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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS ISABELA SANTOS CORREIA ROSA DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA Salvador, Ba 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA

E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

ISABELA SANTOS CORREIA ROSA

DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA

Salvador, Ba

2019

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ISABELA SANTOS CORREIA ROSA

DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ensino, Filosofia e História das

Ciências, da Universidade Federal da Bahia e

Universidade Estadual de Feira de Santana,

como requisito para obtenção do título de

Doutora em Ensino, Filosofia e História das

Ciências.

Orientadora: Profa. Dra. Rosiléia Oliveira de Almeida

Salvador, Ba

2019

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ISABELA SANTOS CORREIA ROSA

DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das

Ciências, da Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana,

como requisito para obtenção do título de Doutora em Ensino, Filosofia e História das

Ciências, pela seguinte banca examinadora:

BANCA EXAMINADORA

Bárbara Carine Soares Pinheiro: ______________________________________________

Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências

Cláudia de Alencar Serra Sepúlveda: ___________________________________________

Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências

Ana Ivenicki: _______________________________________________________________

Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Doutora em Educação

Mariana Aparecida Bologna Soares de Andrade: _________________________________

Universidade Estadual de Londrina/ Doutora em Educação para a Ciência

Teun Adrianus Van Dijk: _____________________________________________________

Universidade Pompeu Fabra/ Doutor em Teoria da Literatura

Rosiléia Oliveira de Almeida (Orientadora):______________________________________

Universidade Federal da Bahia/ Doutora em Educação

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Dedico esta tese a todas/os aquelas/es que resistiram e resistem, em

suas mais diversas formas, aos processos bárbaros da colonização e

da colonialidade, pessoas que são exemplos de resiliência, que nos

ensinam a lutar, se negam a perder a esperança e ainda

compartilham a expectativa em dias melhores.

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AGRADECIMENTOS

Uuu...

Você não sabe o quanto eu caminhei

Pra chegar até aqui

Percorri milhas e milhas antes de dormir

Eu não cochilei

Os mais belos montes escalei

Nas noites escuras de frio chorei, ei, ei, ei ei ei..uu..

(A estrada, Cidade Negra)

O caminho foi longo sim, vivi momentos de angústia e insegurança, mas eu consegui!

Isso porque eu não estava sozinha, tive ajuda de muita gente e tive muitas oportunidades na

minha vida, as portas se abriam para mim à medida que eu caminhava. Desde a graduação foi

assim, pois no ano em que prestei vestibular para Biologia, as vagas da universidade pública

tinham dobrado, e, por isso, entrei! Fui privilegiada com bolsa de iniciação à docência,

iniciação a pesquisa, bolsa de doutorado no Brasil e no exterior, privilegiada entre outras

questões, por ter apoio da minha família e de amigos/as, aos/às quais quero agradecer e

compartilhar esta conquista, pois vocês, direta ou indiretamente, fizeram parte deste projeto, o

tornando possível.

Minha sequência de agradecimentos deve ser bem longa, pois tem início antes do

ingresso no programa. Para mim, depois de duas tentativas frustrantes, sendo aprovada em

todas as etapas, mas não classificada, finalmente consegui entrar nesse programa tão seleto. E

a seleção que deu certo tem uma história legal, que a meu ver, merece esse registro. Nas

vésperas da minha entrevista (última etapa da seleção que obtive sucesso), sofri um acidente e

quebrei a tíbia. Estávamos num hospital público do interior de Sergipe, eu numa fila de sabe

Deus quantas pessoas, esperando pela cirurgia (que acabou durando 40 dias de espera).

Quando havia desistido da seleção, minha irmã, Catiana, toma a iniciativa de insistir que eu

tentasse a avaliação da entrevista por Skype. Não tínhamos ideia do trabalho que isso ia dar,

mas seguimos o plano! A professora Rosiléia, que à época participava da comissão de

seleção, respondeu positivamente ao nosso pedido. Agora, cabia aos meus ir atrás dos papéis

necessários para a liberação da minha entrevista por Skype, o que deu muuuuuuuuuuuito

trabalho a minha irmã, Cati, meu cunhado, Beto e a meus pais, principalmente. Nesse estágio

de movimentação, muitas pessoas do hospital estavam sabendo da história e já torcendo por

mim, o que foi muito legal!

Combinado o dia da entrevista por Skype, o desafio era o acesso à internet, pois onde

eu estava não tinha sinal. Um rapaz da recepção do hospital teve a ideia de providenciar um

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cabo (ele foi buscar na casa dele) para conectar à sala da direção do hospital. Meu cunhado,

Beto, teve outras ideias e eles foram testando as possibilidades, mas sem sucesso! No fim das

contas, restou-me fazer a entrevista da sala da direção, mas eu estava numa cama que não

passava pelas portas até chegar lá; precisava ser transferida para uma maca, outro dilema

bem-sucedido! E foi assim a primeira tentativa de entrevista, que não deu certo por causa do

sinal lá da UFBA e teve que ser remarcada para uma data em que eu estava em casa, embora

ainda com a perna quebrada, à espera da cirurgia. Conto essa história para agradecer também

à torcida da galera do hospital, funcionários/as e pacientes! A energia de vocês contribuiu

para que a coisa desse certo! Eu entrei!!! E curti cada momento nesse programa de doutorado,

sobretudo porque a oportunidade de me dedicar exclusivamente à pesquisa me trouxe

experiências incríveis!!!

Dou sequência aos meus agradecimentos destacando as pessoas que contribuíram para

minha formação pessoal e profissional.

As minhas orientadoras e orientador

Agradeço a Maria Inez e Myrna Landim, por terem me acompanhado e orientado

durante a graduação e o mestrado, fazendo de mim uma pesquisadora em educação e aberto as

portas para um mundo acadêmico cheio de possibilidades.

A professora Geilsa Baptista, a quem sou profundamente grata pela acolhida no

PPGEFHC, iniciando meu processo de orientação, agradeço a atenção e conhecimentos

compartilhados nas reuniões de grupo e conversas afins.

A minha orientadora, Rosiléia Almeida, agradeço desde o processo seletivo, que

mesmo sem me conhecer, possibilitou o diálogo com a comissão de seleção que liberou

minha entrevista por Skype; agradeço também o apoio na luta para conseguir a bolsa de

doutorado, tanto do Brasil quanto do exterior; agradeço pelas ideias geniais, suporte estrutural

e emocional, acolhida e confiança; sua orientação, guiada com insights brilhantes, sabedoria,

carinho e atenção mobiliza em mim os melhores sentimentos. Sou eternamente grata a ti pelo

que representa para mim, você é um exemplo de mulher, pesquisadora, professora e amiga, te

admiro demais e guardo por ti um carinho sem limites.

Ao professor Teun Van Dijk, pela confiança e acolhida amável num dos momentos

mais solitários deste percurso, durante minha estadia em Barcelona, agradeço pela paciência,

amizade e conhecimentos compartilhados sempre com muita sabedoria e humildade.

Agradeço também pela disponibilidade em participar da minha banca de defesa. Também com

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você, aprendi muito mais do que análise do discurso crítica, aprendi com seu exemplo de

generosidade a estar sempre disponível para ajudar as pessoas e contribuir para pesquisas que

sirvam para a transformação social.

A banca

As membras da banca de qualificação, professoras Bárbara Carine, Claudia

Sepúlveda, Ana Ivenicki e Mariana Bologna, pelas críticas e contribuições inestimáveis a

este trabalho; agradeço também por aceitarem gentilmente participar da banca de defesa da

tese.

As pessoas que formam o PPGEFHC

Agradeço as secretárias do programa, principalmente Lúcia e Priscila, pela prontidão

em ajudar no que fosse preciso.

Sou profundamente agradecida aos meus avaliadores, professora Andreia (Deinha) e

professor André Luiz, pelo diálogo humano e produtivo na entrevista da seleção.

Aos/às professores/as do programa que tive a oportunidade de ser aluna, Nei, Dália,

Charbel, Amanda, e mais um agradecimento especial às professoras Bárbara Carine,

Rosiléia Almeida e ao professor Jonei Cerqueira, por terem aberto caminhos teóricos e

metodológicos, agradeço o exemplo de compromisso e todo conhecimento que me

proporcionaram. Todo meu projeto foi pensado a partir dos ensinamentos de vocês. A

Bárbara e Rose, que me fizeram ver o mundo com outros olhos, agradeço por terem

contribuído diretamente com minha formação crítica e humana.

Agradeço aos/às amigos/as dos grupos de pesquisa, especialmente a Maritza, Aluska,

Carol, Josenaide, Karina, Ivan, David, João e Giovanny. Muito obrigada pelas indicações

de leitura e sugestões de eventos, pelas conversas, dicas de metodologias, apoio e palavras de

ânimo.

Agradeço demais aos/às amigos/as que contribuíram com a validação dos instrumentos

da pesquisa, Ayane, Neima, Leidiane, Viviane, Marta, Maritza, Aluska, Carol, Maria

Aparecida, Giovanny, André, David e Gregory. Um agradecimento mais que especial a

Neima e Gregory, pelas inspirações e intervenções diretas para melhorar o trabalho, com

toda paciência, compromisso e carinho.

Aos/Às amigos/as do PPGEFHC

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A Tatiana Andrade, agradeço desde a disponibilidade em me auxiliar no processo de

matrícula para o doutorado até o acompanhamento para ambientar-me no programa, agradeço

as dicas, a atenção a mim dispensada, a parceria nos trabalhos, o carinho e empatia que olha

por todos e a mim.

A Aluska e Rafa, uma aproximação que surgiu na procura por um paradigma e que só

cresceu, agradeço muito pela amizade de vocês, a criatividade e disposição de Aluska somado

à disciplina e perseverança de Rafa me inspiram a buscar as direções mais profundas do meu

ser. Muito bom poder dividir com vocês essa história!

A amiga Silná, mulher cativante e sábia, que dividiu comigo muitas discussões na

busca pela descolonização das nossas mentes; sua parceria e amizade representam uma das

melhores coisas desse doutorado.

A Maritza e Luiz, estrangeiros/as mais alto-astrais do grupo, agradeço pela energia

positiva, pela partilha em diversos momentos, seja de alegria ou angústia.

Aos/Às participantes da pesquisa

Aos/Às estudantes do curso de Biologia da Universidade Federal de Sergipe,

muito obrigada por aceitarem prontamente participar da pesquisa, permitindo a gravação das

aulas e se disponibilizando a me conceder uma entrevista, agradeço a confiança e o apoio que

tornaram possível este trabalho!!! Vocês marcaram minha história para sempre de forma

muito positiva, com vocês aprendi muito do que significa respeito às diferenças e aprendi a

estar disponível para contribuir com as pesquisas de outros/as.

Aos/Às amigos/as do intercâmbio

A Silvia, agradeço pelas aulas de espanhol e dedicação admirável.

A Iara, Marcos e Ana, agradeço pela amizade e vivências compartilhadas em

Barcelona.

A Lucia e a César, agradeço o apoio, o tempo dispensado a mim para as discussões e

as indicações de leitura, com vocês dividi a superação de muitos desafios!

A Viviane Resende, pelas experiências partilhadas acerca de todo o campo teórico

que compõe esta tese e ainda pela amizade e experiências partilhadas em Barcelona.

Às amigas Andreia, Suksa e Vanessa, agradeço a companhia nos momentos de

descontração, as discussões acaloradas e o exemplo de compromisso e dedicação.

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A Verônica, por dividir experiências de vida, angústias com as benditas categorias,

descobertas, construções e desconstruções. Muito obrigada por cada conversa, cada partilha,

cada referência indicada e cada discussão. Você marcou minha estadia em Barcelona de

forma muito positiva e eu espero ter sido uma boa companhia também.

Aos/Às amigos/as da vida

A Hellen, amiga de infância, sei que você acha que nossas escolhas diferentes nos

afastaram, mas registro em todos os meus agradecimentos a alegria de ter você na minha vida.

Muito obrigada por sua amizade.

A Luzia, pelas dicas ao meu projeto, pela reaproximação amiga, você é um exemplo

de força e dedicação para mim.

A Edna, cuja força e determinação me inspiram, agradeço principalmente pelas dicas

com o comitê de ética.

A família

A Bruno, meu amor, companheiro e amigo, que até hoje não teve paciência de

entender meu projeto de pesquisa, mas que contribuiu diretamente ilustrando meus materiais

para a disciplina e uma belíssima apresentação para a defesa. Obrigada por sempre e sempre

me apoiar, acreditar em mim, incentivar meus objetivos, estar presente nos momentos de

angústia e ansiedade, e, obrigada por vibrar comigo quando as coisas dão certo, abusando do

famoso discurso: Eu disse que daria tudo certo, estou com você e te dou sorte!

A mainha, agradeço pelas orações, pela torcida e apoio, pela presença em todos os

momentos da caminhada e por vibrar nas minhas conquistas.

A painho, pelas vibrações positivas, sempre perguntando umas dez vezes por segundo

se está tudo certo. Agradeço por ter viajado até Itabaiana várias vezes para entregar e pegar

documentações para que Tatiana pudesse efetuar as etapas de minha matrícula.

A Fernanda, irmã querida, obrigada pelas aulas espetaculares de história, pelos

poucos, mas profundos momentos de descolonização, por me inspirar com sua posição crítica

frente as questões raciais; por me apoiar e incentivar sempre.

A Fabinho, muito obrigada meu irmão, por ter se virado nos trinta por mim e ter

conseguido o equipamento que eu precisava para as filmagens da disciplina, agradeço também

todos os elogios, sempre elevando minha estima ao patamar máximo, todo apoio e carinho.

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Você costuma dizer que sou exemplo para você, e saiba que a recíproca é verdadeira. Você é

o cara!

A minha irmã Catiana, que tanto leu meus rascunhos, me ouviu, me inspirou nas

melhores ideias para a tese, as quais permitiu que eu me apropriasse como se fossem minhas.

Com sua genialidade camuflada em uma modéstia admirável, você me proporciona grandes

aprendizagens, além de leveza de espírito por ter alguém tão perto de mim que me entende tão

bem.

Aos sobrinhos e sobrinhas de tia, Júlia, Benício, Fernando, Eli e Lia (a caminho... e

já muito amada), agradeço pela alegria e carinho, sorrisos e abraços, deixo o nome de vocês

registrado aqui também como manifestação do meu amor.

Aos/as cunhados/as, especialmente a Beto, por desafiar meus argumentos e se fazer

presente nos momentos em que eu mais precisei; e, Adriana, pelas dicas com a filmagem da

disciplina e pela torcida para que tudo ocorresse bem.

A minha sogra e meu sogro, por se fazerem presentes também nos momentos mais

solitários da caminhada, no período do intercâmbio, e pela torcida de sempre.

Aos meus familiares, avós/ôs, tios/as, primos/as, compadres/comadres e afilhadas,

em presença física ou em coração, agradeço pelo apoio e carinho, por todas as orações e

compreensão nos momentos de ausência. Aqui agradeço especialmente a minha prima Carol,

que não sei como consegue se fazer presente na vida de todos/as, mesmo à distância. Vocês

são exemplo de união, amizade e coragem!

A CAPES, pelo período de auxílio financeiro no Brasil e no exterior, possibilitando a

execução deste trabalho de forma exclusiva.

Acima de tudo, agradeço ao criador e condutor da minha vida, e senhor de toda

sabedoria e conhecimento. Obrigada meu Deus pela saúde e disposição e por ter colocado

pessoas tão maravilhosas ao meu lado. Muito obrigada!

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“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser

antirracista”

Ângela Davis

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[...] é fundamental - e também nesse caso a minha posição antiessencialista

aí se mostra - que nós não caiamos na armadilha de aceitar que

reconhecimento vá ao ponto de estabelecer critérios de autenticidade, o que

faz com que as culturas passem a ser apenas culturas de testemunho. E que,

portanto, sobre as mulheres, sobre o movimento das mulheres e sobre a

discriminação contra as mulheres, só possam falar mulheres; pelos negros e

pela discriminação contra os negros, só possam falar negros. A ideia da

autenticidade de testemunho é, no meu entender, uma das formas que pode

levar a um desenvolvimento de um novo apartheid cultural realizado através

de um radicalismo excessivo, porque permitiria criar igualdade, mas com

separação. (SANTOS, 2001, p. 22)

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RESUMO

Argumentamos neste trabalho que experiências pautadas no Pluralismo Epistemológico (PE)

e no Multiculturalismo Crítico (MC), durante a formação inicial de professores/as, poderão

contribuir para que eles/as desenvolvam propostas visando à desconstrução de preconceitos e

superação de desigualdades. Assim, o texto é composto por três estudos: o primeiro e o

segundo são modalidades bibliográficas, correspondendo a um ensaio teórico e a uma revisão

sistemática da literatura, respectivamente, e o terceiro representa um estudo empírico. O

estudo um tem como objetivo problematizar a possibilidade de uma nova posição

epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às

convergências e divergências entre o universalismo, o PE e o MC, a fim de compreender

como essas perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as professores/as para

subsidiar diferentes práticas pedagógicas. O estudo dois objetiva analisar formas de abordar o

conteúdo de Genética para suscitar uma prática condizente com o PE e o MC, por meio de

uma revisão das experiências didáticas relatadas na literatura especializada. O estudo três

apresenta como objetivo geral compreender como professores/as de Biologia em formação

inicial integram os discursos do PE e do MC no seu repertório profissional, no contexto de

uma disciplina de ensino de Genética. Este último caracteriza-se como uma pesquisa

explanatória de natureza quali-quantitativa, desenvolvida na perspectiva do interacionismo

simbólico, com a inserção de elementos da teoria crítica. O estudo empírico foi realizado com

licenciandos/as em Biologia, da Universidade Federal de Sergipe, na forma de uma disciplina

optativa de 60 horas, ministrada pela pesquisadora, a qual foi organizada na perspectiva do

PE, ao abordar as diferentes formas de conhecimentos, bem como na perspectiva do MC, ao

discutir as relações de poder construídas em torno da diversidade de grupos socioculturais.

Como procedimentos para produção de dados foram utilizados documentos produzidos

pelos/as licenciandos/as, observações e entrevista individual, os dois últimos com registro em

áudio e/ou vídeo. A análise dos dados foi conduzida tendo por referência à teoria

sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk. Concluímos que o conhecimento, que não

foi apreendido pela experiência, é construído por meio do discurso. Assim, uma formação

comprometida com a diversidade cultural e com a desconstrução de preconceitos e a

superação de desigualdades é fundamental para que os/as professores/as pensem em práticas

dessa natureza na prática docente.

Palavras-chave: Pluralismo Epistemológico. Multiculturalismo Crítico. Formação.

Professores/as. Biologia.

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ABSTRACT

We argue in this paper that experiences based on Epistemological Pluralism (EP) and Critical

Multiculturalism (CM), during the initial formation of teachers, may contribute to them

developing proposals aiming at the deconstruction of prejudice and overcoming inequalities.

Thus, the project consists of three studies: The first and the second are bibliographic

modalities, corresponding to a theoretical essay and a systematic literature review,

respectively, and the third represents an empirical study. Study one aims to problematize the

possibility of a new epistemological position on demarcation of knowledge, from the

discussions on the convergences and divergences between universalism, the EP and the CM,

in order to understand how these theoretical perspectives could be teachers to subsidize

different pedagogical practices. Study two aims to analyze ways of approaching the content of

genetics to raise a practice consistent with the EP and CM, through a review of didactic

experiences reported in the specialized literature. Study three presents as a general objective

to understand how biology teachers in initial formation integrate the discourses of EP and CM

in their professional repertoire, in the context of a discipline of teaching genetics. The latter is

characterized as an explanatory research of quali-quantitative nature, developed from the

perspective of symbolic interactionism, with the insertion of elements of critical theory. The

empirical study was conducted with undergraduate students in Biology, from the Federal

University of Sergipe, in the form of an optional 60-hour course, taught by the researcher,

which was organized from the perspective of the EP, by addressing the different forms of

knowledge; as well as from the perspective of the CM, when discussing the power relations

built around the diversity of socio-cultural groups. As procedures for data production were

used documents produced by the undergraduates, observations and individual interview, the

last two with audio and/or video recordings. Data analysis was conducted with reference to

the sociocognitive theory of discourse proposed by Van Dijk. We conclude that knowledge,

which was not apprehended by experience, is constructed through discourse. Thus, a

formation committed to cultural diversity and with the deconstruction of prejudice and

overcoming inequalities is fundamental for teachers to think about such practices in teaching

practice.

Key words: Epistemological pluralism. Critical multiculturalism. Formation. Teachers

Biology.

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RESUMEN

Argumentamos en este artículo que las experiencias basadas en el pluralismo epistemológico

(PE) y el multiculturalismo crítico (MC), durante la formación inicial de los docentes, pueden

contribuir a que desarrollen propuestas destinadas a la deconstrucción de prejuicios y la

superación de las desigualdades. Así, el proyecto consta de tres estudios: el primero y el

segundo son modalidades bibliográficas, correspondientes a un ensayo teórico y una revisión

sistemática de la literatura, respectivamente, y el tercero representa un estudio empírico. El

primer estudio tiene como objetivo problematizar la posibilidad de una nueva posición

epistemológica sobre la demarcación del conocimiento, a partir de las discusiones sobre las

convergencias y divergencias entre el universalismo, el PE y el MC, para comprender cómo

estas perspectivas podrían subsidiar diferentes prácticas pedagógicas. El estudio dos tiene

como objetivo analizar formas de abordar el contenido de la genética para plantear una

práctica consistente con el PE y MC, a través de una revisión de las experiencias didácticas

reportadas en la literatura especializada. El estudio tres presenta como un objetivo general

comprender cómo los profesores de biología en formación inicial integran los discursos de PE

y MC en su repertorio profesional, en el contexto de una disciplina de enseñanza de la

genética. Este último se caracteriza por ser una investigación explicativa de naturaleza cuali-

cuantitativa, desarrollada desde la perspectiva del interaccionismo simbólico, con la inserción

de elementos de la teoría crítica. El estudio empírico se realizó con estudiantes universitarios

de biología, de la Universidad Federal de Sergipe, en forma de un curso opcional de 60 horas,

impartido por la investigadora, que se organizó desde la perspectiva del PE, abordando las

diferentes formas de conocimiento; así como desde la perspectiva del MC, cuando se discuten

las relaciones de poder construidas alrededor de la diversidad de los grupos socioculturales.

Como procedimientos para la producción de datos se utilizaron documentos producidos por

los estudiantes universitarios, observaciones y entrevistas individuales, los dos últimos con

grabaciones de audio y/o video. El análisis de datos se realizó con referencia a la teoría

sociocognitiva del discurso propuesta por Van Dijk. Concluimos que el conocimiento, que no

fue aprehendido por la experiencia, se construye a través del discurso. Por lo tanto, una

formación comprometida con la diversidad cultural y con la deconstrucción de prejuicios y

superación de desigualdades es fundamental para que los maestros piensen sobre tales

prácticas en la práctica docente.

Palabras-clave: Pluralismo epistemológico. Multiculturalismo crítico. Formación Maestros

Biología.

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LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO 1

Figura 1. Esquema apresentando as inter-relações entre as três posições epistemológicas da

ciência.................................................................................................................. 43

Figura 2. Esquema apresentando a classificação estabelecida por Southerland (2000)

articulada a nossa proposta, referente ao multiculturalismo

interativo.............................................................................................................. 51

Figura 3. Esquema apresentando as inter-relações entre o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico..................................................................................... 69

CAPÍTULO 5

Figura 1. Estratégias didáticas apresentadas nos planejamentos das oficinas.................. 200

CAPÍTULO 6

Figura 1. Estratégias para problematizar o poder simbólico do termo “ciência” e a

influência eurocêntrica no contexto do ensino de Biologia.............................. 248

Figura 2. Estratégias de como discutir a história de Rosalind Franklin, no contexto do

ensino de Biologia, mobilizadas pelos/as participantes.................................... 253

Figura 3. Respostas dos/as participantes quanto à possibilidade de abordar conhecimentos

de grupos culturais minoritários na sala de aula................................................ 261

Figura 4. Objetivos dos/as participantes em discutir os conhecimentos e culturas dos/as

estudantes.......................................................................................................... 264

Figura 5. Razões pelas quais os/as professores/as de Biologia em formação inicial

discutiriam sobre racismo e alterização no contexto do ensino de Biologia..... 266

Figura 6. Respostas dos/as participantes sobre como perspectivam discutir questões de

racismo e alterização no ensino de Biologia..................................................... 268

Figura 7. Contra-argumentos apresentados pelos/as participantes para defender a

abordagem de questões culturais no ensino de Biologia................................... 272

LISTA DE QUADROS

CAPÍTULO 2

Quadro 1. Apresentação das categorias de análise e as respectivas unidades de registro

semânticas/temáticas......................................................................................... 79

Quadro 2. Publicações selecionadas em nove edições do ENPEC, com descrição do

código do trabalho, seguida da edição do evento, título e autoria.................... 80

Quadro 3. Resumo dos artigos que apresentaram discussões no sentido do PE e do MC, de

acordo com as categorias.................................................................................. 94

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Quadro 4. Relação do tema, estratégias didáticas e nível de ensino de cada artigo

analisado............................................................................................................ 95

CAPÍTULO 4

Quadro 1. Formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas

nas perspectivas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo

crítico.............................................................................................................. 140

Quadro 2. Marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada

tema................................................................................................................. 143

Quadro 3. Amostra final dos episódios comunicativos organizados por bloco de

análise.............................................................................................................. 144

Quadro 4. Mapa metodológico para identificar e caracterizar os posicionamentos de

professores/as de Biologia em formação inicial quanto a temas mobilizados

pelo diálogo entre o pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.. 149

Quadro 5. Identificação dos episódios utilizados na análise referente a dimensão

epistemológica................................................................................................ 151

Quadro 6. Identificação dos episódios utilizados na análise referente ao diálogo

intercultural..................................................................................................... 161

Quadro 7. Identificação dos episódios analisados sobre as implicações e intenções

políticas........................................................................................................... 169

CAPÍTULO 5

Quadro 1. Temas e conteúdos abordados nas propostas de oficina................................. 199

Quadro 2. Características abordadas por proposta de ensino e frequência das

características apresentadas............................................................................. 201

Quadro 3. Percepção geral das características abordadas por análise crítica da prática

pedagógica referente ao desenvolvimento da oficina e frequência das

características apresentadas............................................................................. 202

Quadro 4. Comparação das características abordadas referente à dimensão epistemológica

nas propostas e análises das práticas de cada grupo....................................... 203

Quadro 5. Comparação das características abordadas referente ao diálogo intercultural nas

propostas e análises das práticas de cada grupo.............................................. 207

Quadro 6. Comparação das características abordadas referente às implicações e intenções

políticas nas propostas e análises das práticas de cada grupo......................... 212

CAPÍTULO 6

Quadro 1. Roteiro para o procedimento de validação da entrevista................................ 229

Quadro 2. Organização dos blocos de análise do discurso de professores/as de Biologia

em formação inicial e respectivas questões mobilizadoras............................. 233

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Quadro 3. Organização dos dados para a análise qualitativa das entrevistas, considerando

as entrevistas que apresentaram distintos tipos de macroproposições por

enunciado de cada questão.............................................................................. 234

Quadro 4. Mapa metodológico para analisar como professores/as de Biologia em

formação inicial perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas

futuras práticas docentes................................................................................. 239

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 22

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 32

UNIVERSALISMO, PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E

MULTICULTURALISMO CRÍTICO: PROBLEMATIZANDO A POSSIBILIDADE

DE UMA NOVA POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA ............................................................ 32

1.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 32

1.2 CARACTERIZAÇÃO DAS TRÊS PRINCIPAIS POSIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS:

UNIVERSALISMO, MULTICULTURALISMO E PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO

.............................................................................................................................................. 34

1.2.1 Contribuições do pluralismo epistemológico para o ensino de Ciências ................. 43

1.3 AS VARIAÇÕES DO MULTICULTURALISMO PRESENTES NA LITERATURA

NACIONAL E INTERNACIONAL .................................................................................... 46

1.3.1 Contribuições do multiculturalismo crítico para o ensino de Ciências .................... 59

1.4 DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO: CONSTRUINDO UMA NOVA POSIÇÃO

EPISTEMOLÓGICA ............................................................................................................ 64

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 69

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 74

O CONTEÚDO DE GENÉTICA E AS EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS RELATADAS

NA LITERATURA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DOS TRABALHOS DO ENPEC

.................................................................................................................................................. 74

2.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 74

2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 77

2.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 80

2.3.1 Abordagem quanto à dimensão epistemológica ....................................................... 81

2.3.2 Abordagem quanto ao diálogo intercultural ............................................................. 86

2.3.3 Abordagem quanto às implicações e intenções políticas ......................................... 91

2.3.4 Abordagem das estratégias de ensino....................................................................... 95

2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 99

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 101

CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................ 106

ESTUDOS DO DISCURSO CRÍTICOS: FUNDAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES/AS SENSÍVEL A DIVERSIDADE CULTURAL ................................ 106

3.1 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA

DO DISCURSO POR VAN DIJK ...................................................................................... 106

3.2 A PERSPECTIVA CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS PARA

AMPLIAR O REPERTÓRIO PROFISSIONAL A PARTIR DA ADC ............................ 122

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 131

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CAPÍTULO 4 ........................................................................................................................ 135

QUESTÕES CULTURAIS NO ENSINO DE GENÉTICA: POSICIONAMENTOS DE

PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL ............................... 135

4.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 135

4.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 138

4.2.1 A natureza da pesquisa ........................................................................................... 138

4.2.2 Organização da pesquisa e definição dos sujeitos .................................................. 139

4.2.3 Procedimentos para a produção e análise dos dados .............................................. 141

4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 150

4.3.1 A dimensão epistemológica em debate .................................................................. 151

4.3.2 O diálogo intercultural em debate .......................................................................... 161

4.3.3 As implicações e intenções políticas em debate..................................................... 169

4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 187

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 189

CAPÍTULO 5 ........................................................................................................................ 193

DA TEORIA À PRÁTICA: ARTICULAÇÃO DO PLURALISMO

EPISTEMOLÓGICO E MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM ATIVIDADES

PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL

................................................................................................................................................ 193

5.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 193

5.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 196

5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 198

5.3.1 A dimensão epistemológica nas propostas e análises das práticas das oficinas..... 203

5.3.2 O diálogo intercultural nas propostas e análises das práticas das oficinas ............. 207

5.3.3 As implicações e intenções políticas nas propostas e análises das práticas das

oficinas ............................................................................................................................ 211

5.3.4 Os relatos das experiências didáticas dos/as professores/as em formação inicial .. 216

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 222

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 224

CAPÍTULO 6 ........................................................................................................................ 226

EXPECTATIVAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO

INICIAL QUANTO À INTEGRAÇÃO DO PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E

DO MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM SUAS FUTURAS PRÁTICAS

DOCENTES .......................................................................................................................... 226

6.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 226

6.2 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 227

6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 241

6.3.1 A experiência na disciplina .................................................................................... 241

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6.3.2 A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes ............................. 247

6.3.3 O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes ..................................... 258

6.3.4 A abordagem das implicações e intenções políticas em suas futuras práticas

docentes ........................................................................................................................... 266

6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 274

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 277

CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS .............................................................................. 280

REFERÊNCIAS COMPLETAS ......................................................................................... 287

APÊNDICE A. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 301

APÊNDICE B. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES DO PLANO DE CURSO DA

DISCIPLINA ......................................................................................................................... 303

APÊNDICE C. PLANO DE CURSO .................................................................................. 304

APÊNDICE D. QUESTIONÁRIO FINAL DA DISCIPLINA ......................................... 324

APÊNDICE E. MODELO PARA PLANEJAR A OFICINA ........................................... 327

APÊNDICE F. CARTA DE APRESENTAÇÃO ............................................................... 328

APÊNDICE G. ORIENTAÇÕES PARA A ANÁLISE CRÍTICA DA OFICINA ......... 329

APÊNDICE H. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES REFERENTE AO

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL SEMIESTRUTURADA ........................ 330

APÊNDICE I. ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL ......................................... 332

APÊNDICE J. TRANSCRIÇÃO DOS EPISÓDIOS COMUNICATIVOS .................... 333

APÊNDICE K. TRANSCRIÇÃO DAS RESPOSTAS DE ENTREVISTAS QUE

APRESENTARAM DISTINTOS TIPOS DE MACROPROPOSIÇÕES ....................... 345

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22

APRESENTAÇÃO

_________________________________________________________________________________

Nesta parte do trabalho, trago as circunstâncias que me aproximaram das pesquisas na

área de ensino de Ciências, bem como que geraram o contato com o pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico. Estabeleço a relação da pesquisa com as minhas

inquietações e reflexões a respeito da minha formação e atuação docente, mostrando como o

contato com a literatura e as oportunidades de discussões em disciplinas neste programa de

pós-graduação desencadearam as questões dessa investigação. Em seguida, dialogando com a

literatura e a teoria, apresento o projeto de pesquisa e detalho a organização da tese,

apresentando a sua estrutura e objetivos.

O contato com a pesquisa em ensino de Ciências e com as questões dessa investigação

Ao ingressar na Universidade Federal de Sergipe (UFS), no ano de 2007, para cursar

Biologia Licenciatura, fiquei encantada com as aulas práticas experimentais e de campo, das

quais, até então, nunca tinha tido a oportunidade de participar. Com isso, me aproximei das

pesquisas na área de Botânica, ingressando no Laboratório de Ecologia Vegetal (LEV), onde

permaneci durante todo o período de graduação, participando de projetos de extensão e de

pesquisa. Inicialmente, tinha planos de continuar com as pesquisas na área de Botânica em

algum programa de pós-graduação. A expectativa era estudar a família Solanacea e tornar-me

especialista da espécie Solanum seaforthianum. Todavia, a experiência como professora de

uma escola particular no interior de Sergipe, a partir de 2008, e a oportunidade de participar

do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a partir do ano de 2009

até 2011, mudaram meus planos de caloura. Tendo em vista a relevância do PIBID para o

meu processo de construção identitária, ressalto a preocupação com a nossa conjuntura atual

de cortes orçamentários na educação, que traz fortes ameaças às políticas públicas, tal como o

PIBID.

Embora continuasse com as pesquisas na área de Botânica, no LEV, passei a fazer

planos de ingressar numa pós-graduação na área de Ensino e, assim, em 2012, ingressei para o

Núcleo de Pós-Graduação em ensino de Ciências Naturais e Matemática (NPGECIMA)/UFS.

Minha pesquisa no mestrado teve a preocupação de como abordar o conteúdo de Ecologia na

educação básica de forma a contribuir tanto para a construção de conceitos dessa área da

Biologia, quanto para a formação de uma cidadania responsável. Para tanto, eu desenvolvi

uma sequência didática que foi aprimorada a partir da validação tanto por professores/as do

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ensino superior, especialistas nas áreas de Ensino e de Ecologia, quanto por professores/as de

Biologia das escolas públicas estaduais de três municípios de Sergipe: Lagarto, Salgado e

Boquim. No curso da pesquisa do mestrado, tive acesso a muitas leituras, das quais grande

parte era de autoria de professores/as da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o que

suscitou em mim o interesse em cursar o doutorado nesse programa. Após duas tentativas

fracassadas, em anos consecutivos, sendo aprovada em todas as etapas, mas não classificada,

finalmente consegui a aprovação no doutorado e ingressei no programa em 2016, com a

intenção de continuar pesquisando sobre métodos e técnicas de ensino para a educação básica,

a fim de contribuir para a formação científica e cidadã dos/as estudantes. Todavia, ainda em

2016, tive a oportunidade de atuar como professora substituta do Departamento de Biologia

da UFS, ministrando, entre outras disciplinas, Didática para o ensino de Ciências e Biologia I,

a qual me fez repensar meu projeto de pesquisa para o doutorado.

Os/as professores/as em formação inicial, no contexto da disciplina de Didática,

primeira disciplina pedagógica do curso de licenciatura em Biologia, questionavam-me a

formação que estavam recebendo, a qual de um lado tinham as disciplinas das áreas aplicadas,

preocupadas em transmitir conceitos e, de outro, as disciplinas pedagógicas, tal como a que eu

estava ministrando, na qual discutíamos os métodos e técnicas de ensino. Essas discussões me

levaram a refletir sobre possibilidades de discutir com os/as licenciandos/as os conhecimentos

pedagógicos ao passo que eles/as vivenciam a experiência de aprender conceitos da Biologia.

Tal experiência motivou em mim a elaboração de um novo projeto para o doutorado,

no qual buscasse compreender a relevância desse tipo de experiência para a formação inicial

de professores/as. Com as discussões nas disciplinas do programa e, também, nos grupos de

estudos, tive contato com duas perspectivas teóricas que me chamaram a atenção: o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico. Tais perspectivas, embora possam

apresentar pontos divergentes sobre o estatuto epistemológico da ciência em relação a outras

formas de conhecimento, convergem para o comprometimento com o respeito a diversidade

cultural. A ideia foi promover essa abordagem na formação inicial de professores/as, não

apenas a partir de discussões acerca das perspectivas teóricas, mas, também, com experiência

da aplicação dessa teoria no contexto do ensino de Genética básica (área da Biologia com

grande potencial para suscitar questões sobre a diversidade cultural), de modo a proporcionar

aos/às licenciandos/as a experiência de uma ação tal como as que lhes serão solicitadas no

exercício da profissão deles/as.

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24

Assim, com o aprofundamento de leituras referentes ao pluralismo epistemológico e

multiculturalismo crítico, propomos a articulação entre tais perspectivas teóricas, pensando

sua abordagem prática, no contexto do ensino de Genética, para licenciandos/as de Biologia.

Com a oportunidade que tive neste programa de doutorado, de viver os debates políticos e

culturais nas disciplinas de “Pluralismo cultural e aprendizagem escolar de Ciências”,

ministrada pela professora Rosiléia Almeida e “Descolonização de saberes e contribuição da

ciência africana e afrodiaspórica”, ministrada pela professora Bárbara Carine, selecionamos

os temas de eurocentrismo e questões étnico-raciais, delimitando, assim, o presente projeto de

pesquisa.

No cerne dessas discussões, eu falo na posição de uma mulher branca brasileira, uma

professora que aprendeu a reconhecer seus privilégios raciais e, desde então, objetiva

contribuir para uma sociedade mais equânime, livre de preconceitos e discriminações.

Ressalto que as oportunidades que eu tive ao longo da minha formação acadêmica,

principalmente neste programa de doutorado, representaram para mim, além de um ambiente

de produção de pesquisa, também um relevante espaço de reflexão política e de formação de

consciência crítica. Destaco ainda que mesmo com o apoio a uma discussão crítica frente ao

racismo e ao eurocentrismo foram muitas as dificuldades na construção dessa abordagem, que

somente puderam ser superadas com a orientação muito presente da professora Rosiléia

Almeida, que me possibilitou enxergar a relação entre a Genética e as questões culturais.

Em conclusão a esta abordagem introdutória, de justificativa pessoal, a partir deste

momento anuncio o abandono da utilização da escrita na primeira pessoa do singular e passo a

escrever na primeira pessoa do plural, a fim de respeitar a coautoria com minha orientadora,

professora Rosiléia Almeida, que adiante compõe parte essencial do texto produzido.

O projeto de pesquisa

A formação inicial deve proporcionar aos/às futuros/as professores/as as competências

que serão necessárias na sua prática pedagógica futura, tal como preconiza o modelo de

formação docente conduzido pela simetria invertida (OLIVEIRA; BUENO, 2013). Esta é

entendida como a coerência que deve haver entre as ações desenvolvidas durante a formação

de um/a professor/a e o que dele/a se espera como profissional (BRASIL, 2002). Nessa

perspectiva, entendemos que o/a formador/a de professores/a deve ser visto como modelo

pelos/as licenciandos/as, no sentido de fonte de inspiração para construir a própria autonomia

e criatividade (CARVALHO, 2012). Segundo a autora, considerando a importância do/a

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formador/a como modelo, cabe enfatizar que a coerência entre o seu discurso e a sua atitude é

essencial no processo de aprendizagem da docência.

Conhecendo o papel social do/a professor/a, que extrapola a transmissão de conteúdos

conceituais e abarca discussões de cunho social, político, econômico e ambiental,

consideramos importante gerar na educação debates pautados na diversidade cultural, a fim de

reconhecer e problematizar culturas de minorias, promovendo debates sobre a lógica

eurocêntrica de ensino e as diferenças étnico-raciais, por exemplo. Consideramos que o

conteúdo de Genética tem grande potencial para suscitar tais questões no ensino de Biologia,

como por exemplo, no contexto do ensino de interação e ligação gênica, herança poligênica

da cor da pele, conceito de raça e espécie, aplicações da genética molecular, a crise do

conceito de gene, melhoramento genético, eugenia e reprodução assistida, podemos suscitar

discussões referentes à natureza da ciência, eurocentrismo, racismo científico, alterização,

mito da democracia racial e políticas afirmativas.

Assim, para dar conta de uma abordagem crítica que considere essa diversidade

cultural ao passo que se ensina Genética, optamos por nos debruçar em duas perspectivas

teóricas, trata-se do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. A primeira,

considerando a dimensão epistemológica do conhecimento, apresenta a importância da

demarcação entre os saberes durante o processo de ensino e aprendizagem, evitando

hierarquizações entre as diferentes formas de conhecer e deixando claro o domínio

epistemológico de cada conhecimento (COBERN; LOVING, 2000). A segunda, ao passo que

concebe as culturas como um contínuo processo de construção e reconstrução, compreende as

representações de raça, classe e gênero como o resultado de processos de opressão e disputas

de poder, que precisam ser problematizadas em sala de aula (MCLAREN, 1997). Embora o

multiculturalismo crítico envolva a problematização mais ampla da lógica eurocêntrica,

masculina, cristã, branca e heterossexual, nos aprofundaremos nas questões étnico-raciais, a

fim de construir maior base teórica para suscitar estas discussões na prática docente.

Não obstante essas perspectivas teóricas apresentem diferentes focos de estudo,

argumentamos que elas podem ser articuladas, no sentido de que ambas são comprometidas

com o respeito e promoção à diversidade cultural e podem contribuir para subsidiar práticas

do professor em diferentes situações de sala de aula. Todavia, estamos certas de que uma

educação pautada no pluralismo epistemológico e no multiculturalismo crítico só se firmará

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reinventando o papel e o processo de formação de educadores. Canen1 e Xavier (2011)

indicam a necessidade de se desenvolver estratégias multiculturais durante a formação

docente; da mesma forma, Baptista (2014) adverte que, para o pluralismo epistemológico

estar presente no âmbito escolar, é preciso que, durante a formação, os/as professores/as

tenham a oportunidade de investigar e compreender os diferentes saberes culturais, incluindo

aí os conhecimentos científicos. Sobre isso, El-Hani e Bandeira (2008) discutem que, para

os/as professores/as se envolverem em práticas dessa natureza, precisam de um conjunto de

conhecimentos que não recebem atualmente em programas de formação. Nesse sentido, temos

uma lacuna na formação de professores/as, não se dando a devida atenção às práticas que

reconheçam e problematizem os mecanismos de poder envolvidos nas diferenças culturais.

De acordo com Gatti e Barreto (2009), os/as professores/as encontram dificuldades em

desenvolver propostas pedagógicas diferentes daquelas às quais foram submetidos em seu

processo educativo e de formação. Em geral, esses/as profissionais reproduzem na sua prática

o modelo como aprenderam e foram formados/as. Dessa forma, experiências pautadas no

pluralismo epistemológico e no multiculturalismo crítico, durante a formação inicial de

professores/as, poderão contribuir para que o/a professor/a desenvolva propostas visando à

desconstrução de preconceitos e superação de desigualdades étnico-raciais, ao passo que

amplia o repertório desses/as profissionais. Entendemos como repertório profissional o corpo

de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários ao/a

professor/a (SHULMAN, 1986). Um repertório rico ofereceria ao/a professor/a flexibilidade e

agilidade na reação ou resposta a diferentes situações no âmbito escolar.

Todavia, não queremos aqui ser pretensiosas, estabelecendo uma relação determinista,

defendendo que a formação multicultural leva a práticas pedagógicas multiculturais, por

exemplo, pois entendemos que o contexto escolar é muito importante para a prática docente;

apenas apreendemos que com uma formação nessa perspectiva é mais provável que práticas

dessa natureza venham a ser desenvolvidas no âmbito da escola.

Como base teórico-metodológica para suscitar essas discussões, buscaremos em Teun

Van Dijk2 a Análise do Discurso Crítica (ADC). Esta se caracteriza por integrar várias

1 Em obras mais recentes, a autora se identifica por Ivenicki.

2 Teun Van Dijk é um acadêmico nas áreas de linguística do texto, análise do discurso e análise do discurso

crítica (ADC). Desde a década de 1980, seu trabalho na ADC tem se concentrado especialmente no estudo da

reprodução discursiva do racismo pelo que ele chama de “elites simbólicas” (políticos, jornalistas, acadêmicos,

escritores) e nas teorias de ideologia, contexto e conhecimento.

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disciplinas, principalmente linguística, sociologia e ciência política, analisando

preferencialmente problemas sociais e questões políticas e abandonando a ideia de uma

ciência “neutra” (VAN DIJK, 2001). Para o teórico, há aspectos sociocognitivos que podem

ser observados via discurso no cerne das interações sociais, permitindo perceber modelos

mentais pessoais e representações mentais socialmente compartilhadas (VAN DIJK, 1993).

Seguiremos essa forma de pensar o sujeito e o sentido nas discussões sobre formação de

professores/as.

A partir desse projeto de tese, buscamos compreender as possibilidades de diálogo

entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de

professores/as de Biologia. O projeto é composto por três estudos: Os dois primeiros são

modalidades bibliográficas, trata-se de um ensaio teórico e uma revisão sistemática da

literatura, respectivamente, e o terceiro representa um estudo empírico.

