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1 RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO Osasco junho 2012

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RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E

INSTITUCIONAIS

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO

Osasco

junho 2012

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RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E

INSTITUCIONAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do UNIFIEO - Centro Universitário FIEO, para obtenção do título de mestre em Psicologia Educacional, tendo como área de concentração Psicopedagogia inserida na linha de pesquisa Ensino/Aprendizagem e contexto social e político, sob orientação do Prof. Dr. João Clemente de Souza Neto.

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO

Osasco

junho 2012

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Silva, Raquel Antunes de Oliveira

A Adoção de Crianças no Brasil: Os entraves jurídicos e institucionais. Raquel Antunes de Oliveira Silva; Osasco, SP, 2012.

1. Adoção. 2. Criança. 3. Família. 4. ECA . I. Título. II. SOUZA NETO, João Clemente de.

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RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS

Aprovada em _____ de ___________________ de 2012.

BANCA EXAMINADORA

__________________________

Prof. Dr. João Clemente de Souza Neto Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)

________________________

Prof. Dr. Roberto da Silva Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)

___________________________

Profa. Dra. Márcia Siqueira de Andrade Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)

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DEDICATÓRIA

Dedico este meu trabalho de pesquisa:

A DEUS, por tudo que me tem ofertado na vida;

Aos meus amados mãe e pai: Maria José de Jesus Mesquita e Miguel Mesquita;

Ao meu marido, Donizete Pena, companheiro fiel e pai maravilhoso;

Às bênçãos da minha vida, meus amados filhos Débora, Bárbara e Eduardo;

Aos meus irmãos Elizeu e Jorge.

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AGRADECIMENTOS

Especialmente agradeço ao meu esposo e meus filhos, os quais foram furtados,

algumas vezes, da minha presença; que permeados por tantos afetos familiares

entenderam as minhas ausências e meu desejo de realizar essa pesquisa.

Ao Prof. Dr. João Clemente de Souza Neto, orientador e amigo, que em todos os

momentos em que senti demasiada incapacidade de seguir adiante me chamou à

razão e me fez emergir das minhas angústias e seguir em frente. Obrigada por não

desistir de mim!

A Profa. Dra. Márcia Siqueira de Andrade, coordenadora do Curso de Mestrado do

UNIFIEO, que soube entender minhas aflições durante meu percurso.

Ao Prof. Dr. Roberto da Silva que me subsidiou com os seus conhecimentos e me

inspirou através das suas escritas.

Aos Ilustríssimos e mui queridos Professores Doutores Luiz Carlos de Azevedo e

Luiz Carlos de Azevedo Filho que deixaram muitas saudades, aos quais devo

especiais agradecimentos pelo incentivo e pela oportunidade que me deram para

realizar os Cursos de Pós-Graduação do UNIFIEO.

A Profa Dra. Beatriz Alexandrina de Moura Fétizon que leu e valorizou as minhas

primeiras escritas sobre a pesquisa o que fortaleceu minhas idéias.

Aos participantes desta pesquisa, casais e especialistas entrevistados que tanto

contribuíram para que este trabalho se concretizasse.

Aos amigos da FEUSP: Nanci, Solange, Eloisa e Luci Mara, aos Docentes do EDA

que me deram apoio e auxilio nesta caminhada. Assim como à amiga Juliana Izar

pelo apoio e disponibilidade nos momentos em que precisei de sua ajuda.

E por fim, à Instituição UNIFIEO e seus funcionários e professores, que fizeram parte

da minha trajetória acadêmica, especialmente a vocês Ângela e Delmira.

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RESUMO

SILVA, Raquel Antunes de Oliveira Silva. A adoção de crianças no Brasil: os

entraves jurídicos e institucionais. 2012. 134 p. Dissertação (Mestrado em

Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional,

Centro Universitário FIEO, Osasco, 2012.

O objetivo desta pesquisa é analisar a evolução do processo de adoção no Brasil,

como um dos meios de desinstitucionalização, em busca de garantir à criança as

condições de exercício dos seus direitos ao carinho, ao acolhimento e à atenção, de

forma pessoal e prolongada, para que desenvolva bons relacionamentos e

comportamentos sociais proporcionados num convívio familiar equilibrado e num

convívio justo. Para esse fim, a pesquisa seguiu uma abordagem do tipo qualitativa,

com história oral, mediante entrevistas e interações com quatro famílias adotantes e

dois especialistas que atuam na área de adoção. Nas histórias levantadas, o que se

procurou foi verificar como se desenvolveu o processo de adoção e a singularidade

de cada caso. Foram feitas descrições e discussões em vista da construção dos

genogramas das famílias e do traçado da nova configuração familiar. A análise

buscou se apropriar da perspectiva da Psicologia Educacional e da doutrina de

proteção integral estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei nº.

12.010, de 03 de agosto de 2009, que altera os dispositivos legais ainda em vigência

no Brasil, delineando o percurso evolutivo do processo do processo de adoção por

meio da modificação do ordenamento jurídico.

Palavras-chave: adoção, criança, família, ECA

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ABSTRACT

SILVA, Raquel Antunes de Oliveira Silva. The adoption of children in Brazil: the

legal and institutional barriers. 2012. 134 p. Thesis (MA in Educational

Psychology) - Course Postgraduate Educational Psychology, University Center FIEO,

Osasco, 2012.

The objective of this research is to analyze the evolution of the adoption process in

Brazil, as a means of deinstitutionalization, seeking to ensure child conditions for

exercising their rights to care, the reception and attention, personally and prolonged

to develop good relationships and social behaviors provided a balanced family life

and a fair living. To this end, the research followed a qualitative approach, with oral

history through interviews and interactions with four adopting families and two

experts working in the area of adoption. Raised in the stories, which was sought to

verify how developed the adoption process and the uniqueness of each case.

Descriptions and discussions were made in view of the construction of genograms of

families and the tracing of the new family configuration. The analysis sought to

appropriate the perspective of educational psychology and the doctrine of integral

protection established by the Statute of Children and Adolescents and the Law.

12010 of 03 August 2009 amending the regulations still in force in Brazil, outlining the

route evolutionary process of the adoption process by modifying the legal system.

Keywords: adoption, child, family, ECA

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..................................................................................... 011

2. A FAMÍLIA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DA CRIANÇA ........... 016

2.1 O desenvolvimento emocional, intelectual e social da criança e seus

rompimentos .......................................................................................... 019

3. DA INSTITUCIONALIZAÇÃO À ADOÇÃO ........................................ 022

3.1. O percurso e o perfil de crianças e adolescente abrigados ....... 024

3.2. O que é adoção e seus primeiros registros ............................... 027

3.3. A adoção no Brasil ...................................................................... 032

3.3.1 Os tipos de adoção no Brasil ................................................. 038

3.3.2 A Construção do Cadastro Único .......................................... 045

3.3.3 Os Grupos e Encontros de Apoio à Adoção .......................... 048

3.4. As atuais mudanças do processo de adoção ............................. 049

4. PERCURSO DA PESQUISA .............................................................. 052

4.1. O perfil dos participantes da pesquisa ........................................ 053

4.2. O genograma das famílias entrevistadas .................................... 056

5. A VISÃO DAS FAMÍLIAS SOBRE O PROCESSO DE ADOÇÃO ...... 064

5.1. Quadro síntese de categoria – Análises das entrevistas realizadas

com as famílias ................................................................................065

5.2. Discussão, reflexão ..................................................................... 070

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 081

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 085

ANEXOS ................................................................................................ 089

ANEXO 1: Roteiro para entrevistas das famílias adotantes e dos especialistas

da área da adoção ........................................................................... 090

Anexo 1.1. Roteiro para subsidiar entrevista com famílias adotantes ... 091

Anexo 1.2. Roteiro para subsidiar entrevista com especialistas da área de

adoção ................................................................................................... 093

ANEXO 2: Informações coletadas nas entrevistas ................................ 095

Anexo 2.1 – Entrevista família 1 - Alpinópolis, MG ................................ 096

Anexo 2.2 – Entrevista família 2 - São Paulo/SP ...................................102

Anexo 2.3 - Entrevista família 3 – São Paulo/SP................................... 106

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Anexo 2.4 - Entrevista família 4 - São Paulo/SP ................................... 112

Anexo 2.5 – Entrevista especialista 1 - São Paulo/SP ......................... 124

Anexo 2.6 – Entrevista especialista 2 - São Paulo/SP .........................127

ANEXO 3: O genograma e seus símbolos ............................................ 131

ANEXO 4: Desenhos feitos pelas irmãs citadas na família 4 ................ 134

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1. INTRODUÇÃO

O Mestrado na minha vida é um desejo há muito percorrido. Em 2002, quando

terminei o meu curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional na

UNIFIEO, não queria parar de estudar e decidi, então, apresentar um projeto de

pesquisa no curso de Mestrado em Psicopedagogia. Preparei um projeto piloto com

o tema “A construção do sujeito ético no primeiro ciclo do ensino fundamental”. A

escolha do tema se originou da disciplina que fiz no curso de Psicopedagogia com o

Prof. João Clemente de Souza Neto e do meu trabalho de conclusão de curso com o

tema “A escola na construção ética do sujeito: uma abordagem psicopedagógica”1,

que já trazia um pouco de minha experiência junto à Escola de Aplicação da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (EA/FEUSP), cuja dedicação

profissional perdurou 10 anos. Durante esse período de trabalho na Secretaria da

EA, observei a rotina da instituição que recepcionava só no 1º. ano do ensino

fundamental 60 crianças por ano, novas vidas que aquele espaço escolar ganhava,

com a responsabilidade de assegurar a elas a formação comum indispensável para

o exercício da cidadania e o usufruto do trabalho, conforme consta em seu

regimento escolar.

Completamente entregue àquele universo e totalmente apaixonada pelo tema

Educação – como esperado, pois havia acabado de conquistar meus primeiros

títulos acadêmicos, Pedagoga e Psicopedagoga –, tinha o sonho de pesquisar

algumas questões acerca dos conflitos que conseguia observar no âmbito das

relações no ambiente escolar. Participava indiretamente das decisões relativas ao

futuro de todos eles, que somavam aproximadamente 700 alunos entre o Ensino

Fundamental e Ensino Médio. Como Secretária de Escola, função que exercia com

muita responsabilidade, encontrava-me em contato com as crianças, os professores

e toda a equipe técnica, formada pela diretoria, coordenadoria pedagógica e

orientadores educacionais. Aprendi muito nesses anos todos, sonhei, realizei e

ousei.

Porém, um dia temos que tomar novos rumos e, se não o fazemos, a vida se

encarrega de fazê-los... Fui então transferida da Escola para a Faculdade, saindo do

universo das crianças e adentrando no universo dos jovens universitários. Nesse

contexto, não sabia mais se daria conta de prosseguir minha pesquisa com o 1 SILVA, Raquel A. O. A escola na construção ética do sujeito: uma abordagem psicopedagógica (monografia de conclusão de curso). 2002. Este trabalho faz parte do acervo da UNIFIEO/Osasco.

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mesmo entusiasmo, uma vez que todo o meu envolvimento estava ameaçado pelo

distanciamento.

Titubeei por algum tempo, mas prossegui, pois tinha muito claro o objetivo de

mostrar, por meio da minha pesquisa, a importância de orientar as crianças quanto à

necessidade da construção do saber viver em sociedade, sobretudo no ambiente da

educação, além do fato de minhas duas filhas também estudarem desde o 1º. ano

do ensino fundamental nesta escola. Movida pela vontade de desenvolver, junto à

escola, um projeto que lidasse com todas as questões que esbarrassem no mote da

construção ética da criança e a contribuição da escola para tal, continuei.

Já na FEUSP, conheci um docente que trabalhava com projeto social.

Procurei saber mais sobre o tema, participei de algumas palestras, encontros e

passei a acreditar na causa, ingressando para o projeto.

Neste período precisei dar uma pausa em meus trabalhos, mas o motivo foi

maravilhoso! Eu e minha família fomos agraciados com a vinda de mais um filho.

“Ganhei”, literalmente falando, meu filho caçula, o Dudú, que nasceu em nosso

âmbito familiar no dia 05 de dezembro de 2003, com trinta e cinco dias de vida,

2.950Kg e 51cm, interrompendo prazerosamente todas as atividades cotidianas da

família. A adoção transformou nossas vidas e a dedicação integral aos cuidados

dele se transformou em prioridade na minha vida, ou seja, por hora, minha pesquisa

tinha ficado em segundo plano e sem arrependimentos.

Passado um tempo, regressei aos trabalhos junto aos membros da equipe do

projeto de Encontros de Equipe Técnicas de Unidades de Atendimento Social e

retornei ao convívio acadêmico, ocasião em que meu amigo e orientador me

comunicou que estava na hora de retomar aquilo que havia deixado inacabado: a

minha pesquisa. Em uma conversa muito aberta e importante, ele me propôs o

retorno e a mudança do tema da pesquisa, pois observando que o meu

envolvimento se dava em outras instâncias, meu foco de pesquisa, que não havia

deixado de ter como principal sujeito “a criança” passava a ser outro: “a adoção de

crianças no Brasil”. Achei o convite bastante interessante e ousei atender, sabendo

que teria que recomeçar do zero. Tudo era novo e desafiador, mas aceitei enfrentar

essa nova linha de conhecimento.

Mergulhada no mundo da pesquisa sobre adoção e fazendo parte da equipe

que buscava estudar questões que envolvem o tema, participei dos encontros de

equipes técnicas de unidades de atendimento social, realizados de agosto a

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dezembro de 2005, os quais foram pensados pela equipe do projeto de pesquisa

após o aprofundamento teórico acerca do método sistêmico, que segundo Ladvocat:

[...] possui um corpo teórico específico no estudo e tratamento da relação familiar. Considera a família como um sistema aberto, que troca a energia e informação com seu meio ambiente. Cada grupo social é constituído por múltiplos microssistemas, sendo a família um sistema entre sistemas. Devemos considerar em que contexto sócio-cultural a família está inserida, considerando suas regras, seus mitos, suas origens étnicas e religiosas” (LADVOCAT in: ABTH, 2002, p. 21)

Durante essa atividade e conforme registrado em sua dissertação de

Mestrado, a pesquisadora Juliana Gama Izar (p. 20, 2011) enfatizou a evidência da

necessidade de capacitar os funcionários técnicos dos abrigos, cujas equipes eram

formadas, na maioria das vezes por psicólogos e assistente sociais, sendo rara a

participação de um pedagogo em sua composição. Essa questão levou à formação

de uma rede de trabalho, na qual tive a honra de fazer parte, que atendeu seis

abrigos do estado de São Paulo, um grupo de especialistas coordenado pelos

Professores Doutores Roberto da Silva (FEUSP) e João Clemente de Souza Neto

(UNIFIEO), desenvolvendo as seguintes temáticas: A Metodologia Sistêmica;

História da Criança Brasileira; O Trabalho do Técnico: a utilização do genograma e

do sociodrama; Abrigo: história, família e comunidade; A História das Entidades

Sociais no Brasil; O trabalho com a Família.

Na sequência dos trabalhos foi idealizado e realizado o I Congresso

Internacional de Pedagogia Social e Simpósio de Pós-Graduação (I CIPS), de 08 a

11 de março de 2006. Tenho que dizer que toda essa trajetória levou o grupo à atual

organização do CIPS, que está em sua quarta edição, com realização marcada para

julho de 2012 e no qual terei a satisfação de participar com a apresentação de um

trabalho.

Com a escolha do tema adoção e evolvida e influenciada por tantos casos

existentes a minha volta e pela própria experiência de vida, vi-me capaz de seguir

em frente.

A adoção no Brasil é tema, hoje, muito debatido, porém há ainda muito a ser

feito para ajustar o sistema, apesar das várias mudanças já ocorridas.

Dados atuais do Jornal do Brasil, em sua edição de 04/07/2011, registram que

mais de 500 crianças já foram adotadas por meio do Cadastro Nacional de Adoção

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(CNA) que vem sendo apoiado e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

responsável por regularizar o processo em todo o país. Não posso considerar este o

retrato espelhado de todo o território brasileiro, os dados trazem informações do final

do mês de junho/2011 e se refere apenas às adoções realizadas pelo sistema.

Também nesta edição é registrado o número de 4.685 de crianças e

adolescentes disponíveis para adoção para 27.052 pessoas inscritas no Sistema

Unificado para Adoção no Brasil. Porém, deste número 22.451 pessoas deixaram

claro o desejo de adotar crianças com até um ano de idade, sendo que somente

8.834 dos pretendentes inscritos aceitam crianças negras e 22.201 não querem

adotar irmãos. Esses dados nos revelam que, apesar de muito se falar sobre adoção

e das diversas campanhas dirigidas à população, ainda temos muitas crianças sem

um lar.

Este trabalho se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, histórica oral, na

qual foram entrevistadas 4 (quatro) famílias adotantes e 2 (dois) especialistas da

área de adoção. Visa alertar para a necessidade do ato da adoção, que poderia

amenizar a situação dos abrigos, estes são poucos para atender à demanda de

crianças e adolescentes que estão afastados do convívio familiar. Além de

evidenciar que a prática de adoção é um dos meio utilizados por indivíduos, para

que realizem o sonho de serem pais e mães e, acima de tudo, para que crianças

possam ser filhos e conviver em família. Para problematizá-lo, levantamos o

seguinte questionamento: “Como as famílias percorreram o caminho da adoção,

enfrentando os rituais jurídicos e psicológicos do processo de adoção no Brasil?”.

Como ponto de partida, o trabalho explicita a importância da família como

espaço de formação emocional, intelectual e social da criança e as implicações que

trazem os rompimentos desses laços.

Delineamos o percurso de crianças e adolescentes abrigados que estão ou

não disponíveis à adoção e desenvolvemos um histórico sobre a adoção no Brasil,

assim como seus tipos e/ou definições.

Também registramos as atuais mudanças do processo de adoção,

consolidadas pela Lei Nº 12.010, de 3 de agosto de 2009.

Por fim, é interesse desta pesquisa dar subsídios para refletir sobre os dados

coletados, através das entrevistas às famílias e aos especialistas sobre o percurso

desenvolvido por cada grupo e seus enfrentamentos jurídico e institucional.

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Este trabalho não tem objetivo de trazer soluções, mas sim de levantar

questionamentos que levem a discussão e reflexão sobre as possibilidades de

ajustamento em prol da necessidade das várias crianças abrigadas e cadastradas

no sistema de adoção, assim como analisar e refletir sobre a história da adoção de

crianças no Brasil e os caminhos percorridos por famílias que optaram pela adoção,

quer seja ela de qualquer classificação ou natureza; além de ponderar quais foram

os rituais jurídicos e psicológicos deste processo.

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2. A FAMÍLIA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DA CRIANÇA

A criança ao nascer necessita de proteção da mãe para que consiga

desenvolver seu emocional primitivo, cujas decorrências vão além da fase da

infância. A mãe, que não precisa ser necessariamente a que deu a luz, tem papel

fundamental nesse processo. A psicologia registra que é através da mãe que o bebê

se relaciona com o mundo para poder desenvolver a sua personalidade.

Essa atuação e/ou interação mãe e filho só se manifesta e se sustenta num

ambiente familiar e é nele que a mãe e o filho encontram espaço favorável para

estabelecer a construção do desenvolvimento emocional. As diversas afetividades

que se instalam no ambiente familiar produzem as condições favoráveis ao

processo.

A convivência familiar é fundamental para que a criança se adapte a vida em

sociedade, seus valores e a sua solidez preparam as relações para as adversidades

culturais e sociais, características do período de maturidade.

A criança que é impedida de conviver em família desenvolve, entre muitos, os

aspectos egocêntricos. Esses aspectos favorecem o contato com o mundo das

futilidades e das drogas e à desvalorização da vida.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz na sua redação uma

definição de fácil compreensão sobre o significado de família, essa instituição tão

importante para o desenvolvimento:

Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (ECA, 1990, Art. 25).

A idéia de família tem se modificado ao longo dos anos, a família não é mais

e somente um sinônimo de família patriarcal e extensa, típica do período colonial,

instituição vertical baseada no parentesco, em lealdades pessoais e na

territorialidade, conforme constatou Paulo Freire (1993):

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Na verdade, família é uma construção sócio-cultural que se transforma, agregando elementos novos, que libera de outros e que altera no tempo e no espaço os seus modelos e atitudes, fatores que contribuem para o que se chama de definições de família. [...] São construídas dentro de contextos históricos específicos, que lhes dão características culturais especiais, de acordo com os valores, a cultura, a crença e os hábitos predominantes nesses contextos (In: Em defesa da convivência familiar e comunitária, 2004, p. 211 ).

É através da família que a criança obtém um ambiente adequado para a

aprendizagem empírica, podendo chegar ao desenvovimento físico, cognitivo,

afetivo e social adequado.

Tendo a família papéis tão importantes, ela merece que a observemos dentro

do seu contexto sócio-econômico, de sua época e de seus aspectos étnicos e

religiosos.

Conforme Rodrigues e Rosin (2007), a família passou por várias mudanças,

conforme apontam estudos antropológicos:

• Família consanguínea: havia prosmicuidade sexual; os irmão casavam-se entre

si. Posteriormente, houve a interdição do relacionamento sexual entre pais e

filhos e entre irmãos (tabu do incesto);

• Família por grupo (ou família punluana): os membros de um grupo casam com os

de outro grupo, mas não entre si.

• Família sindesmática ou de casal: caracteriza-se pela coabitação de vários

casais sob a autoridade matriarcal responsável pela coesão grupal (povos

primitivos);

• Família matriarcal: em virtude da vida nômade dos povos primitivos, os homens

saíam à procura do alimento e as mulheres ficavam nos acampamentos com os

filhos. Havia a ausência do papel paterno. Em algumas sociedades, a autoridade

paterna recaía sobre a figura do tio materno;

• Família patriarcal: com o desenvolvimento da agricultura, surge a autoridade do

patriarca ou “chefe de família”, que geralmente vivia num regime poligâmico;

• Família monogâmica: é o tipo de família que hoje prevalece no mundo ocidental.

A fidelidade conjugal é condição para o reconhecimento de filhos legítimos. A

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propriedade (bens) é passada de geração em geração. Existe neste formato de

família a necessidade de demarcação de território.

Algumas transformações sofridas ao longo do tempo podem ser apontadas.

Na década de 50, a família era representada pelo marido, esposa e filhos que viviam

na mesma casa e este era o modelo aceito socialmente. Nas décadas de 60 e 70, os

casamentos ficaram mais vulneráveis, surgem os divórcios, as separações, os

recasamentos e os filhos já não são somente os biológicos, assim como os pais

também não. Já na década de 90, as famílias clássicas já não condizem com os

fenômenos, surgem novas estruturas e os vínculos são transitórios.

Osório (1996), apresenta a famíla sob três formas básicas 1) família nuclear

(conjugal ou também conhecida como tradicional): constituída pelo tripé pai-mãe-

filhos; 2) família extensa (consanguínea): composta por outros membros que tenham

quaisquer laços de parentesco (avós, tios etc.); 3) família abrangente: inclui outras

pessoas que não parentes, mas que coabitam na mesma casa.

Qualquer que seja o formato da família, ela está inserida dentro de um

contexto sócio-cultural e apresenta um caráter dinâmico em seu funcionamento que

faz com que, através dos vínculos afetivos, seus componentes desenvolvam os

próprios códigos de referências e de crenças que resultam em uma espécie de

cultura familiar própria (ORSI, 2003).

ORSI (2003) ainda destaca que estando o contexto sócio-cultural em

constante alteração devido às influências de fatores de transformações da

sociedade, a família tende a seguir sua história determinando modificações na sua

construção, direcionando o indivíduo ao processo de socialização e de

aprendizagem.

A mais recente transformação na família diz respeito ao fim do patriarcalismo,

caracterizado pela autoridade, imposta institucionamente, do homem sobre a mulher

e filhos no âmbito familiar. O pricipal fator que determinou essa mudança é a

inserção das mulheres no mercado de trabalho, nos anos 80. Vários fatores

propiciaram à mulher essa nova face: a globalização, as transformações

tecnológicas que proporcionaram controlar a reprodução humana, o movimento

feminista que tem o propósito de erradicar qualquer forma de opressão ou

desigualdade entre homesn e mulheres.

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Assim, os novos formatos de família vão surgindo, entre estes as famíias

homossexuais. A família patriarcal deixa de ser o único modelo a ser respeitado, as

novas configurações começam a aparecer e com elas, os novos conceitos (marido

da mãe/esposa do pai; filhos e irmãos agregados e também um grande número de

famílias é constituído apenas pela figura materna).

Sem peder seu importante papel de protetora e de instituição responsável

pelo cuidado da vida, RODRIGUES E ROSIN (2007, p. 115 ) resumem em poucas,

porém sábias palavras:

[...] A família é o local onde se aprendem as noções fundamentais para a consecução de tal fim que poderíamos resumir como: procriação, cuidado de saúde, preservação da vida, aquisição de conhecimentos, aquisição de habilidades profissionais, aprendizagem da convivência familiar e social (amor, tolerância, solidariedade), transmissão, aperfeiçoamento e criação de normas sociais e culturais.

2.1 O desenvolvimento emocional, intelectual e social da criança e seus

rompimentos

A figura da mãe, do pai, dos irmãos, dos avós, dos tios, dos primos e de todos

aqueles que fazem parte da família, sem exclusão, incluo aqui até mesmo os

animais de estimação, são de suma importância para o desenvolvimento emocional,

intelectual e social da criança.

A família é considerada primordial para assegurar a sobrevivência das

crianças que ao nascerem não têm capacidade de suprir suas necessidades

primárias, então é a família que se encarrega de supri-las, quais sejam: alimentação,

segurança, saúde, afeto etc.

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990, Art. 4º).

É no espaço familiar, através do convívio, da troca de afetos e dos diálogos

que a criança absorve os valores éticos e humanitários e onde os laços de

solidariedade se enraizam propiciando a construção dos valores culturais. A falta de

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afeto pode prejudicar o desenvolvimento emocional do bebê e dos demais membros

da família.

[...] é importante que a família repense sua forma de organização a fim de ajudar a criança na superação das dificuldades, buscando, se necessário, as contribuições de profissionais capacidados (RODRIGUES E ROSIN, 2007, p. 116 ).

Cabe a família refletir e dialogar, em conjunto, sobre a sua forma de agir com

a criança, pois há inúmeras intervensões externas, advindas da comunidade, que

afetam o desenvolvimento de todos os seus membros.

