistncia fsica. As pessoas po-dem, porexemplo, viver por longo tempo lado a lado, sem compartilhai-as mesmas

    atitudes e sentimentos e, por vezes, sem mesmo se falarem. Mais ainda, pessoasrelacionadas pelo sangue podem ser de tal modo estranhas umas s outras que,praticamente, no existam laos sociolgicos, isto , laos pessoais. EmSociologia, devemos ter sempre em mente, de maneira clara, as distines entreas relaes meramente fsicas ou biolgicas e as sociolgicas. Tratamossomente das ltimas.

    Que , pois. que faz de um grupo de pessoas uma "famlia"? So ospropsitos comuns, os fins que compartilham; as atitudes e senti-mentoscomuns; as tradies e segredos que possuem em comum. Uma famlia unidano somente por laos fsicos e biolgicos, mas tambm, o que ainda maisimportante do nosso ponto de vista, por laos sociolgicos. Os membros

    individuais so articulados de modo a formar uma unidade capas de aoconjugada, porque compartilham de um corpo de fins comuns; ou, emlinguagem tcnica sociolgica, participam de um consenso.

    Deste ponto de vista, claro que uma famlia pode desintegrar-sesociologicamente, sem que os indivduos que a compem percam suas relaesfsicas ou biolgicas; por outras palavras, sem sair do teto comum, nemdesistirem (admitindo que isto fosse possvel) de sua hereditariedade comum.Sempre que enfraquecerem as atitudes e sentimentos que unem um indivduo adeterminada famlia, e se tornarem dominantes sentimentos que o liguem aoutros indivduos fora da famlia e a ela antagnicos, o indivduo se desligardaquela, do ponto de vista sociolgico, mesmo se continuar a viver sob omesmo teto.

    Assim, o grupo fsico deixa de ser grupo social, ou como dizemos, uma"famlia", medida em que os indivduos que a compem deixam decompartilhar das mesmas idias, dos mesmos sentimentos, das mesmasatitudes, dos mesmos pontos de vista. Um homem, sua mulher e seus filhospodem continuar a ocupar conjuntamente a mesma casa sem que se observequalquer mudana nas suas relaes fsicas por outras palavras, semqualquer mudana no grupo fsico enquanto atitudes e sentimentosantagnicos carcomem a famlia, destruindo-a parcial ou inteiramente. Odivrcio e o abandono do lar so "evidncias fsicas" da desintegrao dafamlia, no sentido sociolgico. Uma vez mais as relaesfsicas vieram, pelamigrao, a corresponder mais estreitamente s relaes sociolgicas.

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    E' fcil, deste ponto de vista, compreender a organizao de um "grupoprimrio" (8) cujos membros esto grandemente separados. espacialmente. Ogrupo primrio forma-se quando, comunicando-se por meio de conversa, de

    cartas, jornais, revistas, livros, telgrafo, telefone, rdio, etc, os homens vm adesenvolver ou continuam a compartilhar das mesmas atitudes, idias,sentimentos e pontos de vista. Podemos mesmo perceber a organizao de"grupos primrios" cujos membros esto separados no somente no espaocomo no tempo, mesmo por sculos. Quando, pois, falamos em "grupoprimrio" no pensamos em relaes espaciais, mas em relaes sociolgicas.Falamos de grupos em que a teia de interconexes que ligam os indivduos sorelaes primrias. Acentuamos no o grupo como grupo em si, mas as suasrelaes.

    Este ponto de vista bsico para uma compreenso de todos os problemassociais, como, por exemplo a delinqncia juvenil.

    INSTITUIES (9)

    De maneira geral, pode dizer-se que a Sociologia se interessa prin-cipalmente pelas instituies, sua origem, natureza, funo e modos detransformao. Isto verdade, porque as instituies, no sentido realista doconceito, constituem os fins comuns que permitem que as pessoas em questoajam conjugadamente.

    Que uma "instituio"? Seja-nos permitido considerar antes algunscasos concretos. O casamento, a propriedade, a religio so tal- vez asinstituies mais universais. Todas comearam nos folkways (10).

