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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA
E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS
ISABELA SANTOS CORREIA ROSA
DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA
Salvador, Ba
2019
ISABELA SANTOS CORREIA ROSA
DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ensino, Filosofia e História das
Ciências, da Universidade Federal da Bahia e
Universidade Estadual de Feira de Santana,
como requisito para obtenção do título de
Doutora em Ensino, Filosofia e História das
Ciências.
Orientadora: Profa. Dra. Rosiléia Oliveira de Almeida
Salvador, Ba
2019
ISABELA SANTOS CORREIA ROSA
DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das
Ciências, da Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana,
como requisito para obtenção do título de Doutora em Ensino, Filosofia e História das
Ciências, pela seguinte banca examinadora:
BANCA EXAMINADORA
Bárbara Carine Soares Pinheiro: ______________________________________________
Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências
Cláudia de Alencar Serra Sepúlveda: ___________________________________________
Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências
Ana Ivenicki: _______________________________________________________________
Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Doutora em Educação
Mariana Aparecida Bologna Soares de Andrade: _________________________________
Universidade Estadual de Londrina/ Doutora em Educação para a Ciência
Teun Adrianus Van Dijk: _____________________________________________________
Universidade Pompeu Fabra/ Doutor em Teoria da Literatura
Rosiléia Oliveira de Almeida (Orientadora):______________________________________
Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Educação
Dedico esta tese a todas/os aquelas/es que resistiram e resistem, em
suas mais diversas formas, aos processos bárbaros da colonização e
da colonialidade, pessoas que são exemplos de resiliência, que nos
ensinam a lutar, se negam a perder a esperança e ainda
compartilham a expectativa em dias melhores.
AGRADECIMENTOS
Uuu...
Você não sabe o quanto eu caminhei
Pra chegar até aqui
Percorri milhas e milhas antes de dormir
Eu não cochilei
Os mais belos montes escalei
Nas noites escuras de frio chorei, ei, ei, ei ei ei..uu..
(A estrada, Cidade Negra)
O caminho foi longo sim, vivi momentos de angústia e insegurança, mas eu consegui!
Isso porque eu não estava sozinha, tive ajuda de muita gente e tive muitas oportunidades na
minha vida, as portas se abriam para mim à medida que eu caminhava. Desde a graduação foi
assim, pois no ano em que prestei vestibular para Biologia, as vagas da universidade pública
tinham dobrado, e, por isso, entrei! Fui privilegiada com bolsa de iniciação à docência,
iniciação a pesquisa, bolsa de doutorado no Brasil e no exterior, privilegiada entre outras
questões, por ter apoio da minha família e de amigos/as, aos/às quais quero agradecer e
compartilhar esta conquista, pois vocês, direta ou indiretamente, fizeram parte deste projeto, o
tornando possível.
Minha sequência de agradecimentos deve ser bem longa, pois tem início antes do
ingresso no programa. Para mim, depois de duas tentativas frustrantes, sendo aprovada em
todas as etapas, mas não classificada, finalmente consegui entrar nesse programa tão seleto. E
a seleção que deu certo tem uma história legal, que a meu ver, merece esse registro. Nas
vésperas da minha entrevista (última etapa da seleção que obtive sucesso), sofri um acidente e
quebrei a tíbia. Estávamos num hospital público do interior de Sergipe, eu numa fila de sabe
Deus quantas pessoas, esperando pela cirurgia (que acabou durando 40 dias de espera).
Quando havia desistido da seleção, minha irmã, Catiana, toma a iniciativa de insistir que eu
tentasse a avaliação da entrevista por Skype. Não tínhamos ideia do trabalho que isso ia dar,
mas seguimos o plano! A professora Rosiléia, que à época participava da comissão de
seleção, respondeu positivamente ao nosso pedido. Agora, cabia aos meus ir atrás dos papéis
necessários para a liberação da minha entrevista por Skype, o que deu muuuuuuuuuuuito
trabalho a minha irmã, Cati, meu cunhado, Beto e a meus pais, principalmente. Nesse estágio
de movimentação, muitas pessoas do hospital estavam sabendo da história e já torcendo por
mim, o que foi muito legal!
Combinado o dia da entrevista por Skype, o desafio era o acesso à internet, pois onde
eu estava não tinha sinal. Um rapaz da recepção do hospital teve a ideia de providenciar um
cabo (ele foi buscar na casa dele) para conectar à sala da direção do hospital. Meu cunhado,
Beto, teve outras ideias e eles foram testando as possibilidades, mas sem sucesso! No fim das
contas, restou-me fazer a entrevista da sala da direção, mas eu estava numa cama que não
passava pelas portas até chegar lá; precisava ser transferida para uma maca, outro dilema
bem-sucedido! E foi assim a primeira tentativa de entrevista, que não deu certo por causa do
sinal lá da UFBA e teve que ser remarcada para uma data em que eu estava em casa, embora
ainda com a perna quebrada, à espera da cirurgia. Conto essa história para agradecer também
à torcida da galera do hospital, funcionários/as e pacientes! A energia de vocês contribuiu
para que a coisa desse certo! Eu entrei!!! E curti cada momento nesse programa de doutorado,
sobretudo porque a oportunidade de me dedicar exclusivamente à pesquisa me trouxe
experiências incríveis!!!
Dou sequência aos meus agradecimentos destacando as pessoas que contribuíram para
minha formação pessoal e profissional.
As minhas orientadoras e orientador
Agradeço a Maria Inez e Myrna Landim, por terem me acompanhado e orientado
durante a graduação e o mestrado, fazendo de mim uma pesquisadora em educação e aberto as
portas para um mundo acadêmico cheio de possibilidades.
A professora Geilsa Baptista, a quem sou profundamente grata pela acolhida no
PPGEFHC, iniciando meu processo de orientação, agradeço a atenção e conhecimentos
compartilhados nas reuniões de grupo e conversas afins.
A minha orientadora, Rosiléia Almeida, agradeço desde o processo seletivo, que
mesmo sem me conhecer, possibilitou o diálogo com a comissão de seleção que liberou
minha entrevista por Skype; agradeço também o apoio na luta para conseguir a bolsa de
doutorado, tanto do Brasil quanto do exterior; agradeço pelas ideias geniais, suporte estrutural
e emocional, acolhida e confiança; sua orientação, guiada com insights brilhantes, sabedoria,
carinho e atenção mobiliza em mim os melhores sentimentos. Sou eternamente grata a ti pelo
que representa para mim, você é um exemplo de mulher, pesquisadora, professora e amiga, te
admiro demais e guardo por ti um carinho sem limites.
Ao professor Teun Van Dijk, pela confiança e acolhida amável num dos momentos
mais solitários deste percurso, durante minha estadia em Barcelona, agradeço pela paciência,
amizade e conhecimentos compartilhados sempre com muita sabedoria e humildade.
Agradeço também pela disponibilidade em participar da minha banca de defesa. Também com
você, aprendi muito mais do que análise do discurso crítica, aprendi com seu exemplo de
generosidade a estar sempre disponível para ajudar as pessoas e contribuir para pesquisas que
sirvam para a transformação social.
A banca
As membras da banca de qualificação, professoras Bárbara Carine, Claudia
Sepúlveda, Ana Ivenicki e Mariana Bologna, pelas críticas e contribuições inestimáveis a
este trabalho; agradeço também por aceitarem gentilmente participar da banca de defesa da
tese.
As pessoas que formam o PPGEFHC
Agradeço as secretárias do programa, principalmente Lúcia e Priscila, pela prontidão
em ajudar no que fosse preciso.
Sou profundamente agradecida aos meus avaliadores, professora Andreia (Deinha) e
professor André Luiz, pelo diálogo humano e produtivo na entrevista da seleção.
Aos/às professores/as do programa que tive a oportunidade de ser aluna, Nei, Dália,
Charbel, Amanda, e mais um agradecimento especial às professoras Bárbara Carine,
Rosiléia Almeida e ao professor Jonei Cerqueira, por terem aberto caminhos teóricos e
metodológicos, agradeço o exemplo de compromisso e todo conhecimento que me
proporcionaram. Todo meu projeto foi pensado a partir dos ensinamentos de vocês. A
Bárbara e Rose, que me fizeram ver o mundo com outros olhos, agradeço por terem
contribuído diretamente com minha formação crítica e humana.
Agradeço aos/às amigos/as dos grupos de pesquisa, especialmente a Maritza, Aluska,
Carol, Josenaide, Karina, Ivan, David, João e Giovanny. Muito obrigada pelas indicações
de leitura e sugestões de eventos, pelas conversas, dicas de metodologias, apoio e palavras de
ânimo.
Agradeço demais aos/às amigos/as que contribuíram com a validação dos instrumentos
da pesquisa, Ayane, Neima, Leidiane, Viviane, Marta, Maritza, Aluska, Carol, Maria
Aparecida, Giovanny, André, David e Gregory. Um agradecimento mais que especial a
Neima e Gregory, pelas inspirações e intervenções diretas para melhorar o trabalho, com
toda paciência, compromisso e carinho.
Aos/Às amigos/as do PPGEFHC
A Tatiana Andrade, agradeço desde a disponibilidade em me auxiliar no processo de
matrícula para o doutorado até o acompanhamento para ambientar-me no programa, agradeço
as dicas, a atenção a mim dispensada, a parceria nos trabalhos, o carinho e empatia que olha
por todos e a mim.
A Aluska e Rafa, uma aproximação que surgiu na procura por um paradigma e que só
cresceu, agradeço muito pela amizade de vocês, a criatividade e disposição de Aluska somado
à disciplina e perseverança de Rafa me inspiram a buscar as direções mais profundas do meu
ser. Muito bom poder dividir com vocês essa história!
A amiga Silná, mulher cativante e sábia, que dividiu comigo muitas discussões na
busca pela descolonização das nossas mentes; sua parceria e amizade representam uma das
melhores coisas desse doutorado.
A Maritza e Luiz, estrangeiros/as mais alto-astrais do grupo, agradeço pela energia
positiva, pela partilha em diversos momentos, seja de alegria ou angústia.
Aos/Às participantes da pesquisa
Aos/Às estudantes do curso de Biologia da Universidade Federal de Sergipe,
muito obrigada por aceitarem prontamente participar da pesquisa, permitindo a gravação das
aulas e se disponibilizando a me conceder uma entrevista, agradeço a confiança e o apoio que
tornaram possível este trabalho!!! Vocês marcaram minha história para sempre de forma
muito positiva, com vocês aprendi muito do que significa respeito às diferenças e aprendi a
estar disponível para contribuir com as pesquisas de outros/as.
Aos/Às amigos/as do intercâmbio
A Silvia, agradeço pelas aulas de espanhol e dedicação admirável.
A Iara, Marcos e Ana, agradeço pela amizade e vivências compartilhadas em
Barcelona.
A Lucia e a César, agradeço o apoio, o tempo dispensado a mim para as discussões e
as indicações de leitura, com vocês dividi a superação de muitos desafios!
A Viviane Resende, pelas experiências partilhadas acerca de todo o campo teórico
que compõe esta tese e ainda pela amizade e experiências partilhadas em Barcelona.
Às amigas Andreia, Suksa e Vanessa, agradeço a companhia nos momentos de
descontração, as discussões acaloradas e o exemplo de compromisso e dedicação.
A Verônica, por dividir experiências de vida, angústias com as benditas categorias,
descobertas, construções e desconstruções. Muito obrigada por cada conversa, cada partilha,
cada referência indicada e cada discussão. Você marcou minha estadia em Barcelona de
forma muito positiva e eu espero ter sido uma boa companhia também.
Aos/Às amigos/as da vida
A Hellen, amiga de infância, sei que você acha que nossas escolhas diferentes nos
afastaram, mas registro em todos os meus agradecimentos a alegria de ter você na minha vida.
Muito obrigada por sua amizade.
A Luzia, pelas dicas ao meu projeto, pela reaproximação amiga, você é um exemplo
de força e dedicação para mim.
A Edna, cuja força e determinação me inspiram, agradeço principalmente pelas dicas
com o comitê de ética.
A família
A Bruno, meu amor, companheiro e amigo, que até hoje não teve paciência de
entender meu projeto de pesquisa, mas que contribuiu diretamente ilustrando meus materiais
para a disciplina e uma belíssima apresentação para a defesa. Obrigada por sempre e sempre
me apoiar, acreditar em mim, incentivar meus objetivos, estar presente nos momentos de
angústia e ansiedade, e, obrigada por vibrar comigo quando as coisas dão certo, abusando do
famoso discurso: Eu disse que daria tudo certo, estou com você e te dou sorte!
A mainha, agradeço pelas orações, pela torcida e apoio, pela presença em todos os
momentos da caminhada e por vibrar nas minhas conquistas.
A painho, pelas vibrações positivas, sempre perguntando umas dez vezes por segundo
se está tudo certo. Agradeço por ter viajado até Itabaiana várias vezes para entregar e pegar
documentações para que Tatiana pudesse efetuar as etapas de minha matrícula.
A Fernanda, irmã querida, obrigada pelas aulas espetaculares de história, pelos
poucos, mas profundos momentos de descolonização, por me inspirar com sua posição crítica
frente as questões raciais; por me apoiar e incentivar sempre.
A Fabinho, muito obrigada meu irmão, por ter se virado nos trinta por mim e ter
conseguido o equipamento que eu precisava para as filmagens da disciplina, agradeço também
todos os elogios, sempre elevando minha estima ao patamar máximo, todo apoio e carinho.
Você costuma dizer que sou exemplo para você, e saiba que a recíproca é verdadeira. Você é
o cara!
A minha irmã Catiana, que tanto leu meus rascunhos, me ouviu, me inspirou nas
melhores ideias para a tese, as quais permitiu que eu me apropriasse como se fossem minhas.
Com sua genialidade camuflada em uma modéstia admirável, você me proporciona grandes
aprendizagens, além de leveza de espírito por ter alguém tão perto de mim que me entende tão
bem.
Aos sobrinhos e sobrinhas de tia, Júlia, Benício, Fernando, Eli e Lia (a caminho... e
já muito amada), agradeço pela alegria e carinho, sorrisos e abraços, deixo o nome de vocês
registrado aqui também como manifestação do meu amor.
Aos/as cunhados/as, especialmente a Beto, por desafiar meus argumentos e se fazer
presente nos momentos em que eu mais precisei; e, Adriana, pelas dicas com a filmagem da
disciplina e pela torcida para que tudo ocorresse bem.
A minha sogra e meu sogro, por se fazerem presentes também nos momentos mais
solitários da caminhada, no período do intercâmbio, e pela torcida de sempre.
Aos meus familiares, avós/ôs, tios/as, primos/as, compadres/comadres e afilhadas,
em presença física ou em coração, agradeço pelo apoio e carinho, por todas as orações e
compreensão nos momentos de ausência. Aqui agradeço especialmente a minha prima Carol,
que não sei como consegue se fazer presente na vida de todos/as, mesmo à distância. Vocês
são exemplo de união, amizade e coragem!
A CAPES, pelo período de auxílio financeiro no Brasil e no exterior, possibilitando a
execução deste trabalho de forma exclusiva.
Acima de tudo, agradeço ao criador e condutor da minha vida, e senhor de toda
sabedoria e conhecimento. Obrigada meu Deus pela saúde e disposição e por ter colocado
pessoas tão maravilhosas ao meu lado. Muito obrigada!
“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser
antirracista”
Ângela Davis
[...] é fundamental - e também nesse caso a minha posição antiessencialista
aí se mostra - que nós não caiamos na armadilha de aceitar que
reconhecimento vá ao ponto de estabelecer critérios de autenticidade, o que
faz com que as culturas passem a ser apenas culturas de testemunho. E que,
portanto, sobre as mulheres, sobre o movimento das mulheres e sobre a
discriminação contra as mulheres, só possam falar mulheres; pelos negros e
pela discriminação contra os negros, só possam falar negros. A ideia da
autenticidade de testemunho é, no meu entender, uma das formas que pode
levar a um desenvolvimento de um novo apartheid cultural realizado através
de um radicalismo excessivo, porque permitiria criar igualdade, mas com
separação. (SANTOS, 2001, p. 22)
RESUMO
Argumentamos neste trabalho que experiências pautadas no Pluralismo Epistemológico (PE)
e no Multiculturalismo Crítico (MC), durante a formação inicial de professores/as, poderão
contribuir para que eles/as desenvolvam propostas visando à desconstrução de preconceitos e
superação de desigualdades. Assim, o texto é composto por três estudos: o primeiro e o
segundo são modalidades bibliográficas, correspondendo a um ensaio teórico e a uma revisão
sistemática da literatura, respectivamente, e o terceiro representa um estudo empírico. O
estudo um tem como objetivo problematizar a possibilidade de uma nova posição
epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às
convergências e divergências entre o universalismo, o PE e o MC, a fim de compreender
como essas perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as professores/as para
subsidiar diferentes práticas pedagógicas. O estudo dois objetiva analisar formas de abordar o
conteúdo de Genética para suscitar uma prática condizente com o PE e o MC, por meio de
uma revisão das experiências didáticas relatadas na literatura especializada. O estudo três
apresenta como objetivo geral compreender como professores/as de Biologia em formação
inicial integram os discursos do PE e do MC no seu repertório profissional, no contexto de
uma disciplina de ensino de Genética. Este último caracteriza-se como uma pesquisa
explanatória de natureza quali-quantitativa, desenvolvida na perspectiva do interacionismo
simbólico, com a inserção de elementos da teoria crítica. O estudo empírico foi realizado com
licenciandos/as em Biologia, da Universidade Federal de Sergipe, na forma de uma disciplina
optativa de 60 horas, ministrada pela pesquisadora, a qual foi organizada na perspectiva do
PE, ao abordar as diferentes formas de conhecimentos, bem como na perspectiva do MC, ao
discutir as relações de poder construídas em torno da diversidade de grupos socioculturais.
Como procedimentos para produção de dados foram utilizados documentos produzidos
pelos/as licenciandos/as, observações e entrevista individual, os dois últimos com registro em
áudio e/ou vídeo. A análise dos dados foi conduzida tendo por referência à teoria
sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk. Concluímos que o conhecimento, que não
foi apreendido pela experiência, é construído por meio do discurso. Assim, uma formação
comprometida com a diversidade cultural e com a desconstrução de preconceitos e a
superação de desigualdades é fundamental para que os/as professores/as pensem em práticas
dessa natureza na prática docente.
Palavras-chave: Pluralismo Epistemológico. Multiculturalismo Crítico. Formação.
Professores/as. Biologia.
ABSTRACT
We argue in this paper that experiences based on Epistemological Pluralism (EP) and Critical
Multiculturalism (CM), during the initial formation of teachers, may contribute to them
developing proposals aiming at the deconstruction of prejudice and overcoming inequalities.
Thus, the project consists of three studies: The first and the second are bibliographic
modalities, corresponding to a theoretical essay and a systematic literature review,
respectively, and the third represents an empirical study. Study one aims to problematize the
possibility of a new epistemological position on demarcation of knowledge, from the
discussions on the convergences and divergences between universalism, the EP and the CM,
in order to understand how these theoretical perspectives could be teachers to subsidize
different pedagogical practices. Study two aims to analyze ways of approaching the content of
genetics to raise a practice consistent with the EP and CM, through a review of didactic
experiences reported in the specialized literature. Study three presents as a general objective
to understand how biology teachers in initial formation integrate the discourses of EP and CM
in their professional repertoire, in the context of a discipline of teaching genetics. The latter is
characterized as an explanatory research of quali-quantitative nature, developed from the
perspective of symbolic interactionism, with the insertion of elements of critical theory. The
empirical study was conducted with undergraduate students in Biology, from the Federal
University of Sergipe, in the form of an optional 60-hour course, taught by the researcher,
which was organized from the perspective of the EP, by addressing the different forms of
knowledge; as well as from the perspective of the CM, when discussing the power relations
built around the diversity of socio-cultural groups. As procedures for data production were
used documents produced by the undergraduates, observations and individual interview, the
last two with audio and/or video recordings. Data analysis was conducted with reference to
the sociocognitive theory of discourse proposed by Van Dijk. We conclude that knowledge,
which was not apprehended by experience, is constructed through discourse. Thus, a
formation committed to cultural diversity and with the deconstruction of prejudice and
overcoming inequalities is fundamental for teachers to think about such practices in teaching
practice.
Key words: Epistemological pluralism. Critical multiculturalism. Formation. Teachers
Biology.
RESUMEN
Argumentamos en este artículo que las experiencias basadas en el pluralismo epistemológico
(PE) y el multiculturalismo crítico (MC), durante la formación inicial de los docentes, pueden
contribuir a que desarrollen propuestas destinadas a la deconstrucción de prejuicios y la
superación de las desigualdades. Así, el proyecto consta de tres estudios: el primero y el
segundo son modalidades bibliográficas, correspondientes a un ensayo teórico y una revisión
sistemática de la literatura, respectivamente, y el tercero representa un estudio empírico. El
primer estudio tiene como objetivo problematizar la posibilidad de una nueva posición
epistemológica sobre la demarcación del conocimiento, a partir de las discusiones sobre las
convergencias y divergencias entre el universalismo, el PE y el MC, para comprender cómo
estas perspectivas podrían subsidiar diferentes prácticas pedagógicas. El estudio dos tiene
como objetivo analizar formas de abordar el contenido de la genética para plantear una
práctica consistente con el PE y MC, a través de una revisión de las experiencias didácticas
reportadas en la literatura especializada. El estudio tres presenta como un objetivo general
comprender cómo los profesores de biología en formación inicial integran los discursos de PE
y MC en su repertorio profesional, en el contexto de una disciplina de enseñanza de la
genética. Este último se caracteriza por ser una investigación explicativa de naturaleza cuali-
cuantitativa, desarrollada desde la perspectiva del interaccionismo simbólico, con la inserción
de elementos de la teoría crítica. El estudio empírico se realizó con estudiantes universitarios
de biología, de la Universidad Federal de Sergipe, en forma de un curso opcional de 60 horas,
impartido por la investigadora, que se organizó desde la perspectiva del PE, abordando las
diferentes formas de conocimiento; así como desde la perspectiva del MC, cuando se discuten
las relaciones de poder construidas alrededor de la diversidad de los grupos socioculturales.
Como procedimientos para la producción de datos se utilizaron documentos producidos por
los estudiantes universitarios, observaciones y entrevistas individuales, los dos últimos con
grabaciones de audio y/o video. El análisis de datos se realizó con referencia a la teoría
sociocognitiva del discurso propuesta por Van Dijk. Concluimos que el conocimiento, que no
fue aprehendido por la experiencia, se construye a través del discurso. Por lo tanto, una
formación comprometida con la diversidad cultural y con la deconstrucción de prejuicios y
superación de desigualdades es fundamental para que los maestros piensen sobre tales
prácticas en la práctica docente.
Palabras-clave: Pluralismo epistemológico. Multiculturalismo crítico. Formación Maestros
Biología.
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1
Figura 1. Esquema apresentando as inter-relações entre as três posições epistemológicas da
ciência.................................................................................................................. 43
Figura 2. Esquema apresentando a classificação estabelecida por Southerland (2000)
articulada a nossa proposta, referente ao multiculturalismo
interativo.............................................................................................................. 51
Figura 3. Esquema apresentando as inter-relações entre o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico..................................................................................... 69
CAPÍTULO 5
Figura 1. Estratégias didáticas apresentadas nos planejamentos das oficinas.................. 200
CAPÍTULO 6
Figura 1. Estratégias para problematizar o poder simbólico do termo “ciência” e a
influência eurocêntrica no contexto do ensino de Biologia.............................. 248
Figura 2. Estratégias de como discutir a história de Rosalind Franklin, no contexto do
ensino de Biologia, mobilizadas pelos/as participantes.................................... 253
Figura 3. Respostas dos/as participantes quanto à possibilidade de abordar conhecimentos
de grupos culturais minoritários na sala de aula................................................ 261
Figura 4. Objetivos dos/as participantes em discutir os conhecimentos e culturas dos/as
estudantes.......................................................................................................... 264
Figura 5. Razões pelas quais os/as professores/as de Biologia em formação inicial
discutiriam sobre racismo e alterização no contexto do ensino de Biologia..... 266
Figura 6. Respostas dos/as participantes sobre como perspectivam discutir questões de
racismo e alterização no ensino de Biologia..................................................... 268
Figura 7. Contra-argumentos apresentados pelos/as participantes para defender a
abordagem de questões culturais no ensino de Biologia................................... 272
LISTA DE QUADROS
CAPÍTULO 2
Quadro 1. Apresentação das categorias de análise e as respectivas unidades de registro
semânticas/temáticas......................................................................................... 79
Quadro 2. Publicações selecionadas em nove edições do ENPEC, com descrição do
código do trabalho, seguida da edição do evento, título e autoria.................... 80
Quadro 3. Resumo dos artigos que apresentaram discussões no sentido do PE e do MC, de
acordo com as categorias.................................................................................. 94
Quadro 4. Relação do tema, estratégias didáticas e nível de ensino de cada artigo
analisado............................................................................................................ 95
CAPÍTULO 4
Quadro 1. Formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas
nas perspectivas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo
crítico.............................................................................................................. 140
Quadro 2. Marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada
tema................................................................................................................. 143
Quadro 3. Amostra final dos episódios comunicativos organizados por bloco de
análise.............................................................................................................. 144
Quadro 4. Mapa metodológico para identificar e caracterizar os posicionamentos de
professores/as de Biologia em formação inicial quanto a temas mobilizados
pelo diálogo entre o pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.. 149
Quadro 5. Identificação dos episódios utilizados na análise referente a dimensão
epistemológica................................................................................................ 151
Quadro 6. Identificação dos episódios utilizados na análise referente ao diálogo
intercultural..................................................................................................... 161
Quadro 7. Identificação dos episódios analisados sobre as implicações e intenções
políticas........................................................................................................... 169
CAPÍTULO 5
Quadro 1. Temas e conteúdos abordados nas propostas de oficina................................. 199
Quadro 2. Características abordadas por proposta de ensino e frequência das
características apresentadas............................................................................. 201
Quadro 3. Percepção geral das características abordadas por análise crítica da prática
pedagógica referente ao desenvolvimento da oficina e frequência das
características apresentadas............................................................................. 202
Quadro 4. Comparação das características abordadas referente à dimensão epistemológica
nas propostas e análises das práticas de cada grupo....................................... 203
Quadro 5. Comparação das características abordadas referente ao diálogo intercultural nas
propostas e análises das práticas de cada grupo.............................................. 207
Quadro 6. Comparação das características abordadas referente às implicações e intenções
políticas nas propostas e análises das práticas de cada grupo......................... 212
CAPÍTULO 6
Quadro 1. Roteiro para o procedimento de validação da entrevista................................ 229
Quadro 2. Organização dos blocos de análise do discurso de professores/as de Biologia
em formação inicial e respectivas questões mobilizadoras............................. 233
Quadro 3. Organização dos dados para a análise qualitativa das entrevistas, considerando
as entrevistas que apresentaram distintos tipos de macroproposições por
enunciado de cada questão.............................................................................. 234
Quadro 4. Mapa metodológico para analisar como professores/as de Biologia em
formação inicial perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas
futuras práticas docentes................................................................................. 239
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 22
CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 32
UNIVERSALISMO, PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E
MULTICULTURALISMO CRÍTICO: PROBLEMATIZANDO A POSSIBILIDADE
DE UMA NOVA POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA ............................................................ 32
1.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 32
1.2 CARACTERIZAÇÃO DAS TRÊS PRINCIPAIS POSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS:
UNIVERSALISMO, MULTICULTURALISMO E PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO
.............................................................................................................................................. 34
1.2.1 Contribuições do pluralismo epistemológico para o ensino de Ciências ................. 43
1.3 AS VARIAÇÕES DO MULTICULTURALISMO PRESENTES NA LITERATURA
NACIONAL E INTERNACIONAL .................................................................................... 46
1.3.1 Contribuições do multiculturalismo crítico para o ensino de Ciências .................... 59
1.4 DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO: CONSTRUINDO UMA NOVA POSIÇÃO
EPISTEMOLÓGICA ............................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 69
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 74
O CONTEÚDO DE GENÉTICA E AS EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS RELATADAS
NA LITERATURA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DOS TRABALHOS DO ENPEC
.................................................................................................................................................. 74
2.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 74
2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 77
2.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 80
2.3.1 Abordagem quanto à dimensão epistemológica ....................................................... 81
2.3.2 Abordagem quanto ao diálogo intercultural ............................................................. 86
2.3.3 Abordagem quanto às implicações e intenções políticas ......................................... 91
2.3.4 Abordagem das estratégias de ensino....................................................................... 95
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 101
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................ 106
ESTUDOS DO DISCURSO CRÍTICOS: FUNDAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES/AS SENSÍVEL A DIVERSIDADE CULTURAL ................................ 106
3.1 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA
DO DISCURSO POR VAN DIJK ...................................................................................... 106
3.2 A PERSPECTIVA CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS PARA
AMPLIAR O REPERTÓRIO PROFISSIONAL A PARTIR DA ADC ............................ 122
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 131
CAPÍTULO 4 ........................................................................................................................ 135
QUESTÕES CULTURAIS NO ENSINO DE GENÉTICA: POSICIONAMENTOS DE
PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL ............................... 135
4.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 135
4.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 138
4.2.1 A natureza da pesquisa ........................................................................................... 138
4.2.2 Organização da pesquisa e definição dos sujeitos .................................................. 139
4.2.3 Procedimentos para a produção e análise dos dados .............................................. 141
4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 150
4.3.1 A dimensão epistemológica em debate .................................................................. 151
4.3.2 O diálogo intercultural em debate .......................................................................... 161
4.3.3 As implicações e intenções políticas em debate..................................................... 169
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 187
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 189
CAPÍTULO 5 ........................................................................................................................ 193
DA TEORIA À PRÁTICA: ARTICULAÇÃO DO PLURALISMO
EPISTEMOLÓGICO E MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM ATIVIDADES
PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL
................................................................................................................................................ 193
5.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 193
5.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 196
5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 198
5.3.1 A dimensão epistemológica nas propostas e análises das práticas das oficinas..... 203
5.3.2 O diálogo intercultural nas propostas e análises das práticas das oficinas ............. 207
5.3.3 As implicações e intenções políticas nas propostas e análises das práticas das
oficinas ............................................................................................................................ 211
5.3.4 Os relatos das experiências didáticas dos/as professores/as em formação inicial .. 216
5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 222
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 224
CAPÍTULO 6 ........................................................................................................................ 226
EXPECTATIVAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO
INICIAL QUANTO À INTEGRAÇÃO DO PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E
DO MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM SUAS FUTURAS PRÁTICAS
DOCENTES .......................................................................................................................... 226
6.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 226
6.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 227
6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 241
6.3.1 A experiência na disciplina .................................................................................... 241
6.3.2 A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes ............................. 247
6.3.3 O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes ..................................... 258
6.3.4 A abordagem das implicações e intenções políticas em suas futuras práticas
docentes ........................................................................................................................... 266
6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 274
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 277
CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS .............................................................................. 280
REFERÊNCIAS COMPLETAS ......................................................................................... 287
APÊNDICE A. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 301
APÊNDICE B. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES DO PLANO DE CURSO DA
DISCIPLINA ......................................................................................................................... 303
APÊNDICE C. PLANO DE CURSO .................................................................................. 304
APÊNDICE D. QUESTIONÁRIO FINAL DA DISCIPLINA ......................................... 324
APÊNDICE E. MODELO PARA PLANEJAR A OFICINA ........................................... 327
APÊNDICE F. CARTA DE APRESENTAÇÃO ............................................................... 328
APÊNDICE G. ORIENTAÇÕES PARA A ANÁLISE CRÍTICA DA OFICINA ......... 329
APÊNDICE H. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES REFERENTE AO
ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL SEMIESTRUTURADA ........................ 330
APÊNDICE I. ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL ......................................... 332
APÊNDICE J. TRANSCRIÇÃO DOS EPISÓDIOS COMUNICATIVOS .................... 333
APÊNDICE K. TRANSCRIÇÃO DAS RESPOSTAS DE ENTREVISTAS QUE
APRESENTARAM DISTINTOS TIPOS DE MACROPROPOSIÇÕES ....................... 345
22
APRESENTAÇÃO
_________________________________________________________________________________
Nesta parte do trabalho, trago as circunstâncias que me aproximaram das pesquisas na
área de ensino de Ciências, bem como que geraram o contato com o pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico. Estabeleço a relação da pesquisa com as minhas
inquietações e reflexões a respeito da minha formação e atuação docente, mostrando como o
contato com a literatura e as oportunidades de discussões em disciplinas neste programa de
pós-graduação desencadearam as questões dessa investigação. Em seguida, dialogando com a
literatura e a teoria, apresento o projeto de pesquisa e detalho a organização da tese,
apresentando a sua estrutura e objetivos.
O contato com a pesquisa em ensino de Ciências e com as questões dessa investigação
Ao ingressar na Universidade Federal de Sergipe (UFS), no ano de 2007, para cursar
Biologia Licenciatura, fiquei encantada com as aulas práticas experimentais e de campo, das
quais, até então, nunca tinha tido a oportunidade de participar. Com isso, me aproximei das
pesquisas na área de Botânica, ingressando no Laboratório de Ecologia Vegetal (LEV), onde
permaneci durante todo o período de graduação, participando de projetos de extensão e de
pesquisa. Inicialmente, tinha planos de continuar com as pesquisas na área de Botânica em
algum programa de pós-graduação. A expectativa era estudar a família Solanacea e tornar-me
especialista da espécie Solanum seaforthianum. Todavia, a experiência como professora de
uma escola particular no interior de Sergipe, a partir de 2008, e a oportunidade de participar
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a partir do ano de 2009
até 2011, mudaram meus planos de caloura. Tendo em vista a relevância do PIBID para o
meu processo de construção identitária, ressalto a preocupação com a nossa conjuntura atual
de cortes orçamentários na educação, que traz fortes ameaças às políticas públicas, tal como o
PIBID.
Embora continuasse com as pesquisas na área de Botânica, no LEV, passei a fazer
planos de ingressar numa pós-graduação na área de Ensino e, assim, em 2012, ingressei para o
Núcleo de Pós-Graduação em ensino de Ciências Naturais e Matemática (NPGECIMA)/UFS.
Minha pesquisa no mestrado teve a preocupação de como abordar o conteúdo de Ecologia na
educação básica de forma a contribuir tanto para a construção de conceitos dessa área da
Biologia, quanto para a formação de uma cidadania responsável. Para tanto, eu desenvolvi
uma sequência didática que foi aprimorada a partir da validação tanto por professores/as do
23
ensino superior, especialistas nas áreas de Ensino e de Ecologia, quanto por professores/as de
Biologia das escolas públicas estaduais de três municípios de Sergipe: Lagarto, Salgado e
Boquim. No curso da pesquisa do mestrado, tive acesso a muitas leituras, das quais grande
parte era de autoria de professores/as da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o que
suscitou em mim o interesse em cursar o doutorado nesse programa. Após duas tentativas
fracassadas, em anos consecutivos, sendo aprovada em todas as etapas, mas não classificada,
finalmente consegui a aprovação no doutorado e ingressei no programa em 2016, com a
intenção de continuar pesquisando sobre métodos e técnicas de ensino para a educação básica,
a fim de contribuir para a formação científica e cidadã dos/as estudantes. Todavia, ainda em
2016, tive a oportunidade de atuar como professora substituta do Departamento de Biologia
da UFS, ministrando, entre outras disciplinas, Didática para o ensino de Ciências e Biologia I,
a qual me fez repensar meu projeto de pesquisa para o doutorado.
Os/as professores/as em formação inicial, no contexto da disciplina de Didática,
primeira disciplina pedagógica do curso de licenciatura em Biologia, questionavam-me a
formação que estavam recebendo, a qual de um lado tinham as disciplinas das áreas aplicadas,
preocupadas em transmitir conceitos e, de outro, as disciplinas pedagógicas, tal como a que eu
estava ministrando, na qual discutíamos os métodos e técnicas de ensino. Essas discussões me
levaram a refletir sobre possibilidades de discutir com os/as licenciandos/as os conhecimentos
pedagógicos ao passo que eles/as vivenciam a experiência de aprender conceitos da Biologia.
Tal experiência motivou em mim a elaboração de um novo projeto para o doutorado,
no qual buscasse compreender a relevância desse tipo de experiência para a formação inicial
de professores/as. Com as discussões nas disciplinas do programa e, também, nos grupos de
estudos, tive contato com duas perspectivas teóricas que me chamaram a atenção: o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico. Tais perspectivas, embora possam
apresentar pontos divergentes sobre o estatuto epistemológico da ciência em relação a outras
formas de conhecimento, convergem para o comprometimento com o respeito a diversidade
cultural. A ideia foi promover essa abordagem na formação inicial de professores/as, não
apenas a partir de discussões acerca das perspectivas teóricas, mas, também, com experiência
da aplicação dessa teoria no contexto do ensino de Genética básica (área da Biologia com
grande potencial para suscitar questões sobre a diversidade cultural), de modo a proporcionar
aos/às licenciandos/as a experiência de uma ação tal como as que lhes serão solicitadas no
exercício da profissão deles/as.
24
Assim, com o aprofundamento de leituras referentes ao pluralismo epistemológico e
multiculturalismo crítico, propomos a articulação entre tais perspectivas teóricas, pensando
sua abordagem prática, no contexto do ensino de Genética, para licenciandos/as de Biologia.
Com a oportunidade que tive neste programa de doutorado, de viver os debates políticos e
culturais nas disciplinas de “Pluralismo cultural e aprendizagem escolar de Ciências”,
ministrada pela professora Rosiléia Almeida e “Descolonização de saberes e contribuição da
ciência africana e afrodiaspórica”, ministrada pela professora Bárbara Carine, selecionamos
os temas de eurocentrismo e questões étnico-raciais, delimitando, assim, o presente projeto de
pesquisa.
No cerne dessas discussões, eu falo na posição de uma mulher branca brasileira, uma
professora que aprendeu a reconhecer seus privilégios raciais e, desde então, objetiva
contribuir para uma sociedade mais equânime, livre de preconceitos e discriminações.
Ressalto que as oportunidades que eu tive ao longo da minha formação acadêmica,
principalmente neste programa de doutorado, representaram para mim, além de um ambiente
de produção de pesquisa, também um relevante espaço de reflexão política e de formação de
consciência crítica. Destaco ainda que mesmo com o apoio a uma discussão crítica frente ao
racismo e ao eurocentrismo foram muitas as dificuldades na construção dessa abordagem, que
somente puderam ser superadas com a orientação muito presente da professora Rosiléia
Almeida, que me possibilitou enxergar a relação entre a Genética e as questões culturais.
Em conclusão a esta abordagem introdutória, de justificativa pessoal, a partir deste
momento anuncio o abandono da utilização da escrita na primeira pessoa do singular e passo a
escrever na primeira pessoa do plural, a fim de respeitar a coautoria com minha orientadora,
professora Rosiléia Almeida, que adiante compõe parte essencial do texto produzido.
O projeto de pesquisa
A formação inicial deve proporcionar aos/às futuros/as professores/as as competências
que serão necessárias na sua prática pedagógica futura, tal como preconiza o modelo de
formação docente conduzido pela simetria invertida (OLIVEIRA; BUENO, 2013). Esta é
entendida como a coerência que deve haver entre as ações desenvolvidas durante a formação
de um/a professor/a e o que dele/a se espera como profissional (BRASIL, 2002). Nessa
perspectiva, entendemos que o/a formador/a de professores/a deve ser visto como modelo
pelos/as licenciandos/as, no sentido de fonte de inspiração para construir a própria autonomia
e criatividade (CARVALHO, 2012). Segundo a autora, considerando a importância do/a
25
formador/a como modelo, cabe enfatizar que a coerência entre o seu discurso e a sua atitude é
essencial no processo de aprendizagem da docência.
Conhecendo o papel social do/a professor/a, que extrapola a transmissão de conteúdos
conceituais e abarca discussões de cunho social, político, econômico e ambiental,
consideramos importante gerar na educação debates pautados na diversidade cultural, a fim de
reconhecer e problematizar culturas de minorias, promovendo debates sobre a lógica
eurocêntrica de ensino e as diferenças étnico-raciais, por exemplo. Consideramos que o
conteúdo de Genética tem grande potencial para suscitar tais questões no ensino de Biologia,
como por exemplo, no contexto do ensino de interação e ligação gênica, herança poligênica
da cor da pele, conceito de raça e espécie, aplicações da genética molecular, a crise do
conceito de gene, melhoramento genético, eugenia e reprodução assistida, podemos suscitar
discussões referentes à natureza da ciência, eurocentrismo, racismo científico, alterização,
mito da democracia racial e políticas afirmativas.
Assim, para dar conta de uma abordagem crítica que considere essa diversidade
cultural ao passo que se ensina Genética, optamos por nos debruçar em duas perspectivas
teóricas, trata-se do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. A primeira,
considerando a dimensão epistemológica do conhecimento, apresenta a importância da
demarcação entre os saberes durante o processo de ensino e aprendizagem, evitando
hierarquizações entre as diferentes formas de conhecer e deixando claro o domínio
epistemológico de cada conhecimento (COBERN; LOVING, 2000). A segunda, ao passo que
concebe as culturas como um contínuo processo de construção e reconstrução, compreende as
representações de raça, classe e gênero como o resultado de processos de opressão e disputas
de poder, que precisam ser problematizadas em sala de aula (MCLAREN, 1997). Embora o
multiculturalismo crítico envolva a problematização mais ampla da lógica eurocêntrica,
masculina, cristã, branca e heterossexual, nos aprofundaremos nas questões étnico-raciais, a
fim de construir maior base teórica para suscitar estas discussões na prática docente.
Não obstante essas perspectivas teóricas apresentem diferentes focos de estudo,
argumentamos que elas podem ser articuladas, no sentido de que ambas são comprometidas
com o respeito e promoção à diversidade cultural e podem contribuir para subsidiar práticas
do professor em diferentes situações de sala de aula. Todavia, estamos certas de que uma
educação pautada no pluralismo epistemológico e no multiculturalismo crítico só se firmará
26
reinventando o papel e o processo de formação de educadores. Canen1 e Xavier (2011)
indicam a necessidade de se desenvolver estratégias multiculturais durante a formação
docente; da mesma forma, Baptista (2014) adverte que, para o pluralismo epistemológico
estar presente no âmbito escolar, é preciso que, durante a formação, os/as professores/as
tenham a oportunidade de investigar e compreender os diferentes saberes culturais, incluindo
aí os conhecimentos científicos. Sobre isso, El-Hani e Bandeira (2008) discutem que, para
os/as professores/as se envolverem em práticas dessa natureza, precisam de um conjunto de
conhecimentos que não recebem atualmente em programas de formação. Nesse sentido, temos
uma lacuna na formação de professores/as, não se dando a devida atenção às práticas que
reconheçam e problematizem os mecanismos de poder envolvidos nas diferenças culturais.
De acordo com Gatti e Barreto (2009), os/as professores/as encontram dificuldades em
desenvolver propostas pedagógicas diferentes daquelas às quais foram submetidos em seu
processo educativo e de formação. Em geral, esses/as profissionais reproduzem na sua prática
o modelo como aprenderam e foram formados/as. Dessa forma, experiências pautadas no
pluralismo epistemológico e no multiculturalismo crítico, durante a formação inicial de
professores/as, poderão contribuir para que o/a professor/a desenvolva propostas visando à
desconstrução de preconceitos e superação de desigualdades étnico-raciais, ao passo que
amplia o repertório desses/as profissionais. Entendemos como repertório profissional o corpo
de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários ao/a
professor/a (SHULMAN, 1986). Um repertório rico ofereceria ao/a professor/a flexibilidade e
agilidade na reação ou resposta a diferentes situações no âmbito escolar.
Todavia, não queremos aqui ser pretensiosas, estabelecendo uma relação determinista,
defendendo que a formação multicultural leva a práticas pedagógicas multiculturais, por
exemplo, pois entendemos que o contexto escolar é muito importante para a prática docente;
apenas apreendemos que com uma formação nessa perspectiva é mais provável que práticas
dessa natureza venham a ser desenvolvidas no âmbito da escola.
Como base teórico-metodológica para suscitar essas discussões, buscaremos em Teun
Van Dijk2 a Análise do Discurso Crítica (ADC). Esta se caracteriza por integrar várias
1 Em obras mais recentes, a autora se identifica por Ivenicki.
2 Teun Van Dijk é um acadêmico nas áreas de linguística do texto, análise do discurso e análise do discurso
crítica (ADC). Desde a década de 1980, seu trabalho na ADC tem se concentrado especialmente no estudo da
reprodução discursiva do racismo pelo que ele chama de “elites simbólicas” (políticos, jornalistas, acadêmicos,
escritores) e nas teorias de ideologia, contexto e conhecimento.
27
disciplinas, principalmente linguística, sociologia e ciência política, analisando
preferencialmente problemas sociais e questões políticas e abandonando a ideia de uma
ciência “neutra” (VAN DIJK, 2001). Para o teórico, há aspectos sociocognitivos que podem
ser observados via discurso no cerne das interações sociais, permitindo perceber modelos
mentais pessoais e representações mentais socialmente compartilhadas (VAN DIJK, 1993).
Seguiremos essa forma de pensar o sujeito e o sentido nas discussões sobre formação de
professores/as.
A partir desse projeto de tese, buscamos compreender as possibilidades de diálogo
entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de
professores/as de Biologia. O projeto é composto por três estudos: Os dois primeiros são
modalidades bibliográficas, trata-se de um ensaio teórico e uma revisão sistemática da
literatura, respectivamente, e o terceiro representa um estudo empírico.
O estudo um tem como objetivo: Problematizar a possibilidade de uma nova posição
epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às
convergências e divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam
ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas.
O estudo dois, objetiva: Analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para
suscitar uma prática condizente com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo
crítico, por meio de uma revisão das experiências didáticas relatadas no Encontro Nacional de
Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).
O estudo três apresenta o seguinte objetivo geral: Compreender como professores/as
de Biologia em formação inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do
multiculturalismo crítico no repertório profissional deles/as, no contexto de uma disciplina de
ensino de Genética desenvolvida nessa perspectiva.
Para alcançar esse objetivo geral do estudo três, necessitamos seguir alguns passos,
que correspondem aos objetivos específicos, por meio dos quais foi discutida a dimensão
social da experiência, bem como o processo de individualização, a partir do social:
1) Identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de Biologia em
formação inicial frente a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de ensino de
Genética que promoveu problematizações de questões culturais;
28
2) Identificar e caracterizar de que forma professores/as de Biologia em formação
inicial mobilizam o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na elaboração e
na análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas;
3) Analisar como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam
integrar o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico em suas futuras práticas
docentes, a partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu
problematizações de questões culturais.
A tese apresenta o formato Multipaper, a fim de facilitar a disseminação do
conhecimento produzido no presente trabalho. Este formato refere-se à apresentação de uma
dissertação ou tese como uma coletânea de artigos publicáveis, acompanhados, ou não, de um
capítulo de apresentação e de considerações gerais. De acordo com Barbosa (2015), a
dissertação ou tese Multipaper é mais propícia à socialização dos resultados, tendo em vista
que pela publicação de seus artigos, espera-se que sejam ampliadas a visibilidade e a
disponibilidade para outros/as pesquisadores/as. Embora reconheçamos algumas limitações na
escrita por esse formato, como a dificuldade de relacionar todos os artigos sob a égide de um
problema geral e a tendência da leitura ficar repetitiva em alguns pontos, optamos pela
coletânea de artigos pela vantagem na divulgação dos resultados da pesquisa. Além de uma
apresentação e das considerações finais gerais, a presente tese está estruturada em seis
capítulos, distribuídos da seguinte forma:
Capítulo 1. Refere-se ao primeiro estudo, compreendendo um ensaio teórico intitulado
“Universalismo, pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico: problematizando a
possibilidade de uma nova posição epistemológica”.
Capítulo 2. Corresponde ao segundo estudo, trata-se de uma revisão sistemática e tem
como título “O conteúdo de Genética e as experiências didáticas relatadas na literatura: uma
revisão sistemática dos trabalhos do ENPEC”.
Capítulo 3. Apresenta a teoria Sociocognitiva do discurso adotada na pesquisa e
articula com o estudo para a formação de professores/as. Trata-se de um capítulo de
referencial teórico e metodológico, o único que não atende a estrutura de um artigo, mas tem a
função de explicitar a teoria Sociocognitiva, apresentando possibilidades de seu uso na área
de ensino de Ciências e dando suporte às análises dos capítulos seguintes. Tem como título
“Estudos do discurso críticos: fundamentos para a formação de professores/as sensível a
diversidade cultural”.
29
Capítulo 4. Refere-se ao terceiro estudo, respondendo ao primeiro objetivo específico
da pesquisa empírica, é intitulado “Questões culturais no ensino de Genética:
Posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial”.
Capítulo 5. Responde ao segundo objetivo específico da pesquisa empírica, referente
ao terceiro estudo, e tem como título “Da teoria à prática: articulação do pluralismo
epistemológico e multiculturalismo crítico em atividades pedagógicas de professores/as de
biologia em formação inicial”.
Capítulo 6. Responde ao terceiro e último objetivo específico da pesquisa empírica,
ainda referente ao terceiro estudo, e tem como título “Expectativas de professores/as de
Biologia em formação inicial quanto à integração do pluralismo epistemológico e do
multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes”.
Tal como demanda a pesquisa no formato Multipaper, todos os artigos estão
conectados por um elemento comum, ou seja, correspondem a aspectos diferentes de um
mesmo problema, que busca compreender as possibilidades de diálogo entre o pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de professores/as de
Biologia.
Destacamos, como cuidados éticos, o termo de consentimento livre e esclarecido, que
foi assinado pelos/as licenciandos/as (APÊNDICE A). Tal termo assegura aos/às participantes
manter resguardadas as suas identidades, assim como o uso dos dados produzidos apenas para
fins de pesquisa.
Por fim, consideramos a proposta de pesquisa viável, uma vez que leva em
consideração a participação de licenciandos/as no contexto de uma disciplina da graduação, a
qual tem sua relevância, sobretudo, por oportunizar o debate acerca do racismo e
eurocentrismo na perspectiva do pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico,
discussões que não são comuns no curso de Biologia da Universidade Federal de Sergipe, mas
que tem grande relevância para a prática educativa dos/as futuros/as professores/as. Os
estudos que precedem a pesquisa empírica refletem caminhos para a concretização desta
última com sucesso, desta forma, podemos perceber a inter-relação no trabalho. A coerência
interna pode ser percebida na articulação entre os pressupostos teóricos utilizados na pesquisa
com a análise dos dados à luz destes, seguindo uma direção articulada com as ideias de Van
Dijk sobre a análise sociocognitiva do discurso.
30
Em suma, a fim de que a informação produzida a partir desta pesquisa qualitativa
possa ser útil e credível em ambientes aplicados e multidisciplinares, atentamos por
desenvolver meios para avaliar e garantir a qualidade das informações, considerando as
características psicométricas de confiabilidade e validade, as quais são detalhadas em cada
capítulo. Consideramos importante ressaltar que, embora na discussão comprometida com o
respeito à diversidade cultural e epistêmica apresentemos críticas a uma ciência eurocentrada,
reconhecemos que nossa pesquisa não se distancia de parâmetros de legitimidade
estabelecidos dentro dessa perspectiva colonial.
Tal reconhecimento só foi possível no final do processo do doutorado, quando abrimos
o horizonte para novas possibilidades teóricas e metodológicas apresentadas na abordagem
decolonial. Essa percepção, mesmo tardia, não diminui a relevância do nosso trabalho, até
porque a dinâmica da pesquisa nos moldes da ciência ocidental moderna tem sua importância
e validade, sobretudo, se estivermos atentos/as ao fato de que o reconhecimento das disputas
de poder nas diferentes culturas e epistemologias engrandece as possibilidades de produção de
conhecimento.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Jonei Cerqueira. Formatos insubordinados de dissertações e teses na Educação
Matemática. In: Beatriz Silva D’Ambrósio; Celi Espasandin Lopes. (Org.). Vertentes da
subversão na produção científica em Educação Matemática. 1ed. Campinas: Mercado de
Letras, 2015, v. 1, p. 347-367.
BAPTISTA, Geilsa Costa Santos. Do cientificismo ao diálogo intercultural na formação do
professor e ensino de ciências. Interações, n. 31, p. 28-53, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/CP. Resolução nº 01, de
18 de fevereiro de 2002. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2017.
CANEN, Ana; XAVIER, Giseli Pereli de Moura. Formação continuada de professores para a
diversidade cultural: Ênfases, silêncios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, v.
16, n. 48, p. 641-813, 2011.
CARVALHO, Ana Maria Pessoa de. O formador de professores de ciências como aprendiz.
In: ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, 16., 2012, Campinas.
Anais. São Paulo: UNICAMP. p. 1-11.
COBERN, Willian W.; LOVING, Cathleen C. Defining “science” in a multicultural world:
Implications for science education. Science Education, v. 85, p. 50-67, 2000.
EL-HANI, Charbel Niño; BANDEIRA, Fábio Pedro Souza de Ferreira. Valuing indigenous
knowledge: to call it ‘‘science’’ will not help. Cult Stud of Sci Educ, v. 3, p. 751-779, 2008.
31
GATTI, Bernardete Angelina; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil:
impasses e desafios. Brasília: Editora da UNESCO, 2009.
McLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez: 1997.
OLIVEIRA, Adolfo Samuel de.; BUENO, Belmira Oliveira. Formação às avessas:
problematizando a simetria invertida na educação continuada de professores. Educ. Pesquisa,
Ahead of print, p. 1-16, 2013.
SHULMAN, Lee S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching. Educational
Researcher, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Dilemas do nosso tempo: Globalização, multiculturalismo e
conhecimento. Educação & Realidade, v. 26, n. 1, p. 13-32, 2001.
VAN DIJK, Teun. A. Elite discourse and racism. Newbury Park: Sage, 1993.
VAN DIJK, Teun. A. Critical discourse analysis. In: TANNEN, D.; SCHIFFRIN, D.;
HAMILTON, H. (Eds.). Handbook of Discourse Analysis. Oxford: Blackwell, 2001. p. 352-
371.
32
CAPÍTULO 1
UNIVERSALISMO, PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E
MULTICULTURALISMO CRÍTICO: PROBLEMATIZANDO A POSSIBILIDADE
DE UMA NOVA POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA3
___________________________________________________________________________
Por meio de um ensaio teórico, este capítulo tem como objetivo problematizar a
possibilidade de uma nova posição epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a
partir das discussões frente às convergências e divergências entre o universalismo, o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas
perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes
práticas pedagógicas.
1.1 INTRODUÇÃO
A demarcação da ciência e outras formas de conhecimento, bem como seu reflexo no
currículo são amplamente discutidos há décadas. Existe um esforço para compreender os
limites do que se denomina ciência, bem como a melhor maneira de lidar com esse debate no
contexto do ensino de Ciências. Nesse ínterim, destacamos três posicionamentos
epistemológicos que já foram e continuam sendo objetos de disputa no meio acadêmico, na
área de ensino de Ciências: o universalismo, o multiculturalismo e o pluralismo
epistemológico. Cada um, à sua maneira, aponta uma perspectiva de abordagem do que se
entende por ciência, bem como suas implicações no ensino, ao problematizar questões
relacionadas ao currículo.
Assim, a partir das discussões frente a convergências e divergências do universalismo,
do multiculturalismo e do pluralismo epistemológico, problematizamos a possibilidade de
uma nova posição epistemológica, a fim de contribuir para reflexões relacionadas ao campo
social. Segundo Lima (2005, p. 16) o campo social se refere ao
[...] universo social onde pessoas, grupos e instituições que dele participam
se definem pelas relações de concorrência e poder que estabelecem entre si,
visando a hegemonia simbólica e material sobre esse universo de atividade e
de saber [...].
3 Pretendemos submeter este artigo na forma de um ensaio teórico, para a Revista Ciência e Educação
(Bauru).
33
Concordando com Demo (2009), entendemos que não precisamos optar por uma
perspectiva teórica única, se podemos mergulhar nas contribuições individuais e relações
complementares que podem existir entre as diferentes formas de explicar um fenômeno, ainda
que estas não sejam harmônicas. Isso porque mesmo as perspectivas contraditórias podem
servir, cada uma, a propósitos específicos e igualmente relevantes. De acordo com Martins
(2004), a aproximação entre diferentes perspectivas teóricas produz um campo de tensão, a
partir do qual podemos vislumbrar novas perspectivas epistemológicas para a compreensão
dos fenômenos sociais, principalmente os educativos. Nesse sentido, utilizamos a base
epistemológica da multirreferencialidade (MACEDO, 2004), que nos permitiu utilizar ideias e
princípios de diferentes referenciais teóricos, seja para apresentar convergência, divergência
ou complementaridade, a fim de apontar caminhos para o comprometimento com a
diversidade cultural. Considerando que não temos o propósito de alcançar respostas
definitivas, argumentamos que a articulação entre os referenciais fortalece nossas teorizações
e nossas práticas ao passo que desestabilizamos certezas e renovamos nossa reação aos
desafios do ensino de Ciências.
Para problematizar a possibilidade de uma nova posição epistemológica, seguiremos
um longo caminho, que perpassa uma caracterização das três principais posições
epistemológicas da ciência: universalismo, multiculturalismo e pluralismo epistemológico,
abordando, no caso deste último, as influências no ensino; além da apresentação das variações
do multiculturalismo presentes na literatura nacional e internacional, a fim de situar nossa
opção pelo multiculturalismo crítico e apontar suas contribuições para o ensino de Ciências; e,
por fim, a proposição de diálogo teórico e prático entre os dois posicionamentos que se
mantêm mais evidentemente em disputa – o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo
crítico, como uma nova via de discussão.
Nesse contexto, por meio de um ensaio teórico, este capítulo tem como objetivo
problematizar a possibilidade de uma nova posição epistemológica sobre demarcação de
conhecimentos aplicada ao currículo, a partir das discussões frente às convergências e
divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico,
a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as
professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas.
34
1.2 CARACTERIZAÇÃO DAS TRÊS PRINCIPAIS POSIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS: UNIVERSALISMO, MULTICULTURALISMO E
PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO
As relações entre cultura e educação científica têm sido objeto de uma avaliação cada
vez mais crítica a partir da década de 1990 (EL-HANI; MORTIMER, 2007). Pesquisadores/as
e atores/atrizes educacionais têm questionado a pouca ou nenhuma representatividade dos
grupos minoritários étnicos no currículo de Ciências. Dado que o conteúdo disciplinar tem
orientação ocidental, muitos materiais curriculares têm cunho racista e/ou sexista, além de
apresentar uma imagem deturpada de ciência e cientista. Essas inquietações estimularam a
problematização de novas questões no campo da formação científica, tais como: De quem é a
cultura que ensinamos quando ensinamos ciência? A ciência é universal? O conceito de
ciência deve se manter reservado ao conjunto de conhecimentos produzidos no Ocidente? Ou
deveríamos ampliar tal conceito para abranger outras formas de saber? Qual seria a melhor
definição para ciência?
Segundo El-Hani e Mortimer (2007), as três principais posições epistemológicas da
ciência, que debatem em torno dessas questões e diferem em atitudes políticas, morais e
filosóficas, compreendem o universalismo, o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo. A priori discutiremos os extremos do debate e na sequência,
apresentaremos o pluralismo epistemológico como posição intermediária.
A posição universalista é que o conhecimento produzido pelo que se denomina ciência
é igualmente válido e potencialmente útil em todos os contextos culturais (SOUTHERLAND,
2000), tratando-se da posição dominante nos currículos atuais de Ciências. Assim, os
universalistas epistemológicos4 conferem um caráter universal a essa ciência, que, por sua
vez, deve ser ensinada a todos/as, a fim de oportunizar o aprendizado da mesma forma às
diversas pessoas de diferentes espaços socioculturais. Southerland (2000) problematiza que o
termo “universal” poderia indicar que a ciência estaria livre de qualquer influência cultural e,
assim, não seria afetada pelo contexto dos/as cientistas – tal como idade, status social, gênero
ou cultura. Mas, como Siegel (1997) destaca, não se trata de considerar a ciência ocidental
moderna como uma atividade humana neutra, livre de ideologias, mas de problematizar seus
limites e potencialidades.
4 Matthews (1994); Williams (1994) e Siegel (1997) destacam-se como defensores do universalismo
epistemológico.
35
Vale ressaltar que a explicação padrão da ciência se refere comumente à cultura
“ocidental moderna” (COBERN; LOVING, 2000), dado o epistemicídio da produção de
outras formas de conhecimento pela hegemonia europeia. Santos (1997) chama de
epistemicídio a destruição de saberes e culturas não assimiladas pela cultura branca/ocidental
e consequente predomínio do conhecimento produzido pelo Ocidente, reconhecido como
científico e legítimo.
Com efeito, grande parte dessa ciência ocidental foi construída por apropriação de
saberes que ela menospreza e que reivindica como ciência, tais como os conhecimentos dos
povos indígenas e africanos. De acordo com Quijano (2005), a incorporação de diversas
histórias culturais a um único mundo, dominado pela Europa, significou para esse mundo uma
conformação cultural e intelectual equivalente à articulação de todas as formas de controle do
trabalho para constituir o capitalismo mundial. Destarte, todas as experiências, histórias,
recursos e produtos culturais terminaram também articulados numa só ordem cultural global
em torno da hegemonia europeia ou ocidental. Assim, como parte do novo padrão de poder
mundial, a Europa também concentrou, sob sua hegemonia, o controle da produção do
conhecimento.
Nessa perspectiva,
(...) a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e
produtos exclusivamente europeus. Desse ponto de vista, as relações
intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou, melhor dizendo, a Europa
Ocidental, e o restante do mundo foram codificadas num jogo inteiro de
novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-
científico, irracional-racional, tradicional-moderno (QUIJANO, 2005, p.
122).
Sob essa codificação entrelaçada por relações de poder, a cultura europeia impôs-se
como mundialmente hegemônica, concomitantemente à expansão do domínio colonial da
Europa sobre o mundo (QUIJANO, 2005). O autor ressalta o processo de apagamento da
história, linguagem, descobrimentos e produtos culturais, memória e identidade de diferentes
povos, os quais centenas de anos mais tarde reduziam-se a índios e negros. Como resultado da
história do poder colonial, além da perda das identidades históricas, todos aqueles povos
foram despojados de seu lugar na história da produção cultural da humanidade, passando a ser
vistos como raças inferiores, que produziam culturas inferiores (QUIJANO, 2005). Nesse
sentido, o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo,
uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não europeu era inferior.
36
Nesse cenário, situamos a razão pela qual o conceito padrão de ciência usualmente
aplicado se refere ao conjunto de conhecimentos produzidos pela Europa ocidental e porque
esse posicionamento epistemológico é considerado universal. A palavra ciência representa um
poder simbólico inegável, o termo em si reflete um conjunto de conhecimentos com pretensão
de universalidade. Assim, por mais que Siegel (1997) defenda que esse caráter universal não
implica considerar a ciência independente de uma perspectiva cultural, argumentamos que
este seria um problema da universalidade do termo, não por considerar a ciência neutra, mas
sim porque assumir essa posição condiciona o cientista a apresentar um olhar diferenciado
para outros conhecimentos culturais, vendo-os como específicos, exóticos, que precisam ser
exibidos dentro de um determinado contexto para serem valorados, diferentemente da ciência,
que no seu status de universal, existe e é útil independente do contexto de produção.
Considerando que pensar a ciência como conhecimento marcado culturalmente é
fundamental para desconstruir a hegemonia sociocultural científica, entendemos que o caráter
universal desse conhecimento denominado científico deve ser problematizado. Afinal, por
mais que a ciência ocidental se pense e se queira universal, é preciso entender que, assim
como todas as demais formas de conhecimento, trata-se de um constructo cultural específico,
produzido para fins determinados, que podem ou não ser úteis em diferentes espaços.
Para alguns/mas autores/as (SOUTHERLAND, 2000; EL-HANI; BANDEIRA, 2008),
a ciência ocidental representa hoje uma construção, se não universal, pelo menos de modelos
bastante gerais, a partir da perspectiva de uma determinada teoria. Contudo, ainda que a
definição de conhecimento científico esteja de acordo com os limites da própria ciência
ocidental, ou seja, considerando os critérios epistêmicos ocidentais, essa explicação
universalista diminui a validade dos outros saberes. Isso porque não problematizar o caráter
universal da ciência ocidental reforça a superioridade deste conhecimento ao colocá-lo em
uma classificação peculiar, se compararmos aos demais contextos culturais de produção de
conhecimento.
Ademais, a universalização é uma estratégia típica de construção simbólica voltada
para legitimar relações de dominação, uma vez que tem como proposta disseminar
representações particulares como se fossem de interesse geral (RAMALHO; RESENDE,
2011). Em contrapartida, Southerland (2000) ressalta que aceitar a universalidade
epistemológica da ciência ocidental não implica em assumir esta como a única abordagem
autêntica e legítima para a construção de conhecimento útil, o que caracterizaria o
cientificismo, o qual precisa ser rejeitado porque tende a não reconhecer o valor de outras
37
formas de conhecimento diferentes da ciência ocidental moderna (COBERN; LOVING,
2000). Argumentamos que aceitar o universalismo pode até não aludir em estar de acordo
com o cientificismo, todavia, implica em reforçar a superioridade científica, e de forma
ingênua, valorizar outros conhecimentos em status de “Outros”, que também são importantes,
mas, em contextos específicos, enquanto a ciência ocidental seria relevante em qualquer
espaço.
O entendimento de que a utilização dos critérios epistêmicos ocidentais para
determinar o conhecimento científico não diminui a importância dos saberes construídos fora
desse quadro (SOUTHERLAND, 2000) é ignorar o poder simbólico do termo ciência. Assim,
precisamos reconhecer essas relações de poder, a fim de estabelecermos possibilidades de
diálogos horizontais entre as diferentes formas de conhecimento, desconstruindo a
universalização de discursos particulares, que representa uma poderosa ferramenta para a
manutenção de hegemonias.
Enquanto na opinião dos universalistas o respeito pela diversidade cultural não pode
ter como consequência a inclusão de outras formas de conhecimento no ensino de Ciências,
multiculturalistas5 argumentam a favor dessa inclusão, com a justificativa de que, dessa
forma, haverá possibilidade de diálogo com os saberes produzidos pelas diferentes culturas
(EL-HANI; MORTIMER, 2007). Para estes, a posição universalista exclui os conhecimentos
produzidos para além dos critérios epistêmicos ocidentais ao passo que se mostra numa
posição de superioridade.
Na perspectiva de incluir outros saberes no Ensino de Ciências, alguns
multiculturalistas assumem uma posição de relativismo epistemológico em defesa da
ampliação do conceito de ciência, a fim de incluir os demais saberes provenientes das culturas
não-ocidentais (EL-HANI; MORTIMER, 2007). Ainda segundo esses autores, nem todos os
multiculturalistas são relativistas, embora seja comum entre eles/as a visão de que a ciência
ocidental moderna representa um exemplo de uma série de ciências igualmente válidas. Nessa
perspectiva, os multiculturalistas defendem que a ampliação do conceito de ciência valorizaria
as outras formas de conhecimento, além de contribuir com uma educação mais comprometida
com a diversidade cultural dos/as estudantes.
5 Hodson (1993); Ogawa (1995); Snively e Corsigla (2001) representam multiculturalistas que
defendem a ampliação do conceito de ciência para abarcar outras formas de conhecimento, e não
apenas aquelas produzidas no Ocidente.
38
Todavia, El-Hani e Bandeira (2008) argumentam que usar o termo ciência para outras
formas de produção de conhecimento recairia no mito cientificista de que a ciência é
desprovida de problemas, verdadeira e superior. Ao invés disso, os autores sugerem que
assumamos a possibilidade de que existem múltiplas formas de obtenção de conhecimento e
que cada uma delas possui a sua própria coerência interna, demarcando, dessa forma, os
conceitos de ciência e de conhecimento.
Argumentamos que a própria caracterização dos conceitos de ciência e de
conhecimento, tal como proposto por El-Hani e Bandeira (2008), contribui para estabelecer
uma relação hierárquica, na qual a ciência está em uma classificação superior, ou seja, a
demarcação da qual trata os autores parece ser utilizada para caracterizar conhecimentos
denominados “Outros”, enquanto para a ciência se reserva um status privilegiado.
Advogamos pela demarcação de conhecimentos desde que se aplique também aos
conhecimentos ocidentais e esteja acompanhada da análise crítica de que cada saber vai ser
historicamente mais valorizado que outro(s), o que deve ser desconstruído.
Enquanto Cobern e Loving (2000) e El-Hani e Bandeira (2008) consideram a ciência
como conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna, nós
argumentamos pela utilização do termo ciência, com critérios de demarcação, também para
outras formas de conhecimento. Assim, todo conhecimento seria tratado como ciência: ciência
ocidental moderna ou ciência acadêmica ou ciência hegemônica, ciências dos povos
indígenas, ciências dos povos africanos... Nessa ideia, os saberes “Outros” não estão sendo
abarcados, simplesmente, sob o rótulo de ciência, mas lhes é reconhecido um estatuto próprio
ao passo que diversificamos o entendimento do conceito de ciência. Propomos aqui a ideia de
um pluralismo científico, de modo que essas ciências são correspondentes às diversas
culturas. Assim, possibilitamos o diálogo proposto pelos/as autores/as, no que se refere aos
diferentes conhecimentos, que devem ser valorizados por seus próprios méritos, com validade
ou não em contextos diferentes do de sua produção.
Nossa proposta deve considerar que, embora a cultura ocidental seja diversa dentro do
próprio continente europeu e que estudiosos/as do Oriente, por exemplo, representam boa
parte da produção acadêmica atual, reconhecemos a centralidade da Europa no processo de
expropriação e apropriação do conhecimento que se qualifica como ciência. Destacamos
também que a maioria dos/as pesquisadores/as de outros continentes seguem os critérios
estabelecidos pela cultura ocidental moderna, de modo que a ciência eurocêntrica,
39
independente do contexto de produção, carrega consigo a prepotência de uma cultura
universal.
Cobern e Loving (2000) ressaltam que o problema não estaria na interpretação de que
a ciência ocidental moderna domina a produção de conhecimento naturalista, altamente eficaz
sobre os fenômenos naturais, mas, sim, quando esta ciência é vista como superior em
detrimento dos “Outros” discursos/saberes. Todavia, conforme argumentamos anteriormente,
ao tratar de ciência e “Outros” saberes, além de colocar a primeira num patamar diferenciado,
a visão acrítica de não questionar as relações de poder entre os conhecimentos, de algum
modo valida a ciência ocidental moderna como uma produção superior. Além disso, incluir a
diversidade de saberes na categoria “Outros” implica em não reconhecer a variabilidade de
formas de conhecimentos/ciências das demais culturas, simplificando-as como um todo
unificado, quando na verdade abriga uma infinidade de maneiras de ver e entender os
fenômenos naturais.
Nesse sentido, para alcançarmos o objetivo proposto por Cobern e Loving (2000),
referente à valorização de todas as formas de conhecimento, sugerimos a pluralização do
conceito, passando a usar o termo ciências – tal como foi desconstruído historicamente o
poder simbólico do conceito de cultura, que passou da ideia de cultura no singular (com a
perspectiva de que uns têm e outros não têm) para cultura no plural (todos têm cultura e ela é
diversa). Da mesma forma, propomos a ideia de ciências múltiplas – da pluralidade de
ciências. Neste caso, ao invés de defender a ampliação do conceito de ciência, concordamos
com El-Hani e Bandeira (2008) sobre a importância de questionar a abordagem cientificista.
E, para além dessa crítica, desestabilizarmos o regime de autorização discursiva do que se
denomina ciência, que ora invisibiliza conhecimentos produzidos fora do escopo da cultura
ocidental, ora inferioriza essa produção.
Cobern e Loving (2000) apresentam três características essenciais para construir o
conceito de ciência hegemônica, que incluem tratar de fenômenos naturais, de forma que o
objeto de estudo da ciência deve ser, idealmente, testável de maneira objetiva e empírica, o
que exclui os aspectos espirituais, emocionais, econômicos, estéticos e sociais da experiência
humana; compor um sistema explicativo, e não apenas uma descrição ad hoc dos fenômenos
naturais; e ter apoio da comunidade científica, que determinará o que deve ser qualificado
como ciência. Por conseguinte, o que estiver fora dos limites desse conceito de ciência seria
definido como conhecimento.
40
Nossa crítica a essa abordagem proposta pelos/as autores/as é que, mesmo os
conhecimentos de origem africana, por exemplo, que atendem aos dois primeiros critérios,
não são incluídos no estatuto epistemológico de ciência. Estabelecemos as duas primeiras
características por assumir a terceira como mais subjetiva e subordinada às relações de poder
daqueles/as que estão à frente da hegemonia social, política e discursiva. Machado (2014), ao
discutir a ciência, a tecnologia e a inovação africanas e afrodescendentes, apresenta a
matemática egípcia, a medicina especializada africana, a química africana, entre outros
objetos de estudo testáveis de maneira objetiva e empírica, que compõem um sistema
explicativo de fenômenos naturais, tal como podemos perceber na descrição a seguir
[...] os egípcios foram capazes de calcular a raiz quadrada, eles usaram
números imaginários e eles inventaram trigonometria e “teorema de
Pitágoras” muito antes de Pitágoras! Álgebra também era um produto de
matemáticos egípcios. Os egípcios usavam alavancas, planos inclinados e
parafusos muito antes de “descobertas” de Arquimedes desses mesmos
conceitos. Diop se pergunta se foi uma coincidência que Arquimedes e
outros cientistas gregos famosos, como Sócrates, Aristóteles e Platão,
estudarem extensivamente no Egito (MACHADO, 2014, p. 23).
Além disso, “os egípcios [...] haviam localizado as áreas do cérebro para funções
específicas do corpo três mil anos antes do europeu Paul Broca. [...] descobriram a circulação
do sangue e o funcionamento do coração, muito antes do inglês Harvey” (MACHADO, 2014,
p. 23). Com isso queremos exemplificar que mulheres e homens de origem africana
participaram de descobertas que mudaram os rumos da história moderna, e, ainda assim, essa
produção não tem a visibilidade por seu direito de ciência especializada, tendo em vista que
esses conhecimentos foram subsumidos no campo do epistemicídio. Como consequência, toda
nossa base referencial epistemológica recai como mérito da cultura ocidental moderna, a qual
dispõe do poder de determinar, com o apoio da chamada comunidade científica, o que se
qualifica como ciência.
Diante dessa realidade, argumentamos que as características apontadas por Cobern e
Loving (2000), referentes ao conceito de ciência, servem como critérios epistêmicos de uma
ciência ocidental, mas, no que se refere as outras ciências, são as suas comunidades
epistêmicas específicas que devem validar os conhecimentos que as compõem, tendo em vista
que não podemos pressupor a existência de uma comunidade epistêmica única. Defendemos a
pluralidade de ciências, a fim de questionar o termo como metáfora do poder, confrontando a
hegemonia do discurso e desestabilizando as hierarquias que foram postas historicamente e
são refletidas nos dias atuais.
41
A perspectiva apresentada por Cobern e Loving (2000), de reservar o conceito de
ciência ao conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna e demarcar
os saberes em diferentes domínios das práticas humanas, caracteriza o pluralismo
epistemológico, posição epistemológica intermediária da ciência (EL-HANI; MORTIMER,
2007). Segundo Cobern e Loving (2000), o pluralismo epistemológico não pretende conferir
superioridade epistêmica à ciência ocidental moderna em detrimento das demais formas de
conhecimento, pelo contrário, busca a valorização de todas as formas de pensamento, que
devem ser respeitadas por seus próprios méritos e não submetidos aos critérios da cultura
ocidental. Todavia, os/as autores/as não propõem caminhos para que esta valorização dos
conhecimentos seja, de fato, efetivada. Ao nosso ver, para valorizar todas as formas de saber,
é preciso desconstruir a superioridade epistêmica e política do termo ciência, a fim de
proporcionar o diálogo entre as culturas. Afinal, só há diálogo quando as relações hierárquicas
são desconstruídas e os saberes horizontalizados.
El-Hani e Mortimer (2007) argumentam que a inclusão de outras formas de
conhecimento em um conceito amplo de ciência levaria à desvalorização, e não à legitimidade
dos conhecimentos denominados “Outros”, já que as formas de construção e os critérios de
validação da ciência hegemônica são diferentes e, assim, as “outras” formas de conhecer
poderiam não ser valorizadas por seus próprios méritos. Concordamos que cada conjunto de
conhecimentos apresenta seus próprios critérios epistêmicos, tendo em vista as
particularidades dos contextos de produção do conhecimento e a necessidade de cada
contexto. Assim, não faz sentido pensarmos numa epistemologia mestre que seja capaz de
envolver todas as epistemologias, sobretudo porque os saberes são localizados, ou seja, nem
mesmo a ciência hegemônica, com todo seu poder, pode ser apresentada como uma
epistemologia dominante.
Para concordarmos com a ampliação do conceito de ciência, seria necessário
estabelecer um critério universal capaz de abarcar todos os saberes, o que não seria possível.
É nessa perspectiva que optamos pelas bases do pluralismo epistemológico, no que se refere à
demarcação de saberes. Nossa contribuição a esta perspectiva teórica está em pensar a
pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências e, assim, horizontalizar os
discursos, que passam a tratar das ciências dos povos indígenas, das ciências dos povos
afrodescendentes e também da ciência ocidental moderna, entre outras. Assim, a perspectiva
da demarcação valeria para todas as ciências, inclusive a ocidental, e não somente para o que
o pluralismo epistemológico chama de saberes “Outros”.
42
O pluralismo epistemológico evita o cientificismo e reconhece a variedade de formas
de conhecer, a partir das diferentes visões de mundo. No âmbito do ensino de Ciências, essa
posição defende que a ciência ocidental moderna deve ser ensinada de forma sensível e
respeitosa com a diversidade de culturas nas salas de aula. Para tanto, considera-se como
caminho a demarcação dos saberes, a qual nós propomos que se estenda aos saberes da
cultura ocidental, diferenciando todas as ciências, ao invés de apontar a ciência hegemônica e
os saberes “Outros”, tal como aparece na proposta original de demarcação. Trata-se de um
ensino não cientificista, mas sistemático, uma vez que mantém os objetivos da educação
denominada científica, ao passo que outras ciências são abordadas de forma dialógica, a fim
de ampliar as visões dos/as estudantes.
Em resumo, consideramos interessante a perspectiva de demarcação do pluralismo
epistemológico, desde que sirva a todas as ciências. Além disso, consideramos que a
abordagem pluralista não atende a objetivos formativos mais críticos, como um ensino de
Ciências para empoderamento de grupos historicamente subalternizados. Assim,
argumentamos que, da forma como é proposto, o pluralismo epistemológico não é suficiente
para dar visibilidade aos saberes “Outros” que propõe valorizar, e, que sem o resgate desses, o
discurso de valorização se torna um mero exercício retórico.
Percebemos que as três posições epistemológicas da ciência, brevemente discutidas
neste espaço, se inter-relacionam em alguma posição, seja política, moral ou filosófica.
Podemos destacar, como ponto de interseção, a crítica ao cientificismo. O universalismo e o
pluralismo, por sua vez, compartilham da ideia de reservar o conceito de ciência ao conjunto
de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna, embora o segundo se destaque
quanto ao comprometimento com a diversidade cultural, característica que parece ser
negligenciada pela perspectiva universalista, que tem o conhecimento científico como válido
em todos os contextos culturais.
Neste espaço, considerando a polissemia do termo multiculturalismo, discutimos a
posição relativista epistemológica, tendo em vista que no tópico seguinte nos debruçaremos
nas várias outras abordagens possíveis. Nessa perspectiva, destacamos ainda um ponto de
interseção entre multiculturalistas e pluralistas, que se refere ao comprometimento com a
diversidade cultural, sendo que essas abordagens pretendem chegar a esse fim por diferentes
meios, no primeiro caso, defende-se a ampliação do conceito de ciência a fim de abarcar
outros conhecimentos para além dos produzidos pela cultura ocidental, e no segundo caso,
argumenta-se a favor da demarcação dos conhecimentos. A seguir, apresentamos um esquema
43
para resumir as inter-relações apresentadas entre universalismo, pluralismo e
multiculturalismo (Figura 1).
Figura 1. Esquema apresentando as inter-relações entre as três posições epistemológicas da ciência.
Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.
Dado o resumo presente no esquema acima, argumentamos em defesa do pluralismo
epistemológico, destacando o comprometimento com a diversidade cultural a partir da
demarcação dos conhecimentos. Para tanto, acrescentamos a esta perspectiva a importância de
desestabilizar a hegemonia sociocultural, inclusive pela desconstrução da superioridade dos
conhecimentos denominados científicos, ao passo que problematizamos as relações de poder
entre as culturas. A seguir, desenvolvemos algumas características do ensino de Ciências na
perspectiva do pluralismo epistemológico.
1.2.1 Contribuições do pluralismo epistemológico para o ensino de Ciências
O ensino de Ciências no Brasil muitas vezes é interpretado com a função de substituir
os saberes culturais dos/as estudantes pelas ideias científicas (BATISTA, 2010). Contrariando
essa abordagem, a perspectiva do pluralismo epistemológico (COBERN; LOVING, 2000)
advoga que não deve ser objetivo do ensino de Ciências que os/as estudantes abandonem as
44
suas visões de mundo para que acreditem nas teorias e nos conceitos científicos ocidentais.
Para Cobern (2004), quando os saberes culturais dos/as estudantes diferirem dos saberes
científicos ocidentais, é desejável que o ensino contribua para a compreensão desses últimos a
fim de ampliar as visões dos/as estudantes, sem anular suas culturas.
Na perspectiva do pluralismo epistemológico, cada problema exige uma solução
própria, de modo que é possível que, em determinadas situações da vida humana, a cultura
ocidental tenha as melhores respostas, enquanto em outras não, ou até mesmo diferentes
ciências possam atuar em consonância. No ensino de Ciências na perspectiva do pluralismo
epistemológico, os/as estudantes devem ser orientados/as de que cada conhecimento, no seu
contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser utilizado em diferentes momentos para
distintas finalidades. Todavia, entendemos que, quando o pluralismo epistemológico afirma
que cada conhecimento é válido em seu próprio contexto, assume-se que aquele dado
conhecimento só é importante/reconhecido dentro de um campo epistêmico restrito. Quando,
na verdade, embora se trate de um conhecimento produzido por uma cultura demarcada, ele
pode ou não ser utilizado/reconhecido em qualquer outro espaço. A palavra contexto limita o
uso do conhecimento e estabelece uma relação assimétrica com a ciência ocidental.
Referindo-se ao ensino de evolução, Cobern (2007) propõe quatro regras
metodológicas que merecem a atenção dos/as professores/as de Ciências, e que podem ser
utilizadas para orientar a abordagem de outros temas controversos na perspectiva do
pluralismo epistemológico, a saber: a crítica ao cientificismo (nesse sentido, o/a professor/a
pode orientar a crítica para as limitações da ciência ocidental moderna); o ensino direcionado
para a compreensão, e não para a crença (aqui o autor ressalta que, diferentemente da
crença, o entendimento é crítico e exige compreensão); o ensino que problematiza as
evidências (neste caso, para além de apresentar as conclusões, o/a professor/a precisaria
problematizar as evidências que os/as cientistas usam como apoio às teorias, para, assim,
os/as estudantes terem subsídios suficientes que contribuam para a compreensão das ideias
científicas ocidentais); e a promoção do diálogo (ressalta-se aqui a importância de gerar
debates a fim de que os/as estudantes possam explorar suas próprias ideias e interesses).
Contribuindo com essas orientações metodológicas, sugerimos ainda problematizar as
questões de ideologia, poder e opressão, que permeiam a construção do conhecimento.
Nessa mesma perspectiva, Brayboy e Castagno (2008) reforçam a possibilidade de
ensinar conceitos científicos para estudantes que têm uma visão espiritual tradicional
preferencial do mundo, sem substituí-la. Trata-se de contribuir para aumentar o conhecimento
45
científico ocidental do/a estudante de modo que este possa ser utilizado em situações
apropriadas. Assim, o ensino de Ciências deve visar, não convencer estudantes para aceitar a
validade ou legitimidade da informação científica, mas sim ajudá-los/as a entender os
conhecimentos e, em seguida, considerar as semelhanças e diferenças entre a informação da
ciência ocidental moderna e sua própria epistemologia e compreensão do mundo
(BRAYBOY; CASTAGNO, 2008).
Por conseguinte, outra contribuição do pluralismo epistemológico para o ensino de
Ciências é o respeito pelas diferentes culturas, visto que nas aulas de Ciências podemos
distinguir, no mínimo, duas culturas: a cultura ocidental moderna, representada pelos/as
professores/as e recursos didáticos, e a dos/as estudantes, provenientes dos seus meios
socioculturais (COBERN, 1996). Argumentamos a importância do/a professor/a estar atento/a
à diversidade de culturas que compõem o âmbito escolar e valorizar os saberes derivados
dessas. Para tanto, os/as professores/as podem guiar a apresentação das perspectivas culturais,
tanto do Ocidente quanto dos/as estudantes, por meio da negociação das situações de origem e
de aplicação de cada um dos conhecimentos envolvidos (BAPTISTA, 2014).
De acordo com El-Hani e Bandeira (2008), o objetivo de uma abordagem dialógica
nas aulas de Ciências deve ser explorar semelhanças e diferenças entre formas de
conhecimento, a fim de estimular os/as estudantes a considerar diferentes discursos sobre o
mundo; oferecer oportunidades para pensar sobre os domínios em que uma ou outra forma de
saber pode ser adequadamente aplicada; considerar as origens sociais, políticas e econômicas
da construção do conhecimento denominado científico e do desenvolvimento tecnológico; e,
por fim, refletir sobre a natureza do conhecimento como um conjunto de argumentos sobre o
mundo, que devem ser analisados criticamente de modo a se aceitar ou não uma determinada
ideia.
Para encorajar os/as estudantes a lidar com o problema de formar uma visão cultural
da ciência ocidental moderna, Cobern (1994) sugere aos/às professores/as que organizem sua
prática pedagógica com atenção às seguintes reflexões: (i) quais são as crenças dos/as
estudantes sobre o mundo ao seu redor, especialmente o mundo físico? (ii) como os/as
estudantes compreendem seu próprio lugar no mundo, especialmente sua relação com o
mundo físico? (iii) qual é o meio cultural em que as opiniões, valores e relacionamentos
dos/as estudantes são fundamentados e apoiados? (iv) o que é a cultura ocidental e como essa
cultura é interpretada na sala de aula de Ciências? (v) o que acontece quando as culturas
estudantis, a cultura docente e a cultura ocidental se encontram face a face na sala de aula?
46
(vi) quando os/as estudantes são influenciados/as pela educação científica ocidental, são
influenciados/as exclusivamente pela ciência ocidental ou são influenciados/as também pelo
contexto em que ela é apresentada?
As reflexões e discussões das questões supracitadas podem contribuir para o
desenvolvimento de uma prática pedagógica que vise a construção do conhecimento de forma
culturalmente sensível. Para expandir as possibilidades de diálogos, Cobern e Loving (2000)
propõem ainda que os/as professores/as busquem investigar e compreender como os
conhecimentos culturais dos/as estudantes são importantes para eles/as nos seus meios sociais,
para que o ensino seja orientado a partir dos interesses dos/as estudantes. Vale ressaltar que,
apesar de todo o estímulo e orientação para com o diálogo que se deve ter em sala de aula
sobre visões de mundo e epistemologias concorrentes, El-Hani e Bandeira (2008) destacam a
importância dos/as professores/as sistematizarem os saberes através de um discurso de
autoridade. Essa sistematização deve contribuir para organizar não só um ponto de vista, mas
várias perspectivas diferentes sobre o mundo em diferentes culturas.
Nessa perspectiva, com subsídios do pluralismo epistemológico, advogamos não
somente por uma demarcação epistemológica entre uma ciência ocidental moderna e os outros
saberes, mas por uma clara demarcação tanto epistêmica quanto histórica, política e social, de
todas as ciências, as ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos africanos e, também
a ciência ocidental moderna. Com essa demarcação horizontalizada, acreditamos efetivar o
discurso de que não deve ser concedida superioridade epistêmica a um saber em detrimento
de outros. Desse modo, demarcando todos os saberes, compreendemos que a ciência ocidental
representa uma dentre as inúmeras formas de explicar os fenômenos naturais e, assim, pode
ser ensinada de forma comprometida com a diversidade cultural.
Sobre o multiculturalismo, reiteramos que a abordagem exposta no princípio deste
tópico incidiu sobre a perspectiva do relativismo epistemológico, mas esta representa uma
linha de pensamento não compartilhada por outros multiculturalistas. Assim, seguimos com a
discussão sobre as variações do multiculturalismo defendidas por diferentes autores/as, com o
objetivo de situar nosso trabalho na abordagem multicultural crítica.
1.3 AS VARIAÇÕES DO MULTICULTURALISMO PRESENTES NA LITERATURA
NACIONAL E INTERNACIONAL
47
O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multicultural, tendo em vista
a imensa diversidade étnica, racial, linguística e religiosa. As relações entre as culturas estão
marcadas por questões de poder, que culminam em preconceito e discriminação de grupos
determinados. É nesse contexto que na década de 1940 inicia-se no Brasil o desenvolvimento
do multiculturalismo como movimento social, sob a influência das lutas étnicas ocorridas nos
Estados Unidos, em conjunto com a criação da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (GONÇALVES; SILVA, 1998).
O movimento social pautado no multiculturalismo forçou uma mudança na educação,
que passou a compartilhar a responsabilidade de se engajar na luta pelo compromisso com a
pluralidade cultural. Nesse ínterim, o tema do multiculturalismo aparece no campo da
didática, na segunda metade da década de 1990, e desde então se encontra em um movimento
de afirmação (CANDAU, 2006). Diferentes autores/as têm discutido o multiculturalismo no
ambiente escolar, o que tem gerado debates com diferentes matrizes teóricas e político-sociais
(MCLAREN, 1997; CANEN, 2000; SOUTHERLAND, 2000; CANDAU, 2011).
Gonçalves e Silva (1998) apresentam vários significados para o multiculturalismo, a
saber: como uma ideologia que se opõe a toda forma de centrismos culturais; como uma
estratégia política de integração social ou como um corpo teórico que orienta a produção do
conhecimento. Destacamos que o multiculturalismo apresenta diversas perspectivas, que, no
entanto, têm um ponto em comum: buscar respostas para os desafios da pluralidade cultural
na atualidade, sobretudo no âmbito escolar.
Considerando que o multiculturalismo apresenta concepções distintas e muitas vezes
antagônicas, é preciso compreender suas variações para dar sentido aos argumentos e
discursos gerados. Concordando com Canen e Moreira (2001), as tensões e os
questionamentos dirigidos ao multiculturalismo não inviabilizam o projeto multicultural; ao
contrário, podem favorecer o avanço teórico e o desenvolvimento de propostas
comprometidas com a diversidade de culturas.
Discutiremos a seguir as classificações apresentadas por Southerland (2000), Canen e
Oliveira (2002), McLaren (1997) e Candau (2008; 2011), respectivamente, a fim de
apresentar as contribuições desses/as autores/as frente à proposta do multiculturalismo como
ideologia, estratégia política ou corpo teórico, a partir das quais situaremos nossas
considerações.
48
A classificação estabelecida por Southerland (2000) se refere à dimensão
epistemológica do multiculturalismo, que compreende o entendimento da natureza do
conhecimento científico ocidental e sua expressão no discurso. A autora classifica as
abordagens em duas categorias: a educação multicultural instrutiva ou educacional e a
educação multicultural curricular.
A educação multicultural instrutiva ou educacional traz a ideia de instruir os/as
professores/as para a consideração das visões de mundo de seus/suas alunos/as, sobretudo
quando essas visões contrariam a concepção ocidental de ciência. Trata-se de manter o
conceito de ciência reservado à cultura ocidental moderna, ensinando nessa tradição, mas, a
partir do diálogo sensível às culturas dos/as estudantes. Nesse contexto, os conhecimentos
denominados científicos, em conflito com as culturas dos/as estudantes, deveriam ser
apresentados dentro de seus limites (SOUTHERLAND, 2000). Assim, em vez de evitar
declarações conflituosas, o/a professor/a problematizaria os conhecimentos denominados
científicos na perspectiva de uma abordagem não cientificista de educação, dando
oportunidade para que os/as estudantes compreendessem a base do conflito. A educação
multicultural instrutiva reconhece e delimita os diferentes pressupostos, objetivos e usos dos
conhecimentos, valorizando os saberes em seus próprios méritos e dentro dos seus domínios.
Em contrapartida, a educação multicultural curricular, também denominada de
multiculturalismo robusto por Matthews (1994), sugere que devemos ampliar o conceito de
ciência de forma a equiparar as formas locais ou étnicas de compreensão do mundo físico com
a ciência ocidental. Assim, o termo ciência passaria a ser sinônimo de conhecimento, teríamos
então a ciência ocidental, a ciência indígena, a ciência africana, enfim, e estes conhecimentos
agora ditos científicos deveriam compor os currículos de Ciências. Nessa perspectiva,
diferentemente da educação multicultural instrutiva, apenas os aspectos da ciência dominante
que estivessem de acordo com a ciência étnica deveriam ser discutidos nas salas de aula de
Ciências, ou seja, os conhecimentos em conflito não seriam apresentados (SOUTHERLAND,
2000). Os currículos apenas apresentariam os temas que fortalecessem e apoiassem a cultura
dos/as estudantes.
Já argumentamos anteriormente em defesa da não ampliação do conceito de ciência.
Aqui faremos uma observação sobre o pressuposto da educação multicultural curricular de
circunscrever os currículos de Ciências à discussão de temas que estiverem de acordo com a
cultura dos/as estudantes. Percebemos três problemas nessa restrição, primeiro porque
limitaria a formação dos/as estudantes, que perderiam a oportunidade de aprender novas
49
culturas e percorrer com propriedade na cultura dominante; segundo porque a falta de
problematização dos conhecimentos em conflito poderia levar a uma visão passiva e pouco
crítica de como o conhecimento é construído, e, das relações de poder que permeiam essa
produção; terceiro, seria inviável para o/a professor/a analisar e organizar temas de discussão
que não confrontassem, em alguma medida, com a cultura dos/as estudantes.
Southerland (2000) destaca outras duas lacunas quanto à educação multicultural
curricular, agora de cunho político, a qual compartilhamos. Primeiro, a abordagem explica
que os/as estudantes seriam expostos/as a um retrato da ciência no qual todas as formas de
conhecimento sobre o mundo natural estariam incluídas, o que levaria os/as estudantes a
ignorarem fundamentalmente as diferenças epistemológicas entre os conhecimentos, bem
como as relações de poder que se formam a partir dessas diferenças. A segunda lacuna da
abordagem curricular é a interpretação de que os/as estudantes não são capazes de lidar com
argumentos epistemológicos e políticos controversos, o que orienta que as questões
conflituosas sejam omitidas do currículo. Assim, a capacidade dos/as estudantes de tomar
decisões não é reconhecida, contrapondo o ideal de educação crítica e emancipatória.
El-Hani e Mortimer (2007) apresentam quatro observações acerca da inviabilidade da
educação multicultural curricular: 1. a igualdade na abordagem dos diferentes conhecimentos
culturais na sala de aula de Ciências significaria perder de vista os objetivos da educação
científica ocidental; 2. a educação científica ocidental é necessária para todos/as os/as
alunos/as, particularmente em países que adotam currículos “ciência para todos”; 3. um
diálogo entre diferentes formas de conhecimento é necessário nas salas de aula de Ciências,
mas não deve colapsar em uma mera confusão entre os saberes; 4. embora seja recomendável
uma educação de forma significativamente dialógica, o trabalho pedagógico não pode perder
de vista o objetivo da compreensão dos/as estudantes sobre a ciência hegemônica.
Sobre as observações de El-Hani e Mortimer (2007), temos algumas considerações. A
preocupação evidenciada pelos autores de não perder de vista os objetivos da educação
científica tradicionalmente conhecida, ou seja, da educação científica ocidental, se justifica
pelo caráter de educação hegemônica, necessária para concorrer na sociedade capitalista na
qual estamos imersos. Diante disso, consideramos inviável ensinar de forma sistematizada
vários conteúdos, provenientes de diferentes culturas, além disso os/as estudantes almejam,
por exemplo, realizar o Exame Nacional do Ensino Médio para ingressar em um curso
superior, avaliação esta que exige a ciência acadêmica. É nesse viés que concordamos com
50
El-Hani e Mortimer (2007) quando se trata da necessidade da educação científica ocidental
em países que adotam currículos “ciência para todos”, como é o caso do Brasil.
Todavia, além desse objetivo, almejamos uma educação crítica para empoderamento
de grupos historicamente subalternizados, o que implica na mobilização de saberes e culturas
que nunca tiveram espaço no âmbito escolar, culturas invisibilizadas, subsumidas no campo
do epistemicídio. Para tanto, defendemos a inclusão também de outros conhecimentos no
currículo de Ciências, de forma demarcada, tal como proposto pelo multiculturalismo
curricular, o que pode acontecer a partir da inserção das ciências “Outras” nas orientações e
parâmetros que organizam o campo educacional. Assim, nossa proposta é que as ciências de
origem indígena e africana, por exemplo, estejam transversalizadas na disciplina de Ciências e
nas demais, a fim de tornar possível uma educação plural, comprometida com a diversidade.
Para além de discutir a relevância de ampliar ou não o conceito de ciência para abarcar
outros saberes, reforçamos que uma mudança desse nível, de cunho epistemológico, não pode
ter forças na educação sem o apoio dos campos político, econômico e social. Tendo em vista
essa realidade, defendemos que o diálogo intercultural orientado por documentos oficiais da
educação, acompanhado da problematização do conceito de ciência e da demarcação das
ciências, representa um caminho frutífero para desestabilizar o currículo eurocentrado que
predomina em nossas escolas.
