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1 A APLICAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA, PREVISTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AOS PROCESSOS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. Betina Treiger Grupenmacher 1 1. Considerações iniciais A desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária é assunto polêmico na doutrina e na jurisprudência, consequência da ausência de disciplina específica no ordenamento jurídico pátrio. O novo Código de Processo Civil, destarte, introduz o incidente de desconsideração de personalidade jurídica que promete solucionar o embate. O tema da responsabilidade tributária está diretamente relacionado à sujeição passiva tributária e adquiriu, nos últimos anos, grande relevância dadas as práticas das Administrações Fazendárias, adotadas diante de seu interesse de realizar a receita tributária de forma concreta e eficiente. Na relação jurídica tributária, o sujeito passivo é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, podendo ser o contribuinte ou o responsável, conforme dicção do artigo 121 do Código Tributário Nacional. Como regra geral, o sujeito passivo é o contribuinte. É aquele que realiza o fato jurídico-tributário e deve efetuar o adimplemento da obrigação de índole pecuniária, além de cumprir os deveres instrumentais tributários. A sujeição passiva pode, no entanto, ser trasladada a terceiro alheio à relação jurídica tributária, conforme disciplina estabelecida entre os artigos 128 e 138 do Código Tributário Nacional. Enfrentaremos, no âmbito do presente estudo, uma das recentes alterações promovidas pelo novo Código de Processo Civil, qual seja o incidente de desconsideração 1 Pós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela UFPR. Professora de Direito Tributário dos cursos de graduação e pós-graduação da UFPR. Visiting Scholar pela Universidade de Miami. E-mail: [email protected].

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A APLICAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE

PERSONALIDADE JURÍDICA, PREVISTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL AOS PROCESSOS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS EM MATÉRIA

TRIBUTÁRIA.

Betina Treiger Grupenmacher1

1. Considerações iniciais

A desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária é assunto

polêmico na doutrina e na jurisprudência, consequência da ausência de disciplina específica

no ordenamento jurídico pátrio. O novo Código de Processo Civil, destarte, introduz o

incidente de desconsideração de personalidade jurídica que promete solucionar o embate.

O tema da responsabilidade tributária está diretamente relacionado à sujeição

passiva tributária e adquiriu, nos últimos anos, grande relevância dadas as práticas das

Administrações Fazendárias, adotadas diante de seu interesse de realizar a receita tributária

de forma concreta e eficiente.

Na relação jurídica tributária, o sujeito passivo é a pessoa obrigada ao

pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, podendo ser o contribuinte ou o

responsável, conforme dicção do artigo 121 do Código Tributário Nacional.

Como regra geral, o sujeito passivo é o contribuinte. É aquele que realiza o fato

jurídico-tributário e deve efetuar o adimplemento da obrigação de índole pecuniária, além

de cumprir os deveres instrumentais tributários. A sujeição passiva pode, no entanto, ser

trasladada a terceiro alheio à relação jurídica tributária, conforme disciplina estabelecida

entre os artigos 128 e 138 do Código Tributário Nacional.

Enfrentaremos, no âmbito do presente estudo, uma das recentes alterações

promovidas pelo novo Código de Processo Civil, qual seja o incidente de desconsideração

1 Pós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela UFPR. Professora de Direito Tributário dos cursos

de graduação e pós-graduação da UFPR. Visiting Scholar pela Universidade de Miami. E-mail:

[email protected].

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da personalidade jurídica e a sua aplicação aos processos judicias e administrativos em

matéria tributária.

2. Sujeição passiva e responsabilidade tributária

A Constituição Federal atribui e distribui competências tributárias e, ao fazê-lo,

desde logo, estabelece o arquétipo dos tributos e os possíveis critérios da regra-matriz de

incidência.

O critério pessoal indica os sujeitos da relação tributária, sendo o sujeito ativo o

credor e o passivo aquele que pratica o fato jurídico-tributário. Precisamente em relação aos

impostos, é aquele que manifesta uma das formas de riqueza previstas no texto

constitucional e que, por essa razão, deve transferir parcela desta ao Estado, por meio do

pagamento do tributo.

Ocorre que, embora a Constituição Federal indique, desde logo, quem é o

sujeito passivo da relação jurídica tributária, o legislador complementar, ao exercer sua

prerrogativa de estabelecer normas gerais, definiu, no artigo 121 do Código Tributário

Nacional, o sujeito passivo da respectiva obrigação principal e o fez nos seguintes termos:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao

pagamento do tributo ou à penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito

passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que

constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação

decorra de disposição expressa de lei.

Como regra, o devedor é aquele que pratica o fato que constitui a materialidade2

do arquétipo constitucional do tributo, que, em se tratando de impostos, revela

manifestação de capacidade contributiva (fato signo-presuntivo de riqueza).3

2 O critério material revela o núcleo da regra-matriz de incidência e indica o fato tributável, o qual há de ser

identificado pela busca de um verbo agregado a um complemento. Paulo de Barros Carvalho leciona acerca

do critério material: “Nele há referência a um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado

por circunstâncias de espaço e tempo (critérios espacial e temporal)”.2 Ressalta que o comportamento de uma

pessoa está representado na hipótese por um verbo agregado a um complemento, consideradas determinadas

condições espaciais e temporais, afastando a utilização de verbos impessoais2 (CARVALHO, P. de B. Curso

de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 326). 3 BECKER, A. A. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 497.

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No entanto, há hipóteses em que não é o contribuinte quem assume a condição

de devedor do tributo, pois tal ônus é transferido para um terceiro, por disposição expressa

em lei. Trata-se das hipóteses de responsabilidade tributária, que comportam duas

modalidades, quais sejam: a responsabilidade por transferência e a por substituição.

Quanto à responsabilidade por transferência, está assim prevista no artigo 128

do Código Tributário Nacional:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo

expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao

fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do

contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou

parcial da referida obrigação.