    Desenvolveram-se em morespelo acrscimo de alguma ideologia,

    (8) Vide Charles H. Cooley, Social Organisalion (New York, 1929)), pgs.23-31; Ellsworth Faris, "The Primary Group"; Essence or Accident", AmericanJournal of Sociology, Vol. XXXVIII (1922-23), pgs. 41-50; e o meu artigo" Um sistema de referncia para o estudo dos contatos raciais e culturais", Sociologia, Vol. III, N. 1 (maro, 1941), pgs. 9-11.

    (9) Vide Everett Hughes, " Institutions", Parte Cinco, Rohert E. Park,e outros, An Outline of the Principies of Sociology (New York, 1939),

    pgs. 283-347.(10) Vide William G. Sumner, Folkways (Boston, 1906); e a Leitura N.

    1, "Folkways and Mores" da srie de "Leituras de Sociologia e AntropologiaSocial", organizadas por Donald Pierson e mimeografadas pela Escola Livre deSociologia e Poltica de So Paulo.

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    alguma filosofia, referente sua necessidade para o bem da sociedade..Quando, mais tarde, produziram, como diz Sumner (11) uma "estrutura",tornaram-se instituies; por outras palavras, quando se tornaram mais

    definidos e especficos, com referncia s regras, aos atos prescritos e aoaparelhamento a ser empregado; ou, talvez, quando certo nmero defuncionrios foi encarregado de agir segundo maneiras estabelecidas.

    Assim, uma instituio envolve: 1) um conceito (uma idia, noo.doutrina ou interesse) ; 2) uma estrutura, que, por assim dizer, "apoia" oconceito e fornece meios de realiz-lo, de modo a servir aos interesses dos sereshumanos.

    As instituies so ou 1) espontneas, ou 2) criadas. As espontneasdesenvolveram-se sem plano, sem propsito, resultando da vida comum dedeterminado povo. As instituies criadas so produtos de inveno racionalembora sejam, por sua vez, quando bem sucedidas, sempre baseadas nos

    "mores". Os bancos, por exemplo, so instituies de crdito "criadas" massempre fundadas sobre costumes cuja presena em nossa cultura pode serobservada atravs de muitos sculos. Houve tempo em que, guiados pelareflexo racional sobre a sua experincia. os homens sistematizaram eregularam certos costumes correntes e deste modo criaram instituies decrdito, definidas em lei e sancionadas pelo poder do Estado. Do mesmo modoa realeza, a ditadura, a democracia, o voto, o tribunal, o jri, o imposto, aassociao comercial, a "sociedade" annima, o mercado, etc, vieram a existir,embora o elemento racional neles seja to grande e a sua base nos "mores" toobscura (por causa da nossa anlise imperfeita dos "mores" em questo) que talorigem s pode ser averiguada por investigaes cuidadosas e prolongadas.

    Pode dizer-se, a este respeito, que raramente uma instituio "criada" vigorosa e inteiramente bem sucedida. Inventar uma instituio bem sucedida coisa extremamente difcil. Ordinariamente, os "mores" se apoderam dela edela fazem alguma coisa muito diferente do que planejaram os inventores,como, por exemplo, o que os "mores" norte-americanos fizeram do colgioeleitoral institudo pela Constituio dos Estados Unidos.

    (11) Ibid.,pg. 53.

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    Perguntou-me uma vez um de meus estudantes: Considerando-se a igrejauma instituio com fins e objetivos comuns, no ser portanto uma sociedade?

    E' uma boa pergunta, porque chama a ateno para a falta de preciso

    com que se empregam as palavras na fala comum, fato lamentvel devido,ordinariamente, inadequada anlise de conceitos.