Percebemos que as posições de muticulturalismo apresentadas por Southerland (2000)
levam a abordagens fundamentalmente diferentes para o objetivo de desenvolver o ensino de
Ciências comprometido com a diversidade cultural. Argumentamos em defesa da inclusão de
outras ciências no currículo, tal como é proposto pelo multiculturalismo curricular, e pela
demarcação dos critérios epistêmicos específicos de cada ciência, inclusive da ciência
ocidental, tal como podemos interpretar no multiculturalismo instrucional.
Tendo em vista que nossa defesa permeia entre elementos de ambos os
multiculturalismos propostos por Southerland (2000) e que temos ressalvas a essa
classificação, consideramos viável apresentar uma terceira via de debate, articulando e
problematizando as características apresentadas pela autora. Trata-se de um multiculturalismo
que chamamos de interativo, no qual, para além dos elementos já mencionados de defesa
entre uma característica e outra, sugerimos, no contexto do ensino de Ciências, a pluralização
do termo “ciências”, a problematização de conhecimentos em conflito e a discussão de
questões políticas, sociais e culturais inerentes à produção de conhecimento. O diagrama
abaixo resume nossa proposta (Figura 2).
51
Figura 2. Esquema apresentando a classificação estabelecida por Southerland (2000) articulada a
nossa proposta, referente ao multiculturalismo interativo.
Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.
Ressaltamos que a ideia de ciências múltiplas – da pluralidade de ciências, com a
consequente demarcação de todas as ciências com critérios próprios, representa a dimensão
epistemológica de multiculturalismo na qual vamos nos apoiar para estabelecer um diálogo
com o pluralismo epistemológico, apresentado no tópico anterior, e que usaremos como eixo
integrador em todo o trabalho.
Antes de dar continuidade às classificações de multiculturalismo presentes na
literatura, destacamos que, diferentemente da dimensão teórica e epistemológica exposta até o
momento, as próximas classificações tomam outro rumo de discussão, tratando de
categorizações que apresentam o multiculturalismo como uma ideologia ou estratégia política.
Uma das autoras que explora essa perspectiva é Vera Maria Candau (2008). Ela discute que o
multiculturalismo pode assumir um caráter descritivo ou prescritivo/propositivo. O primeiro
denota o multiculturalismo como uma característica das sociedades atuais, cujas pesquisas
buscam descrever e compreender o contexto histórico, político e cultural de determinada
sociedade. O caráter prescritivo/propositivo, por sua vez, se propõe a ir além da constatação
de um dado da realidade, pois entende o multiculturalismo como uma forma de transformar a
dinâmica social ao passo que concebe políticas públicas nessa direção.
Argumentamos que os trabalhos de caráter prescritivo/propositivo são mais desejáveis
para a educação multicultural, visto que assumem o compromisso por uma sociedade mais
52
justa e igualitária por meio da ação. Todavia, os trabalhos de diagnóstico, com caráter
descritivo, trazem sua parcela de contribuição ao passo que evidenciam a dinâmica das
culturas, marcada pela influência de grupos detentores do poder. Poderíamos supor que estes
trabalhos representem um primeiro passo, que deve ter continuidade com a pesquisa
propositiva.
Considerando o multiculturalismo no espaço escolar, Ana Canen e Ângela Oliveira
(2002) destacam o multiculturalismo folclórico; o multiculturalismo voltado para a
valorização da diversidade cultural e o multiculturalismo crítico. Os dois primeiros enfatizam
a sensibilidade para a diversidade cultural, a partir do reconhecimento das diferentes culturas,
bem como a promoção do respeito e da valorização destas, o que até certo ponto é relevante e
necessário. Todavia, o problema está na visão romantizada das relações entre diferentes
culturas, de modo que não se considera os preconceitos e discriminações envolvidos. Tanto o
multiculturalismo folclórico quanto o de valorização da diversidade cultural se limitam a
festejar as diferenças em datas comemorativas, como o dia da consciência negra e o dia do
índio6, por exemplo. Não estamos criticando tais festejos, mas, sim, a abordagem harmônica
das culturas, quando na verdade deveríamos problematizar as relações de poder que subjugam
grupos minoritários, como os povos indígenas e afrodescendentes.
Em contrapartida está o multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural
(MCLAREN, 1997; CANEN, 2001; CANEN; MOREIRA, 2001; CANEN; OLIVEIRA,
2002; CANDAU, 2008; 2011), que busca essa problematização das relações de poder entre os
grupos culturais, a partir do aprofundamento nos mecanismos históricos, sociais e políticos.
Trata-se, portanto, de uma abordagem crítica da construção das identidades socioculturais.
Retomaremos a discussão referente a esta abordagem mais adiante, ao tratar das classificações
de multiculturalismo estabelecidas por McLaren (1997) e Candau (2011).
McLaren (1997) destaca quatro diferentes concepções de multiculturalismo:
conservador ou empresarial; humanista liberal; liberal de esquerda e crítico e de resistência,
sendo esta última defendida por ele. O multiculturalismo conservador apresenta uma
ideologia de assimilação, em que todos devem compartilhar da cultura hegemônica. “Nesta
visão, os grupos étnicos são reduzidos a ‘acréscimos’ à cultura dominante” (MCLAREN,
1997, p. 115), sendo que ela carrega o legado colonialista da supremacia branca, defende uma
6 Ressaltamos que o termo “índio”, nome dado pelos europeus, não representa a diversidade dos povos
indígenas, o que reflete uma prática epistemicida e genocida.
Fonte: https://nacoesunidas.org/indio-nome-dado-pelos-europeus-nao-representa-nossa-diversidade-
historiador-edson-kayapo/amp/. Acesso em 18 de set. 2019.
53
visão essencialista de cultura e nega veementemente os espaços autônomos de manifestação
da diversidade.
O multiculturalismo humanista liberal argumenta que existe uma igualdade natural
entre todas as pessoas de diversas culturas, que lhes permite competir igualmente em uma
sociedade capitalista. Todavia, reconhece que, devido às diferentes oportunidades sociais ou
educacionais ou à falta delas, essa “igualdade” é prejudicada, ainda que os grupos
minoritários possam alcançá-la de forma relativa ao passo que ascendem
socioeconomicamente. Nesta perspectiva, podemos perceber que a cultura se apresenta de
forma mais dinâmica, embora percebamos ainda o desprezo pelas diferenças.
Diferentemente das duas abordagens anteriores, o multiculturalismo liberal de
esquerda ressalta a diferença cultural. Mas mantém a ideia de que esta diferença existe
independentemente da constituição histórica e social, desconsiderando as relações de poder
envolvidas nos grupos culturais. Por fim, o multiculturalismo crítico e de resistência enfatiza a
necessidade de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os
significados são formados. Dessa forma, trata-se de compreender as representações de raça,
classe e gênero como resultados de lutas sociais e de problematizar a cultura como conflitiva,
não harmoniosa e não consensual, cujas diferenças refletem um produto da história, poder e
ideologia (MCLAREN, 1997).
A abordagem multicultural crítica supera os reducionismos das tendências
conservadora, humanista liberal e liberal de esquerda, que McLaren (1997) enquadra num rol
de tendências liberais, e coloca em foco a atenção que devemos desenvolver pela
especificidade histórica e cultural da diferença (em termos de raça, classe, gênero, etc.) ao
passo que mantemos a universalização dos direitos sociais e políticos (MCLAREN, 1997).
Assim, somos convidados/as a desenvolver uma compreensão da diferença sem essencializar
o outro, além de fortalecer os princípios gerais de igualdade e justiça.
O destaque das discussões de McLaren (1997) é o compromisso com a transformação
social e o papel da educação para este fim. Após ter discutido essas ideias, o autor lança outra
obra em que fala de um multiculturalismo revolucionário (MCLAREN, 2000), na qual busca
analisar de que modo a sociedade, através da intensificação da desigualdade induzida pelo
capitalismo, atua na produção, manutenção e segregação das diferenças. Para o autor, é objeto
de estudo dessa abordagem analisar como as diferenças são reforçadas de modo negativo, o
54
que requer que se penetre na esfera social e econômica a fim de questionar o preconceito e a
discriminação gerados em nome do lucro de um pequeno grupo dominante.
Ressaltamos que vamos nos ater na discussão do multiculturalismo crítico e suas
interferências no âmbito escolar, que para nós representa um caminho frutífero para um
ensino de Ciências comprometido com a pluralidade cultural. Assim, destacamos quatro
princípios para um efetivo compromisso com a diversidade cultural na perspectiva do
multiculturalismo crítico: primeiro, a necessidade de problematizar as relações de poder
construídas com as diferenças; segundo, promover discussões no ensino de Ciências que
venham a desestabilizar a lógica eurocêntrica, sexista e homofóbica do nosso currículo;
terceiro, a necessidade de promover o empoderamento das classes populares, a fim de que
possam transnacionalizar as suas lutas; quarto, um incansável compromisso com o outro.
Na tentativa de aprofundar as discussões referentes à perspectiva multicultural crítica
vamos destacar alguns pontos de questionamento frente a essa abordagem. De acordo com
Canen (2008; 2014), mesmo com o compromisso com a diversidade cultural, muitas vezes
também o multiculturalismo crítico pode acabar por essencializar as identidades culturais,
tendo em vista que a ênfase dessa abordagem incide sobre as “identidades coletivas”, assim
como nas formas materiais e simbólicas pelas quais estas identidades têm sido marginalizadas
do poder. Consideramos que a abordagem histórica que discuta a construção das diferenças,
bem como a perspectiva dinâmica das culturas, tanto em nível individual quanto coletivo,
possam contribuir para transpor essa visão essencialista das culturas.
Destacamos também uma crítica apresentada por Fonte e Loureiro (2011), a partir da
contribuição teórica de Simone de Beauvoir. Para estes autores, o multiculturalismo crítico ou
intercultural desqualifica a escola e a intervenção dos/as professores/as, além de esfacelar o
currículo escolar. Fonte e Loureiro (2011) iniciam sua crítica comentando sobre a teoria
religiosa denominada Flying Spaghetti Monsterism (Monstro do Espaguete Voador), criada
em 2005 por um cidadão do Kansas, Bobby Henderson, como subversão a um
posicionamento do Conselho de Educação do Estado do Kansas, nos Estados Unidos, por
aprovar o ensino da teoria da evolução das espécies junto à teoria criacionista. Os autores
discutem que, sem perceber, a teoria do Monstro do Espaguete Voador tem o mérito de
mostrar quão negativo seria a pluralidade de narrativas no ensino de Ciências.
Percebemos a fragilidade da crítica de Fonte e Loureiro (2011) quando os autores
questionam toda uma perspectiva teórica – o multiculturalismo crítico – como se ela se
55
reduzisse à inserção da pluralidade de narrativas no currículo, desconsiderando inclusive a
polissemia do termo, que leva a diferentes interpretações por vários/as autores/as. Ademais,
para concretizarmos uma educação comprometida com a diversidade, que desestabilize a
lógica monocultural predominante nas escolas, consideramos necessária a problematização de
saberes historicamente invisibilizados, a fim de promover uma educação crítica.
Sobre a preocupação de Fonte e Loureiro (2011), no que se refere à integração de
diversos saberes no ensino de Ciências, destacamos as seguintes reflexões consideradas no
texto de Crepalde et al. (2019), as quais compartilhamos:
i) Há algum conhecimento que não mereça ser reconhecido e, inclusive, ser
objeto de desconstrução nas aulas de ciências? Sim, todos aqueles que firam
a dignidade humana e sejam instrumento da perpetuação de desigualdades.
ii) Há conhecimentos que devem ser reconhecidos e não integrados? Sim, a
própria abordagem dos perfis conceituais já aponta o reconhecimento e
destaca o ensino dos conceitos científicos como meta da ciência escolar.
Evidentemente a decisão de não integração de determinados conhecimentos
é política, pedagógica e curricular e insere-se em um terreno de disputas. iii)
Quais conhecimentos devem ser reconhecidos e integrados? É difícil afirmar
categoricamente, pois também nesse caso trata-se de uma decisão. Mas, do
nosso ponto de vista, aqueles conhecimentos relacionados às práticas sociais
desenvolvidas pelos educandos e/ou suas comunidades que favoreçam
mutuamente o desenvolvimento de conceitos científicos (CREPALDE et al.,
2019, p. 280-281).
Entendemos, por meio das leituras dos referenciais citados neste capítulo, que a
perspectiva do multiculturalismo crítico suscita uma abordagem no ensino que extrapola a
mera transmissão de conhecimentos ocidentais, propondo levar para as salas de aula
discussões sociais e políticas comprometidas com a diversidade cultural. Nesse sentido,
defendemos um multiculturalismo que apoia o diálogo intercultural e a demarcação de
saberes, mas também que seja crítico, extrapolando a perspectiva do respeito e valorização
cultural para problematizar as relações de poder entre as culturas na sociedade eurocêntrica,
racista, sexista e homofóbica, mostrando seus efeitos devastadores nos grupos minoritários.
No nosso entendimento, Ana Canen e Peter McLaren defendem um multiculturalismo
prático, de atitude, com discussão de diferentes culturas e conhecimentos historicamente
invisibilizados pelo epistemicídio ao passo que sustentam objetivos da educação científica
tradicionalmente conhecidos. Quando Canen, Oliveira e Franco (2000), Moreira (2001) e
McLaren (1997) chamam a atenção para a urgência de uma ressignificação da escola e do
currículo como um espaço de representação minoritária, entendemos a defesa pelo resgate de
conhecimentos culturais subsumidos no campo do epistemicídio, além do debate de temas
sociais e políticos no ensino de Ciências, transcendendo um ensino meramente transmissivo.
56
Esta forma de incluir os sujeitos sociais de culturas minoritárias nos currículos pode
acontecer, por exemplo, por meio da abordagem de temas transversais, espaços abertos e
contínuos de debate crítico, contribuindo para a formação cidadã dos/as estudantes para além
da formação científica ocidental.
Essa reflexão sobre a relevância de promover debates no ensino de Ciências que
problematizem a homogeneização cultural e a cultura dominante também é evidenciada em
Canen (2001), quando a autora sugere a urgência em viabilizar essas práticas como “parte
integrante dos ‘conteúdos escolares’, e não como atividades interpretadas como
‘extracurriculares’” (p. 223). Entendemos que a defesa pela integração dessas discussões em
‘conteúdos escolares’ reflete a preocupação de inserir temas transversais em nível de
igualdade com os assuntos da disciplina, e não como apêndice do currículo de Ciências. Em
Canen e Oliveira (2002), as autoras apresentam um exemplo dessa abordagem, no qual as
questões étnico-raciais são discutidas no contexto do conteúdo de tecido epitelial. Isso reforça
nossa ideia de que o multiculturalismo crítico defendido pelas autoras não tem cunho
relativista, pois pretende manter os objetivos da educação científica tradicionalmente
conhecidos, à medida que perpassam em todo o currículo os debates epistemológicos, sociais
e políticos comprometidos com a diversidade cultural, mobilizando também as ciências
“Outras”.
Da mesma forma, quando Canen (1999) discute a importância do multiculturalismo
crítico na luta pela representação das vozes oprimidas e superação de estereótipos,
preconceitos e hierarquização cultural em currículos e práticas pedagógicas, argumentamos
que esses objetivos podem ser alcançados através do diálogo intercultural e da demarcação
dos saberes, além de debates acerca da construção histórica das diferenças, bem como das
relações conflituosas que se formaram nesse percurso. Trata-se, por exemplo, de discutir as
contribuições da tecnologia e das ciências dos povos africanos, de visibilizar pesquisas
desenvolvidas por mulheres, entre outros.
McLaren (2000) discute, ainda, a possibilidade de construção de uma linguagem
híbrida no ensino de Ciências. Essa colocação do autor implica, ao nosso ver, numa
reinterpretação das culturas, que devem ser percebidas como construções históricas dinâmicas
e não essencializadas. Além disso, a linguagem híbrida apresentada por McLaren (2000)
procura superar as metáforas preconceituosas, reconhecendo a pluralidade e a provisoriedade
dos discursos das diferentes culturas.
57
Voltando às classificações do multiculturalismo, destacamos três perspectivas
discutidas por Vera Maria Candau (2008; 2011). Trata-se do multiculturalismo
assimilacionista; diferencialista ou monoculturalismo plural; e interativo, também
denominado interculturalidade. O multiculturalismo assimilacionista, tal como a denominação
sugere, defende a assimilação dos valores e conhecimentos da cultura hegemônica pelos
grupos subalternizados, promovendo a universalização do sistema escolar ao passo que
desconsidera toda a variedade cultural da sua dinâmica. O multiculturalismo diferencialista ou
monoculturalismo plural, por outro lado, propõe enfatizar as diferenças e conservar as
matrizes culturais de base dos grupos socioculturais, o que pode gerar uma interpretação
essencialista da formação das identidades culturais.
Por fim, a perspectiva intercultural ou interculturalidade busca a inter-relação entre
diferentes sujeitos e grupos socioculturais de uma determinada sociedade e pretende romper
com uma visão essencialista das identidades culturais. Uma característica central dessa
perspectiva é a problematização das relações de poder que permeiam os diferentes grupos
culturais, relações estas construídas na história e marcadas pelo preconceito e discriminação
de determinados grupos socioculturais.
Candau e Anhorn (2000) afirmam que os termos multiculturalismo e interculturalidade
são muitas vezes utilizados como sinônimos, sendo que a primeira expressão tem sido mais
utilizada pela bibliografia de língua inglesa e a segunda pela produção europeia. Outros/as
autores/as (GONÇALVES; SILVA, 1998; HERNÁNDEZ; MIRÓN, 2004) apresentam
diferenças entre os termos. Para estes, o multiculturalismo se limita a constatar a presença em
sala de aula e na sociedade de pessoas de diferentes origens culturais, enquanto que o conceito
de interculturalidade permite a caracterização de mudanças necessárias no âmbito
educacional, em resposta às exigências de um contexto multicultural. Nessa perspectiva,
Moreira (2001) concorda que o termo multiculturalismo induziria a constatação de uma
sociedade formada por diferentes culturas estáticas, já a expressão interculturalidade sugeriria
uma inter-relação dinâmica entre as culturas.
Compartilhando desse raciocínio, destacamos Reinaldo Fleuri (2001), que apresenta
ainda uma terminologia adicional, diferenciando as expressões multicultural/pluricultural,
transcultural e intercultural. Para o autor, os termos multicultural e pluricultural implicam que
as diferentes culturas podem coexistir sem necessariamente interagir; de modo semelhante, o
termo transcultural faz referência à identificação de elementos culturais comuns a diferentes
culturas, também sem que haja interação; enquanto que o termo intercultural indica uma
58
situação em que sujeitos de identidades culturais diferentes interagem nos contextos
subjetivos, sociais e culturais.
No cerne das discussões entre os termos multiculturalismo e interculturalidade,
Candau (2012) distingue a interculturalidade funcional e a crítica. A interculturalidade
funcional é orientada a diminuir as áreas de conflito entre as diferentes culturas, tratando-se
de uma estratégia para assimilar os grupos socioculturais subalternizados à cultura
hegemônica. Já a interculturalidade crítica questiona a visão essencializada de cultura, bem
como as diferenças e desigualdades construídas ao longo da história, além de questionar as
relações de poder entre as culturas e reconhecer os conflitos, procurando as estratégias mais
adequadas para enfrentá-los. Em trabalhos anteriores (CANDAU; ANHORN, 2000;
CANDAU, 2006; 2008; 2011; CANDAU; RUSSO, 2010), a autora usa apenas o termo
“interculturalidade”, afirmando inclusive que essa expressão se assemelha à noção de
multiculturalismo crítico de outros/as autores/as, como Canen (2001) e McLaren (1997).
A perspectiva intercultural defendida por Candau (2006; 2008) visa promover uma
educação para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais e busca a construção de
uma sociedade democrática, plural e humana, ao passo que articula políticas de igualdade e de
identidade. Nesse sentido, a interculturalidade é então concebida como uma estratégia ética,
política e epistêmica, na qual questiona-se a colonialidade presente na sociedade e na
educação, problematiza-se o mito da democracia racial7, promove-se o reconhecimento de
diversos saberes, estimula-se a construção de identidades culturais e o empoderamento de
pessoas e grupos subalternizados (CANDAU; RUSSO, 2010).
Assim, a educação intercultural se refere ao processo construído pela relação tensa
entre diferentes sujeitos que se conectam com os diversos contextos culturais em relação aos
quais eles desenvolvem suas respectivas identidades (FLEURI, 2003; COPPETE;
ZWIEREWICZ, 2007). Educar nessa perspectiva implica, portanto, na promoção do diálogo e
7 O termo diz respeito à crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial vistos em
outros países. Tal ideia foi amplamente difundida por meio da publicação do livro de Gilberto Freyre
em 1933 “Casa grande & Senzala”, no qual o autor argumentou que a miscigenação continuada entre
as três raças (ameríndios, afrodescendentes e brancos) levaria a uma “meta-raça”, ideia que se tornou
fonte de orgulho para o país. Esse pensamento foi amplamente aceito, até que em 1976, Thomas
Skidmore publicou em seu livro “Preto no branco” um estudo crítico argumentando que a elite
brasileira promoveu a suposta democracia racial para disfarçar formas de opressão. Perceber o quão
institucional e estruturante é o racismo da nossa sociedade corresponde a um primeiro passo
necessário.
59
na troca entre diferentes grupos, cuja identidade cultural está em permanente construção
(CANDAU; KOFF, 2006).
Em suma, a concepção de multiculturalismo e interculturalidade adotada é mais
importante que o qualificativo empregado. De todo modo, entendendo a cultura como uma
construção dinâmica, tanto individual quanto coletivamente, questionando as relações de
poder construídas na história entre diferentes grupos culturais e buscando um compromisso
político com os grupos subalternizados, nos apropriaremos do termo multiculturalismo, que é
aprofundado também no campo epistemológico, mais especificamente o multiculturalismo
crítico. No tópico seguinte, apresentamos suas contribuições para o ensino de Ciências.
1.3.1 Contribuições do multiculturalismo crítico para o ensino de Ciências
Em sociedades multiculturais, marcadas por desigualdades, mensagens eurocêntricas,
racistas e discriminatórias, a produção de pesquisas que questionem discursos
homogeneizadores e busquem formas alternativas de valorização da pluralidade cultural
torna-se essencial para a reflexão educacional e curricular no início do novo milênio
(CANEN; ARBACHE; FRANCO, 2001). No âmbito escolar, ressaltamos que o/a professor/a
não precisa aguardar se deparar com situações de conflitos culturais nas suas salas de aula
para desafiar preconceitos, compreender suas origens históricas e promover um horizonte
emancipatório e transformador. Assim, defendemos uma abordagem comprometida com a
diversidade cultural que perpasse por todo o conteúdo de Ciências em condições usuais de
sala de aula, e não apenas em alguns momentos pontuais.
Na perspectiva de atravessar os conteúdos de Ciências com discussões políticas,
multiculturalistas críticos defendem a promoção de debates sociais, econômicos e
epistemológicos no contexto do ensino de Ciências. Neste espaço, vamos mapear algumas
particularidades apontadas por vários/as autores/as (BANKS, 1999; CANEN; OLIVEIRA,
2002; MOREIRA; CANDAU, 2003; CANDAU; KOFF, 2006; CANDAU, 2008; CANDAU;
LEITE, 2007; CANEN, 2014) como essenciais para caracterizar uma aula na perspectiva do
multiculturalismo crítico.
Banks (1999) enumera oito características principais que devem ser enfatizadas em
práticas educativas orientadas na perspectiva multicultural crítica, a saber: (i) os/as
atores/atrizes educacionais deverão ter expectativas positivas em relação ao desempenho
acadêmico de todos/as os/as alunos/as, acreditando que todos/as podem aprender; (ii) deverão
60
ser utilizadas técnicas de ensino cooperativas e não competitivas; (iii) a linguagem própria da
cultura dos/as alunos/as deverá ser valorizada; (iv) os/as orientadores/as multiculturais devem
aconselhar os/as estudantes a ultrapassarem seus limites; (v) o currículo deve incluir a
experiência e perspectivas de diversos grupos étnicos, culturais e de gênero; (vi) as técnicas
de avaliação devem ser usadas de forma a considerar os/as estudantes de diferentes grupos
sociais, étnicos e culturais; (vii) os materiais didáticos devem incluir a diversidade de
contribuições das diferentes culturas; e (viii) o ambiente escolar deve ser favorável a todos os
grupos sociais, étnicos e culturais.
Argumentamos que, para uma educação livre de preconceitos e discriminações, é
preciso que os/as educadores/as possam valorizar as culturas dos/as estudantes, acreditar que
todos/as são verdadeiramente capazes de aprender, ainda que com suas peculiaridades, entre
outras questões discutidas acima. Também concordamos com as práticas cooperativas
recomendadas por Banks (1999) e em incentivar os/as estudantes a ultrapassarem seus limites.
Outra questão interessante levantada pelo autor é a inserção no currículo e nos materiais
didáticos de experiências de diferentes grupos culturais, que devem ser respeitados e
valorizados por seus próprios méritos, o que deverá contribuir para o sentimento de
pertencimento e orgulho de estudantes, que passam a se ver representados/as no âmbito
escolar. Para além dessas questões, a mobilização das ciências dos povos indígenas e
africanos deve suscitar o reconhecimento e a valorização desses povos também no campo
epistêmico.
Ainda segundo Banks (1999), para uma aula ser multicultural, deve apresentar cinco
principais dimensões, que ele define como integração de conteúdo (caracteriza-se quando o/a
professor/a utiliza exemplos e conhecimentos de culturas variadas no contexto de sua
disciplina); pedagogia da equidade (quando o/a professor/a modifica sua forma de ensinar a
fim de atender as peculiaridades de estudantes de diversos grupos sociais e culturais); cultura
escolar e social que reforcem o empoderamento de diferentes grupos (refere-se a um processo
de reestruturação da cultura e organização escolar, para promover a equidade educacional e o
empoderamento de grupos subalternizados); redução do preconceito (focaliza atitudes dos/as
estudantes em relação à raça e a desconstrução de preconceitos) e processo de construção do
conhecimento (quando os/as professores/as problematizam as influências implícitas na
construção do conhecimento).
Mais uma vez aqui podemos ver a preocupação de Banks (1999) em suscitar o diálogo
com conhecimentos de culturas variadas. Também destacamos a importância de problematizar
61
temas sociais no contexto do ensino de Ciências, tal como o preconceito racial, e de
problematizar as influências políticas, culturais, de gênero, entre outras, que permeiam a
construção do conhecimento, promovendo discussões sobre a natureza humana dos/as
pesquisadores/as e das suas produções.
Canen e Oliveira (2002) apresentam três categorias centrais nas práticas pedagógicas
multiculturais, que correspondem à crítica cultural, à hibridização discursiva e à ancoragem
social dos discursos. A crítica cultural estimula o questionamento da posição subalternizada
de grupos minoritários, fazendo-os analisar suas identidades étnicas, além de valorizar os
conhecimentos provenientes das diferentes culturas e reivindicar princípios de liberdade,
prática social e democracia ativista. Sobre a hibridização discursiva, as autoras exemplificam
como sendo uma possibilidade de combinar diferentes discursos, como os da Biologia com os
da música, tratando-se, pois, de superar os congelamentos identitários e as metáforas
preconceituosas. A ancoragem social dos discursos leva a conexões entre discursos
históricos, políticos, sociológicos, culturais e outros, como exemplo, as autoras comentam a
articulação do discurso biológico referente à pele com outro de cunho social, multicultural,
referente ao desafio a preconceitos raciais.
As categorias supracitadas apresentam caminhos frutíferos para concretizar um ensino
na perspectiva multicultural crítica. Mais uma vez vemos o destaque para o diálogo e
valorização das culturas, agora com uma ênfase na luta por uma democracia ativista, por um
ensino que, para além de transmitir conceitos, aborde conexões com temas de cunho político e
social, por exemplo, por meio da ancoragem social dos discursos, e assim possa contribuir
com a formação para a cidadania. Podemos destacar a hibridização discursiva para uma
análise mais aprofundada, questionando que esta categoria pode remeter à posição
epistemológica relativista, que defende a ampliação do conceito de ciência hegemônica.
Todavia, abordaremos essa categoria como uma hibridização entre diferentes formas de
expressar a cultura, como no exemplo das autoras, a combinação dos discursos da Biologia
com os da música.
Em direção à proposta de transpor o multiculturalismo crítico para o âmbito escolar
por meio da crítica cultural, Canen e Oliveira (2002) discutem quatro dimensões, que se
referem à construção, cujas práticas estimulam a participação ativa dos/as estudantes; voz e
escolha, na busca por incentivar a tomada de decisão socialmente responsável; crítica,
abrangendo espaços de discussão de valores culturais conflitantes e desnaturalização das
62
posições subalternas de determinados grupos; e o ativismo social, que corresponde ao
desenvolvimento de ações para a mudança do status quo em busca da igualdade de direitos.
Na mesma perspectiva, Moreira e Candau (2003) destacam alguns aspectos
importantes relacionados à formação docente comprometida com a diversidade cultural, e a
relevância de trabalhar em direção ao reconhecimento da diferença e da construção da
igualdade. Para tanto, os/as autores/as destacam (i) a importância dos/as professores/as
considerarem os desafios que uma sociedade globalizada, excludente e multicultural propõe
hoje para a educação; (ii) a relevância de favorecer uma reflexão de cada educador/a sobre a
sua própria identidade cultural, como a descreve e como tem sido construída; (iii) o
aprofundamento da temática da formação cultural brasileira e a dismistificação da ideia da
democracia racial; e (iv) a interação com diferentes grupos culturais e étnicos.
O destaque dado à formação de professores/as por Moreira e Candau (2003) implica
numa formação crítica, na qual os/as professores/as possam entender a teia na qual encontra-
se o tema da diversidade cultural, o reconhecimento das diferenças para construir igualdades
de direitos, os impactos da sociedade globalizada na exclusão social, a importância de
entender historicamente por que as desigualdades se tornaram tão gritantes e, assim,
desnaturalizar a posição subalterna de grupos minoritários do ponto de vista do poder, embora
majoritários do ponto de vista numérico. Essas discussões precisam ocupar espaço nas salas
de aulas de Ciências e, para isso, o/a professor/a precisa ter formação correspondente.
Candau e Koff (2006) e Candau (2008) estabelecem quatro linhas de ação
consideradas fundamentais para a promoção de uma educação que as autoras chamam de
multi/intercultural ou intercultural na perspectiva crítica e emancipatória, as quais
correspondem aos pressupostos do multiculturalismo crítico sobre o qual estamos tratando. As
linhas de ação representam um caminho para promover o respeito e a concretização dos
direitos humanos. As autoras organizam em quatro palavras-chave, que correspondem a
desconstruir, articular, resgatar e promover. Desconstruir refere-se ao questionamento da
naturalização de preconceitos e discriminação, buscando interrogar o caráter monocultural e o
etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas
educativas e caracterizam os currículos escolares. Essa linha de ação também compreende o
questionamento aos critérios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares,
desestabilizando os conhecimentos que se configuram como sendo verdades imutáveis.
63
Articular corresponde à tensão entre igualdade e diferença, tanto em nível das políticas
educativas quanto das práticas pedagógicas, esta última promovida por meio do diálogo, no
qual são valorizadas as diferentes culturas. Resgatar compreende o retorno aos processos de
construção das identidades culturais, tanto individual quanto coletivamente, considerando as
histórias de vida dos/as estudantes e a construção de diferentes comunidades socioculturais.
Promover envolve o estímulo ao diálogo entre os diferentes saberes, conhecimentos e práticas
de grupos culturais, a reconstrução da dinâmica educacional, para atingir todos os níveis da
prática pedagógica e o favorecimento aos processos de empoderamento, principalmente
orientados aos/às atores/atrizes sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade.
As linhas de ação supracitadas se complementam e somadas na direção apresentada –
desconstruir, articular, resgatar e promover – convergem para o empoderamento. Nesse
sentido, precisamos todos/as descolonizar nossas mentes, nossos saberes, nossas culturas,
imersas no paradigma hegemônico, ainda sob forte influência de nossos colonizadores
europeus. As autoras nos convidam a questionar o caráter monocultural da escola, a promover
debates sobre os processos de construção das identidades culturais, a agir para a mudança
rumo à igualdade de direitos, percurso que pode ser subsidiado pelo multiculturalismo crítico.
Candau e Leite (2007) destacam algumas características necessárias para uma prática
que pretende considerar a perspectiva intercultural, tais como: (i) considerar a abordagem
histórica de todos os textos, contextos e sujeitos tratados em sala; (ii) destacar as discussões
relativas à diferença; (iii) questionar o eurocentrismo e as perspectivas essencialistas; (iv)
promover o diálogo e a troca de saberes; (v) problematizar a discussão sobre a linguagem,
para além da sua suposta função de representação da realidade; e (vi) intensificar a
perspectiva do empoderamento.
Mais uma vez as autoras reforçam a importância do diálogo, de fortalecer o
empoderamento, sobretudo, de grupos subalternizados, de questionar o eurocentrismo e
discutir as diferenças. Nesse ínterim, destacamos a necessidade de problematizar as relações
de poder construídas no cerne das diferenças, para além do respeito à diversidade.
Compreender como se construíram os grupos de poder também representa um caminho para
desnaturalizar determinados discursos culturais de superioridade. A abordagem multicultural
crítica se propõe a seguir nessa direção.
Por fim, Canen (2014) apresenta algumas orientações importantes para uma
abordagem multicultural pós-colonial. A autora destaca a importância de articular os
64
conteúdos curriculares com perspectivas multiculturais antirracistas e antixenofóbicas, tanto
na escola como na formação de professores/as; a problematização de conteúdos e verdades
consideradas universais; o questionamento da essencialização da cultura, bem como a
discussão do caráter provisório dos conhecimentos; o uso de estudos de caso de identidades
coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais
subalternizados; e a luta por um projeto de justiça social.
Em suma, ressaltamos que a perspectiva multicultural crítica não pode ser reduzida a
situações e/ou atividades pontuais. Como toda ação educacional, trata-se de uma abordagem
ideológica e política que deve transversalizar todo o currículo. Estimamos que a atenção por
uma abordagem pedagógica dessa natureza possa preparar futuras gerações tanto para a
rejeição de práticas eurocêntricas e de intolerância para com o outro, como para uma
participação efetiva no processo de construção de democracias plurais.
1.4 DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO: CONSTRUINDO UMA NOVA POSIÇÃO
EPISTEMOLÓGICA
A constatação de que vivemos em um contexto de diversidade cultural e que este
caracteriza as escolas tem gerado repercussões nas pesquisas em educação, tanto em nível
nacional quanto internacional. Neste ínterim, destacamos neste trabalho, duas perspectivas
teóricas: o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, ambas comprometidas
com a valorização da pluralidade de culturas, mas a partir de diferentes perspectivas, que se
complementam e trazem grande contribuição para os campos teórico e prático do ensino de
Ciências.
O pluralismo epistemológico defendido por Cobern e Loving (2000) se fundamenta na
importância de valorizar os diferentes conhecimentos, em seus próprios domínios, por meio
da demarcação de saberes. Já o multiculturalismo crítico (MCLAREN, 1997), vem questionar
a lógica branca, masculina e heterossexual, discutindo as relações de poder que se formam em
torno das diferenças culturais. Nesse caso, os conteúdos de Ciências concorreriam para
desestabilizar os padrões hegemônicos socioculturais e, assim, desnaturalizar os critérios
usados para justificar a superioridade de certos indivíduos e grupos em relação a outros.
Tendo em vista a importância das discussões a respeito das diferentes formas de
conhecimento, bem como das relações de poder construídas na história, que subalternizam
65
indivíduos e grupos culturais, percebemos as relações de complementaridade entre as
perspectivas teóricas supracitadas para a promoção de uma educação cidadã comprometida
com a pluralidade cultural. Assim, grosso modo, podemos afirmar que o pluralismo
epistemológico discute as diferentes formas de conhecer, enquanto o multiculturalismo crítico
problematiza as diferentes formas de ser, sendo que ambas as discussões convergem para o
compromisso com o respeito a diversidade cultural.
Vale ressaltar que, enquanto o pluralismo epistemológico apresenta influência do
interacionismo simbólico, o multiculturalismo crítico nasce no cerne das discussões da teoria
crítica. Na perspectiva interacionista, a busca pelo conhecimento do mundo é orientada
através da interação entre sujeito e objeto (CROTTY, 1998), assim, o conhecimento é
construído através de relações dinâmicas entre sujeitos em contextos socioculturais
específicos onde vivem e atribuem significados (BAPTISTA, 2017). Destarte, as relações
entre as diferentes culturas e a promoção do diálogo entre elas se configura como um caminho
viável para significar as diferentes visões de mundo, fortalecendo o respeito às formas de
conhecimento das diversas culturas.
Do ponto de vista da teoria crítica (Escola de FrankFurt), compreendemos a produção
do conhecimento como uma maneira de atuar, intervir e transformar a dinâmica social
(CROTTY, 1998), assim buscamos no contexto do ensino de Ciências problematizar
situações de conflitos culturais, direcionando a uma postura ativista. As ideias que subjazem a
teoria crítica devem contribuir para que façamos uma reflexão histórica das relações de poder
que se formam a partir das diferenças de gênero, raça e classe, estabelecidas por séculos, e
repensemos nosso papel, enquanto cidadão/ã, na busca pela igualdade de direitos.
Vale ressaltar que as relações de poder construídas historicamente em meio às
diferentes culturas, que culminam em preconceito e discriminações de grupos culturais
minoritários, não representam o foco de estudo do pluralismo epistemológico, o que não
significa que os/as idealizadores/as dessa perspectiva teórica desconsiderem tais relações,
apenas esse foco político não condiz com o campo teórico de discussão correspondente. De
modo semelhante, a abordagem pautada na valorização dos conhecimentos dos/as estudantes
não é ressaltada nos pressupostos do multiculturalismo crítico.
Tendo em vista as diferentes ênfases dessas perspectivas teóricas é fácil entender por
que o pluralismo epistemológico não argumenta em defesa da mudança nas visões de mundo
dos/as estudantes, enquanto o multiculturalismo crítico tem a mudança de atitude como
66
expectativa do ensino de Ciências. Isso porque, quando se trata de diferentes formas de
conhecer, é louvável que o/a professor/a vise a ampliação dos saberes, sem que o/a estudante
precise optar por um conhecimento supostamente válido em todos os contextos. Mas, quando
se trata de preconceitos e discriminações, espera-se que o repertório ampliado de
conhecimentos gerado no contato com diferentes formas de conhecer, inclusive com a ciência
ocidental, aliado à abordagem crítica leve a mudança de atitude e ao empoderamento dos
grupos subalternizados, que, ao perceberem as construções históricas que os levaram à
condição de subalternos, possam desconstruir essa posição.
Nesse sentido, diante da pluralidade de culturas e relações que se estabelecem no
âmbito social e recaem no espaço escolar, é justo afirmar que nas situações de sala de aula
haverá momentos em que caberá ao/a professor/a promover o respeito frente às visões de
mundo e conhecimentos dos/as estudantes, assim como haverá momentos de desrespeito e
discriminação que o/a professor/a precisará desconstruir. Assim, uma prática docente
comprometida com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico caminha para
promover um ensino de Ciências que toma a diversidade cultural como um instrumento de
transformação social, ao mesmo tempo em que valoriza o entendimento dos conhecimentos
culturais, evidenciando como esses estão presentes na nossa sociedade e como se inter-
relacionam.
Para além dessa relação de complementaridade entre o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico, um ponto de debate que merece atenção entre essas perspectivas
teóricas está na possibilidade de ampliação do conceito de ciência, teoricamente defendido
por um multiculturalismo relativista. Sobre isso, argumentamos que a ampliação do conceito
de ciência implicaria na existência de uma epistemologia mestre, que fosse capaz de envolver
todas as epistemologias, o que consideramos inviável, sobretudo, porque os saberes são
localizados, ou seja, nem mesmo a ciência ocidental moderna, com todo seu poder, pode ser
apresentada como uma epistemologia dominante. Conforme discutido no tópico anterior,
argumentamos pela pluralização do termo, a fim de tratar de forma horizontalizada as ciências
dos povos africanos, as ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos orientais...
A ampliação do conceito de ciência poderia promover um reconhecimento superior ao
que tem o título de ciência, tal como questionam El-Hani e Bandeira (2008, p. 753):
(...) tentando ampliar o conceito da ciência de modo a incluir sob a sua égide
outras formas de saber, não podemos, de fato, reforçar o “local respeitado”
que a ciência ocupa para muitas pessoas, como se estivéssemos assinando o
67
julgamento de “outras ideias e pesquisas pelas mesmas normas e valores”
utilizados pela comunidade científica8?
Segundo esses autores, a ampliação do conceito de ciência pode levar à situação de
exigir que conhecimentos tradicionais sejam submetidos às demandas epistêmicas
características da comunidade científica ocidental, o que muito provavelmente culminaria na
desvalorização daqueles conhecimentos, que apresentam critérios epistêmicos diferentes do
postulado pela academia, por exemplo. Todavia, nossa proposta da pluralidade de ciências
não implica, simplesmente, em abarcar os saberes “Outros” sob o rótulo de ciência, mas em
reconhecer um estatuto próprio, ao passo que diversificamos o entendimento do conceito de
ciência.
Assim, argumentamos que todas as ciências, produzidas para além do campo da
cultura ocidental ou não, devem ser valorizadas em seus próprios domínios, por seus próprios
méritos. Trata-se de assumir a existência de múltiplas formas de obtenção de conhecimento,
que são válidas e igualmente nomeadas. Todavia, essa igualdade na valorização dos
conhecimentos só vai existir quando questionarmos o poder simbólico do conceito
hegemônico de ciência. Para tanto, reforçamos a problematização do termo “ciência” e sua
pluralização, a fim de demarcar culturalmente os espaços de produção das diferentes formas
de conhecimento. Justificamos esse movimento por três razões principais:
Primeiro, a hierarquização entre os saberes, no nosso ponto de vista, é fortalecida com
a perspectiva original do pluralismo epistemológico, que propõe reservar o termo ciência para
o constructo cultural do ocidente e demarcar às produções das demais culturas como
diferentes formas de conhecimento. Essa hierarquização precisa ser desconstruída, pois
legitima relações de poder, marginalizando os saberes excluídos do “círculo da ciência”, que
inclusive são simbolicamente impedidos de compor o âmbito acadêmico, por exemplo.
Segundo, porque, considerando os dois primeiros critérios de Cobern e Loving (2000)
quanto ao conceito de ciência - tratar de fenômenos naturais, de forma que o objeto de estudo
da ciência deve ser, idealmente, testável de maneira objetiva e empírica, e, compor um
sistema explicativo, e não apenas uma descrição ad hoc dos fenômenos naturais, as produções
dos povos africanos, por exemplo, são ciência. E sobre a terceira característica que os/as
autores/as atribuem ao conceito de ciência - ter apoio da comunidade científica,
8 Texto original: (…) trying to broaden the concept of science so as to include under its umbrella other
ways of knowing, couldn’t we in fact reinforce the ‘‘revered place’’ that science occupies for many
people, as we would be in the end subscribing to the judgment of ‘‘other ideas and research by the
same standards and values’’ used by the scientific community?
68
argumentamos que são as comunidades epistêmicas indígenas, africanas, ocidental etc. que
devem validar os conhecimentos que as compõem. Dito isso, se a ciência ocidental se acha no
direito de fazer essa validação, é em decorrência de relações de poder, que devem ser
desconstruídas. Não devemos esperar que a ciência ocidental moderna reconheça igualmente
a validade dos conhecimentos indígenas ou afrodescendentes, por exemplo, pois ela não quer
perder seu poder. Além disso, é inviável pensar a existência de uma comunidade epistêmica
única. Assim, considerando que um grupo indígena, por exemplo, é uma comunidade
epistêmica, é ela que deve validar o conhecimento dela própria.
Terceiro, comunidades de povos indígenas, por exemplo, costumam usar o termo
ciência para se referir às suas produções epistêmicas. Do ponto de vista das relações de poder
é fundamental considerar as práticas de grupos subalternizados historicamente, contemplando
a visibilidade das diferentes produções científicas e desconstruindo relações de poder, tal
como apreendemos do multiculturalismo crítico.
Segundo Southerland (2000), a discussão sobre natureza da ciência, apresentando o
esforço humano para entender o mundo físico e como esse esforço foi influenciado pela
cultura em que foi desenvolvido, representa um caminho viável para desconstruir a
superioridade da cultura ocidental. Mas, para isso, a autora destaca a necessidade de
reformular os currículos atuais para não limitar essa abordagem a um complemento do
currículo atual. Em resumo, ressaltamos nossas opções para este estudo pelas posições
epistemológicas do pluralismo epistemológico de Cobern e Loving (2000), no que se refere à
demarcação de saberes, problematizando uma demarcação para todas as produções culturais e
não somente para as culturas consideradas “Outras”. No que se refere ao multiculturalismo
crítico de McLaren (1997), nos apropriamos da problematização dos discursos eurocêntricos,
homofóbicos, racistas, machistas e xenófobos rumo a uma formação cidadã. A articulação
entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico é esquematizada na figura 3.
69
Figura 3. Esquema apresentando as inter-relações entre o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico.
Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.
Nesse sentido, reiteramos a articulação possível entre essas duas perspectivas teóricas
que são claramente comprometidas com a diversidade cultural e, assim, podem ser acionadas
em diferentes situações de sala de aula a fim de contribuir para uma formação sensível e
crítica na educação em Ciências9.
Nesta pesquisa, nós nos orientamos nessa articulação entre o pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico para propor, desenvolver e analisar uma prática
comprometida com a diversidade cultural no contexto do ensino de Genética. Para tanto,
buscamos conhecer como o ensino dessa área da Biologia está sendo abordado na literatura,
por meio de uma revisão sistemática que será apresentada no capítulo seguinte.
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9 Este ensaio teórico subsidiou a construção de um formulário metodológico, com a função de servir de
instrumento para analisar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico. Este foi validado por um grupo de 11 pesquisadores/as,
que avaliaram se as características apresentadas em cada bloco estavam adequadas para o tópico
correspondente e se as categorias estavam claras e objetivas, facilitando a utilização deste formulário
para analisar propostas e práticas de aula. O formulário final, após o processo de validação está
apresentado no capítulo quatro.
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74
CAPÍTULO 2
O CONTEÚDO DE GENÉTICA E AS EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS RELATADAS
NA LITERATURA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DOS TRABALHOS DO
ENPEC10
__________________________________________________________________________________
Este capítulo objetiva analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para suscitar
uma prática condizente com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, por
meio de uma revisão sistemática das experiências didáticas relatadas no Encontro Nacional de
Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).
2.1 INTRODUÇÃO
A educação escolar consiste em desenvolver habilidades e conhecimentos de membros
da sociedade para promover tanto um crescimento individual quanto o desenvolvimento social
(MANTOVANI; DIAS; LIESENBERG, 2006). Nessa perspectiva, consideramos a relevância
de estender o que se aprende na escola para diferentes contextos da vida cotidiana e vice-
versa. Essa demanda educacional exige um trabalho pedagógico voltado para a formação
integral do indivíduo, que passe a considerar para além das capacidades cognitivas, também
as habilidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social.
Assim, os conteúdos de aprendizagem podem ser utilizados como instrumentos para
atingir tais intenções educativas. Coll (1986) organiza os conteúdos em três dimensões: (i)
Conceituais: o que se deve saber? (ii) Procedimentais: o que se deve saber fazer? e (iii)
Atitudinais: como se deve ser? No caso dos conteúdos conceituais, que se referem ao conjunto
de fatos, conceitos e princípios, a aprendizagem ocorre por meio de atividades diversas, que
auxiliam a relação entre os novos conhecimentos com os conhecimentos prévios; os
procedimentais, que incluem os procedimentos, técnicas e métodos, advogam que as ações
10 Este capítulo foi desmembrado em três artigos, que foram apresentados e publicados nos anais dos
seguintes eventos: II Congreso Mundial de Educación, EDUCA 2019 “La dimensión epistemológica
en el contexto de la enseñanza de Genética: Una revisión de las experiencias didácticas publicadas en
el ENIEC”; XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2019 “O diálogo
intercultural no contexto do ensino de Genética: Uma revisão das experiências didáticas publicadas no
ENPEC” e XIX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2018 “O conteúdo de Genética e
as experiências didáticas relatadas na literatura: uma revisão sistemática dos trabalhos do ENPEC”.
Esta versão completa deve ser submetida a revista Investigações em Ensino de Ciências.
75
são apreendidas a partir da experiência, do fazer; e, os conteúdos atitudinais, relacionados aos
valores, atitudes e normas, discutem que as atitudes de outras pessoas intervêm como
contraste e modelo para as nossas, e nos persuadem ou nos influenciam (ZABALA, 2010).
O processo de ensino e aprendizagem, que considera essas três dimensões do
conteúdo, representa uma estratégia importante para um envolvimento afetivo e uma
avaliação da própria atuação do/a estudante em sociedade. Consideramos, nesta pesquisa, a
contribuição de duas perspectivas teóricas que, em conjunto, podem subsidiar a prática
docente comprometida com a formação completa do indivíduo, a saber, o pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico. A primeira diz respeito à valorização dos
diferentes conhecimentos, a partir do diálogo entre as culturas e da demarcação de saberes
(COBERN; LOVING, 2000), na qual o/a professor/a busca esclarecer as limitações e
potencialidades de cada conhecimento dentro de seus respectivos contextos. O
multiculturalismo crítico, por sua vez, problematiza as relações de poder que se formam entre
as diferentes culturas e questiona a educação monocultural da nossa sociedade (MCLAREN,
1997).
Argumentamos que discussões nessas perspectivas podem contribuir para promover
debates acerca de questões políticas, culturais, sociais e étnicas no processo de instrução
dos/as estudantes. Assim, para além dos conteúdos conceituais, faz parte do papel da escola,
bem como dos/as atores/as educacionais que a compõem, contribuir para a construção de uma
sociedade mais humana, compassiva e justa, por meio da abordagem de temas transversais.
Para tanto, faz-se necessário um trabalho de pesquisa, a fim de identificar as potencialidades
dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais para a inserção desses temas.
Na área da Biologia, a Genética se destaca por sua incursão em vários fenômenos
sociais, em relação aos quais se faz necessária a participação crítica de todos os cidadãos
(MARÍN, 2013), tais como testes de paternidade feitos para desvendar casos judiciais; a
questão do consumo de alimentos transgênicos; os estudos sobre modificação genética e
melhoramento genético; o tratamento de doenças crônicas, entre outros (MALIMPENSA;
RINK, 2017). Além desses temas, no contexto do ensino de Genética, podemos suscitar
discussões referentes a natureza da ciência, eurocentrismo, racismo científico, eugenia, visões
epistemológicas dos povos africanos e afro-diaspóricos, mito da democracia racial e políticas
de ações afirmativas.
76
Como podemos perceber, os conhecimentos do conteúdo de Genética são
interdisciplinares e apresentam relação direta com o contexto sociocultural contemporâneo
(JANN; LEITE, 2010). Além disso, a Genética representa um dos principais ramos da
Biologia, sendo necessária para o entendimento de conceitos mais avançados dessa ciência
(BONZANINI; BASTOS, 2005; GRIFFITHS et al., 2006). Por exemplo, graças ao
conhecimento da Genética, podemos compreender diversos fenômenos ligados à evolução das
espécies, entender a origem e o funcionamento de vários processos fisiológicos e até mesmo
os mecanismos de ação de certas doenças (JUSTINA; RIPPEL, 2003).
Nesse contexto, é importante que as pessoas compreendam os conteúdos e conceitos
denominados científicos (MEZALIRA; ARAÚJO, 2007), da mesma forma que é importante
entender como outras culturas aclaram fenômenos explicados pela Genética, para que, no seu
cotidiano, as comunidades decidam eticamente como lidar com esse conhecimento, podendo
interpretar, compreender e transformar a realidade em que vivem. Entretanto, em paralelo à
importância conferida ao ensino de Genética para a tomada de posição frente a várias
questões políticas, sociais, culturais e étnicas, têm sido enfatizadas por diversos/as autores/as,
inúmeras dificuldades quanto a sua abordagem (JUSTINA; RIPPEL, 2003; RESENDE;
KLAUTAU-GUIMARÃES, 2011; GOLDBACH; EL-HANI, 2008; JOAQUIM; EL-HANI,
2010; INFANTE-MALACHIAS et al., 2010; SCHNEIDER et al., 2011; BELMIRO;
BARROS, 2017).
De acordo com Goldbach e El-Hani (2008), os conteúdos de Genética apresentam um
grau elevado de dificuldade tanto para ensinar quanto para aprender, sobretudo, devido à
complexidade dos fenômenos a que se referem e a discussão sobre sua construção conceitual,
além da organização curricular usualmente sugerida no currículo, na qual o conteúdo de
ácidos nucleicos e divisão celular por exemplo, são abordados comumente no primeiro ano do
ensino médio, enquanto que a Genética é discutida dois anos depois, levando a
descontinuidade do assunto. Uma investigação desenvolvida por Belmiro e Barros (2017),
com estudantes de um curso pré-vestibular no município de Contagem, MG, mostrou que a
maioria dos/as participantes da pesquisa apresentava dificuldades no entendimento de vários
temas a respeito de Genética, possivelmente devido à descontinuidade no processo de ensino
e aprendizagem. Outra pesquisa, desenvolvida por Infante-Malachias et al. (2010), com
estudantes de seis diferentes cursos brasileiros de graduação na área da saúde, com o objetivo
de analisar a compreensão dos mesmos quanto aos conceitos básicos em Genética, revelou
77
que futuros professores e outros profissionais de saúde compartilham uma compreensão
distorcida da Genética elementar.
Considerando as dificuldades supracitadas referentes ao ensino de Genética, bem
como a importância que argumentamos de um currículo com propostas de ensino orientadas
para promover debates acerca de questões políticas, culturais, sociais e étnicas, torna-se
importante avaliar como pesquisadores/as brasileiros/as da área de ensino de Ciências e
Biologia têm proposto, desenvolvido e analisado experiências didáticas nesse campo. Assim,
este capítulo objetivou analisar formas de abordagem didática de Genética propostas para o
Ensino Médio ou para a formação de professores/as, por meio de uma revisão sistemática das
experiências didáticas relatadas no ENPEC, bem como discutir se as propostas em questão
estão de acordo com os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico.
2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO
A presente pesquisa se apresenta como uma revisão sistemática da literatura, uma vez
que se propõe a identificar, selecionar, organizar e classificar informações relevantes sobre
determinado assunto, através da síntese dos resultados de diversos estudos (RAMOS; FARIA;
FARIA, 2014). Ainda segundo as autoras, a revisão sistemática da literatura propõe uma
reconstrução do percurso conceitual e metodológico na escolha de fontes bibliográficas,
envolvendo uma recolha exaustiva dos textos publicados sobre um tema, com o propósito de
discutir as pesquisas disponíveis acerca de uma questão específica.
A fim de encontrar, avaliar e sintetizar os resultados de pesquisas relevantes na área
em estudo, uma revisão sistemática precisa de objetivos bem delimitados; expressões ou
palavras a combinar; bases de busca previamente selecionadas; critérios de inclusão dos
textos para a amostra; critérios de validade metodológica, que asseguram a objetividade da
pesquisa; além de um tratamento rigoroso dos dados, a fim de filtrar e analisar criticamente os
resultados da pesquisa (RAMOS; FARIA; FARIA, 2014).
As observações supracitadas foram atendidas na presente pesquisa. Para a definição do
corpus de análise, selecionamos os artigos disponíveis em anais de nove edições do Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), abrangendo o período de 2001 a
201711, os quais buscamos entre os meses de novembro de 2017 e janeiro de 2018. O critério
11 Os trabalhos das edições do ENPEC estão disponíveis no site do evento:
http://abrapecnet.org.br/wordpress/pt/enpecs-anteriores/.
78
de escolha do evento foi a relevância para a área de ensino de Ciências e Biologia e para o
campo da pesquisa nessa área.
Utilizamos, como critério principal de inclusão, artigos que trouxessem relatos de
experiências didáticas em Genética, voltadas tanto para o ensino médio quanto para a
formação de professores/as de Ciências e Biologia. Foram excluídos da amostra os trabalhos
que se limitaram a apresentar uma sequência didática, ainda que referente ao conteúdo de
Genética, sem discutir os resultados alcançados com a aplicação da mesma, bem como
aqueles cuja discussão ficou restrita a avaliar os conhecimentos dos/as participantes,
construídos por meio da atividade sugerida, através da utilização de questionários pré-teste e
pós-teste, sem, contudo, apresentar um relato da experiência didática desenvolvida.
Nos casos em que o sistema permitia a busca por palavra-chave, a pré-seleção dos
trabalhos foi feita utilizando os seguintes descritores: Ensino; Biologia; ensino de Genética;
Genética – um descritor por vez. Nos casos em que o sistema não disponibilizava a opção de
busca por palavra-chave, optamos por ler o título, o resumo e as palavras-chave de todos os
trabalhos, dos quais selecionamos aqueles que tinham potencial de se enquadrar na amostra,
por apresentar o tema da investigação. Nos anais em que os trabalhos apresentados no formato
de banner foram submetidos na forma de resumos, consideramos apenas as publicações dos
trabalhos completos, relativas às apresentações orais.
Dessa forma, selecionamos 52 artigos, que foram lidos na íntegra. Destes, 22 trabalhos
eram de fato relatos de experiências didáticas, compondo nossa amostra. Dos artigos
selecionados para a amostra, analisamos se as abordagens didáticas de Genética eram
condizentes com o pluralismo epistemológico e/ou o multiculturalismo crítico. Para tanto,
consideramos categorias de análise a priori, relacionadas às características dessas
perspectivas teóricas brevemente apresentadas na introdução, bem como avaliamos se as
abordagens didáticas articulavam o conteúdo de Genética com discussões acerca do
eurocentrismo e/ou racismo. Essa organização seguiu os princípios da análise de conteúdo
(BARDIN, 2009).
A análise de conteúdo proposta por Bardin (2009) tem como finalidade principal a
interpretação das comunicações, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição das
mensagens. A autora assinala três fases no trabalho com a organização da análise de
conteúdo: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados: inferência e
interpretação. Na pré-análise, organizamos o material selecionado para a amostra, em
79
seguida, foi realizada uma leitura flutuante dos trabalhos, seguida da demarcação do que seria
analisado, por meio de recortes dos artigos e preparação do material.
Na exploração do material, que se refere à segunda fase, definimos as categorias de
análise, realizando o reagrupamento por analogia a partir de critérios definidos previamente a
fim de possibilitar a inferência. Além disso, identificamos as unidades de registro, no nosso
caso, unidades semânticas, pois se referem ao sentido/significado do texto e as unidades de
contexto, ou seja, partes do texto que nos permitiram compreender as unidades de registro, as
quais apresentaremos no curso da análise. O quadro abaixo exibe as categorias e unidades de
registro12 (Quadro 1).
Quadro 1. Apresentação das categorias de análise e as respectivas unidades de registro
semânticas/temáticas.
Categorias Unidades de registro semânticas/temáticas
(i) Abordagem
quanto à dimensão
epistemológica
Problematização quanto a abordagem cientificista
Orientação de que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu
alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado
(ii) Abordagem
quanto ao diálogo
intercultural
Articulação entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos
denominados científicos
Problematização das evidências que os/as cientistas usam como apoio
às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios suficientes que
contribuam para a compreensão das ideias denominadas científicas
(iii) Abordagem
quanto às
implicações e
intenções políticas
Articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,
sociológicos, culturais e outros
Questionamento em relação a naturalização de preconceitos e
discriminação, buscando interrogar o caráter monocultural e o
eurocentrismo na ciência
(iv) Adoção de
estratégias de
ensino
Temas abordados
Preocupações e intenções formativas
Atividades mais frequentes
Na terceira fase, que diz respeito ao tratamento dos resultados: inferência e
interpretação, realizamos o estudo aprofundado dos trabalhos a partir da reflexão crítica e da
intuição das pesquisadoras, tornando os resultados significativos e válidos.
12 Na definição das unidades de registro, optamos por selecionar duas características, as mais
representativas de cada categoria, referente ao formulário metodológico que será apresentado no
capítulo quatro, a fim de viabilizar a análise.
80
2.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram selecionados 22 trabalhos em nove edições do Encontro Nacional de Pesquisa
em ensino de Ciências – ENPEC, cuja característica em comum era apresentar um relato de
experiência didática acerca do conteúdo de Genética, seja para a educação básica ou para o
ensino superior. No quadro 2 apresentamos as publicações selecionadas.
Quadro 2. Publicações selecionadas em nove edições do ENPEC, com descrição do código do
trabalho, seguida da edição do evento, título e autoria da pesquisa.
Código Edição Título do trabalho Autores/as
A1 IV
ENPEC
DNA & ambiente: Uso do ensaio cometa como
ferramenta para discussão interdisciplinar de
lesão e reparo do DNA na pós-graduação em
ensino de Ciências
SILVA, J. da; NETO, A. S.
de A.
A2 VI
ENPEC
A Genética como foco de análise quanto às
possíveis relações CTS: Reflexos sobre a
formação de professores no ensino superior
MEZALIRA, S. M.;
ARAÚJO, M. C. P. de.
A3 VI
ENPEC
Diagnóstico inicial das dificuldades de
articulação e sobreposição dos conceitos básicos
da Genética utilizando jogos didáticos
PEREIRA, A. F.; LEÃO, A.
M. dos A. C.; JÓFILI, Z. M.
S.
A4 VII
ENPEC
Os modelos didáticos com conteúdos de Genética
e a sua importância na formação inicial de
professores para o ensino de Ciências e Biologia
SETÚVAL, F. A. R.;
BEJARANO, N. R. R.
A5 VIII
ENPEC
A inovação metodológica no ensino de Biologia
como ferramenta na abordagem de células-tronco
ALMEIDA, F. de L.
A6 VIII
ENPEC
Estudos preliminares sobre a utilização de
recursos multimodais no Ensino de Biologia
Molecular no Ensino Médio
COSTA, F. de J.; SANTOS,
N. da S.; CHAVES, A. C. L.
A7 VIII
ENPEC
Células-tronco no reparo tecidual e sua
representação em jogo didático: Rompendo
paradigmas no ensino de biotecnologia
OLIVEIRA, G. P. de;
CARVALHO, S. N. de;
GÓES, A. C. de S.
A8 VIII
ENPEC
Raça ou espécie? Relações interpessoais em sala
de aula
PEDRANCINI, V. D.;
CORAZZA, M. J.
A9 VIII
ENPEC
A divulgação científica como estratégia de ensino
dos principais conceitos básicos de Genética
RESENDE, T. A.;
KLAUTAU-GUIMARÃES,
M. N.
A10 VIII
ENPEC
A percepção de alunos do ensino médio em
relação à interação gene-organismo-ambiente
SCHNEIDER, E. M.;
JUSTINA, L. A. D.;
MEGLHIORATTI, F. A.
A11 VIII
ENPEC
A utilização de filmes na mediação da
aprendizagem de temas sobre a aplicação do
FRANÇA E SILVA, D. de
S.; FRENEDOZO, R. de C.
81
conhecimento genético no ensino de Biologia
A12 IX
ENPEC
Aprender sobre herança genética: Mais de um
quadro de Punnett
MARÍN, Y. A. O.
A13 IX
ENPEC
Aplicação e teste de uma sequência didática
sobre sistema sanguíneo ABO no ensino médio
de biologia
PINHEIRO, S. A.; COSTA,
I. A. S. da; SILVA, M. F.
da.
A14 IX
ENPEC
O jogo didático como contexto para a
identificação de lacunas de Genética Sistêmica
SILVA, V. F. da;
CARNEIRO-LEÃO, A. M.
dos A.; JÓFILI, Z. M. S.
A15 IX
ENPEC
Os heredogramas familiares no estudo da
hereditariedade e do contexto histórico e
sociocultural dos estudantes
VESTENA, R. de F.;
SEPEL, L. M. N.;
LORETO, É. L. S.
A16 X
ENPEC
O processo curricular sobre a temática dos
transgênicos no ensino de Biologia: as
concepções dos alunos
COSTA, L. C. da; SICCA,
N. A. L.
A17 X
ENPEC
O ensino de síntese proteica sob uma perspectiva
inovadora
MOUL, R. A. T. de M.;
SILVA, F. C. L. da.
A18 X
ENPEC
PIBID: Atividade de Genética como ferramenta
no ensino de Biologia
MUROLLO, B. D.
A19 X
ENPEC
Elaboração de tirinhas de história em quadrinhos
sobre o conceito de gene por estudantes de ensino
superior
PEDREIRA, M. M.;
OLIVEIRA, S. F. de;
KLAUTAU-GUIMARÃES,
M. de N.
A20 X
ENPEC
Investigação de princípios de design para
sequência didática sobre os mecanismos de
transmissão de características hereditárias
monogênicas autossômicas
RIOS, K. B. O.
A21 XI
ENPEC
Brincando com a dificuldade do ensino da
Genética
FERREIRA, C. P. et al.
A22 XI
ENPEC
Sinalizando possibilidades no ensino de
Genética: Avaliação de uma proposta prática
utilizando a abordagem histórica
NORATO, A. G. F. et al.
Fonte: Dados da pesquisa.
2.3.1 Abordagem quanto à dimensão epistemológica
A epistemologia ou teoria do conhecimento diz respeito ao estudo filosófico acerca da
natureza, fontes e validade do conhecimento. Assim, são questões de interesse da
epistemologia os métodos científicos, a demarcação do conhecimento denominado científico,
mudanças e status desse conhecimento (APOSTOLOU; KOULAIDIS, 2010). Uma
82
abordagem epistemológica no ensino de Ciências implica em promover discussões quanto à
construção dos conceitos denominados científicos, ao passo que aproxima à produção de
conhecimentos dos/as estudantes, contribuindo para que ela seja humanizada. Todavia,
Oliveira (2002) destaca que é comum entre os/as professores/as de Ciências uma ideia muito
estereotipada sobre o que seja a ciência, seu funcionamento e o valor dos conhecimentos que
ela produz. Em consequência, essa visão tende a se manifestar no âmbito escolar, ocorrendo o
predomínio da perspectiva lógico-positivista de uma ciência ocidental moderna13, na qual a
pesquisa é marcada pelo método experimental como única forma de produção de
conhecimento, cujo resultado é qualificado como absolutamente verdadeiro, imutável e
universal.
Tendo em vista a importância da abordagem epistemológica para o entendimento do
complexo processo de construção das ciências, bem como uma visão crítica frente à produção
desses conhecimentos, analisamos nesta categoria se os trabalhos aqui apresentados
problematizam a abordagem cientificista que caracteriza a área do ensino de Ciências e
discutem o alcance e a validade do conhecimento científico ocidental em determinados
contextos. Entendemos por cientificismo a abordagem que confere superioridade à ciência
ocidental moderna em detrimento de outras ciências. Assim, os trabalhos que apresentam
algum grau de problematização nesta categoria deverão discutir as limitações da ciência
hegemônica, bem como o processo de construção social desse conhecimento e seu caráter
provisório, abrindo espaço para a discussão de outros saberes, que devem ser valorizados
dentro de seus próprios domínios, tal como propõe o pluralismo epistemológico.
A maioria dos trabalhos (20, 90,9%) não apresentou no corpo do texto nenhuma
referência quanto à problematização da abordagem cientificista. Destes, dois (A1 e A3)
deixaram explícita a abordagem direcionada exclusivamente para a aprendizagem de
conceitos denominados científicos, apresentando-os como eixo central da proposta didática
relatada, conforme podemos perceber nas seguintes unidades de contexto:
A atividade foi aplicada [...] para avaliação conceitual sobre o DNA, desde a
compreensão da sua estrutura, função, lesão (natural e/ou antropogênica) e
reparo (A1, p. 1). [...] Resultados indicam uma clara evolução conceitual,
principalmente sobre lesão e reparo do DNA, em especial entre estudantes
provenientes de outros cursos fora da Biologia. [...] talvez os estudantes de
Biologia apresentem alguma resistência a mudança de conceitos (A1, p. 9).
13 Propomos a pluralização do termo – ciências, de modo a reconhecer as produções fora do escopo da
cultura ocidental moderna também como produções científicas. Assim, especificamos ciência
ocidental moderna ou ciência hegemônica ou acadêmica, ciências dos povos indígenas, ciências dos
povos africanos...
83
O objetivo deste trabalho é apresentar o desenvolvimento e aplicação de dois
jogos utilizando conceitos formais básicos da Genética a fim de diagnosticar
o estabelecimento da associação/relação, da articulação e da sobreposição
desses conceitos com os de áreas afins (A3, p. 1). [...] Quanto à sobreposição
dos conceitos é provável que o reforço da pesquisadora, neste aspecto, tenha
favorecido a colocação de mais de um conector, pois se observou não haver
uma visão conceitual em rede nos dois grupos (A3, p. 10).
Podemos perceber, pela análise da descrição dos objetivos dos trabalhos, que as
atividades desenvolvidas têm a finalidade de contribuir para a aprendizagem de conceitos que
compõem o currículo de Biologia, na área de Genética. Não é discutido nos artigos o processo
de construção de tais conceitos, como também não são apresentadas as discussões relatadas na
literatura especializada quanto a crise do conceito de gene, por exemplo, cuja definição é
tratada em ambos os trabalhos de forma superficial, reproduzindo a abordagem comum em
livros didáticos, referentes ao conceito mendeliano clássico.
O trabalho A2, embora não tenha apresentado indícios de discussão frente às
limitações da ciência hegemônica, merece destaque por ter apresentado uma visão crítica
sobre os avanços científicos e tecnológicos, trazendo a proposta de abordar o tema
“Imunogenética” na perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Todavia, o relato
apresenta uma discussão superficial da Ciência e da Tecnologia, as quais são descritas como
atualidades que promovem o bem-estar social, sem aprofundamento nas implicações sociais e
éticas no contexto dos conteúdos de sistemas sanguíneos ABO e fator Rh de seres humanos e
do sistema de histocompatibilidade (HLA), tal como proposto nos objetivos do trabalho.
Destacamos os artigos A19 e A21 por terem sido os únicos da amostra que buscaram,
na discussão dos seus respectivos relatos de experiência, questionar a superioridade
sociocultural dada aos conhecimentos científicos ocidentais. O primeiro, ao questionar o
conceito de gene difundido nos livros didáticos, apresenta uma discussão aprofundada do
processo de construção histórica da ciência ocidental, promovendo um debate com estudantes
de graduação quanto à polissemia do termo “gene”, proveniente dos avanços na área da
biologia molecular. Esses avanços, segundo os autores, são responsáveis por desestabilizar os
conhecimentos atuais sobre o conceito de gene, abrindo portas para novas interpretações e
avanços na área. O artigo A21 discute a ciência ocidental como um processo histórico e
humano, também atendendo a essa categoria. Essa abordagem acontece no contexto de uma
oficina com professores/as e licenciandos/as de Ciências Biológicas sobre determinados
conceitos em Genética, como genótipo, fenótipo, fluxo gênico e heredograma, a partir da
utilização de modelos e jogos didáticos. Destacamos a preocupação das autoras em discutir as
84
“(...) revisões que estão ocorrendo no âmbito das pesquisas da biologia contemporânea que
destaca a complexidade do tema e a tendência a ser criticada pela simplificação conceitual
(A21, p. 7)”.
Argumentamos que, além de entender os conceitos ou teorias da ciência ocidental
moderna, é importante que os/as estudantes apreciem a construção social desse conhecimento
e percebam suas limitações. Nesse processo, os/as professores/as têm um papel importante em
articular uma discussão reflexiva, na qual diferentes posições são explicadas e, em seguida,
comparadas e contrastadas em busca da melhor interpretação, tal como o trabalho do cientista.
A partir da combinação de informações sobre a ciência ocidental e da consideração frente à
confiabilidade das fontes dos dados científicos, espera-se que os/as estudantes sejam capazes
de desenvolver visões mais críticas acerca das questões que são de relevância científica e
social (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000).
Nesse ínterim, analisamos também se os trabalhos apresentavam alguma orientação de
que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser
adequadamente aplicado. Essa abordagem pode ser facilitada a partir da discussão de vários
saberes no contexto do ensino de Genética, a fim de contribuir para a percepção de que a
ciência ocidental representa mais uma entre tantas outras ciências igualmente válidas. Além
disso, na análise dessa unidade de registro, também buscamos por uma abordagem voltada
para a história das ciências, que valoriza a construção desses conhecimentos considerando as
limitações de cada época. Segundo Clément (2006), é importante discutir que qualquer
conhecimento num determinado período não representa uma verdade definitiva, e poderia ser
chamado, a posteriori, de “equívoco”! Assim, considerar a história das ciências no ensino de
Genética implica em entender que as concepções dos/as cientistas são frequentemente
resultado de interações entre os valores e os conhecimentos de sua época.
No que se refere a essa unidade de registro, novamente a maioria dos trabalhos (20,
90,9%) não apresentou a discussão correspondente. Em geral, os/as autores/as enfatizavam
unicamente a abordagem dos conhecimentos científicos escolares presentes no livro didático,
como mostram os excertos: “Nossos resultados evidenciaram que os alunos têm interesse,
mas possuem concepções cientificamente incorretas sobre os temas em questão” (A6, p. 1) e
“Apesar dos termos biotecnologia e Engenharia Genética serem pouco citados nos textos dos
alunos, a explicação correta de transgênicos aparece de forma simples (A16, p. 5)”. Como
podemos perceber, há uma valorização aparente dos conhecimentos denominados científicos,
85
tendo em vista a falta da abordagem de como outras culturas poderiam explicar os mesmos
fenômenos em pauta na aula.
A falta de uma abordagem mais contextual sobre a natureza da ciência ocidental pode
ser reflexo de uma formação cientificista. Historicamente, o ensino de Ciências valorizou os
conhecimentos denominados científicos em detrimento de outras formas de saber, além disso,
é comum que os/as professores/as se baseiem apenas nos livros didáticos para planejarem o
desenvolvimento de suas aulas, e, estes se apresentam muito limitados, sendo que quando
promovem discussões que envolvam cultura, sociedade ou ambiente, o fazem como apêndice,
ao final do capítulo, como sendo informações adicionais de menor relevância acadêmica.
Também pode ser que, por falta de espaço, os/as autores/as não tenham deixado explícito, no
contexto do relato da experiência, a discussão sobre o alcance e validade dos conhecimentos,
tendo em vista que os trabalhos deste evento têm número de páginas limitado (até 13
páginas). Percebemos isso nos trabalhos A4, A8, A12 e A20, pois estes apresentaram no
referencial teórico a importância da discussão referente a natureza das ciências, mas não
abordaram essa reflexão nos resultados. Como exemplo, destacamos um trecho da discussão
de literatura de A4:
Para tanto, que este ocorra a partir do ensino sobre Ciências, sendo
necessário incluir nessa perspectiva o conhecimento sobre a História,
Filosofia e Epistemologia das Ciências, bem como a contribuição dessas
áreas para o conceito no campo da ciência, o entendimento da natureza da
ciência e o fazer ciência, visando assim a humanização das ciências que
estão sendo trabalhadas em sala de aula (A4, p. 10).
Embora os trabalhos supracitados tenham feito essa reflexão no curso do referencial
teórico, não apresentaram nas discussões do relato uma preocupação correspondente.
Destacamos também A15, A18 e A21, que apresentaram nos resultados e discussões, de
forma bem discreta, a preocupação de adequar os conhecimentos denominados científicos ao
contexto em que eles podem ser aplicados, como por exemplo: “Percebemos que as
constatações e análises dos estudantes se fortaleceram quando tiveram acesso aos conceitos
sistematizados pela comunidade científica de modo contextualizado (A15, p. 6) ” e “(...) a
ideia de que um casal vai ter um filho e certas características vão ser herdadas, bem como o
levantamento das características da classe, possibilitou uma proximidade da atividade com a
vida deles (A18, p. 6)”. Todavia, não houve uma discussão acerca de experiências cotidianas
dos conhecimentos ou da história das ciências no decorrer do trabalho.
De todos os trabalhos analisados, apenas em A19 e em A22 percebemos a orientação
de que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser
86
adequadamente aplicado. O primeiro, ao se referir às possíveis aplicações de diferentes
conceitos de gene em diferentes situações, e o segundo, na medida em que considerou a
História da Genética como elemento de contextualização para discutir sobre manipulação
genética. Seguem trechos da discussão de A22 para exemplificar: “Com a linha do tempo
fixada no quadro, os alunos puderam perceber que a história é dividida em períodos e que
esses períodos têm características sócio-históricas diferentes (A22, p. 7)” e:
(...) os resultados indicaram que, a partir da contextualização histórica, a
atividade aproximou os alunos dos avanços genéticos, promovendo a relação
do conteúdo (manipulações genéticas) da realidade dos alunos [...] A
variação de período histórico dos experimentos (Antiguidade até Século XX)
foi proposital para que os alunos percebessem a perspectiva processual da
Ciência (A22, p. 7).
Entendemos que a abordagem histórica das ciências pode auxiliar professores/as de
Ciências e Biologia a superar concepções ingênuas sobre a natureza dos conhecimentos,
contextualizando os conteúdos e apresentando suas limitações (NORATO, 2017). Percebemos
que em A22, embora as discussões tenham sido limitadas em relação a outros sistemas de
conhecimento distintos dos saberes ocidentais, houve uma preocupação voltada para a
construção humana e processual daqueles conhecimentos.
Em suma, sinalizamos a carência nos trabalhos quanto à dimensão epistemológica,
seja por falta de prioridade em suscitar abordagens dessa natureza no contexto do ensino de
Genética, seja pela falta de espaço para aprofundar nessa discussão, considerando o limite de
páginas para a publicação dos trabalhos no evento. Entendemos também que nem toda
abordagem didática precise necessariamente levantar discussões dessa natureza para ter valor
didático-formativo, mesmo porque a abordagem pedagógica depende das intenções educativas
envolvidas no planejamento de determinada aula. Assim, mesmo as abordagens didáticas que
não apresentaram esta preocupação têm sua importância dentro dos objetivos que se
propuseram a atingir.
2.3.2 Abordagem quanto ao diálogo intercultural
O diálogo respeitoso entre diferentes perspectivas culturais representa um caminho
frutífero para práticas pedagógicas sensíveis à diversidade e comprometidas com as
diferenças. O espaço para o diálogo contribui para a valorização dos conhecimentos dos/as
estudantes, bem como de suas culturas. Para tanto, seria necessário repensar as práticas de
ensino de Ciências, visando retratar o conhecimento científico ocidental como socialmente
87
construído (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000), de modo que este seja percebido como
uma das formas de explicação dos fenômenos naturais, não a única e, assim, haja espaço para
a discussão das demais ciências. Essa mudança de perspectiva no ensino requer que haja
espaço nas salas de aula para as atividades discursivas, com destaque para o diálogo e a
argumentação.
Tendo em vista a importância do diálogo intercultural para a valorização dos saberes
dos/as estudantes, bem como para o entendimento da ciência ocidental como construção
humana e social, buscamos nessa categoria analisar se os relatos de experiência em questão
buscaram articular os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos científicos ocidentais e
também se envolviam, no curso da discussão dos trabalhos, problematização das evidências
que os/as cientistas usam como apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios
suficientes para a compreensão das ideias científicas como socialmente construídas, e não
como resultados finais inquestionáveis, precisos e imutáveis.
Quanto à articulação entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos
científicos ocidentais, percebemos diferentes estratégias, com diferentes finalidades, indicadas
pelos/as autores/as. Entre os trabalhos, 7, 32% apresentaram preocupação em articular os
diferentes saberes, mas numa perspectiva de mudança conceitual. Assim, embora estes
trabalhos suscitassem uma discussão acerca dos saberes prévios dos/as estudantes, não o
faziam com o objetivo de demarcar os conhecimentos, conferindo igual relevância aos
conhecimentos ocidentais, mas sim, de substituí-los por outros. Outra parte dos trabalhos (11,
50%) buscava conhecer o que os/as estudantes sabiam acerca dos conhecimentos
denominados científicos, a fim de articular com outros mais bem elaborados. Uma menor
parte dos trabalhos (2, 9%) não mencionou preocupação em articular os diferentes saberes e,
por fim, dois trabalhos (9%) discutiram os conhecimentos dos/as estudantes no sentido do
pluralismo epistemológico, no que se refere à demarcação de saberes e valorização dos
conhecimentos culturais dos/as estudantes, embora não tenham adotado este referencial.
Os trabalhos A1, A3, A5, A6, A9, A10 e A13 defenderam, na discussão, a perspectiva
de mudança conceitual, ou seja, a importância de substituir os conhecimentos prévios dos/as
estudantes, de diferentes naturezas, pelos conhecimentos científicos ocidentais, tal como
percebemos em trechos retirados de A5 e A6:
Quebrar conceitos e construir novos é indispensável já que uma maioria tem
sua argumentação fundamentada no que a mídia expõe. [...] foi possível
identificar que, por meio da estimulação os alunos foram mostrando fatores
88
que mostravam que a sua concepção estava de acordo com o que a ciência
descrevia (A5, p. 3).
Ressalta-se que foram consideradas concepções corretas as respostas com
embasamento científico e definições claras que demonstraram que o aluno
apresentava domínio e fluência frente ao tema relacionado (A6, p. 4).
O modelo de mudança conceitual, que visa a substituição de concepções anteriores de
uma pessoa por outro conjunto de conceitos incompatíveis com o primeiro (POSNER et al.,
1982), tem sido criticado, sobretudo pelo insucesso do/a professor/a em tentar mudar
concepções que são úteis para os/as estudantes em seus contextos. Como alternativa ao
modelo de mudança conceitual foi proposta, na década de 1990, a ideia de perfil conceitual
(MORTIMER, 1995). Essa perspectiva pressupõe que as pessoas podem exibir diferentes
maneiras de ver e representar o mundo, que são usadas em diferentes contextos (EL-HANI;
MORTIMER, 2007). Destacamos que, na análise dos trabalhos aqui apresentados, a
abordagem pedagógica em Genética está sendo mais direcionada para a mudança de conceitos
e valorização da ciência ocidental, em detrimento de outras formas de explicar os fenômenos
naturais.
Como mencionado anteriormente, muitos/as autores/as também buscaram conhecer o
que os/as estudantes sabiam acerca dos conceitos científicos ocidentais, a fim de articular com
outros conhecimentos científicos mais bem elaborados. Neste caso, não percebemos interesse
por parte dos/as autores/as em conhecer todas as formas de explicação dos/as estudantes, mas
apenas o que eles/as sabiam sobre a ciência ocidental, para, assim, contribuir na construção de
conhecimentos mais precisos e complexos. Estes são os trabalhos A7, A8, A12, A14, A15,
A16, A17, A18, A19, A20 e A22. Podemos ver um exemplo no seguinte excerto: “Os dados
revelam que a maioria dos alunos modificou as concepções sobre transgênicos se
aproximando de conceitos científicos (A16, p. 1)”. Nestes trabalhos, os/as autores/as
mostravam maior empenho em acrescentar explicações científicas ocidentais mais complexas
no repertório de saberes ocidentais dos/as estudantes, tendo em vista que essa era a única
lógica de produção de conhecimentos apresentada.
A nossa cultura escolar, assim como a nossa sociedade, por imposição de uma ciência
hegemônica, não permite que os/as alunos/as ou professores/as conheçam, discutam e
questionem diferentes ciências. Logo, a única ciência que muitos alunos/as conhecem é a
ocidental, tanto pelo conhecimento advindo da sociedade quanto da escola. Argumentamos
que a superação dessa visão ocorreria com uma abordagem orientada pelo diálogo entre o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico.
89
De acordo com El-Hani e Mortimer (2007), a compreensão deveria ser o objetivo da
educação escolar. Segundo os autores, o/a professor/a deveria ensinar Ciências a fim de que
os/as estudantes entendessem os conceitos e pressupostos dessa cultura, o que não impediria
que os/as mesmos/as mantivessem suas concepções e crenças de outra natureza, ou seja, os/as
estudantes devem mostrar a capacidade de explicar uma determinada teoria científica ainda
que não acreditem nela, a fim de atingir os objetivos da educação em Ciências, sem modificar
suas concepções. Essa finalidade pode ser alcançada se o/a professor/a ensina de forma
culturalmente sensível, valorizando todas as formas de conhecimento, para além da ciência
ocidental, e delimitando o domínio de aplicação desses conhecimentos por meio da
demarcação de saberes. Percebemos essa preocupação em dois trabalhos (A2 e A4), conforme
podemos perceber pelos trechos “(...) Mas para isso é fundamental que os docentes trilhem
seus caminhos respeitando, compreendendo cada situação, cada estudante com suas histórias,
aprendizagens, valores” (A2, p. 9) e “(...) é importante haver uma relação entre os conteúdos
trabalhados em sala de aula e as visões de mundo dos estudantes, suas experiências e
expectativas” (A4, p. 8).
No que se refere à problematização das evidências que os/as cientistas usam como
apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios suficientes que contribuam para
a compreensão das ideias científicas ocidentais, destacamos que a maioria dos trabalhos (18,
82%) não discutiu esse aspecto, sendo que, para exemplificar, destacamos A1 e A5.
Percebemos em A1 que, ao tratar sobre gene, na discussão de DNA e meio ambiente, poderia
ter sido discutida a polissemia do termo, hoje considerado um conceito em crise (JOAQUIM;
EL-HANI, 2010), mas ao invés disso, foi apresentado um conceito com o fim em si mesmo.
Em A5, ao tratar sobre células-tronco, destacamos o seguinte trecho “A prática reflexiva
necessita ser uma atividade constante, já que os estudantes do ensino médio estão se
apoderando e se apropriando do conhecimento científico e seus conceitos continuamente (A5,
p. 10)”. Neste caso, embora percebamos uma preocupação com a atualização dos
conhecimentos científicos ocidentais, fica evidente a abordagem assimilacionista dos/as
autores/as, apresentando a preocupação de que os/as estudantes entendam mais as conclusões
dos estudos do que o processo de construção do conhecimento.
Vale ressaltar que em A15, A19 e A22, embora no contexto geral da discussão não
percebamos essa problematização explícita no trabalho, os/as autores/as parecem valorizar o
enfoque dinâmico da ciência ocidental, que se refere a um aspecto importante do diálogo
intercultural. Dessa forma, podemos inferir que a falta de problematização pode ter ocorrido,
90
seja porque não foi objetivo da abordagem didática proposta ou por falta de espaço,
considerando, mais uma vez, a limitação no número de páginas dos trabalhos submetidos ao
evento. Destacamos ainda que dois trabalhos (A11 e A14) apresentaram a problematização da
construção dos conhecimentos ocidentais apenas no referencial teórico, por exemplo, quando
A14 questiona “(...) uma formatação cartesiana-linear, bem como o imediatismo causa-efeito
(A14, p. 5)”, referindo-se à crítica ao ensino nessa vertente. Todavia, as discussões no relato
de experiência restringiram-se aos conhecimentos finais alcançados pelos/as cientistas, sem
discutir as evidências que levaram a determinadas explicações.
Foram quatro os trabalhos que apresentaram, na discussão da experiência referente à
abordagem em Genética, as problematizações levantadas pelos/as cientistas na construção dos
conhecimentos (A3, A10, A12 e A20). Em A3, no jogo didático de agrupar palavra, conceito
e imagem, referentes aos conceitos básicos de Genética, os/as participantes foram
estimulados/as a argumentar em torno de qual teria sido a explicação usada por cientistas da
área para a respectiva associação. Em A10, percebemos essa preocupação já que os/as
pesquisadores/as buscaram desconstruir a crença de que é possível prever as características
que o indivíduo vai expressar no futuro apenas tendo conhecimento do DNA. Nessa
discussão, compreendemos a inquietação em romper com o reducionismo da visão do
determinismo genético, evidenciando os argumentos dos/as cientistas para a compreensão
dessas ideias. A20 destacou a importância da “(...) aproximação dos/as alunos/as com o
processo de produção de conhecimento científico (p. 4)” e A12 enfatizou a relação entre os
conceitos e a importância em ressaltar mais o processo de construção do conhecimento que
seus dados conclusivos:
(...) avançando também no entendimento da estrutura celular necessária para
entender a importância das proteínas como expressão do genótipo para a
conformação do fenótipo. Desta forma, os alunos mergulham em um
ambiente de aprendizagem em que o mais importante não é aprender dados e
informações pouco integrados, o que não lhes permite atribuir explicações
mais complexas aos fenômenos relacionados aos processos da vida, mas o
mais importante é a construção de conhecimentos evidenciados na
compreensão de conceitos e seu uso ao explicar determinadas situações
(A12, p. 7, tradução nossa).
Ressaltamos a importância da problematização das evidências obtidas pelos/as
cientistas, bem como do caráter processual das ciências, por meio de uma abordagem
dialógica e interativa. Considerando que as ciências estão em constante transformação, é mais
relevante que os/as alunos/as conheçam como funciona o processo de construção do
conhecimento, ao invés de memorizar conceitos com um fim em si mesmo. Nessa
91
perspectiva, o/a estudante tende a construir um olhar crítico frente à ciência ocidental,
entendendo suas limitações, o que contribui para abrir espaço nas salas de aulas para outras
ciências, que precisam ser valorizadas dentro de seus próprios domínios, em contextos
específicos ou não.
Diante do exposto, a valorização e o respeito às diferentes formas de conhecer são
imprescindíveis para uma educação crítica. Mas para além dessa valorização e desse respeito,
defendemos que a educação promova mudança de atitudes, contribuindo para a transformação
social. Para tanto, consideramos as implicações e intenções políticas no âmbito educacional,
categoria que iremos discutir a seguir.
2.3.3 Abordagem quanto às implicações e intenções políticas
A educação para a transformação social demanda que o espaço escolar seja
comprometido com discussões políticas, sociais e culturais. Trata-se de extrapolar a
transmissão de conceitos e promover um ambiente de reflexão crítica. Nesse viés, analisamos
se os trabalhos de relatos de experiências sobre o conteúdo de Genética apresentavam, na
discussão das atividades realizadas, articulação do discurso biológico com discursos
históricos, políticos, sociais, culturais, entre outros. Além disso, buscamos mais
especificamente por discussões acerca da naturalização de preconceitos e discriminação,
questionando o caráter monocultural e o eurocentrismo.
A maioria dos trabalhos analisados (17, 77,3%) apresentou na discussão dos resultados
a articulação do discurso biológico com outros discursos de diferentes naturezas. Como
exemplo, citamos A1, que articulou as discussões sobre DNA com os fatores ambientais; A9,
que relacionou ciência, tecnologia e sociedade na discussão sobre clonagem e células-tronco;
e A19, que discutiu a construção histórica do conceito de gene. Destacamos ainda outros
exemplos, apontando excertos dos trabalhos A2, A8 e A15:
(...) propusemos discutir as implicações sociais e éticas da ciência e
tecnologia estudadas na Genética, na subárea da imunogenética, ou seja, no
estudo teórico e prático dos sistemas sanguíneos ABO e fator Rh de seres
humanos e do sistema de histocompatibilidade (HLA), que identificam os
diferentes seres vivos e que são testados no momento de realizar os
transplantes (A2, p. 2).
A organização do ensino baseou-se na investigação da prática social inicial
dos estudantes, contextualização e problematização dos conteúdos, que
foram trabalhados nas dimensões histórica, científica, cultural e social (A8,
p. 1).
92
Analisaram [os/as estudantes] as questões religiosas, éticas, culturais, sociais
e históricas em que estão imersas nas famílias dos estudantes ou estiveram
nas gerações anteriores [...]. Na redação, destacaram-se aspectos como: o
que se aprendeu ao realizar o trabalho e algumas constatações e
particularidades individuais e do contexto histórico e sociocultural (A15, p.
4).
A preocupação dos/as autores/as em discutir temas políticos apresenta indícios da
abordagem proposta pelo multiculturalismo crítico, que advoga a discussão de temas sociais,
culturais e políticos no contexto dos conteúdos disciplinares. Todavia, os trabalhos analisados
não tiveram como objetivo problematizar a luta pela representação das vozes oprimidas em
currículos e práticas pedagógicas, o que caracterizaria a abordagem multicultural crítica. Em
contrapartida, uma menor parcela dos trabalhos (5, 22,7%) se limitou a discutir apenas os
conhecimentos ocidentais da área da Genética, correspondendo aos trabalhos A12, A14, A17,
A18 e A21. Destacamos que A18 apresenta no referencial teórico a importância de abordar os
discursos sociais no curso das aulas de Genética, mas não leva essa discussão para o relato de
experiência sobre primeira lei de Mendel, que ocorre por meio de uma atividade prática com
foco restrito nos conhecimentos ocidentais.
Destacamos o potencial do conteúdo de Genética para discutir temas sociais, culturais
e políticos, tal como a naturalização de preconceitos e discriminações, uma vez que suscita
temas como melhoramento genético, eugenia, racismo científico com base em argumentos de
superioridade genética de raças, herança poligênica da cor da pele e reprodução assistida com
escolha de características genéticas “desejáveis”. Além disso, a história da construção dos
conhecimentos em Genética contribui para interrogar o caráter monocultural e o
eurocentrismo ao promover a discussão sobre como outras culturas/ciências explicam
fenômenos relacionados a essa área da Biologia, como, por exemplo, a herança gênica. Sobre
essas questões, percebemos que nenhum dos trabalhos analisados suscitou, no contexto das
discussões geradas a partir dos relatos de experiências em diversos temas da Genética, o
questionamento em relação à naturalização de preconceitos e discriminação, assim como
também não houve problematização quanto ao caráter monocultural e o eurocentrismo.
Podemos notar a preocupação dos/as autores/as dos relatos discutidos acerca da
necessidade de extrapolar as discussões meramente conceituais da Genética através da
articulação dos discursos biológicos com discursos de outras naturezas, mas há uma carência
explícita nas pesquisas desenvolvidas quanto à utilização dos conhecimentos genéticos para
desnaturalizar preconceitos, que historicamente foram reforçados com argumentos de
superioridade genética de raças, por meio do racismo científico, por exemplo.
93
O racismo científico diz respeito a práticas e discursos da ciência ocidental que
estiveram/estão envolvidos na determinação de padrões excludentes e em processos de
segregação de grupos humanos, com base na categoria raça (SÁNCHEZ-ARTEAGA;
SEPÚLVEDA; EL-HANI, 2013). Entendemos que o desenvolvimento de experiências
didáticas nas salas de aula, com base na história do racismo científico, pode contribuir para a
construção de uma análise crítica pelos/as estudantes frente à ideia de neutralidade da ciência
ocidental, além de desmistificar ideias que até os dias atuais circundam o pensamento social,
como a de existência de raças humanas.
A discussão a respeito da existência de raças humanas também compõe o leque de
possibilidades de questionamento crítico no contexto do ensino de Genética. É importante
esclarecer que, na contemporaneidade, o conceito de raça não se sustenta mais em base
biológica, pois pessoas fenotipicamente reconhecidas como pertencentes a um grupo étnico-
racial podem apresentar marcadores genéticos de outros grupos étnico-raciais. Portanto,
pretos, brancos e amarelos não têm marcadores genéticos que os diferenciem enquanto raça
(SCHUCMAN, 2012). Sobre isso, Munanga (2013) ressalta que menos de 1% dos genes que
constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da
pele, dos olhos e cabelos, não sendo suficiente para classificá-los em raças. Todavia, embora
muitas pesquisas apontem que a distinção entre raças não tem mais o fundamento biológico,
isto não é suficiente para extinguir o que culturalmente foi construído ao longo de séculos,
pois o conceito continua fortemente presente no âmbito social. Assim, os discursos sociais,
políticos, históricos e culturais merecem espaço no contexto do ensino de Genética.
Percebemos em A12 grande potencial para as discussões sobre racismo, uma vez que
discutiu sobre a herança da cor da pele. Todavia, os/as autores/as se limitam à explicação dos
conhecimentos referentes ao processo de herança genética, por meio da utilização de práticas
de extração do DNA, vídeo, pesquisas e exercícios desenvolvidos pelos/as estudantes. Em
A15, os/as autores/as apresentam no referencial teórico a possibilidade de discussões sociais
no conteúdo de hereditariedade: “Os fenômenos da hereditariedade são capazes de suscitar
discussões, curiosidades e, até mesmo, reforçar crenças e preconceitos (A15, p. 2)”. Todavia,
o trabalho não apresenta essa discussão no relato da experiência referente à construção de
heredogramas pelos/as estudantes.
Para resumir, apresentamos no quadro abaixo os trabalhos que atenderam a pelo
menos uma unidade de registro em cada categoria (Quadro 3).
94
Quadro 3. Resumo dos artigos que apresentaram discussões no sentido do PE e do MC, de acordo
com as categorias.
Categoria Artigos
Abordagem quanto à dimensão epistemológica A19, A21 e A22
Abordagem quanto ao diálogo intercultural A2 e A4
Abordagem quanto às implicações e intenções
políticas
A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, A10,
A11, A13, A15, A16, A19, A20 e A22
Fonte: Dados da pesquisa.
Em suma, nenhum dos trabalhos analisados atendeu as três categorias. Destacamos a
ausência de trabalhos que relacionassem o conteúdo de Genética com as discussões sobre
eurocentrismo e racismo, ou com outras questões de cunho cultural e político. Atribuímos
essa lacuna a vários fatores, que englobam desde o currículo escolar vigente, orientado pelas
formas de avaliação nacionais, que valorizam sobretudo os conhecimentos ocidentais, até a
formação cientificista de professores/as da área da Biologia.
O destaque dado à formação de professores por Moreira e Candau (2003) implica no
compromisso por uma formação crítica, na qual os/as professores/as possam entender a teia
da diversidade cultural, do reconhecimento das diferenças para construir igualdades de
direitos, dos impactos da sociedade globalizada na exclusão social, da importância de
entender historicamente por que as desigualdades se tornaram tão gritantes e, assim,
desnaturalizar a posição subalterna de grupos minoritários do ponto de vista do poder, embora
majoritários do ponto de vista numérico. Trata-se de uma preocupação voltada para a
formação cidadã, subsidiada pelo diálogo entre as ciências, que pode ser abordado por meio
de diversas metodologias didáticas, a fim de contribuir com o entendimento e motivação por
parte dos/as estudantes.