O estudo um tem como objetivo: Problematizar a possibilidade de uma nova posição

epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às

convergências e divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam

ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas.

O estudo dois, objetiva: Analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para

suscitar uma prática condizente com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo

crítico, por meio de uma revisão das experiências didáticas relatadas no Encontro Nacional de

Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).

O estudo três apresenta o seguinte objetivo geral: Compreender como professores/as

de Biologia em formação inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do

multiculturalismo crítico no repertório profissional deles/as, no contexto de uma disciplina de

ensino de Genética desenvolvida nessa perspectiva.

Para alcançar esse objetivo geral do estudo três, necessitamos seguir alguns passos,

que correspondem aos objetivos específicos, por meio dos quais foi discutida a dimensão

social da experiência, bem como o processo de individualização, a partir do social:

1) Identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de Biologia em

formação inicial frente a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de ensino de

Genética que promoveu problematizações de questões culturais;

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2) Identificar e caracterizar de que forma professores/as de Biologia em formação

inicial mobilizam o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na elaboração e

na análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas;

3) Analisar como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam

integrar o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico em suas futuras práticas

docentes, a partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu

problematizações de questões culturais.

A tese apresenta o formato Multipaper, a fim de facilitar a disseminação do

conhecimento produzido no presente trabalho. Este formato refere-se à apresentação de uma

dissertação ou tese como uma coletânea de artigos publicáveis, acompanhados, ou não, de um

capítulo de apresentação e de considerações gerais. De acordo com Barbosa (2015), a

dissertação ou tese Multipaper é mais propícia à socialização dos resultados, tendo em vista

que pela publicação de seus artigos, espera-se que sejam ampliadas a visibilidade e a

disponibilidade para outros/as pesquisadores/as. Embora reconheçamos algumas limitações na

escrita por esse formato, como a dificuldade de relacionar todos os artigos sob a égide de um

problema geral e a tendência da leitura ficar repetitiva em alguns pontos, optamos pela

coletânea de artigos pela vantagem na divulgação dos resultados da pesquisa. Além de uma

apresentação e das considerações finais gerais, a presente tese está estruturada em seis

capítulos, distribuídos da seguinte forma:

Capítulo 1. Refere-se ao primeiro estudo, compreendendo um ensaio teórico intitulado

“Universalismo, pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico: problematizando a

possibilidade de uma nova posição epistemológica”.

Capítulo 2. Corresponde ao segundo estudo, trata-se de uma revisão sistemática e tem

como título “O conteúdo de Genética e as experiências didáticas relatadas na literatura: uma

revisão sistemática dos trabalhos do ENPEC”.

Capítulo 3. Apresenta a teoria Sociocognitiva do discurso adotada na pesquisa e

articula com o estudo para a formação de professores/as. Trata-se de um capítulo de

referencial teórico e metodológico, o único que não atende a estrutura de um artigo, mas tem a

função de explicitar a teoria Sociocognitiva, apresentando possibilidades de seu uso na área

de ensino de Ciências e dando suporte às análises dos capítulos seguintes. Tem como título

“Estudos do discurso críticos: fundamentos para a formação de professores/as sensível a

diversidade cultural”.

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Capítulo 4. Refere-se ao terceiro estudo, respondendo ao primeiro objetivo específico

da pesquisa empírica, é intitulado “Questões culturais no ensino de Genética:

Posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial”.

Capítulo 5. Responde ao segundo objetivo específico da pesquisa empírica, referente

ao terceiro estudo, e tem como título “Da teoria à prática: articulação do pluralismo

epistemológico e multiculturalismo crítico em atividades pedagógicas de professores/as de

biologia em formação inicial”.

Capítulo 6. Responde ao terceiro e último objetivo específico da pesquisa empírica,

ainda referente ao terceiro estudo, e tem como título “Expectativas de professores/as de

Biologia em formação inicial quanto à integração do pluralismo epistemológico e do

multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes”.

Tal como demanda a pesquisa no formato Multipaper, todos os artigos estão

conectados por um elemento comum, ou seja, correspondem a aspectos diferentes de um

mesmo problema, que busca compreender as possibilidades de diálogo entre o pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de professores/as de

Biologia.

Destacamos, como cuidados éticos, o termo de consentimento livre e esclarecido, que

foi assinado pelos/as licenciandos/as (APÊNDICE A). Tal termo assegura aos/às participantes

manter resguardadas as suas identidades, assim como o uso dos dados produzidos apenas para

fins de pesquisa.

Por fim, consideramos a proposta de pesquisa viável, uma vez que leva em

consideração a participação de licenciandos/as no contexto de uma disciplina da graduação, a

qual tem sua relevância, sobretudo, por oportunizar o debate acerca do racismo e

eurocentrismo na perspectiva do pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico,

discussões que não são comuns no curso de Biologia da Universidade Federal de Sergipe, mas

que tem grande relevância para a prática educativa dos/as futuros/as professores/as. Os

estudos que precedem a pesquisa empírica refletem caminhos para a concretização desta

última com sucesso, desta forma, podemos perceber a inter-relação no trabalho. A coerência

interna pode ser percebida na articulação entre os pressupostos teóricos utilizados na pesquisa

com a análise dos dados à luz destes, seguindo uma direção articulada com as ideias de Van

Dijk sobre a análise sociocognitiva do discurso.

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Em suma, a fim de que a informação produzida a partir desta pesquisa qualitativa

possa ser útil e credível em ambientes aplicados e multidisciplinares, atentamos por

desenvolver meios para avaliar e garantir a qualidade das informações, considerando as

características psicométricas de confiabilidade e validade, as quais são detalhadas em cada

capítulo. Consideramos importante ressaltar que, embora na discussão comprometida com o

respeito à diversidade cultural e epistêmica apresentemos críticas a uma ciência eurocentrada,

reconhecemos que nossa pesquisa não se distancia de parâmetros de legitimidade

estabelecidos dentro dessa perspectiva colonial.

Tal reconhecimento só foi possível no final do processo do doutorado, quando abrimos

o horizonte para novas possibilidades teóricas e metodológicas apresentadas na abordagem

decolonial. Essa percepção, mesmo tardia, não diminui a relevância do nosso trabalho, até

porque a dinâmica da pesquisa nos moldes da ciência ocidental moderna tem sua importância

e validade, sobretudo, se estivermos atentos/as ao fato de que o reconhecimento das disputas

de poder nas diferentes culturas e epistemologias engrandece as possibilidades de produção de

conhecimento.

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Matemática. In: Beatriz Silva D’Ambrósio; Celi Espasandin Lopes. (Org.). Vertentes da

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CAPÍTULO 1

UNIVERSALISMO, PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E

MULTICULTURALISMO CRÍTICO: PROBLEMATIZANDO A POSSIBILIDADE

DE UMA NOVA POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA3

___________________________________________________________________________

Por meio de um ensaio teórico, este capítulo tem como objetivo problematizar a

possibilidade de uma nova posição epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a

partir das discussões frente às convergências e divergências entre o universalismo, o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas

perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes

práticas pedagógicas.

1.1 INTRODUÇÃO

A demarcação da ciência e outras formas de conhecimento, bem como seu reflexo no

currículo são amplamente discutidos há décadas. Existe um esforço para compreender os

limites do que se denomina ciência, bem como a melhor maneira de lidar com esse debate no

contexto do ensino de Ciências. Nesse ínterim, destacamos três posicionamentos

epistemológicos que já foram e continuam sendo objetos de disputa no meio acadêmico, na

área de ensino de Ciências: o universalismo, o multiculturalismo e o pluralismo

epistemológico. Cada um, à sua maneira, aponta uma perspectiva de abordagem do que se

entende por ciência, bem como suas implicações no ensino, ao problematizar questões

relacionadas ao currículo.

Assim, a partir das discussões frente a convergências e divergências do universalismo,

do multiculturalismo e do pluralismo epistemológico, problematizamos a possibilidade de

uma nova posição epistemológica, a fim de contribuir para reflexões relacionadas ao campo

social. Segundo Lima (2005, p. 16) o campo social se refere ao

[...] universo social onde pessoas, grupos e instituições que dele participam

se definem pelas relações de concorrência e poder que estabelecem entre si,

visando a hegemonia simbólica e material sobre esse universo de atividade e

de saber [...].

3 Pretendemos submeter este artigo na forma de um ensaio teórico, para a Revista Ciência e Educação

(Bauru).

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Concordando com Demo (2009), entendemos que não precisamos optar por uma

perspectiva teórica única, se podemos mergulhar nas contribuições individuais e relações

complementares que podem existir entre as diferentes formas de explicar um fenômeno, ainda

que estas não sejam harmônicas. Isso porque mesmo as perspectivas contraditórias podem

servir, cada uma, a propósitos específicos e igualmente relevantes. De acordo com Martins

(2004), a aproximação entre diferentes perspectivas teóricas produz um campo de tensão, a

partir do qual podemos vislumbrar novas perspectivas epistemológicas para a compreensão

dos fenômenos sociais, principalmente os educativos. Nesse sentido, utilizamos a base

epistemológica da multirreferencialidade (MACEDO, 2004), que nos permitiu utilizar ideias e

princípios de diferentes referenciais teóricos, seja para apresentar convergência, divergência

ou complementaridade, a fim de apontar caminhos para o comprometimento com a

diversidade cultural. Considerando que não temos o propósito de alcançar respostas

definitivas, argumentamos que a articulação entre os referenciais fortalece nossas teorizações

e nossas práticas ao passo que desestabilizamos certezas e renovamos nossa reação aos

desafios do ensino de Ciências.

Para problematizar a possibilidade de uma nova posição epistemológica, seguiremos

um longo caminho, que perpassa uma caracterização das três principais posições

epistemológicas da ciência: universalismo, multiculturalismo e pluralismo epistemológico,

abordando, no caso deste último, as influências no ensino; além da apresentação das variações

do multiculturalismo presentes na literatura nacional e internacional, a fim de situar nossa

opção pelo multiculturalismo crítico e apontar suas contribuições para o ensino de Ciências; e,

por fim, a proposição de diálogo teórico e prático entre os dois posicionamentos que se

mantêm mais evidentemente em disputa – o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo

crítico, como uma nova via de discussão.

Nesse contexto, por meio de um ensaio teórico, este capítulo tem como objetivo

problematizar a possibilidade de uma nova posição epistemológica sobre demarcação de

conhecimentos aplicada ao currículo, a partir das discussões frente às convergências e

divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico,

a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam ser acionadas pelos/as

professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas.

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1.2 CARACTERIZAÇÃO DAS TRÊS PRINCIPAIS POSIÇÕES

EPISTEMOLÓGICAS: UNIVERSALISMO, MULTICULTURALISMO E

PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO

As relações entre cultura e educação científica têm sido objeto de uma avaliação cada

vez mais crítica a partir da década de 1990 (EL-HANI; MORTIMER, 2007). Pesquisadores/as

e atores/atrizes educacionais têm questionado a pouca ou nenhuma representatividade dos

grupos minoritários étnicos no currículo de Ciências. Dado que o conteúdo disciplinar tem

orientação ocidental, muitos materiais curriculares têm cunho racista e/ou sexista, além de

apresentar uma imagem deturpada de ciência e cientista. Essas inquietações estimularam a

problematização de novas questões no campo da formação científica, tais como: De quem é a

cultura que ensinamos quando ensinamos ciência? A ciência é universal? O conceito de

ciência deve se manter reservado ao conjunto de conhecimentos produzidos no Ocidente? Ou

deveríamos ampliar tal conceito para abranger outras formas de saber? Qual seria a melhor

definição para ciência?

Segundo El-Hani e Mortimer (2007), as três principais posições epistemológicas da

ciência, que debatem em torno dessas questões e diferem em atitudes políticas, morais e

filosóficas, compreendem o universalismo, o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo. A priori discutiremos os extremos do debate e na sequência,

apresentaremos o pluralismo epistemológico como posição intermediária.

A posição universalista é que o conhecimento produzido pelo que se denomina ciência

é igualmente válido e potencialmente útil em todos os contextos culturais (SOUTHERLAND,

2000), tratando-se da posição dominante nos currículos atuais de Ciências. Assim, os

universalistas epistemológicos4 conferem um caráter universal a essa ciência, que, por sua

vez, deve ser ensinada a todos/as, a fim de oportunizar o aprendizado da mesma forma às

diversas pessoas de diferentes espaços socioculturais. Southerland (2000) problematiza que o

termo “universal” poderia indicar que a ciência estaria livre de qualquer influência cultural e,

assim, não seria afetada pelo contexto dos/as cientistas – tal como idade, status social, gênero

ou cultura. Mas, como Siegel (1997) destaca, não se trata de considerar a ciência ocidental

moderna como uma atividade humana neutra, livre de ideologias, mas de problematizar seus

limites e potencialidades.

4 Matthews (1994); Williams (1994) e Siegel (1997) destacam-se como defensores do universalismo

epistemológico.

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Vale ressaltar que a explicação padrão da ciência se refere comumente à cultura

“ocidental moderna” (COBERN; LOVING, 2000), dado o epistemicídio da produção de

outras formas de conhecimento pela hegemonia europeia. Santos (1997) chama de

epistemicídio a destruição de saberes e culturas não assimiladas pela cultura branca/ocidental

e consequente predomínio do conhecimento produzido pelo Ocidente, reconhecido como

científico e legítimo.

Com efeito, grande parte dessa ciência ocidental foi construída por apropriação de

saberes que ela menospreza e que reivindica como ciência, tais como os conhecimentos dos

povos indígenas e africanos. De acordo com Quijano (2005), a incorporação de diversas

histórias culturais a um único mundo, dominado pela Europa, significou para esse mundo uma

conformação cultural e intelectual equivalente à articulação de todas as formas de controle do

trabalho para constituir o capitalismo mundial. Destarte, todas as experiências, histórias,

recursos e produtos culturais terminaram também articulados numa só ordem cultural global

em torno da hegemonia europeia ou ocidental. Assim, como parte do novo padrão de poder

mundial, a Europa também concentrou, sob sua hegemonia, o controle da produção do

conhecimento.

Nessa perspectiva,

(...) a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e

produtos exclusivamente europeus. Desse ponto de vista, as relações

intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou, melhor dizendo, a Europa

Ocidental, e o restante do mundo foram codificadas num jogo inteiro de

novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-

científico, irracional-racional, tradicional-moderno (QUIJANO, 2005, p.

122).

Sob essa codificação entrelaçada por relações de poder, a cultura europeia impôs-se

como mundialmente hegemônica, concomitantemente à expansão do domínio colonial da

Europa sobre o mundo (QUIJANO, 2005). O autor ressalta o processo de apagamento da

história, linguagem, descobrimentos e produtos culturais, memória e identidade de diferentes

povos, os quais centenas de anos mais tarde reduziam-se a índios e negros. Como resultado da

história do poder colonial, além da perda das identidades históricas, todos aqueles povos

foram despojados de seu lugar na história da produção cultural da humanidade, passando a ser

vistos como raças inferiores, que produziam culturas inferiores (QUIJANO, 2005). Nesse

sentido, o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo,

uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não europeu era inferior.

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Nesse cenário, situamos a razão pela qual o conceito padrão de ciência usualmente

aplicado se refere ao conjunto de conhecimentos produzidos pela Europa ocidental e porque

esse posicionamento epistemológico é considerado universal. A palavra ciência representa um

poder simbólico inegável, o termo em si reflete um conjunto de conhecimentos com pretensão

de universalidade. Assim, por mais que Siegel (1997) defenda que esse caráter universal não

implica considerar a ciência independente de uma perspectiva cultural, argumentamos que

este seria um problema da universalidade do termo, não por considerar a ciência neutra, mas

sim porque assumir essa posição condiciona o cientista a apresentar um olhar diferenciado

para outros conhecimentos culturais, vendo-os como específicos, exóticos, que precisam ser

exibidos dentro de um determinado contexto para serem valorados, diferentemente da ciência,

que no seu status de universal, existe e é útil independente do contexto de produção.

Considerando que pensar a ciência como conhecimento marcado culturalmente é

fundamental para desconstruir a hegemonia sociocultural científica, entendemos que o caráter

universal desse conhecimento denominado científico deve ser problematizado. Afinal, por

mais que a ciência ocidental se pense e se queira universal, é preciso entender que, assim

como todas as demais formas de conhecimento, trata-se de um constructo cultural específico,

produzido para fins determinados, que podem ou não ser úteis em diferentes espaços.

Para alguns/mas autores/as (SOUTHERLAND, 2000; EL-HANI; BANDEIRA, 2008),

a ciência ocidental representa hoje uma construção, se não universal, pelo menos de modelos

bastante gerais, a partir da perspectiva de uma determinada teoria. Contudo, ainda que a

definição de conhecimento científico esteja de acordo com os limites da própria ciência

ocidental, ou seja, considerando os critérios epistêmicos ocidentais, essa explicação

universalista diminui a validade dos outros saberes. Isso porque não problematizar o caráter

universal da ciência ocidental reforça a superioridade deste conhecimento ao colocá-lo em

uma classificação peculiar, se compararmos aos demais contextos culturais de produção de

conhecimento.

Ademais, a universalização é uma estratégia típica de construção simbólica voltada

para legitimar relações de dominação, uma vez que tem como proposta disseminar

representações particulares como se fossem de interesse geral (RAMALHO; RESENDE,

2011). Em contrapartida, Southerland (2000) ressalta que aceitar a universalidade

epistemológica da ciência ocidental não implica em assumir esta como a única abordagem

autêntica e legítima para a construção de conhecimento útil, o que caracterizaria o

cientificismo, o qual precisa ser rejeitado porque tende a não reconhecer o valor de outras

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formas de conhecimento diferentes da ciência ocidental moderna (COBERN; LOVING,

2000). Argumentamos que aceitar o universalismo pode até não aludir em estar de acordo

com o cientificismo, todavia, implica em reforçar a superioridade científica, e de forma

ingênua, valorizar outros conhecimentos em status de “Outros”, que também são importantes,

mas, em contextos específicos, enquanto a ciência ocidental seria relevante em qualquer

espaço.

O entendimento de que a utilização dos critérios epistêmicos ocidentais para

determinar o conhecimento científico não diminui a importância dos saberes construídos fora

desse quadro (SOUTHERLAND, 2000) é ignorar o poder simbólico do termo ciência. Assim,

precisamos reconhecer essas relações de poder, a fim de estabelecermos possibilidades de

diálogos horizontais entre as diferentes formas de conhecimento, desconstruindo a

universalização de discursos particulares, que representa uma poderosa ferramenta para a

manutenção de hegemonias.

Enquanto na opinião dos universalistas o respeito pela diversidade cultural não pode

ter como consequência a inclusão de outras formas de conhecimento no ensino de Ciências,

multiculturalistas5 argumentam a favor dessa inclusão, com a justificativa de que, dessa

forma, haverá possibilidade de diálogo com os saberes produzidos pelas diferentes culturas

(EL-HANI; MORTIMER, 2007). Para estes, a posição universalista exclui os conhecimentos

produzidos para além dos critérios epistêmicos ocidentais ao passo que se mostra numa

posição de superioridade.

Na perspectiva de incluir outros saberes no Ensino de Ciências, alguns

multiculturalistas assumem uma posição de relativismo epistemológico em defesa da

ampliação do conceito de ciência, a fim de incluir os demais saberes provenientes das culturas

não-ocidentais (EL-HANI; MORTIMER, 2007). Ainda segundo esses autores, nem todos os

multiculturalistas são relativistas, embora seja comum entre eles/as a visão de que a ciência

ocidental moderna representa um exemplo de uma série de ciências igualmente válidas. Nessa

perspectiva, os multiculturalistas defendem que a ampliação do conceito de ciência valorizaria

as outras formas de conhecimento, além de contribuir com uma educação mais comprometida

com a diversidade cultural dos/as estudantes.

5 Hodson (1993); Ogawa (1995); Snively e Corsigla (2001) representam multiculturalistas que

defendem a ampliação do conceito de ciência para abarcar outras formas de conhecimento, e não

apenas aquelas produzidas no Ocidente.

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Todavia, El-Hani e Bandeira (2008) argumentam que usar o termo ciência para outras

formas de produção de conhecimento recairia no mito cientificista de que a ciência é

desprovida de problemas, verdadeira e superior. Ao invés disso, os autores sugerem que

assumamos a possibilidade de que existem múltiplas formas de obtenção de conhecimento e

que cada uma delas possui a sua própria coerência interna, demarcando, dessa forma, os

conceitos de ciência e de conhecimento.

Argumentamos que a própria caracterização dos conceitos de ciência e de

conhecimento, tal como proposto por El-Hani e Bandeira (2008), contribui para estabelecer

uma relação hierárquica, na qual a ciência está em uma classificação superior, ou seja, a

demarcação da qual trata os autores parece ser utilizada para caracterizar conhecimentos

denominados “Outros”, enquanto para a ciência se reserva um status privilegiado.

Advogamos pela demarcação de conhecimentos desde que se aplique também aos

conhecimentos ocidentais e esteja acompanhada da análise crítica de que cada saber vai ser

historicamente mais valorizado que outro(s), o que deve ser desconstruído.

Enquanto Cobern e Loving (2000) e El-Hani e Bandeira (2008) consideram a ciência

como conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna, nós

argumentamos pela utilização do termo ciência, com critérios de demarcação, também para

outras formas de conhecimento. Assim, todo conhecimento seria tratado como ciência: ciência

ocidental moderna ou ciência acadêmica ou ciência hegemônica, ciências dos povos

indígenas, ciências dos povos africanos... Nessa ideia, os saberes “Outros” não estão sendo

abarcados, simplesmente, sob o rótulo de ciência, mas lhes é reconhecido um estatuto próprio

ao passo que diversificamos o entendimento do conceito de ciência. Propomos aqui a ideia de

um pluralismo científico, de modo que essas ciências são correspondentes às diversas

culturas. Assim, possibilitamos o diálogo proposto pelos/as autores/as, no que se refere aos

diferentes conhecimentos, que devem ser valorizados por seus próprios méritos, com validade

ou não em contextos diferentes do de sua produção.

Nossa proposta deve considerar que, embora a cultura ocidental seja diversa dentro do

próprio continente europeu e que estudiosos/as do Oriente, por exemplo, representam boa

parte da produção acadêmica atual, reconhecemos a centralidade da Europa no processo de

expropriação e apropriação do conhecimento que se qualifica como ciência. Destacamos

também que a maioria dos/as pesquisadores/as de outros continentes seguem os critérios

estabelecidos pela cultura ocidental moderna, de modo que a ciência eurocêntrica,

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independente do contexto de produção, carrega consigo a prepotência de uma cultura

universal.

Cobern e Loving (2000) ressaltam que o problema não estaria na interpretação de que

a ciência ocidental moderna domina a produção de conhecimento naturalista, altamente eficaz

sobre os fenômenos naturais, mas, sim, quando esta ciência é vista como superior em

detrimento dos “Outros” discursos/saberes. Todavia, conforme argumentamos anteriormente,

ao tratar de ciência e “Outros” saberes, além de colocar a primeira num patamar diferenciado,

a visão acrítica de não questionar as relações de poder entre os conhecimentos, de algum

modo valida a ciência ocidental moderna como uma produção superior. Além disso, incluir a

diversidade de saberes na categoria “Outros” implica em não reconhecer a variabilidade de

formas de conhecimentos/ciências das demais culturas, simplificando-as como um todo

unificado, quando na verdade abriga uma infinidade de maneiras de ver e entender os

fenômenos naturais.

Nesse sentido, para alcançarmos o objetivo proposto por Cobern e Loving (2000),

referente à valorização de todas as formas de conhecimento, sugerimos a pluralização do

conceito, passando a usar o termo ciências – tal como foi desconstruído historicamente o

poder simbólico do conceito de cultura, que passou da ideia de cultura no singular (com a

perspectiva de que uns têm e outros não têm) para cultura no plural (todos têm cultura e ela é

diversa). Da mesma forma, propomos a ideia de ciências múltiplas – da pluralidade de

ciências. Neste caso, ao invés de defender a ampliação do conceito de ciência, concordamos

com El-Hani e Bandeira (2008) sobre a importância de questionar a abordagem cientificista.

E, para além dessa crítica, desestabilizarmos o regime de autorização discursiva do que se

denomina ciência, que ora invisibiliza conhecimentos produzidos fora do escopo da cultura

ocidental, ora inferioriza essa produção.

Cobern e Loving (2000) apresentam três características essenciais para construir o

conceito de ciência hegemônica, que incluem tratar de fenômenos naturais, de forma que o

objeto de estudo da ciência deve ser, idealmente, testável de maneira objetiva e empírica, o

que exclui os aspectos espirituais, emocionais, econômicos, estéticos e sociais da experiência

humana; compor um sistema explicativo, e não apenas uma descrição ad hoc dos fenômenos

naturais; e ter apoio da comunidade científica, que determinará o que deve ser qualificado

como ciência. Por conseguinte, o que estiver fora dos limites desse conceito de ciência seria

definido como conhecimento.

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Nossa crítica a essa abordagem proposta pelos/as autores/as é que, mesmo os

conhecimentos de origem africana, por exemplo, que atendem aos dois primeiros critérios,

não são incluídos no estatuto epistemológico de ciência. Estabelecemos as duas primeiras

características por assumir a terceira como mais subjetiva e subordinada às relações de poder

daqueles/as que estão à frente da hegemonia social, política e discursiva. Machado (2014), ao

discutir a ciência, a tecnologia e a inovação africanas e afrodescendentes, apresenta a

matemática egípcia, a medicina especializada africana, a química africana, entre outros

objetos de estudo testáveis de maneira objetiva e empírica, que compõem um sistema

explicativo de fenômenos naturais, tal como podemos perceber na descrição a seguir

[...] os egípcios foram capazes de calcular a raiz quadrada, eles usaram

números imaginários e eles inventaram trigonometria e “teorema de

Pitágoras” muito antes de Pitágoras! Álgebra também era um produto de

matemáticos egípcios. Os egípcios usavam alavancas, planos inclinados e

parafusos muito antes de “descobertas” de Arquimedes desses mesmos

conceitos. Diop se pergunta se foi uma coincidência que Arquimedes e

outros cientistas gregos famosos, como Sócrates, Aristóteles e Platão,

estudarem extensivamente no Egito (MACHADO, 2014, p. 23).

Além disso, “os egípcios [...] haviam localizado as áreas do cérebro para funções

específicas do corpo três mil anos antes do europeu Paul Broca. [...] descobriram a circulação

do sangue e o funcionamento do coração, muito antes do inglês Harvey” (MACHADO, 2014,

p. 23). Com isso queremos exemplificar que mulheres e homens de origem africana

participaram de descobertas que mudaram os rumos da história moderna, e, ainda assim, essa

produção não tem a visibilidade por seu direito de ciência especializada, tendo em vista que

esses conhecimentos foram subsumidos no campo do epistemicídio. Como consequência, toda

nossa base referencial epistemológica recai como mérito da cultura ocidental moderna, a qual

dispõe do poder de determinar, com o apoio da chamada comunidade científica, o que se

qualifica como ciência.

Diante dessa realidade, argumentamos que as características apontadas por Cobern e

Loving (2000), referentes ao conceito de ciência, servem como critérios epistêmicos de uma

ciência ocidental, mas, no que se refere as outras ciências, são as suas comunidades

epistêmicas específicas que devem validar os conhecimentos que as compõem, tendo em vista

que não podemos pressupor a existência de uma comunidade epistêmica única. Defendemos a

pluralidade de ciências, a fim de questionar o termo como metáfora do poder, confrontando a

hegemonia do discurso e desestabilizando as hierarquias que foram postas historicamente e

são refletidas nos dias atuais.

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A perspectiva apresentada por Cobern e Loving (2000), de reservar o conceito de

ciência ao conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna e demarcar

os saberes em diferentes domínios das práticas humanas, caracteriza o pluralismo

epistemológico, posição epistemológica intermediária da ciência (EL-HANI; MORTIMER,

2007). Segundo Cobern e Loving (2000), o pluralismo epistemológico não pretende conferir

superioridade epistêmica à ciência ocidental moderna em detrimento das demais formas de

conhecimento, pelo contrário, busca a valorização de todas as formas de pensamento, que

devem ser respeitadas por seus próprios méritos e não submetidos aos critérios da cultura

ocidental. Todavia, os/as autores/as não propõem caminhos para que esta valorização dos

conhecimentos seja, de fato, efetivada. Ao nosso ver, para valorizar todas as formas de saber,

é preciso desconstruir a superioridade epistêmica e política do termo ciência, a fim de

proporcionar o diálogo entre as culturas. Afinal, só há diálogo quando as relações hierárquicas

são desconstruídas e os saberes horizontalizados.

El-Hani e Mortimer (2007) argumentam que a inclusão de outras formas de

conhecimento em um conceito amplo de ciência levaria à desvalorização, e não à legitimidade

dos conhecimentos denominados “Outros”, já que as formas de construção e os critérios de

validação da ciência hegemônica são diferentes e, assim, as “outras” formas de conhecer

poderiam não ser valorizadas por seus próprios méritos. Concordamos que cada conjunto de

conhecimentos apresenta seus próprios critérios epistêmicos, tendo em vista as

particularidades dos contextos de produção do conhecimento e a necessidade de cada

contexto. Assim, não faz sentido pensarmos numa epistemologia mestre que seja capaz de

envolver todas as epistemologias, sobretudo porque os saberes são localizados, ou seja, nem

mesmo a ciência hegemônica, com todo seu poder, pode ser apresentada como uma

epistemologia dominante.

Para concordarmos com a ampliação do conceito de ciência, seria necessário

estabelecer um critério universal capaz de abarcar todos os saberes, o que não seria possível.

É nessa perspectiva que optamos pelas bases do pluralismo epistemológico, no que se refere à

demarcação de saberes. Nossa contribuição a esta perspectiva teórica está em pensar a

pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências e, assim, horizontalizar os

discursos, que passam a tratar das ciências dos povos indígenas, das ciências dos povos

afrodescendentes e também da ciência ocidental moderna, entre outras. Assim, a perspectiva

da demarcação valeria para todas as ciências, inclusive a ocidental, e não somente para o que

o pluralismo epistemológico chama de saberes “Outros”.

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O pluralismo epistemológico evita o cientificismo e reconhece a variedade de formas

de conhecer, a partir das diferentes visões de mundo. No âmbito do ensino de Ciências, essa

posição defende que a ciência ocidental moderna deve ser ensinada de forma sensível e

respeitosa com a diversidade de culturas nas salas de aula. Para tanto, considera-se como

caminho a demarcação dos saberes, a qual nós propomos que se estenda aos saberes da

cultura ocidental, diferenciando todas as ciências, ao invés de apontar a ciência hegemônica e

os saberes “Outros”, tal como aparece na proposta original de demarcação. Trata-se de um

ensino não cientificista, mas sistemático, uma vez que mantém os objetivos da educação

denominada científica, ao passo que outras ciências são abordadas de forma dialógica, a fim

de ampliar as visões dos/as estudantes.

Em resumo, consideramos interessante a perspectiva de demarcação do pluralismo

epistemológico, desde que sirva a todas as ciências. Além disso, consideramos que a

abordagem pluralista não atende a objetivos formativos mais críticos, como um ensino de

Ciências para empoderamento de grupos historicamente subalternizados. Assim,

argumentamos que, da forma como é proposto, o pluralismo epistemológico não é suficiente

para dar visibilidade aos saberes “Outros” que propõe valorizar, e, que sem o resgate desses, o

discurso de valorização se torna um mero exercício retórico.

Percebemos que as três posições epistemológicas da ciência, brevemente discutidas

neste espaço, se inter-relacionam em alguma posição, seja política, moral ou filosófica.

Podemos destacar, como ponto de interseção, a crítica ao cientificismo. O universalismo e o

pluralismo, por sua vez, compartilham da ideia de reservar o conceito de ciência ao conjunto

de conhecimentos produzidos pela cultura ocidental moderna, embora o segundo se destaque

quanto ao comprometimento com a diversidade cultural, característica que parece ser

negligenciada pela perspectiva universalista, que tem o conhecimento científico como válido

em todos os contextos culturais.

Neste espaço, considerando a polissemia do termo multiculturalismo, discutimos a

posição relativista epistemológica, tendo em vista que no tópico seguinte nos debruçaremos

nas várias outras abordagens possíveis. Nessa perspectiva, destacamos ainda um ponto de

interseção entre multiculturalistas e pluralistas, que se refere ao comprometimento com a

diversidade cultural, sendo que essas abordagens pretendem chegar a esse fim por diferentes

meios, no primeiro caso, defende-se a ampliação do conceito de ciência a fim de abarcar

outros conhecimentos para além dos produzidos pela cultura ocidental, e no segundo caso,

argumenta-se a favor da demarcação dos conhecimentos. A seguir, apresentamos um esquema

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para resumir as inter-relações apresentadas entre universalismo, pluralismo e

multiculturalismo (Figura 1).

Figura 1. Esquema apresentando as inter-relações entre as três posições epistemológicas da ciência.

Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.

Dado o resumo presente no esquema acima, argumentamos em defesa do pluralismo

epistemológico, destacando o comprometimento com a diversidade cultural a partir da

demarcação dos conhecimentos. Para tanto, acrescentamos a esta perspectiva a importância de

desestabilizar a hegemonia sociocultural, inclusive pela desconstrução da superioridade dos

conhecimentos denominados científicos, ao passo que problematizamos as relações de poder

entre as culturas. A seguir, desenvolvemos algumas características do ensino de Ciências na

perspectiva do pluralismo epistemológico.

1.2.1 Contribuições do pluralismo epistemológico para o ensino de Ciências

O ensino de Ciências no Brasil muitas vezes é interpretado com a função de substituir

os saberes culturais dos/as estudantes pelas ideias científicas (BATISTA, 2010). Contrariando

essa abordagem, a perspectiva do pluralismo epistemológico (COBERN; LOVING, 2000)

advoga que não deve ser objetivo do ensino de Ciências que os/as estudantes abandonem as

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suas visões de mundo para que acreditem nas teorias e nos conceitos científicos ocidentais.

Para Cobern (2004), quando os saberes culturais dos/as estudantes diferirem dos saberes

científicos ocidentais, é desejável que o ensino contribua para a compreensão desses últimos a

fim de ampliar as visões dos/as estudantes, sem anular suas culturas.

Na perspectiva do pluralismo epistemológico, cada problema exige uma solução

própria, de modo que é possível que, em determinadas situações da vida humana, a cultura

ocidental tenha as melhores respostas, enquanto em outras não, ou até mesmo diferentes

ciências possam atuar em consonância. No ensino de Ciências na perspectiva do pluralismo

epistemológico, os/as estudantes devem ser orientados/as de que cada conhecimento, no seu

contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser utilizado em diferentes momentos para

distintas finalidades. Todavia, entendemos que, quando o pluralismo epistemológico afirma

que cada conhecimento é válido em seu próprio contexto, assume-se que aquele dado

conhecimento só é importante/reconhecido dentro de um campo epistêmico restrito. Quando,

na verdade, embora se trate de um conhecimento produzido por uma cultura demarcada, ele

pode ou não ser utilizado/reconhecido em qualquer outro espaço. A palavra contexto limita o

uso do conhecimento e estabelece uma relação assimétrica com a ciência ocidental.

Referindo-se ao ensino de evolução, Cobern (2007) propõe quatro regras

metodológicas que merecem a atenção dos/as professores/as de Ciências, e que podem ser

utilizadas para orientar a abordagem de outros temas controversos na perspectiva do

pluralismo epistemológico, a saber: a crítica ao cientificismo (nesse sentido, o/a professor/a

pode orientar a crítica para as limitações da ciência ocidental moderna); o ensino direcionado

para a compreensão, e não para a crença (aqui o autor ressalta que, diferentemente da

crença, o entendimento é crítico e exige compreensão); o ensino que problematiza as

evidências (neste caso, para além de apresentar as conclusões, o/a professor/a precisaria

problematizar as evidências que os/as cientistas usam como apoio às teorias, para, assim,

os/as estudantes terem subsídios suficientes que contribuam para a compreensão das ideias

científicas ocidentais); e a promoção do diálogo (ressalta-se aqui a importância de gerar

debates a fim de que os/as estudantes possam explorar suas próprias ideias e interesses).

Contribuindo com essas orientações metodológicas, sugerimos ainda problematizar as

questões de ideologia, poder e opressão, que permeiam a construção do conhecimento.

Nessa mesma perspectiva, Brayboy e Castagno (2008) reforçam a possibilidade de

ensinar conceitos científicos para estudantes que têm uma visão espiritual tradicional

preferencial do mundo, sem substituí-la. Trata-se de contribuir para aumentar o conhecimento

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científico ocidental do/a estudante de modo que este possa ser utilizado em situações

apropriadas. Assim, o ensino de Ciências deve visar, não convencer estudantes para aceitar a

validade ou legitimidade da informação científica, mas sim ajudá-los/as a entender os

conhecimentos e, em seguida, considerar as semelhanças e diferenças entre a informação da

ciência ocidental moderna e sua própria epistemologia e compreensão do mundo

(BRAYBOY; CASTAGNO, 2008).

Por conseguinte, outra contribuição do pluralismo epistemológico para o ensino de

Ciências é o respeito pelas diferentes culturas, visto que nas aulas de Ciências podemos

distinguir, no mínimo, duas culturas: a cultura ocidental moderna, representada pelos/as

professores/as e recursos didáticos, e a dos/as estudantes, provenientes dos seus meios

socioculturais (COBERN, 1996). Argumentamos a importância do/a professor/a estar atento/a

à diversidade de culturas que compõem o âmbito escolar e valorizar os saberes derivados

dessas. Para tanto, os/as professores/as podem guiar a apresentação das perspectivas culturais,

tanto do Ocidente quanto dos/as estudantes, por meio da negociação das situações de origem e

de aplicação de cada um dos conhecimentos envolvidos (BAPTISTA, 2014).

De acordo com El-Hani e Bandeira (2008), o objetivo de uma abordagem dialógica

nas aulas de Ciências deve ser explorar semelhanças e diferenças entre formas de

conhecimento, a fim de estimular os/as estudantes a considerar diferentes discursos sobre o

mundo; oferecer oportunidades para pensar sobre os domínios em que uma ou outra forma de

saber pode ser adequadamente aplicada; considerar as origens sociais, políticas e econômicas

da construção do conhecimento denominado científico e do desenvolvimento tecnológico; e,

por fim, refletir sobre a natureza do conhecimento como um conjunto de argumentos sobre o

mundo, que devem ser analisados criticamente de modo a se aceitar ou não uma determinada

ideia.

Para encorajar os/as estudantes a lidar com o problema de formar uma visão cultural

da ciência ocidental moderna, Cobern (1994) sugere aos/às professores/as que organizem sua

prática pedagógica com atenção às seguintes reflexões: (i) quais são as crenças dos/as

estudantes sobre o mundo ao seu redor, especialmente o mundo físico? (ii) como os/as

estudantes compreendem seu próprio lugar no mundo, especialmente sua relação com o

mundo físico? (iii) qual é o meio cultural em que as opiniões, valores e relacionamentos

dos/as estudantes são fundamentados e apoiados? (iv) o que é a cultura ocidental e como essa

cultura é interpretada na sala de aula de Ciências? (v) o que acontece quando as culturas

estudantis, a cultura docente e a cultura ocidental se encontram face a face na sala de aula?

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(vi) quando os/as estudantes são influenciados/as pela educação científica ocidental, são

influenciados/as exclusivamente pela ciência ocidental ou são influenciados/as também pelo

contexto em que ela é apresentada?

As reflexões e discussões das questões supracitadas podem contribuir para o

desenvolvimento de uma prática pedagógica que vise a construção do conhecimento de forma

culturalmente sensível. Para expandir as possibilidades de diálogos, Cobern e Loving (2000)

propõem ainda que os/as professores/as busquem investigar e compreender como os

conhecimentos culturais dos/as estudantes são importantes para eles/as nos seus meios sociais,

para que o ensino seja orientado a partir dos interesses dos/as estudantes. Vale ressaltar que,

apesar de todo o estímulo e orientação para com o diálogo que se deve ter em sala de aula

sobre visões de mundo e epistemologias concorrentes, El-Hani e Bandeira (2008) destacam a

importância dos/as professores/as sistematizarem os saberes através de um discurso de

autoridade. Essa sistematização deve contribuir para organizar não só um ponto de vista, mas

várias perspectivas diferentes sobre o mundo em diferentes culturas.

Nessa perspectiva, com subsídios do pluralismo epistemológico, advogamos não

somente por uma demarcação epistemológica entre uma ciência ocidental moderna e os outros

saberes, mas por uma clara demarcação tanto epistêmica quanto histórica, política e social, de

todas as ciências, as ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos africanos e, também

a ciência ocidental moderna. Com essa demarcação horizontalizada, acreditamos efetivar o

discurso de que não deve ser concedida superioridade epistêmica a um saber em detrimento

de outros. Desse modo, demarcando todos os saberes, compreendemos que a ciência ocidental

representa uma dentre as inúmeras formas de explicar os fenômenos naturais e, assim, pode

ser ensinada de forma comprometida com a diversidade cultural.

Sobre o multiculturalismo, reiteramos que a abordagem exposta no princípio deste

tópico incidiu sobre a perspectiva do relativismo epistemológico, mas esta representa uma

linha de pensamento não compartilhada por outros multiculturalistas. Assim, seguimos com a

discussão sobre as variações do multiculturalismo defendidas por diferentes autores/as, com o

objetivo de situar nosso trabalho na abordagem multicultural crítica.

1.3 AS VARIAÇÕES DO MULTICULTURALISMO PRESENTES NA LITERATURA

NACIONAL E INTERNACIONAL

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O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multicultural, tendo em vista

a imensa diversidade étnica, racial, linguística e religiosa. As relações entre as culturas estão

marcadas por questões de poder, que culminam em preconceito e discriminação de grupos

determinados. É nesse contexto que na década de 1940 inicia-se no Brasil o desenvolvimento

do multiculturalismo como movimento social, sob a influência das lutas étnicas ocorridas nos

Estados Unidos, em conjunto com a criação da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (GONÇALVES; SILVA, 1998).

O movimento social pautado no multiculturalismo forçou uma mudança na educação,

que passou a compartilhar a responsabilidade de se engajar na luta pelo compromisso com a

pluralidade cultural. Nesse ínterim, o tema do multiculturalismo aparece no campo da

didática, na segunda metade da década de 1990, e desde então se encontra em um movimento

de afirmação (CANDAU, 2006). Diferentes autores/as têm discutido o multiculturalismo no

ambiente escolar, o que tem gerado debates com diferentes matrizes teóricas e político-sociais

(MCLAREN, 1997; CANEN, 2000; SOUTHERLAND, 2000; CANDAU, 2011).

Gonçalves e Silva (1998) apresentam vários significados para o multiculturalismo, a

saber: como uma ideologia que se opõe a toda forma de centrismos culturais; como uma

estratégia política de integração social ou como um corpo teórico que orienta a produção do

conhecimento. Destacamos que o multiculturalismo apresenta diversas perspectivas, que, no

entanto, têm um ponto em comum: buscar respostas para os desafios da pluralidade cultural

na atualidade, sobretudo no âmbito escolar.

Considerando que o multiculturalismo apresenta concepções distintas e muitas vezes

antagônicas, é preciso compreender suas variações para dar sentido aos argumentos e

discursos gerados. Concordando com Canen e Moreira (2001), as tensões e os

questionamentos dirigidos ao multiculturalismo não inviabilizam o projeto multicultural; ao

contrário, podem favorecer o avanço teórico e o desenvolvimento de propostas

comprometidas com a diversidade de culturas.

Discutiremos a seguir as classificações apresentadas por Southerland (2000), Canen e

Oliveira (2002), McLaren (1997) e Candau (2008; 2011), respectivamente, a fim de

apresentar as contribuições desses/as autores/as frente à proposta do multiculturalismo como

ideologia, estratégia política ou corpo teórico, a partir das quais situaremos nossas

considerações.

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A classificação estabelecida por Southerland (2000) se refere à dimensão

epistemológica do multiculturalismo, que compreende o entendimento da natureza do

conhecimento científico ocidental e sua expressão no discurso. A autora classifica as

abordagens em duas categorias: a educação multicultural instrutiva ou educacional e a

educação multicultural curricular.

A educação multicultural instrutiva ou educacional traz a ideia de instruir os/as

professores/as para a consideração das visões de mundo de seus/suas alunos/as, sobretudo

quando essas visões contrariam a concepção ocidental de ciência. Trata-se de manter o

conceito de ciência reservado à cultura ocidental moderna, ensinando nessa tradição, mas, a

partir do diálogo sensível às culturas dos/as estudantes. Nesse contexto, os conhecimentos

denominados científicos, em conflito com as culturas dos/as estudantes, deveriam ser

apresentados dentro de seus limites (SOUTHERLAND, 2000). Assim, em vez de evitar

declarações conflituosas, o/a professor/a problematizaria os conhecimentos denominados

científicos na perspectiva de uma abordagem não cientificista de educação, dando

oportunidade para que os/as estudantes compreendessem a base do conflito. A educação

multicultural instrutiva reconhece e delimita os diferentes pressupostos, objetivos e usos dos

conhecimentos, valorizando os saberes em seus próprios méritos e dentro dos seus domínios.