    Quando pensamos em instituies, lembramo-nos, usualmente, antes demais nada, de trs das mais importantes: a famlia, a igreja e o Estado. Mas ummodo de perceber claramente o que uma instituio e distingui-la das outrascoisas sociais projetar o nosso pensamento para alm destas instituiescomumente lembradas, considerando outras, como por exemplo: a troca, aeconomia monetria, o se-pultamento, a monogamia, a educao, apropriedade, a etiqueta, a pirataria, a pena de talio, o duelo, o ordlio, alitania, o credo, a lei, a casta, o birth control, o contrato, a regulamentao docomrcio pelo governo, o atletismo, a democracia, o imperialismo, o horrio de

    trem, etc.Repito, ento, resumindo: com o fim de satisfazer as necessidades e osdesejos dos seres humanos, certos modos de comportamento surgiram em cadapovo e, com a repetio contnua, tornaram-se costumeiros; quando estes"folkways" assumem 1) o que Sumner chama um conceito (isto , uma nooou idia de sua utilidade) e 2) uma estrutura, isto , um meio de realizar estanoo ou idia na vida real, temos, como j indiquei, uma instituio.

    A instituio da igreja, ou da famlia, ou do Estado, etc, no umasociedade. E' antes de mais nada uma idia da funo de uma igreja, ou de umafamlia, ou de um Estado; e, em segundo lugar, um meio de realizar essa idia(atos prescritos, e funcionrios) numa igreja concreta, numa famlia concreta,num Estado concreto.

    O grupo de membros de uma determinada igreja, de uma determinadafamlia, de um determinado Estado, possuidores, em cada caso. de umconsenso (isto , objetivos comuns, fins comuns), por outras palavras, capazesde agir conjugadamente, e ativamente empenhados em agir assim, como umaunidade, constitui, em cada caso, uma sociedade.

    Por outras palavras, a idia e a estrutura da igreja, da famlia, constituema instituio. As pessoas que compartilham das idias, ati-tudes e dossentimentos comuns e que participam dos atos comuns de (determinada igreja,de determinada famlia, de determinado Estado,

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    constituem, em cada caso, junto com estas atitudes, sentimentos e atoscomuns, uma sociedade.

    A ECOLOGIA HUMANA (12)

    De valor fundamental para o estudo da Sociologia o estudo da EcologiaHumana. E' um novo campo de especializao que surgiu em pocarelativamente recente.

    A Ecologia Humana no trata da "influncia do ambiente fsico sobre ohomem, sua formao e seu desenvolvimento", como pensa muita gente. Esse o campo da Antropogeografia. A Ecologia Geral trata do processo decompetio tal como atua entre as plantas (Ecologia Vegetal), entre animaissub-humanos (Ecologia Animal) e entre humanos e suas instituies (EcologiaHumana), selecionando-os de acordo com a capacidade em competir e

    distribuindo-os no espao.A Ecologia Humana surgiu do estudo da Ecologia Vegetal feito porcientistas como Eugenius Warming (13), do estudo da Ecologia Animal feitopor cientistas como Charles Elton, Richard Hesse, W. C. Allee, Karl Schmidt(14), e tornou-se definida atravs do trabalho, especialmente, de C. J. Galpin,Robert E. Park, Ernest Burgess, Ro-derick McKenzie, Clifford Shaw e seusassociados (15).

    (12) Vide A. B. Hollingshead, " Human Ecology", Parte II, An Outline of the Principles ofSociology", "edited" por Robert E. Park (New York, 1939), pgs. 65-168.

    (13) Eugenius Warming, O ecology of Plants (Oxford, England, 1909) .

    (14) Vide, por exemplo, Richard Hesse, Tiergeographie auf oekologischer Grundlage,

    revisado c publicado, Ecological Animal Geography,por W. C. Allee e Karl P. Schmidt (NewYork e London, 1937).

    (15) C. J. Galpin, The Social Anatomy of an Agricultural Commu-ity, University of Winconsin Agricultural Experiment Station Bulletin N. 34,May, 1915; Rural Life (New York. 1918); Robert E. Park. "Human Ecology",American Journal of Sociology. XLII, 1-15; "The Urban Community as a Spa-tial Pattern and a Moral Order", em Ernest W Burgesse, The Urban Community (Chicago. 1926), pgs 3-18; E. W. Burgess "The Growth of the City:An Introduction to a Research Projet" em Park e Burgess, The City (Chicago,192?), pgs. 47-62; Roderick McKenzie, "The Ecological Approach to the Studyof the Human Community" em Park e Burgess, The City, pgs. 63-79; "TheScope of Human Ecology", Publications of the American Sociological Society.Vol. XX (1926, pgs. 141-154; "Ecology, Human", Encyclopedia of the Social Sciences. Vol. V, pgs. 314-15; The Metropolitan Community (New York, 1933);

    Clifford Shaw e outros,Dclinqueiicy Arcas (Chicago, 1929); etc.