Compreendemos que a diversificação de metodologias na sala de aula tem maior
possibilidade de atender às especificidades dos/as estudantes, visto que cada um apresenta
uma forma própria de aprender, além do fato de que cada conteúdo exige uma abordagem
peculiar. Assim, apresentaremos na última categoria, as estratégias didáticas utilizadas
pelos/as pesquisadores/as para abordar o conteúdo de Genética, bem como os temas mais
discutidos para promover as experiências pedagógicas e as principais preocupações e
intenções formativas.
95
2.3.4 Abordagem das estratégias de ensino
De acordo com Pozo & Gomez (2009), não existem boas ou más formas de ensinar,
mas formas adequadas ou não para determinadas metas e em certas condições dadas. No
quadro abaixo está apresentado um panorama geral dos temas escolhidos pelos/as autores/as
para realizar intervenções didáticas sobre Genética, bem como as estratégias de ensino e o
nível ao qual se destinam as aulas propostas (Quadro 4).
Quadro 4. Relação do tema, estratégias didáticas e nível de ensino de cada artigo analisado.
Código Tema Estratégia (s) didática (s) Nível de ensino
A1 Genética molecular (do DNA
à síntese de proteínas)
Aula prática experimental, usando a
técnica do ensaio cometa, situação
problema e exercícios
Pós-graduação
A2 Imunogenética Aulas expositivas, elaboração de
textos e atividade prática experimental
de tipo sanguíneo do sistema ABO e
Rh
Graduação
A3 Conceitos básicos da Genética Jogo didático Ensino médio e
graduação
A4 Heredograma, fenótipo,
divisão celular, sistema ABO
/ Rh e Epistasia
Modelos didáticos Graduação
A5 Células-tronco e seu alto
poder de renovação
Debates e pesquisa bibliográfica Ensino médio
A6 Clonagem, transgênicos e
biotecnologia
Recursos multimodais (textos,
imagens estáticas e animadas,
esquemas, sons, etc.)
Ensino médio
A7 As células-tronco e o reparo
tecidual
Jogo didático Ensino médio
A8 Conceitos de espécie e raça Debates e interações discursivas Ensino médio
A9 Reprodução, variação e
transmissão da informação
Genética
Atividades com os livros “Clonagem -
Fatos e Mitos” e “DNA: o segredo da
vida”
Graduação
A10 Interação gene-organismo-
ambiente
Aulas expositivas dialogadas Ensino médio
A11 Clonagem, Células-tronco,
geneterapia, genoma humano
e casamento consanguíneo
Filmes, debates, aulas expositivas e
pesquisa
Ensino médio
A12 O quadro de Punnett e a
herança Genética
Aulas práticas de extração do DNA,
vídeo, pesquisas e exercícios
Nono grau da
Colômbia
A13 Herança do grupo sanguíneo
ABO
Texto de divulgação científica,
situação problema, atividade
experimental para determinar o tipo
sanguíneo e jogo didático
Ensino médio
96
A14 Expressão gênica Jogo didático “Dominando a
Expressão Gênica”
Pós-graduação
A15 Hereditariedade e
heredogramas familiares
Construção de heredograma e
pesquisas
Ensino médio
A16 Biotecnologia e transgênicos Textos de divulgação científica,
produção de vídeo, elaboração de
texto, discussão de situação-problema
Ensino médio
A17 Síntese proteica Jogo didático “O código dos vinte” Ensino médio
A18 Primeira lei de Mendel:
discutindo o conceito de
dominância e recessividade
Atividade prática para representar um
possível cruzamento entre dois
indivíduos
Ensino médio
A19 O conceito de gene Construção de tirinhas, pesquisas na
mídia e discussão
Graduação
A20 Genética mendeliana Aula expositiva dialogada, atividade
prática
Ensino médio
A21 Cromossomos, Fluxo gênico,
Genótipo x Fenótipo e
Heredograma
Modelos didáticos e jogo didático Professores e
graduandos
A22 Manipulação Genética e
história da Genética
Aula prática referente a montagem de
uma linha do tempo com os principais
experimentos sobre manipulações
genéticas
Ensino médio
Fonte: Dados da pesquisa.
A maior parte dos trabalhos (A3, A4, A8, A10, A14, A19 e A21) abordou conceitos
básicos e diversos do campo da Genética, tais como gene, cromossomo, genótipo, fenótipo,
epistasia, expressão gênica, dominância e recessividade; outros trabalhos discutiram sobre
herança genética (A9, A12, A13 e A15); células-tronco (A5, A7 e A11); Genética mendeliana
(A18 e A20); Genética molecular (A1 e A17); Biotecnologia e transgênicos (A6 e A16);
Imunogenética (A2) e História da Genética (A22). A valorização dos conceitos básicos em
Genética se justifica porque, a partir do entendimento destes, torna-se possível compreender
os mecanismos e fenômenos desse campo da Biologia. Chamou a atenção a escassez de
trabalhos que abordem a História da Genética, pois, a partir do entendimento do processo de
construção do conhecimento genético, pode-se compreender aspectos referentes às suas
limitações e relações com os aspectos socioculturais e políticos da prática dos/as cientistas.
Em relação às atividades desenvolvidas, foram constatadas as seguintes estratégias
didáticas: aula prática (9, 41% dos trabalhos), aula expositiva dialogada e debates (8, 36,4%),
pesquisas e leituras de textos de divulgação científica (7, 32%), jogo didático (5, 22,7%),
abordagem com situações-problema (3, 13,6%), filmes e documentários (2, 9%), atividades
com a utilização de modelos didáticos (2, 9%), elaboração de textos (1, 4,5%) e atividades
97
com recursos multimodais (1, 4,5%). Destacamos que em muitos relatos de experiência foram
utilizadas mais de uma dessas estratégias, o que explica as porcentagens apresentadas.
O enfoque prático mostra-se como uma das mais poderosas ferramentas para a
motivação dos/as estudantes, que tendem a participar das aulas e se envolverem com as
situações de aprendizagem. De acordo com Silvestre (2001), com o uso frequente das aulas
práticas, observa-se um considerável aumento no rendimento dos/as alunos/as, no que se
refere à aprendizagem dos conceitos, pois acabam por desenvolver maior interesse pela
disciplina. Percebemos, nos trabalhos analisados, um retorno muito positivo em relação às
aulas práticas, os quais indicam maior envolvimento dos/as estudantes nos processos de
aprendizagem. Também as aulas expositivas dialogadas e os debates aconteceram em número
significativo nos relatos de experiências analisados. Essas estratégias didáticas contribuem
para valorizar os conhecimentos presentes na estrutura conceitual dos/as alunos/as, de modo
que as aulas se tornem mais participativas (POZO; GOMEZ, 2009).
Na realização de debates, o/a professor/a pode utilizar questões-problema para
promover as discussões propostas, uma vez que as problematizações utilizadas como ponto de
partida favorecem o processo de reflexão, que, por sua vez, é um importante componente na
construção do conhecimento, sendo que essa estratégia foi utilizada em algumas experiências
relatadas. De acordo com Pedrancini e Corazza (2011), quando o educando participa de um
ambiente em que há diversidade de opiniões e argumentos, o pensamento e o discurso
individuais podem ser mais ricos. Outra atividade que se mostrou também bastante produtiva
foi a abordagem de Genética por meio da leitura de livros e artigos de divulgação científica,
em contraste com a predominância atual do uso dos textos de livros didáticos (RESENDE;
KLAUTAU-GUIMARÃES, 2011). Os textos de divulgação científica representam uma
leitura agradável para o/a estudante e, ao mesmo tempo, rica em informações, que se bem
exploradas podem representar uma estimulante estratégia didática.
Outra opção para o trabalho docente é a utilização de jogos e modelos didáticos. Os
jogos ganham espaço como ferramenta de aprendizagem, na medida em que induzem os/as
estudantes a tomar decisões, colocando-os em situação de desafio, favorecendo a motivação
interna, o raciocínio, a argumentação, a interação entre alunos/as e entre professores/as e
alunos/as (ANTUNES; MORAIS, 2010). Os modelos didáticos são muito utilizados em aulas
de Biologia para visualizar objetos de três dimensões, porém o/a professor/a precisa tomar
cuidado para que os/as estudantes não os vejam como simplificações do objeto real, mas, sim,
um esforço de explicar a organização da natureza (KRASILCHIK, 2008). Para atingir essa
98
finalidade, Setúval e Bejarano (2009) envolveram os/as estudantes na produção dos modelos
didáticos e tiveram resultados positivos em relação à aprendizagem de conceitos em Genética,
como heredograma, fenótipo e epistasia.
Por fim, dentre os vários recursos que foram utilizados pelos/as pesquisadores/as nos
relatos analisados, temos os filmes. Krasilchik (2008) afirma que técnicas difíceis de
descrever podem ser vistas e aprendidas quando os/as alunos/as observam os detalhes do
processo por meio de um filme ou documentário. Todavia, para a utilização desses recursos, é
importante que o/a professor/a faça uma avaliação prévia do filme, observando as adequações
quanto à idade e a interligação com os assuntos estudados em sala de aula. França e Silva e
Frenedozo (2011), utilizando filmes como estratégia didática para trabalhar com estudantes do
ensino médio os temas clonagem, células-tronco, geneterapia, genoma humano e casamento
consanguíneo, concluíram que a metodologia tem potencial para ampliar a compreensão dos
conhecimentos estudados, uma vez que simula situações práticas que possibilitam aumentar a
comunicação entre o conhecimento escolar e o contexto do/a aluno/a, além de estar acessível
às condições da maioria das escolas públicas.
Destacamos que as atividades lúdicas referidas nos relatos de experiências em
Genética estavam mais relacionadas à aprendizagem de conceitos, enquanto que os relatos de
aulas expositivas e debates apresentavam preocupações com a construção de valores e
intenções de formar os/as estudantes para o olhar crítico frente ao desenvolvimento da ciência
ocidental. Assim, os trabalhos que apresentavam como objetivo relacionar os conhecimentos
biológicos com outros de natureza social, cultural, econômica e política, o faziam por meio de
leituras, debates e atividades de construção de textos, por exemplo. Ressaltamos que ambas as
intenções formativas são válidas, mas, para além de explorar os conceitos em Genética,
defendemos uma abordagem na qual a construção do conhecimento seja problematizada, bem
como a discussão de temas sociais, políticos e culturais no contexto do ensino de Ciências.
Vale ressaltar que parte dos trabalhos (A1, A6, A9, A10, A13, A19 e A20) utilizou
questionário pré-teste e pós-teste para avaliar os efeitos da intervenção didática proposta, e
com exceção de A20, todos/as os/as pesquisadores/as relataram nos resultados que as
atividades interferiram no desempenho dos/as estudantes, que apresentaram melhores
resultados no pós-teste em relação ao pré-teste. Destacamos o cuidado que as pesquisas
devem ter ao avaliar uma metodologia imediatamente após sua aplicação, além de se
considerar que, em geral, as pesquisas de intervenção levam muito mais tempo para abordar
um determinado conteúdo, se comparadas a situações regulares de sala de aula. Assim, é
99
importante considerar o contexto no qual as avaliações estão ocorrendo, a fim de mensurar
contribuições mais válidas e confiáveis para as pesquisas em ensino.
No que se refere ao nível de ensino, a maior parte das atividades relatadas foram
desenvolvidas com estudantes do ensino médio (13, 59% dos relatos de experiência), mas
também tiveram pesquisas desenvolvidas com alunos/as de graduação (5, 22,7%), pós-
graduação (2, 9%), com estudantes do ensino médio junto a licenciandos/as (1, 4,5%) e no
nono grau da Colômbia (1, 4,5%). Destacamos a importância do desenvolvimento de
atividades pedagógicas no âmbito da graduação, sobretudo na formação de professores/as,
uma vez que estes/as tendem a reproduzir na prática docente às experiências que vivenciaram
durante o estágio de formação.
Vale ressaltar que as atividades desenvolvidas com estudantes de ensino médio foram
mais voltadas à abordagem conceitual, enquanto que os relatos de experiências com
estudantes de graduação e pós-graduação tiveram intenções e preocupações formativas mais
críticas. Considerando a importância dos sentidos do multiculturalismo crítico e do pluralismo
epistemológico para nortear o desenvolvimento de práticas pedagógicas comprometidas com
a diversidade cultural, defendemos um ensino de Genética que aborde conhecimentos
ocidentais, mas também que valorize outras formas de ver e entender o mundo,
problematizando questões religiosas, étnicas e de gênero, a fim de contribuir para a formação
cidadã.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As abordagens didáticas de Genética discutidas nos trabalhos do Encontro Nacional de
Pesquisa em ensino de Ciências carecem de problematizações acerca da abordagem
cientificista, que questionem a superioridade epistêmica da ciência ocidental frente as outras
ciências. Elas reforçam, ainda, a ideia do ensino monocultural, no qual apenas a abordagem
ocidental é considerada, limitando a intervenção pedagógica à discussão de uma única cultura,
a europeia, e mantendo invisibilizadas outras formas de ver e entender o mundo.
A oportunidade de levar para as salas de aula conhecimentos provenientes de
diferentes culturas não só contribui para valorizar e reconhecer a existência de outras
explicações para os fenômenos naturais, além da explicação ocidental, como também fornece
apoio teórico e epistemológico acerca das limitações dos conhecimentos ocidentais,
perspectiva necessária para a formação crítica. Os poucos trabalhos que atenderam a essa
100
categoria da dimensão epistemológica estão de acordo com os sentidos do pluralismo
epistemológico, mesmo não tendo utilizado essa perspectiva como base teórica; os demais,
embora relevantes para os objetivos que se propuseram a alcançar, carecem dessas discussões.
Destacamos a importância da coerência interna dos trabalhos, no que se refere à
consistência que deve haver entre o referencial teórico e as discussões dos resultados.
Percebemos artigos nos quais os/as pesquisadores/as defendiam uma abordagem crítica e
plural, mas na proposta da atividade e na discussão dos dados se limitavam à valorização dos
conhecimentos ocidentais, muitas vezes numa perspectiva de mudança conceitual. Também
ressaltamos a carência nos trabalhos da problematização das evidências que os/as cientistas
usam como apoio às teorias, uma vez que, em geral, os trabalhos não ofereciam aos/as
estudantes subsídios suficientes para entender a construção das ideias denominadas
científicas, bem como suas influências socioculturais.
Contudo, boa parte dos trabalhos apresentou articulação do discurso biológico com
discursos históricos, políticos, sociais e/ou culturais, o que parece apontar para uma tendência
na área de ensino de Ciências. Essa problematização representa uma característica do
multiculturalismo crítico, e deve contribuir para a formação cidadã e tomada de decisões
socialmente responsáveis, desde que sejam problematizadas as relações de poder construídas
historicamente por determinados grupos culturais em detrimento de outros. Por conseguinte,
apesar do potencial do conteúdo de Genética para discutir questões de preconceito e
discriminação, não houve trabalho nesse viés, o que indica uma lacuna nas práticas e relatos
de experiências.
No que se refere às estratégias de ensino, concluímos que os trabalhos com jogos e
filmes, por exemplo, buscaram mais a abordagem conceitual do conteúdo, em relação às
atividades menos lúdicas, como debates e aulas dialogadas. Estas últimas direcionaram a aula
por uma perspectiva mais crítica, extrapolando a transmissão de informações e contribuindo
para a construção de argumentos por parte dos/as estudantes. Da mesma forma, percebemos a
tendência de que as experiências mais lúdicas eram planejadas para estudantes de ensino
médio, enquanto que as atividades para o ensino superior se mostraram menos lúdicas e mais
críticas.
Nesse sentido, reforçamos a ideia de que mais importante que o recurso que o/a
professor/a utiliza na aula é a abordagem dada a partir do recurso. Podemos ter uma aula com
auxílio de um jogo didático extremamente conceitual e memorística, enquanto uma
101
abordagem dialogada pode ter preocupações formativas mais completas. Intenções de formar
para a cidadania, com discussões que extrapolem a dimensão conceitual, estão sendo
desenvolvidas tardiamente, na maior parte das vezes durante o ensino superior, sendo que
desde a educação básica essas discussões já podem ser suscitadas, de acordo com o
planejamento e com as concepções do/a professor/a frente aos objetivos do ensino de
Ciências.
Em suma, faz-se necessário uma perspectiva ampla dos objetivos do ensino de
Genética, a fim de planejar, desenvolver e avaliar intervenções didáticas condizentes com os
sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. A partir dos resultados
desta revisão sistemática de literatura, consideramos importante pesquisas que apresentem
práticas no ensino de Genética abarcando as dimensões conceituais, procedimentais e
atitudinais do conteúdo, ao passo que discutem temas culturais e políticos.
Assim, buscamos na nossa pesquisa empírica contribuir para a superação dessa lacuna
ao passo que discutimos sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética, no
processo de formação inicial de professores/as de Biologia. O arcabouço teórico e
metodológico da pesquisa empírica é subsidiado nos estudos do discurso críticos, com a teoria
sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk. Considerando que essa teoria não é
comumente utilizada na área do ensino de Ciências, reservamos um capítulo para explorar
suas principais ideias, além de articular com os fundamentos para a formação de
professores/as sensível à diversidade cultural. Apresentamos essa discussão bibliográfica no
capítulo seguinte.
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106
CAPÍTULO 3
ESTUDOS DO DISCURSO CRÍTICOS: FUNDAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES/AS SENSÍVEL A DIVERSIDADE CULTURAL14
__________________________________________________________________________________
Neste capítulo, apresentamos as ideias que norteiam a análise do discurso crítica
(ADC) proposta por Teun Van Dijk, perspectiva teórica utilizada na pesquisa, articulando sua
contribuição para o estudo da formação de professores/as sensível a diversidade cultural, a
fim de avaliar como essa teoria amplia a discussão de repertório profissional. Para tanto,
organizamos este capítulo em dois tópicos, que compreendem os aspectos teóricos e
metodológicos da análise Sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk, como uma linha
de estudo da ADC e a perspectiva cultural na formação de professores/as para ampliar o
repertório profissional a partir da ADC.
3.1 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE
SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO POR VAN DIJK
No Brasil, há pelo menos duas grandes vertentes teóricas de Análise do Discurso: uma
dita de tradição francesa, que toma por matriz teórica os trabalhos de Pêcheux; e outra, mais
recente, chamada Análise de Discurso Crítica (ADC), cujo fundamento se encontra na
proposta de Fairclough e à qual os trabalhos de Van Dijk aparecem frequentemente
referenciados. A ADC não pesquisa a linguagem como sistema semiótico nem como textos
isolados, mas sim, o discurso como um momento de toda prática social. A ADC é ‘crítica’
porque sua abordagem é relacional/dialética, orientada para a compreensão dos modos como o
momento discursivo trabalha na prática social, especificamente no que se refere a seus efeitos
em lutas hegemônicas (RAMALHO; RESENDE, 2011).
Assim, o termo ‘Crítica’ de ADC justifica-se por seu engajamento com a tradição da
“ciência social crítica”, que visa oferecer suporte científico para a crítica situada de problemas
sociais relacionados ao poder como controle (RAMALHO; RESENDE, 2011). Para esta
14 Este é o único capítulo que não atende a estrutura de um artigo, mas que decidimos organizar assim
por duas razões: primeiro, para explorar mais livremente o referencial teórico e metodológico, dada a
limitação do texto no formato multipaper; segundo, para explicitar melhor a teoria Sociocognitiva do
discurso, a qual não é comumente utilizada na área de ensino de Ciências. As discussões apresentadas
aqui estão transversalizadas nos capítulos seguintes.
107
discussão, faremos uma breve exposição acerca das ideias de Van Dijk, em seguida
apresentaremos uma abordagem geral da análise do discurso (AD), concluindo com a origem
e as características da análise do discurso crítica ou, como prefere Van Dijk, estudos de
discurso críticos (EDC). Segundo Van Dijk (2016a), tal termo é mais apropriado porque não
se trata apenas de um método de análise, como é o caso da Análise de Conteúdo nas ciências
sociais, mas também por ter importantes objetivos teóricos, configurando-se como uma área
ou disciplina de estudo, uma atitude crítica ao fazer AD, que pode usar muitos métodos
qualitativos e quantitativos diferentes.
Van Dijk se opõe a uma orientação individualista, focando especialmente no contexto
social. A conversa, assim como outras atividades sociais, deve ser vista nos termos da ação e
interação dos membros sociais participantes, uma orientação que também encontra sua origem
no interacionismo simbólico de Mead, Blumer e outros. Uma condição crucial para a
interação social é que as pessoas se entendam, o que só é possível se assumirmos que os
membros sociais têm procedimentos de interpretação socialmente compartilhados para ações
sociais, como categorias, regras e estratégias (VAN DIJK, 1985b). O teórico, então, quer
saber como as pessoas fazem isso, que tipo de métodos implícitos ou intuitivos são aplicados
no dia a dia para falar e entender uns aos outros.
Os estudos do discurso surgiram em meados da década de 1960, junto com várias
“interdisciplinas” novas, mas mutuamente relacionadas, como a semiótica, a psicolinguística,
a sociolinguística e a pragmática (VAN DIJK, 1985a). Esta área de estudo tem como
propósito o debate teórico e metodológico do discurso: a linguagem como prática social,
assim, o pesquisador deve relacionar o microevento (discursivo) com a macroestrutura
(social) (VAN DIJK, 2001).
Van Dijk (1985a) destaca que são poucos os campos de estudo e intervenção que não
têm uma dimensão discursiva importante, deste modo sugere a aplicação dos estudos do
discurso em vários campos, com destaque para a área da educação, tais como currículos,
produção de livros didáticos adequados (não racistas, não sexistas), programas de intervenção
em sala de aula, testes e assim por diante.
Os estudos do discurso apresentam os seguintes fundamentos metodológicos comuns:
(i) interesse em propriedades de uso de linguagem “natural” por usuários de linguagem real,
em vez de um estudo de sistemas de linguagem abstratos e exemplos inventados; (ii) um
estudo de unidades maiores do que palavras e frases isoladas e novas unidades básicas de
108
análise: textos, discursos, conversas ou eventos comunicativos; (iii) extensão da linguística
além da gramática para um estudo de ação e interação; (iv) extensão a aspectos não verbais
(semióticos) de interação e comunicação: gestos, imagens, filmes e multimídia; (v)
concentração em movimentos e estratégias cognitivas ou interacionais dinâmicas; (vi) estudo
do papel dos contextos sociais, culturais e cognitivos do uso da linguagem e (vii) análise de
um grande número de fenômenos do uso da linguagem até agora largamente ignorados:
coerência, anáfora, tópicos, macroestruturas, atos de fala, interações, tomada de turnos, sinais,
polidez, modelos mentais e muitos outros aspectos do discurso (VAN DIJK, 1985b).
Uma atitude crítica ao fazer análise do discurso deu origem aos estudos de discurso
críticos (EDC), estes são compostos por teorias heterogêneas, que têm como principais pontos
em comum a multidisciplinaridade, a preocupação social, o posicionamento político favorável
ao grupo social em desvantagem e a divulgação dos resultados de pesquisa como forma de
alerta das práticas de abuso de poder (GUIMARÃES, 2012).
Essa abordagem crítica e sociopolítica do uso da língua, do discurso e do poder,
conhecida por linguística crítica (LC) foi lançada no final dos anos 1970, quando Fowler,
Kress, Hodge, e Trew publicaram Linguagem e Controle, um livro que teve repercussão entre
linguistas e pesquisadores da linguagem que se interessavam pela relação entre o estudo do
texto e os conceitos de poder e ideologia (MAGALHÃES, 2005; GUIMARÃES, 2012).
Durante os anos 1980 e 1990, essa abordagem “crítica” cresceu rapidamente, a ponto de
tornar-se um movimento internacional de Análise de Discurso Crítica, influenciado
inicialmente por estudiosos europeus (FAIRCLOUGH, 1995; FAIRCLOUGH; WODAK,
1997, p. 258-284; JÄGER, 1993b; VAN DIJK, 1993b, 2001; WODAK; MEYER, 2001 apud
VAN DIJK, 2012a).
A expressão “análise de discurso crítica” (ADC) foi usada pela primeira vez na década
de 1980, por Fairclough, na Universidade de Lancaster, num artigo publicado no Journal of
Pragmatics (FAIRCLOUGH, 1985), sendo que pode ser considerada uma continuação da LC,
já que estuda textos e eventos em diversas práticas sociais, propondo uma teoria e um método
para descrever, interpretar e explicar a linguagem no contexto sócio-histórico (WODAK,
2001). Embora o termo ADC tenha sido primeiramente utilizado por Norman Fairclough,
passou a ser considerado como linha de pesquisa somente após a publicação da revista
Discourse & Society, por Van Dijk, em 1990. Com a instigante discussão que se fez nesse
periódico, a ADC se tornou bastante reconhecida (GUIMARÃES, 2012; MAGALHÃES,
2005).
109
Enquanto a LC desenvolveu um método para analisar uma pequena amostra de textos,
a ADC desenvolveu o estudo da linguagem como prática social, com vistas à investigação de
transformações na vida social contemporânea (FAIRCLOUGH, 2001). A ADC oferece uma
valiosa contribuição de linguistas para o debate de questões ligadas ao racismo, à
discriminação baseada no sexo, ao controle e à manipulação institucional, à violência, à
identidade nacional, à auto identidade, à identidade de gênero e à exclusão social
(MAGALHÃES, 2005).
A ADC é, de acordo com Teun Van Dijk (2001, p. 352),
“(...) um tipo de pesquisa analítica do discurso que estuda primariamente a
maneira pela qual o abuso de poder, dominação e desigualdade sociais são
promovidos, reproduzidos e resistidos, por meio do texto e da fala, no
contexto social e político”.
Os estudos de discurso críticos se concentram em problemas sociais e não em
paradigmas acadêmicos, e tenta entender e resolver tais questões a partir de diferentes
métodos ou teorias, levando em conta as experiências e perspectivas dos/as participantes
(VAN DIJK, 1985a). Os/As pesquisadores/as dessa área de estudo estão social e
politicamente comprometidos com a igualdade e justiça sociais, estando especificamente
interessados/as em problematizar a (re)produção discursiva do abuso de poder e articular
mecanismos de resistência contra tal dominação (VAN DIJK, 2015a; 2016a).
As análises empíricas nos estudos de discurso críticos devem movimentar-se entre o
linguístico e o social, pois o discurso é compreendido como uma forma de prática social,
modo de ação sobre o mundo e a sociedade (RESENDE; RAMALHO, 2004). Na concepção
das autoras, o discurso é socialmente constitutivo – através do discurso se constituem
estruturas sociais – e constituído socialmente – os discursos variam segundo os domínios
sociais em que são gerados, de acordo com as ordens de discurso a que se filiam.
Em vez de meramente descrever estruturas do discurso, a ADC procura explicá-las em
termos das propriedades da interação social e especialmente da estrutura social, com foco nos
modos como as estruturas do discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou
desafiam as relações de poder e de dominação na sociedade (VAN DIJK, 2008).
Fairclough e Wodak (1997 apud VAN DIJK, 2008) sintetizam os principais
fundamentos da ADC da seguinte maneira: (i) a ADC aborda problemas sociais; (ii) as
relações de poder são discursivas; (iii) o discurso constitui a sociedade e a cultura; (iv) o
discurso realiza um trabalho ideológico; (v) o discurso é histórico; (vi) a relação entre texto e
110
sociedade é mediada; (vii) a análise do discurso é interpretativa e explanatória; e (viii) o
discurso é uma forma de ação social.
A ADC deve estabelecer uma ponte entre os níveis micro e macro da ordem social. O
micronível compreende o uso da linguagem, o discurso, a interação verbal e a comunicação;
enquanto o poder, a dominação e a desigualdade entre grupos sociais são tipicamente termos
que pertencem a um macronível de análise (VAN DIJK, 2008).
Vale ressaltar que, na perspectiva dos estudos de discurso crítico, a possibilidade de
uma ciência neutra é rejeitada, ou seja, existe um reconhecimento de que as ciências e o
discurso acadêmico são influenciados pelas estruturas e interações sociais. Ao invés de
ignoradas ou naturalizadas, os teóricos da ADC acreditam que essas relações entre academia e
sociedade devem ser reconhecidas e estudadas (VAN DIJK, 2001). Isso leva a uma agenda de
pesquisa fortemente focada em problemas sociais e questões políticas, sobretudo relativas a
questões de poder e dominação entre grupos.
Outro ponto marcante nas diversas pesquisas em ADC é que elas são, sobretudo,
guiadas por um problema, e não por uma disciplina específica. Primeiramente, um problema
de caráter político ou social com um aspecto discursivo é identificado, para então serem
selecionadas e/ou formuladas as ferramentas teóricas e metodológicas adequadas de diferentes
disciplinas, de acordo com sua relevância para a explicação do problema (VAN DIJK, 1993a).
No caso da presente pesquisa, o problema que nos guia é o racismo e o monoculturalismo
social e estrutural, embasados numa perspectiva eurocêntrica de mundo, a qual buscamos,
pelo discurso e pelas experiências, promover a desconstrução.
Os estudos do discurso críticos têm várias teorias, sendo que duas vertentes de análise
crítica são bastante mobilizadas no Brasil: a Análise do Discurso Crítica proposta pelo inglês
Norman Fairclough, e a Análise Cognitiva (ou Sociocognitiva) do Discurso engendrada pelo
holandês Teun Van Dijk, sobre a qual vamos nos aprofundar.
Na teoria sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk, cada discurso é formado
ou monitorado pelo grau de conhecimento, modelos mentais, modelos contextuais e
cognições sociais subjacentes. A opção por essa teoria, para a análise dos dados da nossa
pesquisa empírica, se justifica porque entendemos as influências dos conhecimentos e
experiências das pessoas na manifestação dos seus discursos, que são monitorados pelo
contexto em que estes se processam. Desse modo, uma teoria do discurso completa deve
considerar todos esses aspectos. Para tanto, discutiremos abaixo quatro teorias que subjazem à
111
análise sociocognitiva do discurso, proposta por Van Dijk e que vamos mobilizar na nossa
análise, a saber, (I) a teoria do conhecimento natural; (II) a teoria dos modelos mentais; (III) a
teoria do contexto e (IV) o triângulo discurso-cognição-sociedade.
(I) Teoria do conhecimento “natural”
O papel do conhecimento é onipresente na produção, nas estruturas e na compreensão
do discurso, visto que todo discurso se baseia em vastas quantidades de conhecimento
subjacente. Para entender a teoria do conhecimento “natural”, precisamos compreender como
Van Dijk conceitua conhecimento. Para o teórico, o conhecimento é a crença que os membros
de uma dada comunidade epistêmica chamam e pressupõem como conhecimento, ou seja,
para membros de uma mesma comunidade epistêmica, suas crenças são “verdadeiras” - e,
portanto, conhecidas - para todos os propósitos práticos. Desse modo, os membros das
comunidades epistêmicas adquirem esse conhecimento através de várias fontes e tipos de
aprendizagem, como a percepção, a experiência e especialmente o discurso. Van Dijk (2012c)
destaca que essa aquisição discursiva do conhecimento abstrato e generalizado, consiste em
um pressuposto decisivo de toda interação social.
Podemos sintetizar o conceito de conhecimento em Van Dijk (2015a) como crenças
que atendem aos critérios epistêmicos (historicamente em desenvolvimento) de cada
comunidade, como percepção, discurso ou inferência confiável. As relações entre
conhecimento e discurso são determinantes: a maior parte do nosso conhecimento não
baseado na experiência é adquirida pelo discurso, e a produção e compreensão do discurso
requerem grandes quantidades de conhecimento socialmente compartilhado.
O discurso pressupõe tanto modelos de situação (semântica) de acontecimentos,
quanto modelos de contexto (pragmáticos) da situação comunicativa, ambos interpretados
pela aplicação do conhecimento geral e socialmente compartilhado da comunidade epistêmica
(VAN DIJK, 2012b). O autor esclarece que estes modelos controlam a produção e a
compreensão de todos os níveis do texto e da conversa, da entonação, da sintaxe e do
conjunto de palavras existente em um determinado idioma, aos muitos tipos de estruturas
semânticas (implicação, pressuposição e descrição), bem como as estratégias de conversação.
Portanto, é crucial que uma teoria do discurso também inclua um componente epistêmico
central que explique como os usuários de linguagem são capazes de adaptar o seu discurso ao
que eles supõem que os destinatários sabem (ou não sabem ainda) como membros da mesma
comunidade do conhecimento.
112
Embora muitos detalhes da representação cognitiva (e dos processos
neuropsicológicos) do conhecimento ainda sejam desconhecidos, o que sabemos hoje nos
permite fornecer análises epistêmicas bastante detalhadas do texto e da fala (VAN DIJK,
2016a). Isso porque estamos em busca do conhecimento pessoal e socialmente compartilhado
dos usuários de linguagem como atores sociais e membros de comunidades epistêmicas, o
conhecimento de “mundo”. No entanto, não existe um limite claro entre o conhecimento da
língua e o conhecimento de “mundo”, então, é provável que nosso conhecimento das palavras
e seus significados sejam semelhantes ao nosso conhecimento conceitual de “mundo” (VAN
DIJK, 2012b).
Todavia, a gestão do conhecimento no discurso é um problema vasto e complexo
(VAN DIJK, 2016a). O conhecimento controla muitos aspectos do texto ou da fala, tais como:
(i) diferenças de entonação (novas informações normalmente recebem estresse mais pesado);
(ii) estrutura sintática (novas informações são tipicamente expressas em partes de sentenças
posteriores e informações dadas, conhecidas ou derivadas na parte tópica inicial); e (iii)
estruturas do discurso semântico, tais como definições, argumentação e prova (demonstrando
a verdade de uma afirmação ou conclusões de argumentos) (VAN DIJK, 2015b).
É importante notar que durante uma interação discursiva, os/as participantes já sabem
muito sobre si, as intenções, os objetivos e muito do significado do discurso antes mesmo de
produzir ou compreender as primeiras palavras. Todavia, o grau de detalhe e de explicitação
de um discurso depende do conhecimento mútuo dos/as participantes (VAN DIJK, 2012b).
Dessa forma, para descrever e explicar muitas propriedades do discurso, como todo o
conhecimento implícito ou pressuposto, bem como a gestão interativa e contextual do
conhecimento antigo e novo, no texto e no falar, devemos considerar o conhecimento
cognitivo dos interlocutores (VAN DIJK, 2012c). Em outras palavras, toda análise do
discurso precisa de uma avaliação cognitiva independente das representações e processos
subjacentes à produção e compreensão do discurso. É nesse contexto que surge a teoria dos
modelos mentais.
(II) Teoria dos modelos mentais
Os modelos mentais são representações subjetivas de eventos ou situações em que
uma pessoa participa em determinado momento, com outros participantes (com identidades e
papéis sociais variáveis), envolvida em uma ação específica e com objetivos específicos,
expressando opiniões pessoais ou emoções (VAN DIJK, 2012b). Podemos relacionar
113
conhecimento e construção de modelos mentais da seguinte forma: usamos e aplicamos
nossos conhecimentos para interpretar e representar nossas experiências diárias e construí-las
como modelos mentais. Estes, embora sejam individuais, possuem uma base social, pois são
influenciados pelas relações interpessoais.
Os modelos mentais desempenham um papel central na compreensão e produção do
discurso, de modo que, através do discurso, da comunicação e da interação, outros usuários de
linguagem da mesma comunidade de linguagem e conhecimento são capazes de reconstruir
(pelo menos parcialmente) o que tínhamos em mente, ou seja, um modelo mental (VAN
DIJK, 2012b). Em suma, entender texto ou articular uma fala significa construir um modelo
mental para tal discurso, ou das intenções (modelos mentais) do orador. E, vice-versa,
planejar um discurso significa construir um modelo mental para tal atividade verbal
comunicativa. De acordo com Van Dijk (2015b, p. 5),
Um elemento fundamental da linguagem e do discurso, bem como de nossas
crenças, é que elas são “intencionais” no sentido de que representam algo ou
são sobre algo (Searle, 1983). Para que os usuários de linguagem possam
falar sobre eventos ou situações, eles precisam representar tais situações na
memória - uma representação que eles podem querer comunicar a outros
usuários de linguagem. Na verdade, tal seria parte da própria definição de
comunicação. Na psicologia cognitiva contemporânea, essas representações
mentais de situações são chamadas de modelos mentais (van Dijk & Kintsch,
1983). Os modelos mentais são armazenados na memória episódica (parte da
memória de longo prazo), na qual as pessoas representam suas experiências
e são a base cognitiva das histórias das pessoas sobre eventos passados. São
multimodais, assim como nossas experiências diárias de situações sociais,
incluindo visual, auditiva, sensório-motora e emocional (Barsalou, 2008)15.
Compreender o discurso envolve a construção de um modelo mental pelos usuários da
linguagem. Estes modelos são tipicamente mais complexos do que os significados do discurso
e apresentam inferências como, por exemplo, aquelas necessárias para estabelecer a coerência
local e global do discurso. Os oradores não precisam expressar toda essa informação em seu
discurso, porque sabem que os destinatários são capazes de derivar essas inferências de seus
conhecimentos socioculturais compartilhados ou modelos antigos e, portanto, são capazes de
15 Texto original: A fundamental of language and discourse, aswell as of our beliefs, is that they are
“intentional” in the sense that they represent something or are about something (Searle, 1983). In
order for language users to talk about events or situations they need to represent such situations in
memory—a representation they may want to communicate to other language users. Indeed, such
would be part of the very definition of communication. In contemporary cognitive psychology, these
mental representations of situations are called mental models (van Dijk & Kintsch, 1983). Mental
models are stored in episodic memory (part of long-termmemory)where people represent their
experiences and they are the cognitive basis of people’s stories about past events. They are
multimodal, as are our daily experiences of social situations, including visual, auditory, sensorimotor,
and emotional dimensions (Barsalou, 2008).
114
construir ou atualizar um modelo mais completo da situação do discurso (VAN DIJK, 2015b).
Nesse sentido, o autor compara o discurso a um iceberg cognitivo, no qual apenas parte da
informação é expressa de forma observável.
Com a teoria dos modelos mentais, temos o elo entre discurso e conhecimento, por um
lado, comunicação e interação, por outro, de modo que os seres humanos são capazes de “ler a
mente” dos outros através de reconstruções plausíveis e muitas vezes confiáveis dos seus
respectivos modelos mentais (VAN DIJK, 2012b). Em síntese, o autor afirma que os modelos
mentais são (i) importantes para a coerência no discurso; (ii) únicos, pessoais e subjetivos,
mas com restrições objetivas; (iii) capazes de exprimir opiniões e emoções; (iv) capazes de
integrar a memória episódica (individual) e a memória social (coletiva); (v) construídos de
modo a compor um esquema, organizado por categorias fixas; (vi) providos de intenção e de
objetivo (propósito); (vii) interligados à criação de uma rotina (estrutura esquemática
parcialmente fixa); e (viii) agentes formadores da identidade, na construção do “eu-mesmo” e
do “ele mesmo”.
Vale ressaltar que no discurso didático (expositivo, etc.), as estruturas discursivas
também podem ser expressas diretamente, por exemplo, em explicações e definições. Desse
modo, nem todo discurso se baseia em modelos mentais. O conhecimento genérico, portanto,
pode ser diretamente adquirido pelo discurso didático, ou pela generalização e abstração dos
modelos mentais da experiência pessoal ou como expressos em histórias ou noticiários. E,
vice-versa, uma vez adquirido, esse conhecimento genérico é novamente aplicado na
formação de novos modelos mentais interpretados na compreensão de novas histórias (VAN
DIJK, 2016a).
Estabelecendo uma interface entre discurso, cognição e sociedade, Van Dijk explicita
como certos modelos mentais e cognições sociais são responsáveis por fenômenos sociais
como o racismo, por exemplo, na medida em que este não é inato, mas aprendido, sobretudo,
por meio dos discursos públicos controlados pelas elites (VAN DIJK, 2008). As elites
simbólicas, representadas principalmente nas redes de comunicação, mas também no campo
educacional, influenciam os modelos mentais e atitudes dos cidadãos ao apresentar uma
imagem enviesada da sociedade, nos interesses de grupos dominantes, e contra os interesses
da sociedade civil.
Em suma, todas as nossas experiências cotidianas e, portanto, nosso conhecimento
pessoal dos eventos, é armazenado como modelos mentais subjetivos e multimodais, que
115
controlam muitas estruturas discursivas. No entanto, tais modelos mentais, bem como as
formas em que estes são (parcialmente) expressos no discurso, são, por sua vez, baseados no
conhecimento genérico ou histórico sócio culturalmente compartilhado, organizados em
muitos modos diferentes (e ainda apenas parcialmente compreendidos) na memória (VAN
DIJK, 2016a). Um tipo característico de modelo mental são os modelos de contexto, que
veremos na teoria a seguir.
(III) Teoria do contexto
Os contextos representam um tipo específico de modelo mental: modelos de contexto,
e assim como os modelos mentais, são também definições subjetivas de situações, nas quais
nos comunicamos (VAN DIJK, 1993a). Neste sentido, os modelos de contexto representam as
experiências comunicativas da nossa vida cotidiana.
Se os modelos contextuais representam situações comunicativas e se o texto falante é
parte de tais situações, os usuários da linguagem também representam e monitoram
reflexivamente esse discurso e não apenas como uso da linguagem, mas também como ação
comunicativa e social. Isso implicaria que a própria representação mental do discurso é parte
do modelo de contexto, onde analiticamente texto e contexto são distintos e o contexto (sem
texto) influencia o texto. Encontramos aqui um dos mais complexos problemas teóricos (e
terminológicos) de uma teoria do contexto. Os atos em si são complexos e consistem, no
mínimo, em um modo de conduta observável (“comportamento”), uma intenção (engajar-se
em tal conduta) e um objetivo (um estado de coisas a ser realizado pelo ato) (VAN DIJK,
2015b).
Por conseguinte, os contextos são as estruturas de controle dos fenômenos sociais, em
geral, e do uso da linguagem e do discurso, em particular. Eles representam o que é relevante
no ambiente da ação social e do discurso para que os usuários de linguagem, como atores
sociais, possam adaptar seu texto e conversar. Assim, o contexto representa as condições que
definem a adequação pragmática do discurso (VAN DIJK, 2015b). Nesse sentido, está sujeito
à interpretação subjetiva feita pelos/as participantes da situação social na qual estão
inseridos/as (VAN DIJK, 2012a).
Os modelos de contexto são cruciais para a gestão do discurso, pois permitem que os
usuários de linguagem adaptem seu discurso à situação comunicativa, que é uma condição
fundamental para que seu discurso seja apropriado. Tais modelos contextuais são
essencialmente dinâmicos, pois caracterizam o eu em vários papéis comunicativos
116
(palestrante, destinatário, autor, etc.), papéis ou identidades sociais (professor, jornalista),
categorias sociais (gênero, classe, idade, etc.), bem como os objetivos atuais, intenções e
estado de conhecimento dos/as participantes em cada momento de interação (VAN DIJK,
2012a).
Van Dijk (2015b) enfoca a noção de contexto em termos das propriedades da situação
comunicativa, conforme definidas como relevantes pelos/as participantes. Dessa forma, faz
sentido investigar a abordagem psicológica das situações sociais, que oferecem propostas
interessantes para a análise de como as pessoas definem o eu, categorizam outras pessoas e
seus papéis e identidades, interação e conhecimento, ou como as situações sociais influenciam
o “comportamento”.
Por fim, os contextos são assim chamados porque, etimologicamente, eles vêm junto
com os “textos”. Compreender o discurso significa compreender texto/conversação-em-
contexto, consequentemente, a análise do discurso e a análise da conversação precisam
explicitar o que são os contextos e como exatamente precisam ser analisados, de modo a
explicar como os usuários da língua chegam a esse tipo de compreensão (VAN DIJK, 2012a).
Em síntese, o contexto é (i) construto subjetivo dos/as participantes, embora apresente
componente objetivo; (ii) modelo mental que atua no controle da produção e da compreensão
do texto e do discurso; (iii) modelo mental, baseado na experiência interacional; (iv)
esquemático, apresentando categorias compartilhadas e convencionadas; (v) capaz de
controlar a produção e a compreensão do discurso; (vi) formado, ao mesmo tempo, por
características pessoais e sociais; (vii) dinâmico; (viii) amplamente planejado, não parte do
“zero” por haver lembranças acumuladas de eventos comunicativos prévios; (ix) imerso em
aspectos pragmáticos, pois permite que os usuários adaptem o seu discurso; (x) considerado
“não-texto”, sendo em geral sinalizado, mas não percebido de maneira direta; (xi) relacionado
à relevância pessoal e à interacional por meio das interpretações realizadas pelos
interlocutores; (xii) inserido em interações situadas (microcontextos) e em situações históricas
ou sociais totalizadoras (macrocontextos); (xiii) egocêntrico, centrado nos pronomes
ideológicos “nós” x “eles”; (xiv) referenciação (na perspectiva semântica) e adequação à
situação comunicativa (na perspectiva pragmática); e (xv) culturalmente variável (VAN DIJK,
2012a).
(IV) Psicologia discursiva ou teoria sociocognitiva do discurso: O triângulo discurso-
cognição-sociedade
117
O autor adota uma abordagem sociocognitiva, baseado na premissa de que textos não
possuem significados próprios, mas sim são atribuídos significados por meio dos processos
sociocognitivos daqueles que usam a linguagem (VAN DIJK, 1991). Dessa forma, o
componente cognitivo é fundamental para uma teoria do discurso, em geral, e para os estudos
críticos, em particular. Tal mediação é definida em termos do conhecimento compartilhado e
ideologias dos membros do grupo e como estes influenciam modelos mentais que, finalmente,
controlam as estruturas do discurso individual (VAN DIJK, 2015a).
A psicologia discursiva enfatiza corretamente o papel fundamental do discurso e da
interação, no uso e reprodução do conhecimento na sociedade. Uma análise epistêmica do
texto e da fala não pode ser limitada à maneira como o conhecimento é mostrado no discurso,
mas também precisa de uma análise cognitiva independente, por exemplo, em termos de
modelos mentais subjacentes que representam o sentido completo do discurso como
subjetivamente atribuído por falantes e ouvintes e como intersubjetivamente baseado em
conhecimento sócio culturalmente compartilhado (VAN DIJK, 2012c). Portanto, o discurso
epistemológico deve ser parte de uma abordagem mais geral da epistemologia interacional e
baseado em uma teoria que explica como o conhecimento é adquirido e reproduzido - e então
pressuposto - pelos membros da comunidade e suas práticas sociais.
Vimos que, nesse caso, surge a situação paradoxal de que, se queremos estudar o
conhecimento socialmente compartilhado por meio da análise do discurso, grande parte desse
conhecimento não é expressa ou formulada e deve estar localizada nas condições cognitivas e
consequências do texto e da fala (VAN DIJK, 2012c). O autor ressalta que teoricamente e
metodologicamente, não há problemas nessa situação, visto que muitos fenômenos
fundamentais descritos na produção de conhecimento não são diretamente observáveis, mas
apenas inferidos a partir das condições ou consequências de fenômenos observáveis.
Enquanto todas as abordagens nos estudos de discurso críticos (EDC) estudam as
relações entre discurso e sociedade, uma abordagem sociocognitiva afirma que tais relações
são mediadas cognitivamente, o que justifica o triângulo Discurso-Cognição-Sociedade (VAN
DIJK, 2015a). O autor critica abordagens dos EDC que ligam o discurso com a sociedade,
ignorando os modelos mentais pessoais de experiências individuais e interpretações baseadas
em conhecimentos, atitudes e ideologias socialmente compartilhadas, tendo em vista que uma
análise detalhada da interface cognitiva entre discurso e sociedade não só fornece fundamento
metodológico para análises discursivas, como também explica o envolvimento do discurso na
reprodução da dominação e da resistência na sociedade.
118
A abordagem sociocognitiva nos Estudos do Discurso é uma teoria que relaciona
estruturas do discurso com interação social e estrutura social por meio de uma interface
sociocognitiva, baseada no argumento de que estruturas discursivas e estruturas sociais
diferem quanto à natureza e não podem ser diretamente relacionadas. A teoria cognitiva
consiste, por um lado, de uma dimensão pessoal de modelos mentais pessoais (i) dos eventos
sobre os quais se fala ou se escreve, e (ii) da própria situação comunicativa (modelos
contextuais), e por outro de uma dimensão social que consiste de crenças, conhecimento,
atitudes e ideologias socialmente compartilhadas – que controlam os modelos mentais
pessoais, e indiretamente todo discurso (VAN DIJK, 2016b).
A maior parte das teorias anteriores e contemporâneas nos EDC, bem como nas
disciplinas adjacentes, tais como a sociolinguística e a antropologia linguística, supõem uma
relação direta entre discurso e sociedade (ou cultura). Uma teoria sociocognitiva conjectura
que as estruturas sociais precisam ser interpretadas e representadas cognitivamente e que tais
representações mentais afetam os processos envolvidos na produção e interpretação do
discurso. O mesmo princípio vale para a relação inversa, a saber, como o discurso é capaz de
afetar a estrutura social – especificamente por meio das representações mentais dos usuários
da língua como atores sociais (VAN DIJK, 2016b).
Podemos explicar os três componentes principais da teoria da seguinte forma: (i)
discurso de membros de grupos ou organizações como formas de controlar a interação e
como expressão à cognição pessoal e social subjacente; (ii) cognição em termos dos modelos
mentais pessoais dos membros, ou do conhecimento e das ideologias compartilhadas de
grupos e organizações; e (iii) sociedade definida em termos de grupos e organizações de
controle no nível macro e controle de interações no micronível; a base da sociedade necessita
de uma análise que vá além da interação social discursiva, explicar a fala institucional, por
exemplo, pressupõe uma teoria das instituições e de seus papéis na sociedade (VAN DIJK,
2015a; 2016b).
Assim, a interação social, as situações sociais e as estruturas sociais só podem
influenciar o texto e falar através das interpretações das pessoas de tais ambientes sociais. E,
inversamente, o discurso só pode influenciar a interação social e as estruturas sociais através
da mesma interface cognitiva de modelos mentais, conhecimentos, atitudes e ideologias
(VAN DIJK, 2015a).
119
Os Estudos do Discurso Sociocognitivo (doravante EDSC) relacionam mais
amplamente as estruturas do discurso às estruturas sociais através de uma interface
sociocognitiva complexa. Assim, o EDSC trata do terreno comunicativo em comum e do
conhecimento social compartilhado, bem como das atitudes e ideologias dos usuários de
linguagem como participantes atuais da situação comunicativa e como membros de grupos e
comunidades sociais (VAN DIJK, 2016a).
Somente nos estudos referentes a cognição e em algumas direções da gramática do
discurso, da pragmática, da sociologia e da antropologia, encontramos uma orientação mais
cognitiva para analisar o uso da linguagem e do discurso - uma orientação sobre a “mente”
geralmente rejeitada ou ignorada pelas abordagens interacionais ao discurso (VAN DIJK,
1985a). A abordagem cognitiva moderna tem muito a oferecer aos estudos de interação
contemporâneos (VAN DIJK, 1985a).
Em suma, a análise crítica é fundamentalmente incompleta sem uma análise
sociocognitiva, por exemplo, em termos de modelos mentais, atitudes e ideologias (VAN
DIJK, 2016a). Os modelos mentais não apenas representam nosso conhecimento de um
evento, mas também podem apresentar nossa opinião sobre o valor ou nossas emoções sobre
o evento. Essa abordagem cognitiva do discurso em função de modelos mentais também
explica a distinção clássica entre sentido do falante, do discurso e do receptor (VAN DIJK,
2016b). Como formas de conhecimento socialmente compartilhado, as atitudes provavelmente
também estejam representadas na memória semântica ou “social”, na qual armazenamos todas
as crenças gerais e socialmente compartilhadas que são necessárias como base para formar
modelos mentais específicos, locais e pessoais, e suas opiniões (VAN DIJK, 2016b). Assim,
racismo, sexismo e outras formas de desigualdade social não influenciam o discurso de
maneira direta, nem, vice-versa, o discurso discriminatório influencia as estruturas sociais de
dominação. Isso só é possível por meio da interface cognitiva das atitudes socialmente
compartilhadas e dos modelos mentais pessoais baseados nelas (VAN DIJK, 2016b).
A ideologia, para os teóricos da ADC, é a ótica pela qual constituímos o mundo, ela é
a significação da realidade, composta de aspectos sociais, políticos e cognitivos, interferindo
diretamente na estrutura sociocognitiva (VAN DIJK, 2016b). Enquanto o conhecimento social
é definido como crenças compartilhadas por todos ou pela maioria dos membros de
comunidades ou culturas epistêmicas, as atitudes e ideologias são formas de crenças sociais
(muitas vezes avaliativas) que são compartilhadas apenas por grupos específicos. Assim, em
tal discurso ideológico podemos observar uma representação positiva do grupo “Nosso” e
120
uma representação negativa dos “Outros” - sempre dependendo da situação comunicativa, isto
é, dos nossos modelos de contexto - em todos os níveis de texto ou de conversa: Tópicos,
léxico, descrições, argumentação, narração, metáforas e assim por diante (VAN DIJK, 2015a).
As ideologias são especificadas com mais precisão em atitudes socialmente
compartilhadas, sobre determinados “problemas” ou preocupações do grupo (tais como
ideologias racistas podem ser aplicadas e especificadas na formação de atitudes em relação à
imigração ou às cotas de emprego). Podemos explicar muitos aspectos das estruturas do
discurso, tais como coerência local e global, implícitos, indexadores, condições dos atos de
fala, bem como estruturas ideológicas, em função de modelos de situação e contexto
subjacentes, mas não reduzimos tais estruturas a modelos mentais (VAN DIJK, 2016b).
Os modelos de situação supracitados correspondem ao aspecto “intencional” ou
representacional do uso da linguagem, não devendo ser confundidos com o sentido
(intencional) do discurso, que constitui um nível e aspecto diferente e específico de
processamento do discurso. Nossa experiência e compreensão correntes dos eventos e
situações de nosso ambiente acontecem em função de modelos mentais que segmentam,
interpretam e definem a realidade enquanto a “vivemos” (SHIPLEY; ZACKS, 2008 apud
VAN DIJK, 2016b).
Para a produção e compreensão do discurso é importante estarmos atentos aos
aspectos da estrutura e do papel da cognição pessoal e social, que se encontram interligados
no processamento do discurso (VAN DIJK, 2016b). Os usuários da língua não são apenas
indivíduos, mas também atores sociais, membros de grupos linguísticos, epistêmicos,
comunidades e grupos sociais, instituições e organizações. Como membros de comunidades
linguísticas, eles compartilham uma língua natural. Como membros de comunidades
epistêmicas, eles partilham diversos tipos de conhecimento sociocultural sobre eventos
públicos, bem como estruturas genéricas do mundo natural e social. Como membros de
grupos sociais e comunidades, eles compartilham normas, valores, atitudes e ideologias neles
baseadas (VAN DIJK, 2016b).
O primeiro princípio de uma análise sociocognitiva é que ela vai além das clássicas
teorias e métodos “autônomos” de análise do discurso e da conversação, que estudam as
estruturas gramaticais, semânticas, pragmáticas, retóricas, estilísticas, narrativas,
argumentativas, interativas ou outras estruturas do discurso. Em segundo lugar, não existem
ligações diretas entre estruturas sociais e estruturas discursivas, pois toda produção,
121
compreensão e usos do discurso são mediados pelas representações mentais dos participantes.
Por isso, se nos estudos críticos é estabelecida uma ligação entre discurso e poder social, tal
explicação deve ser vista como um atalho, como incompleta ou como tacitamente
pressupondo estruturas mentais dos membros e processos que permanecem sem explicação na
análise (VAN DIJK, 2016b).
Em suma, o discurso só pode ter condições e consequências sociais e políticas se
reconhecermos que ele é produzido por usuários da língua, como participantes sociais que não
só falam e agem, mas também pensam, sabem e sentem. Isso significa que, do mesmo modo
que nossa análise do discurso deve ser sistemática e detalhada, também a análise cognitiva
subjacente deve ser explícita e sofisticada. Só com essa ligação ausente tornada explícita
seremos capazes de entender como o discurso é capaz de funcionar na reprodução do abuso de
poder e na resistência contra ele (VAN DIJK, 2016b).
Em resumo, Van Dijk defende que, numa teoria social do discurso que relacione as
estruturas do discurso às situações sociais e à estrutura da sociedade, precisariam também
estar presentes vários componentes cognitivos, formulados em termos de condições sociais
compartilhadas (conhecimentos, ideologias, normas, valores) em geral, e dos modelos mentais
únicos dos membros sociais, em particular. Somente assim é possível ter uma teoria integrada
do discurso, do uso linguístico em geral, e do contexto em particular. Essa é também a razão
pela qual a abordagem geral do teórico é chamada de sociocognitiva, pois tem o propósito de
integrar as abordagens cognitivas e sociais do texto e da fala num único quadro teórico
coerente, sem reduções e sem nexos faltantes (VAN DIJK, 2012a).
Para fins metodológicos, o autor apresenta o conceito de episódio, que são unidades
linguisticamente e psicologicamente relevantes da estrutura e processamento do discurso. São
tomadas como unidades semânticas (sequências coerentes de frases de um discurso,
linguisticamente marcadas para o começo e/ou o fim, e definidas ainda mais em termos de
algum tipo de “unidade temática”), enquanto um parágrafo é a manifestação superficial ou a
expressão de tal episódio (VAN DIJK, 1981).
Como os episódios são tomados como unidades semânticas do discurso, é preciso
poder defini-los em termos semânticos, por exemplo, em termos de proposições. Num quadro
linguístico e discursivo, as proposições são consideradas como unidades que definem a
significação (VAN DIJK, 2012a). Assim, um episódio de um discurso representa uma
“sequência de proposições” específicas, que deve ser coerente, de acordo com as condições
122
usuais de coerência textual (VAN DIJK, 1977). O autor ressalta que, além dessa chamada
coerência local, a sequência deve ser globalmente coerente, isto é, ser subsumida sob alguma
macroproposição mais global.
Por definição, uma macroproposição apresenta um predicado central e um número de
participantes centrais de um discurso, denotando uma propriedade, evento ou ação. A base
textual de cada macroproposição, portanto, é uma sequência de proposições do discurso. É
justamente essa sequência que chamamos de “episódio”, ou seja, um episódio é uma
sequência de proposições de um discurso que pode ser colocado em uma macroproposição
(VAN DIJK, 1981). Tal macroproposição explica a unidade geral de uma sequência
discursiva, intuitivamente conhecida como “tema”, “tópico” ou “essência”.
Para estabelecer relações de coerência entre as proposições de um discurso, muitas
vezes precisamos esclarecer os “elos perdidos” das proposições implícitas ou pressupostos
pelas proposições explicitamente expressas no discurso (VAN DIJK, 1985b). O início e o fim
de uma sequência episódica são teoricamente definidos em termos de proposições que podem
ser colocados pela mesma macroproposição, enquanto que a proposição anterior e a seguinte,
respectivamente, da primeira e última proposição de uma sequência episódica deve ser
subsumida por outra macroproposição. Esses “pontos de ruptura” são curiosamente marcados
por meios linguísticos (e outros). Tais observações são válidas apenas para a grande classe de
discursos de eventos e ações, dos quais o conjunto de histórias é apenas um subconjunto
(VAN DIJK, 1981).
Por fim, podemos diferenciar episódio social de episódio comunicativo. Um episódio
social se refere à junção entre a interação social e a situação social (entorno social relevante
da interação social); enquanto o episódio comunicativo corresponde à conexão entre o
discurso e a situação comunicativa (entorno relevante do discurso) (VAN DIJK, 2012a).
Encerrando essa apresentação prévia dos aspectos teóricos e metodológicos da teoria
Sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk, nós abriremos espaço para discutir
aspectos da cultura articulando com o processo de formação de professores/as, para situarmos
a análise do discurso crítica nesses estudos.
3.2 A PERSPECTIVA CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS PARA
AMPLIAR O REPERTÓRIO PROFISSIONAL A PARTIR DA ADC
123
Ao passo que busca explicar as diferenças entre os povos, o conceito de cultura
contribui para unirmos a humanidade em meio à diversidade que lhe caracteriza. Esse
conceito sofreu várias modificações, desde o século XIII até os dias atuais. Cuche (1999)
apresenta um estudo de sua gênese e evolução histórica, diretamente ligada ao processo
social. Seu primeiro significado foi articulado com o cultivo da terra, no século XVI, este
conceito foi estendido para a mente humana, a cultura de uma faculdade mental. No século
XVIII, consolida-se o caráter classista da ideia de cultura, com o pressuposto de que somente
as classes privilegiadas da sociedade europeia poderiam aspirar ao nível de aprimoramento
que as caracterizaria como cultas. Mais à frente, no século XX, a noção de cultura passa a
incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos dos meios de comunicação de massa.
A cultura representa um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis da mudança
histórica no novo milênio (HALL, 1997). De acordo com a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural, culturas são os traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e
afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, abrangendo, além das artes e
das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições
e as crenças de diferentes povos (UNESCO, 2002). Nesse contexto, todas as práticas sociais,
na medida em que sejam relevantes para o significado ou demandem significado para
funcionarem, têm uma dimensão cultural (HALL, 1997). Ainda segundo o autor, se
entendemos que a cultura regula as práticas e condutas sociais, então, é profundamente
importante quem regula a cultura. Assim, considerar a centralidade da cultura implica em
questionar as relações de poder construídas no cerne das diferenças culturais.
Apple (1999) afirma que valorizar e reconhecer a importância da esfera cultural
implica em considerar a força do capitalismo, o caráter determinante das relações de produção
e o poder da classe social dominante. Afinal, a cultura nacional, ponto de lealdade, união e
identificação simbólica, é também uma estrutura de poder cultural (HALL, 2006). É
importante termos em mente que as relações entre as diferentes culturas não representam uma
questão de consenso, mas um ponto que envolve, fundamentalmente, relações de poder
(SILVA, 2000). A criação sociocultural da identidade (aquilo que se é) e da diferença (aquilo
que o outro é) é resultado de uma produção simbólica e discursiva, não se trata de um dado
natural, mas de concepções impostas, que não convivem harmoniosamente, mas são
disputadas (SILVA, 2000).
As diferenças culturais são repletas de contradições e assimetrias de poder e
privilégios, que se traduz em atitudes discriminatórias. A discriminação é uma das muitas
124
filhas do capital, no nosso caso, é produto do colonialismo e atingiu o seu extremo com o
aparecimento do capitalismo financeiro (OLIVEIRA; MIRANDA, 2004). Ainda segundo as
autoras, como sistema de dominação, o capitalismo reforça os processos de exclusão,
sobretudo por meio da discriminação racial.
Neste processo crescente de exclusão, os mais afetados são os “Outros”, os que não
têm acesso às diferentes dimensões do processo de globalização, e, pertencem a etnias
historicamente subjugadas e silenciadas, que resistem a colocar a competitividade e o
consumo como valores fundamentais da sociedade (CANDAU, 2012). Para contrapor essa
organização social, precisamos ver a escola não simplesmente como um espaço de
socialização e instrução, mas também como um constructo cultural, que confere poder ao/à
estudante e se compromete com a transformação social (MCLAREN, 1997).
Dessa forma, Van Dijk ressalta de forma recorrente a importância da estrutura
ideológica para o exercício e a manutenção do poder social, compreendendo cognições
fundamentais, socialmente compartilhadas e relacionadas aos interesses de um grupo e dos
seus membros. Essa base ideológica é adquirida, mantida ou alterada, através da comunicação
e do discurso (VAN DIJK, 2008). Van Dijk (2008, p. 121-122) destaca os modos como o
poder e a dominação participam do controle mental,
Em primeiro lugar, os receptores tendem a aceitar crenças, conhecimento e
opiniões (salvo se forem inconsistentes com relação a suas crenças e
experiências pessoais) através do discurso produzido por aqueles que são
considerados fontes autorizadas (...). Segundo lugar, em algumas situações,
os participantes são obrigados a serem os receptores do discurso, como por
exemplo, na educação e em muitas situações de trabalho (...). Em terceiro
lugar, em muitas situações, não existem discursos públicos ou meios de
comunicação que possam fornecer informação da qual possam ser derivadas
crenças alternativas (Downing, 1984) (...). Em quarto lugar, e mais
estreitamente ligado aos pontos anteriores, os receptores podem não possuir
o conhecimento e as crenças necessárias para questionar o discurso ou a
informação a que são expostos (Wodak, 1987) (...).
Nesse sentido, aqueles grupos que controlam o discurso mais influente também
possuem mais chances de controlar as mentes e as ações de outros. O poder dos grupos
dominantes pode estar integrado a leis, regras, normas, hábitos e mesmo a um consenso geral,
e assim assume a forma de “hegemonia” (GRAMSCI, 1971 apud VAN DIJK, 2008); a
dominação de classe, o sexismo e o racismo são exemplos característicos dessa hegemonia.
Teun Van Dijk é o principal teórico a tratar o tema do racismo dentro do campo dos
estudos de discurso críticos, caracterizando o racismo como um sistema de dominação social,
controlado por elites simbólicas (VAN DIJK, 1993b). Esse sistema, então, favorece os
125
interesses das pessoas brancas (europeias) e é contra os interesses das pessoas não brancas
(não europeias) (VAN DIJK, 2015a). O racismo, como sistema de dominação social, tem duas
dimensões principais – a das representações socialmente compartilhadas (atitudes
preconceituosas), por um lado, e práticas sociais específicas de tratamento ilegal
(discriminação).
No racismo, os estereótipos racistas, os preconceitos e as ideologias explicam por que
e como as pessoas se envolvem em práticas discriminatórias, por exemplo, porque pensam
que os “Outros” são inferiores. Essas crenças ou representações sociais que muitos membros
do grupo dominante (branco) têm sobre imigrantes e minorias são, em grande parte, derivadas
do discurso (VAN DIJK, 2000).
O racismo tem duas componentes principais, a saber, uma social e outra cognitiva. O
componente social do racismo consiste em práticas discriminatórias cotidianas, no micronível
de análise; e organizações, instituições, arranjos legais e outras estruturas sociais, no nível
macro. Como os discursos são práticas sociais, o discurso racista pertence a esta dimensão
social do racismo. Por outro lado, as práticas sociais também têm uma dimensão cognitiva, ou
seja, as crenças que as pessoas têm, como conhecimentos, atitudes, ideologias, normas e
valores (VAN DIJK, 2000).
Ideologias racistas, como acontecem com várias ideologias, são de modo geral
organizadas por um esquema bipolar de representação positiva de si mesmo e representação
negativa do “Outro” (diminuição), um esquema que também influencia a estrutura de atitudes
racistas específicas (p. ex., em relação à imigração ou às cotas), e essas podem pôr fim
influenciar os modelos mentais concretos que os membros do grupo formam de eventos
étnicos específicos de que eles participam ou sobre os quais leem ou ouvem falar (VAN
DIJK, 2016b). Dessa forma, os membros de grupos minoritários diariamente são confrontados
com conversas racistas, e não por causa do que eles fazem ou dizem, mas apenas por causa do
que eles são. São, portanto, sujeitos a uma forma acumulativa e agravante de assédio racista,
que é uma ameaça direta ao seu bem-estar e qualidade de vida (VAN DIJK, 2004).
O discurso racista é uma das práticas racistas discriminatórias e, ao mesmo tempo, a
principal fonte de construção e reprodução de preconceitos e ideologias racistas (VAN DIJK,
2016b). Existem duas formas principais de discurso racista: (i) discurso racista dirigido a
outros etnicamente diferentes e (ii) discurso racista sobre outros etnicamente diferentes (VAN
DIJK, 2004). É esta segunda modalidade de discurso que compõe o foco dos estudos de Van
126
Dijk e que vamos abordar no trabalho. Embora todos os membros do grupo dominante
possam ter acesso a práticas discriminatórias e discursos específicos na interação cotidiana, os
mais influentes são os discursos discriminatórios públicos das elites simbólicas na política, na
mídia e na educação (VAN DIJK, 2016b).
O racismo em cada país se manifesta de forma diferente, dependendo da história do
racismo, da escravidão, das imigrações, do colonialismo, entre outros fatores. Mas, em geral,
os discursos, preconceitos e ideologias racistas que circulam na maioria dos países da
América Latina são muito similares aos dos discursos na Europa (VAN DIJK, 2015a). Os
negros e povos indígenas na América Latina, por qualquer critério de poder, são
economicamente, socialmente e culturalmente desiguais para as pessoas de ascendência
europeia. O mesmo ocorre também no Brasil, onde metade da população é de descendência
africana (VAN DIJK, 2015a).
O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, que se configurou
como uma das mais severas das Américas, porque os proprietários de escravos tinham uma
oferta tão vasta que poderiam fazê-los morrer em poucos anos. Até hoje, os afro-brasileiros
têm salários mais baixos, piores empregos, más condições de moradia, menos cuidados de
saúde e educação, além de estarem mal representados nos parlamentos locais, regionais ou
federais, ou entre juízes, professores e elites empresariais (VAN DIJK, 2015a). Em suma, o
Brasil não só é um país fundamentalmente desigual por classe social, mas também é
caracterizado por uma generalizada desigualdade racial, desde a época da colônia e da
escravidão até hoje.
O fim da escravidão negra e de sistemas legislatórios racistas na maioria dos países,
bem como o surgimento de políticas afirmativas e leis anti-discriminatórias são inegáveis
progressos, porém, elas não evitam a permanência de preconceito e desigualdades
econômicas, sociais e culturais entre brancos e negros, o que se configura como o novo
racismo (VAN DIJK, 1993a).
O novo racismo das sociedades ocidentais é um sistema de desigualdade étnica ou
racial consistindo de conjuntos de práticas discriminatórias diárias, por vezes sutis,
sustentadas por representações socialmente compartilhadas, tais como estereótipos,
preconceitos e ideologias (VAN DIJK, 2000). Este sistema é reproduzido não apenas na
participação diária dos membros (brancos) do grupo em várias formas não verbais de racismo
cotidiano, mas também pelo discurso. Ainda segundo o autor, o texto e a conversa sobre os
127
“Outros”, especialmente pelas elites, funcionam principalmente como fonte de crenças étnicas
para os membros do grupo e como meio de manter e legitimar o domínio. A representação
negativa sistemática dos “Outros” contribui de forma vital para os modelos mentais negativos,
os estereótipos, os preconceitos e as ideologias sobre os “Outros” e, portanto, indiretamente,
para a reprodução do racismo (VAN DIJK, 2000).
Considerando que muitas formas do novo racismo são discursivas - expressas,
promulgadas e confirmadas por textos e conversas - o discurso antirracista é uma prática
importante, que também é a maneira como as cognições antirracistas estão sendo adquiridas e
reproduzidas (VAN DIJK, 2015a). De fato, o antirracismo precisa ser aprendido -
principalmente pelo texto e pela conversa.
Hoje a luta deve ser concentrada em deslegitimar os mitos penetrantes de “democracia
racial” e “racismo cordial”, celebrando as qualidades de uma “raça mista” e ignorando as
muitas formas de desigualdade racial e discriminação, para tanto, surgiram os movimentos
antirracistas (VAN DIJK, 2015a). O autor conceitua antirracismo como um sistema de
resistência e oposição, que consiste em um subsistema de práticas sociais antirracistas
(protestos, etc.) baseado em um subsistema de cognição social antirracista (ideologia e
atitudes).
Nessa perspectiva, surgiram na década de 1970 os Movimentos Negros, parcialmente
inspirados pelo Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos da América, que
começaram a reivindicar seus direitos, principalmente na esfera cultural, mas mais tarde
também na política e na economia (VAN DIJK, 2015a). Ao mesmo tempo, a pesquisa social
quantitativa finalmente começou a documentar os fatos das muitas áreas da desigualdade
racial. Todavia, apenas no final da década de 1990, com as pressões dos movimentos sociais,
o governo e as instituições oficiais brasileiras começaram a estabelecer e praticar políticas
destinadas a conter essa desigualdade - como a política de cotas universitárias para estudantes
negros (VAN DIJK, 2015a), possibilitando representatividade cultural também no âmbito
educacional.
Assim, em vez de preservar uma tradição monocultural, a partir da homogeneização e
padronização cultural, a escola está sendo convidada a lidar com a diversidade de culturas, ao
passo que problematiza as relações de poder entre os diferentes sujeitos socioculturais
presentes em seu contexto e abre espaços para a manifestação e valorização das diferenças
(MOREIRA; CANDAU, 2003). Ainda segundo os/as autores/as, se a escola ignora as
128
manifestações de preconceito e discriminação presentes no seu cotidiano, estará a serviço da
reprodução de padrões de conduta reforçadores dos processos discriminadores presentes na
sociedade. Precisamos, pois, questionar tudo que se passa de forma naturalizada, e, a partir
disso, entender o nosso papel na transformação social. Para tanto, Moreira (2001) orienta uma
abordagem que desestabilize a lógica eurocêntrica, cristã, masculina, branca e heterossexual
que tem guiado nossa sociedade, a fim de contribuir com a humanização do mundo. Todavia,
para que essas discussões sejam consideradas na educação, é preciso rever a formação de
professores, que deve considerar a diversidade cultural.
Uma formação guiada nessa perspectiva pode possibilitar aos/às professores/as
construir conhecimentos e habilidades para promover uma educação crítica e cidadã, que vise
transformações positivas na nossa sociedade. Destacamos, por outro lado, a importância de
não esquecer de considerar também as condições do contexto escolar desse profissional e a
participação destes como grupo cultural. Tardif (2000, p. 15) destaca que “um professor tem
uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade,
uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações carregam as marcas dos
contextos nos quais se inserem”.
Assim, os/as professores/as precisam reconhecer o lugar que ocupam como agentes
culturais, para, a partir de então, problematizar as relações de poder estabelecidas na
heterogeneidade cultural dos/as estudantes no âmbito escolar. Para tanto, argumentamos a
importância de um repertório profissional amplo, que permita ao/à professor/a lidar com
diferentes situações de sala de aula no trabalho com a diversidade cultural.
Concordando com Garcia (2010), entendemos que o conhecimento da matéria não é
um indicador suficiente da qualidade do ensino, há outros tipos de conhecimentos igualmente
importantes, tais como o conhecimento do contexto (onde se ensina), dos alunos (a quem se
ensina), de si mesmo e de como se ensina. Para Shulman (1986; 1987), essa base de
conhecimentos, que subjazem as compreensões, habilidades e disposições necessárias ao
trabalho docente, corresponde ao repertório profissional. Compreende este repertório, o
conhecimento de conteúdo específico, o conhecimento de processos pedagógicos em geral e o
conhecimento pedagógico do conteúdo específico (SHULMAN, 1987).
O conhecimento de conteúdo específico corresponde a dois tipos de conhecimento:
substantivo (incluem paradigmas explicativos utilizados pela área) e sintático (padrões que
uma comunidade disciplinar estabeleceu de forma a orientar as pesquisas na área)
129
(SHULMAN, 1987). Ainda segundo o autor, a partir dessa abordagem, o/a professor/a
apresenta o que é essencial na matéria, servindo, muitas das vezes, como fonte primária da
compreensão deste pelo/a aluno/a. Shulman (1987) argumenta que a postura adotada pelo/a
professor/a está fortemente relacionada à compreensão do conteúdo, pois o/a professor/a que
não tem segurança do conteúdo a ser ensinado tende a optar por práticas mais expositivas e
pouco dialógicas, enquanto aqueles/as que entendem do assunto a ser ensinado, geralmente
são mais flexíveis e dinâmicos.
O conhecimento pedagógico geral inclui o domínio de teorias e princípios
relacionados a processos de ensinar e aprender, correspondendo a um conhecimento que
transversaliza todas as áreas (SHULMAN, 1987). Por fim, o conhecimento pedagógico do
conteúdo corresponde ao saber específico da docência, inclui a compreensão do conteúdo da
matéria somado aos métodos e técnicas necessárias ao ensino, além de considerar a adaptação
aos/às alunos/as, considerando sua diversidade de interesses e habilidades (SHULMAN,
1987).
Estabelecendo um paralelo entre a classificação dos conhecimentos apresentada por
Garcia (2010) e a proposta de Shulman (1987), podemos relacionar o que o primeiro autor
chama de conhecimento da matéria ao conhecimento de conteúdo específico proposto por
Shulman; o como se ensina proposto por Garcia (2010) estaria relacionado com o
conhecimento pedagógico geral (SHULMAN, 1987) e o conhecimento do contexto, dos
alunos e de si mesmo (GARCIA, 2010) corresponderia ao conhecimento pedagógico do
conteúdo específico apresentado por Shulman (1987).
No processo de reflexão das experiências didáticas, Garcia (2010, p. 15) destaca que
Avaliar a qualidade das experiências supõe levar em consideração dois
aspectos básicos: um aspecto imediato, que se refere a quão agradável ou
desagradável é a experiência para o sujeito que a vive; e um segundo
aspecto, que se refere ao efeito que a dita experiência venha a ter em
experiências posteriores, ou seja, a transferência para aprendizagens
posteriores.
De acordo com Van Dijk (1993a), além da experiência, o conhecimento também pode
ser construído por meio do discurso, sendo este conhecimento fundamental para que ocorram
as interações sociais. Assim, as experiências refletidas e socializadas possibilitam a
capacidade do/a professor/a mobilizar um conjunto de conhecimentos, para lidar com os
desafios presentes tanto no cotidiano escolar, quanto na sala de aula. Esses conhecimentos,
provenientes do discurso ou das experiências vividas, formam o repertório profissional dos/as
professores/as. A ampliação desse repertório habilita o/a professor/a a atuar, com mais
130
destreza, em uma infinidade de situações na sala de aula, adaptando as suas práticas a
situações que sempre se renovam.
Tendo em vista a dimensão do discurso para possibilitar graus de conhecimentos
importantes para o trabalho docente, acreditamos que a Análise do Discurso Crítica (ADC)
representa uma ferramenta com potencial para investigar os discursos dos/as professores/as,
com foco sobre a mobilização de duas perspectivas teóricas que advogam pela diversidade
cultural: O pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico. Martínez-Pérez (2012)
destaca que no âmbito do ensino de Ciências, a ADC tem sido adotada nos últimos anos como
um método para a análise da formação discursiva.
De acordo com a premissa de que o discurso é bastante influenciado pelas
características do ambiente em que é produzido, isto é, pelo modelo contextual, o auto
monitoramento da maneira mais clara de falar sobre assuntos delicados é particularmente
importante (VAN DIJK, 1993a). Finalmente, deve-se considerar que se o discurso tem uma
função social a partir da qual é construído, ele variará de acordo com o contexto em que está
inserido.
Entendemos que analisar os discursos de professores/as abre um leque de
possibilidades de pesquisas para aperfeiçoar o trabalho de formação docente, sobretudo
porque, na medida em que as pessoas se preocupam em construir um discurso adaptado ao
contexto, este discurso cria situações próprias ou contextos que se acomodam. Desse modo,
entendemos que o discurso ao mesmo tempo que é causa, também é consequência de uma
situação ou contexto, e é, em si, um foco de interesse de pesquisa, não somente um meio para
acessar aspectos da realidade (GILL, 2000).
Nesse sentido, uma análise Sociocognitiva do discurso deve considerar, além dos
modelos mentais, também os modelos contextuais que formam a interação discursiva. Assim,
podemos inferir como um conjunto de termos, lugares comuns e descrições usadas para se
referir a um tema formam o repertório profissional de um grupo de professores/as em
formação inicial. Destaca-se que esses repertórios se caracterizariam precisamente pela
variabilidade, e não pelo consenso. Um repertório rico deve oferecer ao professor
flexibilidade e agilidade na reação ou resposta a diferentes situações no âmbito escolar.
Nos capítulos que seguem, apresentamos as discussões referentes aos objetivos
específicos da pesquisa empírica, que teve como objetivo geral compreender como
professores/as de Biologia em formação inicial integram os discursos do pluralismo
131
epistemológico e do multiculturalismo crítico no repertório profissional deles/as. Para analisar
tais discursos, nos apoiamos na teoria sociocognitiva apresentada e nos referenciais de
formação de professores/as para a diversidade cultural.
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135
CAPÍTULO 4
QUESTÕES CULTURAIS NO ENSINO DE GENÉTICA: POSICIONAMENTOS DE
PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL16
__________________________________________________________________________________
Este capítulo apresenta a discussão do primeiro objetivo específico, voltado para
identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de Biologia em formação
inicial frente a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e
o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que
promoveu problematizações de questões culturais. Visa, assim, contribuir para que o objetivo
geral, que se refere a compreender como eles/elas integram os discursos do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico no seu repertório profissional, seja atingido.
4.1 INTRODUÇÃO
A escola é um espaço plural, que integra diferentes configurações de grupos étnicos,
culturais e sociais. A diversidade cultural presente no âmbito escolar representa um
mecanismo para suscitar discussões pautadas no processo sócio-histórico de construção de
uma sociedade marcada pela desigualdade socioeconômica e racial. Moreira e Candau (2003,
p. 163) comentam que “talvez seja possível afirmar que estamos imersos em uma cultura da
discriminação, na qual a demarcação entre “nós” e “os outros” é uma prática social
permanente”. Esses/as autores/as discutem ainda que a escola é palco de manifestações de
preconceitos e discriminações, que tendem a ser ignorados por uma padronização igualitária,
pautada no monoculturalismo.
Todavia, tais acontecimentos precisam ser problematizados e desnaturalizados. Afinal,
a desconstrução do ideal de superioridade de um grupo, em detrimento de outro, pode
fornecer subsídios práticos para que membros de grupos historicamente subalternizados
possam entender como essa situação se construiu e, como conjunturas semelhantes de
opressão são constituídas também histórica e socialmente, passíveis, dessa forma, de serem
16 O presente capítulo é uma versão ampliada e aprofundada do artigo “Interações Discursivas em Sala
de Aula: os posicionamentos de estudantes de licenciatura em Biologia sobre a política de cotas raciais
no ensino superior brasileiro”, aceito para publicação na edição de 2020 da revista Discurso &
Sociedad. Esta versão completa será submetido a mesma revista.
136
transformadas. A educação para a transformação social precisa estar comprometida com a
diversidade, para tanto, neste trabalho, estamos propondo que o/a professor/a se apoie nos
sentidos de duas perspectivas teóricas, que se referem ao pluralismo epistemológico e ao
multiculturalismo crítico.
Seguindo a perspectiva do pluralismo epistemológico, temos a ideia de que cada
conhecimento construído por diferentes grupos culturais tem sua importância e, portanto, deve
ser respeitado por seus próprios méritos, de modo que cabe ao ensino de Ciências demarcar
estes saberes e os conhecimentos denominados científicos (COBERN; LOVING, 2000). O
multiculturalismo crítico, por sua vez, se refere a uma perspectiva teórica que busca a
desconstrução dos padrões hegemônicos de sociedade, problematizando assim a lógica
branca, masculina, cristã e heterossexual (MCLAREN, 1997). Discutimos que ambas as
perspectivas teóricas, em suas defesas, advogam pelo respeito a diversidade cultural e podem
subsidiar práticas pedagógicas nessa vertente.
No contexto do ensino de Ciências, destacamos a Genética como uma área em
potencial para suscitar discussões pautadas na diversidade cultural, sobretudo acerca das
questões étnico-raciais e do eurocentrismo, termo usado para indicar a centralidade da Europa
na formação da sociedade moderna. Isso porque essa área do conhecimento foi uma das
responsáveis por sustentar a ideia de superioridade do branco sobre o negro, com base numa
definição biológica de raças humanas, conceito que só foi questionado sistematicamente em
1972, a partir de estudos desenvolvidos por Richard Lewontin, um evolucionista da
Universidade de Harvard (MEYER, 2017).
Tal estudo parte da definição de sete grupos raciais bastante aceitos: Caucasianos,
Negros Africanos, Mongolóides, Aborígenes do Sudeste Asiático, Ameríndios, povos da
Oceania e Aborígenes Australianos. Lewontin comparou as semelhanças genéticas entre
indivíduos que pertenciam a uma mesma raça com aquelas de indivíduos de raças diferentes.
Os seus resultados revelaram que dois indivíduos de uma mesma raça eram tão distintos uns
dos outros quanto indivíduos de raças diferentes. Outros estudos se apoiaram nessa
abordagem e chegaram à mesma conclusão, de que as diferenças genéticas entre as raças
humanas são ínfimas, de modo que a maior parte da variação genética em humanos não está
entre grupos raciais, mas dentro deles (MEYER, 2017).
Embora o conceito biológico de raça seja amplamente questionado e considerado por
muitos geneticistas um conceito desconstruído, a perspectiva social desse conceito se encontra
137
presente nas nossas relações sociais. Assim, entendemos a importância de propor atividades
no contexto do ensino de Ciências, tal como na área da Genética, para promover a
desconstrução de estereótipos; a valorização de grupos e identidades subalternizados; a
problematização da escassa representatividade desses grupos em espaços sociais, políticos e
no currículo; e a contextualização histórica das estruturas que marginalizaram estes grupos do
poder (CANEN, 2014).
Todavia, pensar numa educação escolar para a diversidade cultural demanda
considerar o processo de formação de professores/as para essa finalidade (CANEN; XAVIER,
2011). Assim, é importante que os/as formadores/as dentro das universidades proporcionem
aos/as futuros/as professores/as momentos que envolvam tanto a abordagem de conceitos
denominados científicos quanto outros sistemas de saberes e questões socioculturais.
De modo geral, se observa uma grande insatisfação tanto das instâncias políticas
quanto do professorado em exercício ou dos/as próprios/as formadores/as com respeito à
capacidade das atuais instituições de formação de darem respostas às necessidades da
profissão docente (GARCIA, 2010). Nesse contexto, ressaltamos os princípios do processo de
simetria invertida, que se refere a coerência que deve haver entre as ações desenvolvidas
durante a formação de um/a professor/a e o que dele/a se espera como profissional (BRASIL,
2002). Assim, o preparo do/a professor/a na sua formação inicial deve ocorrer em lugar
similar àquele em que vai atuar, a fim de aproximar as atividades na formação com a prática
futura.
As experiências dessa natureza, durante o processo de formação inicial, deverão
proporcionar aos/às licenciandos/as práticas análogas à que seus/suas alunos/as irão vivenciar,
sem, contudo, igualar as situações de aprendizagem do ensino superior com as da educação
básica (OLIVEIRA; BUENO, 2013). Essas experiências no processo de formação contribuem
para enriquecer o repertório profissional, que corresponde ao corpo de compreensões,
conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários ao/a professor/a (SHULMAN,
1986). Este, se forma tanto a partir do discurso, quanto através das vivências.
Assim, as interações discursivas das experiências promovem a ampliação do repertório
profissional, tanto pela autorreflexão do trabalho pedagógico quanto pela aprendizagem a
partir do discurso partilhado das experiências de outros/as. A análise dos posicionamentos
dos/as professores/as em formação inicial no contexto das interações discursivas possibilita a
138
compreensão de como ocorre esses processos de ampliação do repertório profissional tão
importante para a formação docente.
A análise do discurso crítica (ADC), como um modo particular de análise de
posicionamentos nas interações discursivas, destaca o potencial do discurso nas relações
sociais, bem como em questões de dominação e manutenção do poder (VAN DIJK, 1993). As
pesquisas nesse campo podem estimular discussões e reflexões no âmbito do ensino, de modo
a promover mudanças sociais capazes de mitigar problemas de desigualdade, preconceito e
discriminação (CONRADO; CONRADO, 2016).
Considerando que o discurso cria situações próprias ou contextos que se encaixam,
compreender o discurso como causa e consequência da situação ou contexto, implica que o
discurso é em si um foco de interesse de pesquisa, não somente um meio para acessar os
aspectos sociais da realidade (GILL, 2000). Dessa forma, entendemos que analisar os
discursos de professores/as abre um leque de possibilidades de pesquisas para aperfeiçoar o
trabalho de formação docente, principalmente por compreender os possíveis reflexos de uma
formação condizente com o que se espera deste/a profissional na prática pedagógica.
Nesse contexto, este capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar os
posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial frente a temas abordados
na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, no
contexto de uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de
questões culturais.
4.2 O PERCURSO METODOLÓGICO
4.2.1 A natureza da pesquisa
A pesquisa tem natureza qualitativa, sendo que optamos por desenvolver a
investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da
teoria crítica. Na perspectiva interacionista, os significados do Ser só são viabilizados em
relação a outro Ser social, assim, a busca pelo conhecimento do mundo é orientada através da
interação entre sujeito e objeto (CROTTY, 1998). Ainda segundo o autor, o princípio
fundamental da interação é que os grupos humanos “existem em ação” e assim devem ser
vistos. As normas de ação humana se aplicam tanto para a ação individual como para a ação
conjunta e ambas podem se constituir em objeto de estudo.
139
Tendo em vista que a perspectiva desse paradigma não focaliza as contradições do
processo de formação de professores/as e o desenvolvimento de práticas que coloquem em
questionamento as culturas de minorias, optamos por vincular a pesquisa também à teoria
crítica (Escola de FrankFurt), ao passo que compreendemos a produção do conhecimento
como uma maneira de atuar, intervir e transformar a dinâmica social (CROTTY, 1998).
4.2.2 Organização da pesquisa e definição dos sujeitos
A pesquisa empírica foi desenvolvida no município de Aracaju, capital de Sergipe,
com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade Federal de Sergipe
(UFS), no contexto de uma disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e
Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, com
carga horária de 60 horas, ministrada pela pesquisadora. A disciplina promoveu discussões
sobre a lógica eurocêntrica de produção de conhecimento e de seu ensino e questões
referentes às diferenças étnico-raciais ao passo que discutimos conteúdos de Genética, tais
como herança genética, gene, conceitos de raça e espécie, melhoramento genético, entre
outros temas. Para tanto, foi organizada na perspectiva do pluralismo epistemológico, ao
abordar as diferentes formas de conhecimentos; bem como na perspectiva do
multiculturalismo crítico, ao discutir as relações de poder construídas em torno da diversidade
de grupos socioculturais.
A problematização supracitada foi ancorada na abordagem por problemas, abrangendo
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, desenvolvida em quinze encontros de
quatro horas cada, de acordo com o semestre letivo regular da referida instituição, nos meses
de Abril a Agosto de 2018. Para considerarmos a potencialidade do planejamento em acionar
os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico, buscamos a
validação por pares do plano de curso da disciplina. Foram convidados/as 17 pesquisadores/as
da área de ensino, por terem experiência em discussões e práticas com as perspectivas teóricas
que nos propusemos a acionar, sendo que, destes, 10 nos retornaram com a devida avaliação.
Para tanto, cada pesquisador/a recebeu por correio eletrônico o plano de curso e o formulário
metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas no sentido do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico (Quadro 1).
140
Quadro 1. Formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas no sentido do
pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico.
1. Quanto à dimensão epistemológica Sim
(1.0)
Em parte
(0.5)
Não
(0.0)
Sugestão
A1. Há problematização referente à
abordagem cientificista ao passo que são
apresentadas as limitações da ciência e o
caráter provisório dos conhecimentos
denominados científicos?
B1. Há problematização das influências
políticas, culturais e/ou de gênero, que
permeiam a construção do conhecimento?
C1. Há estímulo aos/às estudantes para
considerar diferentes discursos sobre o
mundo, valorizando os conhecimentos
provenientes das diferentes culturas?
D1. Há orientação de que cada
conhecimento tem seu alcance e validade e,
assim, pode ser adequadamente aplicado?
2. Quanto ao diálogo intercultural Sim
(1.0)
Em parte
(0.5)
Não
(0.0)
Sugestão
A2. Há estímulo ao debate acerca dos
conhecimentos culturais dos/as estudantes e
como esses conhecimentos são importantes
para eles/as nos seus meios sociais?
B2. Há proposta de auxiliar os/as estudantes
na compreensão dos conceitos científicos a
fim de ampliar suas visões, sem anular suas
culturas e crenças?
C2. Há articulação entre os saberes dos/as
estudantes e os conhecimentos
denominados científicos, sem que seja
concebida superioridade epistêmica de um
saber em detrimento de outro?
D2. Há utilização de exemplos e
conhecimentos de grupos étnicos e culturais
no contexto da aula?
3. Quanto às implicações e intenções
políticas
Sim
(1.0)
Em parte
(0.5)
Não
(0.0)
Sugestão
A3. Há discussão das relações de poder
entre as culturas, questionando a posição
subalternizada de grupos minoritários, tal
como os afrodescendentes?
B3. Há questionamento em relação a
naturalização de preconceitos e
discriminação, buscando interrogar o
caráter monocultural e o eurocentrismo do
que se denomina ciência?
C3. Há articulação do discurso biológico
com discursos históricos, políticos,
sociológicos e culturais?
D3. Há preocupação em problematizar as
identidades coletivas marginalizadas,
destacando o protagonismo e a resistência
141
de grupos culturais subalternizados
historicamente?
Fonte: As autoras, com base no referencial teórico (Formulário final, após a validação).
Para cada característica deste formulário, o grupo de pesquisadores/as assinalou se o
plano de curso atendia completamente (1.0 pontos), parcialmente (0.5 pontos) ou não atendia
(0.0 pontos) o que estava sendo solicitado, acrescentando também sugestões, quando fosse o
caso17. A partir dos resultados da validação, realizamos modificações no plano de curso, a fim
de atender com maior profundidade as características do presente formulário, o que nos
indicaria maior aproximação com os sentidos do pluralismo epistemológico e do
multiculturalismo crítico18.
A escolha pela Universidade Federal de Sergipe como campo de produção de dados
justifica-se pelo fato da pesquisadora ter vínculo como professora voluntária, no período da
pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da disciplina, uma no período vespertino e outra no
turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as matriculados/as, respectivamente, número que foi
reduzido para 10 e 4 licenciandos/as que concluíram a referida disciplina, respectivamente.
Todavia, para análise dos posicionamentos nas interações discursivas, foco deste capítulo,
optamos por realizar as gravações apenas na turma da tarde, a fim de viabilizar o tratamento
dos dados. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as matriculados/as assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Identificamos os sujeitos por nomes fictícios
escolhidos por eles/as próprios/as.
4.2.3 Procedimentos para a produção e análise dos dados
Todas as aulas da disciplina foram registradas em vídeo e em áudio. Flick (2009)
destaca que a gravação em vídeo, como forma de registro da observação, tem o potencial de
captar fatos e processos que são rápidos ou complexos ao olho humano, além de
permanecerem disponíveis ao/à pesquisador/a e a outras pessoas, por ele/a autorizadas, que
podem ter o interesse de reavaliá-los.
A análise dos dados provenientes do registro de vídeo e de áudio dos posicionamentos
nas aulas da disciplina foi conduzida tendo por referência os estudos do discurso críticos, na
perspectiva da análise sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk (2001). O autor
17 O quadro com o resultado da validação por pares do plano de curso da disciplina “Tópicos Especiais
no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de
Genética” está apresentado no apêndice B. 18 O plano de curso final da disciplina está detalhado no apêndice C.
142
relaciona estruturas do discurso com interação social por meio de uma interface
sociocognitiva, baseado no argumento de que estruturas discursivas e sociais diferem quanto à
natureza e não podem ser diretamente relacionadas.
Os registros em vídeo foram assistidos pela pesquisadora e, assim, foram selecionados
para a transcrição19 recortes de episódios comunicativos, nos quais eram apresentados
posicionamentos dos/as participantes frente aos pressupostos das teorias do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico por eles/as mobilizados. Van Dijk (1981)
apresenta a definição de episódio como unidade linguisticamente e psicologicamente
relevante da estrutura e processamento do discurso. Tomando como base essa noção de
episódio, formulada para textos escritos, definimos como episódio comunicativo uma unidade
de conversa sobre um mesmo tema, numa conexão entre o discurso e a situação comunicativa
(entorno relevante do discurso).
Assim, transcrevemos 54 episódios, cujo tempo de duração variou entre 36 segundos e
12 minutos cada, nos quais se mobilizava a discussão de um determinado assunto, que
marcava o início e o fim da transcrição, resultando em trechos significativos em seu conjunto.
Dessa amostra inicial, identificamos que 25 episódios não apresentavam, nas interações
discursivas, uma abordagem dos temas relacionados com o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico pelos/as licenciandos/as, e, por isso, foram excluídos da amostra.
Embora esse recorte necessário apresente a desvantagem do não aproveitamento de parte dos
dados gerados – excluindo da amostra temas que também seriam relevantes –, oferece a
vantagem de manter o foco no objetivo da pesquisa. Ademais, os episódios não explorados
podem ser utilizados em futuros trabalhos.
Por conseguinte, os 29 episódios restantes foram agrupados nos marcos temáticos
organizados a partir do formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas nas
19 “Transcrever a fala é passar um texto de sua realização sonora para a forma gráfica com base numa
série de procedimentos convencionalizados” (MARCUSCHI, 2001, p. 49). Seguindo o autor,
utilizamos as seguintes convenções de transcrição para manter o máximo de fidelidade à qualidade da
produção oral:
Hesitações ...
Pausa dentro da fala de uma pessoa ::
Pausa entre falas de diferentes pessoas //
Áudio incompreensível ((Inaudível))
Elementos contextualizadores e referenciais metalinguísticos ((diz o nome da professora)) ((risos))
143
perspectivas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. No quadro 2,
apresentamos os marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada tema.
Quadro 2. Marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada tema.
Bloco de análise: Dimensão Epistemológica
Marco temático Episódios comunicativos
Abordagem cientificista: limitações da ciência e o caráter
provisório dos conhecimentos denominados científicos
3, 4, 19, 23, 30, 31, 32, 37,
42, 44, 46.
Influências políticas, culturais e/ou de gênero na
construção do conhecimento
3, 14, 42.