Em contrapartida, a educação multicultural curricular, também denominada de

multiculturalismo robusto por Matthews (1994), sugere que devemos ampliar o conceito de

ciência de forma a equiparar as formas locais ou étnicas de compreensão do mundo físico com

a ciência ocidental. Assim, o termo ciência passaria a ser sinônimo de conhecimento, teríamos

então a ciência ocidental, a ciência indígena, a ciência africana, enfim, e estes conhecimentos

agora ditos científicos deveriam compor os currículos de Ciências. Nessa perspectiva,

diferentemente da educação multicultural instrutiva, apenas os aspectos da ciência dominante

que estivessem de acordo com a ciência étnica deveriam ser discutidos nas salas de aula de

Ciências, ou seja, os conhecimentos em conflito não seriam apresentados (SOUTHERLAND,

2000). Os currículos apenas apresentariam os temas que fortalecessem e apoiassem a cultura

dos/as estudantes.

Já argumentamos anteriormente em defesa da não ampliação do conceito de ciência.

Aqui faremos uma observação sobre o pressuposto da educação multicultural curricular de

circunscrever os currículos de Ciências à discussão de temas que estiverem de acordo com a

cultura dos/as estudantes. Percebemos três problemas nessa restrição, primeiro porque

limitaria a formação dos/as estudantes, que perderiam a oportunidade de aprender novas

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culturas e percorrer com propriedade na cultura dominante; segundo porque a falta de

problematização dos conhecimentos em conflito poderia levar a uma visão passiva e pouco

crítica de como o conhecimento é construído, e, das relações de poder que permeiam essa

produção; terceiro, seria inviável para o/a professor/a analisar e organizar temas de discussão

que não confrontassem, em alguma medida, com a cultura dos/as estudantes.

Southerland (2000) destaca outras duas lacunas quanto à educação multicultural

curricular, agora de cunho político, a qual compartilhamos. Primeiro, a abordagem explica

que os/as estudantes seriam expostos/as a um retrato da ciência no qual todas as formas de

conhecimento sobre o mundo natural estariam incluídas, o que levaria os/as estudantes a

ignorarem fundamentalmente as diferenças epistemológicas entre os conhecimentos, bem

como as relações de poder que se formam a partir dessas diferenças. A segunda lacuna da

abordagem curricular é a interpretação de que os/as estudantes não são capazes de lidar com

argumentos epistemológicos e políticos controversos, o que orienta que as questões

conflituosas sejam omitidas do currículo. Assim, a capacidade dos/as estudantes de tomar

decisões não é reconhecida, contrapondo o ideal de educação crítica e emancipatória.

El-Hani e Mortimer (2007) apresentam quatro observações acerca da inviabilidade da

educação multicultural curricular: 1. a igualdade na abordagem dos diferentes conhecimentos

culturais na sala de aula de Ciências significaria perder de vista os objetivos da educação

científica ocidental; 2. a educação científica ocidental é necessária para todos/as os/as

alunos/as, particularmente em países que adotam currículos “ciência para todos”; 3. um

diálogo entre diferentes formas de conhecimento é necessário nas salas de aula de Ciências,

mas não deve colapsar em uma mera confusão entre os saberes; 4. embora seja recomendável

uma educação de forma significativamente dialógica, o trabalho pedagógico não pode perder

de vista o objetivo da compreensão dos/as estudantes sobre a ciência hegemônica.

Sobre as observações de El-Hani e Mortimer (2007), temos algumas considerações. A

preocupação evidenciada pelos autores de não perder de vista os objetivos da educação

científica tradicionalmente conhecida, ou seja, da educação científica ocidental, se justifica

pelo caráter de educação hegemônica, necessária para concorrer na sociedade capitalista na

qual estamos imersos. Diante disso, consideramos inviável ensinar de forma sistematizada

vários conteúdos, provenientes de diferentes culturas, além disso os/as estudantes almejam,

por exemplo, realizar o Exame Nacional do Ensino Médio para ingressar em um curso

superior, avaliação esta que exige a ciência acadêmica. É nesse viés que concordamos com

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El-Hani e Mortimer (2007) quando se trata da necessidade da educação científica ocidental

em países que adotam currículos “ciência para todos”, como é o caso do Brasil.

Todavia, além desse objetivo, almejamos uma educação crítica para empoderamento

de grupos historicamente subalternizados, o que implica na mobilização de saberes e culturas

que nunca tiveram espaço no âmbito escolar, culturas invisibilizadas, subsumidas no campo

do epistemicídio. Para tanto, defendemos a inclusão também de outros conhecimentos no

currículo de Ciências, de forma demarcada, tal como proposto pelo multiculturalismo

curricular, o que pode acontecer a partir da inserção das ciências “Outras” nas orientações e

parâmetros que organizam o campo educacional. Assim, nossa proposta é que as ciências de

origem indígena e africana, por exemplo, estejam transversalizadas na disciplina de Ciências e

nas demais, a fim de tornar possível uma educação plural, comprometida com a diversidade.

Para além de discutir a relevância de ampliar ou não o conceito de ciência para abarcar

outros saberes, reforçamos que uma mudança desse nível, de cunho epistemológico, não pode

ter forças na educação sem o apoio dos campos político, econômico e social. Tendo em vista

essa realidade, defendemos que o diálogo intercultural orientado por documentos oficiais da

educação, acompanhado da problematização do conceito de ciência e da demarcação das

ciências, representa um caminho frutífero para desestabilizar o currículo eurocentrado que

predomina em nossas escolas.

Percebemos que as posições de muticulturalismo apresentadas por Southerland (2000)

levam a abordagens fundamentalmente diferentes para o objetivo de desenvolver o ensino de

Ciências comprometido com a diversidade cultural. Argumentamos em defesa da inclusão de

outras ciências no currículo, tal como é proposto pelo multiculturalismo curricular, e pela

demarcação dos critérios epistêmicos específicos de cada ciência, inclusive da ciência

ocidental, tal como podemos interpretar no multiculturalismo instrucional.

Tendo em vista que nossa defesa permeia entre elementos de ambos os

multiculturalismos propostos por Southerland (2000) e que temos ressalvas a essa

classificação, consideramos viável apresentar uma terceira via de debate, articulando e

problematizando as características apresentadas pela autora. Trata-se de um multiculturalismo

que chamamos de interativo, no qual, para além dos elementos já mencionados de defesa

entre uma característica e outra, sugerimos, no contexto do ensino de Ciências, a pluralização

do termo “ciências”, a problematização de conhecimentos em conflito e a discussão de

questões políticas, sociais e culturais inerentes à produção de conhecimento. O diagrama

abaixo resume nossa proposta (Figura 2).

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Figura 2. Esquema apresentando a classificação estabelecida por Southerland (2000) articulada a

nossa proposta, referente ao multiculturalismo interativo.

Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.

Ressaltamos que a ideia de ciências múltiplas – da pluralidade de ciências, com a

consequente demarcação de todas as ciências com critérios próprios, representa a dimensão

epistemológica de multiculturalismo na qual vamos nos apoiar para estabelecer um diálogo

com o pluralismo epistemológico, apresentado no tópico anterior, e que usaremos como eixo

integrador em todo o trabalho.

Antes de dar continuidade às classificações de multiculturalismo presentes na

literatura, destacamos que, diferentemente da dimensão teórica e epistemológica exposta até o

momento, as próximas classificações tomam outro rumo de discussão, tratando de

categorizações que apresentam o multiculturalismo como uma ideologia ou estratégia política.

Uma das autoras que explora essa perspectiva é Vera Maria Candau (2008). Ela discute que o

multiculturalismo pode assumir um caráter descritivo ou prescritivo/propositivo. O primeiro

denota o multiculturalismo como uma característica das sociedades atuais, cujas pesquisas

buscam descrever e compreender o contexto histórico, político e cultural de determinada

sociedade. O caráter prescritivo/propositivo, por sua vez, se propõe a ir além da constatação

de um dado da realidade, pois entende o multiculturalismo como uma forma de transformar a

dinâmica social ao passo que concebe políticas públicas nessa direção.

Argumentamos que os trabalhos de caráter prescritivo/propositivo são mais desejáveis

para a educação multicultural, visto que assumem o compromisso por uma sociedade mais

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justa e igualitária por meio da ação. Todavia, os trabalhos de diagnóstico, com caráter

descritivo, trazem sua parcela de contribuição ao passo que evidenciam a dinâmica das

culturas, marcada pela influência de grupos detentores do poder. Poderíamos supor que estes

trabalhos representem um primeiro passo, que deve ter continuidade com a pesquisa

propositiva.

Considerando o multiculturalismo no espaço escolar, Ana Canen e Ângela Oliveira

(2002) destacam o multiculturalismo folclórico; o multiculturalismo voltado para a

valorização da diversidade cultural e o multiculturalismo crítico. Os dois primeiros enfatizam

a sensibilidade para a diversidade cultural, a partir do reconhecimento das diferentes culturas,

bem como a promoção do respeito e da valorização destas, o que até certo ponto é relevante e

necessário. Todavia, o problema está na visão romantizada das relações entre diferentes

culturas, de modo que não se considera os preconceitos e discriminações envolvidos. Tanto o

multiculturalismo folclórico quanto o de valorização da diversidade cultural se limitam a

festejar as diferenças em datas comemorativas, como o dia da consciência negra e o dia do

índio6, por exemplo. Não estamos criticando tais festejos, mas, sim, a abordagem harmônica

das culturas, quando na verdade deveríamos problematizar as relações de poder que subjugam

grupos minoritários, como os povos indígenas e afrodescendentes.

Em contrapartida está o multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural

(MCLAREN, 1997; CANEN, 2001; CANEN; MOREIRA, 2001; CANEN; OLIVEIRA,

2002; CANDAU, 2008; 2011), que busca essa problematização das relações de poder entre os

grupos culturais, a partir do aprofundamento nos mecanismos históricos, sociais e políticos.

Trata-se, portanto, de uma abordagem crítica da construção das identidades socioculturais.

Retomaremos a discussão referente a esta abordagem mais adiante, ao tratar das classificações

de multiculturalismo estabelecidas por McLaren (1997) e Candau (2011).

McLaren (1997) destaca quatro diferentes concepções de multiculturalismo:

conservador ou empresarial; humanista liberal; liberal de esquerda e crítico e de resistência,

sendo esta última defendida por ele. O multiculturalismo conservador apresenta uma

ideologia de assimilação, em que todos devem compartilhar da cultura hegemônica. “Nesta

visão, os grupos étnicos são reduzidos a ‘acréscimos’ à cultura dominante” (MCLAREN,

1997, p. 115), sendo que ela carrega o legado colonialista da supremacia branca, defende uma

6 Ressaltamos que o termo “índio”, nome dado pelos europeus, não representa a diversidade dos povos

indígenas, o que reflete uma prática epistemicida e genocida.

Fonte: https://nacoesunidas.org/indio-nome-dado-pelos-europeus-nao-representa-nossa-diversidade-

historiador-edson-kayapo/amp/. Acesso em 18 de set. 2019.

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visão essencialista de cultura e nega veementemente os espaços autônomos de manifestação

da diversidade.

O multiculturalismo humanista liberal argumenta que existe uma igualdade natural

entre todas as pessoas de diversas culturas, que lhes permite competir igualmente em uma

sociedade capitalista. Todavia, reconhece que, devido às diferentes oportunidades sociais ou

educacionais ou à falta delas, essa “igualdade” é prejudicada, ainda que os grupos

minoritários possam alcançá-la de forma relativa ao passo que ascendem

socioeconomicamente. Nesta perspectiva, podemos perceber que a cultura se apresenta de

forma mais dinâmica, embora percebamos ainda o desprezo pelas diferenças.

Diferentemente das duas abordagens anteriores, o multiculturalismo liberal de

esquerda ressalta a diferença cultural. Mas mantém a ideia de que esta diferença existe

independentemente da constituição histórica e social, desconsiderando as relações de poder

envolvidas nos grupos culturais. Por fim, o multiculturalismo crítico e de resistência enfatiza a

necessidade de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os

significados são formados. Dessa forma, trata-se de compreender as representações de raça,

classe e gênero como resultados de lutas sociais e de problematizar a cultura como conflitiva,

não harmoniosa e não consensual, cujas diferenças refletem um produto da história, poder e

ideologia (MCLAREN, 1997).

A abordagem multicultural crítica supera os reducionismos das tendências

conservadora, humanista liberal e liberal de esquerda, que McLaren (1997) enquadra num rol

de tendências liberais, e coloca em foco a atenção que devemos desenvolver pela

especificidade histórica e cultural da diferença (em termos de raça, classe, gênero, etc.) ao

passo que mantemos a universalização dos direitos sociais e políticos (MCLAREN, 1997).

Assim, somos convidados/as a desenvolver uma compreensão da diferença sem essencializar

o outro, além de fortalecer os princípios gerais de igualdade e justiça.

O destaque das discussões de McLaren (1997) é o compromisso com a transformação

social e o papel da educação para este fim. Após ter discutido essas ideias, o autor lança outra

obra em que fala de um multiculturalismo revolucionário (MCLAREN, 2000), na qual busca

analisar de que modo a sociedade, através da intensificação da desigualdade induzida pelo

capitalismo, atua na produção, manutenção e segregação das diferenças. Para o autor, é objeto

de estudo dessa abordagem analisar como as diferenças são reforçadas de modo negativo, o

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que requer que se penetre na esfera social e econômica a fim de questionar o preconceito e a

discriminação gerados em nome do lucro de um pequeno grupo dominante.

Ressaltamos que vamos nos ater na discussão do multiculturalismo crítico e suas

interferências no âmbito escolar, que para nós representa um caminho frutífero para um

ensino de Ciências comprometido com a pluralidade cultural. Assim, destacamos quatro

princípios para um efetivo compromisso com a diversidade cultural na perspectiva do

multiculturalismo crítico: primeiro, a necessidade de problematizar as relações de poder

construídas com as diferenças; segundo, promover discussões no ensino de Ciências que

venham a desestabilizar a lógica eurocêntrica, sexista e homofóbica do nosso currículo;

terceiro, a necessidade de promover o empoderamento das classes populares, a fim de que

possam transnacionalizar as suas lutas; quarto, um incansável compromisso com o outro.

Na tentativa de aprofundar as discussões referentes à perspectiva multicultural crítica

vamos destacar alguns pontos de questionamento frente a essa abordagem. De acordo com

Canen (2008; 2014), mesmo com o compromisso com a diversidade cultural, muitas vezes

também o multiculturalismo crítico pode acabar por essencializar as identidades culturais,

tendo em vista que a ênfase dessa abordagem incide sobre as “identidades coletivas”, assim

como nas formas materiais e simbólicas pelas quais estas identidades têm sido marginalizadas

do poder. Consideramos que a abordagem histórica que discuta a construção das diferenças,

bem como a perspectiva dinâmica das culturas, tanto em nível individual quanto coletivo,

possam contribuir para transpor essa visão essencialista das culturas.

Destacamos também uma crítica apresentada por Fonte e Loureiro (2011), a partir da

contribuição teórica de Simone de Beauvoir. Para estes autores, o multiculturalismo crítico ou

intercultural desqualifica a escola e a intervenção dos/as professores/as, além de esfacelar o

currículo escolar. Fonte e Loureiro (2011) iniciam sua crítica comentando sobre a teoria

religiosa denominada Flying Spaghetti Monsterism (Monstro do Espaguete Voador), criada

em 2005 por um cidadão do Kansas, Bobby Henderson, como subversão a um

posicionamento do Conselho de Educação do Estado do Kansas, nos Estados Unidos, por

aprovar o ensino da teoria da evolução das espécies junto à teoria criacionista. Os autores

discutem que, sem perceber, a teoria do Monstro do Espaguete Voador tem o mérito de

mostrar quão negativo seria a pluralidade de narrativas no ensino de Ciências.

Percebemos a fragilidade da crítica de Fonte e Loureiro (2011) quando os autores

questionam toda uma perspectiva teórica – o multiculturalismo crítico – como se ela se

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reduzisse à inserção da pluralidade de narrativas no currículo, desconsiderando inclusive a

polissemia do termo, que leva a diferentes interpretações por vários/as autores/as. Ademais,

para concretizarmos uma educação comprometida com a diversidade, que desestabilize a

lógica monocultural predominante nas escolas, consideramos necessária a problematização de

saberes historicamente invisibilizados, a fim de promover uma educação crítica.

Sobre a preocupação de Fonte e Loureiro (2011), no que se refere à integração de

diversos saberes no ensino de Ciências, destacamos as seguintes reflexões consideradas no

texto de Crepalde et al. (2019), as quais compartilhamos:

i) Há algum conhecimento que não mereça ser reconhecido e, inclusive, ser

objeto de desconstrução nas aulas de ciências? Sim, todos aqueles que firam

a dignidade humana e sejam instrumento da perpetuação de desigualdades.

ii) Há conhecimentos que devem ser reconhecidos e não integrados? Sim, a

própria abordagem dos perfis conceituais já aponta o reconhecimento e

destaca o ensino dos conceitos científicos como meta da ciência escolar.

Evidentemente a decisão de não integração de determinados conhecimentos

é política, pedagógica e curricular e insere-se em um terreno de disputas. iii)

Quais conhecimentos devem ser reconhecidos e integrados? É difícil afirmar

categoricamente, pois também nesse caso trata-se de uma decisão. Mas, do

nosso ponto de vista, aqueles conhecimentos relacionados às práticas sociais

desenvolvidas pelos educandos e/ou suas comunidades que favoreçam

mutuamente o desenvolvimento de conceitos científicos (CREPALDE et al.,

2019, p. 280-281).

Entendemos, por meio das leituras dos referenciais citados neste capítulo, que a

perspectiva do multiculturalismo crítico suscita uma abordagem no ensino que extrapola a

mera transmissão de conhecimentos ocidentais, propondo levar para as salas de aula

discussões sociais e políticas comprometidas com a diversidade cultural. Nesse sentido,

defendemos um multiculturalismo que apoia o diálogo intercultural e a demarcação de

saberes, mas também que seja crítico, extrapolando a perspectiva do respeito e valorização

cultural para problematizar as relações de poder entre as culturas na sociedade eurocêntrica,

racista, sexista e homofóbica, mostrando seus efeitos devastadores nos grupos minoritários.

No nosso entendimento, Ana Canen e Peter McLaren defendem um multiculturalismo

prático, de atitude, com discussão de diferentes culturas e conhecimentos historicamente

invisibilizados pelo epistemicídio ao passo que sustentam objetivos da educação científica

tradicionalmente conhecidos. Quando Canen, Oliveira e Franco (2000), Moreira (2001) e

McLaren (1997) chamam a atenção para a urgência de uma ressignificação da escola e do

currículo como um espaço de representação minoritária, entendemos a defesa pelo resgate de

conhecimentos culturais subsumidos no campo do epistemicídio, além do debate de temas

sociais e políticos no ensino de Ciências, transcendendo um ensino meramente transmissivo.

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Esta forma de incluir os sujeitos sociais de culturas minoritárias nos currículos pode

acontecer, por exemplo, por meio da abordagem de temas transversais, espaços abertos e

contínuos de debate crítico, contribuindo para a formação cidadã dos/as estudantes para além

da formação científica ocidental.

Essa reflexão sobre a relevância de promover debates no ensino de Ciências que

problematizem a homogeneização cultural e a cultura dominante também é evidenciada em

Canen (2001), quando a autora sugere a urgência em viabilizar essas práticas como “parte

integrante dos ‘conteúdos escolares’, e não como atividades interpretadas como

‘extracurriculares’” (p. 223). Entendemos que a defesa pela integração dessas discussões em

‘conteúdos escolares’ reflete a preocupação de inserir temas transversais em nível de

igualdade com os assuntos da disciplina, e não como apêndice do currículo de Ciências. Em

Canen e Oliveira (2002), as autoras apresentam um exemplo dessa abordagem, no qual as

questões étnico-raciais são discutidas no contexto do conteúdo de tecido epitelial. Isso reforça

nossa ideia de que o multiculturalismo crítico defendido pelas autoras não tem cunho

relativista, pois pretende manter os objetivos da educação científica tradicionalmente

conhecidos, à medida que perpassam em todo o currículo os debates epistemológicos, sociais

e políticos comprometidos com a diversidade cultural, mobilizando também as ciências

“Outras”.

Da mesma forma, quando Canen (1999) discute a importância do multiculturalismo

crítico na luta pela representação das vozes oprimidas e superação de estereótipos,

preconceitos e hierarquização cultural em currículos e práticas pedagógicas, argumentamos

que esses objetivos podem ser alcançados através do diálogo intercultural e da demarcação

dos saberes, além de debates acerca da construção histórica das diferenças, bem como das

relações conflituosas que se formaram nesse percurso. Trata-se, por exemplo, de discutir as

contribuições da tecnologia e das ciências dos povos africanos, de visibilizar pesquisas

desenvolvidas por mulheres, entre outros.

McLaren (2000) discute, ainda, a possibilidade de construção de uma linguagem

híbrida no ensino de Ciências. Essa colocação do autor implica, ao nosso ver, numa

reinterpretação das culturas, que devem ser percebidas como construções históricas dinâmicas

e não essencializadas. Além disso, a linguagem híbrida apresentada por McLaren (2000)

procura superar as metáforas preconceituosas, reconhecendo a pluralidade e a provisoriedade

dos discursos das diferentes culturas.

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Voltando às classificações do multiculturalismo, destacamos três perspectivas

discutidas por Vera Maria Candau (2008; 2011). Trata-se do multiculturalismo

assimilacionista; diferencialista ou monoculturalismo plural; e interativo, também

denominado interculturalidade. O multiculturalismo assimilacionista, tal como a denominação

sugere, defende a assimilação dos valores e conhecimentos da cultura hegemônica pelos

grupos subalternizados, promovendo a universalização do sistema escolar ao passo que

desconsidera toda a variedade cultural da sua dinâmica. O multiculturalismo diferencialista ou

monoculturalismo plural, por outro lado, propõe enfatizar as diferenças e conservar as

matrizes culturais de base dos grupos socioculturais, o que pode gerar uma interpretação

essencialista da formação das identidades culturais.

Por fim, a perspectiva intercultural ou interculturalidade busca a inter-relação entre

diferentes sujeitos e grupos socioculturais de uma determinada sociedade e pretende romper

com uma visão essencialista das identidades culturais. Uma característica central dessa

perspectiva é a problematização das relações de poder que permeiam os diferentes grupos

culturais, relações estas construídas na história e marcadas pelo preconceito e discriminação

de determinados grupos socioculturais.

Candau e Anhorn (2000) afirmam que os termos multiculturalismo e interculturalidade

são muitas vezes utilizados como sinônimos, sendo que a primeira expressão tem sido mais

utilizada pela bibliografia de língua inglesa e a segunda pela produção europeia. Outros/as

autores/as (GONÇALVES; SILVA, 1998; HERNÁNDEZ; MIRÓN, 2004) apresentam

diferenças entre os termos. Para estes, o multiculturalismo se limita a constatar a presença em

sala de aula e na sociedade de pessoas de diferentes origens culturais, enquanto que o conceito

de interculturalidade permite a caracterização de mudanças necessárias no âmbito

educacional, em resposta às exigências de um contexto multicultural. Nessa perspectiva,

Moreira (2001) concorda que o termo multiculturalismo induziria a constatação de uma

sociedade formada por diferentes culturas estáticas, já a expressão interculturalidade sugeriria

uma inter-relação dinâmica entre as culturas.

Compartilhando desse raciocínio, destacamos Reinaldo Fleuri (2001), que apresenta

ainda uma terminologia adicional, diferenciando as expressões multicultural/pluricultural,

transcultural e intercultural. Para o autor, os termos multicultural e pluricultural implicam que

as diferentes culturas podem coexistir sem necessariamente interagir; de modo semelhante, o

termo transcultural faz referência à identificação de elementos culturais comuns a diferentes

culturas, também sem que haja interação; enquanto que o termo intercultural indica uma

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situação em que sujeitos de identidades culturais diferentes interagem nos contextos

subjetivos, sociais e culturais.

No cerne das discussões entre os termos multiculturalismo e interculturalidade,

Candau (2012) distingue a interculturalidade funcional e a crítica. A interculturalidade

funcional é orientada a diminuir as áreas de conflito entre as diferentes culturas, tratando-se

de uma estratégia para assimilar os grupos socioculturais subalternizados à cultura

hegemônica. Já a interculturalidade crítica questiona a visão essencializada de cultura, bem

como as diferenças e desigualdades construídas ao longo da história, além de questionar as

relações de poder entre as culturas e reconhecer os conflitos, procurando as estratégias mais

adequadas para enfrentá-los. Em trabalhos anteriores (CANDAU; ANHORN, 2000;

CANDAU, 2006; 2008; 2011; CANDAU; RUSSO, 2010), a autora usa apenas o termo

“interculturalidade”, afirmando inclusive que essa expressão se assemelha à noção de

multiculturalismo crítico de outros/as autores/as, como Canen (2001) e McLaren (1997).

A perspectiva intercultural defendida por Candau (2006; 2008) visa promover uma

educação para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais e busca a construção de

uma sociedade democrática, plural e humana, ao passo que articula políticas de igualdade e de

identidade. Nesse sentido, a interculturalidade é então concebida como uma estratégia ética,

política e epistêmica, na qual questiona-se a colonialidade presente na sociedade e na

educação, problematiza-se o mito da democracia racial7, promove-se o reconhecimento de

diversos saberes, estimula-se a construção de identidades culturais e o empoderamento de

pessoas e grupos subalternizados (CANDAU; RUSSO, 2010).

Assim, a educação intercultural se refere ao processo construído pela relação tensa

entre diferentes sujeitos que se conectam com os diversos contextos culturais em relação aos

quais eles desenvolvem suas respectivas identidades (FLEURI, 2003; COPPETE;

ZWIEREWICZ, 2007). Educar nessa perspectiva implica, portanto, na promoção do diálogo e

7 O termo diz respeito à crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial vistos em

outros países. Tal ideia foi amplamente difundida por meio da publicação do livro de Gilberto Freyre

em 1933 “Casa grande & Senzala”, no qual o autor argumentou que a miscigenação continuada entre

as três raças (ameríndios, afrodescendentes e brancos) levaria a uma “meta-raça”, ideia que se tornou

fonte de orgulho para o país. Esse pensamento foi amplamente aceito, até que em 1976, Thomas

Skidmore publicou em seu livro “Preto no branco” um estudo crítico argumentando que a elite

brasileira promoveu a suposta democracia racial para disfarçar formas de opressão. Perceber o quão

institucional e estruturante é o racismo da nossa sociedade corresponde a um primeiro passo

necessário.

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na troca entre diferentes grupos, cuja identidade cultural está em permanente construção

(CANDAU; KOFF, 2006).

Em suma, a concepção de multiculturalismo e interculturalidade adotada é mais

importante que o qualificativo empregado. De todo modo, entendendo a cultura como uma

construção dinâmica, tanto individual quanto coletivamente, questionando as relações de

poder construídas na história entre diferentes grupos culturais e buscando um compromisso

político com os grupos subalternizados, nos apropriaremos do termo multiculturalismo, que é

aprofundado também no campo epistemológico, mais especificamente o multiculturalismo

crítico. No tópico seguinte, apresentamos suas contribuições para o ensino de Ciências.

1.3.1 Contribuições do multiculturalismo crítico para o ensino de Ciências

Em sociedades multiculturais, marcadas por desigualdades, mensagens eurocêntricas,

racistas e discriminatórias, a produção de pesquisas que questionem discursos

homogeneizadores e busquem formas alternativas de valorização da pluralidade cultural

torna-se essencial para a reflexão educacional e curricular no início do novo milênio

(CANEN; ARBACHE; FRANCO, 2001). No âmbito escolar, ressaltamos que o/a professor/a

não precisa aguardar se deparar com situações de conflitos culturais nas suas salas de aula

para desafiar preconceitos, compreender suas origens históricas e promover um horizonte

emancipatório e transformador. Assim, defendemos uma abordagem comprometida com a

diversidade cultural que perpasse por todo o conteúdo de Ciências em condições usuais de

sala de aula, e não apenas em alguns momentos pontuais.

Na perspectiva de atravessar os conteúdos de Ciências com discussões políticas,

multiculturalistas críticos defendem a promoção de debates sociais, econômicos e

epistemológicos no contexto do ensino de Ciências. Neste espaço, vamos mapear algumas

particularidades apontadas por vários/as autores/as (BANKS, 1999; CANEN; OLIVEIRA,

2002; MOREIRA; CANDAU, 2003; CANDAU; KOFF, 2006; CANDAU, 2008; CANDAU;

LEITE, 2007; CANEN, 2014) como essenciais para caracterizar uma aula na perspectiva do

multiculturalismo crítico.

Banks (1999) enumera oito características principais que devem ser enfatizadas em

práticas educativas orientadas na perspectiva multicultural crítica, a saber: (i) os/as

atores/atrizes educacionais deverão ter expectativas positivas em relação ao desempenho

acadêmico de todos/as os/as alunos/as, acreditando que todos/as podem aprender; (ii) deverão

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ser utilizadas técnicas de ensino cooperativas e não competitivas; (iii) a linguagem própria da

cultura dos/as alunos/as deverá ser valorizada; (iv) os/as orientadores/as multiculturais devem

aconselhar os/as estudantes a ultrapassarem seus limites; (v) o currículo deve incluir a

experiência e perspectivas de diversos grupos étnicos, culturais e de gênero; (vi) as técnicas

de avaliação devem ser usadas de forma a considerar os/as estudantes de diferentes grupos

sociais, étnicos e culturais; (vii) os materiais didáticos devem incluir a diversidade de

contribuições das diferentes culturas; e (viii) o ambiente escolar deve ser favorável a todos os

grupos sociais, étnicos e culturais.

Argumentamos que, para uma educação livre de preconceitos e discriminações, é

preciso que os/as educadores/as possam valorizar as culturas dos/as estudantes, acreditar que

todos/as são verdadeiramente capazes de aprender, ainda que com suas peculiaridades, entre

outras questões discutidas acima. Também concordamos com as práticas cooperativas

recomendadas por Banks (1999) e em incentivar os/as estudantes a ultrapassarem seus limites.

Outra questão interessante levantada pelo autor é a inserção no currículo e nos materiais

didáticos de experiências de diferentes grupos culturais, que devem ser respeitados e

valorizados por seus próprios méritos, o que deverá contribuir para o sentimento de

pertencimento e orgulho de estudantes, que passam a se ver representados/as no âmbito

escolar. Para além dessas questões, a mobilização das ciências dos povos indígenas e

africanos deve suscitar o reconhecimento e a valorização desses povos também no campo

epistêmico.

Ainda segundo Banks (1999), para uma aula ser multicultural, deve apresentar cinco

principais dimensões, que ele define como integração de conteúdo (caracteriza-se quando o/a

professor/a utiliza exemplos e conhecimentos de culturas variadas no contexto de sua

disciplina); pedagogia da equidade (quando o/a professor/a modifica sua forma de ensinar a

fim de atender as peculiaridades de estudantes de diversos grupos sociais e culturais); cultura

escolar e social que reforcem o empoderamento de diferentes grupos (refere-se a um processo

de reestruturação da cultura e organização escolar, para promover a equidade educacional e o

empoderamento de grupos subalternizados); redução do preconceito (focaliza atitudes dos/as

estudantes em relação à raça e a desconstrução de preconceitos) e processo de construção do

conhecimento (quando os/as professores/as problematizam as influências implícitas na

construção do conhecimento).

Mais uma vez aqui podemos ver a preocupação de Banks (1999) em suscitar o diálogo

com conhecimentos de culturas variadas. Também destacamos a importância de problematizar

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temas sociais no contexto do ensino de Ciências, tal como o preconceito racial, e de

problematizar as influências políticas, culturais, de gênero, entre outras, que permeiam a

construção do conhecimento, promovendo discussões sobre a natureza humana dos/as

pesquisadores/as e das suas produções.

Canen e Oliveira (2002) apresentam três categorias centrais nas práticas pedagógicas

multiculturais, que correspondem à crítica cultural, à hibridização discursiva e à ancoragem

social dos discursos. A crítica cultural estimula o questionamento da posição subalternizada

de grupos minoritários, fazendo-os analisar suas identidades étnicas, além de valorizar os

conhecimentos provenientes das diferentes culturas e reivindicar princípios de liberdade,

prática social e democracia ativista. Sobre a hibridização discursiva, as autoras exemplificam

como sendo uma possibilidade de combinar diferentes discursos, como os da Biologia com os

da música, tratando-se, pois, de superar os congelamentos identitários e as metáforas

preconceituosas. A ancoragem social dos discursos leva a conexões entre discursos

históricos, políticos, sociológicos, culturais e outros, como exemplo, as autoras comentam a

articulação do discurso biológico referente à pele com outro de cunho social, multicultural,

referente ao desafio a preconceitos raciais.

As categorias supracitadas apresentam caminhos frutíferos para concretizar um ensino

na perspectiva multicultural crítica. Mais uma vez vemos o destaque para o diálogo e

valorização das culturas, agora com uma ênfase na luta por uma democracia ativista, por um

ensino que, para além de transmitir conceitos, aborde conexões com temas de cunho político e

social, por exemplo, por meio da ancoragem social dos discursos, e assim possa contribuir

com a formação para a cidadania. Podemos destacar a hibridização discursiva para uma

análise mais aprofundada, questionando que esta categoria pode remeter à posição

epistemológica relativista, que defende a ampliação do conceito de ciência hegemônica.

Todavia, abordaremos essa categoria como uma hibridização entre diferentes formas de

expressar a cultura, como no exemplo das autoras, a combinação dos discursos da Biologia

com os da música.

Em direção à proposta de transpor o multiculturalismo crítico para o âmbito escolar

por meio da crítica cultural, Canen e Oliveira (2002) discutem quatro dimensões, que se

referem à construção, cujas práticas estimulam a participação ativa dos/as estudantes; voz e

escolha, na busca por incentivar a tomada de decisão socialmente responsável; crítica,

abrangendo espaços de discussão de valores culturais conflitantes e desnaturalização das

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posições subalternas de determinados grupos; e o ativismo social, que corresponde ao

desenvolvimento de ações para a mudança do status quo em busca da igualdade de direitos.

Na mesma perspectiva, Moreira e Candau (2003) destacam alguns aspectos

importantes relacionados à formação docente comprometida com a diversidade cultural, e a

relevância de trabalhar em direção ao reconhecimento da diferença e da construção da

igualdade. Para tanto, os/as autores/as destacam (i) a importância dos/as professores/as

considerarem os desafios que uma sociedade globalizada, excludente e multicultural propõe

hoje para a educação; (ii) a relevância de favorecer uma reflexão de cada educador/a sobre a

sua própria identidade cultural, como a descreve e como tem sido construída; (iii) o

aprofundamento da temática da formação cultural brasileira e a dismistificação da ideia da

democracia racial; e (iv) a interação com diferentes grupos culturais e étnicos.

O destaque dado à formação de professores/as por Moreira e Candau (2003) implica

numa formação crítica, na qual os/as professores/as possam entender a teia na qual encontra-

se o tema da diversidade cultural, o reconhecimento das diferenças para construir igualdades

de direitos, os impactos da sociedade globalizada na exclusão social, a importância de

entender historicamente por que as desigualdades se tornaram tão gritantes e, assim,

desnaturalizar a posição subalterna de grupos minoritários do ponto de vista do poder, embora

majoritários do ponto de vista numérico. Essas discussões precisam ocupar espaço nas salas

de aulas de Ciências e, para isso, o/a professor/a precisa ter formação correspondente.

Candau e Koff (2006) e Candau (2008) estabelecem quatro linhas de ação

consideradas fundamentais para a promoção de uma educação que as autoras chamam de

multi/intercultural ou intercultural na perspectiva crítica e emancipatória, as quais

correspondem aos pressupostos do multiculturalismo crítico sobre o qual estamos tratando. As

linhas de ação representam um caminho para promover o respeito e a concretização dos

direitos humanos. As autoras organizam em quatro palavras-chave, que correspondem a

desconstruir, articular, resgatar e promover. Desconstruir refere-se ao questionamento da

naturalização de preconceitos e discriminação, buscando interrogar o caráter monocultural e o

etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas

educativas e caracterizam os currículos escolares. Essa linha de ação também compreende o

questionamento aos critérios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares,

desestabilizando os conhecimentos que se configuram como sendo verdades imutáveis.

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Articular corresponde à tensão entre igualdade e diferença, tanto em nível das políticas

educativas quanto das práticas pedagógicas, esta última promovida por meio do diálogo, no

qual são valorizadas as diferentes culturas. Resgatar compreende o retorno aos processos de

construção das identidades culturais, tanto individual quanto coletivamente, considerando as

histórias de vida dos/as estudantes e a construção de diferentes comunidades socioculturais.

Promover envolve o estímulo ao diálogo entre os diferentes saberes, conhecimentos e práticas

de grupos culturais, a reconstrução da dinâmica educacional, para atingir todos os níveis da

prática pedagógica e o favorecimento aos processos de empoderamento, principalmente

orientados aos/às atores/atrizes sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade.

As linhas de ação supracitadas se complementam e somadas na direção apresentada –

desconstruir, articular, resgatar e promover – convergem para o empoderamento. Nesse

sentido, precisamos todos/as descolonizar nossas mentes, nossos saberes, nossas culturas,

imersas no paradigma hegemônico, ainda sob forte influência de nossos colonizadores

europeus. As autoras nos convidam a questionar o caráter monocultural da escola, a promover

debates sobre os processos de construção das identidades culturais, a agir para a mudança

rumo à igualdade de direitos, percurso que pode ser subsidiado pelo multiculturalismo crítico.

Candau e Leite (2007) destacam algumas características necessárias para uma prática

que pretende considerar a perspectiva intercultural, tais como: (i) considerar a abordagem

histórica de todos os textos, contextos e sujeitos tratados em sala; (ii) destacar as discussões

relativas à diferença; (iii) questionar o eurocentrismo e as perspectivas essencialistas; (iv)

promover o diálogo e a troca de saberes; (v) problematizar a discussão sobre a linguagem,

para além da sua suposta função de representação da realidade; e (vi) intensificar a

perspectiva do empoderamento.

Mais uma vez as autoras reforçam a importância do diálogo, de fortalecer o

empoderamento, sobretudo, de grupos subalternizados, de questionar o eurocentrismo e

discutir as diferenças. Nesse ínterim, destacamos a necessidade de problematizar as relações

de poder construídas no cerne das diferenças, para além do respeito à diversidade.

Compreender como se construíram os grupos de poder também representa um caminho para

desnaturalizar determinados discursos culturais de superioridade. A abordagem multicultural

crítica se propõe a seguir nessa direção.

Por fim, Canen (2014) apresenta algumas orientações importantes para uma

abordagem multicultural pós-colonial. A autora destaca a importância de articular os

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conteúdos curriculares com perspectivas multiculturais antirracistas e antixenofóbicas, tanto

na escola como na formação de professores/as; a problematização de conteúdos e verdades

consideradas universais; o questionamento da essencialização da cultura, bem como a

discussão do caráter provisório dos conhecimentos; o uso de estudos de caso de identidades

coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais

subalternizados; e a luta por um projeto de justiça social.

Em suma, ressaltamos que a perspectiva multicultural crítica não pode ser reduzida a

situações e/ou atividades pontuais. Como toda ação educacional, trata-se de uma abordagem

ideológica e política que deve transversalizar todo o currículo. Estimamos que a atenção por

uma abordagem pedagógica dessa natureza possa preparar futuras gerações tanto para a

rejeição de práticas eurocêntricas e de intolerância para com o outro, como para uma

participação efetiva no processo de construção de democracias plurais.

1.4 DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO: CONSTRUINDO UMA NOVA POSIÇÃO

EPISTEMOLÓGICA

A constatação de que vivemos em um contexto de diversidade cultural e que este

caracteriza as escolas tem gerado repercussões nas pesquisas em educação, tanto em nível

nacional quanto internacional. Neste ínterim, destacamos neste trabalho, duas perspectivas

teóricas: o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, ambas comprometidas

com a valorização da pluralidade de culturas, mas a partir de diferentes perspectivas, que se

complementam e trazem grande contribuição para os campos teórico e prático do ensino de

Ciências.

O pluralismo epistemológico defendido por Cobern e Loving (2000) se fundamenta na

importância de valorizar os diferentes conhecimentos, em seus próprios domínios, por meio

da demarcação de saberes. Já o multiculturalismo crítico (MCLAREN, 1997), vem questionar

a lógica branca, masculina e heterossexual, discutindo as relações de poder que se formam em

torno das diferenças culturais. Nesse caso, os conteúdos de Ciências concorreriam para

desestabilizar os padrões hegemônicos socioculturais e, assim, desnaturalizar os critérios

usados para justificar a superioridade de certos indivíduos e grupos em relação a outros.

Tendo em vista a importância das discussões a respeito das diferentes formas de

conhecimento, bem como das relações de poder construídas na história, que subalternizam

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indivíduos e grupos culturais, percebemos as relações de complementaridade entre as

perspectivas teóricas supracitadas para a promoção de uma educação cidadã comprometida

com a pluralidade cultural. Assim, grosso modo, podemos afirmar que o pluralismo

epistemológico discute as diferentes formas de conhecer, enquanto o multiculturalismo crítico

problematiza as diferentes formas de ser, sendo que ambas as discussões convergem para o

compromisso com o respeito a diversidade cultural.

Vale ressaltar que, enquanto o pluralismo epistemológico apresenta influência do

interacionismo simbólico, o multiculturalismo crítico nasce no cerne das discussões da teoria

crítica. Na perspectiva interacionista, a busca pelo conhecimento do mundo é orientada

através da interação entre sujeito e objeto (CROTTY, 1998), assim, o conhecimento é

construído através de relações dinâmicas entre sujeitos em contextos socioculturais

específicos onde vivem e atribuem significados (BAPTISTA, 2017). Destarte, as relações

entre as diferentes culturas e a promoção do diálogo entre elas se configura como um caminho

viável para significar as diferentes visões de mundo, fortalecendo o respeito às formas de

conhecimento das diversas culturas.

Do ponto de vista da teoria crítica (Escola de FrankFurt), compreendemos a produção

do conhecimento como uma maneira de atuar, intervir e transformar a dinâmica social

(CROTTY, 1998), assim buscamos no contexto do ensino de Ciências problematizar

situações de conflitos culturais, direcionando a uma postura ativista. As ideias que subjazem a

teoria crítica devem contribuir para que façamos uma reflexão histórica das relações de poder

que se formam a partir das diferenças de gênero, raça e classe, estabelecidas por séculos, e

repensemos nosso papel, enquanto cidadão/ã, na busca pela igualdade de direitos.

Vale ressaltar que as relações de poder construídas historicamente em meio às

diferentes culturas, que culminam em preconceito e discriminações de grupos culturais

minoritários, não representam o foco de estudo do pluralismo epistemológico, o que não

significa que os/as idealizadores/as dessa perspectiva teórica desconsiderem tais relações,

apenas esse foco político não condiz com o campo teórico de discussão correspondente. De

modo semelhante, a abordagem pautada na valorização dos conhecimentos dos/as estudantes

não é ressaltada nos pressupostos do multiculturalismo crítico.

Tendo em vista as diferentes ênfases dessas perspectivas teóricas é fácil entender por

que o pluralismo epistemológico não argumenta em defesa da mudança nas visões de mundo

dos/as estudantes, enquanto o multiculturalismo crítico tem a mudança de atitude como

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expectativa do ensino de Ciências. Isso porque, quando se trata de diferentes formas de

conhecer, é louvável que o/a professor/a vise a ampliação dos saberes, sem que o/a estudante

precise optar por um conhecimento supostamente válido em todos os contextos. Mas, quando

se trata de preconceitos e discriminações, espera-se que o repertório ampliado de

conhecimentos gerado no contato com diferentes formas de conhecer, inclusive com a ciência

ocidental, aliado à abordagem crítica leve a mudança de atitude e ao empoderamento dos

grupos subalternizados, que, ao perceberem as construções históricas que os levaram à

condição de subalternos, possam desconstruir essa posição.

Nesse sentido, diante da pluralidade de culturas e relações que se estabelecem no

âmbito social e recaem no espaço escolar, é justo afirmar que nas situações de sala de aula

haverá momentos em que caberá ao/a professor/a promover o respeito frente às visões de

mundo e conhecimentos dos/as estudantes, assim como haverá momentos de desrespeito e

discriminação que o/a professor/a precisará desconstruir. Assim, uma prática docente

comprometida com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico caminha para

promover um ensino de Ciências que toma a diversidade cultural como um instrumento de

transformação social, ao mesmo tempo em que valoriza o entendimento dos conhecimentos

culturais, evidenciando como esses estão presentes na nossa sociedade e como se inter-

relacionam.

Para além dessa relação de complementaridade entre o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico, um ponto de debate que merece atenção entre essas perspectivas

teóricas está na possibilidade de ampliação do conceito de ciência, teoricamente defendido

por um multiculturalismo relativista. Sobre isso, argumentamos que a ampliação do conceito

de ciência implicaria na existência de uma epistemologia mestre, que fosse capaz de envolver

todas as epistemologias, o que consideramos inviável, sobretudo, porque os saberes são

localizados, ou seja, nem mesmo a ciência ocidental moderna, com todo seu poder, pode ser

apresentada como uma epistemologia dominante. Conforme discutido no tópico anterior,

argumentamos pela pluralização do termo, a fim de tratar de forma horizontalizada as ciências

dos povos africanos, as ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos orientais...

A ampliação do conceito de ciência poderia promover um reconhecimento superior ao

que tem o título de ciência, tal como questionam El-Hani e Bandeira (2008, p. 753):

(...) tentando ampliar o conceito da ciência de modo a incluir sob a sua égide

outras formas de saber, não podemos, de fato, reforçar o “local respeitado”

que a ciência ocupa para muitas pessoas, como se estivéssemos assinando o

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julgamento de “outras ideias e pesquisas pelas mesmas normas e valores”

utilizados pela comunidade científica8?