Porém nem sempre é assegurada à criança a convivência familiar e

efetivamente a estrutura base de desenvolvimento do ser humano é desfeita. A

criança ou o adolescente se vê à mercê de rompimentos afetivos e a efetivação dos

seus direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação e principalmente

à dignidade e ao respeito, não são mais garantidos com incondicional primazia.

E para falar sobre os rompimentos afetivos é importante dar uma breve

explanação sobre a formação dos vínculos afetivos e a importância desses para o

indivíduo. Segundo WINNICOT (2008, p. 118), a construção do sujeito

emocionalmente saudável se dá desde o nascimento, através da mãe ou de seu

cuidador.

WINNICOT (2008, p. 130) afirma que a boa ou a má formação dos vínculos

afetivos da criança dependem da dedicação constante daquele que cuidará do bebê.

Também BOWLBY (1982, p. 118) nos conta que existem várias maneiras de

se dar os rompimentos afetivos, as crianças são afetadas por essas quebras de

relacionamento através de falecimento, viagem, separação de casais ou até mesmo

por opção de vida.

São tantos os fatores que implicam na separação de entes queridos e/ou

entre sujeitos e esses fatores muitas das vezes implicam em problemas, transtornos

emocionais que afligem os indivíduos durante toda a sua vida, algumas vezes

imperceptíveis, outras facilmente detectadas a “olhos nus”.

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[...] muitos dos problemas que somos chamados a tratar em nossos pacientes devem ser atribuídos, pelo menos em parte, a uma separação ou a perda que ocorreu, seja recentemente, seja em algum período anterior da vida. Ansiedade crônica, depressão intermitente ou suicídio são alguns dos problemas que hoje sabemos serem atribuídos a tais experiências (BOWLBY, 1982, p.77).

Estudos nos acenam que todo ser humano depende do outro para viver e se

desenvolver.

Além disso, sabe-se que as interrupções prolongadas ou repetidas do vínculo entre mãe e filho pequeno, durante os primeiros cinco anos de vida da criança, são especialmente freqüentes em pacientes diagnosticados mais tarde como personalidades psicopáticas ou sociopáticas (Idem, ibid).

É necessário valorizar o espaço e a convivência familiar para que não haja

rompimentos comprometedores ao desenvolvimento de crianças e adolescentes e

esses tenham suas vidas dissipadas dentro dos ambientes institucionais, deixando

de conviver em espaços acolhedores, afetivos, denominados família.

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3. DA INSTITUCIONALIZAÇÃO À ADOÇÃO

As famílias que não podem se responsabilizar pelo cuidado de suas crianças

as entregam às instituições denominadas Abrigo.

O Roberto da Silva alerta, conforme consta na entrevista da revista Pontocom

(2009), para o fato de que muitas famílias que não têm condições de cuidar de seus

rebentos por não terem garantidos os seus direitos, no que tange ao emprego

garantido, seguridade social, licença maternidade/paternidade, férias, seguro contra

acidentes do trabalho, aposentadoria, 13º salário, plano de assistência médica,

salário-educação – direitos sociais almejados por toda família que busca cuidar de

seus filhos, acabam por entregarem suas crianças aos cuidados do governo.

Abrigo, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é uma

Instituição garantida como medida de proteção provisória e excepcional, utilizável

como local de transição para colocação das crianças e adolescentes em família

substituta, não implicando privação de liberdade (art. 102, parágrafo único).

O artigo 92 do ECA determina os princípios e critérios que devem orientar

este programa, são eles: preservação dos vínculos familiares; integração em família

substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem;

atendimento personalizado e em pequenos grupos; desenvolvimento de atividades

em regime de co-educação; não desmembramento de grupos de irmãos; evitar

sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e

adolescentes abrigados; participação da vida na comunidade local; preparação

gradativa para o desligamento; participação de pessoas da comunidade no processo

educativo.

Esses critérios tornam o abrigo um lugar que oferece proteção, uma

alternativa de moradia provisória dentro de um clima residencial, com atendimento

personalizado, em pequenas unidades, para pequenos grupos de crianças.

As crianças, por determinação legal, poderão permanecer nos abrigos apenas

pelo prazo de dois anos – segundo a nova lei de adoção. O que na prática não

acontece e, por muitas vezes, a permanência se alonga até a maioridade. Nos

tempos atuais é comum observar-se um olhar mais atencioso sobre a questão do

atendimento institucional.

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A imprensa escrita e falada passa a focalizar os problemas dos abrigos em como assegurar proteção e cuidados adequados às crianças e aos adolescentes, há notícias de intervenções judiciárias após fiscalização das condições de diversas instituições (RIZZINI, 2004, p.15).

Nos abrigos, vivem crianças e adolescentes com idade entre 0 e 18 anos. São

vários os casos de existência de grupos de irmãos colocados em abrigos e

afastados do convívio familiar por razões de risco ou outro, que caracterizam a

incapacidade familiar de cuidados. Os responsáveis pelos cuidados básicos das

crianças e dos adolescentes nos abrigos são os funcionários denominados

educadores(as) sociais e os(as) cuidadores(as).

De acordo com o ECA (art. 92, § único), quem responde legalmente pela

guarda da criança/adolescente acolhido institucionalmente nesse período é o

dirigente do abrigo, que obedece às ordens diretas dos juízes da Vara de Infância e

Juventude:

§ 1o O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).

§ 2o Os dirigentes de entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6 (seis) meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da reavaliação prevista no § 1o do art. 19 desta Lei (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).

Nesses espaços, ainda que atualmente bem melhorados, encontra-se um

sistema muito rígido disciplinar, que baseia-se na justificativa da necessidade de

educar. Sistema que já era combatido por FOUCAULT (1995, p. 89):

[...] formar indivíduos submissos... Quanto aos instrumentos utilizados... são formas de coerção, esquemas de limitação aplicados e repetidos... horários, distribuição do tempo, movimentos obrigatórios, atividades regulares, meditação solitária, trabalho em comum, silêncio, aplicação, respeito, bons hábitos. O que se procura reconstituir nessa técnica de correção não é o sujeito de direito... é o sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens...

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É muito mais fácil, para as instituições, controlar crianças e adolescentes que

se submetem às regras, hábitos e ordens, do que educá-los com as noções de

sujeitos de direitos, conforme prevê o ECA.

3.1. O percurso e o perfil de crianças e adolescente abrigados

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), atualmente

existe no Brasil cerca de 80 mil crianças e adolescentes acolhidos

institucionalmente. São meninos e meninas que enfrentam problemas de violência,

negligência e abandono (carência financeira da família, abandono, doença dos pais,

prisão dos pais ou responsáveis, orfandade, abuso sexual, mendicância, violência

doméstica etc.) e são colocados em abrigos, convivendo com uma realidade que

nem sempre é percebida pela sociedade.

A história da institucionalização de crianças e de adolescentes no Brasil tem repercussões importantes até os dias de hoje. A análise da documentação histórica sobre a assistência à infância dos séculos XIX e XX revela que as crianças nascidas em situação de pobreza e/ou em famílias com dificuldades de criarem seus filhos tinham um destino quase certo quando buscavam apoio do Estado: o de serem encaminhadas para instituições como se fossem órfãs ou abandonadas (RIZZINI, 2004, p.13).

Seu dia-a-dia é marcado pela esperança de retornarem à família de origem ou

de serem adotadas. Existem muitos casos de crianças abrigadas, cuja mãe biológica

não é destituída do seu poder familiar, portanto a criança (seu filho) não pode entrar

no cadastro de adoção. São processos morosos, de intensas investigações e

decisões a serem tomadas que demandam um alto grau de responsabilidade por

parte dos juízes das Varas de Infância e Juventude, que decidirão sobre a vida de

um ser humano que fora abandonado uma vez. Por outro lado, temos a fila de

pretendentes adotantes que após se inscreverem junto à Vara da Infância e

Juventude, aguardam os trâmites do sistema de adoção, se submetendo à

entrevistas, reuniões e longas esperas.

Destaco neste ínterim um parágrafo da Lei Nº 12.010, de 3/08/2009, em seu

Artigo 28:

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§ 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco, de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

Antes dessa reformulação na Lei era comum ver irmãos sendo separados,

através de adoções por famílias distintas, o que hoje não pode mais acontecer,

preservando o direito de irmãos conviverem entre si. Vale dizer que se por uma lado

é importante para os irmãos, por outro lado não é comum uma família querer adotar

mais de uma criança.

As crianças que hoje habitam em abrigos não são somente aquelas

abandonadas pelas próprias famílias, parte delas são crianças que saíram de suas

casas e viveram experiências de vida pelas ruas e rejeitam a sua própria família.

Não que tenham esquecido ou deixado de valorizar a convivência familiar, mas não

querem se sujeitar aos conflitos familiares que viviam. Outra questão que leva a

criança muitas vezes a ser abrigada é a tentativa de livrá-las do envolvimento com

as drogas.

Conforme relata João Clemente de Souza Neto, “o abrigo é um espaço de

possibilidade de produção do sujeito” (2002, p. 24). Essa afirmação deixa evidente

que os educadores e/ou cuidadores têm papel fundamental para que o período de

abrigamento seja feito de interações saudáveis e de qualidade para que o

desenvolvimento do sujeito se dê de forma benéfica.

Com a intervenção do ECA, na década de 90, os abrigos passaram a lutar,

através de ações por parte da sua equipe, para que seus abrigados tivessem retorno

às famílias. E toda a equipe dos abrigos passa a trabalhar diretamente com a

finalidade do retorno da criança à sua família.

Muitas vezes, quando a equipe do abrigo constata que a família não

apresenta as mínimas condições para proporcionar os cuidados básicos que a

criança necessita para seu desenvolvimento, passa a efetivar criteriosa avaliação

com o auxílio de uma equipe interdisciplinar que permita, num primeiro momento, a

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elaboração de um plano de trabalho terapêutico, com o auxílio de técnicos e do

Conselho Tutelar.

E constatada a impossibilidade de a criança permanecer junto à sua família

de origem, a adoção surge como uma possibilidade de reconstrução do direito à

convivência familiar. Ligar o abandono à adoção é uma possibilidade de vida para o

adotante e para o adotado.

A verdadeira filiação não é determinada pela descendência genética, e sim os laços de afeto que são construídos, em especial na adoção. A razão maior da paternidade se funda “no desejo humano, essencial, de amar e ser amado” (FREITAS, 2001, p. 150).

Muitas crianças são entregues aos abrigos ainda pequenas, praticamente

bebês, por algum motivo a mãe entrega seu filho num abrigo dizendo que,

momentaneamente, não pode cuidar da criança. Não raras são as vezes que essa

mesma mãe repete essa ação, o que caracteriza a formação de grupos de irmãos

abrigados.

A justificativa colocada pela mãe de não poder cuidar, momentaneamente, de

seus filhos, aguardando a sua estabilização, na maioria das vezes financeira-social,

para poder ir buscar seus filhos de volta, de certa forma, “condena” essas crianças a

ficarem, por anos, abrigadas. O que valeria a pena se essa espera desse um

resultado positivo, mas nem sempre é o que acontece, conforme explicita Roberto

da Silva:

[...] Aos 15 anos de idade, no sombrio e úmido porão do arquivo do Juizado de Menores, eu, Roberto da Silva, pude pela primeira vez ver uma fotografia minha, aos 5 anos de idade, e vim a saber que tinha mãe, pai e irmãos (SILVA, 1998, p. 18-19).

Quantas histórias existem iguais às do Professor Roberto da Silva? Podemos

a partir de seu depoimento, verificar que o exercício de institucionalização de

crianças não considerava os vínculos familiares e os envolvimentos efetivos dos

abrigados.

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Essa experiência relatada acima evidencia quão necessária foi a

reformulação da lei da adoção:

Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais (Lei 12010, Art. 28, § 4º).

Essa reformulação assegura aos irmãos o não-rompimento de convívio,

garantindo a esses a possibilidade de permanecerem unidos e se ajudarem, se

protegerem mutuamente conforme é prática entre irmãos.

3.2. O que é adoção e seus primeiro registros

Conforme consta no site do Ministério Público/RS: Adoção passo a passo, a

definição da origem da palavra adoção vem do adoptare que significa escolher,

perfilhar, dar o seu nome a, optar, juntar, desejar. Do ponto de vista jurídico, a

adoção é um procedimento legal que consiste em transferir todos os direitos e

deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para

crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, quando e somente

quando forem esgotados todos os recursos para que a convivência com a família

original seja mantida. É regulamentada pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança

e do Adolescente (ECA), que determina claramente que a adoção deve priorizar as

reais necessidades, interesses e direitos da criança/adolescente. A adoção

representa também a possibilidade de ter e criar filhos para pais que não puderam

ter filhos biológicos ou que optaram por ter filhos sem vinculação genética, além de

eventualmente atender às necessidades da família de origem, que não pode cuidar

de seu filho.

Já no Direito Romano, encontramos o seguinte conceito: “adoptio est actus

solemnis quo in loco fili vel nepotis adscicitur qui natura talis non est”, ou seja: a

adoção é o ato solene pelo qual se admite em lugar de filho quem pela natureza não

é (RODRIGUES, 1995. p. 22.).

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Com o passar dos tempos os conceitos foram se modificando, sendo

definidos pelas várias culturas existentes.

Um dos conceitos mais abrangentes de aspecto social, afetivo e moral,

encontrei nas palavras de João Seabra Diniz (2010):

Podemos definir a adoção como inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo em o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade competente, considerados indignos para tal (DINIZ, 2010, I, p.67).

Ainda Diniz (2010) complementa de forma muito esclarecedora a noção da

definição necessária para adoção atualmente:

A adoção hoje, não consiste em dar filhos para aqueles que por motivos de infertilidade não os podem conceber, ou por “ter pena” de uma criança, ou ainda, alívio para a solidão. O objetivo da adoção é cumprir plenamente às reais necessidades da criança, proporcionando-lhe uma família, onde ela se sinta acolhida, protegida, segura e amada (Idem, ibid).

O que o ECA, afirma e define na Subseção IV, Da adoção, Art. 39:

§ 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).

Esse procedimento de adoção é muito antigo os seus primeiros registros

encontrados retratam o período Pré-Romano. A expedição francesa de J. de

Morgam, em 1901, descobriu o Código de Hammurabi, escrito no período da Idade

Antiga (ou Antiguidade), que se estendeu desde a invenção da escrita (4000 a.C. a

3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) e início da Idade

Média (século V).

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Tal documento já definia regras sobre a adoção na Babilônia.

[...] importante fato que se conclui, ao analisar o modo pelo qual a adoção é tratada pelo código em questão, é que, uma vez adotado de modo irrevogável, tinha o filho adotivo os mesmos direitos hereditários do filho natural... Observa-se o forte senso de justiça que possuía o Código de Hammurabi. Da mesma forma que a sociedade babilônia, a hindu também previa em sua legislação, o instituto da adoção (ALVIM, 1989, pg. 1).

Das leis e crenças religiosas dos egípcios, dos persas, dos hebreus e,

posteriormente, dos gregos e romanos decorria, para as famílias, a necessidade de

terem um filho afim de que o culto doméstico, considerado como a base da

organização familiar, não corresse o risco de se extinguir. A adoção era, pois, uma

necessidade. Contudo, já na Antiguidade, ela vinha seguida de muita perversidade,

resultante do conjunto das crenças e cultura da época.

A História mostra que há um grande número de registros referentes à questão

da adoção, sobre os quais os pesquisadores se baseiam para aprofundar seus

estudos (ALVIM, 1989). Nesses registros, encontramos os sujeitos personagens que

protagonizam as várias histórias, o adotante e o adotado.

Moisés, a figura majestosa do Antigo Testamento (Bíblia Sagrada, Êxodo:

2,10), o grande líder e legislador, que trouxe aos homens a Revelação de Deus, na

cultura judaica e cristã, nas tábuas dos Dez Mandamentos. Conhecido também

como “filho das águas”, por ter sido abandonado num cesto às margens do Rio Nilo,

foi adotado pela filha do faraó e criado como membro da corte egípcia.

[...] Chegou a filha do faraó e, vendo um cesto no meio do canavial, mandou uma criada buscá-lo. Abriu-o e viu o menino chorando. Ficou cheia de pena e disse: "É filho de hebreus". A irmã da criança aproximou-se e disse: "Quereis que vá chamar uma mulher israelita para amamentar esse menino". Ela respondeu: "Vai, sim". A menina foi chamar a própria mãe. Esta levou o menino e o educou. Quando já estava crescido, levou-o à filha do faraó, que o adotou e disse: "Chamar-se-á Moisés porque o tirei da água" (Bíblia Sagrada Católica,1989).

Dentro, também do contexto cristão menciono o adotante José, (Bíblia

Sagrada, Novo Testamento, São Matheus I). Personagem célebre do Novo

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Testamento Bíblico que foi designado por Deus para se casar com Maria, mãe de

Jesus, a quem adotou como filho. Hoje é conhecido, no catolicismo, como São José,

tendo sido proclamado “protetor da Igreja católica romana”.

José é um pobre carpinteiro noivo da jovem Maria. Certo dia é chamado pelo Rei Herodes para trabalhar em uma distante terra. Quando retorna recebe a notícia de que sua futura esposa está grávida do Espírito Santo. Ele, não querendo difamá-la, resolve deixá-la secretamente. Mas numa noite, em sonho, lhe aparece um anjo do Senhor. Ele lhe diz para desposar Maria que dará à luz ao filho de Deus (Bíblia Sagrada, 2003).

Havia particularidades na questão da adoção no Direito Romano, por

exemplo, a ad-rogatio, segundo a Lei das XII Tábuas, na qual, para que a adoção se

efetivasse, era necessário que o adotante tivesse mais de sessenta anos e fosse,

pelo menos, dezoito anos mais velho que o adotado. A ad-rogatio, em Roma, foi

utilizada como uma poderosa arma política, uma vez que, mediante ela, se podiam

obter as honras e a magistratura, passando-se da classe dos plebeus para a dos

patrícios, e, ainda, por seu intermédio, se tornou possível a designação de sucessor

ao trono, ao tempo do Império.

Não se pode deixar de mencionar o período da dominação de Napoleão

Bonaparte, na França, que constituiu outro marco na história da adoção. Primeiro

código moderno a regulamentar o instituto, nele a adoção possui um forte caráter

político uma vez que Bonaparte, figura forte politicamente, não possuía filhos e

precisava de um herdeiro para seu trono (VARGAS, 1998).

Nos tempos atuais encontramos o herói “Super-homem”, personagem da

literatura infantil, que foi abandonado, para a sua proteção, pelos pais biológicos do

Planeta Kripton e fora adotado e criado por um casal de humanos. Passa então, a

proteger os seres humanos dos perigos, por possuir super-poderes (VARGAS,

1998).

Nas produções da Walt Disney, constam alguns outros personagens: o Rei

Leão – adotado pela dupla: Timão, um rato do deserto e Pumba, um porco

selvagem, animais de outra espécie, que cuidam do novo integrante da família para

que plenamente se desenvolva (VARGAS, 1998).

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Também, uma produção de cinema muito criativa, pela sua peculiaridade, é o

filme “O pequeno Stuart Little”. A história de um garoto de 9 anos que reluta em

aceitar a idéia dos pais de adotar um rato como filho. No filme a história inicia em um

orfanato e o ratinho Stuart é um dos abrigados da instituição. Este personagem

procura seu lugar no mundo e algo que possa chamar de lar, num universo que é

definitivamente gigantesco para ele. A história tem final feliz e o ratinho é adotado

pela família, com a qual desenvolve grande afetividade. Estas duas últimas

produções cinematográficas nos fazem refletir sobre as vivências possíveis e o

respeito às diferenças de raça, cor, etnia etc.

São histórias que abordam a questão de forma literária e nos remetem a

refletir sobre as reais situações dos seres envolvidos nesse processo, e é neste

momento que incluo mais um personagem como protagonista das histórias: a mulher

que abandona seu filho.

O fato de mulheres entregarem o filho que conceberam em adoção cria

problemas de várias ordens, sejam éticas, institucionais, socioculturais (MOTTA,

2005 p. 32 e 33).

Essas protagonistas que ocupam papéis tão secundários nas histórias

merecem toda atenção da sociedade, pois muitas dessas mães abandonam e/ou

entregam seus filhos por absoluto sentimento de incapacidade de criá-los e os

motivos dessa incapacidade podem ser sociais, financeiros, psicológicos... Enfim,

são tantos os motivos que podem levar uma mulher a abdicar de seu filho e muitas

vezes esses motivos fogem do entendimento da sociedade em geral.

Atualmente é o uso e excesso de substâncias químicas que levam

especialmente as progenitoras a abrirem mão ou abandonarem, negligenciarem ou

ainda maltratarem seus filhos.

Por outro lado, a idéia da maternidade é tida como a realização indispensável

da feminilidade, ou seja, somente se é mulher verdadeira quando se tem filhos.

(MOTTA, 2003, p. 57).

A falta da maternidade é encarada, muitas vezes, como uma falha que

invalida a própria identidade da mulher. As mulheres que se recusam à maternidade

– destino biológico e imposto socialmente a toda mulher – são consideradas

exceções e por muitos, anormais.

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E o que dizer então, da mãe que abandona seu filho? De acordo com Motta

(2003, pg. 85), o sentimento dessa mãe que abandona:

A falta de investigação em nosso meio científico a respeito das mães que entregam seus filhos em adoção nos torna carentes não só de dados que permitam formular alguma idéia sobre o que significou para elas a separação desse filho, mas também de como evoluiu sua vida após terem se separado da criança, ou seja, não conhecemos seu luto nem seu modo de lidar com ele.

3.3. A adoção no Brasil

No Brasil, conforme Renato Venâncio (1997, p. 67), no segundo e terceiro

séculos de colonização as crianças concebidas fora do casamento e ou filhas de

moças brancas e solteiras, de família de classe média alta, eram abandonadas em

calçadas, florestas, terrenos baldios e praias. Esse tipo de abandono, chamado de

abandono selvagem, teve um número considerável de ocorrências.

Para controlar o abandono selvagem, a igreja católica instaurou a Roda dos

Expostos. As crianças eram depositadas na Roda dos Expostos e eram acolhidas

pelas Santas Casas de Misericórdia, garantindo o sigilo sobre as mães biológicas

das crianças, normalmente as brancas solteiras de classe média. Neste período os

preceitos e as regras que orientavam a organização familiar, eram os do

cristianismo. A procriação fora do casamento era recriminada e ficavam sujeita a

sanções, tanto religiosas como sociais.

Desta forma, foram surgindo várias instituições para acolher as crianças

abandonadas como a Casa dos Expostos, o asilo dos enjeitados, lugares que

acolhiam filhos de uniões ilegítimas ou os que não possuíam famílias (RIZZINI,

2004, p. 23).

Segundo Motta (2005, p.55), a mulher branca não podia assumir um filho fora

do casamento e ou ilegítimo (não filho do marido), pois estaria à mercê das sanções;

já as mulheres negras e mestiças não eram desonradas quando assumiam seus

filhos ilegítimos, da mesma forma ou grau em que as brancas.

A Roda não permitia o constrangimento das pessoas, nem de quem

depositava a criança, nem de quem a recolhia. Havia um livro onde era registrado o

nome da criança e seus responsáveis, que era guardado em sigilo absoluto.

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Na atualidade medidas são tomadas, ainda para preservar em sigilo os dados

da mãe biológica, assim como os dos pais adotantes. Trata-se do segredo de

justiça.

Se na época colonial as crianças eram abandonadas porque eram geradas

fora dos preceitos da moral cristã, hoje, ao abandono somaram-se novos motivos - a

inexistência de programas sociais que orientem sobre planejamento familiar, a falta

de instrução sobre o uso de métodos anticonceptivos ou ainda a falta de auxílio de

qualquer espécie, seja moral, afetivo ou econômico, às famílias.

A forma como se faz a entrega de um filho de uma família para outra, pode,

talvez explicar os casos nos quais o ciclo abandono-adoção tende a se repetir e as

mulheres se sujeitam a sucessivas gravidezes, diz Motta (2005, p.57).

Assim como:

...não basta questionarmos os motivos que levam um casal a desejar adotar, atendendo à profilaxia do vínculo a ser estabelecido entre pais e filhos adotivos, pois a profilaxia da situação de entrega é tão ou mais importante na medida em que é o ponto onde tudo começa (MOTTA, 2005, 57).

O Código Civil Brasileiro, de 1916, deu ao instituto uma restrita possibilidade

de utilização, refletindo a cultura dominante no início do século passado. Para

exemplificar, somente poderia adotar o maior de 50 anos, sem descendentes

legítimos ou legitimados, e desde que fosse, ao menos, 18 anos mais velho que o

adotado (art. 368 e seguintes).

Uma leitura rápida da história com base de SOUZA NETO (2002), a igreja e a

sociedade da época estava mais preocupado em institucionalizar e confinar os

pobres e aqueles que tinham seus direitos violados do que protegê-los. A adoção

não conduzia a criança necessariamente pelos mesmos direitos da família que o

recebia, era sempre discutido e dito ele: “é quase da família”. Centenas de crianças

ficaram morando com famílias e nunca foram assumidos por essas famílias como

um membro familiar.

Hoje a adoção transforma o adotado em membro efetivo da família e

assegura a ele todos os direitos de um filho biológico.

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A adoção internacional, por sua vez, aparece como prática regular, após a

Segunda Guerra Mundial, em face da existência de multidões de crianças órfãs, sem

qualquer possibilidade de acolhimento em suas próprias famílias. Crianças da

Alemanha, Itália, Grécia, Japão, China e de outros países foram adotadas por casais

norte-americanos e europeus. Segundo o Serviço Internacional de Adoção, milhares

de crianças foram encaminhadas para o exterior sem que tivessem os documentos

indispensáveis à regularização de sua cidadania. Das crianças adotadas na Itália,

entre 1985 e 1990, quase 80% eram provenientes da América Latina. Já na França,

das 5.348 crianças adotadas, entre 1990 e 1992, 21% eram brasileiras (COSTA,

1998).

O descontrole, os abusos verificados, especialmente a venda e o tráfico

internacional de crianças, no país de origem e no de acolhida, fez nascer a

necessidade de serem estabelecidas normas eficazes de garantia das adoções e de

proteção aos infantes.

A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e a saúde; mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (ECA, Art. 7).

Na América Latina, as mudanças legislativas tiveram início no final da década

de 1980, buscando atender aos princípios da Convenção das Nações Unidas sobre

os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em

20/11/89. Passou-se a considerar a criança como sujeito de direitos, afirmando o

seu direito a ter um nome, a partir do nascimento, assim como o direito a ter uma

nacionalidade; o direito de conhecer e conviver com seus pais, a não ser quando

incompatível com seu melhor interesse; afirmando o caráter excepcional da adoção

internacional, entre tantas outras disposições que vêm elencadas em seus 56

artigos, dos quais destaco dois da Parte I do Documento:

Art.1 Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

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Art.2, inciso 1 – Os Estados Parte respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.