A responsabilidade por transferência se opera em duas hipóteses: (i) quando o

contribuinte deixa de efetuar o pagamento do tributo ou (ii) quando pratica uma das

infrações descritas no artigo 135 do CTN, hipótese esta que tem, para Paulo de Barros

Carvalho, natureza sancionatória.4

3. Responsabilidade tributária por infração à lei, ao contrato social e aos estatutos

O artigo 135 do Código Tributário Nacional5 é reiteradamente invocado, pelas

autoridades fazendárias, como fundamento para requerer o “redirecionamento” da execução

fiscal tendente à cobrança do débito tributário, para o sócio, para o gerente ou para o

administrador, sempre que for atestada a inexistência de acervo patrimonial da pessoa

jurídica – contribuinte do tributo – apta a satisfazer a pretensão fazendária.

O mero inadimplemento da prestação tributária, contudo, não autoriza a

desconsideração da personalidade jurídica do contribuinte e a responsabilização pessoal do

sócio, do gerente e do administrador. Para que a personalidade jurídica seja desconsiderada

e, consequentemente, o débito seja redirecionado para os administradores, a autoridade

4 “Nosso entendimento é no sentido de que as relações jurídicas integradas por sujeitos passivos alheios ao

fato tributado apresentam natureza de sanções administrativas” (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito

Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 393). 5 Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes

de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas

referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou

representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

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fazendária deve demonstrar – de forma inequívoca – a prática de ação dolosa anterior ao

nascimento da obrigação tributária e responsável pelo seu nascimento, para, após tal

providência, inseri-los na condição de sujeito passivo da obrigação tributária.

A análise detida dos preceitos que disciplinam a responsabilidade tributária

demonstra, inequivocamente, que o legislador intentou resguardar o seu direito à percepção

do tributo, elegendo, para tanto, pessoas relacionadas à prática da infração tributária que

desencadeou o nascimento do crédito tributário.

Segundo dispunha o revogado artigo 10 do Decreto n. 3.708/1919, “os sócios-

gerentes não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade,

mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso

de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei”.

O Código Civil de 2002 introduziu novas regras acerca da responsabilidade

dos administradores no ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo disciplina própria para

as hipóteses de ação dolosa e culposa no exercício da gerência.

O artigo 50 do Código Civil6 regula a responsabilidade decorrente da ação

dolosa do administrador, autorizando a desconsideração da pessoa jurídica, sempre que o

administrador agir com abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de

finalidade, ou pela confusão patrimonial.7

Por dispor de liberdade para agir, praticando todos os atos necessários ao bom

gerenciamento da sociedade, há circunstâncias em que o administrador utiliza sua

autonomia para, dolosamente, cometer ilícitos tributários. Em tais circunstâncias,

responderá pessoalmente pelo respectivo débito.

Efetivamente, quando executada a pessoa jurídica, é possível – se devidamente

comprovado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou

pela confusão patrimonial – o redirecionamento da ação executiva para os gestores da

6 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela

confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe

couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos

aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 7 A prática culposa do administrador que causa prejuízo à sociedade está, inclusive, prevista no artigo 1.016,

do Código Civil: “Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e aos

terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

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sociedade, autores do ilícito descrito no artigo 50 do Código Civil.

Por expressa aplicação do disposto no artigo 333, inciso I, do Código de

Processo Civil, bem como diante da dificuldade de se produzir prova negativa da ação

dolosa do eventual responsável tributário, a única conclusão admissível, em face do

princípio da segurança jurídica, é a de que à Fazenda, com exclusividade, incumbe a prova

da ocorrência de uma das hipóteses legais autorizadoras da responsabilização pessoal dos

gestores.

Reiteramos que, inicialmente, é o autor quem deve provar o que alega, dada a

circunstância de que os fatos afirmados são pressupostos do direito invocado e devem, por

essa razão, ser demonstrados por quem afirma a existência do direito. Não se admite,

portanto, a inversão do ônus probandi em hipóteses como as que são objeto de investigação

no presente estudo.

Ao realizar o pedido de redirecionamento da dívida tributária para o

administrador, supostamente infrator, a autoridade fazendária deverá, de antemão,

comprovar os fatos constitutivos de seu direito, pois a mera alegação da ocorrência de

infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos não é bastante em si mesma para autorizar

a responsabilização pessoal do respectivo agente. Tais fatos, por serem constitutivos do

alegado direito do sujeito ativo, devem ser, por isso, amplamente comprovados, quando da

formulação de seu pedido. Nesse sentido, afirma também Rodrigo XAVIER LEONARDO:

“A simples alegação da ocorrência dos fatos afirmados pelo autor, entretanto, não retira do

autor a carga probatória sobre os fatos constitutivos”.8

Melhor esclarecendo, para a aplicação da regra de responsabilização pessoal

prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional, a Autoridade Fazendária deverá

comprovar a infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, quando for desencadeadora

do nascimento da relação jurídica tributária. Ao sujeito passivo, por sua vez, incumbirá a

prova de que foi diligente na administração da empresa, cumprindo todos os deveres

decorrentes de tal múnus e que não praticou atos abusivos da personalidade jurídica. O

executado deverá, portanto, fazer prova positiva da sua ação responsável e não prova

8 LEONARDO, R. X. Imposição e Inversão do Ônus da Prova. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 166.

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negativa de uma atuação dolosa.

Revela-se especialmente importante a regra do artigo 2º da Portaria PGFN n.

180/2010, que impõe que a inclusão do nome do corresponsável na CDA seja precedida de

“declaração fundamentada” da autoridade competente. A relevância da referida regra deve-

se ao fato de ser elemento neutralizador das inconsistências geradas por um sem número de

decisões do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que, embora o sócio e/ou o

administrador tenham que fazer prova negativa sobre sua responsabilidade tributária, tal

ônus ficará mitigado diante da necessária prova inconteste por parte da administração

fazendária, para fins de inclusão dos seus respectivos nomes na CDA.