Os diferentes discursos sobre o mundo 42
A validade de cada tipo de conhecimento 4
Bloco de análise: Diálogo Intercultural
Marco temático Episódios comunicativos
Os conhecimentos culturais dos/as estudantes 16, 18, 39.
Conceitos denominados científicos: entender e/ou acreditar 16, 17.
Articulação entre os saberes dos/as estudantes e os
conhecimentos denominados científicos
16, 46.
Exemplos de conhecimentos de grupos étnicos e culturais
no contexto da aula
39.
Bloco de análise: Implicações e intenções políticas
Marco temático Episódios comunicativos
As relações de poder entre as culturas 15, 16, 26, 27, 29, 33, 34,
42, 44, 53.
A naturalização de preconceitos e discriminação 15, 16, 20, 26, 27, 33, 34,
37, 51, 52, 54.
A articulação do discurso biológico com discursos
sociopolíticos e culturais
19, 23, 30, 31, 32, 46.
As identidades coletivas marginalizadas 15, 20, 21, 26, 27, 29, 33,
34, 49, 51, 52, 53.
A partir da amostra sistemática de 29 episódios, resumimos uma amostra por
representatividade (corpus secundário), que fornecesse exemplos suficientes e variados para
aplicar posteriormente a análise sociocognitiva do discurso. De acordo com Ramalho e
144
Resende (2011), a delimitação de uma seleção representativa, mas não ampla demais, permite
a investigação em profundidade de uma prática de leitura específica. Assim, o corpus
secundário foi formado pelos episódios que mais mobilizaram temas dentro de um bloco de
análise, estando, pois, presentes em mais de um marco temático. No caso do bloco de análise
“Implicações e intenções políticas”, no qual tivemos muitos episódios representativos,
selecionamos aqueles que apareceram em três marcos temáticos, somado ao episódio mais
representativo em termos de conteúdo do marco temático “A articulação do discurso
biológico com discursos sociopolíticos e culturais”, cujos episódios não foram contemplados
no recorte inicial. Dessa forma, atendemos à preocupação de ter no mínimo um episódio
representativo para cada marco temático dentro de cada bloco de análise. Assim, obtivemos a
nossa amostra final (Quadro 3).
Quadro 3. Amostra final dos episódios comunicativos organizados por bloco de análise.
Blocos de análise Episódios comunicativos para a análise
Dimensão Epistemológica 3, 4, 42.
Diálogo Intercultural 16, 39.
Implicações e intenções políticas 15, 23, 26, 27, 33, 34.
Tendo definido os episódios representativos (Apêndice J) para identificar e
caracterizar os posicionamentos dos/as participantes frente aos sentidos do diálogo entre o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de
ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais, estamos agora em
condições de apresentar as ferramentas básicas que vão subsidiar nossa análise: tratam-se das
categorias analíticas, que “são formas e significados textuais associados a maneiras
particulares de representar, de (inter)agir e de identificar(-se) em práticas sociais situadas”
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 112). De acordo com Resende e Acosta (2018), as
categorias analíticas não devem ser definidas a priori em um projeto de investigação, sendo
necessário ter acesso inicialmente aos textos, para poder identificar aquelas que serão mais
produtivas para a pesquisa.
Para analisar os episódios comunicativos selecionados, vamos nos concentrar na
abordagem sociocognitiva proposta por Van Dijk (1991), a partir de categorias analíticas
derivadas do objetivo do estudo. Vale ressaltar que, embora os discursos mobilizados nos
145
encontros estejam relacionados com o debate incitado pela professora, o objetivo da análise
não está na interação, mas no conteúdo explorado pelos/as participantes. Assim, destacaremos
na nossa análise os posicionamentos dos/as participantes em relação a diferentes temas
abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo
crítico. A fim de subsidiar a nossa análise sociocognitiva do discurso, faremos uso também de
alguns elementos da teoria da valoração (KAPLAN, 2004). Segundo a autora, a valoração
inclui todos os usos avaliativos da linguagem, através dos quais falantes e escritores não
apenas adotam posições particulares de valor, mas também negociam essas posições com seus
interlocutores reais ou potenciais.
A Teoria da Valoração fornece uma estrutura para explorar como e para
quais propósitos retóricos os falantes e os autores adotam (a) uma postura
atitudinal (ideológica, em última análise) em relação ao conteúdo
experiencial de seus enunciados; (b) uma posição em relação aos seus
interlocutores reais ou potenciais; e (c) uma posição em direção à
heteroglossia do contexto intertextual em que seus enunciados e textos
operam20 (KAPLAN, 2004, p. 59).
A partir das ideias gerais da teoria da valoração, e considerando os aspectos teóricos e
metodológicos da análise sociocognitiva do discurso, destacamos quatro categorias analíticas:
1. Quanto à expressão do posicionamento ideológico (opinião ou atitude); 2. Quanto à
formulação da opinião (explícita ou implicitamente); 3. Quanto ao grau de compromisso que
assumem ao opinar (seguro ou inseguro); 4. Quanto ao/s recurso/s discursivo/s para
desenvolver uma opinião (modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e/ou
narração).
Essas categorias serão a base para a análise do micronível da ordem social, que se
refere a linguagem, discurso, interação verbal e comunicação (VAN DIJK, 2008), ou seja, por
meio delas, podemos analisar os textos buscando mapear conexões entre o discursivo e o não
discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais (RAMALHO; RESENDE, 2011). Sobre isso,
Fairclough (2003, p. 16) ressalta que
Não podemos supor que um texto em sua totalidade possa ser transparente
através da aplicação das categorias de uma estrutura analítica pré-existente.
O que somos capazes de ver da atualidade de um texto depende da
perspectiva da qual o abordamos, incluindo as questões sociais particulares
20 Tradução nossa, do original: la Teoría de la Valoración proporciona un marco para explorar de qué
modo y con qué fines retóricos los hablantes y autores adoptan (a) una postura actitudinal (ideológica,
en última instancia) hacia el contenido experiencial de sus enunciados; (b) una postura hacia sus
interlocutores reales o potenciales; y (c) una postura hacia la heteroglosia del contexto intertextual en
el que operan sus enunciados y textos.
146
em foco, e a teoria social e a teoria do discurso que utilizamos
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 16)21.
Assumindo que “toda análise é inevitavelmente seletiva e incompleta” (RAMALHO;
RESENDE, 2011, p. 105), discutiremos a seguir as categorias analíticas selecionadas para a
construção do mapa metodológico. A aplicação dessas categorias deve contribuir para uma
análise do discurso explícita e sistemática.
Em relação à expressão do posicionamento ideológico, consideramos opinião uma
crença valorativa individual, enquanto atitude se refere a uma crença valorativa compartilhada
por um grupo social (VAN DIJK, 2016). Analisamos nessa categoria se as opiniões dos/as
participantes são expressas de modo individual (opinião) ou como parte de um grupo social
(atitude). Os posicionamentos dos/as participantes podem aparecer no texto com marcadores
de posição pessoal em primeira pessoa, “Eu encaro as cotas como tentativa de suprir esse
quadro”, se referindo a uma opinião; ou como membro de um grupo social “até porque a
gente tá aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando”, neste caso, a
estudante se coloca como parte do grupo de cotistas, expressando uma atitude.
Na categoria formulação da opinião, analisamos se os posicionamentos dos/as
participantes se apresentam explicitamente, de forma clara e objetiva “Eu, particularmente,
não concordo com as cotas para negro”, ou de forma implícita “Assim, quando você fala em
dívida histórica, eu acho muito... muito forte isso”, necessitando da inferência da
pesquisadora para pressupor a opinião do falante. Enquanto no primeiro exemplo a opinião
quanto à política de cotas é formulada de forma explícita pelo estudante, no segundo exemplo
podemos inferir que o estudante apresenta uma opinião contrária ao argumento da dívida
histórica para a criação de políticas de ações afirmativas.
Quanto ao compromisso dos/as participantes em relação aos temas sobre os quais
emitem opinião, identificamos o grau de segurança “Eu, particularmente, não concordo com
as cotas para negro” ou insegurança “Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho
muito... muito forte isso”, relacionado à maneira em que os falantes intensificam ou
diminuem a força de seus enunciados. Podemos perceber que, enquanto no primeiro caso o
estudante se apresenta seguro da sua opinião explícita, no segundo caso, o estudante não
assume o compromisso de que discorda do argumento histórico para a criação de políticas de
21 Tradução nossa do original: “we cannot assume that a text in its full actuality can be made
transparent through applying the categories of a pre-existing analytical framework. What we are able
to see of the actuality of a text depends upon the perspective from wicth we approach it, including the
particular social issues in focus, and the social theory and discourse theory we draw upon”
(FAIRCLOUGH, 2003 p. 16).
147
ações afirmativas, apresentando insegurança marcada pela expressão “eu acho” e pela
hesitação no termo empregado ao final da frase “eu acho muito...”.
Sobre os possíveis recursos discursivos que os/as participantes utilizam para
desenvolver uma opinião, buscaremos identificar o uso da modalidade (BLANCAFORT;
VALLS, 2007; VAN DIJK, 2008); da intertextualidade (VAN DIJK, 2016; FAIRCLOUGH,
2003), além do recurso da argumentação (VAN DIJK, 2008) e da narração (VAN DIJK,
2016), que podem aparecer inter-relacionados nos turnos de fala. Como estratégia de
identificação desses recursos, adotamos o procedimento da codificação em cores
(RAMALHO; RESENDE, 2011).
A codificação em cores é uma dentre as diversas estratégias para codificação
disponíveis e, embora seja um procedimento muito simples – com base na
utilização de canetas ou lápis coloridos para separar tópicos ou categorias
que depois terão análise sistemática –, é útil para tornar mais ‘legíveis’ (ou
‘analisáveis’) os dados (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 91).
Para o procedimento de codificação em cores, utilizamos canetas marca-texto a fim de
identificar os recursos discursivos que os/as participantes utilizaram para desenvolver suas
opiniões. Destacamos que, no caso desta pesquisa, por se tratar de identificar opiniões,
fizemos uso da categoria modalidade associada ao termo “doxástica” (derivado do grego
antigo doxa, que significa “crença” ou “opinião”). Assim, ao invés de utilizar o termo comum
“modalidade epistêmica”, que se associa ao conhecimento (BLANCAFORT; VALLS, 2007;
VAN DIJK, 2008), assumiremos neste trabalho o termo “modalidade doxástica”22 como a
atenuação ou o reforço das asserções, que está relacionada com o grau de compromisso do
interlocutor em relação à opinião que assume frente a determinados temas no contexto de uma
discussão.
Esse recurso discursivo utiliza marcadores de opinião (Eu acho, Em minha opinião,
Desde o meu ponto de vista, Desde a minha perspectiva, Me parece, No meu modo de ver,
Segundo eu entendi, Para mim, A meu juízo, Acredito que, Penso que, Me parece que, Eu
diria que, É possível que, Não sei, Parece que, Suponho que) (BLANCAFORT; VALLS, 2007)
para expressar diferentes atitudes do locutor diante do interlocutor. Na nossa análise, é
importante ter em conta que se trata de uma relação hierarquizada e formal, e por isso, requer
atenuação no discurso. Como exemplo, podemos destacar a fala de uma aluna “eu não sei se
todo mundo que não apoia as cotas é racista, mas...” na qual podemos observar a modalidade
de negação “não sei” sendo usada para atenuar a força da afirmativa que poderia afetar em
22 Reunião de orientação. Teun Van Dijk, Barcelona, 11 de março de 2019.
148
algum grau a imagem do interlocutor. Trata-se de um procedimento para não se impor
diretamente aos outros, mantendo o canal de comunicação aberto à livre atuação dos/as
participantes.
A intertextualidade, conceito que surgiu nas discussões de Bakhtin (1997), pode ser
definida como a propriedade que têm os textos de possuir fragmentos de outros textos
(FAIRCLOUGH, 2001), ou seja, é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado
com outras vozes que lhe são articuladas em diferentes contextos (VAN DIJK, 2016). Um
exemplo dessa aplicação na nossa análise está no fragmento “Fazer um comércio e aí vai
começar a GATTACA”, que mobiliza intertextualmente, de forma específica, o filme
“GATTACA-Uma experiência Genética”. Fairclough (2003, p. 55) aponta que “a
intertextualidade é inevitavelmente seletiva em relação ao que é incluído e ao que é excluído
dos eventos e textos representados”. Dessa forma, o que fazemos com essa categoria é
selecionar amostras de intertextualidade presentes no nosso corpus que são utilizadas para
argumentar em defesa de uma dada opinião, respondendo a duas questões norteadoras: Como
outras vozes/textos são incluídos? Estas vozes/textos são relatados especificamente
(apontando a quem se referem) ou não especificamente?
Na argumentação, observamos os turnos de fala nos quais os/as participantes tentam
fazer com que seu ponto de vista resulte mais aceitável e credível, a partir da formulação de
argumentos que o sustentem (VAN DIJK, 2008), enquanto que, na narração, identificamos se
são utilizadas narrativas diversas com esta finalidade. Por exemplo, uma estudante, em defesa
do sistema de cotas, argumenta que essa política contribui para a representatividade da
população negra nos espaços de poder, como a universidade: “E aí eu encaro as cotas como
uma tentativa de suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”. Identificamos,
assim, as estratégias argumentativas utilizadas nos discursos dos/as professores/as em
formação inicial para explicar e defender suas opiniões. Como exemplo de narração,
destacamos “E aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha”, no qual a
estudante narra sua história para defender a política de cotas.
Ressaltamos que os recursos discursivos de modalidade doxástica, intertextualidade,
argumentação e narração são muitas vezes mobilizados num mesmo turno de fala. Assim,
podemos identificar um ou mais recursos discursivos no desenvolvimento de um dado
posicionamento. De acordo com Resende (2017), não devemos ter a pretensão de aplicar aos
dados todas as categorias analíticas do mapa metodológico escolhido. As categorias
selecionadas devem guiar as análises de modo a contribuir para a melhor compreensão do
149
problema social discursivamente investigado. No quadro abaixo, organizamos um resumo do
mapa metodológico.
Quadro 4. Mapa metodológico para identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de
Biologia em formação inicial quanto a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo
epistemológico e multiculturalismo crítico.
Categorias analíticas sociocognitivas Exemplo aplicado
1. Quanto à
expressão do
posicionamento
ideológico (opinião
e atitude)
Em nível
individual
(opinião)
“Eu encaro as cotas como tentativa de suprir esse
quadro”. A expressão é de nível individual (Eu).
Como parte de um
grupo social
(atitude)
“até porque a gente tá aqui, por mais que tenha
dificuldade, a gente tá acompanhando”. A estudante
se expressa como membro do grupo de cotistas.
2. Quanto à
formulação da
opinião
Explicitamente
“Eu, particularmente, não concordo com as cotas
para negro”. A opinião quanto à política de cotas é
formulada de forma explícita.
Implicitamente
“Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho
muito... muito forte isso”. Podemos inferir que o
estudante é contra o argumento da dívida histórica
para a criação de políticas de ações afirmativas.
3. Quanto ao grau
de compromisso
que assume ao
opinar
Seguro
“Eu, particularmente, não concordo com as cotas
para negro”. O estudante se apresenta seguro da sua
opinião explícita.
Inseguro
“Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho
muito... muito forte isso”. O estudante não assume o
compromisso de que discorda do argumento histórico
para a criação de políticas de ações afirmativas,
apresentando insegurança e hesitação (eu acho
muito...).
4. Quanto ao
recurso discursivo
para desenvolver a
opinião
Modalidade
doxástica
↕
Intertextualidade
↕
“eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é
racista, mas...” a modalidade de negação “não sei”
está sendo usada para atenuar a força da afirmativa.
“Fazer um comércio e aí vai começar a GATTACA”.
Fragmentos que mobiliza intertextualmente, de forma
específica, o filme “GATTACA-Uma experiência
Genética”.
Argumentação
↕
“E aí eu encaro as cotas como uma tentativa de suprir
esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”.
Argumento usado a favor da política de cotas para
aumentar a representatividade da população negra nos
espaços de poder, como a universidade.
Narração
“E aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade
que eu tenha”. A estudante narra sua história para
defender a política de cotas.
Fonte: As autoras, com base na teoria Sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk.
A partir das categorias de análise selecionadas, estabelecemos uma relação entre o
micronível da ordem social (linguagem, discurso, interação verbal e comunicação) com o
150
macronível de análise (poder, dominação e desigualdade) (VAN DIJK, 2008), pois as
categorias orientam os recortes do texto a serem submetidos ao método analítico em questão
(RESENDE, 2008). Desse modo, atendemos ao fundamento basilar da Análise do Discurso
Crítica (ADC), que se refere à preocupação com efeitos ideológicos de sentidos de textos
sobre relações sociais, ações e interações, conhecimentos, crenças, atitudes, valores,
identidades (RAMALHO; RESENDE, 2011).
Vale ressaltar que o conceito de ideologia é amplamente discutido por analistas do
discurso crítico, apresentando divergências significativas. Enquanto Ramalho e Resende
(2011), por exemplo, afirmam que os sentidos veiculados em textos são classificados como
ideológicos apenas se servem à universalização de interesses particulares projetados para
estabelecer e sustentar relações de dominação, sendo, portanto, inerentemente negativos, Van
Dijk (2008) define ideologia como crenças fundamentais de um grupo e de seus membros,
abrindo espaço para o estudo de ideologias positivas, como o feminismo ou o antirracismo, ou
seja, sistemas que asseguram e legitimam a oposição e a resistência à dominação e à injustiça
social. Consideraremos este último conceito na discussão dos aspectos ideológicos, como a
polarização entre Nós e Eles. Enfim, a partir das categorias analíticas apresentadas, vamos
acessar o texto e, então, discutir as questões relacionadas com a teoria sociocognitiva do
discurso.
4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O contexto representa as condições que definem a adequação pragmática do discurso
(VAN DIJK, 2015). Considerando que os modelos de contexto são cruciais para a gestão do
discurso, pois permitem que os usuários de linguagem adaptem seu texto à situação
comunicativa, situamos o contexto no qual as opiniões foram exploradas. Trata-se de uma sala
de aula, portanto um ambiente acadêmico, no contexto de uma disciplina optativa, sobre
ensino de Genética, na qual estavam presentes entre 10 e 14 professores/as de Biologia em
formação inicial. Na dinâmica das aulas, o objetivo do discurso foi interagir com a professora
e com os/as participantes, algumas vezes para convencer o/a(s) outro/a(s) de seus argumentos,
outras vezes simplesmente para informar ou se colocar frente a uma situação comunicativa.
Estruturamos as discussões seguindo a ordem dos blocos de análise, assim, abordaremos a
dimensão epistemológica, seguida do diálogo intercultural e das implicações e intenções
políticas.
151
4.3.1 A dimensão epistemológica em debate
Neste bloco, discutiremos como os/as professores/as de Biologia em formação inicial
se posicionam no debate sobre os termos que melhor representam o conceito de ciência, a
problematização de se considerar o conhecimento indígena como ciência ou não, e a
perspectiva de aprimoramento da engenharia genética para aplicar nos estudos de
melhoramento humano. A partir da abordagem desses temas, mobilizamos os sentidos do
pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. No quadro 5 estão os episódios
utilizados para a análise, bem como o tema a que designamos, identificação do encontro,
momento e o intervalo de duração, respectivamente.
Quadro 5. Identificação dos episódios utilizados na análise referente a dimensão epistemológica.
Dimensão Epistemológica
Episódio
s
Tema Encontro Momento Intervalo
3 O conceito de ciência e suas
implicações
1 5 02:32:12 –
02:44:07
4 O conceito de ciência e a validade dos
diferentes saberes
1 5 02:48:28 –
02:57:37
42 O alcance e as limitações dos
conhecimentos denominados científicos
6 3 01:18:49 –
01:22:35
De acordo com Resende e Acosta (2018), pesquisas em Análise do Discurso Crítica
(ADC) não somente devem categorizar, visando sistematizar suas análises, mas devem
também articular diferentes significados, a fim de aproximar o modelo teórico do objeto real
que pretendem descrever. Buscamos essa articulação nas discussões a seguir, para as quais
destacamos alguns turnos de fala sobre como os/as participantes se posicionam frente aos
termos que melhor representam o conceito de “ciência”23 e suas implicações, mais
especificamente sobre a existência de um método único de pesquisa:
Turno 7. João: Um método, não! Um método, acho que não.
Turno 10. Marcos: Um método.
Turno 12. Marcos: Porque tudo na ciência é baseado em um princípio. Mesmo tendo
vários métodos, seria um geral pra que seja considerado ciência.
23 Quando precisarmos nos referir ao termo ciência ou método científico da forma como são
trivialmente entendidos no âmbito popular, utilizaremos aspas para lembrar ao/à leitor/a que os termos
estão sendo problematizados nesta pesquisa.
152
Turno 37. Bruno: Eu acho que vai depender, né? Você pode testar vários métodos, mas
um deles será mais eficiente. Apesar de ter vários, mas, só um seria suficiente.
Dependendo...
Turno 41. João: Eu acho que:: é... talvez você tenha um método maior, que você já
desenvolveu, num sei o que... eu acho que:: é... isso deixa tudo muito... muito... fechado,
sabe? E não permite que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência //
Turno 43. João: Então, segue um padrão, mas é isso que eu tô falando, tem outras
ciências, que também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa
repetição. E elas deixam de ser ciência por causa disso?
Turno 44. Marcos: Eu concordo com vocês, por exemplo, não tem como utilizar um
método, sei lá pra estudar zoologia, e não tem como usar o mesmo método pra pessoa que
for estudar filosofia da ciência, mas, todas seguem um padrão de hipótese, de coleta de
dados, de testar ou não hipóteses e apresentar resultados...
Turno 46. Marcos: Então, aqui por exemplo, na nossa disciplina, também não tá tendo um
experimento prático, mas, tá servindo... tá sendo usado na tese da professora. Não deixa
de ser ciência. Então, se, por exemplo, não tivesse sido gravado ou a gente não
permitisse, seria só uma conversa, então, ela não poderia usar isso na tese dela. Ela tem
que seguir um padrão pra que isso seja considerado ciência.
Os excertos acima foram retirados do episódio 3 “O conceito de ciência e suas
implicações”. Os/as professores/as em formação inicial foram convidados/as a selecionar
algumas palavras ou conjunto de palavras, dentre as apresentadas pela professora, para
relacionar com o que eles/as entendiam pelo conceito de ciência. Na dinâmica da aula, eles/as
foram orientados/as a colocar os termos dentro de um círculo, que representaria a definição de
ciência. Uma controvérsia interessante foi gerada quando eles/as tiveram que eleger “um
método” ou “vários métodos” para colocar no “círculo da ciência”. Todos/as os/as
participantes que problematizaram essa questão têm experiência seja em programas de
pesquisa na universidade ou no desenvolvimento de suas monografias. Argumentamos que
tais experiências vividas por eles/as, no contexto de suas pesquisas, contribuíram para formar
diferentes representações em seus modelos mentais acerca do conceito de ciência.
A partir das expressões de possibilidade, nos marcadores “acho”, “dependendo” e
“talvez”, os/as participantes emitem opiniões sobre a definição do termo “ciência”. Para
explicar sua opinião de forma explícita e segura, Marcos (Turno 12) mobiliza o argumento de
que “tudo na ciência é baseado em um princípio”, e por isso, “Mesmo tendo vários métodos,
seria um geral pra que seja considerado ciência”. Esse argumento indica a opinião de
Marcos a favor do termo “um método” para definir ciência. Consideramos que a padronização
de um método para toda forma de produção de conhecimento implica em duas questões:
primeiro, que toda forma de conhecimento é, em si, diversa nos métodos com os quais opera;
segundo, que a tentativa de universalização de critérios específicos de um grupo epistêmico
153
particular, para todas as representações culturais de conhecimento científico, inviabiliza a
valorização de conhecimentos científicos não ocidentais por seus próprios méritos.
Em turnos posteriores (Turno 44 e 46), Marcos reforça sua opinião frente ao conceito
de ciência, que para ele deve ser construído a partir de um método determinado, obedecendo
aos procedimentos de “hipótese, de coleta de dados, de testar ou não hipóteses e apresentar
resultados...”. O argumento de Marcos é reforçado pelo exemplo de pesquisa desenvolvido
pela professora, que “tem que seguir um padrão pra que isso seja considerado ciência”. A
mobilização desse exemplo representa uma estratégia discursiva de persuasão, pois passa do
abstrato ao concreto, materializando a realidade da sua assertiva. A opinião expressa por
Marcos reflete sua experiência no campo da pesquisa, bem como o discurso comum presente
nos livros didáticos de Ciências desde o Ensino Fundamental, que explora o suposto “método
científico” como um passo a passo necessário no processo de pesquisa, somente pelo qual são
gerados resultados válidos e confiáveis.
Esse sentido da universalização de critérios epistêmicos específicos da ciência
ocidental moderna avigora formas simbólicas de eurocentrismo, ou seja, uma ideia que coloca
os interesses e a cultura europeia como sendo as mais importantes, o que certamente não foi
criada por Marcos, mas ressignificada e recolocada em prática, a partir da repetibilidade de
discursos que sustentam estruturas de poder e dominação (RESENDE, 2008). Considerando
que a superioridade da ciência ocidental moderna foi muitas vezes e durante séculos repetida
em variados tipos de texto, tornou-se parte dos pressupostos nos quais novos textos são
produzidos, e assim os discursos se reproduzem.
Considerando que, depois da mídia, o discurso educacional é o mais influente na
sociedade (VAN DIJK, 2008), as discussões sobre temas mobilizados nas perspectivas do
pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico se mostram relevantes no processo
de formação de professores/as. Nos turnos 41 e 43, João apresenta um contra-argumento em
apoio ao termo “vários métodos” para definir ciência. Ao expressar sua opinião - “E não
permite que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência” e “tem outras
ciências, que também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa repetição. E
elas deixam de ser ciência por causa disso?” – o interlocutor utiliza uma pergunta retórica
para articular o discurso de que o termo “ciência” deve ser utilizado, também, na
denominação de conhecimentos justificados por critérios epistêmicos particulares de grupos
subalternizados.
154
A partir do diálogo entre o pluralismo epistemológico (PE) e o multiculturalismo
crítico (MC) desenvolvido nesta pesquisa, defendemos que ao invés de assumir as diferentes
formas de conhecimento sob a égide de um conceito único de ciência, devemos argumentar
pela pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências; ou seja, reconhecer a
existência de diferentes ciências, que operam com critérios específicos de suas comunidades
epistêmicas. Assim, temos as ciências dos povos indígenas - considerando a diversidade de
culturas e ciências das variadas comunidades epistêmicas desses grupos, as ciências dos povos
africanos, a ciência ocidental moderna ou ciência hegemônica, entre outras.
Nos turnos de fala destacados abaixo, apresentamos a discussão das influências
políticas e culturais que permeiam a construção do conhecimento.
Turno 22. Eduardo: Então, eu acho que ciência é feita parte de... mesmo, por exemplo, se
eu descobrir alguma coisa hoje, eu me baseei em outras pessoas, outros cientistas que já
estudaram coisas parecidas, pelo menos. Então, acho que não se faz ciência apenas com
um cientista.
Turno 28. João: Porque se a gente for parar pra pensar, quem tem o poder da ciência hoje
em dia, são pessoas ricas.
Turno 31. Nami: Eu pensei no sentido de que a ciência interfere no desenvolvimento da
sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar. Então é meio que uma
escada, assim.
Turno 32. João: É... porque, por exemplo, se a gente for parar pra pensar, cientificismo.
Que é o desenvolvimento da ciência pra ela mesma pra que, sabe? Tudo se desenvolva.
No que deu o cientificismo? Quando a gente chegou na segunda guerra mundial, teve o
nazismo e o nazismo se baseou no cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas
pra ficar testando medicamentos, num sei o quê, num sei o quê... então, é uma questão
política da ciência, né? Será que ela realmente não tem limites, será que ela não se
desenvolveu? Ela mesmo, né?
Turno 35. Bruno: E também tem a questão de que a política vai filtrar o que a gente vai
pesquisar ou não né? Porque querendo ou não a gente vai ter que pesquisar os interesses...
de quem financia. //
As expressões “eu acho” e “eu pensei”, caracterizam as falas de Eduardo (Turno 22)
e Nami (Turno 31), que utilizam desse recurso para formular seus posicionamentos
individuais com baixo grau de compromisso. No caso de Eduardo, a consideração da
“ciência” como um constructo humano e processual reflete uma perspectiva crítica, segundo a
qual “não se faz ciência apenas com um cientista”. Essa assertiva, por representar uma crença
objetiva comum a uma comunidade epistêmica (a qual estamos utilizando como lente teórica),
permite pressupor que reflete um conhecimento, que pode ser adquirido pelo discurso.
Ressaltamos que a construção de conhecimento, além de não ser individualista, tem as
características de ser política, crítica e flexível (GIL-PÉREZ et al., 2001).
155
A fala de Nami, por sua vez, pressupõe a construção discursiva de uma opinião, pois
se formula a partir do debate. Destacamos que a ideia de que “a ciência interfere no
desenvolvimento da sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar”
pressupõe uma relação linear entre “ciência”, sociedade e política, desconsiderando as
interrelações de influências variadas que compõem essas estruturas, além de apresentar a
“ciência” e a sociedade como subordinadas à política, da qual as primeiras não
necessariamente fariam parte. Da mesma forma, percebemos na fala de Bruno (Turno 35) o
caráter dominante de uma política, que financia as pesquisas e, portanto, tem o poder de
decisão independente dos interesses sociais, apresentando mais uma vez a política
desconectada da sociedade. Essa visão, atrelada à ideia de uma “ciência” infalível, está
presente tanto entre alunos da educação básica quanto entre docentes em formação inicial e
continuada (GIL-PEREZ et al., 2001), e, por isso, precisa ser problematizada.
Uma perspectiva mais crítica sobre as influências políticas na construção do
conhecimento científico foi expressa nas falas de João (Turnos 28 e 32), nas quais o
licenciando questiona a desigualdade social, a superioridade científica e as ações da ciência
que servem à interesses particulares, ignorando o bem comum. O estudante defende sua
opinião utilizando o recurso da narração, na qual apresenta o movimento nazista “Quando a
gente chegou na segunda guerra mundial, teve o nazismo e o nazismo se baseou no
cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas pra ficar testando medicamentos, num
sei o quê, num sei o quê...”, bem como as inter-relações entre “ciência”, tecnologia, sociedade
e ambiente, adquiridas, provavelmente, por meio do discurso. A narração referente ao
nazismo é incluída no texto como um exemplo de ação negativa da ciência ocidental, a fim de
fortalecer o argumento de que é preciso desconstruir uma perspectiva salvacionista do que se
denomina “ciência”.
Continuando a discussão epistemológica e promovendo reflexões sobre o alcance e a
validade dos conhecimentos, a professora questionou se o conhecimento indígena sobre as
enchentes das marés, por exemplo, deve ou não ser denominado científico. Destacamos
abaixo os turnos de fala que expressam os posicionamentos dos/as participantes:
Turno 63. Arizona: Professora, eu acho que é científico, porque depois outra pessoa pode
dizer assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se aprofundar numa pesquisa
pra mostrar a ele que ele tá errado. Então, seria um caso científico sim.
Turno 66. João: É. Das tetas aqui. Mas, foi comentado aqui que pode até ter se apropriado
do conhecimento científico, mas, parou na hipótese porque eles não conseguiram fazer o
teste e essas questões todas, então, estagnou na hipótese.
Turno 68. João: Semi-científicos. ((Risos))
156
Turno 69. Iara: Não. Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão. Ei,
professora, tô bugada, viu? ((Risos)) //
Turno 70. Jules: Depende do propósito que a pessoa tenha com essa informação. É
importante, eles observaram que o mar sobe e desce ou ele quer algo específico com
aquilo. Estudar a fundo aquilo alí...
Turno 72. Jules: Eu acho que não. Seria apenas uma observação que ele fez.
Turno 73. Marcos: Eu também acho que não. É uma forma de conhecimento válida,
praticamente mais útil até que muito conhecimento que na minha opinião é científico...
pra ele não importa saber se a lua cheia... no caso... mas, não deixa de ser válido. O
conhecimento.
Turno 76. João: Não. Não tem que ser verdade, mas, se for correlacionar o que os
cientistas disseram, o fato é que eles encontraram o que eles acharam que eles entenderam
naquela situação. Então, se você for correlacionar, as coisas realmente batem. Então,
indiretamente foi científico.
Turno 78. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, o conceito de ciência que eu construí até
hoje, pra mim não seria ciência. Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse
conceito de ciência aí eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que
eu construí até hoje, antes de entrar nessa sala, não é ciência. ((Risos)) //
Turno 79. João: (...) Se eu fosse assim, o dono da ciência, eu falaria é ciência. //
Mais uma vez destacamos os marcadores que demonstram insegurança em relação ao
grau de compromisso frente ao conteúdo enunciado (Eu acho, Depende, Acho que).
Identificamos, no curso do debate, a mobilização de opiniões favoráveis e contrárias quanto a
denominar de científicos os conhecimentos indígenas. Essas opiniões aparecem nos textos
sustentadas pelo recurso da argumentação, estratégia utilizada pelos/as interlocutores/as para
explicar e defender suas representações explícitas e individuais.
Um dos argumentos utilizados pelos/as participantes para justificar a razão pela qual
não apoiam que o conhecimento indígena sobre as enchentes das marés seja considerado
científico é o fato de que esse grupo cultural não realizou testes, tendo estagnado na hipótese.
Trata-se de um discurso articulado por João (Turno 66) para expressar a representação de um
grupo de três licenciandas que não se sentiram confortáveis para participar, diretamente, deste
momento da aula, ou seja, João mobilizou intertextualmente o discurso dessas licenciandas.
Podemos retomar aqui a discussão sobre método científico, a qual muitos/as licenciandos/as
tomam como parâmetro para designar “ciência”, uma ideia relacionada com a perspectiva de
superioridade de uma ciência hegemônica construída historicamente pelo eurocentrismo. Essa
perspectiva também é observada nas falas de Jules (Turnos 70 e 72), nas quais o estudante
relaciona “ciência” com a ideia de “Estudar a fundo” alguma coisa, e não somente fazer uma
observação. Podemos pressupor que a expressão “Estudar a fundo” esteja relacionada
também ao desenvolvimento do tradicional “método científico”, que além da observação,
implica em seguir os passos de formulação de um problema, elaboração de hipótese,
157
planejamento de experimentos controlados para testar as hipóteses, observação experimental e
conclusão (MARSULO; SILVA, 2005).
A utilização de um método dito científico para o desenvolvimento de conhecimentos
no âmbito escolar é discutida há tempos, e os procedimentos que o caracterizam atuaram
como legitimadores de uma certa forma de se ensinar Ciências (MARSULO; SILVA, 2005).
Segundo as autoras, desde os anos 1960, a proposta de um modelo de ensino centralizado nos
processos de pesquisa criou nas escolas o “mito do método científico” como o único método
capaz de contribuir efetivamente para a construção do conhecimento imutável, perene e
universal. Embora esse dito “método científico” tenha contribuído para o desenvolvimento da
ciência ocidental moderna, não representa a única possibilidade de fazer pesquisa. É preciso
reconhecer que a cultura ocidental, atualmente, permite múltiplas interpretações em relação ao
“método científico”, além de que diferentes culturas apresentam critérios epistêmicos
distintos, que devem ser valorizados por seus próprios méritos.
Na perspectiva do pluralismo epistemológico, Cobern e Loving (2000) argumentam
sobre a importância de valorizar os conhecimentos, independente do status de “ciência”, que,
para os/as autores/as, deve estar reservado à cultura ocidental moderna. Essa perspectiva foi
discutida no contexto da aula da qual foram extraídos esses turnos de fala, sendo que o
argumento dos/as autores/as foi apropriado por Marcos (Turno 73), que diz que, embora o
conhecimento indígena seja válido e “praticamente mais útil até que muito conhecimento que
na minha opinião é científico”, não poderia ser denominado “ciência”. Observamos a
inserção das ideias de Cobern e Loving (2000) no discurso articulado por Marcos, ainda que
ele não tenha especificado essa leitura, reforçando o pressuposto da teoria sociocognitiva de
que grande parte do nosso conhecimento, que não foi adquirido pela experiência, é construído
por meio do discurso.
Outra evidência da construção discursiva das opiniões é expressa na fala de Everton
(Turno 78), que se apresenta aberto à possibilidade de mudar suas representações mentais a
depender das novas experiências e debates dos quais se propõe a participar no curso da
disciplina: “Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse conceito de ciência aí
eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que eu construí até hoje,
antes de entrar nessa sala, não é ciência.”. Ao apresentar a possibilidade de “mudar de
opinião”, o estudante reconhece que somos construídos e reconstruídos permanentemente por
meio das experiências de vida e oportunidade de conhecer diferentes discursos sobre o
mundo. Com esse discurso articulado por Everton, de forma explícita e segura, podemos
158
pressupor que o conceito construído “antes de entrar nessa sala” expressa a ideia de uma
formação cientificista, vivida pelo/a estudante ao longo da sua trajetória, e que foi pela
primeira vez questionada no momento particular da disciplina em questão.
Maldaner (2000) destaca que a ação pedagógica do professor é influenciada por
crenças e convicções do que se entende por “ciência”. Assim, argumentamos que questionar
uma visão de “ciência” como conjunto de verdades, descobertas por cientistas em contextos
especiais, representa um caminho frutífero para a construção de uma perspectiva mais crítica
no processo de formação de professores/as, que valorize a pluralidade de saberes, a fim de
construir uma percepção pedagógica comprometida com a diversidade cultural.
É interessante notar que os argumentos favoráveis à ampliação do termo “ciência” de
forma a abranger os conhecimentos dos indígenas, foco do debate em questão, também se
apoiaram na mesma ideia do “método científico” utilizada para defender uma perspectiva
oposta. Podemos perceber essa articulação nas falas de Arizona, Iara e João (Turnos 63, 69 e
76, respectivamente). Arizona argumenta que o conhecimento indígena é “ciência” porque
“depois outra pessoa pode dizer assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se
aprofundar numa pesquisa pra mostrar a ele que ele tá errado”. A estudante apresenta o
caráter provisório da construção do conhecimento e a necessidade de “aprofundar numa
pesquisa” para obter um resultado mais preciso e confiável.
Tomando por base as discussões anteriores, pressupomos que a ideia de “aprofundar
numa pesquisa” tenha relação com a aplicação do “método científico”. Da mesma forma, Iara
diz que “Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão”, e João diz que o
conhecimento do indígena é científico porque “se você for correlacionar [os resultados
apresentados por “cientistas” e por indígenas], as coisas realmente batem”, o que implica ter
sempre a ciência ocidental moderna como parâmetro para a construção de todas as formas de
saberes, recaindo, mais uma vez, a formas simbólicas de eurocentrismo. Quando a professora
apresentava as controvérsias envolvidas nos argumentos dos/as participantes, eram comuns
mudanças de opinião, como João (Turno 68), que para dirimir a discussão, diz: “Semi-
científicos” ou comentários como o de Iara (Turno 69): “Ei, professora, tô bugada, viu?”.
Os espaços de debate são fundamentais para a tomada de decisão sobre qual/is
discurso/s apoiar e por quais razões, não para formar uma ideia essencialista de mundo, mas
para ter segurança sobre seu próprio ponto de vista e manter a coerência entre o discurso e as
ações. Das mudanças de posicionamento de João, ele relata no turno 79 que se fosse ele “o
159
dono da ciência, eu falaria é ciência”. Nesse discurso também está incluído, de forma não
especificada, o texto de Cobern e Loving (2000), que traz como última proposição para o
conhecimento ser definido como “ciência”, o consenso da comunidade científica ocidental.
Assim, percebemos que os/as professores/as de Biologia em formação inicial estão
construindo novas representações sobre a dimensão epistemológica, a partir das leituras dos
textos indicados na disciplina e experiências de debate.
Para discutir os alcances e as limitações dos conhecimentos denominados científicos,
elegemos o episódio no qual abordamos os estudos da engenharia genética, por meio do vídeo
“Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre - CRISPR” e do filme “GATTACA – Uma
experiência genética”. No que se refere às pesquisas na área da biotecnologia, destacamos um
discurso favorável ao aprimoramento da engenharia genética para aplicar nos estudos de
melhoramento humano, a partir de duas ressalvas: promover a reflexão no âmbito da bioética
e não divulgar os resultados das pesquisas para a sociedade. Vejamos os turnos
representativos desses posicionamentos:
Turno 83. Nami: Eu acho que é muito perigoso ainda, porque a gente não tá ainda... não
sei se é educado, a palavra... assim:: a gente não tá preparado pra esse nível de tomada de
decisão... e ainda mais que uma descoberta desse nível, que ele falou que um cara super
rico pode chegar lá e comprar a ideia e fazer dela o que bem quer. Fazer um comércio e aí
vai começar a GATTACA. Ou seja, só aquelas pessoas que têm muito dinheiro vão poder
usufruir daquilo. Então, é uma faca de dois gumes, você pode se dar muito bem com
aquilo ou pode dar muito errado. E quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é
mais perigoso ainda, porque a gente não entende como é que funciona. Então,
simplesmente chegar e cortar aquele gene e colocar um novo será que aquele que tava
ruim, não tava interagindo com outro e vai dar problemas maiores mais pra frente? Aí eu
não sei...
Turno 84. Arizona: Eu achei interessante a discussão que ele falou no final, que não devia
eliminar, devia ter sim, o estudo, né? Mais aprofundado... divulgação do conhecimento,
mas não acabar. Porque ele fala, então, vamo acabar! Já que vai dar esse problema todo...
mas, eu acho que tem que ter sim, o estudo:: não tem por onde correr... Mas, é meio
complicado, como ele disse... começa uma coisa vai pra outra...
Turno 88. Jhoserd: Eu acho que tinha que ser trabalhado muito a questão da reflexão no...
no âmbito bioético, assim... justamente pelo fato de que nós realmente não estaríamos
preparados de maneira alguma se hoje isso fosse acessível.
Os/as participantes não apresentam segurança nas asserções, com destaque, mais uma
vez aos marcadores de incerteza em suas opiniões (Eu acho; não sei). Considerando a
importância de formar professores/as capazes de tomar decisões frente a questões sociais,
políticas e culturais, destacamos a necessidade de promover espaços de debate sobre os
estudos da engenharia genética, por exemplo. A partir do recurso discursivo da
intertextualidade, identificamos a menção ao filme GATTACA, um texto incluído
especificamente no discurso articulado por Nami (Turno 83) para argumentar que a sociedade,
160
de modo geral, não está preparada para saber lidar com a possibilidade de acessar as pesquisas
sobre melhoramento genético para alterar características hereditárias.
De acordo com Nami (Turno 83), se a sociedade tem acesso a essa possibilidade,
resultará em “um comércio e aí vai começar a GATTACA”. Além disso, a estudante
argumenta que “quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é mais perigoso ainda,
porque a gente não entende como é que funciona”. O discurso articulado por Nami pressupõe
conhecimento sobre a complexidade da interação gênica, discutida em aula anterior sobre a
crise do conceito de gene. Discussões sobre as limitações da ciência ocidental moderna e as
controvérsias do determinismo genético, com base nos estudos do conceito de gene,
auxiliaram os/as professores/as de Biologia em formação inicial a se posicionarem de forma
crítica frente as questões socioculturais.
Em paralelo a uma fala anterior, Arizona (Turno 84) apresenta concordância no
desenvolvimento dos estudos sobre engenharia genética “eu acho que tem que ter sim, o
estudo:: não tem por onde correr...”, ainda que considere “meio complicado”. A opinião da
aluna, formulada de maneira explícita e insegura, indica o reconhecimento dos possíveis
riscos com os avanços dos estudos da biotecnologia, tendo em vista que abre um leque de
possibilidades de manipulação gênica, as quais ao mesmo tempo que poderiam ser favoráveis
ao controle de anomalias que provocam sofrimento, poderiam possibilitar que as pessoas
selecionassem características “desejáveis” para os seus descendentes, o que poderia ser
configurado como uma nova eugenia.
No curso do debate, Jhoserd (Turno 88) faz uma observação de que “tinha que ser
trabalhado muito a questão da reflexão no... no âmbito bioético”. O caráter ético destacado
por Jhoserd representa um campo de estudo que necessita, cada vez mais, se articular com as
pesquisas que se desenvolvem seguindo critérios epistêmicos da ciência ocidental moderna,
pois, estas, são exploradas, muitas das vezes sem limites.
Em suma, destacamos aproximações e distanciamentos dos discursos articulados
pelos/as professores/as em formação inicial no que se refere aos temas mobilizados na
dimensão epistemológica. Sobre à problematização da abordagem cientificista, destacamos
que, embora haja indícios de perceber a “ciência” como uma atividade falível e mutável, as
discussões sobre pesquisa se voltam para os critérios epistêmicos da cultura ocidental
moderna, influenciados pelo eurocentrismo, tal como propomos desconstruir. Nesse sentido, a
“ciência” se mantém, por vezes, descontextualizada das influências políticas e culturais, e,
161
embora seja percebida a existência de diferentes discursos sobre o mundo, há uma inclinação
para a assimilação destes pela cultura ocidental, e não uma valorização horizontal das
diferentes ciências, problematizando hierarquizações de poder. Contudo, ressaltamos o
reconhecimento dos/as participantes de que cada conhecimento tem seu alcance e validade,
uma característica que defendemos no diálogo entre o PE e o MC.
4.3.2 O diálogo intercultural em debate
Neste bloco, que se refere ao diálogo intercultural, discutiremos sobre como os/as
professores/as de Biologia em formação inicial se posicionam em seus discursos sobre o
estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como esses
conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais; a proposta de auxiliar
os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos ocidentais a fim de ampliar suas
visões, sem anular suas culturas e crenças; e articulação entre os saberes dos/as estudantes e
os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica
de um saber em relação ao outro. No quadro 6, estão os episódios utilizados para a análise,
bem como o tema a que designamos, a identificação do encontro, o momento e o intervalo de
duração, respectivamente.
Quadro 6. Identificação dos episódios utilizados na análise referente ao diálogo intercultural.
Diálogo Intercultural
Episódio Tema Encontro Momento Intervalo
16 Entre anular e valorizar os
conhecimentos dos/as estudantes
3 2 01:20:54 –
01:32:05
39 O dilema com os saberes dos/as
estudantes
6 1 00:13:18 –
00:14:33
A combinação de diferentes recursos discursivos, tais como modalidade doxástica,
intertextualidade, argumentação e narração, possibilita uma análise detalhada e sistemática
sobre como os/as professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam os sentidos do
diálogo intercultural em seus discursos, mais especificamente, como eles/as se posicionam,
como opinam frente a temas relacionados a esse bloco de análise. Abaixo identificamos
turnos de fala nos quais os/as participantes discutem a relevância de orientar os/as estudantes
162
a desmistificar ou não, no contexto das aulas de Genética, algumas noções comumente
admitidas pelos indivíduos no cotidiano:
Turno 3. Bruno: Se for errado ((referindo-se à ideia de que o professor precisa auxiliar os
estudantes a desmistificar suas questões relacionadas ao senso comum)).
Turno 5. Bruno: Aquela questão ali que a herança se dá pela mistura do sangue... eu acho
que não é certo pra ninguém.
Turno 7. Amanda: É certo em um ambiente, né? Em um universo... no caso, seria certo
pra ele.
Turno 13. Eduardo: Eu acho que sim ((referindo-se à ideia de desmistificar a assertiva
“Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de Deus”)).
Turno 14. Ariel: Eu acho importante a gente desmistificar isso, até porque se a criança for
de uma família religiosa e ela for religiosa, ela só vai ter medo de um Deus que pode dar
algum castigo a ela.
Turno 17. Eduardo: E se tivesse uma criança deficiente na sala, ela ia falar: Ah, você foi
castigada, fez alguma coisa errada. É isso que eu penso, entendeu? É isso que eu penso...
Turno 18. Elodie: Eu acho que a gente tinha que:: fomentar... o pensamento crítico. Eu
acho que a gente daria, como ela falou, a gente daria oportunidade do aluno escolher, né?
Você acha isso, mas a ciência diz isso aqui ou então, isso aqui tá num sei o que... né? Dá
essa oportunidade de falar... //
Turno 19. Arizona: É. Não pode dizer que ele [o estudante] tá errado. //
Turno 20. Bruno: Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//
Turno 21. Elodie: Agora tem uma frase, na primeira parte que eu acho que tem que ser
desmistificado, porque envolve a questão de gênero, que é “o pai é mais importante que a
mãe”.
O uso do marcador de opinião “Eu acho”, que aparece repetidas vezes nos turnos de
fala apresentados, representa um procedimento para atenuar a força das afirmativas e não se
impor aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos interlocutores, além de
denotar um grau de compromisso de insegurança quanto à opinião assumida pelos/as
participantes.
Nas falas de Bruno (Turnos 3 e 5), podemos pressupor que o conhecimento que ele
apresenta como “errado” é aquele diferente do que se denomina científico. Considerando que
somos frutos de uma sociedade que apresenta apenas a explicação da ciência ocidental
moderna, possivelmente toda vivência de Bruno e de seus/suas colegas foi proveniente de
uma sociedade e escola permeadas apenas pela ciência eurocêntrica, ou seja, é muito provável
que eles/as não conheçam como outras culturas explicam a hereditariedade, por exemplo.
Assim, seus julgamentos de certo/errado têm como parâmetro os critérios epistêmicos da
ciência que eles/as aprenderam ao longo da vida.
163
Nesse sentido, o participante afirma a importância de desmistificar as percepções
relacionadas ao senso comum24 dos/as estudantes, quando estas não estiverem de acordo com
o que ele entende como o “correto”, ou seja, o conhecimento “formal” aprendido na escola e
na universidade, aquele derivado da cultura ocidental moderna, apoiado por formas
simbólicas de eurocentrismo. Todavia, a utilização do marcador “Eu acho” (Turno 5) denota
uma opinião com grau de compromisso inseguro do que Bruno entende por “correto” sobre os
mecanismos de herança genética. Ao afirmar que “Aquela questão ali que a herança se dá
pela mistura do sangue... eu acho que não é certo pra ninguém”, o participante usa como
parâmetro de conhecimento “correto” a abordagem monocultural eurocêntrica na qual está
imerso, desconsiderando a possibilidade de outras formas de explicar os fenômenos naturais.
Dessa reflexão, surgem alguns questionamentos: será que os/as professores/as em
formação inicial conhecem outras explicações sobre herança no sentido de outra cultura?
Eles/as já tiveram acesso a outras ciências que explicam a hereditariedade? Ou eles/as são o
reflexo de uma escola e sociedade que apresenta apenas a explicação da ciência ocidental
moderna? Entendemos que se toda vivência dos/as participantes vem de uma sociedade e
escola permeadas apenas pela ciência eurocêntrica, dizer que o aluno está errado e usar o erro
como ponto para novas conceitualizações não estaria ocultando outras culturas, porque esses
sujeitos não foram apresentados a elas. Por outro lado, estaria errado se tivéssemos alunos/as
que conhecessem como outras culturas explicam determinados fenômenos naturais e não
considerássemos esses conhecimentos.
Diante da importância de considerar explicações científicas de diferentes culturas,
estamos defendendo uma educação plural, que valorize diferentes saberes, ao passo que
promovemos a reflexão sobre essas questões no curso de formação de professores. Se pelo
discurso a cultura eurocêntrica se instaurou como única e verdadeira, pelo discurso é possível
desconstruir essa percepção.
Por outro lado, o discurso de Amanda (Turno 7), ao ponderar que o conhecimento de
senso comum do/a estudante, no que se refere a herança genética, “É certo em um ambiente”,
a participante apresenta uma perspectiva mais coerente com o pluralismo epistemológico, que
defende a demarcação de saberes como estratégia metodológica para o ensino de Ciências.
Nessa perspectiva, o/a professor considera as diferentes formas de explicar os fenômenos
24 Entendemos senso comum como noções comumente admitidas pelos indivíduos em sociedade, que
não tenham sido originadas a partir de critérios epistêmicos de uma dada cultura, mas de ramificações
equivocadas da cultura hegemônica.
164
naturais, inclusive as originadas de ramificações equivocadas da cultura hegemônica, e
demarca como cada uma explica um mesmo fenômeno, sem perspectiva de mudar os
conhecimentos dos/as estudantes. Percebemos que o discurso articulado por Amanda
apresenta fragmentos do texto que utilizamos na aula para discutir o tema, configurando a
utilização da intertextualidade não específica como recurso discursivo para defender sua
opinião.
Observamos a mobilização de duas opiniões sobre a atitude do/a professor/a frente aos
conhecimentos dos/as estudantes nas aulas de Genética, uma favorável à desconstrução das
ideias que estão em desacordo com a ciência ocidental moderna e outra, que mais se aproxima
do diálogo entre o PE e o MC, na qual o/a professor/a de Biologia promove a demarcação dos
conhecimentos, esclarecendo aos/às estudantes que estes podem ser aplicados em diferentes
contextos. Entretanto, quando o conhecimento dos/as estudantes ou o conhecimento científico
ocidental mobilizam atitudes discriminatórias, defendemos no diálogo entre o PE e o MC, a
desconstrução desses ideais. Por meio das estratégias argumentativas, percebemos que a
intenção dos/as participantes em desmistificar percepções do senso comum dos/as estudantes,
relacionadas à explicação de herança biológica, se justifica, sobretudo pela preocupação em
combater desigualdades e discriminações, como no caso em que Ariel destaca a discriminação
religiosa (Turno 14), Eduardo identifica a discriminação ao deficiente (Turno 17) e Elodie
destaca a desigualdade de gênero (Turno 21).
Os argumentos apresentados por Ariel, Eduardo e Elodie (Turnos 14, 17 e 21,
respectivamente) foram direcionados a duas assertivas de senso comum colocadas no debate
pela professora: “O pai é mais importante que a mãe para determinação das características do
indivíduo” e “Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de
Deus”25. Podemos pressupor que para esses/as professores/as em formação inicial, a
orientação pelo conhecimento científico ocidental nas aulas de Genética, nestes casos, se
justifica principalmente por resguardar um ambiente escolar livre de julgamentos e
discriminações. De fato, os conhecimentos que firam a dignidade humana e sejam
instrumento da perpetuação de desigualdades não merecem ser reconhecidos nas aulas de
Ciências (CREPALDE et al., 2019).
No relato de Elodie (Turno 18) “a gente daria oportunidade do aluno escolher, né?
Você acha isso, mas a ciência diz isso aqui” identificamos que a participante se coloca como
25 Essas problematizações foram extraídas da tese de doutorado de Vanessa Reis (2018).
165
membro de um grupo social, no caso, os/as professores/as, que devem apresentar aos/às
estudantes as possibilidades de interpretação de um fenômeno natural para que estes possam
“escolher”. Percebemos nesse texto indícios da ideia de demarcação de saberes discutida nos
pressupostos do PE, todavia, essa perspectiva teórica não orienta para que o/a estudante faça
uma escolha frente às explicações dos fenômenos naturais, mas utilize seus conhecimentos
culturais, em diferentes contextos da vida cotidiana.
Concordando com essa ideia, Arizona (Turno 19) traz uma asserção segura e explícita
de que “Não pode dizer que ele [o/a estudante] tá errado”, na qual podemos pressupor que
para a participante, essa ação [de dizer que o/a estudante está errado] acarretaria em
desconsiderar os conhecimentos prévios e a cultura do/a estudante. A opinião de Arizona leva
Bruno a se manifestar (Turno 20), promovendo uma reflexão sobre os exames de avaliação
escolares. Ora, se o/a professor/a não pode dizer que o/a estudante está errado, implica que
ele/a estará sempre certo, e assim “Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//”
(Turno 20). A retórica de Bruno pressupõe sua opinião implícita de que é função do/a
professor/a desmistificar os conhecimentos prévios dos/as estudantes, a fim de promover a
compreensão da ciência hegemônica.
É importante tornar evidente quando estamos nos referindo à apresentação de outras
culturas/ciências e quando estamos nos referindo ao conhecimento prévio dos/as
professores/as ou alunos/as, tendo em vista que existe uma linha tênue entre a cultura e os
conhecimentos dos sujeitos. Nessa discussão sobre como explicar fenômenos relacionados a
hereditariedade, entendemos que tanto professores/as quanto alunos/as não conhecem outras
culturas/ciências, se restringindo a buscar explicações em seus conhecimentos prévios, que
foram adquiridos por meio de uma formação pautada apenas na cultura eurocêntrica. Assim,
argumentamos que nem sempre os conhecimentos prévios dos sujeitos vão se caracterizar
como diferentes culturas, estando mais numa perspectiva de senso comum, e, desse modo,
podem ser considerados errados à luz de critérios epistêmicos de culturas específicas.
Numa perspectiva do diálogo entre o PE e o MC, entendemos a importância de ensinar
Genética, mas isso não implica em desconsiderar outras explicações de herança e
hereditariedade, por exemplo, que inclusive, devem ser problematizadas na sala de aula. A
preocupação de Bruno, contudo, é legítima e direcionou a discussão sobre a diferença entre
entender e/ou acreditar num determinado conteúdo.
166
Seguindo as reflexões provenientes do diálogo entre o PE e o MC, entendemos que
ensinar Ciências não implica em desmistificar conhecimentos culturais dos/as estudantes que
podem se contrapor ao conhecimento científico ocidental. Nessa perspectiva, argumentamos
para um ensino sensível à diversidade cultural, no qual o/a professor/a apresente as
explicações da comunidade epistêmica da ciência ocidental como uma entre várias formas de
explicar os fenômenos naturais, orientando que se trata do conhecimento a ser posto em
análise nas avaliações nacionais. Contudo, essa orientação não anula necessariamente as
crenças dos/as estudantes, que podem manter em seus modelos mentais diferentes
representações conceituais. Nesse contexto, os/as participantes foram questionados/as sobre a
função do/a professor/a em situações nas quais as crenças dos/as estudantes divergem do
conhecimento científico ocidental, se seria importante que o/a professor/a desconstruísse
determinadas crenças culturais dos/as estudantes para promover a compreensão dos conteúdos
denominados científicos, ou se seria coerente e possível que o/a professor/a orientasse o/a
estudante a entender conteúdos ainda que estes contrariassem suas crenças pessoais. Para esta
discussão, lembramos que todos os conhecimentos, inclusive os ocidentais, também
sustentam crenças, e são, portanto, passíveis de crítica cultural. Vejamos alguns turnos de fala
dessa discussão:
Turno 26. Arizona: Não. Não mesmo ((referindo-se à pergunta se seria função do
professor de ciências alterar crenças dos estudantes)).
Turno 28. Nami: Eu tava pensando assim, eu como professora, eu não tocaria no assunto
de religião, só se a criança se manifestar:: Eu vou falar da ideia científica, mas, vocês
podem acreditar no que vocês quiserem. Então, cabe o aluno escolher, né? Agora eu, só
toco no assunto se realmente não tiver como fugir. //
Turno 33. Carol: As duas vertentes, porque... não vai depender do professor mudar o
pensamento... a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir o que ele vai...
Turno 34. Eduardo: Eu discordo. Porque quando você tá explicando alguma coisa, é...
algum conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já formada, ela
não vai querer te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim.
Turno 44. Eduardo: Não. Mas, eu acho importante. Que ele acredite ((referindo-se à ideia
de que o estudante precisa acreditar para entender conceitos da Genética)).
Turno 47. Nami: E essa questão que, pra entender, é preciso acreditar, por exemplo, eu
nunca entendi o Big Bang, mas eu acredito que ele aconteceu...
Percebemos na fala de Arizona (Turno 26) uma opinião com grau de compromisso
seguro de que o/a professor/a não deve alterar crenças dos/as estudantes. Trata-se de uma
formulação como parte de um grupo social, tendo em vista que não somente ela deve
resguardar as crenças dos/as estudantes, mas também toda a classe de professores/as. No
curso do debate, os/as participantes relacionaram crença a religião, o que se justifica no fato
167
de que conhecimentos prévios são sustentados por explicações espirituais. Nesse contexto,
Nami (Turno 28) apresenta sua opinião em nível individual “eu como professora” de forma
explícita “não tocaria no assunto de religião, só se a criança se manifestar”. A participante
assume seu posicionamento de forma segura ao afirmar que “Eu vou falar da ideia científica,
mas vocês [referindo-se aos/às estudantes] podem acreditar no que vocês quiserem”, uma
opinião que implica em desconsiderar o debate dos conhecimentos dos/as estudantes,
assumindo como função basilar do/a professor/a contribuir para a transmissão do
conhecimento científico ocidental.
Na profissão de professor nos deparamos com inúmeros desafios, um deles é levar
os/as estudantes à compreensão de ideias denominadas científicas sem negar a sua própria
formação cultural. Para tanto, argumentamos que o ensino de Ciências considere as visões de
mundo dos/as estudantes no curso das aulas, promovendo a discussão da variedade de ideias e
a sistematização desses saberes, a fim de contribuir para o acesso ao conhecimento científico
ocidental. Um trabalho nessa perspectiva exige uma abordagem docente voltada para a crítica
quanto à visão da ciência ocidental moderna como um sistema hegemônico, para o
reconhecimento da existência de várias formas legítimas de saber, que merecem espaço nas
aulas de Ciências, e que coloque em prática uma educação culturalmente sensível,
valorizando as abordagens dialógicas. Considerando a dificuldade em promover essa
abordagem plural, assumimos o debate dessas questões no curso de formação de
professores/as como um caminho frutífero.
De forma segura, se colocando como parte do grupo de professores/as, Carol (Turno
33) afirma que “a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir”. O posicionamento seguro de
Carol pressupõe que ela compreende a existência de diferentes percepções de mundo na sala
de aula, ainda que não explicite, na formulação da sua opinião, a relevância em promover o
diálogo entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos denominados científicos.
Eduardo (Turno 34), por sua vez, afirma explicitamente que está em desacordo com a opinião
de Carol; para ele, o professor deve desmistificar crenças do senso comum quando estas
contrapõem o conhecimento científico ocidental. Para defender sua opinião, Eduardo usa a
argumentação como recurso discursivo, explicando que “quando você tá explicando alguma
coisa, é... algum conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já
formada, ela não vai querer te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim”.
A opinião de Eduardo (Turno 34), inicialmente formulada com grau de compromisso
seguro, apresenta ao final insegurança na sua asserção, ao utilizar o marcador “Eu acho”. Na
168
sequência do debate, quando o participante é questionado pelo grupo, ele formula uma
opinião contrária à apresentada anteriormente, o que permite inferir que, para ele, embora o/a
estudante não precise acreditar para entender um conceito da Genética, por exemplo, é
importante que ele acredite “eu acho importante. Que ele acredite” (Turno 44). Tão
interessante quanto buscar entender os pontos de vista discutidos nas aulas, é perceber que as
representações mentais dos/as participantes sofrem alterações ao passo em que são colocadas
em questão num círculo onde emergem diferentes posicionamentos. Assim, podemos entender
a construção discursiva das opiniões, que orientam diferentes práticas pedagógicas.
A fala de Nami (Turno 47) suscita uma reflexão invertida sobre crença e entendimento
na construção de conhecimentos ocidentais. De forma explícita e segura, a participante
sustenta sua opinião com um exemplo de natureza pessoal “eu nunca entendi o Big Bang,
mas, eu acredito que ele aconteceu”, uma estratégia discursiva de narração, em primeira
pessoa, utilizada para defender sua opinião, levando o discurso para o campo concreto. O fato
de Nami afirmar que acredita no Big Bang (conhecimento ocidental) mesmo sem entender o
fenômeno, pressupõe uma visão cientificista, ou seja, é suficiente que uma comunidade
denominada científica afirme determinados fatos para que ela aceite como verdade. Na
religião há uma tendência a acreditar, sem entender, com base no mistério da fé, o que não
poderia ser utilizado como critério ao determinar a crença ou não em conhecimentos
ocidentais; uma vez acontecendo isso, implica numa visão de superioridade científica, ou seja,
no cientificismo.
Ao passo que explorávamos exemplos de conhecimentos de diferentes grupos étnicos,
alguns/mas participantes se manifestaram sobre a posição do/a professor/a frente ao respeito a
práticas culturais controversas, como o infanticídio, por exemplo, praticado por alguns grupos
indígenas, como os Kamayurá. Sobre isso, destacamos os seguintes turnos de fala:
Turno 48. Fabrício: Eu acho que não devia ser respeitado, esse tipo de coisa ((referindo-
se a culturas em que o infanticídio é praticado)).
Turno 51. Fabrício: Portanto que a cultura não fira nenhum direito humano.
Turno 52. Fabrício: E também, nem animal também...
Turno 57. Maria: mas querendo ou não a gente tem que respeitar.
Turno 58. Fabrício: Eu acho que não.
Turno 59. Clayane: Tem que respeitar. Por mais que de fora nós temos outra realidade.
Uma coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver por que eles
acreditam nisso.
169
Podemos perceber dois posicionamentos polarizados nos turnos de fala acima.
Enquanto Fabrício (Turnos 48, 51, 52 e 58) questiona o respeito a culturas que se contrapõem
ao que conhecemos por direitos humanos, Maria e Clayane (Turnos 57 e 59, respectivamente)
defendem o respeito a toda forma de expressão cultural, independente das nossas ideologias
particulares. Sobre isso, Clayane (Turno 59) argumenta que “Por mais que de fora nós temos
outra realidade. Uma coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver
por que eles acreditam nisso”. Clayane fala em nome de um grupo, que inclui todos/as os/as
participantes da discussão, pressupondo uma atitude imersa numa polarização entre “Nós”
(que não praticamos infanticídio) e “Eles” (que o praticam). Porém, na opinião dela, essa
prática não representa necessariamente uma atitude negativa para os que a realizam, pois é
justificada por crenças particulares, as quais “Nós” desconhecemos.
Em suma, os/as professores/as de Biologia em formação inicial apresentaram opiniões
polarizadas em cada tema abordado, o que representa um aspecto positivo, tendo em vista a
possibilidade de contrapor diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir dessas
discussões, tanto novas representações dos modelos mentais foram se construindo, quanto
os/as participantes aprenderam a respeitar e conviver com as diferenças.
4.3.3 As implicações e intenções políticas em debate
Neste bloco, que se refere às implicações e intenções políticas, discutiremos sobre
como os/as professores/as de Biologia em formação inicial se posicionaram em seus discursos
sobre as expressões do racismo na sociedade brasileira, o conceito de raça humana e as
implicações das políticas de ação afirmativa, com destaque para a política de cotas raciais. No
quadro 7, estão os episódios utilizados para a análise, bem como o tema a que designamos, a
identificação do encontro, do momento e o do intervalo de duração, respectivamente.
Quadro 7. Identificação dos episódios analisados sobre as implicações e intenções políticas.
Implicações e intenções políticas
Episódio Tema Encontro Momento Intervalo
15 A naturalização de preconceitos e
discriminação e o caso das cotas raciais
3 1 00:17:06 –
00:23:02
23 O conceito de raça entre o biológico e o
social
4 3 01:18:54 -
01:23:22
26 A naturalização da discriminação e a 4 6 02:35:54 –
170
política de cotas raciais em debate 02:38:12
27 As relações de poder e a política de
cotas raciais em debate
4 6 02:39:19 –
02:44:52
33 A problematização das identidades
coletivas marginalizadas historicamente
1
5 4 02:15:08 –
02:18:14
34 A problematização das identidades
coletivas marginalizadas historicamente
2
5 4 02:18:56 –
02:21:51
Estabelecendo uma interface entre discurso, cognição e sociedade, Van Dijk explicita
como certos modelos mentais e cognições sociais são responsáveis por fenômenos sociais
como o racismo, por exemplo, na medida em que este não é inato, mas aprendido, sobretudo,
por meio dos discursos públicos (VAN DIJK, 2008). Considerando o componente social do
racismo, apresentaremos a seguir turnos de fala nos quais os/as participantes se posicionam
sobre as expressões do racismo na sociedade brasileira:
Turno 16. Carol: Eu acho que todos somos, porque... fomos criados num padrão que nos
faz ser racistas de forma consciente ou inconsciente, vai depender... do que a pessoa quer
escolher. Vamos supor, tem ditados que a gente acha que são coisas, tipo... humor negro,
hoje é dia de branco, ah... coisa de preto ou coisa de... são atitudes racistas mas que pra
gente, foram... passadas como normal no cotidiano, que a gente podia utilizar, como se
fosse algo normal. Então, para mim, todos somos aqui:: porque... às vezes, vamos supor,
a gente diz que não é, mas não apoia as cotas, porque diz que isso, é... não tá... não tá
valorizando, ou que isso tá, vamos supor, colocando um grupo à frente dos demais, então,
eu acho que, infelizmente, é necessário que a gente seja sensibilizado pra poder
desconstruir o que foi criado como padrão por nós.
Turno 17. Jhoserd: Eu acho que é um racismo estrutural, assim... vai para além de uma
atitude pontual, assim, que envolve toda estrutura social, da sociedade... já tá enraizado,
assim, sabe?
Carol (Turno 16) expressa sua opinião em nível individual, de forma explícita “Eu
acho que todos somos”. O marcador “Eu acho” utilizado por Carol tem uma conotação de
insegurança, além de ser uma estrutura lexical importante para evitar a imposição discursiva
num ambiente onde diferentes opiniões são mobilizadas. A explicação da participante para
defender a opinião apresentada é justificada em nível estrutural “porque... fomos criados num
padrão que nos faz ser racistas de forma consciente ou inconsciente”. Ressaltamos que, ao se
colocar como membro do grupo de racistas, Carol diminui o peso da sua asserção. A
dimensão consciente do racismo, destacada por Carol, pode estar relacionada com o
componente social do racismo, que consiste em práticas discriminatórias cotidianas, enquanto
171
a dimensão inconsciente pode estar envolvida com o componente cognitivo do racismo, ou
seja, as crenças que as pessoas têm, como conhecimentos, atitudes, ideologias, normas e
valores, muitas vezes aprendidas através do discurso (VAN DIJK, 2000).
Todavia, o discurso de Carol se apresenta controverso na fala seguinte “vai
depender... do que a pessoa quer escolher”. Ora, se a escolha é pessoal, o componente
“inconsciente” se anula, e cada um é individualmente responsabilizado por suas ações
racistas. Para levar sua discussão ao campo concreto, a participante apresenta exemplos de
práticas racistas comumente naturalizadas na nossa sociedade, e cita o desacordo à política de
cotas como um desses exemplos, o que gera um intenso debate, que vamos apresentar adiante.
A opinião final de Carol (Turno 16) “eu acho que, infelizmente, é necessário que a
gente seja sensibilizado pra poder desconstruir o que foi criado como padrão por nós”,
marcado pela expressão individual e com grau de insegurança no compromisso com o que
fala, volta a apresentar uma formulação do racismo em nível social “criado como padrão por
nós”. Esse posicionamento leva Jhoserd (Turno 17) a se manifestar “Eu acho que é um
racismo estrutural”. Embora Jhoserd utilize um marcador individual “Eu acho”, que
pressupõe uma opinião, podemos dizer que a assertiva “racismo estrutural” se refere a um
conhecimento, ou seja, a uma crença objetiva, sustentada por estudos históricos, sociológicos
e antropológicos, que formam uma comunidade epistêmica. Todavia, por não haver consenso
entre os estudiosos, podemos dizer que essa afirmação, que é considerada conhecimento
compartilhado por um grupo ideológico antirracista, também pode ser considerada opinião,
por outros grupos, que formam outra comunidade epistêmica. Van Dijk (2016, p. 140) ressalta
que “na prática, não é tão simples distinguir entre conhecimento e opinião”26.
Quando Jhoserd fala que o racismo é estrutural (Turno 17), ele manifesta sua
indignação ao nosso passado colonial, de modo que explica nossa situação de extrema
desigualdade racial a partir de uma visão histórica, indicando um modelo mental
sociocognitivo consciente dos fatos históricos do Brasil colônia. De acordo com Pinheiro
(2010), essa perspectiva é de natureza analítica e busca na história as condições que
culminaram na situação atual e as possibilidades de desdobramentos que possam ter
futuramente. Perceber o quão institucional e estruturante é o racismo da nossa sociedade
corresponde a um primeiro passo necessário, por isso a importância de problematizar as
identidades coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos
26 Tradução nossa, do original: “[...] en la práctica no resulta tan sencillo distinguir entre conocimiento
y opinión” (VAN DIJK, 2016, p. 140).
172
culturais subalternizados historicamente. Igualmente relevante é analisar a influência da
ciência ocidental moderna na reprodução de discriminações, a partir da construção do
conceito biológico de raça, prática que configura o racismo científico. Apresentaremos alguns
turnos de fala sobre essa discussão:
Turno 29. João: Não. Eu acho que... pelo que eu vi esse questionamento em Evolução...
((inaudível)) e um dos textos vai falar sobre os genes que vão definir essas características
nos humanos e em outros animais, que nos outros animais são muito maiores e no ser
humano é muito pequeno. E por causa dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar
como raças, assim, porque é muito pequeno... aí no texto, Munanga diz que menos de 1%
dos nossos genes determinam a cor da pele.
Turno 32. Amanda: Eu acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as
pessoas, tentar deixar todo mundo igual que é o problema, a gente tem que respeitar a
particularidade de cada pessoa, mas isso não significa que alguém é superior, alguém é
inferior, sabe? Entender que existem diferenças sem hierarquizar. Essa diferença é melhor
só que essa, eu acho...
Turno 34. Arizona: Professora, aqui no texto diz que o começo do termo raça foi pra
classificação da zoologia, né? Só foi criada pra saber a diferença dos animais, e eu acho
que na raça humana... Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso::
Ter uma classificação pra saber quem é quem e aquilo... Não! Só pra os animais e a
botânica.
Turno 36. João: Eu gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria
das coisas que ele fala eu assino embaixo. Mas, eu gosto da maneira como ele traz a
questão, sabe? Se... se a gente resumir raça à questão sócio-política pra esse debate
((Inaudível)), porque é como é mais fácil de se compreender e se fazer o debate, é... eu
acho que vale a pena ter ((Inaudível))... falando isso: Olhe! Esse conceito,
biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o que a gente assume de
verdade dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-político, acho
que rola sim!
Turno 37. Maria: É isso que eu ia falar, lembrando da aula de gene, né? Falar de raça
depende do contexto!
Turno 43. Bruno: O próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente
utiliza o termo de forma a segregar os grupos, para hierarquizar branco à frente do índio,
preto. Então, não existe mais cientificamente, raça pra algumas pessoas, né? Mas, ainda é
utilizado pra essa questão mais social. Do branco, preto, índio... do aborígene...
O racismo científico diz respeito a práticas e discursos da ciência ocidental moderna
que estiveram/estão envolvidos na determinação de padrões excludentes e em processos de
segregação de grupos humanos, com base na categoria raça (ARTEAGA, 2007). Discutimos
como o conceito biológico de raça humana caiu em desuso e voltou ao uso como marcação
política. Nesse ínterim, os/as participantes apresentaram suas opiniões sobre a possível
aplicação do conceito de raça humana. João (Turno 29) manifesta uma opinião explícita, na
qual nega a existência de raças humanas. Para explicar seu ponto de vista, ele recorre à
intertextualidade, expressando de forma individual e insegura (Eu acho que), um relato de
experiência de discurso em uma disciplina da graduação “eu vi esse questionamento em
173
Evolução...” e relata especificamente um texto de leitura indicada na nossa disciplina “aí no
texto, Munanga diz que menos de 1% dos nossos genes determinam a cor da pele”. A
experiência na disciplina de Evolução e o texto de leitura indicada na nossa disciplina são
incluídos na articulação do discurso de João para defender seu argumento de que o conceito
biológico de raça humana deve ser desconstruído, tendo em vista que o número de genes
implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos é muito pequeno “por causa
dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar como raças”.
Todavia, embora muitos geneticistas argumentem que a distinção entre raças não tenha
fundamento biológico, isto não é suficiente para extinguir o que culturalmente foi construído
ao longo de séculos, pois as raças fictícias estão no subconsciente coletivo (MUNANGA,
2013). Trata-se de um conceito que tem um perfil sócio-histórico-cultural construído no
contexto de colonização, com a dominação europeia. Na opinião de Amanda (Turno 32) “Eu
acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as pessoas, tentar deixar todo
mundo igual que é o problema”, a participante defende a percepção das diferenças sem
hierarquizações “a gente tem que respeitar a particularidade de cada pessoa, mas isso não
significa que alguém é superior, alguém é inferior, sabe?”. A opinião, formulada em nível
individual e inseguro, expressa também uma atitude social, ao afirmar que “a gente tem que
respeitar”, usando a pergunta retórica ao final da frase “sabe?” para dar ênfase ao que deseja
anunciar, sugerindo uma afirmação.
Continuando a problematização das implicações do conceito de raça humana na nossa
sociedade, Arizona (Turno 34) utiliza o recurso discursivo da intertextualidade para defender
sua opinião, fazendo referência também ao texto de leitura indicada da disciplina “aqui no
texto diz que o começo do termo raça foi pra classificação da zoologia, né?” Ela tem um
posicionamento seguro e explícito de que o conceito biológico de raça humana não deve ser
aplicado “Não! Só pra os animais e a botânica”. Todavia, na articulação do seu discurso, ela
utiliza o termo “raça humana” e imediatamente se reprime “eu acho que na raça humana...
Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso”. Essa manifestação
espontânea da utilização do termo “raça humana” mostra como essa ideia está imbricada nos
nossos modelos mentais.
A representação social da ideia de raça humana vem sendo construída ao longo de
séculos e, por isso, argumentamos que não podemos abandonar esse conceito como estratégia
de luta antirracista, mas sim, problematizar sua marcação no campo social, tal como
argumenta João (Turno 36), mobilizando uma opinião social e explícita “Esse conceito,
174
biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o que a gente assume de verdade
dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-político, acho que rola
sim!”. É interessante notar o grau de compromisso seguro na opinião quanto a desconstruir o
conceito biológico de raça “Ele não dá pra existir, não rola!”, enquanto a opinião quanto a
manter este conceito em nível sociopolítico apresenta grau de compromisso inseguro,
marcado pela presença da modalidade doxástica “acho que” “como um conceito sócio-
político, acho que rola sim!”.
Destacamos também que o fato de João apresentar as leituras do autor Kabengele
Munanga como habituais, incluindo especificamente sua voz na articulação do discurso “Eu
gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria das coisas que ele fala eu
assino embaixo”, pressupõe que, para além do texto sugerido na disciplina, outras leituras da
autoria de Munanga foram acessadas por João ao longo de sua trajetória de estudante e/ou de
militância no movimento negro do qual faz parte. Kabengele Munanga é um autor de
referência na abordagem de temas como racismo, políticas e discursos antirracistas, negritude,
identidade negra versus identidade nacional, multiculturalismo e educação das relações
étnico-raciais. O acesso aos trabalhos desse ilustre pesquisador contribui para a construção de
representações mentais críticas que refletem na articulação dos discursos gerados, tal como
podemos perceber nas colocações de João.
Na sequência, Maria (Turno 37) apresenta concordância com a argumentação de João,
fazendo referência especificamente ao que aprendeu na aula anterior da disciplina, na qual
exploramos diferentes conceitos de gene a partir do contexto de aplicação. Na articulação do
seu discurso, Maria aponta de forma segura “lembrando da aula de gene, né? Falar de raça
depende do contexto!”. Com essa afirmação, a participante deixa implícita a opinião de
manter o conceito de raça a depender do contexto, se biológico ou social, mas não se
posiciona frente à opinião apresentada anteriormente por João, segundo a qual, embora o
conceito biológico de raça deva ser desconstruído, ele pode ser problematizado no contexto
social.
Compartilhando com os posicionamentos de Arizona, João e Maria, Bruno inclui
especificamente o texto de leitura indicada na disciplina para expressar sua opinião “O
próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente utiliza o termo de forma
a segregar os grupos”. Podemos inferir que a inclusão do texto de autoria de Munanga para
expressar opiniões sobre a utilização do termo “raça humana” pressupõe que os/as
participantes assumem como verdade os argumentos de autoridade nos textos trabalhados na
175
disciplina. E, embora nosso objetivo com a disciplina tenha sido promover uma percepção de
temas socioculturais embasada no diálogo entre o PE e o MC, temos receio desta assimilação
dos textos como verdade. É importante que a construção de opiniões a partir da experiência
e/ou do discurso seja confrontada com diferentes ideias a fim de intensificar e fortalecer
argumentos coerentes com os posicionamentos individuais e ações sociais.
Percebemos que os/as professores/as em formação inicial, geralmente, concordavam
com as asserções dos/as autores/as de textos indicados para a leitura na disciplina. Assim, a
manifestação de diferentes ideias e argumentos foi mais evidenciada quando, nas aulas,
emergiam temas socioculturais cuja problematização não era diretamente discutida no texto
indicado. Apresentamos abaixo os modos de representação particulares, ou seja, opiniões
sobre um tema não explicitamente discutido no texto indicado: a política de cotas raciais para
ingresso nas instituições públicas de ensino superior:
Turno 21. Marcos: Eu também discordo das cotas também...
Turno 22. Fabrício: Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho muito... muito
forte isso. Porque, sei lá... quando a gente fala nas cotas... eu acho que é bater mais na
tecla. Eu acho que é você intensificar um pouco o pensamento mais segregador.
Turno 23. Bruno: Eu, particularmente, não concordo com as cotas pra negro. //
Turno 25. Amanda: Ainda dentro dessas questões de cotas, eu tava até comentando com
Elodie, a gente tem um país que até pouco tempo atrás era proibido a entrada de negros,
não só em universidade, mas em colégios:: e aí eu encaro as cotas como uma tentativa de
suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui. Tem que ter pessoas de baixa
renda nesses espaços. Então, tipo, eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é
racista, mas, eu acho que boa parte das pessoas que fundamentam esse pensamento que:
Ah, cotas é muito injusto, cotas... mesmo que inconsciente tem uma pegadinha sim,
racista, sabe? Não todo mundo, mas, acho que boa parte das... principalmente dos grandes
políticos, as grandes pessoas que fundamentam essa política anti-cotas...
Turno 27. Amanda: Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não pode negar que,
predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as pessoas em
imagens periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe? Então, acho que
as cotas é uma tentativa de dar oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas
por leis, de entrarem nesses espaços.
Nos turnos de fala acima, temos a manifestação de duas opiniões polarizadas: Marcos,
Fabrício e Bruno (Turnos 21, 22 e 23, respectivamente) formulam opiniões contra o sistema
de cotas raciais, enquanto Amanda (Turnos 25 e 27) defende essa política afirmativa.
Acompanhando os/as participantes ao longo de um curso de 60 horas, conhecemos um pouco
de suas histórias de vida explicitamente apresentadas por eles/as, as quais podem auxiliar na
compreensão da construção dos seus modelos mentais. É interessante notar que Marcos,
Fabrício e Bruno, contrários à política de cotas acessaram a universidade a partir do sistema
de ampla concorrência; inclusive Fabrício, que em uma discussão se autodeclara negro;
176
enquanto Amanda, favorável ao sistema de cotas raciais, ingressou na universidade por meio
dessa política, uma informação adquirida também a partir do discurso explícito desses/as
participantes.
Marcos (Turno 21) e Bruno (Turno 23) expressam suas opiniões em nível individual,
explícito e com grau de compromisso seguro contra o sistema de cotas. É interessante
ressaltar que Bruno apresentou mudança de opinião no final da disciplina, reforçando a
fluidez dos nossos modelos mentais e a influência das experiências discursivas nas
representações pessoais. Na construção de Marcos “Eu também discordo das cotas
também...” percebemos na repetição do advérbio “também” tanto a função de indicar que ele
não é o único com essa opinião, que pode parecer negativa para o grupo, quanto de enfatizar
sua afirmativa. Na especificação de Bruno “não concordo com as cotas pra negro” podemos
pressupor que, para ele, o discurso favorável às cotas raciais é também uma forma de racismo,
pois trata de forma diferente as pessoas, as quais deveriam ser tratadas igualmente.
Todavia, tais elementos discursivos encobrem o processo histórico de racismo e de
exclusão de direitos que os afrodescendentes têm sofrido no Brasil ao longo dos séculos
(SANTOS, 2014). Além disso, esse discurso reforça o mito da democracia racial, o qual
sustenta que todos, independentemente da raça, têm acesso aos mesmos artefatos culturais e
oportunidades, o que não corresponde com a nossa realidade. Podemos assumir a política de
cotas como uma forma de discriminação, considerando o tratamento diferenciado dado a
grupos culturais subalternizados historicamente, mas se refere a uma discriminação positiva,
necessária para a equidade social.
No Turno 22, pressupomos que Fabrício tenha uma opinião contrária ao sistema de
cotas raciais, uma vez que, para ele, a política estaria intensificando a segregação social. Além
disso, podemos pressupor que ele discorda, de forma insegura “eu acho”, de um dos
argumentos utilizados a favor da política de cotas, que é a consideração do nosso passado
colonial, marcado pela escravização de povos indígenas e afrodescendentes. O estudante
Fabrício, por sua vez, ao manifestar que as discussões sobre a dívida histórica que o país tem
com as populações afrodescendente e indígena provocam o fenômeno de “intensificar um
pouco o pensamento mais segregador”, alinha seu discurso ao movimento de distorção da
luta dos movimentos sociais, e principalmente dos movimentos negros, pela democratização
do acesso universal ao ensino superior, que contemple, de forma igualitária, brancos e a
grande massa de negros/as e indígenas excluídos historicamente desse nível de formação
acadêmica e de tantos outros direitos (SANTOS, 2014). Essa organização mental de negar
177
uma política, apresentando-a como negativa, é uma forma de imputar ao outro um aspecto
negativo, de modo a materializar, dentro de uma oração, as estratégias globais de
autoapresentação positiva (favoritismo intragrupal) e de heteroapresentação negativa
(depreciação dos exogrupos) (VAN DIJK, 2008).
No depoimento de Amanda (Turno 25), destacamos o entendimento de que a política
de cotas representa um instrumento de mobilidade social: “e aí eu encaro as cotas como uma
tentativa de suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”. Para ela, a ausência
de representatividade negra em espaços de poder, como a universidade, chama a atenção, e a
política de cotas surge como uma possibilidade de mudar essa realidade. Ao dizer “tem que
ter negros aqui”, Amanda reivindica a sua presença naquele espaço. Mas ao tratar de racismo,
ela opta por falar do outro, não dela, o que possibilita que a discussão por ela levantada não
tenha sido transferida para o campo pessoal. Dessa forma, as outras pessoas podem emitir
suas opiniões, se mantendo no campo abstrato, o que resguarda o espaço do outro. Além
disso, ao dizer “eu não sei se todo mundo que é contra o sistema de cotas é racista, mas...”,
Amanda utiliza o modalizador “eu não sei” para expor com cautela sua opinião, sem afrontar
a ideia dos demais.
Reforçando sua opinião favorável à política de cotas, Amanda (Turno 27) retoma o
argumento da reparação de uma dívida histórica “acho que as cotas é uma tentativa de dar
oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas por leis, de entrarem nesses
espaços”. A opinião de Amanda pressupõe conhecimento histórico do Brasil colonial, cuja
escravização foi uma das mais severas das Américas, além do fato de que, em decorrência da
apologia à mestiçagem característica do Brasil, durante séculos nada havia sido feito para
integrar a população afrodescendente à sociedade privilegiada, razão pela qual Amanda
mobiliza também perguntas retóricas “Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não
pode negar que, predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as
pessoas em imagens periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe?”.
Utilizando a retórica como estratégia discursiva, Amanda se empenha para promover a
reflexão entre os interlocutores.
Nos excertos abaixo, vamos continuar a discussão referente à política de cotas,
apresentando três turnos da fala de Fabrício, a fim de discutir as expressões individuais e
sociais que são construídas na formulação de seu posicionamento.
Turno 44. Fabrício: Então, por isso que eu tinha feito uma... uma crítica ao sistema de
cotas na aula passada. Porque eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um
178
pouco não, bastante ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema. Que como
até ((Nome do estudante)) comentou no início da aula, 40% da universidade pública é
frequentada por gente que tem uma renda familiar de aproximadamente quarenta mil
reais, anual.
Turno 50. Fabrício: Isso. Que as universidades públicas brasileiras, elas são frequentadas
por alunos que possui família que tem uma renda anual perto de quarenta mil reais. Então,
aí você faz o paralelo. É... a educação, ela investe mais... o governo, ele investe mais na
educação superior ou básica? Superior. Sendo que a superior é frequentada por... quase
por pessoas ricas. Então, como eu vou colocar o negro da periferia na universidade, se eu
não invisto na educação básica? No ensino fundamental? Por exemplo, eu sou negro,
assim, graças a Deus, minha família teve condições de pagar uma escola particular...
ensino médio particular:: é... pré-vestibular particular... então, tive essa condição de me
colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar na faculdade. A faculdade pública. Já
aquele negro de periferia que não vai ter investimento na educação básica, ensino
fundamental e ensino médio, ele não vai saber nem... sair do ensino fundamental sem
nem saber ler direito...
Turno 54. Fabrício: Isso. O problema, tem que dar a base pra ele, pra ele chegar e
competir de igual pra igual com qualquer um.
No turno 44, Fabrício apresenta sua opinião contrária à política de cotas,
argumentando pela ineficiência da proposta em aumentar a representatividade étnica na
universidade “eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um pouco não, bastante
ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema”. Embora ele inicie uma expressão
insegura “eu acho”, utiliza da modalidade alta “bastante ineficiente” para apresentar um grau
seguro de compromisso com o que opina. A pausa longa depois da modalidade doxástica “eu
acho que::” pressupõe que ele estava articulando seu texto com cautela, a fim de não ser visto
de forma negativa pelo grupo.
No Turno 50, ao questionar o investimento discrepante do governo no ensino superior,
em comparação à educação básica, Fabrício imputa às autoridades um posicionamento racista,
por ser essa entidade abstrata que não ofereceria oportunidades iguais a todos os cidadãos, não
ele, num movimento semântico de transferência. Assim, justifica que aqueles/as que não
acessam a universidade não tiveram boa formação básica, um modelo mental compartilhado
por outras pessoas.
A fala de Fabrício (Turno 50) nos revela sua história de vida e a atitude que assume.
Para ele, o sistema de cotas é inviável, tendo em vista que o “negro de periferia”, como ele se
refere, não está avançando na educação básica e, portanto, não chegaria ao ensino superior,
independentemente dessa política. A estrutura lexical “negro de periferia” utilizada por
Fabrício revela o caráter condenatório de uma expressão, tal como Resende (2008) ressalta
com a expressão “morador de rua”, segundo a qual a pessoa é “de rua” e não que está na rua.
Da mesma forma, percebemos que a expressão “negro de periferia” aponta para uma condição
179
de vulnerabilidade, causando um efeito de naturalização que mascara o problema, a ponto de
ser tomada como uma característica inerente à pessoa. Trata-se de uma representação
imagética que reforça a construção de sentidos ideológicos de modo a deslocar a
responsabilidade pública para o indivíduo. Todavia, vale ressaltar que essa escolha lexical
muitas vezes é inconsciente, refletindo “(...) maneiras de representar o mundo atreladas a
determinados grupos hegemônicos, em razão da pressão discursiva que esses grupos exercem
sobre o conjunto da sociedade” (RESENDE; ACOSTA, 2018, p. 435).
É preciso ter em conta a estrutura social que marginaliza grupos culturais, pois tratar
pessoas que foram subalternizadas historicamente sem uma reflexão sobre as condições que
as levaram a essa conjuntura valida a marginalização sofrida por esse grupo, além de
restringir o debate acerca de políticas públicas eficientes (RAMALHO; RESENDE, 2018). O
discurso de Fabrício (Turno 50) também sugere o pensamento de que o cotista é incapaz de
conquistar uma vaga na universidade simplesmente porque não teve uma boa formação
básica, o que reforça a ideologia da branquitude, que nega a possibilidade de acesso
igualitário com base em critérios supostamente inalcançáveis para o grupo de pessoas que não
têm as mesmas oportunidades. Essa base ideológica de descrição do discurso confere uma
representação positiva de um grupo, do qual se faz parte, e negativa de outro.
Fazendo uma relação com a experiência de Fabrício (Turno 50), que recorre à narração
como recurso discursivo para formular implicitamente sua opinião contra o sistema de cotas,
podemos perceber que o estudante apresenta sua negritude de forma diferenciada, uma vez
que ele teve acesso a boas escolas. Entendemos também que o estudante não percebe uma
desigualdade fundamentalmente pautada na raça, mas sim, uma desigualdade social, tendo em
vista que a justificativa para o discurso parte do pressuposto de que, com igualdade de acesso,
abrem-se os caminhos para se “colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar na
faculdade. A faculdade pública”. Em outro excerto, continua “O problema, tem que dar a
base pra ele, pra ele chegar e competir de igual pra igual com qualquer um.”. Aqui, mais
uma vez, o discurso pressupõe que os/as cotistas são inferiores, logo, incapazes de ocupar
uma vaga na universidade, tendo em vista a forma precária como foram escolarizados/as na
educação básica. Percebemos uma polarização ideológica entre nós (não cotistas) bons e
merecedores de uma vaga no ensino superior e os Outros (cotistas), que “ganharam” uma
vaga na universidade pública.
O relato de Fabrício (Turno 54) também revela, por meio da construção de seu modelo
mental, uma representação idealizada de sociedade, na qual os investimentos desde a base
180
educacional refletem em boas oportunidades de forma igualitária para toda a população.
Todavia, este modelo mascara, de forma ideológica, a complexidade de uma sociedade em
que ocorre historicamente a negação de direitos aos povos afrodescendentes e indígenas.
Concordando com França Neto e Sousa (2012), ressaltamos que o locutor do discurso nem
sempre percebe que está imerso numa ideologia de determinado grupo, inclusive
reproduzindo ou naturalizando preconceitos historicamente estabelecidos, tal como podemos
ver nos episódios aqui apresentados. Por isso, os debates em espaços que se abrem a todas as
formas de discurso são importantes, uma vez que temos a oportunidade de confrontar nossos
ideais com outros, de diferentes naturezas, e por meio do discurso e partilha de experiências,
construir novos conhecimentos e visões de mundo.
Ainda sobre a política de cotas, os/as participantes manifestam os seguintes discursos
em suas representações:
Turno 55. Arizona: Professora, como ele disse, essa dívida histórica só seria paga:: não
são as cotas que vão pagar a dívida histórica, mas sim o investimento no ensino básico, o
ensino fundamental e ensino médio, porque, como ele disse, esses alunos não chegam
aqui com capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...
Turno 59. Arizona: Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha
vida toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade, no primeiro período, as
disciplinas de exatas, né? Que... quando eu fiz o ensino médio não tinha professores pra
suprir o que:: é... essas disciplinas:: a gente ficava tipo, dois horários sem ter aula
nenhuma, o professor tinha que sair da sala que tava dando aula pra passar uma atividade,
pra gente não ficar fazendo nada. E já... o que? Já empatava a outra turma que tava dando
aula.
Turno 63. Eduardo: E sobre o que eles falaram aí... que eles querem que mude todo o
sistema educacional, o ensino fundamental... eu acho que as cotas é... é uma solução mais
rápida. Porque mudar todo sistema educacional dá trabalho...
Turno 66. Fabrício: Mas, não vai colocar o negro da periferia na faculdade, precisamente,
as cotas...
Turno 67. Maria: Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça, que ele tenha
sucesso, que ele chegue até o final, já com emprego, alguma coisa já... entendeu?
Turno 72. Amanda: Eu sei, mas, não ter capacidade eu achei um pouco... até porque a
gente tá aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando. Agora, eu encaro
assim, tipo, sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui provando
que eu posso acompanhar. Se eu tentar, entendeu?
Turno 74. Amanda: E que aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha,
tipo... entende o que eu tô falando?
No turno 55, Arizona discute sobre o argumento de “reparação histórica” utilizado
para defender a política de cotas raciais. Na construção de seu posicionamento, inicialmente,
ela se refere ao grupo de estudantes cotistas sem necessariamente fazer parte “esses alunos
não chegam aqui com capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...”. Porém, sendo ela
181
uma estudante que ingressou na universidade por meio do sistema de cotas, na sua colocação
posterior (Turno 59), Arizona traz o discurso para o nível pessoal e utiliza a narração como
estratégia discursiva “Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha
vida toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade”. A experiência de Arizona no
sistema precário de educação básica pública, conforme ela relata - “quando eu fiz o ensino
médio não tinha professores pra suprir o que:: é... essas disciplinas:: a gente ficava tipo, dois
horários sem ter aula nenhuma” – é mobilizada no seu discurso, no qual confere ao
investimento público no processo de escolarização a possível solução para o que ela
reconhece como uma “dívida histórica”.
No Turno 63, Eduardo evidencia de forma explícita e insegura, marcado pela
expressão “Eu acho”, o fato de que a reserva de vagas nas universidades brasileiras não
impede que, ao mesmo tempo, ocorra também um trabalho de melhoria nas escolas públicas
do ensino básico. O debate se faz necessário para buscar caminhos para uma verdadeira
igualdade de direitos, tendo em vista, sobretudo, a baixa representatividade de grupos
afrodescendentes e indígenas nos espaços de poder. Em resposta a essa discussão, Fabrício
(Turno 66) intensifica sua opinião apresentada anteriormente sobre a inviabilidade do sistema
de cotas, mas, agora, de forma explícita e segura “não vai colocar o negro da periferia na
faculdade, precisamente, as cotas...”. O verbo “colocar” utilizado por Fabrício na
formulação da sua opinião, reforça, mais uma vez, uma representação positiva do grupo
“Nós” (Não cotistas) e uma representação negativa do grupo “Eles” (cotistas), como se os/as
estudantes que ingressaram na universidade pública por meio do sistema de cotas não
tivessem passado pelo mesmo processo seletivo que os que ingressaram em via de ampla
concorrência, mais ainda, como se as vagas destinadas a estudantes de baixa renda e de
grupos étnicos marginalizados historicamente fossem preenchidas sem esforço.
Em resposta ao discurso articulado por Fabrício (Turno 66), nova problemática é
comentada por Maria (Turno 67) “Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça...”.
