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Passo FundoEditora IMED

2016

PRÊMIO ALUNO PESQUISADOR TCC

Faculdade IMED

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Diretor GeralEduardo Capellari

Diretora AcadêmicaDaiane Folle

Diretora AdministrativaMarilú Benincá de David

Diretor de Relações com o MercadoWilliam Zanella

Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto SensuJoão Alberto Rubim Sarate

Coordenador da Escola de AdministraçãoAdriano José da Silva

Coordenadora da Escola de Arquitetura e UrbanismoRenata Barbosa Ferrari Curval

Coordenador da Escola de DireitoLuciano de Araújo Migliavacca

Coordenador da Escola de Engenharia CivilPietro Rafael Ferreira

Coordenador da Escola de Engenharia MecânicaRichard Thomas Lermen

Coordenadora da Escola de MedicinaRaquel Scherer de Fraga

Coordenador da Escola de Medicina VeterináriaDeniz Anziero

Coordenador da Escola de OdontologiaLeodinei Lodi

Coordenador da Escola de PsicologiaLuiz Ronaldo Freitas de Oliveira

Coordenador da Escola de Sistemas de Informação e Ciência da ComputaçãoAmilton Rodrigo de Quadros Martins

© 2016 Autores

Filiada a

CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação __________________________________________________________

P925 Prêmio aluno pesquisador TCC [recurso eletrônico] / Faculdade IMED. -- Passo Fundo : IMED, 2016.6 Mb. ; e-BOOK.

Disponível eletrônico: http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0Inclui bibliografia.ISBN 978-85-99924-86-0

1. Iniciação científica – Pesquisa. 2. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. Faculdade IMED.

CDU: 001.8: 061.4___________________________________________________________

Bibliotecária responsável Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/.

Editora IMEDR. Senador Pinheiro, 304 - Rodrigues99070-220 - Passo Fundo/RS, BrasilFone: (54)3045-9081E-mail: [email protected]/editora

Responsável Editora IMEDWanduir Rudinei Sausen

DOI: http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0

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Apresentação .............................................................................................. 5

Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana ......................................................................................... 6Débora de Miranda dos SantosHenrique Kujawa (Orientador)

A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais da criança e do adolescente ....................................................................... 34Gabriel Cavalheiro ToninJosé Carlos Kraemer Bortoloti (Orientador)

A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes como forma de redução do trabalho infantil ilegal .......................................... 79Tadeu Matos Guterres MartinsCheila Aparecida Oliveira (Orientadora)

Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia .............................................................................. 103Patrícia Marques de AguiarMichele B. de Conto Ferreira (Orientadora)

Desordens musculares entre um grupo de estudantes de odontologia ........................................................................ 123Lucas Quaresemin de OliveiraMichele Bortoluzzi de Conto Ferreira (Orientadora)

Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior ................................................................................. 151Casio ComparinAmilton Rodrigo de Quadros Martins (Orientador)

SUMÁRIO

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S U M Á R I O

APRESENTAÇÃO

Apresentar uma obra como a presente, não só significa valorizar o trabalho de alunos e professores da Faculdade IMED, mas é mais um fator motivador para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas que tenham impacto acadêmico e social.

Na 4ª edição do Prêmio Aluno Pesquisador, realizado pela Faculdade IMED, são encontrados trabalhos desenvolvidos na conclusão dos cursos de graduação de acadêmicos das Escolas de Direito, de Odontologia e Sistemas de Informação.

Os trabalhos da Escola de Direito versam sobre temas atuais e que tem extre-ma relação com a prática jurídica e social. O trabalho desenvolvido por Debora de Miranda trata do infanticídio indígena e seus aspectos sociais, culturais e jurídicos, fazendo uma análise abrangente especialmente sobre o impacto da cultura sobre os direitos humanos.

O artigo desenvolvido pelo aluno Gabriel Cavalheiro Tonin aborda a temática da adoção internacional e as garantias fundamentais das crianças e adolescentes, buscando compreender como a possibilidade de adoção internacional é viável para a inserção de crianças e adolescentes nas famílias e, com isso, garantindo-se seus direitos.

Já o trabalho desenvolvido por Tadeu Matos Guterres Martins versa sobre a problemática do trabalho infantil e a possibilidade de sua redução pela fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes.

Os trabalhos desenvolvidos pelos acadêmicos da Escola de Odontologia são ex-tremamente relevantes e trazem o diferencial da pesquisa empírica, sendo que o trabalho apresentado por Patricia de Aguiar analisou os manuais de biossegurança nas instituições de ensino de Odontologia do Brasil, buscando verificar possíveis diferenças nos protocolos de biossegurança de cada instituição.

A pesquisa desenvolvida pelo acadêmico Lucas Quaresemin de Oliveira teve por objetivo identificar a aplicação da ergonomia durante os atendimentos clínicos realizados pelos acadêmicos da Escola de Odontologia da Faculdade IMED, aplicando questionários e realizando pesquisa de campo com alunos de 4º a 8º semestre do Curso.

Por fim, o trabalho do acadêmico Cassio Comparin teve como objetivo analisar como um aplicativo de mobile learning usando a gamification tem condições de au-mentar a interação e o desempenho de alunos do ensino superior, desenvolvendo sua pesquisa no curso de Medicina, Sistemas de Informação, Administração e Psicologia.

Assim, é gratificante apresentar mais uma obra que reúne as pesquisas dos aca-dêmicos da Faculdade IMED nos seus trabalhos de conclusão de curso e reforça a importância da pesquisa acadêmica não só para o meio em que os alunos estão in-seridos na instituição, mas, especialmente, os novos conhecimentos e impacto social que seus trabalhos podem gerar.

Me. Lívia Copelli CopattiDocente da Escola de Direito

Coordenadora de TCC da Escola de Direito

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-1

INFANTICÍDIO INDÍGENA: UMA VISÃO SOCIAL, CULTURAL E JURÍDICA DA VIDA HUMANA

Débora de Miranda dos SantosBacharel em Direito pela Faculdade IMED.

Henrique Kujawa (Orientador)Professor Doutor em Ciências Sociais pela UNISINOS (2014).

Resumo

A vida representa o início das relações humanas. É a partir dela que a cultura pode ser desenvolvida. Assim, a cultura necessita da vida biológica como fator primordial para ser transmitida. Contudo, vida e cultura não se estabelecem individualmente. Da mesma forma que a cultura necessita da vida, a vida necessita da cultura, pois, sem esta, não existe vida digna. Muito além do que somente vida biológica, o ser humano precisa de uma identidade cultural. Assim, a Constituição Federal de 1988 assegura a vida e a cultura como direitos fundamentais. Nesse entendimento, apre-senta-se como tema do presente trabalho o infanticídio indígena como prática cul-tural de alguns povos e a análise da vida humana, aplicados aos Direitos Humanos e à cultura. Desse cenário, observa-se que o infanticídio indígena levanta tensões que perpassam por discussões de cunho jurídico, social e cultural, uma vez que evidencia a presença do Pluralismo Jurídico no Brasil, produz impactos sociais pela violação dos Direitos Humanos e desafia a aplicação do Direito de modo a proteger a vida, sem, contudo, anular a cultura. Objetiva-se com esta pesquisa, traçar-se de-lineamentos para a compreensão do infanticídio como prática cultural e também chegar-se a conclusão de que o infanticídio indígena não se justifica pelo Pluralismo Jurídico, nem pelos Direitos Humanos e, tampouco, pela Cultura. Para tanto, se uti-lizará o método indutivo mediante revisão bibliográfica, dados estatísticos e estudos de caso. Conclui-se assim que, embora o infanticídio indígena não seja crime, é uma prática cultural que não se sustenta como legítima. Palavras-chave: Cultura. Pluralismo. Direitos Humanos. Povos Indígenas. Vida.

Abstract

Life represents the beginning of human relations. It is from that culture can be de-veloped. Thus, the culture needs organic life as a primary factor to be transmitted. However, life and culture is not individually set. Likewise the culture needs of life, the life of the culture needs, for without this, there is good life. In addition to only bio-logical life, the human being needs a cultural identity. Thus, the Federal Constitution of 1988 ensures the life and culture as fundamental rights. In this understanding,

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Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana

it is presented as the theme of this work Indian infanticide as a cultural practice of some people and the analysis of human life, applied to human rights and culture. In this scenario, it is observed that Indian infanticide raises tensions that pervade by legal, social and cultural nature discussions, as evidence of the presence of the Legal Pluralism in Brazil, produces social impacts for the violation of human rights and challenges the application of the law in order to protect life, without, however, set aside the culture. Objective with this research, draw up designs for the understand-ing of infanticide as a cultural practice and also reach the conclusion that Indian infanticide is not justified by the Legal Pluralism, not for human rights and, either by culture. Therefore, it will use the inductive method by literature review, statistical data and case studies. It is therefore concluded that, although Indian infanticide is not a crime, it is a cultural practice that does not hold as legitimate.Keywords: Culture. Pluralism. Human rights. Indian people. Life.

1 Introdução

Uma das principais características do ser humano é a impossibilidade de viver em sociedade sem pertencer a uma determinada cultura. Desde que o ser humano nasce, estabelece relações, das relações são estabelecidos padrões morais, éticos e tradicionais que estão inseridos em um universo cultural próprio de cada grupo social. Posteriormente, a cultura determina as ações, expressões, práticas, compor-tamentos, costumes e manifestações culturais. No Brasil, assim como em outros países, as práticas culturais são fenômenos complexos, pois cada cultura tem pa-drões muito específicos, que definirão a concepção interna de vida que os povos possuem, ou seja, cada um deles valorizará a vida segundo sua visão cultural.

Nessa ordem, a vasta diversidade cultural brasileira, ocasionada por fatores his-tóricos, fez com que o Brasil se constituísse culturalmente de maneira singular. A cultura diferenciada de cada região carrega consigo as influências dos costumes so-cialmente herdados. Contudo, as tensões surgem quando tais costumes, ao invés de agregarem elementos positivos à cultura, acabam tornando-se prática controversa que conflita com o sistema normativo estatal e atinge o ser humano naquilo que lhe é mais íntimo: a sua dignidade.

Em meio a isto, destaca-se o infanticídio, presente em alguns povos indígenas brasileiros. Embora muitos pesquisadores sustentem que essa prática é quase extinta e se constitui como um fato isolado, ela ainda existe no Brasil e se traduz numa grave violação dos Direitos Humanos. Por outro lado, a cultura é um elemento imprescin-dível em todas as relações humanas, sendo necessária para reger a organização so-cial de uma comunidade. Por ser um direito também previsto constitucionalmente, deve ser tutelado, uma vez que o indivíduo sem cultura perde sua identidade e, por conseguinte, sua dignidade.

Dessa forma, não se deve analisar esses dois direitos isoladamente, mas sim como complemento um do outro. Portanto, o presente trabalho baseia-se na cons-tatação de que o Direito passa a existir pela cultura que define as ações sociais e, por sua vez, a cultura é fortalecida pelo mesmo (que coíbe o ser humano a agir segundo os padrões que a própria cultura delimitou), sendo necessário encontrar equilíbrio para que, tanto o direito à vida quanto o direito à cultura, façam parte da realidade dos povos indígenas.

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D. de M. dos Santos, H. Kujawa

A problemática da prática do infanticídio indígena reside no multiculturalismo do Brasil como formador do Pluralismo Jurídico que gerou várias formas de aplicação do Direito, pois, a partir do reconhecimento da organização social dos índios e do pleno exercício de direitos culturais, descentralizou-se o poder estatal dando autonomia para esses povos na manutenção da ordem social interna e isso resul-tou na solidificação da violação dos Direitos Humanos. Assim, como é possível a prática do infanticídio indígena num Estado Democrático de Direito? E como podem ser tutelados o direito à vida e o direito à cultura? Como a prática do in-fanticídio indígena pode ser superada sem a intromissão estatal na organização social interna desses povos?

Somado a isso, vê-se que, por ser o infanticídio indígena uma prática cultural, não pode ser tratada simplesmente por um prisma jurídico. Assim, ainda que as tensões trazidas por referida prática tenham grandes reflexos jurídicos é necessário proteger a criança indígena sem violar a identidade cultural desses povos. Nesse contexto presencia-se a necessidade da discussão da cultura e a aplicação da teoria diatópica e dos Direitos Humanos em consonância mútua.

Para tanto, todos esses conflitos passarão pela observação integrada do Direito Constitucional, dos Direitos Humanos, do Direito Penal, da Hermenêutica e tantas outras áreas da Sociologia Jurídica, uma vez que o infanticídio indígena favorece conflitos de ordem jurídica, haja vista ser uma prática cultural inserida no ordena-mento dos índios gerando o fenômeno social do Pluralismo Jurídico e a ebulição das disputas entre os ordenamentos indígena e estatal (informal e formal), além de violar Direitos Humanos.

Objetiva-se, no presente estudo, analisar a vida humana sob uma perspectiva social, cultural e jurídica, aplicando os resultados desta análise ao infanticídio indígena. Ademais, chegar ao entendimento de que o infanticídio indígena não se justifica sob nenhuma das circunstancias apresentadas sejam elas jurídicas (Plura-lismo Jurídico e Direitos Humanos), sociológicas ou culturais. Visando esses aspec-tos, será utilizado como método do presente estudo o indutivo para a construção de uma visão analítica e crítica dos temas envolvidos, por intermédio da utilização de material bibliográfico, estatísticas e consulta a periódicos.

Vislumbra-se assim que o debate do infanticídio indígena tem relevância não somente jurídica, mas também social e cultural, haja vista que atualmente os povos indígenas representam um grupo minoritário muitas vezes esquecido. Em se tratando da criança indígena, evidenciada sua extrema vulnerabilidade, tem-se a urgência da mesma em receber amparo jurídico, social e cultural, sendo fundamental sua aceitação dentro da própria cultura a qual pertence.

2 O infanticídio indígena: conceito, origem e prática no Brasil

O infanticídio indígena pode ser definido como a prática de homicídio de crianças por inúmeros motivos que estão relacionados à vida em sociedade em algumas al-deias indígenas. Percebe-se que, os fatores principais a tal ocorrência são anomalias genéticas; deficiência física ou retardo mental; o nascimento de gêmeos1, de crianças 1 Em algumas culturas indígenas existe a crença de que um dos gêmeos é “o mal encarnado”,

que desperta a ira dos deuses, e o outro é de “alma boa”. Contudo, por nenhum dos índios pos-suir o poder de saber quem é quem, matam-se as duas crianças para não trazer sobre si a fúria dos deuses (CRUZ, 2010).

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Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana

do sexo indesejado ou concebidos extra matrimonialmente (por mães solteiras, adul-tério, estupro ou incesto); nascimento de crianças cujas mães não tenham condições de amamentá-las; controle populacional; falta de condições na tribo de abrigar um novo membro.2

Pode-se vislumbrar a triste realidade de que muitos casos de infanticídio indígena acontecem não por vontade unilateral da mãe do infante, mas devido à pressão psico-lógica, social e cultural pela qual estas mães têm de passar.3 A esse respeito, destaca-se que a decisão de matar índios recém-nascidos deriva de uma decisão coletiva.4

As maneiras de reproduzir a “herança” do infanticídio indígena consistem em sufocamento, envenenamento, abandono dos infantes nas matas para morrer por animais, pelo frio ou de fome, a recusa da amamentação para a posterior morte por inanição, o enforcamento, afogamento, a morte pelo uso de flechas e tantas outras formas mortais. Muitas vezes, a genitora “quando está prestes a dar à luz vai até a mata sozinha para ganhar a criança, momento que pode escolher em levar a criança de volta para tribo ou abandoná-la na mata. O recém-nascido é sufocado em folhas secas, enterrado vivo ou envenenado” (SILVA; MACHADO, 2014, p. 30).

Então, por que o fazem? O motivo atende pelo nome de cultura. Para os índios, a cultura tem um valor especial, pois é a partir dela que o ser se torna humano.5 Outro fator importante relacionado ao infanticídio indígena é a supervalorização do sexo masculino. Cita-se o exemplo dos suruwahá, cuja incidência maior dos ca-sos de infanticídio ocorre em crianças do sexo feminino. A organização social dos suruwahá protagoniza os homens, os quais detêm os poderes supremos da aldeia, tanto na família quanto nas questões sociais e políticas.

Nesse sentido, “os filhos homens são, do ponto de vista de ambos os sexos, um motivo de legítimo orgulho, de tal forma que a exigência de tê-los é, por vezes, sustentada quase como uma obrigação moral” (ADINOLFI, [s.d.], p. 18). Pode-se dizer que essa preferência não se dê tanto pelo machismo, mas esteja mais ligada à ideia de utilidade, devido a subsistência desses povos depender em maior escala do sexo masculino.6

2 Em tal perspectiva: Segundo a tradição, existe a preferência de que o primeiro filho seja do sexo masculino. Se nascer uma menina a mãe a sacrifica, para poder engravidar mais rápido, pois caso fique com a criança deve cuidar dela até os três anos de idade, ensinando as tradições da comunidade indígena e principalmente dando os cuidados básicos para que seja uma criança saudável (SILVA; MACHADO, 2014, p. 31).

3 Um exemplo disso é o caso da índia Muwaji, que se negou a matar sua filha Iganini (com para-lisia cerebral). Ao enfrentar essa ordem, teve que abandonar sua comunidade indígena.

4 Em alguns casos, a mãe, por conhecer sua cultura e “seu dever social”, sabe que seu filho, ao nascer, deve ser imediatamente morto por ela para que não se formem laços afetivos entre eles. Quanto mais tempo a criança e sua genitora conviverem, mais difícil é cumprir essa respon-sabilidade social. Este é o momento em que “há grande relutância das mães em entregar suas crianças ao ritual, ficando claro que os sentimentos de amor materno, compaixão e respeito à vida estão presentes em qualquer organização social humana, independente de raça, cor, etnia ou religião” (ESTEVES, 2012, p. 14).

5 Observa-se assim que, os índios que submissos à sua tradição praticam o infanticídio, mesmo contra sua vontade pessoal, “[...] sofrem e muitas vezes acabam cometendo suicídio por não suportarem a pressão emocional que lhes sobrevém. Isso permite entender que tal prática os entristece, deprime e até os adoece” (CAMACHO, 2011, p. 45).

6 Nesse sentido: “nos casos da tribo suruwahá, ocorre o fenômeno do infanticídio feminino, pois a tribo é composta por uma sociedade patriarcal e sexista. Crianças do sexo feminino podem ter status inferior, assim como as portadoras de deficiência física ou filhas de mães solteiras. Nesse caso o infanticídio feminino é uma resposta da tribo, por considerar inaceitável o nascimento de uma crian-ça sem pai. No entanto, se essa criança for um menino, sua vida pode ser poupada, em a favor da utilidade que poderá apresentar à comunidade nos trabalhos coletivos” (ESTEVES, 2012, p. 15).

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D. de M. dos Santos, H. Kujawa

Independentemente de quais forem as justificativas, o infanticídio gira em torno de um tema central: a vida. Durante muitos anos a vida teve tratamento diferente do atual – visto como direito fundamental. Por muito tempo a lei outorgava poder de decisão sobre a vida ou morte de alguém a um terceiro. Percebe-se que a vida não era vista como um direito personalíssimo.7 Portanto, o infanticídio não era um ato exclusivo dos povos indígenas, ao contrário do que muitos pensam. Sociedades com instrumentos de Direito muito avançados também cometiam esses atos.

Vê-se assim que “em geral há uma tendência de associação direta do infanticí-dio com ‘práticas tradicionais nocivas’ próprias de povos considerados ‘primitivos e selvagens’ que não guardam vínculo algum com as tradicionais culturas europeias.” Atribuiu-se, de forma equivocada, a ideia de que a prática de infanticídio seria exclusi-vamente indígena. Isso comprova-se “nas pesquisas de demografia histórica hoje exis-tentes é possível constatar que a maioria das crianças abandonadas durante o período colonial e imperial era de cor branca, seguida da parda e negra” (FEITOSA, 2012, p. 2).

Essa é uma concepção errada, passada de geração em geração, sendo que até hoje muitos pensam sob esse fundamento, gerando um grande preconceito cultural quando, na verdade, havia a aceitação desse ato até mesmo na cultura europeia.8A prática do infanticídio é milenar, estando presente em diversas sociedades subme-tidas à variados tipos de ordenamentos. Não se sabe ao certo como foi introduzido o infanticídio na cultura indígena, mas o que se pode observar é que não é uma prática exclusiva dos povos indígenas.

2.1 A concepção indígena sobre a vida

Alguns povos indígenas entendem a vida humana de forma diferente dos não índios. Para eles a vida humana não significa vida biológica, mas começa quando um ser humano passa a ter “vida cultural”, ou seja, mesmo com o nascimento, um ser só passa a ser humano no momento que ele é integrado à sua cultura, ou seja, há um elemento cultural que fará a transposição do simplesmente “ser” para o ser humano.9 Por esta razão, para alguns índios, depois de constatadas as deficiências,

7 Voltando-se no tempo, observam-se exemplos em vários períodos históricos: “no Período Ro-mano, o fato da mãe causar a morte do próprio filho era equiparado ao parricídio [...]. Se fosse o pai, o causador da morte do próprio filho, não incorria em delito [...]”, pois este possuía o poder de exercer a vida ou a morte de seu filho. Já “ no Direito Germânico admitia-se a ideia de infanticídio somente quando o filho era morto pelas mãos de sua própria mãe” (SOARES; PAVARINA, [s.d.], p. 1-2).

8 Nesse sentido, Feitosa afirma: “Na civilização greco-romana havia uma generalização consen-tida do infanticídio, chegando inclusive a ser justificado por Platão na sua obra A República (5.460c) e recomendado por Aristóteles na Política (I,1335b). O primeiro, alegando questões de ordem econômica - impossibilidade dos pais sustentarem a criança - e o segundo, por conside-rar inviável a sobrevivência dos neonatos portadores de deficiência física” (FEITOSA, 2012, p. 2).

9 Em razão disso, criou-se a nomenclatura “interditos de vida” ao invés de “infanticídio indígena”. Muito embora, seja possível observar que a designação “infanticídio indígena” não seja de todo adequada, optou-se no presente estudo por adotá-la pelos motivos de: a) acreditar ser o termo mais próximo para traduzir a prática do homicídio de crianças indígenas; b) fins didáticos; c) dita prática ser mais popularmente conhecida dessa forma, facilitando a leitura e o entendi-mento do leitor; d) concordância com o argumento de que a vida humana inicia-se a partir do momento em que há vida biológica e que, portanto, deve ser protegida desde sua concepção.

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Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana

a morte não se constitui algo imoral,10 pois ainda não há vida para ser retirada.11 Por outro lado, observa-se que o infanticídio indígena não é uma simples visão

cultural discriminatória. Não é o simples e puro fato de uma criança ser diferente (física ou mentalmente) motivo para ser morta. É a soma de todo um conjunto: a realidade vivida dentro das aldeias, a necessidade de sobrevivência falando mais alto, a pressão social, a falta de acesso à saúde, falta de informação para lidar com as diferenças, a religiosidade, o sexismo.12

Ademais, existe entre os índios um fator determinante na cessação da vida: a visão da coletividade. A vida, em muitos casos de infanticídio, tem valor menor do que o bem estar coletivo e da pressão social, porque se não se obedece a decisão do grupo, o índio é excluído da sua comunidade ou segue vivendo ali, mas é tratado diferentemente, tornando-se dessocializado.13

Um elemento extremamente importante na visão indígena da vida, que se liga à falta de acesso à saúde e informação, é quando percebe-se o sofrimento que será passado pelas crianças com alguma deficiência e se mensuram as condições mí-nimas de cuidados e a baixa qualidade de vida, opta-se pela interrupção da vida como um ato altruísta de amor. Dessa forma, atente-se para o depoimento de Sil-via Waiãpi: “o infanticídio não é um ato cruel. Era um ato de amor. Amor e deses-pero. Porque você não quer que um filho seu continue sofrendo. Você quer que ele sobreviva, mas não, se não há como [...]” (PROJETO LUZ E VIDA, 2014 ).

Portanto, os índios olham para a vida sob os seguintes aspectos: a. a cultura condiciona o início da vida do ser humano; b. se praticado o infanticídio antes dos ritos da integração social dos nascentes não é

considerado homicídio; c. se praticado o infanticídio após a interação cultural da criança com sua comunidade,

pode ser justificado pelo bem comum; d. o bem estar da tribo é mais importante que o bem estar individual; e. a vida ganha sentido de utilidade quando presentes situações de necessidades comuns

a todos os membros da comunidade;

10 Muitos pesquisadores, dentre eles Saulo Ferreira Feitosa, afirmam que “para que haja o infan-ticídio, é preciso que haja nascimento. Infanticídio é uma categoria da sociedade branca que se refere ao ato de matar uma criança”, [...], os eventos que ocorrem entre os povos indígenas não podem ser equiparados ao que acontece na sociedade ocidental. “O que acontece nas comuni-dades indígenas são ‘interditos de vida’ antes que o nascimento ocorra, já que o nascimento em alguns povos é cultural”, explica. Para algumas comunidades, o fato de nascer biologicamente não significa ter nascido. “Para o indígena, o nascimento não é biológico, é social”, [...] o ato de nascer não está vinculado ao parto. Logo, não se pode considerar o interdito como morte (UNIVERSIDADE FEDERAL DE BRASÍLIA, 2010).

11 Corroborando com essa ideia, temos a posição de Peter Singer: “inúmeros autores, incluindo Peter Singer, reconhecem que um dos fatores que distinguem as pessoas dos demais seres vivos é a possibilidade de terem uma biografia, uma história social” (GOLDIM, 2013, [s.p]). Essa possibilidade é que define a natureza humana de cada pessoa. Realmente é um posicionamento muito parecido com o pensamento indígena.

12 A palavra sexismo utiliza-se nesta pesquisa para atribuir-se o termo de supervalorização social e cultural de um determinado sexo. Neste caso em específico, fala-se na supervalorização mas-culina, pois, grande parte das comunidades indígenas protagonizam os homens em sua cultura e organização social.

13 Toma-se como exemplo os Amundawa e Urueu-Wau-Wau: entre eles o dever de matar o recém--nascido que não tem aceitação social em sua tribo por não se encaixar nos padrões culturais é da mãe. A realidade vivida por ela para cumprir seu papel feminino dentro da aldeia é uma mistura de sentimentos maternos com o dever de “afirmar a tradição de seus povos”. Para essas culturas o infanticídio “é reafirmar suas identidades como mulheres [...] são culturalmente, socialmente coagidas a agir dessa forma para afirmar seu pertencimento e sua identidade” (ADINOLFI, 2008, p. 15).

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D. de M. dos Santos, H. Kujawa

f. a vida tem seu valor subjugado ao bem estar coletivo quando a partir dela é ameaçada a convivência social e a organização interna da comunidade pela quebra dos padrões estabelecidos;

g. em algumas comunidades indígenas, o infanticídio representa a autoafirmação cul-tural perante o grupo e a vida tem valor inferior;

h. a cessação da vida também está ligada a um ato de amor.

2.2 O quadro controverso do Brasil: os casos reais de infanticídio indígena

Quando o assunto é infanticídio indígena, não há dados oficiais, já que também nunca foi realizado um estudo específico. As informações que circulam provêm principalmente de ONGs que são favoráveis a maior proteção da criança indígena. Afirma-se que o infanticídio é presente em pelo menos 13 etnias indígenas, pela Fundação Nacional de Saúde (REVISTA GLOBO, 2014), mas esse número pode ser bem maior. Tem-se conhecimento que o infanticídio é praticado entre os uaiuai, bororo, mehinaco, tapirapé, ticuna, amondaua, uru-eu-uau-uau, suruwaha, deni, jarawara, jaminawa, waurá, kuikuro, kamayurá, parintintin, yanomami, paracanã e kajabi (HAKANI, 2008).

Embora muitos afirmem que o infanticídio já foi abolido entre os índios, exis-tem casos reais relatados que demonstram que o infanticídio ainda é um fato bem presente. O quadro do Brasil não é muito animador: “só os ianomâmis, entre 2004 e 2006, mataram 201 crianças. Os kamaiurás, a tribo de Amalé e Kamiru, matam entre 20 e 30 por ano. Mesmo índios mais próximos dos brancos ainda praticam o infanticídio” (FERNANDES, 2011).

Outro dado importante que demonstra que o infanticídio existe na população indígena é a alta taxa de mortalidade. O Censo Demográfico de 2000, realizado pelo IBGE constatou que “para cada mil crianças indígenas nascidas vivas, 51,4 morreram antes de completar um ano de vida, enquanto no mesmo período, a população não--indígena apresentou taxa de mortalidade de 22,9 crianças por cada mil.” Verifi-cou-se assim que a taxa de mortalidade infantil entre a população indígena e a não indígena registrava diferença de 124%. (HAKANI, 2008).

Apresenta-se como o maior índice do infanticídio indígena no Brasil o Estado de Roraima, que simboliza o ápice da falha do país na tutela dos Direitos Humanos, mesmo sendo um Estado Democrático de Direito. Em Roraima, localiza-se a cidade mais violenta do Brasil, Caracaraí. Considera-se impressionante o número de mor-tes de crianças indígenas para a quantidade de homicídios: “de acordo com o último Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, em um ano, 42 pessoas foram assas-sinadas por lá. Entre elas, 37 índios, todos recém-nascidos, mortos pelas próprias mães, pouco depois do primeiro choro” (REVISTA GLOBO, 2014). Além disso, em Roraima foram registradas, no período de dois anos, nas cidades de Barcelos, Cara-caraí e Alto Alegre, a morte de 96 índios com até seis dias de idade. Esses dados são do Mapa da Violência de 2015 (TOLEDO, 2015).

No Parque do Xingu, pelo menos 30 crianças são mortas anualmente (HAKANI, 2008). Pode-se muito oportunamente citar o ocorrido com uma índia de 21 anos em Caracaraí, Roraima, que deu à luz seu filho, mas o menino tinha na perna uma má formação. A jovem sabia o destino do bebê, mas consultou sua tribo. O recém-nas-cido sequer conseguiu mamar, porque fora submetido a um ritual – o queimaram vivo, fizeram um mingau de suas cinzas e o deram a todos os índios da tribo. A

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mãe diz ter ficado triste, porém compreendeu que isso fazia parte de sua tradição (TOLEDO, 2015).

Estes são apenas alguns de muitos casos de infanticídio.14 Pela interferência de terceiros ou de índios que se encorajam a assumir uma posição contrária diante de sua tribo, alguns são evitados, mas, na maioria das vezes, o infanticídio acaba ocorrendo, não por crueldade dos índios, mas porque a cultura os fez ter tradições e princípios arraigados neles há séculos. Assim, a vida é valorada em menor escala.

2.3 Infanticídio indígena: um ato não criminoso

No Código Penal Brasileiro, o infanticídio consiste no homicídio de uma criança por ação de sua mãe. Disciplina o referido diploma legal no artigo 123, a respeito do infanticídio: “matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.

Os principais requisitos para se constituir o infanticídio é ser ele cometido pela própria mãe da criança (ou por terceiro, com o consentimento desta) e sob o estado puerperal. 15 Conforme estes quesitos, o infanticídio indígena não poderia ser tipifi-cado no artigo 123 do Código Penal, por uma série de particularidades. A primeira delas é que o infanticídio indígena não é motivado pelo estado puerperal, mas por questões culturais. Os conflitos são culturais e coletivos e não de ordem pessoal.16 Nessa situação, a morte da criança é questão de sobrevivência sociocultural.

A segunda, se refere aos sujeitos que praticam o infanticídio. No caso dos índios, não é exclusivamente a mãe que retira a vida do filho, essa conduta pode ser reali-zada pelos avós, pelo pai, irmãos, cacique, pajé e outros. Na maioria das vezes, o in-fanticídio indígena sequer é consentido pela mãe17. A terceira relaciona-se ao lapso temporal que o Código Penal estabelece, entretanto, o infanticídio indígena ocorre também depois de um longo tempo após o parto.18 14 Dentro das tentativas de infanticídio está o famoso caso de Hakani, que inclusive fez surgir o

movimento “Hakani – uma voz pela vida” e a ONG ATINI. Hakani nasceu na etnia suruwahá em 1995. Aos dois anos percebeu-se que não conseguira desenvolver suas capacidades moto-ras e de fala. A imensa pressão social sofrida pelos pais de Hakani os incentivou a cometerem suicídio para, assim, tentar salvar sua filha assumindo seu lugar. Mas não houve êxito nessa tentativa: foi incumbido ao avô de Hakani matá-la, pois era o membro mais velho da tribo. Ele atentou contra a vida dela com uma flechada, mas ela sobreviveu. Culpado pelo seu ato, ingeriu veneno e suicidou-se. A reação coletiva foi a de isolar Hakani por ser amaldiçoada e, assim, ela viveu durante 3 anos até que um dos seus irmãos a entregou a missionários que conviviam com seu povo. Depois disso Hakani pode receber tratamento médico. Hoje ela é uma criança sadia (ESTEVES, 2012, p. 15).

15 A esse respeito, André Estefam afirma: “é preciso entender, contudo, que o infanticídio defini-do no art. 123 do nosso código Penal não abrange qualquer ato consistente na supressão da vida de recém-nascido. Pelo contrário, cuida-se de crime próprio (só a mãe pode praticá-lo) que, em função do estado fisiopsíquico (“influência do estado puerperal”) alterado da gestante, torna-a merecedora de uma pena mais branda” (ESTEFAM, 2012, p. 144). O estado puerperal consiste na alteração psíquica da mulher de maneira tal que a mãe sinta o desejo de tirar a vida de seu próprio filho. Nessa situação, verifica-se que o grau de perturbação é elevado, mas não perma-nente, assim, “consubstancia-se numa perturbação mental transitória, causadora de excitação ou delírio na parturiente” (ESTEFAM, 2012, p. 145).

16 Por ordem pessoal leia-se problemas biológicos, físicos e psíquicos da mãe. 17 No infanticídio tradicional para haver a figura de um terceiro sujeito como participante do

crime no infanticídio tipificado no Código Penal tem que existir a vontade conjunta da mãe, do contrário será homicídio.

18 Alguns casos de infanticídio ocorreram dois anos depois do nascimento (como a história de Hakani, por exemplo) outros até mais do que isso, pois estes casos de infanticídio tardio entre os índios foram adiados por eles não haverem percebido certas deficiências físicas no momento do nascimento, manifestadas anos mais tarde.

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Portanto, não há qualquer meio de se tipificar a prática dos índios da cessação da vida como crime, uma vez que, para uma conduta ser crime, deve ser um “fato típi-co, ilícito e culpável” (FERREIRA, 2008). Por esses motivos, reitera-se a necessidade do entendimento claro de que o infanticídio indígena não é crime, é uma prática cultural. Conquanto prática cultural em desacordo com o ordenamento positivo pátrio revela-se um desafio na coexistência de culturas divergentes. Esse desafio decorre da constatação de que a cultura é um elemento central na construção da so-ciedade e que, por sua vez, a sociedade necessita de ordenamentos para manter a sua ordem. Logo, a cultura forma tanto as identidades sociais quanto os ordenamentos que as regem.

3 A cultura na formação da identidade social e no sistema normativo vigente

Uma das similaridades que podem ser destacadas na sociedade e nos sistemas normativos é a cultura. Cada sociedade, seja ela majoritária ou minoritária (indíge-na) dependerá de sua cultura para determinar parâmetros das ações das pessoas que a formam. Esses parâmetros se traduzem por ordenamentos, independentemente de serem positivados ou não, e se limitam aos padrões culturais de cada grupo social.

Ao mesmo tempo, a cultura, enquanto formadora de identidades sociais, forma-rá os sistemas normativos estabelecidos nas organizações sociais. O fato se comple-xifica quando num mesmo país existem múltiplas identidades sociais e múltiplos ordenamentos sob a jurisdição de um instrumento maior: a Constituição Federal, amplamente fundamentada nos Direitos Humanos.

O Pluralismo Jurídico é consequência da pluralidade cultural brasileira talha-da pelas inúmeras mudanças sociais dos processos históricos sofridos pelo Brasil. Entretanto, o infanticídio indígena não apresenta controversa ao sistema jurídico pátrio unicamente quanto ao Pluralismo Jurídico. Existe também a violação dos Direitos humanos que protegem o direito à vida como direito fundamental.

Nessa perspectiva, presencia-se a figura de ordenamentos internos paraestatais, criados conforme a necessidade social de cada grupo e também para assegurar a organização social e política destes, pois o Direito Estatal não é o único instrumento jurídico utilizado pelos mesmos para manter e reger as suas relações internas. Daí decorre o Pluralismo Jurídico como resultado de uma sociedade dividida pelas di-ferenças étnicas e culturais.19

Num enfoque nacional sobre multiculturalismo, observa-se que a pluralidade cultural forma no Brasil um número incontável de culturas, fazendo com que a mis-tura desses traços “lhe imprim[a] configuração própria. O padrão brasileiro é o mes-tiço, resultado da mistura não apenas de etnias, mas também de culturas” (ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 42).

19 Nesse sentido, Alfredo Bosi declara: “Da cultura brasileira já houve quem a julgasse ou a qui-sesse unitária, coesa, cabalmente definida por esta ou aquela qualidade mestra. E há também quem pretenda extrair dessa hipotética unidade a expressão de uma identidade nacional. Ocor-re, porém, que não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamen-tos e dos nossos discursos. Ao contrário: a admissão do seu caráter plural é um passo decisivo para compreendê-la como um “efeito de sentido”, resultado de um processo de múltiplas inte-rações e oposições no tempo e no espaço” (BOSI, 2004, p. 7).

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Por conseguinte, reconhece-se que a sociedade é integrada por grupos étnicos distintos, contudo, qual é a conexão disso com o Pluralismo Jurídico? Num primeiro momento, é imprescindível a clareza do significado desse fenômeno. Sinteticamen-te, define-se como a coexistência de dois ou mais ordenamentos jurídicos, em outras palavras, “o pluralismo jurídico pressupõe a existência de mais de um direito ou ordem normativa no mesmo espaço geográfico” (ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 50).

Seguindo nessa lógica de que Direito tem relação profunda com cultura, o Plura-lismo Jurídico é a mescla de diversidade cultural e sistemas normativos (ordenamento estatal e ordenamento indígena). Por esse ângulo, às diferenças normativas dá-se o nome de Pluralismo Jurídico pela compreensão de “[...] que a vida humana é cons-tituída por seres, objetos, valores, verdades, interesses e aspirações marcadas pela essência da diversidade, fragmentação, circunstancialidade, temporalidade, fluidez e conflituosidade” (WOLKMER, 2001, p. 172).

A ideia central do pluralismo desenrola-se a partir de ordenamentos múltiplos e do reconhecimento de que não existe apenas o direito estatal.20 Portanto, a plura-lidade significa que as diversas organizações sociais21, cada uma com seus instru-mentos legais informais “indicam a existência de vários códigos em uma mesma sociedade” (MALISKA, 2000, p. 35). Não se limita afirmar que o pluralismo equi-vale somente a sistemas jurídicos múltiplos, mas um conjunto de sistemas jurídicos múltiplos formados a partir das diversidades culturais emergentes22, que criam va-riações na aplicação do Direito condicionadas às características imanentes do grupo ao que se destina este último.23

A partir desses fatores sociais, o Direito não deve somente ser compreendido “à concepção de uma instância judicial”, mas sim, pela percepção da “existência de Direitos paralelos ao estatal” (MALISKA, 2000, p. 34). Percebe-se, assim, que o pluralismo possui uma enorme carga de complexidade. Abarca desde as diferenças sociológicas e políticas, até o nível mais íntimo e particular de um povo: suas con-cepções, seus elementos constitutivos, suas peculiaridades, sua individualidade. A fragmentação de uma sociedade em grupos é a consequência inevitável provocada por referido fenômeno social.

3.1 A Constituição Federal de 1988 como ápice do Pluralismo Jurídico

Até o momento verificou-se que o Brasil, por pluralidades culturais, também possui ordenamentos múltiplos24. Essa disputa de poderes é traduzida pela ambi-20 A “teoria estatalista do direito [...] considera apenas o direito estatal, e identifica o âmbito do

direito com o do Estado” (BOBBIO, 1992, p. 30). Rompendo com esse entendimento, a teoria institucionalista reconhece também por ordenamentos os paraestatais.

21 O pluralismo jurídico pode ser entendido também a partir da teoria institucionalista, sendo a qual todo grupo humano que se organiza a partir de um direito próprio é uma instituição, ou seja, um ordenamento jurídico. Quanto mais agrupamentos sociais houverem num país, mais ordenamentos haverão e maior será o pluralismo jurídico. Assim: “dizemos que um grupo social se institucionaliza quando cria a própria organização, e através dela se torna, [...] um ordenamento jurídico” (BOBBIO, 1992, p. 30).

22 A cultura emergente será explicada pormenorizadamente no item 4.2.23 Assim, ainda que dentro de uma mesma nação, podem existir vários direitos aplicados de uma

maneira na comunidade indígena e de outra maneira na sociedade estatal. Assim, “o pluralismo, enquanto ‘multiplicidade dos possíveis’, provém não só da extensão dos conteúdos ideológicos, dos horizontes sociais e econômicos, mas, sobretudo, das situações de vida e da diversidade de culturas” (ANSART, 1978, p. 263).

24 Tema referente ao pluralismo jurídico. Neste caso em específico, fala-se do ordenamento positivado nas normas jurídicas materiais e do ordenamento interno regido pelas normas sociais indígenas.

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guidade da disposição de cada ordenamento que, por muitas vezes, contradizem-se. Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, exerce três importantes funções oriundas de seu poder tripartido: a função executiva - executar as leis; função le-gislativa - “gerar as leis que, com a Constituição, compõe a ordem jurídica”; e, a função judiciária - “aplica a lei (norma hipotética) ao fato (caso concreto) que lhe é submetido” (CENEVIVA, 2003, p. 47).

Nesse viés, faz-se um parêntesis para algumas considerações importantes: é pos-sível a verificação de que o infanticídio indígena causa alguns contrapontos, não so-mente quanto aos direitos fundamentais isoladamente, mas também, na sua inter--relação com o poder tripartido do Estado. Em primeiro lugar, no Executivo, devido a execução do ordenamento positivado que duela com o ordenamento interno das comunidades indígenas. Em segundo lugar, no Legislativo, quanto à necessidade ou não de elaboração de leis específicas que disponham sobre o infanticídio indígena. E, em terceiro lugar, no Judiciário: frente a aplicação do Direito nos casos de infan-ticídio indígena que venham a ser judicializados: como se procederá havendo Plu-ralismo Jurídico? Haverá arbitrariedade do Estado impondo o ordenamento formal ou a inércia deste ao reconhecer o ordenamento tradicional dos povos indígenas que cometem referida prática?25

Fecha-se esse parêntesis para o prosseguimento do presente. Que a Constituição de 1988 é aquela que mais abraçou os direitos fundamentais e, em âmbito inter-nacional os Direitos Humanos, não há dúvidas, mas o problema se concentra na aplicação dos direitos fundamentais em casos extremamente específicos, como no caso do infanticídio indígena. Para a melhor compreensão disso, é necessário verifi-car quais são as disposições constitucionais que tornaram a Constituição Federal a expressão máxima do pluralismo jurídico.

A Constituição Federal dispõe no artigo 5º caput a “[...] inviolabilidade do direito à vida, à liberdade”, no artigo 227 o dever de se assegurar “[...] à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade o direito à vida” e no artigo 231 reconhece “[...] a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” dos índios. Assim, é pos-sível enxergar em primeiro lugar o Pluralismo Jurídico dentro do próprio ordenamen-to estatal advindo do conflito interno dessas normas. Tanto a Constituição assegura o direito à vida às crianças indígenas, como outorga aos índios o poder de decisão de vida ou morte das mesmas - um grande problema normativo. Quando forem aplicados esses direitos, quais deles a Constituição irá tutelar? Em segundo lugar, observa-se o Pluralismo Jurídico entre os sistemas normativos. Ao reconhecer a organização social dos índios, a Constituição Federal reconhece o ordenamento interno indígena. Logo, também reconhece a independência de gestão para manter essa organização social.

Além disso, a Constituição Federal traz importantes considerações sobre o direito à cultura. O artigo 215 dispõe:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro--brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. (BRASIL, 2016, grifo nosso).

25 Tais perguntas foram suscitadas com o objetivo puramente didático para levar o leitor a uma reflexão profunda sobre o tema a partir do conteúdo integral apresentado neste estudo.

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A Constituição Federal assegura o pleno exercício de direitos culturais, uma vez que o Estado garante a todos o pleno exercício de direitos culturais, isso abrange também as práticas ou manifestações culturais que, por sua vez englobam costumes e tradições. Se esse exercício dos direitos culturais é pleno, pode ser interpretado que o infanticídio indígena é uma prática que pode ser praticada pelos índios sem implicar em crime.

Dessa forma, o Pluralismo Jurídico chega ao auge, porque é a própria Constitui-ção que implicitamente confere a legitimidade da multiplicidade de ordenamentos26. Ademais, outra consequência das já aludidas disposições constitucionais é a descen-tralização do poder estatal, havendo o empoderamento das sociedades indígenas.27

Por outro lado, percebe-se que os povos indígenas possuem um sistema organi-zacional próprio e, embora quase que na totalidade seus direitos estejam previstos no texto constitucional, (direito formal), no tocante ao infanticídio indígena tem-se levantado inúmeros conflitos, já que não há o consenso de como solucionar a con-traposição do direito estatal com o direito existente nas comunidades indígenas.

Tais povos vivem sob a égide de um sistema de leis que lhe é estranho, como que se fossem “um peixe fora d agua” e isso faz com que, muitas vezes, não tenham identidade jurídica. A difícil integração às normas legais, seja por responsabilidade do Estado ou pelos próprios povos indígenas que tem resistência para modificar sua cultura, faz com que as disputas entre ordenamentos internos e o sistema jurídico positivado em lei sejam cada vez mais acirradas. Nesse sentido continua Souza Filho:

Quando pensamos em sociedades inteiras que estão fora dos sistemas jurídicos nacio-nais que se regem por suas próprias leis, temos que reconhecer que aquela universalida-de criada pela Constituição impositiva é parcial, porque não alcança toda a população, mas somente a que está integrada, ainda que de forma relativa, ao sistema. E o que fazer com esta outra ou outras sociedades que vivem à margem do Estado e da Constituição, representadas especialmente pelos povos indígenas? (SOUZA FILHO, 2009, p. 194).

A Constituição Federal ao dispor sobre o direito à vida e à cultura em contra-ponto com as disposições culturais e de justiça internas dos indígenas, reafirmou a diferença dos ordenamentos. Contudo, a proteção dos direitos à vida e ao pleno exercício da cultura era e é necessária para a não violação dos mesmos. De igual modo, o reconhecimento da cultura indígena era e é imprescindível para a não vio-lação dos povos indígenas (marcados historicamente pelas inúmeras violações que sofreram ao longo do tempo). Diante disso, o Pluralismo Jurídico provoca a neces-sidade do entendimento de que, muito embora os conflitos entre os ordenamentos sejam latentes, há que se ter presente o respeito entre as culturas e que a proteção constitucional é para todos.

26 Nesse sentido, “Ao ser assim, a Constituição abre as portas para o reconhecimento da jurisdição indígena, quer dizer ao reconhecimento das normas internas que regem as sociedades indí-genas e os processos pelos quais se decidem os conflitos por ventura ocorrentes. Mais alguns passos e os povos indígenas poderão, em seus idiomas tradicionais, exercer entre seus membros seu direito tradicional. Como passo final há de ser reconhecido inteiramente o direito de asilo àqueles que não concordarem com as normas aplicáveis” (SOUZA FILHO, 2009, p. 162).

27 Com relação a isso: “o conceito de empoderamento assemelha-se com o de autonomia, pois se refere à capacidade dos indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre várias formas de agir em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo, trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas” (BONELLA, 2011).

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Por essa razão, apenas a proteção constitucional não basta para a solução das tensões levantadas pelo pluralismo jurídico. É necessária a proteção dos direitos culturais por meio da efetivação dos Direitos Humanos, resultando na igualdade mesmo perante as diferenças e nas diversidades dentro da igualdade. Para tanto, é necessária a concepção dos Direitos Humanos de maneira universal, mas condi-cionados às especificidades, ou seja, aplicar a igualdade mesmo diante das plurali-dades, partindo da percepção de que o pluralismo não representa necessariamente algo negativo, podendo ser visto como a oportunidade de harmonização da convi-vência das diferenças, sendo este um pressuposto essencial para a efetiva e correta interpretação e aplicação dos Direitos Humanos.

3.2 Direitos Humanos: os dilemas entre a universalidade e a especificidade cultural

Uma das características centrais dos Direitos Humanos em sua forma contempo-rânea é serem eles fundamentados na indivisibilidade e na universalidade.28 Ocorre que, tendo caráter universal quando é presente uma situação de especificidade – aqui falando especialmente de cultura - como pode ser aplicada a universalidade em detrimento da especificidade sem a padronização cultural (pois violaria direitos fundamentais)? Se os Direitos Humanos são universais, como é possível considerar as diferenças culturais?

Observa-se que uns dos fatores que influenciaram e muito a adoção de uma Constituição Federal que exala Direitos Humanos Fundamentais foram as seguidas violações aos índios (tradições, crenças, terras, integridade física, entre outras) e o esquecimento dos mesmos (saúde, educação, entre outros) e de sua participação na historicidade brasileira. Por esse motivo, adotou-se os Direitos Humanos de forma a dizer a todas as pessoas: “todos são iguais perante a lei”29 até mesmo os índios. Criaram-se artigos especificamente aplicados a eles (art. 215, 231, CF).

Nesse contexto, o problema reside no conflito da aplicação de normas pensadas para realidades transnacionais e não para realidades locais específicas: povos indí-genas. Nesse viés, há alguns problemas quando visa-se somente a universalidade. O Brasil, ao adotar os Direitos Humanos em todo o seu ordenamento, moldou-se a pensar dessa forma. Pensa-se sempre na maioria – o próprio sistema democrático é assim, a vontade da maioria do povo é o que se fará – mas se esquece de pensar no local, na minoria possuidora de crenças, tradições, costumes e, portanto, não con-segue adequar-se a um direito que não lhes representa.

Os povos indígenas têm características específicas, logo, terão ordenamentos internos específicos adequados às suas identidades culturais. Dito isso: é odioso

28 Nesse sentido, PIOVESAN afirma: “universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econô-micos, culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. Sob esta perspectiva integral, identificam-se dois impactos: a) a inter-relação e inter-dependência das diversas categorias de direitos humanos; e b) a paridade em grau de relevância de direitos sociais, econômicos e culturais e de direitos civis e políticos” (2012, p. 124).

29 Artigo 5º caput, Constituição Federal.

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ter especificidades? De modo algum, o que Santos (2001) assegura é que embora os Direitos Humanos sejam universais não se pode, a partir daí, padronizar a todos e aplicar esses direitos de forma absoluta, mas sim “reconceituá-los como multi-culturais” (p. 15), que nada mais é do que possibilitar o diálogo entre as culturas embasado no respeito as especificidades dentro da universalidade. As diversida-des culturais provenientes da sociedade multiforme criam corpo a uma série de conflitos. O não reconhecimento do multiculturalismo dentro de um país consi-derado mundialmente precisamente por sua multiculturalidade seria um grave retrocesso. Dessa forma, Santos (2001) defende que para lograr-se uma concepção multicultural de Direitos Humanos, não se pode simplesmente universalizar ou relativizar a cultura.

A cultura, portanto, é um direito universal, pois a própria Constituição assegura no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, ou seja, nenhum individuo, ou melhor, nenhum grupo social, pode ser discrimi-nado em razão da proteção universal do texto constitucional, entretanto, a própria Constituição discriminou30 os povos indígenas ao dispor no artigo 231: “são reco-nhecidos ao índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”. A Constituição Federal deu tratamento específico aos índios e assim tentou reequilibrar a equidade que lhes faltava.31

Esse é um exemplo claro da especificidade em razão das diversidades indígenas dentro de um direito universal. Também é possível enxergar que a igualdade (nesses casos particulares de culturas diferentes) nem sempre é alcançada pelo tratamento igual. A diferenciação positiva é necessária a fim de que, ao restabelecer-se o equi-líbrio equiparando os povos minoritários ao da cultura dominante (equidade), seja alcançada a igualdade. Isso se aplica aos povos indígenas. Portanto, é necessário en-xergar a igualdade e a especificidade como direitos que se complementam, pois, em-bora exista a premissa “todos são iguais perante a lei”, ao considerar-se cada cultura, se verificará que cada grupo apresenta formas especificas de expressão cultural. Des-sa forma, há de se entender que se uma sociedade permanecer sempre composta de grupos sociais distintos, o Direito nunca poderá ser aplicado de maneira uniforme, pois isso implicaria na violação do próprio artigo 5º da Constituição Federal. Aplicar o Direito de maneira específica aos índios não representa injustiça para nenhum dos lados (sociedade indígena versus sociedade estatal). O Direito, nesse caso, se aplica de forma igual aos iguais e específica aos grupos específicos, haja vista que “[...] as diferenças culturais intercedem direta e indiretamente nos direitos dos povos” (VILAS BOAS, 2012, p. 65).

Em decorrência disso, a igualdade não é um ideal simples de ser conquistado. O seu significado está preso à especificidade de cada cultura: se não houver a tu-tela da especificidade, haverá violação do direito à igualdade, por outro lado, a su-pervalorização da especificidade, implicará diretamente na violação do direito à igualdade e surgirá a desigualdade. A igualdade, portanto, clama o direito de não 30 Entenda-se “discriminou” como diferenciou e não atrelado ao significado de preconceito.31 Sobre a igualdade, VILAS BOAS declara: Sob esse mesmo viés, tratar do tema “igualdade”

diante da complexidade que envolve os povos indígenas, não se revela tão simples assim. Isto porque, a par do direito à igualdade, garantido constitucionalmente, existe a necessidade de se fazerem algumas distinções, pois existem diferenças naturais e culturais que precisam ser preservadas, sem que haja qualquer divisão entre seres ditos inferiores e superiores, portanto, por princípio e diante do ordenamento jurídico vigente, todos são iguais e assim devem ser tratados (2012, p. 53).

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ser discriminado, enquanto que a especificidade clama o direito de ser respeitado embora existam diferenças. É a liberdade de expressão cultural: a migração à cultura majoritária não é o requisito para o direito à igualdade.

Por fim, retomando a ideia inicial de Santos (2001), conclui-se que: a. a especificidade gera uma grande tensão na aplicabilidade dos Direitos Humanos em

caráter universal, entretanto é possível desde que respeitadas mutuamente a igualdade e a especificidade de cada etnia indígena;

b. o reconhecimento de culturas específicas dentro de culturas predominantes influi reco-nhecer o local no global; ou seja, reconhecer a organização social dos índios é reconhecer que os mesmos possuem também o poder de decisões internas (infanticídio indígena);

c. a aplicação do item retro leva ao multiculturalismo emancipatório, pelo qual se logrará uma concepção multicultural de Direitos Humanos;

d. a concepção multicultural de Direitos Humanos é fundamental para uma sociedade pluriétnica e para o respeito às tradições indígenas;

e. a concepção multicultural de Direitos Humanos somente é possível por meio do diálogo intercultural.32

4 O infanticídio indígena numa ótica jurídica e cultural: (in)justificativas da violação à vida

A vida e a cultura são direitos que fazem parte da dignidade da pessoa humana. São direitos tão essenciais que tutelam-se através do instrumento jurídico com mais força no ordenamento brasileiro: a Constituição Federal. Dessa forma, procura-se desenrolar elementos que serão analisados, podendo ou não se caracterizar como justificativas que legitimem a violação do direito à vida33, ou seja, será analisada a proteção da vida e o direito à cultura com base nos fundamentos constitucionais e demais legislações aplicáveis, mas sem se deixar de lado os fundamentos culturais, que são imprescindíveis, uma vez que o infanticídio indígena é uma prática cultural.

4.1 O infanticídio indígena sob uma análise constitucional

Em que pese não existir um artigo na Constituição que categoricamente dis-ponha sobre o infanticídio indígena, entende-se que a mesma protege a vida como um direito fundamental, sendo este imprescritível, irrenunciável e inviolável.34 Con-forme disposição do caput do artigo 5º da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros re-sidentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-rança e à propriedade” (grifo nosso).