Essas e as demais regras trazidas pela Portaria PGFN n. 180/2010 são dignas de

nota por atribuírem maior segurança jurídica às relações entre fisco e contribuinte.9 Como

registrou Maria Rita FERRAGUT, ao comentar o artigo 5º da referida Portaria, “tal

prescrição revela-se como uma grande esperança de que as relações entre Fisco e

contribuinte passarão a ser mais equilibradas. E a sociedade só tem a ganhar com isso”.10

4. Desconsideração da personalidade jurídica: pressupostos legais

Segundo pontua Denise Lucena Cavalcante, o pedido de desconsideração da

personalidade jurídica deverá observar os pressupostos previstos em lei, sempre ressaltando

que este é um incidente excepcional, pois a regra, no direito brasileiro, é a separação das

personalidades das pessoas jurídicas em relação aos seus sócios. Essa garantia não poderá,

no entanto, ser uma regra absoluta, ao ponto de servir para acobertar fraudes e abusos de

direito.11

Segundo a doutrina do disregard entity person, a autonomia patrimonial da

pessoa jurídica é desconsiderada em situações de fraude e abuso na gestão empresarial e em

9 GRUPENMACHER, B. T. Responsabilidade tributária de grupos econômicos. In: QUEIROZ, M. E.;

BENÍCIO JÚNIOR, B. C. (Coords.). Responsabilidade de Sócios e Administradores nas Autuações

Fiscais. São Paulo: Foco Fiscal, 2014. p. 55. 10

FERRAGUT, M. R. Portaria PGFN nº 180/2010 e a responsabilidade do administrador: um avanço. In:

Revista Dialética de Direito Tributário, n. 178, p. 105, 2010. 11

CAVALCANTE, D. L. A responsabilidade solidária no caso dos grupos econômicos de fato. In: QUEIROZ,

M. E.; BENÍCIO JÚNIOR, B. C. (Coords.). Responsabilidade de Sócios e Administradores nas Autuações

Fiscais. São Paulo: Foco Fiscal, 2014. p. 88.

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hipóteses em que, excepcionalmente, admite-se a constrição patrimonial dos

administradores. Não se trata de uma despersonificação da sociedade, mas de um

afastamento temporário da personalidade jurídica.12

A compreensão de que as hipóteses arroladas no artigo 135 do Código

Tributário Nacional estão diretamente relacionadas à desconsideração da personalidade

jurídica não é unânime na doutrina. Há quem entenda que a responsabilização pessoal dos

gestores, naquelas hipóteses, opera-se independentemente da desconsideração da

personalidade jurídica.

Ao se conceber tal compreensão como correta, o incidente de desconsideração

da personalidade jurídica, previsto no novo Código de Processo Civil, não teria aplicação

no âmbito do Direito Tributário, ao menos em relação às hipóteses descritas no artigo 135

do Código Tributário Nacional, quais sejam: infração à lei, ao contrato social ou aos

estatutos, quando praticadas para desencadear o nascimento de relação jurídica tributária.

Observamos que, segundo a dicção do dispositivo em questão, haverá

responsabilidade pessoal do sócio com poderes de gerência ou do administrador sempre que

a obrigação tributária decorrer da prática de ato ilícito consistente em infração à lei, ao

contrato social ou aos estatutos. Ou seja, para que se opere a responsabilização pessoal por

dívidas da pessoa jurídica, a relação jurídica tributária há de ter nascido em consequência

de prática das pessoas indicadas no dispositivo em questão, em infração à lei, ao contrato

social ou aos estatutos, da qual decorra a obrigação tributária que originou o crédito.

A intepretação do disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional impõe

o reconhecimento de que a responsabilização pessoal dos indivíduos nele arrolados só se

opera se a relação tributária, cujo polo passivo é ocupado pela empresa, irrompeu no

12

“Não se pode confundir a despersonificação com a desconsideração. Na primeira, a sociedade perde por

completo a sua personalidade jurídica, enquanto, na desconsideração, a personalidade jurídica é afastada,

temporariamente, para atingir o patrimônio dos sócios que se tenham utilizado da sociedade de forma

fraudulenta. No mesmo sentido Rubens Requião (Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica,

artigo publicado em 1969). Para alguns, a teoria da desconsideração da personalidade excepciona o princípio

da separação patrimonial. Divirjo. A nosso ver, a teoria não é exceção a esse princípio, mas uma reafirmação

dele, na medida em que não permite a utilização fraudulenta da sociedade pelos sócios, ou o desvio de

finalidade” (GUSMÃO, M. Lições de Direito Empresarial. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.

157).

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universo jurídico como decorrência direta do fato doloso e infracional praticado por um

daqueles sujeitos.

Ocorre que, na prática, a aplicação da regra em questão pelo STJ, como também

pelos tribunais intermediários, não observa os critérios impostos pelo legislador para

reconhecer a responsabilização pessoal tal qual prevista no artigo 135 do Código Tributário

Nacional. Tem sido reiteradamente admitida a responsabilização dos administradores,

independentemente do fato de o débito inadimplido ter nascido em decorrência de infração

à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

Segundo entendimento assente na jurisprudência pátria, não encontrados bens

da empresa para satisfazer o débito tributário e havendo pedido do representante da fazenda

pública nesse sentido, a ação de execução fiscal poderá ser redirecionada para o sócio com

poderes de gerência ou para o administrador, independentemente de terem sido os

promotores do fato desencadeador no nascimento da relação jurídica tributária, embora em

todos os casos o fundamento jurídico invocado e aceito para que se opere a

responsabilização pessoal seja o artigo 135 do Código Tributário Nacional. Ou seja, na

quase totalidade das hipóteses em que se opera o redirecionamento da ação executiva, o

artigo 135 do Código Tributário Nacional é equivocamente invocado como fundamento de

validade, inclusive e especialmente nas hipóteses de dissolução irregular da sociedade.