Destacamos também no discurso articulado por Maria, o verbo “colocar”, que remete a uma
representação ideológica de que os/as estudantes cotistas foram “ajudados”, “colocados” na
universidade, portanto, diferente de “Nós” (grupo de não cotistas), não conquistaram uma
vaga na universidade pública, a ganharam, desconsiderando o processo seletivo pelo qual
passaram, que, por sinal, é o mesmo para todos. Continuando sua fala, a opinião de Maria,
articulada de maneira explícita e segura “Não faz com que ele permaneça” foi problematizada
num trabalho desenvolvido por Pinheiro (2010), que teve como objetivo analisar as
182
percepções de professores e estudantes cotistas e não-cotistas dos cursos de Direito, Medicina,
Odontologia e Engenharia Elétrica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) sobre o tema.
A autora concluiu que a permanência de estudantes cotistas é um dos grandes desafios da
política de ação afirmativa na UFBA, embora sejam concedidas bolsas vinculadas ao
Programa Permanecer, com foco na situação econômica dos/as estudantes.
Um estudo desenvolvido por Valentim (2012), no qual relatou a experiência de
dezesseis estudantes graduados/as que haviam ingressado na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro por meio do sistema de cotas, destacou a importância do apoio institucional da
universidade através das oportunidades em participar de programas de ensino, pesquisa ou
extensão, por meio dos quais receberam bolsa. As conclusões de um estudo desenvolvido por
Lemos (2017), no qual foram analisadas as narrativas de treze estudantes que ingressaram na
Universidade Federal do Pará por meio das cotas raciais, sugeriram que, em relação à amostra
de estudantes entrevistados/as, o programa da instituição tem sido eficaz em proporcionar o
acesso e a permanência exitosa na academia, embora ainda enfrentem dificuldades
financeiras, de acesso a bens culturais e o preconceito tanto por serem cotistas quanto por
serem negros/as.
A permanência exitosa de muitos deles dependeu não somente de seus
próprios esforços, mas da assistência estudantil que receberam da UFPA, por
meio do Programa Permanência, assim como da participação em projetos de
extensão e de iniciação científica. Isso reforça a importância dos programas
de pesquisa e de apoio financeiro e de sua ampliação para evitar que os
alunos cotistas raciais abandonem a universidade, porque eles normalmente
vêm das camadas populares e, sobretudo, são alvo de racismo e de
discriminações (LEMOS, 2017, p. 21).
Na nossa pesquisa, relatos de alunas cotistas indicam que, embora alguma dificuldade
tenha sido experienciada ao ingressarem na universidade, as cotas representaram para elas a
oportunidade de alcançar o ensino superior e de sair da sua condição social. O discurso de
Amanda (Turno 72), formulado como membro do grupo de estudantes cotistas, parece indicar
uma das consequências do sistema de cotas: a universidade é vista como um caminho possível
para estes/as estudantes. A entrada na universidade representa um passo importante para uma
perspectiva de transformação de vida, que passa a ser vista por outros/as estudantes como uma
possibilidade.
Continuando o discurso, Amanda argumenta sua opinião favorável ao sistema de cotas
ao expressar outra característica alcançada por esse sistema “E que aqui também é o meu
lugar, por mais dificuldade que eu tenha, tipo... entende o que eu tô falando?” Como se
183
percebe nesse trecho (Turno 74), o posicionamento da aluna acontece no formato de uma
narração em primeira pessoa, no tocante à pronominalização, marcando um processo de
identificação com a causa defendida, no caso, a constitucionalidade das cotas raciais. Esse
fato mostra que o contexto não somente condiciona o discurso, como o transforma para se
adequar às situações comunicativas.
Quando Amanda apresenta uma opinião pessoal, construída a partir de sua própria
experiência, na qual defende o acesso à universidade a partir da política de cotas “Agora, eu
encaro assim, tipo, sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui
provando que eu posso acompanhar”, nos chama a atenção o modalizador “talvez” na
articulação do discurso, que mesmo expressando um grau de compromisso inseguro ao
opinar, anula argumentos anteriores de Fabrício, nos quais a falta de uma base educacional
consistente inviabilizaria o acesso de estudantes cotistas ao ensino superior.
O debate acerca da política de cotas não se esgota na concordância ou não em se
reservar vagas para grupos historicamente subalternizados, pois abre um leque de
possibilidades de discurso e enfrentamento de dificuldades que se constroem de modo inter-
relacionado. Assim, para articular outras vozes/textos no discurso, propusemos a
problematização de um caso acerca da política de cotas, retirado do texto intitulado “Genética,
raça e política de ações afirmativas a partir de questões sociocientíficas” de autoria de Dias et
al. (2015). O caso supracitado problematiza posicionamentos favoráveis e contrários à política
de cotas raciais; percebemos que ao apresentar manifestações controversas nos textos
indicados para a discussão nas aulas, os/as licenciandos/as se sentiam mais à vontade para
manifestar diferentes opiniões. A partir dessa atividade, os/as participantes apontaram as
vozes com as quais se identificaram nos discursos, de modo que os fragmentos abaixo
mobilizam intertextualmente o caso presente no texto de leitura indicada na disciplina:
Turno 89. Eduardo: ((Lê o fragmento do caso)) “É só vocês olharem para o lado pra
perceberem que a grande maioria dessa sala é branca! Isso sim é expressão do racismo,
numa sociedade de maioria negra e parda. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros
é questão histórica”!
Turno 93. Bruno: ((Lê o fragmento do caso)) “Eu não acho que nós devemos racializar, o
que devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos... Somos todos iguais, da mesma
raça, humana!”
Turno 99. Everton: Porque essa parte aqui, ó... “Se o problema é entrar na universidade,
estuda, faz um cursinho e entra!” Eu já tinha pensado nisso, né? Mas, agora já não penso
mais. A questão, aqui a fala de Carlos também... dá oportunidade pra todos. Dá as
mesmas oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele.
184
No turno 89, Eduardo destaca intertextualmente o argumento da dívida histórica que a
política de cotas raciais se propõe a “reparar”. O participante vê no fragmento uma relação
com seu posicionamento, questionando a representatividade negra no ambiente acadêmico e
assumindo que essa desigualdade reflete a expressão do racismo. Argumentamos a
importância de admitir desigualdades fundamentadas não somente na diferença social, mas
também racial. Concordando com Van Dijk (2008), ressaltamos que, se recusarmos a
reconhecer um problema grave, como o racismo, não haverá um debate amplo nem mudança
de opinião e, consequentemente, nenhuma modificação no sistema de relações de poder.
Sendo o discurso educacional o mais influente na sociedade, após a mídia, reforçamos
a importância de debater temas socioculturais no processo de formação de professores/as. O
discurso intertextualmente mobilizado por Bruno (Turno 93) traz uma abordagem acrítica
frente a realidade brasileira de desigualdade e discriminação social e racial. Assim, embora
concordemos com a asserção de que devemos “dar oportunidades iguais a todos... Somos
todos iguais, da mesma raça, humana”, é preciso considerar a nossa realidade sociocultural,
na qual “oportunidades iguais” estão bem distantes de se concretizar. Essa discussão foi
mobilizada por Bruno mais adiante (Turnos 108 e 110), na qual ele apresenta uma perspectiva
mais crítica frente a essa discussão.
O discurso articulado por Everton (Turno 99) indica a influência das experiências
discursivas na construção de representações individuais. O participante apresenta uma
mudança de opinião no decorrer da disciplina, ao falar “Eu já tinha pensado nisso, né? Mas,
agora já não penso mais”, referindo-se à ideia de que para entrar na universidade basta
estudar. A oportunidade de discussão do tema no contexto da disciplina fez com que Everton
repensasse sua opinião e construísse novas representações mentais. De forma explícita e
insegura, Everton direciona sua opinião para concordar com a fala apontada por Bruno “Dá
as mesmas oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele”, sendo que
ressaltamos a crítica a essa assertiva, devido à necessidade de problematizar as relações de
poder construídas ao longo de séculos, as quais marginalizam determinados grupos étnicos.
No contexto dessa discussão, a professora promoveu um debate sobre o discurso de
que somos todos iguais. A fim de conhecer os posicionamentos dos/as estudantes,
questionamos se o discurso favorável às cotas seria ou não uma forma de segregar os grupos.
Sobre isso, destacamos os seguintes turnos de fala:
185
Turno 107. Everton: Porque se a gente ficar nesse pensamento, a gente pode acabar
caindo na questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo
anteriormente e aí pode impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade.
Turno 108. Bruno: Mas, eu acho que essa fala de Carlos, ele fala em não segregar com
relação a raça de cor, por exemplo, os ricos, os brancos... somos todos iguais! Perante a
lei.
Turno 110. Bruno: Perante a lei. Mas, aí tem uma parte que ele fala assim: “... o que
devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos...” Somos todos iguais, mas, a gente
sabe que branco tem mais oportunidade que negro. E tem toda a perspectiva histórica que
a gente discutiu aqui. Então, é isso que ele quer falar, dividir as oportunidades: Somos
todos iguais, mas não temos as mesmas oportunidades.
Turno 114. Eduardo: Eu acho que não.
Turno 116. Carol: Não...
Turno 117. Bruno: Eu acho que é um programa paliativo, que o governo achou que a
melhor saída até agora é ter cotas. //
Turno 118. Maria: Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é
questão de oportunidade. Porque querendo ou não o governo sabe que o sistema
educacional da gente ((a estudante faz gesto de negatividade)), entendeu? //
No turno 107, Everton expressa seu posicionamento como parte de um grupo social,
conferindo a seguinte atitude “se a gente ficar nesse pensamento [de que somos todos iguais,
logo, não devemos fazer distinção de grupos raciais para cotas], a gente pode acabar caindo
na questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo anteriormente”. Para
defender sua opinião, de forma explícita e segura, Everton utiliza o recurso da
intertextualidade, fazendo menção a outro episódio de discussão nas aulas da disciplina, o
qual exploramos a ideia do mito da democracia racial. Na articulação deste discurso, Everton
cultiva a ideia que mais se aproxima com o diálogo entre o PE e o MC, na qual a asserção
“somos todos iguais” esconde as expressões de racismo na nossa sociedade, que precisam ser
problematizadas. Isso se evidencia quando, ao referir-se ao mito da democracia racial, o
participante fala “aí pode impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade”.
Com essa asserção, Everton se refere ao mito da democracia racial no Brasil como um
problema a ser questionado. Para todos os efeitos, negar a existência de uma sociedade
racialmente desigual pressupõe uma forma de aceitação social limitada, ainda que, muitas
vezes, de forma inconsciente.
É interessante notar a construção discursiva nas falas de Bruno, que passa a expressar
um posicionamento mais crítico sobre a realidade sociocultural brasileira. A partir do relato
de Everton, Bruno (Turnos 108 e 110) justifica sua fala anterior (Turno 93), ressaltando que
embora sejamos “todos iguais! Perante a lei”, “a gente sabe que branco tem mais
oportunidade que negro”. A branquitude reconhecer seus próprios privilégios é fundamental
186
para a construção de uma sociedade racialmente igualitária. Para justificar seu
posicionamento, Bruno, estudante branco que ingressou na universidade pelo sistema de
ampla concorrência, mobiliza intertextualmente uma discussão prévia realizada no contexto
da disciplina “E tem toda a perspectiva histórica que a gente discutiu aqui”, pela qual
podemos pressupor que a abordagem histórica do racismo estrutural brasileiro mobilizou a
representação de novos discursos no modelo mental dele.
Continuando a questão se a política de cotas raciais provoca ou não a segregação de
grupos, destacamos, no episódio comunicativo em questão, uma opinião segura (Turno 116),
na qual Carol opina explicitamente “Não” e três posicionamentos inseguros: quando Eduardo
(Turno 114) fala “Eu acho que não”, Bruno (Turno 117) diz “Eu acho que é um programa
paliativo” e Maria (118) “Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é
questão de oportunidade”. É interessante notar os argumentos de Bruno e Maria, os quais se
sustentam numa visão ingênua de que a conquista da política de cotas foi uma iniciativa do
“governo” que “achou que a melhor saída até agora é ter cotas” (Turno 117) pois, “o
governo sabe que o sistema educacional da gente ((a estudante faz gesto de negatividade)),
entendeu?” (Turno 118). Destacamos que as ações afirmativas, com destaque a política de
cotas, representam o resultado de séculos de luta, sobretudo dos movimentos negros.
Ressaltamos a fluidez dos posicionamentos dos/as participantes sobre os temas que
mobilizamos neste bloco, no sentido de que, no curso da disciplina, alguns apresentaram
perspectivas mais próximas do diálogo entre o PE e MC ao passo que problematizaram as
relações de poder entre as culturas, bem como a naturalização de preconceitos e
discriminações de identidades coletivas marginalizadas historicamente. Considerando que os
episódios representativos deste bloco mobilizaram com mais ênfase a política de cotas raciais,
destacamos a presença de dois grupos que expressam atitudes polarizadas sobre o tema.
Assim, observamos que um grupo reconhece a deficiência da política de cotas, mas defende
sua permanência diante do cenário brasileiro, e o outro grupo critica essa política, devido,
sobretudo, a sua inviabilidade no que se propõe a fazer: democratizar o acesso ao ensino
superior para grupos subalternizados historicamente. Posicionamentos controversos, que são
subsidiados pelas experiências de vida e opiniões construídas pelo discurso, representando
excelentes oportunidades de debate do tema, em diferentes setores do convívio dos/as
estudantes, sobretudo, no âmbito educacional de formação de professores/as.
187
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização de recursos discursivos, como modalidade doxástica, intertextualidade,
argumentação e narração, associados aos princípios da análise sociocognitiva do discurso
empregada neste trabalho, foi indispensável à promoção de uma reflexão mais aprofundada,
na qual percebemos as influências cognitivas, bem como das experiências individuais e
socialmente compartilhadas, na manifestação das representações discursivas.
Considerando o discurso como instrumento de manutenção, reprodução ou
transformação das relações de poder, entendemos que as manifestações do racismo e formas
simbólicas de eurocentrismo representam problemas parcialmente discursivos, uma vez que
estão relacionadas à naturalização e legitimação de estruturas de poder. Dessa forma, analisar
os posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial, nos discursos
relacionados a temas como racismo e eurocentrismo, nos permitiu problematizar questões
socioculturais importantes para uma educação comprometida com a diversidade, tal como se
encaminha no diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico que
propomos neste trabalho.
Ressaltamos que, de modo geral, os/as participantes utilizaram o recurso da
modalidade doxástica tanto com a função de atenuar a força das afirmativas para não se impor
aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos interlocutores, quanto para denotar
um grau de insegurança no compromisso com a opinião assumida, sobretudo, com as
discussões de temas mais controversos, cujos posicionamentos apresentaram-se polarizados,
sustentados principalmente pelas experiências individuais dos/as participantes. Na nossa
análise, observamos aspectos da teoria sociocognitiva do discurso, no que se refere à
influência dos conhecimentos gerais, oportunidade de debates, experiências pessoais e
representações mentais, no posicionamento dos/as participantes, que de modo geral, foram
apresentados de maneira individual, explícita e com baixo grau de compromisso.
Os/as professores/as de Biologia em formação inicial apresentaram aspectos do
cientificismo em seus argumentos, no que se refere à universalização dos critérios epistêmicos
da ciência ocidental moderna para todas as formas de conhecimento, uma vez que se
basearam no denominado “método científico” para formular tanto argumentos favoráveis
quanto contrários à interpretação do conhecimento indígena, por exemplo, como ciência.
Embora esteja evidente a preocupação dos/as participantes em valorizar todas as formas de
conhecimentos, sentimos falta de uma perspectiva mais crítica frente às relações de poder
188
construídas ao longo de séculos, que supervaloriza a cultura da ciência ocidental moderna em
detrimento das demais ciências. No campo fértil de discussão entre ampliar ou reservar o
conceito de ciência para o conhecimento cultural do Ocidente, propomos uma terceira via de
debate, na qual o termo “ciência” é pluralizado, a fim de horizontalizarmos as ciências
produzidas em diferentes culturas.
Para além de mais momentos de discussão sobre as relações de poder entre as culturas
no processo de formação de professores/as, apontamos como relevante as discussões sobre
determinismo genético e engenharia genética. Tais discussões são importantes para
problematizar as interfaces dos avanços denominados científicos, pois evidenciamos um
discurso linear, no sentido de que quanto mais conhecimento científico ocidental, maior o
bem-estar social, com poucas ponderações sobre as implicações desse processo na sociedade e
o alcance desses estudos para populações marginalizadas.
Por meio de estratégias argumentativas, percebemos a preocupação dos/as
participantes em desmistificar percepções do senso comum dos/as estudantes, sobretudo pelo
esforço de combater desigualdades e discriminações. Assim, pressupomos que para esses/as
professores/as em formação inicial, a orientação pelo conhecimento científico ocidental nas
aulas de Genética, como única verdade aceitável, se justifica principalmente por resguardar
um ambiente escolar livre de julgamentos e preconceitos, o que se configura como um
posicionamento questionável.
Em suma, os/as participantes apresentaram opiniões polarizadas na maioria dos temas
abordados, o que representa um aspecto positivo, tendo em vista a possibilidade de contrapor
diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir dessas discussões, tanto novas
representações dos modelos mentais foram se construindo, quanto os/as participantes
aprendem a respeitar e conviver com as diferenças. Vale ressaltar que os/as participantes,
geralmente, concordavam com as asserções dos/as autores/as de textos indicados para leitura
na disciplina. Assim, a manifestação de diferentes ideias e argumentos foi mais evidenciada
quando, nas aulas, emergiam temas socioculturais cuja problematização não era diretamente
discutida no texto indicado ou quando os textos indicados apresentavam manifestações
controversas.
Concluímos que a disciplina contribuiu para uma percepção mais crítica frente às
relações de poder entre as culturas, de modo que alguns/mas participantes sinalizaram a
superação de discursos discriminatórios e excludentes em múltiplos contextos. Considerando
189
os três blocos de análise, a saber, a abordagem epistemológica, o diálogo intercultural e as
implicações e intenções políticas, destacamos que o último foi o que apresentou discussões
mais próximas do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, o
que se justifica pelo fato de que a maior carga horária da disciplina estava organizada para
discussões quanto à problematização de identidades coletivas marginalizadas historicamente,
para questionar a naturalização de preconceitos e discriminação e para a articulação do
discurso biológico com discursos socioculturais.
Em suma, as opiniões compartilhadas nesse processo contribuíram para colocar em
questão experiências, valores e ideologias, que estão em constante transformação na
construção dos nossos modelos mentais. Por fim, uma perspectiva crítica no processo de
formação de professores/as em Biologia, por meio de debates de temas socioculturais, como
racismo e eurocentrismo, contribui para que os/as futuros/as professores/as desenvolvam
identidades e construam discursos comprometidos com a educação para a diversidade
cultural.
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CAPÍTULO 5
DA TEORIA À PRÁTICA: ARTICULAÇÃO DO PLURALISMO
EPISTEMOLÓGICO E MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM ATIVIDADES
PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL
__________________________________________________________________________________
Este capítulo apresenta a discussão do segundo objetivo específico, voltado para
identificar e caracterizar de que forma professores/as de Biologia em formação inicial
mobilizam os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico na
elaboração e na análise de propostas de ensino pautadas nestas perspectivas, no contexto de
uma disciplina de ensino de Genética. Assim, visa contribuir para que se atinja o objetivo
geral da pesquisa, voltado para compreender como professores/as de Biologia em formação
inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico no
seu repertório profissional.
5.1 INTRODUÇÃO
A diversidade cultural que compõe o Brasil nos impulsiona e desafia a levar para a
escola as discussões envolvidas na multiculturalidade. Todavia, para além de promover o
respeito e a valorização dessa diversidade, advogamos pela problematização das relações de
poder entre as culturas, que foram construídas historicamente, nas quais o “Outro”, visto
como diferente, é também estereotipado como inferior.
As ações de nomear e rotular àqueles/as que são considerados/as diferentes, do ponto
de vista da comunidade hegemônica, correspondem aos processos de alterização (WEIS, 1995
apud SÁNCHEZ-ARTEAGA; SEPÚLVEDA; EL-HANI, 2013). Ainda segundo esses/as
autores/as, tais processos geralmente incluem a discriminação e a diminuição dos “Outros”,
daqueles que percebemos com uma identidade diferente da que caracteriza nosso próprio
grupo ou comunidade. Vivemos imersos nessa cultura de alterização, que tem sido sustentada
por séculos, com a participação de bases científicas ocidentais.
Argumentamos que problematizar as questões culturais na escola é um meio de
desnaturalizar processos de alterização. É preciso entender que esse processo foi construído
por pessoas que detêm o poder para, assim, manter privilégios, em detrimento de uma maioria
historicamente subalternizada, representada, majoritariamente, por grupos indígenas e
afrodescendentes.
194
Processos de alterização sustentaram e sustentam atitudes discriminatórias e racistas.
No curso da história, podemos destacar exemplos de alterização científica que mostram como
a marginalização de diferentes comunidades humanas foi defendida por discursos e práticas
científicas ocidentais, dentre as quais podemos destacar a visão darwinista de “raças
humanas”, a exibição de nativos em “zoológicos humanos” no fim do século XIX e início do
século XX, as tentativas históricas de demonstrar a superioridade intelectual dos homens
sobre as mulheres e a eugenia, no século XX (SÁNCHEZ-ARTEAGA; SEPÚLVEDA; EL-
HANI, 2013).
Com os exemplos supracitados, podemos perceber a responsabilidade da ciência
ocidental moderna27 frente à desigualdade e à discriminação na qual se fundou nossa
sociedade desde o período da expansão europeia, com a escravização, que se faz claramente
refletida nos dias atuais. Entretanto, vale ressaltar que os argumentos científicos, que
sustentaram a inferiorização de grupos culturais durante séculos, são fortemente questionados
inclusive pela própria comunidade que se denomina científica. Um exemplo disso é a
construção do conceito de raça humana, contestado inicialmente em 1972 por Richard
Lewontin, um evolucionista da Universidade de Harvard, ao evidenciar que as diferenças
genéticas entre as raças humanas são muito pequenas, e a maior parte da variação genética em
humanos não está entre grupos raciais, mas sim dentro deles (MEYER, 2017). De todo modo,
mesmo que muitos/as pesquisadores/as apoiem a desconstrução do termo raça humana do
ponto de vista biológico, o racismo se mantém presente na nossa sociedade, pois este,
estruturalmente fundado em nosso passado colonial, já toma espaço nas nossas mentes, nas
relações de ser, de saber e de poder.
Para além da propagação do racismo, o Ocidente difundiu o eurocentrismo no
processo de expansão europeia, de modo que nossa cultura passou a ser reflexo da cultura
ocidental moderna, que, em busca da homogeneização dos povos, dizimou seres e saberes. Da
mesma forma que o racismo e o eurocentrismo foram construídos através do discurso, o
discurso antirracista e multicultural deve ser propagado afim de buscarmos a transformação
social, por um mundo mais justo e igualitário.
Assumindo a responsabilidade de que tamanha desigualdade racial foi seriamente
sustentada pela Biologia, percebemos o nosso dever, enquanto professores/as da área, de
27 Utilizamos a terminologia “ciência ocidental moderna” ou ciência hegemônica para designar o
conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura europeia. Essa adjetivação é importante tendo em
vista que argumentamos pela pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências, a fim de
reconhecer os conhecimentos produzidos por grupos subalternizados historicamente também como
ciência. Assim, falamos em ciências dos povos indígenas, ciências dos povos africanos, entre outras.
195
desconstruir os processos de alterização que permeiam nossas relações sociais, sobretudo
através do discurso antirracista. Essa prática encontra respaldo na lei de número 10.639, de 9
de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir, no
currículo oficial de todos os estabelecimentos de ensino, fundamental e médio, a
obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileiras”.
Assim, vemos que a abordagem das questões étnico-raciais na escola é mais do que
fundamental no processo de formação cidadã, é obrigação de todos/as que formam a
comunidade escolar! Tal abordagem pode ser vinculada aos conteúdos de Genética,
sobretudo, por ter sido a área da Biologia responsável por discriminar seres humanos ao
sustentar sua divisão em raças. Para levar essas discussões à escola, estamos propondo nos
guiar pelos sentidos de duas perspectivas teóricas, a saber, o pluralismo epistemológico (PE) e
o multiculturalismo crítico (MC). Ambas, preocupadas com a diversidade cultural, advogam
pela igualdade de direitos, sendo que a primeira se concentra em discussões relacionadas às
diferentes formas de conhecimento, defendendo a demarcação dos saberes, que devem ser
valorizados por seus próprios méritos, enquanto o multiculturalismo crítico problematiza as
relações de poder construídas entre as culturas, questionando a naturalização de preconceitos
e discriminações.
Argumentamos que a mobilização de ambas as perspectivas teóricas no contexto do
ensino de Genética pode contribuir para discussões bem fundamentadas no que se refere às
questões culturais, com ênfase nas diferenças étnico-raciais. Tendo em vista esse objetivo de
ensino, entendemos a importância de que professores/as de Biologia em formação inicial
vivam experiências semelhantes, para que possam se inspirar em desenvolver práticas dessa
natureza no curso das suas atividades docentes. Esse princípio está ancorado no conceito de
simetria invertida (BRASIL, 2002), segundo o qual o processo de formação dos/as
professores/as deve ser coerente com o que deles/as se espera na sua prática profissional.
De acordo com Oliveira e Giorgi (2011), o preparo do/a professor/a deve ocorrer em
lugar similar àquele em que vai atuar, demandando consistência entre o que faz no curso de
licenciatura, enquanto aluno/a, e o que dele/a será cobrado na escola, enquanto professor/a.
“A partir dessa ótica, o formando deve adquirir no curso de licenciatura, entre outros recursos,
tanto as competências requisitadas para o exercício da docência quanto as que seus alunos
deverão dominar quando concluírem a educação básica” (OLIVEIRA; BUENO, 2013, p. 3).
Amantea (2016) também enfatiza a necessidade de aproximação do profissional em
formação com o espaço escolar para o real entendimento da complexidade da atividade
pedagógica, e de situar a prática docente atrelada ao educando. A autora defende ainda a
196
amplitude da reflexão coletiva das práticas docentes, a fim de partilhar experiências, propor a
investigação da prática realizada e favorecer o diálogo como instrumentos para a
aprendizagem e aperfeiçoamento da docência.
Colocar futuros professores em contato com metodologias de pesquisa e
conduzir atividades que demandem a realização de investigações de campo e
discussão de caminhos metodológicos empreendidos, em uma perspectiva
multicultural, permite o desenvolvimento de professores pesquisadores que
questionam a apreensão do real e sua tradução nos relatos de pesquisa,
tradução esta, sempre vinculada às identidades culturais e às opções
paradigmáticas (CANEN, 2008, p. 303).
Entendemos que a aproximação com o cotidiano escolar em cursos de formação
docente, aliada a uma proposta comprometida com a diversidade cultural, poderia permitir
uma rica interlocução para o avanço de uma preparação docente nessa perspectiva. Nesse
contexto, o presente capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar de que forma
professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam os sentidos do PE e do MC na
elaboração e na análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas, no contexto de
uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais.
5.2 O PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa tem natureza qualitativa, sendo que optamos por desenvolver a
investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da
teoria crítica. Trata-se de uma pesquisa empírica, desenvolvida no município de Aracaju,
capital de Sergipe, com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), no contexto de uma disciplina optativa, ministrada pela
pesquisadora, “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo
e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, com carga horária de 60 horas,
distribuídas em 15 encontros de quatro horas cada, de acordo com o semestre letivo regular da
referida instituição, que foi do mês de abril ao mês de agosto de 2018.
A escolha por essa instituição justifica-se pelo fato da pesquisadora estar vinculada
como professora voluntária no período da pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da
disciplina, uma no período vespertino e outra no turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as
matriculados/as, respectivamente, número que foi reduzido para 10 e 4 licenciandos/as que
concluíram a referida disciplina. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as
matriculados/as assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
197
Como atividade prática, ao final da disciplina, os/as professores/as em formação
inicial foram orientados/as para se organizarem em duplas e, assim, planejar, desenvolver e
analisar uma oficina de três horas/aula na perspectiva do PE e do MC, de forma colaborativa
entre si e com a professora. Infelizmente, embora reconheçamos a importância de estabelecer
parcerias com as escolas, a fim de valorizar os saberes dos/as professores/as, não houve
condição de abranger esses sujeitos, sobretudo devido ao pouco tempo disponível para a
oficina, no contexto da disciplina, que seguiu conforme os objetivos de pesquisa. Deparamo-
nos com dificuldades em relação a disponibilidade de local, dia e horário dos/as
licenciandos/as para discutir a proposta de oficina, dificuldade de encontrar um tempo livre
com os professores/as para debater a proposta e, também, dificuldades com a própria
organização das atividades escolares (provas, projetos e impeditivo de aula devido à falta de
água, dedetização, jogos da Copa ou greve dos caminhoneiros).
Para a elaboração da oficina, foi disponibilizado aos/às licenciandos/as um modelo de
planejamento apresentado no Apêndice E. Tivemos duas duplas na turma da noite e, na turma
da tarde, três duplas, um grupo de três pessoas e um estudante que realizou a atividade
individualmente, tendo em vista a desistência inesperada de seu parceiro, totalizando sete
propostas didáticas.
As propostas elaboradas se configuram numa abordagem comprometida com a
diversidade cultural, ao passo que buscam integrar as duas perspectivas teóricas. Os/as
licenciandos/as foram orientados/as a desenvolver a atividade em uma escola pública estadual
de livre escolha, desde que em turma de terceiro ano do ensino médio, na qual se encontra o
conteúdo de Genética, de acordo com o cronograma escolar. Para tanto, disponibilizamos uma
carta de apresentação à escola (APÊNDICE F). Os/as licenciandos/as foram orientados/as
ainda a observar ao menos duas aulas na turma em que fossem desenvolver a oficina, a fim de
estreitar a relação entre os/as estudantes da turma e com o/a professor/a titular. Após a
realização da oficina, eles/as desenvolveram uma análise crítica da experiência, cujas
orientações estão no Apêndice G.
Para alcançar o objetivo proposto no presente capítulo, utilizamos como fonte de
produção de dados os documentos produzidos pelos/as licenciandos/as, que se referem ao
planejamento da oficina e a análise crítica da referida experiência didática, ambos registrados
em arquivo digital, totalizando 14 documentos, sendo sete propostas didáticas, nomeadas pela
inicial “P” seguida do número de ordem, a saber P1...P7, e sete análises do desenvolvimento
de tais propostas, as quais intitulamos A1...A7. Além dessas identificações, utilizamos
198
também a inicial G seguida do número de ordem, quando nos referimos aos grupos para a
comparação das propostas e suas análises, temos então, G1...G7. Sendo que o G1, por
exemplo, é autor da P1 e da A1, o mesmo acontecendo com os demais grupos. Dessa forma,
fica evidente na discussão quando estamos apresentando fragmentos de textos extraídos das
propostas ou das análises de determinados grupos.
Como instrumento de análise de dados utilizamos o formulário metodológico para
avaliar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC, elaborado
pelas autoras, com base no referencial teórico, apresentado no capítulo quatro. Neste,
pontuamos a identificação das características com 1.0 ponto, a parcial abordagem da
característica com 0.5 ponto e a ausência com 0.0 ponto, a fim de calcular o escore total
obtido por cada planejamento e análise de ensino.
5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram planejadas e desenvolvidas sete propostas de ensino (cinco da turma do
vespertino e duas da turma do noturno), cuja sistematização foi iniciada no nono encontro da
disciplina, no qual os/as licenciandos/as se reuniram em duplas para encaminhar a proposta.
Eles/as foram os/as responsáveis pela implementação das mesmas, todavia, a professora
acompanhou e orientou cada passo do planejamento.
Após a organização das oficinas pelos/as licenciandos/as sob a orientação da
professora, no décimo encontro, cada dupla apresentou e discutiu o esboço da oficina
previamente sistematizada, e, no encontro seguinte (encontro 11), eles/as realizaram alguma
atividade proposta no planejamento da oficina, a fim de testar a atividade com os/as colegas
de turma e aperfeiçoá-la. Na oportunidade, tanto a professora quanto os/as demais colegas
puderam contribuir com ideias e dicas para a realização das atividades sugeridas. Além dessa
orientação dinâmica, a professora comentou também os manuscritos, referentes aos
planejamentos das propostas, de modo que os grupos entregaram duas versões do
planejamento, uma inicial, na qual a professora comentou sobre as atividades, temas e
objetivos formativos; e, outra final, que foi utilizada para esta análise.
A orientação foi que os grupos discutissem temas da Genética atrelados a discussões
sobre racismo e eurocentrismo, tal como foi organizada a disciplina, que, por sinal,
influenciou significativamente e positivamente na seleção dos temas e nas atividades. No
199
tocante aos temas selecionados para construir as propostas nas perspectivas do PE e do MC,
os/as licenciandos/as manifestaram certa diversidade (Quadro 1).
Quadro 1. Temas e conteúdos abordados nas propostas de oficina.
Propostas Tema Conteúdos
P1 Eugenia: Uma abordagem transversal no
ensino de biologia
Conceito de raça. Eugenia.
P2 A genética e os preconceitos Introdução a Genética. Epigenética.
Princípios de evolução. Preconceito racial.
As questões de gênero.
P3 Conceitos de Raça e Racismo trabalhados
de um ponto de vista científico e
sociológico
Conceito de raça. Racismo.
P4 Seleção natural e sua relação sociocultural
com o racismo
Teoria da Seleção Natural. Eugenia.
Racismo. Mito da democracia racial.
P5 Eugenia e Democracia Racial Introdução a Genética. Melhoramento
genético. Eugenia. Democracia racial.
P6 Herança poligênica: fatores de sua
influência e impactos do racismo nas
sociedades e reflexos nas mídias sociais
Heranças quantitativas e qualitativas.
Racismo.
P7 Genótipo e fenótipo: Qual a sua relação
com as questões raciais e culturais?
Herança. Gene. Genótipo. Fenótipo.
Fonte: Dados da pesquisa.
Eugenia foi o tema que mais se destacou, aparecendo em três propostas de ensino,
seguido do conceito de raça (2 propostas) e de conceitos básicos em genética, como genótipo,
fenótipo e herança (2 propostas). Tais temas científicos foram articulados com uma
abordagem sociocultural, ao propor discussões sobre racismo, preconceito, discriminação,
mito da democracia racial e as diferenças de gênero. A escola tem papel fundamental em
promover espaços de diálogo frente às questões culturais, tendo em vista a diversidade de
públicos que a compõe. Assim, entendemos que a abordagem dos temas selecionados pelos/as
licenciandos/as representa um caminho produtivo para uma formação plural, que considera a
diversidade ao passo que busca a igualdade de direitos independentemente de cor, classe ou
gênero.
Em relação às estratégias didáticas planejadas, destacamos que a maior parte dos
grupos (4; 57,1%) optou por organizar quatro diferentes atividades, dois grupos planejaram
três estratégias didáticas e um grupo planejou duas. Na figura 1 abaixo, apresentamos a
frequência das atividades descritas nos planejamentos das oficinas.
200
Figura 1. Estratégias didáticas apresentadas nos planejamentos das oficinas.
Fonte: Dados da pesquisa.
Destacamos o debate e a aula expositiva dialogada como as estratégias mais frequentes
nos planejamentos, todavia, estas sempre estavam acompanhadas por outra/s atividade/s na/s
qual/is se exigia/m mais a participação dos/as estudantes do ponto de vista procedimental. As
atividades práticas se referem a confecção de zine28, elaboração de cartazes e construção de
um mural. Os vídeos selecionados pelos/as licenciandos/as foram curtos, com duração entre
dois e dez minutos. As dinâmicas de grupo tiveram como objetivo descontrair e aproximar
os/as estudantes, sendo adotadas por dois grupos. Um grupo optou por elaborar e utilizar um
jogo didático e outro selecionou uma música como estratégia didática. Destacamos a
influência da didática da disciplina nas atividades articuladas pelos/as licenciandos/as,
reforçando a importância de que as práticas durante a formação sejam condizentes com o que
se espera dos/as futuros/as professores/as na atuação docente deles/as.
Tendo em vista que cada estudante aprende de modo peculiar e cada situação de
ensino exige uma abordagem própria, a variação das estratégias didáticas deve contribuir para
atender tanto ao público quanto aos temas em questão. Vale ressaltar que nem todas as
atividades planejadas foram de fato desenvolvidas pelos/as licenciandos/as, principalmente
devido à organização sistemática do tempo da oficina atrelada aos imprevistos inerentes ao
espaço escolar. Discutiremos essas questões em detalhes no tópico sobre os relatos das
experiências.
28 O zine é uma ferramenta de difusão de artistas independentes, que desenham, tratam, montam e
imprimem em estilo revista. Em: http://www.revistacapitolina.com.br/por-que-zine-e-tao-daora/.
201
No que se refere às características do formulário metodológico para analisar
planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC, nas propostas de
ensino, observamos que as implicações e intenções políticas foi a categoria que mais se
destacou, seguida do diálogo intercultural e da dimensão epistemológica. Esse resultado
também é reflexo da experiência na disciplina, na qual as implicações políticas foram
exploradas com mais ênfase. A proposta cinco (P5) foi a que atendeu o maior número de
características (escore 10), seguida da P3 (escore 6), P2 (4.5), P4 (4) e P1, P6 e P7, cada uma
com escore 3. O quadro 2 resume as características abordadas por proposta de ensino,
seguindo o formulário apresentado anteriormente, bem como a frequência das características
apresentadas.
Quadro 2. Características abordadas por proposta de ensino e frequência das características
apresentadas.
CATEGORIAS
1. Dimensão
Epistemológica
2. Diálogo
Intercultural
3. Implicações e
intenções políticas
Propostas/
Características
A1 B1 C1 D1 A2 B2 C2 D2 A3 B3 C3 D3 Escore
P1 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 3.0
P2 0.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.5 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 4.5
P3 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 6.0
P4 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 4.0
P5 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 0.0 1.0 10.0
P6 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 3.0
P7 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 1.0 3.0
Escore 2.0 2.0 1.0 1.0 6.0 1.0 1.5 0.0 3.0 6.0 5.0 5.0
Fonte: Dados da pesquisa.
O planejamento é tarefa fundamental do trabalho docente, promove a reflexão frente
às opções metodológicas que melhor se adequam aos objetivos propostos, seguindo o
conteúdo programático destinado para a atividade. Todavia, nem sempre é possível
desenvolvê-lo tal como foi proposto, devido aos imprevistos inerentes à profissão de
professor/a, bem como as adequações seguindo a percepção da turma na qual se desenvolve a
proposta didática. De todo modo, entendemos a importância do planejamento para a seriedade
da profissionalização docente, a fim de buscar a melhor e mais completa prática, de acordo
com as concepções que o/a profissional tenha acerca das ciências e do ensino, e, também,
concordando com o que está ao alcance do/a professor/a.
202
A fim de comparar as propostas de oficina com a análise do desenvolvimento das
mesmas, avaliamos também as características abordadas na análise da prática de ensino
desenvolvida pelos/as licenciandos/as, seguindo o mesmo formulário metodológico para
analisar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC. Apresentamos
no quadro 3 as características abordadas por análise crítica e a frequência das características
apresentadas.
Quadro 3. Percepção geral das características abordadas por análise crítica da prática pedagógica
referente ao desenvolvimento da oficina e frequência das características apresentadas.
CATEGORIAS
1. Dimensão
Epistemológica
2. Diálogo
Intercultural
3. Implicações e
intenções políticas
Análise/
Características
A1 B1 C1 D1 A2 B2 C2 D2 A3 B3 C3 D3 Escore
A1 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 3.0
A2 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 4.0
A3 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 5.0
A4 0.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 6.0
A5 1.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 8.0
A6 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.5 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 5.5
A7 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 5.0
Escore 3.0 2.0 0.0 0.0 7.0 0.0 1.5 0.0 3.0 7.0 7.0 6.0
Fonte: Dados da pesquisa.
Na análise crítica das propostas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as, percebemos
que as implicações e intenções políticas se mantêm na categoria que mais se destacou, seguida
do diálogo intercultural e da dimensão epistemológica, tal como observamos no quadro com
as informações dos planejamentos. A análise cinco (A5), embora não tenha atingido a todas as
características que se propôs no plano, se manteve apresentando o maior número de
características (escore 8), seguida da A4 (escore 6), A6 (5.5), A3 e A7 (cada uma com escore
5), A2 (4.0) e por fim, A1 (3.0).
Destacamos algumas alterações no que se refere à comparação da proposta com a
análise da prática, a saber, as análises A4, A6 e A7 tiveram um escore maior na avaliação da
análise da prática, enquanto que A2, A3 e A5 trouxeram um escore menor. Podemos inferir
que as análises das propostas indicaram que foram alcançadas mais características nas
perspectivas do PE e MC, principalmente por serem mais detalhadas, o que favoreceu a
identificação por parte da pesquisadora no que tange às intenções didáticas. Quanto às
203
análises da prática que apresentaram um escore menor que a proposta, relacionamos com
possíveis imprevistos que culminaram na impossibilidade de colocar em prática o
planejamento ou mesmo com o fato de que os/as licenciandos/as podem ter se proposto a
realizar atividades que não tinham domínio, provocando insegurança no seu real
desenvolvimento.
Nos tópicos seguintes, discutiremos detalhadamente de que forma professores/as de
Biologia em formação inicial mobilizaram características do PE e do MC na elaboração e na
análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas. Para tanto, seguimos a
discussão com as categorias apresentadas no formulário: dimensão epistemológica, diálogo
intercultural e implicações e intenções políticas. Por fim, apresentamos aspectos dos relatos
das experiências dos/as licenciandos/as.
5.3.1 A dimensão epistemológica nas propostas e análises das práticas das oficinas
Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas
apresentaram: A1. Problematização referente à abordagem cientificista ao passo que são
apresentadas as limitações da ciência ocidental e o caráter provisório dos conhecimentos
denominados científicos; B1. Problematização das influências políticas, culturais e/ou de
gênero que permeiam a construção do conhecimento; C1. Estímulo aos/às estudantes para
considerar diferentes discursos sobre o mundo, valorizando os conhecimentos provenientes
das diferentes culturas; e, D1. Orientação de que cada conhecimento tem seu alcance e
validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado. O quadro 4 abaixo resume a comparação
entre as propostas e análises das práticas, no que se refere à dimensão epistemológica.
Quadro 4. Comparação das características abordadas referente à dimensão epistemológica nas
propostas e análises das práticas de cada grupo29.
1. Dimensão Epistemológica
Grupos/
Características A1 B1 C1 D1
Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise
G1 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G2 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G3 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G4 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0
29 Destacamos o uso do negrito nas células em que a abordagem prática difere da análise da proposta,
em relação a determinada característica.
204
G5 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 0.0
G6 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G7 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
Escore 2.0 3.0 2.0 2.0 1.0 0.0 1.0 0.0
Fonte: Dados da pesquisa.
A problematização referente à abordagem cientificista, primeira característica desse
bloco (A1), contribui para desconstruir a visão da superioridade científica, na qual tem-se a
ideia de que os conhecimentos da ciência ocidental moderna são universais, verdadeiros e
imutáveis. No contexto do ensino de Biologia temos vários exemplos de teorias refutadas a
partir do avanço de estudos, como, por exemplo, a teoria da abiogênese ou a teoria do uso e
desuso. Tendo em vista as limitações da ciência ocidental moderna, percebemos a importância
de uma abordagem que problematize o caráter provisório dos conhecimentos denominados
científicos.
Nessa perspectiva, tivemos dois grupos que se propuseram a essas discussões (G3 e
G5), sendo que ambos conseguiram de fato levar este debate para a análise do
desenvolvimento da oficina, conforme percebemos nos fragmentos:
(...) os conceitos científico e sociológico de raça foram utilizados para
explicar uma das origens do racismo e mostrar as limitações da ciência e
como o conhecimento é baseado em conjecturas que podem sofrer
modificações ao longo do tempo. (A3)
(...) foi questionada a abordagem cientificista, mostrando que esses
conhecimentos são todos passíveis de erro e recebem influências
relacionadas à política, economia, cultura, etc. (A5)
Destacamos o G7, que embora não tenha detalhado a intenção de problematizar a
abordagem cientificista, o fez, conforme o seguinte relato:
“Foi discutido também nessa aula que a ciência nem sempre tem a verdade
absoluta e por muitos anos sustentou ideias erradas que favoreceram o
racismo” (A7).
A desconstrução da superioridade científica ocidental abre margem para a
consideração de outras ciências, igualmente válidas, que precisam ser problematizadas nos
espaços de poder, tal como no âmbito escolar, para serem valorizadas por seus próprios
méritos. Isso implica na mobilização das ciências dos povos indígenas ou afrodescendentes,
por exemplo, nos currículos escolares, de modo a promover o respeito e a valorização destes.
Nessa perspectiva, defendemos a desconstrução do poder simbólico do conceito hegemônico
de ciência a partir da pluralização do termo: ciências, reconhecendo a existência de várias
comunidades epistêmicas, as quais tiveram/têm seus conhecimentos expropriados. Dessa
205
forma, acreditamos alcançar diálogos plurais sem hierarquização de poder, tal como proposto
pelo pluralismo epistemológico na perspectiva de demarcação de saberes. Todavia,
ressaltamos que essa demarcação deve alcançar todas as ciências, com ênfase à ciência
ocidental moderna, tendo em vista o alcance de poder traçado por esta. Na apresentação de
outras ciências, por sua vez, os/as estudantes também poderiam ter conhecimentos prévios
equivocados e, assim, a articulação entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo
crítico promoveria consistência para possíveis mudanças.
Percebemos muita dificuldade pelos/as licenciandos/as em levar esta problematização
para suas práticas pedagógicas, mesmo em temas de aparente articulação, como eugenia e
seleção natural. No primeiro caso, poderia ser discutido como a ciência ocidental moderna foi
utilizada no século XIX e início do século XX para sustentar a inferiorização de determinados
grupos culturais em detrimento de outros, perspectiva que hoje é severamente criticada e
desmistificada no próprio campo científico. Quanto à seleção natural, poderiam ser discutidas
as ideias que contribuíram para o aperfeiçoamento da teoria, a fim de perceber que os
conhecimentos são construídos ao longo de séculos por diferentes pessoas, e, embora algumas
teorias não sejam mais aceitas, subsidiaram descobertas posteriores, evidenciando, assim, a
dinamicidade e as influências socioculturais na construção dos conhecimentos. A
problematização dessas influências (B1) foi destacada nas propostas de dois grupos (G2 e
G5), entretanto, o G2 não apresentou essa discussão na análise da prática. Por outro lado, o
G4, que não havia detalhado essa abordagem na proposta, a apresentou na análise da prática,
conforme podemos ver abaixo:
Depois foi explicado aos estudantes sobre como o pensamento eugênico
influenciou na estruturação do racismo que permeia até os dias de hoje no
meio social. (A4)
A turma pôde compreender como a eugenia se tornou ciência e o motivo
dela ter perdurado até meados de 1980, determinando as estruturas sociais de
alguns países, como o Brasil. (A5)
Essa problematização das influências políticas e culturais que permeiam a construção
do conhecimento leva os/as estudantes a questionar a superioridade epistêmica da ciência
ocidental moderna. De acordo com Forato, Pietrocola e Martins (2011, p. 32), “entender a
ciência se desenvolvendo em um contexto cultural de relações humanas, dilemas profissionais
e necessidades econômicas revela uma ciência parcial e falível, contestável, influenciada
também por fatores extra científicos”. Ainda segundo os/as autores/as, uma abordagem nessa
perspectiva promove a crítica ao dogmatismo, comum no ensino de Ciências, além de
proporcionar espaços de debate que favoreçam o pensamento reflexivo e crítico.
206
A pluralização do conceito de ciência abre espaço para a valorização de todas as
formas de conhecimentos, desestabilizando os padrões hegemônicos socioculturais e
promovendo a valorização da diversidade também epistêmica. Todavia, os bloqueios
epistêmicos e culturais que impedem as culturas subalternizadas de alcançar os espaços de
poder fazem com que, muitas das vezes, não tenhamos acesso as ciências produzidas por
diferentes povos. Talvez por essa razão, embora um grupo (G5) tenha se proposto a estimular
os/as estudantes a considerar diferentes discursos sobre o mundo, valorizando os
conhecimentos provenientes das diferentes culturas (C1), nenhum dos grupos conseguiu de
fato levar essa discussão para a experiência da prática pedagógica vivenciada. O mesmo
aconteceu com a característica de orientar os/as estudantes de que cada conhecimento tem seu
alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado (D1). Nenhum dos grupos
dos/as licenciandos/as apresentou essa discussão na análise da prática, nem mesmo o G5, que
apresentou uma proposta para fazê-la:
Assim, estimularemos o debate e a construção do saber, partindo da
concepção deles sobre semelhança física dentro da família. Será instituído
um diálogo para auxiliarmos na assimilação do conteúdo, deixando claro que
os conhecimentos culturais da turma sobre o conceito de genética e as leis da
hereditariedade são saberes válidos, reais e importantes para elas/es em seus
respectivos meios sociais. Apoiado nisso, explicaremos os conceitos de
Genética e o que essa área estuda, com a devida contextualização, mostrando
que cada um tem sua aplicação devida e adequada. (P5)
Na análise da oficina, o G5 apresentou preocupação com o diálogo para ouvir as
experiências e conhecimentos dos/as estudantes, mas os/as mesmos/as, quando se
manifestavam, apresentavam conhecimentos científicos ocidentais, tendo em vista que eles/as
já haviam estudado o conteúdo de Genética com a professora regente da turma. Nessa
circunstância, o grupo poderia ter discutido as diferentes formas de explicar a hereditariedade,
por exemplo, a fim de estimular os/as estudantes a pensar em outras possibilidades para
explicar o tema. Todavia, esse é um caminho que quando não se constrói pela experiência, no
caso do/a licenciando/a fazer parte de comunidades culturais que apresentem crenças
divergentes da hegemônica, exige muita pesquisa e leitura independentes. Para tanto, se faz
necessário uma motivação pessoal, a fim de contrariar a própria formação, na qual se valoriza
fortemente os conhecimentos da ciência ocidental moderna. Além dessa dificuldade
ontológica, nos esbarramos na dificuldade epistemológica, no que se refere ao acesso a esses
conhecimentos, tendo em vista o apagamento histórico do processo de sua produção por
diferentes povos, desde o período de colonização.
207
À supressão de todas as práticas sociais de conhecimento que contrariassem os
interesses que serviam a ciência europeia, Santos (2009) chama de epistemicídio. Entendemos
que o fato da dimensão epistemológica ter sido o bloco menos discutido nas oficinas é reflexo
desse processo histórico de apagamento. A visão de superioridade da cultura ocidental
moderna perpassou séculos e continua sendo reproduzida nos espaços sociais e acadêmicos.
A partir dessa reflexão, entendemos que um caminho para demarcar os saberes como
constructos culturais, valorizando as diferentes ciências é problematizar as relações de poder
que foram arquitetadas na história, a fim de desconstruir a superioridade epistêmica da ciência
ocidental moderna e desestabilizar os padrões hegemônicos socioculturais. Assim, podemos
trabalhar para a valorização epistemológica da diversidade cultural, a partir da promoção de
diálogos plurais.
5.3.2 O diálogo intercultural nas propostas e análises das práticas das oficinas
Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas
apresentaram: A2. Estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e
como esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais; B2. Proposta
de auxiliar os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos ocidentais a fim de
ampliar suas visões, sem anular suas culturas e crenças; C2. Articulação entre os saberes
dos/as estudantes e os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida
superioridade epistêmica de um saber em detrimento de outro; e, D2. Utilização de exemplos
e conhecimentos de grupos étnicos e culturais no contexto da aula. O quadro 5 resume a
comparação entre as propostas e análises das práticas, em relação ao diálogo intercultural.
Quadro 5. Comparação das características abordadas referente ao diálogo intercultural nas propostas e
análises das práticas de cada grupo.
2. Diálogo Intercultural
Grupos/
Características A2 B2 C2 D2
Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise
G1 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G2 1.0 1.0 0.0 0.0 0.5 0.0 0.0 0.0
G3 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G4 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
G5 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 0.0 0.0
G6 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.5 0.0 0.0
208
G7 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
Escore 6.0 7.0 1.0 0.0 1.5 1.5 0.0 0.0
Fonte: Dados da pesquisa.
Percebemos que uma característica fortemente identificada nos planos e análises das
práticas foi o estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como
esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais (A2). Todos/as os/as
licenciandos/as deixam claro a importância de dar voz aos/às estudantes, sendo que ao/à
professor/a caberia a orientação no debate, sem apresentar discurso autoritário. Inclusive o
G4, que não apresentou proposta de debate, o promoveu ao questionar os conhecimentos
dos/as estudantes acerca da Eugenia.
Através da análise dos documentos, ficou evidente que os/as licenciandos/as entendem
a importância de valorizar as diferentes visões e perspectivas dos/as estudantes, o que
configura uma característica importante no trabalho para a diversidade cultural. Isto, por sua
vez, pôde ser observado nos seguintes excertos:
Nesse momento, foi solicitado que os estudantes se dividissem em cinco
grupos para que estes construíssem o conceito de cultura, cada integrante do
grupo foi orientado a escrever uma palavra que estivesse relacionada com
cultura de acordo com seus conhecimentos prévios sobre o assunto, para em
seguida o grupo juntar as palavras e formar um conceito construído por
todos. (A2)
Divididos os grupos, 03 perguntas - Você se parece com sua mãe, pai,
irmão/ã ou algum parente?; O que em você é semelhante a eles?; Como você
explica essa semelhança? - foram projetadas para que eles pudessem debater
e chegar ao/s resultado/s em 10min. (A5)
Na abordagem sobre raças e racismo, os discentes relataram várias
experiências vividas e presenciadas, os professores também entraram na
discussão e se mostraram bem atualizados quanto aos temas transversais, um
dos docentes inclusive usou o exemplo de telenovelas onde é comum serem
vistos negros na maioria das vezes em papéis de serviçais. (A6)
A valorização dos conhecimentos prévios dos/as estudantes e o estímulo ao debate
representam estratégias didáticas produtivas para auxiliar no envolvimento da turma com o
tema em questão, promovendo maior interação e oportunidades de manifestação de diferentes
pontos de vista. Isso implica em uma decisão importante para o/a professor/a, a respeito de
demarcar os saberes dos/as estudantes ou questioná-los. No que se refere aos conhecimentos
tradicionais, como, por exemplo, compreensão dos mecanismos de herança biológica ou
origem da vida, consideramos justo, segundo os pressupostos teóricos utilizados, que tais
crenças sejam valorizadas. Desse modo, embora seja importante que o/a estudante entenda o
conhecimento científico ocidental, ele/a não precisa anular suas crenças e passar a propagar
209
apenas este conhecimento em todos os contextos, pois é possível conviver com diferentes
concepções e formas de explicar um mesmo fenômeno, aplicando-as em diferentes situações –
perspectiva que está de acordo com a teoria do perfil conceitual proposta por Mortimer
(1995). Porém, no caso de crenças ou práticas culturais que gerem sofrimento, como práticas
racistas ou sexistas, por exemplo, consideramos de fundamental importância que o trabalho
docente esteja comprometido em questionar e buscar superar essas práticas. O diálogo entre o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico deve contribuir para orientar essas
posturas do/a professor/a.
Seguindo a perspectiva de valorização de todas as ciências, analisamos se os
documentos apresentavam a preocupação em auxiliar os/as estudantes na compreensão dos
conceitos da ciência ocidental moderna a fim de ampliar suas visões, sem anular suas culturas
e crenças (B2). De acordo com os documentos da análise das intervenções, essa característica
não foi alcançada em nenhuma oficina desenvolvida, embora tenha sido proposta pelo grupo
5:
Destarte, não queremos anular os conhecimentos prévios das/os alunas/os,
mas apresentar outras possibilidades de compreensões, já que elas/es
precisam estudar em sala de aula esse conteúdo previsto no currículo da
disciplina em questão (P5).
O objetivo de demarcar os conhecimentos dos/as estudantes e os conhecimentos
científicos ocidentais não foi percebido pela análise da experiência desse grupo, nem de
nenhum outro. Inclusive um grupo (G7) deixa explícita a abordagem de desconstrução de
conhecimentos errados do ponto de vista científico:
Parte desse momento será voltada para a desconstrução de possíveis erros
levantados no primeiro momento da aula e exposta a explicação da
correlação das imagens. Com o auxílio de data show, será feita uma breve
introdução do assunto de conceitos básicos da genética relacionados a
fenótipo e genótipo, sendo abordada de forma expositiva. (P7)
A superioridade dos conhecimentos científicos ocidentais é marcante nos documentos
analisados em todos os grupos, o que é reflexo do nosso passado colonial reproduzido nos
espaços de poder, sobretudo em cursos de formação superior na área das ciências, como é o
caso da Biologia. Existe uma preocupação evidente nos documentos em contribuir para que
o/a estudante supere seus conhecimentos prévios, modificando-os em conceitos denominados
científicos, seja devido à crença na validade desses conceitos em detrimento de outros, ou,
devido à necessidade de contribuir para que os/as estudantes se adequem à comunidade
hegemônica, a fim de ocuparem espaço numa sociedade marcada pelo preconceito e
discriminação de seres e saberes que se opõem ao padrão que nos foi estabelecido.
210
Essa formação pautada na superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna
reflete nas próximas características desse bloco: articulação entre os saberes dos/as estudantes
e os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida superioridade
epistêmica de um saber em detrimento de outro (C2) e utilização de exemplos e
conhecimentos de grupos étnicos e culturais no contexto da aula (D2). Esta última
característica não apareceu em nenhum dos documentos, seja nas propostas ou nas análises.
Podemos inferir que tal fato é reflexo da pouca visibilidade das ciências tradicionais,
sobretudo, devido à superioridade da ciência hegemônica. Por isso, questionar e desconstruir a
concepção da ciência ocidental moderna como conhecimento universal, verdadeiro e imutável
é componente fundamental para abrir espaço para outras ciências e práticas científicas.
No que se refere à articulação entre os saberes dos/as estudantes e os conhecimentos
denominados científicos (C2), destacamos o grupo 5, que apresentou essa preocupação na
proposta de oficina e o relatou na análise do desenvolvimento da experiência:
(...) reforçando a ideia de que os conhecimentos culturais por eles trazidos à
aula são tão válidos quanto os conhecimentos científicos. (P5)
Voltei para os slides e mostrei para eles como a ciência define genética e
como as conclusões deles estavam muito próximas, ou até semelhantes, ao
conceito dito como oficial adotado pela ciência. (A5)
Embora o grupo 5 tenha articulado os saberes dos/as estudantes acerca da Genética
com os conhecimentos científicos ocidentais, percebemos uma preocupação de que o primeiro
esteja de acordo com o segundo, o que não seria um problema caso o/a professor/a
considerasse a relevância dos conhecimentos tradicionais mesmo em meio às divergências.
No texto está claro que o grupo não entende a existência de um saber superior, mas, em certa
medida, destaca com êxito o fato dos saberes convergirem para uma mesma posição. O grupo
2 apresentou parcialmente como proposta a articulação dos saberes, mas não foi discutida na
análise da prática; enquanto que o grupo 6 não fez menção a esse debate na proposta, embora
tenha apresentado parcialmente na análise, conforme podemos ver nos excertos abaixo:
Em seguida, os estudantes irão citar os tipos de preconceito que eles
conhecem para que os professores possam medir o conhecimento prévio
deles. Isso, vai servir de suporte para os próximos tópicos, como a
problematização da raça na espécie humana, e colocar em pauta o quanto a
genética e a evolução podem estar envolvidas para reforçar ou refutar essa
concepção. (P2)
(...) após a exposição dos temas supracitados, foi realizada mais uma rápida
verificação para reparar se os discentes haviam alcançado o nível de
entendimento esperado para que pudessem avançar para a nova etapa do
trabalho. (A6)
211
Na P2, embora percebamos a relação entre os conhecimentos, não podemos inferir
sobre como a discussão foi guiada, se houve sobreposição dos conhecimentos ou se cada
conhecimento foi adequadamente considerado, por essa razão julgamos que a abordagem
atendeu apenas parcialmente a essa característica. Na A6, a preocupação em articular os
saberes, embora exista, reflete na superioridade do conhecimento científico ocidental, que
precisava ser compreendido para o grupo dar continuidade à oficina.
Nessa situação, podemos pensar em dois tipos de alunos. Um aluno que vive na
cultura da ciência ocidental moderna e que traz conhecimentos prévios distorcidos dessa
ciência, ou seja, ele não conhece bem a cultura ocidental e, também, não conhece outras
culturas/ciências, às quais precisa ser apresentado. E outro, como, por exemplo, um aluno
indígena, cujos conhecimentos prévios sobre os fenômenos naturais não estão errados, mas
representam outra cultura. Argumentamos que o ensino pautado no pluralismo epistemológico
e no multiculturalismo crítico possa orientar essas diferentes situações para uma prática
comprometida com a diversidade epistêmica.
De acordo com Cobern e Loving (2000), considerando que os saberes culturais dos/as
estudantes podem ser diferentes dos saberes ocidentais, é importante que o ensino de Ciências
tenha como objetivo a demarcação, e não a anulação de saberes. Isto permitirá a compreensão
de que a ciência ocidental moderna representa uma entre inúmeras formas de explicar os
fenômenos naturais. Todavia, acrescentamos que esta demarcação deve vir acompanhada de
discussões sobre as relações de poder que foram construídas historicamente entre as culturas,
pois para promover o diálogo é preciso desconstruir hierarquizações. Nessa perspectiva,
trazemos no próximo tópico de discussão o aprofundamento dessa abordagem política.
5.3.3 As implicações e intenções políticas nas propostas e análises das práticas das
oficinas
Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas
apresentaram: A3. Discussão das relações de poder entre as culturas, questionando a posição
subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes; B3. Questionamento em
relação à naturalização de preconceitos e discriminação, buscando interrogar o caráter
monocultural e o eurocentrismo do que se denomina ciência; C3. Articulação do discurso
biológico com discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais; e, D3. Preocupação em
problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a
212
resistência de grupos culturais subalternizados historicamente. O quadro 6 resume a
comparação entre as propostas e análises das práticas, no que tange às implicações e intenções
políticas.
Quadro 6. Comparação das características abordadas referente as implicações e intenções políticas
nas propostas e análises das práticas de cada grupo.
3. Implicações e intenções políticas
Grupos/
Características A3 B3 C3 D3
Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise
G1 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 0.0
G2 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0
G3 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0
G4 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0
G5 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0
G6 0.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0
G7 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0
Escore 3.0 3.0 6.0 7.0 5.0 7.0 5.0 6.0
Fonte: Dados da pesquisa.
Este bloco foi o que apresentou os melhores resultados, de modo que todas as análises
das práticas provocaram questionamento em relação à naturalização de preconceitos e
discriminação (B3) e, também, apresentaram articulação entre o discurso biológico e outros
discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais (C3). Além disso, apenas um grupo, na
análise da oficina, deixou pendente a problematização das identidades coletivas
marginalizadas historicamente (D3). Entre as características deste bloco, o que os/as
licenciandos/as tiveram mais dificuldade foi em promover uma discussão das relações de
poder entre as culturas (A3). Os textos dos documentos apontavam diferenças e desigualdades
entre grupos culturais, mas não tornavam explícitas as discussões frente às relações de poder,
seja por falta de prática em desenvolver atividades dessa natureza ou por não entenderem
como nossa situação de subalternizado/superiorizado foi construída na história, tendo em vista
a escassez de oportunidades para discutir tais questões nos âmbitos social e acadêmico.
Nessa perspectiva, a formação de professores/as se configura como um espaço de
debate privilegiado, tanto para refletir sobre as questões pautadas na diversidade, diferença,
igualdade e justiça social, quanto para a elaboração e desenvolvimento de práticas planejadas
para o contexto escolar (CANEN; XAVIER, 2011). Ainda segundo as autoras, formar o/a
professor/a multiculturalmente orientado/a implica em lhe proporcionar a compreensão de que
213
o conhecimento e o currículo são processos discursivos, marcados por relações de poder
desiguais, que participam da formação das identidades. Assim, temos como desafio
possibilitar alternativas discursivas transformadoras e desafiadoras, questionando a posição
subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes (A3). Dois grupos (G4 e
G5) atingiram esse objetivo tanto no planejamento quanto na análise da prática pedagógica,
conforme vemos abaixo:
Por muitas vezes, se foi colocado que a raça ariana (branca) era constituída
por indivíduos superiores em vários aspectos (tom de pele, inteligência,
comportamento, etc.), enquanto que os grupos subalternizados eram tratados
como seres inferiores que deveriam ser aniquilados da sociedade. (P4)
Foi apresentado como a eugenia influenciou também a educação brasileira,
através de conteúdos que traziam os brancos como civilizados, enquanto os
negros, índios e asiáticos eram tratados de forma subalternizada. (A4)
A meta final é levar as/os alunas/os a entenderem, baseados em suas
compreensões do conteúdo que foi debatido e estudado em aula, que existe
uma hierarquização de acesso a direitos meramente básicos baseado na cor
da pele, determinando grupos na qualidade de subalternos e subservientes,
como a população negra. Queremos também que a turma compreenda que a
ciência é regida por um conjunto de pessoas de determinada classe social e
cor de pele, e que por causa disso, do discurso eugenista e de purificação
biológica para avanço civilizatório, houveram consequências políticas,
históricas, culturais e sociais. (P5)
Ao trabalhar eugenia e democracia racial, se faz necessário falar sobre as
relações de poder que estão por trás das estruturas sociais, sempre
questionando os possíveis motivos de algum determinado grupo, nesse caso
a população negra, estar numa posição inferior e de subalternidade. (A5)
Ambos os grupos problematizaram as relações de poder entre as culturas ao passo que
discutiram Eugenia, proporcionando aos/às estudantes o entendimento da hierarquização das
diferentes culturas. Assim, a identidade e a diferença não são aspectos naturais ou elementos
passivos da cultura, mas sim, construções em constante alteração. Segundo Silva (2000), ver a
identidade e a diferença como uma questão de produção significa tratar as relações entre as
culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou comunicação, mas como uma
questão que envolve, fundamentalmente, relações de poder.
Destacamos ainda, nessa característica, o grupo 3 que apresentou uma proposta de
problematizar as relações de poder entre as culturas, mas não mencionou discussões dessa
natureza na análise da experiência, e o grupo 6, que embora não tenha explicitado essa
abordagem no planejamento, o apresentou na análise da oficina. Vejamos os fragmentos
destes documentos abaixo:
Que a cor da pele e dos olhos é definida pela concentração de melanina e
quem tivesse uma concentração menor de melanina era considerado superior
às pessoas que tinham uma maior concentração. (P3)
214
Pôde-se a partir daí esclarecer que, o fato de que “traços” e costumes
europeus se firmaram como modelo de beleza e comportamento, foram
meras construções sociais forjadas por grupos privilegiados que há muito
tempo detinham o poder financeiro, político e cultural e que são fortalecidos
até os dias de hoje, deixando-nos o legado de uma nação racista com
enormes prejuízos individuais e sociais produzidos contra aqueles grupos
marginalizados (negros, índios e mestiços). (A6)
Podemos perceber a perspectiva crítica dos/as licenciandos/as ao entenderem que a
inferiorização das diferenças não pode ser naturalizada, devendo ser questionada. Nessa
direção, podemos contribuir na formação de sujeitos críticos, que vejam em si o potencial de
transformação. O questionamento em relação à naturalização de preconceitos e discriminação,
buscando interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo (B3), foi uma característica
alcançada em todas as análises de práticas desenvolvidas, como podemos ver nos exemplos
abaixo:
O vídeo foi apresentado com o intuito de reforço da sensibilização enquanto
simultaneamente eram problematizados os padrões hegemônicos de beleza
oriundos do processo de colonização europeia. Foi um dos momentos de
maior aceitação na oficina. (A1)
Já sobre a atividade de gênero, o resultado representou como os estereótipos
eurocêntricos estão enraizados na nossa sociedade, pois, dos cinco desenhos
apresentados, quatro possuíam um corpo feminino e outro masculino, sendo
que ambos possuíam cabelos loiros e olhos azuis. (...) Quando questionamos
sobre o porquê dessas representações eles pareciam desconcertados, pois
segundo eles os desenhos tinham que ser bonitos, então a melhor
representação seria aquele padrão. (...) o League of Legends é o jogo mais
jogado do mundo, logo perguntamos quem na sala teve a oportunidade de
joga-lo, considerando que o jogo possui mais de 140 personagens,
perguntamos quantos deles são negros? E quantos são mulheres negras? A
resposta foi dois, apenas dois personagens negros homens. (A2)
A primeira atividade com fotografias, em que pessoas negras e brancas
foram colocadas na mesma função os levou a reflexão. As opiniões eram
diferentes sobre as funções que desempenhavam, porém, as funções
interpretadas como desempenhadas por pessoas negras, eram
predominantemente inferiores. Assim, isto sugere a existência de um
problema de racismo enraizado na mente das pessoas ao longo dos anos, que
precisa urgentemente ser desconstruído. (A7)
Nesses documentos de análise da prática, fica evidente a preocupação dos/as
licenciandos/as em problematizar a naturalização com que os/as estudantes demonstram a
postura de valorizar os padrões europeus, em detrimento da inferiorização daqueles/as cujas
características divergem dos padrões estabelecidos. Para eles/as é tão natural que o branco
esteja em posição superior, que isso reflete nas atividades desenvolvidas na oficina: “(...) dos
cinco desenhos apresentados quatro possuíam um corpo feminino e outro masculino, sendo
que ambos possuíam cabelos loiros e olhos azuis” (A2). Considerando que o racismo se
215
propaga fortemente pelo discurso, nosso trabalho consiste em usar o próprio discurso para
desconstruir tais impressões, trata-se do discurso antirracista, pelo qual, num trabalho
interminável, o/a professor/a visa abolir esse processo cruel de alterização. O trabalho dos/as
licenciandos/as deve ter contribuído para fazer com que os/as estudantes refletissem sobre os
padrões que nos são impostos, o que representa um primeiro passo para a mudança.
Nesse ínterim, o/a professor/a pode promover a articulação do discurso biológico com
discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais (C3), assim, ao passo que ensina
conteúdos conceituais da disciplina, o/a professor/a contribui para a perspectiva de
humanização das ciências e de crítica ao cientificismo, bem como para a visão política de
construção de conhecimentos. Também todos os grupos alcançaram esse objetivo nas análises
da prática, embora dois deles (G5 e G7) não tenham discutido na análise da proposta. Abaixo,
colocamos dois fragmentos de diferentes textos das análises:
Assim, buscamos relacionar a teoria da seleção natural a sua influência no
que diz respeito ao racismo e discriminação em nosso país, abordando não só
o contexto biológico, mas inserindo sua relação no campo sociocultural.
(A4)
Nesse ponto, iniciou-se uma breve explanação histórica sobre as Grandes
Navegações e as conquistas Europeias durante a Idade Média, período em
que os conquistadores impuseram sua cultura por onde se estabeleciam
(Eurocentrismo), ditando, de acordo com a ótica europeia, aquilo que seria
padronizado como feio ou bonito, e até mesmo como eticamente certo ou
errado. (A6)
Todos os grupos foram orientados, na elaboração da proposta, a discutir um conteúdo
conceitual da Genética em conjunto com questões socioculturais, tal como eles/as
vivenciaram na disciplina em questão, e o fizeram trazendo abordagens interessantes acerca
da história das ciências e dos aspectos sociais, políticos e culturais. Alguns inclusive
solicitaram os materiais usados nas aulas da disciplina para aproveitarem como modelo nas
oficinas deles/as. Percebemos a importância de proporcionar aos/às licenciandos/as, durante o
processo formativo, experiências semelhantes àquelas que eles/as serão convidados/as a fazer
na prática pedagógica deles/as, enquanto professores/as.
No que se refere à preocupação em problematizar as identidades coletivas
marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados
historicamente (D3), com exceção do primeiro, os demais grupos apresentaram esse debate.
Vejamos os exemplos:
Sendo assim, já que a aula é voltada a ciências questionamos os alunos se a
ciência é masculina, apresentando fotos de cientistas homens e famosos, e
perguntamos se eles os conheciam. Depois, apresentamos fotos de mulheres
216
e fizemos a mesma pergunta. E pedimos para que eles observassem quantas
pessoas negras foram apresentadas, e por que a ciência tem tão poucos
cientistas homens ou mulheres negras. Após essa discussão, apresentamos
cientista homens e mulheres negros/as e perguntamos se eles os conheciam,
e então nós apresentamos as suas descobertas e importância para a ciência.
(A2)
Ainda conversamos de forma breve sobre a trajetória do povo negro, agora
livre, que foi para as favelas sem moradia, saúde, educação e trabalho. (...)
Eles puderam ter acesso a essas questões de forma mais profunda,
desvelando o porquê do negro não ter educação, moradia, saúde e trabalho
de qualidade. (A5)
Foram colocados dados estatísticos sobre a porcentagem das pessoas negras
e brancas que sofrem violência no Brasil. E é constatado que a porcentagem
de negros que sofrem violência é bem maior do que brancos e os alunos
foram questionados se sabiam o porquê disso. (A7)
Ao longo de décadas vivemos o mito da democracia racial, que reflete nos dias atuais.
O termo diz respeito à crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial
vista em outros países. Tal ideia foi amplamente difundida por meio da publicação do livro
“Casa grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, em 1933, no qual o autor argumentou que a
miscigenação continuada entre três raças (ameríndios, afrodescendentes e brancos) levaria a
uma “meta-raça”, ideia que se tornou fonte de orgulho nacional. Esse pensamento foi
amplamente aceito, até que em 1976, Thomas Skidmore publicou em seu livro “Preto no
branco” um estudo crítico argumentando que a elite brasileira promoveu o discurso da
democracia racial para encobrir formas de opressão. Perceber o quão institucional e
estruturante é o racismo da nossa sociedade corresponde a um primeiro passo necessário, por
isso a importância de problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o
protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados historicamente.
Os movimentos culturais conquistaram direitos importantes ao longo de séculos de
luta e resistência, sendo que valorizar e contribuir com essas conquistas é fundamental para a
percepção do nosso papel frente às transformações sociais. Além disso, as discussões no
âmbito escolar têm o potencial de desconstruir estereótipos e promover a verdadeira
democracia racial. No tópico que segue, finalizamos as discussões com os relatos dos/as
professores/as em formação inicial.
5.3.4 Os relatos das experiências didáticas dos/as professores/as em formação inicial
Neste tópico, apresentamos as impressões dos/as licenciandos/as, descritas na análise
da oficina, quanto à participação dos/as estudantes; os aspectos positivos da proposta; os
217
aspectos negativos, apresentando o que faria diferente a partir da reflexão sobre a prática; a
avaliação do que conseguiu cumprir em relação ao planejamento prévio, justificando o que
não foi possível ser feito; a avaliação das possíveis decepções que tiveram com a experiência;
as possíveis alegrias proporcionadas com a prática; e, por fim, a contribuição dessa vivência
para a formação docente.
A maioria dos grupos (5; 71,4%) destacou que grande parte dos/as estudantes
participou bastante das atividades propostas nas oficinas:
Foi desafiador, ainda mais porque a turma era do 3º ano do Ensino Médio,
porém ainda mais gratificante foi perceber que os alunos participavam
ativamente da aula, apesar da timidez de alguns. (G3)
(...) houve grande interesse e participação por parte dos discentes. (G6)
Os estudantes foram bastante participativos nos momentos em que eram
questionados e quando se sentiam à vontade para expressar o que pensavam
de forma livre. (G7)
Um grupo (G1) assinalou que os/as estudantes não interagiram muito, principalmente
devido à timidez e falta de hábito em atividades que exigem argumentação, e outro grupo
(G5) disse que embora a turma tivesse sido receptiva e disposta a participar, apresentou um
pouco de receio, por ser “(...) uma pessoa nova num ambiente que pertence a eles, para fazer
algo pontual”. O envolvimento dos/as estudantes nas propostas didáticas é fundamental para
avançar na construção e desconstrução de saberes e práticas. O estímulo ao debate e a
valorização dos saberes dos/as estudantes pelos/as licenciandos/as foram pontos relevantes
para proporcionar um espaço de interação dialógica, que refletiu no bom desenvolvimento das
atividades propostas. Essa participação dos/as estudantes foi ressaltada pelos/as
licenciandos/as como um aspecto positivo da prática, tal como destacamos no relato de G7:
Ver os alunos participarem conosco tanto nas brincadeiras quanto na forma
de dizer o que pensam nos fez entender, quão importante é o papel do
professor na formação do aluno e no poder que temos para ajuda-los na
formação de um pensamento crítico. (G7)
De modo pleno, os grupos demonstraram bastante satisfação com o trabalho
desenvolvido, sobretudo porque perceberam que a experiência fez diferença na vida de
muitos/as estudantes, que por vezes, se sentiram representados/as nos discursos. Vejamos os
excertos abaixo:
As discussões de gênero e negros foram bastante produtivas, pois eles
reconheceram que podem ter atitudes preconceituosas sem perceber, pois
não costumam refletir sobre suas atitudes e palavras usadas diariamente com
os outros. (G2)
218
A atenção que deram à aula expositiva, tanto os alunos como os professores
da escola que presenciaram a nossa oficina, nos fez sentir importantes. (G3)
Acreditamos que o objetivo desejado foi alcançado, nossa meta foi atribuir
uma relação com o conteúdo e a realidade do aluno. (...) Através dos relatos
pudemos perceber que eles saíram daquela oficina com conceitos mais
sólidos sobre os temas abordados, e com capacidade de expor mais
seguramente os seus pontos de vista. (G6)
O G2, ao taxar as discussões étnico-raciais como discussões de “negros” mostra um
certo despreparo no que se refere à amplitude do tema, pois não se trata apenas de questionar
a posição do negro, mas, também, de problematizar os privilégios dos brancos, bem como as
influências e relações de poder entre os grupos. Essa questão foi observada em outros relatos
também, pois a posição social da população negra foi questionada embora a posição do
branco tenha se mantido como naturalmente superior. Essa lacuna reflete uma falha também
do planejamento de curso da disciplina, na qual não discutimos questões sobre branquitude.
De todo modo, considerando que para a grande maioria dos licenciandos/as tratava-se do
primeiro contato com as discussões sobre racismo e eurocentrismo, eles/as mostraram
bastante empenho e entusiasmo para proporcionar aos/às estudantes da educação básica
experiências semelhantes às que eles/as estavam vivenciando na disciplina. Todo esse
comprometimento rendeu resultados positivos, tanto para os/as estudantes que participaram
das oficinas, quanto para os/as licenciandos/as que as planejaram e desenvolveram.
Diante das diversas mudanças decorrentes da globalização no mundo contemporâneo,
percebemos que a escola não deve estar alheia à diversidade cultural presente no nosso meio
(OLIVEIRA; CARVALHO, 2013). Considerando que preconceitos e diferentes formas de
discriminação estão presentes no cotidiano escolar, precisamos questioná-los, caso contrário,
a escola estará a serviço da reprodução de padrões discriminadores presentes na sociedade
(MOREIRA; CANDAU, 2003). As oficinas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as tiveram
essa finalidade, e apresentaram resultados promissores no tocante à formação para a
cidadania.
Nos relatos das análises das oficinas pudemos perceber que o fato de pensar a própria
experiência pedagógica, sendo ator/atriz e ao mesmo tempo investigador/a, contribuiu para a
formação do/a professor/a não só mais reflexivo/a e crítico/a de si mesmo/a, como também
para evidenciar a relevância da abordagem cultural na escola e para pensar sobre os
mecanismos práticos de desenvolvimento de propostas dessa natureza.
No curso dessa reflexão, os/as licenciandos/as apresentaram como aspectos negativos
da oficina o reduzido tempo para cada atividade; a quantidade de material disponível para a
219
turma, considerando a ampliação imprevista do público participante; a organização de
equipamentos, como data show e o fato de não conhecerem previamente os/as estudantes.
Sobre o último ponto, lembramos que os/as licenciandos/as foram orientados/as a realizar ao
menos duas aulas de observação na turma em que desenvolveriam a oficina, a fim de se
apresentarem e estreitarem os laços com os/as estudantes. Todavia, dois grupos (G3 e G5)
passaram por imprevistos que impossibilitaram este contato prévio, destacando esse
impeditivo como aspecto negativo:
Acreditamos que a aula poderia ter sido melhor desenvolvida se tivéssemos
visitado a turma com antecedência, pois demoramos um pouco para tirar a
timidez da maioria dos alunos, o que dificultou na realização na primeira
dinâmica. (G3)
Como falhei em perguntar o tamanho da turma antes de comprar as
cartolinas e não tinha mais como comprar na hora da oficina, os grupos
ficaram muito grandes (09 pessoas por grupo) e houve certo atrapalhamento
e conversas paralelas. (G5)
A organização do tempo para o desenvolvimento de cada atividade, de acordo com o
planejamento, foi destacada por quatro grupos (G1, G2, G4 e G7):
A princípio acreditávamos que iria funcionar bem [Atividade de Confecção
de Zine], no entanto, devido aos contratempos que ocorreram no início da
oficina, o limite de tempo que por nós foi solicitado se esgotava. (G1)
Quando os estudantes foram colocados em grupo para fazer as atividades, os
estudantes utilizaram um tempo muito longo, não tínhamos estimado um
tempo para isso, logo perdemos mais do que havíamos planejado nas duas
atividades (G2)
(...) ocorreram alguns problemas no início como a instalação do equipamento
de projeção e no fim, a aplicação da última atividade que foi bem rápida por
conta do tempo curto. (G4)
Como aspectos negativos, podemos citar que os assuntos deveriam ser
melhor distribuídos dentro do tempo que nos foi dado, para que todas as
atividades pudessem sair como planejado, apesar de imprevistos. Antes da
nossa oficina começar, demandamos muito tempo na tentativa de ligar o
Datashow da escola e tivemos ainda de chamar um professor em outra sala
para nos ajudar. Pouco tempo depois, tivemos de parar para o intervalo do
lanche dos alunos o que nos atrasou ainda mais. (G7)
Sobre a surpresa com a ampliação do público, tendo em vista que a professora vigente
decidiu convidar outras turmas para participarem da oficina, um grupo destacou que:
Chamamos a atenção para uma possível falha, de não termos levado material
extra para a execução da oficina, acreditávamos que os grupos seriam
menores, mas a ampliação do público surpreendentemente trouxe muito mais
aspectos positivos como: mais interações, maior riqueza de relatos e mais
ideias, do que negativos. (G6)
220
Apenas um grupo (G3) afirmou que “Tudo o que foi planejado previamente saiu
dentro dos conformes”. Os demais, apresentaram atividades que não foram desenvolvidas
devido ao tempo ou a problemas com os equipamentos, como o G6 que apontou “Também
não exibimos o vídeo que levamos falando sobre racismo, porque o equipamento de Data
show funcionava apenas com arquivos em PDF”. As atividades que não foram desenvolvidas
de acordo com o planejamento, em geral, foram práticas, prejudicadas por causa do tempo,
como a confecção de zine (G1) e a confecção do mural dos/as grandes inventores/as negros/as
(G7). Mas, embora essas atividades não tenham sido desenvolvidas conforme o planejado,
elas foram apresentadas e discutidas com os/as estudantes.
Sabemos que o contexto dinâmico do cotidiano escolar nem sempre permite o
acompanhamento inflexível do planejamento, o que não representa um problema, tendo em
vista as possibilidades de articulação do plano para se adequar à realidade. De todo modo, o
planejamento, indiscutivelmente, organiza e sistematiza o trabalho pedagógico, evitando a
improvisação (THOMAZI; ASINELLI, 2009). Os/as licenciandos/as se mostraram bastante
satisfeitos/as com a experiência, embora alguns tenham destacado algumas decepções:
(...) problema com data show, sala pequena para realização da dinâmica
proposta, indisposição dos alunos para atividades práticas. (G1)
E tivemos também alguns poucos aspectos negativos, a exemplo do nosso
alto nível de estresse na elaboração do plano de aula, visto que muitos dos
termos ainda eram e alguns ainda são confusos para nós, já que estamos
começando a pegar as disciplinas de Didática agora e é justamente nessas
disciplinas que estamos aprendendo a como elaborar planos de aula, outro
fator negativo que nos ocorreu foi o choque de realidade que tivemos ao
chegar à escola, digo negativo pelo fato de a escola estar com precariedades
por falta de investimentos do governo e mesmo que isso já seja uma coisa
sabida por todos, quando você está lá presente vendo com seus próprios
olhos é que começa a perceber como as coisas são de verdade e que você
enquanto professor não consegue fazer tudo que pretendia muitas vezes por
não ter o auxílio que precisava. (G3)
Destacamos que o G3 foi o único grupo cujos/as componentes nunca tinham elaborado
um plano de aula. Todos/as os/as integrantes deste grupo estavam cursando o quinto período,
no qual se inicia o contato com as disciplinas pedagógicas (no caso do curso noturno), tal
como a disciplina de didática. Os demais grupos já tinham pelo menos um/a integrante com
experiência em sala de aula, ao menos nas disciplinas de estágio supervisionado.
Apesar dos imprevistos e contratempos no percurso da oficina, os/as licenciandos/as
apresentaram relatos de grande satisfação com o trabalho desenvolvido, por se somar a
experiências na docência:
221
(...) nos forneceu experiência para as futuras atividades como professor. (G1)
A experiência pedagógica foi indescritível, pois nos proporcionou uma
experiência única e que contribuiu bastante para nossa evolução como
pessoas e educadoras. (G4)
Mas podemos dizer que tudo ocorreu bem dentro do possível e nossas
expectativas quanto à participação dos meninos e as discussões em si,
superaram nossas expectativas. (G7)
Eles/as também sentiram que a prática pedagógica contribuiu de forma direta para a
formação dos/as estudantes, que reconheceram a grandiosidade da proposta:
A participação dos alunos foi um ponto positivo na aula, as diversas dúvidas
e questionamentos renderam longas discussões seja sobre gênero ou racismo.
(G2)
Mas o mais emocionante foi ao final de tudo que os estudantes vieram
agradecer e fizeram comentários maravilhosos sobre a oficina, o que nos
deixou demasiadamente felizes! (...) Falaram ainda que adoraram a aula,
principalmente por se identificarem com a história de [nome da licencianda],
uma das integrantes do grupo (que também assumiu o cabelo natural há
pouco tempo) e que depois da nossa aula não teriam mais vergonha do
cabelo e nem da cor delas. Isso deixou o grupo bastante feliz, pois notamos
que, de certa forma, mudamos a vida de pelo menos algumas pessoas
naquela aula. (G3)
(...) ter aplicado todo o plano, ver a participação da turma, e por fim receber
elogios pela oficina e por tudo que foi proposto. (G5)
Surpreendemo-nos com a forma como visivelmente todos eles foram
atingidos pelo discurso daquele momento tão importante. A prova de que a
atividade agradou aos alunos foi o fato dos mesmos se dirigirem
espontaneamente aos cartazes para tirarem fotos, e nos rodearem, a todo
momento, para nos contarem suas histórias, tirarem dúvidas e pedirem
opiniões. A sensação foi que aqueles adolescentes se sentiram representados,
sinal de que o trabalho trouxe um significado real. (G6)
No que se refere à contribuição da vivência para a formação dos/as licenciandos/as,
destacamos os seguintes excertos:
(...) contribuiu grandemente na perspectiva sociocultural, pois os debates
sobre eurocentrismo e racismo mostraram-se fundamentais para o ensino e
discussões acerca dos temas no ensino de Ciências e Biologia. (G1)
Essa vivência contribuiu bastante para nossa formação como professores,
pois nos mostrou o quanto é importante abordar esses temas científicos com
uma abordagem mais sociológica e mostrar aos alunos como esses temas
podem interferir em toda a sociedade e assim gerarmos questionamentos em
suas mentes, para auxiliarmos na sua educação como cidadãos que sejam
conscientes e de pensamento crítico. (G3)
Quanto à experiência, foi muito proveitosa, pelo simples fato de que estamos
acostumados somente a aplicar práticas pedagógicas que promovem a
aprendizagem dos conteúdos de biologia e com o advento da oficina, foi
importante, principalmente neste momento de formação docente,
trabalharmos temas transversais que vão além dos muros da escola. (G4)
222
(...) nós ficamos com a imensa sensação de termos cumprido um pouco do
nosso dever como futuros educadores. (G6)
Os relatos dos/as licenciandos/as foram bastante positivos, a oportunidade de colocar
em prática os aspectos teóricos discutidos na disciplina e observar uma boa aceitação por
parte dos/as estudantes foi bastante estimuladora para eles/as, que destacaram a grandiosidade
da prática tanto para a formação dos/as estudantes quanto para a formação deles/as
próprios/as.
5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico representam perspectivas
teóricas com grande potencial para articular e subsidiar práticas pedagógicas comprometidas
com a diversidade cultural. Assim, buscamos saber de que forma professores/as de Biologia
em formação inicial mobilizam essas perspectivas na elaboração e na análise de propostas
pedagógicas, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que promove
problematização de questões culturais.
Considerando as principais características do pluralismo epistemológico e do
multiculturalismo crítico, agrupamo-las em três blocos, que se referem à dimensão
epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas da prática
docente. Numa avaliação geral, podemos afirmar que os grupos de licenciandos/as
mobilizaram poucas características (variando entre três a dez, de um total de doze
características indicadas no formulário) dessas perspectivas, tanto nas propostas quanto na
análise da prática. Todavia, para um primeiro contato e experiência com as discussões
proporcionadas na disciplina, e tendo em vista o tamanho do desafio em transpor tais
experiências para a prática pedagógica em um período de três horas/aula, vemos nesse
resultado o símbolo do empenho e determinação deles/as, que culminou numa vivência
produtiva tanto para os/as estudantes que participaram quanto para os/as próprios/as
licenciandos/as.
A dimensão epistemológica foi a menos contemplada na elaboração e na análise das
oficinas, o que se deve principalmente à dificuldade encontrada pelos/as licenciandos/as em
acessar os diferentes discursos sobre o mundo, tendo em vista o caráter hegemônico da cultura
ocidental moderna, que anula os conhecimentos que não atendem aos critérios epistêmicos
específicos dessa cultura. Ainda como consequência da superioridade da ciência ocidental ou
ciência hegemônica, percebemos a carência nas problematizações referentes às limitações do
223
que se denomina ciência e o caráter provisório dos seus conhecimentos. Destacamos que as
mesmas dificuldades percebidas pelos/as licenciandos/as foram sentidas por nós, no processo
de elaboração do plano de curso da disciplina. Todavia, com mais tempo para a preparação da
disciplina, maior apoio de pesquisadores/as experientes nas discussões sobre racismo e
eurocentrismo e, também, maior carga horária para as discussões, nos foi oportunizado,
obviamente, uma exploração um pouco mais profunda.
O diálogo intercultural, por sua vez, foi mais mobilizado pelos/as licenciandos/as,
sobretudo no que tange ao estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as
estudantes, característica apresentada em todas as análises de práticas desenvolvidas.
Consideramos a valorização do diálogo fundamental no trabalho comprometido com a
diversidade. Todavia, ainda houve uma carência da utilização de exemplos e conhecimentos
de grupos étnicos e culturais, bem como a relação destes com os conhecimentos científicos
ocidentais, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um saber em detrimento de
outro. Destacamos quão cientificista é a formação dos/as licenciandos/as, de modo que,
embora reconheçam a dinamicidade dos conhecimentos científicos ocidentais, ainda o tomam
como o mais relevante, por ter sido testado e ter aplicabilidade replicada em diversos
contextos, uma percepção no mínimo questionável.
A formação do/a professor/a sensível à diversidade cultural deve partir da
desestabilização dos padrões hegemônicos socioculturais, de modo a desconstruir o poder
simbólico do conceito de ciência, ao passo que problematizamos as relações de poder entre as
culturas. Assim, da mesma forma que as ciências tradicionais partem de um lócus cultural,
também a ciência ocidental apresenta critérios epistêmicos próprios que atendem a
determinada comunidade. E embora seja um saber historicamente universalizado, não
necessariamente terá validade em diferentes contextos, mas, sim, no contexto de sua produção
específica. Nesse sentido, a fim de horizontalizar os discursos e demarcar os saberes,
propomos a pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências, de modo a assumir as
ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos africanos, a ciência ocidental moderna, e
outras. Assim, as ciências podem dialogar, pois o diálogo só existe quando as hierarquizações
são questionadas e desconstruídas.
No que se refere às implicações e intenções políticas, tivemos os melhores resultados,
de modo que a maioria dos/as licenciandos/as atendeu a quase todas as características do
bloco, principalmente as discussões da naturalização de preconceitos e discriminação, a
articulação do discurso biológico com outros discursos e a preocupação em problematizar as
224
identidades coletivas marginalizadas. Houve carência, entretanto, de discussões acerca das
relações de poder entre as culturas. Além disso, as práticas e relatos de experiência se
limitaram a questionar a posição subalternizada dos afrodescendentes sem, contudo,
problematizar o caráter superiorizado do branco. Assumimos que a abordagem prática dos
temas exige maior aprofundamento em leituras e mais tempo para concretizar ideias e
discursos.
Em suma, os resultados da pesquisa apontam para a relevância de proporcionar aos/as
licenciandos/as práticas semelhantes àquelas que eles/as serão convidados/as a desenvolver na
carreira docente. A oportunidade de discutir questões culturais nas aulas de Biologia,
abrangendo as discussões sobre racismo e eurocentrismo, não só contribui para valorizar e
problematizar as diferentes formas de explicar o mesmo fenômeno natural, como também
para desconstruir os padrões hegemônicos socioculturais, promovendo uma educação para
transformações positivas na sociedade.
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profissional do docente do ensino superior. Revista Pandora Brasil, n. 70, p. 1-9, 2016.
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226
CAPÍTULO 6
EXPECTATIVAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO
INICIAL QUANTO À INTEGRAÇÃO DO PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E
DO MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM SUAS FUTURAS PRÁTICAS
DOCENTES
__________________________________________________________________________________
Este capítulo apresenta a discussão do terceiro objetivo específico, que se refere a
analisar como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam integrar o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes, a
partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu
problematizações de questões culturais. Contribui, assim, para o alcance do objetivo geral de
compreender como eles/as integram os discursos do pluralismo epistemológico e do
multiculturalismo crítico no seu no repertório profissional.
6.1 INTRODUÇÃO
A educação deve ser incubadora da inovação e da criatividade. O sistema educacional,
pelo menos em tese, deve promover o crescimento individual e o desenvolvimento social dos
membros da sociedade, para que estes possam participar de forma ativa na construção de um
mundo mais justo e igualitário. No contexto educacional, cada membro desempenha um
papel, cujas funções estão em constante transformação. No que se refere ao professor, muitas
das vezes, quando se tem uma formação cientificista, acredita-se que a transmissão de
conceitos é a principal função deste ator educacional, e aquele que não cumpre este papel,
deixaria a desejar no curso da sua atuação docente.
Por outro lado, ao participar de experiências práticas em que a dimensão conceitual do
conteúdo subsidia discussões socioculturais, o/a professor/a, no processo de formação, pode
repensar seu papel em sociedade e entender, por exemplo, que a educação de hoje não pode
ser mais como a de antes – de poucos e para poucos – sobretudo, porque a conjuntura cultural
é outra, bem como as relações sociais. Por conseguinte, nos dias atuais, o/a professor/a não é
mais a única forma de alcançar o conhecimento, tendo em vista o crescente acesso as novas
tecnologias da informação.
Nesse contexto, entendemos que os espaços escolares são tão propícios a discussões
culturais quanto o são para a transmissão de conceitos sistematicamente organizados ao longo
do tempo. As perspectivas teóricas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo
227
crítico, ao passo que convergem para o trabalho sensível a diversidade cultural, podem
subsidiar práticas que promovam a problematização das relações de poder entre as diferentes
formas de conhecimento, bem como a desconstrução dos padrões hegemônicos socioculturais.
Embora uma formação docente que considera a diversidade cultural seja importante,
não significa necessariamente que professores/as formados/as nessa perspectiva venham a
desenvolver práticas dessa natureza na sua atuação pedagógica, pois sabemos que o contexto
escolar tem forte influência no trabalho do/a professor/a. A organização do trabalho docente
depende tanto das suas intenções formativas, que muitas vezes são reflexo da sua formação,
quanto do contexto o qual o/a professor/a se encontra. De acordo com André (2010), embora
o/a professor/a tenha um papel basilar na educação escolar, há outros elementos igualmente
importantes, como a atuação dos/as gestores/as escolares, as formas de organização do
trabalho na escola, o clima institucional, os recursos físicos e materiais disponíveis, a
participação dos pais e as políticas públicas educativas.
As pesquisas em ensino podem auxiliar na superação de crenças do senso comum, que
muitas vezes atribuem culpa ao/à professor/a pelo fracasso do sistema educacional. Por
entendermos que o processo de formação de professores/as é um aspecto importante na
educação, embora não seja o decisivo para as práticas escolares, defendemos que é mais
provável que um/a professor/a seja sensível a diversidade cultural quando sua formação
possibilitar experiências e reflexões nessa direção, do que quando isso não for possível.
Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar como professores/as de
Biologia em formação inicial perspectivam integrar o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes, a partir da participação em uma
disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais.
6.2 O PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa tem natureza qualitativa e quantitativa, sendo que optamos por desenvolver
a investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da
teoria crítica. A pesquisa empírica foi desenvolvida no município de Aracaju, capital de
Sergipe, com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade Federal de
Sergipe (UFS), no contexto de uma disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de
Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de
Genética”, com carga horária de 60 horas, ministrada pela pesquisadora.