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    O fato bsico da Ecologia Vegetal que existe entre as plantas uma

    competio constante por um lugar no solo. Dessa competio se origina certaorganizao grupai que no pode ser explicada pelo simples estudo de umaplanta ou de todas as plantas como meros indivduos.

    Do mesmo modo, nasce entre os seres humanos, como resultado doprocesso natural de competio, certa organizao que no sociolgica. Nodecorrer desse processo, indivduos e grupos tornam-se dependentes,especializados nas suas funes e localizados no espao. Sua localizao, unsem relao aos outros, pode ento ser tomada como indcio de suas relaessociolgicas.

    E' preciso, pois, distinguir a Ecologia Humana de: a) Antropo-gcografia,que nos trabalhos de Frederick Ratzel (16), na Alemanha, de Ellsworth

    Huntington (17) e Ellen Semple (18) nos Estados Unidos, trata da influncia domeio fsico sobre a cultura humana (por exemplo, esses estudiosos procurampr em evidncia a influncia dos mares, rios, montanhas, desertos, do frio e docalor, sobre o desenvolvimento histrico e as instituies humanas) ; e b) daGeografia Humana que trata, como talvez mais claramente definido por JeanBru-nhes (19), das modificaes do meio fsico causadas pelo trabalho dohomem (por exemplo, mudanas na topografia causadas pela construo deestradas, pontes, cidades, pelo cultivo dos campos, destruio das florestas,etc.) (20). A Ecologia Humana estuda as relaes entre os homens, na medidaem que estas relaes esto por sua vez relacionadas

    (16)

    Friedrich Ratzel, Anthropogeographie oder Grumgzge der Anwendung derauf die Geschichte (Stuttgart, 1882).(17) Ellsworth Huntington, Civilization and Climate (New Have, 1915).(18) Ellen Semple, lnfluences of Geographical Environment, on the Basis of

    Ratzel's System of Anthropogeography (New York. 1911).(19) Jean Brunhes, La gographie humaine, Paris, 1920.(20) E' verdade que existem divergncias considerveis entre os prprios-

    especialistas acerca do que seja exatamente a Geografia Humana. Jean Brunhes restringeesse campo ao estudo dos efeitos da ocupao da superfcie da terra pelo homem. Assim,para Brunhes, a Geografia Humana se ocupa com as modificaes do mundo fsico quepossam ser claramente verificadas por algum que passe em aeroplano por cima doterreno estudado; por exemplo: estradas, pontes, campos cultivados, casas, celeiros,cocheiras, cidades, etc. Barrows, por outro lado, identifica a Geografia Humana com oque ele chama de "Ecologia Humana". Por "Ecologia Humana", entretanto, Barrows

    entende um campo estudado pelos antropogegrafos.

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    com o habitat. A Geografia Humana trata da localizao no espao; aEcologia Humana, doprocesso.

    Assim, a Ecologia Humana estuda s relaes de homem para ho-mem. tal

    como se revelam pelos indcios fsicos, principalmente pelo es-pao. AEcologia Humana no se interessa pelas relaes diretas entre o homem e ohabitat, mas sim pelas relaes pessoais, pelas relaes en-tre os sereshumanos, na medida em que estas se refletem por sua vez nas relaesespaciais. Por exemplo, Ernest Burgess e Clifford Shaw descobriram que sealgum, vindo do centro de Chicago, se encaminhar para a periferia da cidade,verifica que o coeficiente de delinqncia Juvenil decresce progressivamente.Isso representa o que chamamos de "gradient" (-1). Posteriormente, CliffordShaw e seus colaboradores fizeram experincias em irais ou menos outras trintacidades dos Estados Unidos e verificaram que essa teoria sempre se confirmavanas grandes cidades norte-americanas. Mais tarde, outros "gradients" foramdescobertos. Assim tambm, no ano de 1930, o coeficiente da esquizofrenia eraem Chicago 102,3 por 100.000 habitantes, na Zona I: 47,8 na II; 32,6 na ZonaIII; 25,0 na Zona IV; 17.9 na Zona V e 15,8 na Zona VI, nu-merando-se aszonas do centro para a periferia da cidade, indo-se para o norte (22).