Verifica-se, portanto, alguns direitos importantes para o tema em debate: a. igualdade formal: se todos têm o direito de manifestar-se culturalmente, os índios tam-

bém têm esse direito, contudo, isso não pode resultar na violação de direito fundamental; b. a inviolabilidade do direito à vida: ligado à ideia de igualdade, assegura que todos têm

o direito à não violação da vida, ou seja, a lei é clara ao dispor que não há diferenças possíveis que façam esse direito ser aplicado a alguns e às populações indígenas não;

32 O diálogo intercultural será retomado no final desta pesquisa, no item 4.4, após considerações so-bre cultura. Preferiu-se seguir essa ordem para melhor compreensão do leitor sobre a interligação de Direitos Humanos com a mesma.

33 Nesta pesquisa adotou-se a palavra “legitimação” no sentido social e cultural e não num senti-do atrelado ao Direito Penal como significado de ilegalidade.

34 Ver mais em Teoria geral dos direitos fundamentais, de João Trindade Cavalcante Filho.

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c. a liberdade: todos tem liberdade cultural e de crença. Todos possuem liberdade para manifestar-se culturalmente. Mas, isso legitima os índios a disporem ilimitadamente dessa liberdade para suas práticas culturais, mesmo que violem significativamente o direito fundamental à vida?

d. segurança: todos têm o direito de sentir confiança que nada e nem ninguém irá violar a sua integridade psíquica ou física. Mas as crianças indígenas possuem essa segurança? É preservada sua integridade psíquica quando são deixadas para morrer numa morte, muitas vezes cruel, lenta e dolorosa que causa sentimento de pavor à criança? Quanto mais a sua integridade física: não é ela diretamente atingida pela prática do infanticídio?

Observa-se, assim, que todos esses questionamentos perpassam por um tema em comum: o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Será que o direito à vida deve sempre estar em superioridade frente aos demais direitos? Existe dignida-de sem vida? Existe vida digna sem cultura? Primeiramente, para a resolução destes questionamentos deve-se indagar se o direito à vida é um direito absoluto. Então descobrir-se-á que “nenhum direito fundamental é absoluto [...] podem ser relati-vizados. [...] essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. E, [...] nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos” (SOUZA FILHO, [s.d.], p. 7).

Nessa perspectiva, o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, em que pese serem direitos básicos para a composição dos demais direitos, podem ser relativi-zados. Pode-se vislumbrar a dicotomia de garantir a “inviolabilidade do direito à vida”, mas aceitar em certos casos essa violação, no exemplo destacado da própria Constituição Federal e do Código Penal: pena de morte em caso de guerra35, ho-micídio em estado de necessidade36 ou legítima defesa37 e algumas circunstâncias excepcionais, o aborto38 (RIBAS, 2008).

Então, a violação do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa huma-na pela efetivação da cultura é legitima? A resposta é não, porque em primeiro lugar, a interpretação da Constituição Federal não permite essa atitude39 e, em segundo lugar, a efetivação da cultura indígena não depende da legitimação do infanticídio indígena. Desta maneira, ainda que se sustente juridicamente o infanticídio indíge-na legitimado pelo Pluralismo Jurídico, verifica-se que isso não é possível, mesmo a Constituição reconhecendo as pluralidades e mesmo que alguns povos indígenas tenham essa prática em seu ordenamento, pois a proteção da cultura indígena não reside na proteção da prática do infanticídio.

Assim, o direito à vida e o direito à cultura devem ser tutelados em concordância com o princípio da dignidade humana. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana não se traduz restritivamente a um conceito biológico de vida, mas, também, a uma vida biológica com condições sociais, culturais, morais e éticas de desenvolvimento,

35 Art. 5º, XLVII, a.36 Art, 24º, CP.37 Art. 25º, CP.38 Art. 128, I e II, CP.39 Veja-se pormenorizadamente: quando depara-se com o texto constitucional sabe-se que a in-

terpretação de cada direito não pode ser feita de forma isolada. Para tanto, existem princípios constitucionais que norteiam essa interpretação integrativa. “Logo, o direito à vida não pode ser visto isoladamente dentro de nosso ordenamento jurídico, mas analisado à luz dos princí-pios de interpretação constitucional, considerando-se a existência de diversos direitos funda-mentais, como o da dignidade da pessoa humana, o direito à integridade física e psíquica e a proibição de tratamento desumano ou degradante” (RIBAS, 2008).

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nas quais o sujeito se sinta valorizado e culturalmente aceito para que sua identidade sociocultural seja definida e essa definição lhe causa segurança social.

É por esse motivo que a cultura é tão importante e não existe vida digna sem cultura, porém, o direito à vida pressupõe a todo e qualquer direito. “A vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido” (DINIZ, 2002, p. 40). A vida é essencial no sentido de que somente começa a existência da dignidade da pessoa humana a partir dela.

Somando-se a isso, considera-se que, o direito à vida não é um direito absoluto, veja-se sua relativização no caput do artigo 231 da Constituição Federal, que assegura: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. O artigo 1º do mesmo instituto dispõe que o Brasil “constitui-se em Estado Demo-crático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana ”.

Dessa forma, a violação do direito à vida feriria consideravelmente a Constituição Federal, cujo ordenamento todo é fundamentado no princípio da dignidade humana40, pois afetaria diretamente a essência dos direitos fundamentais. O juiz que se dete-nha com uma questão como essa, deverá ponderar o limite da aplicação do direito à cultura de maneira que não venha a descaracterizar-se a dignidade da pessoa huma-na ao se legitimar o infanticídio indígena como prática cultural quando se invocar dito princípio.

Esta posição independe da concepção moral, ética e cultural indígena. Embora na cultura indígena, reiterando, os índios acreditem que o nascimento do ser hu-mano ocorre a partir do nascimento cultural e não do nascimento biológico, numa perspectiva constitucional, o infanticídio indígena não se justifica porque a prote-ção da vida começa desde a concepção e não a partir do momento em que um ser é culturalizado para se transformar em humano.

É “a partir da concepção, ou seja, ainda na fase embrionária o direito resguarda os direitos da vida por nascer, inclusive o de nascer”. A respeito disso, a Consti-tuição garante a proteção desde muito antes de um ser humano ter contato com a cultura, até mesmo antes de ele vir ao mundo e ter algum tipo de interação social, pois, “a personalidade é uma figura jurídica criada para aferir direitos ou obrigações à pessoa humana. Assim sendo, o embrião humano (concepto) tem personalidade jurídica, e, por isto, é amparado pela lei” (LAGO, [s.d.], p. 2).

Ademais, a proteção constitucional da criança está prevista no artigo 227, dis-pondo com absoluta prioridade o “direito à vida, [...], à cultura, à dignidade, ao res-peito, [...] e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Grifo nosso). Observa-se que todas as considerações constitucionais feitas são apre-sentadas como contraponto das disposições das normas internas indígenas. É aqui que o pluralismo se manifesta, mas, ainda assim, o infanticídio não se justifica.

40 O constituinte brasileiro de 1988 deixou claro que o Estado Democrático de Direito instituído tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), reconhecendo categorica-mente, tal como na Alemanha, que o Estado existe em função da pessoa humana, caracterizada como a finalidade precípua e não o meio da atividade estatal (RIBAS, 2008).

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4.2 O infanticídio indígena sob um olhar cultural - o diferente dentro do Estado regido pela universalidade da igualdade: culturalismo, diversidade cultural e tensões interétnicas no direito brasileiro

Ao falar-se em cultura, não há como não notar as complexidades que dela emana. Não seria equivocado dizer que talvez ela seja um dos estudos mais complexos e intermináveis na busca pela compreensão de porque, como, onde, por quem e para quem uma cultura é exatamente como é, contudo, (embora seu significado seja abrangente), é possível entendê-la como “um conjunto de elementos [...] sobre os quais os atores sociais constroem significados para as ações e interações sociais con-cretas e temporais, assim como sustentam as formas sociais vigentes, as instituições e seus modelos operativos.” (LANGDON; WIIK, 2010, p. 60).

Por isso os ordenamentos de cada sociedade se caracterizam por meio da sua cultura.41 É o que ocorre em algumas sociedades indígenas. Mesmo parecendo hor-rendo para pessoas de outras culturas o ato de matar crianças por problemas físicos ou mentais, para eles é um ato cultural que segue aquilo que acreditam ser moral. Partindo dessa compreensão de cultura, objetiva-se direcionar a pesquisa para o estudo da diversidade cultural, fundamentado na argumentação de Navarrete. Segundo o autor, as diversidades culturais podem ser primordiais ou emergentes.

O conceito central da diversidade cultural primordial está na defesa de que a pluralidade cultural decorre exclusivamente do processo de colonização e é “con-dição originária” de um “cenário prévio e imóvel em que se dão os processos his-tóricos de colonização e construção social” (NAVARRETE, 2008, p. 91). Em outras palavras, a diversidade primordial entende que as diferenças culturais são originá-rias dos grupos que foram submetidos ao processo de colonização. Embora tenham passado por tal processo, resistiram e mantiveram sua cultura originária, não per-mitindo a homogeneização pretendida pelos colonizadores.42 A pluralidade cultural existente contemporaneamente é aquilo que foi conservado apesar da interferência portuguesa nesses povos.

Adotar essa concepção é consentir que a cultura indígena é imutável, não pode nem ser influenciada e, por conseguinte, não influencia outra cultura; não existe troca cultural, muito menos espaço para o diálogo intercultural; se origina sob uma forma e assim permanece, estando estagnada em si mesma. Em síntese, pode ser reduzida a: originária e imutável. Por outro lado, a diversidade cultural emergente entende que a cultura é histórica e passível de modificação. Ela deriva da coloni-zação e da constituição do Estado, mas não isoladamente. Assim, não deve ser vista puramente como simples “continuação, ou um remanescente, das diferenças primordiais, e sim como fenômenos novos, que podem retomar elementos das

41 O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações mate-riais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica (SILVA; SILVA, 2006, p. 1).

42 Nesse sentido, Navarrete aponta que para os defensores da diversidade primordial: “[...] as di-versidades existentes hoje são o produto e a continuação desta diversidade primordial, ou seja, que aquilo que torna diferentes os ameríndios, os afro-americanos, os ocidentais e os grupos provenientes da África, Ásia ou Oriente Médio é o que eles conservam de suas origens particu-lares, enquanto que sua experiência colonial e nacional não teriam demonstrado mais do que a tendência de homogeneizá-los” (NAVARRETE, 2008, p. 91).

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diferenças previamente existentes, mas que lhes dão sentido e funções diferentes e novas” (NAVARRETE, 2008, p. 91).

Nesse viés, pode-se caracterizar a diversidade emergente em um processo cul-tural cambiante, que não nega sua ligação originária com a colonização e o período de formação do Estado, mas entende que passar por tal contexto social, permitiu a troca intercultural e, assim, cedeu espaço a novos elementos culturais, os quais não necessariamente fizeram desaparecer a cultura originária, apenas fizeram com que assumisse novas configurações. Manteve-se a essência cultural originária, porém com reformulações que, mesmo dando nova identidade à cultura primária não a descaracterizou. Assim, a diversidade cultural deve ser compreendida na constata-ção que a mesma está em “permanente construção que se altera e se constitui histo-ricamente num processo simultâneo de resistência e de integração, de manutenção de heranças e constituição de novas características e necessidades de acordo com o momento histórico” (KUJAWA, 2013, p. 2).

Diante disso, constata-se que a cultura indígena tem que ser vista sob a pers-pectiva da cultura emergente. Afirmar isso é entender que a cultura indígena é um fenômeno social que pode mudar pela ação do tempo e das condições do contexto em que se encontra. A cultura indígena não foi construída na sua forma atual única e exclusivamente pela colonização e nem assumiu uma forma definitiva. As culturas são emergentes, uma vez que nunca chegarão ao seu momento de completude total. Posto isto, constata-se que o dinamismo e o processo de reconfiguração das tradições originárias para as formas contemporâneas de exercê-las, são características funda-mentais de toda cultura, sendo que esse processo de transição ocorre pelas necessida-des sociais que surgem ao longo do tempo. Mas, se existem exceções para toda regra e se as culturas estão em constante processo de transformação e por isso tem qualidade evolutiva, será que a cultura indígena é uma exceção a essa lei43 cultural?

4.3 Cultura Indígena: uma exceção à regra da evolução cultural?

Para evoluir, toda cultura necessita estar em contato com outra cultura. Se não lhe for apresentado elementos novos capazes de apontar alternativas – e não imposi-ções – de novas formas culturais, não poderá ocorrer o aprimoramento cultural. Isso condiz com um encontro pelo qual haja uma troca mútua de sentidos, que não re-sulta necessariamente na perda da identidade cultural, mas, sim, na reconfiguração da identidade cultural. Por que com a cultura indígena seria diferente? Sidekum (2003) afirma: “as identidades indígenas têm se mantido porque justamente suas culturas estão vivas e são capazes de ressignificarem novas realidades, novos objetos e se adap-tarem a novas condições de vida. ” As culturas indígenas, portanto, são plenamente aptas a evoluírem e desse processo de evolução alcançarem seu aprimoramento cul-tural que não só é necessário nos povos indígenas, mas, em toda e qualquer cultura. Assim, observa-se que a capacidade de criar novos significados “não é privilégio do centro urbano, ele [deve] acontecer também nas aldeias” (SIDEKUM, 2003, p. 195).

Estando a cultura indígena viva, essa tem capacidade de se reinventar sem perder sua identidade. Essa capacidade resgata o que já foi falado sobre diversidade emer-gente: por classificar-se indiscutivelmente no conjunto de diversidades emergentes, automaticamente o caráter da cultura indígena será cambiante/evolutiva. Isso não significa dizer que ela por ser inferior deva evoluir, muito pelo contrário, é dizer que

43 Leia-se lei no sentido máxima, afirmação, regra cultural e não no sentido norma.

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por ela ser cultura deve evoluir. A evolução no sentido de transformação cultural é premissa inevitável de toda cultura. O estudo da cultura indígena demonstra que é rica e inteligente: possui organização social, cultural e política.

Entretanto, por mais inteligente e avançada que seja uma cultura, afirmar que já é completa, sem necessitar de um diálogo aberto com outras culturas é “transformar os grupos étnicos em categorias essenciais e inquestionáveis” (NAVARRETE, 2008, p. 97). Portanto, quanto ao questionamento que principiou a pesquisa deste item em análise, qual seja: “cultura indígena: uma exceção à regra da evolução cultural?”, a resposta é: não, muito embora o pensamento popular seja caracterizar os índios como povos retrógrados, selvagens demais para ter capacidade de diálogo intercultural.

Somente a partir da concepção da cultura indígena como sendo capaz e dinâmica possibilita o reconhecimento das especificidades ainda que estas estejam no seio de uma nação que prega Direitos Humanos universais.44

A cultura alcança, se não todos, muitos setores sociais. Por esse motivo os pro-blemas trazidos pelo infanticídio indígena, como já referido, são de ordem jurídica, social e cultural. Juridicamente, porque na atualidade é possível ver claramente conflitos internos das comunidades indígenas regidos por ordenamentos tradicio-nalistas que estão em desacordo com os Direitos Humanos por violarem a proteção da criança, da dignidade da pessoa humana e da vida humana. Socialmente, por-que as sociedades indígenas são formadas e permanecem organizadas segundo sua cultura e suas próprias leis, além de ser um grupo minoritário por vezes esquecido, enquanto que a sociedade hegemônica se organiza pela lei estatal e é majoritária. Culturalmente, porque cada povo tem sua cultura que valora a vida humana segun-do suas tradições, assim, o dilema se concentra na subjugação do direito da criança e ao mesmo tempo na importância da afirmação da cultura indígena.

Portanto, observa-se que todos esses dilemas têm no fundo um elo essencial: as necessidades inerentes às culturas emergentes, conquanto a cultura vá se trans-formando no tempo, as necessidades culturais também se transformam conforme a realidade histórica do contexto social. No caso do infanticídio o cenário atual brasileiro traz à tona algumas necessidades sociais importantes: aplicação de uma medida que intermeie a relação emblemática dos índios com o Estado - enquanto figura do Direito positivo – e vice-versa, o que representará um grande avanço para a resolução dos conflitos advindos do Pluralismo Jurídico e também para a defesa dos Direitos Humanos na proteção da criança indígena, mas sem resultar na perda da identidade social e cultural indígena. Diante dessas necessidades, é questão de sobrevivência social que sejam estabelecidos paradigmas a solucionar os conflitos decorrentes do infanticídio indígena. Esses paradigmas são estabelecidos por in-termédio do diálogo intercultural que promove o contato entre as culturas feito de forma pacífica, não impositiva e não invasiva, que não acabe com as diversidades, mas sim que, ao afirmá-las, possibilite novas configurações culturais, pois isso irá refletir diretamente na solução das tensões elucidadas para a proteção da criança indígena, da vida e da dignidade da pessoa humana e na aplicação dos Direitos Humanos frente a todas essas diversidades culturais emergentes.

44 Cabe aqui muito adequadamente a afirmativa: “quem sabe a História do homem, no século XXI, seja contada como a História do começo de um diálogo entre culturas que propiciou, em vez de um cemitério de grandes culturas, um nascedouro, ou o lugar onde se tornou possível reco-nhecer a pluralidade, e mais do que isso, reverenciá-la, como fundamental sobrevivência para todos” (KRETSCHMANN, 2013, p. 32).

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4.4 O diálogo intercultural como resultado da hermenêutica diatópica aplicada à cultura

Um dos caminhos que pode revelar-se extremamente promissor na busca pela obtenção do direito à vida e à dignidade humana e o direito à cultura, simultanea-mente na temática do infanticídio, é o diálogo intercultural. Assim, quando se fala em diálogo intercultural que envolva Estado e povos indígenas, vê-se a importância dos índios também serem ouvidos, a fim de que sejam percebidas suas necessidades sociais e culturais. Somente dessa forma o diálogo intercultural será eficaz e corre-to. Entretanto, “o que se observa na história de interação do Estado brasileiro e da própria sociedade brasileira com a sociedade indígena é exatamente o contrário”. A relação entre Estado e índios quase sempre foi tensa e isso se evidencia por um pas-sado cheio de confrontos extremamente agressivos. Observa-se que tendo o Estado uma postura autoritária construiu-se “uma história marcada pela ausência diálogo, desconsiderando a constatação de incompletude cultural e, no mesmo sentido, ba-lizando sua postura acreditando numa equivocada certeza de superioridade moral” (CUNHA, 2010, p. 44).

O respeito mútuo no diálogo intercultural parte da premissa que todas as cul-turas são incompletas45. Isso muito tem a ver com a visão de cultura emergente, na qual se classifica a cultura indígena. É imprescindível o entendimento de que somente poder-se-á estudar o diálogo intercultural se tomar-se a cultura indígena como sendo emergente, ou seja, a cultura indígena necessita dialogar com outra para sobreviver, pois seu isolamento a faria deixar de ser difundida, compartilhada, entendida e até mesmo admirada resultando em sua atrofia.

Dizer, portanto, que a cultura indígena nada tem da “cultura branca” ou vice--versa é uma constatação no mínimo pretensiosa e se configura no radicalismo do relativismo cultural. Tudo isso comprova que as culturas interagem e subsistem por essa interação. É neste momento que se nota a conexão disto com a hermenêutica diatópica que gira em torno dos chamados topoi. Os topoi são “lugares-comuns re-tóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos” (SANTOS, 2001, p. 20).

E o que isso tem a ver com a cultura emergente? A cultura emergente afirma que a cultura é cambiante e, se muda a partir dos processos históricos e das necessidades humanas, elas são incompletas. Igualmente, “a hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forte que sejam, são tão incom-pletos quanto à própria cultura a que pertencem” (SANTOS, 2001, p. 21).

A incompletude inevitável de todas as culturas não se caracteriza como medio-cridade, mas como algo inerente a cada cultura. Por esse motivo, afirmar que a cul-tura indígena é incompleta não é depreciá-la, mas apenas significa que é incompleta assim como todas as outras, portanto, a fricção da mesma com outras culturas é importante para a troca de valores culturais. Nessa perspectiva, esclarece-se que: 45 Essa compreensão baseia-se no chamado relativismo cultural que além de afirmar que todas

as culturas são incompletas, assegura que as culturas são apenas diferentes umas das outras, mas não há grau de hierarquia entre elas. Nesse sentido: “A concepção de relatividade cultu-ral surgiu desta constatação da pluralidade humana: a percepção de que cada cultura possui características gerais, comuns com outras, entretanto todas as culturas apresentam caracte-rísticas que são especificamente suas e tais peculiaridades tornam uma cultura diferente das outras” (ASSIS, 2011, p. 7).

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Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana

As culturas não são entidades estáticas nem encerradas em si mesmas. Uma das prin-cipais barreiras que dificultam o diálogo intercultural é o nosso hábito de concebê-las como algo fixo, como se houvera linhas de fratura que as separam. Uma das principais objeções formuladas à tese do “choque de civilizações” de Samuel Huntington é que esta pressupõe filiações singulares, em vez de plurais, entre as comunidades humanas e não considera a interdependência e a interação entre as culturas. Descrever como linhas de fratura as diferenças entre as culturas significa ignorar a permeabilidade das fronteiras culturais e o potencial criativo que nelas exercem os indivíduos. (UNESCO, 2009, p. 9).

À troca cultural, ou melhor, às interações culturais, chama-se diálogo intercul-tural. Quando uma cultura absorve os valores apreendidos da interação cultural de outra cultura é impressionante ver a capacidade que tem em adaptar-se. Isso é pos-sível por meio daquilo que cada cultura retém de outra. Aquela cultura que influen-cia outra passa a existir nesta última, por óbvio, não reproduzida identicamente, mas sim, com uma nova roupagem, pois as práticas culturais da “cultura derivada” deixaram profundamente marcas de suas concepções culturais. Em suma esse é o processo do diálogo intercultural: cada cultura, por meio da abertura dos topoi, se permite conhecer e ser conhecida.

Essa reconfiguração, ou melhor, essa absorção de elementos culturais, retenção e aplicação ímpar a partir das concepções culturais próprias e do controle social46, são denominadas identidades culturais que determinam que cada cultura seja ir-reproduzível de maneira idêntica, tal qual à semelhança das marcas digitais de uma pessoa.

Neste sentido, não se tem a presunção de tornar a cultura indígena numa cópia literal da cultura dos não índios. Seria muito mais fácil usar a força coercitiva e obri-gar os índios a agirem conforme o ordenamento estatal pátrio (não praticar mais o infanticídio indígena), mas isso implicaria uma solução aparente, não trazendo uma solução real. Diante disso, o diálogo intercultural vai mais além do que uma simples ordem de abandono do infanticídio indígena. Vai influir no mais profundo do ser de quem participar desse diálogo, tratando as concepções culturais de maneira íntima e inserindo na consciência dos povos indígenas a importância da proteção da vida hu-mana. A proteção da criança indígena tem que nascer internamente nas comunida-des indígenas. É um processo interno porque tem que ser trabalhado de dentro para fora. A proteção por meio de um terceiro (Estado) não terá os mesmos resultados.

Sendo esse diálogo bem articulado, não em forma de Lei, mas no sentido de mostrar novos caminhos a serem seguidos, não será sequer necessária uma fisca-lização Estatal, porque os próprios índios assumirão essa nova postura. Um belo exemplo disso é o relato do diálogo estabelecido entre missionárias e índios que conviviam na aldeia dos Tapirapé:

Por questões relacionadas à sobrevivência, os Tapirapé tinham como costume eliminar o quarto filho. Assim, segundo eles, a população se manteria em número reduzido (aproximadamente 1000 habitantes) e poderia garantir que o ecossistema local supriria as necessidades de sobrevivência do grupo. Essa prática acompanhava os Tapirapé por muito tempo, por isso, estava enraizada entre eles. Tanto que, na época da pesquisa feita por Cardoso de Oliveira, o número de habitantes da aldeia era de apenas 54 indígenas, mas eles continuavam a praticar o infanticídio. (PINEZI, 2008).

46 O controle social é a capacidade de cada grupo étnico definir sua identidade cultural na sua inter-relação com outra cultura a partir dos processos históricos particulares.

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As missionárias tentavam dialogar com eles para que abandonassem a prática do infanticídio, mas numa perspectiva religiosa que para os índios Tapirapé não tinha significado nenhum. Quando mudaram sua fala utilizando argumentos que atendiam às necessidades dos índios, foi introduzido internamente neles o valor da vida das crianças como meio de continuidade de sua cultura. Segue o texto dizendo que as missionárias ao focalizaram sua argumentação na “grande diminuição dos indivíduos na aldeia, ameaçada ainda mais com o infanticídio do quarto filho, [...] tiveram uma resposta positiva dos indígenas que reviram essa prática tradicional e que parecem tê-la abandonado” (PINEZI, 2008).

Verifica-se que o diálogo intercultural funciona, desde que feito de forma pacífi-ca e centrado nas necessidades dos povos indígenas com argumentos significativos para eles e que provoquem sua reflexão sobre essa prática cultural. O abandono do infanticídio indígena deve ser voluntário. Os índios devem participar ativamente desse processo de reconfiguração cultural. E, à medida que se der esse poder de es-colha aos índios, haverá seu empoderamento.47 Sentindo-se empoderados, deixarão de assumir uma postura defensiva e oportunizarão o diálogo intercultural.

Nessa perspectiva cultural, ainda que a Constituição Federal no artigo 231 as-segure o direito dos índios de terem sua organização social própria e também terem preservadas suas crenças, línguas, costumes, tradições e cultura, o infanticídio indí-gena não se justifica, uma vez que a cultura indígena pode evoluir e se reconfigurar, porque é dinâmica, transformadora e passível de ser transformada se estiver aberta ao diálogo. Portanto, o infanticídio indígena não se justifica sob o prisma da Cons-tituição Federal, nem do Pluralismo Jurídico, tampouco dos Direitos Humanos e muito menos pelos Direitos Culturais, pois, há como se tutelar a essência cultural indígena sem se anular os direitos fundamentais da criança indígena. O diálogo intercultural deve ser promovido com fundamento sempre nos Direitos Humanos.

O diálogo intercultural deve partir da percepção de que não existirá a perda da identidade cultural. Mas, e se houvesse uma lei específica que abordasse o infanti-cídio indígena mais expressamente? Seria esta a solução das tensões interétnicas? Haveria equilíbrio entre o direito cultural e os Direitos Humanos a partir de uma legislação mais específica?

4.5 Projeto de Lei 1057/2007: o ponto final do infanticídio indígena?

O polêmico Projeto de Lei 1057/2007 também é conhecido por Lei Muwaji, e foi assim nomeado em homenagem a uma mãe que salvou sua filha deficiente que seria morta pela tradição da sua etnia suruwahá. O Projeto de Lei 1057 é de autoria do Deputado Henrique Afonso (PT/AC) e foi apresentado em 11 de maio de 2007. Nesse meio tempo houveram emendas, mas no dia 27 de agosto de 2015 a Câmara aprovou dito Projeto de Lei e finalmente no dia 02 de setembro de 2015 foi remetido ao Senado Federal para sua apreciação.48

O citado Projeto de Lei “dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes

47 O empoderamento no diálogo intercultural “requer o fortalecimento da autonomia de todos os participantes, mediante a atribuição de capacidades e projetos que permitam a interação, sem prejuízo da identidade pessoal ou coletiva” (UNESCO, 2009, p. 10).

48 Por meio do Ofício nº 510/15/PS – GSE. Até então, sabe-se que essa foi a última movimentação do Projeto de Lei 1057/2007.

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a outras sociedades ditas não tradicionais”.49 Entretanto, enfrenta duras críticas. A polêmica gerou-se quando os opositores do PL afirmaram que tal projeto visava reportar os índios como selvagens e também criminalizá-los, sendo “contestado pelos que trabalham entre as comunidades indígenas. Antropólogos e sociólogos criticam a intolerância no que se refere à prática do infanticídio indígena, prin-cipalmente na tentativa de impor valores tipicamente ocidentais nessas culturas” (ESTEVES, 2012, p. 41).

Nesse viés, sustenta-se que o que se quer é a legitimidade na interferência da cul-tura indígena que deverá (de forma impositiva) adequar-se aos padrões culturais e normativos da sociedade hegemônica. Dessa maneira, diz-se que “[...] o projeto [não é] voltado para a proteção das crianças, mas para a vigilância e intrusão na intimi-dade e nos costumes dos índios” (MOSCOSO, 2010, p. 48).

Outrossim, as demais afirmações das contrariedades com o Projeto de Lei são a tentativa de criminalização do infanticídio indígena50, assim como o uso do termo “práticas tradicionais nocivas”51 para designar uma prática cultural, o que soou como julgamento dos povos indígenas e traduziu sua cultura como bárbara.52 Os emba-samentos para o PL é de que muitos índios são contrários à prática do infanticídio indígena e a prova disso é o apoio que muitos deles tem dado a esse Projeto de Lei.

Compreende-se que a transposição do PL para o plano concreto não pode ser feita de forma impaciente na investida de solução imediata das violações e as con-trariedades normativas que o infanticídio indígena levanta, isso poderia levar uma possível resposta (diálogo cultural) ser rejeitada pelos índios e seu fracasso seria inevitável e quiçá até irreparável. Não é possível resolver da noite para o dia uma questão que é cultural e por ser cultural, uma prática milenar.

Assim, o PL 1057/2007 é o ponto final do infanticídio indígena? Se o infanticídio indígena ocorresse exclusivamente pela lacuna da Lei que tratasse especificamen-te dessa prática, poderia se afirmar que sim, uma vez que a falta normativa seria

49 EMENTA, PL 1057/2007.50 Nesse sentido, veja-se o artigo 4º do PL 1057/2007: “É dever de todos que tenham conhecimento

das situações de risco, em função de tradições nocivas, notificar imediatamente as autorida-des acima mencionadas, sob pena de responsabilização por crime de omissão de socorro, em conformidade com a lei penal vigente, a qual estabelece, em caso de descumprimento: Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”.

51 O artigo 2º do PL 1057/2007 dispõe: Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tra-dicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores; II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla; III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de deficiências físicas e/ou mentais; IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero; V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão; VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo; VII. homicídios de recém--nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os diferencie dos demais; VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo; IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto X. de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição; XI. Abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas; XII. Maus-tratos, quando se verificam problemas de desenvolvimento físico e/ou psíquico na crian-ça. XIII. Todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que confi-gurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional.

52 A esse respeito CUNHA assevera: “é equivocada a pretensão de criminalizar as condutas de quem tenha conhecimento da ocorrência das práticas tradicionais, já que isto poderia tornar inviável a interação cultural, o que dificultaria o diálogo tão invocado no texto original do PL” (2010, p. 31).

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D. de M. dos Santos, H. Kujawa

facilmente resolvida pela elaboração de uma nova Lei mais completa. Contudo, o infanticídio indígena vai muito além do tratamento formal que o Direito pode lhe dar, é um problema social que está enraizado culturalmente, então, é certo que uma nova Lei não terá significado nenhum para os povos indígenas praticantes do infan-ticídio. É necessário que os próprios índios tenham a oportunidade de repensar suas concepções culturais por meio da interação pacífica com outras culturas.

Certamente não se pode assegurar categoricamente que o PL 1057/2007 é de todo negativo ou de todo positivo. Há pontos negativos, mas há também considerações positivas, contudo, está longe de colocar fim definitivo ao infanticídio indígena. En-tretanto, não se deve negar algo extremamente positivo decorrente do PL em dis-cussão: quiçá pela primeira vez começou-se a se assumir o problema do infanticídio indígena no Brasil e o mais importante, incentivou a conversa sobre o assunto e isso impulsionou a população a participar mais ativamente desse debate.

5 Considerações finais

Na discussão do infanticídio indígena, analisou-se a vida humana na perspectiva social, cultural e jurídica. Verificou-se ainda que o infanticídio indígena aplicado ao Direito Penal, não constitui crime. A partir disso, nasceu o debate sobre Pluralismo Jurídico, Direitos Humanos e Cultura de modo a se verificar os argumentos utilizados na tentativa de legitimação de tal prática.

O Pluralismo Jurídico no Brasil confirma a existência de ordenamentos múltiplos dentro do mesmo território. Contudo, a Constituição Federal reconhece a sociedade plúrima dentro do contexto nacional. Por conseguinte, observou-se disposições legais, tendo como tema central a vida e a cultura.

Dessa forma, verificou-se que é bem verdade que a Constituição Federal assegura o direito à cultura, mas também protege a vida como direito fundamental. Também é correto afirmar que a Constituição reconhece a organização social indígena ele-vando o pluralismo até o seu auge. Nesse sentido, poderia o infanticídio indígena encontrar justificativa no Pluralismo Jurídico sob o argumento do reconhecimento constitucional da organização social indígena e do pleno exercício de direitos cultu-rais, mas, apesar disso esse argumento não se sustenta. O infanticídio indígena não é justificável pelo prisma do Pluralismo jurídico, haja vista que não deve existir a violação de direito fundamental num Estado Democrático de Direito, além do que o direito à vida é premissa básica para o pleno exercício do direito à cultura, sendo que sua tolerância implicaria automaticamente na violação dos Direitos Humanos e na desconstrução das bases do sistema normativo pátrio.

Por outro lado, o infanticídio indígena, numa compreensão de Direitos Humanos universais delimitados às especificidades, poderia se justificar na lógica de que os povos indígenas enquanto grupo social minoritário deve ser considerado nas suas especificidades, e que o infanticídio indígena é uma particularidade da tradição de algumas culturas indígenas. Contudo, essa compreensão é equivocada, pois aten-der as necessidades específicas dos índios não significa pactuar com uma prática cultural que viola gravemente os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos apli-cam-se em caráter universal, (claramente alcançando os povos indígenas), mas concomitantemente delimitados às especificidades, o que significa dizer que im-pulsionarão o tratamento equitativo dos índios e não que irão legitimar a prática

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Infanticídio indígena: uma visão social, cultural e jurídica da vida humana

do infanticídio, até porque há diversos instrumentos que protegem o ser humano e, em especial à criança.

Resta agora a observação se culturalmente o infanticídio indígena é justificável. Quanto a isso, se poderia afirmar que é uma prática que faz parte da cultura de algumas aldeias indígenas. De fato o é, mas nem por isso é parte essencial delas e uma prova disso é que vários grupos indígenas tem abandonado tal prática e nem por isso sua cultura foi abalada ou tornou-se inexistente, sendo este o resultado da reconfiguração cultural destes. Seguindo esse entendimento, tendo a cultura indí-gena capacidade de se auto redefinir sem perder a sua essência, o infanticídio não é respaldado pelo argumento da cultura, uma vez que as culturas se modificam ao longo do tempo, inclusive a indígena, pois é dinâmica.

Reconhecer isso é ver a necessidade que a cultura indígena tem de perceber ou-tros caminhos para resolver problemas de ordem social interna. É também assumir as tensões que o infanticídio indígena traz para poder ser trabalhada uma solução. É nesse momento que a hermenêutica diatópica deve ser empregada, ou seja, o diá-logo intercultural deve ser trabalhado porque é, quiçá, o único caminho despido de julgamentos que se vislumbra para combater a violência à criança indígena.

Portanto, não pode ser adotada a concepção de que o infanticídio é um mero traço cultural. Não é. É uma prática cultural complexa que traz à tona conflitos jurí-dicos e sociais. Seus efeitos não ficam somente no âmbito da aldeia, onde as crianças vivem e não morrem junto com as crianças indígenas vítimas do infanticídio, mas chega até o Poder Judiciário, Legislativo e Executivo. Traspassa fronteiras porque viola Direitos Humanos.

O reconhecimento da existência do infanticídio indígena significa estar ciente de que não é um crime, é uma prática cultural, mas que não se justifica simplesmente por sê-la. É interpretar todos os preceitos jurídicos de forma a proteger a criança. É ter a convicção que não se legitima o infanticídio indígena pelo pluralismo jurídico ou pela Constituição, muito menos pelos Direitos Humanos e, tampouco pela cultu-ra. Essa convicção clara de que o infanticídio indígena num estudo social, cultural e jurídico da vida humana não encontra respaldo que o justifique é o passo inicial na proteção integral da criança indígena.

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-2

A ADOÇÃO INTERNACIONAL E A PROMOÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE*

Gabriel Cavalheiro Tonin**José Carlos Kraemer Bortoloti (Orientador)

Resumo

O Sistema Internacional dos Direitos Humanos, inaugurado no pós-guerra, foi um importante passo para a positivação das garantias fundamentais do homem no or-denamento jurídico de diversos países. Pela primeira vez na história da humanida-de se desenvolveram mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, tendo sido abrangidos, da mesma forma, os direitos dos menores, calcados sobre princípios sólidos, como o princípio da dignidade humana, da solidariedade, da afetividade e do melhor interesse da criança. A Constituição Federal de 1988, no Brasil, buscou a incorporação desses valores, e, no que tange ao respeito às garantias dos menores, criou um vasto sistema protetivo e garantista, tendo tido seu ápice com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. A reali-dade, todavia, não prima pela uniformidade, restando ineficientes os dispositivos legais quando do caso concreto. O resultado ocorre com milhares de crianças e adolescentes em situação de abandono, sem inserção em uma família e, portanto, sem terem os princípios fundamentais elencados em documentos internacionais e no texto constitucional respeitados. Nesse sentido, a adoção toma a si um papel de protagonismo, como ato também humanitário em favor dos menores. A adoção in-ternacional, na mesma seara, também tem sua importância maximizada, tendo em vista que, apesar de ser considerada medida excepcional para o ordenamento jurí-dico brasileiro, é um importante instrumento para garantir a inserção de menores em famílias, respeitando-se assim as condições necessárias ao seu desenvolvimento completo. O presente estudo advém para abordar a referida problemática, analisan-do como a adoção internacional auxilia na efetivação das garantias fundamentais da criança e do adolescente, partindo-se da premissa de importância desse instituto

* Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Direito da Faculdade Meridional – IMED, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas, sob a orientação do Prof. Me. José Carlos Kraemer Bortoloti.

** Dedico este trabalho a todos aqueles que, um dia, estenderam-me a mão. Agradeço à minha família, pelo incentivo em todos os momentos. Aos colegas de estrada escolar, que sempre se fizeram presentes em minha vida, vivenciando juntos os sonhos, as expectativas de um futuro melhor. A todos os professores dessa jornada, por terem auxiliado na construção desse momen-to. Aos amigos inseparáveis, pelas alegrias partilhadas. Aos meus alunos e alunas, por terem despertado em mim a verdadeira vocação. E, em especial, ao professor Me. José Carlos Kraemer Bortoloti, pela orientação irretocável que me prestou nesse momento de conclusão de curso, sempre atencioso, dedicado e empenhado em mostrar o rumo correto a ser seguido.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

para o direito brasileiro e também do amplo desenvolvimento do Brasil frente às questões de interesse global concernentes à proteção da infância e juventude. Assim, formar-se-á um panorama completo sobre a adoção internacional e sobre os direitos humanos da criança e do adolescente, na busca por estímulos a práticas que auxi-liem diretamente no respeito incondicional ao menor enquanto sujeito de direitos, e consequente cumprimento das prerrogativas assumidas pela Constituição brasileira na busca por um país justo, digno e igualitário. Palavras-chave: Adoção Internacional. Adolescente. Criança. Direitos Humanos. Constituição Federal de 1988.

Abstract

The International System of Human Rights, inaugurated in the post-war, was an im-portant step for the patient faints fundamental guarantees of man in the legal order of the various countries. For the first time in the history of humanity that developed international mechanisms of human rights protection, having been covered, in the same way, the rights of minors, depressed on solid principles, such as the principle of human dignity, solidarity, of affectivity and the best interest of the child. The Fe-deral Constitution of 1988, in Brazil, sought the incorporation of these values, and, with respect to the guarantees of minors, has created a huge system anticorrosion protection and guarantees, having had its apex with the promulgation of the Statute of the Child and Adolescent, in 1990. The reality, however, do not press the unifor-mity, leaving inefficient the legal devices when the specific case. The result is given with thousands of children and adolescents in a situation of abandonment, without insertion into a family and, therefore, without having the fundamental principles catalogd in international documents and in the constitutional text respected. In this sense, the adoption takes to himself a leading role, as also a humanitarian act in fa-vor of minors. The international adoption, in the same area, also has its importance maximized, having in view that, despite being considered exceptional measure for the Brazilian legal system, is an important instrument for ensuring the insertion of minors in families, thus respecting the conditions necessary for its full development. The present study comes to address this important problem, analyzing how the in-ternational adoption assists in the realization of the fundamental guarantees for the child and adolescent, on the assumption of the importance of this institute for the brazilian law and also of the broad development of Brazil in issues of global interest regarding protection of childhood and youth. Thus, will form a complete panorama on the international adoption and on the human rights of the child and adolescent, in the search by stimuli to practices that help directly on the unconditional respect to lower as the subject of rights, and consequent fulfilment of prerogatives assumed by the Brazilian Constitution in the quest for a country fair, equal and dignity.Keywords: International adoption. Adolescent. Child. Human Rights. The Federal Constitution of 1988.

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G. C. Tonin, J. C. K. Bortoloti

1 Introdução

Os tempos contemporâneos foram muito importantes para o desenvolvimento da humanidade, sobretudo se se consegue perceber o salto qualitativo na base de direitos e garantias que foram inseridos na sistemática internacional. Partindo da premissa do fortalecimento dos direitos humanos, evidenciados como sendo de re-levante importância no pós-guerra, é possível compreender a estrutura basilar de tais transformações, calcadas, sobretudo, na busca pela respeitabilidade irrestrita a princípios fundamentais.

Diante de um cenário cada vez mais desafiador, onde o ser humano foi colocado sob uma perspectiva mais protetiva, viu-se emergir valores básicos, cuja observân-cia se tornou o cerne das positivas readequações no campo jurídico e social. Assim, propiciou-se tornar como essenciais a dignidade humana, o respeito à liberdade, a solidariedade, a segurança, a vida. Logo, por meio de tratados de cunho interna-cional, foram desenvolvidos mecanismos cada vez mais eficientes na busca por se fazerem valer e efetivar esse rol principiológico.

Pela primeira vez, da mesma forma, as crianças e os adolescentes foram dotados de respeito à sua constituição básica enquanto cidadãos, tornando-se sujeitos de direito. Com uma percepção de que era deveras necessário um cuidado maior com estes que são o futuro da humanidade, concretizou-se uma atenção especial a esses, buscando vinculá-los a modernos elementos de proteção e efetivação de garantias fundamentais.

A incidência desse caminho adotado também teve sua influência na formação do ordenamento jurídico brasileiro. Da Constituição Federal de 1988 em diante, to-dos os elementos normativos brasileiros passaram a observar de maneira criteriosa esses princípios, abarcando em seu âmago, aplicando-os no caso concreto. Tratou--se de uma inovação singela, mas decisiva para o estabelecimento de um país que busca consolidar seriedade e respeito humano.

Sob tal ótica, e considerando o direito das crianças e dos adolescentes, extrema-mente influenciados pela temática dos direitos humanos, é perceptível a necessidade de dispor de meios para sua aplicabilidade e constante aperfeiçoamento. Dada a condição de milhares de crianças, sofrendo de abandono e negligência com seu crescimento, surge como alternativa concreta a adoção, sendo esta uma possibilidade já antiga e devidamente regulamentada em lei.

A adoção, instituto conhecido, desenvolveu-se ainda nos primórdios da huma-nidade, e com a progressão desta, veio se aprimorando, incorporando-se ao ordena-mento jurídico dos mais diversos países. Com a latente necessidade de atentar para os direitos humanos, a adoção deixou de ser um meio meramente jurídico, passando a figurar como ato humanitário.

Tendo em vista esse caráter importante do instituto e analisando, de uma forma mais específica, a situação brasileira, toma-se como alternativa também viável para crianças e adolescentes a adoção internacional. O ato adotivo de cunho transnacio-nal possui suas peculiaridades, mas também está positivado no ordenamento jurí-dico, podendo ser efetivado a qualquer momento. Se tomada como base de aplicação a matriz do sistema internacional dos direitos humanos, torna-se também a adoção internacional um meio de se fazer promover as garantias fundamentais inerentes à criança e ao adolescente.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

O presente estudo busca, nesse sentido, ampliar o debate acerca da efetividade da adoção internacional. A problemática central é investigar qual a influência da Adoção Internacional como mecanismo de efetivação das garantias fundamentais inerentes à criança e ao adolescente.

Para tanto, utilizou-se, como procedimento de investigação, a pesquisa biblio-gráfica, uma vez que é a que mais se adapta ao campo jurídico. O método de abor-dagem será o dedutivo que, partindo de princípios tidos como verdadeiros e inques-tionáveis (premissa maior), estabelecem-se relações com uma proposição particular (premissa menor) para, a partir do raciocínio lógico, chegar à verdade daquilo que propõe. Assim, dividiu-se a pesquisa em três seções principais.

A primeira aborda questões práticas acerca da historicidade do instituto da adoção. Nesse capítulo a abordagem se centrará na demonstração dos elementos formadores do instituto, bem como a maneira que este se fez posicionado no or-denamento jurídico brasileiro, incluindo-se aí uma explanação conceitual sobre a adoção internacional.

Na segunda seção será abordada a questão da evolução dos direitos humanos, perpassando pela formação dos tratados e documentos imprescindíveis à formação dos direitos da criança e do adolescente e, por fim, analisando como estes se fizeram presente no meio normativo pátrio.

A terceira e última seção será destinada a analisar a contribuição dos trata-dos internacionais para a formação jurídica brasileira, procurando-se compre-ender como estes são abarcados no sistema brasileiro, como geram influências. No mesmo sentido, buscar-se-á compreender como se podem efetivar os direitos fundamentais aplicados ao menor por meio do instituto da adoção internacional, trazendo, inclusive, decisões jurisprudenciais que embasam a aplicação do mesmo no caso concreto.

Dessa forma, busca-se abrir a adoção internacional para uma análise mais profun-da, onde, dissecados os seus elementos formadores, juntamente com toda a multi-disciplinaridade que esta envolve no meio jurídico, pode-se empreender um debate mais crítico sobre os rumos dos direitos humanos, das garantias fundamentais e de sua colocação perante a sociedade brasileira.

2 O instituto da adoção

O presente capítulo versará sobre o instituto da adoção, onde primeiramente abordar-se-á os aspectos históricos de tal instituto, uma análise sobre a adoção no ordenamento jurídico brasileiro, passando pelos efeitos da adoção e o capítulo será finalizado com um breve estudo sobre a adoção internacional.

2.1 Aspectos históricos do instituto da adoção

A vinculação originária do instituto da adoção com a religião é intrínseca. A perpetuação da raça humana era necessária em tempos antigos, dentro do sistema de crenças de diversos povos. Na visão de Magalhães (2000, p. 267), há uma pas-sagem bíblica (Gênesis, 16) que menciona o assunto, onde Sara, esposa de Abraão, fala: “visto que o Senhor fez de mim uma estéril, peço-te que vás com a minha escrava. Talvez, por ela, eu consiga ter filhos”.

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Na análise de Chaves (1994, p. 40) também o Código de Hamurabi1, em seu ar-tigo 185, traz definição acerca do instituto da adoção:

Enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna; mas uma vez educado, tendo o adotante despendido dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranquilamente à casa do pai de sangue. Estaria lesan-do aquele princípio de justiça elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os contratantes devam ser iguais, correspondentes, princípio que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio.

Nesse sentido, o instituto está muito mais atrelado aos preceitos da religião do que do Direito propriamente dito. O culto doméstico, na Antiguidade, fazia parte da estrutura basilar da família, sendo que, se esta não tivesse filhos naturais, estaria destinada à extinção.

Faz-se necessário ressaltar a importância da adoção no direito sucessório, res-peitando regras rigorosas, no Código de Manu2, sob a égide do artigo 558. Nesse sentido, expõe Magalhães (2000, p. 26) que, a alguém dado a uma pessoa, não pode mais o primeiro participar de sua família de origem, não devendo, nesse sentido, herdar seu patrimônio.

Segundo Gonçalves (2013, p. 381), a adoção teve papel relevante na Grécia, tanto no âmbito social como político. Entretanto, sua disciplina e ordenamento sistemático teve expansão notória a partir do direito romano.

Na visão de Venosa (2011, p. 277), na era de Justiniano3, época mais recente do Direito Romano, emergiram duas formas de adoptio: adoptio plena, realizada entre parentes, e adoptio minus plena, realizada entre estranhos.

O Código Napoleônico4 trouxe, no início da Idade Moderna, a concepção da adoção para a França. Acerca do tema disserta Wald (2013, p. 188):

Coube à França ressuscitar o instituto, dando-lhe novos fundamentos e regulamentan-do-o no Código Napoleão, no início do século XIX, com interesse do próprio Impera-dor, que pensava adotar um dos seus sobrinhos. A lei francesa da época só conheceu

1 Sexto rei sumério durante período controverso (1792-1750 ou 1730-1685 A.C.) e nascido em Babel, “Khammu-rabi” (pronúncia em babilônio) foi fundador do 1o Império Babilônico (correspon-dente ao atual Iraque), unificando amplamente o mundo mesopotâmico, unindo os semitas e os sumérios e levando a Babilônia ao máximo esplendor. O nome de Hamurabi permanece indissociavelmente ligado ao código jurídico tido como o mais remoto já descoberto: o Código de Hamurabi. O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. Seu código estabelecia regras de vida e de proprie-dade, apresentando leis específicas, sobre situações concretas e pontuais. (Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo, USP).

2 De acordo com Costa et al. (2014, p. 88), o Código de Manu é originário da Índia, tendo surgido por volta de 1.500 a. C., cuja incumbência era estabelecer as normas norteadoras da convivên-cia social. As Leis de Manu são consideradas como sendo as primeiras que versaram sobre a sociedade baseada na religião e na política.

3 Segundo Sanchotene (2009, p. 8), Justiniano, Imperador Romano, foi o responsável por dar nova vida ao Direito Romano, reorganizando a estrutura jurídica de uma sociedade em ebuli-ção. Dessa forma, por acreditar que o Direito era uma preciosa arma, organizou a Corpus Iuri Civiles, código que reuniu as principais configurações jurídicas da época.

4 De acordo com Neto (2013, p. 65), o Código Civil Francês, batizado de Código Napoleônico, surgiu da necessidade de unificação do direito privado francês após a Revolução Francesa, que provocou profundas mudanças na ordem legislativa do país. Considerando a importância des-sa missão para a parte jurídica nacional, Napoleão Bonaparte, após o golpe de 18 Brumário, em 1799, empenhou-se pessoalmente na formulação da nova codificação de direitos civis.

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a adoção em relação a maiores, exigindo por parte do adotante que tenha alcançado a idade de cinquenta anos e tornando a adoção tão complexa e as normas a respeito tão rigorosas que pouca utilidade passou a ter, sendo de rara aplicação. Leis posteriores baixaram a idade exigida e facilitaram a adoção, permitindo que melhor desenvolva o seu papel na sociedade moderna.

No que concerne ao Brasil, é possível verificar que a adoção teve sua introdu-ção realizada por meio do Reino de Portugal, sendo vinculado e influenciado de maneira estrita ao Direito Canônico. Entretanto, a adoção somente passou a ser disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro a partir do Código Civil de 1916, nos termos dos artigos 368 a 378.

Para Rodrigues (2004, p. 336), a primeira modificação de grande envergadura proporcionada pelo legislador no tocante à adoção adveio em 1957, por meio da Lei 3.133/57, porque modificou propiciou uma reestruturação ao instituto da adoção, tendo em vista que, sob seus caracteres tradicionais, a adoção tinha por objetivo atender a demanda do adotante, ou seja, buscar saciar seus interesses na formação familiar, o que foi transformado por meio desse dispositivo legal, passando-se a considerar a adoção como uma maneira de melhorar a condição do adotado.

Segundo Dias (2010, p. 471), a lei 4.655/65 estabeleceu a irrevogabilidade da legi-timação adotiva em seu art. 7º, in verbis: “Art. 7º A legitimação adotiva é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos legítimos, aos quais estão equipara-dos aos legitimados adotivos, com os mesmo direitos e deveres estabelecidos em lei”.

Para Granato (2010, p. 46), a lei 4.655/65 trouxe importantes novidades no que tange ao instituto da adoção. Segundo a autora:

O rompimento da relação de parentesco com a família de origem, importante medida que não havia sido prevista nas leis anteriores, foi determinado no §2º do art. 9º e o vínculo se estendia à família dos legitimantes, desde que os seus ascendentes tivessem aderido ao ato da adoção.

De acordo com Venosa (2011, p. 278), a legitimação adotiva era a responsável pelo estabelecimento de um vínculo mais profundo entre o adotante e o adotado, de modo que fosse semelhante ao da família adotiva.

Regulada pelo Código Civil, a adoção simples tinha por objetivo criar um paren-tesco civil apenas entre adotante e adotado, sendo revogável dependendo da vontade das partes, não se fazendo cessar os direitos e obrigações resultantes do parentesco natural.

Já a adoção plena, de acordo com Diniz (2008, p. 524), está vinculada ao desli-gamento do menor adotado de seu parentesco com pais de sangue e parentes, pas-sando a ser dotado de todos os direitos que lhe são inerentes, haja vista que se torna filho dos adotantes. O objetivo de tal modalidade de adoção ia ao encontro do obje-tivo dos casais de proporcionar ao adotado uma condição igualitária, primando por seu desenvolvimento integral no âmago de uma família organizada e estável.

Gonçalves (2013, p. 341) distingue a adoção plena da adoção simples:

Enquanto a primeira dava origem a um parentesco civil somente entre adotante e ado-tado sem desvincular o último da sua família de sangue, era revogável pela vontade das partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural, como foi dito, a adoção plena, ao contrário, possibilitava que o adotado ingressasse na família do

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adotante como se fosse filho de sangue, modificando-se o seu assento de nascimento para esse fim, de modo a apagar o anterior parentesco com a família natural.

É possível visualizar que tais institutos apresentavam características distintas, em que a adoção plena tinha sua base no rompimento do vínculo com a família de origem, enquanto a adoção cível matinha esse vínculo. Contudo, a discriminação do filho oriundo de parentesco civil e o decorrente do parentesco consanguíneo era comum em ambos.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 fez com que cessasse tal dis-tinção, tendo por base seu artigo 227, §5º e 6º, proibitivo de qualquer discriminação no tocante aos filhos. Nesse sentido, as regras dispostas no Código Civil vigente se tornaram inaplicáveis, dada a diferenciação que promovia entre filhos naturais e adotados. Na visão de Monteiro et al. (2011, p. 339):

Passou a atribuir ao adotado a condição de filho, sem qualquer diferença com os filhos consanguíneos, com o advento da Constituição Federal de 1998. Lembre-se que, no regime do Código Civil de 1916, a adoção era revogável até mesmo por distrato, quando as duas partes conviessem, sendo que o parentesco limitava-se ao adotante e ao adota-do, sem que se estendesse aos respectivos parentes.

É perceptível, nesse sentido, um avanço estrutural na legislação de proteção da criança e do adolescente, e, por consequência, as regras tangentes à adoção. As trans-formações sofridas por esse instituto geram novos paradigmas diariamente, e cada vez mais se faz necessário observar os princípios inerentes à criança e ao adolescente, no intento de efetivar as garantias fundamentais que lhes foram concedidas.

2.2 A adoção no ordenamento jurídico brasileiro

O instituto da adoção tem sua base legal estruturada em vários dispositivos do ordenamento jurídico. No Código Civil Brasileiro de 2002, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e na recente Lei 12.010/09 é possível encontrar elementos acerca do instituto, estabelecendo-se os que possuem direito de adotar, os que podem ser adotados, quais são as regras inerentes ao processo de adoção.

Faz-se necessário observar, antes de adentrar numa análise objetiva das dispo-sições legais acerca do instituto, entender qual a essência da adoção. Para Coelho (2012, p. 181), a adoção consiste num processo judicial que tem como objetivo a substituição da filiação de uma pessoa, o adotado, tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal, nesse caso, os adotantes. Ainda de acordo com o autor:

A adoção é, no direito brasileiro, uma medida excepcional. Quando a situação da criança ou adolescente reclama intervenção do Estado, deve-se priorizar sua manu-tenção na família natural ou extensa. Apenas quando constatada a inviabilidade dessa medida, pode-se cogitar de adoção da criança ou do adolescente por família substituta. (COELHO, 2012, p. 181).

Para Gonçalves (2013, p. 362), “adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”. De acordo com Diniz (2002, p. 416), adoção é um ato jurídico solene em que, observando-se os re-quisitos legais, estabelece-se um vínculo fictício de filiação entre uma família e uma pessoa que lhe é estranha.

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No que tange aos requisitos para a adoção, é necessário observar que houve al-gumas modificações substanciais no processo de adoção elencado pela legislação atual dos dispositivos anteriores. Para Wald et al. (2009, p. 322), o Código Civil procurou manter algumas questões referentes à adoção já colocadas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, subsistiram, por exemplo, a vedação da adoção por procuração, a obrigatoriedade do estágio de convivência, a irrevo-gabilidade da perfilhação, dentre outros pontos essenciais para que os objetivos do instituto sejam alcançados.