Questões referentes ao abandono e à adoção de crianças e adolescentes

deveriam fazer parte das reflexões e proposições acerca da política social brasileira.

Desde que o Brasil foi descoberto, e ainda durante o período de colonização

portuguesa, ações referentes à prática do abandono e da adoção começaram a

surgir. Contudo, as ações do Estado em relação a tais práticas, sobretudo em

relação à adoção e/ou colocação de crianças e adolescentes em famílias

substitutas, sempre atenderam aos interesses daqueles que não poderiam gerar

biologicamente seus próprios filhos em detrimento dos interesses das crianças e

adolescentes disponibilizados para adoção.

Pode-se dizer que a Roda dos Expostos oficializou e institucionalizou o

abandono no Brasil. A fundação de instituições-abrigo de níveis federal e estadual

como a FUNABEM e a FEBEM tornaram ainda mais degradante a situação das

crianças e adolescentes abandonados que, uma vez institucionalizados, passaram

por processos de subjetivação extremamente comprometedores. A subjetivação

ocorre quando há uma ruptura do indivíduo com a sua história não só

transgeracional, mas também com a história humana. Diz Roberto da Silva (2003, p.

89):

As primeiras legislações desobrigavam a família adotante de fazer do seu filho adotivo também seu herdeiro, o que gerava a diferença entre os filhos adotivos e os filhos biológicos. São 500 anos de estabilização da nação brasileira, que vem sendo construída uma cultura de adoção carregada de mitos, falsas impressões, medos e distorções do real sentido e significado desta prática.

A situação da criança brasileira pobre é ainda mais agravada pela

circunstância de sua história revelar um processo de contínuos maus tratos,

abandono, brutalidade, violência, fome, abuso sexual, exploração no trabalho,

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privação de lazer, perambulação por ruas e praças, extermínio, mortalidade precoce.

Afirma Souza Neto (2003, p.73.):

Esses fatos, para nós, caracterizam um quadro de política de genocídio. Alguns autores têm constatado que tanto a criança quanto o adolescente são as principais vítimas do processo de acumulação capitalista. Sua condição não é melhor do que a dos trabalhadores, com o agravante de serem pessoas em desenvolvimento.

A falta de políticas sociais bem fundamentadas para assegurar os direitos

sociais da infância e da adolescência, acaba tendo por consequência uma política

de genocídio. Em busca de soluções para a situação da criança brasileira, o governo

cria Leis ou altera as existentes, assim como cria programas de ação social, porém,

não são suficientes para resolver todas as questões a que estão sujeitas as crianças

oriundas de famílias de baixa renda, conforme aponta Souza Neto (Ibid, p.74):

Provavelmente, a primeira grande Lei que procurou defender os direitos das crianças tenha sido a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. [...] Iniciou um processo de libertação e essa é sua peculiar importância.

Segundo Roberto da Silva (2003, p. 90), os Códigos dos Menores de 1927 e o

de 1979, ao darem ao juiz pleno poderes aos direitos de pátrio poder, de tutela, de

legitimação dos filhos ilegítimos, constituíram-no como figura responsável por

normatizar e intermediar as relações de pais e filhos de famílias desestruturadas e

precárias com o Estado.

E devido ao grande índice de abandono, o Código Penal de 1940 e ainda em

vigor, estabeleceu penas de detenção de seis meses a três anos ao genitor que

abandonasse crianças, aumentando a pena de reclusão de um a cinco anos, se do

abandono resultassem lesões corporais de natureza grave e, se o abandono

causasse a morte da criança, a pena era de quatro a doze anos, agravada se o

abandono ocorresse em lugar deserto onde não fosse possível o socorro da criança.

Ainda Roberto da Silva (2003), lembra que em 1979 o Código de Menores foi

alterado sendo substituídas as nomenclaturas usadas para qualificar a criança como

exposto, abandonado, delinquente, transviado, infrator, vadio, libertino etc., pela de

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“situação irregular”. Esta alteração foi proposta por Alyrio Cavallieri, que resultou na

seguinte formulação:

Art.2º - Para efeitos deste código, considera-se em situação irregular o menor: I- Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis provê-las; II- Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III- Em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV- Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V- Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI- Autor de infração penal (Código de Menores Mello Mattos, 1979).

Esse Código foi alterado para atender a demanda do contexto sócio-

econômico em que o Brasil vivia, no qual eram enfatizadas as estatísticas sobre

crianças e adolescentes carentes, abandonados, desassistidos ou dados à prática

de atos anti-sociais, atualizarem o conceito dos direitos dos menores, diante das

muitas alterações ocorridas no período.

Repensar a questão do abandono e da adoção de crianças e adolescentes

hoje, significa dar passos no sentido de ressignificar valores, desmitificar crenças

limitantes e reconsiderar, acima de tudo, o interesse da criança e do adolescente.

Nos termos do ECA (Cap. III, Art. 19), assiste às crianças e aos adolescentes

o direito de serem criados e educados “no seio de sua família e, excepcionalmente,

em família substituta”. Postulamos que uma mudança na atual cultura de adoção

tornará possível a realização de inúmeros ideais, presentes tanto no imaginário das

crianças e adolescentes como no dos adultos candidatos à adoção: a oportunidade

de conciliação dos interesses de ambas as partes; o direito incontestável de revelar

a verdade quanto à origem da criança e quanto ao tipo de vínculo que mantém

constituída a família (trata-se, ou não, de uma adoção?) visto que antes tal fato

deveria ser ocultado; a possibilidade de poder exercer a paternidade ou a

maternidade por parte dos adultos e de poder exercer a filiação, por parte da criança

ou adolescente.

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Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (ECA - Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990).

O artigo 2º da Convenção sobre os Direitos da Criança deixa explícita os

direitos fundamentais da criança, quais sejam: direito a vida (art.6º), à integridade

física e moral (art. 19), à privacidade e à honra (art. 16), à imagem, à igualdade, à

liberdade (art. 37), o direito de expressão (arts. 12 e 13), de manifestação de

pensamento (art. 14), sem distinção de qualquer natureza (raça, cor, sexo, língua,

religião, convicções filosóficas ou políticas, origem étnica ou social etc.),

estabelecendo diretrizes para a adoção e para a efetivação de medidas que

garantam estes direitos pela ação dos Estados convencionados, objetivando garantir

a proteção das crianças contra qualquer forma de discriminação ou de punição

injusta.

Para tanto, nos termos do artigo 4º, os Estados Parte deverão tomar todas as

medidas administrativas e legislativas para a implementação dos direitos

reconhecidos na Convenção e, especialmente com relação aos direitos econômicos,

sociais e culturais, no seu alcance máximo e, quando necessário, no âmbito da

cooperação internacional.

A adoção no Brasil assume a doutrina de proteção integral descrita nas

Convenções e Recomendações da ONU para a criança e o adolescente. As

legislações brasileiras expressam e ao mesmo tempo também contribuem para

aperfeiçoar os acordos internacionais para a adoção.

3.3.1. Os tipos de adoção no Brasil

Na tradição brasileira há três tipos de adoção que encontra eco no ornamento

jurídico, essas modalidades elas são mais fortes na cultura do que na legislação e

nos comentários dos especialistas em adoção. O ordenamento jurídico defende a

concepção e a ideia e o procedimento de adoção conforme mostra a Cartilha da

Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) - existem alguns tipos de adoção

mais conhecidos:

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A adoção tardia que se refere à adoção de crianças maiores ou de

adolescentes. O que nos faz pensar que a adoção seja uma prerrogativa de recém-

nascidos e bebês e de que as crianças maiores seriam adotadas fora de um tempo

ideal. Desconsidera-se, com isso, que grande parte das crianças em situação de

adoção tem mais de 2 anos de idade e que nem todos pretendentes à adoção

desejam bebês como filhos. O termo Adoção tardia tem uma desigualdade de

interpretações sobre idades. Há quem fale em 2 anos como idade limite e há quem

fale em a partir de 5 ou 6 anos de idade.

Esta denominação, adoção tardia, é considerada por muitos estudiosos, como

o período em que a criança sai da fase latente. Autoras como Vargas (1998) e

Weber (1998) consideram tardias as adoções de crianças com idade superior a de

dois anos de idade; a partir daí, como diz Vargas (1998), as crianças estariam

"velhas" para adoção. Berger e Luckman consideram a adoção tardia sob o aspecto

da socialização primária, ou seja, a partir dos sete anos de idade; também temos o

ponto de vista dito misto, que considera o estágio do desenvolvimento biológico

associado ao do discernimento, o que o ECA prevê para a partir dos doze anos de

idade, aproximadamente; e por fim, a maioridade civil que se dá a partir dos dezoito

anos de idade. Para Maldonado (1998, pág.53), sempre há esperanças para que a

criança reconstrua seus referencias familiares.

A adoção pronta e direta, ou Intuitu Personae é aquela em que a mãe

biológica decide para quem deseja entregar o seu filho. Na maioria dos casos, a

mãe procura a Vara da Infância e da Juventude, acompanhada do pretendente à

adoção, para legalizar um convívio que já esteja acontecendo de fato. É um tema

bastante polêmico, há juízes que entendem que a adoção pronta é sempre

desaconselhável, pois é difícil avaliar se a escolha da mãe é voluntária ou foi

induzida ou se os pretendentes à adoção são adequados, além da possibilidade de

uma situação de tráfico de crianças.

Esse tipo de adoção, também é muito comum no Brasil, visto que as maiorias

dos casais que não podem ter filhos querem adotar crianças recém-nascidas,

brancas e com boa saúde.

E muitas mulheres, no final da gravidez, desvendam a intenção de confiar seu

filho à adoção, pelo fato de não terem condições de criar e educar seus filhos, ou

mesmo, por não se acharem em condições de assumir a responsabilidade de serem

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mães, estabelecendo contato com casais que manifestam o desejo de adotar a

criança e passam a dar às futuras mães toda a assistência necessária para que

tenham um bom parto e a criança nasça saudável. Depois do parto, a mãe biológica

entrega seu filho ao casal adotante, que inicia a prática da “adoção à brasileira”, em

muitos casos os pais adotantes buscam, por meios legais, a adoção do seu filho,

que correm o risco, sem saber, de ver a criança confiscada e levada para alguma

instituição, onde esperará os trâmites da adoção, fato esse que tem ocorrido

repetidas vezes.

Os trâmites legais visam atender casais e/ou pessoas, em obediência quanto

à ordem cronológica dos inscritos no cadastro dos adotantes, que previamente, se

habilitam à adoção, pois já fizeram a sua inscrição junto à Vara da Infância e

Juventude tornando-se pretendentes à adoção.

Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, existia a possibilidade da

adoção do Código Civil, ou seja, o casal podia garantir a adoção para si. Hoje essa

prática está proibida, a Lei 12.010/09, conhecida como a Nova Lei da Adoção, veio

impossibilitar a adoção intuitu personae em relação à crianças com menos de três

anos de idade.

Com efeito, já no § 1º, da Nova Lei da Adoção, afirma que a intervenção

estatal visa à orientação, apoio e promoção social da família natural, “junto à qual a

criança e o adolescente devem permanecer”. A adoção, segundo esse mesmo

parágrafo, é a última medida a se tomar, na “absoluta impossibilidade” de ficar com

a família.

Contudo, agora está expresso no art. 50, § 13 do ECA:

Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

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Para se tornar ainda mais irrealizável a adoção intuitu personae, o art. 197-E

do ECA demanda a obediência quanto à ordem cronológica dos inscritos no

cadastro dos adotantes. Assim, não adianta o casal estar na posse de uma criança

e, após isso, se cadastrar para pedir a sua adoção. Esta será concedida ao primeiro

da fila. O que impede de haver qualquer forma de adoção a não ser a burocrática

determinada pelo Estado, resultando no impedimento de que os detentores do poder

familiar escolham uma família ideal para o filho que não podem criar. Cabendo ao

Estado e não aos pais biológicos dizer quem deve adotar a criança.

Adoção à brasileira é a expressão utilizada para designar uma forma de

procedimento, que desconsidera os trâmites legais do processo de adoção. Este

procedimento consiste em registrar como filho biológico uma criança, sem que ela

tenha sido concebida como tal. O que as pessoas que assim procedem em geral

desconhecem é que a mãe biológica tem o direito de reaver a criança se não tiver

consentido legalmente com a adoção ou se não tiver sido destituída do Poder

Familiar.

Conforme Motta, (2003, pg. 78), consiste no ato de registrar um menor como

filho biológico sem sê-lo, não obedecendo às formalidades legais. Esse tipo de

adoção recebe o nome de “Adoção à Brasileira”, por ser uma prática muito comum

no Brasil. Prática essa, que envolve três crimes: parto suposto, entrega de filho

menor a pessoa inidônea e falsidade ideológica, todos crimes passíveis de punição

por lei.

O registro de uma criança pode ser feito no Cartório de Registro Civil das

Pessoas Naturais, basta o pai ou mãe biológicos se apresentem ao cartório e

informar o nascimento, dizendo que a criança nasceu na residência. Se o oficial

atendente tiver dúvidas sobre a informação, munido pelo art. 52, § 1º da Lei de

Registros Públicos (Lei 6.015, de 31/12/1973), poderá ir à casa dos declarantes e

certificar-se do nascimento da criança, também poderá solicitar a declaração do

médico ou parteira que assistiu o parto ou o testemunho de duas pessoas que não

forem os pais e tiverem visto o recém-nascido.

Consta ainda nas palavras de Roberto da Silva (2003) a seguinte explicitação:

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A adoção ideal é aquela que possibilita a vida em família, para as crianças e os adolescentes, de qualquer faixa etária, que não tem lar tenham qualidade de vida e obtenham o seu desenvolvimento psicofísico.

Essa é uma das mais tocantes definições para a luta contra o abandono de

crianças no Brasil.

A adoção necessária - crianças que possuem perfis geralmente rejeitados

pelos pretendentes à adoção, como as crianças que apresentam idade mais

avançada e/ou problemas de saúde.

A criança, que sofreu ruptura com as figuras às quais esteve vinculada, pode reconstruir o seu eu primário a partir das novas representações dela própria, das quais participará, fundamentalmente, a interiorização das novas imagens parentais (MALDONADO, 1998, p. 25).

A adoção Internacional – ou adoção transnacional é aquela que acontece

quando os pais adotivos é domiciliado em um país e o adotado domiciliado em outro.

No Brasil, segue-se o que determina o art. 7º da Lei de Introdução ao Código

Civil, observa-se a lei do domicílio, ou seja, a capacidade para se adotar e os efeitos

da adoção deverão ser avaliados pela lei de domicílio do adotante e a capacidade

para ser adotado, é apreciada pela legislação do domicílio do adotando.

Aos 19/06/1996, foi aprovado através do Decreto legislativo 60, o documento

da Convenção Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de

Menores, celebrada em La Paz, em 24/05/1994.

Entre os artigos apresentado cabe destacar:

Artigo 1º: Esta Convenção aplica-se-à adoção de menores sob as formas de adoção plena, legitimação adotiva e outras formas afins que equiparem o adotado à condição de filho cuja filiação esteja legalmente estabelecida, quando o adotante (ou adotantes) tiver seu domicílio num Estado-Parte e o adotado sua residência habitual noutro Estado-Parte. Artigo 3º: A lei da residência habitual do menor regerá a capacidade, o consentimento e os demais requisitos para a adoção, bem como os procedimentos e formalidades extrínsecas necessários para a constituição do vínculo. Artigo 4º: A lei do domicílio do adotante (ou adotantes) regulará: 1. a capacidade para ser adotante; 2. os requisitos de idade e estado civil do adotante;

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3. o consentimento do cônjuge do adotante, se for o caso; e 4. os demais requisitos para ser adotante.

No Brasil, a partir de 21/06/1999, por força do Decreto 3.087, passou a vigorar

a Convenção Relativa à proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de

Adoção Internacional, pactuada em Haia, em 29/05/1993. Conforme art. 1º:

A presente Convenção tem por objetivo: 1. Estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe conhece o direito internacional; 2. Instaurar um sistema de cooperação ente os Estados Contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em conseqüência, previna o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças; 3. Assegurar o reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção.

A nova redação concedida pela Lei 12.010/09, do Estatuto da Criança e do

Adolescente, conforme tratam os artigos 51 e 52, regulamentou a adoção

internacional de forma muito mais cuidadosa. As novas regras estabelecidas pela

Lei Maior e pelo Estatuto, o instituto da adoção internacional, passa a ser mais

compreendido, contudo ainda é um sistema complexo.

A adoção Internacional regida pela nova lei se tornou quase impossível,

resultando num maior número de crianças aguardando para serem adotadas,

principalmente as crianças de pele negra ou parda, as acima de três anos de idade,

deficientes físicos ou mentais adolescentes ou grupos de irmãos, uma vez que

muitos estrangeiros encontram na adoção a forma de praticar a solidariedade e não

apresentam um perfil para a criança tão restrito quando desejam adotar.

A adoção por pessoa jurídica - esse tipo de adoção é mais utilizada para

auxiliar financeiramente as pessoas envolvidas, não tem nada a ver com a adoção

paterno ou materno-filial, uma relação de pai e/ou mãe e filho. Pela adoção se

desenvolve um vínculo familiar, que dá origem a sentimentos só existentes entre

seres humanos, o que não está presente nas chamadas pessoas jurídicas.

Como não há, na legislação vigente, nenhuma declaração expressa a

respeito, não existe possibilidade de adoção que não seja por pessoa natural.

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A adoção de nascituro – de origem latim nasciturus significa aquele que há de

nascer: “Designa, assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no

ventre materno; está em vida intra-uterina. Mas não nasceu ainda, não ocorreu o

nascimento dele, pelo que não iniciou a sua vida como pessoa”.

A personalidade civil de uma pessoa inicia após o seu nascimento. E a

adoção um ato jurídico, realizado entre seres humanos, com vida, a possibilidade de

se adotar o nascituro é nula.

A adoção de embriões – nos tempos atuais com a evolução da ciência e da

engenharia genética a questão da fertilização humana assistida está presente,

caminhando para uma necessidade governamental em legislar a questão de adoção

de embrião humano.

O tema atualíssimo e de delicada discussão tem movido estudiosos que

implantam debates que visam estabelecer critérios para continuidade de pesquisas.

Tais técnicas conceptivas resolvem a questão da esterilidade do casal, que terá seu

filho, mas, por outro lado, causam graves problemas jurídicos, sociais, psicológicos,

bioéticos e de ordem médica.

A adoção por casais homossexuais – Para uma melhor compreensão do

termo trazemos a definição de homossexualidade, encontrada no Wikipédia2, que

deriva do gregohomos que significa igual, combinado com a palavra em latim sexus

que quer dizer sexo, refere-se à qualidade própria e inerente de um ser, que se

sente atraído fisicamente, emocionalmente e esteticamente por outro ser do mesmo

sexo.

O homossexualismo pode abarcar a união entre dois homens ou o

relacionamento entre duas mulheres, envolvendo o âmbito sexual. Essa união,

atualmente, é denominada união homoafetiva, termo este que passamos a utilizar na

pesquisa.

Na Lei brasileira não existe qualquer posicionamento a respeito do assunto.

Cabe ainda dizer se no ECA em seu Art. 42. dispõe que “Podem adotar os maiores

de vinte e um anos, independentemente de estado civil”, portanto não é necessário

que o sujeito que pretende adotar seja casado. Além do que, o art. 43 do referido

estatuto consagra que “... a adoção poderá ser deferida quando apresentar reais

2 In: pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade

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vantagens para o adotante e fundar-se em motivos legítimos.". Qualquer pessoa,

seja ela casada ou solteira, com união homoafetiva ou união de heterossexuais, que

demonstre ter um lar respeitoso e tenha disponibilidade afetiva, que comprometa-se

com as responsabilidades de ser pai e/ou mãe, pode adotar.

Este tema é debatido por controvérsias, sendo de intensa preocupação por

parte dos legisladores. Em países como a Holanda e Dinamarca, já é concedido aos

homossexuais o direito não só de se casarem, mas também de adotarem crianças.

Alguns estudos demonstraram que crianças criadas por casais de

homossexuais receberam uma boa educação e não se tornaram necessariamente

homossexuais, o que é uma preocupação social.

É sabido que a adoção por casais homoafetivos é um tema muito polêmico e

a Sociedade Brasileira ainda apresenta bastante resistência em aceitar tal fato.

Porém, é certo que se trata de objeto de intensa exploração por parte da mídia e é

provável que, muito em breve, o tema seja legalizado em favor da adoção por parte

dos casais homoafetivos.

As pesquisas que trabalham com esse tipo de abordagem precisam levar em

conta os vários sujeitos participantes do processo, ou seja, aquele que quer adotar,

aquele que quer ser adotado ou esta a essa mercê, sem excluir os pais biológicos.

Muitas vezes o pai ou a mãe biológicos, também, estão sofrendo, são sofrimentos

de diferentes ordens e as crianças que já não tem vínculos com os pais biológicos

também devem ser respeitadas.

3.3.2. A Construção do Cadastro Único

Talvez um dos meios que necessita ser aprimorado e que veio para facilitar o

processo e os procedimentos de adoção é o Cadastro Único.

Após um longo período na espera que autoridades governamentais tomassem

providências quanto à questão do cuidado da criança no Brasil, a Secretaria

Especial dos Direitos Humanos e a Autoridade Central Administrativa Federal, em

Reunião Extraordinária Das Comissões Temáticas Do Conselho Das Autoridades

Centrais Brasileiras, realizada na cidade de Brasília, aos 19 de agosto de 2003,

pautaram a discussão em prol dos direitos de crianças e adolescentes.

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Também mencionaram que seria promovida a integração das políticas de

direitos humanos com as demais políticas públicas e relacionaram importantes

programas que estavam sendo desenvolvidos através de parcerias que priorizavam

direitos das crianças e adolescentes, como os de trabalho infantil, exploração

infanto-juvenil, paz nas escolas, entre outros.

Assim como foi mencionada a rede encarregada de contabilizar o número de

abrigos em desenvolvimento para fazer um mapeamento de todas as crianças

abrigadas no país.

Na mesma data foi destacada a importância do Projeto de Lei de Adoção para

a apresentação na Câmara dos Deputados que propõe consolidar a política nacional

para adoção.

Por último, destacou temas relativos à política institucional do Conselho, entre

eles a posição com relação aos países não-ratificantes da Convenção de Haia, e a

posição em relação a países em situação de beligerância, como é o caso específico

de Israel. Findo o pronunciamento do Presidente do Conselho, os grupos se

separaram a fim de constituir as duas Comissões estabelecidas por ocasião da VI

Reunião do Conselho e dar início aos trabalhos.

A Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) ficou encarregada da

tarefa de coordenação dos trabalhos onde vários temas seriam abordados, dentre os

quais destaco: a) A situação da adoção para países não-ratificantes; b) a conjuntura

da adoção para países ratificantes sem entidade credenciada; c) a Integração aos

movimentos dos Grupos de Apoio à Adoção; d) estudo do anteprojeto de lei que está

sendo elaborado pela Comissão Nacional Pró-Convivência Familiar; e)

estabelecimento de um percentual mínimo dos orçamentos públicos para os Fundos

da Infância e Juventude; f) destinação de recursos específicos para programas de

apoio à convivência familiar e comunitária e para a prevenção do abandono,

violência, e trabalho infantil; g) reordenamento imediato dos abrigos, visando o

cumprimento do art. 92 e parágrafo único do art. 101 do ECA; h). estabelecimento

de prazos para o processo judicial em primeiro grau de jurisdição e tramitação de

recursos nas ações de Destituição de Pátrio Poder; i) ênfase da necessidade de

criação e implementação dos mecanismos que permitam o acompanhamento

permanente das crianças e adolescentes institucionalizados; j) recomendação da

inclusão, como disciplina obrigatória dos cursos superiores de Direito, Pedagogia,

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Serviço Social e Psicologia, de matéria relativa à infância e juventude e de direito à

convivência familiar e comunitária; k) necessidade da autorização do país de origem

para a adoção por parte de estrangeiros residentes no Brasil, inclusive diplomatas.

Esses trabalhos foram muito importantes para que se reconhecessem a

necessidade de um maior envolvimento por parte das autoridades no sentido de

realizarem um encontro nacional para estabelecimento de uma política nacional para

a questão da adoção. Essas políticas, entre outras, combaterá a chamada "adoção à

brasileira", ou seja, aquela que se dá irregularmente, ainda, bastante frequente no

Brasil.

O resultado deste trabalho foi à criação de um convênio estabelecido entre a

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR e o

SOFTEX RECIFE, que visa ao desenvolvimento e fundação do Sistema de

Informação Para a Infância e Adolescência para Conselhos Tutelares - SIPIA CT

com a intenção de viabilizar o registro e o acompanhamento das violações de

direitos de crianças e adolescentes, em nível nacional, através de uma base de

dados único. O que resultará na possibilidade do Conselheiro Tutelar obter uma

visão mais abrangente da denúncia-fato-direito-medida, objetivando o ressarcimento

do direito violado com base no que determina o Estatuto da Criança e do

Adolescente - ECA, Lei 8.069/90, que possibilita a criação de políticas públicas que

garanta todos os direitos da criança e do adolescente.

Com a criação do Sistema Interativo SIPIA, um sistema interativo criado para

o registro de crianças abrigadas, é possível efetuar o cruzamento entre as

informações coletadas e analisadas dos perfis apresentados pelas

crianças/adolescentes que estão disponíveis para adoção e de pais/mães

pretendentes à adoção e, a partir disso, indicar quais famílias são mais compatíveis

com as características de cada jovem.

O SIPIA é um programa do Ministério da Justiça, coordenado pela Sub-

Secretaria de Promoção de Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA) e da

Secretaria de Direitos Humanos (SDH). O programa permite, ainda, o

acompanhamento da evolução dos trâmites processuais e as adoções efetuadas por

origem e período.

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Assim nasceu o Cadastro Único de Adoção de crianças e adolescentes, que

interage por todo o país, como prevê a nova Lei da Adoção, sancionada pelo

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no qual são feitos os registros dos cadastros

nacionais e estaduais de menores em condições de serem adotados e de pessoas

ou casais habilitados para isso. As grávidas que manifestarem o desejo de

encaminhar o filho à adoção terão atenção especial - um passo fundamental para

evitar que “mães desesperadas” deixem suas crianças em locais inadequados,

colocando em risco a própria vida e a dos recém-nascidos, segundo a Associação

Nacional dos Magistrados.