Segundo esses autores, a ampliação do conceito de ciência pode levar à situação de

exigir que conhecimentos tradicionais sejam submetidos às demandas epistêmicas

características da comunidade científica ocidental, o que muito provavelmente culminaria na

desvalorização daqueles conhecimentos, que apresentam critérios epistêmicos diferentes do

postulado pela academia, por exemplo. Todavia, nossa proposta da pluralidade de ciências

não implica, simplesmente, em abarcar os saberes “Outros” sob o rótulo de ciência, mas em

reconhecer um estatuto próprio, ao passo que diversificamos o entendimento do conceito de

ciência.

Assim, argumentamos que todas as ciências, produzidas para além do campo da

cultura ocidental ou não, devem ser valorizadas em seus próprios domínios, por seus próprios

méritos. Trata-se de assumir a existência de múltiplas formas de obtenção de conhecimento,

que são válidas e igualmente nomeadas. Todavia, essa igualdade na valorização dos

conhecimentos só vai existir quando questionarmos o poder simbólico do conceito

hegemônico de ciência. Para tanto, reforçamos a problematização do termo “ciência” e sua

pluralização, a fim de demarcar culturalmente os espaços de produção das diferentes formas

de conhecimento. Justificamos esse movimento por três razões principais:

Primeiro, a hierarquização entre os saberes, no nosso ponto de vista, é fortalecida com

a perspectiva original do pluralismo epistemológico, que propõe reservar o termo ciência para

o constructo cultural do ocidente e demarcar às produções das demais culturas como

diferentes formas de conhecimento. Essa hierarquização precisa ser desconstruída, pois

legitima relações de poder, marginalizando os saberes excluídos do “círculo da ciência”, que

inclusive são simbolicamente impedidos de compor o âmbito acadêmico, por exemplo.

Segundo, porque, considerando os dois primeiros critérios de Cobern e Loving (2000)

quanto ao conceito de ciência - tratar de fenômenos naturais, de forma que o objeto de estudo

da ciência deve ser, idealmente, testável de maneira objetiva e empírica, e, compor um

sistema explicativo, e não apenas uma descrição ad hoc dos fenômenos naturais, as produções

dos povos africanos, por exemplo, são ciência. E sobre a terceira característica que os/as

autores/as atribuem ao conceito de ciência - ter apoio da comunidade científica,

8 Texto original: (…) trying to broaden the concept of science so as to include under its umbrella other

ways of knowing, couldn’t we in fact reinforce the ‘‘revered place’’ that science occupies for many

people, as we would be in the end subscribing to the judgment of ‘‘other ideas and research by the

same standards and values’’ used by the scientific community?

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argumentamos que são as comunidades epistêmicas indígenas, africanas, ocidental etc. que

devem validar os conhecimentos que as compõem. Dito isso, se a ciência ocidental se acha no

direito de fazer essa validação, é em decorrência de relações de poder, que devem ser

desconstruídas. Não devemos esperar que a ciência ocidental moderna reconheça igualmente

a validade dos conhecimentos indígenas ou afrodescendentes, por exemplo, pois ela não quer

perder seu poder. Além disso, é inviável pensar a existência de uma comunidade epistêmica

única. Assim, considerando que um grupo indígena, por exemplo, é uma comunidade

epistêmica, é ela que deve validar o conhecimento dela própria.

Terceiro, comunidades de povos indígenas, por exemplo, costumam usar o termo

ciência para se referir às suas produções epistêmicas. Do ponto de vista das relações de poder

é fundamental considerar as práticas de grupos subalternizados historicamente, contemplando

a visibilidade das diferentes produções científicas e desconstruindo relações de poder, tal

como apreendemos do multiculturalismo crítico.

Segundo Southerland (2000), a discussão sobre natureza da ciência, apresentando o

esforço humano para entender o mundo físico e como esse esforço foi influenciado pela

cultura em que foi desenvolvido, representa um caminho viável para desconstruir a

superioridade da cultura ocidental. Mas, para isso, a autora destaca a necessidade de

reformular os currículos atuais para não limitar essa abordagem a um complemento do

currículo atual. Em resumo, ressaltamos nossas opções para este estudo pelas posições

epistemológicas do pluralismo epistemológico de Cobern e Loving (2000), no que se refere à

demarcação de saberes, problematizando uma demarcação para todas as produções culturais e

não somente para as culturas consideradas “Outras”. No que se refere ao multiculturalismo

crítico de McLaren (1997), nos apropriamos da problematização dos discursos eurocêntricos,

homofóbicos, racistas, machistas e xenófobos rumo a uma formação cidadã. A articulação

entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico é esquematizada na figura 3.

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Figura 3. Esquema apresentando as inter-relações entre o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico.

Fonte: As autoras, com base no referencial teórico.

Nesse sentido, reiteramos a articulação possível entre essas duas perspectivas teóricas

que são claramente comprometidas com a diversidade cultural e, assim, podem ser acionadas

em diferentes situações de sala de aula a fim de contribuir para uma formação sensível e

crítica na educação em Ciências9.

Nesta pesquisa, nós nos orientamos nessa articulação entre o pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico para propor, desenvolver e analisar uma prática

comprometida com a diversidade cultural no contexto do ensino de Genética. Para tanto,

buscamos conhecer como o ensino dessa área da Biologia está sendo abordado na literatura,

por meio de uma revisão sistemática que será apresentada no capítulo seguinte.

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9 Este ensaio teórico subsidiou a construção de um formulário metodológico, com a função de servir de

instrumento para analisar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico. Este foi validado por um grupo de 11 pesquisadores/as,

que avaliaram se as características apresentadas em cada bloco estavam adequadas para o tópico

correspondente e se as categorias estavam claras e objetivas, facilitando a utilização deste formulário

para analisar propostas e práticas de aula. O formulário final, após o processo de validação está

apresentado no capítulo quatro.

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CAPÍTULO 2

O CONTEÚDO DE GENÉTICA E AS EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS RELATADAS

NA LITERATURA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DOS TRABALHOS DO

ENPEC10

__________________________________________________________________________________

Este capítulo objetiva analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para suscitar

uma prática condizente com o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, por

meio de uma revisão sistemática das experiências didáticas relatadas no Encontro Nacional de

Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).

2.1 INTRODUÇÃO

A educação escolar consiste em desenvolver habilidades e conhecimentos de membros

da sociedade para promover tanto um crescimento individual quanto o desenvolvimento social

(MANTOVANI; DIAS; LIESENBERG, 2006). Nessa perspectiva, consideramos a relevância

de estender o que se aprende na escola para diferentes contextos da vida cotidiana e vice-

versa. Essa demanda educacional exige um trabalho pedagógico voltado para a formação

integral do indivíduo, que passe a considerar para além das capacidades cognitivas, também

as habilidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social.

Assim, os conteúdos de aprendizagem podem ser utilizados como instrumentos para

atingir tais intenções educativas. Coll (1986) organiza os conteúdos em três dimensões: (i)

Conceituais: o que se deve saber? (ii) Procedimentais: o que se deve saber fazer? e (iii)

Atitudinais: como se deve ser? No caso dos conteúdos conceituais, que se referem ao conjunto

de fatos, conceitos e princípios, a aprendizagem ocorre por meio de atividades diversas, que

auxiliam a relação entre os novos conhecimentos com os conhecimentos prévios; os

procedimentais, que incluem os procedimentos, técnicas e métodos, advogam que as ações

10 Este capítulo foi desmembrado em três artigos, que foram apresentados e publicados nos anais dos

seguintes eventos: II Congreso Mundial de Educación, EDUCA 2019 “La dimensión epistemológica

en el contexto de la enseñanza de Genética: Una revisión de las experiencias didácticas publicadas en

el ENIEC”; XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2019 “O diálogo

intercultural no contexto do ensino de Genética: Uma revisão das experiências didáticas publicadas no

ENPEC” e XIX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2018 “O conteúdo de Genética e

as experiências didáticas relatadas na literatura: uma revisão sistemática dos trabalhos do ENPEC”.

Esta versão completa deve ser submetida a revista Investigações em Ensino de Ciências.

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são apreendidas a partir da experiência, do fazer; e, os conteúdos atitudinais, relacionados aos

valores, atitudes e normas, discutem que as atitudes de outras pessoas intervêm como

contraste e modelo para as nossas, e nos persuadem ou nos influenciam (ZABALA, 2010).

O processo de ensino e aprendizagem, que considera essas três dimensões do

conteúdo, representa uma estratégia importante para um envolvimento afetivo e uma

avaliação da própria atuação do/a estudante em sociedade. Consideramos, nesta pesquisa, a

contribuição de duas perspectivas teóricas que, em conjunto, podem subsidiar a prática

docente comprometida com a formação completa do indivíduo, a saber, o pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico. A primeira diz respeito à valorização dos

diferentes conhecimentos, a partir do diálogo entre as culturas e da demarcação de saberes

(COBERN; LOVING, 2000), na qual o/a professor/a busca esclarecer as limitações e

potencialidades de cada conhecimento dentro de seus respectivos contextos. O

multiculturalismo crítico, por sua vez, problematiza as relações de poder que se formam entre

as diferentes culturas e questiona a educação monocultural da nossa sociedade (MCLAREN,

1997).

Argumentamos que discussões nessas perspectivas podem contribuir para promover

debates acerca de questões políticas, culturais, sociais e étnicas no processo de instrução

dos/as estudantes. Assim, para além dos conteúdos conceituais, faz parte do papel da escola,

bem como dos/as atores/as educacionais que a compõem, contribuir para a construção de uma

sociedade mais humana, compassiva e justa, por meio da abordagem de temas transversais.

Para tanto, faz-se necessário um trabalho de pesquisa, a fim de identificar as potencialidades

dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais para a inserção desses temas.

Na área da Biologia, a Genética se destaca por sua incursão em vários fenômenos

sociais, em relação aos quais se faz necessária a participação crítica de todos os cidadãos

(MARÍN, 2013), tais como testes de paternidade feitos para desvendar casos judiciais; a

questão do consumo de alimentos transgênicos; os estudos sobre modificação genética e

melhoramento genético; o tratamento de doenças crônicas, entre outros (MALIMPENSA;

RINK, 2017). Além desses temas, no contexto do ensino de Genética, podemos suscitar

discussões referentes a natureza da ciência, eurocentrismo, racismo científico, eugenia, visões

epistemológicas dos povos africanos e afro-diaspóricos, mito da democracia racial e políticas

de ações afirmativas.

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Como podemos perceber, os conhecimentos do conteúdo de Genética são

interdisciplinares e apresentam relação direta com o contexto sociocultural contemporâneo

(JANN; LEITE, 2010). Além disso, a Genética representa um dos principais ramos da

Biologia, sendo necessária para o entendimento de conceitos mais avançados dessa ciência

(BONZANINI; BASTOS, 2005; GRIFFITHS et al., 2006). Por exemplo, graças ao

conhecimento da Genética, podemos compreender diversos fenômenos ligados à evolução das

espécies, entender a origem e o funcionamento de vários processos fisiológicos e até mesmo

os mecanismos de ação de certas doenças (JUSTINA; RIPPEL, 2003).

Nesse contexto, é importante que as pessoas compreendam os conteúdos e conceitos

denominados científicos (MEZALIRA; ARAÚJO, 2007), da mesma forma que é importante

entender como outras culturas aclaram fenômenos explicados pela Genética, para que, no seu

cotidiano, as comunidades decidam eticamente como lidar com esse conhecimento, podendo

interpretar, compreender e transformar a realidade em que vivem. Entretanto, em paralelo à

importância conferida ao ensino de Genética para a tomada de posição frente a várias

questões políticas, sociais, culturais e étnicas, têm sido enfatizadas por diversos/as autores/as,

inúmeras dificuldades quanto a sua abordagem (JUSTINA; RIPPEL, 2003; RESENDE;

KLAUTAU-GUIMARÃES, 2011; GOLDBACH; EL-HANI, 2008; JOAQUIM; EL-HANI,

2010; INFANTE-MALACHIAS et al., 2010; SCHNEIDER et al., 2011; BELMIRO;

BARROS, 2017).

De acordo com Goldbach e El-Hani (2008), os conteúdos de Genética apresentam um

grau elevado de dificuldade tanto para ensinar quanto para aprender, sobretudo, devido à

complexidade dos fenômenos a que se referem e a discussão sobre sua construção conceitual,

além da organização curricular usualmente sugerida no currículo, na qual o conteúdo de

ácidos nucleicos e divisão celular por exemplo, são abordados comumente no primeiro ano do

ensino médio, enquanto que a Genética é discutida dois anos depois, levando a

descontinuidade do assunto. Uma investigação desenvolvida por Belmiro e Barros (2017),

com estudantes de um curso pré-vestibular no município de Contagem, MG, mostrou que a

maioria dos/as participantes da pesquisa apresentava dificuldades no entendimento de vários

temas a respeito de Genética, possivelmente devido à descontinuidade no processo de ensino

e aprendizagem. Outra pesquisa, desenvolvida por Infante-Malachias et al. (2010), com

estudantes de seis diferentes cursos brasileiros de graduação na área da saúde, com o objetivo

de analisar a compreensão dos mesmos quanto aos conceitos básicos em Genética, revelou

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77

que futuros professores e outros profissionais de saúde compartilham uma compreensão

distorcida da Genética elementar.

Considerando as dificuldades supracitadas referentes ao ensino de Genética, bem

como a importância que argumentamos de um currículo com propostas de ensino orientadas

para promover debates acerca de questões políticas, culturais, sociais e étnicas, torna-se

importante avaliar como pesquisadores/as brasileiros/as da área de ensino de Ciências e

Biologia têm proposto, desenvolvido e analisado experiências didáticas nesse campo. Assim,

este capítulo objetivou analisar formas de abordagem didática de Genética propostas para o

Ensino Médio ou para a formação de professores/as, por meio de uma revisão sistemática das

experiências didáticas relatadas no ENPEC, bem como discutir se as propostas em questão

estão de acordo com os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico.

2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO

A presente pesquisa se apresenta como uma revisão sistemática da literatura, uma vez

que se propõe a identificar, selecionar, organizar e classificar informações relevantes sobre

determinado assunto, através da síntese dos resultados de diversos estudos (RAMOS; FARIA;

FARIA, 2014). Ainda segundo as autoras, a revisão sistemática da literatura propõe uma

reconstrução do percurso conceitual e metodológico na escolha de fontes bibliográficas,

envolvendo uma recolha exaustiva dos textos publicados sobre um tema, com o propósito de

discutir as pesquisas disponíveis acerca de uma questão específica.

A fim de encontrar, avaliar e sintetizar os resultados de pesquisas relevantes na área

em estudo, uma revisão sistemática precisa de objetivos bem delimitados; expressões ou

palavras a combinar; bases de busca previamente selecionadas; critérios de inclusão dos

textos para a amostra; critérios de validade metodológica, que asseguram a objetividade da

pesquisa; além de um tratamento rigoroso dos dados, a fim de filtrar e analisar criticamente os

resultados da pesquisa (RAMOS; FARIA; FARIA, 2014).

As observações supracitadas foram atendidas na presente pesquisa. Para a definição do

corpus de análise, selecionamos os artigos disponíveis em anais de nove edições do Encontro

Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), abrangendo o período de 2001 a

201711, os quais buscamos entre os meses de novembro de 2017 e janeiro de 2018. O critério

11 Os trabalhos das edições do ENPEC estão disponíveis no site do evento:

http://abrapecnet.org.br/wordpress/pt/enpecs-anteriores/.

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de escolha do evento foi a relevância para a área de ensino de Ciências e Biologia e para o

campo da pesquisa nessa área.

Utilizamos, como critério principal de inclusão, artigos que trouxessem relatos de

experiências didáticas em Genética, voltadas tanto para o ensino médio quanto para a

formação de professores/as de Ciências e Biologia. Foram excluídos da amostra os trabalhos

que se limitaram a apresentar uma sequência didática, ainda que referente ao conteúdo de

Genética, sem discutir os resultados alcançados com a aplicação da mesma, bem como

aqueles cuja discussão ficou restrita a avaliar os conhecimentos dos/as participantes,

construídos por meio da atividade sugerida, através da utilização de questionários pré-teste e

pós-teste, sem, contudo, apresentar um relato da experiência didática desenvolvida.

Nos casos em que o sistema permitia a busca por palavra-chave, a pré-seleção dos

trabalhos foi feita utilizando os seguintes descritores: Ensino; Biologia; ensino de Genética;

Genética – um descritor por vez. Nos casos em que o sistema não disponibilizava a opção de

busca por palavra-chave, optamos por ler o título, o resumo e as palavras-chave de todos os

trabalhos, dos quais selecionamos aqueles que tinham potencial de se enquadrar na amostra,

por apresentar o tema da investigação. Nos anais em que os trabalhos apresentados no formato

de banner foram submetidos na forma de resumos, consideramos apenas as publicações dos

trabalhos completos, relativas às apresentações orais.

Dessa forma, selecionamos 52 artigos, que foram lidos na íntegra. Destes, 22 trabalhos

eram de fato relatos de experiências didáticas, compondo nossa amostra. Dos artigos

selecionados para a amostra, analisamos se as abordagens didáticas de Genética eram

condizentes com o pluralismo epistemológico e/ou o multiculturalismo crítico. Para tanto,

consideramos categorias de análise a priori, relacionadas às características dessas

perspectivas teóricas brevemente apresentadas na introdução, bem como avaliamos se as

abordagens didáticas articulavam o conteúdo de Genética com discussões acerca do

eurocentrismo e/ou racismo. Essa organização seguiu os princípios da análise de conteúdo

(BARDIN, 2009).

A análise de conteúdo proposta por Bardin (2009) tem como finalidade principal a

interpretação das comunicações, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição das

mensagens. A autora assinala três fases no trabalho com a organização da análise de

conteúdo: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados: inferência e

interpretação. Na pré-análise, organizamos o material selecionado para a amostra, em

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seguida, foi realizada uma leitura flutuante dos trabalhos, seguida da demarcação do que seria

analisado, por meio de recortes dos artigos e preparação do material.

Na exploração do material, que se refere à segunda fase, definimos as categorias de

análise, realizando o reagrupamento por analogia a partir de critérios definidos previamente a

fim de possibilitar a inferência. Além disso, identificamos as unidades de registro, no nosso

caso, unidades semânticas, pois se referem ao sentido/significado do texto e as unidades de

contexto, ou seja, partes do texto que nos permitiram compreender as unidades de registro, as

quais apresentaremos no curso da análise. O quadro abaixo exibe as categorias e unidades de

registro12 (Quadro 1).

Quadro 1. Apresentação das categorias de análise e as respectivas unidades de registro

semânticas/temáticas.

Categorias Unidades de registro semânticas/temáticas

(i) Abordagem

quanto à dimensão

epistemológica

Problematização quanto a abordagem cientificista

Orientação de que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu

alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado

(ii) Abordagem

quanto ao diálogo

intercultural

Articulação entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos

denominados científicos

Problematização das evidências que os/as cientistas usam como apoio

às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios suficientes que

contribuam para a compreensão das ideias denominadas científicas

(iii) Abordagem

quanto às

implicações e

intenções políticas

Articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,

sociológicos, culturais e outros

Questionamento em relação a naturalização de preconceitos e

discriminação, buscando interrogar o caráter monocultural e o

eurocentrismo na ciência

(iv) Adoção de

estratégias de

ensino

Temas abordados

Preocupações e intenções formativas

Atividades mais frequentes

Na terceira fase, que diz respeito ao tratamento dos resultados: inferência e

interpretação, realizamos o estudo aprofundado dos trabalhos a partir da reflexão crítica e da

intuição das pesquisadoras, tornando os resultados significativos e válidos.

12 Na definição das unidades de registro, optamos por selecionar duas características, as mais

representativas de cada categoria, referente ao formulário metodológico que será apresentado no

capítulo quatro, a fim de viabilizar a análise.

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2.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram selecionados 22 trabalhos em nove edições do Encontro Nacional de Pesquisa

em ensino de Ciências – ENPEC, cuja característica em comum era apresentar um relato de

experiência didática acerca do conteúdo de Genética, seja para a educação básica ou para o

ensino superior. No quadro 2 apresentamos as publicações selecionadas.

Quadro 2. Publicações selecionadas em nove edições do ENPEC, com descrição do código do

trabalho, seguida da edição do evento, título e autoria da pesquisa.

Código Edição Título do trabalho Autores/as

A1 IV

ENPEC

DNA & ambiente: Uso do ensaio cometa como

ferramenta para discussão interdisciplinar de

lesão e reparo do DNA na pós-graduação em

ensino de Ciências

SILVA, J. da; NETO, A. S.

de A.

A2 VI

ENPEC

A Genética como foco de análise quanto às

possíveis relações CTS: Reflexos sobre a

formação de professores no ensino superior

MEZALIRA, S. M.;

ARAÚJO, M. C. P. de.

A3 VI

ENPEC

Diagnóstico inicial das dificuldades de

articulação e sobreposição dos conceitos básicos

da Genética utilizando jogos didáticos

PEREIRA, A. F.; LEÃO, A.

M. dos A. C.; JÓFILI, Z. M.

S.

A4 VII

ENPEC

Os modelos didáticos com conteúdos de Genética

e a sua importância na formação inicial de

professores para o ensino de Ciências e Biologia

SETÚVAL, F. A. R.;

BEJARANO, N. R. R.

A5 VIII

ENPEC

A inovação metodológica no ensino de Biologia

como ferramenta na abordagem de células-tronco

ALMEIDA, F. de L.

A6 VIII

ENPEC

Estudos preliminares sobre a utilização de

recursos multimodais no Ensino de Biologia

Molecular no Ensino Médio

COSTA, F. de J.; SANTOS,

N. da S.; CHAVES, A. C. L.

A7 VIII

ENPEC

Células-tronco no reparo tecidual e sua

representação em jogo didático: Rompendo

paradigmas no ensino de biotecnologia

OLIVEIRA, G. P. de;

CARVALHO, S. N. de;

GÓES, A. C. de S.

A8 VIII

ENPEC

Raça ou espécie? Relações interpessoais em sala

de aula

PEDRANCINI, V. D.;

CORAZZA, M. J.

A9 VIII

ENPEC

A divulgação científica como estratégia de ensino

dos principais conceitos básicos de Genética

RESENDE, T. A.;

KLAUTAU-GUIMARÃES,

M. N.

A10 VIII

ENPEC

A percepção de alunos do ensino médio em

relação à interação gene-organismo-ambiente

SCHNEIDER, E. M.;

JUSTINA, L. A. D.;

MEGLHIORATTI, F. A.

A11 VIII

ENPEC

A utilização de filmes na mediação da

aprendizagem de temas sobre a aplicação do

FRANÇA E SILVA, D. de

S.; FRENEDOZO, R. de C.

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81

conhecimento genético no ensino de Biologia

A12 IX

ENPEC

Aprender sobre herança genética: Mais de um

quadro de Punnett

MARÍN, Y. A. O.

A13 IX

ENPEC

Aplicação e teste de uma sequência didática

sobre sistema sanguíneo ABO no ensino médio

de biologia

PINHEIRO, S. A.; COSTA,

I. A. S. da; SILVA, M. F.

da.

A14 IX

ENPEC

O jogo didático como contexto para a

identificação de lacunas de Genética Sistêmica

SILVA, V. F. da;

CARNEIRO-LEÃO, A. M.

dos A.; JÓFILI, Z. M. S.

A15 IX

ENPEC

Os heredogramas familiares no estudo da

hereditariedade e do contexto histórico e

sociocultural dos estudantes

VESTENA, R. de F.;

SEPEL, L. M. N.;

LORETO, É. L. S.

A16 X

ENPEC

O processo curricular sobre a temática dos

transgênicos no ensino de Biologia: as

concepções dos alunos

COSTA, L. C. da; SICCA,

N. A. L.

A17 X

ENPEC

O ensino de síntese proteica sob uma perspectiva

inovadora

MOUL, R. A. T. de M.;

SILVA, F. C. L. da.

A18 X

ENPEC

PIBID: Atividade de Genética como ferramenta

no ensino de Biologia

MUROLLO, B. D.

A19 X

ENPEC

Elaboração de tirinhas de história em quadrinhos

sobre o conceito de gene por estudantes de ensino

superior

PEDREIRA, M. M.;

OLIVEIRA, S. F. de;

KLAUTAU-GUIMARÃES,

M. de N.

A20 X

ENPEC

Investigação de princípios de design para

sequência didática sobre os mecanismos de

transmissão de características hereditárias

monogênicas autossômicas

RIOS, K. B. O.

A21 XI

ENPEC

Brincando com a dificuldade do ensino da

Genética

FERREIRA, C. P. et al.

A22 XI

ENPEC

Sinalizando possibilidades no ensino de

Genética: Avaliação de uma proposta prática

utilizando a abordagem histórica

NORATO, A. G. F. et al.

Fonte: Dados da pesquisa.

2.3.1 Abordagem quanto à dimensão epistemológica

A epistemologia ou teoria do conhecimento diz respeito ao estudo filosófico acerca da

natureza, fontes e validade do conhecimento. Assim, são questões de interesse da

epistemologia os métodos científicos, a demarcação do conhecimento denominado científico,

mudanças e status desse conhecimento (APOSTOLOU; KOULAIDIS, 2010). Uma

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abordagem epistemológica no ensino de Ciências implica em promover discussões quanto à

construção dos conceitos denominados científicos, ao passo que aproxima à produção de

conhecimentos dos/as estudantes, contribuindo para que ela seja humanizada. Todavia,

Oliveira (2002) destaca que é comum entre os/as professores/as de Ciências uma ideia muito

estereotipada sobre o que seja a ciência, seu funcionamento e o valor dos conhecimentos que

ela produz. Em consequência, essa visão tende a se manifestar no âmbito escolar, ocorrendo o

predomínio da perspectiva lógico-positivista de uma ciência ocidental moderna13, na qual a

pesquisa é marcada pelo método experimental como única forma de produção de

conhecimento, cujo resultado é qualificado como absolutamente verdadeiro, imutável e

universal.

Tendo em vista a importância da abordagem epistemológica para o entendimento do

complexo processo de construção das ciências, bem como uma visão crítica frente à produção

desses conhecimentos, analisamos nesta categoria se os trabalhos aqui apresentados

problematizam a abordagem cientificista que caracteriza a área do ensino de Ciências e

discutem o alcance e a validade do conhecimento científico ocidental em determinados

contextos. Entendemos por cientificismo a abordagem que confere superioridade à ciência

ocidental moderna em detrimento de outras ciências. Assim, os trabalhos que apresentam

algum grau de problematização nesta categoria deverão discutir as limitações da ciência

hegemônica, bem como o processo de construção social desse conhecimento e seu caráter

provisório, abrindo espaço para a discussão de outros saberes, que devem ser valorizados

dentro de seus próprios domínios, tal como propõe o pluralismo epistemológico.

A maioria dos trabalhos (20, 90,9%) não apresentou no corpo do texto nenhuma

referência quanto à problematização da abordagem cientificista. Destes, dois (A1 e A3)

deixaram explícita a abordagem direcionada exclusivamente para a aprendizagem de

conceitos denominados científicos, apresentando-os como eixo central da proposta didática

relatada, conforme podemos perceber nas seguintes unidades de contexto:

A atividade foi aplicada [...] para avaliação conceitual sobre o DNA, desde a

compreensão da sua estrutura, função, lesão (natural e/ou antropogênica) e

reparo (A1, p. 1). [...] Resultados indicam uma clara evolução conceitual,

principalmente sobre lesão e reparo do DNA, em especial entre estudantes

provenientes de outros cursos fora da Biologia. [...] talvez os estudantes de

Biologia apresentem alguma resistência a mudança de conceitos (A1, p. 9).

13 Propomos a pluralização do termo – ciências, de modo a reconhecer as produções fora do escopo da

cultura ocidental moderna também como produções científicas. Assim, especificamos ciência

ocidental moderna ou ciência hegemônica ou acadêmica, ciências dos povos indígenas, ciências dos

povos africanos...

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O objetivo deste trabalho é apresentar o desenvolvimento e aplicação de dois

jogos utilizando conceitos formais básicos da Genética a fim de diagnosticar

o estabelecimento da associação/relação, da articulação e da sobreposição

desses conceitos com os de áreas afins (A3, p. 1). [...] Quanto à sobreposição

dos conceitos é provável que o reforço da pesquisadora, neste aspecto, tenha

favorecido a colocação de mais de um conector, pois se observou não haver

uma visão conceitual em rede nos dois grupos (A3, p. 10).

Podemos perceber, pela análise da descrição dos objetivos dos trabalhos, que as

atividades desenvolvidas têm a finalidade de contribuir para a aprendizagem de conceitos que

compõem o currículo de Biologia, na área de Genética. Não é discutido nos artigos o processo

de construção de tais conceitos, como também não são apresentadas as discussões relatadas na

literatura especializada quanto a crise do conceito de gene, por exemplo, cuja definição é

tratada em ambos os trabalhos de forma superficial, reproduzindo a abordagem comum em

livros didáticos, referentes ao conceito mendeliano clássico.

O trabalho A2, embora não tenha apresentado indícios de discussão frente às

limitações da ciência hegemônica, merece destaque por ter apresentado uma visão crítica

sobre os avanços científicos e tecnológicos, trazendo a proposta de abordar o tema

“Imunogenética” na perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Todavia, o relato

apresenta uma discussão superficial da Ciência e da Tecnologia, as quais são descritas como

atualidades que promovem o bem-estar social, sem aprofundamento nas implicações sociais e

éticas no contexto dos conteúdos de sistemas sanguíneos ABO e fator Rh de seres humanos e

do sistema de histocompatibilidade (HLA), tal como proposto nos objetivos do trabalho.

Destacamos os artigos A19 e A21 por terem sido os únicos da amostra que buscaram,

na discussão dos seus respectivos relatos de experiência, questionar a superioridade

sociocultural dada aos conhecimentos científicos ocidentais. O primeiro, ao questionar o

conceito de gene difundido nos livros didáticos, apresenta uma discussão aprofundada do

processo de construção histórica da ciência ocidental, promovendo um debate com estudantes

de graduação quanto à polissemia do termo “gene”, proveniente dos avanços na área da

biologia molecular. Esses avanços, segundo os autores, são responsáveis por desestabilizar os

conhecimentos atuais sobre o conceito de gene, abrindo portas para novas interpretações e

avanços na área. O artigo A21 discute a ciência ocidental como um processo histórico e

humano, também atendendo a essa categoria. Essa abordagem acontece no contexto de uma

oficina com professores/as e licenciandos/as de Ciências Biológicas sobre determinados

conceitos em Genética, como genótipo, fenótipo, fluxo gênico e heredograma, a partir da

utilização de modelos e jogos didáticos. Destacamos a preocupação das autoras em discutir as

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“(...) revisões que estão ocorrendo no âmbito das pesquisas da biologia contemporânea que

destaca a complexidade do tema e a tendência a ser criticada pela simplificação conceitual

(A21, p. 7)”.

Argumentamos que, além de entender os conceitos ou teorias da ciência ocidental

moderna, é importante que os/as estudantes apreciem a construção social desse conhecimento

e percebam suas limitações. Nesse processo, os/as professores/as têm um papel importante em

articular uma discussão reflexiva, na qual diferentes posições são explicadas e, em seguida,

comparadas e contrastadas em busca da melhor interpretação, tal como o trabalho do cientista.

A partir da combinação de informações sobre a ciência ocidental e da consideração frente à

confiabilidade das fontes dos dados científicos, espera-se que os/as estudantes sejam capazes

de desenvolver visões mais críticas acerca das questões que são de relevância científica e

social (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000).

Nesse ínterim, analisamos também se os trabalhos apresentavam alguma orientação de

que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser

adequadamente aplicado. Essa abordagem pode ser facilitada a partir da discussão de vários

saberes no contexto do ensino de Genética, a fim de contribuir para a percepção de que a

ciência ocidental representa mais uma entre tantas outras ciências igualmente válidas. Além

disso, na análise dessa unidade de registro, também buscamos por uma abordagem voltada

para a história das ciências, que valoriza a construção desses conhecimentos considerando as

limitações de cada época. Segundo Clément (2006), é importante discutir que qualquer

conhecimento num determinado período não representa uma verdade definitiva, e poderia ser

chamado, a posteriori, de “equívoco”! Assim, considerar a história das ciências no ensino de

Genética implica em entender que as concepções dos/as cientistas são frequentemente

resultado de interações entre os valores e os conhecimentos de sua época.

No que se refere a essa unidade de registro, novamente a maioria dos trabalhos (20,

90,9%) não apresentou a discussão correspondente. Em geral, os/as autores/as enfatizavam

unicamente a abordagem dos conhecimentos científicos escolares presentes no livro didático,

como mostram os excertos: “Nossos resultados evidenciaram que os alunos têm interesse,

mas possuem concepções cientificamente incorretas sobre os temas em questão” (A6, p. 1) e

“Apesar dos termos biotecnologia e Engenharia Genética serem pouco citados nos textos dos

alunos, a explicação correta de transgênicos aparece de forma simples (A16, p. 5)”. Como

podemos perceber, há uma valorização aparente dos conhecimentos denominados científicos,

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tendo em vista a falta da abordagem de como outras culturas poderiam explicar os mesmos

fenômenos em pauta na aula.

A falta de uma abordagem mais contextual sobre a natureza da ciência ocidental pode

ser reflexo de uma formação cientificista. Historicamente, o ensino de Ciências valorizou os

conhecimentos denominados científicos em detrimento de outras formas de saber, além disso,

é comum que os/as professores/as se baseiem apenas nos livros didáticos para planejarem o

desenvolvimento de suas aulas, e, estes se apresentam muito limitados, sendo que quando

promovem discussões que envolvam cultura, sociedade ou ambiente, o fazem como apêndice,

ao final do capítulo, como sendo informações adicionais de menor relevância acadêmica.

Também pode ser que, por falta de espaço, os/as autores/as não tenham deixado explícito, no

contexto do relato da experiência, a discussão sobre o alcance e validade dos conhecimentos,

tendo em vista que os trabalhos deste evento têm número de páginas limitado (até 13

páginas). Percebemos isso nos trabalhos A4, A8, A12 e A20, pois estes apresentaram no

referencial teórico a importância da discussão referente a natureza das ciências, mas não

abordaram essa reflexão nos resultados. Como exemplo, destacamos um trecho da discussão

de literatura de A4:

Para tanto, que este ocorra a partir do ensino sobre Ciências, sendo

necessário incluir nessa perspectiva o conhecimento sobre a História,

Filosofia e Epistemologia das Ciências, bem como a contribuição dessas

áreas para o conceito no campo da ciência, o entendimento da natureza da

ciência e o fazer ciência, visando assim a humanização das ciências que

estão sendo trabalhadas em sala de aula (A4, p. 10).

Embora os trabalhos supracitados tenham feito essa reflexão no curso do referencial

teórico, não apresentaram nas discussões do relato uma preocupação correspondente.

Destacamos também A15, A18 e A21, que apresentaram nos resultados e discussões, de

forma bem discreta, a preocupação de adequar os conhecimentos denominados científicos ao

contexto em que eles podem ser aplicados, como por exemplo: “Percebemos que as

constatações e análises dos estudantes se fortaleceram quando tiveram acesso aos conceitos

sistematizados pela comunidade científica de modo contextualizado (A15, p. 6) ” e “(...) a

ideia de que um casal vai ter um filho e certas características vão ser herdadas, bem como o

levantamento das características da classe, possibilitou uma proximidade da atividade com a

vida deles (A18, p. 6)”. Todavia, não houve uma discussão acerca de experiências cotidianas

dos conhecimentos ou da história das ciências no decorrer do trabalho.

De todos os trabalhos analisados, apenas em A19 e em A22 percebemos a orientação

de que cada conhecimento, no seu contexto, tem seu alcance e validade e, assim, pode ser

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adequadamente aplicado. O primeiro, ao se referir às possíveis aplicações de diferentes

conceitos de gene em diferentes situações, e o segundo, na medida em que considerou a

História da Genética como elemento de contextualização para discutir sobre manipulação

genética. Seguem trechos da discussão de A22 para exemplificar: “Com a linha do tempo

fixada no quadro, os alunos puderam perceber que a história é dividida em períodos e que

esses períodos têm características sócio-históricas diferentes (A22, p. 7)” e:

(...) os resultados indicaram que, a partir da contextualização histórica, a

atividade aproximou os alunos dos avanços genéticos, promovendo a relação

do conteúdo (manipulações genéticas) da realidade dos alunos [...] A

variação de período histórico dos experimentos (Antiguidade até Século XX)

foi proposital para que os alunos percebessem a perspectiva processual da

Ciência (A22, p. 7).

Entendemos que a abordagem histórica das ciências pode auxiliar professores/as de

Ciências e Biologia a superar concepções ingênuas sobre a natureza dos conhecimentos,

contextualizando os conteúdos e apresentando suas limitações (NORATO, 2017). Percebemos

que em A22, embora as discussões tenham sido limitadas em relação a outros sistemas de

conhecimento distintos dos saberes ocidentais, houve uma preocupação voltada para a

construção humana e processual daqueles conhecimentos.

Em suma, sinalizamos a carência nos trabalhos quanto à dimensão epistemológica,

seja por falta de prioridade em suscitar abordagens dessa natureza no contexto do ensino de

Genética, seja pela falta de espaço para aprofundar nessa discussão, considerando o limite de

páginas para a publicação dos trabalhos no evento. Entendemos também que nem toda

abordagem didática precise necessariamente levantar discussões dessa natureza para ter valor

didático-formativo, mesmo porque a abordagem pedagógica depende das intenções educativas

envolvidas no planejamento de determinada aula. Assim, mesmo as abordagens didáticas que

não apresentaram esta preocupação têm sua importância dentro dos objetivos que se

propuseram a atingir.

2.3.2 Abordagem quanto ao diálogo intercultural

O diálogo respeitoso entre diferentes perspectivas culturais representa um caminho

frutífero para práticas pedagógicas sensíveis à diversidade e comprometidas com as

diferenças. O espaço para o diálogo contribui para a valorização dos conhecimentos dos/as

estudantes, bem como de suas culturas. Para tanto, seria necessário repensar as práticas de

ensino de Ciências, visando retratar o conhecimento científico ocidental como socialmente

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construído (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000), de modo que este seja percebido como

uma das formas de explicação dos fenômenos naturais, não a única e, assim, haja espaço para

a discussão das demais ciências. Essa mudança de perspectiva no ensino requer que haja

espaço nas salas de aula para as atividades discursivas, com destaque para o diálogo e a

argumentação.

Tendo em vista a importância do diálogo intercultural para a valorização dos saberes

dos/as estudantes, bem como para o entendimento da ciência ocidental como construção

humana e social, buscamos nessa categoria analisar se os relatos de experiência em questão

buscaram articular os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos científicos ocidentais e

também se envolviam, no curso da discussão dos trabalhos, problematização das evidências

que os/as cientistas usam como apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios

suficientes para a compreensão das ideias científicas como socialmente construídas, e não

como resultados finais inquestionáveis, precisos e imutáveis.

Quanto à articulação entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos

científicos ocidentais, percebemos diferentes estratégias, com diferentes finalidades, indicadas

pelos/as autores/as. Entre os trabalhos, 7, 32% apresentaram preocupação em articular os

diferentes saberes, mas numa perspectiva de mudança conceitual. Assim, embora estes

trabalhos suscitassem uma discussão acerca dos saberes prévios dos/as estudantes, não o

faziam com o objetivo de demarcar os conhecimentos, conferindo igual relevância aos

conhecimentos ocidentais, mas sim, de substituí-los por outros. Outra parte dos trabalhos (11,

50%) buscava conhecer o que os/as estudantes sabiam acerca dos conhecimentos

denominados científicos, a fim de articular com outros mais bem elaborados. Uma menor

parte dos trabalhos (2, 9%) não mencionou preocupação em articular os diferentes saberes e,

por fim, dois trabalhos (9%) discutiram os conhecimentos dos/as estudantes no sentido do

pluralismo epistemológico, no que se refere à demarcação de saberes e valorização dos

conhecimentos culturais dos/as estudantes, embora não tenham adotado este referencial.

Os trabalhos A1, A3, A5, A6, A9, A10 e A13 defenderam, na discussão, a perspectiva

de mudança conceitual, ou seja, a importância de substituir os conhecimentos prévios dos/as

estudantes, de diferentes naturezas, pelos conhecimentos científicos ocidentais, tal como

percebemos em trechos retirados de A5 e A6:

Quebrar conceitos e construir novos é indispensável já que uma maioria tem

sua argumentação fundamentada no que a mídia expõe. [...] foi possível

identificar que, por meio da estimulação os alunos foram mostrando fatores

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88

que mostravam que a sua concepção estava de acordo com o que a ciência

descrevia (A5, p. 3).

Ressalta-se que foram consideradas concepções corretas as respostas com

embasamento científico e definições claras que demonstraram que o aluno

apresentava domínio e fluência frente ao tema relacionado (A6, p. 4).

O modelo de mudança conceitual, que visa a substituição de concepções anteriores de

uma pessoa por outro conjunto de conceitos incompatíveis com o primeiro (POSNER et al.,

1982), tem sido criticado, sobretudo pelo insucesso do/a professor/a em tentar mudar

concepções que são úteis para os/as estudantes em seus contextos. Como alternativa ao

modelo de mudança conceitual foi proposta, na década de 1990, a ideia de perfil conceitual

(MORTIMER, 1995). Essa perspectiva pressupõe que as pessoas podem exibir diferentes

maneiras de ver e representar o mundo, que são usadas em diferentes contextos (EL-HANI;

MORTIMER, 2007). Destacamos que, na análise dos trabalhos aqui apresentados, a

abordagem pedagógica em Genética está sendo mais direcionada para a mudança de conceitos

e valorização da ciência ocidental, em detrimento de outras formas de explicar os fenômenos

naturais.

Como mencionado anteriormente, muitos/as autores/as também buscaram conhecer o

que os/as estudantes sabiam acerca dos conceitos científicos ocidentais, a fim de articular com

outros conhecimentos científicos mais bem elaborados. Neste caso, não percebemos interesse

por parte dos/as autores/as em conhecer todas as formas de explicação dos/as estudantes, mas

apenas o que eles/as sabiam sobre a ciência ocidental, para, assim, contribuir na construção de

conhecimentos mais precisos e complexos. Estes são os trabalhos A7, A8, A12, A14, A15,

A16, A17, A18, A19, A20 e A22. Podemos ver um exemplo no seguinte excerto: “Os dados

revelam que a maioria dos alunos modificou as concepções sobre transgênicos se

aproximando de conceitos científicos (A16, p. 1)”. Nestes trabalhos, os/as autores/as

mostravam maior empenho em acrescentar explicações científicas ocidentais mais complexas

no repertório de saberes ocidentais dos/as estudantes, tendo em vista que essa era a única

lógica de produção de conhecimentos apresentada.

A nossa cultura escolar, assim como a nossa sociedade, por imposição de uma ciência

hegemônica, não permite que os/as alunos/as ou professores/as conheçam, discutam e

questionem diferentes ciências. Logo, a única ciência que muitos alunos/as conhecem é a

ocidental, tanto pelo conhecimento advindo da sociedade quanto da escola. Argumentamos

que a superação dessa visão ocorreria com uma abordagem orientada pelo diálogo entre o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico.

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De acordo com El-Hani e Mortimer (2007), a compreensão deveria ser o objetivo da

educação escolar. Segundo os autores, o/a professor/a deveria ensinar Ciências a fim de que

os/as estudantes entendessem os conceitos e pressupostos dessa cultura, o que não impediria

que os/as mesmos/as mantivessem suas concepções e crenças de outra natureza, ou seja, os/as

estudantes devem mostrar a capacidade de explicar uma determinada teoria científica ainda

que não acreditem nela, a fim de atingir os objetivos da educação em Ciências, sem modificar

suas concepções. Essa finalidade pode ser alcançada se o/a professor/a ensina de forma

culturalmente sensível, valorizando todas as formas de conhecimento, para além da ciência

ocidental, e delimitando o domínio de aplicação desses conhecimentos por meio da

demarcação de saberes. Percebemos essa preocupação em dois trabalhos (A2 e A4), conforme

podemos perceber pelos trechos “(...) Mas para isso é fundamental que os docentes trilhem

seus caminhos respeitando, compreendendo cada situação, cada estudante com suas histórias,

aprendizagens, valores” (A2, p. 9) e “(...) é importante haver uma relação entre os conteúdos

trabalhados em sala de aula e as visões de mundo dos estudantes, suas experiências e

expectativas” (A4, p. 8).

No que se refere à problematização das evidências que os/as cientistas usam como

apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem subsídios suficientes que contribuam para

a compreensão das ideias científicas ocidentais, destacamos que a maioria dos trabalhos (18,

82%) não discutiu esse aspecto, sendo que, para exemplificar, destacamos A1 e A5.

Percebemos em A1 que, ao tratar sobre gene, na discussão de DNA e meio ambiente, poderia

ter sido discutida a polissemia do termo, hoje considerado um conceito em crise (JOAQUIM;

EL-HANI, 2010), mas ao invés disso, foi apresentado um conceito com o fim em si mesmo.

Em A5, ao tratar sobre células-tronco, destacamos o seguinte trecho “A prática reflexiva

necessita ser uma atividade constante, já que os estudantes do ensino médio estão se

apoderando e se apropriando do conhecimento científico e seus conceitos continuamente (A5,

p. 10)”. Neste caso, embora percebamos uma preocupação com a atualização dos

conhecimentos científicos ocidentais, fica evidente a abordagem assimilacionista dos/as

autores/as, apresentando a preocupação de que os/as estudantes entendam mais as conclusões

dos estudos do que o processo de construção do conhecimento.