No Código Civil Brasileiro de 2002 a adoção veio contemplada no âmbito do Direito de Família. A primeira regra a ser observada é a da igualdade na filiação, disposta no artigo 15965 do Código Civil. Os direitos e qualificações se estendem a todos os filhos, e a discriminação é proibida.

Essa primeira resolução já estabelece um parâmetro importante para o instituto da adoção. A igualdade na filiação foi uma conquista fundamental da legislação civilista, tendo em vista que, em épocas anteriores, a relação adotante-adotado era diversa, muito influenciada por certos padrões sociais.

Dentre os requisitos principais a serem observados para que seja efetivada a ado-ção, o primeiro a ser considerado é o fator da idade. Segundo Wald et al. (2009, p. 323), houve uma redução da idade mínima para o adotante, prevista no Código Civil de 2002, passando a ser de 18 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também traz esse requisito em seu artigo 426, em redação dada pela Lei 12.010/09, que representou uma inovação nos critérios de adoção.

Na redação do § 2º7, tem-se que para adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

Na análise de Silva (2010, p. 21), o dispositivo expõe que aqueles que desejam adotar conjuntamente deverão, portanto, comprovar o casamento civil ou a con-vivência por união estável. Mesmo com o fim do casamento o processo de adoção, como mencionado no artigo, terá continuidade, desde que tenha o estágio de convi-vência iniciado na constância do matrimônio.

Já as palavras de Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 124) sobre o dispositivo:

Para as pessoas casadas ou para os conviventes, além dos requisitos anteriormente cita-dos para a pessoa solteira, há que se ter a comprovação da estabilidade familiar com a atual redação. E, quanto, à diferença de idade entre adotantes e adotando, basta que um daqueles seja maior de 18 (dezoito) anos e tenha 16 a mais que o adotando.

Para adotar, contudo, faz-se necessário haver uma diferença mínima de dezes-seis anos entre o adotante e o adotado, de acordo com o artigo 42, § 3º8 do ECA. No entendimento de Gonçalves (2013, p. 383), citando Monteiro, com a exigência de diferença de idade entre ambos:

5 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

6 Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. 7 Art. 42. § 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente

ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.8 Art. 42. § 3º. O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

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Quer a lei instituir ambiente de respeito e austeridade, resultante da natural ascendência de pessoa mais idosa sobre outra mais jovem, como acontece na família natural, entre pais e filhos. Com mais forte razão, não se adite que o adotado seja mais velho que o adotante. Semelhante adoção contraria a própria natureza (adoptio naturam imitatur et pro monstro est, ut major sit filius quam pater).

De acordo com Coelho (2012, p. 186), a exigência da diferença de idade como premissa para a adoção parte do pressuposto de que é necessário evitar a utilização do instituto por aqueles que, de maneira evidente, não possuem as condições necessárias para responsabilização como pai e mãe.

É possível compreender, nesse sentido, que, ao lançar mão desse dispositivo, o le-gislador procurou estabelecer parâmetros confiáveis acerca da adoção, tratando-a como um instituto promovedor da formação de uma família, em que os laços característicos precisam ser preservados.

Em se tratando do instituto da adoção, que envolve dois polos para sua concreti-zação, é preciso atentar pelo bem estar de ambos, sobretudo do adotado, dado o fato de que uma nova família estará sendo estabelecida a partir de então. Logo, tomou-se como requisito fundamental o consentimento do adotado, seja pessoalmente ou por via de seus representantes, dependendo do caso. No entendimento de Wald et al. (2009, p. 324), adoção requer consentimento dos pais ou representantes legais do adotado, desde que os mesmos não sejam desaparecidos ou destituídos do poder familiar.

Tal disposição está elencada no artigo 459 do Estatuto da Criança e do Adoles-cente. Faz-se necessária a atenção, da mesma forma, ao consentimento obrigatório do adolescente quando for adotado (art. 45, § 2º, ECA)10, considerado este com mais de doze anos.

A ideia do consentimento aborda, de maneira mais ampla, uma necessária pro-moção e efetivação do melhor interesse da criança quando do estabelecimento do vínculo adotivo. Para Coelho (2012, p. 183):

A criança ou adolescente deve experimentar, com a adoção, uma mudança substancial de vida e para melhor. A mudança pode não ser econômica e patrimonial, mas desde que seja palpável, justifica-se a medida. Se o menor continuar desamparado ou piorar sua condição material, a adoção não poderá ser concedida.

No intento de que haja um conhecimento maior entre o adotante e o adotado, buscando uma efetiva adaptação do último à nova família, estabeleceu-se o estágio de convivência, disciplinado pelo artigo 4611 do Estatuto da Criança e do Adolescen-te. Segundo Silva (2008, p. 29), o estágio de convivência serve como experimento de convívio do adotado com os adotantes, de modo a gerar adaptação à nova família ou evitar adoções ocorridas de modo precipitado.

É considerado também requisito objetivo e indispensável ao ato adotivo que seja realizado por meio da via judicial, conforme art. 4712 do Estatuto da Criança e Ado-

9 Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.10 Art. 45. § 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário

o seu consentimento.11 Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo

prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.12 Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro

civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. § 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

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lescente. Para Diniz (2011, p. 557), esse somente se aperfeiçoa perante o juiz, em processo judicial, com a intervenção do Ministério Público, inclusive em caso de adoção de maiores de 18 anos.

Entretanto, com a entrada em vigor da lei 12.010/2009, há um novo posiciona-mento nessa questão, já que se adicionou ao artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente a figura da família extensa. Inclui-se, nesse sentido, no aspecto familiar, os parentes próximos com os quais há o convívio da criança e do adolescente, onde existam vínculos afetivos e de afinidade.

Ainda de acordo com a referida lei, a criança não poderá ser mantida em programa de acolhimento institucional por um prazo superior a dois anos, salvo comprovada necessidade, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

É possível perceber, nesse sentido, que o caminho para a efetivação da adoção é longo, burocrático, e exige observação séria de diversos requisitos. Logo, a abran-gência da adoção no ordenamento jurídico brasileiro é calcada no respeito a princípios fundamentais e aos direitos humanos, tendo em vista que gera efeitos de cunho pes-soal e patrimonial para as partes envolvidas no processo. Tal questão será abordada no próximo tópico.

2.3 Efeitos da Adoção

Como ato jurídico solenemente realizado, provocador de transformações no âmbito familiar de partes determinadas, a adoção é geradora de efeitos, que es-tão viabilizados em duas ordens: pessoal a patrimonial. De acordo com Gonçalves (2013, p. 386), os efeitos da adoção podem estar vinculados a uma ordem pessoal ou patrimonial. Os que se relacionam a primeira estão atrelados ao parentesco, ao po-der familiar e ao nome, enquanto os efeitos de ordem patrimonial atingem a questão dos alimentos e do direito de sucessão.

Nota-se, portanto, que a partir da adoção, adotante e adotado ficam providos de mútuas obrigações e direitos, resultando na mudança da estrutura de vida de ambos. Ao instituir tais efeitos, o legislador buscou legitimar o processo de adoção, conferindo-lhe seriedade e efetividade no que tange ao âmbito jurídico.

Logo, é possível compreender que o instituto da adoção, quando concretizado, é ato de irrevogabilidade expressa. Significa dizer que, uma vez instituída a filiação por vínculo adotivo, nada mais pode rompê-lo. Conforme Furlanetto (2006, p. 15):

Dentre os vários efeitos que a norma estatutária estabelece, o principal deles está no fato de tratar-se de ato irrevogável. Destarte, a irrevogabilidade da adoção impede, à evidência, o restabelecimento do poder familiar dos genitores do adotando, obstando,

§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado. § 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do

Município de sua residência. § 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. § 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá

determinar a modificação do prenome. § 6º Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotan-

do, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. § 7º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto

na hipótese prevista no § 6º do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito. § 8º O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em ar-

quivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo.

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desta forma, em qualquer hipótese, seja por morte dos adotantes ou até mesmo arre-pendimento, o retorno da criança ou adolescente ao lar original.

A situação de irrevogabilidade é o que confere uma margem de segurança ao adotado e ao adotante, haja vista que fixa um laço de relações mútuas inseparáveis do ponto de vista jurídico. É por tal premissa que se pode estabelecer solidez ao po-der familiar constituído pelo ato adotivo.

Faz-se necessário compreender, todavia, qual o momento correto em que a ado-ção se torna efetiva, ou seja, a partir de que instante começam-se a valer os vínculos obrigacionais entre adotante e adotado. Na visão de Wald et al. (2007, p. 327), a efi-cácia da adoção se dará quando do trânsito em julgado da sentença decretadora da mesma, com exceção da modalidade de adoção post mortem.

Assim, restam-se atrelados ao adotante e ao adotado os diversos efeitos da adoção. No que concerne aos efeitos de cunho pessoal, estes se subdividem em três grupos principais: a questão do parentesco, do estabelecimento do poder familiar e do nome.

Em se tratando de adoção, há a geração natural de um vínculo de parentesco entre as partes. Salienta-se que não existem elementos biológicos, mas sim de afini-dade, construída pelo processo adotivo. Ainda assim, adotante e adotado se tornam parentes, equiparando-se à relação com os consanguíneos, conforme preceitua o artigo 227, §6º13 da Constituição Federal de 1988.

Tal disposição tem como objetivo obedecer ao princípio da equidade na estru-tura familiar, de modo que o adotado seja dotado dos plenos direitos estabelecidos para qualquer filho biológico do adotante. É uma norma visando proibir quaisquer que sejam as discriminações tangentes à filiação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 41, caput14, também pre-ceitua da mesma forma. Nota-se que a expressão mesmos direitos e deveres é uma afirmação categórica da igualdade, reforçando o caráter indissolúvel do ato. Para Gonçalves (2013, p. 386):

Essa a principal característica da adoção, nos termos em que se encontra estruturada no novo Código Civil. Ela promove a integração completa do adotado na família do adotante, na qual será recebido na condição de filho, com os mesmos direitos e deveres dos consanguíneos, inclusive sucessórios, desligando-o, definitiva e irrevogavelmente, da família de sangue, salvo para fins de impedimentos para o casamento.

Após o trânsito em julgado da decisão proclamatória da adoção é necessário ins-crevê-la no registro civil, a fim de que seja efetivado o vínculo de parentesco. Assim sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe tal disposição em seu artigo 47, §1º e §2º. A inscrição no registro civil fornece a certidão, importante documento, que sacramenta o processo de adoção e faz com que vijam, desde então, os efeitos da adoção no que tange ao estabelecimento de parentesco.

Outra mudança que o ato adotivo provoca é a reestruturação do poder familiar. Com o desligamento do adotado em seus vínculos com a família biológica, o poder familiar naturalmente se transfere para o adotante, que fica obrigado a cumprir os

13 Art. 227. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

14 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedi-mentos matrimoniais.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

seus deveres e gozar dos direitos inerentes a si, em conformidade com aquilo que expressa o artigo 1.63415, do Código Civil de 2002.

Percebe-se que, pelo caput do referido artigo, que a competência de ambos os pais é o pleno exercício do poder familiar. Essa disposição inclui, nos incisos se-guintes ao artigo, uma série de obrigações que estabelecem desde o provimento de educação para a prole, como cuidados inerentes à guarda dos filhos, permissões e concessões das quais o menor não pode dispor.

Faz-se necessário destacar que, em conformidade com o já estabelecido no Es-tatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil, em seu artigo 1.635, inciso IV16, prevê a extinção do poder familiar dos pais biológicos sobre o adotado. Significa dizer que a estrutura familiar nova, calcada na relação adotante-adotado, passa a ser efetiva também na realidade prática, perpassando a ideia meramente documental.

No tocante ao nome, ainda sob a égide dos efeitos de ordem pessoal, observa-se que há, para o adotado, a modificação de seu nome, já que passa a fazer parte da família do adotante. No artigo 47, §5º17 do ECA, com redação dada pela Lei 12.010/2009, há tal disposição.

No entendimento de Borba (2004, p. 38):

Nada mais natural que a mudança do nome, haja vista ser preciso que o adotando passe a utilizar o nome do adotante, porém, há que se pensar se a mudança do prenome não acarretará prejuízo ao adotando, já que ele é conhecido por todos e já está acostumado com o prenome de batismo.

A visão fornecida pela autora é um ponto reflexivo para quem analisa os aspec-tos principais da adoção, mas a mudança do nome é natural. Ao estabelecer novo vínculo se inicia uma vida nova para ambos; assim sendo, torna-se compreensível esse processo de transformação.

Dos efeitos de ordem patrimonial gerados pela adoção, é possível destacar dois grupos, em que incidem as regras relativas ao ato adotivo: dever de prestação de alimentos e direito sucessório.

Quanto ao primeiro é fácil entender que, estabelecendo-se a relação de paren-tesco, passa a viger a obrigação de prestação de alimentos. Para Furlanetto (2004, p. 16), tal direito decorre da natural transferência do poder familiar aos adotantes, extinguindo-se as relações com os pais de sangue.

Já no que tange ao direito sucessório há uma amplitude muito maior. Partindo do ato de adoção, a relação entre adotante e adotado também tem suas caracterís-ticas próprias quanto aos direitos hereditários. É uma decorrência natural das ga-rantias evidenciadas pelo ordenamento jurídico, como expressa o artigo 41, §2º18 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A questão da reciprocidade no direito sucessório fixa, nesse sentido, efeitos de alcance mais longo, envolvendo direta ou indiretamente outros membros, obser-vando a questão da vocação hereditária. Na jurisprudência, tem se observado uma intenção de efetivar as disposições constitucionais da igualdade e da equidade na

15 Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

16 Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: IV - pela adoção17 Art. 47. § 5o A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles,

poderá determinar a modificação do prenome. 18 Art. 41. § 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus

ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária.

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G. C. Tonin, J. C. K. Bortoloti

relação entre adotante e adotado. É o que demonstra a presente Apelação Cível, do TJ-MG, em que são ressaltados os dispositivos constitucionais para o provimento da ação:

PETIÇÃO DE HERANÇA. HABILITAÇÃO DE IRMÃO ADOTIVO. ADOÇÃO SIM-PLES. ÓBITO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. EFEITOS DO DISPOSTO NO ART. 227 DA CF/88. PROCEDÊNCIA. O art. 375 do Código Civil de 1916 admitia, em relação aos menores em situação regular, que a adoção fosse efetivada via escritura pública. Atendidos os requisitos legais, a adoção produziu seus efeitos jurídicos e é válida. Os artigos 377 e 1.605, § 2º, do Código Civil de 1916, tornaram-se, posteriormente, incompatíveis com a nova ordem constitucional já que por ela não foram recepcionados. Não há declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos por não haver inconstitucionalidade com Constituição futura. A não re-cepção, como se sabe, dispensa a reserva de plenário. A Constituição Federal de 1988 aboliu toda diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados, sem qualquer ressalva de situações preexistentes. Todos passaram a ter os mesmos direitos e em igualdade de condições, inclusive quanto a direitos sucessórios. A sucessão rege-se pela lei vigente ao tempo da sua abertura, o que ocorre com o óbito. É nesse momento que se dá a transmissão da herança e o direito sucessório incorpora-se ao patrimônio dos herdeiros. Se o filho adotado concorre com os demais irmãos na herança do pai adotivo, também o irmão adotivo tem o direito de concorrer à herança da irmã adotiva.

O mesmo ocorre no Agravo de Instrumento julgado procedente em 1992, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS):

FILHO ADOTIVO. DIREITOS HEREDITÁRIOS. SE O ÓBITO DE CUJOS OCORREU APOS A VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, OFILHO ADOTIVO FAZ JUS AOS DIREITOS HEREDITÁRIOS, MERCE DA IGUALDADE IMPOSTA PELA CARTA MAGNA, LEI VIGENTE NA DATA DA ABERTURA DA SUCESSAO. (Agravo de Instrumento Nº 592070841, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Andrades Carvalho, Julgado em 10/09/1992).

As duas ementas expostas ilustram bem o quão importante foi a Constituição Federal de 1988 na promoção da igualdade entre adotados e consanguíneos, tendo em vista que, em matéria de Direito de Família e também de Sucessões, é característica comum uma readequação no âmbito familiar, provocadas pelo processo de adoção.

Compreendendo-se os efeitos gerados por tal instituto, é possível perceber que efetivá-la na prática requer muito comprometimento de ambas as partes, a fim de que este processo seja exitoso.

Tais responsabilidades também incidem sobre a adoção internacional, modali-dade prevista no ordenamento jurídico, dotada de peculiaridades próprias. Acerca desse ramo da adoção e suas implicações efetivas na relação adotante-adotado, já que envolve questões de transnacionalidade, serão analisadas no próximo tópico.

2.4 Da adoção internacional

No âmbito da adoção, enquanto instituto presente no ordenamento jurídico bra-sileiro emerge como forma legalmente disposta a adoção internacional. Tal prática funciona de modo em que estrangeiros, ou brasileiros residentes em outro país, podem vir a adotar crianças brasileiras, acolhendo-as de acordo com os procedimentos pre-vistos na legislação nacional.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

Para Kistemann (2008, p. 9), é possível definir adoção internacional como sendo aquela em que adotante e adotado possuem residência fixa em países diferentes. Logo, não está atrelada apenas à adoção por parte dos estrangeiros, mas também por parte de nacionais que estejam fora do país.

No entendimento de Silva (2008, p. 35):

A adoção por estrangeiro, disseminada como adoção internacional ou transnacional é um instituto jurídico de ordem pública que tem por finalidade conceder a uma criança ou adolescente em estado de abandono a possibilidade de se ver como membro de uma família (substituta), no qual o domicilio se dá em outro país, restando-lhe assegurados o bem estar e a educação, desde que obedecidos às normas do país do adotando e do adotante.

Na visão de Mendes (2007, p. 39), o grande número de crianças disponíveis para adoção, cominado com a pouca demanda, provocou a colocação das crianças sob a acolhida de famílias de outros países.

Segundo expressa Carvalho (2013, p. 7), após o fim da Segunda Guerra Mundial a situação dos países estava caótica, e o número de órfãos se multiplicou. O número de adoções por parte de estrangeiros, nesse sentido, também cresceu, fazendo com que os Estados estabelecessem acordos e tratados para disciplinar a questão da ado-ção internacional.

Conforme Kistermann (2008, p. 10), a partir dos anos oitenta a adoção internacional ganhou novas dimensões, motivadas, sobretudo, pelos instrumentos internacionais que surgiram a fim de que fosse disciplinada a questão na legislação dos países.

No entendimento de Santos (2011, p. 10), há certa vantagem nesse modo de adoção, pois vincula a uma família permanente criança ou adolescente que se encontre em si-tuação de vulnerabilidade, sem que tenha encontrado em seu país de origem família adequada.

Observada sua condição de importante instituto no âmbito do Direito de Família, com repercussão até mesmo na esfera dos direitos humanos, a adoção internacio-nal foi colocada sob novo conceito, passando-se, portanto, a ser determinada por condições jurídicas tuteladas. Ou seja, passou a vigorar sob a égide do ordenamento jurídico, a fim de fosse dotada de legitimidade.

Na visão de Kistemann (2008, p. 22), nas primeiras adoções internacionais rea-lizadas no Brasil, havia a vigência do Código de Menores. A preocupação da época era o encontro de uma criança para o casal interessado, e não o contrário, como ocorre na atualidade. A legislação contemporânea prioriza o interesse da criança como sendo o mais importante.

Ainda de acordo com Kistemann (2008, p. 26), em 1990 entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo-se revogar as leis anteriores, incluindo-se o Código de Menores de 1979. A única forma de adoção com previsão legal passa a ter caráter irrevogável, transferindo-se o poder familiar da família biológica para a ado-tante. O adotado, por consequência, passa a fazer parte da linha de filiação direta com sua nova família (até a quarta geração).

Observa-se, nesse sentido, que o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe uma mudança paradigmática no que tange ao instituto da adoção. Novas regras foram instituídas, influenciadas pela então recente Constituição Federal, pro-mulgada em 1988.

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G. C. Tonin, J. C. K. Bortoloti

Na Carta Constitucional é possível observar no artigo 227, § 5º19, a disposição acerca da garantia da adoção por parte dos estrangeiros, devidamente assistida pelo Poder Público. A disposição constitucional leva em consideração uma atenção espe-cial que o legislador procurou observar no que concerne à família.

Todavia, a adoção de cunho internacional deve ser relativizada perante a pos-sibilidade de que a criança ou adolescente seja colocado em família brasileira. A adoção internacional, nesse sentido, torna-se uma opção de exceção. Conforme explicita Costa (2008, p. 5),

A colocação em família substituta, seja nacional ou estrangeira, deve ser encarada como um remédio subsidiário, e não principal, para o desamparo da criança. Sua excep-cionalidade, como recurso jurídico perante as diversas situações que conduzem ao aban-dono dos menores, leva à priorização da família de origem. Somente não existindo quem cumpra razoavelmente as funções de assistência à criança na família biológica e não sendo possível mantê-la junto dela é que se recorre aos meios subsidiários de proteção.

No que tange à parte procedimental para efetivar uma adoção, faz-se necessário observar as disposições legais para tais, acrescidas, no caso da adoção internacional, das regras específicas evidenciadas pelo ECA. Para Barros et al. (2012, p. 15),

Em linhas gerais, cada país, de acordo com a Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, deverá ter uma Autoridade Central em matéria de adoção internacional. O casal ou pessoa residente no exterior que tenha interesse em adotar uma criança ou adoles-cente brasileiro deverá fazer um pedido de habilitação perante a autoridade central do país onde reside. No caso brasileiro, a autoridade central federal é representada pela Se-cretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), ligada diretamente ao Presidente da República. Há, ainda, a possibilidade de cada estado ter sua autoridade central estadual, chamadas de Comissões Estaduais de Adoção Internacional (CEJAI).

Perceba-se que há um vínculo entre as disposições legais do Brasil com a Con-venção de Haia, que disciplinou a proteção às crianças e a cooperação em matéria de adoção internacional. Logo, o primeiro passo para que uma adoção de caráter transnacional ocorra está atrelado aos órgãos do Poder Público, que tem por função exercer os preceitos da referida Convenção. A disposição acima referida tem sua base no artigo 52, inciso I20, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A análise desse pedido será realizada pela Autoridade Central, que tem por obri-gação considerar apto ou não o adotante para concretização da adoção. Dá-se a emissão de um relatório contendo as informações sobre os adotantes, de modo que se possam avaliar quais são as premissas básicas motivadoras da legislação, conforme determina o artigo 52, II21, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

19 Art. 227. §5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

20 Art. 52. I - a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasilei-ro, deverá formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual.

21 Art. 52. II - se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a iden-tidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

Realizada a minuciosa análise por parte da Autoridade Central Estadual, sob os preceitos fundamentais estabelecidos na legislação nacional e na Convenção de Haia de 1993, haverá a expedição de um laudo habilitando para a adoção internacio-nal, segundo o disposto no artigo 52, VII22, do ECA. De acordo com o que disserta Mendes (2007, p. 16):

Posteriormente será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, com validade de, no máximo, um ano, no caso de haver compatibilidade da legislação estrangeira com a brasileira e se todos os requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu defe-rimento estiverem preenchidos. Com o laudo de habilitação, a pessoa ou casal interes-sada será autorizada a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual.

A referida habilitação se torna indispensável quando se parte da premissa da importância da análise contextual pelas autoridades, de modo a aferir se o cumpri-mento das garantias está sendo observado. O instituto da adoção depende substan-cialmente de tal análise, visto que é preciso garantir sempre a melhor condição para a criança ou adolescente.

Tomadas as medidas necessárias, ou seja, autorizada e processada a habilitação para que a adoção de cunho internacional seja efetivada, há a liberação do adotado em favor do adotante. De acordo com o que expressa o artigo 52, §8º23, do ECA, não há possibilidade de saída do país do adotando se não houver o trânsito em julgado da decisão autorizadora da adoção internacional.

Tal medida é garantia de proteção às garantias fundamentais da criança e do adolescente, de modo em que se possa controlar o processo de adoção. Após o trân-sito em julgado se possibilita a saída do adotando, com autorização judiciária no que concerne à viagem (artigo 52, §9º24, ECA). Como elemento de caráter protetivo, a Autoridade Central Federal Brasileira pode solicitar informações sobre as crianças e adolescentes adotados, de acordo com o artigo 52, § 1025, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tais disposições envolvendo o processo de adoção, e aqui explicitado o da ado-ção internacional, estão calcadas em uma gama extensa de princípios. As garan-tias fundamentais e principiológicas estabelecidas pela Constituição Federal e pelos Tratados, Pactos e Convenções solidificaram a primazia pela proteção dos direitos humanos mais básicos.

22 Art. 52. VII - verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibili-dade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulan-tes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano.

23 Art. 52. § 8o Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a saída do adotando do território nacional.

24 Art. 52. § 9o Transitada em julgado a decisão, a autoridade judiciária determinará a expedi-ção de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado.

25 Art. 52. § 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados.

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G. C. Tonin, J. C. K. Bortoloti

Logo, não se pode tratar de elementos de adoção sem observar as referidas ga-rantias. Os princípios precisam garantir, sobretudo, a efetividade da proteção à criança e ao adolescente. Este tema será tratado no próximo capítulo, em que será realizada uma abordagem substancial acerca das garantias fundamentais e como as mesmas repercutem no ordenamento jurídico brasileiro.

3 Garantias fundamentais da criança e do adolescente

Na contemporaneidade é impossível tratar de elementos jurídicos, sejam os po-sitivados nas legislações pátrias, sejam os consuetudinários, sem vinculá-los à gama de garantias fundamentais formadas ao longo do tempo. Tais garantias possuem relação direta com as leis amplamente protetivas da atualidade, demonstrando que a imposição jurídica à sociedade não se fundamenta sem os alicerces de princípios norteadores de todos os atos.

Faz-se necessário, portanto, compreender a formação de tais garantias, sobre-tudo no tocante dos direitos humanos, haja vista que esse é o movimento domi-nante das últimas décadas na ordem internacional. Nesse sentido, o presente capí-tulo abordará os principais fatos formadores da noção garantista atual inerente ao menor, como forma de compreender a evolução da humanidade no tratamento a crianças e adolescentes.

3.1 A evolução histórica dos Direitos Humanos

A compreensão da sistemática atual das garantias elucidadas a nível internacional, vinculadas aos direitos humanos, depende da análise concreta acerca de sua histo-ricidade. Os aspectos mais relevantes da temática dos direitos humanos foram, pau-latinamente, moldados de acordo com as convenções sociais, políticas, econômicas e culturais de cada época.

Logo, quando se trata atualmente da problemática de efetivação de garantias fun-damentais à criança e ao adolescente, está-se lançando o desafio de compreender todo o movimento dinâmico por trás de tais direitos. E de como, da mesma forma, a so-ciedade aceitou tais reorganizações, passando a ser também elemento crucial para os processos de transformações culturais e jurídicas observados na contemporaneidade.

É possível notar que desde a Babilônia, em meados do século XVIII a.C., por meio do Código de Hamurabi, há um movimento de tentativa de afirmação de va-lores éticos fundamentais, da qual deriva a história dos direitos humanos em si. Segundo Herkenhoff (2000, p. 33) na Antiguidade, não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do Estado. As leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos que pudessem ser exigidos em face do poder estatal.

Segundo Comparato (2003, p. 40), houve uma primeira ação no sentido de limi-tação do poder político, encontrada no século X a.C., quando da instituição do reino de Israel. A responsabilidade da aplicação da lei divina fica sob a égide do Rei Davi26, quebrando com a tradição monárquica da controvérsia entre o rei que era um deus e legislador arbitrário, ao mesmo tempo.

26 Importante personagem da historicidade bíblica, Davi foi Rei de Israel após Saul, do ano 1003 a 971 a.C. Davi era visto como valente e vigoroso, muito prudente com as palavras. Foi ele quem conquistou a cidade de Jerusalém, tornando-a a capital do Reino Unido de Israel. (MONTEFIORE, 2013, p. 53).

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

Conforme Martins (2003, p. 21), o sentido exposto na Grécia Antiga relata a condição grega de posicionar o homem ao centro da questão filosófica, sinalizando uma quebra de paradigma da visão mitológica da realidade para uma concepção puramente antropocentrista.

No entendimento de Lafer (1998, p. 35), foi da Grécia que partiu, da mesma forma, a premissa do entendimento de o direito natural superior ao direito positivo. Significa dizer que foi concebida uma distinção entre a lei particular, concernente a cada povo, e a lei comum, que é tangível à própria natureza humana.

Observa-se, portanto, que a condição grega vinculada ao pensamento filosófico ajudou a moldar uma noção, de certa forma apurada, acerca da natureza humana e sua concepção sobre direitos. Ao analisar o homem como sendo criatura racional, proporcionou-se um entendimento de aplicação do direito natural sobre ele, elevan-do-o a uma categoria superior.

Para Israel (2005, p. 53), houve colaboração extensa dos estoicos no reconheci-mento de direitos tangíveis à condição humana, partindo da ideia de que é neces-sária a defesa de uma liberdade interior de cunho inalienável. Tal pensamento foi, mais tarde, também defendido e propagado por Cícero27.

De acordo com Miranda (2000, p. 16), na Roma clássica se deu a existência do ius gentium, que dava aos estrangeiros alguns direitos, ainda que inferiores aos con-feridos aos romanos. Comparato (2003, p. 43) ressalta que a possibilidade de parti-cipação do povo nas decisões de cunho político era vista como sendo elemento de limitação no exercício do poder político.

A Magna Carta, outorgada por João Sem-Terra no século XII, é um dos elemen-tos basilares para compreender a essência de tais documentos. No entendimento de Comparato (2003, p. 71), tal documento foi:

Fruto das pressões da nobreza pelo aumento do financiamento a campanhas bélicas e também pela intervenção da Igreja pela submissão do Rei à autoridade papal. Vários di-reitos foram reconhecidos com o advento de tal documento, tais como a liberdade eclesial, a propriedade privada, a liberdade do ir e vir, a extinção dos impostos, no mesmo ritmo em que promovia a desvinculação da lei e da jurisdição do âmbito pessoal do monarca.

Nesse sentido, observa-se o princípio daquilo que futuramente seria tratado como sendo um elemento indispensável nas democracias modernas: a limitação do po-der político. Ao promover essa garantia, mais uma série de outros direitos foram proclamados, de modo que a Magna Carta passou a ser um importante pilar de sustentação de uma visão diferenciada sobre o poder, sua dinâmica de atuação e as importantes engrenagens do sistema voltadas ao respeito básico ao ser humano.

No que tange à ideia de dignidade e igualdade do ser humano, ressalta Magalhães (2000, p. 18), é importante notar a contribuição das definições de Santo Tomás de Aquino, partindo da premissa de que o homem é à imagem e semelhança de Deus. Por meio de seus escritos se pode compreender a existência de quatro classes de lei, sendo elas a lei eterna, lei natural, lei divina e lei humana, sendo que esta última

27 Grande orador e jurista romano, viveu de 106 a 43 a.C. Conforme expressa Bernardo (2012, p. 16), Cícero possuiu uma formação filosófica muito eclética, trabalhando com múltiplas teses e opiniões. Foi forte opositor ao epicurismo, tendo em vista a defesa dessa doutrina de que o sábio deveria se abster de aos assuntos relacionados à política e à vida pública. Sua obra mais importante foi Da Re Publica, em que expressou diálogos voltados à ética, a justiça e a boa-fé, tendo sido um dos mais importantes pilares do Direito.

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G. C. Tonin, J. C. K. Bortoloti

atrelada à vontade do soberano, ainda que houvesse sua limitação por parte da vontade de Deus. Para Dallari (2000, p. 54):

No final da Idade Média, no século XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de Aquino, que, tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser humano tem direitos na-turais que devem ser sempre respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelião dos que forem submetidos a condições indignas.

Depreende-se, nesse sentido, a configuração de uma noção mais clara dos direitos naturais, sendo estes colocados sob os desígnios divinos, conforme o pensamento de Santo Tomás de Aquino. Pode-se afirmar que tais considerações ainda não fizeram surtir efeitos mais claros, tendo em vista que os direitos humanos em seu módulo de universalidade se dirigiam apenas aos estamentos, dentro de um limite territorial. Foi, porém, partindo dessas premissas, que se constituíram as bases formadoras do Estado Moderno.

Outro ponto fundamental no reconhecimento de direitos inerentes à pessoa hu-mana se deu por meio da Reforma Protestante, com a contestação à uniformização ditada pela Igreja Católica, conferindo uma importância de cunho racional e pessoal ao disposto nas Sagradas Escrituras.

Todavia, de acordo com o expresso por Rubio (1998, p. 82), a efetivação concreta dos direitos tangentes à pessoa humana foi verdadeiramente impulsionada pelas Re-voluções Inglesa, Francesa e Americana, que influenciaram diretamente, inclusive, a redação de diversas constituições pelo mundo a partir do século XIX.

Segundo Aragão (2001, p. 32) com o advento do Bill of Rights, em 1689, os direitos do indivíduo de liberdade, segurança e propriedade privada foram contemplados, sendo que os mesmos já haviam ganhado espaço em outros importantes documentos, mas foram ignorados e violados constantemente pelo poder real.

De acordo com Siqueira e Piccirillo (2009, p. 18) a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a quatro de julho de 1776, ressalta que todos os homens são iguais perante Deus e que este lhes deu alguns direitos inalienáveis acima de qualquer poder político, citando a vida, a liberdade, a busca pela felicidade e que a separação política se deu devido a uma série de abusos cometidos pelo Rei da Inglaterra.

Todavia, apenas no ano de 1789 é que surge a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, marco fundamental enquanto documento declaratório de direitos fundamentais, tendo como principal base a pluralidade e universalidade dos direitos consagrados, onde “a sociedade que não tenha garantido os direitos fundamentais do cidadão, nem a separação dos poderes não tem constituição”.

Conforme Fioravanti (2003, p. 83), o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão destacou a linearidade do alcance dos direitos fundamentais, concebendo sua trajetória de sucesso, “de modo que não há praticamente consti-tuições que não tenham dedicado espaço aos direitos ou liberdade fundamentais”.

Dessa forma, Siqueira e Piccirillo (2009, p. 18), reforçam a importância da Decla-ração Universal dos Direitos do Homem, quando aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris em 1948. Neste momento destacou-se a internaciona-lização dos direitos humanos, fixando-se agora em um contexto internacional os direitos fundamentais, o que naturalmente ensejaria uma maior prevalência destes no contexto do ordenamento jurídico interno.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

Com todo esse cabedal de mecanismos de direitos humanos, pautados em uma construção histórica, foi possível edificar um caminho de sustentação e afirmação de garantias fundamentais concernentes especialmente à criança e ao adolescente. Sobre tal questão haverá abordagem no próximo tópico.

3.2 Construção internacional das garantias fundamentais da criança e do adolescente

O estabelecimento de garantias fundamentais no ordenamento jurídico dos paí-ses ocidentais está atrelado a uma construção histórica internacional das premissas primordiais de tais garantias. A formatação das normas encontradas na contem-poraneidade, e aqui analisadas as normas brasileiras, teve sua origem calcada na ideia dos direitos humanos, tornando determinados elementos como indissociáveis à efetivação dessas garantias.

Considerada a égide dos direitos humanos, faz-se necessário compreender que sua dinâmica de atuação, ou seja, sua afirmação na legislação pátria, ocorreu através de um processo contínuo de universalização dos mesmos. Mazzuoli (2002, p. 212), aponta que o sistema normativo internacional de proteção aos direitos humanos derivou de muitas lutas históricas, sendo possível sua abrangência, na atualidade, pelos inúmeros tratados e pactos firmados ao longo do tempo, essenciais ao processo, lento e gradual, de internacionalização e universalização de tais direitos.

Para Piovesan (2012, p. 185):

O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio internacional às atrocidades cometidas no holocausto.

Sob a ótica da criança e do adolescente, essa multifacetada gama de documentos históricos, ligados aos direitos humanos e à necessidade de proteção especial do me-nor, evidenciou uma renovação paradigmática na ordem internacional. As diversas declarações e tratados constituídos especialmente para a criança e o adolescente pos-sibilitaram a incorporação de tais premissas na ordem jurídica nacional, forjando o caráter plural da legislação atual.

No presente tópico será analisada a construção histórica dos direitos fundamentais ligados à criança e ao adolescente, de modo a abordar os pontos mais relevantes de cada documento e colocá-los sob a égide construtiva do estudo apresentado.

3.2.1 Declaração de Genebra de 1924Na visão de Monteiro (2006, p. 116), o advento do século XX trouxe novas re-

flexões no que tange à ideia de infância, considerando os aspectos pedagógicos, so-ciológicos, políticos. Iniciou-se, então, um processo de reconsideração da infância enquanto necessitada de direitos e garantias fundamentais, tendo tal tese obtido im-pulso com a criação de diversas sociedades não governamentais voltadas às causas dos menores.

Tomando por base os debates realizados na comunidade internacional pautados sob tais redefinições, foi-se constituindo, de maneira paulatina, um movimento convergente de diálogo, na busca por implantar mecanismos que observassem os

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direitos da criança e do adolescente. O primeiro documento surgido na ordem in-ternacional versando acerca de direitos e garantias básicas atreladas à criança e ao adolescente foi a Declaração de Genebra, de 1924.

Nas palavras de Monteiro (2006, p. 117),

No âmbito de todas estas movimentações, em benefício da criança e da infância, eis que a 26 de setembro de 1924 é aprovada por unanimidade a “Declaração dos Direitos da Criança da Sociedade das Nações”, posteriormente denominada “Declaração dita de Genebra”. Esta aprovação terá constituído a primeira formulação de um direito inter-nacional das crianças.

O conteúdo da referida Declaração, embora simples, possui uma profundidade pungente, tendo em vista ser este documento o precursor de todos os outros, aten-tando especialmente à infância. Arantes (2012, p. 1) expõe de forma sintética os princípios norteadores da Declaração de Genebra:

1. A criança deve ser dotada dos meios necessários para o seu desenvolvimento normal, tanto materialmente quanto espiritualmente. 2. A criança que está com fome deve ser alimentada, a criança que está doente deve ser ajudada, a criança que se desvia deve ser recuperada, e o órfão e a criança abandonada devem ser protegidos e socorridos.3. A criança deve ser a primeira a receber socorro em tempos de aflição.4. A criança deve ser colocada em posição de ganhar a vida e deve ser protegida contra toda forma de exploração. 5. A criança deve ser criada na consciência de que suas melhores qualidades devem ser postas a serviço da humanidade.

Observa-se, nesse sentido, que a disposição dos participantes da formação da presente Declaração era colocar determinados deveres para com as crianças, de modo com que essas tenham prioridade na proteção sob determinados casos. Indica--se, portanto, uma noção ainda superficial acerca dos direitos da criança propriamente ditos, mas verdadeiramente promissora sob o ponto de vista jurídico e moral, dada a época em que foi criada.

Partindo da Declaração de Genebra de 1924, surge em 1959, sob um diferenciado contexto mundial, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, incorporando, a partir daí, a noção de direitos humanos, que teve sua expansão após o término da Segunda Guerra Mundial.

3.2.2 Declaração Universal dos Direitos da CriançaNo ano de 1959, mais de uma década após o término da Segunda Guerra e,

consequentemente, da formação da Organização das Nações Unidas (ONU), foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Para compreendê-la é preciso, antes disso, entender alguns fatos anteriores, que formam a estrutura basilar do referido documento.

Considerando as mais diversas violações de direitos humanos ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, fez-se necessária uma reordenação mundial, capaz de dar resposta a essas atrocidades. Surgiu, então, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e, três anos mais tarde, um importante documento dos direitos humanos em âmbito mundial: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

No entendimento de Mattioli et al. (2013, p. 15),

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma construção histórica e social que afirma os valores fundamentais proclamados pela humanidade no século XX, diante da necessidade de reconstrução da ordem internacional, pautada em referenciais éticos e na valorização dos direitos humanos. Ela não se apresenta como documento definiti-vo, pois, sendo históricos os direitos do homem, estes acompanham as transformações sociais implementadas pela sociedade no curso de seu desenvolvimento.

Nesse sentido, a reconfiguração do cenário de direitos em âmbito internacional, motivada pela Declaração de 1948, influenciou diretamente a formação de uma vi-são mais abrangente dos sistemas de direitos que envolvem a humanidade, atentan-do para a promoção e garantia da dignidade humana sobre qualquer outro valor. Acerca dessa questão, disserta Piovesan (2012, p. 204):

A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco à con-dição humana é concepção que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Sob tal perspectiva, no que concerne às garantias e direitos inerentes à criança e ao adolescente, esses movimentos auxiliaram na elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, promulgada em 1959. Com o foco na dignidade humana, os documentos do Direito Internacional passaram a ser revestidos de objetividade, ad-vinda da transformação paradigmática que causava sobre a noção de direitos humanos, no caso descrito, os direitos dos menores.

Acerca da Declaração de 1959, Mattioli et al. (2013, p. 17) expressa ter sido ela estruturada sobre uma base sólida de princípios, que primavam a busca pelo melhor interesse da criança e proteção de garantias fundamentais, como acesso à educação, saúde, lazer, dentre outros.

Nas palavras de Monteiro (2006, p. 125):

[...] proclamada a 20 de novembro de 1959, a Declaração dos Direitos da Criança da ONU, embora muito afastada dos propósitos que a Convenção de 1989 viria advogar, constituiu, trinta e cinco anos após a Declaração de Genebra, um assaz progresso, quer no que concerne à importância concedida aos direitos da criança, quer àquilo que os legisladores entenderam pela infância, cujas particularidades remeteram para um efetivo reconhecimento dos Estados membros, que a integraram no âmago das suas principais preocupações.

Assim sendo, notou-se perceptível evolução no quadro das garantias da criança e do adolescente, ressaltando os princípios que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, havia proclamado, e lançando as bases para o aperfeiçoamento constante de tal sistema de direitos e garantias fundamentais.

Já no preâmbulo da referida Declaração é possível verificar uma incisiva menção aos direitos humanos, como base de um processo de sua afirmação e efetivação por parte dos constituintes da Organização das Nações Unidas (ONU):

Considerando que os povos da Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.

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Significa dizer que, ao reforçar a crença na dignidade humana, como valor indis-sociável ao ser humano, coloca a criança também como sendo detentora desse direito, atrelando o seu progresso e desenvolvimento à proteção integral desse princípio.

Ao mesmo tempo o preâmbulo da Declaração de 1959 menciona a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, como sendo estrutura basilar na edificação do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, ao proclamar a capaci-dade do homem de obter e gozar direitos e liberdades firmados no documento, sem que haja “distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opi-nião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”.

Daquele momento em diante a situação das crianças em âmbito internacional, se não obteve progressivos avanços, ao menos restou resguardada no que concerne aos direitos básicos a elas inerentes. A Declaração Universal dos Direitos da Crian-ça, ao trazer dez importantes princípios, ressalta que a criança passa a ter seu valor reconhecido, sendo digna da ideia de que a “humanidade deve à criança o melhor de seus esforços”.

A firmação da Declaração de 1959 foi o estopim para o estabelecimento da Con-venção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989, que estabeleceu novos parâmetros fundamentais para o movimento de proteção e efetivação das garantias fundamentais atreladas à criança e ao adolescente. O próximo tópico se dedicará a abordá-la de maneira mais ampla.

3.2.3 Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança Os esforços da comunidade internacional na busca por proteger e promover as

garantias fundamentais atreladas à criança e ao adolescente resultaram no estabele-cimento de um grande pacto global, que emergiu no ano de 1989, a partir da Con-venção Internacional sobre os Direitos da Criança. Sua importância perpassa a mera ideia de associação de nações para lançamento de premissas de proteção de direitos, tendo em vista que se tornou lei internacional oficializada no ano de 1990.

Na visão de Roberti Júnior (2012, p. 113), o objetivo fundamental da Convenção era promover uma orientação geral aos membros presentes, no sentido de trans-formarem suas legislações internas, a fim de que fossem abarcados os direitos ali propagados. Piovesan (2012, p. 360) expressa que a essência da Convenção de 1989 está voltada à afirmação da criança como sujeito de direito, a qual deve ser conce-bida como detentora de proteção prioritária, visando seu desenvolvimento integral.

De acordo com Rosemberg et al. (2010, p. 699),

A Convenção de 1989, em relação às declarações internacionais anteriores, inovou não só por sua extensão, mas porque reconhece às crianças (até os 18 anos) todos os direitos e todas as liberdades inscritas na Declaração dos Direitos Humanos. Ou seja, pela pri-meira vez, outorgaram-se a crianças e adolescentes direitos de liberdade, até então re-servado aos adultos. Porém, a Convenção de 1989 reconhece, também, a especificidade da criança, adotando concepção próxima à do preâmbulo da Declaração dos Direitos da Criança de 1959: “a criança, em razão de sua falta de maturidade física e intelectual, precisa de uma proteção especial e de cuidados especiais, especialmente de proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

A mesma ideia é verificada em Monteiro (2006, p. 147), onde afirma ter sido a Convenção de 1989 a responsável pelo reconhecimento da infância e seus direitos, fazendo elevar os propósitos elencados na Declaração de Genebra, de 1924, e na De-claração Universal dos Direitos da Criança, de 1959. Foi partindo da Convenção que se aclamaram, também, os direitos de liberdade, para além dos direitos de proteção.

Vislumbra-se, portanto, que o documento tem um extremo valor, pois a dinâmi-ca internacional dos direitos humanos foi sendo, paulatinamente, reforçada e apri-morada ao longo do tempo. Significa dizer que a proteção à infância tomou dimen-sões muito grandes, passando a figurar como um dos temas de maior envergadura a partir do final do século XX e início do século XXI.

No texto do referido documento estão elencados, por exemplo, alguns princípios que, partindo da noção geral de direitos humanos, tornaram-se peças importantes na formatação da seara de direitos fundamentais incorporados, inclusive, no ordena-mento jurídico brasileiro, tais como igualdade, solidariedade, liberdade e dignidade.

Partindo do preâmbulo do referido documento, é possível encontrar os elementos mais modernos no que tange à proteção à criança, dando-lhes contornos de maiores responsabilidades das nações em relação a eles. Uma das premissas mais impor-tantes ali contidas, objeto base, inclusive, do presente estudo, advém da expressão “reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”.

Esse rol de direitos e garantias, homologados no ano de 1990, passou a ser a base para a edição de leis voltadas ao sentido protetivo da criança, em seu âmbito de integralidade, no ordenamento jurídico brasileiro. As discussões que envolveram a Convenção de 1989 foram decisivamente para a implantação dessa ideia, conforme expressa Delfino (2009, p. 12):

Entre os princípios estabelecidos pela Convenção, destacamos a proteção integral da criança, o princípio do interesse maior e o direito à convivência familiar e comunitária. Esses princípios, no Brasil, foram recepcionados pelo texto constitucional de 1988 e regulamentados pela Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

Observando-se, portanto, a incidência desses tratados nas formatações legais e principiológicas adotadas pelo Brasil contemporâneo, vislumbra-se que o desenvol-vimento do sistema internacional de proteção dos direitos humanos passou a ser se-riamente encarado pelas nações, sobretudo após a derrota da humanidade provocada pela Segunda Guerra Mundial. Assim, o país tem hoje uma legislação altamente protetiva, na busca por harmonizar a realidade das crianças e adolescentes com os princípios mais importantes destacados ao longo da história dos documentos que construíram esse ideal.

A seguir, será realizada uma abordagem centrada justamente nesse ponto, analisan-do-se os direitos fundamentais acerca da criança e do adolescente no ordenamento jurídico pátrio.

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3.3 As garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro

As crianças são constituídas e dotadas por um sistema de proteção constitucional, desenvolvido através dos princípios inerentes ao ser humano. A base de sustentação desses princípios é ditada pelo Estado Democrático de Direito, que é o responsável por prover as garantias fundamentais, formadoras dos direitos humanos.

Na visão de Madaleno (2013, p. 17), são aqueles em que todos devem ser benefi-ciados “pois são direitos humanos e não apenas direitos de determinados cidadãos. É uma qualidade inerente a todo e qualquer ser humano; tem valor supremo e ata como alicerce da ordem jurídica democrática”.

Os direitos fundamentais asseguram uma vida mais digna a todo e qualquer cidadão. É por meio deles que se é possível a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1° inciso III da Constituição Federal de 1988, que em conjunto com o princípio da liberdade, mostra que cada pessoa é livre para escolher sua maneira de viver.

Os princípios fundamentais que dizem respeito à organização e a proteção da família, do idoso, da criança e do adolescente são elencados por Amaral, citado por Dias (2010, p. 50):

A CF/88, no seu artigo 226, prevê que a família é base da sociedade, tendo o Estado o dever de provê-la especial proteção. Além de estabelecer o caráter civil e gratuito do ca-samento (§ 1°), a efetividade civil ao casamento religioso (§ 2°), a igualdade dos direitos e dos deveres aos homens e às mulheres na sociedade conjugal (§ 5°), a possibilidade de dissolução do casamento civil pela separação judicial e pelo divórcio (§ 6°), a livre decisão do planejamento familiar 4 pelo casal, fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável 5 (§ 7°), e a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, a fim de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações intrafamiliares (§ 8°), encontra-se, no referido artigo, a previsão de como se estrutura uma família.

Nesse sentido, os princípios constitucionais estão voltados a uma representação de possibilidade que a hermenêutica jurídica oferece aos operadores do direito como um meio de auxílio, no mesmo sentido em que estes estão devidamente protegidos no ordenamento.

A Constituição Federal de 1988 trabalha com a lógica da promoção dos Direitos Humanos; logo, em seu primeiro artigo, sobressai-se o princípio da dignidade hu-mana como sendo o mais importante de todo o texto constitucional.

Considerada como fundamental à base do Estado Democrático de Direito, o prin-cípio da dignidade da pessoa humana é parte primordial do ordenamento jurídico, influenciando com seus efeitos toda a estrutura de normas infraconstitucionais. No entendimento de Cardoso (2004, p. 103):

A Constituição Federal assumiu a direção de matérias anteriormente exclusivas do Direito Civil, impondo os novos contornos axiológicos para o sistema jurídico. À medida que estas alterações vão tomando forma, os pilares e paradigmas eleitos pelo Direito Civil clássico vão cedendo espaço às novas estruturas, fundamentadas em valores de igualdade material e liberdade individual, ambas num mesmo patamar de compreensão.

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

Complementando a autora supracitada aduz que é necessário que haja uma visão aberta, inclusiva, para que a dignidade da pessoa humana seja princípio efetivamente concretizado. Nesse sentido, é imprescindível a tutela jurídica ao ser humano, num sentido ontológico, perpassando a ideia de uma mera disposição legal no ordenamento.

Na concepção de Bittencourt (2008, p. 48), “é através da tutela constitucional que é concretizada a proteção aos menores da família, promovendo o desenvolvimento da personalidade dos filhos efetivamente, contemplando a dignidade e a realização individual e coletiva da família.” Dessa forma, a dignidade da pessoa humana é princípio basilar do Estado Democrático do Direito, conforme expressam os artigos 226 e 227 da Constituição Federal.

No pensamento de Sarlet (2004, p. 70):

[...] os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação consti-tucional de determinados valores básicos [...] sob o aspecto de concretizações do prin-cípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça, constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional positivo vigente.

Nesse sentido, segundo Bonavides (2010, p. 592) não há interpretação, mas sim concretização dos direitos fundamentais. Para Sarlet (2006, p. 80) o princípio da dignidade da pessoa humana tem destaque sobre os demais princípios por ser o ponto de referência do ordenamento, com o objetivo de garantir a tutela jurídica ao ser humano. As peculiaridades particulares são responsáveis por fazer a diferencia-ção dos princípios constitucionais no âmbito da proteção às crianças e adolescentes. Os princípios a serem destacados desta abrangente seara são:

a. Princípio da afetividadeAinda que não tenha sido contemplado no texto constitucional, o princípio da

afetividade está atrelado à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o afeto é um dos instrumentos formadores da família. Para Madaleno (2007, p. 126), o afeto e os vínculos criados com base nele foram decisivos em toda a trajetória existencial do homem, sendo elemento de consagração da dignidade humana.

Sob a mesma ótica Pena Júnior (2008, p. 10) enfatiza que o afeto é um dos pila-res de famílias bem-sucedidas em suas relações intrapessoais. Sem esse atributo, há uma tendência de afastamento entre os membros da família, impedindo que sejam formadas famílias sólidas e felizes.

Na visão de Tupinambá (2008, p. 357), a ciência jurídica observou a inserção da afetividade em sua estrutura, em um movimento que ultrapassou a noção socioló-gica e psicológica, fornecendo à família afetiva a mesma concepção e propósitos da família biológica, ou seja, nutrida com base em vínculos de amor e afeto.

Ante o exposto, ressalta-se que o afeto segundo Cardoso (2004, p. 86) “constitui--se na realização pessoal dentro da família, é o elemento nuclear de formação dos novos arranjos familiares, distingue-se um contorno familiar livre da rigidez, onde o lar é um lugar de afeto e de realização das potencialidades de cada um de seus membros”.

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b. Princípio da proteção integral a crianças e adolescentesO princípio da proteção integral a crianças e adolescentes somente foi possível com

o advento da Constituição Federal de 1988. O novo texto constitucional passou a refle-tir normativamente os movimentos em prol dos direitos da infância e adolescência que estavam em alta no Brasil naquele momento histórico.

No entendimento de Lobo (2004, p. 517), as bases de tal princípio colocam o interesse do menor acima de qualquer outra condição ou circunstância. É partindo desse princípio que devem ser tomadas as decisões judiciais aplicadas no caso con-creto, como forma de, efetivamente, estar-se promovendo a proteção do menor.

Para Delfino (2009, p. 8), a efetivação das garantias fundamentais relativas à criança e ao adolescente teve um novo momento a partir da inserção da Doutrina da Proteção Integral no sistema jurídico brasileiro.

De acordo com Veronese et al. (2015, p. 171), a Doutrina da Proteção Integral marca um processo de cunho social ímpar, onde as crianças e os adolescentes não podem mais ser considerados como sendo, unicamente, fontes de “problemas” ou mesmo o mero “futuro do país”, cuja resposta singular se encontra na instituciona-lização. Faz-se necessário compreender a dinâmica de princípios e normas funda-mentais voltadas às crianças e aos adolescentes, a fim de que sejam estes colocados sob a égide da dignidade humana e da sua conversão em sujeitos de direitos de maneira imprescindível.

No entendimento de Custódio (2008, p. 27):

A Constituição da República Federativa do Brasil e suas respectivas garantias demo-cráticas constituíram a base fundamental do Direito da Criança e do Adolescente in-ter-relacionado os princípios e diretrizes da teoria da proteção integral, que por con-sequência provocou um reordenamento jurídico, político e institucional sobre todos planos, programas, projetos ações e atitudes por parte do Estado, em estreita colabo-ração com a sociedade civil, nos quais os reflexos se (re)produzem sobre o contexto sócio-histórico brasileiro.

Ainda para o autor, a ideia da proteção integral, por ter essa base ampla, que vincula Estado e sociedade em deveres mútuos, está sendo cada vez mais debatida nos meios acadêmicos e sociais. Tal questão ocorre, sobretudo, pela ruptura pa-radigmática que o princípio provoca na sistemática legal e social, ensejando uma mudança de valores e regras a fim de induzir a uma perspectiva emancipadora do reconhecimento dos direitos fundamentais intrinsicamente atrelados às crianças e aos adolescentes (CUSTÓDIO, 2008, p. 30).

Para Vercelone, citado por Veronese et al. (2015, p. 170), não se pode mais consi-derar as crianças e os adolescentes como sendo pessoas capitis deminutae, mas, sim, sujeitos de direitos plenos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, nesse sentido, tratou de abarcar os direitos mais importantes ao crescimento e desenvolvimento pleno dos mesmos, de modo a garantir a eles um futuro de dignidade e liberdade.

Assim sendo, esse princípio abrange um cabedal muito rico de objetiva inserção das crianças e dos adolescentes como agentes necessários à sociedade, induzindo, nesse sentido, a uma reorganização estatal e social para fazer com que tal propósito seja aplicado na prática. Emerge, portanto, como sendo imprescindível frente ao dever familiar, social e estatal de cuidado à infância e adolescência.

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c. Princípio do melhor interesse da criançaO princípio do melhor interesse da criança é, dentre todos os princípios, o que

mais tem maior receptividade das normas envolvendo direitos de menores. Tal situação deriva da necessidade de se observar a absoluta condição prioritária da criança e do adolescente, entendido constitucionalmente e referendado na prática.