O sistema único de cadastro permite a quem se cadastrou para a adoção e se

arrependeu, poder pedir à Justiça a exclusão posterior do seu cadastro. Logo mais o

sistema único de cadastro poderá ser acessado pela internet onde o Conselho

Nacional de Justiça - CNJ instituiu uma página onde poderá ser efetuado o cadastro

nacional de adoção.

3.3.3. Os Grupos e Encontros de Apoio

A Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD) é a

representante nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, é um lugar para que o

movimento de apoio à adoção venha a efetivar o anseio de todos os grupos de

garantir o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e a transmissão

da nova cultura de adoção. Assim como um local de comunicação sobre a adoção,

onde todos os participantes do processo e interessados com a causa possam

colaborar, no sentido de traçar novos rumos para a situação de crianças e

adolescentes abandonados no Brasil.

A ANGAAD apoia toda a sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolva

atividades voltadas ao apoio à adoção e na busca de soluções para as questões

relativas ao abandono de crianças e adolescentes, desenvolvendo trabalhos e

reflexões para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária.

Os chamados Grupos de Apoio à Adoção são constituídos, na maioria das

vezes, por iniciativas de pais adotivos que desenvolvem trabalhos voluntariamente

para a divulgação da nova cultura da adoção. Esses trabalhos visam prevenir o

abandono, preparar adotantes e acompanhar pais adotivos, encaminhar crianças

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para a adoção e para a conscientização da sociedade sobre a adoção e

principalmente sobre as adoções necessárias (crianças mais velhas, com

necessidades especiais e inter-raciais).

Um de seus maiores objetivos é a busca de soluções alternativas para as

crianças destituídas de relações familiares, ou seja, resguardar os direitos destas de

viver em família e em comunidade.

A sociedade brasileira o estada, as organizações não governamentais e

públicas tem o desafio de descobrir práticas e metodologias de atendimento a

criança que fortaleçam sempre o direito a convivência familiar e comunitária e não

produzir formas de culturas de confinamento e isolamento das crianças.

3.4. As atuais mudanças do processo de adoção

Várias foram as mudanças que ocorreram na legislação da adoção no Brasil,

mas nenhuma teve a proporção da Lei Nº 12.010, de 3 de agosto de 2009.

§ 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009 no ECA, 1990, Subseção IV, da Adoção).

A Lei nº. 12.010 alterou alguns pontos do ECA, 1990, no que diz respeito a lei

de adoção brasileira, criando mecanismos que apressam o processo de adoção de

crianças e adolescentes. Também foi organizado um cadastro nacional com os

dados de crianças disponíveis para adoção e de pessoas interessadas em recebê-

las. A lei unifica nacionalmente as exigências para os candidatos a pais adotantes. A

lei aprimora e estabelece normas já existentes sobre o tema, que estavam

difundidas em dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do

Código Civil. Elas passaram a ficar agrupadas na Lei Nacional da Adoção, que

consta do ECA.

A demarcação de tempo de permanência em abrigo, uma situação prejudicial

para o desenvolvimento de qualquer criança e em total desacordo com um de seus

direitos fundamentais – o de ser criada por uma família, seja a biológica ou

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substituta – passará a ser de dois anos, tempo satisfatório para que ela seja

amparada por algum parente ou apontada para adoção, num processo seguido pela

Vara da Infância e Juventude.

Pode-se considerar um avanço muito importante de política pública. Também,

como importante alteração podemos apontar o fato de que a destituição do poder

dos pais biológicos sobre a criança deverá ser promulgada em no máximo 120 dias,

a partir do momento em que, constatada a impossibilidade de reintegrá-la à sua

família original, se abre o processo na Justiça.

As alterações trazidas para o sistema de adoção através da Lei 12.010, de 03

de agosto de 2009, foram feitas na tentativa de aprimorar e garantir à criança e ao

adolescente uma convivência familiar digna de todo o ser humano.

Inúmeras crianças e adolescentes que estão vivendo em abrigos difundidos

por todo o território brasileiro, aguardam esperançosos a oportunidade de serem

adotados.

Dirigentes de abrigos, profissionais da área, pesquisadores, pais na espera de

adotar, além dos acolhidos institucionalmente depositaram muita esperança nas

alterações trazidas pela nova lei de adoção, que chegou cheia de promessas e

“inovações”, porém há ainda mais de 80 mil crianças e adolescentes à espera de um

novo lar.

Poucos foram os avanços com a nova lei e quase insignificantes as chances

de se diminuir o número de crianças e adolescentes que vivem nos abrigos,

tornando a adoção só mais uma ilusão, vivida todos os dias pelas crianças.

As novas regras aplicadas pela Lei 12.010/09 têm mostrado a necessária

atenção por parte dos governantes quanto à questão do abandono de crianças e

adolescentes, esquecidos nos abrigos, principalmente quando atingem a idade

superior a 10 anos, assim como também têm deixado claro a sua condição

burocrática. Contudo, traz no seu teor a imposição de que os bebês e crianças até

no máximo 4 anos de idade não poderão permanecer por mais de dois nos abrigos

de proteção, a não ser por decisão judicial.

Também as novas disposições relativas às gestantes que confirmarem

interesse em entregar o filho para a adoção serão ouvidas e encaminhadas,

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evitando-se que essas mães abandonem seus filhos em locais indevidos, colocando

em risco a vida criança.

A adoção acabou por se tornar um grande processo, com direito a todas as

complexidades que um processo judicial possui.

Todos os candidatos a pais adotivos que se achem inscritos no cadastro de

adoção unificado, no prazo máximo de um ano, devem submeter-se à preparação

psicossocial e jurídica, caso contrário poderá ter sua inscrição cassada

judicialmente.

Ainda tem a questão, de ampla discussão social, acerca da adoção por casais

homoafetivos. Discussão que envolve questões sociais e culturais do adotante, não

do adotado, pois, não leva em consideração o que realmente importa para a criança

adotada, ou seja, ter a segurança de um lar e de uma família.

Se o pai ou a mãe adotivos, de casais homoafetivos, levar a criança adotada,

para conviver com seus parceiros, ficando o registro civil no nome da pessoa que

deu entrada ao processo de adoção, como ficaria a situação da adoção se ele vier a

falecer, quem ficaria com o dever jurídico perante a criança adotada? Será que a

criança deveria retornar para o processo de adoção?

Essas questões, nos ajuda a compreender os desafios para podermos

aprimorar os procedimentos da adoção e também no cuidado e respeito às pessoas

envolvidas. Nos próximos capítulos vamos tentar perceber por meio das famílias que

adotaram essas dificuldades.

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4. PERCURSO DA PESQUISA

Este trabalho propõe uma pesquisa do tipo qualitativa, história oral, com foco

em depoimentos adquiridos através de entrevistas, tendo como referência pessoas

envolvidas no movimento de adoção, as quais fazem parte do meu convívio.

A metodologia de pesquisa do tipo qualitativa, história oral, com foco em

depoimento, permite conhecer e aprofundar conhecimentos sobre determinada

realidade, como padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos que

poderão ser obtidos através de conversas com pessoas, relatos orais. Através de

lembranças pessoais, constroem a visão mais real da trajetória do grupo social ao

qual pertencem, ponderando esses fatos pela sua importância em suas vidas.

O uso da metodologia da história oral tem como alicerce um projeto de

objetivos de trabalho que norteiam a pesquisa, a escolha do assunto e dos sujeitos,

as formas de entrevistar e apresentá-las e ainda a edição do texto, visando ou não a

publicação: “A História Oral é a metodologia que mais se expandiu nas últimas

décadas, possivelmente pela difusão do uso do gravador como também pelo grande

volume de pesquisas sobre o tempo presente” (LATIF CASSAB, 2004, p. 2).

Neste tipo de pesquisa, as narrativas orais constituem-se na principal fonte

de pesquisa, às quais permitem, em situação de entrevista, a aquisição da coleta de

dados.

Os instrumentos, assim como os procedimentos da pesquisa foram discutidos

e escolhidos para deixar transparente todas as informações coletadas. E com a

intenção de alcançar o objetivo proposto nesta pesquisa, foi primeiramente realizado

um levantamento bibliográfico com leituras, análise e sistematização dos textos

levantados que buscou analisar a evolução do processo de adoção por meio das

modificações e dos ordenamentos jurídicos no Brasil.

Na sequência, também foi elaborado um roteiro com 21 (vinte e uma)

perguntas3 para entrevistar 4 (quatro) famílias adotantes e 2 (dois) especialistas4 da

área de adoção. Com a ajuda desse roteiro foi possível identificar as classificações

das adoções realizadas e também levantar informações que dizem respeito aos

sentimentos daquele que adota, tanto quanto do adotado.

3 Ver anexo 1.1. 4 Ver anexo 1.2.

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Para que as entrevistas fossem feitas, tive que aguardar a disponibilidade

tanto das famílias adotantes, como dos especialistas. Uma das entrevistas foi

realizada em Alpinópolis, MG, onde reside uma das famílias, as outras três em São

Paulo, SP, local onde fixam residência.

Assim que as entrevistas foram feitas, passei à fase da análise, leitura e

interpretação qualitativa, histórica oral, dos dados colhidos, a partir dos autores que

embasam teoricamente esta pesquisa. Explicito que a presente pesquisa foi

submetida e aprovada pelo Comitê de Ética do UNIFIEO e os roteiros para a

realização das entrevistas foram aplicados com as devidas autorizações de seus

participantes. Para compreender melhor a situação das crianças adotadas e a

família, utilizei a construção do Genograma5, um método utilizado por técnicos de

abrigos, para entender a constituição familiar das crianças abandonadas.

4.1. O perfil dos participantes da pesquisa

Nessa pesquisa, procuramos estudar 4 (quatro) famílias, que se

disponibilizaram as entrevistas, autorizando registro, dentre as quais 3 (três) são de

São Paulo, SP e 1 (uma) de Alpinópolis, MG. Assim como contou com a

disponibilidade de 2 (dois) especialistas da área que se submeteram à entrevista e

passaram a devida autorização de registro.

Numa tentativa de dar maior visibilidade dos sujeitos que protagonizam essa

pesquisa e para perceber alguns elementos do lugar de sua fala, montamos alguns

quadros.

Ao todo, na pesquisa, segundo os dados coletados, registrou-se o total de 10

(dez) participantes, entre pais/mães adotivos de crianças brasileiras heterossexuais

e 2 (duas) especialistas da área, ambas do sexo feminino. Os participantes

apresentaram idade: 3 (três) entre 31-40 anos de idade, 4 (quatro) entre 41-50 anos

de idade, 2 (dois) entre 51-60 anos de idade, 1 entre 61-70 anos de idade. Conforme

consta no quadro 1:

5 Para ver a sua definição, ver anexo 3.

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Idade Quantidade Porcentagem 31 - 40 3 30% 41 – 50 4 40% 51 – 60 2 20% 61 - 70 1 10% Total 10 100%

Quadro 1 – Refere-se à idade dos entrevistados

O que se refere ao grau de instrução dos entrevistados, os dados nos trouxe

as seguintes informações: 2 (dois) participantes tem o Ensino Fundamental

Completo, 4 (quatro) o Ensino Médio, 1 (um) Graduação em andamento e 3 (três)

Ensino Superior com Pós-Graduação. Conforme consta do quadro 2:

Grau de instrução Quantidade Porcentagem

Ensino Fundamental 2 20% Ensino Médio 4 40%

Graduação em andamento

1 10%

Graduação - - Pós-graduação 3 30%

Total 10 100%

Quadro 2 – Refere-se ao grau de instrução dos entrevistados

Quanto ao estado civil dos entrevistados, membros das famílias (pais e mães)

conforme informações, todos são casados. Enquanto as duas especialistas, uma

declarou ser solteira e a outra divorciada. Conforme consta do quadro 3:

Estado Civil Quantidade Local de residência Porcentagem

Solteira 1 SP 10% Casada 8 1 em SP e 8 MG 80%

Amasiada - - - Divorciada 1 SP 10%

Viúva - - - Total 10 10 100%

Quadro 3 – Refere-se ao estado civil dos entrevistados

A quantidade, idade e números de crianças adotadas pelas famílias

entrevistadas, temos: o 1º. casal de MG adotou 2 (duas) crianças, com idade 6 e 8

anos, ambas do sexo masculino, o 2º. casal de SP adotou 1 (uma) criança recém-

nascida do sexo feminino, o 3º. casal de SP adotou 1 (uma) crianças recém-nascida

do sexo masculino e o 4º. Casal de SP adotou 3 (três) crianças, com idade de 6, 8 e

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9 anos de idade, todas do sexo feminino. Totalizando a efetivação de 7 (sete)

adoções de crianças brasileiras, sendo 4 (quatro) do sexo feminino e 3 (três) do

sexo masculino. Conforme consta do quadro 4:

Quantidade de crianças

adotadas por casal Idade Quantidade

1º. Casal = 2 6 e 8 anos Masculino 2º. Casal = 1 recém nascida Feminino 3º. Casal = 1 recém nascido Masculino 4º. Casal = 3 6, 8 e 9 anos Feminino

Total 7 - Quadro 4 – Refere-se à quantidade, idade e número de crianças dotadas

O que refere ao tipo de adoção concretizada, foi registrado a seguinte

informação: do total de 7 (sete) crianças adotadas, 5 (cinco) adoções foram

classificadas como adoção tardia, 1 (uma) foi classificada como adoção pronta e

direta e 1 (uma) como adoção ideal. Conforme consta do quadro 5:

Classificação da

adoção Quantidade Porcentagem

Adoção tardia 5 71, 4% Adoção pronta e direta 1 14, 3%

Adoção à brasileira - - Adoção ideal 1 14,3%

Total 7 100% Quadro 5 - Refere-se ao tipo de adoção realizada

Em uma rápida olhada nos quadros acima, apesar de não ser um estudo

quantitativo se percebe um pouco do retrato da família brasileira, nos aspectos das

suas relações afetivas e jurídicas. No que se referem às questões das faixas etárias,

os casais não são tão jovens, o que dá a entender que alguns não poderiam mais ter

filhos. Ressalta que os que adotaram são casados, portanto têm as suas relações

juridicamente definidas. Os especialistas que responderam um é solteiro e outro

divorciado.

Neste estudo há uma tendência para a adoção tardia, que são as crianças

mais velhas, ressalto aqui que este é um conceito jurídico. São crianças de

aproximadamente sete anos de idade ou acima, não sei se isso é relevante para a

vida de uma pessoa/criança adotada. Os outros dois casos, um se trata de adoção

direta e o outro de adoção ideal. Nesse aspecto contraria um pouco as projeções de

que a maior parte das adoções são as ideais, ou seja, adoções de recém-nascido.

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As entrevistas mostram que as pessoas estavam atrás de fazerem adoção

ideal, mas ao terem contato com as crianças mudaram a sua percepção e a sua

forma de generosidade, optando pela criança que precisava de ajuda, ou seja,

optaram pela efetivação da adoção tardia.

4.2. O genograma das famílias entrevistadas

Para compreender melhor essas famílias que buscaram a adoção, aplicamos

em cada uma a técnica do genograma, que nos ajuda a visualizar, um pouco, a sua

constituição histórico-familiar. O genograma é um mapa utilizado pelos técnicos de

abrigos para verificarem as reais possibilidades de a criança permanecer junto aos

seus familiares consanguíneos e os outros mais próximos.

Conforme consta na Coleção Terra dos Homens “Trabalho Social com

Família” (2002, 3ª. ed.) o genograma é uma ferramenta utilizada como recurso de

avaliação técnica, facilitando ao técnico do abrigo identificar os nomes dos membros

da família, seus padrões comportamentais e os eventos que se repetem. Apenas

com um olhar, o técnico reconhece a família da criança a qual está em questão.

As interpretações subjetivas dos dados são teorias que fazem parte de uma

avaliação ampla e contínua da família.

Essa ferramenta ajuda o profissional na busca de hipóteses sistêmicas de

intervenções técnicas que dão visibilidade às características das relações familiares.

O que auxilia na possibilidade da criança retornar para sua a família.

Pode ser que o pai e mãe da criança não tenham condições de permanecer

com o filho, então o colocam em um abrigo, os técnicos do abrigo constroem o

genograma da família da criança, o estuda e busca alguma possibilidade de os avós

ou os tios ou ainda um parente mais distante que tenha disponibilidade social e

afetiva, possa cuidar da criança, o que garante à criança o seu retorno ao convívio

familiar. O genograma é um modelo para o desenho da família que grava

informações de uma maneira que dá uma gestalt dos padrões complexos da família

(Trabalho Social com Família, 2002, p.54 ).

O Grupo de Pesquisa em Pedagogia Social, coordenado pelo Prof. Dr.

Roberto da Silva, validou essa técnica quando colocou alguns alunos da graduação

do curso de Pedagogia da FEUSP, da Psicologia do Mackenzie e de Serviço Social

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da FMU para atuar nos abrigos utilizando a técnica do genograma, na tentativa de

conseguirem ajudar os profissionais a agilizar os encaminhamentos dos casos,

obtendo um resultado positivo.

Neste trabalho utilizamos o genograma com duas perspectivas, a primeira foi

para que a família obtenha um autoconhecimento e verifique se há dados históricos

presentes que motivassem a adoção, ou que a explicasse. A segunda foi para que

as crianças adotadas, olhando para o desenho do genograma, observassem a

possibilidade de construção de novos envolvimentos familiares.

Iniciamos o desenho a partir do componente mais velho vivo da família. Desta

forma, utilizamos o genograma para que as famílias e as crianças adotadas

pudessem entender a sua situação.

Algumas crianças ao se depararem com o genograma ficaram surpresas e se

identificaram rapidamente no desenho, como se compreendessem melhor sua

situação de adotada. Já outras, ao pintarem o desenho se emocionaram, esse

sentimento por si só, a meu ver, valoriza essa ferramenta na medida em que ajuda a

criança a compreender a sua história.

Acreditamos que o genograma poderá ser uma ferramenta adaptada para

ajudar na compreensão dos sujeitos envolvidos no processo de adoção, não só do

ponto de vista das pessoas envolvidas naquele momento, mas, da compreensão da

biografia dos sujeitos envolvidos. Como exemplo podemos citar que não é porque a

criança foi adotada que ela perdeu a sua história, adoção não apaga a história de

ninguém, no máximo ela pode ajudar a pessoa a resignificar a sua própria história.

O Genograma ajuda a compreender os dois momentos da vida e das famílias

envolvidas.

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O genograma da família 1 nos traz a história da adoção de duas crianças,

ambas do sexo masculino, que haviam sido abrigadas com a idade de 5 e 8 anos.

Quando solicitei às crianças que me ajudassem a fazer o desenho, o mais novo

ajudou um pouquinho e logo depois foi brincar, já o mais velho se envolveu muito e

se empolgou na busca dos dados para organizarmos o desenho.

Pode-se observar que, tanto o pai como a mãe adotiva possuem extensa

família e já não são de pouca idade, o que confirma uma experiência de vida já

bastante fundamentada na convivência familiar. Conforme depoimento dos pais,

registrado na entrevista, eles tinham intenção de adotar uma criança recém-nascida,

mas quando depararam com a necessidade real das crianças no abrigo ficaram

extremamente comovidos pela história dos irmãos e optaram pela adoção tardia.

Pode ser que a valorização do convívio e da afetividade já comprovada pela

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prolongada e enraizada convivência familiar que traziam consigo tenham contribuído

para que mudassem o seu desejo primário de adoção e optassem pela adoção

tardia e dupla. Também vale registrar que o irmão mais velho citou a existência dos

outros dois irmãos com bastante sentimento, pois, soube que eles haviam sido

colocados no abrigo, logo após eles terem sido adotados. E falou: “a minha família

também é grande, igual a sua não é mãe, só que gente não está junto!”.

O genograma 2 é a história de uma criança que foi adotada de forma ideal,

ou seja, recém-nascida, há trinta anos, ainda na lei antiga da adoção. A adoção foi

feita por um casal que já tinha sofrido alguns abortos, portanto, decidiram pela

adoção. O pai adotante tem uma história de vida bastante interessante, seu pai ficou

viúvo ainda jovem, casou-se novamente e teve mais um filho. O que possibilitou à

família uma nova reconstrução.

Já a mãe adotante, nota-se que vem de uma família bastante extensa, onde

os valores de afetividades e de convivência são bastante presentes. Após a adoção

eles tiveram mais dois filhos biológicos. A valorização da convivência familiar pode

ter possibilitado ao casal, que era tão jovem, a decisão de adotarem uma criança.

Hoje a criança adotada já está com 30 anos e tem dois filhos biológicos.

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O Genograma 3 trata-se de uma adoção pronta e direta, assim como também

de uma adoção ideal, ou seja, a entrega feita pela mãe biológica, de uma criança

recém-nascida diretamente aos seus pais adotivos. Registro que esta é uma adoção

hoje, considerada contrária às leis da adoção brasileira.

Como pode ser observado o pai adotante vem de uma família numerosa,

grande e completa, com vários irmãos e um forte vínculo afetivo, cujos participantes

valorizam suas raízes, todos são de MG. Também está evidenciada no desenho a

existência de duas histórias de adoção já efetivadas e as duas realizadas na lei

antiga da adoção. Uma dessas, também, é sujeito de estudo nesta pesquisa (família

2). O que nos comprova que adotar, nesta família, já se tornara prática cultural.

Na família da mãe, ou seja, na minha família, justifico que este desenho

retrata, também, a minha história de vida, a história da minha família, cuja permissão

me foi dada para que eu pudesse me ajustar como sujeito pesquisado e

pesquisador.

Analisando o desenho percebe-se a constituição de uma família menor,

porém, com um histórico de várias reconstruções afetivas no âmbito familiar. Minha

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mãe se separou do seu primeiro marido, meu pai biológico, que nos deixou quando

eu tinha apenas 2 meses de vida e meu irmão 2 anos, casou-se com, hoje meu

padrasto, um homem na época, já viúvo, que trouxe consigo seu filho do primeiro

casamento. A minha família foi reconstituída, passei a ter pai mãe e dois irmãos.

Continuando a análise verifico que tanto eu como meu marido, os ditos pais

adotantes, trazíamos a valorização das afetividades, assim como acreditávamos na

possibilidade das reconstruções familiares.

Creio que a soma desses valores fez nascer em nós a vontade de optar pela

adoção, mesmo porque esse assunto sempre esteve presente em nosso dia-a-dia,

desde o início da nossa união.

Apesar de falarmos sobre a vontade que tínhamos em adotar, somente

concretizamos nosso sonho aos 21 anos de casados quando então, já tínhamos

duas filhas biológicas, uma com 20 anos de idade e outra com 12 anos de idade,

após uma conversa consensual familiar, fruto do desejo de todos.

É muito importante dizer que quando já terminava a construção do

genograma, o Dú pediu para pintar o desenho e durante a atividade foi perguntando

a respeito do desenho. Enquanto eu falava, percebi que ele começara a chorar, eu

perguntei por que ele estava chorando e ele disse “Acho que estou emocionado”.

Então percebi que ele tinha compreendido que se tratava de sua história, em

particular. Fiquei um pouco assustada e ele me abraçou, me beijou e disse: “Boa

noite, mãe!”. Foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida.

Acredito que entre todos os valores que esse trabalho me trouxe, uma grande

descoberta foi de quanto a técnica do genograma pode ajudar as pessoas a

compreenderem a sua própria situação.

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No Genograma 4, ou seja, na quarta família de adotantes, ao contrário das

anteriores, trata-se de uma família bem pequena, de porte restrito aos familiares

diretos, ou seja, pais e avós. O pai adotivo tem apenas um irmão e seus pais

convivem bem próximo a todos. A mãe adotiva tem dois irmãos que, segundo ela,

moram distantes junto da sua mãe; seu pai, ao qual tinha um forte vínculo, já

faleceu.

Esta família quando decidiu pela adoção, procuravam um bebê, porém

durante a visitação a um abrigo conheceram uma criança de seis anos de idade que

lhes chamou a atenção e acabaram por se apaixonar por ela, conforme falaram “foi

amor a primeira vista”. Não tardaram a solicitar sua adoção, que prontamente foi

negada pelo Juiz da Vara da Infância, pois esta tinha mais duas irmãs que também

estavam abrigadas. Quando souberam que lhes foi negado o pedido de adoção e

foram informados sobre a nova legislação de adoção, onde não permitia a

separação de irmãos, decidiram conhecer as outras duas crianças que eram mais

velhas e decidiram pela adoção das três. O que lhes foi concedido.

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Segundo depoimento da família, as três irmãs são apaixonadas pelo avô

paterno e ele por elas. Só para constar: no início do processo, o avô disse que era

uma loucura adotar três crianças e ainda grandes. Na construção do genograma, as

meninas não estavam perto, mas encaminharam um desenho feito por cada uma,

retratando o antes e o depois da adoção6. Cabe dizer que todos os desenhos

retratam a felicidade na nova constituição familiar. Logo depois da adoção efetivada

das três irmãs, a mãe biológica entregou mais uma de suas filhas no abrigo. Quando

terminei o desenho, mostrei para a mãe adotante e ela me disse: “Fomos em busca

de um filho e acabamos ‘ganhando’ trigêmeos”.

Esta técnica permite ir além da aparência dos compromissos das pessoas,

são encontros de pessoas que tem perspectivas diferentes, mas, que tem um núcleo

comum que é encontrar sentido produzir sentido e partilhando as diferentes vidas

envolvidas encontrar a felicidade e a realização humana.

Esta perspectiva é difícil de descrever porque ela depende do sentir das

pessoas e uma das formas que encontrei para tentar trazer um pouco desse sentir

das crianças foi o desenho.

Qualquer trabalho neste campo não pode ser avaliado apenas do ponto de

vista de indicadores de resultados preestabelecidos na legislação e nos planos de

governo, mas, também deve ser capturado pelas manifestações do bem estar da

criança.

O que deixou transparecer nessa atividade foi que a relação afetiva não é um

negócio e não é compra de felicidade, não é um troféu de pessoas é sobretudo

relações que buscam satisfazer as exigências da condição humana de um ajudar o

outro a construir os seus projetos e realizar-se em eles.

Quem adota não está comprando uma propriedade ou um produto, quem

adota se propõe a construir um projeto junto, a criança vai fazer parte do projeto

existencial daquela família e a família vai fazer parte do projeto existencial daquela

criança.