Vale ressaltar que em A15, A19 e A22, embora no contexto geral da discussão não

percebamos essa problematização explícita no trabalho, os/as autores/as parecem valorizar o

enfoque dinâmico da ciência ocidental, que se refere a um aspecto importante do diálogo

intercultural. Dessa forma, podemos inferir que a falta de problematização pode ter ocorrido,

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90

seja porque não foi objetivo da abordagem didática proposta ou por falta de espaço,

considerando, mais uma vez, a limitação no número de páginas dos trabalhos submetidos ao

evento. Destacamos ainda que dois trabalhos (A11 e A14) apresentaram a problematização da

construção dos conhecimentos ocidentais apenas no referencial teórico, por exemplo, quando

A14 questiona “(...) uma formatação cartesiana-linear, bem como o imediatismo causa-efeito

(A14, p. 5)”, referindo-se à crítica ao ensino nessa vertente. Todavia, as discussões no relato

de experiência restringiram-se aos conhecimentos finais alcançados pelos/as cientistas, sem

discutir as evidências que levaram a determinadas explicações.

Foram quatro os trabalhos que apresentaram, na discussão da experiência referente à

abordagem em Genética, as problematizações levantadas pelos/as cientistas na construção dos

conhecimentos (A3, A10, A12 e A20). Em A3, no jogo didático de agrupar palavra, conceito

e imagem, referentes aos conceitos básicos de Genética, os/as participantes foram

estimulados/as a argumentar em torno de qual teria sido a explicação usada por cientistas da

área para a respectiva associação. Em A10, percebemos essa preocupação já que os/as

pesquisadores/as buscaram desconstruir a crença de que é possível prever as características

que o indivíduo vai expressar no futuro apenas tendo conhecimento do DNA. Nessa

discussão, compreendemos a inquietação em romper com o reducionismo da visão do

determinismo genético, evidenciando os argumentos dos/as cientistas para a compreensão

dessas ideias. A20 destacou a importância da “(...) aproximação dos/as alunos/as com o

processo de produção de conhecimento científico (p. 4)” e A12 enfatizou a relação entre os

conceitos e a importância em ressaltar mais o processo de construção do conhecimento que

seus dados conclusivos:

(...) avançando também no entendimento da estrutura celular necessária para

entender a importância das proteínas como expressão do genótipo para a

conformação do fenótipo. Desta forma, os alunos mergulham em um

ambiente de aprendizagem em que o mais importante não é aprender dados e

informações pouco integrados, o que não lhes permite atribuir explicações

mais complexas aos fenômenos relacionados aos processos da vida, mas o

mais importante é a construção de conhecimentos evidenciados na

compreensão de conceitos e seu uso ao explicar determinadas situações

(A12, p. 7, tradução nossa).

Ressaltamos a importância da problematização das evidências obtidas pelos/as

cientistas, bem como do caráter processual das ciências, por meio de uma abordagem

dialógica e interativa. Considerando que as ciências estão em constante transformação, é mais

relevante que os/as alunos/as conheçam como funciona o processo de construção do

conhecimento, ao invés de memorizar conceitos com um fim em si mesmo. Nessa

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perspectiva, o/a estudante tende a construir um olhar crítico frente à ciência ocidental,

entendendo suas limitações, o que contribui para abrir espaço nas salas de aulas para outras

ciências, que precisam ser valorizadas dentro de seus próprios domínios, em contextos

específicos ou não.

Diante do exposto, a valorização e o respeito às diferentes formas de conhecer são

imprescindíveis para uma educação crítica. Mas para além dessa valorização e desse respeito,

defendemos que a educação promova mudança de atitudes, contribuindo para a transformação

social. Para tanto, consideramos as implicações e intenções políticas no âmbito educacional,

categoria que iremos discutir a seguir.

2.3.3 Abordagem quanto às implicações e intenções políticas

A educação para a transformação social demanda que o espaço escolar seja

comprometido com discussões políticas, sociais e culturais. Trata-se de extrapolar a

transmissão de conceitos e promover um ambiente de reflexão crítica. Nesse viés, analisamos

se os trabalhos de relatos de experiências sobre o conteúdo de Genética apresentavam, na

discussão das atividades realizadas, articulação do discurso biológico com discursos

históricos, políticos, sociais, culturais, entre outros. Além disso, buscamos mais

especificamente por discussões acerca da naturalização de preconceitos e discriminação,

questionando o caráter monocultural e o eurocentrismo.

A maioria dos trabalhos analisados (17, 77,3%) apresentou na discussão dos resultados

a articulação do discurso biológico com outros discursos de diferentes naturezas. Como

exemplo, citamos A1, que articulou as discussões sobre DNA com os fatores ambientais; A9,

que relacionou ciência, tecnologia e sociedade na discussão sobre clonagem e células-tronco;

e A19, que discutiu a construção histórica do conceito de gene. Destacamos ainda outros

exemplos, apontando excertos dos trabalhos A2, A8 e A15:

(...) propusemos discutir as implicações sociais e éticas da ciência e

tecnologia estudadas na Genética, na subárea da imunogenética, ou seja, no

estudo teórico e prático dos sistemas sanguíneos ABO e fator Rh de seres

humanos e do sistema de histocompatibilidade (HLA), que identificam os

diferentes seres vivos e que são testados no momento de realizar os

transplantes (A2, p. 2).

A organização do ensino baseou-se na investigação da prática social inicial

dos estudantes, contextualização e problematização dos conteúdos, que

foram trabalhados nas dimensões histórica, científica, cultural e social (A8,

p. 1).

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Analisaram [os/as estudantes] as questões religiosas, éticas, culturais, sociais

e históricas em que estão imersas nas famílias dos estudantes ou estiveram

nas gerações anteriores [...]. Na redação, destacaram-se aspectos como: o

que se aprendeu ao realizar o trabalho e algumas constatações e

particularidades individuais e do contexto histórico e sociocultural (A15, p.

4).

A preocupação dos/as autores/as em discutir temas políticos apresenta indícios da

abordagem proposta pelo multiculturalismo crítico, que advoga a discussão de temas sociais,

culturais e políticos no contexto dos conteúdos disciplinares. Todavia, os trabalhos analisados

não tiveram como objetivo problematizar a luta pela representação das vozes oprimidas em

currículos e práticas pedagógicas, o que caracterizaria a abordagem multicultural crítica. Em

contrapartida, uma menor parcela dos trabalhos (5, 22,7%) se limitou a discutir apenas os

conhecimentos ocidentais da área da Genética, correspondendo aos trabalhos A12, A14, A17,

A18 e A21. Destacamos que A18 apresenta no referencial teórico a importância de abordar os

discursos sociais no curso das aulas de Genética, mas não leva essa discussão para o relato de

experiência sobre primeira lei de Mendel, que ocorre por meio de uma atividade prática com

foco restrito nos conhecimentos ocidentais.

Destacamos o potencial do conteúdo de Genética para discutir temas sociais, culturais

e políticos, tal como a naturalização de preconceitos e discriminações, uma vez que suscita

temas como melhoramento genético, eugenia, racismo científico com base em argumentos de

superioridade genética de raças, herança poligênica da cor da pele e reprodução assistida com

escolha de características genéticas “desejáveis”. Além disso, a história da construção dos

conhecimentos em Genética contribui para interrogar o caráter monocultural e o

eurocentrismo ao promover a discussão sobre como outras culturas/ciências explicam

fenômenos relacionados a essa área da Biologia, como, por exemplo, a herança gênica. Sobre

essas questões, percebemos que nenhum dos trabalhos analisados suscitou, no contexto das

discussões geradas a partir dos relatos de experiências em diversos temas da Genética, o

questionamento em relação à naturalização de preconceitos e discriminação, assim como

também não houve problematização quanto ao caráter monocultural e o eurocentrismo.

Podemos notar a preocupação dos/as autores/as dos relatos discutidos acerca da

necessidade de extrapolar as discussões meramente conceituais da Genética através da

articulação dos discursos biológicos com discursos de outras naturezas, mas há uma carência

explícita nas pesquisas desenvolvidas quanto à utilização dos conhecimentos genéticos para

desnaturalizar preconceitos, que historicamente foram reforçados com argumentos de

superioridade genética de raças, por meio do racismo científico, por exemplo.

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O racismo científico diz respeito a práticas e discursos da ciência ocidental que

estiveram/estão envolvidos na determinação de padrões excludentes e em processos de

segregação de grupos humanos, com base na categoria raça (SÁNCHEZ-ARTEAGA;

SEPÚLVEDA; EL-HANI, 2013). Entendemos que o desenvolvimento de experiências

didáticas nas salas de aula, com base na história do racismo científico, pode contribuir para a

construção de uma análise crítica pelos/as estudantes frente à ideia de neutralidade da ciência

ocidental, além de desmistificar ideias que até os dias atuais circundam o pensamento social,

como a de existência de raças humanas.

A discussão a respeito da existência de raças humanas também compõe o leque de

possibilidades de questionamento crítico no contexto do ensino de Genética. É importante

esclarecer que, na contemporaneidade, o conceito de raça não se sustenta mais em base

biológica, pois pessoas fenotipicamente reconhecidas como pertencentes a um grupo étnico-

racial podem apresentar marcadores genéticos de outros grupos étnico-raciais. Portanto,

pretos, brancos e amarelos não têm marcadores genéticos que os diferenciem enquanto raça

(SCHUCMAN, 2012). Sobre isso, Munanga (2013) ressalta que menos de 1% dos genes que

constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da

pele, dos olhos e cabelos, não sendo suficiente para classificá-los em raças. Todavia, embora

muitas pesquisas apontem que a distinção entre raças não tem mais o fundamento biológico,

isto não é suficiente para extinguir o que culturalmente foi construído ao longo de séculos,

pois o conceito continua fortemente presente no âmbito social. Assim, os discursos sociais,

políticos, históricos e culturais merecem espaço no contexto do ensino de Genética.

Percebemos em A12 grande potencial para as discussões sobre racismo, uma vez que

discutiu sobre a herança da cor da pele. Todavia, os/as autores/as se limitam à explicação dos

conhecimentos referentes ao processo de herança genética, por meio da utilização de práticas

de extração do DNA, vídeo, pesquisas e exercícios desenvolvidos pelos/as estudantes. Em

A15, os/as autores/as apresentam no referencial teórico a possibilidade de discussões sociais

no conteúdo de hereditariedade: “Os fenômenos da hereditariedade são capazes de suscitar

discussões, curiosidades e, até mesmo, reforçar crenças e preconceitos (A15, p. 2)”. Todavia,

o trabalho não apresenta essa discussão no relato da experiência referente à construção de

heredogramas pelos/as estudantes.

Para resumir, apresentamos no quadro abaixo os trabalhos que atenderam a pelo

menos uma unidade de registro em cada categoria (Quadro 3).

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Quadro 3. Resumo dos artigos que apresentaram discussões no sentido do PE e do MC, de acordo

com as categorias.

Categoria Artigos

Abordagem quanto à dimensão epistemológica A19, A21 e A22

Abordagem quanto ao diálogo intercultural A2 e A4

Abordagem quanto às implicações e intenções

políticas

A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, A10,

A11, A13, A15, A16, A19, A20 e A22

Fonte: Dados da pesquisa.

Em suma, nenhum dos trabalhos analisados atendeu as três categorias. Destacamos a

ausência de trabalhos que relacionassem o conteúdo de Genética com as discussões sobre

eurocentrismo e racismo, ou com outras questões de cunho cultural e político. Atribuímos

essa lacuna a vários fatores, que englobam desde o currículo escolar vigente, orientado pelas

formas de avaliação nacionais, que valorizam sobretudo os conhecimentos ocidentais, até a

formação cientificista de professores/as da área da Biologia.

O destaque dado à formação de professores por Moreira e Candau (2003) implica no

compromisso por uma formação crítica, na qual os/as professores/as possam entender a teia

da diversidade cultural, do reconhecimento das diferenças para construir igualdades de

direitos, dos impactos da sociedade globalizada na exclusão social, da importância de

entender historicamente por que as desigualdades se tornaram tão gritantes e, assim,

desnaturalizar a posição subalterna de grupos minoritários do ponto de vista do poder, embora

majoritários do ponto de vista numérico. Trata-se de uma preocupação voltada para a

formação cidadã, subsidiada pelo diálogo entre as ciências, que pode ser abordado por meio

de diversas metodologias didáticas, a fim de contribuir com o entendimento e motivação por

parte dos/as estudantes.

Compreendemos que a diversificação de metodologias na sala de aula tem maior

possibilidade de atender às especificidades dos/as estudantes, visto que cada um apresenta

uma forma própria de aprender, além do fato de que cada conteúdo exige uma abordagem

peculiar. Assim, apresentaremos na última categoria, as estratégias didáticas utilizadas

pelos/as pesquisadores/as para abordar o conteúdo de Genética, bem como os temas mais

discutidos para promover as experiências pedagógicas e as principais preocupações e

intenções formativas.

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2.3.4 Abordagem das estratégias de ensino

De acordo com Pozo & Gomez (2009), não existem boas ou más formas de ensinar,

mas formas adequadas ou não para determinadas metas e em certas condições dadas. No

quadro abaixo está apresentado um panorama geral dos temas escolhidos pelos/as autores/as

para realizar intervenções didáticas sobre Genética, bem como as estratégias de ensino e o

nível ao qual se destinam as aulas propostas (Quadro 4).

Quadro 4. Relação do tema, estratégias didáticas e nível de ensino de cada artigo analisado.

Código Tema Estratégia (s) didática (s) Nível de ensino

A1 Genética molecular (do DNA

à síntese de proteínas)

Aula prática experimental, usando a

técnica do ensaio cometa, situação

problema e exercícios

Pós-graduação

A2 Imunogenética Aulas expositivas, elaboração de

textos e atividade prática experimental

de tipo sanguíneo do sistema ABO e

Rh

Graduação

A3 Conceitos básicos da Genética Jogo didático Ensino médio e

graduação

A4 Heredograma, fenótipo,

divisão celular, sistema ABO

/ Rh e Epistasia

Modelos didáticos Graduação

A5 Células-tronco e seu alto

poder de renovação

Debates e pesquisa bibliográfica Ensino médio

A6 Clonagem, transgênicos e

biotecnologia

Recursos multimodais (textos,

imagens estáticas e animadas,

esquemas, sons, etc.)

Ensino médio

A7 As células-tronco e o reparo

tecidual

Jogo didático Ensino médio

A8 Conceitos de espécie e raça Debates e interações discursivas Ensino médio

A9 Reprodução, variação e

transmissão da informação

Genética

Atividades com os livros “Clonagem -

Fatos e Mitos” e “DNA: o segredo da

vida”

Graduação

A10 Interação gene-organismo-

ambiente

Aulas expositivas dialogadas Ensino médio

A11 Clonagem, Células-tronco,

geneterapia, genoma humano

e casamento consanguíneo

Filmes, debates, aulas expositivas e

pesquisa

Ensino médio

A12 O quadro de Punnett e a

herança Genética

Aulas práticas de extração do DNA,

vídeo, pesquisas e exercícios

Nono grau da

Colômbia

A13 Herança do grupo sanguíneo

ABO

Texto de divulgação científica,

situação problema, atividade

experimental para determinar o tipo

sanguíneo e jogo didático

Ensino médio

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A14 Expressão gênica Jogo didático “Dominando a

Expressão Gênica”

Pós-graduação

A15 Hereditariedade e

heredogramas familiares

Construção de heredograma e

pesquisas

Ensino médio

A16 Biotecnologia e transgênicos Textos de divulgação científica,

produção de vídeo, elaboração de

texto, discussão de situação-problema

Ensino médio

A17 Síntese proteica Jogo didático “O código dos vinte” Ensino médio

A18 Primeira lei de Mendel:

discutindo o conceito de

dominância e recessividade

Atividade prática para representar um

possível cruzamento entre dois

indivíduos

Ensino médio

A19 O conceito de gene Construção de tirinhas, pesquisas na

mídia e discussão

Graduação

A20 Genética mendeliana Aula expositiva dialogada, atividade

prática

Ensino médio

A21 Cromossomos, Fluxo gênico,

Genótipo x Fenótipo e

Heredograma

Modelos didáticos e jogo didático Professores e

graduandos

A22 Manipulação Genética e

história da Genética

Aula prática referente a montagem de

uma linha do tempo com os principais

experimentos sobre manipulações

genéticas

Ensino médio

Fonte: Dados da pesquisa.

A maior parte dos trabalhos (A3, A4, A8, A10, A14, A19 e A21) abordou conceitos

básicos e diversos do campo da Genética, tais como gene, cromossomo, genótipo, fenótipo,

epistasia, expressão gênica, dominância e recessividade; outros trabalhos discutiram sobre

herança genética (A9, A12, A13 e A15); células-tronco (A5, A7 e A11); Genética mendeliana

(A18 e A20); Genética molecular (A1 e A17); Biotecnologia e transgênicos (A6 e A16);

Imunogenética (A2) e História da Genética (A22). A valorização dos conceitos básicos em

Genética se justifica porque, a partir do entendimento destes, torna-se possível compreender

os mecanismos e fenômenos desse campo da Biologia. Chamou a atenção a escassez de

trabalhos que abordem a História da Genética, pois, a partir do entendimento do processo de

construção do conhecimento genético, pode-se compreender aspectos referentes às suas

limitações e relações com os aspectos socioculturais e políticos da prática dos/as cientistas.

Em relação às atividades desenvolvidas, foram constatadas as seguintes estratégias

didáticas: aula prática (9, 41% dos trabalhos), aula expositiva dialogada e debates (8, 36,4%),

pesquisas e leituras de textos de divulgação científica (7, 32%), jogo didático (5, 22,7%),

abordagem com situações-problema (3, 13,6%), filmes e documentários (2, 9%), atividades

com a utilização de modelos didáticos (2, 9%), elaboração de textos (1, 4,5%) e atividades

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com recursos multimodais (1, 4,5%). Destacamos que em muitos relatos de experiência foram

utilizadas mais de uma dessas estratégias, o que explica as porcentagens apresentadas.

O enfoque prático mostra-se como uma das mais poderosas ferramentas para a

motivação dos/as estudantes, que tendem a participar das aulas e se envolverem com as

situações de aprendizagem. De acordo com Silvestre (2001), com o uso frequente das aulas

práticas, observa-se um considerável aumento no rendimento dos/as alunos/as, no que se

refere à aprendizagem dos conceitos, pois acabam por desenvolver maior interesse pela

disciplina. Percebemos, nos trabalhos analisados, um retorno muito positivo em relação às

aulas práticas, os quais indicam maior envolvimento dos/as estudantes nos processos de

aprendizagem. Também as aulas expositivas dialogadas e os debates aconteceram em número

significativo nos relatos de experiências analisados. Essas estratégias didáticas contribuem

para valorizar os conhecimentos presentes na estrutura conceitual dos/as alunos/as, de modo

que as aulas se tornem mais participativas (POZO; GOMEZ, 2009).

Na realização de debates, o/a professor/a pode utilizar questões-problema para

promover as discussões propostas, uma vez que as problematizações utilizadas como ponto de

partida favorecem o processo de reflexão, que, por sua vez, é um importante componente na

construção do conhecimento, sendo que essa estratégia foi utilizada em algumas experiências

relatadas. De acordo com Pedrancini e Corazza (2011), quando o educando participa de um

ambiente em que há diversidade de opiniões e argumentos, o pensamento e o discurso

individuais podem ser mais ricos. Outra atividade que se mostrou também bastante produtiva

foi a abordagem de Genética por meio da leitura de livros e artigos de divulgação científica,

em contraste com a predominância atual do uso dos textos de livros didáticos (RESENDE;

KLAUTAU-GUIMARÃES, 2011). Os textos de divulgação científica representam uma

leitura agradável para o/a estudante e, ao mesmo tempo, rica em informações, que se bem

exploradas podem representar uma estimulante estratégia didática.

Outra opção para o trabalho docente é a utilização de jogos e modelos didáticos. Os

jogos ganham espaço como ferramenta de aprendizagem, na medida em que induzem os/as

estudantes a tomar decisões, colocando-os em situação de desafio, favorecendo a motivação

interna, o raciocínio, a argumentação, a interação entre alunos/as e entre professores/as e

alunos/as (ANTUNES; MORAIS, 2010). Os modelos didáticos são muito utilizados em aulas

de Biologia para visualizar objetos de três dimensões, porém o/a professor/a precisa tomar

cuidado para que os/as estudantes não os vejam como simplificações do objeto real, mas, sim,

um esforço de explicar a organização da natureza (KRASILCHIK, 2008). Para atingir essa

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finalidade, Setúval e Bejarano (2009) envolveram os/as estudantes na produção dos modelos

didáticos e tiveram resultados positivos em relação à aprendizagem de conceitos em Genética,

como heredograma, fenótipo e epistasia.

Por fim, dentre os vários recursos que foram utilizados pelos/as pesquisadores/as nos

relatos analisados, temos os filmes. Krasilchik (2008) afirma que técnicas difíceis de

descrever podem ser vistas e aprendidas quando os/as alunos/as observam os detalhes do

processo por meio de um filme ou documentário. Todavia, para a utilização desses recursos, é

importante que o/a professor/a faça uma avaliação prévia do filme, observando as adequações

quanto à idade e a interligação com os assuntos estudados em sala de aula. França e Silva e

Frenedozo (2011), utilizando filmes como estratégia didática para trabalhar com estudantes do

ensino médio os temas clonagem, células-tronco, geneterapia, genoma humano e casamento

consanguíneo, concluíram que a metodologia tem potencial para ampliar a compreensão dos

conhecimentos estudados, uma vez que simula situações práticas que possibilitam aumentar a

comunicação entre o conhecimento escolar e o contexto do/a aluno/a, além de estar acessível

às condições da maioria das escolas públicas.

Destacamos que as atividades lúdicas referidas nos relatos de experiências em

Genética estavam mais relacionadas à aprendizagem de conceitos, enquanto que os relatos de

aulas expositivas e debates apresentavam preocupações com a construção de valores e

intenções de formar os/as estudantes para o olhar crítico frente ao desenvolvimento da ciência

ocidental. Assim, os trabalhos que apresentavam como objetivo relacionar os conhecimentos

biológicos com outros de natureza social, cultural, econômica e política, o faziam por meio de

leituras, debates e atividades de construção de textos, por exemplo. Ressaltamos que ambas as

intenções formativas são válidas, mas, para além de explorar os conceitos em Genética,

defendemos uma abordagem na qual a construção do conhecimento seja problematizada, bem

como a discussão de temas sociais, políticos e culturais no contexto do ensino de Ciências.

Vale ressaltar que parte dos trabalhos (A1, A6, A9, A10, A13, A19 e A20) utilizou

questionário pré-teste e pós-teste para avaliar os efeitos da intervenção didática proposta, e

com exceção de A20, todos/as os/as pesquisadores/as relataram nos resultados que as

atividades interferiram no desempenho dos/as estudantes, que apresentaram melhores

resultados no pós-teste em relação ao pré-teste. Destacamos o cuidado que as pesquisas

devem ter ao avaliar uma metodologia imediatamente após sua aplicação, além de se

considerar que, em geral, as pesquisas de intervenção levam muito mais tempo para abordar

um determinado conteúdo, se comparadas a situações regulares de sala de aula. Assim, é

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99

importante considerar o contexto no qual as avaliações estão ocorrendo, a fim de mensurar

contribuições mais válidas e confiáveis para as pesquisas em ensino.

No que se refere ao nível de ensino, a maior parte das atividades relatadas foram

desenvolvidas com estudantes do ensino médio (13, 59% dos relatos de experiência), mas

também tiveram pesquisas desenvolvidas com alunos/as de graduação (5, 22,7%), pós-

graduação (2, 9%), com estudantes do ensino médio junto a licenciandos/as (1, 4,5%) e no

nono grau da Colômbia (1, 4,5%). Destacamos a importância do desenvolvimento de

atividades pedagógicas no âmbito da graduação, sobretudo na formação de professores/as,

uma vez que estes/as tendem a reproduzir na prática docente às experiências que vivenciaram

durante o estágio de formação.

Vale ressaltar que as atividades desenvolvidas com estudantes de ensino médio foram

mais voltadas à abordagem conceitual, enquanto que os relatos de experiências com

estudantes de graduação e pós-graduação tiveram intenções e preocupações formativas mais

críticas. Considerando a importância dos sentidos do multiculturalismo crítico e do pluralismo

epistemológico para nortear o desenvolvimento de práticas pedagógicas comprometidas com

a diversidade cultural, defendemos um ensino de Genética que aborde conhecimentos

ocidentais, mas também que valorize outras formas de ver e entender o mundo,

problematizando questões religiosas, étnicas e de gênero, a fim de contribuir para a formação

cidadã.

2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As abordagens didáticas de Genética discutidas nos trabalhos do Encontro Nacional de

Pesquisa em ensino de Ciências carecem de problematizações acerca da abordagem

cientificista, que questionem a superioridade epistêmica da ciência ocidental frente as outras

ciências. Elas reforçam, ainda, a ideia do ensino monocultural, no qual apenas a abordagem

ocidental é considerada, limitando a intervenção pedagógica à discussão de uma única cultura,

a europeia, e mantendo invisibilizadas outras formas de ver e entender o mundo.

A oportunidade de levar para as salas de aula conhecimentos provenientes de

diferentes culturas não só contribui para valorizar e reconhecer a existência de outras

explicações para os fenômenos naturais, além da explicação ocidental, como também fornece

apoio teórico e epistemológico acerca das limitações dos conhecimentos ocidentais,

perspectiva necessária para a formação crítica. Os poucos trabalhos que atenderam a essa

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100

categoria da dimensão epistemológica estão de acordo com os sentidos do pluralismo

epistemológico, mesmo não tendo utilizado essa perspectiva como base teórica; os demais,

embora relevantes para os objetivos que se propuseram a alcançar, carecem dessas discussões.

Destacamos a importância da coerência interna dos trabalhos, no que se refere à

consistência que deve haver entre o referencial teórico e as discussões dos resultados.

Percebemos artigos nos quais os/as pesquisadores/as defendiam uma abordagem crítica e

plural, mas na proposta da atividade e na discussão dos dados se limitavam à valorização dos

conhecimentos ocidentais, muitas vezes numa perspectiva de mudança conceitual. Também

ressaltamos a carência nos trabalhos da problematização das evidências que os/as cientistas

usam como apoio às teorias, uma vez que, em geral, os trabalhos não ofereciam aos/as

estudantes subsídios suficientes para entender a construção das ideias denominadas

científicas, bem como suas influências socioculturais.

Contudo, boa parte dos trabalhos apresentou articulação do discurso biológico com

discursos históricos, políticos, sociais e/ou culturais, o que parece apontar para uma tendência

na área de ensino de Ciências. Essa problematização representa uma característica do

multiculturalismo crítico, e deve contribuir para a formação cidadã e tomada de decisões

socialmente responsáveis, desde que sejam problematizadas as relações de poder construídas

historicamente por determinados grupos culturais em detrimento de outros. Por conseguinte,

apesar do potencial do conteúdo de Genética para discutir questões de preconceito e

discriminação, não houve trabalho nesse viés, o que indica uma lacuna nas práticas e relatos

de experiências.

No que se refere às estratégias de ensino, concluímos que os trabalhos com jogos e

filmes, por exemplo, buscaram mais a abordagem conceitual do conteúdo, em relação às

atividades menos lúdicas, como debates e aulas dialogadas. Estas últimas direcionaram a aula

por uma perspectiva mais crítica, extrapolando a transmissão de informações e contribuindo

para a construção de argumentos por parte dos/as estudantes. Da mesma forma, percebemos a

tendência de que as experiências mais lúdicas eram planejadas para estudantes de ensino

médio, enquanto que as atividades para o ensino superior se mostraram menos lúdicas e mais

críticas.

Nesse sentido, reforçamos a ideia de que mais importante que o recurso que o/a

professor/a utiliza na aula é a abordagem dada a partir do recurso. Podemos ter uma aula com

auxílio de um jogo didático extremamente conceitual e memorística, enquanto uma

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abordagem dialogada pode ter preocupações formativas mais completas. Intenções de formar

para a cidadania, com discussões que extrapolem a dimensão conceitual, estão sendo

desenvolvidas tardiamente, na maior parte das vezes durante o ensino superior, sendo que

desde a educação básica essas discussões já podem ser suscitadas, de acordo com o

planejamento e com as concepções do/a professor/a frente aos objetivos do ensino de

Ciências.

Em suma, faz-se necessário uma perspectiva ampla dos objetivos do ensino de

Genética, a fim de planejar, desenvolver e avaliar intervenções didáticas condizentes com os

sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. A partir dos resultados

desta revisão sistemática de literatura, consideramos importante pesquisas que apresentem

práticas no ensino de Genética abarcando as dimensões conceituais, procedimentais e

atitudinais do conteúdo, ao passo que discutem temas culturais e políticos.

Assim, buscamos na nossa pesquisa empírica contribuir para a superação dessa lacuna

ao passo que discutimos sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética, no

processo de formação inicial de professores/as de Biologia. O arcabouço teórico e

metodológico da pesquisa empírica é subsidiado nos estudos do discurso críticos, com a teoria

sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk. Considerando que essa teoria não é

comumente utilizada na área do ensino de Ciências, reservamos um capítulo para explorar

suas principais ideias, além de articular com os fundamentos para a formação de

professores/as sensível à diversidade cultural. Apresentamos essa discussão bibliográfica no

capítulo seguinte.

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106

CAPÍTULO 3

ESTUDOS DO DISCURSO CRÍTICOS: FUNDAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES/AS SENSÍVEL A DIVERSIDADE CULTURAL14

__________________________________________________________________________________

Neste capítulo, apresentamos as ideias que norteiam a análise do discurso crítica

(ADC) proposta por Teun Van Dijk, perspectiva teórica utilizada na pesquisa, articulando sua

contribuição para o estudo da formação de professores/as sensível a diversidade cultural, a

fim de avaliar como essa teoria amplia a discussão de repertório profissional. Para tanto,

organizamos este capítulo em dois tópicos, que compreendem os aspectos teóricos e

metodológicos da análise Sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk, como uma linha

de estudo da ADC e a perspectiva cultural na formação de professores/as para ampliar o

repertório profissional a partir da ADC.

3.1 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE

SOCIOCOGNITIVA DO DISCURSO POR VAN DIJK

No Brasil, há pelo menos duas grandes vertentes teóricas de Análise do Discurso: uma

dita de tradição francesa, que toma por matriz teórica os trabalhos de Pêcheux; e outra, mais

recente, chamada Análise de Discurso Crítica (ADC), cujo fundamento se encontra na

proposta de Fairclough e à qual os trabalhos de Van Dijk aparecem frequentemente

referenciados. A ADC não pesquisa a linguagem como sistema semiótico nem como textos

isolados, mas sim, o discurso como um momento de toda prática social. A ADC é ‘crítica’

porque sua abordagem é relacional/dialética, orientada para a compreensão dos modos como o

momento discursivo trabalha na prática social, especificamente no que se refere a seus efeitos

em lutas hegemônicas (RAMALHO; RESENDE, 2011).

Assim, o termo ‘Crítica’ de ADC justifica-se por seu engajamento com a tradição da

“ciência social crítica”, que visa oferecer suporte científico para a crítica situada de problemas

sociais relacionados ao poder como controle (RAMALHO; RESENDE, 2011). Para esta

14 Este é o único capítulo que não atende a estrutura de um artigo, mas que decidimos organizar assim

por duas razões: primeiro, para explorar mais livremente o referencial teórico e metodológico, dada a

limitação do texto no formato multipaper; segundo, para explicitar melhor a teoria Sociocognitiva do

discurso, a qual não é comumente utilizada na área de ensino de Ciências. As discussões apresentadas

aqui estão transversalizadas nos capítulos seguintes.

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107

discussão, faremos uma breve exposição acerca das ideias de Van Dijk, em seguida

apresentaremos uma abordagem geral da análise do discurso (AD), concluindo com a origem

e as características da análise do discurso crítica ou, como prefere Van Dijk, estudos de

discurso críticos (EDC). Segundo Van Dijk (2016a), tal termo é mais apropriado porque não

se trata apenas de um método de análise, como é o caso da Análise de Conteúdo nas ciências

sociais, mas também por ter importantes objetivos teóricos, configurando-se como uma área

ou disciplina de estudo, uma atitude crítica ao fazer AD, que pode usar muitos métodos

qualitativos e quantitativos diferentes.

Van Dijk se opõe a uma orientação individualista, focando especialmente no contexto

social. A conversa, assim como outras atividades sociais, deve ser vista nos termos da ação e

interação dos membros sociais participantes, uma orientação que também encontra sua origem

no interacionismo simbólico de Mead, Blumer e outros. Uma condição crucial para a

interação social é que as pessoas se entendam, o que só é possível se assumirmos que os

membros sociais têm procedimentos de interpretação socialmente compartilhados para ações

sociais, como categorias, regras e estratégias (VAN DIJK, 1985b). O teórico, então, quer

saber como as pessoas fazem isso, que tipo de métodos implícitos ou intuitivos são aplicados

no dia a dia para falar e entender uns aos outros.

Os estudos do discurso surgiram em meados da década de 1960, junto com várias

“interdisciplinas” novas, mas mutuamente relacionadas, como a semiótica, a psicolinguística,

a sociolinguística e a pragmática (VAN DIJK, 1985a). Esta área de estudo tem como

propósito o debate teórico e metodológico do discurso: a linguagem como prática social,

assim, o pesquisador deve relacionar o microevento (discursivo) com a macroestrutura

(social) (VAN DIJK, 2001).

Van Dijk (1985a) destaca que são poucos os campos de estudo e intervenção que não

têm uma dimensão discursiva importante, deste modo sugere a aplicação dos estudos do

discurso em vários campos, com destaque para a área da educação, tais como currículos,

produção de livros didáticos adequados (não racistas, não sexistas), programas de intervenção

em sala de aula, testes e assim por diante.

Os estudos do discurso apresentam os seguintes fundamentos metodológicos comuns:

(i) interesse em propriedades de uso de linguagem “natural” por usuários de linguagem real,

em vez de um estudo de sistemas de linguagem abstratos e exemplos inventados; (ii) um

estudo de unidades maiores do que palavras e frases isoladas e novas unidades básicas de

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análise: textos, discursos, conversas ou eventos comunicativos; (iii) extensão da linguística

além da gramática para um estudo de ação e interação; (iv) extensão a aspectos não verbais

(semióticos) de interação e comunicação: gestos, imagens, filmes e multimídia; (v)

concentração em movimentos e estratégias cognitivas ou interacionais dinâmicas; (vi) estudo

do papel dos contextos sociais, culturais e cognitivos do uso da linguagem e (vii) análise de

um grande número de fenômenos do uso da linguagem até agora largamente ignorados:

coerência, anáfora, tópicos, macroestruturas, atos de fala, interações, tomada de turnos, sinais,

polidez, modelos mentais e muitos outros aspectos do discurso (VAN DIJK, 1985b).

Uma atitude crítica ao fazer análise do discurso deu origem aos estudos de discurso

críticos (EDC), estes são compostos por teorias heterogêneas, que têm como principais pontos

em comum a multidisciplinaridade, a preocupação social, o posicionamento político favorável

ao grupo social em desvantagem e a divulgação dos resultados de pesquisa como forma de

alerta das práticas de abuso de poder (GUIMARÃES, 2012).

Essa abordagem crítica e sociopolítica do uso da língua, do discurso e do poder,

conhecida por linguística crítica (LC) foi lançada no final dos anos 1970, quando Fowler,

Kress, Hodge, e Trew publicaram Linguagem e Controle, um livro que teve repercussão entre

linguistas e pesquisadores da linguagem que se interessavam pela relação entre o estudo do

texto e os conceitos de poder e ideologia (MAGALHÃES, 2005; GUIMARÃES, 2012).

Durante os anos 1980 e 1990, essa abordagem “crítica” cresceu rapidamente, a ponto de

tornar-se um movimento internacional de Análise de Discurso Crítica, influenciado

inicialmente por estudiosos europeus (FAIRCLOUGH, 1995; FAIRCLOUGH; WODAK,

1997, p. 258-284; JÄGER, 1993b; VAN DIJK, 1993b, 2001; WODAK; MEYER, 2001 apud

VAN DIJK, 2012a).

A expressão “análise de discurso crítica” (ADC) foi usada pela primeira vez na década

de 1980, por Fairclough, na Universidade de Lancaster, num artigo publicado no Journal of

Pragmatics (FAIRCLOUGH, 1985), sendo que pode ser considerada uma continuação da LC,

já que estuda textos e eventos em diversas práticas sociais, propondo uma teoria e um método

para descrever, interpretar e explicar a linguagem no contexto sócio-histórico (WODAK,

2001). Embora o termo ADC tenha sido primeiramente utilizado por Norman Fairclough,

passou a ser considerado como linha de pesquisa somente após a publicação da revista

Discourse & Society, por Van Dijk, em 1990. Com a instigante discussão que se fez nesse

periódico, a ADC se tornou bastante reconhecida (GUIMARÃES, 2012; MAGALHÃES,

2005).

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Enquanto a LC desenvolveu um método para analisar uma pequena amostra de textos,

a ADC desenvolveu o estudo da linguagem como prática social, com vistas à investigação de

transformações na vida social contemporânea (FAIRCLOUGH, 2001). A ADC oferece uma

valiosa contribuição de linguistas para o debate de questões ligadas ao racismo, à

discriminação baseada no sexo, ao controle e à manipulação institucional, à violência, à

identidade nacional, à auto identidade, à identidade de gênero e à exclusão social

(MAGALHÃES, 2005).

A ADC é, de acordo com Teun Van Dijk (2001, p. 352),

“(...) um tipo de pesquisa analítica do discurso que estuda primariamente a

maneira pela qual o abuso de poder, dominação e desigualdade sociais são

promovidos, reproduzidos e resistidos, por meio do texto e da fala, no

contexto social e político”.

Os estudos de discurso críticos se concentram em problemas sociais e não em

paradigmas acadêmicos, e tenta entender e resolver tais questões a partir de diferentes

métodos ou teorias, levando em conta as experiências e perspectivas dos/as participantes

(VAN DIJK, 1985a). Os/As pesquisadores/as dessa área de estudo estão social e

politicamente comprometidos com a igualdade e justiça sociais, estando especificamente

interessados/as em problematizar a (re)produção discursiva do abuso de poder e articular

mecanismos de resistência contra tal dominação (VAN DIJK, 2015a; 2016a).

As análises empíricas nos estudos de discurso críticos devem movimentar-se entre o

linguístico e o social, pois o discurso é compreendido como uma forma de prática social,

modo de ação sobre o mundo e a sociedade (RESENDE; RAMALHO, 2004). Na concepção

das autoras, o discurso é socialmente constitutivo – através do discurso se constituem

estruturas sociais – e constituído socialmente – os discursos variam segundo os domínios

sociais em que são gerados, de acordo com as ordens de discurso a que se filiam.

Em vez de meramente descrever estruturas do discurso, a ADC procura explicá-las em

termos das propriedades da interação social e especialmente da estrutura social, com foco nos

modos como as estruturas do discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou

desafiam as relações de poder e de dominação na sociedade (VAN DIJK, 2008).

Fairclough e Wodak (1997 apud VAN DIJK, 2008) sintetizam os principais

fundamentos da ADC da seguinte maneira: (i) a ADC aborda problemas sociais; (ii) as

relações de poder são discursivas; (iii) o discurso constitui a sociedade e a cultura; (iv) o

discurso realiza um trabalho ideológico; (v) o discurso é histórico; (vi) a relação entre texto e

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sociedade é mediada; (vii) a análise do discurso é interpretativa e explanatória; e (viii) o

discurso é uma forma de ação social.

A ADC deve estabelecer uma ponte entre os níveis micro e macro da ordem social. O

micronível compreende o uso da linguagem, o discurso, a interação verbal e a comunicação;

enquanto o poder, a dominação e a desigualdade entre grupos sociais são tipicamente termos

que pertencem a um macronível de análise (VAN DIJK, 2008).

Vale ressaltar que, na perspectiva dos estudos de discurso crítico, a possibilidade de

uma ciência neutra é rejeitada, ou seja, existe um reconhecimento de que as ciências e o

discurso acadêmico são influenciados pelas estruturas e interações sociais. Ao invés de

ignoradas ou naturalizadas, os teóricos da ADC acreditam que essas relações entre academia e

sociedade devem ser reconhecidas e estudadas (VAN DIJK, 2001). Isso leva a uma agenda de

pesquisa fortemente focada em problemas sociais e questões políticas, sobretudo relativas a

questões de poder e dominação entre grupos.

Outro ponto marcante nas diversas pesquisas em ADC é que elas são, sobretudo,

guiadas por um problema, e não por uma disciplina específica. Primeiramente, um problema

de caráter político ou social com um aspecto discursivo é identificado, para então serem

selecionadas e/ou formuladas as ferramentas teóricas e metodológicas adequadas de diferentes

disciplinas, de acordo com sua relevância para a explicação do problema (VAN DIJK, 1993a).

No caso da presente pesquisa, o problema que nos guia é o racismo e o monoculturalismo

social e estrutural, embasados numa perspectiva eurocêntrica de mundo, a qual buscamos,

pelo discurso e pelas experiências, promover a desconstrução.

Os estudos do discurso críticos têm várias teorias, sendo que duas vertentes de análise

crítica são bastante mobilizadas no Brasil: a Análise do Discurso Crítica proposta pelo inglês

Norman Fairclough, e a Análise Cognitiva (ou Sociocognitiva) do Discurso engendrada pelo

holandês Teun Van Dijk, sobre a qual vamos nos aprofundar.

Na teoria sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk, cada discurso é formado

ou monitorado pelo grau de conhecimento, modelos mentais, modelos contextuais e

cognições sociais subjacentes. A opção por essa teoria, para a análise dos dados da nossa

pesquisa empírica, se justifica porque entendemos as influências dos conhecimentos e

experiências das pessoas na manifestação dos seus discursos, que são monitorados pelo

contexto em que estes se processam. Desse modo, uma teoria do discurso completa deve

considerar todos esses aspectos. Para tanto, discutiremos abaixo quatro teorias que subjazem à

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análise sociocognitiva do discurso, proposta por Van Dijk e que vamos mobilizar na nossa

análise, a saber, (I) a teoria do conhecimento natural; (II) a teoria dos modelos mentais; (III) a

teoria do contexto e (IV) o triângulo discurso-cognição-sociedade.

(I) Teoria do conhecimento “natural”

O papel do conhecimento é onipresente na produção, nas estruturas e na compreensão

do discurso, visto que todo discurso se baseia em vastas quantidades de conhecimento

subjacente. Para entender a teoria do conhecimento “natural”, precisamos compreender como

Van Dijk conceitua conhecimento. Para o teórico, o conhecimento é a crença que os membros

de uma dada comunidade epistêmica chamam e pressupõem como conhecimento, ou seja,

para membros de uma mesma comunidade epistêmica, suas crenças são “verdadeiras” - e,

portanto, conhecidas - para todos os propósitos práticos. Desse modo, os membros das

comunidades epistêmicas adquirem esse conhecimento através de várias fontes e tipos de

aprendizagem, como a percepção, a experiência e especialmente o discurso. Van Dijk (2012c)

destaca que essa aquisição discursiva do conhecimento abstrato e generalizado, consiste em

um pressuposto decisivo de toda interação social.

Podemos sintetizar o conceito de conhecimento em Van Dijk (2015a) como crenças

que atendem aos critérios epistêmicos (historicamente em desenvolvimento) de cada

comunidade, como percepção, discurso ou inferência confiável. As relações entre

conhecimento e discurso são determinantes: a maior parte do nosso conhecimento não

baseado na experiência é adquirida pelo discurso, e a produção e compreensão do discurso

requerem grandes quantidades de conhecimento socialmente compartilhado.

O discurso pressupõe tanto modelos de situação (semântica) de acontecimentos,

quanto modelos de contexto (pragmáticos) da situação comunicativa, ambos interpretados

pela aplicação do conhecimento geral e socialmente compartilhado da comunidade epistêmica

(VAN DIJK, 2012b). O autor esclarece que estes modelos controlam a produção e a

compreensão de todos os níveis do texto e da conversa, da entonação, da sintaxe e do

conjunto de palavras existente em um determinado idioma, aos muitos tipos de estruturas

semânticas (implicação, pressuposição e descrição), bem como as estratégias de conversação.

Portanto, é crucial que uma teoria do discurso também inclua um componente epistêmico

central que explique como os usuários de linguagem são capazes de adaptar o seu discurso ao

que eles supõem que os destinatários sabem (ou não sabem ainda) como membros da mesma

comunidade do conhecimento.

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Embora muitos detalhes da representação cognitiva (e dos processos

neuropsicológicos) do conhecimento ainda sejam desconhecidos, o que sabemos hoje nos

permite fornecer análises epistêmicas bastante detalhadas do texto e da fala (VAN DIJK,

2016a). Isso porque estamos em busca do conhecimento pessoal e socialmente compartilhado

dos usuários de linguagem como atores sociais e membros de comunidades epistêmicas, o

conhecimento de “mundo”. No entanto, não existe um limite claro entre o conhecimento da

língua e o conhecimento de “mundo”, então, é provável que nosso conhecimento das palavras

e seus significados sejam semelhantes ao nosso conhecimento conceitual de “mundo” (VAN

DIJK, 2012b).

Todavia, a gestão do conhecimento no discurso é um problema vasto e complexo

(VAN DIJK, 2016a). O conhecimento controla muitos aspectos do texto ou da fala, tais como:

(i) diferenças de entonação (novas informações normalmente recebem estresse mais pesado);

(ii) estrutura sintática (novas informações são tipicamente expressas em partes de sentenças

posteriores e informações dadas, conhecidas ou derivadas na parte tópica inicial); e (iii)

estruturas do discurso semântico, tais como definições, argumentação e prova (demonstrando

a verdade de uma afirmação ou conclusões de argumentos) (VAN DIJK, 2015b).