Logo, tendo em vista os elementos que o formam, calca-se o princípio do melhor interesse da criança no mesmo patamar do princípio da proteção integral. Coloca--se o menor em posição de destaque, perante a lei, evidenciando a necessária tutela jurídica. É o que expõe Vendruscolo (2011, p. 60):

O princípio do melhor interesse da criança tem como fundamento as mudanças que vem ocorrendo dentro do instituto familiar, colocando em destaque o companheiris-mo e o afeto. Recebendo o menor, uma maior atenção perante a família, tendo ainda a sociedade uma preocupação com relação ao menor, por este ser incapaz, não ten-do como conduzir sozinho o caminho a trilhar para sua própria vida, necessitando o menor de certos cuidados especiais, por estar formando sua personalidade, podendo sofrer danos impossíveis de virem a ser reparados, refletindo por toda sua vida, pois ainda não possui sua capacidade de agir maduramente.

Analisada essa evolução dos direitos fundamentais atrelados à criança e ao ado-lescente em âmbito internacional e sua inserção no direito pátrio, faz-se necessário construir a ponte entre os aspectos da adoção internacional e a efetivação de tais direitos e garantias, tendo nesse instituto um elemento de auxílio.

Para Matos (2012, p. 298), o princípio do melhor interesse da criança recebeu influência muito grande do princípio da dignidade humana, sendo que ambos, nes-se sentido, voltam-se essencialmente para a pluralidade. Logo, não se pode dispor de concepções previamente estabelecidas como parâmetros para mensurar o bem--estar de crianças e adolescentes, haja vista que a ordem civil e constitucional, ao inserir a ideia do melhor interesse da criança como sendo o critério mais importante a ser observado, induz a uma análise mais abrangente da realidade quando tratar diretamente desse grupo.

No entendimento de Costa (2012, p. 153):

O melhor interesse só pode ser identificado, no caso em concreto, levando-se em con-sideração sua interpretação sistemática, ou seja, em consonância com o conjunto do sistema normativo, em geral, e os direitos das crianças e adolescentes, em particular. Nesse contexto, o princípio do melhor interesse pode atuar como limitador do exercí-cio do poder e dever dos adultos sobre as crianças. É certo que cabe à família, ao Estado e à sociedade a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, entretanto o desempe-nho de tais deveres deve ocorrer observando-se o limite da criança e do adolescente. A liberalidade dos adultos no exercício de suas funções está limitada à efetivação de di-reitos, os quais constituem, em última instância, o interesse de crianças e adolescentes.

Segundo Pfau (2015, p. 20), o princípio do melhor interesse da criança nada mais fez que trazer o menor para o centro dos elementos protetivos do Estado, de modo que ficou resguardado, nesse sentido, os preceitos constitucionais. O atendimento ao melhor interesse da criança se tornou a base da proteção às garantias inerentes à ju-ventude, de modo que essa primazia possibilitou ensejar o atualmente tão aclamado princípio da prioridade absoluta.

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Assim sendo, no próximo capítulo, serão abordados os aspectos mais relevantes da adoção internacional como mecanismo na efetivação dessa gama de direitos fun-damentais, a fim de compreender quais as perspectivas principais do instituto frente às transformações dinâmicas impostas pelas inovações culturais, sociais e jurídicas da contemporaneidade.

4 A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais da criança e do adolescente

Observadas as condições do instituto da adoção, considerando, sobretudo, a adoção internacional, e também a abrangente temática dos direitos humanos que, em seu sistema de ordem internacional, auxiliaram na formação dos direitos fundamen-tais, chega-se à análise principal: a contribuição do instituto da adoção internacional na efetivação e promoção de tais garantias.

A abordagem, a ser realizada nesse capítulo, leva em consideração o impacto promovido aos direitos da criança e do adolescente quando da adoção de caráter transnacional. Para tanto, faz-se necessário discutir de qual maneira a ordem de princípios pode ser respeitada e elevada em tais situações, observando os casos con-cretos e indicando as perspectivas futuras no que concerne aos direitos do menor e sua rede de proteção.

Nesse sentido, o próximo tópico terá como objetivo principal traçar uma linha analítica sobre a receptividade do ordenamento jurídico pátrio aos documentos in-ternacionais, tomando por base a amplitude da Constituição Federal Brasileira e suas ponderações acerca da inserção de normas de cunho internacional no âmbito jurídico de sua alçada.

4.1 O ordenamento jurídico brasileiro frente aos tratados internacionais

O Brasil possui na contemporaneidade uma posição privilegiada no cenário glo-bal, motivada por uma atuação constante no que tange à defesa e promoção de direi-tos e garantias fundamentais, buscando a ampliação na conexão com outros países a fim de gerar uma cooperação internacional intensa em áreas comuns. Ainda que tenha havido períodos de maior turbulência na vida nacional, o respeito mínimo a um sistema internacional voltado à proteção dos direitos humanos se tornou con-solidado no sistema pátrio, influenciando, inclusive, na formação da Constituição Federal de 1988.

Na história recente da humanidade, diversos tratados internacionais foram assi-nados, voltados a uma defesa intransigente dos direitos humanos. O Brasil se tornou signatário desses, passando a incorporar novos valores no âmago de sua legislação, auxiliando a tornar viável uma sistemática ordenada em que os princípios básicos, como dignidade humana e liberdade, por exemplo, são criteriosamente observados.

Em primeiro lugar é importante tomar posição acerca daquilo que é referen-dado e praticado em todo o mundo, no que está vinculado à sistemática dos direitos humanos. Nesse sentido, Lemos (2007, p. 2) expressa que, em âmbito mundial, a grande busca da atualidade está centrada na proteção à pessoa hu-mana, com raríssimas exceções. É necessário, portanto, dispor de mecanismos de amparo à humanidade em caso de violação desses direitos, e tal papel cabe

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, cuja aplicação é decisiva nos países signatários do mesmo.

Na visão de Quixadá (2009, p. 18):

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é resultado direto da humanização do Direito Internacional. Como os direitos humanos passam a ser tidos como de interesse internacional, não se limitando a competência privativa estatal, nos deparamos com uma ação comum em favor da promoção e proteção desses direitos, a qual se traduz a partir do estabelecimento de padrões internacionais de ação dos Estados.

Torna-se factível, pois, a ideia de que o cerne da questão é ampliar a área de atua-ção dos direitos humanos, motivando-se, a partir do seu processo de internaciona-lização, a gerar efeitos positivos nos ordenamentos jurídicos dos países signatários dos tratados que estão vinculados ao direito internacional como um todo. Trata-se, como já estudado, de uma nova postura da comunidade internacional após a ocor-rência da Segunda Guerra Mundial, onde as violações aos direitos humanitários foram exacerbadas.

Quando da inobservância dos direitos humanos, fica o Estado à margem do movimento internacional, conforme aponta Mazzuoli (2002, p. 245), afirmando ser desvinculado do movimento internacional de proteção de direitos o Estado que busca ter seu ordenamento de modo superior ao Direito Internacional dos Direi-tos Humanos, não tendo, nesse sentido, nenhum direito de afirmação perante um propósito de proteção de direitos humanos.

Ao entrar no terreno dos tratados internacionais propriamente ditos, perpassa-se a mera intenção protetiva e se consolida uma forma documental, juridicamente aplicável, fornecendo-se uma base sólida para a busca constante da inserção humana nesse rol de direitos. Assume, portanto, papel decisivo o tratado internacional, pois gera uma vinculação, ou seja, elementos de obrigação do país signatário do mesmo com relação ao que foi proposto, discutido e devidamente chancelado.

De acordo com Silva Filho (2008, p. 18), o tratado é, em suma, um instrumento onde os agentes de direito internacional estabelecem entre si direitos e obrigações mútuas. Observando o tratado como fonte do Direito Internacional dá-se a esse a im-portância de servir como base de aplicação ao caso concreto por parte do judiciário, também se valendo das mais diversas fontes do direito internacional existentes.

No mesmo sentido expressa Piovesan (2012, p. 112), demonstrando que os tra-tados internacionais têm aplicação exclusiva aos Estados-parte, ou seja, àqueles que consentiram com sua adoção. A criação de obrigações legais nesses documentos está diretamente vinculada à ideia do consenso, sendo que, ao aceitá-los, os Estados, resguardada sua soberania, comprometem-se de maneira categórica a respeitá-los.

É imperioso perceber, diante de tamanha contextualização do direito interna-cional e sua vinculação aos direitos humanos, que a recepção dos mesmos no or-denamento jurídico dos países, e aqui analisando especificamente o caso brasileiro, desenvolveu-se de maneira eficaz. Com uma nova concepção sobre a temática a ser abordada, visando à proteção integral ao ser humano, tornou-se inevitável a incor-poração dessa gama de direitos na ordem constitucional e, por extensão, nas demais legislações infraconstitucionais.

Tal foi a postura do constituinte brasileiro, que procurou abarcar no texto consti-tucional essa série garantista, visando possibilitar aos brasileiros um amplo sistema

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de respeito a princípios fundamentais. Toda norma elaborada no Brasil passou a ser, com o advento da Constituição Federal de 1988, balizada por esses parâmetros fun-damentais, posicionados de maneira categórica e expressa para que seu cumprimento se faça valer de modo objetivo.

Em que pese haja a inserção desses direitos e mecanismos para sua efetiva pro-moção e proteção na norma brasileira, registra-se exemplarmente a visão de Piove-san (2012, p. 108):

Ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza es-pecial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. Os direitos enun-ciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Essa conclusão advém da inter-pretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axio-lógicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.

É capital a explicação fornecida pela doutrinadora acima referida. Pontual e es-pecificamente se fez uma análise sobre o caráter iminentemente constitucional das normas de direito internacional, tomando-se por base a ideia de que, a integração desses no ideário brasileiro somente se fez possível porque a Constituição os abran-geu, sob a ótica do desenvolvimento irrestrito de valores fundamentais, calcado, sobretudo, na dignidade humana.

Para Lopes et al. (2013, p. 76), o rol de direitos e garantias fundamentais foi dotado de força no âmbito constitucional, tornando-se a base de interpretação de todas as outras normas vigentes e futuras inseridas no ordenamento jurídico brasileiro. Es-tes derivam diretamente da sistematização empreendida em nível mundial, modi-ficando de maneira substancial a forma de trabalhar conceitos básicos relativos aos direitos, onde sua validade jurídica é apenas um fator dentre as diversas implicações de ordem social que tais normas produzem.

No entendimento de Carvalho (2010, p. 349), o texto constitucional é superior aos tratados internacionais de direitos humanos, haja vista que este pode sofrer con-trole de constitucionalidade. A Carta Magna se torna, pois, ponto inflexível para a re-cepção dos tratados internacionais de qualquer natureza, significando que a produção legislativa de qualquer ordem deve obedecer aos preceitos constitucionais.

Ainda de acordo com o autor, a solução encontrada pelo legislador brasileiro para que os tratados tivessem seu vigor máximo abrangido na legislação foi esta-belecer a eles um ingresso procedimental equivalente às emendas constitucionais (CARVALHO, 2010, p. 349).

Perpassando a ideia da influência que os tratados internacionais tiveram na for-matação das normas brasileiras, faz-se necessário observar, com maior objetividade, o modo de incorporação destes no ordenamento jurídico. Nesse sentido, a explicação de Quixadá (2009, p. 23) é pertinente de ser explanada:

Começamos, então, com a incorporação dos tratados internacionais pelo Direito bra-sileiro. Esse processo pode ser dividido em duas categorias, conforme as disposições constitucionais de cada país, a saber: incorporação automática; e, incorporação legis-lativa ou transformação. Na primeira, para o instrumento importar direitos subjetivos aos indivíduos, não há a necessidade de que um ato do legislativo incorpore suas dis-posições à ordem nacional. Na segunda, o acordo internacional, para sua exigibilidade

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e implementação, precisa ser transformado, por meio do ato normativo, em lei interna, não sendo o bastante, como na incorporação automática, a ratificação para possibilitar a invocação do particular, ante um tribunal, dos seus direitos internacionalmente previstos.

Ou seja, é perceptível que um sistema devidamente elaborado rege o ideário dos tratados internacionais, tratando-se cada um de maneira específica. Ao propor-cionar as vias da incorporação automática e da legislativa, abre-se a possibilidade de efetivar uma ratificação depois de analisados determinados elementos impres-cindíveis para a Constituição Federal, sobretudo no que diz respeito aos elementos principiológicos que a fundamentam, que tiveram incidência, da mesma forma, dos tratados internacionais ora discutidos.

Faz-se necessário ressaltar, entretanto, a posição de Piovesan (2012, p. 116), que reporta a problemática da lacuna constitucional no que tange à relação entre o Di-reito Internacional e o Interno. De acordo com a autora, foi por essa inexistência de critérios que a sistemática de incorporação dos tratados internacionais acabou por se valer das duas correntes principais, a monista e a dualista, a saber a incorporação automática e não automática.

A questão dos procedimentos adotados, todavia, não constituem o foco principal do estudo. É importante salientar, no momento, que a densidade dos tratados in-ternacionais é um ponto decisivo para que a Constituição os abarque, ainda que sob suas regras e devidas ponderações. Trata-se de uma medida de preservação do cerne constitucional sem que isso exclua os direitos advindos desses importantes documentos.

Em verdade tudo deriva da lógica adotada no pós-guerra que veio se consolidando com o tempo. O tratado internacional, tal como qualquer Constituição Federal, não é um fato isolado, ou seja, não ocorrem ao largo das transformações sociais, políti-cas, culturais e econômicas. Estes são a forma materializada dessas mutações, que paulatinamente estabeleceram meios de se fazerem valer as modernas concepções que foram surgindo.

Logo, o texto constitucional brasileiro entra em paridade com os tratados de cunho internacional porque também faz parte do arcabouço de mudanças advindas da própria sociedade, sendo que para ela se volta. Mesmo com a existência de me-canismos de controle constitucional ou de valoração da soberania da Constituição Federal perante os documentos internacionais, o rol e garantias passíveis de prote-ção é o mesmo para ambos, pois derivam diretamente da repactuação mundial em favor de observância extrema de princípios basilares aos seres humanos.

Sob a égide desse rol de garantias está contido o instituto da adoção, incluindo seu caráter internacional, que pode ser percebido como sendo de fundamental impor-tância na efetivação dos direitos e dos princípios aplicados em favor da criança e do adolescente. Tais perspectivas, considerando a adoção internacional na modernidade, serão o objeto de abordagem no tópico seguinte.

4.2 Perspectivas da adoção internacional como elemento de efetivação de garantias fundamentais

Quando da positivação das inúmeras garantias fundamentais construídas ao longo do tempo no ordenamento jurídico brasileiro, esteve-se firmando uma nova pers-pectiva de defesa intransigente de direitos estendidos a todas as pessoas, calcando-se

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numa sólida base principiológica. Novas perspectivas se tornaram possíveis com do advento da Constituição Federal de 1988, tendo influenciado, inclusive, a formação de dispositivos legais importantes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, imprescindível na defesa dos direitos da criança e do adolescente.

A inserção de mecanismos de efetivação dessas inúmeras garantias na legislação foi fundamental para se atingir um estado de prospecção absoluta em defesa de um futuro melhor para os menores. Nesse meio é encontrada a adoção que, como rele-vante instituto histórico, contribui decisivamente para que crianças e adolescentes em situação de abandono encontrem um lar, garantindo-se assim um futuro digno e responsável a elas.

Tal perspectiva decorre da própria história da humanidade, que delegou à família grande importância na formação pessoal, incidindo, nesse sentido, nos mais diver-sos aspectos, sejam eles de ordem cultural, moral, ética, psicológica ou sociológica. Sob tais condições, a família foi dotada dessa responsabilidade de acolhimento, sen-do a estrutura basilar do ser humano. Acerca dessa questão, é interessante observar a opinião de Cápua (2007, p. 46), que afirma:

A família é considerada a célula ou base fundamental da sociedade. Sua existência é por isso secular, o que a leva a ser considerada uma das formações mais antigas do mundo. Por outro lado, e paradoxalmente, ainda é possível afirmar que esse instituto é plenamente atual. Mesmo que se tenham decorrido diferentes épocas, sob a ótica da evolução da sociedade a família persistiu, ou seja, por acompanhar o desenvolvimento social, a família vem adequando-se aos tempos atuais.

Logo, a família ultrapassa a noção do tempo, e, segundo referido pelo autor su-pracitado, continua atual, haja vista sua adequação às transformações sociais. Sua importância, portanto, tem sua essência nos tempos antigos, sendo que esta, toda-via, não se esgota na contemporaneidade, e também continuará imprescindível nos tempos futuros.

Analisando-se a ideia da adoção, há uma base indicatória da continuidade e fortalecimento do núcleo familiar por meio desse instituto, o que leva a uma respon-sabilização cada vez maior de respeitabilidade e promoção de direitos humanos res-guardados no ordenamento jurídico moderno. De acordo com Esteves (2010, p. 24), o ato de adotar envolve uma preconização daquele adota em favor do bem estar do adotado, sendo este o seu mote principal. Logo, vem a adoção a ser um ato de amor, verdadeiramente humanitário àqueles que necessitam. Se cumprido tal requisito, o ato adotivo terá sido exitoso.

Tal é também o entendimento de Schneider (2008, p. 11), que aponta a necessi-dade do ser humano de estar protegido e acalentado, sendo que é a família a pro-vedora desses elementos. É possível encontrar, todavia, diversos tipos de família, embasados, inclusive, no próprio ordenamento jurídico pátrio, sendo a adoção uma das alternativas.

Na visão de Freire, citado por Rodrigues (2010, p. 6):

De todos os sistemas alternativos de proteção às crianças e adolescentes abandonados, a adoção é o único que cumpre com todas as funções que caracterizam uma família, porque permite refazer os vínculos da relação filial. É um sistema que não marginali-za, pelo contrário, integra, fazendo com que a criança possa adquirir o equilíbrio e o

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amadurecimento que lhe permitirão, quando adulto, assumir suas futuras responsabi-lidades sociais e familiares, e o pleno exercício de sua cidadania.

Percebe-se que há uma ideia geral do instituto da adoção como sendo um me-canismo que possibilita, sob a égide do sistema normativo de cunho internacional incorporado pelo sistema brasileiro, a atenção a tais princípios. A demonstração do mesmo, contudo, somente se afirma por meio do caso concreto, onde a colocação do menor em família substituta será observada de maneira criteriosa, seguindo as regras e parâmetros prévios estabelecidos em lei.

Significa dizer que, estabelecendo-se a adoção como um ato promovedor das garantias fundamentais inerentes à criança e ao adolescente, torna-se nítida a per-cepção de que sua modalidade transnacional também deve ser assim entendida. É interessante a ideia de Rodrigues (2010, p. 28), que afirma ser a adoção internacio-nal, ainda que com todas suas peculiaridades relacionadas a seu caráter excepcional, uma medida válida para integração de crianças brasileiras em um ambiente fami-liar, depois, naturalmente, de terem sido observadas as circunstâncias que o caso apresenta.

No entendimento de Liberati, citado por Souza (2009, p. 24):

A criança quer realizar um sonho: ter uma família! A adoção, seja ela feita por brasi-leiros ou por estrangeiros, tem apenas um objetivo: acolher a criança ou o adolescente que, por algum motivo, viu-se privado de sua família. Oferecer “instituição” à criança ou adolescente em troca da família é condená-los a um período indeterminado de soli-dão social. Se a família estiver preparada para receber um novo membro, não importa se ela é brasileira ou estrangeira, deve-se convocá-la para assumir a criança. O que não pode acontecer é o esquecimento de nossas crianças em instituições. Deixá-las à mercê da burocracia institucional é interromper-lhes o sonho de compor uma família.

Nesse diapasão é possível encontrar uma defesa doutrinária muito forte sobre a adoção internacional, sobretudo quando se parte da premissa de que a criança e o adolescente necessitam de um amparo familiar, de um rumo em suas vidas. O siste-ma de responsabilidades, incluindo-se aí o Poder Público, por vezes não funciona de maneira plena, o que acaba por prejudicar as pretensões protetivas, tornando falhos os inúmeros elementos legais existentes para que haja efetivação principiológica e de direitos fundamentais.

Sob essa ótica, Kistemann (2008, p. 127) é categórica ao afirmar que a efetivação da adoção internacional no Brasil, se analisada do ponto de vista social e jurídico, é um instituto de extrema relevância no que tange à proteção de crianças e ado-lescentes, ainda que sob esta paire um caráter de excepcionalidade. Destaque-se, pois, que há regulamentação da matéria tanto no Estatuto da Criança e do Adoles-cente, quanto na Convenção de Haia, por meio da eficácia do disciplinamento ju-rídico e da cooperação internacional. Assim, há mecanismos suficientes para que seja garantido o interesse superior da criança quando da ocorrência de tais casos.

Ou seja, diante de toda a análise até então realizada, é factível a ideia de que a adoção, mais do que um simples ato jurídico, é também uma ação humanitária. Certamente existem diversas circunstâncias que incidem diretamente no processo de adoção, mas ao almejar inserir um menor estranho em seu núcleo familiar, o ado-tante fornece a este a possibilidade de ter acolhimento, afeto, oportunidades diversas.

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Tal ideia vai ao encontro, sobretudo, à necessária proteção que deve ser em-preendida sobre o princípio do melhor interesse da criança, ponto basilar inserido no ordenamento jurídico. Faz-se imprescindível sempre salientá-lo, pois, compreendida a adoção como uma ponte para um futuro mais digno, este por lógica se concretiza atendendo a esse princípio.

Nesse sentido, é interessante observar o pensamento de Barros (2010, p. 62), em que afirma ser o princípio do melhor interesse do menor uma das maiores expres-sões do ordenamento, sendo que o sentido protetivo das crianças e dos adolescentes está vinculado aos direitos de segunda geração, devendo ser observados com ênfase pelo Poder Público. Logo, o Estado deve promover ações que viabilizem o aten-dimento a essa população, num sentido de prioridade absoluta, garantindo assim acesso a direitos básicos, como alimentação, lazer, educação, moradia.

Note-se, todavia, que a recíproca nem sempre é verdadeira quando se tem por base a realidade de que, num processo de adoção, a tomada de decisão não parte do menor, e sim daqueles que respondem por este. É o que julgam Matos et al. (2012, p. 294), analisando que a escolha dos possíveis pais na adoção, por vezes, é realizada de maneira preconceituosa, tornando a segregação uma realidade, no lugar de uma efetiva aproximação da criança com laços de afeto a uma família.

A problemática indica outra faceta do processo adotivo, e auxilia na consoli-dação da visão abrangente que o mesmo tem. A adoção, considerada também a de cunho transnacional, é um mecanismo imprescindível para dotar as crianças e adolescentes de proteção e de rigorosa efetivação de suas garantias e direitos funda-mentais. A grande questão que se abre, ou seja, o cerne dessa situação é observado na incongruente situação vivenciada no país em relação à adoção, onde os números apresentam mais do que um problema jurídico, mas também social e cultural.

Tomando por base os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que elabora e mantém atualizado o Cadastro Nacional de Adotantes (CNA), tem-se, na atualidade, um total de 35.677 pessoas interessadas em adotar, frente a um número de 6.582 crianças cadastradas, aptas a serem adotadas. É possível perceber que, por uma lógica matemática, haveria espaço para a concretização da adoção de todas as crianças, sendo que sobrariam interessados em adotar. A ques-tão é, todavia, complexa.

Há um sistema muito amplo quando da opção por adotar que inclui, ao possível adotante, a escolha de suas preferências com relação aos menores. Os critérios indi-cam raça, faixa etária, sexo, idade, gerando amplas possibilidades para o adotante. Logo, enquadrar um menor nos desejos de quem quer adotar não é tarefa fácil, o que acaba fomentando a disparidade existente no Brasil atual.

Se observada a condição dos possíveis adotantes, tem-se, por exemplo, um per-centual de 22,5% que aceitam apenas crianças de raça branca, frente a 0,93% que aceitam apenas a raça negra, 0,1% que somente aceitam crianças da raça amarela, 4,37% que somente aceitam crianças da raça parda e 0,04% que preferem adotar apenas crianças de raça indígena. Desses dados é possível perceber que o sistema de preferências dos adotantes é multifacetado, restando sempre em prejuízo à criança.

O exercício matemático pode ser compreendido mais efetivamente quando se observa que, do total de adotantes, 41,74% aceitam crianças de qualquer raça, o que indica que mais da metade dos possíveis adotantes tem preferencias próprias. Tal

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questão inviabiliza, muitas vezes, que um menor tenha acesso a um lar, tendo em vista que nem sempre há uma atmosfera favorável à sua possível adoção.

Ressalte-se que, dos dados analisados, há referência apenas à preferência por raça. Observando-se outro aspecto, tem-se, a partir dos cadastros do CNJ, um total de 65,91% das crianças a serem adotadas que possuem irmãos, todavia, em contrapartida, 69,59% dos possíveis adotantes não desejam adotar irmãos. Signi-fica dizer que, nesses termos, a quase totalidade dos adotantes cadastrados deseja apenas uma criança.

Maiores ponderações acerca de percentuais evidenciados por esse cadastro não são necessárias no momento. De uma maneira simples e objetiva é possível depreen-der a ideia de que o sentido da adoção não é o mesmo para todos e que, entre esses dois antagônicos polos, adotantes e adotados, existe, de um lado, preferências, von-tade de formar uma família ideal, e de outro o simples e puro desejo de ser inserido em um lar confortável e receber afeto, cuidado e proteção.

A adoção internacional, nesses casos, precisa ser incentivada, sobretudo pela possibilidade de preenchimento de lacunas que o sistema nacional de adoções, por suas múltiplas imperfeições, não consegue resolver. A efetivação das garantias fun-damentais da criança e do adolescente, como referido de maneira exaustiva, deve ser prioritária, pois a criança depende do cuidado de todos para crescer e se desenvolver, possuindo prioridade absoluta.

Assim sendo, a aplicação dessa medida no caso concreto, pode ser extremamente benéfica, mas depende, de maneira substancial, da observância de detalhes normati-vos e principiológicos para que possa ser promovida. No próximo tópico será reali-zada uma análise jurisprudencial, a fim de compreender os mecanismos incidentes quando das decisões judiciais que autorizam o ato adotivo transnacional, relacionando o caso concreto, ou seja, a prática, com o apregoado pela doutrina.

4.3 A defesa de princípios frente às decisões judiciais: análise jurisprudencial

Todo processo de adoção, como já bem explanado na presente pesquisa, está atrelado ao cumprimento de uma série de requisitos legais, postos no intento de disciplinar a adoção e de garantir ao menor o respeito incondicional a seus direitos. Nesse sentido, os parâmetros fundamentais da efetivação de um ato adotivo ficam sob responsabilidade judiciária, detentora do poder de balizar tais atos, validando--os de acordo com as estruturas legais do ordenamento jurídico.

Tomando por base a premissa de que o processo de adoção deve ser conduzido priorizando o ingresso de menor em famílias nacionais, devidamente cadastradas no sistema nacional para adotantes, a adoção internacional, uma excepcionalidade, possui um nível mais elevado de considerações jurídicas à sua efetivação. Significa dizer que, na prática, visando coibir abusos e tornar o ato de adoção uma real melho-ra nas condições humanitárias inerentes ao menor, há muito mais debates judiciais quando da intenção estrangeira em adotar crianças brasileiras.

Partindo dessa constatação, faz-se primordial atentar para a necessidade de uma análise mais ampla sobre uma gama de decisões de cunho judicial acerca do tema. A base jurisprudencial permite observar o posicionamento dos agentes do Direito sobre o caso concreto, permitindo-se traçar um panorama completo no tocante às medidas tomadas a fim de que haja a contemplação dos direitos humanos e das garantias fundamentais às crianças e adolescentes.

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A primeira decisão judicial aqui analisada trata de uma Ação Rescisória promo-vida pelo Procurador Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça de Pernambuco, visando rescindir decisão monocrática proferida em favor de casal adotante estran-geiro. A alegação do autor esteve baseada na não observância, segundo ele, de for-malidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, fundamentais para a efetividade da sentença.

A decisão do Desembargador Bartolomeu Bueno, no que tange ao mérito da questão, restou assim configurada:

AÇÃO RESCISÓRIA. ADOÇÃO INTERNACIONAL. RESCISÃO DE SENTENÇA. IRREGULARIDADES NO TRÂMITE DO PROCESSO. SITUAÇÃO DE FATO CON-SOLIDADA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR EM DETRIMENTO DAS FORMALIDADES. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E PROTEÇÃO ABSOLUTA. 1.Compulsando os autos da ação, verifica-se que o Órgão Ministerial objetiva rescindir sentença prolatada por juiz monocrático nos autos de processo de adoção internacional, que se deu sem a observância de formalidades elen-cadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente. 2.Ocorre que, desde a data da interposi-ção da ação em questão já se passaram 9 (nove) anos. E não se pode olvidar que, diante deste vasto lapso temporal, entre a criança e seus pais adotivos foram criados laços afetivos e psicológicos. 3.Diante da situação fática que se encontra sobejamente conso-lidada, retirar a criança do seio familiar em que vive com aqueles que reconhece como pais há 9 (nove) anos configuraria uma medida demasiadamente violenta, ensejadora de danos irreversíveis, que iria de encontro ao princípio do melhor interesse da criança, bem como da prioridade absoluta. 4.Em sendo assim, não se justifica decretar-se uma nulidade que se contrapõe ao interesse de quem teoricamente se pretende proteger.(TJ-PE - AR: 354598 PE 0003815-31.1998.8.17.0000, Relator: Bartolomeu Bueno, Data de Julgamento: 07/06/2011, 1ª Câmara Cível, Publicação: 114)

Verificou-se, portanto, que a ação promovida pela Procuradoria de Justiça foi julgada improcedente, tendo o magistrado baseado sua decisão na atenção ao prin-cípio do melhor interesse da criança e da prioridade absoluta, haja vista que, segun-do o mesmo, haveria um impacto muito grande na estrutura de vida do menor a sua retirada da família após um longo período inserido na família adotiva.

É digna de nota a afirmação do Desembargador Bartolomeu Bueno quando da sua exposição pela improcedência da ação:

Em sendo assim, deve o interesse do menor se sobrelevar à inobservância das formali-dades do processamento da adoção in casu, sob de assim não sendo, ver maculados os interesses constitucionalmente protegidos do menor, haja vista que o vínculo afetivo da criança, a esta altura da vida, encontra-se bem definido na pessoa dos adotantes.

Logo, percebe-se que, na visão do magistrado, a efetivação do princípio do me-lhor interesse da criança depende da sua permanência na família que o adotou, ainda que todos os trâmites não tenham sido observados de maneira completa. Tal ato adotivo, de caráter transnacional, dotou-se, nesse sentido, de sua verdadeira importância, demonstrando-se o atingimento de seus objetivos, resultando num ato positivo.

O julgado abaixo também segue linha semelhante com a decisão verificada ante-riormente. Na linha de decisão dos magistrados restou conveniente a afirmação da

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adoção efetivada, tomando como premissa a necessidade da criança em possuir um lar, inserida numa família que a dote de respeito e afeto:

ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro central de adotantes. Necessidade de sua consulta. Questão de fato não impugnada. - A adoção por estrangeiros é medida ex-cepcional que, além dos cuidados próprios que merece, deve ser deferida somente de-pois de esgotados os meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o Cadastro Central de Adotantes, impõe-se ao Juiz consultá-lo antes de deferir a adoção internacional. - Situação de fato da criança, que persiste há mais de dois anos, a recomendar a manutenção do statu quo. - Recurso não conhecido, por esta última razão. (STJ - REsp: 196406 SP 1998/0087704-5, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 09/03/1999, T4 - QUARTA TURMA).

No presente Recurso Especial, interposto pelo Ministério Público de São Paulo, há uma clara discussão acerca da validade de ato adotivo sentenciado no Estado de São Paulo em favor de casal estrangeiro, sobretudo pela necessidade de consulta ao Cadastro Central de Adotantes, verificando a disponibilidade de casais nacio-nais para a adoção. Ora, resta evidente, nesse caso, a disposição da adoção de caráter transacional como sendo medida excepcional; todavia, da decisão do tribunal, emer-giu a ideia de manutenção do status quo, visto que a criança já estava devidamente ambientada na família adotiva.

Tomando por base as palavras do relatório do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, “a criança não é mercadoria, para ficar sendo oferecida para quem dela se disponha a cuidar, apenas para que fique em solo brasileiro”. Note-se que o intento central do magistrado é a asseguração do bem-estar da criança, colocando essa disposição acima de qualquer questão.

Ainda analisando o voto do relator, é possível extrair a seguinte afirmação:

A função deste Tribunal é a de fazer a interpretação da lei federal, e aqui se põe uma boa oportunidade para definir o entendimento da regra que está no art. 31 do ECA. Contudo, tal decisão – que tenho seja a melhor do ponto de vista do ordenamento ju-rídico – implicará substancial modificação da vida da criança de cuja adoção se trata, sem que para isso exista outro argumento que não o de ordem meramente legal. É bem possível que o precedente poderia servir para o julgamento de outros casos, mas provavelmente acarretará ao menor Vinícius um mal que ele não fez por merecer.

A questão tratada pelo magistrado demonstra na prática, no caso concreto ana-lisado, que há uma incidência básica de princípios que devem ser observados, ain-da que não estejam evidenciados de maneira explícita. Veem-se contemplados, por exemplo, o princípio do melhor interesse do menor e também o princípio da digni-dade humana, apontando para a busca do caminho mais adequado para um desen-volvimento integral do menor em questão que, nesse caso, afirmou-se por meio do ato adotivo internacional.

Mais uma vez se verificam tais condições de respeito a princípios básicos quando da validação de ato adotivo, sobretudo reafirmando a excepcionalidade da adoção internacional, em se tratando da análise do presente Recurso Especial interposto no Superior Tribunal de Justiça (STJ):

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ADOÇÃO DE MENOR POR CASAL ESTRANGEIRO. EXCEPCIONALIDADE. ART. 31 DA LEI N. 8.069, DE 13.07.90. MATERIA PROBATORIA. FUNDAMENTO SUFI-CIENTE DA DECISÃO RECORRIDA NÃO IMPUGNADO. COLOCAÇÃO DE ME-NOR EM FAMÍLIA ESTRANGEIRA CONSTITUI MEDIDAEXCEPCIONAL, QUE SO-MENTE SE JUSTIFICA DEPOIS DE EXAURIDAS AS TENTATIVAS PARA MANTER A CRIANÇA NA PROPRIA FAMÍLIA OU COLOCA-LA EMFAMILIA ADOTIVA NO PROPRIO PAIS. ACORDÃO RECORRIDO QUE, PERFILHANDO TAL ORIEN-TAÇÃO, NÃO ATENTOU CONTRA O DISPOSTO NO ART. 31 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ASSERTIVA FORMULADA PELOS RECORREN-TES DE QUE FORAM ESGOTADOS TODOS OS MEIOS NECESSARIOS PARA CO-LOCAR O MENOR EM LAR SUBSTITUTO NACIONAL. MATERIA DE PROVA, INSUSCETIVEL DE REEXAME NO AMBITO DO APELO ESPECIAL (SUMULA N. 07-STJ). FUNDAMENTO EXPENDIDO PELA DECISÃO RECORRIDA, POR SI SO SUFICIENTE, QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO PELOS RECORRENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ - REsp: 27901 MG 1992/0025046-7, Relator: Ministro BARROS MONTEIRO, Data de Julgamento: 04/03/1997, T4 - QUARTA TURMA, Publicação: DJ 12/05/1997 p. 18804)

A presente decisão, data do ano de 1997, demonstra com exatidão a dimensão proporcionada pelo ainda jovem Estatuto da Criança e do Adolescente acerca da efetivação de uma adoção. Observou-se mais uma vez, no caso descrito, que a in-serção de menor em família estrangeira é ato excepcional, o que não induz, porém, à retirada desse menor do lar estrangeiro em que foi inserido, ainda que tenha ha-vido uma inconsistência no procedimento de sua adoção com relação à consulta ao Cadastro Nacional de Adotantes.

Delicada se torna a questão se tomada como base a premissa de que o cumpri-mento fidedigno das normas aplicáveis à adoção de caráter internacional é funda-mental para evitar problemas com o menor depois de adotado. Por outro lado, se observada a posição do Brasil perante a comunidade internacional, em que há me-canismos de defesa e promoção das garantias fundamentais, haja vista a vinculação a tratados e demais pactos na ordem dos direitos humanos, o formalismo se torna um detalhe a mais na composição do ato adotivo.

Isso ocorre, pois, se retirada a essência das decisões acima referidas, urge salientar a necessidade de se fazerem cumprir os direitos básicos das crianças e dos adoles-centes, em caráter emergencial. A análise jurisprudencial demonstra exatamente esse cenário, pois o caso concreto é muito mais abrangente do que a mera teoria explica, congregando um número relevante de crianças à espera de um lar, a fim de serem providas de uma base sólida para o desenvolvimento integral de suas vidas, calcados no respeito irrestrito à sua dignidade e liberdade.

Ainda que sob as indagações pertinentes acerca da aplicação normativa nos ca-sos de adoção, é necessário ressaltar que as etapas a serem cumpridas são relevan-tes ao processo, e determinados pontos específicos são fundamentais à efetivação plena do ato adotivo considerando sua finalidade. É o caso explicitado no presente Mandado de Segurança:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADOCAO INTERNACIONAL. ESTÁGIO DE CON-VIVENCIA. A GUARDIA SENDO BRASILEIRA, COM A GUARDA PROVISORIA DA CRIANÇA, DADA A EXCEPCIONALIDADE DA SITUACAO, ESTA AUTORI-ZADA A VIAJAR PARA O EXTERIOR, POR SER CASADA NOS ESTADOS UNIDOS

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A adoção internacional e a promoção das garantias fundamentais…

COM CIDADAO AMERICANO, E EM RAZAO DO CASAMENTO POSSUIR DUPLA NACIONALIDADE, BRASILEIRA E AMERICANA. O ESTÁGIO DE CONVIVENCIA, PARA QUE A CRIANÇA NAO PERCA O SEU REFERENCIAL, SERA JUNTO COM A GUARDIA, QUE VIAJA DO BRASIL PARA OS ESTADOS UNIDOS E VICE-VER-SA, EM RAZAO DE SEUS INTERESSES, AQUI POSSUINDO IMOVEIS E FAMI-LIARES E NA AMERICA O MARIDO, IMOVEIS E ATIVIDADE COMERCIAL. SE-GURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 595192923, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Carlos Stangler Pereira, Julgado em 07/12/1995). (TJ-RS - MS: 595192923 RS, Relator: Antônio Carlos Stangler Pereira, Data de Julgamento: 07/12/1995, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)

No presente julgado se percebe a importância extrema do estágio de convivência como forma de adaptação da criança à possível nova família, sobretudo pela retirada da mesma de território nacional, o que acarreta responsabilidades ainda maiores. Nesse diapasão, infere-se sobre a adoção uma sistemática única, onde a obediência a cada requisito é determinante para conduzir o ato adotivo a um patamar sólido, fa-zendo-se cumprir, no caso concreto, toda a gama de garantias fundamentais atreladas à criança e ao adolescente já consolidadas no ordenamento jurídico pátrio.

Diante de toda essa questão, relevante se faz salientar a importância do instituto da adoção como ato humanitário, ao mesmo tempo em que sua modalidade trans-nacional, apesar de excepcional para as leis brasileiras, é possível de ser aplicada. Resguardadas todas as condições de caráter meramente formal, pode-se afirmar que a adoção internacional, se efetivada dentro do império da lei, pode ser extre-mamente benéfica ao desenvolvimento do menor adotando, tendo em vista que, dada a dinâmica internacional de primazia aos direitos fundamentais e de insti-tuição de mecanismos de controle e promoção dos mesmos a nível global, torna-se segura a seu modo, desde que sejam trabalhados com exatidão os preceitos formais e principiológicos que embasam o ato de adoção.

Considerações finais

A construção de uma identidade própria da humanidade foi muito custosa de ser conseguida. A afirmação de direitos e garantias, tão básicos e naturais ao ho-mem, teve de ser duramente alcançada após terríveis fatos ocorridos na história mundial, decisivamente importantes para que o clamor por direitos humanos se fizesse presente e para que esses, enfim, pudessem ser propagados.

Sob a égide de uma nova reconfiguração mundial após a Segunda Guerra Mundial, emergem, portanto, um rol de valores imprescindíveis, alicerçados sobre a maxi-mização da dignidade humana. Diversos tratados de cunho internacional foram firmados, incidindo, inclusive, na formação do ordenamento jurídico brasileiro. Com uma base mais protetiva e humanitária sobre direitos fundamentais, o sistema normativo brasileiro se modernizou, passando a adotar mecanismos mais céleres de proteção e efetivação de tais direitos.

Também foram contempladas as crianças e os adolescentes, diante de um ce-nário onde se tornou necessário dotá-las de um sentido de direitos, tornando-as sujeitos passíveis de reconhecimento jurídico e social. Diversos mecanismos foram

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sendo criados ao longo do tempo para que tal objetivo fosse alcançado, tornando o ordenamento jurídico brasileiro um dos mais protetivos do mundo.

A recíproca, porém, nem sempre é verdadeira, e a teoria muitas vezes não coa-duna com a prática. A situação de abandono vivida por muitos menores brasileiros, não inseridos em uma família e, portanto, não contemplados no cotidiano com as garantias que lhe são inerentes, é ainda um problema grave, abrindo uma lacuna no que tange à observância irrestrita dos direitos humanos. A fila da adoção se torna, nesse sentido, o único caminho para estes; ainda assim restam segregados entre o longo caminho burocrático e as preferências dos adotantes e a efetiva inserção em uma estrutura familiar.

O presente estudo buscou, observando tal problemática, analisar as bases fun-damentais do instituto da adoção, considerando sua modalidade internacional, e sua influência na efetivação de garantias fundamentais da criança e adolescente. In-tentou-se robustecer um debate que perpassa a mera noção jurídica e vai de encon-tro com preceitos de cunho histórico e até mesmo sociológico, conferindo a devida importância tanto à possibilidade de consagração de ato adotivo quanto da criança e do adolescente.

Possibilitou-se perceber, diante da pesquisa realizada, que os elementos consa-gradores da adoção são extremamente legítimos perante a ideia de extensão e apli-cação dos direitos humanos. Tomando-se como premissa a necessária efetivação dessas garantias fundamentais a menores, o ato adotivo deixou de ser instrumento puramente jurídico, sem importância, passando a incidir diretamente na formatação de um novo paradigma na respeitabilidade de direitos, se considerada a abrangência de inúmeros tratados internacionais nos ordenamentos jurídicos nacionais, destacando-se nesse estudo o brasileiro.

Logo, a eficácia das normas protetivas presentes no sistema normativo brasileiro, calcadas em princípios valorosos, necessita desse tipo de ferramenta para o pleno funcionamento. Se esses mesmos princípios foram estendidos às crianças e ado-lescentes, inclusive possibilitando criar um estatuto para abarcar os direitos dessa categoria, há que se fazerem esforços cada vez maiores para seu cumprimento total.

Ocorre que o caminho para a efetiva completude de um ato adotivo é longo, e exige observação literal a atenciosa à legislação correspondente. Assim, adotar um menor não é tão fácil, e ainda se esbarra num sistema de preferências entre os adotantes, que escolhem aqueles a quem querem adotar, excluindo, de certa forma, outros tantos menores. Gera-se, com isso, uma incongruência de bases colossais, so-bretudo quando se vislumbram os números do Cadastro Nacional de Adoção, onde há muito mais pessoas interessadas em adotar do que crianças na fila. E o problema, infelizmente, persiste.

Assim sendo, a adoção internacional, ou seja, aquela em que casais estran-geiros adotam um menor brasileiro, ainda que seja medida excepcional, pode ser um caminho para contemplar esses menores em seus direitos e garantias. Logi-camente há preferência pela busca de uma família nacional que acolha esse me-nor, legitimada pela lei, e também diversos problemas que podem decorrer de um ato adotivo transnacional. Porém, se considerada a sistemática mundial em favor dos direitos humanos, e os diversos mecanismos criados para controle em nível global, unindo as mais diversas nações e países em torno de objetivos comuns, incluindo-se o Brasil, torna-se imperioso falar em cooperação global em favor

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do bom funcionamento dessas regras estabelecidas, o que garantiria, ao menos teoricamente, segurança a esses atos.

Sob essa ótica, e tendo em vista ser o caso concreto o mais fiel retrato passível de ser debatido, lançou-se mão de uma criteriosa análise jurisprudencial a fim de que se pudessem conhecer as decisões judiciais tangentes ao tema. É perceptível, por meio dessas jurisprudências, que os princípios elencados no ordenamento jurídico se fazem presentes na totalidade das decisões.

Logo, norteando-se pela ideia da dignidade humana e, sobretudo, do melhor interesse do menor, o julgador faz saber aquilo que melhor coaduna com a realida-de do menor, e aquilo que poderá ser mais favorável a ele. Assim, ainda que haja a necessidade de respeitar um extenso rol de regras aplicáveis ao ato adotivo, referen-dados na legislação e, de maneira especial, no Estatuto da Criança e do Adolescente, a decisão judicial deve estar voltada para a promoção dessas garantias, buscando oportunizar ao menor um futuro digno, sob a estrutura de uma família que lhe ofereça afeto, educação, cuidados básicos.

Infere-se, diante de tudo o que se conhece da realidade brasileira frente aos me-nores, e das questões apresentadas no presente estudo, que a adoção internacional precisa ser estimulada. Urge-se apontar caminhos para resolver de imediato as ca-rências de muitas crianças e adolescentes, dotando-os de verdade daquilo que tanto foi e é apregoado pelo ordenamento jurídico. Somente tomando uma nova postura diante dos menores, priorizando-os de forma absoluta, buscando dar a eles oportu-nidades de crescimento e desenvolvimento sadio, é que o país estará dando passos verdadeiros na direção de um futuro fraterno, justo e igualitário.

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-3

A FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA COTA DE APRENDIZES COMO FORMA DE REDUÇÃO DO

TRABALHO INFANTIL ILEGAL

Tadeu Matos Guterres MartinsCheila Aparecida Oliveira (Orientadora)

Resumo

O presente trabalho visa analisar a possibilidade real e efetiva de reduzir a quanti-dade de crianças e jovens laborando de forma ilegal, por meio de uma intensa fisca-lização do cumprimento das cotas de jovens aprendizes, por parte das empresas que possuem essa obrigação legal. Para tanto, parte-se da exposição das questões refe-rentes ao trabalho infantil, especialmente o realizado de modo ilegal, dos aspectos relativos ao programa jovem aprendiz, às competências relativas ao poder de fisca-lização e dos instrumentos legislativos referentes à temática abordada. O método de abordagem utilizado para a resolução do problema foi o dedutivo, pois o objetivo do presente trabalho é analisar fatos, sendo que por meio dos fatos analisados em momentos distintos, baseado nas premissas assumidas, chegar-se-á às conclusões. O método de procedimento foi pesquisa bibliográfica, objetivando livros, artigos e pe-riódicos científicos, com o fim de embasar a problemática proposta. Conclui-se que a presença maciça da fiscalização do trabalho aumenta a quantidade de aprendizes contratados regularmente e, transversalmente, reduz o trabalho infantil ilegal. Re-sultam reflexos positivos, tais como: pessoas inseridas no sistema previdenciário; re-dução da evasão escolar; qualificação profissional dos jovens; melhor inclusão social.Palavras-chave: Trabalho infantil. Jovem aprendiz. Fiscalização.

Abstract

This study aims to analyze the real and effective way to reduce the amount of chil-dren and young people laboring illegally, through an intense enforcement of quotas of young apprentices by companies that have this legal obligation. Therefore, part is the statement of the matters relating to child labor, especially done illegally, with aspects of the young apprentice program, skills relating to the power of supervi-sion and legislative instruments related to the theme. The method of approach used to solve the problem was deductive, because the objective of this study is to ana-lyze facts, and through the facts analyzed at different times, based on the assumed premises will reach up to the Opinion, and method of procedure was the literature in books, scientific papers and journals, in order to base the problematic proposal. It is concluded that the massive presence of labor inspection increases the number of apprentices hired regularly and across reduces illegal child labor, with positive

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effects, such as persons entered into the pension system, reducing truancy, profes-sional training of young people and better social inclusion.Keywords: Child labor. Young apprentice. Oversight.

1 Introdução

A problemática do trabalho infantil representa um enorme desafio no mundo atual. A Organização Internacional do Trabalho estabelece idade mínima para início da atividade laboral por parte dos jovens, de forma que todos os países signatários de suas convenções relativas ao tema devem desenvolver políticas públicas com o objeti-vo de cumpri-las. O Brasil, em especial, apesar de ter avançado bastante nos últimos anos no combate ao trabalho infantil, ainda está longe de uma condição aceitável.

Surge, assim, o enorme desafio nacional de se buscarem formas criativas, de baixo custo, viáveis e efetivas de se combater o trabalho infantil ilegal e de se erradicar suas piores formas, descritas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP).

Nesse contexto, o presente trabalho tratará do programa jovem aprendiz e de como ele pode ser utilizado como ferramenta no combate ao trabalho infantil ilegal. Enfatiza-se a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, por meio do trabalho dos Auditores Fiscais do Trabalho (AFT), órgão responsável tanto pelo combate ao trabalho infantil ilegal, quanto pela fiscalização do cumprimento da cota de apren-dizes pelas empresas.

Para isso, discute-se o tema do trabalho infantil e da aprendizagem profissional, tendo por base instrumentos legais que norteiam esses assuntos: convenções da OIT; Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88); Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Explica-se, ainda, as respectivas implicações socioeconômicas dessas problemáticas.

Tudo isso com o objetivo de demonstrar a real e efetiva possibilidade de se reduzir a quantidade de crianças e jovens laborando de forma ilegal, por meio de uma inten-sa, planejada e inteligente fiscalização do cumprimento das cotas de jovens apren-dizes realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego no âmbito das empresas e equiparados que possuem essa obrigação legal.

2 Trabalho infantil

O conceito de trabalho infantil pode ser abordado em linhas gerais como sendo aquele labor realizado por crianças e adolescentes até uma determinada idade limi-te, a partir da qual a pessoa torna-se adulta, de forma que seu trabalho deixa de ser considerado irregular. A Organização Internacional do Trabalho - OIT – estabeleceu no artigo primeiro da Convenção internacional nº 138 que:

Todo Membro, para o qual vigore a presente Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a abolição efetiva do trabalho de crianças e eleve, pro-gressivamente, a idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho a um nível que torne possível aos menores o seu desenvolvimento físico e mental mais completo.

Especificando esse entendimento, o parágrafo 3º do artigo 2º da mesma Con-venção quantifica a idade mínima para o trabalho da seguinte forma: “a idade mí-

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nima fixada em cumprimento do disposto no parágrafo 1 do presente artigo não deverá ser inferior à idade em que cessa a obrigação escolar, ou em todo caso, a quinze anos”.

Assim, todos os países signatários dessa Convenção se comprometem a adotar idades iguais ou superiores ao estabelecido como idade mínima exigida para o iní-cio da atividade laborativa para os jovens.

O Brasil incorporou ao seu ordenamento jurídico as convenções internacionais que tinham como escopo a proteção laboral da criança e do adolescente. O resulta-do desses decretos que ratificaram tais convenções se encontra estabelecido hoje na constituição e na legislação infraconstitucional.

No âmbito nacional, o conceito de trabalho infantil está inserido no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal de 1988, o qual possui a seguinte redação, dada pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

Sendo assim, pode-se chegar à conclusão de que, no Brasil, qualquer trabalho é proibido para menores de 14 anos.

Na faixa etária de jovens entre 14 e 16 anos de idade, a única possibilidade de realizar atividade laborativa, salvo autorização judicial, é por meio do programa jo-vem aprendiz. Excluindo esta hipótese, o trabalho para essa faixa etária é proibido.

No tocante à última faixa etária, jovens de 16 a 18 anos, o trabalho é liberado, porém com algumas restrições. Para que seja permitido o trabalho desses jovens, é necessário que a atividade laborativa não seja noturna, perigosa e/ou insalubre.

Tem-se, assim, as duas hipóteses de trabalho infantil permitido pela lei: o tra-balho a partir dos 16 anos de idade em atividades não penosas, não insalubre e realizados entre as 5 hs da manhã e as 22 horas e o trabalho como jovem aprendiz, devidamente matriculado em curso de aprendizagem, a partir dos 14 anos de idade.

2.1 Causas do trabalho infantil

O trabalho infantil é, de fato, um problema complexo. Complexidade, nesse con-texto, não significa apenas que é um problema de difícil ou de impossível solução. Pelo contrário, a complexidade dessa temática tem a ver com a enorme quantidade de variáveis que compõem o cenário o qual proporciona a ocorrência do trabalho infantil. Nesse sentido, explica Costa (2008, p. 14):

Para elucidar os principais fatores que desencadeiam o trabalho infantil, faz-se neces-sário analisar inúmeros aspectos, pois é um problema social complexo, interligado a outros. Como principal causa do trabalho infantil destaca-se a pobreza. Entre as de-mais estão o alto índice de desemprego, a precariedade educacional no país, a baixa escolaridade dos pais. São, portanto, aspectos econômicos, culturais, políticos que, de uma forma ou outra, influenciam o modo de viver e pensar da sociedade.

Problemas complexos requerem soluções complexas. Um dos grandes fatores que contribuem para a dificuldade da questão do labor precoce são suas inúmeras

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causas. Analisar essas causas ajuda a compreender o tema e a iniciar de forma mais segura um processo de aplicação de possíveis soluções com a finalidade de se tentar erradicar o trabalho infantil do território nacional.

Uma das mais conhecidas causas de trabalho infantil é a pobreza. Famílias que não possuem renda suficiente para seu próprio sustento acabam apelando para a mão-de-obra de crianças e adolescentes com o ensejo de resolver um problema presente e urgente e, agindo assim, acabam gerando um ciclo vicioso de falta de qualificação profissional e perpetuação das condições precárias de vida.

Sair desse ciclo não é fácil, pois somente com educação e qualificação mínimas é que o futuro trabalhador adulto conseguirá assegurar uma renda superior à de seus ascendentes. O trabalho precoce, na maioria das vezes, impede essa qualificação.

Veronese e Custódio (2013, p. 88), ao discorrerem sobre a questão da pobreza como causa do trabalho infantil, ressaltam o fato de que a necessidade de comple-mentação da renda familiar não pode ser o único fator considerado no processo que leva uma criança ao trabalho precocemente, até mesmo porque o rendimento adi-cional que a criança proporciona à família não altera de forma significativa a renda familiar total. Mesmo assim, afirmam:

As causas econômicas são apontadas frequentemente como um dos principais fatores determinantes do trabalho infantil, incluindo o trabalho infantil doméstico. A condi-ção de pobreza e a baixa renda familiar são um dos estímulos para o recurso ao traba-lho da criança e do adolescente, pois a busca pela sobrevivência exigiria a colaboração de todos os membros do grupo familiar.

Em momentos de recessão no país, aumento da pobreza e do desemprego, ocorre uma elevação da informalidade. Quando os adultos perdem seus empregos, buscam o mercado informal para conseguir algum tipo de renda e, como a prioridade das famí-lias se torna sobreviver, algo cuja solução deve ser imediata, deixam-se de lado projetos de médio e de longo prazo, como por exemplo a educação das crianças. Assim, adoles-centes e crianças acabam deixando as salas de aula para auxiliar no sustento da família.

Nesse sentido, afirmam Veronese e Custódio (2013, p. 89) ao dissertarem sobre o trabalho infantil doméstico, umas das mais graves formas de trabalho infantil ilegal: “Na medida em que aparece a precariedade nas relações de trabalho, o recurso bus-cado por meio da mão-de-obra infantil torna-se mais acentuado”. E continuam logo depois: “Por isso, pode-se afirmar que o desemprego também se manifesta como um importante fator de influência no trabalho infantil doméstico, pois o trabalho precário torna-se uma alternativa de subsistência”. Leia-se nessa afirmação trabalho precário como trabalho informal.

Em especial, o desemprego possui enorme e direta influência na quantidade de jovens aprendizes. O artigo 429 da CLT, com redação dada pela lei nº 10.097 de 2000, dispõe que “os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empre-gar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máxi-mo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”. Se as empresas são obrigadas a matricular aprendizes equi-valentes a um percentual do número de empregados, é natural que a redução da quan-tidade de empregos formais no país reduza o número de aprendizes matriculados em cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem.