6 Ver anexo 4.

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5. A VISÃO DAS FAMÍLIAS SOBRE O PROCESSO DE ADOÇÃO

A Base da Doutrina de Proteção Integral assegura a toda criança o direito da

convivência familiar e comunitária. Aquelas que com alguns problemas não possam

mais ter a família biológica, devem ser encaminhadas para conviver no seio de outra

família substituta ou para a adoção.

A decisão de adotar um filho está implicada num conjunto de fatores, entre

eles pode se destacar a incapacidade para se ter um filho, e é a possibilidade de

resgatar um sonho, um ideal de ser pai e ser mãe ou de acreditar que a família só é

perfeita quando se tem um filho ou ainda a necessidade de se ter outros filhos. Às

vezes, a falta de filhos para o casal faz com que eles vivam na solidão ou tenham

medo de enfrentar uma solidão no fim da vida, de uma forma ou de outra, pode ser

uma forma de resgatar um sentimento de continuar a viver, perpetuar sua vida.

Por outro lado, existem crianças vivendo dramas mais diversos que vão

desde o abandono até os maus-tratos e, neste jogo, muitos têm medo de adotar.

É muito difícil a situação dessas crianças, conforme afirma Roberto da Silva,

em entrevista para a revista Pontocom (2009): “Conceber a criança como sujeito de

direitos significa entender que ela tem direitos, independente de quem sejam seus

pais”.

A violência é algo que assusta a população em geral, mais ainda quando se

tratam de histórias de crianças violentas e agressivas, mas devemos nos perguntar

porque são violentas e agressivas, provavelmente porque foram submetidas a tais

situações.

Para entender a visão dos sentimentos das famílias que adotam, resolvemos

escutar algumas famílias que se embrenharam na causa da adoção. A análise dos

casos envolveu descrição, reflexão e discussão, não somente dos dados levantados

e dos procedimentos de seu exame como, também, dos resultados obtidos,

atendendo aos princípios metodológicos e à fundamentação (teórica e prática) da

Psicologia Educacional.

As entrevistas feitas a cada família foram concretizadas seguindo o roteiro

previamente estipulado, estudado e aprovado pelo Comitê de Ética do UNIFIEO.

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A pesquisa seguiu na verificação das possíveis contribuições sobre a adoção

brasileira e na observação de algumas histórias de adoção concretizadas,

ressaltando como se desenvolveu o processo no âmbito social e familiar, estudando

ainda a singularidade de cada caso, através de um estudo qualitativo, histórico oral,

de como a adoção segue o seu percurso e suas várias formas, suas interpretações e

frustrações, ressaltando o processo de aprendizagem na vida do sujeito adotado e

da família.

“Uma família para resolver o problema de uma criança e não mais uma

criança para resolver o problema de uma família” (FREIRE, 1995, p. 34). Esta frase

aborda três aspectos: aspectos psicossociais, que consideram as características da

criança, seus pais biológicos e adotivos; aspectos jurídicos, ou seja, consideram a

adoção plena, efeitos e procedimentos legais que envolvem o processo; aspectos

institucionais e de procedimento que envolvem a assessoria institucional e

profissional multidisciplinar para garantir que todas as exigências técnicas e éticas

da situação em causa sejam cumpridas.

Esta pesquisa traz um detalhamento das formas de encarar positivamente a

adoção e mostrar a importância desse ato, para garantir à criança e ao adolescente

o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo

de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos

conforme rege o Art. 15 da Constituição e em outras leis.

Na tentativa de oferecer uma visão panorâmica dos sentimentos da

concepção de adoção pelas famílias entrevistadas neste trabalho elaboramos uma

tabela que se segue.

5.1. Quadro síntese de categoria – Análises das entrevistas realizadas

com as famílias

Perguntas Classificação das Perguntas

Família Família Família Família

Âmbito Familiar

Âmbito das Instituições

1 2 3 4

1 - Vocês se recordam quando conversaram, com o grupo familiar, pela primeira vez sobre a adoção?

X

Nossa situação financeira não era boa, mas ele (Zé) não achava isso, somente não queria ver criança alguma passando fome, mas ele não queria ir atrás, pois, era tudo muito longe...

Entre nós sim, não conversamos com mais ninguém, somente entre marido e mulher.

Nós sempre conversamos sobre adotar uma criança, na família do meu marido é prática muito comum. A gente queria um menino acima de 4 anos independente de etnia, e as meninas queriam muito e cobravam,

Quando eu e o Ale... pensamos em ter filhos, fomos fazer tratamento, a gente antes já aventávamos a possibilidade de adotar, muito interessante porque ele queria bebê... e eu falei pra ele que pra mim tanto fazia. E ele falou: Vamos

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da gente, uma postura.

adotar? E concordamos em adotar.

2 - Na família, ou em grupo de sua convivência já existem casos de adoção? Essa experiência interferiu na decisão?

X

Sim. Eu acho que sim. Eu tive muitos primos que adotaram crianças mesmo tendo seus filhos biológicos, e isso me incentivou

Já, uma tia de Minas. Não Pensamos nisso. Essas adoções ficamos sabendo depois da nossa

Já, duas irmãs do meu marido tinham filhas adotadas e uma tia de Minas. Na minha a vida as adoções foram questões de sobrevivência. Acho que essa experiência interferiu sim na nossa decisão.

Então, na minha família materna, minha avó, minha tias avós, sempre tiveram filhos de criação, eu sempre tive primo de criação.

3 - Quantos filhos vocês tem, entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o sexo das crianças, por ordem decrescente:

X

Não tivemos nenhum filho biológico, pois eu tinha problemas e necessitava de tratamento, depois de algumas tentativas, em vão, pois aqui em Alpinópolis tudo é muito difícil, então optei pela adoção.

3 filhos. 2 biológicos e 1 adotada

3 Filhos (Dé... de 28 anos, a Ba... de 20 anos e o Dú... 8 anos ). O Dú... (meu menino) veio para casa com 35 dias de nascido, em 2003. E sua adoção saiu quando ele tinha 1 aninho, no dia 05 de janeiro de 2005.

Não temos filhos biológicos só filhas de amor: A Joa... tem 13 anos, a Oli... 12 anos e a Ali... 11 anos.

4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

X

A casa fica vazia só com o casal e a gente sente necessidade, primeiro a gente precisa ajudar as pessoas que necessitam em segundo lugar suprir a necessidade da gente. Eu queria ser mãe e não conseguia engravidar

Durante os quatros primeiros anos de casados a minha esposa teve 3 abortos. E a vontade de sermos pais era muito forte.

Sempre conversávamos a respeito da adoção, e as minhas meninas nos cobravam a providência. Foi quando soubemos da existência do Du que foi entregue a nós, em adoção, por sua mãe biológica, para ser amado e cuidado pela minha família, que passaria a ser também sua, pois a sua família biológica estava incapacitada de fazê-lo.

Eu vou lhe contar uma historinha: No começo nós fizemos o caminho inverso da adoção, que as técnicas do fórum e do abrigo odeiam. No abrigo nós conhecemos a Ali..., ela tinha 6 anos... E aí o abrigo incentivou a gente a pedir a adoção da Ali... porque tinha um casal que queria a Joa... Como a gente não conhecia a legislação, era tudo muito novo pra gente, nós pedimos a adoção. Mas a Juíza do Fórum de Itaquera negou, ai a gente pediu de novo, ai ela negou novamente e disse ou é as três ou nenhuma. Eu pensei as três não dá. Meu marido perguntou: Você tem amor para dar para as três?

5 - Logo que a decisão foi tomada vocês procuraram ajuda na Vara da Infância e Juventude?

X Procuramos no Conselho Tutelar e logo que fomos informados dos dois irmãos a gente conversou e decidiu ficar com as crianças nós fizemos a inscrição no Fórum de Alpinópolis.

Não. Na época fomos direito ao Juizado.

Sim. No Fórum de Pinheiros.

A gente foi direto ao Fórum de Itaquera.

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6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

X

A Assistente social questionou porque a gente não queria adotar em Alpinópolis, pois aqui tinha muitas crianças que precisavam, ai eu expliquei exatamente assim, eu queria dotar recém nascido e no Carmo a fila de adoção é menor. Por isso nós procuramos lá e também por ser melhor pois nós ficaríamos longe dos pais biológicos da criança que eu adotaria.

Muito bem. Fomos muito bem orientados.

Fomos muito bem recepcionados e orientados, apesar de estarmos muito nervosos com a situação, pois, o Du já estava com a gente.

A Assistente Social do Fórum nos atendeu muito bem, já era final do expediente, mas nós preenchemos o cadastro todo lá. Ela até nos disse que poderíamos ter ido para o fórum de Pinheiros, que seria mais perto para nós e a gente não quis. Nós já tínhamos conhecido ela e ela já tinha visitado nossa casa.

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou para fazer a adoção?

X Tivemos que tirar o atestado de conduta, comprovar renda familiar e comprovar o endereço de moradia, assim como tivemos que entregar comprovantes das terras nossas, RG, CIC, Titulo de eleitor, tudo

Tivemos que provar que éramos casados, que tínhamos uma residência, com endereço fixo, que meu marido tinha serviço fixo, e tínhamos que ter 30 ano. Acho que isso dificultou a concretização da adoção, não sabemos se foi o caso, mas a doção só saiu quando meu marido completou trinta anos.

Tivemos que provar que éramos casados, que tínhamos uma residência, com endereço fixo, o vínculo de trabalho, dos dois e toda documentação pessoal de cada um.

Preenchemos o cadastro único de adoção, comprovamos residência fixa, entregamos cópia de todos os nossos documento e comprovantes de que tínhamos emprego fixo.

8 - Quando vocês se inscreveram como candidatos à adoção, vocês tinham em vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

X

Antes de fazer a inscrição a gente tinha sim, queríamos um recém-nascido, mas quando nós fizemos a inscrição a gente já sabia das duas crianças, dos dois irmãos.

Tínhamos. A gente queria uma menina recém-nascida.

Quando fizemos a inscrição o Du já estava com a gente.

Como já contei anteriormente, o meu marido queria um bebê e não se importava com o sexo. Eu não tinha preferência nem por idade nem por sexo.

9 - Desde a data de cadastramento foi apresentada a vocês alguma criança disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

X Nao

Sim três crianças.

Não

A essa altura já tínhamos conhecido a Ali...

10 - Se durante o processo tivesse sido apresentado a vocês alguma criança para ser adotada isso teria feito diferença?

X

Acho que não.

Pergunta imprecisa.

Pergunta imprecisa.

Não, de forma alguma.

11 – Quantas vezes vocês tiveram

X Duas vezes, uma com a Assistente Social e a outra

Duas vezes Três vezes. Duas vezes no Fórum e uma vez que a

Foram ao todo 3 entrevistas.

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entrevistas com a psicóloga ou assistente social ou outro profissional?

com o Juiz da Comarca

Assistente Social veio visitar nossa casa

12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que envolve o tema adoção?

X Não

Não

Não

Sim o GAASP - Grupo de Apoio a Adoção de São Paulo. E por várias vezes a Dora e o Roberto ajudaram a gente, até hoje eles ajudam.

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

X Nenhuma, nunca ninguém procurou saber, nem ligação nós recebemos.

Sim. Somente antes da An vir

Sim. Somente uma vez. .

Sim, 1 visita Eu falei pra assistente social, não é sempre que a casa fica limpinha assim, ela deu risada e falou: É tapetinho na pia com cachorro não combina, então eu brinquei e falei vou tirar o tapete (risos).

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

X Uma semana, para pegar os meninos. Mas já faz dois anos e quatro meses que estamos com eles e ainda não saiu a adoção definitiva.

7 meses. Todos os meus filhos foram de sete meses...

Não aguardamos.

Nove meses, o tempo de uma gestação, aguardamos 9 meses para ter nossas trigêmeas (choro/risos).

Eu brinco dizendo que quando nós

fizemos ultrassom só dava para enxergar a

Ali... e quando nasceram eram três.

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de que data?

X Estamos com a guarda provisória, já entrei com o pedido há mais de um ano, estamos aguardando.

Sete anos após a adoção

Dia 05 de dezembro de 2005. Praticamente um ano após o Du chegar.

Depois de quatro anos a adoção se concretizou, enfim sou mãe oficialmente das minhas trigêmeas.

16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

X

Devido a idade dos meninos foi difícil, porque eles vieram com muito trauma, muita coisa negativa, eles, eu e meu marido tivemos que fazer acompanhamento psicológico e médico

O único problema foi quando ligaram falando que a mãe biológica havia ligado.

A mãe biológica do Du foi denunciada por maus tratos de seus irmãos e abandono de menor. E ela disse para a Delegada que havia entregado o neném para a gente. A Delegada da 3ª. Vara da Infância nos ligou e convidou-nos a comparecer na Delegacia. ... nós fomos ouvidos e liberados, pois toda a documentação de adoção estava correta, apenas aguardando os trâmites finais. Foi muito importante a gente ter procurado a lei e feito tudo direitinho. Por

Eu acho que os problemas agora, são problemas de família mesmo, é preguiça de estudar, não quer comer, não quer tomar banho...

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muito tempo ficamos pensando na situação em que fomos colocados. Esse sem dúvidas foi o maior problema

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são adotivo(s)?

X

Eu não pude ter filhos e acho que Deus falou pra gente que tinha duas crianças precisado de carinho foi assim que começaram a fazer parte da nossa vida

Sim. Todos nós tivemos que ir a psicóloga.

Sim, o Du é muito novo e sempre que podemos falamos sobre o tema adoção com ele. Ele sabe que é adotado, acho que só não tem muita convicção do que é isso, ser adotado.

Não foi necessário.

18 - Se mantiveram esse diálogo, como foi?

X

Eles sentiram muita falta dos irmãos mais novos, dois, que não estão com a mãe.

Para o Rô falamos que An era irmã de coração. Para o Fl ela mesma contou

Para a Dé e a Ba não foi preciso, pois elas acompanharam todo o processo. Para Du, não foi difícil, pois ele constantemente pede pra gente contar pra ele a sua história.

Não tivemos

19 - Se o seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida quiser conhecer o seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de respostas?

X

Sim

Com certeza. Já fizemos isso.

Com toda certeza, essa é uma questão indiscutível.

Eu já até conversei com elas, se elas quiserem procurar a outra família eu até ajudo, depois que elas completarem a maioridade, antes disso pra mim não precisa nem pedir.

20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

X

Eu acho que a gente foi escolhido também.

Eu não me arrependo de ter adotado, filho adotivo tem uma rebeldia, pois sabem que foram rejeitados.

Eu agradeço a Deus todos os dias por ter uma família linda! Os meus filhos são maravilhosos. Para me ajudar a educá-los conto com a dedicação dos meus pais, que sempre nos apoiaram nas nossas (minha e de meu marido) decisões. Eles amam incondicionalmente os três netos. Sempre falei, a quem quiser me ouvir, que ganhei o presente mais precioso da minha vida de uma pessoa que eu não conhecia e não me conhecia, apenas sei que é um Ser Abençoado, pois foi através dela que realizei o meu sonho de ser novamente mãe. Ela confiou a mim, a educação, a disponibilidade

Uma vez a Oli... falou que eu não era mãe dele. Então disse: “Eu estou confusa eu só sou sua mãe quando? Até pra ela perceber que eu não posso só ser mãe dela quando interessa pra ela. Eu sou mãe dela em todos os momentos, até quando ela tem que me respeitar e aceitar os nãos que eu tenho que dizer. Porque isso é convivência. Esse é vínculo mais difícil da gente estabelecer. .

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de amar, e ser amada do seu (do nosso) precioso filho

21 - Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de adoção, o que falaria?

X Tem que ser realista, não é fácil, mas com muita garra e amor a gente consegue. Eu queria que o governo desse um benefício para essas crianças, pelo menos nos primeiros anos, porque foi muito difícil, apesar de eu ter ajuda da família inteira, a gente não é rico e as despesas cresceram muito principalmente as ligadas a saúde.

Tem que dar muito amor e carinho e acompanhar em tudo, conversar muito

Sei que a responsabilidade de ser pai e/ou mãe é complexa, que vai além da compreensão falada, escrita, percebida. Mas existem milhares de crianças aguardando uma chance de poder ser feliz e fazer o outro feliz. E é também através da adoção que essa prática de amor se torna possível. Tem que haver uma maneira de incentivar a adoção das nossas crianças brasileiras, para que tenham chance de tornarem-se Seres detentores dos seus direitos.

Quero sim. Principalmente a questão da legislação, porque depois que as meninas chegaram em casa, eu tive apenas um mês de licença para ficar com elas, por conta somente da Ali... que não tinha completado sete anos, e é muito difícil é muita correria, e muito trabalho, muita coisa para conhecer, a gente não tem ajuda do estado para amparo psicológico, temos que ficar procurando nos postos de saúde, o que não se encontra vaga, ou então, se virar e conseguir sozinha.

Nas diferentes vozes das famílias é possível perceber que elas estão

tentando tecer um projeto existencial de suas vidas e este projeto tem como base o

novo ser que chega e que deverá ser incorporado na constituição desta família.

Nesse sentido não é mais aquela família anterior, surge uma nova família com

muitas inseguranças e incertezas, não existe um manual de consulta que permite a

consulta para orientação de como se relacionar bem com o outro, mas tanto a

criança como o casal vão construir essa nova relação e descobre juntos como

encaminhar as questões.

Talvez aqui pudesse dizer que com base em SOUZA NETO(2002, p. 64) ( e

FREIRE (1995, p. 37) o movimento da adoção permite a construção do novo homem

e da nova mulher, e ainda uma nova criança e/ou adolescente, em síntese os novos

sujeitos, humanamente fortalecidos, uma vez que um se descobre no outro e deixa

emergir o que há de melhor no Ser Humano.

A adoção para essas famílias e para as crianças adotadas permite se

descobrirem e mesmo os funcionários técnicos e autoridades envolvidas. Quando

essas pessoas se encontram e revivem esses processos elas se emocionam, é uma

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emoção que mobiliza para fazer algo bom SOUZA NETO com base em SPINOSA,

diz que aqui é uma concretização da ética, porque a ética se constitui nos bons

encontros e me parece que nessas famílias até agora ocorrem bons encontros, a

vida acontece e os pequenos tem direito de viver em famílias e em comunidade,

esse é o bom encontro.

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5.2. Discussão e reflexão

No primeiro momento, foi dado enfoque à história e à legislação atual

pertinente à adoção, com minuciosa busca literária que caracterizasse os contextos

sociais do tema, também através de levantamento de documentos, produção de

pesquisas e estudos de casos.

Já no segundo momento, foi abordado o aspecto teórico, fazendo uma análise

crítica da produção acadêmica, seus referenciais teóricos e bibliográficos

relacionados. Durante esta etapa, foram levantadas obras dos principais

interlocutores, bem como pesquisas e artigos acadêmicos que se referem ao tema.

A pesquisa buscou levantar os dados das famílias adotantes em estudo,

efetivando-se entrevistas com os participantes adotantes e especialistas da área,

com o intuito de conhecer opiniões divergentes e convergentes sobre a prática da

adoção. A cada entrevista foi comunicado o objetivo da pesquisa e a posterior

utilização dos dados coletados.

Prosseguindo na análise do Quadro síntese de categoria – Análises das

entrevistas realizadas com as famílias, podemos notar que das 21 (vinte e uma)

perguntas, 11 (onze) se encaixam na classificação de âmbito familiar e 10 (dez) se

encaixam na classificação de âmbito institucional.

Ao fazer a leitura das respostas dos âmbitos: familiar e jurídico pudemos

delinear alguns dos entraves jurídicos e institucionais enfrentados pelas famílias que

se sujeitaram à pesquisa, os quais passamos a descrever.

A busca de filho quando não se pode concebê-lo de forma natural já inibe o

sujeito que possui o desejo de tornar-se pai e/ou mãe; a maioria das famílias

entrevistadas, quando decidiram pela adoção queriam uma criança recém-nascida,

porém, não foi o que a maioria encontrou, a maioria das crianças que estão para

adoção estão numa faixa etária muito além dos 4 anos de idade, que podemos

considerar o primeiro entrave institucional, mas isso não as impediu de transformar

seu sonho em realidade e optaram pela adoção tardia.

Também a espera pela concretização da adoção, que leva algum tempo para

efetivar-se, pode ser considerado o segundo entrave institucional, além de

burocrático, mas também vemos em todos os relatos a perseverança dos familiares

e a conquista das efetivações das suas adoções.

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As idas e vindas aos abrigos em busca de um filho, e as várias crianças

necessitadas de convívio familiar, afeta tanto as famílias pretendentes à adoção,

quanto às crianças que permanecem nos abrigos nutrindo esperanças de um dia

realizarem seus sonhos de terem uma família, afetam a dignidade desses sujeitos,

sem contar com o estado psicológico de ambos que ficam afetados. Mas nem isso

os enfraquece e permaneceram fiéis a determinação traçada.

Acredito que vários outros impasses chamados nesta pesquisa de entraves

jurídicos e institucionais são fáceis de serem observados na leitura desse material,

dei visibilidade aos acima, mas não descarto os demais.

Ainda, com a leitura podemos observar que ficou clara a importância do

diálogo em família. Nos seus depoimentos, as famílias explicitaram que as decisões

foram tomadas após dialogarem entre si. Segundo FREIRE (2001, p. 101), a

importância do diálogo em família fundamenta-se na troca de afetividade e a

interação entre todos os personagens se torna mais interessante, pois se capta,

oralmente, a voz, o rosto, o gesto, a postura corporal e outros. Todas essas

expressões são riquíssimas no diálogo para obter-se o desenvolvimento e a

convivência familiar.

[...] nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 2001, p.115).

Os seres humanos necessitam de convivência entre si, pois esta permite o

surgimento de variados sentimentos e o entendimento verbal e dialógico se torna

fundamental, principalmente dentro do contexto familiar, para que resultem em

decisões conjuntas envolvendo todos os sujeitos.

Ressalto que, ao analisarmos os depoimentos dos casais, alguns outros

pontos também merecem destaque. Todos falam da necessidade que a criança tem

em conviver em um lar, ou seja, no seio de uma família; também é interessante

ressaltar que a família que opta pela adoção já convive com outros casos de adoção

na família, por isso, a questão lhe é aceitável e encarada com normalidade, como

podemos comprovar nas repostas comuns dadas à questão número 2 (Na família,

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ou em grupo de sua convivência já existem casos de adoção? Essa experiência

interferiu na decisão?):

“Sim. Eu acho que sim. Eu tive muitos primos que adotaram crianças mesmo tendo seus filhos biológicos, e isso me incentivou” (Família 1). “Já, uma tia de Minas. Não Pensamos nisso. Essas adoções ficamos sabendo depois da nossa”(Família 2). “Já, duas irmãs do meu marido tinham filhas adotadas e uma tia de Minas. Na minha vida as adoções foram questões de sobrevivência” (Família 3). “Então, na minha família materna, minha avó, minha tias avós, sempre tiveram filhos de criação, eu sempre tive primo de criação” (Família 4).

O ECA, de 1990, estabelece que a criança não deva ser privada de liberdade

e quando for necessário afastá-la da família, deverá ser encaminhada para um

abrigo, porém com ênfase de que deve ser preservado, como prioridade, a

convivência familiar e comunitária, mantendo o abrigamento como última medida.

A Comissão Intersetorial criada no segundo semestre de 2004, composta por

representantes governamentais e da sociedade civil, com o objetivo de elaborar

subsídios para um “Plano nacional de promoção, defesa e garantia do direito de

crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária”, que lançou em 2005 o

documento oficial intitulado Subsídios para elaboração do Plano Nacional de

promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência

Familiar e Comunitária, traz o seguinte teor:

Trata-se da mudança do olhar e do fazer, não apenas das políticas públicas focalizadas na infância e na juventude, mas extensiva aos demais atores do chamado Sistema de Garantia de Direitos e de Proteção Social, implicando a capacidade de ver as crianças e adolescentes de maneira indissociável do seu contexto sócio-familiar, percebendo e praticando a centralidade da família enquanto objeto de ação e de investimento (SEDH, 2005, p. 8).

Além disso, fica o apelo dos entrevistados para a necessidade da

reformulação da lei de adoção, no que tange a questão do tempo de licença

concedida aos pais adotivos, após a adoção, igualando o período de licença que,

atualmente, são diferentes. Na adoção de recém-nascido a licença é por um período

de 4 (quatro) meses, ou seja, período da licença maternidade e para a adoção

tardia, a mãe adotante não conta com essa licença, apesar da necessidade também

ser presente, são necessidades diferentes, porém existentes nas duas situações.

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Segundo depoimento de todos os casais, o atendimento nos Fóruns é muito

atencioso e esclarecedor. Outro destaque necessário está relacionado ao risco que

se corre ao efetuar a adoção pronta e direta, pois, por decisão judicial, os pais

adotantes podem ser obrigados a devolverem a criança para que fique à disposição

para adoção dos pretendentes que já possuem inscrição no cadastro único.

O tema da adoção na literatura da psicanálise discute as consequências para

as crianças quando estas não sabem sobre seu processo de adoção, o que

podemos notar, na fala dos entrevistados, por meio das respostas 17, 18 e 19, que

todos eles têm a clareza dessa realidade e sabem da importância, para o convívio

saudável da família a necessidade de manterem o diálogo franco e aberto.

“Sim, eu disse: Eu não pude ter filhos e acho que Deus falou pra gente que tinha duas crianças precisando de carinho, foi assim que começaram a fazer parte da nossa vida” (Família 1). “Sim. Todos nós tivemos que ir à psicóloga” (Família 2). “Sim, o Du é muito novo e sempre que podemos falamos sobre o tema adoção com ele. Ele sabe que é adotado, acho que só não tem muita convicção do que é ser adotado...” (Família 3). “Eu já até conversei com elas, se elas quiserem procurar a outra família eu até ajudo, depois que elas completarem a maioridade, antes disso pra mim não precisa nem pedir” (Família 4).

A psicologia da educação tem nos mostrado que o processo de aprendizagem

saudável não se realiza pautado na mentira. É difícil explicar para uma criança que

ela foi entregue num abrigo para ser adotada, mas é bem pior quando ela descobre

por si só. Como pode ser comprovado por Paulo Freire:

O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? (FREIRE, 1987, p. 49).

Como vimos em Paulo Freire, o diálogo é importante para qualquer formação

de grupo e também para a vitalidade da família. A família 4 teve muitos conflitos com

as crianças no processo de adaptação, mas não desistiu, dialogou o tempo todo e

buscou ajuda com especialistas. No final, ela sintetiza da seguinte forma:

“Eu já até conversei com elas, se elas quiserem procurar a outra família eu até ajudo, depois que elas completarem a maioridade, antes disso pra mim não precisa nem pedir. Uma vez a Oli... falou que eu não era mãe dele. Então disse: “Eu estou confusa. Eu só sou sua mãe quando? Até pra ela perceber que eu não posso só ser mãe dela

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quando interessa pra ela. Eu sou mãe dela em todos os momentos, até quando ela tem que me respeitar e aceitar os nãos que eu tenho que dizer. Porque isso é convivência. Esse é o vínculo mais difícil da gente estabelecer” (Família 4).