    Do mesmo modo, Roderick McKenzie estudou a concentrao dapopulao em grandes reas urbanas, a descentralizao das indstrias, as"reas naturais" (23) da cidade (definidas por vrios tipos de vida social), etc.

    A noo bsica de McKenzie, como tambm de Park, Burgess e outrosestudiosos que trabalham neste campo, que no nvel ecolgico (24) da vidahumana existe um processo espontneo, no intencional (chamadocompetio), que leva os seres humanos a desenvolver inconscientemente uma

    organizao interdependente e certa distribuio no espao..

    (21) Vide Clifford R. Shaw, et al., Delinquency reas (Chicago,1929).

    (22) Vide Robert E. L. Faris e Howard Dunham, Mental Disorders in UrbanArcas (Chicago, 1939), pg. 53.

    (23) Vide meu artigo, "Estudo da cidade", Sociologia, vol. V, N. 4 (out. de1943), pgs. 305-15.

    (24) Vide meu artigo, "O processo de interao: Conceito bsico nas ci-ncias sociais", loc. cit.

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    Assim, a Ecologia Humana se interessa pelo processo de competio entreos indivduos, raas e instituies humanas e pelas conseqncias destacompetio, tais como: 1.) disperso (isto , migrao mais o estabelecimento

    em um novo habitat); 2) mobilidade (o movimento de pessoas, mercadorias eidias dentro do mesmo sistema ecolgico ou cultural); 3) a formao decomunidades bitica e a organizao funcional da vida humana, caractersticadessas comunidades (a chamada "teia da vida", na qual todos os organismosvivos se articulam num vasto sistema de intendependncias intricadas econtinuamente mutveis); 4) o desenvolvimento de uma diviso de trabalhoque este fato implica; 5) o estabelecimento do equilbrio bitico ou "balano danatureza", isto a tendncia dos grupos de populao para se ajustarem uns aosoutros nos termos das possibilidades de subsistncia de seus habitais; 6)agregao (formao de grupos de populao por imigrao e por aumentonatural); 7) concentrao (aglomerao de seres e instituies humanos emreas favorveis); 8) centralizao (focalizao das atividades humanas em

    volta de pontos centrais'); 9) descentralizao (contra-tendncia das atividadeshumanas de se afastarem, finalmente, dos centros de concentrao para aperiferia, onde os valores da terra so mais baixos e o espao mais facilmenteobtido); 10) segregao (peneiramento de grupos de populao e de culturasemelhantes, bem como de organizaes industriais e comerciais semelhantes,por exemplo: colnias de imigrantes, "slums", reas residenciais de alta classe,distritos de fbricas, de vendas por atacado, de vendas a varejo, distritos delojas de artigos usados); 11) invaso (penetrao de uma rea ocupada, por umgrupo de populao ou instituio diferente daqueles que ocupavam a zona,com as respectivas mudanas no tipo de populao ou na utilizao do terreno);12) sucesso (deslocamento completo dos moradores anteriores por um grupo

    invasor de populao, ou por um tipo de utilizao do terreno); 13) rotinizao(movimento dirio de ida e vinda do lugar de residncia para o de trabalho epara os distritos de varejistas, de atacadistas ou de divertimentos, movimentoque ocorre em grau acentuado nos grandes centros metropolitanos) ; 14)predominncia.

    Assim, o processo de competio atua no mundo vegetal, no animal ' e nohumano: 1) para distribuir espacialmente os indivduos e (no que se refere aosseres humanos) suas instituies, de maneira que venham a ocupar os nichosonde estaro mais aptos a sobreviver; 2) para forar as plantas, os animais, osseres humanos e suas instituies, a especia-

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    lizar suas atividades vitais de maneira a competir mais eficientemente comseus semelhantes. No decorrer desta distribuio espacial e especializao defunes, um arranjo ordenado das plantas, dos animais ou seres humanos e

    suas instituies, conforme o caso, se desenvolve; ou, por outras palavras,comunidades emergem.