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Dessa forma, será o setor informal que irá absorver essa mão de obra. Justamente o setor das relações precárias de trabalho, que, além da precariedade das condições de trabalho, para menores de 18 anos é ilegal. No mundo real, o jovem aprendiz não busca apenas o aprendizado. Ele geralmente necessita da renda oferecida em contrapartida à atividade que desenvolve. A redução das vagas de aprendizes não irá reduzir a necessidade dos jovens em receber uma remuneração. Assim, eles serão induzidos a buscar na informalidade (ilegalidade) uma alternativa de renda.

É importante citar mais duas causas muito comuns e relevantes no atual con-texto. São elas o desejo de consumo do núcleo familiar e o significado cultural e tradicional do trabalho infantil.

O desejo de satisfazer as necessidades de consumo é atualmente um fator muito relevante no estímulo ao trabalho infantil. Mais uma vez, nos ensinam Veronese e Custódio (2013, p. 90):

Não se pode esquecer que mesmo famílias paupérrimas não estão imunes à atração por mercadorias e serviços oferecidos, senão impostos pela mídia, como símbolos de bem--estar. Em determinados casos, as necessidades induzidas pelo meio se tornam mais importantes que as exigências reais. O desejo de satisfação dessas necessidades pode apresentar-se como uma reação a um sentimento de privação ou frustação. O desejo de consumo do núcleo familiar, construído socialmente como necessidade, pode ser um fator de estímulo para a inserção precoce dos filhos no mercado de trabalho, embora não seja o fator primordial ou determinante, mas apenas um componente de reforço do processo, num contexto social mais amplo.

No que tange à questão cultural, o Brasil possui um longo histórico não apenas social, mas também legal em relação ao descaso com a infância. Sempre houve uma grave e significativa discrepância de tratamento entre as crianças de classes econo-micamente privilegiadas e as crianças provenientes de famílias pobres.

Obviamente, o mais claro retrato dessa situação ocorria no período da escravi-dão. Posteriormente, superado o período escravocrata, o problema do menor mar-ginalizado ou que não tinha onde ficar, tendo em vista a necessidade de seus pais trabalharem, foi tratado não de forma a combater as causas que originavam aquela situação, mas, sim, de modo punitivo em relação àqueles menores vadios que se en-contravam nas ruas. A teoria que fundamentou a produção legislativa da época foi denominada Doutrina da Situação Irregular.

Por todo o exposto, pode-se constatar a enorme gama de causas que têm como consequência o aumento do trabalho infantil ilegal.

2.2 Consequências do trabalho infantil

As restrições impostas ao exercício do trabalho por pessoas menores de 18 anos são justificadas pela necessidade de se protegerem as crianças e os jovens da explora-ção de sua força de trabalho pelos empregadores que optam pelo trabalho infan-til com o intuito de reduzir os custos com mão-de-obra. Tais restrições existem, também, para a proteção da saúde daqueles que ainda estão com o corpo em formação. Destaque-se, ainda, a necessidade de se proteger a formação escolar das crianças e dos jovens, tendo em vista que muitos abandonam os estudos por causa do trabalho.

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Com relação a esses aspectos, tem-se o relato de Ana Cláudia Martins no artigo intitulado Repercussão do Trabalho Infantil Urbano na Saúde de Crianças e Ado-lescente (2012, p. 7).

O trabalho diminui o tempo disponível da criança para seu lazer, sua vida em família e educação; diminui, também, a oportunidade de estabelecer relações de convivência com seus pares e outras pessoas da comunidade em geral. Além disso, os menores ex-perimentam um papel conflitante na família, no local de trabalho e na comunidade, pois, como trabalhadores, são forçados a agir como adultos, no entanto, não podem escapar de sua natural condição infantil. Esses fatores são fonte de estresse emocional que afetam o desenvolvimento mental e físico em um estágio crítico da vida. Crianças e adolescentes vivem um processo dinâmico e complexo de diferenciação e maturação. Precisam de tempo, espaço e condições favoráveis para realizar sua transição nas várias etapas em direção à vida adulta. Essas transformações os tornam mais vulneráveis às situações de risco do ambiente de trabalho e, portanto, mais susceptíveis a adquirir doenças ocupacionais.

Tais proteções existem para evitar as nefastas consequências do trabalho preco-ce na formação intelectual, física e psicológica das crianças e dos jovens.

Diante de todo o exposto, é fácil constatar as consequências infligidas pelo tra-balho precoce, não só ao menor, mas a toda a sociedade. As crianças e os jovens que trabalham prejudicam seu rendimento escolar ou, até mesmo, têm o acesso à escola inviabilizado; recebem menos que os adultos, isso quando possuem algum tipo de remuneração; realizam excessivas jornadas de trabalho, são expostos a condições insalubres de trabalho, a ambientes com higiene inadequada, a riscos de acidentes de trabalho, a doenças ocupacionais e, ainda, à exploração sexual.

Em que pese o fato de esse amplo rol de malefícios produzidos pelo trabalho pre-coce e ilegal ser facilmente verificado, ainda existe muita resistência da sociedade e, às vezes, do próprio Estado, no esforço de coibir o trabalho infantil, o que dificulta as ações, governamentais ou não, do seu combate. Com relação a essa problemática, dispõe Souza (2010, p. 44), de forma clara:

Os aspectos culturais representam limites concretos para a erradicação do trabalho in-fantil e estão dispostos em forma de mitos culturais reproduzidos por gerações, e ainda reforçados por práticas jurídicas e políticas ao longo da história brasileira. Expressões de uso comum são representativas dessa realidade, tais como: 01) é melhor trabalhar do que roubar; 02) o trabalho da criança ajuda a família; 03) é melhor trabalhar do que ficar nas ruas; 04) lugar de criança é na escola; 05) trabalhar desde cedo acumula experiências para trabalhos futuros; 06) é melhor trabalhar do que usar drogas; 07) trabalhar não faz mal a ninguém.

Esses mitos refletem de forma clara os valores difundidos atualmente na socie-dade. Para ela, os problemas referentes à criminalidade são decorrência do fato de as crianças não estarem trabalhando e não por estarem fora das escolas, ou até mesmo dentro das escolas, mas recebendo um péssimo ensino e sendo aprovadas sem terem aprendido o assunto.

O mito referente à ajuda do trabalho da criança para o sustento da família traz em si uma enorme inversão. Segundo ele, não são só os pais que devem sustentar a criança e propiciar-lhe um desenvolvimento digno e, na falta desses, o Estado e/

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ou a sociedade, mas, sim, a criança, por meio de seu trabalho, deve colaborar com o sustento dos pais em detrimento de sua formação intelectual, física e psicológica. Nesse sentido, relata Silva (2009, p. 851):

Essa família, que recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave dever, jun-tamente com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da criança e do adolescente enumerados no art. 227: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão é exigência indeclinável do cumprimento daquele dever.

Dessa forma, resta clara a necessidade não apenas de modernizar o aparato ju-rídico, mas também de implementar políticas públicas sérias e efetivas, que não só combatam diretamente a danosa prática do trabalho infantil, como também cons-cientizem a sociedade dos danos provenientes dessa problemática.

2.3 O trabalho infantil na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho

A Carta de 1988 estabeleceu um amplo leque de direitos e garantias aos traba-lhadores e, conforme citado acima, no inciso XXXIII do artigo 7º dispõe sobre as hipóteses de proibição do trabalho infantil.

Ainda nessa linha, inseriu na legislação pátria o Princípio da Proteção Integral ao Menor, norma pertencente ao grupo dos Direitos e Garantias Fundamentais, conforme dispõe seu artigo 227, o qual estabelece em seu caput:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Seus mandamentos, assim, vêm representando um enorme desafio à sociedade e ao Estado para adequar a realidade do país ao conteúdo da norma constitucional programática, em especial no tocante às questões trabalhistas envolvendo menores de 18 anos de idade.

Desse modo, se reporta Luiz Antônio Miguel Ferreira ao princípio da proteção integral, no artigo A Proteção Integral das Crianças e dos Adolescentes Vítimas:

Introduziu-se a Doutrina da Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 227 da Constituição Federal, que declarou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Sendo assim, citam-se, mais uma vez, Juliana Paganini, Mirian Pamplona Ma-chado e André Viana Custódio no artigo intitulado A Inserção Precoce das Crianças

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no Trabalho: O Desafio de Ser Criança no Brasil (2010), que deixam muito claro os desafios do Estado e da sociedade no dever de nortear suas ações coma finalidade de alcançar a máxima efetividade do artigo 227 da CF/88.

Dessa maneira, a partir de 1988, surge a responsabilidade da família, sociedade e Estado em garantir os direitos de crianças e adolescentes, considerando os sujeitos de direitos em fase de desenvolvimento. Assim, o Estado assume a responsabilidade em assegurar e efetivar os direitos fundamentais, não devendo mais atuar como antes, com repressão e força, mas com políticas públicas de atendimento, promoção, proteção e justiça.

A finalidade de se alcançarem as garantias dos direitos de crianças e adolescentes que, em última instância, significa assegurar a máxima efetividade do princípio da dignidade humana para esse grupo de pessoas, não é mera faculdade dos responsá-veis pelas políticas públicas e dos operadores do direito, e sim um dever. Nesse senti-do, ensina Barroso (2010, p. 305) afirmando que “o tema da eficácia e efetividade da constituição relaciona-se com o plano da concretização constitucional, no sentido da busca da aproximação tão íntima quanto possível entre o dever ser normativo e o ser da realidade social” sendo complementado por Canotilho (1999, p. 1224): “o princípio da máxima eficácia e efetividade implica o dever do intérprete e aplicador de atribuir o sentido que assegure maior eficácia às normas constitucionais”.

É neste ponto que se encontra o cerne da questão do trabalho infantil ilegal, na efetiva garantia da dignidade humana para crianças e adolescentes que são privados dela em decorrência da atividade laborativa precoce e ilegal. Importante salientar que tal princípio vem insculpido já no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 como um fundamento da República Federativa do Brasil.

Essa relação entre a Doutrina da Proteção Integral e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é exposta por Ana Carolina Paranhos de Campos Ribeiro em sua Dissertação de Mestrado A Doutrina da Proteção Integral nas Dinâmicas Inter-nacional e Brasileira: uma proposta quadrangular a partir do estudo da erradicação das piores formas de trabalho infantil (2014, p. 187):

Tal ótica está alinhada à noção da promoção da dignidade humana no âmbito jus-laboral e no âmbito do Direito da Criança e do Adolescente. Tanto é que a Doutrina da Proteção Integral é sustentada, juridicamente, não apenas por abarcar e estipular a garantia dos direitos fundamentais infanto-juvenis com prioridade nas formulações e decisões políticas (art. 227, da CF/88), mas pelo princípio jurídico da dignidade humana, invocado, desde o início da pesquisa, como norteador e fator que motiva a abordagem holística implícita à referida doutrina. O princípio da dignidade humana é um princípio definidor de direitos e de natureza geral, pois se irradia por todo o ordenamento jurídi-co, enquanto o princípio da proteção integral é setorial, porque sua irradiação é contida ao direito constitucional da criança e do adolescente, mas é supremo neste domínio.

Pelo exposto, é evidente o intuito da CF/88 em propiciar a crianças e adolescentes tratamento diferenciado que consiste em oferecer um extenso rol de proteção para eles, em especial proteção contra o trabalho infantil ilegal. Assim, a efetiva aplica-ção da norma constitucional exige ações imediatas para a aplicação do princípio da proteção integral e que toda a interpretação da legislação infraconstitucional seja realizada segundo os princípios estabelecidos na Carta Magna.

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2.3.1 Consolidação das Leis do TrabalhoA Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a lei federal que atende ao disposto

no artigo 22, inciso I da Constituição Federal, que afirma ser competência privativa da União legislar sobre Direito do Trabalho.

No que tange à regulamentação do trabalho do menor, a CLT possui todo um capítulo (Capítulo IV – Da Proteção do Trabalho do Menor) composto por 40 (qua-renta) artigos que versam sobre diversos itens relacionados à proteção do trabalho do menor: a idade mínima (art. 403), questões relativas a descanso, intervalos e du-ração da jornada de trabalho, proibição do trabalho perigoso, insalubre, penoso (art. 405), noturno (art. 404) ou trabalhos realizados em locais prejudiciais à sua forma-ção, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola (art. 403, parágrafo único).

Já a aprendizagem está regulamentada do artigo 428 ao 433 da CLT. Resumi-damente, eles conceituam a aprendizagem, o contrato de aprendizagem, regulam os valores máximo e mínimo de aprendizes que uma empresa pode ter, dispõem sobre os limites temporais de duração do contrato e da jornada do aprendiz, impõe a necessidade de frequência e rendimento escolares e mostram como se dará a par-ticipação das entidades de ensino profissionalizante no processo de aprendizagem profissional.

Aludindo à questão do princípio da proteção integral e à necessidade de todo o aparato institucional estar de acordo com ele, citam-se Custódio e Dalzoto (2010, p. 9):

É, portanto, a doutrina da proteção integral a base configuradora de todo um novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltadas à efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, que traz em sua essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento humano reconhecendo a condição peculiar de pessoas em desenvol-vimento e a articulação das responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado para a sua realização por meio de políticas sociais públicas.

Sendo assim, é clara na CLT a ideia de proteção ao trabalho do menor. Nessa linha, ela não só regulamenta o disposto na CF/88, como amplia o rol mínimo de proteção.

A CLT exige, ainda, que as empresas ou equiparados efetuem a contratação de aprendizes. Assim, seu artigo 429 estabelece um percentual mínimo de 5% e má-ximo de 15% dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Consoante dito, o percentual mínimo exigido existe para garantir que jovens aprendizes sejam contratados e o máximo, para se tentar evitar a indevida utilização da mão-de-obra do aprendiz, desvirtuando-se dos fins do contrato de aprendizagem.

Em relação a essa temática, dispõe Amazarray (2009, p. 329):

Por sua vez, a contratação de aprendizes, regulamentada pelo Decreto no 5598/2005 (Brasil, 2005), assegura formação técnico-profissional e realização de atividades com-patíveis com a vida escolar e com o desenvolvimento físico, psicológico e moral do aprendiz. (...) A contratação de aprendizes é obrigatória para empresas submetidas ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, no número equivalente a, no mínimo, 5% e, no máximo, 15% dos trabalhadores. Como consequência, empresas têm inserido adolescentes em seu quadro funcional na condição de aprendizes que executam suas atividades protegidos pela legislação.

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Por todo o exposto, apesar de essa temática do trabalho do menor ser uma parte bastante negligenciada pelos autores da seara trabalhista, ela se apresenta na Conso-lidação das Leis Trabalhistas de modo bastante relevante e possui extrema impor-tância no âmbito social.

3 Programa Jovem Aprendiz

O conceito de aprendizagem é dado pelo artigo 62 do ECA – “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor” – e obriga os entes contratantes a seguir as disposições ali citadas e, sublinhe-se, as contratações devem ser realizadas em consonância com o princípio da proteção integral já discutido.

Desenvolvido com o intuito de propiciar qualificação profissional para os jovens e simultaneamente gerar renda, o programa jovem aprendiz apresenta diversos pon-tos positivos. O jovem que participa do programa recebe qualificação, salário, é in-serido no sistema previdenciário e no mercado de trabalho. Para as empresas, existe a oportunidade de se qualificar mão-de-obra para que posteriormente possa ser uti-lizada de acordo com suas necessidades e, ainda, cumprir um relevante papel social. O governo se beneficia pela redução da informalidade, do trabalho infantil ilegal, dentre outros fatores. Já a sociedade tem como benefício a oportunidade oferecida aos seus jovens em total conformidade com a lei e a redução de todos os prejuízos decorrentes da utilização ilegal do trabalho precoce.

Depreende-se também do conceito que a aprendizagem técnico-profissional deve ser metódica, ou seja, a instituição de ensino profissionalizante deve elaborar pre-viamente toda a sequência de atividades que devem ser desenvolvidas, de modo que se estabeleça um processo de aprendizado contínuo e progressivo.

3.1 O contrato de aprendizagem

O programa jovem aprendiz consiste na realização de contrato de trabalho es-pecial, ajustado por escrito e por prazo determinado entre o empregador e o jovem maior de 14 anos e menor de 24 anos de idade. Para isso, o jovem deverá estar ins-crito em programa de aprendizagem compatível com seu grau de desenvolvimen-to e ministrado, preferencialmente, pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, os quais, juntamente com o empregador, o jovem e seu responsável, no caso de meno-res de 18 anos de idade, participam da relação contratual de trabalho.

Nestes termos, ensina-nos a Consolidação das Leis Trabalhistas em seu artigo 428:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desen-volvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.

Sendo assim, percebe-se que o contrato de aprendizagem é especial, deve ser obrigatoriamente escrito. Esse contrato sempre será a prazo determinado, com va-lidade máxima de dois anos e atingirá o público jovem na faixa etária entre 14 e 24

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anos de idade, salvo para pessoas com deficiência, para as quais o contrato de apren-dizagem não possui limite superior de idade.

E, além disso, nas palavras de Vecchi (2007, p. 441), o contrato de aprendizagem “visa possibilitar ao aprendiz, por meio de formação técnico profissional na empre-sa, captar o aprendizado de experiências necessárias para o seu desenvolvimento profissional”.

No programa jovem aprendiz, também é assegurado ao jovem o pagamento do salário mínimo hora, a assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o recolhimento das contribuições previdenciárias e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (com alíquota de 2%).

Com relação a este assunto cita-se Oliveira (2012, p. 295):

O contrato de aprendizagem celebrado por escrito com adolescentes entre 14 e 18 anos deve ser consignado na Carteira de Trabalho, indicando matrícula e frequência à escola caso não haja concluído o ensino fundamental, e sua duração deve corresponder ao tem-po necessário para obter a formação, não podendo, porém, ultrapassar dois anos. Res-salvadas as normas específicas de um contrato especial, o aprendiz torna-se empregado para todos os efeitos, gozando, pois, de todos os direitos trabalhistas e previdenciários, nestes incluída a cobertura contra acidentes de trabalho.

Pelo exposto, salienta-se que, para a formação e o prosseguimento do contrato de aprendizagem, são obrigatórios a matrícula, a frequência e o bom rendimento escolares dos jovens inseridos no programa, caso estes ainda não tenham concluído o ensino médio.

3.2 Personagens envolvidos

Os principais atores na questão da aprendizagem profissional nos moldes de-finidos pela CLT são: o jovem com idade maior ou igual a 14 anos e menor de 24 anos (art. 428); o empregador, que possui em seu estabelecimento uma quantidade a partir de 7 funcionários que demandem formação profissional (art. 429); os serviços nacionais de aprendizagem (art. 429) e o Governo Federal (art. 430 §3º).

Segundo o Manual da Aprendizagem (2014, p. 15), aprendiz é:

O adolescente ou jovem entre 14 e 24 anos que esteja matriculado e frequentando a escola, caso não tenha concluído o Ensino Médio e inscrito em programa de aprendi-zagem (art. 428, caput e § 1º, da CLT). Caso o aprendiz seja pessoa com deficiência, não haverá limite máximo de idade para a contratação (art. 428, § 5º, da CLT).

É importante salientar que o jovem entre 14 e 18 anos “em observância aos prin-cípios contidos no art. 227 da Constituição Federal (CF/88) e no ECA” (MANUAL DE APRENDIZAGEM, 2012, p. 15) possui prioridade na contratação.

O jovem aprendiz deve executar com zelo e diligência as tarefas dispostas no cur-so de formação, ser assíduo e pontual, ter frequência e rendimento escolares mínimos.

O atestado de frequência e rendimento escolar deve ser fornecido pela escola, e o jovem deve apresenta-lo à instituição de ensino profissionalizante responsável pela elaboração e acompanhamento do programa. Esta, por sua vez, deve compartilhar essas informações com o empregador.

Caso o jovem ainda não tenha o ensino médio completo, o § 1º do art. 428 da CLT exige a matrícula na escola para a validade do contrato de aprendizagem.

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Apesar de a empresa ser obrigada a manter a cota mínima de aprendizes, nada obsta que algum aprendiz venha a ser desligado por iniciativa do empregador. O ar-tigo 433 da CLT elenca diversas hipóteses nas quais o empregador pode dispensar o aprendiz antes do término do contrato de aprendizagem. O aprendiz também pode pedir para sair do programa a qualquer tempo.

Ao jovem matriculado no curso de aprendizagem é assegurado o salário mínimo hora (art. 428, § 2º da CLT) ou o piso estadual caso seja superior ao salário mínimo nacional. Destaque-se que “a convenção ou o acordo coletivo da categoria poderá garantir ao aprendiz salário maior que o mínimo (art. 428, § 2º, da CLT e art. 17, parágrafo único do Decreto nº 5.598/05)” (MANUAL DA APRENDIZAGEM, 2014, p. 29). Também é assegurada a anotação da CTPS, o recolhimento do FGTS com alíquota de 2% (art. 24, parágrafo único, do Decreto nº 5.598/2005) e inserção no sistema previdenciário (art. 65 do ECA).

No tocante às entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, são elas que elaboram o programa de educação profissional, metódico, organizado em tarefas de complexidade progressiva que será executado por elas próprias e pelas empresas com os aprendizes durante a realização do contrato de aprendizagem.

Nos termos do artigo 8º do Decreto nº 5.598/05, são:

Art. 8º Consideram-se entidades qualificadas em formação técnico-profissional metó-dica:I - os Serviços Nacionais de Aprendizagem, assim identificados:a) Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI;b) Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC;c) Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR;d) Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte - SENAT; ee) Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo - SESCOOP;II - as escolas técnicas de educação, inclusive as agrotécnicas; eIII - as entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivos a assistência ao ado-lescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Os serviços nacionais de aprendizagem possuem prioridade no atendimento à demanda por aprendizes. Consonante disposto no artigo 430 da CLT, somente se não houver na localidade esses serviços ou se estes não estiverem atendendo a de-manda é que deverá se recorrer às escolas técnicas de educação, até mesmo às agro-técnicas e às entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivos a assistência ao adolescente e a educação profissional.

Cabe à entidade formadora a elaboração do programa técnico-profissional que preveja a execução de atividade teóricas e práticas, com especificação do público-al-vo, dos conteúdos programáticos a serem ministrados, período de duração, carga horária teórica e prática, mecanismos de acompanhamento, avaliação e certificação do aprendizado, observando os parâmetros estabelecidos na Portaria MTE nº 615, de 13 de dezembro de 2007.

Ficará, também, sob responsabilidade da entidade formadora o dever de forne-cer à empresa o respectivo plano de curso e orientá-la para que ela possa compati-bilizar o desenvolvimento da prática à teoria ministrada e a incumbência de conce-der certificado de qualificação profissional aos aprendizes que concluírem curso de aprendizagem com o aproveitamento mínimo (art. 430, § 2º da CLT).

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

Por fim, tais entidades têm o dever de fiscalizar o correto cumprimento e o desenvolvimento do contrato de aprendizagem, devendo informar às autoridades competentes quaisquer indícios de desvirtuamento dos fins do programa por parte do empregador.

Com relação ao papel da escola no programa jovem aprendiz, tem-se que este é bem restrito. Pelo menos em termos de exigências formais que o legislador impõe a esta instituição.

A escola deve fornecer os atestados de frequência e o rendimento de seus alunos que sejam jovens aprendizes para que estes possam apresentá-los à instituição de ensino profissionalizante responsável pelo programa.

No que diz respeito ao empregador, sua principal obrigação na temática da aprendizagem é realizar a contratação do jovem aprendiz, conforme dispõe o art. 2º da Instrução Normativa (IN) 97 de 2002 do MTE.

Cumprida pelo empregador a obrigação inicial de contratação do(s) jovem(ns) aprendiz(es) na quantidade estipulada pelo cálculo da cota legal. A escolha do jovem é de sua livre escolha, devendo indicar monitor para acompanhar o aprendiz nas suas atividades.

Cabe, ainda, ao empregador realizar a matrícula do aprendiz no curso, respeitar todas as limitações impostas ao trabalho do menor, no caso de aprendizes entre 14 e 18 anos de idade, agir de acordo com o princípio da proteção integral, proceder às devidas anotações do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do jovem, pagar o salário e efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Todos esses cuidados e deveres são de suma importância, haja vista a aprendiza-gem ser uma modalidade de trabalho educativo, que, nas palavras de Costa (2012, p. 314), trata-se de:

[...] um tipo específico de relação laboral que, sem excluir a possibilidade de produção de bens ou serviços, subordina essa dimensão ao imperativo do caráter formativo da atividade, reconhecendo como sua finalidade principal o desenvolvimento pessoal e social do educando.

A empresa ou o empregador deve sempre prezar para que o contrato de aprendi-zagem tenha seu desenrolar da forma mais efetiva possível: o jovem deve ser orien-tado pelo responsável por seu acompanhamento, deve ser cobrado pela realização de suas tarefas e pela técnica que utiliza para realizá-las, não deve ter sua função desvirtuada e deve trabalhar em um ambiente propício a seu desenvolvimento físico, psicológico e intelectual.

Por fim, é competência do governo – mais especificamente, do Governo Federal – representado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a fiscalização do cumpri-mento da cota de aprendizes e de todos os atributos trabalhistas referentes ao con-trato do aprendiz, como por exemplo jornada de trabalho, correto pagamento do salário, assistência nas rescisões dos contratos superiores a um ano e verificação in loco de possíveis desvios de finalidade ou irregularidades no exercício das atividades dos aprendizes.

Tais competências estão dispostas na Instrução Normativa (IN) 97 de 2012 do MTE que dispõe sobre a fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos programas de aprendizagem.

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Para isso, os Auditores Fiscais do Trabalho podem autuar as empresas, acionar o Ministério Público do Trabalho para eventual ação civil pública ou até mesmo rescindir os contratos de trabalho, desconsiderando o registro como aprendiz, caso o desvirtuamento do contrato de aprendizagem seja grave e insanável.

Cumpre salientar que além do exercício do poder de polícia supra analisado, deve o poder público também divulgar o disposto na lei de aprendizagem, orientar jovens, pais, entidades, firmar convênios com outros órgãos e utilizar todos os re-cursos e meios disponíveis para que o maior número possível de jovens permaneça fora do trabalho infantil ilegal. Ou seja, deve o poder público adotar medidas e implementar políticas públicas que visem a efetivação do direito do jovem à profis-sionalização, ao trabalho e à renda, sendo a inserção na aprendizagem uma maneira muito eficiente de se atingir esse fim.

4 Papel do ministério do trabalho e emprego na inserção de aprendizes no mercado de trabalho

Em que pese haver inúmeros benefícios e bons resultados nas atividades de arti-culação da rede protetora e conscientização da comunidade, não se pode deixar de enfatizar o poder da atividade de fiscalização do MTE no que diz respeito à redução do trabalho infantil ilegal e à inserção de jovens aprendizes no mercado de trabalho.

Sem a repressão ao trabalho infantil e as consequentes punições aplicadas aos empregadores que se utilizam irregularmente dessa mão-de-obra, os números en-volvendo tais práticas seriam ainda maiores dos que os apresentados nos dias atuais.

Com o intuito de regulamentar a inspeção do trabalho nas ações de combate ao trabalho infantil, foi publicada a Instrução Normativa (IN) 102/2013 da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), que dispõe sobre a fiscalização do trabalho infantil e a proteção ao adolescente trabalhador. Sobre essa IN, escreve Ribeiro (2014, p. 170):

A SIT/MTE n. 102/13 dispõe sobre a atuação da inspeção do trabalho no combate ao trabalho infantil e proteção ao trabalhador adolescente. Em seu art. 2º, a IN n. 102/2013 estipula que todos os Auditores Fiscais do Trabalho têm competência institucional de fiscalizar os locais de trabalho, almejando combater o trabalho infantil e proteger o tra-balhador adolescente. Em seu art. 3º, a IN 102/2013 espelha a Doutrina da Proteção In-tegral ao dispor sobre a prioridade absoluta conferida à inspeção e às ações fiscais, nos casos de denúncias envolvendo trabalho infantil e trabalhador adolescente. Da mesma forma, esse artigo provoca os Auditores Fiscais do Trabalho a planejarem fiscalizações específicas para combate do trabalho infantil e do trabalho irregular de adolescentes.

A fiscalização possui competência ainda para rescindir os contratos de trabalho das crianças e dos jovens encontrados em situação irregular (Parágrafo único do art. 6º da IN 102/2013), lavrar os autos de infração pertinentes contra o emprega-dor e exigir o pagamento de verbas rescisórias e indenizações para o trabalhador infantil (art. 9º). Paralelamente a isso, encaminham-se relatórios para o Ministério Público do Trabalho (MPT) – para que, tomando conhecimento da situação, adote as medidas cabíveis à situação descrita (art. 9º, §1º) –, ao Conselho Tutelar e à Secre-taria de Assistência Social do Município para que venham a acompanhar a família e o jovem e para que possam prestar algum tipo de apoio. Quando possível, o próprio

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

auditor fiscal tenta inserir o jovem afastado do trabalho ilegal no programa jovem aprendiz, entrando em contato com empresas que necessitem cumprir a cota.

A IN, em seu art. 4º, estabelece ainda que as chefias de fiscalização devem buscar junto às Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE) “garantir a in-fraestrutura necessária para a execução das ações do projeto de combate ao trabalho infantil, incluindo a designação de recursos humanos, técnicos e administrativos, bem como a disponibilização de materiais permanentes e outros que se fizerem ne-cessários”. Tal preceito está em consonância com a aplicação do princípio insculpido no art. 227 da CF/88, que garante prioridade absoluta na aplicação dos recursos públicos para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

Nesse sentido, manifestou-se Oliveira (2012, p. 286):

Cabe ao Ministério do Trabalho, por meio de seus agentes de inspeção, fiscalizar o cumprimento das normas que regem o trabalho em regime de emprego e, em obediên-cia ao preceito do art. 227 da CF, dar absoluta prioridade a esta tarefa quando se tratar do trabalho infantil e do adolescente.

A necessidade de realização de fiscalizações se manifesta pelo fato de haver grande número de empregadores que não cumprem de forma espontânea as obrigações tra-balhistas. O problema é tão grave que, mesmo na aprendizagem, apontada como uma alternativa ao trabalho infantil ilegal para jovens a partir de 14 anos de idade, quando o jovem está registrado e existe um contrato de acordo com a legislação, há casos em que ocorre um desvio nas atividades do aprendiz, que deve ser coibido pela fiscalização do trabalho.

Sobre esse quesito, dispõe o Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho no período de 2011 a 2013, João Oreste Dalazen em artigo intitulado Criança e tra-balho: infância perdida, publicado pelo TRT em de 10 de outubro de 2012 (p. 1):

Apenas o equilíbrio de uma sociedade justa e solidária porá fim a esse cenário. A par disso, estágio e aprendizagem não devem funcionar como meras fantasias a travestir a exploração de nossas crianças. Estágio e aprendizagem, segundo a lei, destinam se a adolescentes e estritamente em ofícios em que seja possível proporcionar ao jovem uma formação sistemática e metódica, inconcebível, por exemplo, numa atividade como a de empacotador de supermercado.

Para coibir esse tipo de prática, faz-se fundamental o planejamento de ações es-tratégicas que visem coibir essas fraudes e a realização periódica e reiterada de fisca-lizações, não só para verificação do trabalho infantil ilegal e do cumprimento da cota de jovens aprendizes, mas também para o acompanhamento do desenvolvimento do contrato de aprendizagem nas empresas. No caso de desvirtuamentos, deve haver repressão e punição dos envolvidos por meio dos instrumentos acima apontados.

Cumpre salientar que, no que diz respeito à fiscalização da inserção de apren-dizes no mercado de trabalho, os sistemas informatizados que são colocados à dis-posição do Auditor Fiscal realizam o cruzamento das informações que as empresas têm obrigação de declarar ao governo, tais como a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS – e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, CAGED. Es-ses sistemas facilitam muito a coleta de informações no que diz respeito as empresas que deixam de cumprir a cota de aprendizes.

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Pode-se verificar o afirmado pela leitura do § 4º art. 23 da IN 97/2012:

A demanda potencial por aprendizes será identificada por atividade econômica, em cada município, a partir das informações disponíveis nos bancos de dados oficiais, tais como a Relação Anual de Informações Sociais - RAIS e o Cadastro Geral de Emprega-dos e Desempregados - CAGED, ou outros sistema disponíveis aos auditores- fiscais do trabalho, observado o disposto no art. 3º desta instrução normativa.

Além disso, também permitem a denominada fiscalização eletrônica, que pro-porciona aumentar significativamente a quantidade de empresas fiscalizadas em dada região num determinado espaço de tempo.

Para a regularização do procedimento de fiscalização eletrônica, foi inserido o artigo 25-A na IN 97/2012, pela Instrução Normativa do MTE nº 113 de 30.10.2014, in verbis:

Art. 25-A Poderá ser adotada a fiscalização na modalidade eletrônica para ampliar a abrangência da fiscalização da aprendizagem.§ 1º Na fiscalização eletrônica as empresas serão notificadas, via postal, para apresentar documentos em meio eletrônico que serão confrontados com dados dos sistemas oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, visando comprovação da efetiva contratação dos aprendizes, nos termos do art. 429 da CLT.§ 2º A empresa sujeita à contratação de aprendizes deverá apresentar em meio eletrônico, via e-mail, os seguintes documentos:a) imagem da ficha, folha do livro ou tela do sistema eletrônico de registro de emprega-dos comprovando o registro do aprendiz;b) imagem do contrato de aprendizagem firmado entre empresa e o aprendiz, com a anuência/interveniência da entidade formadora;c) imagem da declaração de matrícula do aprendiz no curso de aprendizagem emitida pela entidade formadora;d) comprovante em meio digital de entrega do CAGED referente à contratação dos aprendizes;e) outros dados referentes à ação fiscal, solicitados pelo AFT notificante.

Pelo exposto, pode-se perceber que nos últimos anos o aparato legal que possi-bilita a utilização de instrumentos mais eficazes e eficientes na fiscalização vem se aperfeiçoando de modo significativo. Embora não na velocidade desejada pelos en-volvidos nas atividades fiscalizatórias, esses novos instrumentos estão permitindo significativa ampliação do universo abrangido pela fiscalização da aprendizagem.

4.1 A relação entre a inserção de aprendizes e a redução do trabalho infantil ilegal

Considerando-se um contrato de aprendizagem regular, sem desvios na sua exe-cução, o maior número de aprendizes implica matematicamente uma diminuição do número de jovens envolvidos com o trabalho infantil ilegal.

Ora, se o intuito é zerar a quantidade de crianças e adolescentes laborando de forma ilegal, deve-se aumentar o número de jovens que não trabalham e/ou a quan-tidade daqueles que laboram de forma legal.

Como se percebe, o aumento do número de jovens aprendizes inseridos no mer-cado de trabalho reduz, necessariamente, a quantidade de menores de 18 anos que laboram de forma ilegal.

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

Os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD –, realizada em 2014 pelo IBGE, mostraram que, após anos de queda, o percentual de crianças trabalhando voltou a aumentar no Brasil. Em 2013, o percentual de crianças envolvidas com trabalho era de 7,5%. Já em 2014, esse percentual subiu para 8,1%. Em termos absolutos, isso significa que de 2013 para 2014 o número de crianças e jovens trabalhando aumentou em 143.500 (cento e quarenta e três mil e quinhentos).

Segundo a PNAD (2015, p. 57):

Em 2014, havia 3,3 milhões de pessoas de 5 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil, os homens representavam cerca de dois terços desse número. Comparando com 2013, houve um aumento de 4,5% no número de crianças e adolescentes ocupados, ou um contingente de 143,5 mil a mais nesta condição.

O documento prossegue afirmando que “em termos absolutos, a maior variação ocorreu no grupo de 14 a 17 anos de idade, 96,3 mil pessoas ocupadas a mais, sendo que os maiores aumentos foram observados nas Regiões Nordeste e Sul, 22,7 mil e 26,7 mil pessoas, respectivamente”. Justamente a faixa etária que corresponde aos jovens que podem ser atendidos pelos programas de aprendizagem.

Continua a PNAD (2015, p. 57) afirmando que:

Encontravam-se na situação de trabalho infantil – grupo de 5 a 13 anos de idade – 554 mil pessoas. Destas, 70 mil estavam no grupo de 5 a 9 anos de idade e 484 mil no gru-po de 10 a 13 anos de idade; enquanto no grupo de 14 a 17 anos de idade, estavam 2,8 milhões de pessoas.

Com base nessas informações, pode-se construir a seguinte tabela:

Tabela1: Quantidade de crianças e jovens em situação de trabalho infantil por faixa etária

Faixa Etária Quant. de jovens e crianças em situação de trabalho em 2014

Grupo de 5 a 13 anos 554.000Grupo de 5 a 9 anos 70.000

Grupo de 10 a 13 anos 484.000Grupo de 14 a 17 anos 2.800.000

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Resumidamente, tem-se que em 2014 havia 3,3 milhões de crianças e jovens en-tre 5 e 17 anos realizando atividade laboral. Desse total, 554.000 estão na faixa etária entre 5 (cinco) e 13 anos. Ao decompor esta última faixa em duas, observou-se que, de 5 (cinco) a 9 (nove), anos existem 70.000 crianças trabalhando. Já na faixa de 10 (dez) a 13 anos são 484.000 que realizam atividade laboral.

Por último, encontra-se a faixa etária de 14 a 17 anos, que, para este trabalho, possui maior importância, tendo em vista que se trata da faixa atingida pelo pro-grama jovem aprendiz. Sendo assim, são 2,8 milhões de jovens que estão a realizar atividade laboral, seja ela legal, seja ilegal.

Segundo dados da Sistema Federal de Inspeção do Trabalho – SFIT –, o cumpri-mento espontâneo da contratação do percentual mínimo de jovens aprendizes exi-gido das empresas fica um pouco abaixo de 45%. Tal constatação pôde ser verificada

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T. M. G. Martins, C. A. Oliveira

por meio de consulta aos sistemas informatizados da intranet do MTE realizada em 10.05.2016, que utiliza os dados fornecidos pelas empresas ao CAGED. Na data apontada, o sistema apresentou os seguintes dados para o Brasil: 435.572 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser cumprida era de 1.013.529 aprendizes, ou seja, existem 577.957 vagas para jovens aprendizes que não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de 42,98%. Caso essas vagas fossem preenchidas, haveria 577.957 jovens a menos no trabalho infantil ilegal.

Os gráficos 1 e 2 mostram o que foi discutido acima:

Gráfico 1: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizes no Brasil

dados para o Brasil: 435.572 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser

cumprida era de 1.013.529 aprendizes, ou seja, existem 577.957 vagas para jovens aprendizes

que não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de

42,98%. Caso essas vagas fossem preenchidas, haveria 577.957 jovens a menos no trabalho

infantil ilegal.

Os gráficos 1 e 2 mostram o que foi discutido acima:

Gráfico1: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizes no Brasil.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico2: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no Brasil.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Para se ter uma ideia do potencial de redução do trabalho infantil caso as cotas fossem

devidamente preenchidas, deve-se fazer a seguinte conta: O IBGE apontou 3,3 milhões de

crianças e jovens entre 5 (cinco) e 17 anos trabalhando. Destes, 435.572 são aprendizes. Assim,

restam 2.864.428 crianças e jovens no trabalho infantil. Caso fossem preenchidas as 577.957

vagas abertas, a redução seria de 20,17%.

Caso a mesma conta seja realizada apenas para a faixa etária de 14 a 17 anos que é

aquela sobre a qual o programa jovem aprendiz pode ser aplicado, seriam 2,8 milhões de jovens

em atividade laboral, dos quais 435.572 são aprendizes. Restariam 2.364.428. Caso fossem

preenchidas as 577.957 vagas abertas, a redução seria de 24,44%.

1013529

435572577957

0

500000

1000000

1500000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas na apredizagem no Brasil

43%57%

Percentual de cumprimento de cota -

Brasil

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

Gráfico 2: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no Brasil

dados para o Brasil: 435.572 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser

cumprida era de 1.013.529 aprendizes, ou seja, existem 577.957 vagas para jovens aprendizes

que não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de

42,98%. Caso essas vagas fossem preenchidas, haveria 577.957 jovens a menos no trabalho

infantil ilegal.

Os gráficos 1 e 2 mostram o que foi discutido acima:

Gráfico1: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizes no Brasil.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico2: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no Brasil.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Para se ter uma ideia do potencial de redução do trabalho infantil caso as cotas fossem

devidamente preenchidas, deve-se fazer a seguinte conta: O IBGE apontou 3,3 milhões de

crianças e jovens entre 5 (cinco) e 17 anos trabalhando. Destes, 435.572 são aprendizes. Assim,

restam 2.864.428 crianças e jovens no trabalho infantil. Caso fossem preenchidas as 577.957

vagas abertas, a redução seria de 20,17%.

Caso a mesma conta seja realizada apenas para a faixa etária de 14 a 17 anos que é

aquela sobre a qual o programa jovem aprendiz pode ser aplicado, seriam 2,8 milhões de jovens

em atividade laboral, dos quais 435.572 são aprendizes. Restariam 2.364.428. Caso fossem

preenchidas as 577.957 vagas abertas, a redução seria de 24,44%.

1013529

435572577957

0

500000

1000000

1500000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas na apredizagem no Brasil

43%57%

Percentual de cumprimento de cota -

Brasil

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

Para se ter uma ideia do potencial de redução do trabalho infantil caso as co-tas fossem devidamente preenchidas, deve-se fazer a seguinte conta: O IBGE apon-tou 3,3 milhões de crianças e jovens entre 5 (cinco) e 17 anos trabalhando. Destes, 435.572 são aprendizes. Assim, restam 2.864.428 crianças e jovens no trabalho in-fantil. Caso fossem preenchidas as 577.957 vagas abertas, a redução seria de 20,17%.

Caso a mesma conta seja realizada apenas para a faixa etária de 14 a 17 anos que é aquela sobre a qual o programa jovem aprendiz pode ser aplicado, seriam 2,8 milhões de jovens em atividade laboral, dos quais 435.572 são aprendizes. Restariam 2.364.428. Caso fossem preenchidas as 577.957 vagas abertas, a redução seria de 24,44%.

Na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o Rio Grande do Sul: 38.439 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser cumprida era de 68.085 aprendizes, ou seja, existem 29.646 vagas para jovens aprendizes que não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de apenas 56,46%.

Os gráficos 3 e 4 mostram o que foi discutido acima.

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

Gráfico 3: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem no RS

Na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o Rio Grande do Sul:

38.439 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser cumprida era de 68.085

aprendizes, ou seja, existem 29.646 vagas para jovens aprendizes que não estão preenchidas.

Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de apenas 56,46%.

Os gráficos 3 e 4 mostram o que foi discutido acima:

Gráfico 3: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem no RS.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico 4: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no RS.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Também na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o município de

Passo Fundo, no Rio Grande do Sul: 738 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas

a ser cumprida era de 1447 aprendizes, ou seja, existem 709 vagas para jovens aprendizes que

não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de 51%.

Os gráficos 5 e 6 ilustram as afirmações anteriores:

68085 38439 296460

50000

100000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas de aprendizagem no RS

56%44%

Percentual de cumprimento de cota -

RS

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

Gráfico 4: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no RS

Na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o Rio Grande do Sul:

38.439 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser cumprida era de 68.085

aprendizes, ou seja, existem 29.646 vagas para jovens aprendizes que não estão preenchidas.

Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de apenas 56,46%.

Os gráficos 3 e 4 mostram o que foi discutido acima:

Gráfico 3: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem no RS.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico 4: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem no RS.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Também na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o município de

Passo Fundo, no Rio Grande do Sul: 738 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas

a ser cumprida era de 1447 aprendizes, ou seja, existem 709 vagas para jovens aprendizes que

não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de 51%.

Os gráficos 5 e 6 ilustram as afirmações anteriores:

68085 38439 296460

50000

100000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas de aprendizagem no RS

56%44%

Percentual de cumprimento de cota -

RS

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

Também na mesma data, o sistema apresentou os seguintes dados para o mu-nicípio de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul: 738 aprendizes contratados, porém a quantidade de cotas a ser cumprida era de 1447 aprendizes, ou seja, existem 709 vagas para jovens aprendizes que não estão preenchidas. Isso corresponde a um percentual de cumprimento de cota de 51%.

Os gráficos 5 e 6 ilustram as afirmações anteriores:

Gráfico 5: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem em Passo Fundo

Gráfico 5: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem em Passo Fundo.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico 6: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem em Passo Fundo.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Esse padrão em torno dos 50% se repete em todos os municípios e estados da federação.

As tabelas 2 e 3 indicam as metas estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego,

por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), da quantidade de aprendizes que

deveriam ser inseridos sob ação fiscal nos anos de 2014 e 2015.

As tabelas também mostram os valores efetivamente alcançados e o percentual de

cumprimento da meta.

Unidade Aprendizes Inseridos sob ação fiscal em 2014 Meta Resultado Federativa 1 trimestre 2 Trimestre 3 trimestre 4 trimestre Total 2014 do período

AC 232 421 50 5 708 1.300 54% AL 113 510 652 691 1966 1.600 123% AM 433 1044 677 555 2709 6.000 45% AP 231 564 4 150 949 1.400 68% BA 954 1880 2254 1883 6971 12.000 58% CE 1568 3081 2248 2611 9508 9.000 106% DF 515 524 3336 1689 6064 8.000 76% ES 2842 2499 2330 1813 9484 13.000 73% GO 629 1083 512 835 3059 7.000 44% MA 551 467 835 385 2238 2.000 112% MG 8780 9120 8122 7701 33723 30.000 112% MS 461 868 860 656 2845 5.000 57%

1447 738 7090

10002000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas na aprendizagem em

Passo Fundo

51%49%

Percentual de cumprimento de …

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

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T. M. G. Martins, C. A. Oliveira

Gráfico 6: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem em Passo Fundo

Gráfico 5: Vagas preenchidas e vagas ociosas de aprendizagem em Passo Fundo.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Gráfico 6: Percentual do cumprimento de cotas de aprendizagem em Passo Fundo.

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED - maio de 2016).

Esse padrão em torno dos 50% se repete em todos os municípios e estados da federação.

As tabelas 2 e 3 indicam as metas estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego,

por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), da quantidade de aprendizes que

deveriam ser inseridos sob ação fiscal nos anos de 2014 e 2015.

As tabelas também mostram os valores efetivamente alcançados e o percentual de

cumprimento da meta.

Unidade Aprendizes Inseridos sob ação fiscal em 2014 Meta Resultado Federativa 1 trimestre 2 Trimestre 3 trimestre 4 trimestre Total 2014 do período

AC 232 421 50 5 708 1.300 54% AL 113 510 652 691 1966 1.600 123% AM 433 1044 677 555 2709 6.000 45% AP 231 564 4 150 949 1.400 68% BA 954 1880 2254 1883 6971 12.000 58% CE 1568 3081 2248 2611 9508 9.000 106% DF 515 524 3336 1689 6064 8.000 76% ES 2842 2499 2330 1813 9484 13.000 73% GO 629 1083 512 835 3059 7.000 44% MA 551 467 835 385 2238 2.000 112% MG 8780 9120 8122 7701 33723 30.000 112% MS 461 868 860 656 2845 5.000 57%

1447 738 7090

10002000

Total de Cotas AprendizesContratados

Vagas Ociosas

Oferta de vagas na aprendizagem em

Passo Fundo

51%49%

Percentual de cumprimento de …

Contratados Vagas ociosas

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, maio de 2016).

Esse padrão em torno dos 50% se repete em todos os municípios e estados da federação.

As tabelas 2 e 3 indicam as metas estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), da quantidade de aprendizes que deveriam ser inseridos sob ação fiscal nos anos de 2014 e 2015.

As tabelas também mostram os valores efetivamente alcançados e o percentual de cumprimento da meta.

Tabela 2: Quantidade de aprendizes inseridos sob ação fiscal em 2014Unidade

FederativaAprendizes Inseridos sob ação fiscal em 2014 Meta

2014Resultado do período1 trimestre 2 trimestre 3 trimestre 4 trimestre Total

AC 232 421 50 5 708 1.300 54%AL 113 510 652 691 1966 1.600 123%AM 433 1044 677 555 2709 6.000 45%AP 231 564 4 150 949 1.400 68%BA 954 1880 2254 1883 6971 12.000 58%CE 1568 3081 2248 2611 9508 9.000 106%DF 515 524 3336 1689 6064 8.000 76%ES 2842 2499 2330 1813 9484 13.000 73%GO 629 1083 512 835 3059 7.000 44%MA 551 467 835 385 2238 2.000 112%MG 8780 9120 8122 7701 33723 30.000 112%MS 461 868 860 656 2845 5.000 57%MT 325 191 458 733 1707 4.000 43%PA 717 226 377 131 1451 4.000 36%PB 717 833 384 194 2128 1.700 125%PE 833 1311 1054 832 4030 6.000 67%PI 265 355 353 242 1215 1.200 101%PR 1714 1717 1633 1170 6234 5.000 125%RJ 2394 3181 3729 4279 13583 14.000 97%RN 323 316 729 677 2045 2.400 85%RO 82 192 1117 138 1529 1.400 109%RR 0 0 163 37 200 400 50%RS 4436 5425 5111 3981 18953 15.000 126%

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

UnidadeFederativa

Aprendizes Inseridos sob ação fiscal em 2014 Meta2014

Resultado do período1 trimestre 2 trimestre 3 trimestre 4 trimestre Total

SC 4591 1910 373 189 7063 7.000 101%SE 224 741 71 66 1102 800 138%SP 4624 5829 7232 5925 23610 40.000 59%TO 12 83 117 22 234 800 29%Total 38566 44371 44781 37590 165308 200.000 83%

Fonte: Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT).

Tabela 3: Quantidade de aprendizes inseridos sob ação fiscal em 2015Unidade

FederativaAprendizes Inseridos sob ação fiscal em 2015 Meta

2015Resultadodo período1 trimestre 2 trimestre 3 trimestre 4 trimestre Total

AC 154 369 46 13 582 537 108%AL 207 508 522 354 1591 1969 81%AM 502 867 333 366 2068 2436 85%AP 113 594 34 0 741 572 130%BA 1688 2356 1755 489 6288 8532 74%CE 1551 3535 2088 846 8020 4907 163%DF 867 984 417 705 2973 3639 82%ES 1928 3066 1000 613 6607 3175 208%GO 894 498 106 154 1652 4729 35%MA 490 803 233 900 2426 3133 77%MG 5779 9855 6003 6354 27991 17639 159%MS 444 764 493 594 2295 2619 88%MT 475 1534 571 213 2793 3440 81%PA 1238 1070 1023 1054 4385 4751 92%PB 1494 543 823 226 3086 2708 114%PE 737 1018 1687 488 3930 6641 59%PI 510 261 252 317 1340 2128 63%PR 1476 1987 1721 855 6039 9877 61%RJ 3771 5119 6131 5064 20085 15372 131%RN 448 824 371 533 2176 2612 83%RO 226 737 746 173 1882 1833 103%RR 44 225 178 41 488 475 103%RS 3501 4347 3481 2924 14253 9114 156%SC 2506 796 220 311 3833 7043 54%SE 297 690 307 253 1547 1597 97%SP 5694 9689 6607 4425 26415 47391 56%TO 40 172 0 113 325 1144 28%Total 37074 53211 37148 28378 155811 170013 92%

Fonte: Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT).

A primeira informação pertinente das tabelas 2 e 3 é a de que em 2014 foram inseridos no programa jovem aprendiz 165.308 jovens e em 2015 esse número foi reduzido para 155.811. Dessa forma, houve uma redução de 5,7%. A própria meta

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T. M. G. Martins, C. A. Oliveira

estabelecida pelo órgão foi reduzida de 200.000 para 170.013 jovens inseridos sob ação fiscal, o que representa uma redução de 15%.

Outro ponto relevante é que, nem mesmo com uma redução de 15%, foi possível atingir a meta. Esse fato corrobora as afirmações acima no sentido de que os fatos ocorridos em 2015 atrapalharam o bom desempenho da fiscalização.

Note-se o quanto o trabalho de fiscalização é importante no processo de inser-ção de aprendizes no mercado de trabalho. Um desempenho ruim da fiscalização em determinado ano impacta de forma considerável na quantidade de jovens inse-ridos no mercado.

A contrário senso, a melhoria nos procedimentos fiscalizatórios acarreta maior inserção de jovens aprendizes no mercado.

Por tudo isso, é de suma importância que fiscalizações de cumprimento da cota de jovens aprendizes sejam realizadas constantemente no decorrer de todo o ano, que haja um planejamento para que em determinado período de tempo todas as em-presas que precisam cumprir a cota sejam notificadas a apresentar a comprovação da contratação. Paralelamente a isso, devem-se priorizar, também, as fiscalizações de combate ao trabalho infantil ilegal. É igualmente importante que se utilize o programa jovem aprendiz para inserir no trabalho regular e formal, quando a idade permitir, os jovens afastados do labor ilegal, evitando-se assim que estes retornem às condições indesejáveis de trabalho.

Outro fator relevante é que o próprio aumento do número de aprendizes e a in-tensificação da fiscalização da cota faz com que a sociedade como um todo saiba da existência do programa. É como se houvesse uma publicidade com relação à divul-gação da existência do programa e da obrigação do cumprimento da cota por parte de empresas e de empregadores em geral. Dessa forma, constitui-se um processo virtuoso no qual, posteriormente, tende-se a aumentar o percentual de cumprimento espontâneo e o conhecimento dos próprios jovens da possibilidade de se trabalhar de forma correta com todos os benefícios provenientes disso. De fato, ainda há muito desconhecimento das pessoas de modo geral, não só do funcionamento do programa, mas até mesmo de sua existência.

Demonstrado está, pois, que a intensificação da fiscalização do cumprimento da cota de jovens aprendizes implica a redução das taxas de trabalho infantil ilegal e, não apenas isso, implica também a produção de conhecimento para que toda a so-ciedade fique a par das consequências positivas que essa inserção pode trazer ao país.

5 Considerações finais

As questões relacionadas à inserção de jovens aprendizes no mercado de trabalho e, em paralelo, à redução do número de crianças e jovens laborando de forma ilegal têm grande importância socioeconômica para o país.

Dessa forma, salienta-se a importância do presente trabalho para a sociedade brasileira por tratar de assuntos que refletem diretamente na qualificação de crian-ças e jovens, na sua frequência à escola e na qualidade do ensino que recebem. A contribuição deste trabalho também se faz por mostrar os problemas decorrentes do trabalho infantil as mazelas da exploração laboral no mundo capitalista, em es-pecial as que atingem as crianças e jovens e a necessidade de implementação de po-

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A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes…

líticas públicas complementares, convergentes e que apresentem resultados eficazes que possam realmente mudar a realidade de setores sensíveis a toda a população.

Para tanto, foi abordado no capítulo 2 o conceito de trabalho infantil, as dife-renças entre trabalho infantil legal e ilegal, suas causas e consequências conforme a CF/88 e a CLT. Discutiu-se, no capítulo 3, o tema da aprendizagem profissional dos jovens por meio do programa jovem aprendiz, colocando-o como uma forma de trabalho infantil legal e sendo uma alternativa viável no combate ao trabalho infantil ilegal.

Dessa forma, foi discutido no capítulo 3 os conceitos referentes ao contrato de aprendizagem, as pessoas envolvidas na elaboração e na execução do programa e quais as competências e responsabilidades de cada um dos entes envolvidos em seu funcionamento.

Por último, foi analisado como a fiscalização do MTE influencia no cumprimento da cota legal de aprendizes por empresas e equiparados e seus reflexos na redução do trabalho infantil ilegal.

Tendo em vista todos os dados expostos no presente trabalho, verificou-se uma relação direta entre o aumento do número de jovens inseridos no mercado de tra-balho como aprendizes e o aumento da quantidade de fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e/ou um incremento na qualidade do trabalho desenvolvido por esse órgão com relação ao tema da aprendizagem.