De fato, quando Paulo Freire diz que o diálogo é o encontro de homens, eu

diria que é um encontro de homens que tem interesse em interagir. Talvez essa

família se fez possível porque todos tinham disponibilidade para interagir e dialogar

e os adultos souberam conduzir esse trabalho.

De posse dos dois materiais, quadro de análise de dados e o mapa de

genograma, é possível ainda fazer um histórico das famílias entrevistadas:

A primeira família, que identificamos no genograma como Família 1, a adoção

foi classificada como adoção tardia, envolvendo duas crianças do sexo masculino,

residentes em Alpinópolis, MG, em bairro rural. Conforme registrado no genograma,

é o caso de dois irmãos que foram adotados quando tinham 6 e 8 anos, o casal

adotante não teve filhos biológicos. Os pais declararam ter na família outros casos

de adoção por parte de tios e quando se decidiram pela adoção procuraram o

Conselho Tutelar, sendo encaminhados para a Vara da Infância e Juventude para

fazerem a inscrição no Cadastro de adoções. Já tinham um perfil de criança

desejado, que era um recém-nascido, mas quando se depararam com o caso dos

dois irmãos, mudaram de idéia quanto ao perfil da criança. Durante o processo de

adoção fizeram duas entrevistas com assistente social e uma com o juiz da comarca.

Não lhes foi indicado nenhum grupo de discussão sobre adoção, assim como não foi

feita nenhuma visita domiciliar, nem antes nem posteriormente à adoção. Depois de

decidirem ficar com as duas crianças em apenas uma semana, já os levaram para

casa. O casal está com a guarda provisória por tempo indeterminado, mas a adoção

definitiva ainda não saiu. A maior dificuldade do casal foi lidar com os traumas das

crianças que os deixavam muito nervosos, trazendo problemas de saúde, familiar e

social, principalmente na escola onde estudavam, tendo que pagar vários

especialistas da saúde física e mental para os dois. Os pais adotivos disseram que

apoiarão os dois filhos se quiserem buscar a as suas raízes. A sugestão que deram

para o governo é que toda criança quando adotada deveria ter uma ajuda financeira

para arcar com despesas gastas com especialistas que, com certeza, deverão

consultar.

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Na segunda família identificada no genograma como Família 2, registra-se

uma adoção ideal, envolvendo uma criança do sexo feminino, residente em São

Paulo, SP. É o caso da adoção de uma recém-nascida, cujos pais adotivos não

tinham, na época da adoção, filhos biológicos. Depois de quatro anos de casados e

três abortos naturais, decidiram pela adoção, enfatizo o ano da adoção 1978 e

registro que o processo se deu antes da aprovação do ECA. Como não tinham

informações como deveriam proceder, o casal procurou o Juizado de Menores,

foram muito bem recebidos e orientados. Já tinham um perfil de criança desejada:

menina e recém-nascida; fizeram 2 entrevistas com a assistente social, tiveram uma

visita domiciliar somente antes da criança chegar. Aguardaram 7 meses para serem

chamados para verem a filha adotiva, lhes mostraram 3 crianças e a terceira virou-se

e sorriu para eles, então disseram: “É essa a nossa filha!”. Não foi indicado a eles

nenhum grupo de discussão sobre adoção. Conforme a criança foi crescendo, eles

foram contando para ela que ela era adotada. Após um ano que estavam com a

criança, tiveram seu filho biológico do sexo masculino, depois de alguns anos

tiveram o terceiro filho biológico, também do sexo masculino. Todos sabem sobre a

adoção e nunca apresentaram nenhum problema quanto à questão. No final da

entrevista declarara que é necessário dar muito amor, somente assim a criança

adotada deixa a rebeldia.

Na terceira família classificada no genograma como Família 3, a adoção foi

classificada como adoção pronta e direta, que envolve um recém-nascido do sexo

masculino. Os pais já tinham dois filhos biológicos do sexo feminino, a primeira com

20 e 12 anos de idade. Declararam que sempre conversavam a respeito de

adotarem uma criança, queriam menino com idade acima de 4 anos, na família já

haviam muitos casos de adoções, em ambas partes. Também explicaram que como

falavam abertamente que tinham a intenção de adotar uma criança, foram

procurados e lhes entregaram o filho adotivo, criança recém-nascida (35 dias de

vida). E já com a criança nas mãos, o casal foi procurar os parâmetros legais para

regularizar a situação. A mãe biológica se comprometeu a ir até a presença do juiz

entregar oficialmente a criança aos pais adotivos, declarando-se incapaz de criar

seu filho. Assim o fez, o Juiz aceitou a questão da entrega e imediatamente deu a

guarda por tempo indeterminando ao casal adotante. Vale dizer que o casal fez a

inscrição na Vara da Infância e Juventude, Fórum de Pinheiros, às pressas, como

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pretendentes a pais adotivos. Tudo foi feito rapidamente e com o consentimento do

juiz que entendeu a situação tanto da mãe biológica como dos pais adotivos. Foram

realizadas 3 entrevistas com a família adotante, pais e filhos. Não foi indicado

nenhum grupo de discussão que envolvesse o tema adoção. Apenas uma visita

domiciliar foi feita. A adoção definitiva se efetivou após um ano da adoção.

Passaram por um susto que envolveu a justiça, pois a mãe biológica foi acusada de

mau tratar seus outros filhos biológicos e ainda de ter abandonado um bebê. A

Delegada que registrou a denúncia chamou a mãe biológica e os pais adotivos para

darem esclarecimentos, que tão logo foram feitos, tendo sido provado a legalidade

da adoção e o caso foi encerrado. Sempre que podem conversam com o filho sobre

o tema adoção e a criança já sabe que é adotada, porém não dá para perceber se a

criança entende qual é o sentido da palavra “adoção”. Também acham importante

apoiar a criança se um dia ela quiser buscar suas raízes. Os pais sentem que o filho

sabe que é muito amado e também os ama muito. Sugerem que a questão da

necessidade da adoção das crianças abrigadas, aguardando por um lar, tenha maior

divulgação.

E na quarta família entrevistada, identificada no genograma como Família 4,

classificada também como adoção tardia, envolve 3 (três) crianças do sexo feminino.

O casal não possui filhos biológicos, decidiu adotar uma criança, procurou o Fórum e

fez a sua inscrição no cadastro de adoção. Foi muito bem recebido e orientado.

Os pais declararam ser natural a questão de adoção em suas vidas, pois seus

familiares já viviam situações semelhantes. No começo, quando procuraram uma

criança para adotar, queriam uma menina recém-nascida, porém se depararam com

uma menina de 6 anos de idade, com a qual se identificaram e entraram com o

pedido de adoção da criança, que foi negado, pois a menina tinha mais duas irmãs,

de 8 e 9 anos de idade que também se encontravam abrigadas junto a ela.

Conversaram entre si, marido e mulher, a respeito da situação e decidiram pedir

pela adoção das três. Confessaram que foi muito difícil, pois as meninas mais velhas

sabiam que, a princípio, eles queriam somente a irmãzinha mais nova. Ao todo

fizeram 3 entrevistas com a assistente social. A eles foi indicado grupo de apoio à

família adotante, o GAASP. Apenas uma visita domiciliar foi feita. A adoção demorou

nove meses. A adoção definitiva saiu depois de quatro anos. Disseram que iriam

apoiar suas filhas na busca de suas raízes apenas depois que elas completassem

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18 anos de idade. Sugeriram que a legislação fosse revista, pois a mãe adotiva teve

apenas um mês para ficar com as meninas depois de adotadas, ainda pelo fato da

mais nova ter 6 anos, caso contrário não poderia se beneficiar da lei. Disseram que

é imprescindível um tempo de licença maior para que se estabeleça um mínimo de

convívio entre a família, principalmente quando se trata de adoção tardia. No final do

depoimento, também deixaram bem claro a necessidade de o governo ceder um

apoio financeiro para as famílias adotantes, principalmente quando se tratar de

adoção tardia, condição que deixa muitas sequelas tanto nas crianças que se

encontram afetadas emocionalmente, necessitando de ajuda psicológica, quanto

para os adotantes.

Também foram feitas entrevistas com duas 2 (duas) especialistas da área de

adoção, ambas residentes e atuantes em São Paulo, SP.

A primeira, de 66 anos de idade, é representante do CONANDA pela

PUC/SP, ajudou a elaborar o ECA, é Professora Doutora em Educação. Declara na

entrevista que após a criação do ECA a legislação avançou muito em relação aos

direitos das crianças e do adolescente, porém ainda paira num processo moroso.

Enfatiza que a decisão sobre a adoção ou não de determinada criança é analisada

por pessoas com visão mais jurídica do que humana e afetiva, o que muitas vezes

fere os direitos da criança e adolescente. Disse ainda que a nova lei de adoção

tentou agilizar os processo de adoção, mas que pouco se percebe o avanço.

A segunda especialista entrevistada, 31 anos de idade, Pedagoga e Mestre

em Educação pela FEUSP, declarou em sua entrevista que atuou profissionalmente

em alguns abrigos, o que lhe despertou o interesse pelo tema: abandono, abrigo e

adoção. Também falou que antes do ECA as crianças não eram respeitadas em

seus direitos e após a criação do ECA a prática da adoção teve uma melhora, mas

ainda continua se tratando de uma prática complicada e muitas vezes dolorosa,

tanto para o adotado como para o adotante. Enfatiza o fato de que as adoções

devem ser amplamente estudadas pela equipe multidisciplinar do abrigo em

conjunto com a equipe judicial. Afirma com convicção que ainda existem muitos

problemas que envolvem a questão da adoção. A seu ver, a principal reformulação

trazida pela nova lei de adoção é a determinação de que as crianças não deverão

permanecer por mais de dois anos nos abrigos.

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A minha perspectiva é que se as pessoas forem movidas por um

compromisso ético de garantir o bem estar das crianças esses desafios e

dificuldades serão certamente superáveis, se a criança estiver acima de tudo, como

foco de um bem estar público não terá dificuldade que não seja resolvida.

O diálogo entre as famílias, as autoridades e os técnicos de forma

permanente é um meio para garantir o sucesso dessa prática e cuidar para que ela

não se transforme numa mercadoria, uma moeda de troca. Mas a prática da adoção

coloca mais uma vez a discussão dos oprimidos e opressores, não se trata de quem

adota ser o bonzinho e a criança e seus familiares biológicos os mauzinhos, se trata

aqui colocar em outro patamar da relação, superando essas práticas de uma

filantropia perversa, mas de uma perspectiva emancipadora da perspectiva de

FREIRE.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na finalização da presente pesquisa, que tem como objetivo analisar a política

de adoção de crianças no Brasil através de entrevistas e interações feitas com

algumas famílias adotantes e especialistas que atuam na área de adoção,

delineando o percurso evolutivo do processo por meio da modificação do

ordenamento jurídico, percebeu-se a extensão do delineamento dos trabalhos,

portanto, o quanto o projeto inicial foi pretensioso.

O questionamento registrado como problematização da pesquisa: “Como as

famílias percorreram o caminho da adoção, enfrentando os rituais jurídicos e

psicológicos do processo de adoção no Brasil?”, foi elucidado nas respostas dadas

pelas famílias entrevistadas.

Por meio do diálogo mantido durante as entrevistas entre o pesquisador e o

pesquisado, como também analisando as respostas dadas a cada pergunta, ficou

transparente que para enfrentar os desafios que os rituais jurídicos apresentam, os

adotantes necessitam obter a compreensão da necessidade de efetuarem todas as

etapas que a nova lei de adoção obriga, iniciando por efetuar a inscrição no cadastro

único para adoção, cuja etapa é ponto de partida para participar do processo de

adoção. A partir daí se darão outras obrigações constante da lei, as quais puderam

ser conhecidas na leitura desta pesquisa. Também ficou claro que o outro

enfrentamento do processo de adoção que segue os rituais psicológicos, visa a

necessidade do diálogo familiar, baseado na verdade e também da vontade e

disponibilidade de amar o outro incondicionalmente. A generosidade é receita

perfeita para esse enfrentamento.

O levantamento histórico e etnográfico do tema adoção foi revelado de forma

prazerosa e fundamentado. A cada linha escrita era como se o papel quisesse mais

e mais escritas, o desejo de querer cada vez mais se apoderar daquele saber foi

aumentando a cada subitem desenvolvido.

A Lei 12.010/2009, que alterou o ECA (Lei 8069/90), no que diz respeito à lei

de adoção brasileira foi de valiosa contribuição social, validando a busca pela

manutenção da criança no seio familiar, junto a seus parentes consanguíneos ou por

consideração, até que se esgote qualquer possibilidade, não permitindo que famílias

inaptas a recebam.

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Existem muitos casos em que não há possibilidade da criança e/ou do

adolescente permanecer sob a guarda de seus parentes próximos, sendo melhor

que passem pelo processo de adoção. Deverão ser retirados do ambiente onde

sofreram dores e traumas causados anteriormente, para que a sua qualidade de

vida seja garantida. Enfatizo que cabe aos especialistas que atuam nos abrigos que

busquem o histórico de cada indivíduo que é colocado sob a guarda da instituição

onde trabalham.

Não há dados pesquisados que nos forneçam garantias para generalizar,

cada caso é um caso, e todos deverão ser analisados na sua individualidade,

tomando cuidado para não deixar a legalidade formal ultrapassar os limites do bom

senso.

Vale destacar alguns procedimentos, dentre os tópicos que constituem a nova

lei de adoção que foram exigidos para que o processo de adoção se estabeleça:

• Que se deva haver um preparo prévio dos pais adotivos para receber o adotando

em sua nova casa. Também o lar que receberá a criança deverá ser

inspecionado, visando à segurança de todos;

• Os responsáveis pelo abrigo deverão comunicar ao juiz competente no prazo de

24 (vinte e quatro) horas, quando receberem uma criança. Essa decisão visa à

inteira proteção dos direitos da criança/adolescente, deverá também informar a

ocorrência da possibilidade de adoção, ao órgão competente;

• Punições mais severas, detectada a adoção informal, evitando-se que os direitos

do adotando sejam violados, diante do desinteresse legal de seus adotantes;

• O poder público deve dar assistência às mães ou famílias que desejam entregar

os filhos à adoção, tendo em vista a proteção e bem-estar da criança, até mesmo

antes de sua transferência para outra família;

• A adoção internacional somente será efetivada, quando não houver qualquer

possibilidade de que a criança seja integrada a uma família nata, cujo idioma e

costumes forem mais próximos da sua realidade.

A reformulação da lei de adoção traz esperança a milhares de crianças

abrigadas de serem adotadas e encontrarem um lar seguro onde terão conforto e

afeto familiar e poderão chegar à vida adulta identificando e compreendendo “de

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fato” o termo democracia e direitos humanos, assim como se reconhecendo como

seres humanos e cidadãos respeitados.

Outros questionamentos sobre o tema adoção no Brasil foram surgindo

durante o percurso desta pesquisa, porque como já havia mencionado no projeto

inicial desta pesquisa, essa questão está diretamente ligada a seres humanos e (ou)

sujeitos distintos que devem ser respeitados na sua diversidade. Esgotar todas as

possibilidades de discussão e trazer respostas a tudo não é o que a pesquisa

pretendeu.

Adoção no Brasil, no sentido de garantir o bem estar da criança e do

adolescente é um meio para se pensar as políticas de atendimento às crianças e

adolescentes que estão nos abrigos, se por um lado não panacéia para todas as

saídas, mas pode ser um meio para equacionar a vida de muitas crianças, as

famílias brasileira sobretudo aquelas que querem adotar não pode pensar a adoção

como uma solução só para si, mas tem que pensar na situação da criança.

Qualquer família que desejar pode proteger uma criança adotando, o medo de

que essa criança vá se transformar num “fora da lei”, não sabemos porque nem um

Ser humano nasce com uma marca de como vai ser seu futuro, o futuro humano são

construídos, mas se não tentarmos não saber das possibilidades efetivas de

influenciar no destino de uma pessoa. Há um documentário promovido pela

Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que tem o título “O que o destino me

mandar” de autoria da Jornalista Ângela Bastos, ano 2007. Esse documentário foi

objeto de análise e discussão em vários encontros dos grupos de apoio à adoção.

Ninguém é o que o destino manda todo ser humano faz parte de uma construção

histórica e por isso, nós podemos alterar os destinos das pessoas, ou pelo menos

fazer o melhor. Aqui não uma questão divina de um Deus todo poderoso, ou de um

homem todo poderoso trata-se de pessoas tecendo as suas histórias pessoais e

coletivas, nesse sentido assumo a perspectiva de história de FREIRE,( acredito que

a sorte está lançada e o que vamos fazer das nossas crianças e adolescentes

depende muito do nosso projeto de sociedade.

A reunião dos diversos estudos desenvolvidos, assim como o auxílio das

famílias e dos especialistas da área de adoção que se sujeitaram às entrevistas,

nortearam caminhos para a busca de somente algumas das respostas. Assim,

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convidamos aos interessados pelo tema, que se tornem nossos companheiros nesta

busca necessária, mesmo que isso se torne uma constante.

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ANEXOS

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Anexo 1

Roteiro para entrevistas das famílias adotantes

e dos especialistas da área da adoção

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1.1. Roteiro para subsidiar entrevista com famílias adotantes

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A FAMÍLIA

(QUESTÕES ABERTAS)

Identificação (Opcional):

Idade: ___/___/___ Sexo: Fem. ( ) Masc. ( )

Estado Civil: ______________ Local de Nascimento: _________________

Local onde reside: ________________________________________________

Profissão: ______________ Local de Trabalho: _______________________

Religião: ______________________

Grau de Instrução: _______________________

Ensino Fundamental: ______________________

Ensino Médio: ____________________________

Graduação: ______________________________

Área de formação: _________________________

Pós-Graduação (especifique): ____________________

Roteiro para entrevista (família)

1 - Vocês se recordam quando conversaram, como grupo familiar, pela primeira vez

sobre a adoção?

2 – Na família ou em grupo de sua convivência existem casos de adoção?Essa

experiência interferiu na decisão?

3 – Quantos filhos vocês tem entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o sexo

das crianças, por ordem decrescente.

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4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

5 - Logo que a decisão foi tomada, vocês procuraram a Vara da Infância e

Juventude?

6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou fazer adoção?

8 – Quando vocês se inscreveram como candidatos a adoção, vocês tinham em

vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

9 – Desde a data do cadastramento foi apresentado a vocês alguma criança

disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

10 – Se, durante o processo, tivesse sido apresentado a vocês, alguma criança para

ser adotada, isso teria feito diferença?

11 - Quantas vezes vocês tiveram entrevistas com a psicóloga ou assistente social

ou outro profissional?

12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que envolve o

tema adoção?

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de que

data?

16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são

adotivo(s)?

18 - Se mantiveram esse diálogo como foi?

19 – Se seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida, quiser conhecer o

seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de repostas?

20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

21 – Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de adoção, o

que falaria?

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Anexo 1.2. Roteiro para subsidiar entrevista com especialistas da área de

adoção

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM ESPECIALISTA

(QUESTÕES ABERTAS)

Identificação (opcional

Idade: ___/___/___ Sexo: Fem. ( ) Masc. ( )

Estado Civil: ________________________________

Local de Nascimento: _________________________

Etnia: _______________________________________

Local onde reside: ___________________________________________________

Profissão: _____________________ Local de Trabalho: ____________________

Religião: ________________________

Grau de Instrução: ____________________________

Ensino Fundamental: ___________________________

Ensino Médio: _________________________________

Graduação: _____________________________________

Área de formação: ________________________________

Pós-Graduação (especifique): _________________________________________

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Roteiro para entrevista

1 Qual o seu conhecimento ou sua relação com as temáticas abandono, abrigo

e adoção?

2 Qual a sua avaliação sobre a prática da adoção

a) No Código de Menores de 1927

b) No código de Menores de 1979

c) No Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990

3 Qual sua avaliação do sistema de adoção na doutrina da situação irregular

(Código de menores 1979) e na doutrina da proteção integral (ECA) no Brasil?

4 Ao seu ver quais são os obstáculos ou as dificuldades para a adoção no

Estatuto da Criança e do Adolescente.

5 O que a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, efetivamente mudou no

sistema de adoção no Brasil.

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Anexo 2

Informações coletadas nas entrevistas

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Anexo 2.1 – Transcrição da entrevista feita em Alpinópolis, MG

Janeiro de 2011

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS

FORMULÁRIO PARA A FAMÍLIA – ENTREVISTA (QUESTÕES ABERTAS)

Família 1:

Identificação: Valda e Antonio (Nomes fictícios - Mãe e Pai adotantes)

Idade: 48 e 50 anos Sexo: Fem. ( X ) Masc. (X ) Respectivamente

Estado Civil: Casados

Local de Nascimento: Ambos no Estado de MG

Local onde reside: Alpinópolis/MG.

Profissão: Do lar e Agricultor Local de Trabalho: Fazenda Barreiro/MG

Religião: Católica/Praticante

Grau de Instrução:

Ensino Fundamental : Completo (ambos)

Ensino Médio: A mãe completou e o pai não

Graduação: Não

Área de formação: Não especificada

Pós-Graduação (especifique): Não

Roteiro

1 - Vocês se recordam quando conversaram, como grupo familiar, pela

primeira vez sobre a adoção?

Nossa situação financeira não era boa, mas ele (Zé) não achava isso, somente não

queria ver criança alguma passando fome, mas ele não queria ir atrás pois era tudo

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muito longe... Eu liguei direto no Conselho Titular, eu tinha uma amiga lá, e quando

eu disse que queria um recém nascido ela me disse que era uma pena pois tinha

dois irmãos um com 6 e outro com 8 anos de idade e precisavam de uma família, eu

tinha vontade de ter gêmeos e quando eu soube do nome deles, parece que já tinha

alguma coisa. E aquela história dos meninos não saia da minha cabeça. E no caso

foi gêmeos pois ganhei os dois no mesmo dia.Eu tinha medo pois eles não

conheciam a gente achei que eles não iam querer ficar comigo e com o Zé.

2 – Na família ou em grupo de sua convivência existem casos de adoção?Essa

experiência interferiu na decisão?

Sim. Eu acho que sim. Eu tive muitos primos que adotaram crianças mesmo tendo

seus filhos biológicos, e isso me incentivou, porque se eles com seus filhos

biológicos não acharam difícil, eu que não tinha nenhum não poderia colocar

nenhum obstáculo nisso?

3 – Quantos filhos vocês tem entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o

sexo das crianças, por ordem decrescente.

Não tivemos nenhum filho biológico, pois eu tinha problemas e necessitava de

tratamento, depois de algumas tentativas, em vão, pois aqui em Alpinópolis tudo é

muito difícil, então optei pela adoção. Hoje tenho 2 filhos adotivos. O mais velhos do

sexo masculino tem 9 anos e o mais novo, também do sexo masculino tem 8 anos.

4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

A casa fica vazia só com o casal e a gente sente necessidade, primeiro a gente

precisa ajudar as pessoas que necessitam em segundo lugar suprir a necessidade

da gente. Eu queria ser mãe e não conseguia engravidar. O Antonio queria ser pai e

mais queria, proteger pelo menos alguma criança que precisasse.

5 - Logo que a decisão foi tomada, vocês procuraram a Vara da Infância e

Juventude?

Procuramos, no Conselho Tutelar e logo que fomos informados dos dois irmãos a

gente conversou e decidiu ficar com as crianças nós fizemos a inscrição no Fórum

de Alpinópolis.

6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

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A Assistente social questionou porque a gente não queria adotar em Alpinópolis,

pois aqui tinha muitas crianças que precisavam, ai eu expliquei exatamente assim,

eu queria dotar recém nascido e no Carmo a fila de adoção é menor. Por isso nós

procuramos lá e também por ser melhor pois nós ficaríamos longe dos pais

biológicos da criança que eu adotaria. Eu pedi para ser transferido para cá, mas

como era outro município não pode ser, tudo teve que ser conduzido pelo Carmo.

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou fazer

adoção?

Tivemos que tirar o atestado de conduta, comprovar renda familiar e comprovar o

endereço de moradia, assim como tivemos que entregar comprovantes das terras

nossas, RG, CIC, Titulo de eleitor, tudo.

8 – Quando vocês se inscreveram como candidatos a adoção, vocês tinham

em vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

Antes de fazer a inscrição a gente tinha sim, queríamos um recém-nascido, mas

quando nós fizemos a inscrição a gente já sabia das duas crianças, dos dois irmãos.

E não deu tempo nem pra pensar em uma semana a gente já estava com eles, em

casa.

9 – Desde a data do cadastramento foi apresentado a vocês alguma criança

disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

Não. Eu encontrei na fila pra recém- nascido, mas como eles tinham esses dois

meninos, que estavam precisando de alguém que cuidasse deles, eu já quis

conhecê-los e já decidi trazer eles pra minha casa.

10 – Se, durante o processo, tivesse sido apresentado a vocês, alguma criança

para ser adotada, isso teria feito diferença?

Acho que não.

11 - Quantas vezes vocês tiveram entrevistas com a psicóloga ou assistente

social ou outro profissional?

Duas vezes, uma com a Assistente Social e a outra com o Juiz da Comarca que

entregou as crianças para nós, tudo durou uma semana.

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O menor tinha 6 (seis) anos, o maior 8 (oito) anos, foi muito difícil para o menor

entrar no carro, ele pedia o pai. Ai, eu disse pra ele que queria ser sua mamãezinha

do coração e se ele deixava? Ele disse que sim, e já começou a me chamar de mãe

ali.

A assistente social me disse que eles eram meus filhos e eu tinha que educar

conforme meus costumes.

12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que

envolve o tema adoção?

Não. Eu acho que dependendo do que a gente fala na entrevista eles encaminham

ou não. E eu acho que não foi preciso.

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

Nenhuma, nunca ninguém procurou saber, nem ligação nos recebemos. Eu é que

ligava lá para dar notícias dos meninos.

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

Uma semana, para pegar os meninos. Mas já faz dois anos e quatro meses que

estamos com eles e ainda não saiu a adoção definitiva.

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de

que data?

Estamos com a guarda provisória, já entrei com pedido há mais de um ano, estamos

aguardando. O pai biológico entrou com o pedido de guarda dos meninos, mas foi

negado.