Embora não prevista expressamente no artigo 135 do Código Tributário

Nacional, a dissolução irregular é admitida como hipótese de infração à lei, inclusive

sumulada pelo STJ.13

Tal entendimento está, no entanto, segundo pensamos, equivocado. Em

coerência com os argumentos apresentados até aqui, acreditamos que a dissolução irregular

só poderia autorizar a responsabilização pessoal dos administradores se ela própria tiver

sido determinante para o nascimento da relação jurídica tributária. Ocorre que não é o que

se dá na prática. Independentemente de ter desencadeado a obrigação inadimplida, a

dissolução da sociedade, é o fundamento frequentemente invocado pela fazenda pública e

13

SÚMULA N. 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu

domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução

fiscal para o sócio-gerente.

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aceito pelo Poder Judiciário para que se dê o redirecionamento da execução. Conforme

pondera Maria Rita FERRAGUT, “há responsabilidade quando a infração resulta na

obrigação tributária”.14

E ainda: “como o artigo 135 determina que o fato lícito resulte na

obrigação tributária, ele deverá ser, necessariamente, anterior a ela, para poder implicá-

la”.15

Diante de tal circunstância, o que se verifica concretamente é a

responsabilização pessoal dos administradores, sem que tenham efetivamente praticado

qualquer dos atos capitulados no artigo 135 do Código Tributário Nacional, o que nos

permite concluir, com razoável margem de segurança, que, embora a regra aqui enfrentada

não contemple hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica e, sim, de

responsabilidade pessoal dos sujeitos nela arrolados,16

a instauração de incidente de

desconsideração da personalidade jurídica conferirá, por certo, maior segurança jurídica às

partes envolvidas, que poderão, por meio de dilação probatória, comprovar a subsunção ou

não às hipóteses do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Por outro lado, no âmbito da jurisprudência pátria, há decisões que inserem a

hipótese de dissolução irregular entre aquelas arroladas no artigo 137 do Código Tributário

Nacional,17

as quais autorizam a responsabilização pessoal do agente que praticou as

infrações descritas neste artigo.

O disposto no artigo 137 estabelece a responsabilização exclusiva do agente,

quando age em nome e por conta de terceiro, no que se distingue do disposto no artigo

14

FERRAGUT, M. R. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2013. p. 141. 15

FERRAGUT, M. R. Ob. cit., p. 142. 16

O que impõe o reconhecimento de que a obrigação tributária surge apenas aparentemente com a empresa no

polo passivo, mas que, de fato, diante da prática de ato infracional, o débito sempre teve que ser saldado

pessoalmente pelos sujeitos descritos no texto normativo. 17

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes

ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou

emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II - quanto às infrações em cuja

definição o dolo específico do agente seja elementar; III - quanto às infrações que decorram direta e

exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem

respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou

empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

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136,18

que atribui a responsabilidade por infrações à legislação tributária ao agente ou ao

responsável.

Segundo se infere das hipóteses contempladas no artigo 137, o propósito do

legislador foi: em relação ao disposto no inciso I, responsabilizar aqueles que praticam

crimes ou contravenções buscando reduzir a carga tributária ou impedir o nascimento da

relação jurídica tributária, o que, aliás, é lógico e coerente, eis que quem pratica crime ou

contravenção com o objetivo de deixar de pagar tributos ou reduzir a carga tributária há de

responder pessoalmente pela prática criminosa e pelo ilícito tributário. Embora o disposto

no artigo 136 refira-se apenas ao ilícito tributário, aquele decorrente do mero

inadimplemento ou do descumprimento dos deveres instrumentais e formais, e o artigo 137

integre o capítulo concernente às infrações tributárias, que se inaugura com o artigo 136, o

inciso I do artigo 137 estabelece a responsabilidade pessoal do agente da infração tributária

quando prevista na legislação penal.

O disposto no inciso II alcança as hipóteses em que o agente busca

consequências específicas com a prática do ilícito, ou seja, o dolo é específico para atingir

um resultado determinado.

Finalmente, quanto ao inciso III, este trata das hipóteses em que os

responsáveis tributários, agindo em nome e por conta dos seus representados, praticam

ilícitos tributários.

É relevante destacar, afinal, que as regras veiculadas pelo inciso III, alíneas a e

b, são complementares ao disposto no artigo 135, que estabelece a responsabilidade pessoal

do sócio, gerente, mandatário ou empregado que deixa de pagar o tributo infringindo a lei,

o contrato social ou os estatutos. Em ambos os dispositivos, está estabelecida a

responsabilização pessoal do agente e que agiu dolosamente. No primeiro, pelo crédito; no

segundo, pela penalidade.

A dissolução irregular da sociedade, como afirmamos anteriormente, não se

subsume à regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional, ou seja, não é fato apto a

18

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária

independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

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desencadear o nascimento da relação jurídica autorizadora da responsabilização pessoal dos

administradores e, nesse sentido, embora as decisões judiciais apliquem o artigo 135 para

responsabilização pessoal dos sujeitos nele referidos, há efetivamente uma “distorção” na

referida interpretação: a uma porque a dissolução irregular não é prévia ao nascimento da

relação jurídica tributária; a duas porque o que se opera de fato a partir do entendimento

pretoriano é a desconsideração da personalidade jurídica e não a responsabilização pessoal.