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T. M. G. Martins, C. A. Oliveira

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-4

ANÁLISE DE MANUAIS DE BIOSSEGURANÇA DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO EM ODONTOLOGIA

Patrícia Marques de AguiarMichele Bortoluzzi de Conto Ferreira (Orientadora)

Resumo

Um manual de biossegurança deve estabelecer rotinas de procedimentos e escla-recer dúvidas através de um programa que minimize riscos de infecção cruzada visando proteger toda a equipe de saúde, pacientes e pessoas do convívio. O objetivo do estudo foi realizar uma análise de manuais de biossegurança nas instituições de ensino em Odontologia do país buscando saber se há diferenças nos protocolos de biossegurança. A amostra foi selecionada por meio conveniência não probabilística com 206 faculdades de odontologia do Brasil identificadas através do site do Mi-nistério da Educação (MEC) no ano de 2015. Entretanto, nem todas as instituições participaram da pesquisa finalizando um total de 23% da amostra inicial (n=47). Para verificação dos dados foi utilizada uma variável dependente através da aná-lise da biossegurança e uma variável independente através da análise de questões relacionadas ao local de cada instituição, imunização, desinfecção, vestimentas no ambiente clinico, esterilização e acidentes ocupacionais. Os resultados demonstraram que o maior número de instituições que participaram da pesquisa encontra-se no estado de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais; a maioria dos manuais orientam sobre a importância da imunização e as vacinas mais solicitadas são BCG, Tríplice Viral, Dupla Bacteriana e Hepatite B; quase a totalidade das instituições exigem o uso de roupa branca e jaleco padrão e a maioria possui uma central de esterilização para o armazenamento dos materiais esterilizados. Conclui-se que os métodos de biossegurança utilizados são diferentes de acordo com cada instituição, mas se aplicados de forma correta são eficazes para minimizar o risco de infecções cruzadas no ambiente clínico.Palavras-chave: Biossegurança. Odontologia. Condutas. Controle de infecção.

Abstract

A biosafety manual should establish routine procedures and answer questions through a program that minimizes risks of cross infection to protect all health staff, patients and people living together. Conduct an analysis of biosafety manual in educational institutions in dentistry in the country. The sample was selected by

* Trabalho Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pela acadêmica de Odontologia Patrícia Marques de Aguiar, da Faculdade Meridional - IMED, como requisito indispensável para a obtenção de grau em Odontologia.

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

non-probabilistic convenience with 206 dental schools in Brazil identified through the website of the Ministério da Educação (MEC) in 2015. However, not all institu-tions participated in the survey finalizing a total of 23 % of initial sample (n = 47). For verification of the data was used a dependent variable through the biosafety analysis and an independent variable through the analysis of issues related to the lo-cation of each institution, immunization, disinfection, sterilization and occupation-al acidentes. Most of the institutions participating in the survey are the State of São Paulo, Rio Grande do Sul and Minas Gerais. Most manuals guide On the impor-tance of immunization vaccines and the most requested are BCG, MMR, hepatitis B and bacterial Double; Almost all institutions require the use of white clothe and coat pattern and most have a sterilization center for storage of sterile materials. The biosecurity methods used are different according to each institution, but if applied correctly are effective to minimize the risk of cross-infection in clinical settings.Keywords: Biosecurity. Dentistry. Evaluation. Infection Control.

1 Introdução/Justificativa

O cirurgião dentista em sua atividade se expõe, expõe seus pacientes e, indire-tamente, as pessoas de seu convívio a um ambiente contaminado. Os métodos de controle de infecção na clínica odontológica são de fácil compreensão, baixo custo e tempo e exige apenas o envolvimento do profissional e da sua equipe de trabalho para alcançar bons resultados. Realizar medidas de biossegurança contribui não só para a melhoria da qualidade de vida, mas também para a formação de profissionais da saúde cada vez mais cuidadosos e responsáveis (PINTO; PAULA, 2003).

O estabelecimento de uma rotina e de normas de biossegurança nos cursos su-periores é fundamental, pois o futuro profissional seguirá as medidas e costumes adotados durante a vida acadêmica. Métodos e técnicas simples aprendidos durante o curso de graduação podem garantir uma conduta correta do futuro profissional. Com isso, as faculdades de formação do país aparecem como instrumentos signifi-cativos na busca por melhorias do controle da infecção cruzada, prevenção da expo-sição a acidentes biológicos e condutas adequadas de biossegurança na prática diária (PIMENTEL et al., 2012).

Um manual de biossegurança tem como principal objetivo criar um ambiente de trabalho onde se promova a contenção do risco de exposição a agentes poten-cialmente nocivos, estabelecendo rotinas de procedimentos no controle de doenças transmissíveis e esclarecendo os princípios básicos de biossegurança através de um programa de controle de infecção visando proteger pacientes e toda a equipe de saúde (PEDROSO, 2004).

Diante do exposto, este trabalho avaliou os manuais de biossegurança das institui-ções de ensino em Odontologia de diferentes locais do Brasil, buscando informações de como cada instituição aplica as práticas de biossegurança no ambiente odonto-lógico procurando saber se todos os métodos são eficazes para minimizar infecções cruzadas e os riscos ocupacionais a que os alunos, professores e a equipe odontológica são submetidos diariamente.

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2 Revisão de literatura

Schroeder, Marin e Miri (2010) realizaram uma pesquisa de campo com dados coletados a partir de um questionário com perguntas fechadas sobre biossegurança que incluíam o conhecimento do aluno sobre a biossegurança, se já assistiu algum curso ou palestra a respeito do assunto, se ao atender o aluno sabe ou não se prevenir dos riscos, principais dúvidas em relação à prevenção no consultório, meios de este-rilização conhecidos e doença ocupacional. A amostra foi constituída por 142 aca-dêmicos do 1º ao 2º ano de graduação em Odontologia da Univille. Através do ques-tionário, os autores puderam observar que 75,35% dos alunos conhecem as normas universais de biossegurança e apenas 9,15% dos estudantes responderam que não conheciam. 69% da amostra sabe se prevenir na clínica odontológica enquanto que 15,5% ainda desconhece os procedimentos adequados. Pode-se constatar também que 61,97% dos estudantes do curso conhecem os meios de esterilização estufa e au-toclave e 33,1% desconhecem. Observa-se que 43,66% dos acadêmicos responderam sim sobre o conhecimento de doenças ocupacionais, entretanto, 40,84% responderam que não conhecem. Os autores ao realizarem a análise dos resultados, refletiram quanto às condutas sobre biossegurança na rotina do ambiente de trabalho das clíni-cas odontológicas e com isso, o grau de interesse e importância do assunto na visão dos alunos que de modo geral demonstraram ter conhecimento sobre as normas de biossegurança e a importância de praticá-las diariamente. Porém, o estudo suge-re uma continuada atualização desses alunos para que permaneçam informados e prevenidos contra os riscos ocupacionais de todas as atividades em toda a sua vida acadêmica e profissional.

Fernandes et al. (2012) realizaram um estudo no qual foram avaliados quesitos de biossegurança nas clinicas odontológicas de uma universidade do Nordeste do Brasil. A população do estudo envolveu uma amostra de 31 estudantes. A técnica para a coleta dos dados foi observacional e compreendeu um roteiro que incluía a proteção individual dos estudantes, cuidados com acessórios contaminantes, bar-reiras mecânicas, adoção das medidas de biossegurança durante o procedimento, destino dos materiais contaminados e lavagem das mãos. Com base nisso, os re-sultados obtidos pelo estudo primeiramente, quanto ao uso de EPI, 100% dos estu-dantes observados utilizaram luvas, porem houve falha no uso completo do mesmo. Os maiores percentuais de erros estão relacionados ao não uso de gorro e óculos de proteção, bem como a utilização de EPI foram do ambiente da clínica. 56,25% dos estudantes utilizou o babador. Nenhum deles guardou no armário pacotes e bolsas. O uso de bochecho antisséptico previamente ao procedimento foi observado em apenas 31,25% das situações. Quanto ao uso de barreiras mecânicas, a maioria dos estudantes protegeu apenas o refletor e a cadeira odontológica. O protocolo de bios-segurança sempre era quebrado na medida em que o estudante que estava no papel de operador, tocava, com luvas, em locais não protegidos por barreiras. Foi observa-do a deficiência na limpeza das canetas de alta rotação ao final do atendimento, bem como descuido com a desinfecção dos óculos de proteção. Nem todos os estudantes descartam os materiais perfuro cortantes em local adequado. A lavagem e desinfecção completa das mãos que incluem pré-operatório, transoperatório e pós-operatório foi negligenciada pelos acadêmicos. Foi observado que 81,25% dos estudantes não lava-ram as mãos antes de colocar as luvas, nenhum utilizou álcool nas luvas e 50% não

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lavou as mãos ao final do atendimento. O estudo pode concluir então que, apesar de alguns aspectos terem sidos respeitados, os estudantes não aderiram do modo ade-quado às normas de biossegurança em todo o processo de atendimento. Com isso, os hábitos errôneos representam perigo para a população e devem ser revertidos dentro das instituições de ensino odontológico visando a conscientização quando as obrigações clinicas, éticas e legais do futuro profissional no papel de manutenção da saúde pública através do controle de infecção no ambiente de trabalho.

Xerez et al. (2012) realizaram um estudo descritivo com alunos matriculados no primeiro, quinto e últimos períodos curriculares da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e da Universidade Potiguar (UnP) no qual os alunos foram informados sobre o objetivo e caráter da pesquisa e convidados a responder um questionário estruturado com 08 questões objetivas e subjetivas sobre biossegurança. Participa-ram do estudo 358 alunos sendo que a maioria da amostra (93,3%) afirmou ter co-nhecimento sobre o significado de biossegurança e 6,7% não conhecia o significado. Quando questionados se já haviam assistido alguma palestra ou aula sobre o tema biossegurança, 249 alunos responderam que sim e 109 não. Em relação se já haviam notado se seus dentistas utilizavam algum tipo de EPI para o cirurgião dentista e para o paciente, 331 alunos responderam que sim e 27 alunos responderam que não haviam notado nenhum tipo de EPI. A respeito de saber exatamente se cuidar no atendimento odontológico, 297 alunos responderam que saberiam e 61 que não saberiam. Ao quesito se achavam que todo paciente deve ser tratado como portador de alguma doença infectocontagiosa 288 alunos responderam afirmativamente e 70 alunos, negativamente. Na amostra total, 355 (99,2%) alunos consideram importan-te o tema “Biossegurança” para alunos de recém-ingresso ao curso de Odontologia e 3 (0,8%) responderam que não a esse quesito. O estudo pode concluir então que é importante ministrar conteúdos básicos sobre biossegurança desde os períodos pré-clínicos visando à entrada dos alunos às atividades clínicas com maior segu-rança, uma vez que o conhecimento facilita as tarefas de prevenção de acidentes ocupacionais, buscando a proteção tanto do aluno quanto dos pacientes, tendo um papel importante nesse processo à atualização e fiscalização constante por parte das pessoas que supervisionam tais práticas.

Um estudo realizado por Barbosa et al. (2014) teve como propósito conhecer expectativas e percepções dos acadêmicos de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros, MG, em relação ao atendimento de pacientes com HIV. A pesqui-sa foi restrita aos alunos do nono período que oferece atendimento a pacientes so-ropositivos. A amostra contou com 22 acadêmicos. Os métodos para coleta das in-formações foram feitos através de observações e entrevistas realizadas em uma sala reservada que buscou informações a respeito da preparação dos materiais, aborda-gem com o paciente na sala de espera, postura durante o atendimento clínico, abor-dagem durante a anamnese e limpeza dos materiais. As percepções dos acadêmi-cos foram observadas e a partir disso surgiu três categorias: “medo de infectar-se”, “mudança de comportamento” e “a expectativa do atendimento na clínica HIV”. A respeito dos resultados obtidos através da análise observacional, pode-se verificar a ansiedade dos acadêmicos em saber quem seria o paciente e como o mesmo se apre-sentava. Observou-se também manifestações de medo, cuidados dobrados em rela-ção a biossegurança e resistência para a realização do atendimento. Com relação a

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expectativa no atendimento, o estudo demonstrou que todos os alunos idealizaram uma imagem sobre a doença pois acreditavam que iriam atender pacientes magros, pálidos, introvertidos e de baixa renda. Com relação à biossegurança, os autores conseguiram demonstrar claramente que há uma preocupação maior em relação a isto, visto que o acadêmico já sabe que se trata de um paciente que possuiu uma doença infectocontagiosa. Com base nos dados, o estudo concluiu que há presença de um forte estereótipo relacionado as pessoas com HIV e que proporcionar uma dinâmica para expor crenças e mitos antes do atendimento clínico é uma estratégia para que esse “perfil da doença” seja quebrado. E mais do que isso, é primordial a formação de um perfil de profissional com iniciativa, senso crítico, mas também ético e humanizado, com visão ampliada do mundo de modo que possa atuar na inclusão das pessoas, participando da transformação de uma sociedade melhor.

2.1 Imunizações

Lima et al. (2008) realizaram um estudo na Universidade Federal da Paraíba com 168 acadêmicos e verificaram que a imunização completa que inclui as três etapas para a vacinação contra a hepatite B não foi realizada por grande parte dos alunos e a vacinação contra o tétano foi ainda mais negligenciada entre os estudantes de Odontologia.

Em uma pesquisa realizada por Engelmann et al. (2010) onde foi aplicado um questionário e contou com a participação de 41 cirurgiões dentistas da cidade de Cascavel, PR e região demonstrou que quase 20% dos dentistas nunca providencia-ram a vacina contra Hepatite B para seus auxiliares.

Um estudo realizado por Diniz et al. (2011) objetivou avaliar o conhecimento dos graduandos do curso de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba em relação aos riscos ocupacionais com foco na hepatite e contou com uma amostra de 109 acadêmicos. Os dados foram coletados através de um questionário com pergun-tas objetivas a respeito de temas como o tipo de EPI, exposição ao risco, acidentes perfuro-cortantes, vacinação e quantidade de doses. Com isso os autores obtiveram que 92% achavam estar expostos ao vírus da hepatite. Os resultados baseados nos questionários também mostraram que apenas 63% dos estudantes eram vacinados contra a hepatite B. Dessa porcentagem, 37% receberam as três doses e 81% nun-ca fizeram testes para confirmar a imunização. A partir disso os autores puderam concluir que apesar dos estudantes demonstrarem conhecimento a respeito da bios-segurança e os riscos pelos quais estão expostos diariamente, esses conhecimentos não são totalmente aplicados na prática clínica.

Ferreira et al. (2012) realizaram um estudo com objetivo de avaliar a prevalência da vacinação contra hepatite B e os motivos para não vacinação entre cirurgiões dentistas de Montes Claros, MG. Para isto, foi aplicado um questionário que serviu como coleta de informações a respeito da realização da vacinação contra a hepati-te B e o número de doses tomadas. O estudo teve um total de 283 participantes, e destes, 258 (91,2%) completaram o esquema vacinal de três doses e 25 (8,8%) não vacinaram ou não completaram, sendo que os motivos citados para isso envolviam, necessidade de mais informações, esquecimento, falta de preocupação, medo de va-cina e falta de vacina no posto de saúde. Os autores através de uma análise demons-traram que no município de Montes Claros, MG, o resultado quanto à vacinação

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contra a hepatite B foi animador, pois em um intervalo de sete anos a proporção de dentistas vacinados contra o vírus, passou de 75% a 91,2% e esse aumento ao longo do tempo é relevante visto que a vacinação é o método mais eficaz para a prevenção.

Um estudo realizado por Miotto e Rocha (2012) com acadêmicos do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Espírito Santo que utilizou uma amostra de 153 pessoas revelou que a respeito da imunização, a maioria dos acadêmicos estava com a caderneta de vacinação em dia e dentre eles, 122 (97,7%) receberam as três doses da vacina contra a hepatite B.

2.2 Equipamentos de proteção individual

Cunha e Zollner (2002) realizaram uma pesquisa com o objetivo de verificar a presença de leveduras do gênero Candida e de bactérias do tipo Staphylococcus nos aerossóis produzidos pelos equipamentos odontológicos, bem como alertar a respei-to da importância do uso de máscaras faciais durante qualquer procedimento. Para tanto, a metodologia do estudo incluiu a coleta de 31 máscaras faciais descartáveis utilizadas por operadores após atendimento aos pacientes na Faculdade de Odonto-logia de Taubaté. O material obtido foi semeado e posteriormente os microrganis-mos encontrados foram isolados e identificados através de provas bioquímicas. Os resultados revelados pelos estudos demonstraram ausência de leveduras do gênero cândida, entretanto, foi observado crescimento predominante de cocos. Esse resul-tado mostra a presença de bactérias resistentes o que comprova a necessidade do uso de máscaras faciais bem como o uso completo do equipamento de proteção indivi-dual durante o atendimento ao paciente.

Vasconcelos et al. (2009) tiveram como objetivo em um estudo observar o cum-primento das normas de biossegurança e os cuidados com os riscos ocupacionais pelos alunos que atenderam em clínicas da Faculdade de Odontologia da Universi-dade Federal de Pernambuco. Para a coleta dos dados foi utilizado técnica observa-cional, por meio de um roteiro estruturado o qual abordou aspectos que incluíam manilúvio, lavagem dos instrumentais, uso de EPI’s, barreiras mecânicas, antissep-sia e processo de esterilização de 488 alunos. Através disso, observou-se que 70,9% dos alunos não praticaram a lavagem das mãos antes dos procedimentos. Consta-tou-se também que 56,34% fazem uso incorreto do gorro. A máscara posicionada corretamente durante o procedimento clínico foi observada em 79,1% dos alunos. O uso de óculos de proteção teve 60,24% de uso entre os alunos sendo que 194 alunos não fizeram uso, especialmente os portadores de óculos de grau e os auxiliares. O estudo concluiu que é importante haver uma conscientização para que mudanças na conduta do profissional ocorram e isso deve ser feito desde o período em que o aluno está na Universidade, para que a biossegurança na prática odontológica seja levada mais a sério. Estes resultados acima citados apontam para a necessidade de uma reavaliação da estrutura e dos conteúdos a respeito da biossegurança.

2.3 Desinfecção do equipamento odontológico e montagem de barreiras

Vasconcelos et al. (2009) em seu estudo observacional que continha uma amostra de 488 alunos verificaram que a colocação de barreiras mecânicas para revestimento das superfícies de artigos semicríticos e não críticos apresentou inadequações em

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46,9% das situações, referentes a locais como seringa tríplice, caneta de alta rotação, micromotor e sugador ou a não troca de barreiras a cada paciente.

Em uma pesquisa realizada por Engelmann et al. (2010) com participação de 41 cirurgiões dentistas observou-se que a respeito de métodos de desinfecção, a gran-de maioria dos profissionais entrevistados (88%) faz a desinfecção do consultório com álcool.

Pimentel et al. (2012) realizaram um trabalho com uma amostra de 117 alunos onde os resultados demonstraram que a desinfecção de superfícies é feita sempre por 52,1% dos alunos, 41,0% realizam as vezes e 6,8% nunca realizam esse pro-cedimento e as barreiras mecânicas são utilizadas rotineiramente por 73,5% dos estudantes.

2.4. Desinfecção e Esterilização

Ao realizar uma pesquisa, Vasconcelos et al. (2009) verificaram, por método observacional em uma amostra de 488 alunos, falhas nos processos de desinfecção e esterilização. Registrou-se 10,6% de casos em que os materiais não foram este-rilizados ou desinfetados, destacando-se os posicionadores radiográficos, bandejas metálicas, gaze e escovas de Robinson.

Pimentel et al. (2012) realizaram um estudo na Universidade Federal da Paraíba com uma amostra de 117 alunos matriculados do 5º ao 9º período. Os dados foram coletados por meio de questionários contendo 19 questões objetivas com base na literatura. Foram abordados temas que incluíam a utilização de barreira mecânica, desinfecção de superfícies e etapas de processos de esterilização. Com base na análi-se dos resultados, a etapa de desinfecção pré-lavagem é bastante negligenciada e 94% dos estudantes não realizam. Quanto à lavagem prévia à esterilização 86,2% a fazem com frequência, 10,3% quando o material está visivelmente sujo e 3,4% não a reali-zam. A utilização de luvas emborrachadas para este fim é realizada apenas por 2,5% dos estudantes enquanto que 91,2% realizam a lavagem com luvas de procedimento e 6,2% não utilizam proteção para as mãos. O processo de esterilização é sempre realizado por 99,1% dos alunos interrogados, mas 31,6% destes esterilizam todo o material em uma caixa única e atendem um segundo paciente com instrumental não utilizado na consulta anterior. 44% dos estudantes afirmam que esterilizam todo o material em uma única caixa, mas que esse instrumental é utilizado em ape-nas um paciente. 99% dos alunos afirmam esterilizar sempre o instrumental. Mas, isto não se repete com os procedimentos realizados nas peças de alta e baixa rota-ção, em que 92,4% dos acadêmicos desinfetam as peças de mão e 73,9% desinfetam as brocas. Foi encontrada falta de padrão nos procedimentos de biossegurança. A principal falha está relacionada na etapa de esterilização onde a maioria negligencia a etapa de pré-lavagem e lavagem. Os autores a partir deste trabalho sugerem a ne-cessidade de difundir a importância de medidas preventivas e protocolos rigorosos dentro dos centros acadêmicos, influenciando, assim, na formação e manutenção de hábitos corretos para serem levados à vida profissional.

2.5 Prazo de validade do material esterilizado

Oliveira et al. (2011) realizaram um estudo com o intuito de avaliar a presen-ça de recontaminação de materiais odontológicos estéreis a partir do manuseio de

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invólucros armazenados por sete dias na área de estocagem da Central de Esterili-zação do curso de Odontologia de uma faculdade no município de Belo Horizonte. Para tanto, foram utilizados 72 bastões de vidro como amostras. A metodologia con-tou com o empacotamento desses bastões de vidros, realizados na área de preparo e acondicionamento seguindo o protocolo de normas universais. Todas essas amos-tras foram processadas em uma autoclave. Após a realização do ciclo de esteriliza-ção, todas as amostras foram retiradas da autoclave e colocadas em dois armários da área de estocagem na Central. Esses armários foram previamente limpos com álcool 70%. As amostras permaneceram nos armários durante sete dias. Passado esse tempo, as amostras foram levadas para a análise microbiológica. Os resultados obtidos demonstraram o grupo de amostras armazenadas em um armário fechado e lacrado onde o manuseio não era permitido, apresentou uma menor quantidade de colônias cremosas e maior quantidade de colônias filamentosas (fungos). São di-versas as variáveis que podem ter contribuído para a recontaminação das amostras em um ambiente fechado, incluindo temperatura, umidade relativa do ar e limpeza e arejamento do ambiente. Com relação ao outro grupo, o manuseio foi a principal fonte de contaminação, entretanto, essa variável pode ser controlada pela conscien-tização dos recursos humanos da Central em questão quanto à importância de um correto manilúvio pois a maioria da microbiota encontrada pertence a transitória, sendo facilmente eliminada através de uma boa higiene.

2.6 Acidentes ocupacionais

Um estudo realizado por Lima et al. (2008), na Universidade Federal da Paraíba, buscou verificar a ocorrência de acidentes de trabalho e o conhecimento dos alunos do 5º ao 10º período do curso de Odontologia em como proceder em casos de aci-dentes envolvendo material potencialmente contaminado. Foi obtida uma amostra de 168 estudantes que concordaram participar da pesquisa utilizando como metodo-logia um questionário contendo temas construídos a partir da literatura já existente que abordaram a experiência em acidentes com perfuro cortantes e material bioló-gico, imunização, uso de EPIs e procedimentos em situação de acidentes. Os autores tiveram como resultado desse estudo que as experiências de acidentes ocupacionais aumentam com o evoluir dos períodos letivos e esse aumento pode estar relacionado com a passagem por um número maior de clínicas e carga horária aumentada de atividades práticas. Foi relatado também que os estudantes não procuraram o aten-dimento em centro especializado em acidentes ocupacionais e as justificativas mais comuns para isso foram de não achar necessário devido à baixa severidade de ex-posição. Os acidentes ocupacionais estão muitas vezes associados com o uso ina-dequado do EPI. Pode-se observar que o uso incompleto do equipamento de pro-teção individual foi bastante prevalente entre os estudantes. A justificativa para a negligencia nesse aspecto estavam relacionadas com o embaçamento dos óculos de proteção e que as luvas de borracha dificultam na lavagem dos materiais. O estudo pode concluir que o cuidado com a biossegurança e imunização é bastante deficien-te entre os estudantes e é importante que os cursos de graduação e os profissionais da área da saúde passem a abordar mais rotineiramente a necessidade de prática e controle de risco, bem como dar uma base de como proceder em casos de situações de acidentes ocupacionais os quais devem ser tratados sempre como emergência.

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

Um estudo realizado por Cardoso et al. (2009) teve como objetivo identificar a prevalência de acidentes envolvendo perfurocortantes e as medidas profiláticas pós acidente em duas Faculdades de Odontologia de Recife. Para tanto, os autores obtiveram uma amostra de 300 alunos escolhidos aleatoriamente e entrevistados por meio de um questionário. Os resultados dessa pesquisa mostraram que, 25,3% dos alunos já sofreram acidentes com instrumentos perfurocortantes. O percentual de alunos com mais número de acidentes sofridos foi mais elevado nos anos finais do curso. Dos 76 alunos que sofreram acidente com material perfurocortante, apenas 34,2% procuraram o responsável para orientações a respeito das medidas profi-láticas imediatas, a maioria (73,7%) afirmou ter lavado o ferimento com água e sabão. Sete alunos no total informaram não ter tomado nenhuma medida, dez alu-nos procuraram o serviço médico especializado em acidentes ocupacionais, quatro alunos utilizaram soluções antissépticas no ferimento e três dos alunos procuraram atendimento médico para coleta de sangue. Dos 76 estudantes acidentados, 84,2% relataram não ter tido dificuldades para procurar o serviço médico. A respeito dos resultados de auto avaliação do conhecimento dos alunos sobre medidas profiláticas a serem seguidas imediatamente após o acidente, 48,7% relataram ter um conheci-mento razoável a respeito do assunto e 40% avaliaram seu próprio conhecimento como bom. Através desta pesquisa os autores puderam concluir que um percentual elevado de estudantes já vivenciou um acidente envolvendo material perfurocortan-te e muitos destes mostraram-se inexperientes em relação ao tipo de atitude a ser tomada frente a situações deste nível. Os pesquisadores sugerem medidas profiláti-cas específicas com o intuito de minimizar circunstâncias deletérias a saúde dos que trabalham com riscos diariamente.

Um estudo realizado por Bragança et al. (2010) teve como intuito analisar as condutas de 63 cirurgiões dentistas da cidade de Macaé, RJ, frente a acidentes bio-lógicos. Para tanto, foram coletados dados através de um questionário com per-guntas estruturadas. Dos 63 CDs que receberam o questionário 42 devolveram e destes, 97,6% encontravam-se totalmente preenchidos. Com base nos questionários analisados, na área de Odontologia Legal e Deontologia. 90,4% afirmaram não te-rem participado de nenhum curso sobre responsabilidade civil e criminal do pro-fissional dentista. 38,1% dos cirurgiões dentistas entrevistados já sofreram acidentes biológicos e com o mesmo foco, metade dos participantes responderam saber as condutas a serem tomadas em situações como esta e a outra metade afirmou não saber como agir frente a imprevistos assim. Sobre o direito do paciente de se negar a realizar exames rápidos, 92,8% dos profissionais relataram conhecer esse direito. A respeito do equipamento de proteção individual, 100% dos cirurgiões dentistas pes-quisados, indicaram não verificar a presença do código de autenticação nas embala-gens dos EPIs que adquirem e observou-se também que 88% dos entrevistados não conhecem os equipamentos de proteção coletiva. Quanto à legislação e a notificação a ser feita em caso de algum acidente biológico, 78,6% dos profissionais indicaram desconhecer tal lei. Sobre o Código de Ética Odontológica, 52,4% afirmaram não o conhecem por inteiro. Com base nisso, os autores puderam verificar com a pesquisa que não há um completo conhecimento sobre o protocolo a ser seguido em caso de acidentes com contaminação biológica. Os cirurgiões dentistas devem dar mais importância a tal assunto, sendo considerada negligente a prática clínica sem ter conhecimento de direitos e deveres.

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Miotto e Rocha (2012) em seu estudo com 153 acadêmicos verificaram que 27,5% estudantes já sofreram algum acidente ocupacional sendo que a grande maioria aconteceu com material perfurocortante e as partes anatômicas mais atingidas fo-ram as mãos. Sobre registrar o acidente, somente 9,5% dos estudantes investigados o fizera. Na pesquisa, 23,8% dos alunos relataram não estarem usando equipamento de proteção individual durante o acidente. Com esse estudo, os autores concluíram que é significativo o número de acadêmicos acidentados e é preocupante que apenas uma parte deles tenha realizado o registro por meio da Comunicação do Aciden-te de Trabalho. Esses resultados alertam para a necessidade de intensificação do assunto através de palestras e seminários relacionados ao tema.

3 Objetivos

3.1 Objetivos gerais

Analisar os manuais de biossegurança descrevendo medidas que cada instituição usa para o controle de infecção no ambiente odontológico.

3.2 Objetivos específicos

◆ Descrever o estado de cada instituição; ◆ Descrever quais as vacinas solicitadas aos alunos; ◆ Verificar a utilização de barreiras protetoras; ◆ Verificar como ocorre o descarte dos materiais perfurocortantes; ◆ Descrever o controle de desinfecção e de esterilização; ◆ Verificar a presença de depósito para materiais esterilizados; ◆ Verificar o prazo para o uso do material estéril; ◆ Identificar quais os equipamentos de proteção individual de uso obrigatório para pacientes

e alunos.

4 Metodologia

4.1 Delineamento e amostra do estudo

O presente estudo possui uma abordagem quantitativa descritiva cuja amostra foi de conveniência não probabilística com 206 faculdades de Odontologia do Brasil identificadas através do site do Ministério da Educação (MEC) no ano de 2015. En-tretanto, nem todas as instituições participaram da pesquisa finalizando um total de 23% da amostra inicial (n=47).

4.2 Local da coleta de dados e instrumento de pesquisa

Os dados estudados foram coletados através de análise do manual de biossegu-rança das instituições de ensino de odontologia que participaram da pesquisa. Para esta coleta foi utilizado um questionário (apêndice) validado por Pimentel et al. (2012) e adaptado pelo pesquisador contendo 12 perguntas referentes à imunização, desin-fecção, esterilização, EPI, conduta com o paciente, acidentes ocupacionais, descarte de resíduos e local de cada instituição.

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

4.3 Procedimentos

O pesquisador fez contato com os coordenadores das faculdades de Odontologia, através de e-mail, buscando saber se a Instituição possuía um Manual de Biossegu-rança. Em casos de resposta positiva, solicitou-se ao coordenador o encaminhamento através de e-mail deste manual. Após o recebimento do Manual, foram coletadas as informações referentes ao protocolo de biossegurança das Instituições de ensino.

4.4 Análise dos dados

Foi realizada uma análise estatística descritiva dos dados e elaboração de tabelas. Para verificação dos dados foi utilizada uma variável dependente através da análise da biossegurança e uma variável independente através da análise de questões relacio-nadas ao local de cada instituição, imunização, uso de EPIs, desinfecção, esterilização, conduta com o paciente, acidentes ocupacionais e descarte de resíduos.

Os dados coletados foram tabulados em planilha do Microsoft® Excel® e poste-riormente submetidos a análises estatísticas descritivas para elaboração de tabelas. As informações foram devidamente transferidas para um banco de dados no pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Science) 15.0.

5 Resultados

A tabela 1 demonstra que o maior número de instituições que participaram da pesquisa encontra-se no estado de São Paulo (21,3%), seguido por Rio Grande do Sul (14,9%) e Minas Gerais (10,6%).

Tabela 1: Locais das instituiçõesEstado Frequência Porcentagem

Alagoas 1 2,1Amapá 1 2,1Amazonas 1 2,1Bahia 2 4,3Brasília 1 2,1Ceará 1 2,1Maranhão 1 2,1Minas Gerais 5 10,6Pará 2 4,3Paraná 4 8,5Pernanbuco 2 4,3Piaui 1 2,1Rio de Janeiro 4 8,5Rio Grande do Sul 7 14,9Santa Catarina 3 6,4São Paulo 10 21,3Tocantins 1 2,1Total 47 100,0

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

A tabela 2 demonstra que 35 (74,5%) manuais de biossegurança informam a im-portância e orientam a respeito das vacinas necessárias para os alunos que trabalharão em contato com pacientes.

Tabela 2: Orientações sobre imunizaçãoOrientações Frequência Porcentagem

Sim 35 74,5%Não foi possível encontrar informação 12 25,5% Total 47 100%

A tabela 3 demonstra que a maioria das instituições (38,3%) relata em seus manuais a obrigatoriedade de realizar todas as vacinas necessárias para a segu-rança do aluno, que incluem BCG, Tríplice viral, Dupla bacteriana e Hepatite B. Outras instituições enfatizam, porém, a realização de algumas vacinas isoladas.

Tabela 3: Vacinas solicitadas para prática clínicaVacinas Frequência Porcentagem

Hepatite BHepatite B, BCG e Tríplice ViralDupla Bact. e Hepatite B. Tríplice Viral e Hepatite B. BCG, Tríplice viral, Dupla bacteriana e Hepatite B Não foi possível encontrar informação

41471813

8,5%2,1% 8,5% 14,9%38,3%27,7%

Total 100%

A tabela 04 demonstra que 66,0% dos manuais de biossegurança avaliados orientam quanto ao cuidado com o paciente e a realização de antissepsia antes dos procedimentos clínicos.

Tabela 4: Antissepsia antes dos procedimentos clínicosAntissepsia Frequência Porcentagem

Sim 31 66,0%Não foi possível encontrar informação 16 32,0%Total 47 100%

A tabela 5 aponta que 68,1% das instituições destacam em seu manual de bios-segurança a necessidade e a importância do uso de óculos de proteção e da disponi-bilidade do mesmo para o paciente durante o atendimento.

Tabela 5: Uso de óculos de proteçãoÓculos de proteção Frequência Porcentagem

Sim 32 68,1%Não foi possível encontrar informação 15 31,9%Total 47 100%

Na tabela 6 podemos observar que a maioria das instituições avaliadas (89,4%) preconiza o uso de roupa branca e jaleco padrão em seu ambiente clínico.

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

Tabela 6: Vestimentas no ambiente clínicoVestimentas Frequência Porcentagem

Vestimentas cirúrgicas esterilizadasRoupas brancas e jaleco padrão Não foi possível encontrar informação

4421

8,5%89,4%2,1%

Total 47 100%

A tabela 7 mostra que a maioria dos manuais de biossegurança avaliados (93,6%) instruem para a desinfecção do equipamento odontológico e montagem de bar-reiras mecânicas antes do início do atendimento e no intervalo se houver troca de pacientes.

Tabela 7: Desinfecção do equipamento odontológico e montagem de barreiras mecânicas

Desinfecção/Barreiras mecânicas Frequência PorcentagemAntes do procedimento e na troca de pacientesNão foi possível encontrar informação

443

93,6%6,4%

Total 47 100%

A tabela 8 demonstra que 78,7% das instituições fazem uso de autoclave para esterilização e 17% utilizam autoclave e outros meios.

Tabela 8: Forma de esterilizaçãoEsterilização Frequência Porcentagem

Autoclave Autoclave e outros meios Não foi possível encontrar a informação

3782

78,7%17%4,3%

Total 47 100%

A tabela 9 mostra que o armazenamento do material estéril é feito em uma cen-tral de esterilização em 48,9% das instituições analisadas.

Tabela 9: Depósito para o material esterilizadoDepósito de material Frequência Porcentagem

Central de esterilizaçãoArmários dentro da faculdade Não foi possível encontrar a informação

37717

48,9%%14,9%36,2%

Total 47 100%

A tabela 10 apresenta que o prazo de validade para o uso do material esterilizado é de 7-15 dias em 48,9% das instituições.

Tabela 10: Prazo de validade para o uso do material estérilPrazo de validade do material Frequência Porcentagem

De 7-15 dias 30 dias Mais de 30 dias Não foi possível encontrar a informação

232319

48,9%%4,3% 6,4%

40,4% Total 47 100%

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

A tabela 11 mostra que de acordo com os manuais de biossegurança avaliados, 25,5% das instituições afirmam possuir um Descartex ou similar por equipo odon-tológico.

Tabela 11: Depósito para materiais perfurocortantesDepósito de perfurocortantes Frequência Porcentagem

Um por clínica Um por equipo odontológico Não foi possível encontrar a informação

31232

6,4%25,5% 68,1%

Total 47 100%

Frente a acidentes ocupacionais, a tabela 12 apresenta que 89,4% dos manuais de biossegurança orientam sobre as condutas necessárias após exposição com material biológico.

Tabela 12: Acidentes ocupacionaisAcidentes ocupacionais Frequência Porcentagem

Aluno e paciente são encaminhados imediatamente ao serviço de emergênciaNão foi possível encontrar a informação

42

5

89,4%

10,6% Total 47 100%

6 Discussão

Trata-se de um estudo original que aborda um tema importante do controle de infecção em clínicas de ensino de Odontologia e tem uma maior relevância no que tange a apropriação das medidas por parte da equipe e principalmente dos alunos em formação. A atualidade do tema vem de encontro com o crescente aumento das doenças infecciosas, provocadas por agentes patógenos controláveis. A pesqui-sa tem o seu mérito na análise de componentes mínimos básicos que pretensiosa-mente deveriam estar contidos em todos os manuais de biossegurança. Entretanto, a realidade encontrada foi diferente do preconizado.

Os resultados demostram que as instituições participantes da pesquisa possuem manuais de biossegurança para controle da infecção cruzada, porém ainda muitas informações importantes são omitidas. Um exemplo disso é que 27,7 % dos manuais não informam sobre quais vacinas são de uso obrigatório para alunos estagiários das clínicas odontológicas e 40,4% não relatam qual o prazo para o uso do material estéril. Isso mostra que muitos manuais de biossegurança deveriam ser reformulados a fim de que possam cumprir verdadeiramente seus objetivos.

Ferreira et al. (2012) relatam que prevenir a transmissão de doenças sempre foi um grande desafio para os profissionais da área da saúde. Ressalta-se com isso, a dificuldade do cirurgião dentista em minimizar a transmissão das mesmas já que a cavidade oral é um ambiente com múltiplas espécies de microrganismos, sendo alguns deles patológicos.

Durante décadas, os profissionais da odontologia realizaram suas atividades clí-nicas sem ênfase para riscos de infecção cruzada em seus consultórios. Entretanto, com a contaminação pelo vírus HIV e a transmissão da hepatite B e C cada vez mais frequente, criou-se uma certa preocupação em se buscar métodos que poderiam

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

prevenir ou minimizar o risco de contágio com alguns destes patógenos. Com isso, elaborou-se um protocolo de medidas que tem como finalidade proteger princi-palmente a equipe odontológica e os pacientes. Estas medidas incluem uma anam-nese direcionada ao paciente, uso de equipamentos de proteção individual e de proteção coletiva, manilúvio, preparo do equipamento odontológico, esterilização e desinfecção do instrumental.

Um estudo realizado por Pimentel et al. (2012) sobre o controle de infecção cru-zada no país demonstra que, tanto acadêmicos de Odontologia, quanto profissionais da área não aplicam adequadamente medidas de biossegurança na prática diária. Inclusive, procedimentos de esterilização mostram-se falhos e sem protocolo pa-dronizado entre os dentistas. Os manuais de biossegurança deveriam informar os protocolos estabelecidos por cada instituição e, a partir disso, uma lista de critérios ser cobrada pelos acadêmicos.

Segundo a ANVISA (2006), o profissional da área da saúde deve estar devida-mente imunizado e atento às características da região e da população a ser atendida, pois diferentes vacinas podem ser indicadas. Salienta-se também que as vacinas mais importantes para os profissionais da odontologia são contra hepatite B, influenza, tríplice viral e dupla tipo adulto. O estudo realizado demonstra que a maioria dos manuais de biossegurança (74,5%) orientam sobre a importância da vacinação para o atendimento clínico e o intervalo das doses quando necessário, entretanto o res-tante da amostra (25,5%) não continha informações a respeito deste item. A não informação pode ser prejudicial para o aluno que pode muitas vezes recorrer ao manual de biossegurança para cessar dúvidas. Com base nisso, um resultado im-portante do presente estudo foi que as vacinas mais solicitadas para a prática clínica condizem com o que é exposto no manual da ANVISA que inclui BCG, Tríplice viral, Dupla bacteriana e Hepatite B em 38,3% dos casos analisados. Entretanto, 14,9% solicitam a Tríplice viral, Dupla bacteriana e Hepatite B. 8,5% solicitam ape-nas Dupla Bacteriana e Hepatite B e por fim, 2,1% das instituições solicitam somente a vacina contra Hepatite B para o início de suas práticas clínicas. Vacinas são uma forma de proteção para quem trabalha na área da saúde e a instituição deve promo-ver campanhas de vacinação bem como exigir sua realização para que o aluno possa desempenhar suas atividades de maneira mais segura. Pode-se notar que em todos os manuais analisados, a vacina contra hepatite B é solicitada, porém não são todos que orientam sobre a forma da vacinação em três doses e a necessidade do exame para confirmar a imunização. É importante que esta informação seja encontrada no manual pois segundo um estudo realizado por Diniz et al. (2011) que contou com a participação de 109 acadêmicos do curso de odontologia, apenas 63% eram vacina-dos contra a hepatite B e dessa porcentagem, somente 37% receberam as três doses necessárias, sem contar que 81% nunca fizeram testes para confirmar a imunização.

Sabe-se ainda que em relação ao EPI, a vestimenta utilizada no ambiente clínico é um meio para infecção cruzada. Diante disto, a melhor forma para minimizar esse fator tanto em um procedimento semicrítico como em um procedimento crítico, se-ria utilizando vestimentas descartáveis ou vestimentas de pano esterilizadas como é encontrado em 8,5% da amostra. O restante (89,4%) exige o uso de roupa branca e jaleco padrão (mangas longas, tecido de cor clara e gola tipo padre). Acredita-se que isto se deve ao custo e tempo pois para exigir o uso de vestimentas esterilizadas é ne-cessário que se tenha uma central de lavagem e esterilização na própria instituição

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

que cuide deste processo e para se adquirir roupas descartáveis, é necessário um valor alto de investimento para que cada aluno após atender um paciente descarte seu avental e utilize outro. O tempo também é uma questão que implica para que isso não seja rotina nas instituições pois seria necessário um vestiário onde todos os alunos deveriam passar por manilúvio e paramentação. Em consequência, o uso da roupa branca na área da saúde é bastante questionado pois para que seja efetivo para o controle de infecção cruzada o aluno ou profissional deveria utilizar somente no ambiente de trabalho, entretanto, não é o que acontece. Sendo assim, opta-se pelo branco pelo aspecto de limpeza e clareza que o mesmo possui. É importante salientar que em relação aos jalecos, todos os manuais avaliados que possuíam a in-formação sobre vestimentas, orientam para que seu uso seja feito exclusivamente na clínica odontológica. Em apenas um manual (2,1%) a informação sobre vestimentas não foi encontrada.

Um resultado importante do estudo está relacionado a acidentes ocupacionais pois o mesmo com exposição a material biológico constitui uma das maiores preo-cupações para as instituições de ensino devido à frequência de procedimentos com-plexos e a falta de experiência dos alunos ao manusear instrumentos cortantes. Neste aspecto, quase todos os manuais analisados (89,4%) orientam que o aluno e o paciente sejam encaminhados imediatamente ao serviço de emergência. Uma conduta correta já que de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 1996) o tem-po para agir frente à acidentes de trabalho não deve exceder duas horas após expo-sição. Com o encaminhamento imediato do aluno e a colaboração do paciente, já se consegue uma notificação do ocorrido e também uma melhor orientação do aluno de como proceder a partir disso e os cuidados necessários para evitar que acidentes ocorram novamente.

Outra abordagem da pesquisa é a que diz respeito a forma de esterilização, de-pósito e prazo para o uso do material esterilizado. A esterilização é um processo químico ou físico que tem como objetivo eliminar todas as formas de microrganis-mos presentes. Na Odontologia a esterilização por meio físico se dá com o uso de vapor saturado sob pressão em uma autoclave e os meios químicos são os que utili-zam soluções de glutaraldeído 2% e ácido peracético 0,2% sendo que a esterilização química só é recomendada para instrumentais que são termossensíveis quando não houver outro recurso disponível. A partir do exposto, os resultados encontrados pela pesquisa demonstram que 78,7% da amostra afirmam fazer uso de autoclave para esterilização dos artigos e 17% utilizam a autoclave e outros meios como o glutaldeído e o ácido peracético nas concentrações citadas anteriormente. Dois dos manuais avaliados (4,3%) não continham a informação necessária.

Segundo a ANVISA (2006) os instrumentos esterilizados devem ser armazenados em local exclusivo, separado dos demais, em armários fechados sendo que o local de armazenamento deve ser limpo e organizado periodicamente, verificando sinais de infiltração, presença de insetos, retirando-se os pacotes danificados, com sinais de umidade e prazo de validade da esterilização vencido. Com base nisso a pesquisa demonstrou que 48,9% das faculdades possuem uma central de esterilização onde os materiais esterilizados ficam armazenados gerando assim melhor controle e cui-dado em relação a esta etapa. Entretanto, 14,9% das instituições possuem armários para que os alunos armazenem seus materiais após os mesmos terem passado pelo processo de esterilização. Deste modo, o controle da correta maneira de se arma-

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

zenar os artigos torna-se duvidoso visto que cada aluno possui a própria chave do armário e pode não seguir as recomendações. A partir do que é recomendado pela ANVISA (2006), as instituições que possuem armários deveriam realizar vistorias periódicas dos mesmos bem como limpeza e identificação de infiltrações para que se minimize os riscos de recontaminação deste material.

Em relação ao prazo para uso dos artigos esterilizados, recomenda-se que cada serviço realize a validação do prazo de esterilização através de testes de esterilidade, considerando os tipos de embalagens utilizadas, os métodos para esterilização, a forma de manuseio e os locais de armazenamento. Com isso, observa-se que cada instituição emprega o seu prazo para o uso dos materiais estéreis sendo a maioria 48,9% com prazo de 7-15 dias; 4,3% com prazo de até 30 dias e 6,4% com prazo de mais de 30 dias. O restante da amostra não continha informações a respeito de tais itens.

Foram encontradas algumas limitações na realização da pesquisa como a falta de cooperação dos coordenadores ou representantes das instituições em participar. Pessoas estas que deveriam apoiar os trabalhos independente de o aluno pertencer ou não a mesma faculdade.

É necessário o aperfeiçoamento dos manuais de biossegurança buscando uma padronização das normas e complementação de itens de acordo com o que é suge-rido na literatura pois rotinas inadequadas representam perigo para a população e para o próprio indivíduo e estes devem ser revertidos ainda no curso de graduação para que o aluno se torne um profissional responsável e consciente dos riscos que se expõe e expõe os seus pacientes e pessoas do convívio. Todas as etapas das normas para o controle da infecção cruzada são essenciais e devem ser seguidas.

Sugere-se que outros estudos sejam feitos para haver uma complementação deste trabalho e para que o tema sobre biossegurança ganhe cada vez mais ênfase.

7 Conclusão

◆ Os métodos de biossegurança utilizados são diferentes de acordo com cada instituição, mas se aplicados de forma correta são eficazes para minimizar o risco de infecções cruzadas no ambiente clínico.

◆ Nota-se a necessidade de uma reformulação nos manuais de biossegurança das ins-tituições tornando-os mais completos e didáticos para que proporcionem ao aluno suporte caso possua dúvidas em relação à algumas etapas referentes às medidas de biossegurança.

◆ É necessário promover uma cultura entre os alunos acerca da importância das me-didas de biossegurança na prática clínica desde o período da faculdade para que se tornem profissionais responsáveis no futuro.

Referências

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

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Análise de manuais de biossegurança de instituições de ensino em odontologia

APÊNDICE

OBS: é permitido assinalar dois ou mais itens.1. Em qual cidade a instituição está localizada?

2. Os alunos são orientados a receberem vacinas para imunização antes de iniciarem as atividades clínicas?

( ) Sim ( ) Não foi possível encontrar a informação

3. Quais vacinas são solicitadas? ( ) BCG (tuberculose) ( ) Tríplice Viral (sarampo, caxumba e rubéola) ( ) Dupla Bacteriana (difteria e tétano) ( ) Hepatite B ( ) Não foi possível encontrar a informação

4. A respeito da conduta com o paciente, é realizado antissepsia antes dos procedimen-tos clínicos?

( ) Sim ( ) Não foi possível encontrar a informação.

5. O paciente utiliza óculos de proteção durante o procedimento odontológico?( ) Sim ( ) Não foi possível encontrar a informação.

6. A respeito das vestimentas no ambiente clínico: ( ) Os alunos utilizam vestimentas cirúrgicas esterilizadas. ( ) Os alunos utilizam roupas brancas e jaleco padrão. ( ) Os alunos não são cobrados em relação a isto. ( ) Não foi possível encontrar a informação.

7. Quando é realizada a desinfecção do equipo odontológico e a montagem de barreiras mecânicas?

( ) Antes de iniciar as atividades diárias. ( ) Nos intervalos durante a troca de pacientes.( ) Não foi possível encontrar a informação.

8. Os materiais são esterilizados através de: ( ) Autoclave.( ) Outros meios. ( ) Não foi possível encontrar a informação.

9. O depósito para os materiais estéreis é feito:

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P. M. de Aguiar, M. B. de C. Ferreira

( ) Em uma central de esterilização. ( ) Em armários localizados dentro da instituição. ( ) Não foi possível encontrar a informação.

10. O material estéril tem prazo para uso de: ( ) 7-15 dias. ( ) 30 dias. ( ) Mais de 30 dias.( ) Não foi possível encontrar a informação.

11. As clínicas odontológicas possuem quantos Descartex® ou similar para depósito de materiais perfurocortantes?

( ) Somente um por clínica. ( ) Um para cada equipo odontológico. ( ) Não foi possível encontrar a informação.

12. Frente à acidentes ocupacionais: ( ) O aluno e o paciente são encaminhados imediatamente ao atendimento de emer-

gência.( ) São feitas perguntas a respeito da saúde geral do paciente sem encaminhamento para

emergência.( ) O aluno e o paciente são encaminhados para atendimento em um outro momento.( ) Não foi possível encontrar a informação.

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-5

DESORDENS MUSCULARES ENTRE UM GRUPO DE ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA*

Lucas Quaresemin de Oliveira**Michele Bortoluzzi de Conto Ferreira (Orientadora)

Resumo

A aplicação da ergonomia é fundamental para que se possa obter um adequado am-biente de trabalho para o profissional, sendo ele seguro, saudável e confortável. O objetivo do estudo foi identificar se os alunos de odontologia seguiam os princípios de ergonomia durante os atendimentos clínicos, avaliando, por meio de fotografias, o cumprimento dos princípios ergonômicos aplicados na prática odontológica, e por fim a aplicação de um breve questionário contendo 7 questões relacionadas a idade, sexo e presença de LER/DORT dos estudantes que estavam cursando do 4º ao 8º semestre da Escola de Odontologia da Faculdade IMED. O seguinte trabalho é um estudo transversal e observacional, os mesmos foram realizados nas clínicas Odontológicas da faculdade IMED. Foram feitas tomadas fotográficas sendo consi-derada apenas a posição do aluno operador, as mesmas foram tiradas pelo próprio pesquisador utilizando o aparelho celular. Para cada procedimento clínico foram ti-radas duas fotografias em ângulos com visão posterior ao aluno operador para que o mesmo não mudasse sua posição ergonômica ao ser observado. Após obtenção das fotos, as mesmas foram avaliadas pelo professor orientador e pelo pesquisador em um microcomputador, classificando-as em escores de 0 a 3 de acordo com a adequa-ção do posicionamento de trabalho, e em seguida inseridos em um banco de dados que foram inseridos no programa Excel e posteriormente em um banco de dados (SPSS 15.0). Dentre os 66 entrevistados, 14 eram do sexo masculino e 52 feminino.

* Trabalho de conclusão de curso apresentado pelo acadêmico de Odontologia Lucas Quaresemin de Oliveira, da Faculdade Meridional - IMED, como requisito para desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso, indispensável para a obtenção de grau em Odontologia.

** Dedico à minha mãe Salet, e a toda minha família, em especial a minha tia Ana Cristina, que me ajudou a tornar esse sonho possível, pelo apoio e incentivo em busca dos meus ideais. Aqui deixo meus sinceros agradecimentos por sempre estarem ao meu lado quando precisei. À minha querida vó Carmemlinda, que sempre se mostrou uma pessoa muito forte e que nunca deixou que seus obstáculos fossem maiores que sua fé. Agradeço principalmente à Deus por me dar forças e jamais me deixar desistir dos meus ideais. Um agradecimento especial para minha mãe Salet, para minha tia Ana Cristina e para minha vó Carmelinda pelo apoio que sempre me deram, além do incentivo constante para me sentir seguro. Agradeço à todos familiares que me ajudaram a concretizar esse sonho, que desde criança almejo. Agradeço também aos meus amigos que foram pacientes e que torciam por mim enquanto eu me esforçava. Agradeço a minha orientadora Michele Bortoluzzi, por ter me ajudado e me guiado no decorrer deste trabalho, dando o suporte necessário. Agradeço também aos professores que deram um “puxão de orelha” quando necessário, com certeza essas coisas fazem nós estudantes darmos o melhor que temos. Agradeço também a uma pessoa muito especial que mesmo sem saber foi a maior motivação para mim dar início à essa etapa. Enfim, muito obrigado a todos que me apoiaram no decorrer desta jornada. Acadêmico de Odontologia, Área de Concentração: Clínica Odontológica. Linha de Pesquisa: Epidemiologia em Saúde Bucal. E-mail: <[email protected]>.

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L. Q. de Oliveira, M. B. de C. Ferreira

Verificou-se que 57 (86,3%) relataram sentir dor em algum local do corpo, sendo os locais mais acometidos o pescoço (36,4%), e consecutivamente a parte inferior das costas (30,3%) e a parte superior das costas (27,3%). Os resultados da pesquisa demonstraram que grande parte dos alunos não seguem os princípios ergonômicos, além de possuírem uma alta prevalência de dores músculo-esqueléticas, ressaltando a necessidade de maior atenção à ergonomia dos estudantes. Palavras-chave: Engenharia Humana. Estudantes de Odontologia. Postura. DORT.

Abstract

The application of ergonomics is critical so that you can get a suitable working en-vironment for professional, it is safe, healthy and comfortable. The objective of this study was to identify whether the dental students followed the principles of ergo-nomics during clinical visits, evaluating, through photographs, compliance with ergonomic principles applied in dental practice, and finally the application of a brief questionnaire with 7 questions related to age, gender and presence of RSI / MSDs students who were attending the 4th to the 8th semester of the Dental School Fac-ulty IMED. The following work is a cross-sectional, observational study, they were conducted in dental clinics IMED college. Snapshots were made and only consid-ered the position of the student operator, they were taken by the researcher using the mobile device. For each clinical procedure were taken two shots at angles with hindsight the student operator so that it did not change its ergonomic position to be observed. After obtaining the photos, they were evaluated by the supervising teacher and the researcher in a microcomputer, classifying them into scores from 0 to 3 according to the adequacy of the work placement, and then entered into a database that were entered Excel program and later in a database (SPSS 15.0). Among the 66 respondents, 14 were male and 52 female. It was found that 57 (86.3%) reported feeling pain somewhere in the body, being the most affected sites neck (36.4%), and consec-utively lower back (30.3%) and the part upper back (27.3%). The research results have shown a high prevalence of musculoskeletal pain and do not follow the ergonomic principles, emphasizing the need for more attention to ergonomics of the students.Key Words: Human Engineering. Dentistry Students. Posture.

“Every great dream begins with a dreamer.”Harriet Tubman

1 Introdução

A ergonomia é derivada do grego ergon (trabalho) e nomos (regras). Basicamente é uma ciência que se aplica ao projeto de tarefas, máquinas e equipamentos, onde o objetivo é melhorar a qualidade de vida, o conforto, a saúde e a eficiência no trabalho do profissional (DUL; WEERDMEESTER, 2012).

As condições ergonômicas devem proporcionar uma situação de trabalho que não prejudique as condições de saúde daqueles que o fazem, podendo desta forma exercer suas competências e evitar riscos à saúde. A ergonomia é analisada por di-versas áreas, sendo elas biologia humana, medicina do trabalho, ciências cognitivas,

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psicologia do trabalho, sociologia do trabalho e organização do trabalho. Um fator muito importante que limita a capacidade de produção, que é ligada à postura corporal no ambiente de trabalho, é aquele em que o profissional não está acostu-mado àquela forma de trabalho, tendo que se adaptar a sua nova função (PIZO; MENEGON, 2010).