O Juiz chamou o Raf... que agora tem 10 anos para conversar e saber se ele queria

voltar para o pai. Fomos todos para o Carmo e lá houve o confronto entre pai

biológico e filho o Raf... disse que agora ele tinha um pai de verdade para o juiz e

para o pai biológico.

16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

Devido a idade dos meninos foi difícil, porque eles vieram com muito trauma, muita

coisa negativa, eles, eu e meu marido tivemos que fazer acompanhamento

psicológico e médico. Os alunos da escola, alguns são preconceituosos e tanto o

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Raf... como o Ren... eram um pouco violentos, na mesma hora que ele estava

brincando eles queriam bater nas crianças.

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são

adotivo(s)?

Sim , Eu disse: “Eu não pude ter filhos e acho que Deus falou pra gente que tinha

duas crianças precisado de carinho foi assim que começaram a fazer parte da nossa

vida.”

18 - Se mantiveram esse diálogo como foi?

O Raf... me perguntou: Mãe você é de Deus né?

Eles sentiram muita falta dos irmãos mais novos, dois, que não estão com a mãe

também. Que hoje estão em Guaranésia.

19 – Se seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida, quiser conhecer

o seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de repostas?

Sim. Eles já conhecem um pouco, mas eu ajudo sim.

20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

Eu acho que a gente foi escolhido também. Eles tinham umas crenças muito

esquisitas, também o Raf... tinha problema de visão, tinha dificuldade demais na

escola ele era míope .

21 – Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de

adoção, o que falaria?

Tem que ser realista, não é fácil, mas com muita garra a gente consegue. Eu queria

que o governo desse um benefício para essas crianças, pelo menos nos primeiros

anos, porque foi muito difícil, apesar de eu ter ajuda da família inteira, a gente não é

rico e as despesas cresceram muito principalmente as ligadas a saúde.

Algumas observações que registrei durante a conversa da fala da mãe adotiva.

O mais velho tinha transtorno de humor, a Assistente Social já tinha me pedido para

levar ele num Neurocirurgião e somente fiz depois de um episódio na escola que a

professora me chamou para buscá-lo e ele não queria entrar no carro, disse que

queria voltar para o Carmo. Eu expliquei que se ele fosse pra lá ele não iria para o

Lar (local onde ele estava) ele teria que ficar num abrigo. Pedi para ele entrar no

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carro que seria mais uma chance e ele disse que não. Então disse que teria que

chamar a polícia ele disse que se eu chamasse a polícia eu não seria mãe dele, eu

disse que se ele não entrasse no carro ele não era meu filho. Falei se ele queria ir

ao médico que eu levava ele disse que sim e eu o levei, ele começou a tomar

remédio e melhorou muito.

O mais velho foi violentado pelo primo. E num certo dia a professora perto de duas

alunas perguntou para ele: Quem foi mesmo que te estuprou? O menino ficou

abalado e veio me falar pois eu nunca havia comentado nada com ela.

Para adoção a gente tem que deixar o coração decidir, a partir do momento que o

coração decide não existe obstáculo.

Ao final da entrevista convidei os entrevistados para que me ajudassem na

construção do genograma da sua família, essa atividade foi extremamente

interessante, os levantamentos de dados, como nomes, idade são dados que mais

chamam atenção das crianças.

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Anexo 2.2 – Transcrição da entrevista feita em São Paulo/SP

Dezembro de 2010

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E

INSTITUCIONAIS

FORMULÁRIO PARA A FAMÍLIA – ENTREVISTA (QUESTÕES ABERTAS)

Família 2:

Identificação:Maria e Valdo (Nomes fictícios - Mãe e Pai adotantes)

Idade: 57 e 58 Sexo: Fem. (X ) Masc. (X ) respectivamente

Estado Civil: Casados

Local de Nascimento: Passos/MG e São Paulo/SP

Local onde reside: São Paulo

Profissão: Do lar e Gráfico Local de Trabalho: Gráfica Particular

Religião: Católicos/Praticantes

Grau de Instrução: Mãe e Pai

Ensino Fundamental: completo (ambos)

Ensino Médio: Somente o pai completou

Graduação: Não

Área de formação: Técnico em Gráfica

Pós-Graduação (especifique): Não

Roteiro para entrevista (família)

1 - Vocês se recordam quando conversaram, com o grupo familiar, pela

primeira vez sobre a adoção?

Entre nós sim, não conversamos com mais ninguém, somente entre marido e

mulher. Depois de quatro anos de casados.

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2 - Na família, ou em grupo de sua convivência já existem casos de adoção?

Essa experiência interferiu na decisão?

Já, uma tia de Minas (Tia Lourdes e o Tio Zé). Não pensamos nisso. Essas adoções

ficamos sabendo depois da nossa.

3 - Quantos filhos vocês tem, entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o

sexo das crianças, por ordem decrescente:

3 Filhos (An... de 33 anos, RO... de 32 anos e Fl... 17 anos ). A An... (menina) veio

para casa com 1 mês e doze dias no ano de 1978. Mas a adoção saiu apenas

quando ela tinha 7 anos.

4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

Pai: Durante os quatro de casados a minha esposa teve 3 abortos. E a vontade de

sermos pais era muito forte. Mãe: Então eu procurei saber sobre como eu poderia

adotar uma criança e falei para ele.

5 - Logo que a decisão foi tomada vocês procuraram ajuda na Vara da Infância

e Juventude?

Não. Na época fomos direto ao Juizado.

6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

Muito bem. Fomos muito bem orientados.

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou para fazer a

adoção?

Tivemos que provar que éramos casados, que tínhamos uma residência, com

endereço fixo, que o meu marido tinha um serviços fixo, e tínhamos que ter 30 anos

de idade, os dois e não tínhamos. Acho que isso dificultou a concretização da

adoção, não sabemos se foi o caso, mas, a adoção só saiu quando o meu marido

completou trinta anos.

8 - Quando vocês se inscreveram como candidatos à adoção, vocês tinham em

vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

Tínhamos. A gente queria uma menina recém-nascida.

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9 - Desde a data de cadastramento foi apresentada a vocês alguma criança

disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

3 crianças. Tinha uma que era a nossa cara, mas ele (meu marido) não quis. A An...

estava numa bastante debilitada, a sua cabeça raspada, acho que ela ficava no

hospital somente a base de soro, sua aparência era bem ruim. Mas ela virou no colo

da enfermeira e sorriu para o Valdo, então, vimos que era a nossa filha.

10 - Se durante o processo tivesse sido apresentado a vocês alguma criança

para ser adotada isso teria feito diferença?

Pergunta imprecisa.

11 - Quantas vezes vocês tiveram entrevistas com a psicóloga, assistente

social ou outro profissional?

Duas vezes, uma, a assistente veio em casa e a outra, nós fomos lá.

12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que

envolve o tema adoção?

Não.

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

Sim. Somente antes da An... vir. Eles falaram que viriam mais, mas nunca

apareceram depois que já tínhamos a guarda. Quando nós mudamos, fomos lá

informar o endereço da nova residência. Teve uma vez que eles nos ligaram para

informar que a mãe biologia da Andrea a procurou. Fiquei apavorada!

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

7 meses. Todos os meus filhos foram de sete meses até a An...

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de

que data?

Sete anos após. Antes disso ela teve que passar em psicólogos.

16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

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Não tivemos nenhum problema. O único foi quando ligaram falando que a mãe

biológica havia ligado.

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são

adotivo(s)?

Sim. Todos nós tivemos que ir a psicóloga.

18 - Se mantiveram esse diálogo, como foi?

Para o Ro... falamos que a An...era irmã de coração. Para o Fl... ela mesma falou.

19 - Se o seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida quiser

conhecer o seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de

respostas?

Com toda certeza. Já fizemos isso.

20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

Eu não me arrependo de ter adotado, filho adotivo tem uma rebeldia, pois sabem

que foram rejeitados. Desde o útero, muito já são rejeitados. A An... foi rebelde mas

é muito carinhosa. Eu só não adotei mais porque o Valdo não foi de acordo.

21 - Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de adoção,

o que falaria?

Tem que dar muito amor e carinho e acompanhar em tudo, conversar muito.

Algumas observações que registrei durante a conversa da fala da mãe adotiva.

A An... era muito esperta, aos dois anos ela sabia todas as capitais do Brasil.

Nossos filhos nunca questionaram nossa decisão.

Hoje a An... tem 32 anos, é casada e tem 2 lindos filhos, nossos primeiros netinhos,

são as riquezas da vida desses avós.

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Anexo 2.3 – Transcrição da entrevista feita em São Paulo/SP

Dezembro de 2010

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E

INSTITUCIONAIS

FORMULÁRIO PARA A FAMÍLIA – ENTREVISTA (QUESTÕES ABERTAS)

Família 3:

Identificação: Kel e Toni (Nomes fictícios - Mãe e Pai adotantes)

Idade: 48 e 50 Sexo: Fem. (X ) Masc. (X ) respectivamente

Estado Civil: Casados

Local de Nascimento: Passos/MG e São Paulo/SP

Local onde reside: São Paulo

Profissão: Secretária e Técnico de Manutenção

Local de Trabalho: USP e Laboratório Farmacêutico

Religião: Católicos/Praticantes

Grau de Instrução: Mãe e Pai

Ensino Fundamental: completo (ambos)

Ensino Médio: Completo ambos

Graduação: Somente a mãe: Pedagogia

Área de formação: Pedagoga

Pós-Graduação (especifique): Psicopedagogia e Mestrado em andamento

Roteiro para entrevista (família)

1 - Vocês se recordam quando conversaram, com o grupo familiar, pela

primeira vez sobre a adoção?

Nós sempre conversamos sobre adotar uma criança, na família do meu marido é

prática muito comum. A gente queria um menino acima de 4 anos independente de

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etnia e condições física e mental e as meninas queriam muito e cobravam a gente

uma postura.

2 - Na família, ou em grupo de sua convivência já existem casos de adoção?

Essa experiência interferiu na decisão?

Já, duas irmãs do meu marido tinham filhas adotadas e uma tia de Minas.

Na minha a vida as adoções foram questões de sobrevivência. Acho que essa

experiência interferiu sim na nossa decisão.

3 - Quantos filhos vocês tem, entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o

sexo das crianças, por ordem decrescente:

Tenho três Filhos (Dé... de 28 anos, a Ba... de 20 anos e o Dú... 8 anos ). O Dú...

(meu menino) veio para casa com 35 dias de nascido, em 2003. E sua adoção saiu

quando ele tinha 1 aninho, no dia 05 de janeiro de 2005.

4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

Sempre conversávamos a respeito da adoção, e as minhas meninas nos cobravam

a providência. Foi quando soubemos da existência do Du que foi entregue a nós, em

adoção, por sua mãe biológica, para ser amado e cuidado pela minha família, que

passaria a ser também sua, pois a sua família biológica estava incapacitada de fazê-

lo.

5 - Logo que a decisão foi tomada vocês procuraram ajuda na Vara da Infância

e Juventude?

Sim. No Fórum de Pinheiros.

6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

Fomos muito bem recepcionados e orientados, apesar de estarmos muito nervosos

com a situação, pois, o Du já estava com a gente.

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou para fazer a

adoção?

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Tivemos que provar que éramos casados, que tínhamos uma residência, com

endereço fixo, o vínculo de trabalho, dos dois e toda documentação pessoal de cada

um.

8 - Quando vocês se inscreveram como candidatos à adoção, vocês tinham em

vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

Quando fizemos a inscrição o Du já estava com a gente.

9 - Desde a data de cadastramento foi apresentada a vocês alguma criança

disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

Não.

10 - Se durante o processo tivesse sido apresentado a vocês alguma criança

para ser adotada isso teria feito diferença?

Pergunta imprecisa.

11 - Quantas vezes vocês tiveram entrevistas com a psicóloga, assistente

social ou outro profissional?

Três vezes. Duas vezes no Fórum e uma vez que a Assistente Social veio visitar

nossa casa.

12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que

envolve o tema adoção?

Não.

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

Sim. Somente uma vez.

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

Não aguardamos.

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de

que data?

Dia 05 de dezembro de 2005. Praticamente um ano após o Du chegar.

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16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

A mãe biológica do Du foi denunciada por maus tratos de seus irmãos e abandono

de menor. E ela disse para a Delegada que havia entregado o neném para a gente.

A Delegada da 3ª. Vara da Infância nos ligou e convidou-nos a comparecer na

Delegacia. Eu fui achando que era um procedimento normal, eu, meu marido e

minha mãe. Levei as fotos do batizado do Du e toda a documentação da guarda

provisória por tempo indeterminado que havíamos recebido do Fórum, cheguei lá

por volta das 14h., conforme combinado. Quando cheguei observei que um militar se

posicionou na porta da frente da delegacia armado. A delegada veio falar comigo e

perguntou se meu marido demoraria a chegar. Respondi que não, como ele

trabalhava um pouco mais longe, devia estar atrapalhado com o trânsito. Ela então,

me perguntou se eu havia levado o Du. Eu disse que não, mas mostrei as fotos pra

ela. Ela muito surpresa, virou para dentro da sala e falou: Gente este aqui é o neném

da denúncia e esta é a esperada Raquel. Fiquei assustada, então ela olhou para

minha mão e viu a documentação e me perguntou: Você tem a guarda do neném.

Eu respondi que sim e mostrei a documentação. Ela então fez uma cara de pouca

satisfação e disse. Nossa! Que sorte a de vocês. Nisto o meu marido chegou e ela

continuou a falar: Estão vendo aquele policial de plantão na porta de entrada? Nós

olhamos e afirmamos ver. Ela continuou dizendo que ele estava esperando para nos

prender por seqüestro de menor, disse ainda que seria o primeiro caso em de

seqüestro que seria lavrado ali.

Decorrido disso nós fomos ouvidos e liberados, pois toda a documentação de

adoção estava correta, apenas aguardando os trâmites finais. Foi muito importante a

gente ter procurado a lei e feito tudo direitinho. Por muito tempo ficamos pensando

na situação em que fomos colocados. Esse sem dúvidas foi o maior problema.

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são

adotivo(s)?

Sim, o Du é muito novo e sempre que podemos falamos sobre o tema adoção com

ele. Ele sabe que é adotado, acho que só não tem muita convicção do que é ser

adotado. Num dia estávamos em viagem e um sobrinho (adotado) que estava dentro

do carro com a gente perguntou para a Dé e a Ba (minha filhas), você é adotada e

você é adotada? As duas responderam que não e o Du prontamente e com muito

entusiasmo disse: Eu sou! Ficamos todos surpresos com a resposta dele. E meu

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sobrinho disse: Que bom, porque eu também sou! Acho que devagar ele vai

tomando consciência de que não é filho biológico.

18 - Se mantiveram esse diálogo, como foi?

Para a Dé e BA não foi preciso, pois elas acompanharam todo o processo. Para Du,

não foi difícil, pois ele constantemente pede pra gente contar pra ele a sua história.

Ele sabe que foi entregue para nós em frente ao Shopping Interlagos, que tinha dias

de vida, e mesmo sendo muito novinho já sorria pra gente o tempo todo. Nossa ele

fica tão feliz da gente contar pra ele as coisas.

Outro dia ele pediu pra ouvir novamente sua história, então decidi contar a ele a

“nossa história”. Disse que eu e o papai queríamos muito ter mais um filho, assim

como a Dé e a Ba queriam ter mais um irmãozinho, mas por motivos de saúde não

poderia mais engravidar. Então Deus deu um jeitinho do nosso filhinho e irmãozinho

vir na barriga de uma outra mulher e assim que você nasceu a mulher nos entregou

você. Ele adorou a história e disse: O Papai do Céu é muito bonzinho, não é

mamãe?

19 - Se o seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida quiser

conhecer o seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de

respostas?

Com toda certeza, essa é uma questão indiscutível.

20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

Eu agradeço a Deus todos os dias por ter uma família linda! Os meus filhos são

maravilhosos. Para me ajudar a educá-los conto com a dedicação dos meus pais,

que sempre nos apoiaram nas nossas (minha e de meu marido) decisões. Eles

amam incondicionalmente os três netos. Sempre falei, a quem quiser me ouvir, que

ganhei o presente mais precioso da minha vida de uma pessoa que eu não conhecia

e não me conhecia, apenas sei que é um Ser Abençoado, pois foi através dela que

realizei o meu sonho de ser novamente mãe. Ela confiou a mim, a educação, a

disponibilidade de amar, e ser amada do seu (o nosso) precioso filho.

21 - Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de adoção,

o que falaria?

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Sei que a responsabilidade de ser pai e/ou mãe é complexa, que vai além da

compreensão falada, escrita, percebida... Mas existem milhares de crianças

aguardando uma chance de poder ser feliz e fazer o outro feliz. E é também através

da adoção que essa prática de amor se torna possível. Os nossos governantes

poderiam organizar encontros, simpósios, debates, enfim formas de incentivar a

adoção das nossas crianças brasileiras, para que tenham chance de tornarem-se

Seres detentores dos seus direitos.

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Anexo 2.4 - Transcrição da entrevista feita em São Paulo/SP

Agosto de 2011

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL: OS ENTRAVES JURÍDICOS E

INSTITUCIONAIS

FORMULÁRIO PARA A FAMÍLIA – ENTREVISTA (QUESTÕES ABERTAS)

Família 4:

Identificação: Jú e Ale (Nomes fictícios - Mãe e Pai adotantes)

Idade: 34 e 35 Sexo: FEM. (X ) Masc. (X ) Estado Civil: Casados

Local de Nascimento: São Paulo/SP - ambos

Local onde reside: São Paulo

profissão: Inspetora de Escola e Funcionário Público

Local de Trabalho: USP

Religião: Católicos PraticanteS: Sim

Grau de Instrução: Mãe

Ensino Fundamental:

completo ( X ) incompleto ( ) Cursado até: 4ª. Série

Graduação incompleta ( X ) Cursando: Pedagogia

Grau de Instrução: pai

Ensino Médio:

completo ( X ) incompleto ( ) cursado até: ____________

Graduação incompleta ( ) Graduação completa ( )

área de formação: Técnico ADM

Pós-Graduação (especifique): Não

Roteiro para entrevista (família)

1 - Vocês se recordam quando conversaram, com o grupo familiar, pela

primeira vez sobre a adoção?

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O único problema é que quando falo sobre algumas coisas ainda choro, viu?

Quando eu e o Ale... pensamos em ter filhos, fomos fazer tratamento, a gente antes

já aventávamos a possibilidade de adotar, muito interessante porque ele queria

bebê. Ele queria bebê porque ele achava que criança grande não dava e eu falei pra

ele que pra mim tanto fazia. Ai ele perguntou. Vamos adotar? Ai decidimos adota e

iniciamos o processo, mas eu nunca pensei que viriam três de uma só vez. Eu

pensei: a gente adota um filho e depois a gente tem outro biológico. Depois passado

um tempo, pra mim, essa idéia de ter filhos biológicos, passou, não tenho mais essa

vontade. É, quase não estamos dando conta, mais um não dá. (risos).

2 - Na família, ou em grupo de sua convivência já existem casos de adoção?

Essa experiência interferiu na decisão?

Então, na minha família materna, minha avó, minha tias avós, sempre tiveram filhos

de criação, eu sempre tive primo de criação. Quando me perguntavam: Ele é teu

primo? Ah, ele é meu primo de criação. Que é a mesma coisa: Ela é sua filha? Ela é

minha filha adotiva. Então isso pra mim, sempre foi muito natural, porque a minha

melhor amiga é minha prima de criação. Eu tenho ela como a minha prima e melhor

amiga.

3 - Quantos filhos vocês tem, entre biológicos e adotivos? Informe a idade e o

sexo das crianças, por ordem decrescente:

Não temos filhos biológicos só filhas de amor: A Joa... tem 13 anos, a Oli... 12 anos

e a Ali... 11 anos.

4 - Algo ou algum fato motivou a vontade de vocês a adotarem uma criança?

Eu vou lhe contar uma historinha: No começo nós fizemos o caminho inverso da

adoção, que as técnicas do fórum e do abrigo odeiam. No abrigo nós conhecemos a

Ali..., ela tinha 6 anos, eu brinco dizendo que a Ali... contraria toda aquela tese que a

criança te olha sorri e fala eu te amo. Ela olhou pra gente, mediu-nos de cima em

baixo e ela estava assistindo um desenho, ela continuou assistindo o desenho, ai a

funcionária do abrigo falou: Ali... cumprimenta o tio, e ela disse: Oi! Fala oi pra tia. E

ela: Oi! A Ali... já tinha passado por um histórico de adoção, que a mulher quando

soube que ela tinha mais duas irmãs, simplesmente sumiu. Então a Ali... estava

assim, sabe, na sua vitrine. Eu posso contar a história da adoção?

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Pesquisadora: Pode, lógico!

E aí o abrigo incentivou a gente a pedir a adoção da Ali... porque tinha um casal que

queria a Joa... Como a gente não conhecia a legislação, era tudo muito novo pra

gente, nós pedimos a adoção. Mas a Juíza do Fórum de Itaquera negou, ai a gente

pediu de novo, ai ela negou novamente e disse ou é as três ou nenhuma. Eu pensei

as três não dá. Nesse meio tempo o meu marido foi fazer uma entrevista numa

cooperativa de catadores de lixo que tem ali em Pinheiros, embaixo do viaduto. Ele

trabalha na CCF/USP, ele é motorista e estava lá ajudando, o entrevistador vendo a

situação do serviço de catador de lixo perguntou: Quantos filhos você tem? O

catador de lixo respondeu que tinha cinco. O entrevistar falou: Nossa! Você dá conta

de 5 filhos fazendo isso? E o catador respondeu (choro...) dinheiro não tem, a gente

não passa necessidade, mas sobra amor e é com isso que a gente vive. Nesse dia

o Ale... chegou em casa à noite e olhou para mim e perguntou: Você tem amor para

dar para as três? E eu estava muito triste porque a Ali... não ia pra casa. Eu falei

assim: Não estou entendendo... Ai ele contou essa história e (choro novamente...).

e resolvemos entre eu e ele, um pouco com a ajuda da mãe dele, porque todo

mundo que ficava sabendo, o irmão dele, por exemplo, que é Psicólogo, disse:

Vocês são loucos! Nesta mesma semana no dia 13/03, não esqueço, a gente foi

para Itaquera, no Fórum. Foi muito interessante porque a gente chegou lá e a gente

começou a falar do caso e uma Assistente Social estava falando com a gente, pediu

para a gente esperar um pouquinho que eu ela já voltava. E escutamos ela dizer: Oi

“fulano”, não é você que esta cuidando do caso do Larzinho, ai a gente falou com

ele. Ela nos perguntou, com muito espanto: Vocês vão levar as três? Ai a gente

falou: A gente queria a Ali..., mas ela sozinha não pode, a gente continua querendo

a Ali... e resolvemos , então pedir a adoção das três. No começo foi muito difícil essa

questão, porque para elas era muito claro... eu acho que até hoje deve ser difícil,

saber que a gente queria a Ali... Eu não posso dizer que eu me arrependo muito,

porque eu não sei se faria diferente, é o que eu pude fazer na época do meu

entendimento. No dia 30/06 elas foram para casa. É... foi muito difícil, porque

quando o abrigo soube que íamos adotar as três, as três meninas brancas da casa...

lindas! Elas eram um pouco vitrines do abrigo, e... eu lembro até hoje que a moça,

dirigente do abrigo falou assim pra mim: Sua casa é grande? Eu falei não, mais a tua

é né? Ela ficou brava comigo porque a dela era grande, no entanto, ela não adotou.

Se eu fiz, era porque eu tava sabendo o que fazia. Quando as meninas vieram do

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abrigo, partiu meu coração, elas colocaram todas as coisas das meninas em sacos

de lixos. No Fórum me disseram que eu poderia pegá-las no dia 30, então neste dia

quando elas saíram da escola eu as levei para casa. Não é que eu não queria mais

que elas ficassem lá, mas é que as visitas somente nos finais de semanas estavam

ficando muito dolorosas na partida. O último final de semana que a gente deixou

elas no abrigo, a Ali... chorava, hoje ela está mais tranqüila, mas ali ela estava muito

insegura. Ela gritava: “Tia não me deixa, Tia não me deixa”, a gente não agüentava

mais tanto sofrimento. Na minha cabeça ela pensava: Ela vai embora de novo.

“Porque que ela vai ficar comigo, era só eu, e a outra foi embora, agora sou eu e

minhas irmãs...”

Neste sentido as coisas foram muito difíceis as técnicas do Fórum nos autorizaram a

retirá-las no dia 30, mas no abrigo disseram que dava muito trabalho, não queriam

autorizar a saída, por conta de ser uma 6ª. feira, eles queriam que nós as

levássemos somente na 2ª. feira. Porém as técnicas já haviam nos alertado e nos

passaram o número do telefone do Fórum para qualquer que fosse o problema nós

os comunicassem. No abrigo como eles não queriam autorizar a saída das meninas

peguei o telefone na mão e estava com o documento que me autorizava levá-las, eu

disse você também tem cópia do documento, eles já tinham notificado o abrigo. Ele

me disse você tem noção da bagunça que você está causando aqui hoje? Eu disse

pra ele: A gente vai discutir? Foi muito pesado, pesado pra mim, porque a Ali... já

estava com um cachorro de pelúcia na mão, ela estava com a mala, ou melhor, o

saquinho de lixo dela na mão.

Pesquisadora: E as outras duas meninas?

Então, sabe Raquel é interessante que cada uma é de um jeito a Oli... estava

esperando para ver o que acontecia, a do meio, a diferença de idade delas é bem

pouca. A Oli... tem um jeito assim de vamos ver o que acontece. A Ali... é mais

imperativa, a Joa... é mais esquiva das coisas, e a Oli... agora que está mudando, a

gente chama muito a atenção dela, a gente fala pra ela que ela tem que se impor,

mas ela é muito vamos ver como vai ficar. Mas quando ela viu minha atitude... a

família do meu marido é mais do deixa quieto, eu não sou briguenta, mas se eu

tenho razão, não fico quieta, eu estava com a ordem judicial. Eu não queria saber de

mais nada, só queria que elas fossem comigo, não importava se o presidente do

abrigo estava achando ruim ou não. Eu havia prometido pra mim que aquela noite

elas passariam em casa. A gente voltou no abrigo, depois disso, só duas vezes.

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Quando a gente voltou tinham apenas três crianças da época delas. Muita criança

nova, muita! A Ali... ficou o tempo todo, no canto, não se relacionou com ninguém.