Também, segundo pensamos, não se subsume às hipóteses do artigo 137,

porque não é ilícito penal tributário, assim capitulado na legislação penal de regência, não

são todas as hipóteses de dissolução irregular que se configuram como infração cujo dolo

específico é elementar ou, ainda, infração cometida pelos gestores contra a empresa; assim,

há efetivamente uma lacuna normativa quanto à responsabilização pessoal na hipótese de

dissolução irregular, o que move o Poder Judiciário, segundo pensamos, a adotar o artigo

135 do Código Tributário Nacional como fundamento genérico de validade para a

responsabilização pessoal, o que faz, destarte, desconsiderando a personalidade jurídica da

empresa – sujeito passivo da obrigação – devedora do crédito tributário.

5. O incidente de desconsideração de personalidade jurídica e a responsabilidade por

infrações tributárias

Embora na maior parte dos casos os gestores da empresa inadimplente possam

acompanhar e produzir defesa na esfera administrativa, pois estão indicados na CDA como

possíveis responsáveis tributários, a efetiva desconsideração da personalidade jurídica do

contribuinte opera-se no âmbito da execução fiscal, quando (i) não forem encontrados bens

da empresa para satisfazer a pretensão fazendária19

e (ii) for atestada a prática de uma das

19

Conforme dispõe o artigo 1º, da Lei n. 6.830, aplicam-se à execução fiscal subsidiariamente as disposições

do Código de Processo Civil. Assim como o disposto no artigo 795, do novo CPC, também o artigo 4º, § 3º,

da citada Lei de Execuções Fiscais, prevê que bens do sócio responsável só responderão pelo débito se os da

empresa não forem suficientes para tanto. É o que se verifica dos referidos dispositivos: Art. 795, do novo

CPC: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos

em lei. § 1o O sócio réu, quando responsável pelo pagamento da dívida da sociedade, tem o direito de exigir

que primeiro sejam executados os bens da sociedade. § 2o Incumbe ao sócio que alegar o benefício do §

1o nomear quantos bens da sociedade situados na mesma comarca, livres e desembargados bastem para pagar

o débito. § 3o O sócio que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do mesmo processo. § 4

o Para

a desconsideração da personalidade jurídica, é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”.

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infrações arroladas no artigo 135 do Código Tributário Nacional, oportunidade em que a

Fazenda Pública requer o “redirecionamento” da execução para o/os responsável/eis

tributário/os.

Verificada as referidas circunstâncias de fato, o juiz determina a inclusão do

responsável no polo passivo do executivo fiscal, a fim de que responda pessoalmente pelo

respectivo débito, ordenando a sua citação para que pague ou indique bens a serem

penhorados, essa é a oportunidade em que usualmente é apresentada a exceção de pré-

executividade, com o propósito de exclusão do administrador do polo passivo da demanda.

Ocorre que, por ser fruto de construção pretoriana, a utilização da exceção de

pré-executividade como instrumento de defesa sempre esteve envolta em intensa

controvérsia, tanto na doutrina20

quanto na jurisprudência. O embate funda-se no fato de

que, além de não estar positivada no sistema jurídico, a exceção de pré-executividade,

quando admissível, só pode ser utilizada para oposição de argumentos relativos à matéria

de direito, que independam de dilação probatória.

Sendo certo que a verificação dos pressupostos necessários à desconsideração

da personalidade jurídica em matéria tributária envolve, necessariamente, a produção de

provas tendentes a afastar a alegação de que houve prática de infração à lei, ao contrato

social ou aos estatutos, ou, ainda, de dissolução irregular de sociedade, muitas vezes o

responsável tributário não consegue ilidir a sua responsabilidade de imediato com a só

apresentação da exceção de pré-executividade, e a solução acaba se verificando de forma

definitiva no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, momento em que, muitas vezes, já

houve constrição patrimonial, ora de forma devida, ora indevida.

E art. 4º, § 3º, da Lei n. 6.830: “Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão

nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos

responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida”. 20

Mary Elbe QUEIROZ, de forma elucidativa, inventaria os requisitos para aplicar a desconsideração da

personalidade jurídica, assim sintetizados: “i) existência de uma obrigação legal; ii) obrigação não cumprida;

iii) o não cumprimento esteja relacionado com outro ato ilícito; iv) abuso da personalidade jurídica decorrente

de desvio de finalidade ou confusão patrimonial; v) a desconsideração será aplicada e procedida por

autoridade judicial; vi) a pessoa que está habilitada a requerer a desconsideração seja o credor ou Ministério

Público” (QUEIROZ, M. E. A elisão e a evasão fiscal: o planejamento tributário e a desconsideração de atos,

negócios e personalidade jurídica. In: TORRES, H. T.; QUEIROZ, M. E. (Coords.). Desconsideração da

Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 137).

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Com a entrada em vigor do novo CPC, a desconsideração da personalidade

jurídica só se dará após a decisão judicial que acolher definitivamente o respectivo pedido.

A inserção no ordenamento jurídico positivo do incidente de desconsideração

da personalidade jurídica evitará que a matéria continue sendo discutida em sede de

exceção de pré-executividade, o que, em tudo e por tudo, a par de gerar insegurança

jurídica para o contribuinte, pode ocasionar prejuízos ao erário, decorrentes da morosidade

na realização da receita tributária.

Diante da prática reiterada de desconsideração da personalidade jurídica

operada por requerimento das Fazendas Públicas e acatada pelos juízes e tribunais pátrios,

com a entrada em vigor do novo CPC, a desconsideração da personalidade jurídica poderá

ser requerida pela parte interessada ou pelo Ministério Público – quando lhe couber intervir

no processo –,21

na petição inicial22

ou, incidentalmente, em qualquer das fases do processo

de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial – é

extensível, portanto, à execução da CDA –, sendo aplicável, inclusive, para a

desconsideração inversa da personalidade jurídica.23

Examinado o pedido formulado na petição inicial ou incidentalmente, e

convencendo-se da probabilidade da existência dos pressupostos aptos a autorizar a

desconsideração da personalidade jurídica, o juiz admitirá o incidente; caso contrário, dará

oportunidade para que o requerente demonstre a presença dos pressupostos autorizadores

do pedido.