É importante notar que durante uma interação discursiva, os/as participantes já sabem

muito sobre si, as intenções, os objetivos e muito do significado do discurso antes mesmo de

produzir ou compreender as primeiras palavras. Todavia, o grau de detalhe e de explicitação

de um discurso depende do conhecimento mútuo dos/as participantes (VAN DIJK, 2012b).

Dessa forma, para descrever e explicar muitas propriedades do discurso, como todo o

conhecimento implícito ou pressuposto, bem como a gestão interativa e contextual do

conhecimento antigo e novo, no texto e no falar, devemos considerar o conhecimento

cognitivo dos interlocutores (VAN DIJK, 2012c). Em outras palavras, toda análise do

discurso precisa de uma avaliação cognitiva independente das representações e processos

subjacentes à produção e compreensão do discurso. É nesse contexto que surge a teoria dos

modelos mentais.

(II) Teoria dos modelos mentais

Os modelos mentais são representações subjetivas de eventos ou situações em que

uma pessoa participa em determinado momento, com outros participantes (com identidades e

papéis sociais variáveis), envolvida em uma ação específica e com objetivos específicos,

expressando opiniões pessoais ou emoções (VAN DIJK, 2012b). Podemos relacionar

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conhecimento e construção de modelos mentais da seguinte forma: usamos e aplicamos

nossos conhecimentos para interpretar e representar nossas experiências diárias e construí-las

como modelos mentais. Estes, embora sejam individuais, possuem uma base social, pois são

influenciados pelas relações interpessoais.

Os modelos mentais desempenham um papel central na compreensão e produção do

discurso, de modo que, através do discurso, da comunicação e da interação, outros usuários de

linguagem da mesma comunidade de linguagem e conhecimento são capazes de reconstruir

(pelo menos parcialmente) o que tínhamos em mente, ou seja, um modelo mental (VAN

DIJK, 2012b). Em suma, entender texto ou articular uma fala significa construir um modelo

mental para tal discurso, ou das intenções (modelos mentais) do orador. E, vice-versa,

planejar um discurso significa construir um modelo mental para tal atividade verbal

comunicativa. De acordo com Van Dijk (2015b, p. 5),

Um elemento fundamental da linguagem e do discurso, bem como de nossas

crenças, é que elas são “intencionais” no sentido de que representam algo ou

são sobre algo (Searle, 1983). Para que os usuários de linguagem possam

falar sobre eventos ou situações, eles precisam representar tais situações na

memória - uma representação que eles podem querer comunicar a outros

usuários de linguagem. Na verdade, tal seria parte da própria definição de

comunicação. Na psicologia cognitiva contemporânea, essas representações

mentais de situações são chamadas de modelos mentais (van Dijk & Kintsch,

1983). Os modelos mentais são armazenados na memória episódica (parte da

memória de longo prazo), na qual as pessoas representam suas experiências

e são a base cognitiva das histórias das pessoas sobre eventos passados. São

multimodais, assim como nossas experiências diárias de situações sociais,

incluindo visual, auditiva, sensório-motora e emocional (Barsalou, 2008)15.

Compreender o discurso envolve a construção de um modelo mental pelos usuários da

linguagem. Estes modelos são tipicamente mais complexos do que os significados do discurso

e apresentam inferências como, por exemplo, aquelas necessárias para estabelecer a coerência

local e global do discurso. Os oradores não precisam expressar toda essa informação em seu

discurso, porque sabem que os destinatários são capazes de derivar essas inferências de seus

conhecimentos socioculturais compartilhados ou modelos antigos e, portanto, são capazes de

15 Texto original: A fundamental of language and discourse, aswell as of our beliefs, is that they are

“intentional” in the sense that they represent something or are about something (Searle, 1983). In

order for language users to talk about events or situations they need to represent such situations in

memory—a representation they may want to communicate to other language users. Indeed, such

would be part of the very definition of communication. In contemporary cognitive psychology, these

mental representations of situations are called mental models (van Dijk & Kintsch, 1983). Mental

models are stored in episodic memory (part of long-termmemory)where people represent their

experiences and they are the cognitive basis of people’s stories about past events. They are

multimodal, as are our daily experiences of social situations, including visual, auditory, sensorimotor,

and emotional dimensions (Barsalou, 2008).

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construir ou atualizar um modelo mais completo da situação do discurso (VAN DIJK, 2015b).

Nesse sentido, o autor compara o discurso a um iceberg cognitivo, no qual apenas parte da

informação é expressa de forma observável.

Com a teoria dos modelos mentais, temos o elo entre discurso e conhecimento, por um

lado, comunicação e interação, por outro, de modo que os seres humanos são capazes de “ler a

mente” dos outros através de reconstruções plausíveis e muitas vezes confiáveis dos seus

respectivos modelos mentais (VAN DIJK, 2012b). Em síntese, o autor afirma que os modelos

mentais são (i) importantes para a coerência no discurso; (ii) únicos, pessoais e subjetivos,

mas com restrições objetivas; (iii) capazes de exprimir opiniões e emoções; (iv) capazes de

integrar a memória episódica (individual) e a memória social (coletiva); (v) construídos de

modo a compor um esquema, organizado por categorias fixas; (vi) providos de intenção e de

objetivo (propósito); (vii) interligados à criação de uma rotina (estrutura esquemática

parcialmente fixa); e (viii) agentes formadores da identidade, na construção do “eu-mesmo” e

do “ele mesmo”.

Vale ressaltar que no discurso didático (expositivo, etc.), as estruturas discursivas

também podem ser expressas diretamente, por exemplo, em explicações e definições. Desse

modo, nem todo discurso se baseia em modelos mentais. O conhecimento genérico, portanto,

pode ser diretamente adquirido pelo discurso didático, ou pela generalização e abstração dos

modelos mentais da experiência pessoal ou como expressos em histórias ou noticiários. E,

vice-versa, uma vez adquirido, esse conhecimento genérico é novamente aplicado na

formação de novos modelos mentais interpretados na compreensão de novas histórias (VAN

DIJK, 2016a).

Estabelecendo uma interface entre discurso, cognição e sociedade, Van Dijk explicita

como certos modelos mentais e cognições sociais são responsáveis por fenômenos sociais

como o racismo, por exemplo, na medida em que este não é inato, mas aprendido, sobretudo,

por meio dos discursos públicos controlados pelas elites (VAN DIJK, 2008). As elites

simbólicas, representadas principalmente nas redes de comunicação, mas também no campo

educacional, influenciam os modelos mentais e atitudes dos cidadãos ao apresentar uma

imagem enviesada da sociedade, nos interesses de grupos dominantes, e contra os interesses

da sociedade civil.

Em suma, todas as nossas experiências cotidianas e, portanto, nosso conhecimento

pessoal dos eventos, é armazenado como modelos mentais subjetivos e multimodais, que

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controlam muitas estruturas discursivas. No entanto, tais modelos mentais, bem como as

formas em que estes são (parcialmente) expressos no discurso, são, por sua vez, baseados no

conhecimento genérico ou histórico sócio culturalmente compartilhado, organizados em

muitos modos diferentes (e ainda apenas parcialmente compreendidos) na memória (VAN

DIJK, 2016a). Um tipo característico de modelo mental são os modelos de contexto, que

veremos na teoria a seguir.

(III) Teoria do contexto

Os contextos representam um tipo específico de modelo mental: modelos de contexto,

e assim como os modelos mentais, são também definições subjetivas de situações, nas quais

nos comunicamos (VAN DIJK, 1993a). Neste sentido, os modelos de contexto representam as

experiências comunicativas da nossa vida cotidiana.

Se os modelos contextuais representam situações comunicativas e se o texto falante é

parte de tais situações, os usuários da linguagem também representam e monitoram

reflexivamente esse discurso e não apenas como uso da linguagem, mas também como ação

comunicativa e social. Isso implicaria que a própria representação mental do discurso é parte

do modelo de contexto, onde analiticamente texto e contexto são distintos e o contexto (sem

texto) influencia o texto. Encontramos aqui um dos mais complexos problemas teóricos (e

terminológicos) de uma teoria do contexto. Os atos em si são complexos e consistem, no

mínimo, em um modo de conduta observável (“comportamento”), uma intenção (engajar-se

em tal conduta) e um objetivo (um estado de coisas a ser realizado pelo ato) (VAN DIJK,

2015b).

Por conseguinte, os contextos são as estruturas de controle dos fenômenos sociais, em

geral, e do uso da linguagem e do discurso, em particular. Eles representam o que é relevante

no ambiente da ação social e do discurso para que os usuários de linguagem, como atores

sociais, possam adaptar seu texto e conversar. Assim, o contexto representa as condições que

definem a adequação pragmática do discurso (VAN DIJK, 2015b). Nesse sentido, está sujeito

à interpretação subjetiva feita pelos/as participantes da situação social na qual estão

inseridos/as (VAN DIJK, 2012a).

Os modelos de contexto são cruciais para a gestão do discurso, pois permitem que os

usuários de linguagem adaptem seu discurso à situação comunicativa, que é uma condição

fundamental para que seu discurso seja apropriado. Tais modelos contextuais são

essencialmente dinâmicos, pois caracterizam o eu em vários papéis comunicativos

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(palestrante, destinatário, autor, etc.), papéis ou identidades sociais (professor, jornalista),

categorias sociais (gênero, classe, idade, etc.), bem como os objetivos atuais, intenções e

estado de conhecimento dos/as participantes em cada momento de interação (VAN DIJK,

2012a).

Van Dijk (2015b) enfoca a noção de contexto em termos das propriedades da situação

comunicativa, conforme definidas como relevantes pelos/as participantes. Dessa forma, faz

sentido investigar a abordagem psicológica das situações sociais, que oferecem propostas

interessantes para a análise de como as pessoas definem o eu, categorizam outras pessoas e

seus papéis e identidades, interação e conhecimento, ou como as situações sociais influenciam

o “comportamento”.

Por fim, os contextos são assim chamados porque, etimologicamente, eles vêm junto

com os “textos”. Compreender o discurso significa compreender texto/conversação-em-

contexto, consequentemente, a análise do discurso e a análise da conversação precisam

explicitar o que são os contextos e como exatamente precisam ser analisados, de modo a

explicar como os usuários da língua chegam a esse tipo de compreensão (VAN DIJK, 2012a).

Em síntese, o contexto é (i) construto subjetivo dos/as participantes, embora apresente

componente objetivo; (ii) modelo mental que atua no controle da produção e da compreensão

do texto e do discurso; (iii) modelo mental, baseado na experiência interacional; (iv)

esquemático, apresentando categorias compartilhadas e convencionadas; (v) capaz de

controlar a produção e a compreensão do discurso; (vi) formado, ao mesmo tempo, por

características pessoais e sociais; (vii) dinâmico; (viii) amplamente planejado, não parte do

“zero” por haver lembranças acumuladas de eventos comunicativos prévios; (ix) imerso em

aspectos pragmáticos, pois permite que os usuários adaptem o seu discurso; (x) considerado

“não-texto”, sendo em geral sinalizado, mas não percebido de maneira direta; (xi) relacionado

à relevância pessoal e à interacional por meio das interpretações realizadas pelos

interlocutores; (xii) inserido em interações situadas (microcontextos) e em situações históricas

ou sociais totalizadoras (macrocontextos); (xiii) egocêntrico, centrado nos pronomes

ideológicos “nós” x “eles”; (xiv) referenciação (na perspectiva semântica) e adequação à

situação comunicativa (na perspectiva pragmática); e (xv) culturalmente variável (VAN DIJK,

2012a).

(IV) Psicologia discursiva ou teoria sociocognitiva do discurso: O triângulo discurso-

cognição-sociedade

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O autor adota uma abordagem sociocognitiva, baseado na premissa de que textos não

possuem significados próprios, mas sim são atribuídos significados por meio dos processos

sociocognitivos daqueles que usam a linguagem (VAN DIJK, 1991). Dessa forma, o

componente cognitivo é fundamental para uma teoria do discurso, em geral, e para os estudos

críticos, em particular. Tal mediação é definida em termos do conhecimento compartilhado e

ideologias dos membros do grupo e como estes influenciam modelos mentais que, finalmente,

controlam as estruturas do discurso individual (VAN DIJK, 2015a).

A psicologia discursiva enfatiza corretamente o papel fundamental do discurso e da

interação, no uso e reprodução do conhecimento na sociedade. Uma análise epistêmica do

texto e da fala não pode ser limitada à maneira como o conhecimento é mostrado no discurso,

mas também precisa de uma análise cognitiva independente, por exemplo, em termos de

modelos mentais subjacentes que representam o sentido completo do discurso como

subjetivamente atribuído por falantes e ouvintes e como intersubjetivamente baseado em

conhecimento sócio culturalmente compartilhado (VAN DIJK, 2012c). Portanto, o discurso

epistemológico deve ser parte de uma abordagem mais geral da epistemologia interacional e

baseado em uma teoria que explica como o conhecimento é adquirido e reproduzido - e então

pressuposto - pelos membros da comunidade e suas práticas sociais.

Vimos que, nesse caso, surge a situação paradoxal de que, se queremos estudar o

conhecimento socialmente compartilhado por meio da análise do discurso, grande parte desse

conhecimento não é expressa ou formulada e deve estar localizada nas condições cognitivas e

consequências do texto e da fala (VAN DIJK, 2012c). O autor ressalta que teoricamente e

metodologicamente, não há problemas nessa situação, visto que muitos fenômenos

fundamentais descritos na produção de conhecimento não são diretamente observáveis, mas

apenas inferidos a partir das condições ou consequências de fenômenos observáveis.

Enquanto todas as abordagens nos estudos de discurso críticos (EDC) estudam as

relações entre discurso e sociedade, uma abordagem sociocognitiva afirma que tais relações

são mediadas cognitivamente, o que justifica o triângulo Discurso-Cognição-Sociedade (VAN

DIJK, 2015a). O autor critica abordagens dos EDC que ligam o discurso com a sociedade,

ignorando os modelos mentais pessoais de experiências individuais e interpretações baseadas

em conhecimentos, atitudes e ideologias socialmente compartilhadas, tendo em vista que uma

análise detalhada da interface cognitiva entre discurso e sociedade não só fornece fundamento

metodológico para análises discursivas, como também explica o envolvimento do discurso na

reprodução da dominação e da resistência na sociedade.

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A abordagem sociocognitiva nos Estudos do Discurso é uma teoria que relaciona

estruturas do discurso com interação social e estrutura social por meio de uma interface

sociocognitiva, baseada no argumento de que estruturas discursivas e estruturas sociais

diferem quanto à natureza e não podem ser diretamente relacionadas. A teoria cognitiva

consiste, por um lado, de uma dimensão pessoal de modelos mentais pessoais (i) dos eventos

sobre os quais se fala ou se escreve, e (ii) da própria situação comunicativa (modelos

contextuais), e por outro de uma dimensão social que consiste de crenças, conhecimento,

atitudes e ideologias socialmente compartilhadas – que controlam os modelos mentais

pessoais, e indiretamente todo discurso (VAN DIJK, 2016b).

A maior parte das teorias anteriores e contemporâneas nos EDC, bem como nas

disciplinas adjacentes, tais como a sociolinguística e a antropologia linguística, supõem uma

relação direta entre discurso e sociedade (ou cultura). Uma teoria sociocognitiva conjectura

que as estruturas sociais precisam ser interpretadas e representadas cognitivamente e que tais

representações mentais afetam os processos envolvidos na produção e interpretação do

discurso. O mesmo princípio vale para a relação inversa, a saber, como o discurso é capaz de

afetar a estrutura social – especificamente por meio das representações mentais dos usuários

da língua como atores sociais (VAN DIJK, 2016b).

Podemos explicar os três componentes principais da teoria da seguinte forma: (i)

discurso de membros de grupos ou organizações como formas de controlar a interação e

como expressão à cognição pessoal e social subjacente; (ii) cognição em termos dos modelos

mentais pessoais dos membros, ou do conhecimento e das ideologias compartilhadas de

grupos e organizações; e (iii) sociedade definida em termos de grupos e organizações de

controle no nível macro e controle de interações no micronível; a base da sociedade necessita

de uma análise que vá além da interação social discursiva, explicar a fala institucional, por

exemplo, pressupõe uma teoria das instituições e de seus papéis na sociedade (VAN DIJK,

2015a; 2016b).

Assim, a interação social, as situações sociais e as estruturas sociais só podem

influenciar o texto e falar através das interpretações das pessoas de tais ambientes sociais. E,

inversamente, o discurso só pode influenciar a interação social e as estruturas sociais através

da mesma interface cognitiva de modelos mentais, conhecimentos, atitudes e ideologias

(VAN DIJK, 2015a).

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Os Estudos do Discurso Sociocognitivo (doravante EDSC) relacionam mais

amplamente as estruturas do discurso às estruturas sociais através de uma interface

sociocognitiva complexa. Assim, o EDSC trata do terreno comunicativo em comum e do

conhecimento social compartilhado, bem como das atitudes e ideologias dos usuários de

linguagem como participantes atuais da situação comunicativa e como membros de grupos e

comunidades sociais (VAN DIJK, 2016a).

Somente nos estudos referentes a cognição e em algumas direções da gramática do

discurso, da pragmática, da sociologia e da antropologia, encontramos uma orientação mais

cognitiva para analisar o uso da linguagem e do discurso - uma orientação sobre a “mente”

geralmente rejeitada ou ignorada pelas abordagens interacionais ao discurso (VAN DIJK,

1985a). A abordagem cognitiva moderna tem muito a oferecer aos estudos de interação

contemporâneos (VAN DIJK, 1985a).

Em suma, a análise crítica é fundamentalmente incompleta sem uma análise

sociocognitiva, por exemplo, em termos de modelos mentais, atitudes e ideologias (VAN

DIJK, 2016a). Os modelos mentais não apenas representam nosso conhecimento de um

evento, mas também podem apresentar nossa opinião sobre o valor ou nossas emoções sobre

o evento. Essa abordagem cognitiva do discurso em função de modelos mentais também

explica a distinção clássica entre sentido do falante, do discurso e do receptor (VAN DIJK,

2016b). Como formas de conhecimento socialmente compartilhado, as atitudes provavelmente

também estejam representadas na memória semântica ou “social”, na qual armazenamos todas

as crenças gerais e socialmente compartilhadas que são necessárias como base para formar

modelos mentais específicos, locais e pessoais, e suas opiniões (VAN DIJK, 2016b). Assim,

racismo, sexismo e outras formas de desigualdade social não influenciam o discurso de

maneira direta, nem, vice-versa, o discurso discriminatório influencia as estruturas sociais de

dominação. Isso só é possível por meio da interface cognitiva das atitudes socialmente

compartilhadas e dos modelos mentais pessoais baseados nelas (VAN DIJK, 2016b).

A ideologia, para os teóricos da ADC, é a ótica pela qual constituímos o mundo, ela é

a significação da realidade, composta de aspectos sociais, políticos e cognitivos, interferindo

diretamente na estrutura sociocognitiva (VAN DIJK, 2016b). Enquanto o conhecimento social

é definido como crenças compartilhadas por todos ou pela maioria dos membros de

comunidades ou culturas epistêmicas, as atitudes e ideologias são formas de crenças sociais

(muitas vezes avaliativas) que são compartilhadas apenas por grupos específicos. Assim, em

tal discurso ideológico podemos observar uma representação positiva do grupo “Nosso” e

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uma representação negativa dos “Outros” - sempre dependendo da situação comunicativa, isto

é, dos nossos modelos de contexto - em todos os níveis de texto ou de conversa: Tópicos,

léxico, descrições, argumentação, narração, metáforas e assim por diante (VAN DIJK, 2015a).

As ideologias são especificadas com mais precisão em atitudes socialmente

compartilhadas, sobre determinados “problemas” ou preocupações do grupo (tais como

ideologias racistas podem ser aplicadas e especificadas na formação de atitudes em relação à

imigração ou às cotas de emprego). Podemos explicar muitos aspectos das estruturas do

discurso, tais como coerência local e global, implícitos, indexadores, condições dos atos de

fala, bem como estruturas ideológicas, em função de modelos de situação e contexto

subjacentes, mas não reduzimos tais estruturas a modelos mentais (VAN DIJK, 2016b).

Os modelos de situação supracitados correspondem ao aspecto “intencional” ou

representacional do uso da linguagem, não devendo ser confundidos com o sentido

(intencional) do discurso, que constitui um nível e aspecto diferente e específico de

processamento do discurso. Nossa experiência e compreensão correntes dos eventos e

situações de nosso ambiente acontecem em função de modelos mentais que segmentam,

interpretam e definem a realidade enquanto a “vivemos” (SHIPLEY; ZACKS, 2008 apud

VAN DIJK, 2016b).

Para a produção e compreensão do discurso é importante estarmos atentos aos

aspectos da estrutura e do papel da cognição pessoal e social, que se encontram interligados

no processamento do discurso (VAN DIJK, 2016b). Os usuários da língua não são apenas

indivíduos, mas também atores sociais, membros de grupos linguísticos, epistêmicos,

comunidades e grupos sociais, instituições e organizações. Como membros de comunidades

linguísticas, eles compartilham uma língua natural. Como membros de comunidades

epistêmicas, eles partilham diversos tipos de conhecimento sociocultural sobre eventos

públicos, bem como estruturas genéricas do mundo natural e social. Como membros de

grupos sociais e comunidades, eles compartilham normas, valores, atitudes e ideologias neles

baseadas (VAN DIJK, 2016b).

O primeiro princípio de uma análise sociocognitiva é que ela vai além das clássicas

teorias e métodos “autônomos” de análise do discurso e da conversação, que estudam as

estruturas gramaticais, semânticas, pragmáticas, retóricas, estilísticas, narrativas,

argumentativas, interativas ou outras estruturas do discurso. Em segundo lugar, não existem

ligações diretas entre estruturas sociais e estruturas discursivas, pois toda produção,

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compreensão e usos do discurso são mediados pelas representações mentais dos participantes.

Por isso, se nos estudos críticos é estabelecida uma ligação entre discurso e poder social, tal

explicação deve ser vista como um atalho, como incompleta ou como tacitamente

pressupondo estruturas mentais dos membros e processos que permanecem sem explicação na

análise (VAN DIJK, 2016b).

Em suma, o discurso só pode ter condições e consequências sociais e políticas se

reconhecermos que ele é produzido por usuários da língua, como participantes sociais que não

só falam e agem, mas também pensam, sabem e sentem. Isso significa que, do mesmo modo

que nossa análise do discurso deve ser sistemática e detalhada, também a análise cognitiva

subjacente deve ser explícita e sofisticada. Só com essa ligação ausente tornada explícita

seremos capazes de entender como o discurso é capaz de funcionar na reprodução do abuso de

poder e na resistência contra ele (VAN DIJK, 2016b).

Em resumo, Van Dijk defende que, numa teoria social do discurso que relacione as

estruturas do discurso às situações sociais e à estrutura da sociedade, precisariam também

estar presentes vários componentes cognitivos, formulados em termos de condições sociais

compartilhadas (conhecimentos, ideologias, normas, valores) em geral, e dos modelos mentais

únicos dos membros sociais, em particular. Somente assim é possível ter uma teoria integrada

do discurso, do uso linguístico em geral, e do contexto em particular. Essa é também a razão

pela qual a abordagem geral do teórico é chamada de sociocognitiva, pois tem o propósito de

integrar as abordagens cognitivas e sociais do texto e da fala num único quadro teórico

coerente, sem reduções e sem nexos faltantes (VAN DIJK, 2012a).

Para fins metodológicos, o autor apresenta o conceito de episódio, que são unidades

linguisticamente e psicologicamente relevantes da estrutura e processamento do discurso. São

tomadas como unidades semânticas (sequências coerentes de frases de um discurso,

linguisticamente marcadas para o começo e/ou o fim, e definidas ainda mais em termos de

algum tipo de “unidade temática”), enquanto um parágrafo é a manifestação superficial ou a

expressão de tal episódio (VAN DIJK, 1981).

Como os episódios são tomados como unidades semânticas do discurso, é preciso

poder defini-los em termos semânticos, por exemplo, em termos de proposições. Num quadro

linguístico e discursivo, as proposições são consideradas como unidades que definem a

significação (VAN DIJK, 2012a). Assim, um episódio de um discurso representa uma

“sequência de proposições” específicas, que deve ser coerente, de acordo com as condições

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usuais de coerência textual (VAN DIJK, 1977). O autor ressalta que, além dessa chamada

coerência local, a sequência deve ser globalmente coerente, isto é, ser subsumida sob alguma

macroproposição mais global.

Por definição, uma macroproposição apresenta um predicado central e um número de

participantes centrais de um discurso, denotando uma propriedade, evento ou ação. A base

textual de cada macroproposição, portanto, é uma sequência de proposições do discurso. É

justamente essa sequência que chamamos de “episódio”, ou seja, um episódio é uma

sequência de proposições de um discurso que pode ser colocado em uma macroproposição

(VAN DIJK, 1981). Tal macroproposição explica a unidade geral de uma sequência

discursiva, intuitivamente conhecida como “tema”, “tópico” ou “essência”.

Para estabelecer relações de coerência entre as proposições de um discurso, muitas

vezes precisamos esclarecer os “elos perdidos” das proposições implícitas ou pressupostos

pelas proposições explicitamente expressas no discurso (VAN DIJK, 1985b). O início e o fim

de uma sequência episódica são teoricamente definidos em termos de proposições que podem

ser colocados pela mesma macroproposição, enquanto que a proposição anterior e a seguinte,

respectivamente, da primeira e última proposição de uma sequência episódica deve ser

subsumida por outra macroproposição. Esses “pontos de ruptura” são curiosamente marcados

por meios linguísticos (e outros). Tais observações são válidas apenas para a grande classe de

discursos de eventos e ações, dos quais o conjunto de histórias é apenas um subconjunto

(VAN DIJK, 1981).

Por fim, podemos diferenciar episódio social de episódio comunicativo. Um episódio

social se refere à junção entre a interação social e a situação social (entorno social relevante

da interação social); enquanto o episódio comunicativo corresponde à conexão entre o

discurso e a situação comunicativa (entorno relevante do discurso) (VAN DIJK, 2012a).

Encerrando essa apresentação prévia dos aspectos teóricos e metodológicos da teoria

Sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk, nós abriremos espaço para discutir

aspectos da cultura articulando com o processo de formação de professores/as, para situarmos

a análise do discurso crítica nesses estudos.

3.2 A PERSPECTIVA CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS PARA

AMPLIAR O REPERTÓRIO PROFISSIONAL A PARTIR DA ADC

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Ao passo que busca explicar as diferenças entre os povos, o conceito de cultura

contribui para unirmos a humanidade em meio à diversidade que lhe caracteriza. Esse

conceito sofreu várias modificações, desde o século XIII até os dias atuais. Cuche (1999)

apresenta um estudo de sua gênese e evolução histórica, diretamente ligada ao processo

social. Seu primeiro significado foi articulado com o cultivo da terra, no século XVI, este

conceito foi estendido para a mente humana, a cultura de uma faculdade mental. No século

XVIII, consolida-se o caráter classista da ideia de cultura, com o pressuposto de que somente

as classes privilegiadas da sociedade europeia poderiam aspirar ao nível de aprimoramento

que as caracterizaria como cultas. Mais à frente, no século XX, a noção de cultura passa a

incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos dos meios de comunicação de massa.

A cultura representa um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis da mudança

histórica no novo milênio (HALL, 1997). De acordo com a Declaração Universal sobre a

Diversidade Cultural, culturas são os traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e

afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, abrangendo, além das artes e

das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições

e as crenças de diferentes povos (UNESCO, 2002). Nesse contexto, todas as práticas sociais,

na medida em que sejam relevantes para o significado ou demandem significado para

funcionarem, têm uma dimensão cultural (HALL, 1997). Ainda segundo o autor, se

entendemos que a cultura regula as práticas e condutas sociais, então, é profundamente

importante quem regula a cultura. Assim, considerar a centralidade da cultura implica em

questionar as relações de poder construídas no cerne das diferenças culturais.

Apple (1999) afirma que valorizar e reconhecer a importância da esfera cultural

implica em considerar a força do capitalismo, o caráter determinante das relações de produção

e o poder da classe social dominante. Afinal, a cultura nacional, ponto de lealdade, união e

identificação simbólica, é também uma estrutura de poder cultural (HALL, 2006). É

importante termos em mente que as relações entre as diferentes culturas não representam uma

questão de consenso, mas um ponto que envolve, fundamentalmente, relações de poder

(SILVA, 2000). A criação sociocultural da identidade (aquilo que se é) e da diferença (aquilo

que o outro é) é resultado de uma produção simbólica e discursiva, não se trata de um dado

natural, mas de concepções impostas, que não convivem harmoniosamente, mas são

disputadas (SILVA, 2000).

As diferenças culturais são repletas de contradições e assimetrias de poder e

privilégios, que se traduz em atitudes discriminatórias. A discriminação é uma das muitas

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filhas do capital, no nosso caso, é produto do colonialismo e atingiu o seu extremo com o

aparecimento do capitalismo financeiro (OLIVEIRA; MIRANDA, 2004). Ainda segundo as

autoras, como sistema de dominação, o capitalismo reforça os processos de exclusão,

sobretudo por meio da discriminação racial.

Neste processo crescente de exclusão, os mais afetados são os “Outros”, os que não

têm acesso às diferentes dimensões do processo de globalização, e, pertencem a etnias

historicamente subjugadas e silenciadas, que resistem a colocar a competitividade e o

consumo como valores fundamentais da sociedade (CANDAU, 2012). Para contrapor essa

organização social, precisamos ver a escola não simplesmente como um espaço de

socialização e instrução, mas também como um constructo cultural, que confere poder ao/à

estudante e se compromete com a transformação social (MCLAREN, 1997).

Dessa forma, Van Dijk ressalta de forma recorrente a importância da estrutura

ideológica para o exercício e a manutenção do poder social, compreendendo cognições

fundamentais, socialmente compartilhadas e relacionadas aos interesses de um grupo e dos

seus membros. Essa base ideológica é adquirida, mantida ou alterada, através da comunicação

e do discurso (VAN DIJK, 2008). Van Dijk (2008, p. 121-122) destaca os modos como o

poder e a dominação participam do controle mental,

Em primeiro lugar, os receptores tendem a aceitar crenças, conhecimento e

opiniões (salvo se forem inconsistentes com relação a suas crenças e

experiências pessoais) através do discurso produzido por aqueles que são

considerados fontes autorizadas (...). Segundo lugar, em algumas situações,

os participantes são obrigados a serem os receptores do discurso, como por

exemplo, na educação e em muitas situações de trabalho (...). Em terceiro

lugar, em muitas situações, não existem discursos públicos ou meios de

comunicação que possam fornecer informação da qual possam ser derivadas

crenças alternativas (Downing, 1984) (...). Em quarto lugar, e mais

estreitamente ligado aos pontos anteriores, os receptores podem não possuir

o conhecimento e as crenças necessárias para questionar o discurso ou a

informação a que são expostos (Wodak, 1987) (...).

Nesse sentido, aqueles grupos que controlam o discurso mais influente também

possuem mais chances de controlar as mentes e as ações de outros. O poder dos grupos

dominantes pode estar integrado a leis, regras, normas, hábitos e mesmo a um consenso geral,

e assim assume a forma de “hegemonia” (GRAMSCI, 1971 apud VAN DIJK, 2008); a

dominação de classe, o sexismo e o racismo são exemplos característicos dessa hegemonia.

Teun Van Dijk é o principal teórico a tratar o tema do racismo dentro do campo dos

estudos de discurso críticos, caracterizando o racismo como um sistema de dominação social,

controlado por elites simbólicas (VAN DIJK, 1993b). Esse sistema, então, favorece os

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interesses das pessoas brancas (europeias) e é contra os interesses das pessoas não brancas

(não europeias) (VAN DIJK, 2015a). O racismo, como sistema de dominação social, tem duas

dimensões principais – a das representações socialmente compartilhadas (atitudes

preconceituosas), por um lado, e práticas sociais específicas de tratamento ilegal

(discriminação).

No racismo, os estereótipos racistas, os preconceitos e as ideologias explicam por que

e como as pessoas se envolvem em práticas discriminatórias, por exemplo, porque pensam

que os “Outros” são inferiores. Essas crenças ou representações sociais que muitos membros

do grupo dominante (branco) têm sobre imigrantes e minorias são, em grande parte, derivadas

do discurso (VAN DIJK, 2000).

O racismo tem duas componentes principais, a saber, uma social e outra cognitiva. O

componente social do racismo consiste em práticas discriminatórias cotidianas, no micronível

de análise; e organizações, instituições, arranjos legais e outras estruturas sociais, no nível

macro. Como os discursos são práticas sociais, o discurso racista pertence a esta dimensão

social do racismo. Por outro lado, as práticas sociais também têm uma dimensão cognitiva, ou

seja, as crenças que as pessoas têm, como conhecimentos, atitudes, ideologias, normas e

valores (VAN DIJK, 2000).

Ideologias racistas, como acontecem com várias ideologias, são de modo geral

organizadas por um esquema bipolar de representação positiva de si mesmo e representação

negativa do “Outro” (diminuição), um esquema que também influencia a estrutura de atitudes

racistas específicas (p. ex., em relação à imigração ou às cotas), e essas podem pôr fim

influenciar os modelos mentais concretos que os membros do grupo formam de eventos

étnicos específicos de que eles participam ou sobre os quais leem ou ouvem falar (VAN

DIJK, 2016b). Dessa forma, os membros de grupos minoritários diariamente são confrontados

com conversas racistas, e não por causa do que eles fazem ou dizem, mas apenas por causa do

que eles são. São, portanto, sujeitos a uma forma acumulativa e agravante de assédio racista,

que é uma ameaça direta ao seu bem-estar e qualidade de vida (VAN DIJK, 2004).

O discurso racista é uma das práticas racistas discriminatórias e, ao mesmo tempo, a

principal fonte de construção e reprodução de preconceitos e ideologias racistas (VAN DIJK,

2016b). Existem duas formas principais de discurso racista: (i) discurso racista dirigido a

outros etnicamente diferentes e (ii) discurso racista sobre outros etnicamente diferentes (VAN

DIJK, 2004). É esta segunda modalidade de discurso que compõe o foco dos estudos de Van

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Dijk e que vamos abordar no trabalho. Embora todos os membros do grupo dominante

possam ter acesso a práticas discriminatórias e discursos específicos na interação cotidiana, os

mais influentes são os discursos discriminatórios públicos das elites simbólicas na política, na

mídia e na educação (VAN DIJK, 2016b).

O racismo em cada país se manifesta de forma diferente, dependendo da história do

racismo, da escravidão, das imigrações, do colonialismo, entre outros fatores. Mas, em geral,

os discursos, preconceitos e ideologias racistas que circulam na maioria dos países da

América Latina são muito similares aos dos discursos na Europa (VAN DIJK, 2015a). Os

negros e povos indígenas na América Latina, por qualquer critério de poder, são

economicamente, socialmente e culturalmente desiguais para as pessoas de ascendência

europeia. O mesmo ocorre também no Brasil, onde metade da população é de descendência

africana (VAN DIJK, 2015a).

O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, que se configurou

como uma das mais severas das Américas, porque os proprietários de escravos tinham uma

oferta tão vasta que poderiam fazê-los morrer em poucos anos. Até hoje, os afro-brasileiros

têm salários mais baixos, piores empregos, más condições de moradia, menos cuidados de

saúde e educação, além de estarem mal representados nos parlamentos locais, regionais ou

federais, ou entre juízes, professores e elites empresariais (VAN DIJK, 2015a). Em suma, o

Brasil não só é um país fundamentalmente desigual por classe social, mas também é

caracterizado por uma generalizada desigualdade racial, desde a época da colônia e da

escravidão até hoje.

O fim da escravidão negra e de sistemas legislatórios racistas na maioria dos países,

bem como o surgimento de políticas afirmativas e leis anti-discriminatórias são inegáveis

progressos, porém, elas não evitam a permanência de preconceito e desigualdades

econômicas, sociais e culturais entre brancos e negros, o que se configura como o novo

racismo (VAN DIJK, 1993a).

O novo racismo das sociedades ocidentais é um sistema de desigualdade étnica ou

racial consistindo de conjuntos de práticas discriminatórias diárias, por vezes sutis,

sustentadas por representações socialmente compartilhadas, tais como estereótipos,

preconceitos e ideologias (VAN DIJK, 2000). Este sistema é reproduzido não apenas na

participação diária dos membros (brancos) do grupo em várias formas não verbais de racismo

cotidiano, mas também pelo discurso. Ainda segundo o autor, o texto e a conversa sobre os

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“Outros”, especialmente pelas elites, funcionam principalmente como fonte de crenças étnicas

para os membros do grupo e como meio de manter e legitimar o domínio. A representação

negativa sistemática dos “Outros” contribui de forma vital para os modelos mentais negativos,

os estereótipos, os preconceitos e as ideologias sobre os “Outros” e, portanto, indiretamente,

para a reprodução do racismo (VAN DIJK, 2000).

Considerando que muitas formas do novo racismo são discursivas - expressas,

promulgadas e confirmadas por textos e conversas - o discurso antirracista é uma prática

importante, que também é a maneira como as cognições antirracistas estão sendo adquiridas e

reproduzidas (VAN DIJK, 2015a). De fato, o antirracismo precisa ser aprendido -

principalmente pelo texto e pela conversa.

Hoje a luta deve ser concentrada em deslegitimar os mitos penetrantes de “democracia

racial” e “racismo cordial”, celebrando as qualidades de uma “raça mista” e ignorando as

muitas formas de desigualdade racial e discriminação, para tanto, surgiram os movimentos

antirracistas (VAN DIJK, 2015a). O autor conceitua antirracismo como um sistema de

resistência e oposição, que consiste em um subsistema de práticas sociais antirracistas

(protestos, etc.) baseado em um subsistema de cognição social antirracista (ideologia e

atitudes).

Nessa perspectiva, surgiram na década de 1970 os Movimentos Negros, parcialmente

inspirados pelo Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos da América, que

começaram a reivindicar seus direitos, principalmente na esfera cultural, mas mais tarde

também na política e na economia (VAN DIJK, 2015a). Ao mesmo tempo, a pesquisa social

quantitativa finalmente começou a documentar os fatos das muitas áreas da desigualdade

racial. Todavia, apenas no final da década de 1990, com as pressões dos movimentos sociais,

o governo e as instituições oficiais brasileiras começaram a estabelecer e praticar políticas

destinadas a conter essa desigualdade - como a política de cotas universitárias para estudantes

negros (VAN DIJK, 2015a), possibilitando representatividade cultural também no âmbito

educacional.

Assim, em vez de preservar uma tradição monocultural, a partir da homogeneização e

padronização cultural, a escola está sendo convidada a lidar com a diversidade de culturas, ao

passo que problematiza as relações de poder entre os diferentes sujeitos socioculturais

presentes em seu contexto e abre espaços para a manifestação e valorização das diferenças

(MOREIRA; CANDAU, 2003). Ainda segundo os/as autores/as, se a escola ignora as

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manifestações de preconceito e discriminação presentes no seu cotidiano, estará a serviço da

reprodução de padrões de conduta reforçadores dos processos discriminadores presentes na

sociedade. Precisamos, pois, questionar tudo que se passa de forma naturalizada, e, a partir

disso, entender o nosso papel na transformação social. Para tanto, Moreira (2001) orienta uma

abordagem que desestabilize a lógica eurocêntrica, cristã, masculina, branca e heterossexual

que tem guiado nossa sociedade, a fim de contribuir com a humanização do mundo. Todavia,

para que essas discussões sejam consideradas na educação, é preciso rever a formação de

professores, que deve considerar a diversidade cultural.

Uma formação guiada nessa perspectiva pode possibilitar aos/às professores/as

construir conhecimentos e habilidades para promover uma educação crítica e cidadã, que vise

transformações positivas na nossa sociedade. Destacamos, por outro lado, a importância de

não esquecer de considerar também as condições do contexto escolar desse profissional e a

participação destes como grupo cultural. Tardif (2000, p. 15) destaca que “um professor tem

uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade,

uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações carregam as marcas dos

contextos nos quais se inserem”.

Assim, os/as professores/as precisam reconhecer o lugar que ocupam como agentes

culturais, para, a partir de então, problematizar as relações de poder estabelecidas na

heterogeneidade cultural dos/as estudantes no âmbito escolar. Para tanto, argumentamos a

importância de um repertório profissional amplo, que permita ao/à professor/a lidar com

diferentes situações de sala de aula no trabalho com a diversidade cultural.

Concordando com Garcia (2010), entendemos que o conhecimento da matéria não é

um indicador suficiente da qualidade do ensino, há outros tipos de conhecimentos igualmente

importantes, tais como o conhecimento do contexto (onde se ensina), dos alunos (a quem se

ensina), de si mesmo e de como se ensina. Para Shulman (1986; 1987), essa base de

conhecimentos, que subjazem as compreensões, habilidades e disposições necessárias ao

trabalho docente, corresponde ao repertório profissional. Compreende este repertório, o

conhecimento de conteúdo específico, o conhecimento de processos pedagógicos em geral e o

conhecimento pedagógico do conteúdo específico (SHULMAN, 1987).

O conhecimento de conteúdo específico corresponde a dois tipos de conhecimento:

substantivo (incluem paradigmas explicativos utilizados pela área) e sintático (padrões que

uma comunidade disciplinar estabeleceu de forma a orientar as pesquisas na área)

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(SHULMAN, 1987). Ainda segundo o autor, a partir dessa abordagem, o/a professor/a

apresenta o que é essencial na matéria, servindo, muitas das vezes, como fonte primária da

compreensão deste pelo/a aluno/a. Shulman (1987) argumenta que a postura adotada pelo/a

professor/a está fortemente relacionada à compreensão do conteúdo, pois o/a professor/a que

não tem segurança do conteúdo a ser ensinado tende a optar por práticas mais expositivas e

pouco dialógicas, enquanto aqueles/as que entendem do assunto a ser ensinado, geralmente

são mais flexíveis e dinâmicos.

O conhecimento pedagógico geral inclui o domínio de teorias e princípios

relacionados a processos de ensinar e aprender, correspondendo a um conhecimento que

transversaliza todas as áreas (SHULMAN, 1987). Por fim, o conhecimento pedagógico do

conteúdo corresponde ao saber específico da docência, inclui a compreensão do conteúdo da

matéria somado aos métodos e técnicas necessárias ao ensino, além de considerar a adaptação

aos/às alunos/as, considerando sua diversidade de interesses e habilidades (SHULMAN,

1987).

Estabelecendo um paralelo entre a classificação dos conhecimentos apresentada por

Garcia (2010) e a proposta de Shulman (1987), podemos relacionar o que o primeiro autor

chama de conhecimento da matéria ao conhecimento de conteúdo específico proposto por

Shulman; o como se ensina proposto por Garcia (2010) estaria relacionado com o

conhecimento pedagógico geral (SHULMAN, 1987) e o conhecimento do contexto, dos

alunos e de si mesmo (GARCIA, 2010) corresponderia ao conhecimento pedagógico do

conteúdo específico apresentado por Shulman (1987).

No processo de reflexão das experiências didáticas, Garcia (2010, p. 15) destaca que

Avaliar a qualidade das experiências supõe levar em consideração dois

aspectos básicos: um aspecto imediato, que se refere a quão agradável ou

desagradável é a experiência para o sujeito que a vive; e um segundo

aspecto, que se refere ao efeito que a dita experiência venha a ter em

experiências posteriores, ou seja, a transferência para aprendizagens

posteriores.

De acordo com Van Dijk (1993a), além da experiência, o conhecimento também pode

ser construído por meio do discurso, sendo este conhecimento fundamental para que ocorram

as interações sociais. Assim, as experiências refletidas e socializadas possibilitam a

capacidade do/a professor/a mobilizar um conjunto de conhecimentos, para lidar com os

desafios presentes tanto no cotidiano escolar, quanto na sala de aula. Esses conhecimentos,

provenientes do discurso ou das experiências vividas, formam o repertório profissional dos/as

professores/as. A ampliação desse repertório habilita o/a professor/a a atuar, com mais

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130

destreza, em uma infinidade de situações na sala de aula, adaptando as suas práticas a

situações que sempre se renovam.

Tendo em vista a dimensão do discurso para possibilitar graus de conhecimentos

importantes para o trabalho docente, acreditamos que a Análise do Discurso Crítica (ADC)

representa uma ferramenta com potencial para investigar os discursos dos/as professores/as,

com foco sobre a mobilização de duas perspectivas teóricas que advogam pela diversidade

cultural: O pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico. Martínez-Pérez (2012)

destaca que no âmbito do ensino de Ciências, a ADC tem sido adotada nos últimos anos como

um método para a análise da formação discursiva.

De acordo com a premissa de que o discurso é bastante influenciado pelas

características do ambiente em que é produzido, isto é, pelo modelo contextual, o auto

monitoramento da maneira mais clara de falar sobre assuntos delicados é particularmente

importante (VAN DIJK, 1993a). Finalmente, deve-se considerar que se o discurso tem uma

função social a partir da qual é construído, ele variará de acordo com o contexto em que está

inserido.

Entendemos que analisar os discursos de professores/as abre um leque de

possibilidades de pesquisas para aperfeiçoar o trabalho de formação docente, sobretudo

porque, na medida em que as pessoas se preocupam em construir um discurso adaptado ao

contexto, este discurso cria situações próprias ou contextos que se acomodam. Desse modo,

entendemos que o discurso ao mesmo tempo que é causa, também é consequência de uma

situação ou contexto, e é, em si, um foco de interesse de pesquisa, não somente um meio para

acessar aspectos da realidade (GILL, 2000).