    DISTINO ENTRE "COMUNIDADE" E "SOCIEDADE" (25)

    As "comunidades" devem ser diferenciadas das "sociedades", porque ascomunidades so o resultado de relaes simbiticas, enquanto que associedades so produtos de relaes morais (isto , dos "mores") . Assim, ascomunidades emergem do simples fato de viverem juntos, no mesmo habitat,indivduos semelhantes ou diferentes (simbiose) e da "competio cooperativa"em que eles se empenham; ao passo que as sociedades emergem dacomunicao e da coparticipao de experincias, atitudes, sentimentos,

    idias e pontos de vista Comuns.

    As plantas e animais estabelecem "comunidades", mas desde que nopossuem cultura ("folkways", "mores", instituies, leis), nunca estabelecem"sociedades", no sentido estrito da palavra. A organizao vegetal e animal baseada na simbiose e em certas diferenas fisiolgicas (especialmente no casodos chamados "insetos sociais"). A organizao humana baseada no s emsimbiose mas tambm em consenso (isto . cultura). As abelhas no tm rituaisreligiosos, troca de mercadorias, igrejas, atitudes para com o Japo, ademocracia, o incesto e o controle da natalidade. A Ecologia Humana estudaaquela poro da experincia humana que comparvel experincia dasplantas e animais. A Sociologia trata daquela poro da experincia humana

    que est, por assim dizer, acima do nvel vegetal e animal, ou, na expresso deA. L. Kroeber, do superorgnico. (26)

    A este respeito, necessrio indicar que no mundo concreto dos se-reshumanos, 1) as relaes simbiticas e 2) as relaes baseadas em consenso,isto , 1) comunidade e 2) sociedade, so inextricvelmente interrelacionadas.Nenhuma delas existe, em qualquer tempo ou lugar,

    (25) Vide meu artigo, "Comunidade e sociedade", Sociologia, vol. V,N. 1 (maro de 1943), pgs. 29-34.

    (26) Vide A. L. Kroeber, "The Super-organic ", American Antropo-logist, (K. S.), pgs 163-213 (abril-junho, 1917).

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    separada da outra. E' apenas para fins de anlise, e, conseqentemente, demelhor entendimento de todos os processos em questo, que os estudiosos epesquisadores tratam separadamente destes dois aspectos da organizao

    humana.A Ecologia Humana interessa-se. pois. pela formao de comunidades.

    ou por outras palavras, pela atuao do processo de competio e pelasrelaes simbiticas que esta competio desenvolve e modifica; ao passo quea Sociologia se interessa, principalmente, pela formao e desintegrao desociedades, ou, em outras palavras, pelo processo de comunicao e pelasrelaes "morais" que esta comunicao desenvolve e modifica.

    A Ecologia Humana pode ser de utilidade incalculvel para a Sociologia,na localizao de problemas para a anlise sociolgica. Por exemplo, aEcologia Humana pode chamar a ateno para a segregao involuntria, namesma comunidade, de certos grupos raciais, nacionais ou culturais, de distritos

    de prostituio, reas de "slums", dis-tritos de atacadistas e de fbricas; para adiminuio progressiva da delinqncia juvenil medida que se afasta docentro, numa cidade metropolitana como, por exemplo, Chicago; para aconcentrao de diferentes tipos de molstias mentais em certas reas decidades metropolitanas sendo que tudo isto pode ser localizado e delineadoem mapas. A Sociologia, tendo, assim, obtido a localizao dos pontos deconcentrao ou diminuio de um dado fenmeno, pode concentrar sua inves-tigao nesses pontos para trat-los por meio de mtodos e tcnicas maispenetrantes.

    OS DADOS DA SOCI OLOGI A SO GERAI S

    Peguntou-me, uma vez, um de meus estudantes: Sendo a Sociologia umacincia com objetivo universal, no deveriam os resultados de pesquisassociolgicas, feitas em pases diferentes, chegar a resultados muitas vezescontraditrios? Variando o comportamento social de conformidade com opas, no deveria haver uma sociologia especializada para cada nao?