O trabalho estático é aquele que exige contração muscular contínua para que a posição seja mantida. Na Odontologia, devem-se contrair os músculos dos ombros e dos pés para que seja mantida a cabeça para frente, como por exemplo, ficar durante um longo tempo em pé, ficar com os braços estendidos no sentido horizontal, acio-nando o pedal com uma perna e fazendo movimentações para frente e para trás, tal como movimentos de lateralidade. Esses movimentos incorretos podem ser reversí-veis ou irreversíveis, dependendo da intensidade com que são executados. Há dores permanentes que são causadas por processos inflamatórios devido à sobrecarga nos tecidos musculares, e também as dores que possuem uma curta duração e que geral-mente desaparecem após um curto período de tempo quando o trabalho é cessado, que são dores musculares e nos tendões. Mesmo essas dores de curta duração são somente observadas em pessoas mais jovens, já em pessoas com mais idade a dor tende a continuar (VIEIRA, 2012).

Os cirurgiões-dentistas estão sujeitos a desenvolverem Lesões por Esforços Re-petitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). São classificados entre a classe de profissionais que mais tem predileção a desen-volverem estas doenças. Essa tendência a desenvolverem tais distúrbios é devido a trabalharem constantemente em posturas inadequadas e principalmente com poucos períodos de repouso. Essas doenças são causadas principalmente pela fal-ta de conhecimento ou desrespeito aos fatores ergonômicos e antropométricos. Os tratamentos que mais são utilizados pelos portadores de LER e DORT são: uso de anti-inflamatórios, repouso, imobilização e fisioterapia (ARAUJO; PAULA, 2003).

Muitos profissionais e acadêmicos de Odontologia estão tendo uma postura ergo-nômica incorreta, sendo que se a ergonomia não for adquirida como um hábito desde a época de faculdade, provavelmente também não será aplicada após a formação.

O tema escolhido foi proposto devido à grande importância que a ergonomia possui no bem-estar do profissional. Na prática odontológica são feitos muitos mo-vimentos inadequados, tais como movimentos repetitivos, ausência de intervalo para descanso e postura incorreta. Esses fatores são a grande causa do surgimen-to das dores musculoesqueléticas que no decorrer da prática funcional interferem na qualidade de vida do profissional, na longevidade como também na redução significativa de produção do mesmo. Então, o objetivo do presente estudo foi de identificar se os acadêmicos de Odontologia da Faculdade Meridional seguem os princípios de ergonomia durante os atendimentos clínicos, bem como verificar a presença de dor corporal nestes indivíduos, apontando quais os locais anatômicos são mais acometidos.

2 Revisão de Literatura

Um estudo realizado em Salonika, Grécia, teve como objetivo analisar a relação das dores nas costas, pescoço, ombro e mãos com o trabalho na prática Odonto-lógica nos últimos 12 meses. Foram enviados questionários para 430 dentistas. O

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questionário apresentava questões sobre características pessoais, físicas, tempo de trabalho, estado geral de saúde, e queixas de desordens musculoesqueléticas. Dos 430 entrevistados, 112 (26%) deles relataram ter sentido dor no pescoço, 85 (20%) nos ombros, 198 (46%) na coluna lombar e 113 (26%) nas mãos e punhos. Esse estudo demonstrou que os profissionais que sentiam essas dores necessitavam se recuperar após o expediente de trabalho. Os profissionais com mais de 50 anos de idade também apresentaram maior incidência de desordens musculoesqueléticas do que os mais jovens, sendo que a coluna lombar foi a área que teve maior relato da presença de desordem (ALEXOPOULOS; STATHI; CHARIZANI, 2004).

Um estudo realizado em Araraquara, SP, teve como objetivo avaliar a postura ergonômica em estudantes da Faculdade de Odontologia de Araraquara. A metodo-logia utilizada foi com tomadas fotográficas em 360 procedimentos dos alunos do 8º semestre do curso de graduação de Odontologia, sendo esses procedimentos fei-tos em 42 crianças. Os alunos não foram avisados sobre o objetivo da pesquisa, pois poderia ter alguma interferência na posição de trabalho em que estão habituados. Para a análise, foram feitas 5 fotografias por procedimento. Foram classificados de 4 formas ergonômicas, sendo elas: “adequada”, “uma parte adequada”, “inadequada” e “impossível de avaliar”, sendo que a impossível de avaliar foi devido a não clareza da tomada fotográfica. Dos 360 procedimentos, 128 foram classificados como ergono-mia adequada, 21 parcialmente adequadas e 138 como inadequadas, sendo o restante classificado como “impossível de avaliar” (GARCIA; CAMPOS; ZUANON, 2008a).

Outro estudo realizado em Araraquara, SP, teve como objetivo analisar a pos-tura de trabalho dos acadêmicos de Odontologia da UNESP ao atenderem bebês na clínica odontológica. Participaram deste estudo os alunos que estavam cursando o 4º ano de graduação. Foram acompanhados 31 procedimentos clínicos em bebês de 2 a 3 anos de idade. Utilizaram tomadas fotográficas para que posteriormente fos-sem observadas e analisadas por um professor de ergonomia as posições de trabalho adotadas pelos alunos. Para a análise, utilizaram 24 itens relacionados às posturas e posições de trabalho, sendo observados tanto o operador como o auxiliar. Foram classificados como “adequada”, “parcialmente adequada”, “inadequada”, “parcial-mente adequada” e “impossível avaliar”. O estudo demonstrou que em todos os pro-cedimentos a posição de trabalho do operador foi adequada, porém em 38,7% dos procedimentos a posição do auxiliar foi inadequada. Em 67,7% dos procedimentos o operador teve as coxas posicionadas inadequadamente no sentido horizontal; 38,7% no sentido vertical; 80,6% utilizaram apoio lombar e 77,4% utilizaram inadequa-damente o mocho. A postura da coluna do operador foi classificada como parcial-mente adequada em 64,5% dos procedimentos. Em relação à postura do auxiliar, observaram que em 83,9% dos procedimentos a posição do braço direito, 61,3% do braço esquerdo e posição da coluna em 61,3% dos procedimentos estava correta (GARCIA; CAMPOS; ZUANON, 2008b).

Um estudo realizado em Caxias do Sul, RS, teve como objetivo analisar a pre-valência de desordens musculoesqueléticas em cirurgiões-dentistas. Participaram deste estudo 71 CDs, que representam 10% de todos os profissionais que atuam na cidade. Neste estudo, 23 (32,4%) participantes possuía entre 24 e 30 anos, 29 (40,6%) entre 31 e 40 anos, 8 (11,2%) entre 41 e 50 anos e 11 (15,4) possuíam idade superior à 50 anos. Também foi relacionado o tempo de trabalho dos cirurgiões-dentistas, sendo que 36 (50,7%) atuavam entre 2 a 10 anos, 19 (26,7%) entre 11 a 20 anos, 6

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(8,4%) entre 21 a 30 anos e 10 (14,0%) trabalhavam entre 31 a 40 anos. Pode-se ve-rificar que houve uma grande prevalência de desordens musculoesqueléticas nos entrevistados, onde 98,6% relataram sentir alguma dor em pelo menos um local do corpo no último ano. As regiões onde foi relatada maior prevalência de dores foram de 77,5% na coluna cervical, 73,3% na coluna lombar e 69,9% nos ombros (GAZZOLA; SARTOR; ÁVILA, 2008).

Um estudo realizado em Araçatuba, SP, teve como objetivo analisar a ergonomia dos alunos do 4º ano de graduação da UNESP. Dos 80 alunos, 69 aceitaram parti-cipar da pesquisa. Os alunos foram fotografados sem saberem que seriam analisa-dos pela postura ergonômica, para que os mesmos não alterassem o resultado final. As fotografias foram feitas em atendimentos odontológicos, sendo estas analisadas seguindo oito requisitos ergonômicos e classificadas como: “adequada”, “regular”, “satisfatória” e “inadequada”. O estudo demonstrou 65,7% de observações corre-tas durante os atendimentos e 34,3% de observações incorretas. Dos 69 alunos que foram analisados, 36,2% foram classificados como “inadequada” sobre aplicar a er-gonomia durante o atendimento odontológico, 49,3% como “regular”, 14,5% como “satisfatório” e 0% foram classificados como “adequada” (DINIZ, 2009).

Um estudo realizado em São Paulo, SP, teve como objetivo demonstrar a impor-tância de algumas medidas que devem ser seguidas para se obter uma correta pos-tura ergonômica como sentar-se no mocho comprimindo os músculos do abdômen, estando assim ereto e com a coluna lombar levemente inclinada para frente; a coxa deve estar em um ângulo de 110º ou um pouco acima disto em relação à parte pos-terior da panturrilha; os membros superiores devem ficar apoiados no lado da parte superior do corpo, sempre à frente do tronco, para reduzir a carga sobre os ombros e membros superiores; os antebraços podem ficar em 10º e no máximo 25º levanta-dos; a cabeça do cirurgião-dentista pode ter uma inclinação frontal de no máximo 25º; em relação ao pedal de acionamento, este deve estar próximo e reto ao pé que irá acioná-lo para que não seja necessário deixar o pé virado para o lado; durante a atividade a cabeça do paciente pode ser rotacionada de maneira que permita uma visão ampla do cirurgião-dentista, sem que este precise fazer movimentos muito agudos para que possa trabalhar (GARBIN; GARBIN; DINIZ, 2009).

Em um estudo realizado em Araçatuba, SP, analisou-se através de fotografias a aplicabilidade das normas de ergonomia que são aplicadas à Odontologia. Foram fotografados 24 atendimentos odontológicos, para posteriormente serem analisa-dos através de uma lista de checagem. Esta lista é composta por 10 normas que são aplicadas à pratica odontológica, no qual há duas opções de resposta (sim ou não). O estudo demonstrou que 50% dos alunos assinalaram incorretamente os itens que eram avaliados pela lista, segundo as normas de ergonomia observadas, além de te-rem 100% de desconhecimento sobre os recursos que são oferecidos pelo mocho que seriam sobre a angulação de 105º a 110º, 90% (9) utilizavam o foco de luz de forma incorreta; e 80% dos estudantes relataram que haviam aprendido sobre ergonomia na grade curricular. Desta forma, chegou-se à conclusão que os alunos precisam de melhor orientação durante a prática odontológica, para que futuramente não te-nham problemas maiores devido à falta de postura ergonômica (YARID et al., 2009).

Um estudo realizado em Araçatuba, SP, teve como objetivo verificar a prevalên-cia de sintomatologia dolorosa recorrente do trabalho profissional em cirurgiões--dentistas. Foram convidados 180 cirurgiões-dentistas da região de Araçatuba, SP,

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porém apenas 76 aceitaram participar. O estudo foi feito através de questionários que continham perguntas como sexo, idade, especialidade, anos de prática, pre-sença de sintomas e dores, e ainda se a causa dessa(s) dor(es) era devido à pratica odontológica. Nesse estudo 69,74% (53) eram do sexo feminino e 30,26% (23) do sexo masculino. Dos 76 entrevistados 88,16% relataram que sentiam dor em alguma parte do corpo devido à pratica odontológica, sendo os locais mais acometidos cos-tas, pescoço e ombros. Os entrevistados relataram que em 85,4% dos casos de dor, o maior causador da mesma é pela postura inadequada, 60,4% pelo trabalho repeti-tivo, 33,30% devido à vida sedentária e 29,2% devido à equipamentos inadequados (GARBIN et al., 2009).

Um estudo realizado na cidade de Brasília-DF teve como objetivo analisar quais são os principais riscos ocupacionais, relacionados à ergonomia, nos cirurgiões--dentistas que trabalham em um hospital. Foram aplicados questionários para 15 (51,7%) dos 29 cirurgiões-dentistas que trabalhavam neste recinto. Dos 15 profissio-nais entrevistados, 13 eram do sexo feminino e 2 do sexo masculino, e a média de idade foi de 30 anos, sendo que 40% (6) destes possuíam até 1 ano de serviço, 20% (3) de 2 a 4 anos de serviço, 20% (3) de 5 a 7 anos de serviço e os outros 20% (3) mais de 7 anos de serviço. O estudo demonstrou que todos os entrevistados relatavam que o principal fator que causava algum risco ergonômico era a falta de um auxiliar no consultório, 80% (12) deles relataram que o estresse vivido em seus cotidianos afetava o estado psicológico causando falta de atenção nos períodos de trabalho, 73% (11) relataram que necessitavam fazer esforços adicionais e movimentações ina-dequadas para realizar as tarefas, 67% (10) reclamaram que o equipo não possuía mesa auxiliar que fosse possível regular a altura, 53% (8) relataram que possuíam um ambiente com espaço físico muito restrito e 33% (5) deles sentiam-se descon-fortáveis devido ao rígido controle de produtividade que eram submetidos (LOPEZ; LESSA, 2010).

Os distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) que são ca-racterizadas por provocarem alterações nas estruturas musculares e esqueléticas adquiridas durante a prática profissional são distúrbios que no decorrer dos anos atingem a qualidade de vida do profissional. Um estudo realizado em São Paulo/SP demonstrou que 60% dos profissionais de Odontologia sentiam dores após à prá-tica odontológica, sendo que 15,5% afirmaram que adquiriram as dores durante o exercício profissional. As áreas relatadas mais acometidas pelas dores foram coluna lombar, ombro e pescoço. Considerando apenas essas áreas, a prevalên-cia foi de 36 a 57% na região lombar, 44% na região cervical e 42% nos ombros (SIQUEIRA et al., 2010).

Um estudo realizado nas Unidades de Saúde de Florianópolis-SC teve como ob-jetivo avaliar a presença de cifoescoliose em 45 cirurgiões-dentistas. A cifoescoliose é um aumento da cifose torácica, como resultado de escoliose associada à cifose, sendo essa uma doença que tem tendência aos cirurgiões-dentistas, devido à di-ficuldade de visão do campo operatório. Os mesmos tendem a se ajustar, e dessa forma acabam se mantendo em uma posição anti-anatômica, que produz desordens na coluna. Nesse estudo a metodologia utilizada foi observar pontos anatômicos estáticos, e avaliação utilizando modelos predeterminados. Foi utilizado um fio que ficou preso em uma moldura superior e uma inferior, para que o corpo seja dividi-do na vertical em duas partes. E a avaliação feita por modelos predeterminados é

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feita comparando o modelo com um desenho seguindo um protocolo definido, que mostra posição da cabeça, ombros, coluna vertebral, quadril e pés. O resultado do estudo demonstrou que 64,3% dos entrevistados possuíam escoliose e 22,2% cifose. Em todos os casos dos cirurgiões-dentistas que possuíam tendência à cifose, tam-bém apresentaram tendência a escoliose, sugerindo que estes teriam um quadro de cifoescoliose (PIETROBON; REGIS FILHO, 2010).

Em um estudo realizado em São José dos Campos-SP com cirurgiões-dentistas, avaliou-se a prevalência de desordens musculoesqueléticas visando proporcionar uma melhor saúde dos profissionais. Neste estudo foram distribuídos 150 questio-nários para os CDs com 35 perguntas sobre caráter social, hábitos pessoais, his-tórico de saúde geral e aspectos ergonômicos e organizacionais do ambiente em que trabalham. O questionário foi baseado em um modelo proposto por Rising, para avaliar a intensidade das dores em uma escala visual analógica de 10 pontos, sendo 0 (ausência de dor), 1 a 3 (dor leve que não compromete as atividades), 4 a 6 (dor leve que compromete as atividades, mas não as impede), 7 a 9 (dor forte que impede as atividades) e 10 (dor muito forte que impede as atividades). Dos profis-sionais, 58,95% relataram sentir dor em alguma parte do corpo e em 46,15% destes foi diagnosticado LER (lesões por esforço repetitivo). Apesar de 90% destes terem relatado que haviam recebido orientações sobre ergonomia em cursos ou palestras, um número significativo apresentou que esses sentiam dores devido a uma incorreta postura ergonômica durante o trabalho (PEREIRA et al., 2010).

Um estudo realizado em Yenepoya-IN teve como objetivo descrever as lesões musculoesqueléticas em relação entre a percepção da dor e rigidez vivenciada pelos cirurgiões-dentistas, devido ao rigoroso trabalho da Odontologia, para determinar a prevalência em referência à estação de trabalho entre os profissionais de Odonto-logia da Índia. No estudo foram selecionados 30 (trinta) cirurgiões-dentistas com pelo menos um ano de formação acadêmica, sendo eles diplomados ou docentes em variadas especialidades na Universidade de Yenepoya. A observação do ambiente foi feita pelo tipo de pesquisa observacional. Os participantes foram selecionados aleatoriamente, e em seguida foram-lhes entregues questionários para verificar a percepção de rigidez e dor nos últimos seis meses. Os resultados do estudo demons-traram que 6,6% por cirurgiões-dentistas “sempre” sofreram de dores nos ombros, 83,3% “quase sempre” sentiam dores nas costas e 70% “quase sempre” sentiam do-res no pescoço. O estudo também relatou que 73,3% dos profissionais sentiam rigi-dez nas costas, e 23,3% sentiam dor severa em seus pescoços. O estudo demonstrou que há relação entre a frequência de trabalho e a rigidez associada aos músculos; uma significativa associação entre a idade e a rigidez muscular; entre horas de tra-balho diárias e a rigidez muscular e pôr fim a quantidade de dentes tratados por dia e rigidez nos punhos (SHAIK et al., 2011).

Um estudo realizado no Distrito Federal teve como objetivo verificar os sin-tomas musculoesqueléticos nos cirurgiões-dentistas. Participaram do estudo 100 CDs, com idade média de 34 a 38 anos. Foi aplicado um questionário sobre sintomas de dores em 12 regiões anatômicas. Dos entrevistados, 52 relataram serem pratican-tes de atividades físicas e 91 deles relataram que possuíam dores relacionadas ao tra-balho. Dos 100 participantes do estudo, 79 relataram sentir dor na coluna cervical, 73 na coluna lombar, 70 nos ombros, sendo que poucos dentistas relataram sentir essas dores antes da prática profissional (FRACON; ALI; BRAZ, 2012).

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Um estudo realizado na Austrália-AUS, teve como objetivo analisar fatores as-sociados a desordens musculoesqueléticas nos cirurgiões dentistas. Foram selecio-nados todos os CD’s registrados no Conselho Dental do Estado no mês de setem-bro de 2009 para participar do estudo. Foram enviados via e-mail um questionário nórdico padrão para os participantes. O questionário foi formulado com perguntas e duas respostas curtas, cobrindo itens demográficos, qualificação, hábitos do tra-balho atual, educação quanto à ergonomia, fatores psicossociais e sintomas muscu-loesqueléticos. Foram enviados questionários para 624 cirurgiões-dentistas, porém apenas 560 foram respondidos e então selecionados para a análise final. O estudo demonstrou que houve uma grande predileção a desordens musculoesqueléticas, sendo que os mais afetados por dores nos ombros foram os cirurgiões-dentistas que trabalhavam em clínicas privadas. A especialização mais afetada por dores nos antebraços eram os profissionais que faziam periodontia, os mesmos relataram sen-tir dores por dois dias nos ombros, parte superior e inferior das costas. No estu-do também foi verificado que alguns cirurgiões-dentistas utilizavam auxílios que reduziam significativamente as desordens musculoesqueléticas, sendo que aqueles que utilizavam lupas eram menos propensos a ter qualquer dor nos ombros, punhos e mãos do que aqueles que não utilizavam, os mesmos que utilizavam essas lupas não necessitavam de movimentação acentuada na cabeça para trabalhar, o que re-duzia as dores no pescoço, parte superior e inferior das costas. Estas dores quando sentidas, duravam menos de dois dias. O estudo demonstrou que os profissionais que sentiam dores no pescoço tinham que ficar mais tempo sem trabalhar devido ao desconforto. Aqueles que sentiam dores na coluna além de necessitarem ficar mais tempo fora do trabalho para recuperação, ainda relataram a possibilidade de mudar de profissão pelo alto desconforto que sentiam na região lombar da coluna (HAYES; TAYLOR; SMITH, 2012).

Um estudo realizado em Pernambuco, PE, teve como objetivo avaliar os conhe-cimentos de ergonomia dos acadêmicos durante o ciclo profissional em uma facul-dade de Odontologia. Foram aplicados questionários para 174 alunos de ambos os gêneros, estudantes do 4º ao 9º período. Os questionários possuíam16 questões sim-ples sobre ergonomia, sendo utilizada a escala de Likert, onde 1 a 7 acertos (insufi-ciente), de 8 a 12 (regular) e de 13 a 16 (bom), e 10 questões sobre o nível de cobrança de ergonomia nas disciplinas, sendo constituída de 1=nunca, 2=às vezes, 3=sempre. Para que esse estudo fosse aprovado pelo comitê de ética, foi realizado um estudo piloto com 20 alunos que não fizeram parte da amostra final. No término do estudo foi verificado que 47% dos estudantes foram classificados como insuficiente, 1,1% como irregular e apenas 1,7 como bom. E em relação à cobrança das disciplinas em questões ergonômicas, 36,4% nunca cobravam, 39% cobravam algumas vezes e apenas 24,6% cobravam sempre. Concluindo assim que no decorrer da formação, a ergonomia passou a ser esquecida devido à falta de cobrança das disciplinas clínicas (LORETTO; CATUNDA; TEODORO, 2012).

Um estudo realizado na Malásia teve como objetivo analisar o efeito do modo de trabalho e ergonomia que foi ensinada com relação à prevalência de desordens mus-culoesqueléticas em estudantes de Odontologia. Todas as escolas da Malásia (11) foram convidadas para participar do estudo, porém duas dessas foram excluídas pois não haviam iniciado as práticas clínicas, e quatro delas não concordaram em participar do estudo, restando apenas cinco. No estudo realizado entre julho e 2011

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e janeiro de 2012, foram excluídos os acadêmicos que praticavam algum esporte que pudesse causar dores nas regiões anatômicas (coluna cervical, coluna lombar, punhos e dedos, pescoço, ombros e antebraço) e aqueles que tocavam algum instru-mento musical por mais de 20 horas por semana, restando um total de 575 alunos, porém somente 410 quiseram participar do estudo. Foram aplicados questionários para avaliar a presença de DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Traba-lho), onde 72% (295) dos estudantes do sexo feminino e 20% (82) do sexo masculino relataram sintomas de DORT em uma ou mais regiões do corpo. Foi questionado se a ergonomia era um assunto ensinado na faculdade de Odontologia, 170 (42%) responderam que sim e 240 (58%) responderam que não. Também foi perguntado se os mesmos achavam importante que fossem avaliados em relação à ergonomia pela instituição, tendo uma resposta “sim” de 80% deles. Dos 410 alunos, 336 (82%) re-lataram sentir dores na região do pescoço e na parte superior das costas, 264 (64%) sentiam dores na coluna lombar, 171 (42%) sentiam dores nos dedos e punho, 108 (26%) sentiam dores nos ombros, 96 (23%) sentiam dores nos antebraços após a prática clínica odontológica. Pode-se concluir que a incidência de DORT foi alta nos acadêmicos das escolas de Odontologia da Malásia, sendo que, desta forma, a ergo-nomia deveria ser cobrada pela instituição como avaliação para reduzir os riscos de DORT nos acadêmicos (KHAN; CHEW, 2013).

Um estudo realizado na Índia teve como objetivo analisar a prevalência de DORT nos cirurgiões-dentistas da Índia através de um estudo transversal. Foram selecionados no estudo 646 dentistas para participarem do estudo, havendo uma resposta de 82,97% (restando 536 dentistas). O questionário foi composto por 27 questões, contendo informações sobre características sociodemográficas, caracte-rísticas físicas e sintomas musculoesqueléticos relacionados ao trabalho. A análise do estudo foi feita totalmente de maneira descritiva, sendo utilizados percentuais e com a associação da prevalência de DORT e a carga física relacionada à ativida-de profissional. O estudo demonstrou que todos os 536 (100%) dos participantes apresentaram algum sintoma de distúrbio osteomuscular, sendo os sintomas: dor (99,06%), rigidez (3,35%), fadiga (8,39%), desconforto (12,87%), “clicks” (4,1%). O estudo também demonstrou que as regiões mais afetadas foram primeiramente o pescoço (75,74%), e consecutivamente punho/mão (73,13%), parte inferior das cos-tas (72,01%), ombros (69,4%), quadris (29,85%), parte superior das costas (18,65%), tornozelos (12,31%) e os cotovelos (7,46%). Além de demonstrar grandes taxas de DORT’s, 76,11% dos participantes apresentavam pelo menos dois locais afetados (82,83%), três locais (51,86%) e quatro ou mais (15,11%). Desta forma concluiu-se que houve uma grande taxa de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho nos cirurgiões dentistas da Índia, sendo assim julgado necessário que sejam toma-das medidas e avaliações em relação à ergonomia dos profissionais para melhorar este quadro (KUMAR; KUMAR; BALIGA, 2013).

Um estudo teve como objetivo analisar desordens musculoesqueléticas nos pro-fissionais de Odontologia dos setores público e privado de uma região do Paquis-tão. Foram enviados questionários para 137 cirurgiões-dentistas. O questionário era formulado de questões com relação à idade, sexo, índice de massa corporal, tempo de trabalho por dia, postura durante o trabalho e queixas de distúrbios muscu-loesqueléticos. Dentistas com menos de três anos de trabalho e com algum tipo de distúrbio osteomuscular congênito foram excluídos. Pode-se verificar que 99

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dos participantes eram do sexo masculino e 38 do sexo feminino. Verificou-se que 42,3% dos profissionais trabalhavam entre 5 e 6 horas por dia. Tinham experiên-cia clínica maior de 10 anos 48,2% e 24,8% tinham menos. Trabalhavam sentados 47,4%, enquanto 24,8% trabalhavam de pé, e 16,8% relataram trabalhar em ambas as posições. Dos 137 participantes do estudo, 64 (46,7%) relataram a presença de al-gum distúrbio musculoesquelético, enquanto 70 (51,1%) não sentiam desconfortos. Os que sentiam dores em alguma região do corpo, relataram sentir dores na região superior da coluna (14%) na região inferior da coluna (57,8%), nos ombros (29,6%), na região lombar (37,5%), dores de cabeça (17,1%), dores nos punhos (14%), dores nos braços (9,3) e dores nas pernas (26,5%), demonstrando assim que a região mais acometida foi a região inferior da coluna (57,8%). O estudo também demonstrou que não houve relação entre idade, sexo e tempo de trabalho diário com as desordens músculo-esqueléticas. Em áreas de difícil visualização, a visão indireta era utilizada pela maioria dos dentistas (51,1%) enquanto 30,6% utilizavam visão direta e 18,2% uti-lizavam ambas. Os resultados demonstram que as desordens músculo-esqueléticas são um dos mais importantes problemas relacionados ao trabalho na profissão dos cirurgiões-dentistas (KHALID et al., 2013).

Um estudo realizado na cidade de Mossoró, RN, teve como objetivo avaliar a percepção dos principais sintomas de desconforto/dor em relação aos aspectos er-gonômicos na pratica odontológica. Dos 77 cirurgiões-dentistas que estavam pre-sentes, 59 aceitaram responder os questionários. O questionário apresenta um mapa com as regiões corporais que são divididas em escalas de 1 (nenhuma dor ou des-conforto) à 5 (dor ou desconforto intolerável). Dos 59 participantes, 42% são do sexo masculino e 58% do sexo feminino, em relação a faixa etária 50% possuíam de 20 a 40 anos, 31% de 41 a 50 anos e 19% de 51 a 60 anos. Em relação ao tempo de trabalho diário 71% dos CDs trabalhavam de 7 a 10 horas, 17% de 3 a 6 horas e 7% de 11 a 14 horas por dia e 3% não informaram o tempo de trabalho diário. Os resultados deste estudo demonstraram grandes taxas de LER/DORT nos profissionais, sendo que a região cervical apresentou maior incidência de LER/DORT (73%), em sequência, pescoço (66%), parte inferior das costas e coluna lombar (63%), parte superior das costas (59%), parte mediana das costas (58%), ombro direito (46%) e ombro esquerdo (37%) (AGUIAR; NEVES; ARAÚJO, 2014).

Um estudo realizado em Porto Velho, RO, teve como objetivo identificar a pre-valência de LER e DORT em dentistas de diferentes especialidades. Foi utilizado um questionário com 30 questões e mais 4 opcionais que seriam direcionadas às ativi-dades esportivas e musicais, sendo que os CDs que realizassem alguma dessas duas atividades seriam excluídos do estudo para que não houvesse viés da LER/DORT que objetiva avaliar o âmbito profissional. As questões foram sobre dificuldades de movimentação, dormência e comprometimento psicológico, fraqueza, sintomas do-lorosos relacionados à semana anterior. Cada questão possuía 5 alternativas e foram somadas com pontuações de 0 (nenhuma deficiência) a 100 (deficiência severa), sen-do elas classificadas como: mais que 20 pontos (excelente), 20-39 pontos (bom), 40-60 pontos (regular) e menos que 60 pontos (ruim). Aceitaram participar do estudo 200 profissionais, porém apenas 138 deles responderam no tempo permitido, e 38 deles de forma incorreta, restando apenas 100. O estudo foi composto por 40 ho-mens e 60 mulheres. Os resultados demonstraram que 44% dos cirurgiões-dentistas relataram ter dificuldade em carregar objetos pesados (com mais de 5 quilos), 48%

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relataram sentir dos nos braços, ombros ou mãos e 45% destes mencionaram sentir essas mesmas dores ao realizar qualquer outra atividade. Sentiam rigidez no braço, ombros e mãos 18%, formigamento 23% e fadiga 30%. Em relação à classificação, 89% foram classificados como excelente, 9% como bom, 1% como regular ou ruim, e 15% não apresentavam nenhuma deficiência (DIAS; SILVA; GALVÃO, 2014).

Um estudo realizado na Nova Deli, Índia, teve como objetivo avaliar os fatores de risco ergonômicos e seu vínculo com os distúrbios osteomusculares entre os dentistas da Índia utilizando o método RULA (Rapid Upper Limb Assessment - Avaliação Rápida de Membro Superior). Foram incluídos no estudo 104 participan-tes, sendo selecionados aqueles com idade média de 36 anos de idade, e com um IMC (Índice de Massa Corporal) 34,4%. Aqueles que haviam sofrido algum tipo de acidente no último ano que comprometesse a postura ou deixasse algum tipo de deformidade foram excluídos do estudo. O procedimento foi explicado e foram en-tregues questionários para os participantes e a avalição foi feita utilizando o método RULA (é um método de observação para avaliar a saúde postural dos trabalhadores, sendo usado avaliar a ergonomia em situações em que há distúrbios dos membros superiores associados ao trabalho). A avaliação foi feita primeiramente por um fisio-terapeuta. O método RULA utiliza diagramas de posturas corporais e três escores para fornecer uma avaliação à exposição aos fatores de risco, fornecendo assim uma pontuação. Foram avaliadas informações relacionadas ao meio ambiente, fatores psicológicos, postura dos braços, antebraços, punhos, pescoço, tórax e membros inferiores, sendo esses avaliados através de fotografias. O método mostrou combi-nações das pontuações resultantes para determinar se haveria necessidade de mu-danças na postura ou se a mesma era aceitável ou necessitava mudanças. Os dados avaliados do estudo foram então analisados utilizando o programa SPSS para fazer à estatística. O estudo mostrou que dos 104 cirurgiões-dentistas que participaram do estudo, 70 eram do sexo masculino e 34 do sexo feminino. Os participantes do sexo masculino demonstraram ter maiores dores na região do pescoço em comparação aos do sexo feminino. O estudo também mostrou que a altura, forma e tamanho de cada indivíduo gera uma necessidade diferente, sendo esses fatores importantes para o conforto de cada um (GOLCHHA et al., 2014).

3 Objetivos

3.1 Objetivos gerais

Identificar se os acadêmicos de Odontologia da Faculdade Meridional seguem os princípios de ergonomia durante os atendimentos clínicos, bem como verificar a presença de dor corporal nestes indivíduos, apontando quais os locais anatômicos são mais acometidos.

3.2 Objetivos específicos

◆ Classificar as posturas ergonômicas dos alunos em escores (correto, incorreto, par-cialmente correto, impossível avaliar);

◆ Constatar se as dores osteomusculares atrapalham na prática odontológica; ◆ Identificar qual gênero é mais acometido por LER/DORT;

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◆ Investigar se no decorrer do curso há maiores sintomas predisponentes de LER/DORT;

◆ Averiguar se os alunos julgam necessário que sejam melhor orientados em relação à sua postura durante os atendimentos nas Clinicas Odontológicas da IMED.

4 Metodologia

4.1 Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo com abordagem quantitativa, cujo delineamento é do tipo transversal e observacional.

4.2 Critérios de inclusão e exclusão

Na etapa das tomadas fotográficas foram incluídos os operadores que estavam atendendo sentados e excluídos da amostra aqueles que estavam atendendo em pé, além dos auxiliares. Isso porque os mesmos ficam em posições em que conseguiam observar o pesquisador e com isso se reposicionarem podendo de tal forma causar um viés no estudo. Também foram excluídos da amostra aqueles que observaram ser fotografados e alteraram sua posição postural.

4.3 Amostra

A amostra foi por conveniência não probabilística com os 155 acadêmicos de Odontologia da IMED que estavam cursando do 4º ao 8º semestre.

4.4 Coleta de dados

Os dados a serem estudados foram coletados por meio de questionários au-toaplicáveis e de análise ergonômica, foi utilizado o questionário adaptado de Corlett e Manenica (1995)1 e através de fotografias dos atendimentos dos acadêmicos da Escola de Odontologia da IMED que estavam cursando do 4º ao 8º semestre.

4.5 Procedimentos

Após aprovação do projeto pelo CEP, o pesquisador visitou as Clínicas da Escola de Odontologia da IMED e fotografou os alunos em atendimento. Neste momen-to, os mesmos não foram informados sobre os objetivos da pesquisa para que não ocorresse viés em suas posições habituais. A avaliação das posturas ergonômicas foi realizada através de 2 fotografias de cada atendimento à uma distância de aproxi-madamente 1 metro da cadeira odontológica, uma em cada lado verticalmente com visão posterior ao atendimento para que os alunos não vissem que estavam sendo fotografados, conseguindo desta forma, com que não se reposicionassem ao serem observados. Posteriormente, o aluno e o professor orientador analisaram as toma-das fotográficas em um microcomputador e cada atendimento foi classificado nos seguintes escores:

1 Ver Apêndice A.

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0- “não foi possível avaliar”1- “inadequada”2- “parcialmente adequada” 3- “adequada”

O item “0” foi utilizado somente quando não foi possível observar a posição com clareza na tomada fotográfica. O item “1” para quando não atendia os requisitos, o item “2” para quando não estava completamente correto, e o item “3” para quando havia acordo com os requisitos para a postura ergonômica. A avaliação foi feita seguindo as características descritas pelos autores NARESSI; ORENHA; NARESSI (2013). Os itens avaliados foram: pernas em posição vertical (menor, igual ou maior a 90º), posição da coluna (com ou sem apoio no mocho), inclinação da cabeça (menor ou igual à 25º), inclinação da coluna (posição anterior, posição posterior e inclinação para direita/esquerda), altura do mocho (pernas apoiadas no mocho ou no chão), inclinação dos braços direito e esquerdo (acima ou abaixo da altura dos cotovelos).

Figura 1: Postura de trabalho sentado, demonstrando a correta posição dos mem-bros superiores e inferiores, da cabeça e do tronco

Fonte: Livro Ergonomia e Biossegurança em Odontologia (2013).

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Figura 2: Postura de trabalho: vista frontal

Fonte: Livro Ergonomia e Biossegurança em Odontologia (2013).

Figura 3: Exemplo de análise fotográfica de um atendimento clínico. Pode-se observar a incorreta posição das pernas (que se encontram além de flexionadas, com apoio no mocho). Também pode-se observar que os braços estão afastados do corpo e as costas sem apoio no mocho

Fonte: fotografia feita pelo próprio pesquisador nas clínicas odontológicas da IMED, no período de set/out de 2015.

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Desordens musculares entre um grupo de estudantes de odontologia

Em outro momento, passada a etapa de fotografias, o pesquisador entrou em contato com os alunos devidamente matriculados nas disciplinas de Clínica odon-tológica I, Clínica odontológica II, Clínica odontológica III, Clínica odontológica IV e Clínica odontológica V da Escola de Odontologia da IMED, explicando os objetivos da pesquisa e convidou os alunos a participarem. Após aceite dos alunos, os questionários (Apêndice A) contendo 7 perguntas objetivas referentes à idade, sexo, dores especificas em determinados locais do corpo e necessidade de orientação quanto a ergonomia correta nas clinicas foram respondidos pelos alunos.

4.6 Análise dos dados

Os dados coletados foram submetidos a uma análise descritiva dos dados utili-zando o programa SPSS (15.0).

4.7 Questões éticas

O projeto foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Facul-dade IMED (CEP/IMED), com o parecer de número 1.096.049 (anexo D).

Para a etapa das fotografias não foi solicitado a assinatura do Termo de Con-sentimento Livre e Esclarecido (TCLE), visto que isso implicaria na explicação do objetivo da pesquisa aos alunos participantes, podendo alterar os resultados. Por questões éticas, o rosto dos alunos não foi fotografado.

Somente após esta etapa os questionários foram aplicados e então, os participantes assinaram o TCLE (Apêndice B).

5 Resultados

5.1 Análise descritiva dos dados

Tabela 1: Avaliação da ergonomia dos alunos durante os atendimentos clínicosAspectos

observados Correto Porcentagem Incorreto Porcentagem Impossível avaliar Porcentagem

Pernas em posição vertical

25 39,7 35 55,6 - -

Posição da coluna 27 42,9 36 57,1 - -

Inclinação da cabeça 15 23,8 46 73,0 2 3,2

Inclinação da coluna 35 55,6 27 42,9 1 1,6

Altura do mocho 29 46,0 30 47,6 4 6,3

Inclinação dos braços 13 20,6 39 61,9 11 17,5

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Na tabela 1 estão descritas as variáveis referentes à avaliação postural observados durante os atendimentos clínicos. Sendo observada a correta posição nos seguintes itens: pernas em posição vertical (25), posição da coluna (27), inclinação da cabeça (15), inclinação da coluna (35), altura do mocho (29), inclinação dos braços (13).

Tabela 2: Classificação em escore quanto à posição ergonômica dos alunosFrequência Porcentagem

Impossível avaliar 2 3,2Inadequada 49 77,8Parcialmente adequada 12 19,0Total 63 100,0

Na tabela 2 está a classificação em escore quanto a posição ergonômica dos aca-dêmicos, sendo que 2 (3,2%) foram impossíveis de avaliar, 49 (77,8%) classificados como inadequada e 12 (19%) como parcialmente adequada. Foram realizadas no total 63 tomadas fotográficas nos meses de setembro e outubro de 2015. Destas, 23 foram realizadas na Clínica I, 12 na Clínica II, 9 na Clínica III, 12 na Clínica IV e 7 na Clínica V.

Tabela 3: Frequência de dor x região corporalFrequência

Local anatômico Sente dor % Não sente dor % Já sentia dor antes %Pescoço 24 36,4 31 47,0 11 16,7Ombros 17 25,8 42 63,6 7 10,6Parte superior das costas 18 27,3 37 56,1 11 16,7

Parte inferior das costas 20 30,3 32 48,5 14 21,2Quadril/coxas 2 3,0 64 97,0 0 -

Joelhos 2 3,0 61 92,4 3 4,5Tornozelos/pés 5 7,6 59 89,4 2 3,0

Na tabela 3 é possível verificar que dos 66 respondentes, 24 (36,4%) têm dores no pescoço e destes, 11 (16,7%) já possuíam tal dor antes de iniciar os estágios nas clínicas odontológicas. Pode-se observar que 42 (63,6%) dos alunos não sente dor na região do pescoço, 17 (25,8%) sente dor e 7 (10,6%) já sentia dores no pescoço antes de iniciar as práticas odontológicas. Na parte superior das costas 37 (56,1%) não sente dor, 18 (27,3%) sente dor e 11 (16,7%) já sentia dores nesta região antes de iniciar as práticas odontológicas. Na região inferior das costas, sendo que 20 (30,3%) sente dor, 32 (48,5%) não sente dor e 14 (21,2%) já sentia dores nesta região antes de iniciar as práticas odontológicas. Na região de quadril e coxas 64 (97%) não sente dor nesta região, 2 (3%) sente dor. Possuem dor nos joelhos 2 (3%), não possuem dor 61 (92,4%) e 3 (4,5%) já possuía dores nesta região. Nos tornozelos e pés 5 (7,6%) sentem dores, 59 (89,4%) não sentem dores e 2 (3%) já sentia dores na região de tornozelos e pés.

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Tabela 4: Frequência de alunos de clínica com dores no decorrer dos semestres que há clínicas odontológicas

DorNão Sim Já tinha antes Total

Semestre

4 1 6 5 125 1 12 5 186 4 1 2 77 1 10 0 118 2 13 3 18

Total 9 42 15 66

Na tabela 4 estão descritas as frequências de dores ao longo dos semestres. Na clínica 1 (4º semestre) podemos observar que 6 alunos passaram a sentir dor após o início das atividades clínicas, na clínica 2 (5º semestre) 12 (66,6%), na clinica 3 (6º semestre) 1 (14,28%), na clínica 4 (7º semestre) 10 (90,9%), na clínica 5 (8º semestre) 13 (72,2%) começaram a sentir dor em pelo menos um local do corpo.

Tabela 5: Frequência de alunos com dores em algum local do corpo em relação ao gênero

Dor Não Sim Total

Gênero Feminino 6 46 52Masculino 3 11 14

Total 9 57 66

Na tabela 5 pode-se observar que participaram do estudo, respondendo ao ques-tionário, 66 alunos do 4º ao 8º semestre, sendo 14 do gênero masculino (21,2%) e 52 do gênero feminino (78,7%), com idade mínima de 18 e máxima de 37 anos.

Tabela 6: Frequência de alunos que julga necessário acompanhamento em relação à ergonomia nas clínicas

Frequência Porcentagem

Válidos Não 7 10,6Sim 59 89,4

Total 66 100,0

Na tabela 6 está descrito que 89,4% (59) dos respondentes julgam necessário mais orientação sobre sua postura durante os atendimentos odontológicos e 10,6% (7) não acham necessário acompanhamento. Do total de 66 participantes, 57 (86,36%) sen-tem dor em algum local do corpo. Destes, 29 (50,87%) consideram que esta dor atrapalha nos atendimentos clínicos.

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6 Discussão

Os resultados da presente pesquisa demonstraram uma falta de adequação er-gonômica pelos acadêmicos de Odontologia da IMED, sendo que 77,8% das análi-ses ergonômicas foram classificadas como inadequadas, 19,0% como parcialmente adequadas e nenhuma como adequada. A postura ergonômica é definida como uma relação entre as partes do corpo, sendo caracterizada pela posição de um indivíduo no espaço em função de um equilíbrio dinâmico ou estático utilizando desta forma seu sistema osteomuscular para proporcionar o desempenho destas funções. Se-gundo Lalumandier et al. (2001) um estilo de vida saudável pode melhorar muito a adequação ergonômica aos profissionais e estudantes de Odontologia, atuando como prevenção a riscos de desenvolvimento de Lesões por esforço repetitivo (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), além de outras doenças tais como as cardiovasculares, o estresse e seus danos consequentes.

A prevalência de distúrbios musculoesqueléticos nos acadêmicos de Odontologia é consideravelmente alta (86,3%), porém observou-se, também, pouca atenção na posição ergonômica dos alunos, sendo que de 66 que responderam ao questionário, 59 (89,4%) julgaram necessário que sejam instruídos a se posicionarem corretamen-te durante a prática nas clínicas. Ao mesmo tempo, na tabela 4, observa-se que na Clínica III (VI semestre) houve uma redução na incidência de dor. Acredita-se que essa queda seja decorrente da adaptação aos atendimentos. Porém, logo em segui-da, no 7º e 8º semestres pode-se verificar um novo aumento na prevalência de dor, possivelmente pelo início das clínicas de Odontopediatria e Pacientes Portadores de Necessidades Especiais que exigem uma adaptação do aluno ao paciente, devido aos mesmos, na grande maioria, terem dificuldade e falta de compreensão à ficarem na posição que facilite a visualização do operador.

Um estudo realizado por Siqueira et al. (2010) com os profissionais de Odontologia sobre à ergonomia na prática odontológica e DORT demonstrou uma prevalência de estudantes entre 19 e 35 anos, semelhante a faixa etária dos acadêmicos do presente estudo (entre 18 e 37 anos).

Em relação ao gênero, alguns estudos demonstraram que o predominante no curso de Odontologia é do gênero masculino (REGIS FILHO; MICHELS; SELL, 2009), no entanto, na presente pesquisa há maior incidência do gênero feminino (78,7%). Mesmo com grande prevalência de dor relatada pelos avaliados neste presente estu-do, não se pode observar algum tipo de associação significativa entre o gênero e as dores relatadas, contudo observou-se que os participantes do gênero feminino apre-sentavam maior acometimento de dor em relação aos do gênero masculino. Esses dados também puderam ser vistos com os publicados pelo Ministério da Saúde, no qual o mesmo indica maior incidência de dor laboral para o gênero feminino, porém mesmo com muitas hipóteses existentes, não há uma explicação coerente para essa relação (MS, 2005).

A postura incorreta em regiões superiores do corpo como costas, pescoço e ombros também é descrita por outros autores em diversos estudos sendo a dor e desconforto nesses locais os mais frequentes entre os profissionais da Odontologia, decorrentes da inadequada postura ergonômica aplicada aos atendimentos clínicos odontoló-gicos. O autor Szymanska (2002) verificou grande prevalência de DORT sendo de

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56,3% na região cervical e 60% na região lombar entre cirurgiões dentistas. É im-portante que ao sentar-se no mocho, que se mantenha a posição ereta e sentando mais para trás possível, assim o esterno ficará avançado levemente e irá haver com-pressão suave dos músculos do abdômen. Também se deve manter as costas com apoio sobre a parte posterior dos ossos da bacia para manter a posição ereta, sendo que de tal forma não haverá pressão contra os músculos inferiores e superiores, tor-nando uma postura mais favorável e sem redução dos movimentos (HOKWERDA et al., 2006). Em um estudo realizado por Ratzon et al. (2000), observaram gran-de prevalência de dores musculoesqueléticas nas regiões lombar (55%) e cervical (38,3%), valor relativamente alto em comparação com o presente estudo, onde a prevalência de dor na região inferior das costas foi de 30,3%, mas semelhante em relação à região do pescoço onde o a prevalência de dor e desconforto foi de 36,4%.

Outros locais com maior relevância quanto à ergonomia analisada neste trabalho foram à incorreta posição dos membros inferiores. Em um estudo realizado em Araçatuba-SP, observou-se que 30% dos alunos posicionavam os pés de forma er-rônea (DINIZ, 2009). Já no presente estudo pode-se observar uma maior prevalên-cia de posicionamento incorreto dos pés, onde quase a metade (47,6%) dos acadêmi-cos estava com os mesmos posicionados incorretamente (como é possível observar na figura 3). Os posicionamentos recém citados são de grande importância para evitar alterações que podem acarretar em aparecimento de varizes, edemas em con-sequência à compressão muscular nas extremidades que acabam dificultando a cir-culação decorrente do retorno venoso. Os autores Garcia, Campos e Zuanon (2008) analisaram a ergonomia durante a pratica clínica odontológica em acadêmicos da Faculdade de Odontologia de Araraquara-SP, e obtiveram resultados semelhantes, onde somente 46,4% empregavam este requisito adequadamente.

Com relação às pernas posicionadas verticalmente, pode-se verificar que 39,7% dos alunos trabalhavam de forma adequada, com a angulação das pernas em 90º em relação às coxas, e o restante (55,6%) trabalhava de forma inadequada, sendo um número consideravelmente alto.

Um dos requisitos de trabalho também é o apoio da coluna no mocho odontoló-gico, sendo que o mesmo causa maior conforto e menor aplicação de força à coluna, o que irá reduzir consideravelmente as dores nesta região. Segundo Marquart (1980) o apoio na região renal da coluna nos indivíduos no mocho odontológico promove relaxamento do dorso e das costas, fazendo desta forma que fique sem tensão e con-tração. Se o indivíduo não se apoiar no encosto do mocho, na maioria das vezes ele também não irá ocupar todo o espaço ao sentar, o que fará que o peso do corpo fique sobre as coxas, não o distribuindo corretamente e ocasionando dor e desconforto nessa região. Entretanto, no presente estudo pode-se observar que 30 (47,6%) alunos operantes não se posicionaram de forma correta.

Em um estudo realizado durante três anos nos países: Holanda, Bélgica e Lu-xemburgo, com objetivo de avaliar a ergonomia na prática odontológica de 1250 profissionais de Odontologia mostrou que 89% dos cirurgiões-dentistas posiciona-vam a cabeça para frente, excedendo um limite considerado saudável que vária en-tre 20 e 25º (HOKWERDA; WOUTERS, 2002). Semelhante a isso o presente estudo também demonstrou grande falta de postura na inclinação da cabeça (73%), o que pode gerar desconforto na região do pescoço devido a esta angulação inadequada.

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Em relação à inclinação da coluna, a mesma pode ser classificada em posição posterior, anterior e inclinações para direita/esquerda. Na inclinação posterior o in-divíduo apresenta uma pequena inclinação da coluna para frente, que é considerada saudável como requisito postural. Já na posição anterior o indivíduo tem uma grande inclinação da coluna para frente, sendo uma posição considerada incorreta. No pre-sente estudo pode-se observar que 42,9% dos alunos apresentava inclinação incor-reta deste quesito (inclinação anterior além de inclinação para direita ou esquerda, diferente do que Garcia, Campos e Zuanon (2008) obtiveram como resultado, onde 88,3% se posicionava incorretamente. Acredita-se que isso pode ter acontecido pela dificuldade de enxergar o local que o aluno precisava trabalhar, além de trabalhar em uma distância entre 30 a 40 cm, pois se a distância for menor ou maior que isso, o profissional tende a se curvar para frente ou para os lados para conseguir um campo de visão satisfatório.

Em 61,9% dos procedimentos avaliados os alunos posicionavam seus braços e antebraços de forma incorreta. Os mesmos trabalhavam de forma com que seu braço não estava junto ao corpo ou que seus antebraços estavam mais inclinados que o recomendado (10-25º), sendo que esta posição inadequada pode gerar lesões por esforços repetitivos à médio e longo prazo e causar o aparecimento de algumas lesões, como por exemplo, bursite (CAILLIET, 1989). Esses dados foram diferentes dos obtidos por Hokwerda, Ruijter e Shaw (2006), que mostrou que 35% mantinham essa inclinação acentuada durante os procedimentos clínicos. Os membros superio-res devem se posicionar ao lado do tronco, sendo utilizados para apoiar os braços ao realizar os procedimentos, geralmente permanecendo anterior a parte superior do corpo, reduzindo o peso fixo dos ombros. Além disso, para correta posição dos om-bros, é importante que os antebraços fiquem levantados entre 10º e no máximo 25º para minimizar a movimentação dos braços e consequentemente reduzir a contração dos ombros (HOKWERDA et al., 2006).

A implementação de instruções sobre ergonomia e orientações quanto a maneira correta de manter a postura, manuseio de instrumentos, adequação do ambiente odontológico durante o tratamento dos pacientes segundo Hokwerda et al. (2002) é de extrema importância. A normatização de diretrizes ergonômicas pode beneficiar os indivíduos que estão envolvidos nas práticas Odontológicas. Para os cirurgiões--dentistas, indica-se a recomendação e auxilio na escolha dos equipamentos para o trabalho odontológico, além de dar informações que facilitem o correto e bom uso dos mesmos, isto poderá prevenir e proteger a saúde contra riscos ocupacionais dos profissionais e estudantes da área. As instituições de ensino oferecem instru-ções adequadas para os estudantes de odontologia se posicionar corretamente, além de ensinar as funções dos equipamentos, tais como mocho e cadeira odontológica, visto que até a posição da luz do equipamento pode fazer o indivíduo que está aten-dendo a se posicionar de forma incorreta. Assim é possível que a prevenção de de-sordens musculoesqueléticas nos estudantes de Odontologia seja melhorada, sendo que geralmente ao aprender a se posicionar corretamente desde o período acadê-mico, os alunos passem a manter e seguir as instruções dadas e reforçadas durante o período do curso. Um bom ambiente de trabalho, com um bom planejamento e equipamentos adequados pode proporcionar um aumento na qualidade de vida, na produtividade e na longevidade do hábito profissional (FRIEDENTHAL, 1954).

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Desordens musculares entre um grupo de estudantes de odontologia

Muitos trabalhos já demonstraram o quanto os profissionais de Odontologia têm maior predisposição a desenvolverem Lesões por esforços repetitivos além de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho se comparados aos profis-sionais de outras profissões da saúde (ALEXOPOULOS, 2004). O alongamento e a prática de atividades físicas ajudam a evitar o sedentarismo, um fator desencadeante de distúrbios musculoesqueléticos. O autor também ressalta que os exercícios de alongamento possuem uma relação direta aos profissionais de Odontologia, sendo os mesmos possíveis de serem realizados durante o trabalho. Tais exercícios pro-movem redução das tensões musculares, e beneficiam o profissional e o estudante a deixarem o corpo mais relaxado, auxiliando nos movimentos que são prejudicados pelos vícios posturais inadequados (LALUMANDIER et al., 2001). Por isso, uma sugestão para estudos futuros seria incluir como variável exercícios de alongamen-to entre os procedimentos. O presente estudo além de realçar os resultados que foram obtidos e demonstrados neste trabalho, também alerta aos profissionais que adotem as medidas cabíveis (hábitos ergonomicamente corretos e instruções mais reforçadas aos alunos) que são indispensáveis para a prática clínica dos mesmos.

7 Conclusão

◆ Os acadêmicos de Odontologia da IMED não seguem os princípios de ergonomia durante os atendimentos clínicos.

◆ Grande parte dos estudantes sentem dor em algum local do corpo, sendo o pescoço e a parte inferior das costas os locais anatômicos com maior comprometimento.

Referências

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L. Q. de Oliveira, M. B. de C. Ferreira

APÊNDICES

Apêndice A Questionário adaptado de Corlett e Manenica (1995)

1. Qual sua idade? ___ anos

2. Sexo:( ) Masculino( ) Feminino

3. Qual semestre de Odontologia você está cursando?( ) 4º semestre ( ) 5º semestre ( ) 6º semestre ( ) 7º semestre ( ) 8º semestre

4. Você sente dor em algum desses locais?( ) Pescoço( ) Ombro( ) Parte superior das costas( ) Parte inferior das costas( ) Cotovelos( ) Quadril/coxas( ) Joelhos( ) Tornozelos/pés( ) Não sinto nenhuma dessas dores

5. Você já sentia alguma dessas dores antes de iniciar a prática nas Clínicas Odontológicas?( ) Sim. Em quais locais?( ) Pescoço( ) Ombro( ) Parte superior das costas( ) Parte inferior das costas( ) Cotovelos( ) Quadril/coxas( ) Joelhos( ) Tornozelos/pés( ) Não, passei a sentir após iniciar os atendimentos nas clinicas odontológicas( ) Não sinto nenhuma das dores citadas acima

6. Essa dor atrapalha o seu trabalho na prática Odontológica?( ) Sim( ) Não( ) Não sinto nenhuma das dores citadas acima

7. Você julga necessário que seja orientado(a) sobre sua postura durante as clínicas odontológicas?

( ) Sim ( ) Não

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Desordens musculares entre um grupo de estudantes de odontologia

Apêndice B Termo de consentimento livre e esclarecido

Prezado(a) aluno,Estamos desenvolvendo um estudo que visa identificar se os alunos de odon-

tologia seguem os princípios de ergonomia durante os atendimentos clínicos, bem como reconhecer quais os locais anatômicos com maior incidência de dor corporal nos estudantes de Odontologia, cujo título é ERGONOMIA NA PRÁTICA ODON-TOLÓGICA. Você está sendo convidado a participar deste estudo.

Esclareço que durante o trabalho não haverá riscos, nem tampouco custos ou forma de pagamento pela sua participação no estudo. O único desconforto que a pesquisa poderá causar será um possível constrangimento em assumir adoção de práticas ergonômicas inadequadas que prejudicam unicamente a si mesmo. Por ou-tro lado, lhe auxiliará com reflexões sobre seus hábitos ergonômicos no local de trabalho, incentivando-o a adotar posturas saudáveis, se já não o fizer.

Eu, MICHELE BORTOLUZZI DE CONTO FERREIRA e a minha equipe LUCAS QUARESEMIN DE OLIVEIRA estaremos sempre à disposição para qualquer escla-recimento acerca dos assuntos relacionados ao estudo, no momento em que desejar, através dos telefones 54 9922-1800 e 54 9923-4650 e dos endereços Av. Sete de se-tembro, 759 Apt. 701 e Rua General Neto, 137, Passo Fundo, RS.