Nesse sentido, uma análise Sociocognitiva do discurso deve considerar, além dos

modelos mentais, também os modelos contextuais que formam a interação discursiva. Assim,

podemos inferir como um conjunto de termos, lugares comuns e descrições usadas para se

referir a um tema formam o repertório profissional de um grupo de professores/as em

formação inicial. Destaca-se que esses repertórios se caracterizariam precisamente pela

variabilidade, e não pelo consenso. Um repertório rico deve oferecer ao professor

flexibilidade e agilidade na reação ou resposta a diferentes situações no âmbito escolar.

Nos capítulos que seguem, apresentamos as discussões referentes aos objetivos

específicos da pesquisa empírica, que teve como objetivo geral compreender como

professores/as de Biologia em formação inicial integram os discursos do pluralismo

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131

epistemológico e do multiculturalismo crítico no repertório profissional deles/as. Para analisar

tais discursos, nos apoiamos na teoria sociocognitiva apresentada e nos referenciais de

formação de professores/as para a diversidade cultural.

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135

CAPÍTULO 4

QUESTÕES CULTURAIS NO ENSINO DE GENÉTICA: POSICIONAMENTOS DE

PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL16

__________________________________________________________________________________

Este capítulo apresenta a discussão do primeiro objetivo específico, voltado para

identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de Biologia em formação

inicial frente a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e

o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que

promoveu problematizações de questões culturais. Visa, assim, contribuir para que o objetivo

geral, que se refere a compreender como eles/elas integram os discursos do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico no seu repertório profissional, seja atingido.

4.1 INTRODUÇÃO

A escola é um espaço plural, que integra diferentes configurações de grupos étnicos,

culturais e sociais. A diversidade cultural presente no âmbito escolar representa um

mecanismo para suscitar discussões pautadas no processo sócio-histórico de construção de

uma sociedade marcada pela desigualdade socioeconômica e racial. Moreira e Candau (2003,

p. 163) comentam que “talvez seja possível afirmar que estamos imersos em uma cultura da

discriminação, na qual a demarcação entre “nós” e “os outros” é uma prática social

permanente”. Esses/as autores/as discutem ainda que a escola é palco de manifestações de

preconceitos e discriminações, que tendem a ser ignorados por uma padronização igualitária,

pautada no monoculturalismo.

Todavia, tais acontecimentos precisam ser problematizados e desnaturalizados. Afinal,

a desconstrução do ideal de superioridade de um grupo, em detrimento de outro, pode

fornecer subsídios práticos para que membros de grupos historicamente subalternizados

possam entender como essa situação se construiu e, como conjunturas semelhantes de

opressão são constituídas também histórica e socialmente, passíveis, dessa forma, de serem

16 O presente capítulo é uma versão ampliada e aprofundada do artigo “Interações Discursivas em Sala

de Aula: os posicionamentos de estudantes de licenciatura em Biologia sobre a política de cotas raciais

no ensino superior brasileiro”, aceito para publicação na edição de 2020 da revista Discurso &

Sociedad. Esta versão completa será submetido a mesma revista.

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136

transformadas. A educação para a transformação social precisa estar comprometida com a

diversidade, para tanto, neste trabalho, estamos propondo que o/a professor/a se apoie nos

sentidos de duas perspectivas teóricas, que se referem ao pluralismo epistemológico e ao

multiculturalismo crítico.

Seguindo a perspectiva do pluralismo epistemológico, temos a ideia de que cada

conhecimento construído por diferentes grupos culturais tem sua importância e, portanto, deve

ser respeitado por seus próprios méritos, de modo que cabe ao ensino de Ciências demarcar

estes saberes e os conhecimentos denominados científicos (COBERN; LOVING, 2000). O

multiculturalismo crítico, por sua vez, se refere a uma perspectiva teórica que busca a

desconstrução dos padrões hegemônicos de sociedade, problematizando assim a lógica

branca, masculina, cristã e heterossexual (MCLAREN, 1997). Discutimos que ambas as

perspectivas teóricas, em suas defesas, advogam pelo respeito a diversidade cultural e podem

subsidiar práticas pedagógicas nessa vertente.

No contexto do ensino de Ciências, destacamos a Genética como uma área em

potencial para suscitar discussões pautadas na diversidade cultural, sobretudo acerca das

questões étnico-raciais e do eurocentrismo, termo usado para indicar a centralidade da Europa

na formação da sociedade moderna. Isso porque essa área do conhecimento foi uma das

responsáveis por sustentar a ideia de superioridade do branco sobre o negro, com base numa

definição biológica de raças humanas, conceito que só foi questionado sistematicamente em

1972, a partir de estudos desenvolvidos por Richard Lewontin, um evolucionista da

Universidade de Harvard (MEYER, 2017).

Tal estudo parte da definição de sete grupos raciais bastante aceitos: Caucasianos,

Negros Africanos, Mongolóides, Aborígenes do Sudeste Asiático, Ameríndios, povos da

Oceania e Aborígenes Australianos. Lewontin comparou as semelhanças genéticas entre

indivíduos que pertenciam a uma mesma raça com aquelas de indivíduos de raças diferentes.

Os seus resultados revelaram que dois indivíduos de uma mesma raça eram tão distintos uns

dos outros quanto indivíduos de raças diferentes. Outros estudos se apoiaram nessa

abordagem e chegaram à mesma conclusão, de que as diferenças genéticas entre as raças

humanas são ínfimas, de modo que a maior parte da variação genética em humanos não está

entre grupos raciais, mas dentro deles (MEYER, 2017).

Embora o conceito biológico de raça seja amplamente questionado e considerado por

muitos geneticistas um conceito desconstruído, a perspectiva social desse conceito se encontra

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presente nas nossas relações sociais. Assim, entendemos a importância de propor atividades

no contexto do ensino de Ciências, tal como na área da Genética, para promover a

desconstrução de estereótipos; a valorização de grupos e identidades subalternizados; a

problematização da escassa representatividade desses grupos em espaços sociais, políticos e

no currículo; e a contextualização histórica das estruturas que marginalizaram estes grupos do

poder (CANEN, 2014).

Todavia, pensar numa educação escolar para a diversidade cultural demanda

considerar o processo de formação de professores/as para essa finalidade (CANEN; XAVIER,

2011). Assim, é importante que os/as formadores/as dentro das universidades proporcionem

aos/as futuros/as professores/as momentos que envolvam tanto a abordagem de conceitos

denominados científicos quanto outros sistemas de saberes e questões socioculturais.

De modo geral, se observa uma grande insatisfação tanto das instâncias políticas

quanto do professorado em exercício ou dos/as próprios/as formadores/as com respeito à

capacidade das atuais instituições de formação de darem respostas às necessidades da

profissão docente (GARCIA, 2010). Nesse contexto, ressaltamos os princípios do processo de

simetria invertida, que se refere a coerência que deve haver entre as ações desenvolvidas

durante a formação de um/a professor/a e o que dele/a se espera como profissional (BRASIL,

2002). Assim, o preparo do/a professor/a na sua formação inicial deve ocorrer em lugar

similar àquele em que vai atuar, a fim de aproximar as atividades na formação com a prática

futura.

As experiências dessa natureza, durante o processo de formação inicial, deverão

proporcionar aos/às licenciandos/as práticas análogas à que seus/suas alunos/as irão vivenciar,

sem, contudo, igualar as situações de aprendizagem do ensino superior com as da educação

básica (OLIVEIRA; BUENO, 2013). Essas experiências no processo de formação contribuem

para enriquecer o repertório profissional, que corresponde ao corpo de compreensões,

conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários ao/a professor/a (SHULMAN,

1986). Este, se forma tanto a partir do discurso, quanto através das vivências.

Assim, as interações discursivas das experiências promovem a ampliação do repertório

profissional, tanto pela autorreflexão do trabalho pedagógico quanto pela aprendizagem a

partir do discurso partilhado das experiências de outros/as. A análise dos posicionamentos

dos/as professores/as em formação inicial no contexto das interações discursivas possibilita a

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compreensão de como ocorre esses processos de ampliação do repertório profissional tão

importante para a formação docente.

A análise do discurso crítica (ADC), como um modo particular de análise de

posicionamentos nas interações discursivas, destaca o potencial do discurso nas relações

sociais, bem como em questões de dominação e manutenção do poder (VAN DIJK, 1993). As

pesquisas nesse campo podem estimular discussões e reflexões no âmbito do ensino, de modo

a promover mudanças sociais capazes de mitigar problemas de desigualdade, preconceito e

discriminação (CONRADO; CONRADO, 2016).

Considerando que o discurso cria situações próprias ou contextos que se encaixam,

compreender o discurso como causa e consequência da situação ou contexto, implica que o

discurso é em si um foco de interesse de pesquisa, não somente um meio para acessar os

aspectos sociais da realidade (GILL, 2000). Dessa forma, entendemos que analisar os

discursos de professores/as abre um leque de possibilidades de pesquisas para aperfeiçoar o

trabalho de formação docente, principalmente por compreender os possíveis reflexos de uma

formação condizente com o que se espera deste/a profissional na prática pedagógica.

Nesse contexto, este capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar os

posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial frente a temas abordados

na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, no

contexto de uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de

questões culturais.

4.2 O PERCURSO METODOLÓGICO

4.2.1 A natureza da pesquisa

A pesquisa tem natureza qualitativa, sendo que optamos por desenvolver a

investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da

teoria crítica. Na perspectiva interacionista, os significados do Ser só são viabilizados em

relação a outro Ser social, assim, a busca pelo conhecimento do mundo é orientada através da

interação entre sujeito e objeto (CROTTY, 1998). Ainda segundo o autor, o princípio

fundamental da interação é que os grupos humanos “existem em ação” e assim devem ser

vistos. As normas de ação humana se aplicam tanto para a ação individual como para a ação

conjunta e ambas podem se constituir em objeto de estudo.

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Tendo em vista que a perspectiva desse paradigma não focaliza as contradições do

processo de formação de professores/as e o desenvolvimento de práticas que coloquem em

questionamento as culturas de minorias, optamos por vincular a pesquisa também à teoria

crítica (Escola de FrankFurt), ao passo que compreendemos a produção do conhecimento

como uma maneira de atuar, intervir e transformar a dinâmica social (CROTTY, 1998).

4.2.2 Organização da pesquisa e definição dos sujeitos

A pesquisa empírica foi desenvolvida no município de Aracaju, capital de Sergipe,

com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade Federal de Sergipe

(UFS), no contexto de uma disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e

Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, com

carga horária de 60 horas, ministrada pela pesquisadora. A disciplina promoveu discussões

sobre a lógica eurocêntrica de produção de conhecimento e de seu ensino e questões

referentes às diferenças étnico-raciais ao passo que discutimos conteúdos de Genética, tais

como herança genética, gene, conceitos de raça e espécie, melhoramento genético, entre

outros temas. Para tanto, foi organizada na perspectiva do pluralismo epistemológico, ao

abordar as diferentes formas de conhecimentos; bem como na perspectiva do

multiculturalismo crítico, ao discutir as relações de poder construídas em torno da diversidade

de grupos socioculturais.

A problematização supracitada foi ancorada na abordagem por problemas, abrangendo

conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, desenvolvida em quinze encontros de

quatro horas cada, de acordo com o semestre letivo regular da referida instituição, nos meses

de Abril a Agosto de 2018. Para considerarmos a potencialidade do planejamento em acionar

os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico, buscamos a

validação por pares do plano de curso da disciplina. Foram convidados/as 17 pesquisadores/as

da área de ensino, por terem experiência em discussões e práticas com as perspectivas teóricas

que nos propusemos a acionar, sendo que, destes, 10 nos retornaram com a devida avaliação.

Para tanto, cada pesquisador/a recebeu por correio eletrônico o plano de curso e o formulário

metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas no sentido do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico (Quadro 1).

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Quadro 1. Formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas pedagógicas no sentido do

pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico.

1. Quanto à dimensão epistemológica Sim

(1.0)

Em parte

(0.5)

Não

(0.0)

Sugestão

A1. Há problematização referente à

abordagem cientificista ao passo que são

apresentadas as limitações da ciência e o

caráter provisório dos conhecimentos

denominados científicos?

B1. Há problematização das influências

políticas, culturais e/ou de gênero, que

permeiam a construção do conhecimento?

C1. Há estímulo aos/às estudantes para

considerar diferentes discursos sobre o

mundo, valorizando os conhecimentos

provenientes das diferentes culturas?

D1. Há orientação de que cada

conhecimento tem seu alcance e validade e,

assim, pode ser adequadamente aplicado?

2. Quanto ao diálogo intercultural Sim

(1.0)

Em parte

(0.5)

Não

(0.0)

Sugestão

A2. Há estímulo ao debate acerca dos

conhecimentos culturais dos/as estudantes e

como esses conhecimentos são importantes

para eles/as nos seus meios sociais?

B2. Há proposta de auxiliar os/as estudantes

na compreensão dos conceitos científicos a

fim de ampliar suas visões, sem anular suas

culturas e crenças?

C2. Há articulação entre os saberes dos/as

estudantes e os conhecimentos

denominados científicos, sem que seja

concebida superioridade epistêmica de um

saber em detrimento de outro?

D2. Há utilização de exemplos e

conhecimentos de grupos étnicos e culturais

no contexto da aula?

3. Quanto às implicações e intenções

políticas

Sim

(1.0)

Em parte

(0.5)

Não

(0.0)

Sugestão

A3. Há discussão das relações de poder

entre as culturas, questionando a posição

subalternizada de grupos minoritários, tal

como os afrodescendentes?

B3. Há questionamento em relação a

naturalização de preconceitos e

discriminação, buscando interrogar o

caráter monocultural e o eurocentrismo do

que se denomina ciência?

C3. Há articulação do discurso biológico

com discursos históricos, políticos,

sociológicos e culturais?

D3. Há preocupação em problematizar as

identidades coletivas marginalizadas,

destacando o protagonismo e a resistência

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141

de grupos culturais subalternizados

historicamente?

Fonte: As autoras, com base no referencial teórico (Formulário final, após a validação).

Para cada característica deste formulário, o grupo de pesquisadores/as assinalou se o

plano de curso atendia completamente (1.0 pontos), parcialmente (0.5 pontos) ou não atendia

(0.0 pontos) o que estava sendo solicitado, acrescentando também sugestões, quando fosse o

caso17. A partir dos resultados da validação, realizamos modificações no plano de curso, a fim

de atender com maior profundidade as características do presente formulário, o que nos

indicaria maior aproximação com os sentidos do pluralismo epistemológico e do

multiculturalismo crítico18.

A escolha pela Universidade Federal de Sergipe como campo de produção de dados

justifica-se pelo fato da pesquisadora ter vínculo como professora voluntária, no período da

pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da disciplina, uma no período vespertino e outra no

turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as matriculados/as, respectivamente, número que foi

reduzido para 10 e 4 licenciandos/as que concluíram a referida disciplina, respectivamente.

Todavia, para análise dos posicionamentos nas interações discursivas, foco deste capítulo,

optamos por realizar as gravações apenas na turma da tarde, a fim de viabilizar o tratamento

dos dados. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as matriculados/as assinaram o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Identificamos os sujeitos por nomes fictícios

escolhidos por eles/as próprios/as.

4.2.3 Procedimentos para a produção e análise dos dados

Todas as aulas da disciplina foram registradas em vídeo e em áudio. Flick (2009)

destaca que a gravação em vídeo, como forma de registro da observação, tem o potencial de

captar fatos e processos que são rápidos ou complexos ao olho humano, além de

permanecerem disponíveis ao/à pesquisador/a e a outras pessoas, por ele/a autorizadas, que

podem ter o interesse de reavaliá-los.

A análise dos dados provenientes do registro de vídeo e de áudio dos posicionamentos

nas aulas da disciplina foi conduzida tendo por referência os estudos do discurso críticos, na

perspectiva da análise sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk (2001). O autor

17 O quadro com o resultado da validação por pares do plano de curso da disciplina “Tópicos Especiais

no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de

Genética” está apresentado no apêndice B. 18 O plano de curso final da disciplina está detalhado no apêndice C.

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142

relaciona estruturas do discurso com interação social por meio de uma interface

sociocognitiva, baseado no argumento de que estruturas discursivas e sociais diferem quanto à

natureza e não podem ser diretamente relacionadas.

Os registros em vídeo foram assistidos pela pesquisadora e, assim, foram selecionados

para a transcrição19 recortes de episódios comunicativos, nos quais eram apresentados

posicionamentos dos/as participantes frente aos pressupostos das teorias do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico por eles/as mobilizados. Van Dijk (1981)

apresenta a definição de episódio como unidade linguisticamente e psicologicamente

relevante da estrutura e processamento do discurso. Tomando como base essa noção de

episódio, formulada para textos escritos, definimos como episódio comunicativo uma unidade

de conversa sobre um mesmo tema, numa conexão entre o discurso e a situação comunicativa

(entorno relevante do discurso).

Assim, transcrevemos 54 episódios, cujo tempo de duração variou entre 36 segundos e

12 minutos cada, nos quais se mobilizava a discussão de um determinado assunto, que

marcava o início e o fim da transcrição, resultando em trechos significativos em seu conjunto.

Dessa amostra inicial, identificamos que 25 episódios não apresentavam, nas interações

discursivas, uma abordagem dos temas relacionados com o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico pelos/as licenciandos/as, e, por isso, foram excluídos da amostra.

Embora esse recorte necessário apresente a desvantagem do não aproveitamento de parte dos

dados gerados – excluindo da amostra temas que também seriam relevantes –, oferece a

vantagem de manter o foco no objetivo da pesquisa. Ademais, os episódios não explorados

podem ser utilizados em futuros trabalhos.

Por conseguinte, os 29 episódios restantes foram agrupados nos marcos temáticos

organizados a partir do formulário metodológico para analisar planejamentos e práticas nas

19 “Transcrever a fala é passar um texto de sua realização sonora para a forma gráfica com base numa

série de procedimentos convencionalizados” (MARCUSCHI, 2001, p. 49). Seguindo o autor,

utilizamos as seguintes convenções de transcrição para manter o máximo de fidelidade à qualidade da

produção oral:

Hesitações ...

Pausa dentro da fala de uma pessoa ::

Pausa entre falas de diferentes pessoas //

Áudio incompreensível ((Inaudível))

Elementos contextualizadores e referenciais metalinguísticos ((diz o nome da professora)) ((risos))

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perspectivas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. No quadro 2,

apresentamos os marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada tema.

Quadro 2. Marcos temáticos e os episódios comunicativos que mobilizaram cada tema.

Bloco de análise: Dimensão Epistemológica

Marco temático Episódios comunicativos

Abordagem cientificista: limitações da ciência e o caráter

provisório dos conhecimentos denominados científicos

3, 4, 19, 23, 30, 31, 32, 37,

42, 44, 46.

Influências políticas, culturais e/ou de gênero na

construção do conhecimento

3, 14, 42.

Os diferentes discursos sobre o mundo 42

A validade de cada tipo de conhecimento 4

Bloco de análise: Diálogo Intercultural

Marco temático Episódios comunicativos

Os conhecimentos culturais dos/as estudantes 16, 18, 39.

Conceitos denominados científicos: entender e/ou acreditar 16, 17.

Articulação entre os saberes dos/as estudantes e os

conhecimentos denominados científicos

16, 46.

Exemplos de conhecimentos de grupos étnicos e culturais

no contexto da aula

39.

Bloco de análise: Implicações e intenções políticas

Marco temático Episódios comunicativos

As relações de poder entre as culturas 15, 16, 26, 27, 29, 33, 34,

42, 44, 53.

A naturalização de preconceitos e discriminação 15, 16, 20, 26, 27, 33, 34,

37, 51, 52, 54.

A articulação do discurso biológico com discursos

sociopolíticos e culturais

19, 23, 30, 31, 32, 46.

As identidades coletivas marginalizadas 15, 20, 21, 26, 27, 29, 33,

34, 49, 51, 52, 53.

A partir da amostra sistemática de 29 episódios, resumimos uma amostra por

representatividade (corpus secundário), que fornecesse exemplos suficientes e variados para

aplicar posteriormente a análise sociocognitiva do discurso. De acordo com Ramalho e

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Resende (2011), a delimitação de uma seleção representativa, mas não ampla demais, permite

a investigação em profundidade de uma prática de leitura específica. Assim, o corpus

secundário foi formado pelos episódios que mais mobilizaram temas dentro de um bloco de

análise, estando, pois, presentes em mais de um marco temático. No caso do bloco de análise

“Implicações e intenções políticas”, no qual tivemos muitos episódios representativos,

selecionamos aqueles que apareceram em três marcos temáticos, somado ao episódio mais

representativo em termos de conteúdo do marco temático “A articulação do discurso

biológico com discursos sociopolíticos e culturais”, cujos episódios não foram contemplados

no recorte inicial. Dessa forma, atendemos à preocupação de ter no mínimo um episódio

representativo para cada marco temático dentro de cada bloco de análise. Assim, obtivemos a

nossa amostra final (Quadro 3).

Quadro 3. Amostra final dos episódios comunicativos organizados por bloco de análise.

Blocos de análise Episódios comunicativos para a análise

Dimensão Epistemológica 3, 4, 42.

Diálogo Intercultural 16, 39.

Implicações e intenções políticas 15, 23, 26, 27, 33, 34.

Tendo definido os episódios representativos (Apêndice J) para identificar e

caracterizar os posicionamentos dos/as participantes frente aos sentidos do diálogo entre o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, no contexto de uma disciplina de

ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais, estamos agora em

condições de apresentar as ferramentas básicas que vão subsidiar nossa análise: tratam-se das

categorias analíticas, que “são formas e significados textuais associados a maneiras

particulares de representar, de (inter)agir e de identificar(-se) em práticas sociais situadas”

(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 112). De acordo com Resende e Acosta (2018), as

categorias analíticas não devem ser definidas a priori em um projeto de investigação, sendo

necessário ter acesso inicialmente aos textos, para poder identificar aquelas que serão mais

produtivas para a pesquisa.

Para analisar os episódios comunicativos selecionados, vamos nos concentrar na

abordagem sociocognitiva proposta por Van Dijk (1991), a partir de categorias analíticas

derivadas do objetivo do estudo. Vale ressaltar que, embora os discursos mobilizados nos

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encontros estejam relacionados com o debate incitado pela professora, o objetivo da análise

não está na interação, mas no conteúdo explorado pelos/as participantes. Assim, destacaremos

na nossa análise os posicionamentos dos/as participantes em relação a diferentes temas

abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo

crítico. A fim de subsidiar a nossa análise sociocognitiva do discurso, faremos uso também de

alguns elementos da teoria da valoração (KAPLAN, 2004). Segundo a autora, a valoração

inclui todos os usos avaliativos da linguagem, através dos quais falantes e escritores não

apenas adotam posições particulares de valor, mas também negociam essas posições com seus

interlocutores reais ou potenciais.

A Teoria da Valoração fornece uma estrutura para explorar como e para

quais propósitos retóricos os falantes e os autores adotam (a) uma postura

atitudinal (ideológica, em última análise) em relação ao conteúdo

experiencial de seus enunciados; (b) uma posição em relação aos seus

interlocutores reais ou potenciais; e (c) uma posição em direção à

heteroglossia do contexto intertextual em que seus enunciados e textos

operam20 (KAPLAN, 2004, p. 59).

A partir das ideias gerais da teoria da valoração, e considerando os aspectos teóricos e

metodológicos da análise sociocognitiva do discurso, destacamos quatro categorias analíticas:

1. Quanto à expressão do posicionamento ideológico (opinião ou atitude); 2. Quanto à

formulação da opinião (explícita ou implicitamente); 3. Quanto ao grau de compromisso que

assumem ao opinar (seguro ou inseguro); 4. Quanto ao/s recurso/s discursivo/s para

desenvolver uma opinião (modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e/ou

narração).

Essas categorias serão a base para a análise do micronível da ordem social, que se

refere a linguagem, discurso, interação verbal e comunicação (VAN DIJK, 2008), ou seja, por

meio delas, podemos analisar os textos buscando mapear conexões entre o discursivo e o não

discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais (RAMALHO; RESENDE, 2011). Sobre isso,

Fairclough (2003, p. 16) ressalta que

Não podemos supor que um texto em sua totalidade possa ser transparente

através da aplicação das categorias de uma estrutura analítica pré-existente.

O que somos capazes de ver da atualidade de um texto depende da

perspectiva da qual o abordamos, incluindo as questões sociais particulares

20 Tradução nossa, do original: la Teoría de la Valoración proporciona un marco para explorar de qué

modo y con qué fines retóricos los hablantes y autores adoptan (a) una postura actitudinal (ideológica,

en última instancia) hacia el contenido experiencial de sus enunciados; (b) una postura hacia sus

interlocutores reales o potenciales; y (c) una postura hacia la heteroglosia del contexto intertextual en

el que operan sus enunciados y textos.

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em foco, e a teoria social e a teoria do discurso que utilizamos

(FAIRCLOUGH, 2003, p. 16)21.

Assumindo que “toda análise é inevitavelmente seletiva e incompleta” (RAMALHO;

RESENDE, 2011, p. 105), discutiremos a seguir as categorias analíticas selecionadas para a

construção do mapa metodológico. A aplicação dessas categorias deve contribuir para uma

análise do discurso explícita e sistemática.

Em relação à expressão do posicionamento ideológico, consideramos opinião uma

crença valorativa individual, enquanto atitude se refere a uma crença valorativa compartilhada

por um grupo social (VAN DIJK, 2016). Analisamos nessa categoria se as opiniões dos/as

participantes são expressas de modo individual (opinião) ou como parte de um grupo social

(atitude). Os posicionamentos dos/as participantes podem aparecer no texto com marcadores

de posição pessoal em primeira pessoa, “Eu encaro as cotas como tentativa de suprir esse

quadro”, se referindo a uma opinião; ou como membro de um grupo social “até porque a

gente tá aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando”, neste caso, a

estudante se coloca como parte do grupo de cotistas, expressando uma atitude.

Na categoria formulação da opinião, analisamos se os posicionamentos dos/as

participantes se apresentam explicitamente, de forma clara e objetiva “Eu, particularmente,

não concordo com as cotas para negro”, ou de forma implícita “Assim, quando você fala em

dívida histórica, eu acho muito... muito forte isso”, necessitando da inferência da

pesquisadora para pressupor a opinião do falante. Enquanto no primeiro exemplo a opinião

quanto à política de cotas é formulada de forma explícita pelo estudante, no segundo exemplo

podemos inferir que o estudante apresenta uma opinião contrária ao argumento da dívida

histórica para a criação de políticas de ações afirmativas.

Quanto ao compromisso dos/as participantes em relação aos temas sobre os quais

emitem opinião, identificamos o grau de segurança “Eu, particularmente, não concordo com

as cotas para negro” ou insegurança “Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho

muito... muito forte isso”, relacionado à maneira em que os falantes intensificam ou

diminuem a força de seus enunciados. Podemos perceber que, enquanto no primeiro caso o

estudante se apresenta seguro da sua opinião explícita, no segundo caso, o estudante não

assume o compromisso de que discorda do argumento histórico para a criação de políticas de

21 Tradução nossa do original: “we cannot assume that a text in its full actuality can be made

transparent through applying the categories of a pre-existing analytical framework. What we are able

to see of the actuality of a text depends upon the perspective from wicth we approach it, including the

particular social issues in focus, and the social theory and discourse theory we draw upon”

(FAIRCLOUGH, 2003 p. 16).

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ações afirmativas, apresentando insegurança marcada pela expressão “eu acho” e pela

hesitação no termo empregado ao final da frase “eu acho muito...”.

Sobre os possíveis recursos discursivos que os/as participantes utilizam para

desenvolver uma opinião, buscaremos identificar o uso da modalidade (BLANCAFORT;

VALLS, 2007; VAN DIJK, 2008); da intertextualidade (VAN DIJK, 2016; FAIRCLOUGH,

2003), além do recurso da argumentação (VAN DIJK, 2008) e da narração (VAN DIJK,

2016), que podem aparecer inter-relacionados nos turnos de fala. Como estratégia de

identificação desses recursos, adotamos o procedimento da codificação em cores

(RAMALHO; RESENDE, 2011).

A codificação em cores é uma dentre as diversas estratégias para codificação

disponíveis e, embora seja um procedimento muito simples – com base na

utilização de canetas ou lápis coloridos para separar tópicos ou categorias

que depois terão análise sistemática –, é útil para tornar mais ‘legíveis’ (ou

‘analisáveis’) os dados (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 91).

Para o procedimento de codificação em cores, utilizamos canetas marca-texto a fim de

identificar os recursos discursivos que os/as participantes utilizaram para desenvolver suas

opiniões. Destacamos que, no caso desta pesquisa, por se tratar de identificar opiniões,

fizemos uso da categoria modalidade associada ao termo “doxástica” (derivado do grego

antigo doxa, que significa “crença” ou “opinião”). Assim, ao invés de utilizar o termo comum

“modalidade epistêmica”, que se associa ao conhecimento (BLANCAFORT; VALLS, 2007;

VAN DIJK, 2008), assumiremos neste trabalho o termo “modalidade doxástica”22 como a

atenuação ou o reforço das asserções, que está relacionada com o grau de compromisso do

interlocutor em relação à opinião que assume frente a determinados temas no contexto de uma

discussão.

Esse recurso discursivo utiliza marcadores de opinião (Eu acho, Em minha opinião,

Desde o meu ponto de vista, Desde a minha perspectiva, Me parece, No meu modo de ver,

Segundo eu entendi, Para mim, A meu juízo, Acredito que, Penso que, Me parece que, Eu

diria que, É possível que, Não sei, Parece que, Suponho que) (BLANCAFORT; VALLS, 2007)

para expressar diferentes atitudes do locutor diante do interlocutor. Na nossa análise, é

importante ter em conta que se trata de uma relação hierarquizada e formal, e por isso, requer

atenuação no discurso. Como exemplo, podemos destacar a fala de uma aluna “eu não sei se

todo mundo que não apoia as cotas é racista, mas...” na qual podemos observar a modalidade

de negação “não sei” sendo usada para atenuar a força da afirmativa que poderia afetar em

22 Reunião de orientação. Teun Van Dijk, Barcelona, 11 de março de 2019.

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algum grau a imagem do interlocutor. Trata-se de um procedimento para não se impor

diretamente aos outros, mantendo o canal de comunicação aberto à livre atuação dos/as

participantes.

A intertextualidade, conceito que surgiu nas discussões de Bakhtin (1997), pode ser

definida como a propriedade que têm os textos de possuir fragmentos de outros textos

(FAIRCLOUGH, 2001), ou seja, é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado

com outras vozes que lhe são articuladas em diferentes contextos (VAN DIJK, 2016). Um

exemplo dessa aplicação na nossa análise está no fragmento “Fazer um comércio e aí vai

começar a GATTACA”, que mobiliza intertextualmente, de forma específica, o filme

“GATTACA-Uma experiência Genética”. Fairclough (2003, p. 55) aponta que “a

intertextualidade é inevitavelmente seletiva em relação ao que é incluído e ao que é excluído

dos eventos e textos representados”. Dessa forma, o que fazemos com essa categoria é

selecionar amostras de intertextualidade presentes no nosso corpus que são utilizadas para

argumentar em defesa de uma dada opinião, respondendo a duas questões norteadoras: Como

outras vozes/textos são incluídos? Estas vozes/textos são relatados especificamente

(apontando a quem se referem) ou não especificamente?

Na argumentação, observamos os turnos de fala nos quais os/as participantes tentam

fazer com que seu ponto de vista resulte mais aceitável e credível, a partir da formulação de

argumentos que o sustentem (VAN DIJK, 2008), enquanto que, na narração, identificamos se

são utilizadas narrativas diversas com esta finalidade. Por exemplo, uma estudante, em defesa

do sistema de cotas, argumenta que essa política contribui para a representatividade da

população negra nos espaços de poder, como a universidade: “E aí eu encaro as cotas como

uma tentativa de suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”. Identificamos,

assim, as estratégias argumentativas utilizadas nos discursos dos/as professores/as em

formação inicial para explicar e defender suas opiniões. Como exemplo de narração,

destacamos “E aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha”, no qual a

estudante narra sua história para defender a política de cotas.

Ressaltamos que os recursos discursivos de modalidade doxástica, intertextualidade,

argumentação e narração são muitas vezes mobilizados num mesmo turno de fala. Assim,

podemos identificar um ou mais recursos discursivos no desenvolvimento de um dado

posicionamento. De acordo com Resende (2017), não devemos ter a pretensão de aplicar aos

dados todas as categorias analíticas do mapa metodológico escolhido. As categorias

selecionadas devem guiar as análises de modo a contribuir para a melhor compreensão do

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problema social discursivamente investigado. No quadro abaixo, organizamos um resumo do

mapa metodológico.

Quadro 4. Mapa metodológico para identificar e caracterizar os posicionamentos de professores/as de

Biologia em formação inicial quanto a temas abordados na perspectiva do diálogo entre o pluralismo

epistemológico e multiculturalismo crítico.

Categorias analíticas sociocognitivas Exemplo aplicado

1. Quanto à

expressão do

posicionamento

ideológico (opinião

e atitude)

Em nível

individual

(opinião)

“Eu encaro as cotas como tentativa de suprir esse

quadro”. A expressão é de nível individual (Eu).

Como parte de um

grupo social

(atitude)

“até porque a gente tá aqui, por mais que tenha

dificuldade, a gente tá acompanhando”. A estudante

se expressa como membro do grupo de cotistas.

2. Quanto à

formulação da

opinião

Explicitamente

“Eu, particularmente, não concordo com as cotas

para negro”. A opinião quanto à política de cotas é

formulada de forma explícita.

Implicitamente

“Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho

muito... muito forte isso”. Podemos inferir que o

estudante é contra o argumento da dívida histórica

para a criação de políticas de ações afirmativas.

3. Quanto ao grau

de compromisso

que assume ao

opinar

Seguro

“Eu, particularmente, não concordo com as cotas

para negro”. O estudante se apresenta seguro da sua

opinião explícita.

Inseguro

“Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho

muito... muito forte isso”. O estudante não assume o

compromisso de que discorda do argumento histórico

para a criação de políticas de ações afirmativas,

apresentando insegurança e hesitação (eu acho

muito...).

4. Quanto ao

recurso discursivo

para desenvolver a

opinião

Modalidade

doxástica

Intertextualidade

“eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é

racista, mas...” a modalidade de negação “não sei”

está sendo usada para atenuar a força da afirmativa.

“Fazer um comércio e aí vai começar a GATTACA”.

Fragmentos que mobiliza intertextualmente, de forma

específica, o filme “GATTACA-Uma experiência

Genética”.

Argumentação

“E aí eu encaro as cotas como uma tentativa de suprir

esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”.

Argumento usado a favor da política de cotas para

aumentar a representatividade da população negra nos

espaços de poder, como a universidade.

Narração

“E aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade

que eu tenha”. A estudante narra sua história para

defender a política de cotas.

Fonte: As autoras, com base na teoria Sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk.

A partir das categorias de análise selecionadas, estabelecemos uma relação entre o

micronível da ordem social (linguagem, discurso, interação verbal e comunicação) com o

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macronível de análise (poder, dominação e desigualdade) (VAN DIJK, 2008), pois as

categorias orientam os recortes do texto a serem submetidos ao método analítico em questão

(RESENDE, 2008). Desse modo, atendemos ao fundamento basilar da Análise do Discurso

Crítica (ADC), que se refere à preocupação com efeitos ideológicos de sentidos de textos

sobre relações sociais, ações e interações, conhecimentos, crenças, atitudes, valores,

identidades (RAMALHO; RESENDE, 2011).

Vale ressaltar que o conceito de ideologia é amplamente discutido por analistas do

discurso crítico, apresentando divergências significativas. Enquanto Ramalho e Resende

(2011), por exemplo, afirmam que os sentidos veiculados em textos são classificados como

ideológicos apenas se servem à universalização de interesses particulares projetados para

estabelecer e sustentar relações de dominação, sendo, portanto, inerentemente negativos, Van

Dijk (2008) define ideologia como crenças fundamentais de um grupo e de seus membros,

abrindo espaço para o estudo de ideologias positivas, como o feminismo ou o antirracismo, ou

seja, sistemas que asseguram e legitimam a oposição e a resistência à dominação e à injustiça

social. Consideraremos este último conceito na discussão dos aspectos ideológicos, como a

polarização entre Nós e Eles. Enfim, a partir das categorias analíticas apresentadas, vamos

acessar o texto e, então, discutir as questões relacionadas com a teoria sociocognitiva do

discurso.

4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O contexto representa as condições que definem a adequação pragmática do discurso

(VAN DIJK, 2015). Considerando que os modelos de contexto são cruciais para a gestão do

discurso, pois permitem que os usuários de linguagem adaptem seu texto à situação

comunicativa, situamos o contexto no qual as opiniões foram exploradas. Trata-se de uma sala

de aula, portanto um ambiente acadêmico, no contexto de uma disciplina optativa, sobre

ensino de Genética, na qual estavam presentes entre 10 e 14 professores/as de Biologia em

formação inicial. Na dinâmica das aulas, o objetivo do discurso foi interagir com a professora

e com os/as participantes, algumas vezes para convencer o/a(s) outro/a(s) de seus argumentos,

outras vezes simplesmente para informar ou se colocar frente a uma situação comunicativa.

Estruturamos as discussões seguindo a ordem dos blocos de análise, assim, abordaremos a

dimensão epistemológica, seguida do diálogo intercultural e das implicações e intenções

políticas.

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151

4.3.1 A dimensão epistemológica em debate

Neste bloco, discutiremos como os/as professores/as de Biologia em formação inicial

se posicionam no debate sobre os termos que melhor representam o conceito de ciência, a

problematização de se considerar o conhecimento indígena como ciência ou não, e a

perspectiva de aprimoramento da engenharia genética para aplicar nos estudos de

melhoramento humano. A partir da abordagem desses temas, mobilizamos os sentidos do

pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico. No quadro 5 estão os episódios

utilizados para a análise, bem como o tema a que designamos, identificação do encontro,

momento e o intervalo de duração, respectivamente.

Quadro 5. Identificação dos episódios utilizados na análise referente a dimensão epistemológica.

Dimensão Epistemológica

Episódio

s

Tema Encontro Momento Intervalo

3 O conceito de ciência e suas

implicações

1 5 02:32:12 –

02:44:07

4 O conceito de ciência e a validade dos

diferentes saberes

1 5 02:48:28 –

02:57:37

42 O alcance e as limitações dos

conhecimentos denominados científicos

6 3 01:18:49 –

01:22:35

De acordo com Resende e Acosta (2018), pesquisas em Análise do Discurso Crítica

(ADC) não somente devem categorizar, visando sistematizar suas análises, mas devem

também articular diferentes significados, a fim de aproximar o modelo teórico do objeto real

que pretendem descrever. Buscamos essa articulação nas discussões a seguir, para as quais

destacamos alguns turnos de fala sobre como os/as participantes se posicionam frente aos

termos que melhor representam o conceito de “ciência”23 e suas implicações, mais

especificamente sobre a existência de um método único de pesquisa:

Turno 7. João: Um método, não! Um método, acho que não.

Turno 10. Marcos: Um método.

Turno 12. Marcos: Porque tudo na ciência é baseado em um princípio. Mesmo tendo

vários métodos, seria um geral pra que seja considerado ciência.

23 Quando precisarmos nos referir ao termo ciência ou método científico da forma como são

trivialmente entendidos no âmbito popular, utilizaremos aspas para lembrar ao/à leitor/a que os termos

estão sendo problematizados nesta pesquisa.

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Turno 37. Bruno: Eu acho que vai depender, né? Você pode testar vários métodos, mas

um deles será mais eficiente. Apesar de ter vários, mas, só um seria suficiente.

Dependendo...

Turno 41. João: Eu acho que:: é... talvez você tenha um método maior, que você já

desenvolveu, num sei o que... eu acho que:: é... isso deixa tudo muito... muito... fechado,

sabe? E não permite que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência //

Turno 43. João: Então, segue um padrão, mas é isso que eu tô falando, tem outras

ciências, que também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa

repetição. E elas deixam de ser ciência por causa disso?

Turno 44. Marcos: Eu concordo com vocês, por exemplo, não tem como utilizar um

método, sei lá pra estudar zoologia, e não tem como usar o mesmo método pra pessoa que

for estudar filosofia da ciência, mas, todas seguem um padrão de hipótese, de coleta de

dados, de testar ou não hipóteses e apresentar resultados...

Turno 46. Marcos: Então, aqui por exemplo, na nossa disciplina, também não tá tendo um

experimento prático, mas, tá servindo... tá sendo usado na tese da professora. Não deixa

de ser ciência. Então, se, por exemplo, não tivesse sido gravado ou a gente não

permitisse, seria só uma conversa, então, ela não poderia usar isso na tese dela. Ela tem

que seguir um padrão pra que isso seja considerado ciência.

Os excertos acima foram retirados do episódio 3 “O conceito de ciência e suas

implicações”. Os/as professores/as em formação inicial foram convidados/as a selecionar

algumas palavras ou conjunto de palavras, dentre as apresentadas pela professora, para

relacionar com o que eles/as entendiam pelo conceito de ciência. Na dinâmica da aula, eles/as

foram orientados/as a colocar os termos dentro de um círculo, que representaria a definição de

ciência. Uma controvérsia interessante foi gerada quando eles/as tiveram que eleger “um

método” ou “vários métodos” para colocar no “círculo da ciência”. Todos/as os/as

participantes que problematizaram essa questão têm experiência seja em programas de

pesquisa na universidade ou no desenvolvimento de suas monografias. Argumentamos que

tais experiências vividas por eles/as, no contexto de suas pesquisas, contribuíram para formar

diferentes representações em seus modelos mentais acerca do conceito de ciência.

A partir das expressões de possibilidade, nos marcadores “acho”, “dependendo” e

“talvez”, os/as participantes emitem opiniões sobre a definição do termo “ciência”. Para

explicar sua opinião de forma explícita e segura, Marcos (Turno 12) mobiliza o argumento de

que “tudo na ciência é baseado em um princípio”, e por isso, “Mesmo tendo vários métodos,

seria um geral pra que seja considerado ciência”. Esse argumento indica a opinião de

Marcos a favor do termo “um método” para definir ciência. Consideramos que a padronização

de um método para toda forma de produção de conhecimento implica em duas questões:

primeiro, que toda forma de conhecimento é, em si, diversa nos métodos com os quais opera;

segundo, que a tentativa de universalização de critérios específicos de um grupo epistêmico

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particular, para todas as representações culturais de conhecimento científico, inviabiliza a

valorização de conhecimentos científicos não ocidentais por seus próprios méritos.

Em turnos posteriores (Turno 44 e 46), Marcos reforça sua opinião frente ao conceito

de ciência, que para ele deve ser construído a partir de um método determinado, obedecendo

aos procedimentos de “hipótese, de coleta de dados, de testar ou não hipóteses e apresentar

resultados...”. O argumento de Marcos é reforçado pelo exemplo de pesquisa desenvolvido

pela professora, que “tem que seguir um padrão pra que isso seja considerado ciência”. A

mobilização desse exemplo representa uma estratégia discursiva de persuasão, pois passa do

abstrato ao concreto, materializando a realidade da sua assertiva. A opinião expressa por

Marcos reflete sua experiência no campo da pesquisa, bem como o discurso comum presente

nos livros didáticos de Ciências desde o Ensino Fundamental, que explora o suposto “método

científico” como um passo a passo necessário no processo de pesquisa, somente pelo qual são

gerados resultados válidos e confiáveis.

Esse sentido da universalização de critérios epistêmicos específicos da ciência

ocidental moderna avigora formas simbólicas de eurocentrismo, ou seja, uma ideia que coloca

os interesses e a cultura europeia como sendo as mais importantes, o que certamente não foi

criada por Marcos, mas ressignificada e recolocada em prática, a partir da repetibilidade de

discursos que sustentam estruturas de poder e dominação (RESENDE, 2008). Considerando

que a superioridade da ciência ocidental moderna foi muitas vezes e durante séculos repetida

em variados tipos de texto, tornou-se parte dos pressupostos nos quais novos textos são

produzidos, e assim os discursos se reproduzem.

Considerando que, depois da mídia, o discurso educacional é o mais influente na

sociedade (VAN DIJK, 2008), as discussões sobre temas mobilizados nas perspectivas do

pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico se mostram relevantes no processo

de formação de professores/as. Nos turnos 41 e 43, João apresenta um contra-argumento em

apoio ao termo “vários métodos” para definir ciência. Ao expressar sua opinião - “E não

permite que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência” e “tem outras

ciências, que também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa repetição. E

elas deixam de ser ciência por causa disso?” – o interlocutor utiliza uma pergunta retórica

para articular o discurso de que o termo “ciência” deve ser utilizado, também, na

denominação de conhecimentos justificados por critérios epistêmicos particulares de grupos

subalternizados.

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A partir do diálogo entre o pluralismo epistemológico (PE) e o multiculturalismo

crítico (MC) desenvolvido nesta pesquisa, defendemos que ao invés de assumir as diferentes

formas de conhecimento sob a égide de um conceito único de ciência, devemos argumentar

pela pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências; ou seja, reconhecer a

existência de diferentes ciências, que operam com critérios específicos de suas comunidades

epistêmicas. Assim, temos as ciências dos povos indígenas - considerando a diversidade de

culturas e ciências das variadas comunidades epistêmicas desses grupos, as ciências dos povos

africanos, a ciência ocidental moderna ou ciência hegemônica, entre outras.

Nos turnos de fala destacados abaixo, apresentamos a discussão das influências

políticas e culturais que permeiam a construção do conhecimento.

Turno 22. Eduardo: Então, eu acho que ciência é feita parte de... mesmo, por exemplo, se

eu descobrir alguma coisa hoje, eu me baseei em outras pessoas, outros cientistas que já

estudaram coisas parecidas, pelo menos. Então, acho que não se faz ciência apenas com

um cientista.