    Esta uma boa pergunta, porque pe em foco dois problemas fun-damentais: 1) E' possvel Sociologia tornar-se uma cincia, isto , umadisciplina cujo corpo de fatos sejam verdades universais e no somentelocais? 2) De que que trata a Sociologia?

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    A melhor maneira de responder primeira destas perguntas , talvez,continuar a considerar, por enquanto, a segunda, isto : De que que trata aSociologia?

    Trata dos processos sociais universais entre os seres humanos. Trata, antesde mais nada, do processo geral da interao social (27), por meio do qual(entre outras coisas) as crianas se tornam "humanas"; pelo qual, por outraspalavras, acrescentam "natureza humana" sua "natureza original". Essa"socializao", como frisou Cooley (28) se processa, essencialmente, da mesmamaneira em toda parte; nos seus pontos essenciais, no difere, por exemplo,entre os bedunos, os chineses, os bantus e os europeus. Seu resultado (isto , a"natureza humana") o mesmo em todos os povos. A natureza humanaconsiste, particularmente, em amor, em dio, em temor ao desprezo e ao rid-culo, em desejo de aprovao, exigindo todos esses fenmenos a capacidade deassumir o papel de outrem e ver o mundo do ponto de vista deste (29). E'

    essencialmente idntica em todas as terras, porque as relaes entre pais efilhos, de onde ela se desenvolve, so essencialmente as mesmas em toda parte.Se, em determinado caso, o conjunto de relaes no fr o mesmo (se, poroutras palavras, as relaes entre a criana e outras pessoas, por uma razoqualquer, forem seriamente modificadas) a criana no vir a constituir um serhumano, mas permanecer um animal, o chamado "homem fera".

    E' verdade que o processo geral de interao social produz, tam-bm, oscostumes dos vrios povos, d origem aos seus "folkways" e "mores". E'verdade que estes costumes diferem de povo para povo, de lugar para lugar, depoca para poca, o que devido, principalmente, 1) s diferenas nasnecessidades humanas sob circunstncias diferentes de ambiente, tanto social

    quanto fsico; 2) inrcia inerente aos costumes j estabelecidos; e 3) aosdiferentes graus de isolamento e contato. Mas os processos segundo os quaisestes diferentes costumes se desen-volvem, mantm, modificam oudesaparecem, so, com toda a probabilidade. os mesmos em todas as culturas.Destes processos universais traiam os socilogos e os antroplogos sociais. E' oetnologo quem trata especialmente das variaes de traos e padres culturais.

    (27) Vide meu artigo. "Interao, etc.", loc. cit.

    (28) Charles H. Cooley. op. cit.,pgs. 24,28-29.

    (29) Vide meu artigo, "O que torna humano o indivduo", loc. cit.

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    O processo de interao social toma outras formas especficas, como porexemplo: comunicao, competio, conflito, acomodao, assimilao, etc,todas elas agindo, de acordo com o nosso conhecimento atual, da mesma

    maneira entre todos os povos, embora o contedo preciso de cada forma varie,naturalmente, de lugar para lugar e de poca para poca. Assim, entre todos ospovos atualmente existentes, encontramos os mesmos fenmenos sociais taiscomo, por exemplo, contatos "primrios" e "secundrios"; isolamento; contatos"simpticos" e "categricos" (30); luta pela existncia, diviso do trabalho,rivalidade, "status", conscincia de grupo, relaes de subordinao ou desuperordinao, naturalizao, aculturao, cerimnia, tabu, opinio pblica,prestigio, instituies, etc.

    O processo geral de interao social produz, tambm, integrao edesintegrao de sociedades como famlias, cls, clubes, vilas, naes, etc.Embora o povo em questo se diferencie por certos caracteres fsicos, e pelocostume e tradio conforme o lugar e as circunstncias determinadas os

    processos fundamentais pelos quais todas estas sociedades se formam emantm, ou pelos quais se desintegram e desaparecem, so universais; isto ,todos estes processos, provavelmente atuam da mesma maneira em toda parte.

    Por exemplo, a generalizao sociolgica formulada por Sumner (31) de que "as atitudes hostis estanhas tendem a unir o "nosso-grupo",intensificando a sua organizao interna" , na medida em que at agora temsido possvel verific-la, verdadeira em todas as sociedades, em todos oslugares, em todos os tempos.