Quando a gente estava indo embora a Ali... disse: Quantas crianças novas, não

acredito que as pessoas fazem isso com as outras pessoas! A Ali... é muito crítica.

Uma vez nós estávamos em terapia familiar e a Psicóloga falou assim: “Vocês têm

que entender que a Joa... (a mais velha) é que mais sofreu.”. Elas estavam

brincando, a Ali... parou de brincar e falou para ela: “Você já me perguntou quanto

eu sofri?”. Você sabe que a Janete (nome fictício da mãe biológica) me deixou no

abrigo e eu usava fralda? A Psicóloga falou que não era nesse sentido que ela

estava falando. Por isso, eu, em casa, não deixo ninguém falar que uma sofreu mais

que a outra.

Sabe Raquel tem uma coisa que eu acredito muito, o meu pai já faleceu (choro...),

quando eu vejo que alguém perdeu o pai eu não falo que eu sei o que a pessoa está

sentindo, eu não sei, eu só sei o que eu senti, eu não sei o que meus irmãos

sentiram. O lugar é meu eu que estou passando pela situação.

A Joa... teve dois casais que quiseram adotá-la, e também sumiram. A Oli... nunca

teve ninguém que se interessasse em adotá-la, ela inventa na cabeça dela que tinha

um casal, porque ela pensa “Poxa só eu que ninguém quis?” Então cada um tem

seu mecanismo de defesa para cuidar dos seus problemas.

A Ali... não dormia. Ela não conseguia, era uma briga em casa, nas madrugadas eu

falava: Ali... vai dormir! Ali... dorme! Há algum tempo atrás ela me disse que tinha

muito medo de dormir, porque ela não sabia onde ia acordar, (choro...). Porque os

abandonos eram assim a mãe a deixava dormindo e ia embora. Quando acordava

ela pensava e agora quem cuidará de mim? Então em casa não deixo esse negócio

de a Joa... sofreu mais porque ela é mais velha. Todas tiveram sofrimentos cada

qual sentiram do seu jeito. Elas tem outra irmã, que é mais nova que a Ali..., se Ali...

tem 11 anos, a Jad... tem 10.

Pesquisadora: E essa irmãzinha mais nova está com quem?

Com outra pessoa, a mãe deu a menina para outra família. Já pensou o quanto a

Jad... sofre sabendo que tem mais três irmãs que ela não vê, não sabe o que esta

acontecendo e vice-versa. O abandono é uma questão muito complicada.

5 - Logo que a decisão foi tomada vocês procuraram ajuda na Vara da Infância

e Juventude?

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A gente foi direto ao Fórum de Itaquera.

6 - Como foram recebidos e/ou orientados?

A Assistente Social do Fórum nos atendeu muito bem, já era final do expediente,

mas nós preenchemos o cadastro todo lá. Ela até nos disse que poderíamos ter ido

para o fórum de Pinheiros, que seria mais perto para nós e a gente não quis. Nós já

tínhamos conhecido ela e ela já tinha visitado nossa casa.

7 - O que tiveram que comprovar para entrar na fila da adoção ou para fazer a

adoção?

Preenchemos o cadastro único de adoção, comprovamos residência fixa,

entregamos cópia de todos os nossos documento e comprovantes de que tínhamos

emprego fixo.

8 – Quando vocês se inscreveram como candidatos a adoção, vocês tinham

em vista um determinado perfil de filho? Se sim, qual era esse perfil?

Como já contei anteriormente, o meu marido queria um bebê e não se importava

com o sexo. Eu não tinha preferência nem por idade nem por sexo.

9 – Desde a data do cadastramento foi apresentado a vocês alguma criança

disponível para adoção? Se a resposta for não, responda a próxima pergunta.

A essa altura já tínhamos conhecido a Ali...

10 - Se durante o processo tivesse sido apresentado a vocês alguma criança

para ser adotada isso teria feito diferença?

Não, de forma alguma.

11 - Quantas vezes vocês tiveram entrevistas com a psicóloga, assistente

social ou outro profissional?

Foram ao todo 3 entrevistas.

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12 - Foi indicado a vocês participação em algum grupo de discussão que

envolve o tema adoção?

Sim o GAASP - Grupo de Apoio a Adoção de São Paulo. E por várias vezes a Dora

e o Roberto ajudaram a gente, até hoje eles ajudam.

13 - Foram feitas visitas domiciliares?

Sim, 1 visita

Eu falei pra assistente social, não é sempre que a casa fica limpinha assim, ela deu

risada e falou: É tapetinho na pia com cachorro não combina, então eu brinquei e

falei vou tirar o tapete (risos).

14 - Quanto tempo aguardaram para a adoção?

Nove meses, o tempo de uma gestação, aguardamos 9 meses para ter nossas

trigêmeas (choro/risos).

Eu brinco dizendo que quando nós fizemos ultrassom só dava para enxergar a Ali...

e quando nasceram eram três. A Ali... quando escuta eu dizer isso fala enfática:

“Mas um de cada idade?”. E eu explico que todas nasceram no mesmo dia para nós

e isso é que importava (choro).

15 - A Adoção e/ou a guarda permanente ou definitiva se efetivou a partir de

que data?

Depois de quatro anos a adoção se concretizou, enfim sou mãe oficialmente das

minhas trigêmeas. Você sabe eu nós tivemos um problema sério, né? A Joa... é

muito impulsiva e ela bateu no meu cachorro e ele mordeu feio o rosto dela e neste

período a gente fazia terapia familiar aqui na USP. E a Psicóloga queria que a gente

desse o cachorro, porque eu queria terapia individual para a Joa.... Na minha opinião

ela se sentiu ofendida, porque ela acho que a gente estava achando que ela não

estava dando conta. E ela falou não o problema é o cachorro. Eu falei olha em casa

tem faca, tem escada, tem outro cachorro, nós não vamos dar o cachorro, porque

ele não morde ninguém a Joa... apertou ele. Ele rosnou ela apertou mais forte e ele

a mordeu. Qualquer cachorro faz isso. Ela falou assim: Você não vão dar o

cachorro? Eu disse: Você vai denunciar a gente? E foi o que ela fez, nos denunciou

por mais tratos e a gente voltou para o Fórum. Quando a gente voltou para o Fórum,

isso há dois anos e meio atrás, a mãe biológica tinha aparecido e esse problema me

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deixou muito brava com o pessoal do Fórum, porque eles falaram para a Joa..., sem

perguntar pra gente. Além disso disse na nossa cara (minha e de meu marido) que

havia dito para a Joa.... que sua mãe biológica tinha aparecido e queria ela. Eu

disse: Como é que é, como você faz isso sem consultar a gente? Eles tinham visto

que ela não tinha sido maltratada e sim mordida pelo cachorro o que é bem

diferente. Eles olham muito o lado da criança, não da família, e era isso que me

incomodava. Eles perguntaram para mim se ela quisesse a Joa..., se ela poderia

levar só a Joa... Falei não se a quiser ela leva todo mundo, ela virou pra mim

indignada. Então eu disse: “Ué eu tive que pegar todas porque seria diferente agora”

e disse mais: “E você me fala agora, porque eu não ficarei nem mais um dia com

elas vivendo esse tipo de ameaça. Eu não tenho saúde para isso.” (choro). Ai eu

parei e pensei como é que vai ser, tanto é que agora a Joa... está fazendo terapia,

tratamento sério. , com uma profissional muito séria. A Oli... antes não falava nada,

nada... ela podia achar o que fosse do assunto mais não falava nada. Durante uma

das seções de terapia eu falei para ela: “Filha você precisa falar o que sente, ou o

que você acha.” ela me disse “Você não sabe que ela é espiã do fórum?” – Ai

aconteceu a questão da denúncia, Raquel a Oli... olhou para mim e disse: “Você

sabia que elas iam fazer isso com a gente, não é?” “Você sabia que iam denunciar e

deixou porque você não quer a gente.” Eu fiquei arrasada. A Oli... é muito travada

ela guarda os sentimentos pra ela, pode ser mal mais não pede ajuda. E depois

dessa questão do Fórum, pra mim, foi muito pesado. Lógico que eu não ia deixar

minhas meninas lá, mas se eu a deixasse falar assim comigo, o que seria da

próxima vez, sei lá como seria a próxima vez.

16 - Após a adoção, quais os problemas que vocês enfrentaram?

Eu acho que os problemas agora, são problemas de família mesmo, é preguiça de

estudar, não quer comer, não quer tomar banho... pra mim não tem a questão de

passar a mão na cabeça porque são adotadas, eu falo pra elas que bom que elas

foram adotadas, pois muitas e muitas crianças não saem dos abrigo, não têm para

onde ir. As vezes elas falam da Jaq... que é a mãe biológica, a Oli... fala muito claro

que não quer saber da mãe biológica. É uma defesa, pois se ela abandonou, então

fica pra lá. Eu tenho conversado bastante com a Oli...para ver se ela aceita fazer

uma terapia de 15 em 15 dias, uma coisa mais leve pra ver como ela enfrenta. Eu

quero que ela também queira. A Joa... não teve opção, porque ela estava com

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problemas mais sérios, então ela vai a psicóloga e acabou. No começo ela não

aceitava a imposição, mas acho que ela está percebendo que não tem opção. Eu

tive muita sorte, a terapeuta da Joa... já trabalhou muito em abrigo, cuidando de

adolescentes. Então ela tem bastante prática, a Joa... já tentou enrolar ela e não deu

certo. Eu confio muito na terapeuta, ela consegue me dizer realmente quem é a

Joa.... A Joa... que eu conheço, e não fica somente passando a mão na sua cabeça.

E pra gente é muito bom, porque não é o pai e mãe que estão cobrando é uma

pessoa de fora, que está vendo as coisas de outra forma. Sabe Raquel acho que

em algumas circunstâncias é uma coisa de Deus. Inteiramente de Deus, porque

assim: A gente queria a Ali... que tem todo o defeito que um filho tem, e toda a

qualidade que um bom filho tem, é inteligente, é estudiosa, e tivemos que ter as três,

hoje eu tenho certeza que não sai ninguém, entrar pode não entrar, mais sair jamais,

a Joa... nos dá um trabalho absurdo, a gente tem muito mais trabalho com a Joa...

Inclusive a Psicóloga tem nos orientado para deixar um pouco, afrouxar o laço,

porque esta é uma forma dela nos ter ao seu lado. E a gente precisa cuidar das três.

É muito engraçado a gente queria a Ali... a filha idealizada e hoje conseguimos

enxergar o quanto a gente tem aprendido com a Joa... N verdade aprendemos com

as três.

17 - Vocês explicaram para seu(s), sua(s) filho(s), filha(s) que ele/ela é e/ou são

adotivo(s)?

Não foi necessário.

18 - Se mantiveram esse diálogo, como foi?

Não tivemos

19 - Se o seu filho adotado, numa determinada fase de sua vida quiser

conhecer o seu passado, as suas raízes, você o ajudará na busca de

respostas?

Eu já até conversei com elas, se elas quiserem procurar a outra família eu até ajudo,

depois que elas completarem a maioridade, antes disso pra mim não precisa nem

pedir. Elas ainda sentem muito o abandono, por isso me disseram que também por

enquanto não querem

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20 - Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar?

Uma vez a Oli... falou que eu não era mãe dele. Então disse: “Eu estou confusa eu

só sou sua mãe quando? Até pra ela perceber que eu não posso só ser mãe dela

quando interessa pra ela. Eu sou mãe dela em todos os momentos, até quando ela

tem que me respeitar e aceitar os nãos que eu tenho que dizer. Porque isso é

convivência. Esse é vínculo mais difícil da gente estabelecer.

21 - Se você pudesse dar alguma sugestão para ajudar no processo de adoção,

o que falaria?

Quero sim. Principalmente a questão da legislação, porque depois que as meninas

chegaram em casa, eu tive apenas um mês de licença para ficar com elas, por conta

somente da Ali... que não tinha completado sete anos, e é muito difícil é muita

correria, e muito trabalho, muita coisa para conhecer, a gente não tem ajuda do

estado para amparo psicológico, temos que ficar procurando nos postos de saúde, o

que não se encontra vaga, ou então, se virar e conseguir sozinha. Eu não acho que

a doção tem que ser um negócio, ela tem que ter os mesmos benefícios que uma

mãe biológica tem. Lógico que eu fiquei um mês de licença maternidade pela Ali...

(que não tinha sete anos completos, ainda) Mas eu não conhecia elas antes, é muito

mais difícil que um bebê, o bebê não fala, o bebê não anda e não grita o trato é

outro. A adaptação é outra, o sentimento das meninas já estava construído, já

estava mais sólido. Eu acho que a legislação tinha que ser igual e não é fingir que é

igual. O cuidado do fórum, a família rica dificilmente adota, principalmente crianças

grandes e a família pobre que adota não tem ajuda do estado. Não tem suporte

financeiro, não tem psicológico (talvez o mais importante), não tem suporte de

adaptação. E o suporte, na minha opinião da adoção tardia é só em casa. Não existe

adaptação fora só em casa. A adoção tardia pra mim é um casamento, é a

convivência e o respeito. Uma vez uma das meninas me disse assim: “Ele é meu

pai, porque pai eu nunca tive, mas você não é minha mãe”. Ai eu falei pra ela “Não

sou sua mãe? Cadê a sua mãe? Ela respondeu: “Minha é a Jaq...”. Eu disse não

perguntei quem é e sim onde ela estava, por que pra mãe é quem cuida.” Eu sei que

é duro pra ela ouvir isso, mas o que eu fazer? Dizer a ela que a mãe dela a

abandonou porque a amava, eu não acredito nisso. Um dia a Oli... (ela é muito

magricelinha) disse pra mim: “Você pensa que fácil ter mãe de uma hora pra outra?”

Eu respondi pra ela “Você pensa que fácil ter filho, de uma hora para outra, três e

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todos com mais de sete anos?” Ela disse “Eu acho que não.” E todos rimos. E ela

completou: “É difícil pra todo mundo”.

Sobre a adoção tardia, seria interessante fazer uma comparação, eu tenho

procurado alguma literatura sobre adoção tardia e não tenho encontrado, eu gostaria

de saber o que acontece com a criança que não é adotada, não encontro, é muito

pouco. A impressão que eu tenho é que discutir sobre isso é uma coisa meio

preconceituosa. A impressão que tenho, quando eu adotei as meninas, quando elas

foram para casa, muitos falaram assim “Gente que coisa linda, que

desprendimento”, e eu pensava: gente o que essas pessoas entendem por

desprendimento, né?

Não é assim, é um pouco assim, é muito dura né? Muito difícil, por todos os lados

Algumas observações que registrei durante a conversa da fala da mãe adotiva.

Acho que agora você já conhece bem a história das minhas trigêmeas, no dia a dia

eu descubro um pouquinho mais delas e elas de mim.

É duro para a família ou seja, para o adotante e para o adotado. E as pessoas

olham, muitas vezes (eu posso falar isso, porque vivo a mesma experiência), dizem

que parece uma loucura, eu imagino no seu caso que foram três crianças em idade

avançadas.

E o preconceito, sabe Raquel, que eu percebe é de coisas bobas, quando eu falo

para alguém: eu tenho três filhas e ai as pessoas falam mas você é magra, sempre

tem alguém que olha pra mim e fala: “Ah, mais são adotados?” Porque assim... Eu

não vejo ninguém dizer assim, eu tenho 5 filhos biológicos. Eu tenho 5 filhos e

pronto. Então assim, parece que as pessoas que me conhecem, o tempo todo, se eu

falo que tenho três filhas, se isso acarretada algum tipo de elogio, são adotadas, se

eu adotei porque, enfim por questões familiares, que a gente chegou a essa

conclusão... eu sou louca. Então, assim a questão da adoção, eu tenho a impressão

que ela é sempre ligada ao racismo, o preconceito é muito grande e ouço coisas do

tipo: “É louca, o que você fez da sua vida, adotou três crianças desse tamanho!”

Porque elas chegaram em casa com 7, 8 e 9 anos cada uma, nenhuma era mais

inocente, nenhuma das três tinham o brilho da infância, não tinham, muito duras,

cheias de vícios do abrigo, crianças naturalmente têm, elas tinham peso de vários

abandonos da mãe biológica, não é... eu hoje após 4 anos de ½ dessa adoção eu

percebo que o quanto as pessoas são preconceituosas, muito preconceituosas, elas

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falam assim “Eu também quero adotar é difícil?” Eu repondo que não posso falar,

mas posso passar experiências. Mas a dificuldade que eu passo não dá pra falar. É

como se eu falasse: “Eu tenho um gatinho” e a pessoa dissesse: “Eu também quero!

É difícil cuidar? As pessoas banalizam, como se a criança fosse um animalzinho.

Hoje em dia a legislação está um pouco mais honesta com as crianças, honesta no

sentido de honesta mesmo, porque antigamente era assim: “Ai eu comprei/peguei

essa criança num abrigo, mas ela não é meu número, vou devolver.” E devolvia a

criança sem menor cuidado, como que ia acontecer com ela. No abrigo que as

meninas estavam tinha uma menina que tinha um problema sério de saúde por ter

sido rejeitada várias vezes, hoje não é mais assim a legislação não deixa isso

acontecer, tem até o cuidado financeiro, com esse tipo de situação, que eu acho

muito importante.

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Anexo 2.5 – Transcrição da entrevista realizada com especialista em São

Paulo/SP

Novembro de 2010

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS

FORMULÁRIO PARA ESPECIALISTA – ENTREVISTAS

(QUESTÕES ABERTAS)

Especialista 1

Identificação (opcional): MARIA STELA SANTOS GRACIANI

Idade: 66 anos Sexo: Feminino

Estado Civil: Divorciada Local de Nascimento: Santos/SP

Etnia: Branca

Local onde reside: São Paulo

Profissão: Professora Universitária

Local de Trabalho: PUC/SP

Religião: Católica/Praticante

Grau de Instrução: Professora Doutora

Ensino Fundamental: Completo

Ensino Médio: Completo

Graduação: Completa

Área de formação: Pedagogia

Pós-Graduação (especifique): Educação

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Roteiro para entrevista

1 Qual o seu conhecimento ou sua relação com as temáticas abandono,

abrigo e adoção?

Sou representante no CONANDA pela PUC/SP e ajudei a elaborar o ECA, portanto,

tenho um saber razoável sobre esta temática.

2 Qual a sua avaliação sobre a prática da adoção

a) No Código de Menores de 1927

b) No código de Menores de 1979

c) No Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990

Em relação aos códigos de 1927 e 1979, são insuficientes, tem uma visão

assistencialista e retrógada em relação à adoção. O ECA, com a participação de

sociedade civil organizada, juízes e pastoral, conseguiu reverter esta visão e hoje

temos o mais avançado Estatuto em relação aos Direitos da Criança e adolescente

em geral e particularmente, nestes três subtemas.

3 Qual sua avaliação do sistema de adoção na doutrina da situação

irregular (Código de menores 1979) e na doutrina da proteção integral (ECA) no

Brasil?

Tanto um quanto outro (1927 e 1979) são legislações que não atingiam os direitos

da criança e do adolescente, no que se refere ao seu desenvolvimento, crescimento

e maturidade, a visão era jurisdicizada. Em relação ao ECA, se resgata o direito de

ser sujeito e protagonista, e as exigências para os adotantes possuem técnicas

muito mais eficazes, no entanto, muito morosa. Quem agiliza a adoção (juízes,

assistentes sociais e psicólogos) são pessoas com visão muito mais jurídica do que

humana e afetiva, como pensamos no ECA.

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4 Ao seu ver quais são os obstáculos ou as dificuldades para a adoção no

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Como já disse, despreparo dos que decidem a adoção, exigências burocráticas e

técnicas não inovadoras para atender as inúmeras famílias que desejam adotar.

5 O que a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, efetivamente mudou no

sistema de adoção no Brasil.

A Lei apenas tentou mudar o processo de adoção na sua agilização, no entanto,

ainda não se percebe nenhum avanço.

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Anexo 2.6 – Transcrição da entrevista realizada com especialista em São

Paulo/SP

Outubro de 2011

PESQUISADOR: RAQUEL ANTUNES DE OLIVEIRA SILVA

Título da pesquisa:

“A ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL:

OS ENTRAVES JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS PERCEBIDOS PELA ÓTICA

DOS ADOTANTES”

FORMULÁRIO PARA ESPECIALISTA – ENTREVISTAS

(QUESTÕES ABERTAS)

Especialista 2:

Identificação (opcional): JULIANA GAMA IZAR

Idade: 31 anos Sexo: Feminino

Estado Civil: Solteira Local de Nascimento: São Paulo

Etnia: Multiétnica

Local onde reside: São Paulo

Profissão: Pedagoga e Pesquisadora

Local de Trabalho: Rede Privada e Pública de Ensino

Religião: Não, obrigada

Grau de Instrução:

Ensino Fundamental: Completo

Ensino Médio: Completo

Graduação: Completa

Área de formação: Educação (habilitação plena em Pedagogia)

Pós-Graduação (especifique): Mestrado em Educação na linha de pesquisa em

Estado, Sociedade e Educação, acerca do trabalho pedagógico em abrigo para

crianças e adolescentes.

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Roteiro para entrevista

1 Qual o seu conhecimento ou sua relação com as temáticas abandono,

abrigo e adoção?

Inseri-me neste universo em meados de 2003, através de um projeto de pesquisa

que visava recuperar a história da criança e adolescente institucionalizados no

Estado de São Paulo. Por meio do trabalho desenvolvido a partir dele, conheci parte

da expressiva história acerca do abandono, abrigo e adoção. Posteriormente,

trabalhei em alguns abrigos e pude, mais do que conhecer, vivenciar estas histórias.

2 Qual a sua avaliação sobre a prática da adoção

a) No Código de Menores de 1927 – voltada para a utilização de mão-de-obra

infanto-juvenil (empregadas domésticas, ajudantes de ofício em troca de casa

e comida).

b) No código de Menores de 1979 – com raras exceções, a maioria dos casos bem-

sucedidos foi de adoção internacional. Em âmbito nacional, as crianças

institucionalizadas ali permaneciam até completar a maioridade civil.

Curiosamente, os casos de adoção à brasileira eram mais bem vistos que o

de adoção de crianças institucionalizadas (...).

c) No Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 – inicialmente, bastante

tumultuada: inúmeros casais adotantes, muitas crianças e adolescentes em

situação de adoção, uma burocracia sem limites e, consequentemente, um

número incontável de vidas desperdiçadas em abrigos. Posteriormente,

algumas iniciativas de unificação e atualização de cadastros, menor

morosidade no processo, mas ainda assim, uma prática complicada e muitas

vezes, dolorosa.

3 Qual sua avaliação do sistema de adoção na doutrina da situação

irregular (Código de menores 1979) e na doutrina da proteção integral (ECA) no

Brasil?

Penso que o grande ganho da passagem da doutrina da situação irregular para a

doutrina da proteção integral no tocante da questão da adoção tenha sido o melhor

aparelhamento do judiciário, com equipes técnicas multidisciplinares, não delegando

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ao juiz da VIJ a exclusividade na decisão do processo, como ocorria na época dos

Códigos. Porém, como tudo tem um porém (...), nem sempre as equipes técnicas

das VIJs são capacitadas o suficiente para analisar cada caso e, na pressa de

desburocratizar os processos de adoção, acabam por cometer erros crassos

baseados em relatórios de técnicos de abrigos despreparados. Durante o tempo em

que trabalhei com abrigos, pude vivenciar trabalhos notórios de equipes

excelentemente comprometidas com a causa e, principalmente com a criança e o

adolescente. Mas também testemunhei casos que nem na época do Código de

Menores seriam vistos com “bons olhos” (...).

4 Ao seu ver, quais são os obstáculos ou as dificuldades para a adoção no

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Inúmeros são os obstáculos para a realização de adoções bem-sucedidas no

Estatuto da Criança e do Adolescente: 1) A idealização de um filho (a questão do

perfil da criança e aqui nem cito o adolescente, pois raros são os casos de adoção

em idade avançada); 2) A dificuldade na unificação e atualização do cadastro

(entrada e saída de crianças em situação de adoção), bem como no tratamento de

dados (citação de grupo de irmãos, tempo de acolhimento institucional etc.); 3) O

despreparo dos técnicos (assistentes sociais e psicólogos) tanto das VIJs, como dos

abrigos, na emissão de relatórios baseados em achismos, sem um real e efetivo

trabalho com as famílias destas crianças/adolescentes, destituindo-os

arbitrariamente; 4) A ausência de um trabalho comprometido com a

criança/adolescente nos abrigos, no sentido de fortalecê-los emocionalmente e

orientá-los quanto aos seus direitos. O que se vê ainda hoje (e isso não mudou após

a promulgação do ECA) é a sua objetização (as crianças são expostas e escolhidas

como produtos prontos para o consumo, ficando à mercê dos adotantes em

potencial, sem serem consultadas acerca de seus reais desejos); 5) A ausência de

orientação para as famílias adotantes (sabe-se da existência de grupos de apoio

voluntários, mas estes são escassos e nem sempre as famílias que buscam as VIJs

são apresentadas a esses serviços); 6) A demora entre o início do processo

(inscrição das famílias adotantes nas VIJs) e a efetivação da adoção (quando esta

se dá), em vista da burocracia e do acúmulo de processos nas VIJs, pois o trabalho

de aproximação e estabelecimento de vínculo entre a família adotante e a criança

em situação de adoção não justifica longas esperas pela determinação judicial.

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5 O que a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, efetivamente mudou no

sistema de adoção no Brasil.

Em termos claros, ainda que eu não mais esteja trabalhando nestes espaços

institucionais, a Lei 12010/09 determina que crianças e adolescentes não fiquem

“esquecidos” nos abrigos, forçando-os assim, a emitir relatórios periodicamente para

as VIJs (semestralmente). Essa determinação pressupõe que, para tanto, seja feito

um trabalho com as famílias dos acolhidos institucionalmente e, diante dos

resultados obtidos ao longo deste período, seja sentenciada a decisão judicial, não

excedendo o prazo de 02 anos de acolhimento institucional. Essa disposição de

prazo vem ao encontro da Doutrina de Proteção Integral, pois, sabe-se que muitos

são os casos de acolhimento institucional prolongado que resultam no rompimento

das relações afetivas com a família de origem e no crescimento/desenvolvimento

dentro das instituições que acabam por se tornar a única referência “familiar” destas

crianças e adolescentes, contrariando o direito à convivência familiar – garantido

tanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como pela Constituição Federal.

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ANEXO 3

O GENOGRAMA E SEUS SÍMBOLOS

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ANEXO 4

DESENHOS FEITOS PELAS IRMÃS CITADAS NA FAMÍLIA 4

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