228
A escolha por essa instituição justifica-se pelo fato da pesquisadora estar vinculada
como professora voluntária no período da pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da
disciplina, uma no período vespertino e outra no turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as
matriculados/as, respectivamente, número que foi reduzido para 10 e 4 licenciandos/as, que
concluíram a referida disciplina. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as
matriculados/as assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A referida disciplina promoveu discussões sobre a lógica eurocêntrica de produção de
conhecimento e de seu ensino e questões referentes às diferenças étnicas ao passo que
abordamos conteúdos de Genética. Para tanto, foi organizada na perspectiva do pluralismo
epistemológico, ao abordar as diferentes formas de conhecimentos; bem como na perspectiva
do multiculturalismo crítico, ao discutir as relações de poder construídas em torno da
diversidade de grupos socioculturais. Como atividade prática, ao final da disciplina, os/as
professores/as em formação inicial foram orientados/as para se organizarem em duplas e
assim, planejar, desenvolver e analisar uma oficina de três horas/aula na perspectiva do
pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico, de forma colaborativa entre si e
com a professora-pesquisadora.
Para alcançar o objetivo proposto no presente capítulo, optamos como procedimento
de produção de dados a entrevista semiestruturada. Destacamos que o período anterior, das
interações nas aulas da disciplina, foi fundamental para a realização das entrevistas,
principalmente porque permitiu estabelecer uma relação prévia com os/as participantes, o que
facilitou uma comunicação mais livre e dialógica. Assim, ao término das atividades da
disciplina, os/as licenciandos/as das duas turmas foram convidados/as a uma entrevista
individual, dos/as 14 licenciandos/as que concluíram a disciplina, nas duas turmas, 12
aceitaram participar da entrevista, os quais receberam nomes fictícios escolhidos pelos/as
próprios/as e foram designados E1... E12. Para tanto, agendamos previamente um horário
particular com cada um/a deles/as. A entrevista semiestruturada corresponde ao
desenvolvimento de um conjunto geral de questões, tal como na entrevista estruturada, só que,
neste caso, o/a entrevistador/a pode variar as perguntas de acordo com a situação
(McCOLSKEY; O’SULLIVAN, 2005).
Segundo Lichtman (2010), antes de começar a entrevista, é importante que o/a
pesquisador/a forneça algumas informações preliminares, como porque está lá, sua finalidade,
o que vai fazer com a informação, como vai tratar a informação e quanto tempo vai demorar a
229
entrevista. As entrevistas foram realizadas em atenção a essas observações. Como forma de
registro, optamos pela gravação em áudio.
Para a validação do roteiro de entrevista, participaram oito pesquisadores/as, que têm
experiência em debates e práticas referentes ao pluralismo epistemológico e ao
multiculturalismo crítico. O roteiro para o procedimento de validação da entrevista (Quadro 1)
apresenta o objetivo que se pretende alcançar com cada questão, uma avaliação, na qual o
participante deve responder se é possível alcançar o objetivo esperado a partir de como a
pergunta está elaborada, e, um espaço para sugestões ou comentários.
Quadro 1. Roteiro para o procedimento de validação da entrevista.
Perguntas Objetivo com a pergunta É possível
alcançar o
objetivo
esperado a partir
de como a
pergunta está
elaborada?
Sugestões ou
comentários
O que ficou da disciplina na
sua mente, no seu modo de
pensar e de trabalhar com o
ensino de Biologia?
Espera-se com essa pergunta que
a pessoa entrevistada apresente as
possíveis contribuições da
disciplina para sua formação e
prática docente.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
Algo mudou? O que mudou
de concepção da prática
docente a partir das
discussões promovidas na
disciplina?
Espera-se com essa pergunta que
a pessoa entrevistada apresente ou
não alterações na sua forma de
entender a prática docente.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
1. Você pensa em discutir
com seus alunos do ensino
médio, o conceito de
ciência? Por quê? Como
discutiria?
Com essa pergunta espera-se que
a pessoa entrevistada demonstre
compreender ou não a
importância de desconstruir o
poder simbólico do termo
‘ciência’ a partir da
problematização do termo. E se
ela percebe a
importância/viabilidade do uso de
estratégias, como os debates, para
trabalhar nessa perspectiva.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
2. Você pensa em discutir
com seus alunos do ensino
médio, a crise do conceito
de gene? Por que? Como
discutiria? Abordaria a
história de Rosalind
Franklin? Como?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de questionar o
determinismo genético, bem como
apresentar as controvérsias do
processo de construção do
conhecimento, apresentando-o
como dinâmico e influenciado por
questões políticas, culturais e/ou
de gênero.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
230
3. Como você lidaria com o
fato de ter alunos que
acreditam que “As
características estão no
sangue”? Se o seu aluno,
apesar de compreender os
mecanismos de herança
biológica, insiste em
afirmar em contexto
familiar que “As
características estão no
sangue”, é importante para
você que este aluno anule
essa crença e passe a
propagar apenas o
conhecimento científico em
todos os contextos? Por
quê?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de considerar
diferentes discursos sobre o
mundo, valorizando os
conhecimentos provenientes das
diferentes culturas.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
4. Como você poderia
exemplificar, para os seus
estudantes, que todos os
tipos de conhecimento têm
validade, de acordo com o
contexto?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não o fato de que
cada conhecimento, no seu
contexto, tem seu alcance e
validade e, assim, pode ser
adequadamente aplicado.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
5. Você pretende abrir
espaço nas suas aulas para
discutir os conhecimentos
dos estudantes, bem como
suas culturas? Com qual
objetivo?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de estimular o debate
acerca dos conhecimentos
culturais dos/as estudantes e como
esses conhecimentos são
importantes para eles/as nos seus
meios sociais.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
6. Se o seu aluno, apesar de
compreender os
mecanismos de herança
biológica, apresenta a
crença de que “Crianças
podem nascer com alguma
deficiência por causa de
castigo de Deus”, é
importante para você que
este aluno anule essa crença
e passe a propagar apenas o
conhecimento científico?
Porque?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de auxiliar os/as
estudantes na compreensão dos
conceitos científicos a fim de
ampliar suas visões, sem anular
suas culturas e crenças.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
7. É função do professor de
ciências alterar crenças dos
estudantes ou a
compreensão dos conceitos
científicos é suficiente?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de articular os
saberes dos/as estudantes e os
conhecimentos científicos, sem
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
231
Para entender é preciso
acreditar?
que seja concebida superioridade
epistêmica de um saber em
detrimento de outro.
8. Por que é importante que
conhecimentos de grupos
étnicos e culturais sejam
acionados na sala de aula?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de utilizar exemplos e
conhecimentos de grupos étnicos
e culturais no contexto da aula
para valorizar outras culturas,
para além da cultura ocidental e
problematizar a superioridade
epistêmica da cultura dominante.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
9. Você pensa em discutir,
com seus alunos do ensino
médio, questões sobre
racismo e alterização, por
exemplo, no contexto do
ensino de Biologia? Por
quê? Como discutiria?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de promover debates
sobre as relações de poder entre as
culturas, questionando a posição
subalternizada de grupos
minoritários, tal como os
afrodescendentes. E se ela
percebe a importância/viabilidade
do uso de estratégias, como os
debates, para trabalhar nessa
perspectiva.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
10. É importante articular
as discussões sobre
eurocentrismo no contexto
do ensino de biologia?
Você pretende fazer isso
em práticas pedagógicas
futuras? Como?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de questionar a
naturalização de preconceitos e
discriminação, buscando
interrogar o caráter monocultural
e o eurocentrismo na ciência. E se
ela percebe a
importância/viabilidade de levar
essas discussões no contexto do
ensino conceitual da Biologia.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
11. Você poderia citar fatos
na história em que o
discurso científico
influenciou decisões sociais
sobre questões raciais?
Você levaria essa
articulação do discurso
biológico com outros
discursos para a sala de
aula? Como?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de articular o
discurso biológico com discursos
históricos, políticos, sociológicos
e culturais, a partir da
problematização de temas como
Eugenia, racismo científico e
zoológicos humanos.
E se ela percebe a
importância/viabilidade de levar
essas discussões no contexto de
fatos históricos.
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
12. Qual a importância, no
contexto do ensino de
biologia, de se
problematizar as
identidades coletivas
marginalizadas?
Espera-se que a pessoa demonstre
compreender ou não a
importância de problematizar as
identidades coletivas
marginalizadas, destacando o
protagonismo e a resistência de
( ) sim ( ) não
( ) parcialmente
232
Que argumentos poderiam
ser apresentados contra a
abordagem de questões
culturais no ensino de
biologia? Que argumentos
você apresentaria contra
tais argumentos?
grupos culturais subalternizados
historicamente.
Use o espaço abaixo caso queira tecer comentários e/ou sugestões finais acerca do roteiro:
Fonte: Dados da pesquisa.
Para o cálculo do escore total resultante da validação, o “sim” equivale a 1 ponto, o
“em parte” a 0,5 ponto e o “não” a 0 ponto. Tendo em vista o número de oito pesquisadores/as
que participaram da validação, 8 é o escore máximo. O quadro com o resultado da validação
por pares, referente ao roteiro de entrevista individual semiestruturada, está detalhado no
apêndice H. A partir do procedimento de validação, o roteiro de entrevista foi analisado e
reformulado, dando origem à versão final do instrumento de coleta de dados (APÊNDICE I).
As entrevistas foram transcritas na íntegra, utilizando o programa Transana Standard
2.61b, e, a análise dos dados provenientes do registro de áudio das entrevistas foi conduzida
tendo por referência os estudos do discurso críticos, na perspectiva da análise sociocognitiva
do discurso proposta por Van Dijk (2001). O autor relaciona estruturas do discurso com
interação social por meio de uma interface sociocognitiva, sustentando-se no argumento de
que estruturas discursivas e sociais diferem quanto à natureza e não podem ser diretamente
relacionadas.
Para a organização dos dados da entrevista, agrupamos as respostas discursivas em
termos de macroproposição, cuja base textual se refere a uma sequência de proposições do
discurso. Num quadro linguístico e discursivo, as proposições são consideradas como
unidades que definem a significação (VAN DIJK, 2012). Desse modo, a macroproposição
explica a unidade geral de uma sequência de unidades discursivas, podendo ser intuitivamente
conhecida como “tema”, “tópico” ou “essência” (VAN DIJK, 1981). Assim, as
macroproposições de cada questão discursiva das entrevistas foram derivadas das sequências
de proposições do discurso. Esse trabalho foi realizado paulatinamente por entrevista, a fim de
identificarmos tanto os novos tipos de macroproposições em cada entrevista, quanto aquelas
que se assemelhavam, a fim de quantificá-las.
A partir dessa organização, quantificamos o total de ocorrências das macroproposições
semelhantes, destacando as entrevistas que apresentavam novos tipos de macroproposições.
233
Falamos em macroproposições semelhantes porque, teoricamente, cada macroproposição é
única, tendo em vista que considera o tempo e o lugar na qual foi mobilizada. Assim, não
podemos falar em repetição das macroproposições, mas na ocorrência de macroproposições
parecidas, por articularem as mesmas unidades de sentido30.
Para a análise do corpus completo, que podemos chamar de corpus primário,
consideramos o total de ocorrências de cada macroproposição, configurando uma abordagem
de natureza quantitativa, a fim de oferecer uma visão geral dos dados das entrevistas. Vale
ressaltar que, nessa análise, cada questão poderia ou não mobilizar mais de uma
macroproposição, de modo que o total de ocorrências quase nunca corresponde ao total de
entrevistados/as. Além disso, em alguns casos, observamos respostas que não se referiam ao
sentido da pergunta, de modo que temos entrevistas que não mobilizaram nenhuma
macroproposição para um determinado discurso. Os dados foram organizados em quatro
blocos de análise, os quais apresentamos no quadro abaixo (Quadro 2).
Quadro 2. Organização dos blocos de análise do discurso de professores/as de Biologia em formação
inicial e respectivas questões mobilizadoras.
Bloco de análise Questões
mobilizadoras
A experiência na disciplina 1 e 2
A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes 3 e 4
O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes 5, 6 e 7
A abordagem das implicações e intenções políticas em suas
futuras práticas docentes
8, 9 e 10
Uma abordagem qualitativa, considerando os pressupostos da análise sociocognitiva
do discurso, foi realizada a partir das respostas das entrevistas que apresentaram distintos
tipos de macroproposições, as quais denominamos de corpus secundário. Como temos
questões nas entrevistas com mais de um enunciado, realizamos essa avaliação separadamente
para cada um deles, a fim de encontrar, especificamente, as macroproposições de cada
enunciado discursivo (Quadro 3).
30 Reunião de orientação, Teun Van Dijk, Barcelona, 16 de abril de 2019.
234
Quadro 3. Organização dos dados para a análise qualitativa das entrevistas, considerando as
entrevistas que apresentaram distintos tipos de macroproposições por enunciado de cada questão.
Questão/Enunciado Entrevistas que
apresentaram distintos
tipos de
macroproposições
Número
total de
entrevist
as
1 O que ficou da disciplina na sua mente? E no seu
modo de pensar e de trabalhar com o ensino de
Biologia?
1, 2, 4 e 7 4
2 Houve alguma mudança de concepção de prática
docente a partir das discussões promovidas na
disciplina? Se sim, qual ou quais?
1, 2 e 4 3
3 Como discutiria o conceito de ciência? 1, 2, 3, 4 e 5 5
4 Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino
médio, a crise do conceito de gene? Por quê?
1, 3, 4 e 6 4
Como discutiria o conceito de gene? 1, 2, 4, 5, 6 e 8 6
Como discutiria a história de Rosalind Franklin? 1, 4, 8, 12 4
5 Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos
de herança biológica, insiste em afirmar, no seu
contexto cotidiano, que “As características estão no
sangue” é importante para você que esse aluno anule
essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento
científico em todos os contextos? Por quê?
1, 5 e 6 3
E se essas crenças ou práticas culturais gerarem
sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por
exemplo, devemos questionar e buscar superar essas
práticas?
1, 2 e 3 3
6 Como você poderia exemplificar a abordagem de
conhecimentos de grupos culturais minoritários na
sala de aula?
1, 2, 3, 5 e 6 5
7 Você pretende abrir espaço nas suas aulas para
discutir os conhecimentos dos estudantes, bem como
suas culturas? Com qual objetivo?
1, 2, 3, 4 e 11 5
8 Você pensa em discutir, com seus alunos da educação
básica, questões sobre racismo e alterização, por
exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê?
1, 2, 4, 7 e 8 5
Como discutiria essas questões de racismo e
alterização?
1, 4, 7 e 9 4
235
9 Você levaria essa articulação do discurso biológico
com outros discursos para a sala de aula? Como?
1, 2, 3, 4, 7, 11 e 12 7
10 Que argumentos poderiam ser apresentados contra a
abordagem de questões culturais no ensino de
Biologia?
1, 2 e 8 3
E argumentos em defesa da abordagem de questões
culturais no ensino de Biologia?
1, 2 e 6 3
A organização das entrevistas, para identificar os distintos tipos de macroproposições
e agrupar as que se assemelhavam, foi realizada considerando a ordem alfabética dos nomes
reais dos/as participantes (na análise, adotamos os nomes fictícios escolhidos por eles/as).
Assim, o fato da entrevista 1 apresentar um número maior de distintas macroproposições se
justifica por ter sido a primeira a ser analisada, e não necessariamente pelo discurso do
entrevistado. Por exemplo, se a entrevista 12 fosse a primeira a ser analisada, certamente teria
o número maior de macroproposições inéditas. Todavia, tendo em vista que o nosso interesse
é oferecer, na microanálise, exemplos suficientes e variados dos discursos mobilizados
pelos/as participantes, a ordem das entrevistas não altera o resultado da variabilidade
discursiva. Embora essa seleção apresente a desvantagem do não aproveitamento de parte dos
dados gerados – excluindo da amostra temas que seriam também relevantes –, oferece a
vantagem de investigar em profundidade uma prática de leitura específica (RAMALHO;
RESENDE, 2011).
As transcrições das questões de entrevistas que apresentaram distintos tipos de
macroproposições estão apresentadas no apêndice K. Com esta organização, correspondente
ao corpus secundário, podemos apresentar as ferramentas básicas que vão subsidiar nossa
análise: tratam-se das categorias analíticas, que são “formas e significados textuais associados
a maneiras particulares de representar, de (inter)agir e de identificar(-se) em práticas sociais
situadas” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 112). De acordo com Resende e Acosta (2018),
é desejável que as categorias analíticas não sejam definidas a priori em um projeto de
investigação, embora o olhar para os dados seja influenciado pelo referencial teórico, isso
porque é a análise dos dados que vai orientar as categorias mais adequadas para responder aos
objetivos investigativos.
Para analisar as respostas dos/as licenciandos/as às entrevistas selecionadas, vamos
nos concentrar na abordagem sociocognitiva proposta por Van Dijk (1991), a partir de
236
categorias analíticas organizadas à luz da teoria. A fim de subsidiar a nossa análise, faremos
uso também de alguns elementos da teoria da valoração (KAPLAN, 2004). Segundo a autora,
a valoração inclui todos os usos avaliativos da linguagem, através dos quais falantes e
escritores não apenas adotam posições particulares de valor, mas também negociam essas
posições com seus interlocutores reais ou potenciais.
A Teoria da Valoração fornece uma estrutura para explorar como e para
quais propósitos retóricos os falantes e os autores adotam (a) uma postura
atitudinal (ideológica, em última análise) em relação ao conteúdo
experiencial de seus enunciados; (b) uma posição em relação aos seus
interlocutores reais ou potenciais; e (c) uma posição em direção à
heteroglossia do contexto intertextual em que seus enunciados e textos
operam31 (KAPLAN, 2004, p. 59).
A partir das ideias gerais da teoria da valoração, e considerando os aspectos teóricos e
metodológicos da análise sociocognitiva do discurso, destacamos duas categorias analíticas:
1. Quanto ao(s) recurso(s) discursivo(s) para identificar-se ou não com as questões culturais
mobilizadas na disciplina (modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e
metáfora); 2. Quanto ao grau de compromisso na integração dos sentidos do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico em futuras práticas docentes (alto nível de
compromisso, baixo nível ou ausência de compromisso).
Essas categorias serão a base para a análise do micronível da ordem social, que se
refere a linguagem, discurso, interação verbal e comunicação (VAN DIJK, 2008), ou seja, por
meio delas, podemos analisar os textos buscando mapear conexões entre o discursivo e o não
discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais (RAMALHO; RESENDE, 2011). Sobre isso,
Fairclough (2003, p. 16) ressalta que
Não podemos supor que um texto em sua totalidade possa ser transparente
através da aplicação das categorias de uma estrutura analítica pré-existente.
O que somos capazes de ver da atualidade de um texto depende da
perspectiva da qual o abordamos, incluindo as questões sociais particulares
em foco, e a teoria social e a teoria do discurso que utilizamos
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 16)32.
31 Tradução nossa, do original: “La Teoría de la Valoración proporciona un marco para explorar de
qué modo y con qué fines retóricos los hablantes y autores adoptan (a) una postura actitudinal
(ideológica, en última instancia) hacia el contenido experiencial de sus enunciados; (b) una postura
hacia sus interlocutores reales o potenciales; y (c) una postura hacia la heteroglosia del contexto
intertextual en el que operan sus enunciados y textos” (KAPLAN, 2004, p. 59). 32 Tradução nossa, do original: “we cannot assume that a text in its full actuality can be made
transparent through applying the categories of a pre-existing analytical framework. What we are able
to see of the actuality of a text depends upon the perspective from wicth we approach it, including the
237
Assumindo que “toda análise é inevitavelmente seletiva e incompleta” (RAMALHO;
RESENDE, 2011, p. 105), discutiremos a seguir as categorias analíticas selecionadas para a
construção do mapa metodológico. A aplicação dessas categorias deve contribuir para uma
análise do discurso explícita e sistemática. Sobre os possíveis recursos discursivos que os/as
participantes utilizam para identificar-se ou não com as questões culturais mobilizadas na
disciplina, buscaremos analisar o uso da modalidade (BLANCAFORT; VALLS, 2007; VAN
DIJK, 2008); da intertextualidade (VAN DIJK, 2016; FAIRCLOUGH, 2003); da
argumentação (VAN DIJK, 2008) e da metáfora (RESENDE; RAMALHO, 2009), que podem
aparecer inter-relacionadas nos turnos de fala. Entendemos que a análise de como
professores/as de Biologia em formação inicial se identificam com os sentidos do pluralismo
epistemológico (PE) e do multiculturalismo crítico (MC) pode indicar a expectativa de
integração dessas perspectivas teóricas em suas futuras práticas docentes.
No caso desta pesquisa, por se tratar de identificar opiniões, que expressam o grau de
aproximação com as perspectivas teóricas supracitadas, fizemos uso da categoria modalidade
associada ao termo “doxástica” (derivado do grego antigo doxa, que significa “crença” ou
“opinião”). Assim, ao invés de utilizar o termo comum “modalidade epistêmica”, que se
associa ao conhecimento (BLANCAFORT; VALLS, 2007; VAN DIJK, 2008), assumiremos
neste trabalho o termo “modalidade doxástica”33 como a atenuação ou o reforço das
asserções, o que está relacionado com o grau de compromisso do interlocutor em relação à
opinião que assume frente a determinados temas no contexto de uma discussão.
Esse recurso discursivo utiliza marcadores de opinião - Eu acho, Em minha opinião,
Desde o meu ponto de vista, Desde a minha perspectiva, Me parece, No meu modo de ver,
Segundo eu entendi, Para mim, A meu juízo, Acredito que, Penso que, Me parece que, Eu
diria que, É possível que, Não sei, Parece que, Suponho que - para expressar diferentes
atitudes do locutor diante do interlocutor (BLANCAFORT; VALLS, 2007). Como exemplo,
podemos destacar a fala de Ariel (E2) “eu acho importante a gente colocar mais isso nas
aulas...”, a qual indica uma opinião positiva frente às questões culturais mobilizadas na
disciplina.
A intertextualidade, conceito que surgiu nas discussões de Bakhtin (1997), pode ser
definida como a propriedade que têm os textos de possuir fragmentos de outros textos
particular social issues in focus, and the social theory and discourse theory we draw upon”
(FAIRCLOUGH, 2003 p. 16). 33 Reunião de orientação. Teun Van Dijk, Barcelona, 11 de março de 2019.
238
(FAIRCLOUGH, 2001), ou seja, é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado
com outras vozes que lhe são articuladas em diferentes contextos (VAN DIJK, 2016). Um
exemplo dessa aplicação na nossa análise está no fragmento “(...) isso que você [referindo-se
à professora/entrevistadora] falou, sobre esse conhecimento ter vindo e ter passado pra gente
como se fosse único e legítimo, né?” (Luc, E1), que mobiliza intertextualmente, de forma
específica, a fala da professora, a qual aconteceu no contexto de uma das aulas da disciplina
que o participante acompanhou. Essa fala foi apresentada em resposta à pergunta do que mais
chamou a atenção do licenciando na disciplina, expressando uma identificação com o tema
discutido.
Na argumentação, observamos as colocações nas quais os/as participantes tentam
fazer com que seu ponto de vista resulte mais aceitável e credível, a partir da formulação de
argumentos que o sustentem (VAN DIJK, 2008) ou que justifiquem determinado
posicionamento. Por exemplo, uma estudante, em defesa de um trabalho docente voltado para
questionar crenças racistas, argumenta que essa é uma prática necessária para evitar o
sofrimento de grupos historicamente desprivilegiados: “Eu acho que aí, nesse caso, deveria
ser questionado (risos) porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer (...)” (Ariel, E2).
Identificamos, assim, as estratégias argumentativas utilizadas nos discursos dos/as
professores/as em formação inicial para explicar e defender seus posicionamentos.
A essência da metáfora, segundo Lakoff e Johnson (2002, p. 49-50 apud RESENDE;
RAMALHO, 2009), “é compreender uma coisa em termos de outra”, um mecanismo de
estruturação parcial do discurso com base na linguagem. Por exemplo, na fala “Acaba
tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da gente” (Luc, E1), o
conceito de “implantar”, como “inserir alguma coisa em algum lugar” não pode ser
literalmente relacionado à “cabeça” como uma expressão cognitiva. O que o entrevistado quer
dizer é que a construção discursiva hegemônica compõe nosso sistema cognitivo de modo
naturalizado e estrutural, o que nos faz tomar como verdade o discurso que reflete o poder.
Lakoff e Johnson (2002 apud RESENDE; RAMALHO, 2009) destacam que as metáforas não
nascem na linguagem, mas refletem-se nela, tendo em vista que compõem o nosso sistema
conceitual.
Quanto ao nível de compromisso na integração dos sentidos do PE e do MC em
futuras práticas docentes, identificamos alto nível de compromisso “Com certeza!
[referindo-se a discutir sobre as contribuições de Rosalind Franklin na prática docente]
porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma interpretação que a gente
239
poderia não ter tido [...]” (Everton, E8), baixo nível de compromisso “[...] eu pelo menos
vou fazer isso, tentar fazer isso... é... não só dar o assunto, mas tentar contextualizar, né?”
(Eduardo, E7) ou ausência de compromisso “[...] não me sinto preparado pra fazer isso
agora [referindo-se a discutir o conceito de gene na prática docente]” (Luc, E1), relacionados
às maneiras em que os falantes intensificam ou diminuem a força de seus enunciados.
Analisamos, assim, o que eles/as afirmam desenvolver ou não em práticas futuras, o que não
implica necessariamente uma ação correspondente. É importante considerar o contexto no
qual os discursos analisados foram construídos, pois numa situação de entrevista é comum
que os/as entrevistados/as busquem não contrariar a expectativa do/a entrevistador/a. De todo
modo, a análise das entrevistas traz contribuições relevantes para refletir uma formação crítica
no que tange à abordagem de questões culturais no curso de licenciatura em Biologia.
Por fim, para identificar essas categorias no texto, adotamos o procedimento da
codificação em cores, utilizando canetas marca-texto para identificar os recursos discursivos -
modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e metáfora -, e os posicionamentos
que expressam o grau de compromisso dos/as licenciandos/as quanto à integração dos
sentidos do PE e do MC em futuras práticas docentes (RAMALHO; RESENDE, 2011).
A codificação em cores é uma dentre as diversas estratégias para codificação
disponíveis e, embora seja um procedimento muito simples – com base na
utilização de canetas ou lápis coloridos para separar tópicos ou categorias
que depois terão análise sistemática –, é útil para tornar mais ‘legíveis’ (ou
‘analisáveis’) os dados (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 91).
As categorias selecionadas devem guiar as análises de modo a contribuir para a melhor
compreensão do problema social discursivamente investigado (RESENDE, 2017). No quadro
abaixo, organizamos um resumo das categorias.
Quadro 4. Mapa metodológico para analisar como professores/as de Biologia em formação inicial
perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas futuras práticas docentes.
Categorias analíticas sociocognitivas Exemplo aplicado
1. Quanto ao recurso
discursivo para
identificar-se ou não
com as questões
culturais mobilizadas
na disciplina
Modalidade
doxástica
“[...] eu acho importante a gente colocar mais isso
nas aulas...” (E2). A participante indica uma
opinião positiva frente às questões culturais
mobilizadas na disciplina.
Intertextualidade “[...] isso que você [referindo-se a
professora/entrevistadora] falou, sobre esse
conhecimento ter vindo e ter passado pra gente
como se fosse único e legítimo, né?” (E1). O
participante mobiliza intertextualmente, de forma
específica, a fala da professora num contexto de
240
aula.
Argumentação “Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado
(risos), porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer
[...]” (E2). A estudante apresenta argumento
favorável a questionar crenças racistas na prática
docente.
Metáfora “Acaba tomando como verdade uma coisa que tá só
implantada na cabeça da gente” (E1). O estudante
utiliza metáfora para explicar de maneira mais
simples a ideia de colonialidade.
2. Quanto ao nível de
compromisso na
integração dos
sentidos do PE e do
MC em futuras
práticas docentes
Alto nível de
compromisso
“Com certeza! [referindo-se a discutir, na prática
docente, as contribuições de Rosalind Franklin]
porque se não fosse a contribuição dela, a gente
poderia ter uma interpretação que a gente poderia
não ter tido [...]” (E8). O modalizador “com
certeza” indica alto nível de compromisso do
licenciando com essa ação em práticas futuras.
Baixo nível de
compromisso
“[...] eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer
isso... é... não só dar o assunto, mas tentar
contextualizar, né?” (E7). Após uma afirmação
segura, o licenciando utiliza o verbo “tentar” como
modalizador da sua assertiva, diminuindo seu nível
de compromisso.
Ausência de
compromisso
“[...] não me sinto preparado pra fazer isso agora
[referindo-se a discutir o conceito de gene na prática
docente]” (E1). Ao afirmar que não se sente
preparado, o licenciando se exime do compromisso
de discutir o conceito de gene em práticas futuras.
Fonte: As autoras, com base na teoria sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk.
Fairclough (2003, p. 164) supõe que “(...) o que as pessoas se comprometem em textos
é uma parte importante de como elas se identificam, a texturização de identidades”34. Na
nossa opinião, o inverso também é verdadeiro, assim o grau de identificação que as pessoas
apresentam com o texto, com determinados temas, representa uma parte importante do que
elas se comprometem. Dessa forma, a análise dessas categorias, em conjunto, representa uma
34 Tradução nossa, do original: “(...) what people commit themselves to in texts is an important part of
how they identify themselves, the texturing of identities” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 164).
241
boa estratégia para compreender como professores/as de Biologia em formação inicial
perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas futuras práticas docentes, a partir
da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de
questões culturais.
6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.3.1 A experiência na disciplina
A formação de professores/as representa um espaço privilegiado, tanto para promover
reflexão e debate sobre as questões da diversidade, diferença, igualdade e justiça social,
quanto também para desenvolver propostas que apontem caminhos e avanços possíveis na
abordagem das questões culturais no âmbito escolar (CANEN; XAVIER, 2011). Canen e
Moreira (2001) destacam alguns princípios que podem contribuir para a concretização de
currículos multiculturais na formação de professores/as:
(...) associação de elementos cognitivos e afetivos na prática pedagógica;
sensibilização para a diversidade cultural e sua influência na educação;
conscientização cultural; desenvolvimento de uma prática reflexiva
multiculturalmente comprometida; superação de preconceitos e estereótipos;
problematização de conteúdos (específicos e pedagógicos); reconhecimento
do caráter múltiplo e híbrido das identidades culturais (CANEN;
MOREIRA, 2001, p. 20).
A disciplina “Tópicos Especiais no Ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre
racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética” foi organizada nessa perspectiva,
a fim de possibilitar aos/às professores/as em formação inicial construir conhecimentos e
habilidades para promover uma educação crítica e cidadã, que vise à transformação social.
Nesse sentido, perguntamos aos/às participantes acerca da contribuição da disciplina para a
construção de novos modelos mentais, a fim de saber em que medida a experiência vivenciada
influenciou no modo de pensar e de trabalhar com o ensino de Biologia.
A maioria dos licenciandos (8; 66,7%) destacou a abordagem de temas socioculturais
como o racismo, no contexto do ensino de Genética, a partir de uma perspectiva histórica;
seguido da crítica frente à ideia da ciência ocidental moderna como verdadeira e imutável (3;
25%); a percepção da influência do eurocentrismo na nossa cultura (3; 25%); a discussão
sobre o conceito de raça (2; 16,7%), o mito da democracia racial (2; 16,7%), o racismo
científico e eugenia (1; 8,3%), as histórias dos/as cientistas negros/as; o estímulo ao debate de
diferentes perspectivas (1; 8,3%); a relação entre os conhecimentos dos/as estudantes com os
242
conhecimentos acadêmicos (1; 8,3%) e as dinâmicas desenvolvidas (1; 8,3%). Esses foram os
aspectos da disciplina destacados pelos/as licenciandos/as como os mais interessantes.
Vejamos alguns trechos das respostas, as quais apresentam as unidades de sentido que
significam as macroproposições apresentadas:
A perspectiva que se colocou sobre conhecimento, né? Justamente isso que você falou,
sobre esse conhecimento ter vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e
legítimo, né? [...] E... a questão da... da lida com as questões sociais relacionadas a ciência
e principalmente relacionadas à parte genética, né? Que a gente trabalhou bastante. Me
marcou muito essa parte de raça... de... de genética e às vezes eu me pegava pensando
nisso aí. [...] A questão do... do eurocentrismo, como ele foi implantado… [...] muitas
vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da gente.
[...] a forma... mais livre de se debater. Eu não sei se vou conseguir essa prática, né? Pra
alunos do fundamental. Porque vai exigir uma leitura prévia, um entendimento individual,
né? Do aluno... mas, com certeza com o aluno do ensino médio, eu já poderia levar
bastante coisa disso. [...] E as desconstruções foram feitas na sala com base no que a gente
leu. Então, isso é uma prática que eu tenho intenção de levar. Até porque essa experiencia
que a gente teve com a atividade que a gente fez eu achei muito gratificante [...] então é
uma prática que eu realmente achei interessante, é uma coisa muito bacana de lidar e é
uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você relacionar os assuntos,
trazer aquela prática para a vida do aluno... é.... Trazer o problema do aluno com relação
a determinadas questões e debater aquilo. e.... tentar desenraizar esses conceitos que tão
na mente, na nossa mente, né? (Luc, E1)
Acho que o que me marcou mesmo foi essa parte da... do conceito de raça... do conceito
de raça é o que eu fiquei enjoando Eduardo pra gente falar desse tema [...] como a
disciplina teve muitas dinâmicas, eu acho que vai ajudar bastante na formação... na minha
formação como professora [...] quando Arizona começou a mostrar os inventores e os
cientistas negros eles não souberam nada de ninguém... e eles ficaram, tipo, quando
Arizona disse o que foi que eles fizeram de importante, eles ficaram surpresos com aquilo
porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas aulas.
(Ariel, E2)
[...] como surgiu, essa... essa ideia toda... o mito da democracia, também, racial [...] E tipo
algumas coisas que você sempre falava, eu vi o poder... porque eu nunca parei pra
pensar... quem tá no poder? Quem é a maioria? Quem, é.... é.... predomina mais? Que são
os brancos, na verdade... [...] porque às vezes a gente faz, a gente tem... nós mesmos,
somos racistas e ninguém nem percebe. (Arizona, E4)
[...] eu acho que foi essa questão do racismo científico, questão da eugenia, né? Como que
a ciência apoiou essas ideias que são hoje absurdas [...] Eu acho que, assim, o que eu vejo
hoje de diferente, depois da disciplina é que... é.... quando formos dar assuntos de
Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o assunto, mas
tentar contextualizar, né? (Eduardo, E7)
Percebemos que os/as licenciandos/as se identificam com os discursos referentes aos
temas de racismo e formas simbólicas de eurocentrismo, mobilizados na disciplina. Com a
utilização da modalidade doxástica para expressar o que ficou da disciplina no seu modo de
pensar e trabalhar com o ensino de Biologia, eles/as destacaram as discussões sobre os
conceitos biológico e social de raça “Acho que o que me marcou mesmo foi essa parte da...
do conceito de raça...” (E2) e, também, referente ao racismo científico e eugenia “[...] eu
243
acho que foi essa questão do racismo científico, questão da eugenia, né? Como que a ciência
apoiou essas ideias que são hoje absurdas [...]” (E7). Para muitos/as participantes, a
disciplina promoveu o primeiro contato com essas leituras e formas de ver e entender a
história do ponto de vista do colonizado, e não do colonizador. A discussão da teoria
eugênica, por exemplo, permitiu problematizar como o conhecimento é imbricado por
relações políticas e econômicas, e como ele pode ser utilizado para sustentar relações de
poder.
A fala de Ariel (E2) também apresenta uma identificação positiva com os temas
discutidos na disciplina, “[...] quando Arizona disse o que foi que eles [inventores/as e
cientistas negros/as] fizeram de importante, eles [os/as estudantes] ficaram surpresos com
aquilo porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas
aulas”. Ao se identificar com a importância de problematizar os/as inventores/as e cientistas
negros/as nas aulas de Biologia, a licencianda apresenta certa perspectiva em abordar essas
discussões na prática docente futura. Práticas dessa natureza, aliadas ao reconhecimento da
história, do espaço e da ação dos movimentos negros, são essenciais na construção de um
discurso antirracista, que se proponha comprometido com uma sociedade mais justa e
humana.
Outro recurso discursivo utilizado para apresentar uma identificação positiva, frente às
questões culturais mobilizadas na disciplina, foi a intertextualidade, sempre se referindo à fala
da professora/entrevistadora na ocasião das aulas da disciplina. Eles/as destacaram a suposta
superioridade da ciência ocidental “Justamente isso que você falou, sobre esse conhecimento
ter vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e legítimo, né?” (Luc, E1) e a falta de
representatividade negra nos espaços de poder “[...] E tipo algumas coisas que você sempre
falava, eu vi o poder... porque eu nunca parei pra pensar... quem tá no poder? Quem é a
maioria?” (Arizona, E4). Essas falas mostram que a disciplina suscitou reflexões não
somente sobre a posição subalternizada de grupos minoritários e suas produções
epistemológicas, mas também provocou questionamento no que se refere à branquitude. Lia
Vainer Schucman (2014, p. 84) esclarece que
A branquitude é entendida como uma posição em que sujeitos que ocupam
esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao
acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo
colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e são preservados na
contemporaneidade (SCHUCMAN, 2014, p. 84).
244
Os estudos sobre branquitude contribuem para discutir a população branca como um
povo racializado, o que se faz necessário para desconstruir a ideia do povo branco como
identidade racial normativa (CARDOSO, 2010). Segundo Schucman (2012), apesar das
preocupações e da luta contra a discriminação racial serem fundamentais para uma sociedade
mais igualitária, a discussão restrita aos negros e indígenas, nos estudos de relações raciais,
contribuiu com a ideia de um branco cuja identidade racial é a norma. Assim, identificar os
privilégios dos brancos em detrimento da marginalização em que ainda se encontram os não-
brancos representa o foco de estudo para compreender a branquitude. Embora esta discussão
tenha sido incipiente na disciplina, o que entendemos como uma lacuna no plano de curso, foi
mobilizada por alguns/mas licenciandos/as.
Ao questionar o fato de ter maioria branca nos espaços de poder, Arizona assume uma
postura crítica em relação à naturalização de preconceitos e discriminação. Da mesma forma,
ao problematizar a imposição histórica da ciência ocidental moderna como única e verdadeira,
Luc assume a existência de outros saberes igualmente válidos, que precisam de visibilidade
no âmbito acadêmico. Para explicar de maneira mais simples a ideia de colonialidade, Luc
utiliza uma metáfora “A questão do... do eurocentrismo, como ele foi implantado… [...]
muitas vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da
gente” (E1). O conceito de “implantar”, como “inserir alguma coisa em algum lugar” não
pode ser literalmente relacionado a “cabeça”, como uma expressão cognitiva. Assim, temos
um significado metafórico de que a construção discursiva hegemônica compõe nosso sistema
cognitivo de modo naturalizado e estrutural, o que nos faz tomar como verdade o discurso que
reflete o poder.
Neste ínterim, embora não vivamos mais o processo de colonialismo, estamos imersos
na colonialidade, cujos pressupostos eurocêntricos agem no nível da intersubjetividade
(QUIJANO, 2009). Trata-se de uma forma atualizada e desterritorializada da relação de
dependência e subalternidade (STRECK; ADAMS, 2012), a qual precisamos contrapor. Isso
pode acontecer a partir de uma educação comprometida com a transformação social, que visa
a superação da colonialidade eurocêntrica e passe a problematizar as culturas que foram
historicamente subalternizadas, como os povos indígenas e as culturas de matriz africana, que
não encontram espaço na educação escolar e até hoje têm dificuldade de difusão no continente
(CANDAU; RUSSO, 2010). Essas questões foram tratadas na disciplina, a fim de
problematizar o caráter monocultural da escola e desestabilizar essa realidade por meio de
discursos transformadores, que desafiem verdades únicas e deem visibilidade a vozes
245
historicamente silenciadas. Percebemos que Luc apreende esse discurso e o manifesta na
forma de metáfora.
Quanto ao compromisso em promover debates e práticas contextualizadas com
estudantes da educação básica, percebemos baixo nível ou ausência de compromisso nos
discursos dos/as licenciandos/as. Eduardo, que inicia um discurso seguro, logo inclui o verbo
“tentar” como modalizador para diminuir a força de sua assertiva “[...] quando formos dar
assuntos de Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o
assunto mas, tentar contextualizar, né?” (Eduardo, E7). Da mesma forma, Luc inicia sua fala
com um modalizador seguro “com certeza”, que logo é seguido por um verbo modal
“poderia”, diminuindo também a segurança da sua afirmação “[...] mas, com certeza com o
aluno do ensino médio, eu já poderia levar bastante coisa disso. Que é a questão de lançar
uma proposição pro aluno, uma reflexão... um texto que busque a reflexão [...]” (Luc, E1).
Luc apoia seu argumento na experiência prática que vivenciou na disciplina ao realizar
uma oficina com estudantes do ensino médio - Herança poligênica: fatores de sua influência,
impactos do racismo nas sociedades e reflexos nas mídias sociais -, afirmando que “essa
experiência que a gente teve com a atividade que a gente fez eu achei muito gratificante”
(Luc, E1). Ressaltamos que vivências dos/as professores/as em formação inicial no contexto
escolar têm o potencial de mitigar a lacuna teoria–prática, ao passo que explora as limitações
e possibilidades do trabalho docente. Em outro momento, quando Luc afirma que a prática
contextualizada é “interessante”, “muito bacana”, e por isso, ele tem “vontade de levar”,
percebemos que, embora haja identificação com a proposta, o discurso dele não reflete um
compromisso no desenvolvimento de práticas dessa natureza no seu futuro docente “[...]
Então é uma prática que eu realmente achei interessante, é uma coisa muito bacana de lidar
e é uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você relacionar os assuntos,
trazer aquela prática para a vida do aluno...” (Luc, E1). Podemos inferir que o discurso
comumente mobilizado na sociedade, referente às dificuldades do trabalho docente, aliado à
pouca experiência pedagógica de Luc, reflete nessa forma cautelosa de apresentar
expectativas de práticas futuras comprometidas com atividades contextualizadas.
Buscamos saber também a contribuição da disciplina para a construção do repertório
profissional dos/as participantes, a partir do qual novas situações são constituídas, abrindo
espaço para novos discursos. Assim, perguntamos se houve alguma mudança de concepção de
prática docente a partir das discussões promovidas na disciplina. Com exceção de Eduardo
(E7) e Maria (E9), os/as demais participantes afirmaram que sim, e destacaram a discussão de
246
questões raciais e a influência eurocêntrica no ensino de Biologia (4; 33,3%); a possibilidade
de fazer a diferença na formação para a cidadania (2; 16,7%); a promoção de debates acerca
dos conhecimentos dos/as estudantes (2; 16,7%) e a utilização de jogos didáticos (1; 8,3%).
Vejamos abaixo algumas representações discursivas:
Sim, essa mesmo que eu acabei de falar, né? A questão de ter mais um... sair um pouco
daquela coisa formal, né? De poder trabalhar junto, né? Isso aí que eu achei bem legal.
[...] Como aquele jogo da genética, né? Pra montar eu achei aquilo ali bom pra caramba,
porque a gente já tinha acabado de discutir, né? E aí a questão de manusear aquilo que a
gente tinha acabado de ver pra mim foi interessante. Então, essa coisa de trazer a
informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De professor... e sentar pra
discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei interessante... e é
isso que eu visualizo. E de... de... de bom... de... de complemento pra eu poder usar. (Luc,
E1)
[...] que eu acho que ficou mesmo foi essa parte de raça (risos), essas questões que
passam despercebidas pela gente, esse negócio do eurocentrismo e tudo mais. Que....
assim... a ciência que a gente vê é a ciência branca, a gente não vê ciência negra. Eu acho
que isso foi o que me marcou mesmo. [...] foi uma coisa que a disciplina me trouxe.
(Ariel, E2)
[...] eu acho que é mais o amor a história da licenciatura, que eu... que eu ficava muitas
vezes pensando, assim... meu Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí depois
da aula de hoje, eu vi... é isso mesmo que eu quero seguir na minha vida! (Arizona, E4)
Destacamos o uso da modalidade doxástica para expressar opiniões em relação à
experiência da disciplina, as quais demonstram uma identificação positiva frente à
oportunidade de desenvolver uma experiência pedagógica na escola “[...] eu acho que é mais
o amor a história da licenciatura, que eu... que eu ficava muitas vezes pensando, assim... meu
Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí depois da aula de hoje, eu vi... é isso
mesmo que eu quero seguir na minha vida!” (Arizona, E4); também com a perspectiva crítica
frente ao eurocentrismo, reivindicando o espaço dos conhecimentos produzidos por
afrodescendentes na escola “Que.... assim... a ciência que a gente vê é a ciência branca, a
gente não vê ciência negra. Eu acho que isso foi o que me marcou mesmo. [...] foi uma coisa
que a disciplina me trouxe” (Ariel, E2) e uma identificação com o diálogo intercultural
“Então, essa coisa de trazer a informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De
professor... e sentar pra discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei
interessante... e é isso que eu visualizo. É... de... de... de bom... de... de complemento pra eu
poder usar” (Luc, E1). Nesta última fala, o licenciando apresenta a dinâmica do diálogo como
uma possibilidade didática, embora não demonstre compromisso dessa ação em futuras
práticas docentes.
O estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como
esses são importantes para eles/as representa uma dinâmica condizente com as perspectivas
247
teóricas do PE e do MC, assim como a problematização referente à abordagem cientificista e
a discussão das relações de poder entre as culturas, questões que foram destacadas pelos/as
licenciandos/as como relevantes para serem consideradas nas aulas de Biologia. Todavia,
embora eles/as apresentem uma identificação positiva frente a essas características, não
percebemos expectativas deles/as quanto ao ensino em suas futuras práticas docentes em um
contexto de integração do PE e do MC. Argumentamos que esse discurso atenuado possa ser
reflexo da pouca experiência em contexto escolar, tendo em vista que a maioria dos/as
licenciandos/as não tem vivência como professor/a, salvo os estágios obrigatórios. Somado a
isso, temos um discurso expressivo na sociedade que insinua as dificuldades do trabalho
docente no que se refere ao desenvolvimento de práticas diferentes da aula expositiva,
significados compartilhados culturalmente que determinam a constituição de cada sujeito.
Outro fator que merece destaque é o contexto sociopolítico no período da entrevista,
no qual o Programa Escola sem Partido35 começa a ganhar visibilidade e as notícias de
perseguição aos/às professores/as que resistem a essa falta de liberdade democrática são
apresentadas como espécie de exemplo a não ser seguido. Considerando que as propostas de
práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC contrariam essa onda conservadora de
um contexto pré-eleitoral e que é expressa entre outros documentos, no referido programa,
podemos inferir que os/as licenciandos/as podem ter sentido receio em se comprometer com
ações mais críticas, embora se identifiquem com os discursos.
6.3.2 A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes
A epistemologia, como um ramo da filosofia, tem debatido desde a Antiguidade a
natureza fundamental do conhecimento e as maneiras de distingui-lo de meras crenças e
opiniões (VAN DIJK, 2016). Considerando o controle da dominação europeia, os
conhecimentos culturais apropriados pelo Ocidente foram tomados como verdadeiros e
designados como científicos, o que pode ser explicado com o fato de que aqueles que
possuem maior controle sobre discursos mais influentes são também aqueles, segundo essa
35 O “Programa Escola sem Partido” é um movimento político criado em 2004 no Brasil, que ganhou
notoriedade num contexto conservador pré-eleitoral. Entre outras questões, o movimento incorporou a
crítica à discussão de questões de gênero nas escolas e apresentou uma proposta de combater uma
“doutrinação ideológica”, sem, contudo, definir o que se entende por isso, apresentando apenas a
defesa de uma suposta “neutralidade”.
248
definição, mais dotados de poder (VAN DIJK, 2008). Em contrapartida, as demais formas de
conhecimento foram comumente estabelecidas como crenças ou opiniões.
O poder manifestado pela cultura dominante muitas vezes está integrado a leis, regras,
normas, hábitos ou mesmo a um consenso, assumindo a forma de “hegemonia” (VAN DIJK,
2008). A hegemonia da ciência ocidental moderna controla os discursos sociais, inclusive, no
âmbito escolar. Dessa forma, vivemos o reflexo do processo de homogeneização cultural, em
que a educação escolar exerceu uma função fundamental, com o papel de difundir e
consolidar uma cultura comum de base eurocêntrica (CANDAU, 2011). O eurocentrismo
designa uma perspectiva de conhecimento sistematicamente elaborada na Europa ocidental a
partir do início do século XVII, caracterizado como “ciência” (QUIJANO, 2009).
Tendo em vista essa abordagem, perguntamos aos/às participantes se eles/as pensam
em discutir, com seus/suas alunos/as do ensino médio, o conceito de “ciência”, para
problematizar o poder simbólico do termo e a influência eurocêntrica na sua construção.
Todos afirmaram que sim e apontaram algumas estratégias para esse debate. O gráfico abaixo
apresenta as macroproposições extraídas das entrevistas, bem como o total de ocorrências
(Figura 1).
Figura 1. Respostas sobre as estratégias para problematizar o poder simbólico do termo “ciência” e a
influência eurocêntrica no contexto do ensino de Biologia.
Destacamos alguns fragmentos das entrevistas que apresentaram distintos tipos de
macroproposições, na explicação de como abordar o poder simbólico do termo “ciência” e a
influência eurocêntrica no ensino de Biologia:
[...] O conceito de ciência, eu tentaria mostrar que a ciência, ele... primeiro, não se
restringe aquilo que a gente vê no livro, né? E que... ciência é todo processo que traz
249
conhecimento, né? Então, se existe uma descoberta que não... não tenha sido através da
metodologia acadêmica, mas que ela funciona, isso também é ciência. Então, é essa
abordagem que eu pretendo levar. [...] que existe além daquele... daquele... daquela
redoma, também existe ciência. Então, seria a forma que eu pretendo, né? Abordar
ciência. (Luc, E1)
[...] não sei como. Mas, as aulas da senhora me deram uma base bastante boa, só que eu
vou pensar ainda como eu vou fazer isso. (Ariel, E2)
[...] E trabalhando, eu acho que através de como a gente trabalhou, através de oficinas,
através de... é.... vamos supor, de disci... de conteúdos que saibam relacionar essa coisa da
ciência, como a gente viu, por exemplo, evolução e eugenia ou genética e eugenia... são
exemplos pra mostrar que a ciência, ela nem sempre é boazinha [...] ele [o estudante]
tenha essa desconstrução da ciência, e saiba que o conhecimento, qualquer forma de
conhecimento, ela é válida. Até o conhecimento que ele adquire na comunidade em que
ele vive. (Carol, E3)
Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante! Eu acho que se eu
pudesse dá tudo, eu dava tudo e ainda aprofundado. (risos) Aí tipo, a gente teve hoje... a
gente tava falando sobre a nossa dinâmica, que foi o... aquilo que a gente mostrou, né? Os
cientistas brancos e os negros... pra mostrar que tanto os brancos quanto os negros são
capazes de ser importantes na história da ciência! (Arizona, E4)
Penso, acho extremamente importante pra que ele desenvolva o pensamento crítico,
assim, que ele não só... que ele não aceite tudo... mas que ele aprenda a se questionar,
assim. E.... e ver que nós e ele, mesmo brasileiro, ele pode produzir ciência, não só
pessoas de fora... e não só aceitar essas questões… [...] nós podemos produzir ciência,
podemos produzir coisas novas. (Agnes, E5)
Luc (E1), ao afirmar que “a ciência, ele... primeiro, não se restringe aquilo que a
gente vê no livro, né?” pressupõe uma identificação com a ideia do multiculturalismo
relativista, que advoga pela ampliação do conceito de ciência, assumindo outras formas de
conhecimento, para além dos saberes acadêmicos presentes nos livros didáticos, como
ciência. Nesse sentido, Luc diz “Então, é essa abordagem que eu pretendo levar. [...] que
existe além daquele... daquele... daquela redoma, também existe ciência. Então, seria a forma
que eu pretendo, né? Abordar ciência” (E1). Ao utilizar o verbo “pretender”, Luc apresenta
um baixo nível de compromisso em abordar a existência de outras ciências, para além da
ciência ocidental moderna que é mostrada no livro. Da mesma forma, Ariel (E2), ao afirmar
que “eu vou pensar ainda como eu vou fazer isso” pressupõe uma perspectiva de discutir o
poder simbólico do termo ciência, numa futura prática docente, mas sem se comprometer com
essa discussão. Já Arizona (E4) assume um alto nível de compromisso com essa prática ao
afirmar “Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante!”, a licencianda
argumenta que discussões dessa natureza são importantes “[...] pra mostrar que tanto os
brancos quanto os negros são capazes de ser importantes na história da ciência!” (Arizona,
E4). Com a problematização do eurocentrismo, encontramos espaço para a orientação de que
250
cada conhecimento, tem seu alcance e validade, questionando, assim, abordagens
cientificistas.
Na representação discursiva dos/as licenciandos encontramos ainda outras
manifestações relacionadas aos sentidos do PE e do MC, quando Carol (E3) assume a
importância de problematizar “[...] exemplos pra mostrar que a ciência, ela nem sempre é
boazinha [...]”, ou seja, existem influências políticas, culturais e/ou de gênero entrelaçadas na
produção desse conhecimento, que direciona seus efeitos para interesses particulares, sem
pensar no bem comum; e quando Agnes (E5) expressa a importância da criticidade no
processo de construção do conhecimento “Penso, acho extremamente importante pra que ele
[o/a estudante] desenvolva o pensamento crítico”. Sobre esta colocação de Agnes,
percebemos o uso da expressão “pensamento crítico” de forma genérica, não ficando claro o
que a licencianda espera dessa formação que se diz crítica, nem o papel social do/a
professor/a nesse processo formativo. Todavia, podemos inferir que se trata de um perfil
questionador, que problematiza ações e percepções acomodadas à nossa sociedade, com
preocupação no bem comum.
No cerne das discussões sobre o conceito de ciência nas aulas da disciplina de ensino
de Genética, consideramos necessário suscitar um debate sobre a crise do conceito de gene, a
partir do qual problematizamos as questões referentes ao determinismo genético. Perguntamos
aos/às participantes se eles/as levariam essa discussão para o ensino médio em suas futuras
práticas docentes, sendo que a maioria (8; 66,7%) afirmou que sim, tanto para que os/as
estudantes entendam o conhecimento como processual e dinâmico (8; 66,7%), quanto para
construir uma perspectiva crítica frente aos conhecimentos que são disseminados na internet e
na mídia (2; 16,7%). Vejamos alguns excertos da representação desses discursos:
[...] com aluno do ensino médio, né? Que é quando eles vão ver. Terceiro ano, né? Pra
que eles vejam que a ciência não é uma coisa fixa. Que ela tá sempre mudando [...] E pra
que eles não engessem a ideia de que porque hoje é desse jeito, vai ser sempre daquela
forma [...] então, por conta disso, eu acho muito importante abordar o tema. (Luc, E1)
Acho que eu só discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de
genética [...] porque eu acho que tá surgindo muitas coisas lá na internet, falando muito
sobre esse tema, e como eles têm muito acesso, eles vão olhar e interpretar e olhar que
aquilo tá certo, aquilo tá errado, mas, que pelo menos se eles acham que tá certo ou
errado, que eles discutam comigo antes de qualquer coisa... tirar qualquer conclusão.
(Nami, E6)
Por outro lado, quatro participantes afirmaram que talvez discutiriam a crise do
conceito de gene na prática docente deles/as, com a justificativa de que é um assunto
complicado (2; 16,7%) e/ou que depende do contexto de trabalho (1; 8,3%).
251
Então, eu acho que... é interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada
estudante, sobre o que ele tem a respeito, e também é desafiador, porque não tem algo
assim, normalmente... a gente tende pra o que é certo e o que é errado, não ter uma coisa
definitiva faz a gente ficar: e aí? É o que? O que foi? É uma confusão! Então, eu acho que
também é essa ideia de desconstruir como a senhora também propôs na aula, o que é certo
e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é certo e o que é errado pra
um pode não ser o certo e o errado pra senhora. Eu acho que é isso. [...] (Carol, E3)
Não sei. (Risos). Depende do tempo. (Risos). Não sei se quando eu terminar aqui a....
quando terminar a UFS, como vou trabalhar... como... se eu vou ter tempo de abordar
todas as coisas... porque as vezes o professor não tem tempo de dar todos os assuntos ou
tem que seguir regras da escola [...] (Arizona, E4)
Utilizando o recurso da intertextualidade, em referência à fala da professora em uma
aula da disciplina, Carol (E3) argumenta que a discussão do conceito de gene contribui para
uma visão crítica de que um conceito pode ser considerado adequado ou não a depender do
contexto “Então, eu acho que também é essa ideia de desconstruir como a senhora também
propôs na aula, o que é certo e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é
certo e o que é errado pra um pode não ser o certo e o errado pra senhora. [...]”. Pitombo,
Almeida e El-Hani (2007) destacam que as discussões vigentes sobre o conceito de gene, bem
como o entendimento de sua função, têm implicações significativas para o ensino de Biologia,
tanto no ensino médio quanto no superior.
Nesse sentido, discutir os diferentes modelos construídos para explicar a estrutura e
dinâmica do gene pode cumprir com o papel fundamental de desenvolver uma compreensão
mais sofisticada da natureza do conhecimento (GOLDBACH; EL-HANI, 2008). Nami (E6),
tendo afirmado que levaria a discussão da crise do conceito de gene para o ensino médio em
suas futuras práticas docentes, assume um baixo nível de compromisso “Acho que eu só
discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de genética [...]”. Mais uma
vez, o uso do verbo modal “discutiria” leva a prática para o campo hipotético, diminuindo o
compromisso com a assertiva. A licencianda argumenta “[...] que tá surgindo muitas coisas
lá na internet [...] que eles discutam comigo antes de qualquer coisa, tirar qualquer
conclusão” (Nami, E6). É interessante perceber a preocupação de Nami quanto aos discursos
da mídia, que são influentes em posicionamentos sociais.
De fato, ideias sobre genes extrapolam o discurso científico, ganhando relevância
também em outros contextos, como a mídia e a opinião pública (PITOMBO; ALMEIDA; EL-
HANI, 2007). Os/as autores/as acrescentam ainda que é comum, no âmbito social, discursos
simplistas e deterministas da natureza dos genes e das relações genótipo-fenótipo, que
geralmente apresentam visões passivas e pouco críticas.
252
Assim, Goldbach e El-Hani (2008) ressaltam a necessidade de que estudantes
compreendam melhor a natureza do gene e da informação genética, a fim de subsidiar uma
apropriação crítica do discurso determinista genético que tem marcado as representações
sociais sobre genes. A problematização da crise do conceito de gene no curso de formação de
professores/as deve contribuir para a superação de um discurso determinista genético que tem
importantes implicações sócio-políticas.
Outras manifestações discursivas que indicam ausência de compromisso quanto a
discutir, com estudantes do ensino médio, a crise do conceito de gene são expressas por Luc
(E1), Carol (E3) e Arizona (E4). Os dois primeiros dizem ser “[...] muito importante abordar
o tema” (E1) e “[...] interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada estudante,
sobre o que ele tem a respeito, e também é desafiador [...]” (E3); enquanto Arizona (E4)
afirma que não sabe “[...] como vou trabalhar... [...]”. Mais uma vez percebemos uma
identificação positiva quanto à abordagem desenvolvida na disciplina, mas que não reflete no
compromisso com práticas da mesma natureza. Ressaltamos aqui a complexidade do tema em
questão e o fato de que a disciplina não foi suficiente para promover um entendimento robusto
da crise do conceito de gene, sendo necessário, pois, que os/as futuros/as professores/as
tenham outras oportunidades para discutir o tema e busquem, por iniciativa própria, se
atualizar e construir esse debate.
O ensino de Genética por meio do PE e do MC poderia abordar o conceito de gene
associado ao estudo do desenvolvimento dos organismos. Por meio da dialogicidade da
discussão de gene e desenvolvimento, conteúdos importantes para combater o racismo –
como, por exemplo, o que é a inteligência – teriam maior sustentação teórica. Enfim,
compreender a importância de questionar o determinismo genético, bem como discutir as
controvérsias do processo de construção do conhecimento, apresentando-o como dinâmico e
influenciado por questões políticas, culturais e/ou de gênero, refletem os sentidos do diálogo
entre o PE e o MC. Mas, para além dessa compreensão, é importante que os/as professores/as
de Biologia em formação inicial pensem em como colocar em prática essa abordagem.
Nesse sentido, tivemos a mobilização de seis macroproposições no discurso: não me
sinto preparado/a para responder (2; 16,7%); problematizando os conceitos possíveis (2;
16,7%); através da história da ciência (2; 16,7%); atividade prática como na disciplina (1;
8,3%); seguindo as orientações do livro didático (1; 8,3%) e problematizando notícias
publicadas na mídia (1; 8,3%). Em todos os casos, os/as licenciandos/as expressam
insegurança quanto a essa abordagem e, consequentemente, um baixo nível de compromisso
253
com práticas dessa natureza, como “Aí ia falar sobre genes, alelos, então, quando chegasse
nesse assunto eu já discutiria, mas, a gente sabe que até uns anos atrás, gene era apenas isso
aqui” (Agnes, E5) e “Não sei… buscar justamente essas reportagens e entrevistas que tavam
saindo, essas manchetes de jornais, que tavam saindo com essas informações que a gente
sabe que é errada [...] (Nami, E6).
Ainda imersos nas discussões sobre gene e determinismo genético, versamos mais
especificamente sobre a histórica de Rosalind Franklin (1920-1958), física especialista em
cristalografia de raios X que desenvolveu trabalhos empíricos fundamentais para a construção
do modelo de dupla hélice do DNA, por James Dewey Watson (1928) e Francis Crick (1916-
2004), os quais receberam todos os créditos (SILVA, 2010). Tendo em vista essa abordagem
na disciplina, perguntamos se os/as participantes pretendiam apresentar a história de Rosalind
Franklin em práticas pedagógicas futuras, 10 deles/as (83,3%) responderam afirmativamente,
enquanto Carol disse que talvez e Maria disse que não, justificando que “[...] foi um fato
assim, é tão... tão esquecido esse, né? Essa questão é tão esquecida, que não... não me veria
não... abordando essa questão da... [...]” (Maria, E9).
Argumentamos que se faz urgente oportunizar aos/às licenciandos/as debates sobre a
produção de conhecimentos desenvolvidos por mulheres, ao longo da história, bem como
reflexões frente às desigualdades e discriminações de gênero, que reforçam e legitimam uma
ciência masculina. A invisibilidade da história de Rosalind Franklin é um forte motivo para
discutirmos sua contribuição, ao invés de representar um impeditivo. Todavia, com a ausência
das discussões sobre a produção de ciência por mulheres na construção da nossa sociedade,
que reflete no processo de formação e em materiais didáticos, a justificativa de Maria é ao
mesmo tempo compreensível e preocupante.
Os/as demais licenciandos/as, que responderam afirmativamente, desenvolveram a
ideia de como poderiam discutir a história de Rosalind Franklin no ensino de Biologia. O
gráfico abaixo representa as macroproposições das representações desses discursos (Figura 2).
254
Figura 2. Estratégias de como discutir a história de Rosalind Franklin, no ensino de Biologia,
mobilizadas pelos/as participantes.
Abordar a história de Rosalind Franklin como exemplo de mulher na ciência foi a
estratégia mais ocorrente entre os/as professores/as de Biologia em formação inicial (8;
66,7%), entre outras apresentadas no gráfico acima. Vejamos fragmentos dos discursos que
significaram essas macroproposições:
[...] pra quebrar mais um tabu, né? Abordaria... de que só homem faz ciência, de...
estimular, né? [...] E que é.... é... possível que a mulher se destaque no mundo da ciência,
né? Muito embora por conta da nossa cultura seja difícil, mas, que é possível, sim. [...]
Bom, abordaria as dificuldades, né? Encontradas, é.... abordaria... o principal seria isso,
né? A persistência, que foi... as desilusões, né? Que ela... que ela enfrentou por conta da...
é... da situação incomum dela, na época, né? Uma mulher cientista... e.... é.... o principal
de tudo... os resultados, né? que ela obteve apesar de tudo. (Luc, E1)
Sim, sim! Claro! Quero falar sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são
importantes, e eu quero falar o que eu aprendi aqui, e.. Ela... ela tem uma parte importante
pra... pra... pra dupla hélice de DNA, eu acho importante falar sim, a parte que ela teve,
né? [...] como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente, só que ele
num.... ele tinha as apostilas dele... ele dava as apostilas dele e dava o livro pra gente
consultar... e, tipo... claro que eu antes de dar aula eu vou analisar o livro e ver se tá
coerente com o que eu quero passar para os alunos. (Arizona, E4)
Com certeza! Porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma
interpretação que a gente poderia não ter tido se a gente não tivesse a contribuição dela.
Porque quer dizer, eles só construíram o modelo de dupla hélice, a partir de alguma coisa
que ela havia feito antes, quer dizer, já pegaram o barco andando. E a contribuição dela?
Onde fica? Porque a gente pode discutir, sim, como foi que eles chegaram a descobrir, aí
vai dizer... não, teve uma contribuição de uma pessoa chamada Rosalind Franklin, então,
aí sim a gente pode discutir sobre a contribuição dela, que foi grande para a descoberta!
(Everton, E8)
255
[...] assim, no.... é.... seria de forma conceitual, eu acho que tem que ser padronizado,
antes de qualquer assunto tem que ter uma história. Então, eu acho que antes de iniciar os
conceitos básicos, deveria falar quem inventou o DNA, quem descobriu, no caso, né?
Quais foram as problemáticas pra chegar àquilo? [...] já seria uma forma de levantar essa
questão pros alunos. Por que ela foi apagada? Por que é mulher? Então, já é uma coisa pra
se discutir, né? (Renata, E12)
Com alto nível de compromisso, Everton (E8) declara abordar em futuras práticas
docentes a história de Rosalind Franklin no contexto do ensino de Biologia, sugerindo que
“[...] a gente pode discutir, sim, como foi que eles chegaram a descobrir, aí vai dizer... não,
teve uma contribuição de uma pessoa chamada Rosalind Franklin [...]”. Destacamos que,
embora a preocupação do licenciando seja válida, existe ainda na representação do discurso
proferido por ele uma ideia de que Rosalind Franklin contribuiu para uma descoberta que não
foi dela, mas de Watson e Crick, quando na verdade segundo historiadores/as de Franklin,
como Anne Sayre (1975) e Brenda Maddox (2002), os dados empíricos fundamentais para a
construção do modelo da dupla hélice do DNA foram obtidos por Franklin. Assim, ela deveria
auferir um reconhecimento maior do que lhe é dispensado. Silva (2010, p. 82) apresenta que
[...] em Maddox e Sayre, há uma segunda Franklin: a cientista que quase
alcançou a dupla hélice. Ela poderia ter chegado lá, se Watson e Crick não
tivessem tido acesso aos seus dados. Ela poderia ter proposto a dupla hélice,
se o meio científico do King’s College não fosse tão hostil à sua presença. Se
ela tivesse recebido a ajuda que Watson e Crick obtiveram, talvez ela tivesse
proposto a estrutura que consagrou estes últimos.
O preconceito e a discriminação das mulheres nas ciências são inegáveis. Somado a
essas questões de gênero, consideramos a diferença das opções metodológicas e axiológicas
de Franklin e Watson e Crick nas nossas discussões. Assumindo que a história de Rosalind
Franklin não aparece nos livros didáticos, Arizona (E4) afirma “Sim, sim! Claro! Quero falar
sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são importantes, e eu quero falar o
que eu aprendi aqui [...] como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente,
só que ele num.... ele tinha as apostilas dele... [...]”. Arizona assume alto nível de
compromisso, inicialmente, que logo é amenizado com a proposição “Quero falar”.
Pressupomos que a licencianda conheceu a história de Franklin na disciplina, ao afirmar “eu
quero falar o que eu aprendi aqui” e que apreende a inexistência dessa discussão nos livros
didáticos, ao afirmar que pretende agir como um professor que ela teve, que além do livro, se
apoiava em apostilas de autoria própria. Podemos afirmar que a maioria dos livros didáticos
atuais trazem referência ao trabalho de Watson e Crick, bem como a Rosalind e Wilkins.
Todavia, a maneira como Rosalind é apresentada nesses livros não permite que a relevância
dos seus estudos para a proposição da estrutura da molécula de DNA seja devidamente
256
considerada. A imagem do/a professor/a como modelo também é interessante de ser percebida
no discurso de Arizona.
Com baixo nível de compromisso, Luc (E1) utiliza o verbo modal “abordaria” para
indicar uma possibilidade na sua futura atuação docente “[...] Bom, abordaria as
dificuldades, né? Encontradas, é.... [...] uma mulher cientista... e.... é.... o principal de tudo...
os resultados, né? que ela obteve apesar de tudo”. Destacamos, na representação discursiva
de Luc, a preocupação em problematizar as questões de gênero que extrapolam o caso de
Rosalind Franklin, que é apresentada como exemplo de superação. Também com a intenção
de apresentar a história de Franklin como um caso de discriminação de gênero, Renata (E12)
afirma, sem compromisso com a prática, que “[...] eu acho que antes de iniciar os conceitos
básicos, deveria falar quem inventou o DNA, quem descobriu, no caso, né? [...] por que ela
foi apagada? Por que é mulher? Então, já é uma coisa pra se discutir, né?”. Ao se colocar
numa situação hipotética, “deveria falar”, sem utilizar uma expressão de possibilidade em
nível pessoal, Renata se exime do compromisso de promover essa discussão em práticas
futuras.
A história de Rosalind Franklin foi introduzida na disciplina por representar um caso
significativo para os estudos em Genética, além de possibilitar o debate de questões políticas,
culturais e de gênero no contexto desse ensino, tal como preconizamos na perspectiva do PE e
do MC, a fim de apresentar como o que se denomina ciência é historicamente masculino e
problematizar o reflexo dessa cultura na sociedade. Ao ter em conta que as nossas referências
de ciência ocidental moderna são, em sua maior parte, desenvolvidas por homens, buscamos a
desnaturalização dessa realidade e problematizamos a luta pela igualdade de gênero. Além
disso, as estudantes passam a se ver representadas e podem se inspirar a percorrer diferentes
possibilidades de atuação na vida pessoal e profissional. Nesse ínterim, perguntamos aos/às
participantes se eles/as conheciam outras histórias que permitiriam vincular também questões
políticas, culturais e de gênero, além da história de Rosalind Franklin. Três participantes
disseram que não (Luc, E1; Everton, E8 e Jhoserd, E8) e nove disseram que sim.
Dos/as participantes que afirmaram conhecer outros exemplos de mulheres na ciência,
cinco (41,7%) citaram explicitamente o nome de Marie Curie (Ariel, E2; Arizona, E4; Agnes,
E5; Eduardo, E7 e Carol, E3), sendo que Carol, além desta, citou as autoras Ana Ivenick e
Vera Maria Candau também como exemplos de mulheres cientistas. Maria (E9) citou a
cientista Tomoko Ohta, sobre a qual ela estava realizando um trabalho, no período da
disciplina, como atividade obrigatória da disciplina de Evolução; Anna (E10) não especificou
257
nome, se referindo à cientista “do plutônio”, a qual entendemos ser Marie Curie; Renata
(E12), se referiu às cientistas “da NASA”, sendo que interpretamos que elas se referiam às
três cientistas (Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson) cujas histórias são
contadas no filme “Estrelas Além do Tempo”; e Nami (E6) citou as realizações de mulheres
cientistas, também sem nomear: “a primeira astronauta negra; a mulher que catalogou mais
de 50 mil estrelas; a que descobriu a fissão nuclear; a que construiu o primeiro computador;
a da transposição genética; a que descobriu a cura pra catarata com laser”. Na ordem,
podemos dizer que se referem a Mae Jemison; Cecilia Payne; Lise Meitner; Ada Lovelace;
Barbara McClintock; e a última, não identificamos.
O resultado do conhecimento dos/as licenciandos/as foi válido, mas poderá ser mais
significativo se, no processo de formação, promovermos maior visibilidade do trabalho
feminino nas ciências, inclusive para incentivar a participação de mulheres cientistas. Não se
trata de uma tarefa fácil, pois estamos falando da desconstrução de preconceitos milenares
(CHASSOT, 2003). Embora tenham ocorrido avanços, ainda há barreiras a vencer. Carvalho,
Coeli e Lima (2018, p. 1) destacam que
No Brasil, cerca de metade das publicações do quadriênio 2011-2015 foram
de autoria de mulheres, um aumento expressivo comparado aos 38% do
período 1996-2000. Entretanto, entre os pesquisadores que recebem bolsas
de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) cujo objetivo é valorizar a produção científica, as
mulheres estão mais presentes nos níveis mais baixos (VALENTOVA et al.,
2017). Em parte essa diferença pode ser explicada como resultante de um
efeito coorte36, mas também pode ser a reprodução de um padrão observado
nas organizações em geral (CARVALHO; COELI; LIMA, 2018, p. 1).
No ensino, a expectativa da promoção da igualdade de gênero pode ser incentivada por
meio dos discursos. Afinal, a depender das mediações discursivas que cada um vivenciará, o
sujeito é capaz de produzir sentidos diferentes dos significados hegemônicos construídos
social e historicamente (SCHUCMAN, 2014). Assim, os espaços de debate no processo de
formação de professores/as devem contribuir para a constituição da consciência individual
que questiona as relações de poder sustentadas na desigualdade e discriminação de gênero.
36 O termo efeito de coorte é utilizado para descrever variações nas características em dados de um
estudo - sobre o tempo, entre indivíduos que possuem em comum certas experiências de vida.
258
6.3.3 O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes
Neste bloco de análise, discutimos a importância da educação considerar a diversidade
de culturas, apresentando diferentes posições e manifestaçoes de crenças e conhecimentos.
Segundo Hodson (1993), discutir nas salas de aula os conhecimentos construídos por culturas
diferentes da hegemônica contribui para que os/as estudantes possam compreender o
desenvolvimento histórico de importantes princípios e teorias denominadas científicas;
reconhecer que houve/há contribuições de ciências produzidas por não-europeus; e, apreciar
que as explicações passadas, da ciência ocidental moderna, podem já não ser aceitas. A fim de
entender se os/as participantes compreendem ou não a importância de considerar diferentes
discursos sobre o mundo, valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas,
apresentamos a seguinte situação hipotética:
Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica,
insiste em afirmar, no seu contexto cotidiano, que “as características estão no
sangue” é importante para você que este aluno anule essa crença e passe a
propagar apenas o conhecimento científico em todos os contextos? Por quê?
E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento, como práticas
racistas ou sexistas, por exemplo, devemos questionar e buscar superar essas
práticas?
Na primeira pergunta, se, para os/as participantes, é importante que os/as estudantes
mobilizem apenas o conhecimento denominado científico, em todos os contextos, a maioria
(9; 75%) respondeu que não, justificando que diferentes conhecimentos podem ser
mobilizados em diferentes contextos (Luc, E1; Ariel, E2, Carol, E3; Arizona, E4; Renata,
E12) ou que a crença é algo muito pessoal e deve ser preservada independente dos
conhecimentos acadêmicos (Agnes, E5; Everton, E8; Maria, E9; Anna, E10). Exemplos de
fragmentos, dos quais extraímos essas macroproposições, podem ser observados nas
entrevistas que mobilizaram essas justificativas pela primeira vez, vejamos:
Ele vai conversar, por exemplo, com.... com um avô que não tem estudo, mas, que muitas
vezes ele quer comentar alguma coisa, né? Falar alguma coisa sobre herança, né? E que
ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de genética praquela pessoa, mas de
repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do sangue! é do sangue...
eu acho que não tem problema ele ter essa noção desde que ele entenda como é que
acontece as coisas (Luc, E1).
Professora, é.... com relação a isso, eu vou tentar fazer com que ele entenda que o
processo é genético. [...] porque eu passei a teoria mais aceita, assim, o que é a minha
obrigação fazer, de fato, ele aprender que é o que a ciência fala sobre o assunto, agora,
fazer com que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele, porque
isso já é uma crença pessoal, não... não é interessante pra mim (Agnes, E5).
Nas perspectivas do PE e do MC, argumentamos que para entender conteúdos
acadêmicos não é necessário acreditar nas suas explicações, desse modo, conhecimentos e
259
crenças podem ser equilibrados nos modelos mentais dos/as estudantes. A favor dessa
abordagem, Luc (E1) argumenta “[...] eu acho que não tem problema ele ter essa noção
desde que ele entenda como é que acontece as coisas”, a justificativa para esse argumento é
facilitar a comunicação com outras pessoas, que não tenham acesso à ciência ocidental
moderna “[...] ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de genética praquela pessoa,
mas de repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do sangue! é do
sangue... [...]” (Luc, E1). Valorizar os conhecimentos dos/as estudantes exige considerar e
legitimar as diferentes formas de explicar os fenômenos naturais. Entendemos que Luc pode
se identificar com essa preocupação, todavia, ao afirmar “desde que ele entenda como é que
acontece as coisas”, pressupomos que ele se restringe à explicação acadêmica como única
forma adequada de entender a transmissão de características. Os indícios de contradição que
percebemos na fala de Luc podem ser justificados em razão da pressão discursiva que a
ciência ocidental moderna exerce sobre o conjunto da sociedade (RESENDE; ACOSTA,
2018).
Nessa mesma direção, com baixo nível de compromisso, Agnes (E5) declara “[...] eu
vou tentar fazer com que ele entenda que o processo é genético [...]” mas, “[...] fazer com
que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele [...]”. Embora Agnes
não demonstre a pretensão de anular as crenças dos/as estudantes para fazê-los/as propagar
apenas o conhecimento científico ocidental em todos os contextos, percebemos a ideia de
superioridade deste na proposição “que ele entenda que o processo é genético”, na qual
assume como única verdade a explicação da ciência ocidental moderna. O questionamento da
superioridade deste conhecimento é necessário para promover a valorização de outras
explicações, que são igualmente válidas.
Os/as participantes que afirmaram ser importante que os/as estudantes mobilizem
apenas o conhecimento científico ocidental, sempre (Eduardo, E7 e Jhoserd, E11) e às vezes
(Nami, E6), justificaram que seria o ideal. Como exemplo de fragmento da entrevista,
destacamos a fala de Nami (E6):
Não sei, eu acho que depende muito do jeito... depende muito do aluno, depende muito do
momento, de como lidar com isso, não sei o que eu faria na hora, mas eu acho que eu
explicaria pra ele que não, não tá no sangue, explicar pra ele o que de fato é [...] Mas,
tentaria sim, desconstruir um pouquinho, pra ele não sair por aí falando desse jeito [...] o
que tá em casa vai a praça, não é? Então, ele pode sair falando isso, pode ser que os
colegas dele não saibam e continuem passando essa informação, que é.... não tá
totalmente errado, mas, não é.... dentro do contexto escolar não cabe. Então, ele ficar
repetindo essas coisas assim, eu acho que vai acabar convencendo aos outros colegas e
continuar com essa ideia errada (Nami, E6).
260
Com baixo nível de compromisso, Nami (E6) afirma “[...] não sei o que eu faria na
hora, mas eu acho que eu explicaria pra ele que não, não tá no sangue, explicar pra ele o que
de fato é [...]”, utilizando a modalidade doxástica “eu acho”. A licencianda se coloca numa
situação hipotética “explicaria” para expressar sua opinião de que o que ela entende por
“correto” é a explicação da ciência ocidental moderna sobre herança e hereditariedade. E, por
isso, tem como objetivo no ensino de Biologia “[...] desconstruir um pouquinho, pra ele não
sair por aí falando desse jeito [...] e continuar com essa ideia errada” (Nami, E6).
Considerar os saberes culturais dos/as estudantes como uma “ideia errada” vai de encontro
com os sentidos do PE e do MC, nos quais cada conhecimento tem seu alcance e validade.
Sabemos que uma disciplina pode não ser suficiente para promover uma reflexão crítica frente
à superioridade da ciência ocidental moderna, mas esses momentos de discussão são
importantes para suscitar reflexões frente aos objetivos do ensino de Biologia, bem como do
papel social do/a professor/a.
No que se refere a crenças ou práticas culturais que geram sofrimento, como práticas
racistas ou sexistas, por exemplo, a maioria (9; 75%) manifestou o dever de questionar e
buscar superar essas práticas, enquanto os demais (3; 25%) falaram da função do/a professor/a
como agente sensibilizador/a. Na justificativa a esse enunciado, identificamos a mobilização
de três macroproposições distintas, que dizem respeito a um trabalho pedagógico direcionado
a questionar crenças ou práticas culturais que geram sofrimento para: evitar o sofrimento
(Ariel, E2; Arizona, E4; Agnes, E5; Nami, E6; Eduardo, E7; Maria, E9 e Jhoserd, E11);
formar pessoas melhores (Luc, E1 e Anna, E10) e, sensibilizar os/as estudantes (Carol, E3;
Everton, E8 e Renata, E12). Vejamos fragmentos que exemplificam essas expressões
discursivas:
Não, aí nesse caso, não. Aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né?
Ou sexista, aí eu precisaria desconstruir, né? Por que é um pensamento que pra mim não
cabe mais, né? na sociedade. Mas, cabe porque existe, né? Mas pra que a pessoa evolua
como pessoa, né? é.. Eu acho que esse pensamento ele deve ser desconstruído, né? Eu não
enxergo esse pensamento como saudável, né? [...] (Luc, E1)
Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque ele taria fazendo outra
pessoa sofrer [...] (Ariel, E2)
Aí já é outro contexto. Porque... Assim, a gente pretende sensibilizar, porque pra
modificar, eu acho bem... assim, não é impossível, mas, eu acredito que sensibilizar,
assim como a gente sensibiliza em outras coisas, a desconstruir o racismo, e tal... eu acho
que é importante sensibilizar ele a desconstruir essa ideia [...] eu acredito que não precisa
necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode sim desconstruir, através de
conversas, de debates, ele pode ser.... (Carol, E3)
261
Os/as licenciandos/as apresentam concordância com os sentidos do PE e do MC ao se
preocuparem com o questionamento e a superação de práticas racistas ou sexistas, por
exemplo, no âmbito escolar. Utilizando a modalidade doxástica como recurso discursivo,
eles/as se identificam com as perspectivas teóricas ao afirmarem “[...] eu acho que esse
pensamento ele deve ser desconstruído, né? [...]” (Luc, E1); “[...] eu acredito que
sensibilizar, assim como a gente sensibiliza em outras coisas, a desconstruir o racismo, e
tal... [...]” (Carol, E3) e “Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque
ele taria fazendo outra pessoa sofrer [...]” (Ariel, E2). Mais uma vez percebemos que a
identificação com determinado discurso não implica necessariamente a preocupação em levar
o debate para futuras práticas docentes, por exemplo, Carol (E3) fala da importância de
promover debates para desconstruir crenças e práticas culturais que gerem sofrimento, mas
não assume o compromisso de pôr em prática sua sugestão “[...] eu acredito que não precisa
necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode sim desconstruir, através de
conversas, de debates, ele pode ser....”. O fato de Carol não sugerir, na sua representação
discursiva, uma atuação prática nessa direção, aponta a ausência de compromisso com a
integração dessa característica do PE e do MC em futuras práticas docentes.
Por outro lado, Luc (E1) apresenta algum compromisso, ainda que baixo, na
desconstrução de práticas racistas ou sexistas, por exemplo, na sua atuação docente futura
“[...] aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né? Ou sexista, aí eu
precisaria desconstruir, né? [...]”. Mesmo utilizando um verbo modal “precisaria”, ele
assume como papel social do/a professor/a a responsabilidade com a formação para a
cidadania, que inclui a educação para as relações étnico-raciais e para a igualdade de gênero.
A fim de entender se os/as participantes compreendem ou não o fato de que cada
conhecimento tem seu alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado,
perguntamos se eles/as consideram todas as formas de conhecimento válidas, e todos
responderam que sim. Ainda na direção dessa pergunta, quando questionamos se eles/as
consideram importante que conhecimentos de grupos culturais minoritários sejam acionados
na sala de aula, a maioria (8; 66,7%) respondeu que sim; dois (16,7%) responderam que é
complicado; um (8,3%) disse que apenas alguns conhecimentos e outro (8,3%) não
respondeu. Como maior dificuldade de mobilizar, na prática, conhecimentos de grupos
culturais minoritários, destacamos o pouco acesso a tais informações, dado o processo de
epistemicídio, ou seja, a destruição de formas de conhecimento e culturas pela ciência
ocidental moderna. Para superar esse desafio, apresentamos como proposta a promoção do
262
diálogo com os/as estudantes e a orientação à pesquisa, reconhecimento e valorização de
todas as matrizes culturais, tal como orientam as perspectivas do PE e do MC.
Argumentamos que a utilização de exemplos e conhecimentos de grupos étnicos e
culturais, no contexto do ensino de Biologia, contribui também para problematizar a
superioridade epistêmica da cultura ocidental moderna. Mesmo reconhecendo a dificuldade de
acesso a esses saberes, perguntamos aos/às participantes como eles/as poderiam exemplificar
a mobilização de conhecimentos de grupos culturais minoritários na sala de aula e
organizamos essas respostas no gráfico abaixo (Figura 3):
Figura 3. Respostas dos/as participantes quanto à possibilidade de abordar conhecimentos de grupos
culturais minoritários na sala de aula.
Os fragmentos dos textos que nos guiaram para a organização dessas
macroproposições são apresentados abaixo:
Um dos exemplos que eu usaria seria justamente esse, né? [...] aquele conhecimento...
tradicional, né? E eu poderia apontar isso pra eles... olhe, o que sua avó faz em casa,
quando você vai curar uma ferida, quando você vai dá um chá... esse conhecimento ele
veio, de muito tempo atrás e foi testado, e foi repassado, né? Porque deu certo, e continua
sendo aplicado hoje. Então, com certeza eu levaria. [...] às vezes a ciência da uma sacada
assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí estuda uma coisa, uma planta que um índio ou
alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo mesmo! E se apropria da coisa! (Luc, E1)
Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada na cabeça, professora. (Ariel, E2)
[...] grupo dos quilombolas, que a partir do que esses quilombolas faziam nessa reserva,
vamos supor, eles tocavam fogo, em uma área, pra que quando o fogo... quando
acontecesse queimada, essa, é.... não tivesse o que queimar! O fogo já não tinha mais o
que queimar. E isso os biólogos, a partir disso, aproveitaram e utilizaram, então, foi uma
coisa, um conhecimento que ninguém tinha, e foi utilizado, justamente pra salvar espécies
de plantas e animais. Então, eu acredito que sim, deve ser usado! (Carol, E3)
Eu poderia citar a história, assim, ao falar sobre... antigamente, as pessoas achavam que,
por exemplo na genética, as características eram transmitidas apenas do pai, o esperma...
como naquelas crenças antigas, de que o esperma já vinha com o corpo formado, e tal...
[...] De que outras formas eu explicaria isso, é.... que dentro da sala, eu acho que o
assunto sempre dá margem pra você conversar outra coisa, então, porque que eu acho
válido? Porque um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os índios são
263
politeístas, os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... [...] é, mais como
curiosidade, não como o conhecimento mais importante pra ser passado... (Agnes, E5)
É tanto que... pronto! Quando eu vou começar sempre uma... um assunto novo! Falar
sobre plantas, eu coloco, pergunto pra eles... [...] eles ficam dizendo que planta tem leite.
O que é o leite? Então, eu boto lá: planta tem leite! E vou tentando buscar essas coisas
que eles ficam falando todos os dias errado. E vou colocando lá e depois desmistifico
aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta não tem leite, por exemplo, e aí vou
explicando com base científica. Mas, eu gosto de saber o que é que eles tão pensando, que
é que eles já sabem sobre o assunto porque dá pra gente medir o que a gente vai falar
depois [...] (Nami, E6)
A análise do nível de compromisso na integração dos sentidos do PE e do MC em
futuras práticas docentes aponta uma locução adverbial de afirmação “com certeza”, o que
evidencia um alto nível de compromisso do autor com suas proposições “Então, com certeza
eu levaria. [...] às vezes a ciência da uma sacada assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí
estuda uma coisa, uma planta que um índio ou alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo
mesmo! E se apropria da coisa!” (Luc, E1). Destacamos ainda, na fala de Luc, uma
percepção crítica frente à apropriação de conhecimentos de culturas minoritárias pela cultura
hegemônica, demonstrando ideologicamente uma perspectiva favorável aos sentidos do PE e
do MC, na qual critica o fato de que grande parte do conhecimento científico ocidental foi
construído pela apropriação de saberes que precisam reivindicar seu lugar nos espaços de
poder.
Na fala de Nami (E6) há o indicativo de um valor cientificista, referente à valorização
única da ciência ocidental moderna como explicação “correta”. A licencianda apresenta um
exemplo de abordagem didática como estratégia para concretizar sua representação discursiva
“[...]eu coloco, pergunto pra eles... [...] eles ficam dizendo que planta tem leite. [...] e vou
colocando lá e depois desmistifico aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta não tem
leite, por exemplo, e aí vou explicando com base científica [...]”. Entendemos, pelas
perspectivas do PE e do MC, que não seria errado o/a estudante afirmar que “planta tem
leite”, considerando que este é um conhecimento importante e útil para ele/a em determinado
grupo social. Assim, caberia ao/à professor/a de Biologia articular os saberes dos/as
estudantes com outros saberes, considerando como diferentes explicações adequadas dos
fenômenos naturais.
Também numa perspectiva cientificista, Agnes (E5) afirma “Eu poderia citar a
história [...] um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os índios são politeístas,
os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... [...] é, mais como curiosidade, não
como o conhecimento mais importante pra ser passado...”. Ao se colocar numa situação
264
hipotética, “Eu poderia”, Agnes assume um baixo nível de compromisso com a discussão dos
conhecimentos dos/as estudantes e com a consideração de suas culturas no contexto das aulas
de Biologia, e, ao afirmar que o objetivo dessa prática é estimular a curiosidade dos/as
estudantes “não como o conhecimento mais importante pra ser passado...”, percebemos uma
hierarquização entre os conhecimentos, na qual a ciência ocidental moderna aparece como
superior. Essa ideia de superioridade da ciência ocidental implica no cientificismo que
tentamos desconstruir nas discussões da disciplina. Todavia, sabemos que modelos mentais
representativos para os/as licenciandos não serão alterados com discursos pontuais, embora as
oportunidades de debate possam representar o início de uma mudança que é processual.
Como exemplo de abordagem de conhecimentos de grupos culturais minoritários na
sala de aula, Carol (E3) cita a técnica dos quilombolas contra queimadas “[...] e isso [técnica
dos quilombolas contra queimadas] os biólogos, a partir disso, aproveitaram e utilizaram,
então, foi uma coisa, um conhecimento que ninguém tinha [...] então, eu acredito que sim,
deve ser usado!”. Ela afirma que “deve ser usado”, ou seja, o/a professor/a deve abordar
diferentes saberes para além dos saberes ocidentais, mas nessa representação discursiva ela
não se coloca, necessariamente, como membra do grupo de professores/as que “deve” fazer
determinada prática, refletindo na ausência de compromisso dessa abordagem em práticas
futuras. Da mesma forma, Ariel (E2) fala “Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada
na cabeça, professora”, sem compromisso com práticas dessa natureza, parecendo não
vislumbrar possibilidades de abordagens dialógicas na atuação docente, naquele momento da
entrevista. Podemos pressupor, a partir desses discursos, a carência no processo de formação
desses/as futuros/as professores/as no que se refere às questões culturais. Daí a importância
dos momentos promovidos pela disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências
e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”.
O estímulo do debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes é uma
importante estratégia para promover o diálogo intercultural. Sobre isso, a maioria dos/as
participantes (10; 83,3%) afirmou que pretende, sim, abrir espaço nas aulas de Biologia para
discutir os conhecimentos e considerar as culturas dos/as estudantes, e dois participantes
(Eduardo, E7 e Everton, E8) utilizaram a modalidade “talvez” para expressar baixo
compromisso com essa ação em futuras práticas docentes. Acerca do objetivo de
desenvolvimento de uma prática preocupada com os conhecimentos dos/as estudantes, bem
como suas culturas, os/as participantes mobilizaram cinco diferentes macroproposições,
apresentadas no gráfico abaixo (Figura 4).
265
Figura 4. Objetivos dos/as participantes em discutir os conhecimentos e culturas dos/as estudantes.
Ressaltamos a preocupação dos/as professores/as de Biologia em formação inicial
quanto à aprendizagem dos conhecimentos ocidentais, uma perspectiva que é mobilizada em
diferentes momentos nas entrevistas. Sabemos que, enquanto professores/as de Biologia, não
podemos perder de vista o objetivo formativo de ensinar os conteúdos acadêmicos
organizados pela ciência ocidental moderna, mas se queremos contribuir para a formação
cidadã, é preciso abrir espaço para discursos mais plurais, questionadores e críticos.
No que se refere ao diálogo intercultural, percebemos que os/as licenciandos/as se
identificam pouco com as perspectivas do PE e do MC, apresentando baixo compromisso com
discussões nesse sentido em futuras práticas docentes. Isso pode ser explicado pela possível
formação cientificista durante o período escolar e na graduação, pela superioridade dada a
ciência ocidental moderna em diferentes representações discursivas e, também, pela escassa
difusão dos conhecimentos denominados “Outros”, que tem como principal causa a
dificuldade de acesso a esses conhecimentos, que têm sido apagados ao longo da nossa
história. A partir de momentos como os que foram promovidos junto aos/às licenciandos/as na
disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre
racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, esperamos contribuir para uma
formação comprometida com o diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes.
266
6.3.4 A abordagem das implicações e intenções políticas em suas futuras práticas
docentes
A escola precisa considerar as diferenças culturais, sociais e étnicas no processo de
formação dos/as estudantes. De acordo com Moreira e Candau (2003), aceitando a perspectiva
de que toda prática social tem uma dimensão cultural, não há como negar a estreita relação
entre as práticas escolares e a/s cultura/s. “Não se pode conceber uma experiência pedagógica
‘desculturizada’, em que a referência cultural não esteja presente” (MOREIRA; CANDAU,
2003, p. 159). As diferenças são constitutivas, intrínsecas às práticas educativas e atualmente
é cada vez mais urgente problematizá-las na dinâmica de nossas escolas.
Tais diferenças culturais - étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas,
entre outras – se manifestam em todas as suas cores, sons, ritos, saberes,
sabores, crenças e outros modos de expressão. As questões colocadas são
múltiplas, visibilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que
denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando
igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural
(CANDAU, 2011, p. 241).
Considerando a importância do/a professor/a promover debates sobre as relações de
poder entre as culturas, questionando a posição subalternizada de grupos minoritários do
ponto de vista do poder, tal como os/as afrodescendentes, por exemplo, perguntamos aos/às
participantes se depois de terem vivenciado a experiência com a disciplina - na qual
promovemos discussões de questões culturais como racismo e eurocentrismo no contexto do
ensino de Genética - eles/as pensam em discutir, com seus/suas alunos/as da educação básica,
questões sobre racismo e alterização, por exemplo, no ensino de Biologia, e todos disseram
que sim. Apresentamos no gráfico abaixo (figura 5), as justificativas para essa resposta,
organizadas em macroproposições.
Figura 5. Razões pelas quais os/as professores/as de Biologia em formação inicial discutiriam sobre
racismo e alterização no contexto do ensino de Biologia.
267
Os fragmentos dos textos, os quais nos guiaram para a organização dessas
macroproposições, são apresentados abaixo:
Sim. Principalmente depois dessa experiência, agora. Porque eu achei... achei muito
gratificante [...] realmente, é.... a gente fez uma coisa que atingiu alguém, né? E eles
saíram dali não só com a ideia, com o mínimo embasamento pra discutir, e com a ideia de
que não... não tinha nada que sustentasse a questão do racismo [...] então, com certeza, é
uma coisa que eu vou... vou querer achar o momento certo pra poder debater com as
turmas, não sei se com atividade parecida ou diferente, mas, pela forma com que isso me
atingiu, né? Positivamente, com certeza eu vou querer levar sim (Luc, E1)
Com certeza (risos). [...] porque... tipo, isso... já é uma coisa que vem acontecendo acho
que o que? Desde sempre, praticamente, e eu acho importante a gente mudar essa
concepção das pessoas justamente pra... no caso, as pessoas brancas pararem... porque a
maioria é o que? As pessoas brancas inferiorizando as pessoas negras [...] (Ariel, E2)
Sim, se tiver oportunidade, sim, claro! Se eu tiver oportunidade, se o assunto abrir brecha,
né? [...] sim, com certeza! [...] sim, sim! [...] eu acho que é.... é muito importante esse
assunto [...] se houver uma situação em sala de aula que tá vendo racismo, eu vou só ficar
dando meu assunto e.... e fingir que num tá tendo nada? [...] (Arizona, E4)
Sim. Com certeza! Porque tem tudo a ver, né? Biologia e racismo. Antes, eu não via
muita relação, hoje eu vejo, então... [...] eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou.
[...] não, isso é pra vida toda. Essa questão do racismo, da ci... racismo na ciência eu acho
que eu vou levar pra vida toda... e é uma coisa que eu vou levar da disciplina. Essa coisa
assim... (Eduardo, E7)
Então, como eu falei, né? Quando aparecer a oportunidade é quando a gente aproveita pra
discutir. [...] assim, eu posso planejar, mas, com esses cuidados. De que não fique essa
questão de compartimentalização de conteúdo. [...] é um risco que a gente vai correr,
porque pode surgir como pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa
sensibilização, aí sim, mesmo... ah... não surgiu! Então, vamos... vamos discutir! [...]