Impõe-se ressaltar que os pressupostos para desconsideração da personalidade

jurídica são estabelecidos por cada um dos ramos do direito material; no direito tributário,

aplica-se subsidiariamente àqueles arrolados no artigo 50, do Código Civil.

Embora os Tribunais tenham fundamentado a desconsideração da personalidade

jurídica em matéria tributária no artigo 135 do Código Tributário Nacional, tal

21

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do

Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. 22

Art. 134. § 2o. Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for

requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. 23

Art. 133. § 2o. Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade

jurídica.

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entendimento parte, segundo compreendemos, de uma interpretação distorcida do

dispositivo em questão. A responsabilização pessoal decorrente do artigo 135 só está

autorizada quando o ilícito tributário for prévio ao nascimento da relação jurídica tributária

e é exclusiva do agente, nunca solidária ou subsidiária, o que afasta a hipótese de

desconsideração da personalidade jurídica. Não estamos afirmando, no entanto, que não há

hipótese de desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. Haverá sempre

que sócios com poderes de gerência e administradores incidirem nas práticas descritas no

artigo 50 do Código Civil.

Segundo pondera Alexandre Freitas CÂMARA: “Ao Código de Processo Civil

incumbe, tão somente, regular o procedimento do incidente de desconsideração da

personalidade jurídica (o qual será sempre o mesmo, qualquer que seja a natureza da

relação jurídica de direito substancial deduzida no processo)”.24

Atestada da probabilidade da desconsideração da personalidade jurídica, o juiz

receberá o pedido e instaurará o incidente, determinando a citação do sócio ou da pessoa

jurídica – em caso de desconsideração inversa –, para que se manifeste e requeira as provas

cabíveis. Todos os meios de prova são admissíveis.

A citação é o marco a partir do qual presume-se fraudulenta qualquer alienação

patrimonial realizada pelo sócio ou pela empresa.

Como referido em linhas anteriores, o incidente pode ser instaurado em

qualquer fase do processo de conhecimento, inclusive na fase recursal, quando será

requerido ao relator do feito, o qual, assim como o juiz de primeiro grau de jurisdição, fará

o juízo de admissibilidade, verificando presença ou não dos pressupostos autorizadores da

desconsideração da personalidade jurídica, determinando a citação do requerido para que se

manifeste sobre o pedido.

Segundo dispõe o artigo 137 do novo CPC, “acolhido o pedido de

desconsideração, a alienação ou oneração de bens, havida em fraude de execução, será

ineficaz em relação ao requerente”. Embora a interpretação isolada do referido dispositivo

24

CÂMARA, A. F. In: WAMBIER, T. A. A. et al. Breves Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2015. p. 427.

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possa levar a crer que o termo a quo para fins de caracterização de fraude à execução seja o

da instauração do incidente, se interpretado conjuntamente com o disposto no artigo 792, §

3º, do mesmo diploma processual,25

a conclusão é a de que se considera fraude à execução

qualquer alienação patrimonial levada à cabo após a citação. Efetivamente, antes da citação,

o sócio ou a empresa – na hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica –

ignoram a possiblidade da desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, não faz

sentido que a só decretação do incidente tenha o condão de estabelecer o marco inaugural

para consideração de fraude à execução.

Merece destaque a previsão de atribuição do efeito suspensivo decorrente da

instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica,26

efeito este que,

com rara frequência, era atribuído à exceção de pré-executividade, o que, como

ponderamos, em alguns casos, gerava a constrição indevida do patrimônio do suposto

responsável tributário, o que, a despeito de ocasionar prejuízos àquele cujo patrimônio foi

comprometido, também não é do interesse da Administração Fazendária, a qual, em nome

do interesse público, busca perceber o que é efetivamente devido pelo sujeito passivo da

obrigação tributária.

Ressalta-se que a suspensão do processo se opera apenas na hipótese de a

desconsideração da personalidade jurídica ter sido requerida incidentalmente, não se

aplicando na hipótese de pedido formulado na petição inicial; e diz respeito à suspensão

imprópria, já que o processo não permanecerá integralmente paralisado, pois o incidente

terá o seu curso normal, o que permanecerá suspenso será o curso de todos os atos

processuais, exceto os urgentes, que não digam respeito ao incidente.

Conforme leciona Alexandre Freitas CÂMARA:

Fica claro, então, que não se está diante da verdadeira e própria suspensão do

processo. O que se tem é, apenas, a vedação à prática de certos atos do processo

(aqueles que não integram o procedimento incidente), o que perdurará até que o

incidente de desconsideração seja decidido. Há, pois, apenas uma suspensão

imprópria, assim considerada a vedação temporária à prática de alguns atos do

processo, permitida a prática de outros (no caso é permitida a prática dos atos

processuais referentes ao processamento do incidente de desconsideração da

25

Art. 792, § 3o. Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a

partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar. 26

Art. 134, § 3º.

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personalidade jurídica). Enquanto pendente o incidente, então, os atos que não lhe

digam respeito não poderão ser praticados. Fica, de todo modo, ressalvada a

possibilidade de prática de atos urgentes, destinados a impedir a consumação de

algum dano irreparável, nos restritos termos do disposto no artigo 134.

Encerrada a dilação probatória, o juiz proferirá a sua decisão, cuja natureza

interlocutória permite a oposição de agravo de instrumento, conforme, inclusive, está

previsto no artigo 1.015, inciso IV, do novo CPC, que arrola quais são as decisões

agraváveis.27

Se, na fase recursal, a decisão for do relator, caberá agravo interno nos termos

do artigo 1.021 do novo CPC.28

6. A desconsideração da personalidade jurídica e o processo administrativo fiscal

O NCPC estabelece, em seu artigo 15, que “Na ausência de normas que

regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código

lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Para os fins do presente estudo, interessa-nos, particularmente, a referência ao

processo administrativo, precisamente o processo administrativo tributário.