    O processo geral de interao social produz, tambm, o desenvolvimento edesaparecimento de fenmenos sociais como inquietao social, tenso, reaocircular, "milling" (32), excitao coletiva, contgio social, epidemia psquica,

    imitao, sugesto, multides casuais, convencio-nalizadas e expressivas,"mobs" (33), etc, operando todos por processos especficos que so universaisentre os seres humanos, seja qual fr a variao do contedo preciso que essesfenmenos assumam nos diferentes lugares e em diferentes pocas.

    (30) Vide N. S. Shaler, The Neighbor (New York, 1904). pgs.207-27.

    (31) Op. cit., pgs. 12-13.(32) Vide meu artigo, "Comportamento coletivo", Sociologia, vol. IV,

    N. 3, (agosto de 1942), pgs. 251-67.(33) Idem.

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    A SOCIOLOGIA ALTAMENTE ABSTRATA

    Segue-se, do que ficou dito, que a Sociologia uma disciplina altamente

    abstrata. Que significa a palavra "abstrata"? Por "abstrato" queremos dizer"geral", em contraposio ao "particular"; refermo-nos abstrao deelementos comuns a vrios casos concretos da mesma espcie.

    Todo conhecimento abstrato. Por exemplo, nosso conhecimento desapatos, cavalos, mulheres, homens, gatos, uma abstrao da experincia quetivemos com determinados sapatos, cavalos, mulheres, homens, gatos.Representa o que acreditamos ser comum a todos os sapatos, cavalos,mulheres, homens, gatos que conhecemos.

    Do mesmo modo, todas as cincias (que so, na realidade, sistemas deconhecimentos gerais interrelacionados) so abstratas. Cada uma delas estudacasos particulares, verdade; mas estuda esses casos particulares com o fim deconhecer o que geral em todos os casos do mesmo tipo. Assim, o bilogo,estudando um determinado inseto, um porco da Guin, um embrio, teminteresse por esse inseto, esse porco, esse embrio, mas somente na medida emque o funcionamento biolgico, em cada caso. projeta luz sobre o modo porquefuncionam os processos biolgicos caractersticos de todos os insetos, todos osporcos da Guin, to-dos os embries (e, finalmente, todos os organismos).

    Mais ou menos da mesma maneira, o socilogo pode estudar certascidades particulares, a fim de conhecer a maneira pela qual todas as cidades domesmo tipo se comportam; a fim de saber, por exemplo, como o processo decompetio em todos os casos distribui no espao as pessoas. os grupos e asinstituies e d certa configurao (inconsciente, mas nem por isso menosprecisa e, talvez, previsvel) ao desenvolvimento de todas as cidades do mesmo

    tipo. O socilogo estuda certas instituies, a fim de descobrir qual a funo detodas as instituies, como surgem, mudam e desaparecem; estudadeterminados casos de crime, vcio, pnico financeiro, migrao, violnciacoletiva, guerra, etc, a fim de descobrir o que geral a todos os casos destestipos de fenmenos sociais, quais so e como funcionam os processos sociaisem questo; estuda famlias particulares, clubes, naes e outras sociedades, afim de abstrair delas o que geral organizao, funo e desorganizao detodas as sociedades, descobrindo, em outras palavras, os processos deaparecimento, manuteno e desaparecimento das sociedades. Assim, em ledosos seus estudos de fenmenos concretos, o socilogo procura cons-

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    trair, por um contato ntimo com o comportamento das coisas sociais, um corpode conhecimentos que seja geral, universal, sistemtico, abstrato;

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    sntese, adicionando, tambm, suas prprias descobertas. Por exemplo, naUniversidade de Chicago, onde eu era "Fellow" em Sociologia, so dadoscursos em que Simmel, Durkheim, Tnnies, Dilthey, Max We-ber, Mannheim,

    Comte, Spencer, Tarde, Le Bon, Lvy Bruhl Simiand. Blondel. Maillet,Halbwachs, Maunier, Piaget, Bougl, Mauss, Gini, Pare