É importante que você saiba que a sua participação neste estudo é voluntária e que você pode recusar-se a participar ou interromper a sua participação a qualquer momento sem penalidades ou perda de benefícios aos quais você tem direito.

Pedimos a sua assinatura neste consentimento, para confirmar a sua compreen-são em relação a este convite, e sua disposição a contribuir na realização deste traba-lho, em concordância com a Resolução CNS n° 466/12 que regulamenta a realização de pesquisas envolvendo seres humanos.

_________________________________Assinatura do Pesquisador Responsável

Eu, _________________________________, após a leitura deste consentimen-to, declaro que compreendi o objetivo deste estudo e confirmo o meu interesse em participar desta pesquisa.

_________________________________

Passo Fundo, ___ de ___________ de 2016.

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L. Q. de Oliveira, M. B. de C. Ferreira

ANEXOS

Anexo A Termo confidencialidade dos dados

Eu, Michele B. De Conto Ferreira, declaro que todos os pesquisadores envol-vidos no projeto intitulado DESORDENS MUSCULARES ENTRE UM GRUPO DE ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA realizaram a leitura e estão cientes do conteúdo da Resolução CNS nº 466/12 e suas complementares. Comprometo-me a: somente iniciar o estudo após a aprovação pelo CEP-IMED e, se for o caso, pela Co-missão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP); zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações que serão obtidas e utilizadas para o desenvolvimento do estudo; utilizar os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste estudo ape-nas para atingir o objetivo proposto no mesmo e não utilizá-los para outros estudos, sem o devido consentimento dos participantes. Declaro, ainda, que não há conflitos de interesses entre o/a (os/as) pesquisador/a(es/as) e participantes da pesquisa.

_________________________________Assinatura do Pesquisador Responsável

Passo Fundo, ___ de ___________ de ______.

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Desordens musculares entre um grupo de estudantes de odontologia

Anexo B Termo de autorização de local

Eu, Lilian Rigo, responsável pelas Clínicas da Escola de Odontologia da Imed, autorizo a pesquisadora Michele Bortoluzzi de Conto Ferreira a coletar dados para a pesquisa intitulada DESORDENS MUSCULARES ENTRE UM GRUPO DE ES-TUDANTES DE ODONTOLOGIA, após aprovação do Comitê de Ética em Pesqui-sa da Faculdade Meridional – CEP / IMED.

Cidade, ___ de ___________ de ______.

_________________________________Assinatura do Responsável

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L. Q. de Oliveira, M. B. de C. Ferreira

Anexo C Parecer Consubstanciado do CEP

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S U M Á R I O

http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-86-0-6

DESENVOLVIMENTO DE UMA PLATAFORMA DE MOBILE LEARNING PARA ENSINO SUPERIOR

Development of a mobile learning platform for higher education

Casio ComparinAmilton Rodrigo de Quadros Martins (Orientador)

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar como um aplicativo de mobile lear-ning usando a gamification pode aumentar a interação e o desempenho de alunos do ensino superior, gerando engajamento e uma boa interação no processo de ensino e aprendizagem. Para realização desse trabalho, primeiramente foi pesquisado o con-ceito de mobile learning e estudadas ferramentas benchmarks desse conceito. O ter-mo gamification foi abordado, trazendo seu significado e principais características do assunto e também benchmarks que utilizam esse método. Com os principais re-cursos dos benchmarks pesquisados, uma nova proposta de aplicativo foi planejada e aplicada em turmas de graduação, sendo uma turma de Relação Médico-Paciente do curso de Medicina e outra de Desenvolvimento Pessoal e Liderança dos cursos de Sistemas de Informação, Administração e Psicologia, em um período de 30 dias, com um total de 61 usuários do protótipo. A análise buscou levantar feedbacks qualitativos sobre os recursos do protótipo. Ao concluir o trabalho com protótipo desenvolvido e aplicado os alunos e professores ofereceram um feedback positivo diante da ideia de ter um aplicativo no ensino superior, apontando inclusive os recursos mais e menos relevante ao seu contexto, ficando evidenciado que a tecnologia móvel em sala de aula pode ter papel fundamental no processo de aprendizagem e engajamento.Palavras-chave: Mobile Learning. Gamification. Ensino Superior. Tecnologia.

Abstract

This study aims to analyze how a mobile learning application using gamification can increase the interaction and performance of higher education students, generating engagement and a good interaction in the process of teaching and learning. To carry out this work, it was first researched the concept of mobile learning tools and study benchmarks that concept. The term gamification was approached, bringing its mea-ning and main features of the subject and benchmarks using this method. With the key features of benchmarks surveyed, a new application proposal was planned and applied in undergraduate classes, and a class of Physician-Patient’s medical school relationship and other Personal Development and Leadership of Information Sys-tems courses, Administration and psychology, in a period of 30 days, with a total

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C. Comparin, A. R. de Q. Martins

of 61 users of the prototype. The analysis sought to raise qualitative feedback on the features of the prototype. When you finish working with prototype developed and applied students and teachers offered positive feedback on the idea of having an application in higher education, including pointing more and less relevant to their context resources, resulting for mobile technology in the classroom can play a critical role in the process of learning and engagement.Keywords: Mobile Learning. Gamification. Higher education. Technology.

1 Introdução

Na atualidade nos confrontamos com o baixo interesse dos alunos com relação à aprendizagem acadêmica, podendo estar vinculada com o baixo engajamento e interesse. O aluno está sempre com seu smartphone e tablet durante a aula e as ins-tituições de ensino muitas vezes não autorizam o uso destes aparelhos no ambiente acadêmico. No entanto, se os acadêmicos estudassem usando tecnologia móvel em beneficio para a educação, sobre variados assuntos da aula, o engajamento entre alu-nos seria melhor, poderiam compartilhar e atribuir comentários online em tempo real de assuntos tratados pelo professor. Nessa lógica, a tecnologia móvel seria usada com ferramenta de auxílio na aprendizagem do ensino superior e não um problema a ser eliminado. Usar um aplicativo de mobile learning, juntamente com a gamifi-cation, seria uma maneira personalizada de ensinar e aprender que aproximasse professores e alunos?

Esse trabalho abordará como tema central o uso de tecnologia em dispositivos móveis como suporte ao ensino superior, problematizando a possibilidade de um aplicativo de mobile learning aumentar o engajamento e desempenho de estudantes no ensino superior.

Temos como o objetivo geral dessa pesquisa analisar como um aplicativo de mo-bile learning usando a gamification pode aumentar a interação e o desempenho de alunos do ensino superior, estimulando o conhecimento e aprendizagem, através do uso de uma plataforma mobile em sala de aula através da gamification, gerando en-gajamento e uma boa interação no processo de ensino e aprendizagem. Este desdo-bra-se nos seguintes objetivos específicos: pesquisas sobre formas de uso do mobile learning e também o conceito de gamification, benchmarks de mobile learning no ensino superior, e benchmarks de gamification existente no mercado, por fim o de-senvolvimento de uma aplicação mobile multiplataforma usando o método Scrum, metodologia ágil de desenvolvimento, e a aplicação do protótipo nas turmas.

No segundo capítulo será descrito o histórico e as características do mobile lear-ning, desde a seu surgimento até os dias atuais, juntamente uma pesquisa feita tam-bém nos aplicativos mobile atuais que são exclusivos para o ensino. No terceiro ca-pítulo é apresentado o termo gamification, suas formas de fazer o usuário se engajar numa situação como em sala de aula, seja em plataformas web e mobile, apresentan-do exemplo de benchmark. O quarto capítulo apresentará a proposta da aplicação levando em conta os exemplos dos capítulos anteriores com foco no ensino superior, usando tecnologias atuais buscando aproximar alunos e professores em engajamen-to e compartilhamento de informações referentes ao conteúdo visto em aula.

A proposta metodológica descreve-se de maneira que, após construída a apli-cação, a mesma será colocada em testes em duas turmas do ensino superior: uma

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

turma de Medicina, na disciplina de Relação Médico Paciente; outra nos cursos de Sistemas de Informação, Psicologia e Administração, na disciplina de Desenvolvi-mento Pessoal e Liderança, desta forma analisando o engajamento e a opinião dos alunos testados em relação ao aplicativo proposto, assim como o número de acessos dos participantes durante o período de aplicação.

Com a aplicação do protótipo nas turmas abordara uma análise concreta sobre o uso de tecnologia no ensino superior, trazendo informações, opiniões sobre re-cursos que um aplicativo pode ter em seu conjunto operacional, informações sobre opiniões de mobile learning e o uso de gamification para o engajamento de alunos do ensino superior. A opinião de professores e gestores também esclarecerá possível dúvidas com relação ao uso de um protótipo de mobile learning.

O número de acessos dos usuários no protótipo será muito fundamental para ter uma análise de acessos diários, semanais e mensal. Com esses acessos durante a aplicação, será possível fazer médias e tirar conclusões a respeito de uma plataforma usada como auxilio ao ensino superior.

O assunto a seguir do trabalho abordará o histórico e as características do mobile learning. Esse assunto traz diversas questões sobre esse tema, características funda-mentais para ser usada como auxilio num desenvolvimento de uma plataforma para ensino superior.

2 Histórico e caracterisiticas do mobile learning

A tecnologia móvel está crescendo e criando seu espaço, evoluindo rapidamente e propondo um novo conceito de ensino e aprendizagem. Com o avanço nas tecnologias móveis como o smartphone, tablet, o ensino não está mais limitado a um computador que são utilizados somente para do dia a dia (ABRANTES; GOUVEIA, 2011).

Estes pequenos aparelhos, conhecidos como dispositivos móveis, podem facili-tar o engajamento das pessoas e, também, a acessibilidade à informação, tornando este mais interativo e flexível, trazendo novas oportunidades de exploração de ser-viços, entre eles, o processo de ensino e aprendizagem. Este novo tipo de aprendi-zagem, designada por mobile learning, melhora a dinâmica das aulas, na medida em que os alunos podem trazer os dispositivos móveis para a sala de aula, fazendo uso dos mesmos para acessar conteúdo relevante e pertinente ao estudo (ABRANTES; GOUVEIA, 2011).

O mobile learning também ajuda na mudança do método de ensinar e aprender, centrado diretamente no professor, propondo uma mudança de paradigma, onde o aluno e professor ficarão conectados assim promovendo uma aprendizagem contínua e mais baseados na colaboração (ABRANTES; GOUVEIA, 2011).

Conforme diz os autores Abrantes e Gouveia (2011) num certo lugar colaborativo, para que haja uma melhor aprendizagem, são necessárias as seguintes características:

◆ desenvolver algo que possa ser compartilhado para um objetivo comum; ◆ oportunizar a contribuição de todos para melhor compressão de um problema; ◆ responder, trabalhar e ter uma compreensão melhor voltada para as questões dos outros

membros que usam o espaço de ensino; ◆ responsabilidade por parte de todos os indivíduos envolvidos no grupo; ◆ dependência entre as pessoas do grupo, usando a mobilidade para aproximar as pessoas

no ambiente onde eles compartilhem informação.

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C. Comparin, A. R. de Q. Martins

Para colocar em prática a ideia de aprendizagem usando uma tecnologia móvel acredita-se que deve ser levada em conta características de responsabilidades e com-partilhamento ocasionando maior engajamento do aluno e professor.

A evolução histórica da tecnologia pode ser considerada a partir de três ondas. Na primeira onda tecnológica com o processo de mecanização na produção têxtil, houve uma simplificação de tarefas, sendo a primeira revolução responsável pela modernização do trabalho teve seu ritmo de crescimento aliado às atividades eco-nômicas da época (FADEL; MORAES, 2005). Na segunda revolução tecnológica se caracteriza pela divisão de trabalho, além da descoberta de novos materiais, como o aço, o petróleo e o desenvolvimento de novas tecnologias, como o motor a combustão, o telefone, energia elétrica (FADEL; MORAES, 2005). Já na terceira onda tecnológi-ca, o capitalismo passa um novo período mais aprofundado nas descobertas técnicas e científicas nas duas últimas décadas do século XX. Ocorrem significativas inova-ções e descobertas nos campos da informática, telemática, que ajudaram a trans-formar o padrão de organização da produção e do trabalho nas diversas atividades da economia (FADEL; MORAES, 2005).

Portanto, as três ondas tecnológicas fazem uma ligação de desenvolvimento da tecnologia com o passar das décadas: a primeira onda ressalta sobre o ritmo de crescimento conforme a economia cresce; a segunda, com a divisão do trabalho e descobertas relacionadas à energia, tanto elétrica como energias fósseis; e, na ter-ceira onda da tecnologia, em especial da informação, a revolução na forma de se relacionar e comunicar, oferecendo espaço para o desenvolvimento da tecnologia mobile learning.

Essa terceira onda tecnológica caracteriza-se pelo uso de equipamentos portá-teis, em um ambiente de computação pervasiva.1 Ou seja, mobilidade de todas as pessoas conectadas, independência de dispositivo, um ambiente virtual do usuário disponível em locais diversos, a qualquer momento, a qualquer hora (BARCELOS; TAROUCO, 2009).

Segundo os autores Marçal, Andrade e Rios (2005) o mobile learning surge apro-veitando a disposição dos dispositivos móveis e levando em conta as varias necessi-dades específicas de educação e treinamento das pessoas que procuram conhecimento de maneira rápida e satisfatória. Desta forma, o mobile learning é uma importante alternativa de ensino e treinamento à distância, na qual podem ser destacados os seguintes objetivos:

◆ melhorar os recursos para o aprendizado e conhecimento do aluno, que poderá contar com um aparelho computacional para executar tarefas, anotação de ideias, consulta de dados via internet, registro de fatos através de câmera digital, gravação de sons e outras funcionalidades existentes;

◆ ter o acesso aos conteúdos didáticos de qualquer lugar e a qualquer momento, depen-dendo da conectividade do dispositivo;

◆ aumentar as possibilidades de acesso ao material, ajudando com mais informação e incentivando a utilização dos serviços prestados pela instituição, seja ela empresarial ou educacional;

◆ expandir o grupo de professores e as diversas táticas de aprendizado disponíveis, atra-vés de novas tecnologias que dão apoio tanto à aprendizagem formal como à informal;

1 Oriundo do termo inglês Ubiquitous Computing ou Ubicomp, a Computação Ubíqua, também chamada de Computação Pervasiva, descreve a presença direta e constante da informática e tecnologia na vida das pessoas, em suas casas e ambientes de convívio social. Disponível em: <http://www.infoescola.com/informatica/computacao-ubiqua/>.

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

◆ fornecer caminhos variados para o desenvolvimento de métodos inovadores de aprendi-zagem e de treinamento, utilizando os novos recursos de computação e de mobilidade.

O mobile learning aplica-se através do acesso das ferramentas de estudo, propor-cionando aos seus utilizadores um leque muito diversificado de aplicações, fazendo uso de tecnologias móveis para elevar a experiência de aprendizagem (GL; LEARNING; SUPERIOR, 2014).

É fundamental compreender o perfil de uma pessoa que utilizar o mobile lear-ning, desde suas preferências, expectativas e motivações e compreender aquilo que a pessoa espera desta modalidade de ensino, sendo a mesma constantemente adap-tada aos diferentes tipos e características de ensino e aprendizagem, buscando uma satisfação diante das necessidades de quem as utiliza.

Um dos aspectos relacionados com a interação das pessoas e os ambientes cola-borativos têm a ver com a experiência do fluxo introduzida por Mihaly Csikszent-mihalyi. A experiência do fluxo significa a sensação que as pessoas sentem quando elas estão completamente envolvidas no que fazem, ou seja, gostam da experiência e querem voltar a repetir (CSIKSZENTMIHALYI, 1982). Para que os alunos este-jam envolvidos em ambientes colaborativos, do tipo de ensino e trocas de mensa-gens é altamente motivador que elas estejam na presença deste fluxo (ABRANTES; GOUVEIA, 2011).

A teoria do fluxo permite medir a interação dos utilizadores com os sistemas de computador, verificando se estes são mais ou menos conviviais e exploratórios (TREVINO; WEBSTER, 1992). A aprendizagem é um aspecto que está ligado com o fluxo e esta ocorre quando as habilidades são desenvolvidas para ficar compatíveis com novos desafios. Assim, para que a atividade continue a ser um desafio, manten-do o fluxo, o nível do mesmo deve ser gradativamente aumentado. Se um aluno, por exemplo, consegue manter a experiência de fluxo durante uma atividade, então a mes-ma pode ser uma boa oportunidade para promover a aprendizagem (ABRANTES; GOUVEIA, 2011).

Segundo Piovesan et al. (2010), os aparelhos móveis estão se transformando em um dispositivo para aprendizagem pessoal com acesso à rede. Um amplo universo de possibilidades surge, ajudando o estudante a manter contato com a instituição de ensino, com os serviços de suporte, com materiais usados na aprendizagem e com seus colegas, em vários ambientes: em casa, em viagens, no trabalho.

Mobile learning utiliza as mais variadas tecnologias de redes sem fio: serviços de correio de voz; e-mail; transmissão de sons, fotos e vídeos; serviços de mensagens curtas (SMS); multimidia message service (MMS), etc. Diante de tantos recursos, algumas vantagens podem ser destacadas ao se fazer a aplicação prática do conceito de mobile learning sendo, segundo Medeiros et al., (2014):

◆ autonomia: liberdade para o estudante buscar outros conteúdos com a ajuda da internet, não só com a ajuda do professor;

◆ mobilidade: os alunos não precisam estar em sala de aula para estudar; mesmo es-tando em casa, por exemplo, podem receber conteúdo dos professores, viabilizando a aprendizagem e interação;

◆ flexibilidade, possibilitando uma maior interação e engajamento dos professores com os alunos, podendo os mesmos compartilhar e acompanhar o processo de ensino dos alunos para realizar a tarefa proposta.

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O mobile learning não tem como objetivo substituir o processo de como se es-tuda hoje em dia, de como se aprende, sendo uma tecnologia que visa auxiliar a aprendizagem, como uma ferramenta de apoio ao ensino (BATISTA, 2012). Com a crescente portabilidade e a facilidade de pessoas poderem ter dispositivos conecta-dos em qualquer lugar e a convergência funcional de tecnologias, além do baratea-mento de produtos e serviços para os dispositivos móveis, estes estão se tornando cada vez mais comuns na vida das pessoas, aumentando a motivação das pesquisas sobre o tema mobile learning.

Nesse cenário, as tecnologias sem fio, ou seja, o próprio smartphone e tablet, são ferramentas que podem ser usadas no ensino superior como auxilio direto na aprendizagem.

2.1 O aplicativo Carleton Mobile

Carleton University é uma instituição pós-secundária localizada em Ottawa, Ontário, Canadá. Fundada em 1942. Esta possui o aplicativo desenvolvido pela Push Interac-tions chamado de Carleton Mobile. A Push acredita que os aplicativos móveis são ferramentas eficazes que podem ajudar na criação e manutenção do engajamento das pessoas (PUSH INTERACTIONS, 2015). A empresa trabalha colaborativamen-te, pois seus desenvolvedores produzem códigos dependendo do sistema que irá ro-dar no dispositivo, melhorando o desempenho (PUSH INTERACTIONS, 2015).

Sobre o Carleton Mobile, “a Universidade de Carleton do Canadá queria oferecer um aplicativo móvel que auxiliasse os estudantes a gerenciar suas experiências de ensino do dia a dia e oferece-lhes uma conexão com Carleton” (PUSH INTERACTIONS, 2015), diz Suzanne Blanchard, vice-presidente da Universidade. Carleton Mobile é um aplicativo móvel personalizado para educação superior que foi desenvolvido para estudantes da Universidade de Carleton, permitindo aos alunos acessar conve-nientemente os serviços da Universidade desde seu dispositivo iPhone ou Android. (PUSH INTERACTIONS, 2015).

Características do Carleton Mobile segundo a Pushinteractions (2015): ◆ exames finais: Revisão cronograma de exame final, completo com curso, hora e local; ◆ classes: encontrar locais de aula, horários e instrutores; ◆ grades: exibir os graus assim que eles forem lançados; ◆ mapa: facilmente navegar em torno do campus com um mapa com GPS; ◆ notícias: manter-se atualizado sobre as novidades e eventos Universidade Carleton; ◆ trânsito: apanhar o autocarro com um planejador de viagens, atualizações ao vivo,

quadros de rotas e mais; ◆ cuLearn: materiais do curso, acessar e utilizar outros recursos embutidos.

O desenvolvimento do aplicativo demorou cinco meses, incluindo o projeto inicial até a App Store e Android Market (Google Play) lançarem.. No primeiro semestre de 2011, Carleton Mobile foi baixado mais de 7.800 vezes. Até a presente data, possui mais de 14.000 downloads (PUSH INTERACTIONS, 2015).

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

Figura 1: Carleton mobile

Fonte: <http://carleton.ca/cumobile/features/>.

A figura 1 está representando o Carleton mobile, mostrando a tela do acadêmico, exames, classes, funções do aplicativo usado na universidade de Carleton no Canadá.

No próximo capítulo será abordado o tema gamification para termos um melhor entendimento sobre o termo.

3 Gamification

A gamification corresponde ao uso de mecanismos de games em ambientes fora dos games, servindo para resolver problemas práticos ou de despertar engajamen-to entre um público diferenciado. Com uma frequência alta as empresas e entida-des estão usando esse conceito para suas atividades, no que se refere a encorajar, a acostumar com novas tecnologias, e também ajudar com processos e atividades repetitivas (VIANNA et al., 2013).

A gamification usa mecanismos de jogos para resolver problemas das pessoas. Serve para ajudar as pessoas a se engajarem e acostumarem-se com o ambiente de trabalho ou de aprendizagem. A palavra gamification consiste na aplicação de ele-mentos de jogos em atividades de não jogos. Na educação, por exemplo, a criança pode ter seu trabalho na sala de aula reconhecido com estrelinhas no caderno que serve como uma maneira de recompensa; ao mesmo tempo o grau de dificuldade vai aumentando no decorrer da aula (VANZIN, 2014).

A gamification, no ensino, encontra-se como área paralela aos estudos de digital game-based learning (DBGL) - aprendizagem baseada em jogos, que envolve o es-tudo e a utilização de videogames e elementos de videogames no procedimento de instrução e aprendizagem (PAPER et al., 2015).

A gamification está na vida dos alunos como forma de jogos, trazendo o gosto do jogo para dentro da sala de aula, fazendo com que os alunos menores, ao ganharem uma estrelinha no caderno, sejam estimulem para tentar novamente a atividade, sempre em modo de competição com o colega, que também quer ganhar a estrela. Trata-se de gerar uma competição saudável em sala de aula.

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A utilização de elementos iguais ao dos games como narração, feedback, sistema de recompensas ao ganhador, conflitos, cooperação, competição, objetivos, normas, variados tipos de graus, tentativa e erro, diversão, interação e interatividade fazem parte das características da gamification (FARDO, 2013).

Todos esses elementos devem estar em um ambiente de aprendizagem para que o aluno possa usufruir e poder usar como ele usa no jogo de vídeo game. A diversão é importante, os níveis no decorrer do jogo também, a recompensa por conseguir algo é de uma sensação motivadora.

O termo gamification foi citado pela primeira vez em 2002 por Nick Pelling, programador e pesquisador britânico. Mas, só ganhou popularidade oito anos de-pois, mais precisamente, a partir de uma palestra de TED realizada por Jane Mc-Gonigal, famosa game designer norte-americana. Jane é autora do livro “A reali-dade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo”. Este livro tem sido considerado uma espécie de bíblia da gamification (VIANNA et al., 2013).

O argumento de Jane que despertou a atenção do mundo mostrou que se soma-rem as horas jogadas apenas pelos frequentadores do World of Warcraft, tradicional jogo online, teriam sido gastos 5,93 bilhões de anos na resolução do mesmo. Cabe a pensar sobre quais resultados seriam encontrados, por exemplo, se o mesmo esforço fosse colocado para resolver problemas do mundo real de hoje, tais como a erradica-ção da pobreza, o aquecimento global, a assunto da mobilidade nas grandes cidades ou a análise para a cura de uma doença grave (VIANNA et al., 2013).

Compreendendo que o engajamento dentro das salas de aula é baixo e, ainda, cada vez mais os jovens estão usando smartphones no seu dia a dia, seria uma maneira de usar tudo o que temos e compartilhamos via dispositivo móvel.

3.1 Duolingo, um exemplo de gamification

O Duolingo é a plataforma que ensina idiomas gratuitamente, eleita pela Apple como o aplicativo do ano para iPhone em 2013, pelo Google como o melhor do me-lhor para Android em 2013 e 2014, e pelo TechCrunch como o melhor Startup de educação. Foi criado pelo pioneiro em crowdsourcing, Luis von Ahn, PhD e Severin Hacker, PhD (DUOLINGO, 2015).

Com mais de 100 milhões de usuários em apenas dois anos, é uma ferramenta popular que permite às pessoas aprenderem idiomas. Em um recente estudo inde-pendente, os professores da City University de Nova York e da Universidade da Ca-rolina do Sul, analisaram e afirmaram que 34 horas de ensino no Duolingo equivale a um semestre em uma universidade. Participantes responderam a um teste para ni-velar em espanhol no começo e na conclusão do estudo. A evolução no aprendizado do idioma foi medida no teste final e inicial (DUOLINGO, 2015).

O estudo avaliou que uma pessoa sem conhecimento em espanhol teria a ne-cessidade de 34 horas em média para superar o material equivalente ao primeiro semestre de espanhol em uma faculdade normal. Considerando que um semestre mais ou menos equivale a 34 horas, o estudo sugere que Duolingo é melhor do que um curso universitário de idiomas (DUOLINGO, 2015).

Dados sobre a plataforma segundo o Duolingo (2015): ◆ o Duolingo fica em Pittsburgh, nos Estados Unidos; ◆ conta com cerca 47 profissionais na empresa;

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

◆ as plataformas que o Duolingo trabalha são: Duolingo.com, Android, iOS e Windows Phone;

◆ investidores da empresa: Union Square Ventures, New Enterprise Associates (NEA), Kleiner Perkins Caufield & Byers, Ashton Kutcher, Tim Ferriss, Google Capital.

Figura 2: Duolingo

Fonte: <http://confusedlaowai.com/2012/06/duolingo-launches/>.

A figura 2 representa o Duolingo. Mostra o progresso do aluno entre os dias de semana de ensino pela plataforma, em relação ao nível de ensino que o mesmo adquiriu.

Outros benchmarks também podem ser citados, tanto de mobile learning e ga-mification, são eles: Blackboard, Ellucian, Moodle, Passei Direto, Waze, Habitica e Playdea. Todos esses citados foram essenciais para embasar a pesquisa, para poder desenvolver a nova proposta.

No capítulo 4 será descrito como foi o desenvolvimento da plataforma proposta, levando em consideração o estudo feito ate agora.

4 Proposta de um aplicativo mobile learning para o ensino superior

Com base na pesquisa feita com os benchmarks, foi proposta uma nova plataforma para auxiliar o ensino superior. O desenvolvimento de um software precisa que as etapas sejam definidas para que o produto final respeite as regras, projeto e prazos.. Um exemplo de seguir algumas etapas para construção de um software como um aplicativo para e ensino superior é utilizar uma modelagem ágil como o Scrum.

O método Scrum estabelece um conjunto de normas e técnicas de gestão que de-vem ser seguidas para garantir o sucesso de um projeto que, em geral, são centralizadas

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no trabalho em equipe. Proporciona melhoria na comunicação e eleva a colabora-ção, permitindo que cada um faça o seu trabalho melhor e se sinta bem com o que faz, aumentando significativamente a produção do desenvolvedor (BISSI, 2007). O processo será feito em várias etapas, com validações em cada etapa seguindo o modelo Scrum:

◆ levantamento de requisitos: os requisitos são pré-estabelecidos, por que levam em conta as principais características das plataformas pesquisadas anteriormente, no caso do Carleton Mobile uns dos principais recursos são classes, notas dos alunos, materiais do professor, mapa da IES, recursos off-line. Do Duolingo é o ranking, as medalhas, o perfil, os bônus, o nível de aprendizado do aluno;

◆ entrevistas: é o procedimento para poder escolher os principais requisitos e funções que o aplicativo irá desempenhar, será feito por entrevistas abertas e fechadas com os usuários no caso, os alunos e professores. O aluno e professor respondem um ques-tionário com possíveis funções que podem fazer parte de um aplicativo, conforme a nota de cada função é que será levada em consideração na hora do desenvolvimento;

◆ pré-desenvolvimento: depois de analisado quais os melhores requisitos proposto e es-colhido preferencialmente na entrevista, o desenvolvimento do aplicativo será iniciado;

◆ validação da proposta: os professores e alunos envolvidos no projeto serão responsá-veis pelas sugestões ou trocas de funções do aplicativo para se ter um produto final de qualidade, isso e feito durante o desenvolvimento da plataforma;

◆ desenvolvimento: nessa etapa, o aplicativo já está em fase final, quase pronto para aplicação, mas antes da aplicação terá os testes;

◆ aplicação: nessa etapa o aplicativo irá ser aplicado e rodará pelo menos trinta dias, na turma de Medicina, Sistemas de Informação, Administração e Psicologia com suporte em caso de erros e duvidas;

◆ feedbacks e resultados finais: com essa etapa poderão coletar informações e suges-tões do aplicativo, assim o aplicativo proposto irá finalizar sua função nesse processo de análise dos usuários, dizendo se ele fez diferença ou não no ensino superior, se fui útil para ter um maior engajamento entre alunos.

Abaixo segue o screenshot do aplicativo experimental desenvolvido para uma turma da disciplina “Relação Medico-Paciente” do curso de Medicina e para turma de “Desenvolvimento Pessoal e Liderança” dos cursos de Sistemas da Informação, Administração e Psicologia da Faculdade IMED:

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Figura 3: Tela Inicial, Menu lateral e Corpo Docente

Fonte: Autor.

Acima, na figura 3, é representa a tela principal do aplicativo, onde se observa a maioria das funções do aplicativo, como: “Mural de recados”, “Feedback”, “Chat”, “Quiz”, “Noticias”, “Corpo Docente”, “Plano de ensino”. Há um menu lateral que auxilia na usabilidade e, por fim, a função “Corpo Docente” acionada mostrando todos os professores do curso de Medicina com suas respectivas informações. Todos esses mecanismos auxiliarão os alunos e professores no dia-a-dia tratando de assun-tos relacionados aos estudos.

A seguir, no próximo capítulo, será abordada a metodologia seguida para rea-lizar esse trabalho, nela constara o tipo da pesquisa, aplicação e amostra, coleta de dados e análise dos resultados.

5 Metodologia

O tipo da pesquisa foi qualitativa. O protótipo desenvolvido foi aplicado durante 30 dias, que coincidiram na segunda metade do mês de maio até a primeira me-tade do mês de abril de 2016. Foi aplicado aos alunas das disciplinas de Relação Médico-Paciente e Desenvolvimento Pessoal e Liderança na Faculdade IMED, so-mando um total de 59 alunos e 2 professores. A coleta de dados foi feita a partir de questionários e entrevistas semiestruturadas, baseados na Escala Likert. O próprio protótipo desenvolvido coletou informações de acessos dos usuários.

A análise dos dados teve quatro etapas. Na primeira etapa analisou-se a opinião dos usuários antes da aplicação do protótipo, com base nos requisitos levantados dos benchmarks pesquisados. A segunda etapa analisou os recursos do protótipo apli-cado, e também o quesito usabilidade e importância no ensino superior. Na terceira etapa considerou-se a opinião dos professores envolvidos, falando do engajamento dos alunos, opinião sobre o uso de aplicativos no ensino superior. Por fim, a quarta etapa contemplou a medição dos acessos dos alunos durante o mês, semanalmente, diariamente fazendo uma média no final.

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6 Resultados da análise

Como descrito anteriormente, foram usados formulários e entrevistas para a coleta informações referentes ao assunto da pesquisa. O protótipo desenvolvido também coletou informações referentes aos acessos de usuários envolvidos.

A pesquisa contou com a participação de 2 gestores, 2 professores e 59 alunos, para coletar feedbacks com relação ao uso de aplicativo no ensino superior e tipos de recursos que um aplicativo pode ter em sua estrutura funcional. Foram 39 alunos da disciplina de Relação Médico-Paciente e 20 alunos da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Liderança da Faculdade IMED.

Todos os formulários e entrevistas foram aplicados com os mesmos alunos e professores, tanto na primeira fase anterior da aplicação do protótipo, como o após aplicação. Com base nos procedimentos dividiram-se etapas a serem seguidas para termos uma análise concreta.

6.1 Primeira etapa

Nessa etapa da análise foi levada em consideração a opinião de dois gestores de áreas diferentes, onde se realizou a aplicação de questionário. Ambos eram do sexo masculino, com idade de 30 a 44 anos, sendo um da área de Ciência da Computação e outro da Medicina Veterinária.

Segundo os resultados, os dois usam tecnologia móvel. Já utilizaram aplicativos gamificados, porém somente o gestor da área de Ciência da Computação descreve ter usado aplicativo voltado para o ensino superior.

Após aplicação dos 35 recursos, que poderiam fazer parte na visão deles em um aplicativo de mobile learning, foram obtidas às respostas dos gestores. Os recur-sos mais aprovados com nota máxima de um a cinco conforme a Escala Likert2 e os recursos menos aprovados com nota mínima na visão dos dois gestores serão apresentados abaixo:

Mais aprovados: ◆ criar conteúdos; ◆ notificações e alertas para os alunos; ◆ calendário de uma disciplina; ◆ envio de mensagem de correio eletrônico; ◆ gestão de notas; ◆ gamification ( uso de medalhas, pontos, ranking...); ◆ plano de ensino.

Agora os menos aprovados na visão dos gestores: ◆ navegador sem sair do app; ◆ criação de glossário da disciplina; ◆ mapas; ◆ informações de contatos de alunos.

Acima foram descritos os melhores e os piores recursos citados pelos gestores. Os recursos nãocitados ficaram com a notas indiferentes, nem boa e nem ruim, deste

2 Escala de Likert nos permite medir as atitudes e conhecer o grau de conformidade do entrevista-do com qualquer afirmação proposta. Disponível em: <http://www.netquest.com/blog/br/escala-li-kert/>.

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modo foram levados em consideração só os extremos de cada nota para cada recurso.Também na parte que se refere a sugestões de recursos que não estavam entre

os 35 citados no formulário, o gestor da área da Ciência da Computação descreveu que gostaria de ter em um aplicativo de mobile learning, integração com o ERP da Instituição de Ensino e login pela matrícula.

A próxima análise corresponde a dos professores envolvidos no aplicativo, onde como recurso de obtenção de resultados foi aplicado o mesmo formulário já utili-zado com os gestores anteriormente descrito. Onde os dois usam aplicativos móveis no dia a dia, possuindo idade de 30 a 44 anos, sendo ambos do sexo feminino, uma graduada em Medicina e outra em Ciência da Computação, ambas descrevem já te-rem usado aplicativos relacionados a gamification, porem apenas a docente da área de Ciência da Computação usou aplicativo Moodle, que foi citado nesse trabalho.

Após o termino do questionário os recursos mais aprovados que obtiveram notas aproximadas as máximas em uma pontuação de um a cinco, conforme a Escala Likert, e os recursos menos aprovados na visão dos dois professores serão apresentados abaixo:

Mais aprovados: ◆ chat online; ◆ alertas e notificações para os alunos; ◆ envio de mensagem de correio eletrônico; ◆ criação de testes online; ◆ upload de arquivos; ◆ classes: encontrar locais, horários e instrutores; ◆ plano de ensino; ◆ feedback da aula dada pelo o aluno; ◆ gamification ( uso de medalhas, pontos, ranking...); ◆ materiais de aula.

Agora, abaixo, os menos aprovados pelos professores: ◆ navegador sem sair do app; ◆ criação do glossário da disciplina; ◆ mapas.

No questionário consta uma questão aberta, onde poderiam ser descritas suges-tões propostas pelos professores, as quais não estavam entre os recursos nomeados acima, onde somente a docente da área de Ciência de Computação deu as sugestões que seriam - interface com o ERP educacional ou o Moodle - integração de vários cursos em uma disciplina e não por escolas.

Agora serão abordadas as mesmas perguntas, com os 59 alunos envolvidos, tam-bém de cada turma e uma análise geral, com a mesma lógica utilizada anteriormen-te com os gestores e professores.

Análise da turma de Relação Médico-Paciente com 39 alunos:

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Figura 4: Idade dos alunos de Relação Medico-Paciente

Fonte: Autor.

Os alunos dessa turma descrevem usar tecnologia móvel no dia a dia, sendo aca-dêmicos do primeiro semestre do curso, onde 97,4% têm entre 15 a 29 anos, apenas 2,6 % completa a outra faixa que é de 30 a 44 anos.

Figura 5: Sexo dos alunos de Relação Médico-Paciente

Fonte: Autor.

Como podemos ver na figura 5 a amostra contou com maior número de partici-pantes do sexo feminino que do sexo masculino, 2/3 dos alunos.

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Figura 6: Conhece aplicativo não formal que usa gamification

Fonte: Autor.

Dois terços também conforme a figura 6 não conhece ou nunca ouviram falar de aplicativos não formais que usam gamification.

Figura 7: Faz ou fez uso de algum aplicativo para ensino superior

Fonte: Autor.

A figura 7 demonstra sobre uso de aplicativos para ensino superior, onde 41% afirmaram que faz ou fez uso. Os recursos que podem ou não fazer parte de um aplicativo de mobile learning foram analisados um a um, onde estão demonstrados todos os gráficos dessa análise completa.

A partir do presente momento será realizada análise semelhante a anterior com a turma de Desenvolvimento Pessoal e Liderança, são 20 alunos envolvidos, onde todos descrevem fazer uso de tecnologia móvel no seu dia a dia:

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Figura 8: Idade dos alunos da turma Desenvolvimento Pessoal e liderança

Fonte: Aautor.

Conforme demostrado a cima a faixa etária dos participantes consiste em 75% de 15 a 29 anos e 25% de 30 a 44 anos, deste modo se diferenciando da turma an-teriormente analisada onde se evidenciou uma maior porcentagem de alunos com idades menos elevadas.

Figura 9: Sexo dos alunos de Desenvolvimento Pessoal e Liderança

Fonte: Autor.

Em relação ao gênero dos acadêmicos participantes, foi evidenciado que, 75% do sexo masculino e 25% do sexo feminino o que se difere a turma analisada anterior-mente onde apresentava um maior índice de participantes do sexo feminino.

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Figura 10: Conhece aplicativo não formal que usa gamification

Fonte: Autor.

Apenas 20% dos alunos descrevem conhecer aplicativos que usam gamification e 80% não conhecem.

Figura 11: Faz ou fez uso de algum aplicativo para ensino superior

Fonte: Autor.

Os alunos que fizeram ou fazem uso de aplicativos relacionados com educação superior correspondem a 5% apenas, 95% descrevem nunca ter utilizado um aplicativo deste porte.

Após as duas análises correspondentes as perguntas serem concluídas, foi reali-zada uma média dos recursos menos importantes e mais importantes na visão dos alunos das duas disciplinas, esta antes da aplicação do protótipo. Segue a tabela 1 com avaliação dos recursos mais e menos importantes na visão de todos os alunos participantes da pesquisa:

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Tabela 1 - Melhores e piores recursos no geral antes da aplicação do protótipoRelação medico-paciente Desenvolvimento pessoal e liderança

Melhores Melhores Estruturar conteúdoCriar conteúdo Informação equipe docenteAlertas aos alunos (notificação)Informação equipe docente Criação de fórum de discussão Chat Noticias Eventos Classes: encontrar locaisGamification Acesso ao portal acadêmico Calendário de eventos da IESGrade curricular Criação de glossário da disciplina Calendário de uma disciplinaCriação de testes onlineGestão de notasModo off-lineCursos e notas disponíveis para os estudantesUpload de arquivosRevisão do cronogramaMateriais do cursoMural de recados Plano de ensinoFeedback Navegador sem sair do app

Alertas aos alunos (notificação)Gestão de notasModo off-lineMateriais do cursoGamificationPlano de ensinoFeedbackCriar conteúdos Estruturar conteúdos Calendário de uma disciplina Informação da equipe docente Envio de mensagem de correio eletrônico Criação de fórum de discussãoChat Criação de glossário de disciplina Criação de testes online Suporte a varias repartição da IESCursos e notas disponíveis Eventos Receber avisos breves e outros eventos Contatar outras pessoas de seus cursos Upload de arquivos Revisão do cronograma Classes encontrar locais de aulaMural de recados Acesso ao portal acadêmico Grade curricular Mapa interno da IES

Piores Piores Mapa interno da IESIntegração com redes sociais Informação de contatos dos alunos

Integração com redes sociaisCalendário de eventos Noticias Mapas

Fonte: Autor.

Conforme a tabela 1, onde constam os recursos que foram colocados para os alunos antes da aplicação do protótipo nas turmas, estão destacados em vermelho os recursos melhores, que as duas turmas se identificaram de forma diferente. No que se tratou nos piores ficou apenas integração com redes sociais relacionadas nas duas turmas com a cor roxa destacado na tabela.

Na próxima etapa a análise foi feita depois da aplicação do protótipo, ou seja, de-pois de passado os 30 dias de uso, um segundo formulário foi aplicado para os alunos.

6.2 Segunda etapa

Na presente etapa foi medido o grau de relevância dos recursos que o protótipo possui em sua composição, também a questão usabilidade, aparência, desempe-nho e outras características de funcionalidade do protótipo, e por fim perguntas relacionadas com a opinião dos alunos em relação à mobile learning e gamification depois de terem usado o protótipo.

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Abaixo consta a tabela 2 com os resultados comparando as duas turmas com relação aos recursos do protótipo:

Tabela 2 - Recursos do protótipo avaliadosRelação medico-paciente Desenvolvimento pessoal e liderança

Melhores recursos do protótipo Melhores recursos do protótipoCorpo docente Sobre (Suporte) Pagina IESMural de recadosFeedback da aula (gamification)Artigo e curiosidades Noticias Plano de ensinoCalendário 2016Inf. ProfessorNotificações Grade CurricularQuiz (gamification)

Pagina IESMural de recadosFeedback da aula (gamification)Artigo e curiosidades Ranking semanal (gamification)Noticias Plano de ensinoCalendário 2016Inf.alunosInf. ProfessorNotificações Grade CurricularQuiz (gamification)Canal IMED

Piores recursos Piores recursos Ranking semanal (gamification)Canal IMEDInf.alunosChat Redes sociais (twt, insta)

Chat Corpo docente Redes sociais (twt, insta)Sobre (Suporte)

Fonte: Autor.

A tabela 2 demonstra certa diferença em relação às preferencias de cada turma, onde se contatou diferença na avalição em relação a 5 recursos do protótipo, os de-mais assemelharam-se durante a avaliação, a cor vermelha representa os recursos que foram aprovados numa turma, em outra não e vice-versa.

Uma observação da tabela acima com relação aos resultados correspondentes a pré-aplicação: O recurso “chat” foi aprovado na primeira entrevista com o formulá-rio pré-aplicação, já o chat do protótipo foi reprovado na avaliação das duas turmas com base no formulário pós-aplicação, está com a cor roxa na tabela o chat e a inte-gração com redes sociais, as duas turmas reprovaram. Já o calendário de eventos e notícias só foram aprovados após a experiência de utilização do protótipo.

No que tange usabilidade, designer, engajamento, telas, cores, recursos, desem-penho, comunicação, materiais, informação e suporte as duas turmas concordaram com essas afirmações.

As opiniões dos alunos também foram buscadas no final da experiência do uso do protótipo de aplicativo voltado para o ensino superior que usou gamification em alguns de seus recursos. Abaixo as afirmações:

◆ sua área de atuação/curso é compatível com a proposta do aplicativo; ◆ tenho interesse em utilizar um aplicativo que utiliza uma metodologia gamificada; ◆ um aplicativo de aprendizagem virtual traz melhorias no ensino superior; ◆ sinto-me seguro ao sincronizar informações, como notas e trabalhos; ◆ usar um aplicativo como ferramenta para avaliação no ensino superior; ◆ estou apto a utilizar aplicativos de mobile learning.

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Com base nas afirmações apenas a turma de Relação Médico-Paciente não con-cordou de forma parcial com afirmação “Usar um aplicativo como ferramenta para avaliação no ensino superior”. A outra turma participante concordou com todas as afirmações. Abaixo consta a comparação das duas turmas com apenas essa afirma-ção diferenciada:

Figura 12: Comparação entre as duas turmas

Fonte: Autor.

Com base na figura 12 demonstra que utilizar aplicativo como ferramenta para avaliar o aluno, onde uma turma não concorda com esta afirmação. Lembrando que os integrantes da disciplina que concorda com a afirmação são acadêmicos de três cursos, Sistemas de Informação, Administração e Psicologia.

6.3 Terceira etapa

Nessa etapa da análise foi levada em consideração a opinião dos professores de cada disciplina envolvida na pesquisa, perguntas foram feitas para os mesmos após aplicação do protótipo que consistiu em 30 dias de uso estipulados.

Correspondem as docentes que participaram da pesquisa desde o começo, abai-xo estão descritas as perguntas feitas relacionadas ao protótipo, sendo este baseado na Escala Likert, já utilizada no decorrer deste trabalho, sendo a mesma composta das seguintes opções de respostas: discordo totalmente, discordo, indiferente, con-cordo e concordo totalmente:

◆ Sua área de atuação/curso é compatível com a proposta do aplicativo.Ambas as professoras responderam que concordariam totalmente.

◆ Tenho interesse em utilizar um aplicativo que utiliza uma metodologia gamificada.As duas concordariam, uma concordou e outra concordou totalmente.

◆ Um aplicativo de aprendizagem virtual traz melhorias no ensino superior.As duas concordariam, uma concordou e outra concordou totalmente.

◆ Sinto-me seguro ao sincronizar informações, como notas, trabalhos...A professora de Relação Medico-Paciente discordou dessa afirmação, porem a

professora de Desenvolvimento Pessoal e Liderança concordou totalmente.

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◆ Estou apto a utilizar aplicativos de mobile learningA professora de Relação Medico-Paciente discordou com essa afirmação, porém

a professora de Desenvolvimento Pessoal e Liderança concordou totalmente.

◆ Os alunos ficaram engajados usando o aplicativoAs duas professoras concordaram com a afirmação.

◆ A interação melhora usando um aplicativo.A professora de Relação Médico-Paciente afirmou que é indiferente, porém a

professora de Desenvolvimento Pessoal e Liderança concordou totalmente.

◆ Usar um aplicativo como ferramenta para avaliação no ensino superior.Uma concordou e outra concordou totalmente com a afirmação.

◆ O desempenho dos alunos melhora com o uso de um aplicativo.Uma concordou e outra concordou totalmente com a afirmação.

◆ Um aplicativo de fato da suporte e auxilia no ensino superiorUma concordou e outra concordou totalmente com a afirmação.

Com as afirmações coletadas das duas professoras depois de terem utilizado o protótipo em suas turmas, pode-se notar que somente a questão de segurança de arquivos e a se está apta ou não em utilizar, possuiu diferença nas respostas quando relacionada às outras afirmações. Sendo evidenciado que a professora da disciplina, Relação Médico-Paciente não concordou nas duas afirmações, também a mesma ficou indiferente à afirmação que diz respeito da interação da turma com uso do protótipo.

6.4 Quarta etapa

Nessa parte do trabalho foram medidos os acessos dos usuários do protótipo, o acesso total de cada turma e também o geral de acessos, que a ferramenta aplicada levantou. Lembrando que o protótipo rodou na turma de Relação Médico-Paciente com 39 alunos e na turma de Desenvolvimento Pessoal e Liderança com 20 alunos, a duração da aplicação foi 30 dias, os dias da semana que as turmas tinham aula eram na segunda-feira e na quarta feira, porém o protótipo ficou em uso todos os dias incluído finais de semana.

Segue a tabela 3 abaixo com o número de acessos por dia da turma de Relação Médico-Paciente:

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Tabela 3: Acessos diários da turma de Relação Médico-Paciente (medicina)Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo

Primeira Semana 72 49 30 36 19 10 14

Segunda Semana 30 16 10 13 18 04 04

Terceira Semana 10 25 24 10 600 10 10

Quarta Semana 17 21 18 17 05 10 06

Quinta Semana 13 10

Total de acessos 142 121 82 76 642 34 34

Fonte: Autor.

Na tabela 3 se encontra todos os dias e acessos do protótipo, nota-se que teve um pico alto de acessos em um dia fora do esperado de 600 acessos, por ser um dia que não havia aula, também está em destaque a segunda feira com os acessos, que era o dia presencial da aula normal da disciplina. Os destaques em cor vermelha repre-sentam os dias importantes e os totais de acessos, como dia da aula, pico, e acessos totais por dia semanal.

Abaixo a figura 13 com o gráfico de acessos constando o total de acessos nesta turma durante o período de aplicação:

Figura 13: Gráfico de acessos da turma Relação Medico-Paciente (medicina)

Fonte: Autor.

Os acessos foram no total como demonstra o gráfico, de 1.131 acessos, levando em consideração o total de 39 alunos envolvidos e um professor que totaliza 40 usuários. A média diária foi de 37,7 acessos desta turma, levando em consideração que a aula era realizada somente nas segundas-feiras. Sendo que nos dias de aula da disciplina que equivalem às segundas-feiras o total de acessos foi de 142, que quan-do dividido pelo número de alunos equivale a um total de 3.5 acessos por indivíduo durante o dia de aula.

Na próxima tabela encontram-se os dados de acessos da turma de Desenvolvi-mento Pessoal e Liderança, segue a tabela abaixo:

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

Tabela 4: Acessos diários da turma de Desenvolvimento Pessoal e Liderança (SI, ADM e PSI)

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado DomingoPrimeira Semana 49 15 06 04 01

Segunda Semana 07 09 11 14 15 03 03

Terceira Semana 15 52 98 155 90 05 06

Quarta Semana 11 19 86 51 10 09 10

Quinta Semana 05 21 25 17

Total de acessos 38 101 269 252 121 21 20

Fonte: Autor.

Na tabela 4 consta a demonstração dos acessos diários da turma, onde desta-ca-se o número de acessos durante os dias de aula que foram nas quartas-feiras. Também se contatou um dia que o número de acesso se diferenciou alcançando maior número de acessos em uma quinta-feira conforme evidenciado na tabela. Os destaques em cor vermelha representam os dias importantes e os totais de acessos, como dia da aula, pico, e acessos totais por dia semanal.

Abaixo a figura 14, com o gráfico com o total de acessos:

Figura 14: Gráfico de acessos da turma Desenvolvimento Pessoal e Liderança (SI, ADM, e PSI)

Fonte: Autor.

Os acessos foram no total como demonstrado no gráfico, de 822 acessos, le-vando em consideração o total de 20 alunos envolvidos e um professor, contabi-lizando 21 usuários. A média de acessos semanais realizados pela turma foi de 27,4. Levando em consideração que a aula era realizada somente nas quartas-feiras, onde obteve 269 acessos que dividido por 21 que equivale ao número de usuários, encontra-se a média de 12,8 acessos por usuário no dia de aula da quarta-feira. Nessa turma os acessos foram maiores, quando comparado a média em relação aos demais usuários envolvidos.

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Agora, fazendo uma média geral de acessos das duas turmas totalizando 59 alu-nos e dois professores no período de 30 dias: 1131 + 822 = 1953 / 30 Dias = 65,1 acessos diários.

Portanto 65,1 acessos foram maiores do que 61 usuários. Onde se refere a uma média geral feita em relação a duas turmas de cursos diferentes com a disciplina Relação Médico-Paciente e Sistemas de Informação, Administração e Psicologia na disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Liderança que é realizada em um contexto multidisciplinar. Deste modo fica evidente que o protótipo obteve um número de acessos significativos durante seu período de aplicação, onde o número de acessos em sua totalidade foi maior ao número de participantes envolvidos no processo.

Tabela 5: Tabela geral dos melhores recursos e total de acessosRelação Médico-Paciente (Medicina) Desenvolvimento Pessoal e Liderança (SI, ADM e PSI)Melhores recursos do protótipo Melhores recursos do protótipoPagina IESMural de recadosFeedback da aula (gamification)Artigo e curiosidades Noticias Plano de ensinoCalendário 2016Inf. ProfessorNotificações Grade CurricularQuiz (gamification)Corpo docente Sobre (Suporte)

Pagina IESMural de recadosFeedback da aula (gamification)Artigo e curiosidades Ranking semanal (gamification)Noticias Plano de ensinoCalendário 2016Inf. alunosInf. ProfessorNotificações Grade CurricularQuiz (gamification)Canal IMED

Acessos do Protótipo (30 dias) Acessos do Protótipo (30 dias)1131 acessos 822 acessosAcessos no dia da aula Acessos no dia da aula142 acessos 269 acessos

Fonte: Autor.

Na tabela 5, demonstra os recursos mais aprovados que os alunos usaram no protótipo, também uma relação feita com os acessos durante o período de 30 dias, foi dividido também o dia em que os alunos tinham aula, demonstrando os acessos naquele momento.

6.5 Análise da gamification no protótipo

No que tange a gamification citado nessa pesquisa com relação ao protótipo de-senvolvido, o mesmo trouxe informações, opiniões e dados estatísticos de recursos disponibilizados no corpo funcional do protótipo. Os recursos do protótipo com grau de aceitação em relação às duas turmas foram o Quiz, Feedback da Aula e o Ranking Semanal.

O Quiz era o recurso onde os professores colocavam perguntas para os alunos, e os alunos respondiam em certo tempo estipulado, assim somando pontos, o Fee-dback da Aula são opiniões e sugestões dos alunos no fim de cada aula, eles tinham até meia noite de cada dia de aula para poder ganhar uma pontuação e o Ranking

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Desenvolvimento de uma plataforma de mobile learning para ensino superior

Semanal era onde ficava os alunos destacados conforme as tarefas iriam sendo exe-cutadas na aula.

Na visão dos gestores, professores e alunos o termo gamification citado para com-por um aplicativo foi aprovado e considerado importante, a opinião das professoras após aplicação do protótipo foi considerada positiva, ambas acharam a metodologia de gamification importante para compor o modo de ensinar no ensino superior.

Com base nessas informações a gamification junto com o mobile learning são bem aceitos e considerados importantes num aplicativo, para ser incorporado no ensino superior, como forma de auxílio na maneira de ensinar e aprender ao mesmo tempo.

7 Considerações finais

Evidencia-se que durante o processo de testagem do protótipo que os alunos de nível superior presentes nas turmas participantes conseguiram adequar-se com o recurso de ensino de tecnologia móvel, assim garantindo ao mesmo significativo número de acessos e boa aceitabilidade que fica comprovada através da análise dos questionários aplicados durante a pesquisa.

Por muitas vezes este processo de adequação poderá passar por mais modelos de resistências por parte dos indivíduos provedores de ensino, porém é evidente que o mesmo encontrasse direcionado a realidade atual a qual não pode ser negada. Onde a tecnologia móvel dificilmente conseguirá ser evitada cabe responder aqui após as evidencias encontradas na pesquisa, que deste modo, podemos nos unir a ela e utili-zá-la em benéfico do ensino, sem demérito os modelos padrões de aprendizagem, pois é sabido de todos que algumas formas de aprendizagem são únicas e insubstituíveis.

Porém está modalidade de mobile learning junto com a gamification tem como finalidade auxilia através dos equipamentos atuais invertendo o papel de instru-mento de dispersão para fator contribuinte de auxilio nos locais de ensino superior.

Fica evidente, após desenvolvimento do protótipo com tecnologia mobile lear-ning e gamification, que a mesma vem ao encontro ao ensino, assim responden-do de forma satisfatória a problemática de pesquisa referente ao presente trabalho. Onde é primordial atualizar as formas de auxílios ao ensino superior conforme as demandas contemporâneas, pois as modalidades de ensino são as mesmas, todavia os que aprendem avançam nas gerações e estas sofrem transformações.

Cabe ressaltar ainda que o presente protótipo aplicado no respectivo trabalho pode continuar sendo utilizado em demais turmas acadêmicas em diferentes cursos que poderá abranger vasto campo de pesquisa.

Para trabalhos futuros um aplicativo poderá ser desenvolvido com base nesse projeto, esse aplicativo terá as informações da instituição de ensino, e os recursos mais aprovados e destacados nessa pesquisa realizada, levando em consideração essas caraterísticas de aplicação abordadas, como mobile learning e gamification a aceitação por parte dos professores e alunos será positiva e o aplicativo terá acei-tação numa instituição de ensino superior. Pois uma plataforma que traz engaja-mento, comunicação e usabilidade no ensino entre discentes, docentes e instituição de ensino superior, destaca-se no que tange inovação na aprendizagem englobando todas as partes envolvidas.

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