A interpretação sistemática das regras do NCPC, em especial daquelas insertas

no capítulo I – concernentes às normas fundamentais do processo civil –, demonstra que a

pretensão do legislador foi estabelecer uma Teoria Geral do Processo, aplicável não apenas

ao processo civil, mas aos processos judiciais ou administrativos em que se decidem

controvérsias atinentes a todos os ramos do Direito e, embora o legislador não tenha feito

referência expressa a todos eles, pensamos que o dispositivo há de ser interpretado

extensivamente para alcançá-los.

27

No novo sistema processual, só serão agraváveis as decisões interlocutórias expressamente referidas no

artigo 1.015, quais sejam as que versarem sobre: “I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição

da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V -

rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou

posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do

litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou

revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do

art. 373, § 1º, XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também

caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou

de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”. 28

Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator, caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado,

observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

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Exemplo claro de que foi essa a intenção do legislador processual do NCPC

são as regras relativas aos precedentes judiciais e à sua necessária observância pela

administração pública, o que se verifica, em especial, quanto ao incidente de resolução de

demandas repetitivas e à observância da respectiva decisão pela administração pública, no

que concerne aos contratos de concessão, permissão e autorização para a prestação de

serviços públicos.29

Assim, partindo-se da premissa de que as normas estabelecidas no NCPC são

aplicáveis aos processos judiciais e administrativos em que se decidem controvérsias de

todos os ramos do direito, inclusive o tributário, cumpre investigar em que medida será

permitida e possível tal aplicação.

O artigo 15 do NCPC não só determinou a aplicação das suas disposições aos

processos administrativos, além dos eleitorais e trabalhistas, mas também restringiu tal

aplicação às hipóteses em que inexistam normas que regulassem os referidos processos,

acrescendo que a aplicação das suas disposições dar-se-á de forma supletiva ou subsidiária.

Aparentemente, o dispositivo em questão contém uma contradição interna, pois,

ao mesmo tempo em que restringe a aplicação das normas processuais às hipóteses de

lacuna nas leis de regência dos processos que elenca, estabelece que as normas do NCPC

lhes serão aplicadas subsidiaria ou supletivamente.

Subsidiariedade e supletividade não são figuras análogas ou mesmo afins.

Segundo o Dicionário Digital da Língua Portuguesa Caldas Aulete, subsidiário indica a

condição daquele que “subsidia, auxilia”,30

e supletivo a condição daquele que “completa,

29

Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I - a todos os processos individuais ou coletivos

que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal,

inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II - aos casos futuros

que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo

revisão na forma do art. 986. § 1o Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação. § 2

o Se o

incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o

resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para

fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. 30

Dicionário Digital Caldas Aulete. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/subsidiario>. Acesso em: 12

set. 2015.

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que serve de suplemento”.31

Conforme se verifica das definições em questão, os

significados dos termos subsidiário e supletivo não se equivalem e se assim o são, há de se

distinguir a aplicação do NCPC em uma e em outra hipótese, sobretudo no que toca os

processos administrativos, gênero no qual se insere a espécie “processo administrativo

tributário”.

Embora haja expressa referência no texto normativo à “ausência de norma”

regulatória, o legislador não se referiu apenas à aplicação supletiva do NCPC aos processos

administrativos, no preciso sentido de colmatação de lacunas, mas autorizou também a sua

aplicação subsidiária, o que, conquanto antinômico com a alusão à “ausência de norma” –

já que nessa hipótese a aplicação seria apenas supletiva –, guarda coerência com a intenção

do legislador de atribuir ao NCPC a condição de veículo introdutor de uma nova Teoria

Geral do Processo.

Ao reportar-se à aplicação subsidiária das regras do NCPC ao processo

administrativo, o que intencionou o legislador foi determinar que, mesmo diante da

completude da respectiva legislação de regência, as suas disposições – as do NCPC –

devem auxiliar e dirigir a atividade do intérprete, inclusive daqueles envolvidos na

condução dos processos administrativos – entre eles os tributários –, que são aqueles que de

perto nos interessam.

Assim, as disposições no NCPC, uma vez em vigor, poderão subsidiar e

suplementar a aplicação das leis regulatórias dos processos administrativos fiscais (PAFs).

Importa destacar que, embora o CPC possa ser aplicado supletiva e

subsidiariamente aos PAFs, as normas que os regulam devem prevalecer quando em

conflito com as normas do CPC, pois, diante da antinomia entre norma genérica e norma

especial, por imposição do critério da especialidade, aplica-se a última (qual seja a

específica, regulatória do PAF) em detrimento da primeira (qual seja o CPC, que ostenta a

condição de norma genérica).

31

Dicionário Digital Caldas Aulete. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/supletivo>. Acesso em: 12 set.

2015.

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19

Por outro lado, na hipótese de ausência de norma disciplinadora de alguma

situação específica em relação aos PAFs, a legislação processual só poderá ser empregada

supletivamente se compatível com o rito do respectivo processo administrativo. É neste

preciso ponto que cabe a análise sobre a aplicabilidade do incidente de desconsideração da

personalidade jurídica aos PAFs.

É certo que, como regra, a legislação regulatória dos PAFs nos âmbitos federal

estadual e municipal não contempla a possiblidade de instauração de incidente de

desconsideração da personalidade jurídica, tal qual o faz o NCPC, assim, a aplicação da

disciplina criada pelo NCPC seria supletiva e não subsidiária. Cumpre, no entanto,

investigar se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é compatível com os

PAFs. Pensamos que não.