(Everton, E8)
As discussões sobre racismo e alterização no ensino de Biologia seguiram orientações
importantes derivadas dos sentidos do PE e do MC. Luc (E1), Ariel (E2) e Eduardo (E7)
fazem afirmações categóricas, com um alto nível de envolvimento com o texto que enunciam,
utilizando proposições como “[...] com certeza eu vou querer levar sim” (E1); “Com certeza
(risos). [...]” (E2) e “[...] eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou.” (E7). Ao
texturizar a informação dessa maneira, eles/as se comprometem a promover discussões sobre
racismo e alterização em futuras práticas docentes. De acordo com as diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnico-raciais, pedagogias de combate ao racismo e a
discriminações fortalecem a construção de uma sociedade mais justa, igual e equânime
(BRASIL, 2004).
Nos argumentos de Luc (E1) e Eduardo (E7), percebemos a importância da
experiência na disciplina para a construção de seus discursos. O primeiro argumenta que
pretende discutir sobre racismo e alterização “Principalmente depois dessa experiência,
agora. Porque eu achei... achei muito gratificante [...]”, e o segundo “Porque tem tudo a ver,
268
né? Biologia e racismo. Antes, eu não via muita relação, hoje eu vejo, então... [...] eu acho
que eu vou levar pra vida toda... e é uma coisa que eu vou levar da disciplina [...]”. Silva
(2018) destaca a importância do permanente processo de qualificação e aprimoramento dos
profissionais da educação para combater racismos e discriminações. A autora ressalta que
futuros/as professores/as e professores/as já em exercício precisam assumir a postura de
combate ao racismo, ao eurocentrismo e outras discriminações, de maneira efetiva, por meio
de instrumentos pedagógicos. Da mesma forma, as diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais discutem que
[...] há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o
ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e
capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes
pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de
posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir
e investir para que os professores, além de sólida formação na área
específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a
compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-
racial, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo, criar estratégias
pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las (BRASIL, 2004, p. 17).
Compreendemos a importância do processo de formação de professores/as para a
concretização de práticas antirracistas no contexto escolar, todavia, reconhecemos que a
participação em uma disciplina que aborda essas discussões não foi suficiente para encorajar
os/as futuros professores/as a se comprometerem, nas suas representações discursivas, com a
educação das relações étnico-raciais. Percebemos um baixo nível de compromisso nos
discursos de Arizona (E4) e Everton (E8), que condicionaram suas perspectivas de abordagem
sobre racismo e alterização à oportunidade do debate no contexto da aula “Sim, se tiver
oportunidade, sim, claro! [...]” (E4) e “Então, como eu falei, né? Quando aparecer a
oportunidade é quando a gente aproveita pra discutir [...]” (E8). Quando questionado sobre
sua resposta, Everton (E8) argumenta que “[...] é um risco que a gente vai correr, porque
pode surgir como pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa sensibilização, aí sim,
mesmo... ah... não surgiu! Então, vamos... vamos discutir! [...]”, assim, destacamos que os
discursos dos/as participantes apresentam identificações com a problematização de questões
sobre racismo e alterização, por exemplo, no contexto do ensino de Biologia, ainda que não se
comprometam em suas afirmações, convergindo, ideologicamente aos sentidos do PE e do
MC.
Quando eles/as foram questionados sobre como perspectivam discutir essas questões
de racismo e alterização no ensino de Biologia, tivemos as seguintes respostas (figura 6):
269
Figura 6. Respostas dos/as participantes sobre como perspectivam discutir questões de racismo e
alterização no ensino de Biologia.
Percebemos a importância da atividade prática da disciplina - no que se refere ao
planejamento, realização e análise de uma oficina pedagógica - para a formação dos/as
licenciandos/as. De modo geral, eles/as viveram uma experiência produtiva e gratificante ao
abordar os temas de racismo e eurocentrismo com estudantes do ensino médio, tanto que
demonstraram interesse em reproduzir práticas da atividade. Considerando como repertório
profissional o conjunto de conhecimentos, competências e habilidades necessárias ao trabalho
docente, argumentamos que a disciplina contribuiu na construção dos repertórios profissionais
dos/as licenciandos/as à medida que promoveu discussões e experiências úteis para saber lidar
positivamente com a diversidade étnico-racial.
Dada a importância da articulação do discurso biológico com discursos históricos,
políticos, sociológicos e culturais, a partir da problematização de temas como eugenia,
racismo científico e zoológicos humanos, perguntamos aos/às participantes se eles/as
poderiam citar fatos na história em que o discurso denominado científico influenciou decisões
sociais sobre questões raciais. Como resposta, eugenia foi citado sete vezes (Ariel, E2; Carol,
E3; Agnes, E5; Eduardo, E7; Everton, E8; Anna, E10 e Jhoserd, E11), também foram citados
o nazismo (Luc, E1; Ariel, E2; Agnes, E5; Maria, E9 e Renata, E12), o racismo científico
(Carol, E3 e Arizona, E4), o mito da democracia racial (Eduardo, E7), o holocausto (Anna,
E10), o zoológico humano (Anna, E10) e Nami (E6) disse que não sabia. Quando
questionados se eles/as levariam essa articulação do discurso biológico com outros discursos
para a sala de aula, com exceção de Nami (E6), que não respondeu a essa pergunta, os demais
disseram que sim.
270
A perspectiva dos/as licenciandos/as em articular o discurso biológico com outros
discursos indica uma aproximação com os sentidos do PE e do MC, tendo em vista o
potencial de questionar as implicações socioeconômicas e políticas inerentes à produção de
conhecimento, bem como de problematizar a superioridade epistêmica da ciência ocidental
moderna em detrimento de outras ciências. Os exemplos apresentados pelos/as
licenciandos/as foram discutidos nas aulas da disciplina e representam como injustiças sociais
e raciais se sustentaram com bases denominadas científicas.
Sobre como eles/as perspectivam abordar a articulação do discurso biológico com
discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais, três participantes citaram que
poderiam fazer isso através de oficinas (Carol, E3; Agnes, E5; Maria, E9), duas participantes
disseram que poderiam abordar sobre eugenia atrelado a conteúdos de Genética (Eduardo, E7
e Everton, E8); também foi citado que essa articulação entre diferentes discursos poderia ser
desenvolvida discutindo sobre a formação das favelas e as identidades coletivas
marginalizadas, tratando o racismo numa abordagem histórica (Luc, E1); abordando o
conceito biológico e social de raça (Ariel, E2); relacionando o conteúdo de Biologia com as
questões sociais (Jhoserd, E11); relacionando com o conhecimento do aluno (Renata, E12) e
uma pessoa disse que não sabia responder (Arizona, E4). Tanto Nami (E6) quanto Anna (E10)
não comentaram essa pergunta. Vejamos abaixo os textos dos quais extraímos essas
macroproposições:
Então eu... eu colocaria sim! A questão que eu achei bastante interessante, né? Na
disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a questão da formação
das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu fiquei, caramba! Eu
não tinha noção disso aqui, né? E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão
racista, né? E é.... essas coisas se mesclam, né? Elas estão totalmente associadas, né? [...]
não é só ele chegar e falar: Ah não, porque o favelado... não, teve todo um processo
histórico que tá também relacionado a um processo de, de... racismo, né? Interligado. [...]
então, pra que o aluno entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante
também abordar esses fatos, históricos e tudo mais [...] (Luc, E1)
Penso, só que não vem, tipo... [...] não sei ainda como fazer isso. Mas, é importante falar
tudo. [...] pra... como eu posso dizer, pra pessoa entender, tipo, quando a gente trabalhou
hoje, um exemplo, a gente trabalhou o conceito de raça, a gente falou o conceito de raça
científico e o conceito de raça sociológico [...] (Ariel, E2)
Eu acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula
[...] a gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor. (Carol,
E3)
Depende... num sei ainda... (Arizona, E4)
Com certeza. Eu vou levar! [...] (Risos) é complicado. [...] eu acho que antes de genética,
por exemplo... que é um assunto que tem mais relevância, tem mais a ver com eugenia, eu
falaria um pouco da eugenia, né? Como uma... como a ciência apoiou isso, e depois daria
o assunto... pra ir contextualizada já. (Eduardo, E7)
271
Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando nessas
questões. É.... eu acho que primeiro a gente tem que formar os conceitos dessas coisas na
cabeça deles, e depois trazer essas questões práticas, trazer esses conhecimentos como o
racismo, a eugenia... [...] um pouco complicado porque assim, vai depender muito... acaba
dependendo muito também da escola, porque nem sempre a escola dá abertura pra esse
tipo... pra esses tipos de debate, questionamento, então, eu tentaria ao máximo associar o
conteúdo programático a essas questões. Mas, se não fosse possível, eu trabalharia só
essas questões de maneira isolada. (Jhoserd, E11)
Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa. É uma coisa.... Perguntar
ao aluno o que é que ele acha sobre determinadas situações, a cultura dele...., mas, outra
coisa é entrar em política, essas coisas... eu sempre fui avessa a isso! [...] você falou
política! [...] ah, sim! Eu entendi nesse meio, entendeu? [...] então, se for partindo dessa
ideia, dessa explicação, trabalharia.... Como naquele debate, procurar saber o que o aluno
tem de diferente pra falar, querendo ou não a gente já poderia entrar num debate assim....
(Renata, E12)
Nas falas de Eduardo (E7) e Jhoserd (E11), há um alto nível de compromisso na
articulação do discurso biológico com outros discursos “Com certeza. Eu vou levar! [...]”
(E7) e “Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando
nessas questões. [...]” (E11). Embora eles tenham manifestado segurança nas representações
dos seus discursos, complementam suas falas dizendo que é complicado levar essa discussão
para a prática “é complicado. [...] eu falaria um pouco da eugenia, né? Como uma... como a
ciência apoiou isso [...]” (E7) e “um pouco complicado porque assim, [...] nem sempre a
escola dá abertura pra esse tipo... pra esses tipos de debate [...]” (E11). A fala de Jhoserd
(E11) sugere preocupação em contrariar as possíveis orientações pedagógicas da escola.
Assim, o discurso dele é de quem se posiciona favoravelmente frente às discussões sociais,
culturais e políticas, mas o desenvolvimento dessa abordagem, na prática, está condicionado
ao contexto escolar. Mais uma vez podemos relacionar esse receio com o contexto político na
época da entrevista, no qual a ameaça frente a democracia escolar e à liberdade de ensinar
começava a ganhar força, sobretudo com o projeto que ficou conhecido por “Escola Sem
Partido”.
Com baixo nível de compromisso, Luc (E1) usa o verbo modal “colocaria” para
representar seu discurso “Então eu... eu colocaria sim! [...]”, com o argumento de que se
trata de um tema interessante. Para exemplificar uma possível abordagem, Luc articula
intertextualmente uma experiência na disciplina “A questão que eu achei bastante
interessante, né? Na disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a
questão da formação das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu
fiquei, caramba! [...] E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão racista, né? [...]”
(E1). Percebemos as influências das interações discursivas na construção dos modelos
mentais dos/as interlocutores/as, bem como um posicionamento favorável, ideologicamente, à
272
articulação dos discursos biológicos com outros discursos, a fim de que “[...] o aluno
entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante também abordar esses
fatos, históricos e tudo mais [...]” (Luc, E1). A fala de Luc sugere que a situação
socioeconômica de grupos culturais historicamente subalternizados sofre influência do nosso
passado colonial, uma perspectiva que questiona a posição de grupos minoritários e
problematiza o racismo estrutural.
As oportunidades de discutir questões sociais, culturais, históricas e políticas no
contexto do ensino de Biologia pode contribuir para a formação crítica e cidadã dos/as
estudantes, tal como afirma Carol (E3), utilizando o recurso da modalidade doxástica “Eu
acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula [...] a
gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor”. Ao passo que
os/as participantes assumem não saber como desenvolver práticas dessa natureza, podemos
inferir que não há compromisso no que tange à futura atuação docente “Penso, só que não
vem, tipo... [...] não sei ainda como fazer isso [...]” (Ariel, E2) e “Depende... num sei
ainda...” (Arizona, E4). Argumentamos pela importância de possibilitar mais experiências no
processo formativo no que se refere às discussões sobre racismo e eurocentrismo, de modo
que os/as licenciandos/as construam um amplo repertório profissional para lidar
positivamente com a diversidade cultural.
Ressaltamos na fala de Renata (E12) uma certa aversão ao debate de questões políticas
“Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa [...] entrar em política, essas
coisas... eu sempre fui avessa a isso! [...]”. Contudo, no momento da entrevista, a
professora/entrevistadora sentiu que a licencianda tinha se apropriado do termo “política”
como sinônimo de “partido”. Assim, ao explicar o sentido de política como a arte da
organização, direção e administração de nações, Renata apresenta um posicionamento
favorável às discussões políticas no ensino de Biologia “[...] você falou política! [...] ah, sim!
[...] então, se for partindo dessa ideia, dessa explicação, trabalharia.... [...]” (E12),
assumindo um baixo nível de compromisso quanto ao desenvolvimento desse debate na
prática docente futura.
A fim de entender se os/as participantes manifestam compreender ou não a
importância de problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o
protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados historicamente,
questionamos sobre possíveis argumentos que poderiam ser apresentados contra a abordagem
de questões culturais no ensino de Biologia, bem como se eles/as poderiam apresentar contra-
273
argumentos. Sobre os argumentos contra a abordagem de questões culturais no ensino de
Biologia, eles/as destacaram a possibilidade de gerar conflitos culturais e religiosos (8; 66,7%
das ocorrências); o fato de que essa abordagem poderia atrapalhar os conteúdos da disciplina
(5; 41,7%) e porque poderia incitar a desigualdade e discriminação (1; 8,3%). Todos os/as
participantes se manifestaram em desacordo com esses possíveis argumentos contra a
abordagem de questões culturais no ensino de Biologia, destacando cinco contra-argumentos,
que vamos apresentar no gráfico abaixo na forma de macroproposições (Figura 7).
Figura 7. Contra-argumentos apresentados pelos/as participantes para defender a abordagem de
questões culturais no ensino de Biologia.
Os fragmentos dos textos que nos guiaram para a organização dessas
macroproposições são apresentados abaixo:
Então, eu falaria que... eu não... não estaria ali pra... pra... é.... pra atribuir, digamos
assim, pra tentar mudar a percepção de crença, de fé, né? [...] E que a minha abordagem
seria focada no respeito, né? No respeito e na legitimidade que cada cultura tem, né? E....
no direito que cada cultura tem de se expressar. (Luc, E1)
Eu diria que tem que ser trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando
cidadãos e uma parte deles é a cultura. [...] então, a gente poderia sim, trabalhar isso em
sala de aula como tema transversal, não atrapalharia em nada os assuntos que o colégio
pede, e.... os alunos iam adquirir mais conhecimento. (Ariel, E2)
[...] é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes, tenho branco,
tenho preto, tem de todas as cores, vai acontecer em algum momento, vai chegar a hora
de ter que falar sobre esse assunto. (Nami, E6)
Os argumentos dos/as licenciandos/as pressupõem uma identificação com as
perspectivas do PE e do MC, seja pelo reconhecimento do “direito que cada cultura tem de se
expressar” (Luc, E1); pelo compromisso com a formação cidadã “Eu diria que tem que ser
trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando cidadãos e uma parte deles
é a cultura. [...]” (Ariel, E2) ou pela urgência em problematizar questões de preconceito e
274
discriminação “[...] é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes,
tenho branco, tenho preto, tem de todas as cores, [...] vai chegar a hora de ter que falar
sobre esse assunto” (Nami, E6). Mais uma vez, a identificação com o tema não nos leva a
inferir a existência de um compromisso com essas discussões culturais em práticas docente
futuras. Os/as licenciandos/as apresentam escolhas lexicais cautelosas, evitando assumir
compromisso nas suas assertivas.
De modo geral, as implicações e intenções políticas ainda representaram o bloco de
discussão com o qual os/as licenciandos/as mais se identificaram com a temática, o que pode
ser justificado pelo fato de que foi o tópico mais explorado na disciplina. Contudo, as
construções discursivas aparecem com escolhas lexicais que exprimem insegurança, e por
mais que haja afirmação da abordagem de temas culturais em futuras práticas, os argumentos
e o desenvolvimento da representação discursiva apontam baixo nível de compromisso na
atuação docente. Para que os/as licenciandos/as tenham segurança no desenvolvimento de
práticas dessa natureza é importante que a formação inicial possibilite discussões mais
frequentes, bem como que haja comprometimento de toda a comunidade escolar na
abordagem de temas culturais.
6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise balizada pelas categorias - de identificação com às questões culturais
mobilizadas na disciplina e compromisso na integração dos sentidos do pluralismo
epistemológico e do multiculturalismo crítico em futuras práticas docentes - permite afirmar
que os/as licenciandos/as constroem identificações positivas com muitas características das
perspectivas teóricas em questão, embora representem, por meio dos seus discursos, uma
modesta perspectiva de abordar em futuras práticas pedagógicas questões relacionadas à
dimensão epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas.
Argumentamos pela importância de possibilitar mais momentos de discussão das
questões culturais no processo formativo de professores/as de Biologia, a fim de que os/as
licenciandos/as se sintam mais confiantes na abordagem de temas como racismo e
eurocentrismo, por exemplo, no contexto da educação básica, além de fortalecer o espírito de
pertencimento e responsabilidade na luta pela igualdade de direitos e por uma sociedade mais
justa e humana. Destacamos a frequência de respostas positivas a questões objetivas, que logo
eram modalizadas por expressões lexicais de insegurança, dado o espaço para a conversa
275
numa entrevista semiestruturada. Por exemplo, com a pergunta se os licenciandos/as
pretendem problematizar o poder simbólico do termo ciência, todos afirmaram que sim,
todavia, no desenvolvimento do discurso fica evidente a falta de compromisso com essa
assertiva, que pode estar relacionada com a escassa discussão de temas culturais no processo
de formação, com a pouca experiência docente, com a conjuntura política e social do país,
entre outros fatores.
Destacamos a insegurança dos/as participantes no que se refere à abordagem da crise
do conceito de gene para problematizar questões relacionadas ao determinismo genético.
Nesse caso, em particular, fica evidente a preocupação com a complexidade do tema, afinal,
como promover a discussão de conceitos que não se entende? Compreendemos que se trata de
uma preocupação legítima, todavia, ressaltamos que a mesma inquietação não foi observada
para os temas de cunho cultural, o que nos leva à preocupação de que para os/as participantes
é preciso ter domínio de um tema biológico, para abordá-lo, mas no que se refere aos temas
culturais, a intuição poderia ser suficiente. Dada a dificuldade de acesso às ciências não-
hegemônicas e sua consequente invisibilidade, entendemos que a preocupação em não
conhecer a dimensão dos aspectos culturais, as epistemologias “Outras”, deveria ter sido
manifestada no discurso, o que não aconteceu.
A ideia dos/as licenciandos/as de discutir na escola o que já tem expressivo espaço
institucionalmente, e não debater o que não é problematizado ou é pouco problematizado,
reforça mais uma vez a importância de levar as discussões dos sentidos do PE e do MC para o
processo de formação de professores/as. Quando uma licenciada afirma que não tem
perspectiva de discutir a história de Rosalind Franklin, em futuras práticas docentes, por ser
um fato “tão esquecido”, percebemos a urgência em problematizar essas questões nos
diferentes espaços sociais, sobretudo no âmbito acadêmico.
O meio acadêmico, tomado pela colonialidade, reafirma a todo momento a
superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna frente às outras ciências. De modo
geral, os/as licenciandos/as não se identificam com alguns pressupostos do diálogo
intercultural, como também não se comprometem com essas características na atuação
pedagógica futura, cuja representação discursiva está voltada para a perspectiva de mudança
conceitual, na qual os conhecimentos dos/as estudantes são mobilizados como meio para
promover a educação científica ocidental, e não como conhecimentos válidos e reconhecidos
por seus próprios méritos, tal como defendemos no diálogo entre o PE e o MC, visando
superar as estruturas hegemônicas de dominação.
276
Embora os/as licenciandos/as afirmem considerar e legitimar as diferentes formas de
explicar os fenômenos naturais, suas construções discursivas se mostram contraditórias, pois,
no curso da fala, acabam restringindo à explicação acadêmica como única forma adequada de
ver e entender o mundo, desconsiderando as contribuições das ciências “Outras”, o que se
explica, sobretudo, pelo poder cultural que a ciência ocidental moderna exerce sobre o
conjunto da sociedade. Contamos com o fato de que todo sujeito é capaz de produzir sentidos
diferentes dos significados hegemônicos construídos social e historicamente, por meio de
mediações discursivas e novas experiências de vida, com o que nos propusemos a contribuir a
partir desta pesquisa.
Ressaltamos a identificação dos/as participantes no que se refere ao dever dos/as
professores/as em questionar e buscar superar crenças ou práticas culturais que geram
sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, expressando concordância com
os sentidos do PE e do MC. Contudo, mais uma vez percebemos que a identificação com
determinado discurso não implica necessariamente na preocupação em levar o debate para
futuras práticas docentes, tendo em vista as inseguranças e adversidades inerentes ao contexto
escolar, articuladas na fala com forte utilização da modalidade doxástica como recurso
discursivo.
O bloco com o qual os/as licenciandos/as mostraram maior identificação e
compromisso, no que se refere à integração dos sentidos do PE e do MC em futuras práticas,
foi o das implicações e intenções políticas. De modo geral, os discursos sobre racismo e
alterização, por exemplo, assim como a articulação da Biologia com questões políticas,
sociais e culturais, tiveram espaço privilegiado nas falas dos/as participantes, refletindo no
fato de que estas representaram as discussões mais aprofundadas ao longo da disciplina.
Nesse sentido, a pesquisa realizada mostra a importância dos momentos de discussão
para questionar a legitimidade do discurso hegemônico. Sendo assim, o discurso também
representa um instrumento de luta pela superação de conjunturas de dominação e pela
desconstrução de hegemonias. Em suma, a análise das entrevistas aponta que, a partir das
discussões e experiências promovidas na disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de
Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de
Genética”, contribuímos para a construção dos repertórios profissionais dos/as
licenciandos/as, no que se refere a saber lidar positivamente com a diversidade de seres e
saberes.
277
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280
CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS
__________________________________________________________________________________
Esta pesquisa de tese buscou compreender as possibilidades de diálogo entre o
pluralismo epistemológico (PE) e o multiculturalismo crítico (MC) na formação inicial de
professores/as de Biologia. Sob a égide desse objetivo geral, desenvolvemos três estudos. O
estudo um teve como objetivo problematizar a possibilidade de uma nova posição
epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às
convergências e divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o
multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam
ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas. Este
estudo correspondeu a um ensaio teórico, no qual problematizamos o conceito hegemônico de
ciência e argumentamos pela pluralização do termo: ciências, admitindo a existência de várias
comunidades epistêmicas, que, com critérios próprios, validam seus conhecimentos como
ciência.
Essa proposta é resultado da articulação entre a demarcação de saberes, defendida pelo
PE, e a crítica das relações de poder entre as culturas, problematizada pelo MC. Nessa ideia,
os saberes “Outros” não estão sendo abarcados, simplesmente, sob o rótulo de ciência, mas
lhes é reconhecido um estatuto próprio ao passo que diversificamos o entendimento do
conceito de ciência. Propomos no ensaio teórico a ideia de um pluralismo científico, de modo
que essas ciências são correspondentes às diversas culturas; um movimento que justificamos
por três razões principais: primeiro, para desconstruir a hierarquização entre os saberes;
segundo, porque, se considerarmos as duas primeiras características da definição de ciência
apresentada pelo PE, as produções dos povos africanos, por exemplo, são ciência; e, terceiro,
comunidades de povos indígenas, por exemplo, costumam usar o termo ciência para se referir
às suas produções epistêmicas. Desse modo, do ponto de vista das relações de poder, é
fundamental considerar as práticas de grupos subalternizados historicamente, contemplando a
visibilidade das diferentes produções científicas.
A partir do diálogo entre o PE e o MC, ressaltamos nossas escolhas pelas posições
epistemológicas do PE, no que se refere à demarcação de saberes, problematizando uma
demarcação para todas as produções culturais e não somente para as culturas consideradas
“Outras”. No que se refere ao MC, nos apropriamos da problematização dos discursos
eurocêntricos, homofóbicos, racistas, machistas e xenófobos rumo a uma formação cidadã.
Como contribuição teórica e metodológica, este ensaio subsidiou a construção de um
281
formulário, com a função de servir de instrumento para analisar planejamentos e práticas
pedagógicas orientadas pelo PE e pelo MC. Este formulário organiza 12 características dessas
perspectivas teóricas, que estão agrupadas em três blocos de análise: dimensão
epistemológica, diálogo intercultural e implicações e intenções políticas, apresentando
pressupostos centrais do diálogo entre as teorias que perpassaram por todos os estudos da
tese.
O estudo dois objetivou analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para
suscitar uma prática condizente com o PE e o MC, por meio de uma revisão das experiências
didáticas relatadas no Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).
Concluímos que as abordagens didáticas de Genética discutidas nos trabalhos do ENPEC
carecem de problematizações acerca da abordagem cientificista, que questionem a
superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna frente as outras ciências. Elas
reforçam, ainda, a ideia do ensino monocultural, no qual apenas a abordagem científica
ocidental é considerada, limitando a intervenção pedagógica à discussão de uma única cultura,
a europeia, e mantendo invisibilizadas outras formas de ver e entender o mundo.
Também ressaltamos a carência nos trabalhos da problematização das evidências que
os/as cientistas usam como apoio às teorias, uma vez que, em geral, os trabalhos não
ofereciam aos/às estudantes subsídios suficientes para entender a construção das ideias
denominadas científicas, bem como suas influências socioculturais. Contudo, boa parte dos
trabalhos apresentou articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,
sociais e/ou culturais, o que parece apontar para uma tendência na área de ensino de Ciências.
Por conseguinte, apesar do potencial do conteúdo de Genética para discutir questões de
preconceito e discriminação, não houve trabalho nesse viés, o que indica uma lacuna nas
práticas e relatos de experiências.
Em suma, faz-se necessário uma perspectiva ampla dos objetivos do ensino de
Genética, a fim de planejar, desenvolver e avaliar intervenções didáticas condizentes com os
sentidos do PE e do MC. A partir dos resultados desta revisão sistemática de literatura,
consideramos importante pesquisas que apresentem práticas no ensino de Genética abarcando
as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais do conteúdo, ao passo que discutem
temas culturais e políticos. Diante dessa demanda, nós realizamos o terceiro estudo.
O estudo três apresentou o seguinte objetivo geral: Compreender como professores/as
de Biologia em formação inicial integram os discursos do PE e do MC no seu repertório
282
profissional, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética desenvolvida nessa
perspectiva. Para alcançar esse objetivo, necessitamos seguir alguns passos, que
correspondem aos objetivos específicos: 1) Identificar e caracterizar os posicionamentos de
professores/as de Biologia em formação inicial frente a temas abordados na perspectiva do
diálogo entre o PE e o MC, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que
promoveu problematizações de questões culturais; 2) Identificar e caracterizar de que forma
professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam o PE e o MC na elaboração e na
análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas; 3) Analisar como
professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam integrar o PE e o MC em suas
futuras práticas docentes, a partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética
que promoveu problematizações de questões culturais.
Esse último estudo caracterizou-se como uma pesquisa explanatória de natureza quali-
quantitativa, desenvolvida na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de
elementos da teoria crítica. Tratou-se de um estudo empírico realizado com licenciandos/as
em Biologia, da Universidade Federal de Sergipe, na forma de uma disciplina optativa de 60
horas, ministrada pela pesquisadora, a qual foi organizada na perspectiva do PE, ao abordar as
diferentes formas de conhecimentos, bem como na perspectiva do MC, ao discutir as relações
de poder construídas em torno da diversidade de grupos socioculturais. Como procedimentos
para produção de dados foram utilizados documentos produzidos pelos/as licenciandos/as,
observações dos encontros da disciplina e entrevista individual, os dois últimos com registro
em áudio e/ou vídeo. A análise dos dados foi conduzida tendo por referência a teoria
sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk. O autor tem o propósito de integrar as
abordagens cognitivas e sociais do texto e da fala num único quadro teórico coerente, de
modo que entende a construção do conhecimento por meio do discurso como fundamental
para que ocorram as interações sociais.
A partir das experiências socializadas na disciplina, percebemos a capacidade dos/as
licenciandos/as em mobilizar um conjunto de conhecimentos para lidar com os desafios
presentes no cotidiano escolar. Esses conhecimentos, provenientes do discurso ou das
experiências vividas, formaram o repertório profissional dos/as licenciandos/as. A ampliação
desse repertório habilitou os/as participantes a atuar, com mais destreza, nas situações de sala
de aula, adaptando as suas práticas a situações que se renovam. Analisar os posicionamentos
de professores/as de Biologia em formação inicial, nos discursos relacionados a temas como
racismo e eurocentrismo, nos permitiu problematizar questões socioculturais importantes para
283
uma educação comprometida com a diversidade, tal como se encaminha no diálogo entre o PE
e o MC que propomos neste trabalho.
Ressaltamos que, de modo geral, os/as participantes buscaram atenuar a força das
afirmativas para não se impor aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos/as
interlocutores/as. Essa ação denota também um grau de insegurança no compromisso com a
opinião assumida, sobretudo com as discussões de temas mais controversos, cujos
posicionamentos apresentaram-se polarizados, sustentados principalmente pelas experiências
individuais dos/as participantes. Na nossa análise, observamos aspectos da teoria
sociocognitiva do discurso, no que se refere à influência dos conhecimentos gerais,
oportunidades de debates, experiências pessoais e representações mentais, no posicionamento
dos/as participantes, que, de modo geral, foram apresentados de maneira individual, explícita
e com baixo grau de compromisso. Destacamos que os/as participantes apresentaram opiniões
polarizadas na maioria dos temas abordados, o que representa um aspecto positivo, tendo em
vista a possibilidade de contrapor diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir
dessas discussões, tanto novas representações dos modelos mentais foram se construindo,
quanto os/as participantes aprendem a respeitar e conviver com as diferenças, em um contexto
problematizador de preconceitos e discriminações.
Concluímos que a disciplina contribuiu para uma percepção mais crítica frente os
discursos discriminatórios e excludentes em múltiplos contextos. Considerando os três blocos
de análise, a saber, a abordagem epistemológica, o diálogo intercultural e as implicações e
intenções políticas, destacamos que o último foi o que apresentou discussões mais próximas
do diálogo entre o PE e o MC, o que se justifica pelo fato de que a maior carga horária da
disciplina estava organizada para discussões quanto à problematização de identidades
coletivas marginalizadas historicamente, para questionar a naturalização de preconceitos e
discriminação e para a articulação do discurso biológico com discursos socioculturais.
Considerando que o PE e o MC representam perspectivas teóricas com grande
potencial para articular e subsidiar práticas pedagógicas comprometidas com a diversidade
cultural, buscamos saber de que forma professores/as de Biologia em formação inicial
mobilizam essas perspectivas na elaboração e na análise de propostas pedagógicas, no
contexto da disciplina de ensino de Genética. Os resultados dessa investigação apontaram
para a relevância de proporcionar aos/as licenciandos/as práticas semelhantes àquelas que
eles/as serão convidados/as a desenvolver na carreira docente. A oportunidade de discutir
questões culturais nas aulas de Biologia, abrangendo as discussões sobre racismo e
284
eurocentrismo, não só contribuiu para valorizar e problematizar as diferentes formas de
explicar o mesmo fenômeno natural, como também para desconstruir os padrões hegemônicos
socioculturais, promovendo uma educação para a transformação social.
A análise de como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam
integrar o PE e o MC em suas futuras práticas docentes permitiu afirmar que os/as
licenciandos/as constroem identificações positivas com muitas características das perspectivas
teóricas em questão, embora representem, por meio dos seus discursos, uma modesta
perspectiva de abordar em futuras práticas pedagógicas questões relacionadas à dimensão
epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas.
Argumentamos pela importância de possibilitar mais momentos de discussão das
questões culturais no processo formativo de professores/as de Biologia, a fim de que os/as
licenciandos/as se sintam mais confiantes na abordagem de temas como racismo e
eurocentrismo, por exemplo, na educação básica, além de fortalecer o espírito de
pertencimento e responsabilidade na luta pela igualdade de direitos e por uma sociedade mais
justa e humana.
Embora os/as licenciandos/as afirmem considerar e legitimar as diferentes formas de
explicar os fenômenos naturais, suas construções discursivas se mostram contraditórias, pois,
no curso da fala, acabam restringindo a explicação acadêmica como única adequada,
desconsiderando as contribuições das ciências “Outras”, o que se explica, sobretudo, pelo
poder cultural que a ciência ocidental moderna exerce sobre o conjunto da sociedade.
Contamos com o fato de que todo sujeito é capaz de produzir sentidos diferentes dos
significados hegemônicos construídos social e historicamente, por meio de mediações
discursivas e novas experiências de vida, com o que nos propusemos a contribuir a partir
desta pesquisa.
Ressaltamos a identificação dos/as participantes no que se refere ao dever dos/as
professores/as em questionar e buscar superar crenças ou práticas culturais que geram
sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, expressando concordância com
os sentidos do PE e do MC. Contudo, percebemos que a identificação com determinado
discurso não implica necessariamente no compromisso em levar o debate para futuras práticas
docentes, tendo em vista as inseguranças e adversidades inerentes ao contexto escolar,
articuladas na fala.
285
O bloco com o qual os/as licenciandos/as mostraram maior identificação e
compromisso, no que se refere à integração dos sentidos do PE e do MC em futuras práticas,
foi o das implicações e intenções políticas. De modo geral, os discursos sobre racismo e
alterização, por exemplo, assim como a articulação da Biologia com questões políticas,
sociais e culturais foram os mais problematizados pelos/as participantes. Como mencionado
anteriormente, estas discussões também foram as mais representativas nos encontros da
disciplina e nos planejamentos e análises das oficinas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as.
Esse fato reflete a importância de uma formação que considere o princípio da simetria
invertida, tendo em vista que as discussões mais aprofundadas ao longo da disciplina foram
também as que tiveram espaço privilegiado nas falas e ações dos/as participantes.
Nesse sentido, a pesquisa realizada mostra a importância dos momentos de discussão
para questionar a legitimidade do discurso hegemônico. Sendo assim, o discurso também
representa um instrumento de luta pela superação de conjunturas de dominação e pela
desconstrução de hegemonias. Em suma, as opiniões compartilhadas nesse processo
contribuíram para colocar em questão experiências, valores e ideologias, que estão em
constante transformação na construção dos nossos modelos mentais. Por fim, uma perspectiva
crítica no processo de formação de professores/as em Biologia, por meio de debates de temas
socioculturais, como racismo e eurocentrismo, contribuiu para que os/as futuros/as
professores/as desenvolvessem identidades e construíssem discursos comprometidos com a
educação para a diversidade cultural.
Todavia, a pesquisa aponta para uma visão científica de superioridade ocidental
pelos/as participantes, que embora reconheçam a existência de muitas formas de explicar os
fenômenos naturais, tem a ciência ocidental moderna como parâmetro de conhecimento
“correto”. Ressaltamos a acentuada dificuldade na construção do plano de curso da disciplina
no que se refere à mobilização das ciências “Outras” para explicar fenômenos em Genética,
uma limitação refletida também nos discursos e documentos produzidos pelos/as
licenciandos/as.
Nesse sentido, indicamos como lacuna e possibilidade para futuras pesquisas a
sistematização e a divulgação de conhecimentos das ciências “Outras”, o que pode ser
favorecido por meio de políticas públicas de acesso dos povos indígenas e afrodescendentes,
por exemplo, nos espaços acadêmicos. A representatividade das ciências “Outras” nos
espaços de poder é necessária para a desconstrução de hegemonias alicerçadas na
286
colonialidade em que estamos imersos. Essa aproximação pode ser um dos caminhos para
termos acesso aos conhecimentos produzidos fora do escopo da ciência ocidental moderna.
No processo de desenvolvimento e escrita desta tese, muitas visões foram se
construindo e desconstruindo, limitações foram problematizadas e as possibilidades
exploradas. Esperamos que nossa pesquisa contribua para um ensino de Biologia
comprometido com a diversidade cultural, que problematize questões referentes ao racismo e
ao eurocentrismo, em prol de uma educação voltada para transformações sociais positivas.
287
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DIJK, T. A. (Ed.). Handbook of Discourse Analysis. (C3). v. 3. p. 1-11, 1985b.
VAN DIJK, Teun Adrianus. The interdisciplinary study of news as discourse. In: BRUHN-
JENSEN, K.; JANKOWKSI, N. (Eds.). Handbook of Qualitative Methods in Mass
Communication Research. London: Routledge, 1991. p. 108-120.
VAN DIJK, Teun Adrianus. Analyzing racism through discourse analysis: Some
methodological reflections. In: STANFIELD, J. (Ed.). Race and ethnicity in research
methods. Newbury Park, CA: Sage, 1993a. p. 92-134.
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WRENCH, J. (Eds.). Racism and Migration in Western Europe. Oxford: Berg, 1993b. p.
179-193.
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Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2012a.
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FLOWERDEW, J. (Eds.). Handbook of discourse analysis. London: Routledge, 2016a (in
press). p. 1-26.
300
VAN DIJK, Teun Adrianus. Discurso-cognição-sociedade: estado atual e perspectivas da
abordagem sociocognitiva do discurso. Trad. Pedro Theobald. Revista Digital do Programa
de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, v. 9, n. especial, s8-s29, 2016b.
VAN DIJK, Teun Adrianus. Critical discourse studies: A sociocognitive approach (new
version). In: VAN DIJK, Teun Adrianus. Discurso y conocimiento – una aproximación
sociocognitiva. Trad. Flávia Limone Reina. Barcelona: Editorial Gedisa, 2016.
VESTENA, Rosemar de Fátima; SEPEL, Lenira Maria Nunes; LORETO, Élgion Lúcio Silva.
Os heredogramas familiares no estudo da hereditariedade e do contexto histórico e
sociocultural dos estudantes. In: ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa e Ensino de
Ciências, 9., 2013, Águas de Lindóia. Anais. São Paulo: Hotéis Majestic e Bela Vista. p. 1-8.
WILLIAMS, Harvey. A critique of Hodson’s “In search of a rationale for multicultural
science education”. Science Education, v. 78, p. 515-520, 1994.
WODAK, Ruth. What CDA is About - A summary of its history, important concepts and its
developments. In: WODAK, Ruth; MEYER, Michael. (Orgs.). Methods of critical discourse
analysis. Londres, Thousand Oaks, Nova Delhi: Sage Publications, 2001. p. 1-14.
WODAK, Ruth; MEYER, Michael. (Eds.). Methods of critical discourse analysis. Third
Edition. London: Sage, 2015. p. 63-85.
WRIGHT, Benjamin; STONE, Mark. Validity. In: _____. Measurenient essentials. 2. ed.
California: SAGE Publications, 1999. Cap. 20, p. 167-171.
ZABALA, Antoni. A função social do ensino e a concepção sobre os processos de
aprendizagem: instrumentos de análise. In.: ZABALA, Antoni. A prática educativa: Como
ensinar. Trad.: Ernâni F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 27-52.
301
APÊNDICE A. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Resolução nº 196/96
PROJETO: DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O
MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE
BIOLOGIA
Sr(a) está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: Diálogo entre o
pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de professores de
biologia, que tem como objetivo principal compreender como professores de Biologia em
formação inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo
crítico no repertório profissional deles, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética
desenvolvida nessa perspectiva.
Sua participação será tratada de forma anônima e confidencial. Quando for necessário
exemplificar determinada situação, sua privacidade será assegurada. Somente as
pesquisadoras da equipe terão acesso as gravações e documentos gerados como forma de
produção de dados. Não há qualquer obrigatoriedade da sua participação. Os dados
produzidos serão utilizados apenas para fins de pesquisa e os resultados divulgados em
publicações científicas.
Sua participação é voluntária, de modo que a qualquer momento você pode desistir de
participar e retirar seu consentimento. Sua participação nesta pesquisa consistirá em permitir a
gravação em vídeo e áudio das interações discursivas e grupo focal no curso da disciplina,
além de disponibilizar as atividades para fins de análise de pesquisa.
Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Não haverá riscos de
qualquer natureza relacionada à sua participação. O benefício à sua participação será de
aumentar o conhecimento para a área de ensino de Ciências e formação de professores. Desde
já agradecemos!
Atenciosamente,
Isabela Santos Correia Rosa (Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ensino,
Filosofia e História das Ciências – Universidade Federal da Bahia)
Profa. Dra. Rosiléia Oliveira de Almeida (Orientadora; Departamento de Educação II -
Universidade Federal da Bahia)
Se você concorda em participar, por favor, assine no espaço abaixo indicado.
302
Assinatura do/a participante: __________________________________________________
São Cristóvão, ____ de _______________ de 2018.
303
APÊNDICE B. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES DO PLANO DE CURSO DA
DISCIPLINA
1. Quanto à dimensão epistemológica Escore total37
Há problematização referente à abordagem cientificista ao passo que são
apresentadas as limitações da ciência e o caráter provisório dos conhecimentos
denominados científicos?
8.5
Há problematização das influências políticas, culturais e/ou de gênero, que
permeiam a construção do conhecimento?
8.0
Há estímulo aos/às estudantes para considerar diferentes discursos sobre o mundo,
valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas?
7.0
Há orientação de que cada conhecimento tem seu alcance e validade e, assim,
pode ser adequadamente aplicado?
4.5
2. Quanto ao diálogo intercultural Escore total
Há estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e
como esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais?
6.0
Há proposta de auxiliar os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos
a fim de ampliar suas visões, sem anular suas culturas e crenças?
8.0
Há articulação entre os saberes dos/as estudantes e os conhecimentos
denominados científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um
saber em detrimento de outro?
5.5
Há utilização de exemplos e conhecimentos de grupos étnicos e culturais no
contexto da aula?
7.0
3. Quanto às implicações e intenções políticas Escore total
Há discussão das relações de poder entre as culturas, questionando a posição
subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes?
9.0
Há questionamento em relação a naturalização de preconceitos e discriminação,
buscando interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo do que se denomina
ciência?
9.0
Há articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,
sociológicos e culturais?
9.0
Há preocupação em problematizar as identidades coletivas marginalizadas,
destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados
historicamente?
8.0
Fonte: Dados da pesquisa.
37 O escore total foi calculado somando as respostas de cada um dos dez participantes do processo de
validação por pares, sendo que o “sim” equivale a 1 ponto, a opção “em parte” a 0.5 ponto e a opção
“não” a 0 ponto, de modo que o atendimento por completo a uma dada característica soma 10 pontos.
Assim, quanto maior o escore, mais próximo o planejamento está do atendimento a uma determinada
característica.
304
APÊNDICE C. PLANO DE CURSO
1. Dados de Identificação
Universidade Federal de Sergipe
Professora Isabela Santos Correia Rosa
2. Disciplina
Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e
eurocentrismo no contexto do ensino de Genética
3. Conteúdo Programático:
I- Abordagem geral das perspectivas teóricas: pluralismo epistemológico e
multiculturalismo crítico
II- Epistemologia da ciência e eurocentrismo
III- Diversidade genética e diversidade cultural
IV- Melhoramento genético humano, Eugenia e discriminação
V- Racismo científico, alterização científica e educação
VI- Herança poligênica e a cor da pele: Aspectos biológicos, sociais, culturais, políticos e
econômicos
VII- Reprodução assistida com escolha de características genéticas “desejáveis”
VIII- Planejamento, prática e pesquisa em ensino
4. Objetivos a alcançar:
4.1. Conceituais:
a. Entender as perspectivas teóricas do multiculturalismo crítico e pluralismo epistemológico
e sua aplicação na prática docente;
b. Entender os principais conceitos relacionados a interação e herança genética, bem como as
diferentes formas de explicar tais fenômenos;
c. Compreender os aspectos biológicos, sociais, culturais, políticos e econômicos
relacionados a cor da pele;
d. Compreender as implicações do melhoramento genético humano e sua relação com atitudes
discriminatórias;
e. Discutir o racismo científico do século XIX como um exemplo típico de alterização
305
científica.
4.2. Procedimentais:
a. Realizar pesquisa sobre os diferentes aspectos relacionados à cor da pele;
b. Elaborar um texto dissertativo com argumentos a favor ou contra a política de cotas;
c. Mediar discussões de textos;
d. Elaborar argumentos a favor ou contra a utilização de técnicas de melhoramento genético
humano relacionadas a reprodução assistida;
e. Explicar a relação entre o discurso biológico com discursos históricos, políticos,
sociológicos e culturais;
f. Desenvolver capacidade para interpretar, elaborar e solucionar questões relacionadas a
prática educativa.
4.3. Atitudinais:
a. Discutir sobre racismo e eurocentrismo no ensino de Ciências e Biologia;
b. Questionar a posição subalternizada dos afrodescendentes, analisando suas identidades
étnicas;
c. Problematizar a história do racismo científico e a posterior desconstrução do conceito
biológico de raça por parte da genética moderna;
d. Refletir criticamente sobre a ciência e suas relações de poder e dominação entre as
culturas;
e. Desenvolver valores referentes ao trabalho colaborativo;
f. Desenvolver atitudes, atividades e habilidades pedagógicas para planejamentos e práticas de
regência que envolvam as três dimensões do conteúdo.
5. Descrição dos encontros
ENCONTRO 1
Conteúdo: Apresentação da professora, alunos, disciplina e pesquisa. Abordagem geral das
perspectivas teóricas: pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.
Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.
Estratégias didáticas:
Dinâmicas de grupo. Aula expositiva e dialogada.
306
Desenvolvimento da aula:
1. Inicialmente, a pesquisadora deve se apresentar, bem como explicar a pesquisa cuja ideia
culminou no planejamento da presente disciplina. Para a apresentação da turma,
identificaremos aqueles/as que já cursaram a disciplina de ensino de Genética básica e na
sequência faremos uma dinâmica de grupo, na qual cada licenciando/a diz seu nome e um
hobby, de modo que cada um, na sua vez, deve repetir os nomes dos/as colegas e seus
respectivos hobbies antes de pronunciar o próprio nome. Essa dinâmica tem o objetivo de
aproximar os/as licenciandos/as e promover um ambiente de descontração.
2. Em seguida, será realizada outra dinâmica de grupo, na qual cada licenciando/a receberá
uma folha de ofício, que deve ser dobrada em quatro partes. Em cada quadrante da folha,
os/as licenciandos/as devem escrever uma pergunta: Qual a função do professor? Que tipo de
professor eu quero ser? Qual o interesse em se matricular na disciplina? O que você
espera/gostaria de discutir nesta disciplina? Será reservado um tempo para que eles/as
respondam e à medida que terminarem, serão orientados/as a colar sua folha na parede, a fim
de que todos/as possam ler as colocações uns/umas dos/as outros/as para socializarmos.
3. Na sequência, a pesquisadora deverá discutir a ementa da disciplina, de modo a realizar
alguns ajustes a depender das sugestões da turma, suas próprias ideias e interesses. Desde esse
primeiro momento, os/as licenciandos/as serão orientados/as a refletir sobre a abordagem que
eles/as devem fazer no trabalho final da disciplina, que corresponde a uma proposta de aula
considerando o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico no contexto do ensino
de genética. Também neste momento será entregue o Termo de consentimento, para quem
estiver de acordo com gravações audiovisuais das interações discursivas nas aulas da
disciplina.
4. Por fim, por meio de uma abordagem expositiva e dialogada, com a utilização de slides,
serão discutidas as perspectivas teóricas que fundamentam a organização do curso, bem como
deve ser problematizado o conceito de ciência e a abordagem cientificista. Para tanto, os/as
licenciandos/as serão estimulados/as a apresentar suas concepções sobre o assunto.
Atividade: Leitura dos textos da aula 2.
Textos base para a organização da aula:
COBERN, W. W.; LOVING, C. C. Defining “science” in a multicultural world: Implications
for science education. Science Education, v. 85, p. 50-67, 2000.
MCLAREN, P. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
ENCONTRO 2
307
Conteúdo: História da ciência e história da genética. A crise do conceito de gene.
Perspectiva teórica em foco: Pluralismo epistemológico.
Estratégia didática: Organização de uma linha cronológica destacando períodos da história
nos quais se apresenta a construção de conhecimentos em Genética. Debate. Aula prática para
montar a estrutura de uma molécula de DNA. Discussão de fragmentos de texto sobre a crise
do conceito de gene.
Desenvolvimento da aula:
1. Inicialmente, a turma será dividida em quatro grupos para montar uma linha cronológica
com períodos da história nos quais se apresenta a construção de conhecimentos em Genética.
Para tanto, os grupos receberão recortes de fatos históricos que eles/as deverão ordenar na
forma cronológica dos acontecimentos. Vale ressaltar que a história deve ser apresentada
considerando o período no qual os estudos foram realizados, bem como as influências da
época, e não apenas na forma de uma sequência de eventos que culminam em resultados mais
complexos com o passar do tempo. Além disso, devem ser problematizados os atores dessa
linha nos aspectos de cor, sexo e origem. Assim, discutiremos fragmentos importantes da
história da ciência, e mais especificamente, da história da genética, problematizando a
abordagem cientificista nessa área da Biologia, tendo em vista que a genética representa um
construto da própria ciência. Na oportunidade, serão problematizadas as evidências que os/as
cientistas, em seu tempo, usaram como apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem
subsídios suficientes que contribuam para a compreensão das ideias científicas e a construção
processual que as caracteriza.
2. Em meio a apresentação inicial, será enfatizada uma discussão acerca da história de
Rosalind Franklin, cujos trabalhos empíricos foram fundamentais para a construção do
modelo de Watson e Crick. Nesse contexto será problematizada a diferença das opções
metodológicas e axiológicas de Franklin e Watson e Crick, bem como o pouco
reconhecimento por parte de Watson e Crick a respeito da importância dos dados de Franklin
para a dupla hélice. Imersos nessa problemática, os/as licenciandos/as serão convidados/as a
montar uma estrutura da molécula de DNA. Para tanto, serão oferecidos a eles/as todas as
partes necessárias da molécula, representadas por emborrachados coloridos. Nesta atividade, a
turma será dividida em quatro grupos, cada um, com o número de peças suficiente para a
representação de uma molécula de DNA. No curso dessa atividade serão problematizadas as
construções de modelos na Ciência, bem como a crise do conceito de gene.
3. Na sequência, os/as licenciandos/as serão orientados/as a um debate sobre as reflexões
deles/as acerca do conceito de gene. Nesse momento eles/as devem apresentar seus
308
conhecimentos culturais e como esses conhecimentos são importantes nos seus meios sociais.
Assim, o debate será guiado pela articulação entre os saberes dos/as estudantes e os
conhecimentos científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um saber em
detrimento de outro.
4. Para terminar, serão oferecidos a cada dupla de licenciando/a, um fragmento do texto
acerca da crise do conceito de gene, previamente selecionado, para que eles/as interpretem as
discussões vigentes acerca da polissemia do termo.
5. Ao final da aula, os/as licenciandos/as devem mencionar uma palavra para descrever a
experiência da aula.
Atividade: Buscar os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos relacionados a cor da
pele.
Textos base para leitura:
EL-HANI, C. N. Controvérsias sobre o conceito de gene e suas implicações para o ensino de
Genética. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 5., 2005, Bauru.
Anais. São Paulo: Universidade de São Paulo. p. 1-12.
JOAQUIM, L. M.; EL-HANI, C. N. A genética em transformação: crise e revisão do conceito
de gene. scientiæ zudia, v. 8, n. 1, p. 93-128, 2010.
SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da Genética. 6. ed. Trad. Cláudia Lúcia
Caetano de Araújo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
SILVA, M. R. da. As controvérsias a respeito da participação de Rosalind Franklin na
construção do modelo da dupla hélice. Scientia e studia, v. 8, n. 1, p. 69-92, 2010.
LINHA CRONOLÓGICA DA HISTÓRIA DA GENÉTICA
Evento Ano Acontecimento
1 1864 O inglês Herbert Spencer, inspirado pelo fenômeno da regeneração apresentado
por alguns animais, propôs em seu livro Principles of biology sua teoria de
herança e desenvolvimento. Essa teoria pressupunha a existência de unidades
fisiológicas vivas, presentes em todas as células do corpo, intermediárias entre as
moléculas químicas e as unidades morfológicas.
2 1866 Primeira publicação com as descobertas de Mendel, publicadas nos anais da
Sociedade de História Natural de Brno, revista da sociedade científica da cidade
em que Mendel viveu e trabalhou. Destaca-se que esse artigo não teve muita
repercussão, e Mendel passou a dedicar-se a outras atividades.
3 1868 Darwin elabora a hipótese da Pangênese, com base nas ideias de Aristóteles.
Segundo esta teoria, cada órgão do corpo produziria um material hereditário
específico: as gêmulas, que se agregariam, e tal conjunto seria, então,
encaminhado ao sêmen, transmitindo as características paternas ao futuro filho.
4 1869 Friedrich Miescher, fisiólogo e químico orgânico suíço, demonstrou que a
cromatina não era proteína. Trabalhando com células purulentas, Miescher
utilizou uma metodologia de trabalho tão criativa nos procedimentos de
309
purificação e extração, que lhe poderia ter sido atribuído o mérito de ser o
primeiro a identificar o DNA.
5 1871 Publicação do trabalho de Friedrich Miescher, no qual o autor nomeia de nucleína
o que hoje conhecemos por DNA. Ele, porém, nunca encarou a nucleína como
portadora de informação genética, e seu trabalho foi pouco relevante no meio
científico da época.
6 1875 O inglês Francis Galton publicou a Teoria das Estirpes. “Estirpe” seria o conjunto
das partículas hereditárias ou gêmulas contidas no zigoto logo após a fertilização
do óvulo. Elas não eram possíveis de serem vistas, o que o levava a propor
teorias. Defendia que haviam dois grupos de germes: os que se desenvolviam e os
que continuavam latentes, sendo que o período de fertilidade do primeiro grupo
seria maior, o que explicaria o porquê de algumas características notáveis nos pais
não aparecerem em sua prole.
7 1884 O suíço Carl von Nageli publicou sua obra Mechanisch-physiologische Theorie
der Abstammungslehre, na qual a teoria do idioplasma ou micelar deu suporte
para o problema da herança. O idioplasma, formado por longos filamentos que
passariam de célula a célula, seria a parte do protoplasma responsável pela
herança. Cada filamento seria formado por numerosos grupos de moléculas, teria
propriedades específicas e um feixe de filamentos controlaria as propriedades da
célula, tecidos, sistemas e órgãos.
8 1889 Em sua obra Intracelluläre Pangenesis, o holandês Hugo de Vries defendeu que as
unidades da herança teriam dimensões menores que as das células. Para de Vries,
os pangenes não seriam visíveis ao microscópio, estariam no núcleo celular e se
multiplicariam durante a divisão celular, a fim de definirem as características de
cada indivíduo. Além de estarem no núcleo de forma inativa, os pangenes
estariam ativos no citoplasma.
9 1892 O biólogo alemão August Wieman propôs o modelo de herança de partículas na
chamada Teoria do Germoplasma, que considerava o germoplasma (plasma
germinativo) completamente isolado do corpo do organismo que o carregava. A
estrutura carregaria o germoplasma até que estivesse pronto para passar para outra
geração. Ele admitia que apenas o plasma germinativo fosse transmitido de uma
geração à outra.
10 1900 Três biólogos: o holandês Hugo de Vries, o alemão Carl Correns e o austríaco
Erich Von Tschermak, embora não trabalhassem juntos, chegaram a conclusões
semelhantes em seus respectivos estudos sobre a hereditariedade. Ao pesquisar os
trabalhos de seus antecessores, esses biólogos descobriram que suas ideias não
eram originais, pois 35 anos antes o monge agostiniano Gregor Johann Mendel
(1822-1884) havia chegado às mesmas conclusões.
11 1909 O geneticista dinamarquês Wilhelm Johannsen introduziu o termo “gene” para
designar a unidade que constituiria o genótipo, diferenciando gene e fene.
Johannsen entendia o gene de maneira instrumentalista, ou seja, uma entidade
teórica, sem qualquer hipótese acerca de sua natureza material. Ele defendia o uso
do gene como um tipo de unidade de cálculo.
12 1926 Thomas Hunt Morgan, zoólogo e geneticista estadunidense, publica o livro The
Theory of the Gene, no qual explicou que a hereditariedade está ligada a unidades
passadas de pais para filhos e que a transmissão de algumas características é
determinada pelo sexo. Seu trabalho, utilizando a mosca drosófila, deu enfoque
especial às mutações e sua transmissão para os descendentes. Morgan identificou
que os genes estariam localizados nos cromossomos, e daí a ideia realista sobre o
gene emergiu fortemente. As pesquisas de Morgan levaram-no à formulação da
teoria cromossômica da hereditariedade e lhe valeram o Prêmio Nobel de
310
Medicina.
13 1930 –
1940
O sueco Torbjörn Oskar Caspersson e colaboradores demonstraram que a
molécula de DNA era muito maior e mais complexa que as moléculas de proteína,
abrindo caminho para o reconhecimento do DNA como responsável pela
informação genética.
1940 Os estadunidenses George Beadle e Edward Tatum, realizando estudos com o
fungo Neurospora, tiveram papel central na elucidação das relações entre
mutações e alterações em enzimas envolvidas em vias metabólicas. A partir disso,
o gene passou a ser visto como um produtor de enzimas e a maior preocupação
passou a recair sobre o aspecto funcional dos genes e seu vínculo com a
determinação do fenótipo por meio das enzimas por eles produzidas. A partir
daqui as abordagens genéticas e bioquímicas se estreitaram.
14 1945 –
1950
Watson e Crick (americano e britânico, respectivamente) se ocupavam com
desenhos das bases e com modelos de papelão para representar a estrutura do
DNA. Com as contribuições de: Chargaff, em Nova Iorque (demonstrou que as
proporções de bases no DNA são constantes); Rosalind Franklin e Maurice
Wilkins, em Londres (demonstrou o padrão de difração de raios X, obtido quando
uma fibra de DNA cristalizado é bombardeada com raios X, permitindo inferir
que o DNA é uma molécula helicoidal) e Linus Pauling, na Califórnia (elaborou o
modelo da estrutura hélice das proteínas).
* Maurice Wilkins (anos depois ganhou um Nobel) e Rosalind Franklin (não foi
agraciada com o mesmo, não obstante sua participação tenha sido igualmente
decisiva), ambos físicos, contribuíram com seus experimentos de cristalografia,
para os círculos de Watson e Crick.
15 1953
James Watson e Francis Crick publicaram na Revista Nature um modelo que
explicou a estrutura do DNA, o modelo da dupla hélice, que estabeleceu esta
molécula como a base da herança biológica. Esse modelo propiciou uma
compreensão físico-química de todo o conjunto de requisitos para o gene:
explicou a natureza da sequência linear dos genes; sugeriu um mecanismo para a
exata replicação dos genes (bem como para a síntese de RNA a partir de DNA,
em 1958); explicou quimicamente a natureza das mutações; e mostrou como
mutação, recombinação e função são fenômenos separáveis no nível molecular.
16 1962 James Watson e Francis Crick ganharam o Prêmio Nobel por “solucionar” o
mistério do DNA.
17 1978 O americano Walter Gilbert chamou as regiões não codificadoras que
interrompiam os genes eucarióticos de íntrons e as regiões codificadoras, de
éxons, e postulou que, diante dos íntrons, o dogma “um gene uma cadeia
polipeptídica” teria desaparecido.
18 1983 A Botânica e citogenética Barbara McClintock, estadunidense, venceu o prêmio
Nobel de Medicina pela descoberta dos elementos genéticos móveis
(transposons), que causam o fenômeno conhecido como transposição genética.
Ela foi a primeira mulher a ganhar sozinha um Prêmio Nobel de Medicina!
19 1992 Maria Inês Pardini e Romeu Guimarães, brasileiros, propuseram um conceito
sistêmico de gene, de acordo com o qual “o gene é uma combinação de (uma ou
mais) sequências de ácidos nucleicos (DNA ou RNA), definido pelo sistema (a
célula inteira, interagindo com o ambiente) que corresponde a um produto (RNA
ou polipeptídio) ”. Essa definição trata o genoma como parte do sistema celular,
que “constrói, define e usa o genoma como parte do seu mecanismo de memória,
como um banco de dados interativo”.
311
20 1999 Paul Griffiths e Eva Neumann-Held, ingleses, propõem uma distinção entre dois
conceitos de gene: o ‘gene molecular’ (corresponde, a grosso modo, a uma
sequência de DNA que codifica um produto funcional) e o ‘gene evolutivo’
(corresponde a um segmento qualquer de DNA, começando e terminando em
pontos arbitrários de um cromossomo, que compete com segmentos alelomórficos
pela região do cromossomo em questão).
21 2001 Os esforços do Projeto Genoma Humano (mais de 20 países envolvidos num
projeto que durou 11 anos) culminaram na publicação de dois longos artigos
sobre o genoma humano. Os artigos relatavam o sequenciamento de 2, 7 bilhões
de pares de nucleotídeos de DNA humano.
Inicialmente, o PGH foi originalmente marcado por uma visão determinista
genética, assumindo que os genes seriam responsáveis pelas características
fenotípicas, com outros fatores, como os ambientais, atuando no máximo como
disparadores (triggers) de padrões de expressão gênica. Contudo, uma vez que
genomas sequenciados foram se tornando disponíveis, mostrou-se muito difícil
identificar e localizar os genes e relacioná-los a fenótipos. Keller (2000) chega a
falar no seu livro “o século do gene” que o maior legado do PGH é não conseguir
associar DNA e fenótipo, ou seja, entender que a complexidade desse sistema
biológico é muito maior.
22 2003 Em uma tentativa de organizar a variedade de definições de gene encontrada na
literatura, Moss distingue entre o gene-P (INSTRUMENTAL - o gene como
determinante de fenótipos ou diferenças fenotípicas, sem quaisquer requisitos
quanto a sequências moleculares específicas ou à biologia envolvida na produção
do fenótipo) e o gene-D (REALISTA (gene molecular) - o gene como um recurso
desenvolvimental, que é, em si mesmo, indeterminado com relação ao fenótipo).
Desde então, destaca-se a importância de apresentar o contexto em que o conceito
de gene está sendo usado, uma vez que se trata de um termo polisssêmico.
ENCONTRO 3
Conteúdo: Interação gênica. Herança genética. Diversidade genética e diversidade cultural.
Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo Crítico.
Estratégia didática: Apresentação da música “Coisas de pele” de Jorge Aragão. Aula
expositiva e dialogada. Jogo didático. Apresentação de pesquisa pelos/as licenciandos/as.
Desenvolvimento da aula:
1. Inicialmente será apresentada a música “Coisas de pele”, a fim de problematizar o
protagonismo e a resistência de grupos afrodescendentes que foram subalternizados
historicamente. Neste ínterim, os/as licenciandos/as serão estimulados a desenvolverem
narrativas orais, nas quais exponham experiências de vida, vivências, dentro do percorrer
acadêmico, científico e social, onde eles/as tenham percebido situações de racismo e de
subalternização cultural.
2. Na sequência, será desenvolvida uma aula expositiva e dialogada, com a utilização de
slides, sobre interação e herança genética, acentuando as diferentes formas de explicar a
312
herança genética por diferentes culturas, tendo como base o trabalho de Reis (2018) acerca
dos perfis conceituais para o tema em questão. Nesse ínterim, será discutida com mais
profundidade a herança poligênica da cor da pele e as relações de poder estabelecidas como
reflexo dos diferentes tons de pele.
3. Na sequência, os/as licenciandos/as serão convidados/as a se dividirem em quatro grupos
para a atividade de um jogo didático sobre o conteúdo conceitual de herança genética. O jogo
consiste em agrupar três cartas, juntando um determinado termo, o conceito correspondente e
uma imagem característica, em relação ao conteúdo discutido.
4. Por fim, os/as licenciandos/as deverão apresentar suas respectivas pesquisas em relação aos
aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos relacionados a cor da pele.
5. Ao final da aula, os/as licenciandos/as devem mencionar uma palavra para descrever a
experiência da aula.
Atividade: Ler os textos da aula 4.
Textos base para leitura:
HITA, M. G (Org.). Raça, racismo e genética. Salvador: EDUFBA, 2017.
SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da Genética. 6. ed. Trad. Cláudia Lúcia
Caetano de Araújo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
REIS, V. P. G. S. Um perfil conceitual de Herança Biológica: Investigando dimensões
epistemológicas e axiológicas do processo de significação do conceito no contexto do Ensino
Médio de Genética. 2018. Tese (Doutorado em ensino, filosofia e história das ciências).
Instituto de Física, Universidade Federal da Bahia.
JOGO DIDÁTICO
313
314
ENCONTRO 4
315
Conteúdo: Conceito de Raça e espécie. Racismo científico e alterização científica.
Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.
Estratégia didática: Apresentação de cordel. Aula em espaço não-formal com a utilização de
desenhos impressos em papeis cartão. Discussão de textos.
Desenvolvimento da aula:
1. Inicialmente, será apresentado o Cordel “Preconceito Racial” de Patrícia Anjos e suscitado
a discussão referente a naturalização de preconceitos e discriminação, tendo em vista a forte
crença na democracia racial no Brasil.
2. Na sequência, em espaço não formal (praça da reitoria), com a utilização de desenhos
impressos em papeis cartão, será contada a história do documentário: “A história do racismo e
escravismo”, a fim de conversarmos acerca da origem do racismo, bem como as relações de
poder entre as culturas e a posição subalternizada de grupos minoritários, e assim analisar
suas identidades étnicas e destacar o protagonismo e a resistência dos afro-descendentes.
3. Nesse ínterim, será levantada a discussão sobre os conceitos de raça e espécie,
principalmente sobre como o conceito de raça caiu em desuso e voltou ao uso como marcação
política. Inicialmente os/as licenciandos/as serão estimulados a apresentarem suas concepções
frente a esses conceitos e, em seguida, com base no texto de Munanga (2004), esses conceitos
devem ser mais aprofundados. Na oportunidade será levantada a discussão de que as
comoções midiáticas pontuais, em casos de racismo, devem abrir espaço para discussões mais
críticas e profundas acerca do mito da democracia racial no Brasil.
4. Posteriormente, a turma será dividida em grupos, e cada grupo receberá um fragmento de
uma matéria do blog Darwinianas para apresentar e discutir: a) Vamos conversar sobre raça
(https://darwinianas.com/2017/10/03/vamos-conversar-sobre-raca/#more-1637); b) A
diversidade humana não cabe nas categorias raciais (https://darwinianas.com/2017/02/28/a-
diversidade-humana-nao-cabe-nas-categorias-raciais/) e c) Existem raças humanas?
(https://darwinianas.com/2017/01/17/existem-racas-humanas/).
5. Por fim, o debate terá como foco o racismo científico e os processos de alterização
científica, a partir da discussão do texto de Sánchez-Arteaga; Sepúlveda e El-Hani (2013), a
fim de problematizar a abordagem cientificista por meio das discussões acerca da natureza da
ciência.
Atividade: Leitura dos textos da aula 5.
Textos base para leitura:
316
MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia.
Cadernos PENESB (Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira), n.5, p.
15-34, 2004.
SÁNCHEZ-ARTEAGA, J. M.; SEPÚLVEDA, C.; EL-HANI, C. N. Racismo científico,
procesos de alterización y enseñanza de ciencias. Revista Internacional de Investigación en
Educación, v. 6, n. 12, p. 55-67, 2013.
A HISTÓRIA DO RACISMO E ESCRAVISMO
317
318
ENCONTRO 5
Conteúdo: O mito da democracia racial no Brasil. Ações Afirmativas.
Perspectiva teórica em foco: Multiculturalismo Crítico.
Estratégia didática: Debate. Problematização de um caso. Escrita de um texto dissertativo e
apresentação do mesmo.
Desenvolvimento da aula:
319
1. Inicialmente, um grupo de licenciandos/as deve mediar a discussão do texto “O mito da
democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930)”, a fim de problematizar a
naturalização de preconceitos e discriminações.
2. Em seguida, outro grupo de licenciandos/as deve mediar a discussão do texto intitulado
“Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações
afirmativas?”, essa problematização deve fortalecer a articulação do discurso biológico com
discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais.
3. Para terminar, será proposta a problematização de um caso para os/as licenciandos/as
acerca da política de cotas. O caso supracitado foi retirado do texto intitulado “Genética, raça
e políticas de ações afirmativas a partir de questões Sociocientíficas”. A partir da discussão do
caso, os/as licenciandos/as serão orientados a se reunirem em grupos para responder a
algumas questões na forma de um texto dissertativo, que ao final, deve ser socializado a
turma.
Atividade: Leitura dos textos da aula 6.
Texto base para leitura:
DIAS, T. L. S.; FERNANDES, K. M.; ARTEAGA, J. M. S.; SEPULVEDA, C. A. S. E.
Genética, raça e políticas de ações afirmativas a partir de questões Sociocientíficas. In: VI
Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade, 2015, Rio de Janeiro. Anais do VI
Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade. Rio de Janeiro: VI
ESOCITE.BRTECSOC, 2015. p. 330.
DOMINGUES, P. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930).
Diálogos Latinoamericanos, v. 10, n.10, p. 117-132, 2005.
PENA, S. D. J.; BORTOLINI, M. C. Pode a genética definir quem deve se beneficiar das
cotas universitárias e demais ações afirmativas? Estudos avançados, v. 18, n. 50, p. 31-50,
2004.
ENCONTRO 6
Conteúdo: As aplicações da genética molecular. Ênfase nas discussões sobre reprodução
assistida com escolha de características genéticas “desejáveis”.
Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.
Estratégia didática: Filme Gattaca. Discussão de reportagens e de textos.
Desenvolvimento da aula:
1. Inicialmente, os/as licenciandos/as serão convidados/as a assistir ao filme “Gattaca –
Experiência genética”, com duração de 1h27min. Ao término do filme, será proposto um
320
debate acerca das influências políticas e culturais que permeiam a construção do
conhecimento sobre manipulação gênica nos dias atuais e os saberes dos/as licenciandos/as
em relação as aplicações da genética molecular.
2. Em seguida, serão discutidas as reportagens: “Manipulação genética de fetos, rumo à
perfeição ou destruição da espécie humana?”
(https://blog.comshalom.org/vidasemduvida/manipulacao-genetica-de-fetos-rumo-perfeicao-
ou-destruicao-da-especie-humana/) e “Após perder filho, casal seleciona embrião 'sem risco'
genético de câncer”
(http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/10/121008_casal_filho_cancer_uk_fn).
3. Posteriormente, abriremos espaço para a discussão dos textos “A reprodução humana
assistida e a seleção de embriões para melhoramento genético: Uma abordagem da ética
deontológica” e “As escolhas procriativas no projeto parental assistido heterólogo: As
condutas neoeugênicas à luz dos limites ético-jurídicos”. Cada texto deve ser apresentado por
um grupo de licenciandos/as, que deverá mediar a discussão.
As discussões das reportagens e dos textos devem considerar os diferentes discursos sobre o
assunto e a forma como diferentes culturas interpretam e explicam os avanços científicos na
genética molecular.
Atividade: Leitura dos textos da aula 7. Elaboração de argumentos a favor e contra a
utilização de técnicas de melhoramento genético humano relacionadas a reprodução assistida.
Textos base para leitura:
AKKARI, A. C. S. et al. A reprodução humana assistida e a seleção de embriões para
melhoramento genético: Uma abordagem da ética deontológica. Contemporâneos: Revista e
artes e humanidades, n. 9, p. 1-20, 2012.
MEIRELLES, A. T. As escolhas procriativas no projeto parental assistido heterólogo: As
condutas neoeugênicas à luz dos limites ético-jurídicos. Revista Direitos Fundamentais e
Alteridade, v. 1, n. 1, p. 05-21, 2017.
ENCONTRO 7
Conteúdo: Melhoramento genético humano, Eugenia e discriminação.
Perspectiva teórica em foco: Multiculturalismo Crítico.
Estratégia didática: Aula expositiva e dialogada. Vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo
Para Sempre - CRISPR”. Discussão de texto. Júri simulado.
Desenvolvimento da aula:
321
1. Inicialmente será realizada uma aula expositiva e dialogada sobre as aplicações da genética
molecular, com discussão mais profunda acerca da reprodução assistida com escolha de
características genéticas “desejáveis” e as implicações éticas envolvidas, articulando, assim, o
discurso biológico com discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais. Nesse
contexto, será apresentado o vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre -
CRISPR” (https://www.youtube.com/watch?v=6PZz7CH4e1M), através do qual alguns
questionamentos serão levantados: Qualquer característica é passível de se selecionar? Quais
características selecionar? Se alguém é favorável a poder selecionar “doenças”, quantas
pessoas deficientes não estariam nascidas? Porém quanto sofrimento seria evitado? Quem
pode definir quais características podem ou não ser selecionadas? Se a herança é poligênica,
como selecionar? Tem como, de fato, selecionar?
2. Na sequência, abre-se o debate em relação aos textos “Educar para regenerar e selecionar.
Convergências entre os ideários eugênico e educacional no Brasil” e “Concepções de
estudantes do ensino superior acerca da Eugenia”. Cada um desses textos deve ser
apresentado por um grupo de licenciandos/as.
3. Após as apresentações dos textos, será proposto aos/as licenciandos/as a dinâmica do júri
simulado, na qual parte da turma deve defender a utilização das técnicas de melhoramento
genético humano para a reprodução assistida, enquanto outra parte deve apresentar
argumentos contrários. Ao término dessa dinâmica, os/as licenciandos/as serão estimulados a
apresentar seus próprios posicionamentos (se a favor ou contra) de modo a tomarem uma
decisão apoiada em argumentos, e, assim, será discutido o jogo político de dominação cultural
e social.
Atividade: Leitura dos textos da aula 8.
Texto base para leitura:
GUALTIERI, R. C. E. Educar para regenerar e selecionar. Convergências entre os ideários
eugênico e educacional no Brasil. Estudos de Sociologia, v.13, n.25, p.91-110, 2008.
SCHNEIDER, E. M.; CARVALHO, G. S.; CORAZZA, M. J. Concepções de estudantes do
ensino superior acerca da Eugenia. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências, 11., 2017, Florianópolis. Anais. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa
Catarina. p. 1-11.
ENCONTRO 8
Conteúdo: Decolonialidade do Saber. Leis 10639/03 e 11645/08. Planejamento de aula.
Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.
322
Estratégia didática: Discussão de textos. Organização da proposta didática.
Desenvolvimento da aula:
1. Esta aula será destinada a apresentação e discussão dos textos: “Pedagogias decoloniais e
interculturalidade: desafios para uma agenda educacional antirracista”; “A Implementação das
Leis Nº 10.639/2003 e Nº 11.645/2008 e o Impacto na Formação de Professores” e “Por que
ensinar a história da África e do Negro no Brasil de Hoje?” Durante a discussão, os/as
licenciandos/as serão estimulados/as a considerar diferentes discursos sobre o mundo,
valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas. A apresentação dos textos
deve ser guiada pelos/as licenciandos, de modo que cada grupo deverá mediar a discussão de
um dos textos e assim seguir o debate.
2. Em seguida, o tempo da aula será reservado para que os/as licenciandos/as possam se reunir
em duplas para pensar uma proposta de oficina e definir data e horário do desenvolvimento da
mesma.
Atividade: Organizar a prática pedagógica.
Texto base para leitura:
COELHO, W. de N. B.; SOARES, N. J. B. A Implementação das Leis Nº 10.639/2003 e Nº
11.645/2008 e o Impacto na Formação de Professores. Educação em foco, v. 21, n. 3, p. 573-
606, 2016.
MIRANDA, C.; RIASCOS, F. M. Q. Pedagogias decoloniais e interculturalidade: desafios
para uma agenda educacional antirracista. Educação em foco, v. 21, n. 3, p. 545-572, 2016.
MUNANGA, K. Por que ensinar a história da África e do Negro no Brasil de Hoje? Revista
do instituto de estudos brasileiros, v. 1, n. 62, p. 20–31, 2015.
ENCONTRO 9
Desenvolvimento: O tempo da aula será reservado para que os/as licenciandos/as possam se
reunir em duplas para aperfeiçoar a proposta de oficina.
ENCONTRO 10
Desenvolvimento: Apresentação e discussão do esboço da oficina.
Divulgação da proposta da oficina em um colégio estadual.
ENCONTRO 11
Desenvolvimento: Realização de alguma atividade proposta na oficina, a fim de testar a
atividade com os/as colegas de turma e aperfeiçoar a proposta.
323
Divulgação da proposta da oficina em um colégio estadual.
ENCONTRO 12
Desenvolvimento: Realização da oficina.
ENCONTRO 13
Desenvolvimento: Apresentação da análise crítica sobre a experiência da oficina.
ENCONTRO 14
Desenvolvimento: Apresentação da análise crítica sobre a experiência da oficina.
ENCONTRO 15
Desenvolvimento: Avaliação e fechamento da disciplina. Autorreflexão e avaliação da
disciplina. Grupo focal.
6.Avaliação:
Participação e discussão nas atividades em sala – individual.
Elaboração e apresentação de um texto – em grupo
Elaboração escrita e apresentação oral de um plano de oficina – em dupla
Desenvolvimento de uma oficina – em dupla
Análise crítica da oficina – em dupla
324
APÊNDICE D. QUESTIONÁRIO FINAL DA DISCIPLINA38
IDENTIFICAÇÃO
ALUNO (A): _______________________________________________________________________
Idade: ______________
Religião: _________________________________ Praticante? ( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
Auto declaração: ( ) Amarelo (segundo o IBGE)
( ) Branco (segundo o IBGE)
( ) Indígena (segundo o IBGE)
( ) Quilombola
( ) Pardo (segundo o IBGE)
( ) Preto (segundo o IBGE)
( ) Pessoa com Deficiência
( ) Pessoa Trans (Transexual, Travesti ou Transgênero)
Nome Social:________________________________________________
Ano de ingresso no curso: ______________________________________
Ingressou na universidade por meio de sistema de cotas: ( ) Sim ( ) Não
Tempo de experiência docente: ________________ Séries em que atuou/atua: __________________
PARTE 1 – AUTOAVALIAÇÃO
Como você avalia seu comportamento/suas atitudes no curso? (Coloque para cada proposição – nos
parênteses – uma nota de 0 a 10)
( ) Consegui expressar claramente minhas ideias e opiniões sobre os assuntos abordados.
( ) Li materiais que auxiliaram meu desenvolvimento durante o curso.
( ) Respeitei diferentes opiniões e valores de meus colegas.
( ) Fui responsável com as metas estabelecidas e os objetivos da disciplina.
( ) Fui educado(a) nas interações com a turma.
( ) Compartilhei conhecimentos e experiências prévios relacionados aos assuntos abordados.
( ) Discuti diferentes pontos de vista (tanto de autores/obras quanto de colegas da turma).
( ) Ampliei minha compreensão sobre as relações entre a genética e questões socioculturais e
políticas.
( ) Fui pontual e assíduo nas aulas.
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
A disciplina atendeu às suas expectativas? Comente.
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento da sua proposta de oficina?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
O que você mais gostou no desenvolvimento da sua proposta de oficina?
38 Questionário inspirado em Conrado (2017).
325
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
A disciplina contribuiu com seu crescimento e sua aprendizagem profissional e pessoal? Comente.
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
PARTE 2 – AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA
Do que você mais gostou na disciplina? Justifique:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Do que você menos gostou na disciplina? Justifique:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Como você avalia os textos selecionados para o curso? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Úteis ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Cansativos
( ) Outros _________________________________________________________________________
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Como você avalia os conteúdos selecionados para o curso? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Interessantes ( ) Úteis ( ) Suficientes ( ) Cansativos ( ) Monótonos ( ) Desnecessários
( ) Outros _______________________________________________________________________
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
A disciplina foi organizada seguindo pressupostos de duas perspectivas teóricas: O pluralismo
epistemológico e o multiculturalismo crítico.
O pluralismo epistemológico defende a crítica ao cientificismo e orienta que cada conhecimento
tem seu alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado, numa perspectiva de
demarcação de conhecimentos.
Como você avalia a relação dos conteúdos selecionados na disciplina para o desenvolvimento da
sua proposta de oficina com o pluralismo epistemológico? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Outros
____________________
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
326
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
A perspectiva do multiculturalismo crítico orienta a discussão das relações de poder entre as
culturas, questionando a posição subalternizada de grupos minoritários, como o de
afrodescendentes, além de questionar a naturalização de preconceitos e discriminação, buscando
interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo.
Como você avalia a relação dos conteúdos selecionados na disciplina para o desenvolvimento da
sua proposta de oficina com o multiculturalismo crítico? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Outros
____________________
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Como você avalia a proposta de oficina quanto à articulação entre o pluralismo epistemológico
e o multiculturalismo crítico? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Pertinente ( ) Suficiente ( ) Pouco aplicada ( ) Desnecessária ( ) Outros
____________________
Comentários:
______________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Como você avalia a discussão desses conteúdos pela professora? (Pode marcar mais de uma opção)
( ) Interessante ( ) Produtiva ( ) Suficiente ( ) Cansativa ( ) Insuficiente ( ) Desnecessária
( ) Outros
________________________________________________________________________________
Comentários:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Qual sua opinião geral sobre a disciplina?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Nota geral que você confere à disciplina (Indique uma nota de 0 a 10): _______
Que sugestões você gostaria de apresentar para que a disciplina atinja plenamente seus objetivos?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Agradeço pela sua participação!
327
APÊNDICE E. MODELO PARA PLANEJAR A OFICINA
1. Dados de Identificação:
Escola:
Professor (a) supervisor (a):
Dupla:
Tempo provável:
2. Tema:
3. Nível educacional a que se aplica:
4. Área do conhecimento que mobiliza:
5. Conteúdo Programático:
6. Objetivos a alcançar:
6.1 Conceituais
6.2 Procedimentais
6.3 Atitudinais
7. Contextualização do tema (aspectos sociais, tecnológicos, políticos...)
8. Metodologia de Ação:
8.1 Métodos e Técnicas
Mínimo de DOIS tipos de atividades diferente da aula expositiva.
Aula expositiva
Jogo
Debate
8.2 Recursos Didáticos
8.3 Desenvolvimento da oficina:
9. Atividade (se houver):
10.Bibliografia:
328
APÊNDICE F. CARTA DE APRESENTAÇÃO
Ilmo(a) Senhor(a) Diretor(a),
Venho através deste, solicitar a autorização para que os(as) estudantes
_______________________________________ e
______________________________________, do curso de Biologia da Universidade
Federal de Sergipe, sob número de matrícula ______________________ e
_______________________, respectivamente, possam desenvolver uma oficina com
estudantes do ensino médio desta instituição.
A oficina faz parte de uma atividade obrigatória da disciplina “Tópicos Especiais no
ensino de Ciências e Biologia” e deve ser desenvolvida sob a minha orientação e supervisão.
Caso haja concordância entre os(as) professores(as), é preferível que as atividades sejam
desenvolvidas no horário regular de aulas, em três aulas seguidas num só dia.
As oficinas têm como tema geral o ensino de Genética e as discussões sobre racismo e
eurocentrismo. Assim, no contexto do ensino de Genética podem ser discutidos temas
relacionados à Eugenia, racismo científico ou melhoramento genético. Para uma avaliação e
discussão mais aprofundada junto aos estudantes de licenciatura, as oficinas podem ser
gravadas em áudio e/ou em vídeo. Para tanto, solicitamos que os estudantes que aceitarem
participar da pesquisa assinem um termo de consentimento, e no caso de estudantes menores
de idade, que o termo seja estendido aos pais ou responsáveis.
Atenciosamente,
________________________________________________
Isabela Santos Correia Rosa
Professora Voluntária do Departamento de Biologia/UFS
329
APÊNDICE G. ORIENTAÇÕES PARA A ANÁLISE CRÍTICA DA OFICINA
TEMA DA OFICINA
1. INTRODUÇÃO (Neste tópico vocês devem apresentar a importância de abordar o
tema em questão no âmbito escolar, bem como os objetivos com a oficina).
2. O PERCURSO METODOLÓGICO (Neste tópico, vocês devem apresentar os
momentos da oficina, bem como O QUE foi utilizado para o desenvolvimento de cada
atividade proposta).
3. RELATO DA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA (Este é o tópico referente aos resultados
e discussões, onde vocês devem apresentar: 1. A participação dos estudantes em cada
atividade proposta, contando a história de COMO aconteceu cada atividade e COMO os
estudantes reagiram a experiência; 2. A avaliação de vocês quanto aos aspectos positivos da
proposta; 3. A avaliação de vocês quanto as possíveis falhas da proposta, apresentando o que
faria diferente a partir da reflexão da prática; 4. A avaliação do que conseguiu cumprir em
relação ao planejamento prévio, justificando o que não foi possível ser feito; 5. Avaliação das
possíveis decepções que tiveram com a experiência, apresentando as expectativas que não
foram alcançadas e as possíveis razões; 6. As possíveis alegrias que viveram com a prática,
apresentando o que deu certo da atividade; 7. Em que medida vocês atenderam ao barema de
avaliação do plano de aula: como atendeu, a partir de qual(is) atividade atendeu ou porque
não atendeu. A medida que vocês desenvolverem essa discussão, podem intercalar o relato
com citações de artigos provenientes de revistas ou de livros, preferencialmente).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS (Aqui vocês devem apresentar de forma geral, os
aspectos positivos e negativos da experiência pedagógica, bem como a contribuição dessa
vivência para a formação de vocês)
5. REFERÊNCIAS (Seguir as normas da ABNT e dar preferência a referências
bibliográficas advindas de periódicos e livros indexados recentes).
330
APÊNDICE H. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES REFERENTE AO
ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL SEMIESTRUTURADA39
Perguntas É possível alcançar
o objetivo esperado
a partir de como a
pergunta está
elaborada?
1. O que ficou da disciplina na sua mente, no seu modo de pensar e de
trabalhar com o ensino de Biologia?
7.5
2. Algo mudou? O que mudou de concepção da prática docente a partir das
discussões promovidas na disciplina?
7.5
3. Você pensa em discutir com seus alunos do ensino médio o conceito de
ciência? Por quê? Como discutiria?
6.5
4. Você pensa em discutir com seus alunos do ensino médio a crise do
conceito de gene? Por quê? Como discutiria? Abordaria a história de
Rosalind Franklin? Como?
8.0
5. Como você lidaria com o fato de ter alunos que acreditam que “As
características estão no sangue”? Se o seu aluno, apesar de compreender os
mecanismos de herança biológica, insiste em afirmar em contexto familiar
que “As características estão no sangue”, é importante para você que este
aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento
científico em todos os contextos? Por quê?
7.0
6. Como você poderia exemplificar, para os seus estudantes, que todos os
tipos de conhecimento têm validade, de acordo com o contexto?
8.0
7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos
dos estudantes, bem como suas culturas? Com qual objetivo?
8.0
8. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança
biológica, apresenta a crença de que “Crianças podem nascer com alguma
deficiência por causa de castigo de Deus”, é importante para você que este
aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento
científico? Por quê?
7.0
9. É função do professor de ciências alterar crenças dos estudantes ou a
compreensão dos conceitos científicos é suficiente? Para entender é preciso
acreditar?
7.0
10. Por que é importante que conhecimentos de grupos étnicos e culturais
sejam acionados na sala de aula?
7.5
11. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, questões
sobre racismo e alterização, por exemplo, no contexto do ensino de
Biologia? Por quê? Como discutiria?
8.0
12. É importante articular as discussões sobre eurocentrismo no contexto do
ensino de biologia? Você pretende fazer isso em práticas pedagógicas
futuras? Como?
8.0
13. Você poderia citar fatos na história em que o discurso científico
influenciou decisões sociais sobre questões raciais? Você levaria essa
articulação do discurso biológico com outros discursos para a sala de aula?
Como?
7.5
39 O escore total foi calculado somando as respostas de cada um dos oito participantes do processo de
validação por pares, sendo que o “sim” equivale a 1 ponto, a opção “em parte” a 0.5 ponto e a opção
“não” a 0 ponto. Dessa forma, o escore de 8 pontos representa uma questão bem elaborada. Assim,
quanto maior o escore, mais bem elaborada está cada questão.
331
14. Qual a importância, no contexto do ensino de biologia, de se
problematizar as identidades coletivas marginalizadas?
Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões
culturais no ensino de biologia? Que argumentos você apresentaria contra
tais argumentos?
7.0
Fonte: Dados da pesquisa.
332
APÊNDICE I. ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL
1. O que ficou da disciplina na sua mente, no seu modo de pensar e de trabalhar com o ensino
de Biologia?
2. Houve alguma mudança de concepção de prática docente a partir das discussões
promovidas na disciplina? Se sim, qual ou quais?
3. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, o conceito de ciência? Pensa em
problematizar o poder simbólico do termo ‘ciência’, a influência eurocêntrica? Por quê?
Como discutiria?
4. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, a crise do conceito de gene? Por
que? Como discutiria? Abordaria a história de Rosalind Franklin? Como? Conhece outros
exemplos, outras histórias que permitiriam vincular também questões políticas, culturais e de
gênero, além da história de Rosalind Franklin?
5. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica, insiste em
afirmar, no seu contexto cotidiano, que “As características estão no sangue” é importante para
você que este aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento científico em
todos os contextos? Por quê? E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento,
como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, devemos questionar e buscar superar essas
práticas?
6. Você acha que todas as formas de conhecimento são válidas? Considera importante que
conhecimentos de grupos culturais minoritários sejam acionados na sala de aula? Como você
poderia exemplificar essa abordagem?
7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos dos estudantes,
bem como suas culturas? Com qual objetivo?
8. Você pensa em discutir, com seus alunos da educação básica, questões sobre racismo e
alterização, por exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê? Como discutiria?
9. Você poderia citar fatos na história em que o discurso científico influenciou decisões
sociais sobre questões raciais? Você levaria essa articulação do discurso biológico com outros
discursos para a sala de aula? Como?
10. Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões culturais no
ensino de Biologia? Você concorda com estes argumentos? Se sim, como você defenderia
esses argumentos? Se não, que contra-argumentos você apresentaria?
333
APÊNDICE J. TRANSCRIÇÃO DOS EPISÓDIOS COMUNICATIVOS
Dimensão Epistemológica
Episódio 3. Encontro 1. Momento 5. Intervalo 02:32:12 – 02:44:07
Tema: O conceito de ciência e suas implicações
Nesse episódio, discutimos sobre o conceito de ciência. Para isso, foi apresentado aos licenciandos/as
várias palavras - DESCOBRIR, UM MÉTODO, VÁRIOS MÉTODOS, UM CIENTISTA,
VERDADEIRO, DESCOBRIR, VÁRIAS PESSOAS, POLÍTICA, CERTEZA, SOCIEDADE,
VERDADEIRO, TECNOLOGIA, DÚVIDA – e eles/as foram convidados/as a escolher as palavras
que se relacionassem ao conceito, justificando a escolha.
Turno 1. Licenciandos/as: Descobrir.
Turno 2. Eduardo: Dúvida.
Turno 3. João: Vários métodos.
Turno 4. Professora: Dúvida, né?
Turno 5. João: Dúvida, sim.
((E eles seguem falando concomitantemente: sociedade, política, tecnologia, várias pessoas))
Turno 6. Marcos: um método.
Turno 7. João: Um método, não! Um método, acho que não.
Turno 8. Professora: O que vocês acham? Um método ou vários métodos?
Turno 9. Licenciandos/as: vários métodos.
Turno 10. Marcos: Um método.
Turno 11. Professora: Vamos lá. Por que? Quem quer começar a explicar?
Turno 12. Marcos: Por que tudo na ciência é baseado em um princípio. Mesmo tendo vários
métodos, seria um geral pra que seja considerado ciência.
Turno 13. Maria: Então, deveria ser padrão, aí. Um padrão.
Turno 14. João: Você limita as coisas entrarem como ciência. Porque se for por isso, história não é
ciência, filosofia não é ciência...
Turno 15. Professora: certeza entra?
Turno 16. Licenciandos/as: Não.
Turno 17. Professora: Verdadeiro?
Turno 18. Licenciandos/as: Não.
Turno 19. Professora: Um cientista?
Turno 20. Licenciandos/as: Não.
((Licenciandos/as falam ao mesmo tempo e a professora tenta sistematizar as falas))
Turno 21. Professora: Um cientista, por que não entra?
Turno 22. Eduardo: Então, eu acho que ciência é feita parte de... mesmo, por exemplo, se eu
descobrir alguma coisa hoje, eu me baseei em outras pessoas, outros cientistas que já estudaram
coisas parecidas, pelo menos. Então, acho que não se faz ciência apenas com um cientista.
Turno 23. Victor: Ele não parte do nada, né?
Turno 24. Eduardo: Exatamente.
((Um grupo de estudantes entram na sala para divulgar um evento na universidade))
Turno 25. Professora: Ok, agora, é... eu acho que houve consenso em tudo aqui dentro, não foi?
((referindo-se as palavras que se relacionam com o conceito de ciência)).
Turno 26. João: Não. Tudo não.
((risos)) ((A professora resume a discussão para um estudante que chegou atrasado))
Turno 27. Professora: Então, a questão da política, aqui... alguém quer falar? Quem colocou política
dentro do círculo... porque que política está envolvido com o conceito de ciência?
Turno 28. João: Porque se a gente for parar pra pensar, quem tem o poder da ciência hoje em
dia, são pessoas ricas.
Turno 29. Carol: Brancas.
Turno 30. João: são pessoas brancas, tudo isso né? E aí a gente traz vários questionamentos. É::
Desenvolvimento científico, por exemplo, vamos lá... Eu acho que todo mundo já pensou nisso. Será
que realmente não existe uma cura pra Aids, por exemplo, e as indústrias farmacêuticas seguram,
isso... é só uma suposição, a gente não sabe a verdade, né? Mas, coisas nesse sentido, de que:: ela é...
334
são envolvimentos políticos que estão envolvidos nisso, tá ligado? //
Turno 31. Nami: Eu pensei no sentido de que a ciência interfere no desenvolvimento da
sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar. Então é meio que uma escada,
assim.
Turno 32. João: É... porque, por exemplo, se a gente for parar pra pensar, cientificismo. Que é o
desenvolvimento da ciência pra ela mesma pra que, sabe? Tudo se desenvolva. No que deu o
cientificismo? Quando a gente chegou na segunda guerra mundial, teve o nazismo e o nazismo se
baseou no cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas pra ficar testando medicamentos,
num sei o quê, num sei o quê... então, é uma questão política da ciência, né? Será que ela
realmente não tem limites, será que ela não se desenvolveu? Ela mesmo, né?
Turno 33. Maria: Aí entra a sociedade também, né?
Turno 34. João: Sim, sim, são coisas que estão ligadas.
Turno 35. Bruno: E também tem a questão de que a política vai filtrar o que a gente vai
pesquisar ou não né? Porque querendo ou não a gente vai ter que pesquisar os interesses... de
quem financia. //
Turno 36. Professora: Ah, uma coisa que não houve consenso aqui foi em relação a um método ou
vários métodos, né? O que seria mais adequado pra definição de ciência? Será que pra ser chamado de
ciência você tem um método único pra seguir, ou a ciência admite que você tenha vários métodos
diferentes a depender do seu estudo?
Turno 37. Victor: Eu acho que vai depender, né? Você pode testar vários métodos mas um deles
será mais eficiente. Apesar de ter vários, mas, só um seria suficiente. Dependendo...
Turno 38. Professora: Mas, esse um método seria suficiente pra qualquer tipo de trabalho?
Turno 39. Licenciandos/as: Não. //
Turno 40. Professora: E aí? O que vocês acham?
Turno 41. João: Eu acho que:: é... talvez você tenha um método maior, que você já desenvolveu,
num sei o que... eu acho que:: é... isso deixa tudo muito... muito... fechado, sabe? E não permite
que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência //
Turno 42. Maria: Então, segue um padrão?
Turno 43. João: Então, segue um padrão, mas é isso que eu tô falando, tem outras ciências, que
também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa repetição. E elas deixam de
ser ciência por causa disso?
((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))
Turno 44. Marcos: Eu concordo com vocês, por exemplo, não tem como utilizar um método, sei
lá pra estudar zoologia, e não tem como usar o mesmo método pra pessoa que for estudar
filosofia da ciência, mas, todas seguem um padrão de hipótese, de coleta de dados, de testar ou
não hipóteses e apresentar resultados...
Turno 45. Maria: Então, no caso, esse um método seria um padrão? É um padrão.
((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))
Turno 46. Marcos: Então, aqui por exemplo, na nossa disciplina, também não tá tendo um
experimento prático, mas, tá servindo... tá sendo usado na tese da professora. Não deixa de ser
ciência. Então, se por exemplo, não tivesse sido gravado ou a gente não permitisse, seria só uma
conversa, então, ela não poderia usar isso na tese dela. Ela tem que seguir um padrão pra que
isso seja considerado ciência.
Turno 47. Professora: É. Eu tenho que seguir um padrão, para que seja considerado ciência. Certo. É...
A questão é se esse padrão seria um único método pra tudo quanto for tipo de pesquisa? Essa é a
questão. Se você usa um mesmo padrão, como você mesmo disse, o método que eu tô usando é um
método diferente do método do zoólogo. Mas, deixa de ser ciência? O que é ciência?
((Risos))
Episódio 4. Encontro 1. Momento 5. Intervalo 02:48:28 – 02:57:37
Tema: O conceito de ciência e a validade dos diferentes saberes
Nesse episódio, a professora segue problematizando imagens estereotipadas sobre ciência e cientista.
E na sequência, discutimos os argumentos de autores que concordam e que discordam em manter o
conceito de ciência reservado ao constructo cultural do ocidente.
335
Turno 48. Professora: Veja só uma coisa interessante que eu gostaria de discutir com vocês, um
questionamento retirado do texto de Cobern e Loving (2001): O indígena habitante da ilha no Pacífico
Sul comentou que os ocidentais só pensam que sabem por que o oceano sobe e desce, numa base
regular. Eles acham que tem a ver com a lua. Eles estão errados. O mar sobe e desce quando as
grandes tartarugas marinhas saem e voltam para as suas casas na areia. O oceano desce à medida que a
água corre para o ninho vazio. O oceano sobe à medida que a água é forçada a sair pelas tartarugas que
retornam. Agora eu quero saber de vocês: Esse habitante da ilha está sendo científico porque ele tem
conhecimento exato das marés do oceano que afetam sua ilha? Ou ele não está sendo científico
porque a sua explicação para a ação das marés é cientificamente inapropriada?