É certo que a participação do responsável tributário no processo administrativo

de verificação da legalidade do lançamento, quando houver indícios da prática de ilícito,

quer nas hipóteses do artigo 135 do Código Tributário Nacional, quer nas do artigo 137 do

mesmo diploma legal, é imprescindível em homenagem ao princípio do contraditório e do

devido processo legal, sob pena de nulidade do respectivo procedimento.

Embora a jurisprudência reconheça a necessidade da indicação dos possíveis

responsáveis tributários na CDA, para que não se opere a sua nulidade, pensamos que a

mera indicação dos nomes dos administradores na referida certidão é de todo insuficiente

para garantir o contraditório e o devido processo legal.

Em toda e qualquer hipótese em que haja indícios da prática de ilício pela

pessoa física, deverá esta ter a oportunidade de produzir defesa e apresentar provas na via

administrativa, inclusive e sobretudo, com vistas a se eximir da suposta responsabilidade

tributária.

Ocorre que, diante da inaplicabilidade do incidente de desconsideração da

personalidade jurídica ao processo administrativo, para que se alcance o mesmo resultado

que se obterá com a sua aplicação no âmbito do processo judicial, qual seja a observância

do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, se a Administração Fazendária verificar a

prática do ilícito antes da lavratura do auto de infração, deverá incluir o responsável

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20

tributário no respectivo ato administrativo de imposição da penalidade, propiciando-lhe,

desde logo, juntamente com a pessoa jurídica, a possibilidade de impugnação e produção de

defesa. Se, por outro lado, durante o trâmite do processo administrativo fiscal, constatar-se

que o administrador praticou algum dos ilícitos previstos nos artigos 135 ou 137 do Código

Tributário Nacional, a Administração Fazendária deverá lavrar novo auto de infração contra

a pessoa física, o que só poderá ocorrer, ressalvamos, se ainda não tiver decorrido o prazo

decadencial.32

Observados esses pressupostos, pensamos que estará por igual garantida a

segurança jurídica das partes envolvidas nos atos administrativos de cobrança do crédito e

de imposição da penalidade.

A suspenção da eficácia da pessoa jurídica é, em princípio, prerrogativa

exclusiva do julgador no âmbito do processo judicial e a partir do NCPC não pode ser feita

informalmente, ou seja, sem que se observe o contraditório e o devido processo legal,

assegurados com a tramitação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Finalmente, não vislumbramos a possibilidade de aplicação do incidente de

desconsideração da personalidade jurídica aos PAFs, pois sendo certo que a atribuição da

personalidade jurídica se dá por ato administrativo praticado pelo Registro de Comércio,

não se admite o afastamento dos seus efeitos por autoridade administrativa diversa, qual

seja a autoridade fazendária.

7. Considerações finais

São muitos, sem dúvida, os aspectos positivos trazidos pelo incidente de

desconsideração da personalidade jurídica e, entre todos eles, o mais importante é a sua

aptidão de materialização da garantia ao devido processo legal e ao contraditório, já que a

32

Maria Rita Ferragut compactua de tal entendimento quando afirma: “Não haverá nulidade se a apuração

final dos fatos concluir que a responsabilidade pelo pagamento da dívida não deva ser do administrador. Já na

hipótese inversa, o processo terá se instaurado em face de pessoa não devedora, o que gera sua nulidade por

vício formal. Ocorrendo essa situação, o fisco deverá lavrar novo auto de infração, desta vez contra o

administrador, gerando novo processo administrativo se o auto for impugnado. Tal fato, porém, só poderá

ocorrer se o prazo decadencial não tiver se exaurido, conforme já visto anteriormente” 32

(FERRAGUT, M. R.

Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013. p. 206 e 207).

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21

Constituição Federal assegura no artigo 5º, incisos LIV e LV,33

que ninguém será privado

de seus bens sem a observância do devido processo legal, sendo assegurado o contraditório

e a ampla defesa no processo judicial e, também, no administrativo.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, um

avanço que imprimirá maior segurança e certeza às relações entre a administração

fazendária e o sujeito passivo da relação jurídica tributária, seja ele contribuinte ou

responsável, garantido que a chamada teoria maior – aquela que só autoriza a

desconsideração da personalidade jurídica se comprovado o abuso tendente à prática do

desvio de finalidade e da confusão patrimonial, tal qual estabelecido no artigo 50 do

Código Civil – prevaleça sobre a teoria menor – segundo a qual, o mero inadimplemento

autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. O que, como ressaltado em passagem

anterior do presente texto, já é a orientação seguida pela Administração Fazendária Federal,

segundo o que disciplina a Portaria PGFN n. 180/2010. Na mesma linha do que estabelece

a referida Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, também o § 4º do artigo

134 do novo CPC, que impõe que o requerimento de desconsideração esteja acompanhado

da comprovação de preenchimento dos pressupostos legais autorizadores da medida.

Em matéria de direito tributário, o maior avanço trazido pela criação do

incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi a possiblidade de realização

plena do direito ao contraditório, permitindo ao responsável que demonstre a sua ausência

de responsabilidade ou, se comprovada a sua atuação dolosa, substitua de imediato aquele

que integra polo passivo da relação processual, assumindo a condição de executado.

Diante da regra constante do artigo 15 do NCPC e inexistindo na disciplina

regulatória dos PAFs a previsão de procedimento análogo ao incidente de desconsideração

da personalidade jurídica tal qual previsto no NCPC, poder-se-ia admitir-lhes a sua

aplicação, no entanto, quer pela incompatibilidade procedimental, quer pelo fato de que

uma autoridade administrativa não pode desconsiderar ato produzido por outra, ou seja, a

autoridade fazendária não pode desconsiderar ato praticado pela autoridade que conferiu a

33

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes,

em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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personalidade jurídica, qual seja a do Registro de Comércio, o incidente em questão não se

aplica aos processos administrativos em que se discute matéria tributária.

Referências

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