Turno 49. Everton: Êta professora. ((Risos))
((Licenciandos/as falam ao mesmo tempo))
Turno 50. Professora: E aí? Vamos socializar a discussão. //
Turno 51. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, aí tem esses dois extremos que você falou, né? Que é a
gente relativizar demais a ciência ou ser extremamente cientificista. E aí...
((A professora interrompe para exlicar o termo cientificismo))
Turno 52. Eduardo: E por isso a questão da demarcação. Precisa da demarcação.
Turno 53. Professora: Isso. É a questão da demarcação. Isso mesmo. Mas, continue, Everton.
Turno 54. Everton: Aí colocar esses dois pontos de extremos aí é onde tá o problema. Por que a gente
não leva em consideração o caminho tênuo de um ponto até o outro. Quando a gente... Se a gente
puder levar em consideração esse caminho que pode ser percorrido, a gente poderia chegar a um
consenso. Se eu fosse pelo primeiro conceito ((ciência como qualquer percepção da realidade)) a
primeira frase estaria correta. Ou o segundo e a segunda frase estaria correta.
((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))
Turno 55. Professora: Eu quero a opinião de vocês, o que vocês acham, vocês acham que os habitantes
da ilha foram científicos ou não? //
Turno 56. Arizona: Acredito que sim.
Turno 57. Professora: Por que?
Turno 58. Arizona: Ué, é como ele disse nestante, analisando tudo, observando, chegou a essa
conclusão, né?
Turno 59. Maria: Que tá sendo usada, e de uma maneira ou de outra, será usado pra algum propósito.
((Vários/as licenciandos/as falam ao mesmo tempo))
Turno 60. Nami: Quando a gente tava construindo o conceito de ciência, a gente não concordou que
seriam usados vários métodos, e esse foi o método criado por eles naquele momento. Então, eles
pularam a parte do experimento.
Turno 61. Professora: A gente não concordou, alguns concordaram e outros não. ((Risos))
Turno 62. Nami: É. Quem concordou, é isso. Quem não concordou, eu não sei. ((Risos))
Turno 63. Arizona: Professora, eu acho que é científico, porque depois outra pessoa pode dizer
assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se aprofundar numa pesquisa pra mostrar
a ele que ele tá errado. Então, seria um caso científico sim.
Turno 64. João: Então, conforme foi comentado aqui nesse meio ((referindo-se a um grupo de três
alunas que não pronunciaram no curso do debate)). ((Risos))
Turno 65. Professora: João é o porta voz, né?.
Turno 66. João: É. Das tetas aqui. Mas, foi comentado aqui que pode até ter se apropriado do
conhecimento científico, mas, parou na hipótese porque eles não conseguiram fazer o teste e
essas questões todas, então, estagnou na hipótese.
Turno 67. Professora: Então, os habitantes da ilha não foram científicos.
Turno 68. João: Semi-científicos. ((Risos))
Turno 69. Iara: Não. Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão. Ei,
professora, tô bugada, viu? ((Risos)) //
Turno 70. Jules: Depende do propósito que a pessoa tenha com essa informação. É importante,
eles observaram que o mar sobe e desce ou ele quer algo específico com aquilo. Estudar a fundo
aquilo alí...
Turno 71. Professora: Mas, se ele não tiver o objetivo de estudar a fundo? Mas, entender a natureza
para sobreviver bem com ela? Eles seriam científicos ou não?
Turno 72. Jules: Eu acho que não. Seria apenas uma observação que ele fez.
336
Turno 73. Marcos: Eu também acho que não. É uma forma de conhecimento válida,
praticamente mais útil até que muito conhecimento que na minha opinião é científico... pra ele
não importa saber se a lua cheia... no caso... mas, não deixa de ser válido. O conhecimento.
Turno 74. João: Então, não deixa de ser verdade o que ele falou. //
Turno 75. Maria: E se a alimentação deles for a base de tartaruga?
Professora: E pra ser científico tem que ser verdade, Jhon?
Turno 76. João: Não. Não tem que ser verdade, mas, se for correlacionar o que os cientista
disseram, o fato é que eles encontraram o que eles acharam que eles entenderam naquela
situação. Então, se você for correlacionar, as coisas realmente batem. Então, indiretamente foi
científico.
Turno 77. Professora: Então, foi científico porque bate com o conhecimento científico, porque se
contrapor ao conhecimento científico, aí... ((Risos)) //
Turno 78. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, o conceito de ciência que eu construí até hoje, pra
mim não seria ciência. Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse conceito de
ciência aí eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que eu construí até
hoje, antes de entrar nessa sala, não é ciência. ((Risos)) //
Turno 79. João: (...) Se eu fosse assim, o dono da ciência, eu falaria é ciência. //
Episódio 42. Encontro 6. Momento . Intervalo 01:18:49 – 01:22:35
Tema: O alcance e as limitações dos conhecimentos denominados científicos
Nesse episódio, foi discutido o vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre - CRISPR” e o
filme GATTACA – Uma experiência genética.
Turno 80. Fabrício: É como ele fala no vídeo, assim... a... a descoberta da cura de algumas doenças pra
modificar alguma coisa, eu acredito!
Turno 81. Professora: Você apoia?
Turno 82. Fabrício: é complicado porque eu sei que vai... a cura do câncer é importante... uma coisa
leva a outra...
Turno 83. Nami: Eu acho que é muito perigoso ainda, porque a gente não tá ainda... não sei se é
educado, a palavra... assim:: a gente não tá preparado pra esse nível de tomada de decisão... e
ainda mais que uma descoberta desse nível, que ele falou que um cara super rico pode chegar lá
e comprar a ideia e fazer dela o que bem quer. Fazer um comércio e aí vai começar a
GATTACA. Ou seja, só aquelas pessoas que tem muito dinheiro vão poder usufruir daquilo.
Então, é uma faca de dois gumos, você pode se dar muito bem com aquilo ou pode dar muito
errado. E quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é mais perigoso ainda, porque a
gente não entende como é que funciona. Então, simplesmente chegar e cortar aquele gene e
colocar um novo será que aquele que tava ruim, não tava interagindo com outro e vai dar
problemas maiores mais pra frente? Aí eu não sei...
Turno 84. Arizona: Eu achei interessante a discussão que ele falou no final, que não devia
eliminar, devia ter sim, o estudo, né? Mais aprofundado... divulgação do conhecimento mas, não
acabar. Porque ele fala, então, vamo acabar! Já que vai dar esse problema todo... mas, eu acho
que tem que ter sim, o estudo:: não tem por onde correr... Mas, é meio complicado, como ele
disse... começa uma coisa vai pra outra...
((A pesquisadora pede atenção para que fale um de cada vez))
Turno 85. Nami: É importante continuar, com certeza, porque é um grande avanço, agora não colocar
isso como acessível. Pra o público. Agora não. A gente não tá preparado pra essas mudanças assim
não. Você poder escolher o que você bem quer...
Turno 86. Arizona: Mas, a pergunta: quando vai tá preparado?
Turno 87. Nami: Não agora, eu acho...
Turno 88. Jhoserd: Eu acho que tinha que ser trabalhado muito a questão da reflexão no... no
âmbito bioético, assim... justamente pelo fato de que nós realmente não estaríamos preparados
de maneira alguma se hoje isso fosse acessível.
Turno 89. Nami: A gente sabe o quanto a gente é influenciado por opiniões bobas, hoje... imagine ter
que tomar tipo essa. Ou seja, um pequeno grupo é a favor, eles tem um número de influência no geral
337
e todo mundo vai concordar. Mesmo sem concordar. Então, eu acho que agora não.
Turno 90. Everton: Quer ver um exemplo prático de como a gente não está preparado pra essas
questões, que eu gosto muito de usar... foi o exemplo da fosfoetanolamina, que teve toda aquela
discussão recentemente. Que foi prometido como a cura do câncer. Teve aquela mobilização, inclusive
dos depultados de... não:: tem que liberar, tem que liberar... e não valeu de nada...
Turno 91. Professora: Qual o nome da substância?
Turno 92. Everton: Fosfoetanolamina. É a substância que... é a promessa de curar todos os tipos de
câncer. E teve até lei que era pra... liberar o uso pra quem quisesse... e viu que na verdade ela causava
mais prejuízo do que soluções. Porque dependia muito do indivíduo. E as interações de um tipo de
câncer. E a sociedade ainda não está preparada pra esse tipo de coisa. Porque há esse distanciamento
do conhecimento científico. E quem tá lá não tem como discutir essas questões do conhecimento
cientítico.
Turno 93. Nami: Vai discutir como se as pessoas não entendem? Nem se esforçam tanto assim pra
entender, se elas só acham mais fácil... ir na opinião:: aquele dalí parece esperto... então, vou com ele
que eu acho que vai dar certo!
Diálogo Intercultural
Episódio 16. Encontro 3. Momento 2. Intervalo 01:20:54 – 01:32:05
Tema: Entre anular e valorizar os conhecimentos dos estudantes
A pesquisadora solicitou que eles se colocassem na postura de professores para responder a alguns
questionamentos.
Turno 1. Professora: Pra vocês, enquanto professores/as de Biologia é importante que os estudantes
desmistifiquem essas questões relacionadas ao senso comum?
Turno 2. Licenciandos/as: Sim.
Turno 3. Bruno: Se for errado.
Turno 4. Professora: Errado pra quem?
((risos))
Turno 5. Bruno: Aquela questão alí que a herança se dá pela mistura do sangue... eu acho que
não é certo pra ninguém.
Turno 6. Professora: Mas, veja: a pessoa tem uma explicação, e essa explicação é suficiente pra
entender determinado fenômeno.
Turno 7. Amanda: É certo em um ambiente, né? Em um universo... no caso, seria certo pra ele.
Turno 8. Professora: É suficiente pra ele aquilo alí.
Turno 9. Nami: É suficiente pra ele participar da aula: Professora, eu sei que... aí ele fala:: pelo menos
participou. ((Risos))
Turno 10. Professora: Mas, explica pra ele, explica, isso é suficiente pra explicar o fenômeno de
herança. Pra vocês é importante que eles desmistifiquem essas questões?
Turno 11. Bruno: Pra mim, é.
((Os/as licenciandos/as começaram a destacar as concepções que para cada um deles, seria importante
que os estudantes desmestificassem))
Turno 12. Professora: “Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de Deus”.
Isso precisa ser desmistificado?
Turno 13. Eduardo: Eu acho que sim.
((Alguns licenciandos disseram que não e muitos falam ao mesmo tempo))
Turno 14. Ariel: Eu acho importante a gente desmistificar isso, até porque se a criança for de
uma família religiosa e ela for religiosa, ela só vai ter medo de um Deus que pode dar algum
castigo a ela.
Turno 15. Professora: Mas, veja: se o fato dessa criança ter medo de Deus, fazer com que essa criança
que tenha medo, seja uma pessoa melhor, mais compassiva, mais amorosa pelo medo que ela tem de
Deus?
Turno 16. Bruno: Mas, isso de religião eu não mexeria não.
Turno 17. Eduardo: E se tivesse uma criança deficiente na sala, ela ia falar: Ah, você foi
castigada, fez alguma coisa errada. É isso que eu penso, entendeu? É isso que eu penso...
338
((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))
Turno 18. Elodie: Eu acho que a gente tinha que:: fomentar... o pensamento crítico. Eu acho que
a gente daria, como ela falou, a gente daria oportunidade do aluno escolher, né? Você acha isso,
mas a ciência diz isso aqui ou então, isso aqui tá num sei o que... né? Dá essa oportunidade de
falar... //
Turno 19. Arizona: É. Não pode dizer que ele [o estudante] tá errado. //
Turno 20. Bruno: Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//
((Muitos falam ao mesmo tempo))
Turno 21. Elodie: Agora tem uma frase, na primeira parte que eu acho que tem que ser
desmistificado, porque envolve a questão de gênero, que é “o pai é mais importante que a mãe”.
Turno 22. Eduardo: E porque a questão religiosa não deve ser desmistificada?
Turno 23. Elodie: Mas, é que essa daí, com a questão religiosa você não tá machucando ninguém, e
aqui você tá colocando pra baixo...
Turno 24. Eduardo: Ah... ele ser castigado não tem problema... //
((risos))
((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))
Turno 25. Professora: Vâmo pra frente... É função do professor de ciências alterar crenças dos
estudantes?
Turno 26. Arizona: Não. Não mesmo. ((muitos licenciandos fazem gestos negativos))
Turno 27. Professora: Se o aluno acredita que uma criança nasce com deficiência porque é castigo de
Deus, ela acredita nisso... é função do professor alterar essa crença do estudante? //
Turno 28. Nami: Eu tava pensando assim, eu como professora, eu não tocaria no assunto de
religião, só se a criança se manifestar:: Eu vou falar da ideia científica, mas, vocês podem
acreditar no que você quiserem. Então, cabe o aluno escolher, né? Agora eu, só toco no assunto
se realmente não tiver como fugir. //
Turno 29. Bruno: Eu já decidi que como professor não vou em nenhum momento falar de religião.
Turno 30. Professora: Mas, se o assunto emerge?
Turno 31. Bruno: Então, aí a gente tenta contornar, né? Mas, eu... no meu plano de aula, não vou falar
de religião. //
Turno 32. Professora: É função do professor de ciências alterar crenças dos estudantes ou a
compreensão dos conceitos é suficiente?
Turno 33. Carol: As duas vertentes, porque... não vai depender do professor mudar o
pensamento... a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir o que ele vai...
Turno 34. Eduardo: Eu discordo. Porque quando você tá explicando alguma coisa, é... algum
conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já formada, ela não vai querer
te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim.
Turno 35. Professora: Então, na sua opinião, pra entender é preciso acreditar?
Turno 36. Eduardo: Exatamente.
Turno 37. Licenciandos/as: Não...
Turno 38. Arizona: Não, Eduardo.
Turno 39. Eduardo: Peraí, não entendi...
Turno 40. Professora: Ó, você disse assim, fala sua: É... a criança que acredita... que vai dizer que sim,
é castigo de Deus, ela não vai querer aprender outra coisa. Não foi isso que ele disse?
Turno 41. Eduardo: É. Exatamente isso.
Turno 42. Bruno: Aí a professora perguntou se pra aprender, você tem que acreditar naquilo.
Turno 43. Professora: pra o aluno entender o assunto, é preciso que ele acredite nisso?
Turno 44. Eduardo: Não. Mas, eu acho importante. Que ele acredite.
Turno 45. Professora: Mas, para entender, é preciso acreditar?
Turno 46. Licenciandos/as: Não... não... //
Turno 47. Nami: E essa questão que pra entender, é preciso acreditar, por exemplo, eu nunca
entendi o Big Bang, mas, eu acredito que ele aconteceu...
Episódio 39. Encontro 6. Momento . Intervalo 00:13:18 – 00:14:33
Tema: O dilema com os saberes dos estudantes
O episódio apresenta a discussão entre o filme “GATTACA – Uma experiência Genética” e a nossa
339
realidade.
Turno 48. Fabrício: Eu acho que não devia ser respeitado, esse tipo de coisa ((referindo-se a
culturas em que o infanticídio é praticado)).
Turno 49. Clayane: Não devia ser repeitado?
Turno 50. Fabrício: É.
((A professora explica a posição de Fabrício))
Turno 51. Fabrício: Portanto que a cultura não fira nenhum direito humano.
((Maria interrompe para falar ao mesmo tempo: direito humano))
Turno 52. Fabrício: E também, nem animal também...
Turno 53. Maria: Verdade.
Turno 54. Fabrício: o resto tá valendo... isso... agora, matar um animalzinho ou impossibilitar uma...
Turno 55. Pesquisadora: as oferendas.
Turno 56. Fabrício: Isso.
Turno 57. Maria: mais querendo ou não a gente tem que respeitar.
Turno 58. Fabrício: Eu acho que não.
((Maria e Clayane falam ao mesmo tempo e a professora passa a fala para Clayane))
Turno 59. Clayane: Tem que respeitar. Por mais que de fora nós temos outra realidade. Uma
coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver porque eles acreditam
nisso.
Implicações e intenções políticas
Episódio 15. Encontro 3. Momento 1. Intervalo 00:17:06 – 00:23:02
Tema: A naturalização de preconceitos e discriminação e o caso das cotas raciais
Discussão da música “Coisas de pele”, a fim de problematizar o protagonismo e a resistência de
grupos afrodescendentes que foram subalternizados historicamente.
Turno 1. Professora: Vocês se consideram racistas?
Turno 2. Arizona: Depende, né?
Turno 3. Eduardo: Eu só não gosto de branco. ((risos))
Turno 4. Arizona: Porque tem vários tipos, né? De racismo?
Turno 5. Professora: Que tipos são esses?
Turno 6. Fabrício: Inconsciente.
Turno 7. Professora: Racismo inconsciente. Como é esse racismo inconsciente?
Turno 8. Fabrício: A pessoa se intitula não racista, mas, suas atitude, suas... como eu posso dizer? É...
Turno 9. Bruno: Tem pessoas que nem sabe que é racista, porque já tá tão normal, que...
Turno 10. Professora: naturalizado.
Turno 11. Bruno: É. Que pra ele é normal.
Turno 12. Professora: Será que vocês são racistas inconscientes? //
Turno 13. Bruno: Só se for bem inconsciente mesmo. Porque que eu lembre... nunca fiz nada não:: Dê
um exemplo aí professora. Pra gente saber, é mais fácil. ((risos))
Turno 14. Professora: Vou contar uma atitude racista minha...
Turno 15. Bruno: Deixe a professora mostrar que é racista, deixe a professora mostrar que é racista,
que a gente vai junto... ((risos))
Turno 16. Carol: Eu acho que todos somos, porque... fomos criados num padrão que nos faz ser
racistas de forma consciente ou inconsciente, vai depender... do que a pessoa quer escolher.
Vamos supor, tem ditados que a gente acha que são coisas, tipo... humor negro, hoje é dia de
branco, ah... coisa de preto ou coisa de... são atitudes racistas mas que pra gente, foram...
passadas como normal no cotidiano, que a gente podia utilizar, como se fosse algo normal.
Então, para mim, todos somos aqui:: porque... as vezes, vamos supor, a gente diz que não é, mas,
não apoia as cotas, porque diz que isso, é... não tá... não tá valorizando, ou que isso tá, vamos
supor, colocando um grupo a frente dos demais, então, eu acho que, infelizmente, é necessário
que a gente seja sensibilizado pra poder desconstruir o que foi criado como padrão por nós.
Turno 17. Jhoserd: Eu acho que é um racismo estrutural, assim... vai para além de uma atitude
pontual, assim, que envolve toda estrutura social, da sociedade... já tá enraizado, assim, sabe?
Turno 18. Professora: Foi fundado junto com a história do nosso país, né?
340
Turno 19. Jhoserd: Exato!
Turno 20. Bruno: Professora, se eu não concordar com as cotas, eu sou obrigatoriamente racista, é?
Turno 21. Marcos: Eu também discordo das cotas também...
Turno 22. Fabrício: Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho muito... muito forte
isso. Porque, sei lá... quando a gente fala nas cotas... eu acho que é bater mais na tecla. Eu acho
que é você intensificar um pouco o pensamento mais segregador.
Turno 23. Bruno: Eu, particularmente, não concordo com as cotas pra negro. //
Turno 24. Carol: Nosso país é racista, mas mascara essa... pra outros países, que é um país que aceita
bem a diversidade cultural.
Turno 25. Amanda: Ainda dentro dessas questões de cotas, eu tava até comentando com Elodie,
a gente tem um país que até pouco tempo atrás era proibido a entrada de negros, não só em
universidade, mas, em colégios:: e aí eu encaro as cotas como uma tentativa de suprir esse
quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui. Tem que ter pessoas de baixa renda nesses
espaços. Então, tipo, eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é racista, mas, eu acho que
boa parte das pessoas que fundamentam esse pensamento que: Ah, cotas é muito injusto, cotas...
mesmo que inconsciente tem uma pegadinha sim, racista, sabe? Não todo mundo, mas, acho que
boa parte das... principalmente dos grandes políticos, as grandes pessoas que fundamentam essa
política anti-cotas...
Turno 26. Jhoserd: São pessoas privilegiadas.
Turno 27. Amanda: Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não pode negar que
predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as pessoas em imagens
periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe? Então, acho que as cotas é uma
tentativa de dar oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas por leis, de entrarem
nesses espaços.
Episódio 23. Encontro 4. Momento 3. Intervalo 01:18:54 - 01:23:22
Tema: O conceito de raça entre o biológico e o social
Na sequência, foi levantada a discussão sobre o conceito de raça, principalmente sobre como esse
conceito caiu em desuso e voltou ao uso como marcação política.
Turno 28. Professora: Em relação ao conceito de raça, o que vocês acham? Existem raças humanas?
Turno 29. Jhon: Não. Eu acho que... pelo que eu vi esse questionamento em Evolução...
((inaudível)) e um dos textos vai falar sobre os genes que vão definir essas características nos
humanos e em outros animais, que nos outros animais são muito maiores e no ser humano é
muito pequeno. E por causa dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar como raças,
assim, porque é muito pequeno... aí no texto, Munanga diz que menos de 1% dos nossos genes
determinam a cor da pele.
Turno 30. Professora: Negar o conceito de raça, significa que somos todos iguais?
Turno 31. Arizona: Pegadinha.
Turno 32. Amanda: Eu acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as pessoas,
tentar deixar todo mundo igual que é o problema, a gente tem que respeitar a particularidade de
cada pessoa, mas isso não significa que alguém é superior, alguém é inferior, sabe? Entender que
existem diferenças sem hierarquizar. Essa diferença é melhor só que essa, eu acho...
Turno 33. Professora: E aí? O que que vocês acham?
Turno 34. Arizona: Professora, aqui no texto diz que o começo do termo raça foi pra
classificação da zoologia, né? Só foi criada pra saber a diferença dos animais, e eu acho que na
raça humana... Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso:: Ter uma
classificação pra saber quem é quem e aquilo... Não! Só pra os animais e a botânica.
Turno 35. Professora: Então, seria o caso de não falar mais em raças?
Turno 36. Jhon: Eu gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria das
coisas que ele fala eu assino em baixo. Mas, eu gosto da maneira como ele traz a questão, sabe?
Se... se a gente resumir raça a questão sócio-política pra esse debate ((Inaudível)), porque é como
é mais fácil de se compreender e se fazer o debate, é... eu acho que vale a pena ter ((Inaudível))...
falando isso: Olhe! Esse conceito, biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o
341
que a gente assume de verdade dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-
político, acho que rola sim!
Turno 37. Maria: É isso que eu ia falar, lembrando da aula de gene, né? Falar de raça depende
do contexto!
((risos))
Turno 38. Professora: Os cientistas já negam a validade do conceito de raça, né?
Turno 39. Licenciandos: É.
Turno 40. Professora: Pronto! Se os cientistas já negam a validade do conceito de raça, porque que a
gente segue falando do termo?
Turno 41. Bruno: Porque ainda é usado de maneira incorreta.
Turno 42. Professora: Como? De que maneira?
Turno 43. Bruno: O próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente utiliza
o termo de forma a segregar os grupos, para hierarquizar branco a frente do índio, preto. Então,
não existe mais cientificamente, raça pra algumas pessoas, né? Mas, ainda é utilizado pra essa
questão mais social. Do branco, preto, índio... do aborígene...
Episódio 26. Encontro 4. Momento 6. Intervalo 02:35:54 – 02:38:12
Tema: A naturalização da discriminação e a política de cotas raciais em debate
O episódio seguinte aconteceu no contexto da discussão referente a relevância da genética para definir
quem deve se beneficiar da política de cotas.
Turno 44. Fabrício: Então, por isso que eu tinha feito uma... uma crítica ao sistema de cotas na
aula passada. Porque eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um pouco não, bastante
ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema. Que como até ((Nome do estudante))
comentou no início da aula, 40% da universidade pública é frequentada por gente que tem uma
renda familiar de aproximadamente quarenta mil reais, anual.
Turno 45. Carol: É mesmo?
Turno 46. Fabrício: Isso. 40% das universidades públicas são frequentadas por alunos que possui
família que tem uma renda anual próxima a quarenta mil reais. Sendo que...
Turno 47. Professora: Sabiam disso? ((referindo-se a um grupo de alunas que estavam conversando
entre si))
Turno 48. Licenciandas: Não.
Turno 49. Professora: Estavam conversando...
Turno 50. Fabrício: Isso. Que as universidades públicas brasileiras, elas são frequentadas por
alunos que possui família que tem uma renda anual perto de quarenta mil reais. Então, aí você
faz o paralelo. É... a educação, ela investe mais... o governo, ele investe mais na educação
superior ou básica? Superior. Sendo que a superior é frequentada por... quase por pessoas ricas.
Então, como eu vou colocar o negro da periferia na universidade, se eu não invisto na educação
básica? No ensino fundamental? Por exemplo, eu sou negro, assim, graças a Deus, minha família
teve condições de pagar uma escola particular... ensino médio particular:: é... pré-vestibular
particular... então, tive essa condição de me colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar
na faculdade. A faculdade pública. Já aquele negro de periferia que não vai ter investimento na
educação básica, ensino fundamental e ensino médio, ele não vai saber nem... sair do ensino
fundamental sem nem saber ler direito...
Turno 51. Maria: Sem perspectiva de entrar... de ir pra universidade...
Turno 52. Fabrício: Então, como é que eu vou reservar uma vaga pra negro, aqui na universidade, se...
Turno 53. Maria: Se lá no ensino médio, no ensino básico, ele não é estimulado, ele não é...
Turno 54. Fabrício: Isso. O problema, tem que dar a base pra ele, pra ele chegar e competir de
igual pra igual com qualquer um.
Episódio 27. Encontro 4. Momento 6. Intervalo 02:39:19 – 02:44:52
Tema: As relações de poder e a política de cotas raciais em debate
Seguimos discutindo o fato de que as cotas representam uma medida paliativa para corrigir uma dívida
342
histórica e possibilitar a representação da população negra nos espaços de poder.
Turno 55. Arizona: Professora, como ele disse, essa dívida histórica só seria paga:: não são as
cotas que vão pagar a dívida histórica, mas sim o investimento no ensino básico, o ensino
fundamental e ensino médio, porque como ele disse, esses alunos não chegam aqui com
capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...
Turno 56. Fabrício: Pra competir.
Turno 57. Arizona: Pra competir com esses alunos que tiveram a vida toda particular...
Turno 58. Maria: Só vão ser números de entrada, agora números de permanência e saída...
Turno 59. Arizona: Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha vida
toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade, no primeiro período, as disciplinas de
exatas, né? Que... quando eu fiz o ensino médio não tinha professores pra suprir o que:: é... essas
disciplinas:: a gente ficava tipo, dois horários sem ter aula nenhuma, o professor tinha que sair
da sala que tava dando aula pra passar uma atividade, pra gente não ficar fazendo nada. E já...
o que? Já empatava a outra turma que tava dando aula.
Turno 60. Everton: É porque eu peguei o finalzinho da discussão, aí... aí eu lembrei de um
acontecimento que teve comigo, não tem muito a ver com a discussão, mas, é uma questão mais
pessoal. Acho que há uns três períodos atrás eu tava pegando uma disciplina optativa e a professora foi
dar um exemplo, que eu não lembro agora qual foi o exemplo nem porque ela deu o exemplo, mas, ela
me usou como exemplo, e ela disse... era uma discussão sobre isso também, sobre a questão de negro.
Ela olhou pra mim e disse: ele, negro, e deu o exemplo... aí eu parei, eu nunca tinha prestado atenção::
não tinha me posto no lugar de... eu também sou negro! Eu não tinha parado pra pensar nisso, depois
que ela falou isso, foi que a ficha caiu... eu nunca tinha parado pra pensar nisso!
Turno 61. Professora: Sua identidade racial?
Turno 62. Everton: É.
Turno 63. Eduardo: E sobre o que eles falaram aí... que eles querem que mude todo o sistema
educacional, o ensino fundamental... eu acho que as cotas é... é uma solução mais rápida. Porque
mudar todo sistema educacional dá trabalho...
Turno 64. Professora: Que poderia fazer se houvesse interesse político, né?
Turno 65. Eduardo: Exatamente. Mas ai demoraria séculos pra fazer, sei lá... então, as cotas é pra... eu
acho que é mais um tapa buraco que é bom, mas, é mais eficaz, precisa agora.
Turno 66. Fabrício: Mas, não vai colocar o negro da periferia na faculdade, precisamente, as
cotas...
Turno 67. Maria: Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça, que ele tenha sucesso,
que ele chegue até o final, já com emprego, alguma coisa já... entendeu?
Turno 68. Jhon: Aí é outra problemática, você tem política de entrada, mas, não tem política de
permanência.:: novamente, é questão de péssima gestão, é questão de gestão pública isso.
Turno 69. Manuel: Eu também acho isso, né? Eu acho que o acesso do aluno negro a
universidade não vai colocar ele necessariamente no espaço de poder, né? O acesso ao espaço de
poder tá restrito a ((Inaudível)) não é porque um negro vai colocar ((Inaudível)) mas, dá poder a
toda raça negra não vai dar, vai dar a alguns e eles até podem se sentir motivados. Mas, o espaço
de poder, enquanto tiver essa diferença econômica, eles não vão conseguir de fato o espaço de
poder.
Turno 70. Amanda: Eu queria meio que pontuar uma coisa na sua fala ((referindo-se a uma
estudante)), assim, porque quando você falou, você disse: eles não tem capacidade de acompanhar!
Mulher, eu sou cotista e você também, a gente tá aqui. Por mais dificuldade que tenha, a palavra
capacidade...
Turno 71. Arizona: Não foi isso, né? Eu tô dizendo, a pessoa é mais, assim, tem mais facilidade,
entendeu?
Turno 72. Amanda: Eu sei, mas, não ter capacidade eu achei um pouco... até porque a gente tá
aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando. Agora, eu encaro assim, tipo,
sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui provando que eu posso
acompanhar. Se eu tentar, entendeu?
Turno 73. Jhon: E que esse é o seu lugar.
Turno 74. Amanda: E que aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha, tipo...
entende o que eu tô falando?
343
Turno 75. Arizona: Sim, sim.
Turno 76. Amanda: E não tô criticando, não tô falando nada, só que a palavra... a sequência não ter
capacidade de acompanhar... eu acho que fica muito pesado.
Episódio 33. Encontro 5. Momento 4. Intervalo 02:15:08 – 02:18:14
Tema: A problematização das identidades coletivas marginalizadas historicamente 1
Foi proposta a problematização de um caso para os/as licenciandos/as acerca da política de cotas. O
caso supracitado foi retirado do texto intitulado “Genética, raça e políticas de ações afirmativas a partir
de questões Sociocientíficas”.
Turno 77. Professora: Vamos lá! Vocês se identificaram com as vozes de quem?
Turno 78. Eduardo: Rafael?
Turno 79. Arizona: A de... como é o nome da menina?
Turno 80. Bruno: Dandara?
Turno 81. Arizona: Dandara. Dandara.
Turno 82. Professora: Vamos lá! Eduardo, que falou primeiro. Porque?
Turno 83. Eduardo: Deixa eu ver... ah... É... Dandara!
Turno 84. Arizona: No finalzinho, Eduardo... É só vocês olharem para o lado...
Turno 85. Eduardo: Eu gostei da fala dela.
Turno 86. Professora: Por que?
Turno 87. Eduardo: Ah, professora, eu não sei dizer, só gostei.
Turno 88. Professora: Mas, o que foi que ela falou? Tô sem o texto...
Turno 89. Eduardo: ((Lê o fragmento do caso)) “É só vocês olharem para o lado pra perceberem
que a grande maioria dessa sala é branca! Isso sim é expressão do racismo, numa sociedade de
maioria negra e parda. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros é questão histórica”!
Turno 90. Professora: E aí? Os demais, se identificaram com que vozes?
Turno 91. Bruno: Carlos.
Turno 92. Professora: Qual foi a voz dele?
Turno 93. Bruno: ((Lê o fragmento do caso)) “Eu não acho que nós devemos racializar, o que
devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos... Somos todos iguais, da mesma raça,
humana!”
Turno 94. Professora: Quem mais? Se identificou com que vozes?
Turno 95. Maria: É. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros é questão histórica!
Turno 96. Professora: Fale, Everton! Você tá com vontade...
Turno 97. Everton: Não, é porque eu tô perdido aqui, sabe? Ora eu tô com um, tô com outro... eu tô
me achando aqui ainda...
Turno 98. Professora: Tá certo.
Turno 99. Everton: Porque essa parte aqui, ó... “Se o problema é entrar na universidade, estuda,
faz um cursinho e entra!” Eu já tinha pensado nisso, né? Mas, agora já não penso mais. A
questão, aqui a fala de Carlos também... dá oportunidade pra todos. Dá as mesmas
oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele.
Turno 100. Arizona: É só fazer um cursinho e entra... o problema é que nem todo mundo tem dinheiro
pra pagar um cursinho... ((risos))
((Muitos falam ao mesmo tempo))
Turno 101. Professora: Quando você sabe que você vai chegar em casa e vai ter tudo que precisa, vai
ter abrigo, vai ter conforto, vai ter amor, vai ter comida... não rende mais nos estudos?
((Licenciandos fazem gestos de concordância))
Turno 102. Arizona: Com certeza! Por isso que eu nunca rendo... é muita preocupação...
((risos))
Turno 103. Professora: Tem... É... todo um contexto, né? Nossa história, nossa vida...
Episódio 34. Encontro 5. Momento 4. Intervalo 02:18:56 – 02:21:51
Tema: A problematização das identidades coletivas marginalizadas historicamente 2
344
Turno 104. Professora: Vocês acham que se a gente mantém esse discurso de que nós somos iguais,
então... se nós somos iguais, a manifestação das cotas seria então um modo de segregar os grupos? Ou
não?
Turno 105. Everton: Mas se a gente ficar nesse discurso, a gente pode entrar nessa questão, digamos,
no mito da democracia racial.
((A professora interrompe a fala do aluno para orientar uma aluna que chegou tarde))
Turno 106. Professora: O que vocês acham? Somos todos iguais... pra que o sistema de cotas? As
cotas estariam segregando? Everton, pode continuar... porque foi um momento de...
Turno 107. Everton: Porque se a gente ficar nesse pensamento, a gente pode acabar caindo na
questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo anteriormente e aí pode
impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade.
Turno 108. Bruno: Mas, eu acho que essa fala de Carlos, ele fala em não segregar com relação a
raça de cor, por exemplo, os ricos, os brancos... somos todos iguais! Perante a lei.
Turno 109. Everton: Então...
Turno 110. Bruno: Perante a lei. Mas, aí tem uma parte que ele fala assim: “... o que devemos
fazer é dar oportunidades iguais a todos...” Somos todos iguais, mas, a gente sabe que branco
tem mais oportunidade que negro. E tem toda a perspectiva histórica que a gente discutiu aqui.
Então, é isso que ele quer falar, dividir as oportunidades:: Somos todos iguais mas, não temos as
mesmas oportunidades.
Turno 111. Professora: Isso. Porque se tivéssemos as mesmas oportunidades, não faria sentido ter cota.
A gente já discutiu isso um pouco, semana passada...
Turno 112. Arizona: Então é interessante o que ela falou, né? Se olhar pros lados, só vai ver pessoas
brancas. Não vai ver, né... poucas pessoas negras. Não ía ter sentido o que ela falou também.
Turno 113. Professora: E aí? O que vocês acham? É segregar ou não?
Turno 114. Eduardo: Eu acho que não.
((A estudante que chegou atrasada faz gestos de que não está entendendo))
Turno 115. Professora: A cota é um meio de segregar ainda mais os grupos? De dizer... precisa ter cota
pra negro porque sem a cota o negro não entra, então... seria uma forma de segregar os grupos?
Turno 116. Carol: Não...
Turno 117. Bruno: Eu acho que é um programa paliativo, que o governo achou que a melhor
saída até agora é ter cotas. //
Turno 118. Maria: Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é questão de
oportunidade. Porque querendo ou não o governo sabe que o sistema educacional da gente ((a
estudante faz gesto de negatividade)), entendeu? //
345
APÊNDICE K. TRANSCRIÇÃO DAS RESPOSTAS DE ENTREVISTAS QUE
APRESENTARAM DISTINTOS TIPOS DE MACROPROPOSIÇÕES
(...) = interferência da pesquisadora.
Questão 1.
1. O que ficou da disciplina na sua mente? O que ficou da disciplina no seu modo de pensar e de
trabalhar com o ensino de Biologia?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
O que me chamou atenção foi a forma diferente como foram abordados as situações. A perspectiva
que se colocou sobre conhecimento, né? Justamente isso que você falou, sobre esse conhecimento ter
vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e legítimo, né? Que abriu até... eu, eu já tinha um
certo pensamento sobre isso, né? Mas, abriu pra mim um pouco mais também, né? De... A questão de
poder enxergar com um olhar mais crítico, né? Sobre os conhecimentos que a gente adquire, né? Entre
aspas. E repassa também, né? E... a questão da... da lida com as questões sociais relacionadas a ciência
e principalmente relacionadas a parte genética, né? Que a gente trabalhou bastante. Me marcou muito
essa parte de raça... de... de genética e as vezes eu me pegava pensando nisso aí. É tanto que eu ficava
buscando comparativos, né? pra tentar me situar. Porque é uma coisa nova, né? Diferente do que é
abordado na sala. Você contextualizar duas coisas que tem tudo a ver, mas, que na verdade a gente
segrega. Porque a própria sociedade é formatada de um jeito que a gente não toca nesse assunto, né?
de forma tão aberta. Pelo medo, né? Até pelo próprio preconceito. Pelo que... a própria formatação da
sociedade. Então, isso aí pra mim foi que ficou bastante marcado na matéria. Gostei muito por que
realmente me abriu bastante os olhos com relação a isso. A questão do... do eurocentrismo, como ele
foi implantado... o sistema de... de... é... é... separação racial... Como ocorreu o processo histórico, né?
É, assim, é uma coisa que a gente não aborda na Biologia. Mas, que é importante saber. Porque que
ocorreu essa separação? Porque que a gente vive essa separação e porque que ela tá tão irraizada na
nossa mente que a gente as vezes... muitas vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só
implantada na cabeça da gente. Então, esses pontos pra mim foram os que mais me marcaram na
matéria.
-
Então, o que eu gostei bastante foi a forma... mais livre de se debater. Eu não sei se vou conseguir essa
prática, né? Pra alunos do fundamental. Porque vai exigir uma leitura prévia, um entendimento
individual, né? Do aluno... mas, com certeza com o aluno do ensino médio, eu já poderia levar
bastante coisa disso. Que é a questão de lançar uma proposição pro aluno, uma reflexão... um texto
que busque a reflexão. Que tá aliando várias coisas e que esse aluno possa chegar na sala e a gente
possa debater. E as desconstruções foram feitas na sala com base no que a gente leu. Então, isso é uma
prática que eu... eu tenho a intenção de levar. Até porque essa experiência que a gente teve com a
atividade que a gente fez eu achei muito gratificante. Pelo fato dos alunos virem, se sentirem confiante
de chegarem na gente... então, eles primeiro tavam assim... até pela característica da escola... porque é
uma escola, né? Que são alunos indisciplinados, uma grande parte, que os professores relatam que tem
problema com isso e eles se sentiram, como você falou, representados. e se sentiram à vontade,
participaram... e aquilo foi gratificante. Então é uma prática que eu realmente achei interessante, é uma
coisa muito bacana de lidar e é uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você
relacionar os assuntos, trazer aquela prática para vida do aluno... é.... Trazer o problema do aluno com
relação a determinadas questões e debater aquilo. e.... tentar desenraizar esses conceitos que tão na
mente, na nossa mente, né? como foi feito aqui, também tentar fazer com os alunos. aí como eu falei,
no ensino médio, eu sei que é possível. Complicado vai ser um pouco com os pequenininhos, né?
Porque lida com a compreensão... mas, talvez com a experiência, a gente consiga trabalhar e chegar
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Acho que essas discussões que a gente teve, um pouco de cada ficou, porque são coisas que meio que
passam despercebidas, assim... quando a senhora falou mesmo, aquele exemplo, que a senhora, tipo...
trabalha com isso, mas, se pegou pensando nisso, aquilo que a senhora até falou que foi um... um soco
346
no estômago, que você... que são aquelas coisas, a questão da colonialidade que a senhora falou. Que
já vem desde antigamente, tá empreguinado na gente. Acho bem interessante isso. Acho que o que me
marcou mesmo foi essa parte da... do conceito de raça... do conceito de raça é o que eu fiquei enjoando
Eduardo pra gente falar desse tema. (...)eu acho que a gente conseguiu abrir os olhos de alguns deles,
tanto que algumas pessoas vieram falar com Arizona e perguntar mais assim, teve alguns que até
perguntaram se a gente ia voltar com outras discussões.
-
Eu acho que pra... eu acho que... porque eu tô pegando a disciplina de didática agora, ai... e como a
disciplina teve muitas dinâmicas, eu acho que vai ajudar bastante na formação... na minha formação
como professora. já essa questão de... como é que eu posso dizer... da gente trabalhar essas dinâmicas
com os alunos e até de levar esses assuntos pra sala de aula, fazer meio que... um... que quando não for
esse assunto, mas, quando você puder tratar desse assunto criar um tema transversal sobre esse
assunto, porque é importante a gente discutir essas coisas, até pra... porque... é como eu disse antes,
esse negócio, a gente tá no cotidiano, acostumado, é tanto que na dinâmica que a gente fez, quando
Arizona começou a exibir as imagens dos cientistas brancos, eles sabiam a maioria, agora quando
Arizona começou a mostrar os inventores e os cientistas negros eles não souberam nada de ninguém...
e eles ficaram, tipo, quando Arizona disse o que foi que eles fizeram de importante, eles ficaram
surpresos com aquilo porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas
aulas.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
O conceito de raça, que, a.... eu me lembro muito bem no dia da aula, que... é.... o conceito de raça, ele
não é [inaudível] pra nós, seres humanos. É.... e como surgiu, essa... essa ideia toda... o mito da
democracia, também, racial, eu, eu... até fiz o resumo sobre esse assunto, que eu gostei... foi um dos
assuntos que eu gostei muito, e que eu... de todo mundo falar eu peguei também. Essa história de
igualdade, que... quando, é.... houve o.... momento do... como é? Que a escravidão acabou, que os
negros e os brancos eram iguais, que na verdade é um mito, que isso não existe, é.... hoje! Até hoje,
né? Que algumas coisas acontecem ainda... E tipo algumas coisas que você sempre falava, eu vi o
poder... porque eu nunca parei pra pensar... quem tá no poder? Quem é a maioria? Quem, é.... é....
predomina mais? Que são os brancos, na verdade... e tipo, eu tava até analisando aqui na UFS mesmo,
que... tem, o.... a turma de medicina, a turma de medicina, a maioria são de escolas particulares e eu
não vi uma pessoa negra. Negra! Nenhuma! Nem da minha cor, assim... tipo, eu sou negra, mas, a
minha cor é um pouquinho mais clara. Tipo... eu só vejo pessoas brancas da turma. E eu olhando
assim... poxa! (...) Pra mim foi uma coisa nova, que eu nunca parei pra pensar, analisar, e tipo...
também nunca tive uma... eu... eu já ouvi falar muito sobre racismo, mas, tipo... essa ideia que muitas
pessoas acham que racismo não deve ser é... comentado, porque é isso que a gente... para de falar...
racismo, não existe racismo... e... até eu falei com os meninos de manhã, que era importante sim, a
gente debater sobre o assunto, porque as vezes a gente faz, a gente tem... nós mesmos, somos racistas e
ninguém nem percebe.
-
Eu acho que... assim, tipo... tem coisas que, o.... é importante a gente falar também que... é.... alguns
assuntos que abre brechas pra tipo, abordar sobre o assunto e o professor perde a oportunidade de falar
sobre isso e é algo muito importante. Aí eu acho que é isso. Mais ou menos. (...) eu acho que mais na
parte da genética mesmo, como a senhora falou, essa parte de gene, tipo... de seleção, é porque eu não
sei explicar exatamente certo. (risos) mas, eu acho que é.... não é questão de... sobre o mito mesmo,
que é.... as pessoas brancas são mais aptas a.... a.... mais inteligentes, é.... tem mais probabilidade de
conseguir cargos melhores, essas coisas...
Respostas de Eduardo (Entrevista 7)
Pra mim, ficou mais na mente... eu acho que foi essa questão do racismo científico, questão da
eugenia, né? Como que a ciência apoiou essas ideias que são hoje absurdas, pra mim o que mais ficou
foi isso!
-
Eu acho que, assim, o que eu vejo hoje de diferente, depois da disciplina é que... é.... quando formos
dar assuntos de Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o assunto
mas, tentar contextualizar, né? Mostrar como que... é.... surgiu o conhecimento, e que não foi tão
simples assim, antes poderia ter sido considerado errado e hoje encarado como certo, acho que mais ou
347
menos assim.
Questão 2.
2. Houve alguma mudança de concepção de prática docente a partir das discussões promovidas na
disciplina? Se sim, qual ou quais?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Sim, essa mesmo que eu acabei de falar, né? A questão de ter mais um... sair um pouco daquela coisa
formal, né? De poder trabalhar junto, né? Isso aí que eu achei bem legal. Achei que... eu pensava de
outras experiências que eu tive aqui na universidade com alunos desse tipo, é.... eu não senti que
rendeu, né? Mas, nessa disciplina eu achei que rendeu bastante, né? Até a questão de jogos, assim...
algumas vezes em algumas disciplinas a gente fazia jogos, e eu via que, assim, demandava muito
tempo e o conteúdo que se extraia dali eu achava muito pouco. Mas, como a gente debatia, e falava... e
os jogos eram complemento que realmente agregavam bastante coisa. Como aquele jogo da genética,
né? Pra montar eu achei aquilo ali bom pra caramba, porque a gente já tinha acabado de discutir, né? E
aí a questão de manusear aquilo que a gente tinha acabado de ver pra mim foi interessante. Então, essa
coisa de trazer a informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De professor... e sentar pra
discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei interessante... e é isso que eu
visualizo. E de... de... de bom... de... de complemento pra eu poder usar.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Eu acho que meu modo assim, de ver as coisas de... é.... como por exemplo... essas questões mesmo...
que eu acho que ficou mesmo foi essa parte de raça (risos), essas questões que passam despercebidas
pela gente, esse negócio do eurocentrismo e tudo mais. Que.... assim... a ciência que a gente vê é a
ciência branca, a gente não vê ciência negra. Eu acho que isso foi o que me marcou mesmo. (...) foi
uma coisa que a disciplina me trouxe.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Tipo, é.... eu acho que é mais, a.... eu acho que é mais o amor a história da licenciatura, que eu... que
eu ficava muitas vezes pensando, assim... meu Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí
depois da aula de hoje, eu vi... é isso mesmo que eu quero seguir na minha vida! Porque... é a partir do
momento que eu penso, tipo... o professor, ele acaba repetindo muitos assuntos, só que... sente a turma
diferente, é.... pessoas novas! Ideias diferente! Aí tipo, aprende a ouvir com vários alunos... eu gostei
muito deles falarem... tipo, eu adorei a turma que a gente tava, na verdade... foi muito legal! Tipo, eu
já ficava imaginando... tomara que o meu estágio seja por aqui... que a turma seja assim parecida! Aí
tipo... eu acabo me apegando... só foi um dia, mas, eu acabo me apegando.
Questão 3
3. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, o conceito de ciência? Pensa em
problematizar o poder simbólico do termo ‘ciência’, a influência eurocêntrica?
Como discutiria o conceito de ciência?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
O conceito de ciência, eu tentaria mostrar que a ciência, ele... primeiro, não se restringe aquilo que a
gente vê no livro, né? E que... ciência é todo processo que traz conhecimento, né? Então, se existe uma
descoberta que não... não tenha sido através da metodologia acadêmica, mas que ela funciona, isso
também é ciência. Então, é essa abordagem que eu pretendo levar. Não pormenorizando, não
negligenciando o que as metodologias, né? Pregam e preconizam pra que as coisas realmente
apresentem um resultado que seja mais confiável, mas que aquilo não é tudo, né? Que existe além
daquele... daquele... daquela redoma, também existe ciência. Então, seria a forma que eu pretendo, né?
Abordar ciência.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
(...) não sei como. Mas, as aulas da senhora me deram uma base bastante boa, só que eu vou pensar
ainda como eu vou fazer isso.
Respostas de Carol (Entrevista 3)
E trabalhando, eu acho que através de como a gente trabalhou, através de oficinas, através de... é....
vamos supor, de disci... de conteúdos que saibam relacionar essa coisa da ciência, como a gente viu,
por exemplo, evolução e eugenia ou genética e eugenia... são exemplos pra mostrar que a ciência, ela
348
nem sempre é boazinha, ela nem sempre é favorável a... os grupos subalternizados, como a gente viu,
em eugenia. Então, eu acho que é importante trabalhar dessa forma pra que o aluno, ele tenha essa
desconstrução da ciência, e saiba que o conhecimento, qualquer forma de conhecimento, ela é válida.
Até o conhecimento que ele adquire na comunidade em que ele vive.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante! Eu acho que se eu pudesse dá tudo,
eu dava tudo e ainda aprofundado. (risos) aí tipo, a gente teve hoje... a gente tava falando sobre a nossa
dinâmica, que foi o... aquilo que a gente mostrou, né? Os cientistas brancos e os negros... pra mostrar
que tanto os brancos quanto os negros são capazes de ser importantes na história da ciência! Aí nisso,
eu fiquei poxa! Eu não imaginava que tem isso daqui... é.... eu quero... agora eu até esqueci... me fugiu
da memória o assunto que eu ia falar... (...) nem eu conhecia! (...) que os alunos saibam de uma coisa
que eu nem sabia! (...) E tipo... É tipo... Biologia, é um assunto... é muito amplo! É muita área, tipo,
não dá pra você se aprofundar em tudo. Tipo... você pode... se aprofundar em uma área, mas, no resto
você vai ficar superficial. Só vai dar o importante pra eles. (...) ah! Então, aí tinha... o engraçado é que
a gente tava... criando expectativas deles saberem logo de cara os cientistas brancos, mas, só mostrei a
imagem, e teve uma menina que acertou tudo! Aí Ariel... minha filha você tem que fazer Biologia!
(Risos) foi legal, a interação dos alunos, eu tipo, queria que você visse o vídeo, foi muito legal a aula
mesmo!
Respostas de Agnes (Entrevista 5)
Penso, acho extremamente importante pra que ele desenvolva o pensamento crítico, assim, que ele não
só... que ele não aceite tudo... mas, que ele aprenda a se questionar, assim. E.... e ver que nós e ele,
mesmo brasileiro, ele pode produzir ciência, não só pessoas de fora... e não só aceitar essas questões...
Ai professora, entendeu? Pronto, é isso... (...) é que quando você fala sobre a.... é.... a questão
europeia, parece que a ciência só... os fatos científicos só vêm de lá, assim... ou é da Europa ou é da
América do norte, entendeu? Parece que a gente tá aqui só pra receber a informação e trabalhar com
ela, mas, com o que já tá produzido, mas, nós, podemos produzir ciência, podemos produzir coisas
novas.
Questão 4
4. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, a crise do conceito de gene? Por que?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Sim. Com aluno do ensino médio, né? Que é quando eles vão ver. terceiro ano, né? Pra que eles vejam
que a ciência não é uma coisa fixa. Que ela tá sempre mudando, o que a gente... o que a gente enxerga
hoje como verdade absoluta, daqui a uma década ou até menos do que isso pode mudar, né? E pra que
eles não engessem a ideia de que porque hoje é desse jeito, vai ser sempre daquela forma, porque com
novas descobertas, novas tecnologias, novos aprendizados, as coisas podem evoluir. E da mesma
forma é a genética, né? Então, o que se acreditava, tem plena certeza há 10 anos atrás, hoje muita coisa
já foi destruída. Então, por conta disso, eu acho muito importante abordar o tema.
Respostas de Carol (Entrevista 3)
Esse já é um assunto mais complicado (risos), porque eu acho que... não sei... eu acho que a gente tem
uma certa ideia de gene, mas, fica assim, complicado de discutir porque não é algo... eu acho que o
aluno ele meio que espera que seja algo definitivo, não seja algo que bala... fique balanceado. Seja
algo que ele tenha certeza de que é aquilo. Porque normalmente, eu, como já fui estudante,
normalmente quando a gente tinha um conceito, a gente colocava o conceito definitivo, ah... evolução
é a adaptação dos seres vivos através do tempo e tal... e o conceito de gene é um pouco complicado,
até eu sinto um pouco de complicação, em trabalhar com.... em genética mesmo, quando o professor
Edilson também trouxe, eu senti um pouco de dificuldade, então afinal, o que é gene? (risos) o que é
gene? São um conjunto de características? O que que eles se submetem? Então, eu acho que... é
interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada estudante, sobre o que ele tem a respeito,
e também é desafiador, porque não tem algo assim, normalmente... a gente tende pra o que é certo e o
que é errado, não ter uma coisa definitiva faz a gente ficar: e aí? É o que? O que foi? É uma confusão!
Então, eu acho que também é essa ideia de desconstruir como a senhora também propôs na aula, o que
é certo e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é certo e o que é errado pra um
pode não ser o certo e o errado pra senhora. Eu acho que é isso. (...)
349
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Não sei. (Risos). Depende do tempo. (Risos). Não sei se quando eu terminar aqui a.... quando terminar
a UFS, como vou trabalhar... como... se eu vou ter tempo de abordar todas as coisas... porque as vezes
o professor não tem tempo de dar todos os assuntos ou tem que seguir regras da escola, em que se
dependesse pra ganhar, particular... (...) É porque também eu tô um pouquinho esquecida. Eu esqueci
desse assunto... a crise? (...) talvez eu me limite ao livro, eu não sei, depende da situação, do que eu lê
no livro... não sei bem...
Respostas de Nami (Entrevista 6)
Acho que eu só discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de genética e como
discutir esse tema, é um tema que precisa de um embasamento teórico mais profundo, eu deixava pra
fazer essa discussão do meio pro final do... do assunto, né? De genética. Eu acho que é.
-
Porque eu acho que tá surgindo muitas coisas lá na internet, falando muito sobre esse tema, e como
eles tem muito acesso, eles vão olhar e interpretar e olhar que aquilo tá certo, aquilo tá errado, mas,
que pelo menos se eles acham que tá certo ou errado, que eles discutam comigo antes de qualquer
coisa, tirar qualquer conclusão. Porque o que tá saindo de coisa, aí... sobre... falsas, né? Pseudas...
pseudociências aí falando um monte de coisa, eu acho que seria interessante discutir isso com eles.
Questão 4
Como discutiria o conceito de gene?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Aí é complicado. (Risos). Seria uma coisa pra ser.... estudada com calma. Porque, assim, como eu não
tenho experiência de ensino, né? Eu teria que ver o nível de desenvolvimento da turma. Pra que eu
montasse uma estratégia específica pra eles, né? Por que eu posso ter uma turma mais... mais aberta,
né? Mais receptiva a novas informações e posso ter uma turma que não seja tanto. Eu acho que... eu
não tenho como definir isso aqui e falar. Eu acho que vai depender muito da turma, e da experiência
que eu vou ter daqui pra frente, né? De ensinar. Eu acho que no momento eu não tô preparado pra...
quero discutir! Mas, não me sinto preparado pra fazer isso agora. Preciso sentir a turma, preciso sentir
os alunos, e preciso ter confiança pra poder fazer isso.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Eu acho que eu faria uma aula bem parecida com a da senhora, porque eu achei bem interessante, a
aula, tipo... a gente ter que montar o gene e dizer pronto, isso aqui é um gene. (...) onde está o gene? E
trazer pra eles todos esses conceitos, porque o que tem no livro é aquele conceito, né... aquele conceito
arcaico de gene. (...)
Respostas de Agnes (Entrevista 5)
Eu acho que quando eu fosse falar sobre... a genética, propriamente dita, no início do assunto, o que é
a genética? A genética é a ciência que estuda a hereditariedade... Quais são os fatores que estão
relacionados a isso? Aí ia falar sobre genes, alelos, então, quando chegasse nesse assunto eu já
discutiria, mas, a gente sabe que até uns anos atrás, gene era apenas isso aqui. Mas, agora existe uma
complexidade em relação ao conceito desse termo aqui. Porque? Eu ia discutir aí, logo no início do
assunto.
Respostas de Nami (Entrevista 6)
Aí eu já não sei. Precisaria de mais tempo pra construir, pra construir essa ideia, não sei... Eu pensei
uma vez falando com Everton, de buscar justamente essas reportagens e entrevistas que tavam saindo,
essas manchetes de jornais, que tavam saindo com essas informações que a gente sabe que é errada,
mas que a gente deixa passar ou que aceita e não procura, e porquê que os cientistas de verdade,
aqueles... eles não vão lá e protestam? Tinha até lá dizendo: Detox é isso, é aquilo, é o mundo, é a
vida, é num sei o que... e porque ninguém foi lá e disse que não? Porque que os cientistas não têm essa
voz de dizer que aquilo tá errado, e a pseudociência tá passando aí um rodo em tudo e ninguém fala
nada? Eu acho que seria (...) É, então, porque que isso acontece? Eu acho que seria... e colocaria mais
perto deles, que seria a gente usar o instagran, essas coisas pra eles mesmos procurarem esse tipo de
informação, e trabalhar isso em sala de aula, eu acho que dava pra fazer. Mas, eu ainda preciso de mais
tempo pra construir a ideia. (Risos).
Respostas de Everton (Entrevista 8)
350
A gente pode apresentar os conceitos. Dizer que existem vários conceitos... a gente mostra os
conceitos, porque esses conceitos podem servir para as discussões futuras, né? Se você discute
somente o conceito clássico, né? que você delimitou, que não seja clássico, mas, o que você deu
somente um conceito, você delimita aquele conceito, pode impedir que você promova uma discussão
na frente. Porque como a gente pode ver que tem vários conceitos, o aluno também vai refletir sobre
esses conceitos e a gente pode servir como base para as discussões mais na frente. Por exemplo, a
eugenia, quando a gente for discutir eugenia, a gente pode ver que essa alteração gênica é importante,
né? Então, eu acho que só discutir um conceito eu acho que não é suficiente. Ele poderia ser usado pra
você abrir as discussões.
Questão 4
Como discutiria a história de Rosalind Franklin?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Primeiro pra quebrar mais um tabu, né? Abordaria... de que só homem faz ciência, de... estimular, né?
Porque... O que a gente vê nas escolas, por exemplo, eu tenho muitas amigas que elas desenvolviam
bem pra caramba ali no ensino médio, se destacavam ali... mas, que hoje... não fizeram uma
universidade ou se fizeram estagnaram por ali... e o que a gente vê é quando a gente fala assim, é....
em ciências, a gente nunca mentaliza uma mulher, né? Então, acho que antes de tudo, o principal de
tudo meu objetivo seria esse. Quebrar esse paradigma de que só homem faz ciência, né? e que a
mulher também é capaz de produzir... tão capaz quanto o homem, né? E que é.... é... Possível que a
mulher se destaque no mundo da ciência, né? Muito embora por conta da nossa cultura seja difícil,
mas, que é possível, sim. Então, eu acho que pra mim seria o principal ponto a ser abordado.
-
Bom, abordaria as dificuldades, né? Encontradas, é.... abordaria... o principal seria isso, né? A
persistência, que foi... as desilusões, né? Que ela... que ela enfrentou por conta da... é... da situação
incomum dela, na época, né? Uma mulher cientista... e.... é.... o principal de tudo... os resultados, né?
que ela obteve apesar de tudo. Então, eu colocaria o contexto histórico, né? Em que ela estava
inserida, né? é.... o que potencializava ainda mais a dificuldade, né? e.... a questão da persistência dela
e dos resultados que ela conseguiu.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Sim, sim! Claro! Quero falar sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são importantes,
e eu quero falar o que eu aprendi aqui, e.. Ela... ela tem uma parte importante pra... pra... pra dupla
hélice de DNA, eu acho importante falar sim, a parte que ela teve, né? Pra eles conseguirem chegar
nisso... (...) E tipo... como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente, só que ele
num.... ele tinha as apostilas dele... ele dava as apostilas dele e dava o livro pra gente consultar... e,
tipo... claro que eu antes de dar aula eu vou analisar o livro e ver se tá coerente com o que eu quero
passar para os alunos.
Respostas de Everton (Entrevista 8)
Com certeza! Porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma interpretação que a
gente poderia não ter tido se a gente não tivesse a contribuição dela. Porque quer dizer, eles só
construíram o modelo de dupla hélice, a partir de alguma coisa que ela havia feito antes, quer dizer, já
pegaram o barco andando. E a contribuição dela? Onde fica? Porque a gente pode discutir, sim, como
foi que eles chegaram a descobrir, aí vai dizer... não, teve uma contribuição de uma pessoa chamada
Rosalind Franklin, então, aí sim a gente pode discutir sobre a contribuição dela, que foi grande para a
descoberta!
Respostas de Renata (Entrevista 12)
Eu acho que... vocês abordam a história da genética no terceiro ano? (...) assim, no.... é.... seria de
forma conceitual, eu acho que tem que ser padronizado, antes de qualquer assunto tem que ter uma
história. Então, eu acho que antes de iniciar os conceitos básicos, deveria falar quem inventou o DNA,
quem descobriu, no caso, né? Quais foram as problemáticas pra chegar aquilo? (...) já seria uma forma
de levantar essa questão pros alunos. Porque ela foi apagada? Porque é mulher? Então, já é uma coisa
pra se discutir, né?
351
Questão 5 - Anular crença? Por que?
5. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica, insiste em afirmar, no
seu contexto cotidiano, que “As características estão no sangue” é importante para você que este aluno
anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento científico em todos os contextos? Por
quê?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Vamos lá. Eu... eu... eu não vejo problema nele ter esse pensamento, porque talvez essa seria uma
forma dele atingir outros públicos, né? Ele entender pra mim seria importante. Mas, ele usar isso como
discurso talvez seja importante pra que ele atinja outros públicos. Ele vai conversar, por exemplo,
com.... com um avô que não tem estudo, mas, que muitas vezes ele quer comentar alguma coisa, né?
Falar alguma coisa sobre herança, né? E que ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de
genética praquela pessoa, mas de repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do
sangue! é do sangue... eu acho que não tem problema ele ter essa noção desde que ele entenda como é
que acontece as coisas. Pra mim é mais uma forma que ele vai ter de comunicação, pra ele atingir um
público diferente, pra uma determinada situação.
Respostas de Agnes (Entrevista 5)
Professora, é.... com relação a isso, eu vou tentar fazer com que ele entenda que o processo é genético.
Assim, vou tentar... vou perguntar mais uma vez porque que ele acha que é pelo sangue, vou tentar
explicar mais uma vez, você entendeu... Mas, você disse que ele tinha entendido, né? Que... (...) Não...
é... com relação a isso, é... eu lavo minhas mãos, assim, porque eu passei a teoria mais aceita, assim, o
que é a minha obrigação fazer, de fato, ele aprender que é o que a ciência fala sobre o assunto, agora,
fazer com que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele, porque isso já é uma
crença pessoal, não... não é interessante pra mim.
Respostas de Nami (Entrevista 6)
Não sei, eu acho que depende muito do jeito... depende muito do aluno, depende muito do momento,
de como lidar com isso, não sei o que eu faria na hora, mas, eu acho que eu explicaria pra ele que não,
não tá no sangue, explicar pra ele o que de fato é, pra fazer com que ele desconstrua, mas, não,
forçando a ele a isso, se ele não quiser acreditar, ok! Mas, contento que ele entenda que tá no DNA,
que no sangue tem células, e células tem.... (Risos) e tentar acompanhar o raciocínio dele, né? Pra
tentar levar aquilo que ele já sabe. Mas, tentaria sim, desconstruir um pouquinho, pra ele não sair por
aí falando desse jeito, tentar explicar pra família também, se a mãe dele vai bater nele eu não sei
(risos). Mas, a professora me ensinou isso, tá valendo. Eu acho que eu tentaria desconstruir um
pouquinho aí, ou então, tentar ir no caminho dele até chegar onde eu queria. (...), mas, o que tá em
casa vai a praça, não é? Então, ele pode sair falando isso, pode ser que os colegas dele não saibam e
continuem passando essa informação, que é.... não tá totalmente errado, mas, não é.... dentro do
contexto escolar não cabe. Então, ele ficar repetindo essas coisas assim, eu acho que vai acabar
convencendo aos outros colegas e continuar com essa ideia errada. Mas, eu acho que dentro da...
dentro de casa... é que nem a questão de gênero, você vai discutir gênero com seu avô de 80 anos, não
vai... Não tem como mais... eu vou dizer ao meu avô que... que... que ele tá no DNA e não no sangue...
não vou dizer pra meu avô isso, mas, pra uma criança que tá sendo moldada agora, tá se construindo
agora, eu acho que tem que ser falado. (...) É. Seria o ideal [conhecimento científico ocidental em
todos os contextos] mas, ela não vai fazer isso, eu acho que dentro de casa, ela vai continuar dentro de
casa se comportando, porque eu acho que você tem que se comportar de acordo com o que o ambiente
vai pedindo, então, ele vai entender que tá no DNA, mas, quando ele chegar em casa, ele vai falar que
tá no sangue. Eu mesmo, como bióloga, há um bom tempo atrás, eu era assim com meu avô, com
minha avó, tá no sangue! Essa doença tá no sangue! Aí eu: Tá no sangue! É isso aí. (Risos). Eu não
vou discutir com ele, entendeu? Acho que tem momentos que sim e tem momentos que não.
Questão 5 - Anular crenças racistas? Porque?
E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por
exemplo, devemos questionar e buscar superar essas práticas?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Não, aí nesse caso, não. Aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né? Ou sexista,
aí eu precisaria desconstruir, né? Por que é um pensamento que pra mim não cabe mais, né? na
352
sociedade. Mas, cabe porque existe, né? Mas pra que a pessoa evolua como pessoa, né? é.. Eu acho
que esse pensamento ele deve ser desconstruído, né? Eu não enxergo esse pensamento como saudável,
né? Porque eu enxergo... o que é que eu procuro ver, é.... sobre machismo, sexismo, racismo... Eu
vejo... é como eu lhe falei, eu uso minha família muito como laboratório, né? Aí eu fico observando. E
eu ouço e falo as vezes... eu fico olhando assim, será que é isso que eu quero pra minha filha? Eu acho
minha filha tão inteligente, esforçada... Será que é esse futuro, essa visão que eu quero que alguém
tenha dela? Ou então que essa visão que alguém tem vai influenciar o pensamento dela, né? Então, eu
acho que a sociedade não deve se construir em cima disso, né? É.... racismo também, eu vejo assim, a
minha... a família de minha esposa eles são negros, são maioria, né? E eu vejo meu filho... Ele é bem
branquinho, né? E as vezes meu cunhado ou meu sogro, né? que é bem negro, ele pega filho pra dar
uma volta, e... e quando alguém aí fala é meu sobrinho! Aí é fruto de algazarra, de ironia, e eu sinto
que aquilo machuca, tanto ao meu cunhado quanto machuca o meu filho, por que eles têm uma relação
de amor, de família! E quando ele sente um comentário pesado, né? Ele é atingido também, né? Ele
vai ter que lidar com isso, né? Ele lida com isso. Porque ele vai apresentar. Teve que levar uma foto,
uma vez teve uma atividade na escola que ele levou a foto da família, né? A gente buscou uma foto,
né? Que tinha... meus pais, tinha os pais da minha esposa, né? Os meus sogros... os tios, meus irmãos,
os cunhados... e aí tem os comentários, né? Os coleguinhas, ah! E quem é esse? Eles são pequenos,
mas eles já têm preconceito, já. Eles acham que ah, não... porque ele é branquinho, não pode ser, né?
E.... eu acho que isso... isso... machuca, né? E não evolui nossa sociedade pra canto nenhum, então,
nesse aspecto aí eu acho que não cabe mais e tem que ser desconstruído, né? Tem que chamar o aluno,
pra conversar... e tentar mostrar por A mais B, né? Que... não tem lógica, esse tipo de... de abordagem,
de pensamento, né?
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer,
isso... não é uma coisa certa, e meio que é.... como se fosse um dominó, ele acredita nisso, se ele tiver
filhos e continuar acreditando nisso, os filhos dele também vão acreditar nisso e vai ser uma coisa sem
fim. Tipo, a gente tenta dar um... tenta mostrar essas ideias as pessoas, mostrar que o racismo é errado,
só que se a gente não conseguir mudar essas concepções, vai continuar um loop infinito.
Respostas de Carol (Entrevista 3)
Aí já é outro contexto. Porque... Assim, a gente pretende sensibilizar, porque pra modificar, eu acho
bem... assim, não é impossível, mas, eu acredito que sensibilizar, assim como a gente sensibiliza em
outras coisas, a desconstruir o racismo, e tal... eu acho que é importante sensibilizar ele a desconstruir
essa ideia de que ah... porque minha família... eu acredito que é possível, porque eu já tive também
tantas ideias que na família eram divulgadas que eu acabei desconstruindo nas aulas de Biologia. Isso
não precisou o professor impor, eu só entendi que não fazia sentido, o que minha família pensava pra o
que a gente via, a gente comentava, e que também estava... que mostrava nas redes sociais... é.... na...
na... na mídia... eu acredito que não precisa necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode
sim desconstruir, através de conversas, de debates, ele pode ser.... e tendo uma ideia diferente do que
ele tinha em família.
Questão 6 - Como você poderia exemplificar essa abordagem?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Um dos exemplos que eu usaria seria justamente esse, né? Porque seria uma coisa que eles vivem,
mas, que... que a gente vive, mas, talvez não perceba, né? Que é o conhecimento... aquele
conhecimento, né? De raiz. Aquele conhecimento... tradicional, né? E eu poderia apontar isso pra
eles... olhe, o que sua avó faz em casa, quando você vai curar uma ferida, quando você vai dá um
chá... esse conhecimento ele veio, de muito tempo atrás e foi testado, e foi repassado, né? Porque deu
certo, e continua sendo aplicado hoje. Então, com certeza eu levaria. Até porque vez ou outra a gente
ainda se surpreende, né? Com certas coisas, né? Certos conhecimentos de... é.... que a gente vê... ahn...
que são aplicados, né? Esses conhecimentos que são da avó, do índio lá atrás... as vezes a ciência da
uma sacada assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí estuda uma coisa, uma planta que um índio ou
alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo mesmo! E se apropria da coisa!
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada na cabeça, professora.
353
Respostas de Carol (Entrevista 3)
Ah professora, sobre essa questão aí que a senhora citou também, eu vi na globo um grupo dos
quilombolas, que a partir do que esses quilombolas faziam nessa reserva, vamos supor, eles tocavam
fogo, em uma área, pra que quando o fogo... quando acontecesse queimada, essa, é.... não tivesse o que
queimar! O fogo já não tinha mais o que queimar. E isso os biólogos, a partir disso, aproveitaram e
utilizaram, então, foi uma coisa, um conhecimento que ninguém tinha, e foi utilizado, justamente pra
salvar espécies de plantas e animais. Então, eu acredito que sim, deve ser usado!
Respostas de Agnes (Entrevista 5)
Eu poderia citar a história, assim, ao falar sobre... antigamente, as pessoas achavam que, por exemplo
na genética, as características eram transmitidas apenas do pai, o esperma... como naquelas crenças
antigas, de que o esperma já vinha com o corpo formado, e tal... eu tô citando a crença de pessoas do
passado, e talvez até exista pessoas que acreditam nisso, eu posso citar que... bom, pros religiosos,
deus existe, pra outros cientistas ele não existe... isso é só um exemplo... é... mas, existem outras
formas de se explicar a criação e o porquê das coisas acontecerem. De que outras formas eu explicaria
isso, é.... que dentro da sala, eu acho que o assunto sempre dá margem pra você conversar outra coisa,
então, porque que eu acho válido? Porque um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os
índios são politeístas, os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... é isso que eu quero dizer,
então, sempre vai ter margem pra falar algo curioso. (...) É, mais como curiosidade, não como o
conhecimento mais importante pra ser passado...
Respostas de Nami (Entrevista 6)
É tanto que... pronto! Quando eu vou começar sempre uma... um assunto novo! Falar sobre plantas, eu
coloco, pergunto pra eles... antes mesmo de iniciar qualquer coisa, eu pergunto, boto um glossário de
palavras que eles nunca viram na vida, pra ver se eles reconhecem aquelas palavras e depois pergunto
a eles coisas que eles sabem sobre as plantas, eles ficam dizendo que planta tem leite. O que é o leite?
Então, eu boto lá: planta tem leite! E vou tentando buscar essas coisas que eles ficam falando todos os
dias errado. E vou colocando lá e depois desmistifico aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta
não tem leite, por exemplo, e aí vou explicando com base científica. Mas, eu gosto de saber o que é
que eles tão pensando, que é que eles já sabem sobre o assunto porque dá pra gente medir o que a
gente vai falar depois, pra nem já começar com uma coisa muito difícil, ou então, subestimar eles e
começar com uma coisa super fácil e você ficar perdendo tempo com uma coisa que ele já sabe.
Questão 7 - Com qual objetivo?
7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos dos estudantes, bem como
suas culturas? Com qual objetivo?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Com certeza! Com o objetivo de aprender, também. É porque a gente acha que... a gente como
professor acha que vai chegar na sala e vai passar todo conhecimento, né? E que o aluno tem ali 11 ou
12 anos, não tem nada pra lhe passar. Ou então alguém que mora ali no interiorzinho, uma região
interiorana ali que não tem muito acesso a outras... a fontes tradicionais de informação, e a gente acha
que não vai vim nada dali, e na verdade com certeza eles têm muito... muito a ensinar, né? Uma pessoa
que mora numa região de mata, ele vai entender muito mais do hábito do animal do que eu que vou
chegar na sala e vou dar uma aula de Ecologia, né? Então, com a finalidade também de aprender e
compartilhar, e de mostrar, que o conhecimento, é.... da população, conhecimento de família também é
válido, com certeza eu abordaria isso na aula.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Sim. Acho que vai de conhecer assim o seu aluno, porque tem muitos professores que acham que...
aquela pessoa que... como é que eu posso dizer... um aluno que sempre chega atrasado, a gente pode
admitir que não sabe porque dele chegar atrasado. Aí a pessoa pega e pensa: Ah... desleixado num sei
o que... mas, eu acho bom a gente conhecer o ponto de vista dos alunos, entender o porquê que essas
coisas acontecem. (...) eu acho importante porque até pra essa questão do preconceito acabar, a gente
precisa entender, no que o outro acredita.
Respostas de Carol (Entrevista 3)
Sim. Com o objetivo de respeitar as diferenças. Porque não adianta só a gente mostrar a concepção
científica. E qual a concepção que os estudantes têm a partir de determinado conteúdo? Porque é que
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eles acham que isso é certo ou errado? Porque é que eles concepcionam? Vamos supor, na evolução,
porque na evolução a gente só trabalha com criacionismo, mas, o que é que um... um frequentador do
candomblé acha? O que alguém da umbanda ou alguém que é espírita, evangélico vai ter essa
concepção a partir da evolução, então, eu acho que é bom por que é.... é bom trabalhar com essa
diversidade cultural por que faz com que os alunos desconstruam essa ideia de que só uma... só a
ciência é a certa e poder respeitar as diferenças. Saber que ele... ele não pode pensar o mesmo que o
colega, mas, que ele respeite, que ele entende, pra uma boa convivência!
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Tipo, eu poderia... a partir do meu assunto, chegar numa coisa que é do dia a dia deles, no caso? (...)
sim, posso, porque ficaria mais fácil deles entenderem o assunto. (...) Penso. (...) Objetivo deles
entenderem melhor o assunto, tipo.... Como eu tô, tipo, dando a parte da... morfologia da planta, eu, é
mais interessante eu pegar uma planta da região e explicar, isso daqui, isso daqui, isso daqui, isso
daqui. Eu acho que ficaria mais fácil deles compreenderem a aula. Do que eu ficar só no desenho, ali...
e tipo, é uma coisa que... eles têm na região.
Respostas de Jhoserd (Entrevista 11)
Sim! Eu acho que isso é fundamental, primeiro pra que eu saiba se eles estão compreendendo o que eu
tô falando, segundo pra que eles tenham oportunidade de expressão também e discutam... porque a
discussão é algo que não acaba... pode melhorar aquilo que você sabe, melhorar a habilidade de falar,
discutir...
Questão 8
8. Você pensa em discutir, com seus alunos da educação básica, questões sobre racismo e alterização,
por exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Sim. Principalmente depois dessa experiência, agora. Porque eu achei... achei muito gratificante,
assim... achei... quando eu falo assim eu fico voltando assim porque eu lembro dos alunos vindo e
fazendo aquela roda, assim... a minha volta e querendo contar, né? Naquela... no fri som, ali... olha,
deixa eu te falar aqui... o que que eu ia fazer? Né? Aí eu ficava assim, poxa! Realmente, é.... a gente
fez uma coisa que atingiu alguém, né? E eles saíram dali não só com a ideia, com o mínimo
embasamento pra discutir, e com a ideia de que não... não tinha nada que sustentasse a questão do
racismo, como eles, assim, aquela sensação de que eles saíram leves. De que soltaram alguma coisa
que tava ali preso, abafado, e.... e com aquela sensação de que caramba! Eu sou alguém! E hoje eu vi
que sou alguém. Então, por conta disso, é.... não é coisa da minha cabeça, não sou só eu que passo por
isso, eu tô vendo aqui talvez eles tivessem vendo gente ali que nunca tinha compartilhado daquelas
situações com ele, mas, que encontraram liberdade de poder fazer aquilo, e aí, eles... caramba! peraí, e
assim, a sensação de que a gente fez alguma coisa de útil, realmente útil pra vida prática do aluno, e...
melhor ainda, relacionado com o conhecimento, com ciência, ah... isso aí foi pra mim, foi gratificante
demais. Então, com certeza, é uma coisa que eu vou... vou querer achar o momento certo pra poder
debater com as turmas, não sei se com atividade parecida ou diferente, mas, pela forma com que isso
me atingiu, né? Positivamente, com certeza eu vou querer levar sim.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Com certeza (risos). (...) porque... tipo, isso... já é uma coisa que vem acontecendo acho que o que?
Desde sempre, praticamente, e eu acho importante a gente mudar essa concepção das pessoas
justamente pra... no caso, as pessoas brancas pararem... porque a maioria é o que? As pessoas brancas
inferiorizando as pessoas negras. Eu acho que isso, isso... não faz o mundo crescer, só faz ter mais
brigas e mais desigualdade. Então, acho que é importante a gente tentar mudar essa concepção dos
alunos e.... porque, mudando a concepção dos alunos, de repente eles conseguem mudar a concepção
dos pais, alguma coisa assim.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Sim, se tiver oportunidade, sim, claro! Se eu tiver oportunidade, se o assunto abrir brecha, né? (...)
sim, com certeza! (...) sim, sim! (...) Eu acho que é.... é muito importante esse assunto, um assunto que
num pode ser assim, deixado de lado pelo professor, tem coisas que a gente num pode fechar os olhos,
a gente tem que falar, e tipo... se houver uma situação em sala de aula que tá vendo racismo, eu vou só
ficar dando meu assunto e.... e fingir que num tá tendo nada? Se tiver dando um assunto sobre
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bullying, alguma coisa, eu tenho que falar, eu tenho que arranjar uma maneira de abrir brecha pra falar
sobre o assunto.
Respostas de Eduardo (Entrevista 7)
Sim. Com certeza! Porque tem tudo a ver, né? Biologia e racismo. Antes, eu não via muita relação,
hoje eu vejo, então... Antes eu pensava que era só uma questão de história, né? Mas, hoje eu vejo que
tem mais a ver com a ciência. Então, eu acho que... eu não quero deixar só pra história... pra o
professor de história... eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou. (...) não, isso é pra vida toda.
Essa questão do racismo, da ci... racismo na ciência eu acho que eu vou levar pra vida toda... e é uma
coisa que eu vou levar da disciplina. Essa coisa assim...
Respostas de Everton (Entrevista 8)
Então, como eu falei, né? Quando aparecer a oportunidade é quando a gente aproveita pra discutir. E
não colocar só... não! Hoje a gente vai discutir racismo! Hoje a gente vai discutir eurocentrismo!
Não... a gente discute à medida que as aulas vão acontecendo e a discussão pode ser levantada. (...)
não! (Referindo-se ao fato de que o licenciando não planejaria uma aula para discutir racismo, por
exemplo) eu discutiria é.... é.... Dessa forma, né? Nem que eu tivesse... Tava com uma aula planejada
pra trabalhar tal assunto, e for levantada essa discussão, tá! E como é que a gente pode fazer? Aí a
partir dali eu poderia planejar ver se a discussão ficou muita coisa, ou se ficou muita coisa que a gente
poderia ter discutido, ah... então, vamos pensar na próxima aula! A gente continua essa discussão de
forma mais detalhada! Vamos trazer mais fatos pra gente discutir melhor, a partir da oportunidade que
surgiu. (...) ah... agora eu entendi! Eu acho que eu não tinha entendido direito a pergunta! (...) ah...
sim! Com certeza! (...) eu tinha entendido... o planejamento seria, no caso, né? A partir da discussão.
Ou no caso, a pergunta seria voltada pra eu planejar pra depois discutir. (...) ah... eu acho que daria sim
pra pensar... (...) é.... eu planejaria, mas, com cuidado, como eu lhe falei, que não acabasse
estigmatizando. Ficar colocando em pacotinhos, né? Então, a gente vai discutir e eu não consegui
alcançar o objetivo de sensibilizar os estudantes. A pensar numa forma... veja, interpretar de uma
forma diferente, pensar numa forma diferente e acabar compartimentalizando e só discutir por
discutir... discussões que não sejam tão profundas, que não tenham fundamento nenhum. Assim, eu
posso planejar, mas, com esses cuidados. De que não fique essa questão de compartimentalização de
conteúdo. Que seria muita... só mais um conteúdo que a gente ia abordar. (...) é porque eu tenho esse
cuidado, esse medo de... ah! Hoje a gente vai trabalhar divisão celular, hoje a gente vai trabalhar gene,
amanhã a gente vai trabalhar racismo! (...) é um risco que a gente vai correr, porque pode surgir como
pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa sensibilização, aí sim, mesmo... ah... não surgiu!
Então, vamos... vamos discutir! Porque já surgiu da nossa formação inicial... no caso a gente já foi
sensível a pensar isso... então, se eu já sou sensível, eu espero! Se não sair, mas, eu posso levantar essa
discussão. (...)É. no meu caso. Agora, pra uma pessoa que não teve essa sensibilização, eu acredito que
não vai dar pra surgir. Inclusive, pra sustentar uma discussão, né? Que surja na sala de aula! Porque
antes dessa disciplina, se eu visse uma discussão desse tipo, eu não iria dar tanto destaque, tanto
enfoque, tanta profundidade, que eu daria após eu pegar essa disciplina!
Questão 8
Como discutiria essas questões de racismo e alterização?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Então, da mesma forma que a gente aplicou, né? A atividade, é.... tentaria levar pra eles um pouco do
conhecimento científico. Do pouco que é.... a ciência, é.... tem hoje de informação sobre, é.... a
diferenciação humana, mostrar pra eles que não existe uma lógica concreta pra que isso aconteça e que
as nossas diferenças são somente superficiais, né? Que não dão crédito pra que exista diferenciação
qualquer, por qualquer tipo ou qualquer motivo que seja. Então, eu acho que a forma com que a gente
trabalhou, que foi justamente isso de levar o conhecimento, falar que não... não existia é....
Embasamento pra que isso acontecesse, é.... e depois, é.... mostrar, né? Que seres humanos não se
dividem em raça, e que cada um poderia de uma forma ou de outra combater esse tipo de prática, né?
Então, seria essa a minha abordagem. Não só a questão, né? Científica, digamos assim, mas também a
questão de... de enfrentamento desse tipo de coisa. Mas, um enfrentamento inteligente. Um
enfrentamento que seria o que? A multiplicação desse conhecimento, né? A multiplicação desse
orgulho de ser o que é, é.... o enfrentamento preciso dos momentos oportunos, né? de poder debater e
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ter argumento pra poder debater. De... acionar quem tiver de ser acionado, pra resolver uma situação
mais delicada, e como a gente falou... também usar a rede social pra falar, pra se expressar, e.... tudo
isso... então, eu abordaria a questão científica, a questão do orgulho pessoal e a questão da atitude
também.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Como eu discutiria? Eu ainda não cheguei nesse plano. (Risos) (...) Sim, me imagino, só que tá tão
longe ainda que eu num tô pensando muito agora. (Risos) Eu tô pensando em passar nas disciplinas.
(Risos) (...). É, eu tô me contradizendo, né? (no que se refere ao fato da licencianda ter dito que as
disciplinas sociais servem para levar discussões desse nível, mas, levaria a discussão do racismo para a
sala de aula de biologia) (...) Tipo, eu num posso... eu num vou poder me aprofundar tanto como o
professor de sociologia, mas, eu posso... falar brevemente sobre o assunto... dizer pra mim... pra eles
entenderem quanto é importante pra mim... quando eles tiverem... que o.... o meu ponto de vista, é....
é... a minha importância com aquilo, talvez, eles.. Sei lá... eles tenham uma nova percepção, né? Sobre
o assunto.
Respostas de Eduardo (Entrevista 7)
Eu acho que cada tema que eu fosse dar, eu... ah, não sei bem.... É complicado, é difícil! (Risos) como
discutiria racismo? Eu acho que eu faria o mesmo que a senhora, levaria alguns textos, não sei...
brincadeiras... Não, brincadeira... acho que não tem como fazer brincadeiras com isso. Mas... (...)
Perguntas pra ver, né? Depois explicaria pra eles como foi que surgiu o racismo, essas coisas assim...
Respostas de Maria (Entrevista 9)
Ah... como a gente aplicou a.... a oficina! Pegando um tema de biologia, entendeu? Introduzindo aos
poucos tanto o conteúdo mais incluindo esses pequenos tópicos, entendeu? Por exemplo, a gente
trabalhou a seleção natural, aí a gente começou a fazer tipo... uma pequena revisão, né? Darwin,
Lamarck, entendeu? As ideias de Darwin, as ideias de Lamarck, Wallace, que junto com Darwin
chegou, né? E aí dentro da seleção natural, tanto do aspecto biológico... e aí incluiu o aspecto o que?
Social, né? Então, trazendo o aspecto social da seleção natural foi que a gente chegou no racismo, na
eugenia. É muito interessante! Eu gostei!
Questão 9 - Como?
9. Você levaria essa articulação do discurso biológico com outros discursos para a sala de aula?
Como?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Então, como eu falei, né? Eu acho importante, é.... mesclar, né? Esses conhecimentos, esses... esses...
esses ramos do conhecimento, porque além da gente, eu acho que... abrir mais a mente do aluno, a
gente consegue atingir ele melhor, porque a gente vai... vai mexer com a realidade dele, né? A gente
vai... fazer com que ele pense. Então eu... eu colocaria sim! A questão que eu achei bastante
interessante, né? Na disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a questão da
formação das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu fiquei, caramba! Eu não
tinha noção disso aqui, né? E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão racista, né? E é....
essas coisas se mesclam, né? Elas estão totalmente associadas, né? Então, primeiro existiu o que? A
segregação racial, né? Dessa segregação existiu preconceito, a marginalização, né? Onde eles foram
afastados daquela área que era boa pra se morar, eles foram renegados ali pras partes mais marginais
mesmo que ninguém queria, e aquilo ali aliado a falta de estrutura, de emprego descente, de... é....
oportunidade, né? Sem contar o desrespeito, ah! Quando o negro fazia uso de uma área que de repente
era de interesse do branco, o branco ia lá e tomava porque era lei! e o negro não podia ter propriedade.
Então, esse processo de formação de favela pra mim foi uma novidade, e... Com certeza é algo que tá
assim, intrinsicamente relacionado e que vai, né? é.... despertar consciência do aluno, né? Não é só ele
chegar e falar: Ah não, porque o favelado... não, teve todo um processo histórico que tá também
relacionado a um processo de, de... racismo, né? Interligado. (...) fomos colônia, então, esses, esses...
essas pessoas foram prejudicadas por um processo que veio de décadas e décadas... Então, pra que o
aluno entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante também abordar esses fatos,
históricos e tudo mais. (...) A gente pensa assim: Por que que tem mais pessoas... não vou dizer negros,
mas, com traços negros, é.... na comunidade carcerária, do que brancos? Porque realmente o negro...
ele está dentro daquele... daquele conjunto de pessoas, né? Que está mais marginalizada por conta
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disso. é.... tem uma cultura marginal diferenciada, que pra ele é comum o crime... isso porque? Porque
ele foi delegado a um plano fora do que era o ideal, né? Branco... que não tinha influência das pessoas
negras, né? Que tinham culturas, é.... demonizadas até, né? Porque... assim, uma coisa que eu vi até
quando criança era dizer assim: olhe, cuidado, viu? Que fulano é macumbeiro! Eu me tremia de medo.
(risos). Quando passava assim e dizia assim: ele é pai de santo... eu dizia: nossa senhora! Mas, a gente
vê que é a cultura, né? É a cultura... é aquilo que foi impregnado de uma forma que pra você tirar é
difícil! É difícil pra caramba! (...) realmente depois dessa matéria eu tenho outra visão disso aí e até
me espanto com algumas coisas que eu pensava. (...) Eu, assim, eu nunca fui preconceituoso, dois dos
meus melhores amigos eram negros, andava na casa deles, e.... a família da minha esposa é toda negra,
e.... e assim, eu nunca tive esse preconceito, apesar da... de um ramo assim, da família do meu pai ser
muito preconceituoso porque eram descendentes... meu avô era muito, mais muito preconceituoso,
graças a deus eu não absorvi essa parte assim... então, eu nunca me considerei assim um camarada
preconceituoso. Nunca gostei de brincadeira racista, assim... uma coisa eu aprendi... aprendi muito
com minha mãe, né? Minha mãe muito católica, e ela levava muito ao pé da letra a questão de você
não fazer com os outros o que você não quer que faça com você. Minha mãe, ela... era muito
respeitadora com relação a isso e passou isso muito bem pra gente. Mas, alguns pensamentos hoje eu...
eu me pego. E hoje ele... ele não condiz... o que eu pensava não condiz com o que eu penso hoje. E aí
eu vejo, que... eu falo que eu não era preconceituoso, mas, eu tinha sim... tenho, ainda! É duro a gente
falar, mas, eu tenho! Porque quando eu falo que eu me surpreendi com a rádio, né? De umbanda... se
eu hoje ligar a televisão e ver um programa de umbanda eu vou me surpreender, eu vou estranhar. (...)
perceber que é uma falha minha.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Penso, só que não vem, tipo... é porque a gente, acaba assim, acaba falando... pelo menos nessa aula de
hoje, a gente acabou falando... tipo, deu uma misturada nesses discursos. Aí eu acho que o certo seria
trabalhar eles separados. Mas, não sei ainda como fazer isso. Mas, é importante falar tudo. (...) pra...
como eu posso dizer, pra pessoa entender, tipo, quando a gente trabalhou hoje, um exemplo, a gente
trabalhou o conceito de raça, a gente falou o conceito de raça científico e o conceito de raça
sociológico. Aí no caso a gente falou dele separadamente e depois acabou juntando, eu acho que
primeiro falaria um pouco separado de cada um deles pra pessoa entender, e depois, faria uma
abordagem juntando todos.
Respostas de Carol (Entrevista 3)
Eu acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula. Eu achei
muito interessante essa proposta de ação de intervenção, porque não fica restrito ao ambiente escolar.
O aluno, ele vai ter contato com a comunidade, ele vai discutir informações, e vai perpetuar essa
informação, sensibilizar, não somente o corpo acadêmico, mas, também a comunidade ao redor, de
que é necessário desconstruir, respeitar as diferenças, reconhecer a diversidade e valorizar a
diversidade cultural, a diversidade sexual, porque a traves da educação e da... do conhecimento que a
gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor.
Respostas de Arizona (Entrevista 4)
Com certeza! Eu quero é que gere (inaudível). Eu acho importante, é.... saber a opinião dos alunos, eu,
eu quero que... um.... Quando eu me vejo professora eu quero saber se eles tão realmente aprendendo,
eu quero, um... é.... fazer perguntas a eles e eles tentarem, é.... é.... tentasse argumentar com o que tô
falano. Eu tenho essa visão pro futuro. (...) Temas científicos e sociais? Depende... num sei ainda...
pode ser dos dois.
Respostas de Eduardo (Entrevista 7)
Com certeza. Eu vou levar! (...) (Risos) é complicado. (...) eu acho que antes de genética, por
exemplo... que é um assunto que tem mais relevância, tem mais a ver com eugenia, eu falaria um
pouco da eugenia, né? Como uma... como a ciência apoiou isso, e depois daria o assunto... pra ir
contextualizada já.
Respostas de Jhoserd (Entrevista 11)
Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando nessas questões. É....
eu acho que primeiro a gente tem que formar os conceitos dessas coisas na cabeça deles, e depois
trazer essas questões práticas, trazer esses conhecimentos como o racismo, a eugenia... (...) um pouco
complicado porque assim, vai depender muito... acaba dependendo muito também da escola, porque
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nem sempre a escola dá abertura pra esse tipo... pra esses tipos de debate, questionamento, então, eu
tentaria ao máximo associar o conteúdo programático a essas questões. Mas, se não fosse possível, eu
trabalharia só essas questões de maneira isolada.
Respostas de Renata (Entrevista 12)
Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa. É uma coisa.... Perguntar aos alunos o
que é que ele acha sobre determinadas situações, a cultura dele.... Mas, outra coisa é entrar em política,
essas coisas... eu sempre fui avessa a isso! (...) você falou política! (...) ah, sim! Eu entendi nesse meio,
entendeu? (...) então, se for partindo dessa ideia, dessa explicação, trabalharia.... Como naquele debate,
procurar saber o que o aluno tem de diferente pra falar, querendo ou não a gente já poderia entrar num
debate assim....
Questão 10
10. Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões culturais no ensino de
Biologia?
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Por exemplo, a depender, né? Que a gente sabe que tem escola que seguem linhas católicas, linhas
evangélicas, talvez esse fosse um argumento. Se for um desses casos, né? é.... ou aquelas... aquelas...
escolas que são extremamente tradicionais, e a gente sabe que as escolas nossas tradicionais, elas
seguem justamente esse modelo europeu de pensar, então, ela poderia abordar isso como sendo, é....
por exemplo... se eu trouxesse culturas afro, né? Pra abordar, que seria uma afronta... pra nossa
cultura, né? Que se eu falasse que... eram culturas legítimas eu estaria afrontando, eu acho que talvez
esse fosse um argumento.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Provavelmente ela ia dizer que... que não é o que se ensina numa sala de aula, não é esse tipo de coisa
que se deve ser ensinado. Deixe eu ver aqui... que isso não tem nada a ver com os alunos, que isso é
mais uma questão que vai ser tratada dentro de casa, com os pais deles...
Respostas de Everton (Entrevista 8)
Eu acho que... como... eu já tinha falado, né? Que.... tá... eu acredito que como estava impregnado na
minha mente, pode estar impregnado na cabeça de muita gente! Que não existe racismo, é um mito. Tá
todo mundo igual, que não existe desigualdade, que não existe diferença... que não existe
preconceito... que não existe racismo... porque ah... se a gente não discute, ele acaba! Ele só não
acabou, porque a gente ainda fala sobre ele, porque a gente ainda discute. Eu acredito que poderia ser
usado esse argumento, que ah... se você não discutir, ele não vai aparecer! Ele só vai aparecer, porque
você vai levantar essa discussão... então, vai falar que sofre preconceito, mas, se você não falar, ele
não vai aparecer...
Questão 10
Argumentos em defesa da abordagem de questões culturais no ensino de Biologia
Respostas de Luc (Entrevista 1)
Pronto. Então, eu falaria que... eu não... não estaria ali pra... pra... é.... pra atribuir, digamos assim, pra
tentar mudar a percepção de crença, de fé, né? Porque cada um tem a sua crença e a sua fé. E que a
minha abordagem seria focada no respeito, né? No respeito e na legitimidade que cada cultura tem,
né? E.... no direito que cada cultura tem de se expressar. Esse seria meu argumento. Porque eu não ia
tá ali pra falar que a religião x ou y é melhor ou pior, que os conceitos de fé e crença, é.... vão ser
mudados... não! São... que são apenas diferentes e que são e devem ser respeitados. E somente o que?
Que eu irei mostrar... tentar mostrar o porquê que essas religiões e essas culturas, elas foram
marginalizadas de acordo com o contexto histórico. Então, esse seria o meu argumento.
Respostas de Ariel (Entrevista 2)
Eu diria que tem que ser trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando cidadãos e
uma parte deles é a cultura. Então, a gente poderia sim, trabalhar isso em sala de aula como tema
transversal, não atrapalharia em nada os assuntos que o colégio pede, e.... os alunos iam adquirir mais
conhecimento. (...) eu tô falando assim, tema transversal porque geralmente o.... geralmente o pessoal
da escola, eles são muito fechados, pra essa parte assim, e se a pessoa for muito cabeça dura não vai
querer abrir de jeito nenhum, aí como tema transversal ainda dá pra dar uma fugidinha (risos).
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Respostas de Nami (Entrevista 6)
Vou dizer, mulher é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes, tenho
branco, tenho preto, tem de todas as cores, vai acontecer em algum momento, vai chegar a hora de ter
que falar sobre esse assunto. Eu acho que é muito difícil um professor em sala de aula não notar essa,
esse... essa luz que acende opa! tá na hora de você falar disso! Mesmo que você não tenha isso no seu
planejamento, uma hora vai aparecer essa necessidade.