Turno 28. João: Porque se a gente for parar pra pensar, quem tem o poder da ciência hoje

em dia, são pessoas ricas.

Turno 31. Nami: Eu pensei no sentido de que a ciência interfere no desenvolvimento da

sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar. Então é meio que uma

escada, assim.

Turno 32. João: É... porque, por exemplo, se a gente for parar pra pensar, cientificismo.

Que é o desenvolvimento da ciência pra ela mesma pra que, sabe? Tudo se desenvolva.

No que deu o cientificismo? Quando a gente chegou na segunda guerra mundial, teve o

nazismo e o nazismo se baseou no cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas

pra ficar testando medicamentos, num sei o quê, num sei o quê... então, é uma questão

política da ciência, né? Será que ela realmente não tem limites, será que ela não se

desenvolveu? Ela mesmo, né?

Turno 35. Bruno: E também tem a questão de que a política vai filtrar o que a gente vai

pesquisar ou não né? Porque querendo ou não a gente vai ter que pesquisar os interesses...

de quem financia. //

As expressões “eu acho” e “eu pensei”, caracterizam as falas de Eduardo (Turno 22)

e Nami (Turno 31), que utilizam desse recurso para formular seus posicionamentos

individuais com baixo grau de compromisso. No caso de Eduardo, a consideração da

“ciência” como um constructo humano e processual reflete uma perspectiva crítica, segundo a

qual “não se faz ciência apenas com um cientista”. Essa assertiva, por representar uma crença

objetiva comum a uma comunidade epistêmica (a qual estamos utilizando como lente teórica),

permite pressupor que reflete um conhecimento, que pode ser adquirido pelo discurso.

Ressaltamos que a construção de conhecimento, além de não ser individualista, tem as

características de ser política, crítica e flexível (GIL-PÉREZ et al., 2001).

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A fala de Nami, por sua vez, pressupõe a construção discursiva de uma opinião, pois

se formula a partir do debate. Destacamos que a ideia de que “a ciência interfere no

desenvolvimento da sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar”

pressupõe uma relação linear entre “ciência”, sociedade e política, desconsiderando as

interrelações de influências variadas que compõem essas estruturas, além de apresentar a

“ciência” e a sociedade como subordinadas à política, da qual as primeiras não

necessariamente fariam parte. Da mesma forma, percebemos na fala de Bruno (Turno 35) o

caráter dominante de uma política, que financia as pesquisas e, portanto, tem o poder de

decisão independente dos interesses sociais, apresentando mais uma vez a política

desconectada da sociedade. Essa visão, atrelada à ideia de uma “ciência” infalível, está

presente tanto entre alunos da educação básica quanto entre docentes em formação inicial e

continuada (GIL-PEREZ et al., 2001), e, por isso, precisa ser problematizada.

Uma perspectiva mais crítica sobre as influências políticas na construção do

conhecimento científico foi expressa nas falas de João (Turnos 28 e 32), nas quais o

licenciando questiona a desigualdade social, a superioridade científica e as ações da ciência

que servem à interesses particulares, ignorando o bem comum. O estudante defende sua

opinião utilizando o recurso da narração, na qual apresenta o movimento nazista “Quando a

gente chegou na segunda guerra mundial, teve o nazismo e o nazismo se baseou no

cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas pra ficar testando medicamentos, num

sei o quê, num sei o quê...”, bem como as inter-relações entre “ciência”, tecnologia, sociedade

e ambiente, adquiridas, provavelmente, por meio do discurso. A narração referente ao

nazismo é incluída no texto como um exemplo de ação negativa da ciência ocidental, a fim de

fortalecer o argumento de que é preciso desconstruir uma perspectiva salvacionista do que se

denomina “ciência”.

Continuando a discussão epistemológica e promovendo reflexões sobre o alcance e a

validade dos conhecimentos, a professora questionou se o conhecimento indígena sobre as

enchentes das marés, por exemplo, deve ou não ser denominado científico. Destacamos

abaixo os turnos de fala que expressam os posicionamentos dos/as participantes:

Turno 63. Arizona: Professora, eu acho que é científico, porque depois outra pessoa pode

dizer assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se aprofundar numa pesquisa

pra mostrar a ele que ele tá errado. Então, seria um caso científico sim.

Turno 66. João: É. Das tetas aqui. Mas, foi comentado aqui que pode até ter se apropriado

do conhecimento científico, mas, parou na hipótese porque eles não conseguiram fazer o

teste e essas questões todas, então, estagnou na hipótese.

Turno 68. João: Semi-científicos. ((Risos))

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Turno 69. Iara: Não. Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão. Ei,

professora, tô bugada, viu? ((Risos)) //

Turno 70. Jules: Depende do propósito que a pessoa tenha com essa informação. É

importante, eles observaram que o mar sobe e desce ou ele quer algo específico com

aquilo. Estudar a fundo aquilo alí...

Turno 72. Jules: Eu acho que não. Seria apenas uma observação que ele fez.

Turno 73. Marcos: Eu também acho que não. É uma forma de conhecimento válida,

praticamente mais útil até que muito conhecimento que na minha opinião é científico...

pra ele não importa saber se a lua cheia... no caso... mas, não deixa de ser válido. O

conhecimento.

Turno 76. João: Não. Não tem que ser verdade, mas, se for correlacionar o que os

cientistas disseram, o fato é que eles encontraram o que eles acharam que eles entenderam

naquela situação. Então, se você for correlacionar, as coisas realmente batem. Então,

indiretamente foi científico.

Turno 78. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, o conceito de ciência que eu construí até

hoje, pra mim não seria ciência. Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse

conceito de ciência aí eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que

eu construí até hoje, antes de entrar nessa sala, não é ciência. ((Risos)) //

Turno 79. João: (...) Se eu fosse assim, o dono da ciência, eu falaria é ciência. //

Mais uma vez destacamos os marcadores que demonstram insegurança em relação ao

grau de compromisso frente ao conteúdo enunciado (Eu acho, Depende, Acho que).

Identificamos, no curso do debate, a mobilização de opiniões favoráveis e contrárias quanto a

denominar de científicos os conhecimentos indígenas. Essas opiniões aparecem nos textos

sustentadas pelo recurso da argumentação, estratégia utilizada pelos/as interlocutores/as para

explicar e defender suas representações explícitas e individuais.

Um dos argumentos utilizados pelos/as participantes para justificar a razão pela qual

não apoiam que o conhecimento indígena sobre as enchentes das marés seja considerado

científico é o fato de que esse grupo cultural não realizou testes, tendo estagnado na hipótese.

Trata-se de um discurso articulado por João (Turno 66) para expressar a representação de um

grupo de três licenciandas que não se sentiram confortáveis para participar, diretamente, deste

momento da aula, ou seja, João mobilizou intertextualmente o discurso dessas licenciandas.

Podemos retomar aqui a discussão sobre método científico, a qual muitos/as licenciandos/as

tomam como parâmetro para designar “ciência”, uma ideia relacionada com a perspectiva de

superioridade de uma ciência hegemônica construída historicamente pelo eurocentrismo. Essa

perspectiva também é observada nas falas de Jules (Turnos 70 e 72), nas quais o estudante

relaciona “ciência” com a ideia de “Estudar a fundo” alguma coisa, e não somente fazer uma

observação. Podemos pressupor que a expressão “Estudar a fundo” esteja relacionada

também ao desenvolvimento do tradicional “método científico”, que além da observação,

implica em seguir os passos de formulação de um problema, elaboração de hipótese,

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planejamento de experimentos controlados para testar as hipóteses, observação experimental e

conclusão (MARSULO; SILVA, 2005).

A utilização de um método dito científico para o desenvolvimento de conhecimentos

no âmbito escolar é discutida há tempos, e os procedimentos que o caracterizam atuaram

como legitimadores de uma certa forma de se ensinar Ciências (MARSULO; SILVA, 2005).

Segundo as autoras, desde os anos 1960, a proposta de um modelo de ensino centralizado nos

processos de pesquisa criou nas escolas o “mito do método científico” como o único método

capaz de contribuir efetivamente para a construção do conhecimento imutável, perene e

universal. Embora esse dito “método científico” tenha contribuído para o desenvolvimento da

ciência ocidental moderna, não representa a única possibilidade de fazer pesquisa. É preciso

reconhecer que a cultura ocidental, atualmente, permite múltiplas interpretações em relação ao

“método científico”, além de que diferentes culturas apresentam critérios epistêmicos

distintos, que devem ser valorizados por seus próprios méritos.

Na perspectiva do pluralismo epistemológico, Cobern e Loving (2000) argumentam

sobre a importância de valorizar os conhecimentos, independente do status de “ciência”, que,

para os/as autores/as, deve estar reservado à cultura ocidental moderna. Essa perspectiva foi

discutida no contexto da aula da qual foram extraídos esses turnos de fala, sendo que o

argumento dos/as autores/as foi apropriado por Marcos (Turno 73), que diz que, embora o

conhecimento indígena seja válido e “praticamente mais útil até que muito conhecimento que

na minha opinião é científico”, não poderia ser denominado “ciência”. Observamos a

inserção das ideias de Cobern e Loving (2000) no discurso articulado por Marcos, ainda que

ele não tenha especificado essa leitura, reforçando o pressuposto da teoria sociocognitiva de

que grande parte do nosso conhecimento, que não foi adquirido pela experiência, é construído

por meio do discurso.

Outra evidência da construção discursiva das opiniões é expressa na fala de Everton

(Turno 78), que se apresenta aberto à possibilidade de mudar suas representações mentais a

depender das novas experiências e debates dos quais se propõe a participar no curso da

disciplina: “Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse conceito de ciência aí

eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que eu construí até hoje,

antes de entrar nessa sala, não é ciência.”. Ao apresentar a possibilidade de “mudar de

opinião”, o estudante reconhece que somos construídos e reconstruídos permanentemente por

meio das experiências de vida e oportunidade de conhecer diferentes discursos sobre o

mundo. Com esse discurso articulado por Everton, de forma explícita e segura, podemos

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pressupor que o conceito construído “antes de entrar nessa sala” expressa a ideia de uma

formação cientificista, vivida pelo/a estudante ao longo da sua trajetória, e que foi pela

primeira vez questionada no momento particular da disciplina em questão.

Maldaner (2000) destaca que a ação pedagógica do professor é influenciada por

crenças e convicções do que se entende por “ciência”. Assim, argumentamos que questionar

uma visão de “ciência” como conjunto de verdades, descobertas por cientistas em contextos

especiais, representa um caminho frutífero para a construção de uma perspectiva mais crítica

no processo de formação de professores/as, que valorize a pluralidade de saberes, a fim de

construir uma percepção pedagógica comprometida com a diversidade cultural.

É interessante notar que os argumentos favoráveis à ampliação do termo “ciência” de

forma a abranger os conhecimentos dos indígenas, foco do debate em questão, também se

apoiaram na mesma ideia do “método científico” utilizada para defender uma perspectiva

oposta. Podemos perceber essa articulação nas falas de Arizona, Iara e João (Turnos 63, 69 e

76, respectivamente). Arizona argumenta que o conhecimento indígena é “ciência” porque

“depois outra pessoa pode dizer assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se

aprofundar numa pesquisa pra mostrar a ele que ele tá errado”. A estudante apresenta o

caráter provisório da construção do conhecimento e a necessidade de “aprofundar numa

pesquisa” para obter um resultado mais preciso e confiável.

Tomando por base as discussões anteriores, pressupomos que a ideia de “aprofundar

numa pesquisa” tenha relação com a aplicação do “método científico”. Da mesma forma, Iara

diz que “Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão”, e João diz que o

conhecimento do indígena é científico porque “se você for correlacionar [os resultados

apresentados por “cientistas” e por indígenas], as coisas realmente batem”, o que implica ter

sempre a ciência ocidental moderna como parâmetro para a construção de todas as formas de

saberes, recaindo, mais uma vez, a formas simbólicas de eurocentrismo. Quando a professora

apresentava as controvérsias envolvidas nos argumentos dos/as participantes, eram comuns

mudanças de opinião, como João (Turno 68), que para dirimir a discussão, diz: “Semi-

científicos” ou comentários como o de Iara (Turno 69): “Ei, professora, tô bugada, viu?”.

Os espaços de debate são fundamentais para a tomada de decisão sobre qual/is

discurso/s apoiar e por quais razões, não para formar uma ideia essencialista de mundo, mas

para ter segurança sobre seu próprio ponto de vista e manter a coerência entre o discurso e as

ações. Das mudanças de posicionamento de João, ele relata no turno 79 que se fosse ele “o

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dono da ciência, eu falaria é ciência”. Nesse discurso também está incluído, de forma não

especificada, o texto de Cobern e Loving (2000), que traz como última proposição para o

conhecimento ser definido como “ciência”, o consenso da comunidade científica ocidental.

Assim, percebemos que os/as professores/as de Biologia em formação inicial estão

construindo novas representações sobre a dimensão epistemológica, a partir das leituras dos

textos indicados na disciplina e experiências de debate.

Para discutir os alcances e as limitações dos conhecimentos denominados científicos,

elegemos o episódio no qual abordamos os estudos da engenharia genética, por meio do vídeo

“Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre - CRISPR” e do filme “GATTACA – Uma

experiência genética”. No que se refere às pesquisas na área da biotecnologia, destacamos um

discurso favorável ao aprimoramento da engenharia genética para aplicar nos estudos de

melhoramento humano, a partir de duas ressalvas: promover a reflexão no âmbito da bioética

e não divulgar os resultados das pesquisas para a sociedade. Vejamos os turnos

representativos desses posicionamentos:

Turno 83. Nami: Eu acho que é muito perigoso ainda, porque a gente não tá ainda... não

sei se é educado, a palavra... assim:: a gente não tá preparado pra esse nível de tomada de

decisão... e ainda mais que uma descoberta desse nível, que ele falou que um cara super

rico pode chegar lá e comprar a ideia e fazer dela o que bem quer. Fazer um comércio e aí

vai começar a GATTACA. Ou seja, só aquelas pessoas que têm muito dinheiro vão poder

usufruir daquilo. Então, é uma faca de dois gumes, você pode se dar muito bem com

aquilo ou pode dar muito errado. E quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é

mais perigoso ainda, porque a gente não entende como é que funciona. Então,

simplesmente chegar e cortar aquele gene e colocar um novo será que aquele que tava

ruim, não tava interagindo com outro e vai dar problemas maiores mais pra frente? Aí eu

não sei...

Turno 84. Arizona: Eu achei interessante a discussão que ele falou no final, que não devia

eliminar, devia ter sim, o estudo, né? Mais aprofundado... divulgação do conhecimento,

mas não acabar. Porque ele fala, então, vamo acabar! Já que vai dar esse problema todo...

mas, eu acho que tem que ter sim, o estudo:: não tem por onde correr... Mas, é meio

complicado, como ele disse... começa uma coisa vai pra outra...

Turno 88. Jhoserd: Eu acho que tinha que ser trabalhado muito a questão da reflexão no...

no âmbito bioético, assim... justamente pelo fato de que nós realmente não estaríamos

preparados de maneira alguma se hoje isso fosse acessível.

Os/as participantes não apresentam segurança nas asserções, com destaque, mais uma

vez aos marcadores de incerteza em suas opiniões (Eu acho; não sei). Considerando a

importância de formar professores/as capazes de tomar decisões frente a questões sociais,

políticas e culturais, destacamos a necessidade de promover espaços de debate sobre os

estudos da engenharia genética, por exemplo. A partir do recurso discursivo da

intertextualidade, identificamos a menção ao filme GATTACA, um texto incluído

especificamente no discurso articulado por Nami (Turno 83) para argumentar que a sociedade,

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de modo geral, não está preparada para saber lidar com a possibilidade de acessar as pesquisas

sobre melhoramento genético para alterar características hereditárias.

De acordo com Nami (Turno 83), se a sociedade tem acesso a essa possibilidade,

resultará em “um comércio e aí vai começar a GATTACA”. Além disso, a estudante

argumenta que “quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é mais perigoso ainda,

porque a gente não entende como é que funciona”. O discurso articulado por Nami pressupõe

conhecimento sobre a complexidade da interação gênica, discutida em aula anterior sobre a

crise do conceito de gene. Discussões sobre as limitações da ciência ocidental moderna e as

controvérsias do determinismo genético, com base nos estudos do conceito de gene,

auxiliaram os/as professores/as de Biologia em formação inicial a se posicionarem de forma

crítica frente as questões socioculturais.

Em paralelo a uma fala anterior, Arizona (Turno 84) apresenta concordância no

desenvolvimento dos estudos sobre engenharia genética “eu acho que tem que ter sim, o

estudo:: não tem por onde correr...”, ainda que considere “meio complicado”. A opinião da

aluna, formulada de maneira explícita e insegura, indica o reconhecimento dos possíveis

riscos com os avanços dos estudos da biotecnologia, tendo em vista que abre um leque de

possibilidades de manipulação gênica, as quais ao mesmo tempo que poderiam ser favoráveis

ao controle de anomalias que provocam sofrimento, poderiam possibilitar que as pessoas

selecionassem características “desejáveis” para os seus descendentes, o que poderia ser

configurado como uma nova eugenia.

No curso do debate, Jhoserd (Turno 88) faz uma observação de que “tinha que ser

trabalhado muito a questão da reflexão no... no âmbito bioético”. O caráter ético destacado

por Jhoserd representa um campo de estudo que necessita, cada vez mais, se articular com as

pesquisas que se desenvolvem seguindo critérios epistêmicos da ciência ocidental moderna,

pois, estas, são exploradas, muitas das vezes sem limites.

Em suma, destacamos aproximações e distanciamentos dos discursos articulados

pelos/as professores/as em formação inicial no que se refere aos temas mobilizados na

dimensão epistemológica. Sobre à problematização da abordagem cientificista, destacamos

que, embora haja indícios de perceber a “ciência” como uma atividade falível e mutável, as

discussões sobre pesquisa se voltam para os critérios epistêmicos da cultura ocidental

moderna, influenciados pelo eurocentrismo, tal como propomos desconstruir. Nesse sentido, a

“ciência” se mantém, por vezes, descontextualizada das influências políticas e culturais, e,

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embora seja percebida a existência de diferentes discursos sobre o mundo, há uma inclinação

para a assimilação destes pela cultura ocidental, e não uma valorização horizontal das

diferentes ciências, problematizando hierarquizações de poder. Contudo, ressaltamos o

reconhecimento dos/as participantes de que cada conhecimento tem seu alcance e validade,

uma característica que defendemos no diálogo entre o PE e o MC.

4.3.2 O diálogo intercultural em debate

Neste bloco, que se refere ao diálogo intercultural, discutiremos sobre como os/as

professores/as de Biologia em formação inicial se posicionam em seus discursos sobre o

estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como esses

conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais; a proposta de auxiliar

os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos ocidentais a fim de ampliar suas

visões, sem anular suas culturas e crenças; e articulação entre os saberes dos/as estudantes e

os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica

de um saber em relação ao outro. No quadro 6, estão os episódios utilizados para a análise,

bem como o tema a que designamos, a identificação do encontro, o momento e o intervalo de

duração, respectivamente.

Quadro 6. Identificação dos episódios utilizados na análise referente ao diálogo intercultural.

Diálogo Intercultural

Episódio Tema Encontro Momento Intervalo

16 Entre anular e valorizar os

conhecimentos dos/as estudantes

3 2 01:20:54 –

01:32:05

39 O dilema com os saberes dos/as

estudantes

6 1 00:13:18 –

00:14:33

A combinação de diferentes recursos discursivos, tais como modalidade doxástica,

intertextualidade, argumentação e narração, possibilita uma análise detalhada e sistemática

sobre como os/as professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam os sentidos do

diálogo intercultural em seus discursos, mais especificamente, como eles/as se posicionam,

como opinam frente a temas relacionados a esse bloco de análise. Abaixo identificamos

turnos de fala nos quais os/as participantes discutem a relevância de orientar os/as estudantes

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a desmistificar ou não, no contexto das aulas de Genética, algumas noções comumente

admitidas pelos indivíduos no cotidiano:

Turno 3. Bruno: Se for errado ((referindo-se à ideia de que o professor precisa auxiliar os

estudantes a desmistificar suas questões relacionadas ao senso comum)).

Turno 5. Bruno: Aquela questão ali que a herança se dá pela mistura do sangue... eu acho

que não é certo pra ninguém.

Turno 7. Amanda: É certo em um ambiente, né? Em um universo... no caso, seria certo

pra ele.

Turno 13. Eduardo: Eu acho que sim ((referindo-se à ideia de desmistificar a assertiva

“Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de Deus”)).

Turno 14. Ariel: Eu acho importante a gente desmistificar isso, até porque se a criança for

de uma família religiosa e ela for religiosa, ela só vai ter medo de um Deus que pode dar

algum castigo a ela.

Turno 17. Eduardo: E se tivesse uma criança deficiente na sala, ela ia falar: Ah, você foi

castigada, fez alguma coisa errada. É isso que eu penso, entendeu? É isso que eu penso...

Turno 18. Elodie: Eu acho que a gente tinha que:: fomentar... o pensamento crítico. Eu

acho que a gente daria, como ela falou, a gente daria oportunidade do aluno escolher, né?

Você acha isso, mas a ciência diz isso aqui ou então, isso aqui tá num sei o que... né? Dá

essa oportunidade de falar... //

Turno 19. Arizona: É. Não pode dizer que ele [o estudante] tá errado. //

Turno 20. Bruno: Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//

Turno 21. Elodie: Agora tem uma frase, na primeira parte que eu acho que tem que ser

desmistificado, porque envolve a questão de gênero, que é “o pai é mais importante que a

mãe”.

O uso do marcador de opinião “Eu acho”, que aparece repetidas vezes nos turnos de

fala apresentados, representa um procedimento para atenuar a força das afirmativas e não se

impor aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos interlocutores, além de

denotar um grau de compromisso de insegurança quanto à opinião assumida pelos/as

participantes.

Nas falas de Bruno (Turnos 3 e 5), podemos pressupor que o conhecimento que ele

apresenta como “errado” é aquele diferente do que se denomina científico. Considerando que

somos frutos de uma sociedade que apresenta apenas a explicação da ciência ocidental

moderna, possivelmente toda vivência de Bruno e de seus/suas colegas foi proveniente de

uma sociedade e escola permeadas apenas pela ciência eurocêntrica, ou seja, é muito provável

que eles/as não conheçam como outras culturas explicam a hereditariedade, por exemplo.

Assim, seus julgamentos de certo/errado têm como parâmetro os critérios epistêmicos da

ciência que eles/as aprenderam ao longo da vida.

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163

Nesse sentido, o participante afirma a importância de desmistificar as percepções

relacionadas ao senso comum24 dos/as estudantes, quando estas não estiverem de acordo com

o que ele entende como o “correto”, ou seja, o conhecimento “formal” aprendido na escola e

na universidade, aquele derivado da cultura ocidental moderna, apoiado por formas

simbólicas de eurocentrismo. Todavia, a utilização do marcador “Eu acho” (Turno 5) denota

uma opinião com grau de compromisso inseguro do que Bruno entende por “correto” sobre os

mecanismos de herança genética. Ao afirmar que “Aquela questão ali que a herança se dá

pela mistura do sangue... eu acho que não é certo pra ninguém”, o participante usa como

parâmetro de conhecimento “correto” a abordagem monocultural eurocêntrica na qual está

imerso, desconsiderando a possibilidade de outras formas de explicar os fenômenos naturais.

Dessa reflexão, surgem alguns questionamentos: será que os/as professores/as em

formação inicial conhecem outras explicações sobre herança no sentido de outra cultura?

Eles/as já tiveram acesso a outras ciências que explicam a hereditariedade? Ou eles/as são o

reflexo de uma escola e sociedade que apresenta apenas a explicação da ciência ocidental

moderna? Entendemos que se toda vivência dos/as participantes vem de uma sociedade e

escola permeadas apenas pela ciência eurocêntrica, dizer que o aluno está errado e usar o erro

como ponto para novas conceitualizações não estaria ocultando outras culturas, porque esses

sujeitos não foram apresentados a elas. Por outro lado, estaria errado se tivéssemos alunos/as

que conhecessem como outras culturas explicam determinados fenômenos naturais e não

considerássemos esses conhecimentos.

Diante da importância de considerar explicações científicas de diferentes culturas,

estamos defendendo uma educação plural, que valorize diferentes saberes, ao passo que

promovemos a reflexão sobre essas questões no curso de formação de professores. Se pelo

discurso a cultura eurocêntrica se instaurou como única e verdadeira, pelo discurso é possível

desconstruir essa percepção.

Por outro lado, o discurso de Amanda (Turno 7), ao ponderar que o conhecimento de

senso comum do/a estudante, no que se refere a herança genética, “É certo em um ambiente”,

a participante apresenta uma perspectiva mais coerente com o pluralismo epistemológico, que

defende a demarcação de saberes como estratégia metodológica para o ensino de Ciências.

Nessa perspectiva, o/a professor considera as diferentes formas de explicar os fenômenos

24 Entendemos senso comum como noções comumente admitidas pelos indivíduos em sociedade, que

não tenham sido originadas a partir de critérios epistêmicos de uma dada cultura, mas de ramificações

equivocadas da cultura hegemônica.

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naturais, inclusive as originadas de ramificações equivocadas da cultura hegemônica, e

demarca como cada uma explica um mesmo fenômeno, sem perspectiva de mudar os

conhecimentos dos/as estudantes. Percebemos que o discurso articulado por Amanda

apresenta fragmentos do texto que utilizamos na aula para discutir o tema, configurando a

utilização da intertextualidade não específica como recurso discursivo para defender sua

opinião.

Observamos a mobilização de duas opiniões sobre a atitude do/a professor/a frente aos

conhecimentos dos/as estudantes nas aulas de Genética, uma favorável à desconstrução das

ideias que estão em desacordo com a ciência ocidental moderna e outra, que mais se aproxima

do diálogo entre o PE e o MC, na qual o/a professor/a de Biologia promove a demarcação dos

conhecimentos, esclarecendo aos/às estudantes que estes podem ser aplicados em diferentes

contextos. Entretanto, quando o conhecimento dos/as estudantes ou o conhecimento científico

ocidental mobilizam atitudes discriminatórias, defendemos no diálogo entre o PE e o MC, a

desconstrução desses ideais. Por meio das estratégias argumentativas, percebemos que a

intenção dos/as participantes em desmistificar percepções do senso comum dos/as estudantes,

relacionadas à explicação de herança biológica, se justifica, sobretudo pela preocupação em

combater desigualdades e discriminações, como no caso em que Ariel destaca a discriminação

religiosa (Turno 14), Eduardo identifica a discriminação ao deficiente (Turno 17) e Elodie

destaca a desigualdade de gênero (Turno 21).

Os argumentos apresentados por Ariel, Eduardo e Elodie (Turnos 14, 17 e 21,

respectivamente) foram direcionados a duas assertivas de senso comum colocadas no debate

pela professora: “O pai é mais importante que a mãe para determinação das características do

indivíduo” e “Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de

Deus”25. Podemos pressupor que para esses/as professores/as em formação inicial, a

orientação pelo conhecimento científico ocidental nas aulas de Genética, nestes casos, se

justifica principalmente por resguardar um ambiente escolar livre de julgamentos e

discriminações. De fato, os conhecimentos que firam a dignidade humana e sejam

instrumento da perpetuação de desigualdades não merecem ser reconhecidos nas aulas de

Ciências (CREPALDE et al., 2019).

No relato de Elodie (Turno 18) “a gente daria oportunidade do aluno escolher, né?

Você acha isso, mas a ciência diz isso aqui” identificamos que a participante se coloca como

25 Essas problematizações foram extraídas da tese de doutorado de Vanessa Reis (2018).

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membro de um grupo social, no caso, os/as professores/as, que devem apresentar aos/às

estudantes as possibilidades de interpretação de um fenômeno natural para que estes possam

“escolher”. Percebemos nesse texto indícios da ideia de demarcação de saberes discutida nos

pressupostos do PE, todavia, essa perspectiva teórica não orienta para que o/a estudante faça

uma escolha frente às explicações dos fenômenos naturais, mas utilize seus conhecimentos

culturais, em diferentes contextos da vida cotidiana.

Concordando com essa ideia, Arizona (Turno 19) traz uma asserção segura e explícita

de que “Não pode dizer que ele [o/a estudante] tá errado”, na qual podemos pressupor que

para a participante, essa ação [de dizer que o/a estudante está errado] acarretaria em

desconsiderar os conhecimentos prévios e a cultura do/a estudante. A opinião de Arizona leva

Bruno a se manifestar (Turno 20), promovendo uma reflexão sobre os exames de avaliação

escolares. Ora, se o/a professor/a não pode dizer que o/a estudante está errado, implica que

ele/a estará sempre certo, e assim “Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//”

(Turno 20). A retórica de Bruno pressupõe sua opinião implícita de que é função do/a

professor/a desmistificar os conhecimentos prévios dos/as estudantes, a fim de promover a

compreensão da ciência hegemônica.

É importante tornar evidente quando estamos nos referindo à apresentação de outras

culturas/ciências e quando estamos nos referindo ao conhecimento prévio dos/as

professores/as ou alunos/as, tendo em vista que existe uma linha tênue entre a cultura e os

conhecimentos dos sujeitos. Nessa discussão sobre como explicar fenômenos relacionados a

hereditariedade, entendemos que tanto professores/as quanto alunos/as não conhecem outras

culturas/ciências, se restringindo a buscar explicações em seus conhecimentos prévios, que

foram adquiridos por meio de uma formação pautada apenas na cultura eurocêntrica. Assim,

argumentamos que nem sempre os conhecimentos prévios dos sujeitos vão se caracterizar

como diferentes culturas, estando mais numa perspectiva de senso comum, e, desse modo,

podem ser considerados errados à luz de critérios epistêmicos de culturas específicas.

Numa perspectiva do diálogo entre o PE e o MC, entendemos a importância de ensinar

Genética, mas isso não implica em desconsiderar outras explicações de herança e

hereditariedade, por exemplo, que inclusive, devem ser problematizadas na sala de aula. A

preocupação de Bruno, contudo, é legítima e direcionou a discussão sobre a diferença entre

entender e/ou acreditar num determinado conteúdo.

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Seguindo as reflexões provenientes do diálogo entre o PE e o MC, entendemos que

ensinar Ciências não implica em desmistificar conhecimentos culturais dos/as estudantes que

podem se contrapor ao conhecimento científico ocidental. Nessa perspectiva, argumentamos

para um ensino sensível à diversidade cultural, no qual o/a professor/a apresente as

explicações da comunidade epistêmica da ciência ocidental como uma entre várias formas de

explicar os fenômenos naturais, orientando que se trata do conhecimento a ser posto em

análise nas avaliações nacionais. Contudo, essa orientação não anula necessariamente as

crenças dos/as estudantes, que podem manter em seus modelos mentais diferentes

representações conceituais. Nesse contexto, os/as participantes foram questionados/as sobre a

função do/a professor/a em situações nas quais as crenças dos/as estudantes divergem do

conhecimento científico ocidental, se seria importante que o/a professor/a desconstruísse

determinadas crenças culturais dos/as estudantes para promover a compreensão dos conteúdos

denominados científicos, ou se seria coerente e possível que o/a professor/a orientasse o/a

estudante a entender conteúdos ainda que estes contrariassem suas crenças pessoais. Para esta

discussão, lembramos que todos os conhecimentos, inclusive os ocidentais, também

sustentam crenças, e são, portanto, passíveis de crítica cultural. Vejamos alguns turnos de fala

dessa discussão:

Turno 26. Arizona: Não. Não mesmo ((referindo-se à pergunta se seria função do

professor de ciências alterar crenças dos estudantes)).

Turno 28. Nami: Eu tava pensando assim, eu como professora, eu não tocaria no assunto

de religião, só se a criança se manifestar:: Eu vou falar da ideia científica, mas, vocês

podem acreditar no que vocês quiserem. Então, cabe o aluno escolher, né? Agora eu, só

toco no assunto se realmente não tiver como fugir. //

Turno 33. Carol: As duas vertentes, porque... não vai depender do professor mudar o

pensamento... a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir o que ele vai...

Turno 34. Eduardo: Eu discordo. Porque quando você tá explicando alguma coisa, é...

algum conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já formada, ela

não vai querer te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim.

Turno 44. Eduardo: Não. Mas, eu acho importante. Que ele acredite ((referindo-se à ideia

de que o estudante precisa acreditar para entender conceitos da Genética)).

Turno 47. Nami: E essa questão que, pra entender, é preciso acreditar, por exemplo, eu

nunca entendi o Big Bang, mas eu acredito que ele aconteceu...

Percebemos na fala de Arizona (Turno 26) uma opinião com grau de compromisso

seguro de que o/a professor/a não deve alterar crenças dos/as estudantes. Trata-se de uma

formulação como parte de um grupo social, tendo em vista que não somente ela deve

resguardar as crenças dos/as estudantes, mas também toda a classe de professores/as. No

curso do debate, os/as participantes relacionaram crença a religião, o que se justifica no fato

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de que conhecimentos prévios são sustentados por explicações espirituais. Nesse contexto,

Nami (Turno 28) apresenta sua opinião em nível individual “eu como professora” de forma

explícita “não tocaria no assunto de religião, só se a criança se manifestar”. A participante

assume seu posicionamento de forma segura ao afirmar que “Eu vou falar da ideia científica,

mas vocês [referindo-se aos/às estudantes] podem acreditar no que vocês quiserem”, uma

opinião que implica em desconsiderar o debate dos conhecimentos dos/as estudantes,

assumindo como função basilar do/a professor/a contribuir para a transmissão do

conhecimento científico ocidental.

Na profissão de professor nos deparamos com inúmeros desafios, um deles é levar

os/as estudantes à compreensão de ideias denominadas científicas sem negar a sua própria

formação cultural. Para tanto, argumentamos que o ensino de Ciências considere as visões de

mundo dos/as estudantes no curso das aulas, promovendo a discussão da variedade de ideias e

a sistematização desses saberes, a fim de contribuir para o acesso ao conhecimento científico

ocidental. Um trabalho nessa perspectiva exige uma abordagem docente voltada para a crítica

quanto à visão da ciência ocidental moderna como um sistema hegemônico, para o

reconhecimento da existência de várias formas legítimas de saber, que merecem espaço nas

aulas de Ciências, e que coloque em prática uma educação culturalmente sensível,

valorizando as abordagens dialógicas. Considerando a dificuldade em promover essa

abordagem plural, assumimos o debate dessas questões no curso de formação de

professores/as como um caminho frutífero.

De forma segura, se colocando como parte do grupo de professores/as, Carol (Turno

33) afirma que “a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir”. O posicionamento seguro de

Carol pressupõe que ela compreende a existência de diferentes percepções de mundo na sala

de aula, ainda que não explicite, na formulação da sua opinião, a relevância em promover o

diálogo entre os saberes dos/as estudantes com os conhecimentos denominados científicos.

Eduardo (Turno 34), por sua vez, afirma explicitamente que está em desacordo com a opinião

de Carol; para ele, o professor deve desmistificar crenças do senso comum quando estas

contrapõem o conhecimento científico ocidental. Para defender sua opinião, Eduardo usa a

argumentação como recurso discursivo, explicando que “quando você tá explicando alguma

coisa, é... algum conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já

formada, ela não vai querer te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim”.

A opinião de Eduardo (Turno 34), inicialmente formulada com grau de compromisso

seguro, apresenta ao final insegurança na sua asserção, ao utilizar o marcador “Eu acho”. Na

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sequência do debate, quando o participante é questionado pelo grupo, ele formula uma

opinião contrária à apresentada anteriormente, o que permite inferir que, para ele, embora o/a

estudante não precise acreditar para entender um conceito da Genética, por exemplo, é

importante que ele acredite “eu acho importante. Que ele acredite” (Turno 44). Tão

interessante quanto buscar entender os pontos de vista discutidos nas aulas, é perceber que as

representações mentais dos/as participantes sofrem alterações ao passo em que são colocadas

em questão num círculo onde emergem diferentes posicionamentos. Assim, podemos entender

a construção discursiva das opiniões, que orientam diferentes práticas pedagógicas.

A fala de Nami (Turno 47) suscita uma reflexão invertida sobre crença e entendimento

na construção de conhecimentos ocidentais. De forma explícita e segura, a participante

sustenta sua opinião com um exemplo de natureza pessoal “eu nunca entendi o Big Bang,

mas, eu acredito que ele aconteceu”, uma estratégia discursiva de narração, em primeira

pessoa, utilizada para defender sua opinião, levando o discurso para o campo concreto. O fato

de Nami afirmar que acredita no Big Bang (conhecimento ocidental) mesmo sem entender o

fenômeno, pressupõe uma visão cientificista, ou seja, é suficiente que uma comunidade

denominada científica afirme determinados fatos para que ela aceite como verdade. Na

religião há uma tendência a acreditar, sem entender, com base no mistério da fé, o que não

poderia ser utilizado como critério ao determinar a crença ou não em conhecimentos

ocidentais; uma vez acontecendo isso, implica numa visão de superioridade científica, ou seja,

no cientificismo.

Ao passo que explorávamos exemplos de conhecimentos de diferentes grupos étnicos,

alguns/mas participantes se manifestaram sobre a posição do/a professor/a frente ao respeito a

práticas culturais controversas, como o infanticídio, por exemplo, praticado por alguns grupos

indígenas, como os Kamayurá. Sobre isso, destacamos os seguintes turnos de fala:

Turno 48. Fabrício: Eu acho que não devia ser respeitado, esse tipo de coisa ((referindo-

se a culturas em que o infanticídio é praticado)).

Turno 51. Fabrício: Portanto que a cultura não fira nenhum direito humano.

Turno 52. Fabrício: E também, nem animal também...

Turno 57. Maria: mas querendo ou não a gente tem que respeitar.

Turno 58. Fabrício: Eu acho que não.

Turno 59. Clayane: Tem que respeitar. Por mais que de fora nós temos outra realidade.

Uma coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver por que eles

acreditam nisso.

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Podemos perceber dois posicionamentos polarizados nos turnos de fala acima.

Enquanto Fabrício (Turnos 48, 51, 52 e 58) questiona o respeito a culturas que se contrapõem

ao que conhecemos por direitos humanos, Maria e Clayane (Turnos 57 e 59, respectivamente)

defendem o respeito a toda forma de expressão cultural, independente das nossas ideologias

particulares. Sobre isso, Clayane (Turno 59) argumenta que “Por mais que de fora nós temos

outra realidade. Uma coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver

por que eles acreditam nisso”. Clayane fala em nome de um grupo, que inclui todos/as os/as

participantes da discussão, pressupondo uma atitude imersa numa polarização entre “Nós”

(que não praticamos infanticídio) e “Eles” (que o praticam). Porém, na opinião dela, essa

prática não representa necessariamente uma atitude negativa para os que a realizam, pois é

justificada por crenças particulares, as quais “Nós” desconhecemos.

Em suma, os/as professores/as de Biologia em formação inicial apresentaram opiniões

polarizadas em cada tema abordado, o que representa um aspecto positivo, tendo em vista a

possibilidade de contrapor diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir dessas

discussões, tanto novas representações dos modelos mentais foram se construindo, quanto

os/as participantes aprenderam a respeitar e conviver com as diferenças.

4.3.3 As implicações e intenções políticas em debate

Neste bloco, que se refere às implicações e intenções políticas, discutiremos sobre

como os/as professores/as de Biologia em formação inicial se posicionaram em seus discursos

sobre as expressões do racismo na sociedade brasileira, o conceito de raça humana e as

implicações das políticas de ação afirmativa, com destaque para a política de cotas raciais. No

quadro 7, estão os episódios utilizados para a análise, bem como o tema a que designamos, a

identificação do encontro, do momento e o do intervalo de duração, respectivamente.

Quadro 7. Identificação dos episódios analisados sobre as implicações e intenções políticas.

Implicações e intenções políticas

Episódio Tema Encontro Momento Intervalo

15 A naturalização de preconceitos e

discriminação e o caso das cotas raciais

3 1 00:17:06 –

00:23:02

23 O conceito de raça entre o biológico e o

social

4 3 01:18:54 -

01:23:22

26 A naturalização da discriminação e a 4 6 02:35:54 –

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170

política de cotas raciais em debate 02:38:12

27 As relações de poder e a política de

cotas raciais em debate

4 6 02:39:19 –

02:44:52

33 A problematização das identidades

coletivas marginalizadas historicamente

1

5 4 02:15:08 –

02:18:14

34 A problematização das identidades

coletivas marginalizadas historicamente

2

5 4 02:18:56 –

02:21:51

Estabelecendo uma interface entre discurso, cognição e sociedade, Van Dijk explicita

como certos modelos mentais e cognições sociais são responsáveis por fenômenos sociais

como o racismo, por exemplo, na medida em que este não é inato, mas aprendido, sobretudo,

por meio dos discursos públicos (VAN DIJK, 2008). Considerando o componente social do

racismo, apresentaremos a seguir turnos de fala nos quais os/as participantes se posicionam

sobre as expressões do racismo na sociedade brasileira:

Turno 16. Carol: Eu acho que todos somos, porque... fomos criados num padrão que nos

faz ser racistas de forma consciente ou inconsciente, vai depender... do que a pessoa quer

escolher. Vamos supor, tem ditados que a gente acha que são coisas, tipo... humor negro,

hoje é dia de branco, ah... coisa de preto ou coisa de... são atitudes racistas mas que pra

gente, foram... passadas como normal no cotidiano, que a gente podia utilizar, como se

fosse algo normal. Então, para mim, todos somos aqui:: porque... às vezes, vamos supor,

a gente diz que não é, mas não apoia as cotas, porque diz que isso, é... não tá... não tá

valorizando, ou que isso tá, vamos supor, colocando um grupo à frente dos demais, então,

eu acho que, infelizmente, é necessário que a gente seja sensibilizado pra poder

desconstruir o que foi criado como padrão por nós.

Turno 17. Jhoserd: Eu acho que é um racismo estrutural, assim... vai para além de uma

atitude pontual, assim, que envolve toda estrutura social, da sociedade... já tá enraizado,

assim, sabe?

Carol (Turno 16) expressa sua opinião em nível individual, de forma explícita “Eu

acho que todos somos”. O marcador “Eu acho” utilizado por Carol tem uma conotação de

insegurança, além de ser uma estrutura lexical importante para evitar a imposição discursiva

num ambiente onde diferentes opiniões são mobilizadas. A explicação da participante para

defender a opinião apresentada é justificada em nível estrutural “porque... fomos criados num

padrão que nos faz ser racistas de forma consciente ou inconsciente”. Ressaltamos que, ao se

colocar como membro do grupo de racistas, Carol diminui o peso da sua asserção. A

dimensão consciente do racismo, destacada por Carol, pode estar relacionada com o

componente social do racismo, que consiste em práticas discriminatórias cotidianas, enquanto

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a dimensão inconsciente pode estar envolvida com o componente cognitivo do racismo, ou

seja, as crenças que as pessoas têm, como conhecimentos, atitudes, ideologias, normas e

valores, muitas vezes aprendidas através do discurso (VAN DIJK, 2000).

Todavia, o discurso de Carol se apresenta controverso na fala seguinte “vai

depender... do que a pessoa quer escolher”. Ora, se a escolha é pessoal, o componente

“inconsciente” se anula, e cada um é individualmente responsabilizado por suas ações

racistas. Para levar sua discussão ao campo concreto, a participante apresenta exemplos de

práticas racistas comumente naturalizadas na nossa sociedade, e cita o desacordo à política de

cotas como um desses exemplos, o que gera um intenso debate, que vamos apresentar adiante.

A opinião final de Carol (Turno 16) “eu acho que, infelizmente, é necessário que a

gente seja sensibilizado pra poder desconstruir o que foi criado como padrão por nós”,

marcado pela expressão individual e com grau de insegurança no compromisso com o que

fala, volta a apresentar uma formulação do racismo em nível social “criado como padrão por

nós”. Esse posicionamento leva Jhoserd (Turno 17) a se manifestar “Eu acho que é um

racismo estrutural”. Embora Jhoserd utilize um marcador individual “Eu acho”, que

pressupõe uma opinião, podemos dizer que a assertiva “racismo estrutural” se refere a um

conhecimento, ou seja, a uma crença objetiva, sustentada por estudos históricos, sociológicos

e antropológicos, que formam uma comunidade epistêmica. Todavia, por não haver consenso

entre os estudiosos, podemos dizer que essa afirmação, que é considerada conhecimento

compartilhado por um grupo ideológico antirracista, também pode ser considerada opinião,

por outros grupos, que formam outra comunidade epistêmica. Van Dijk (2016, p. 140) ressalta

que “na prática, não é tão simples distinguir entre conhecimento e opinião”26.

Quando Jhoserd fala que o racismo é estrutural (Turno 17), ele manifesta sua

indignação ao nosso passado colonial, de modo que explica nossa situação de extrema

desigualdade racial a partir de uma visão histórica, indicando um modelo mental

sociocognitivo consciente dos fatos históricos do Brasil colônia. De acordo com Pinheiro

(2010), essa perspectiva é de natureza analítica e busca na história as condições que

culminaram na situação atual e as possibilidades de desdobramentos que possam ter

futuramente. Perceber o quão institucional e estruturante é o racismo da nossa sociedade

corresponde a um primeiro passo necessário, por isso a importância de problematizar as

identidades coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos

26 Tradução nossa, do original: “[...] en la práctica no resulta tan sencillo distinguir entre conocimiento

y opinión” (VAN DIJK, 2016, p. 140).

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culturais subalternizados historicamente. Igualmente relevante é analisar a influência da

ciência ocidental moderna na reprodução de discriminações, a partir da construção do

conceito biológico de raça, prática que configura o racismo científico. Apresentaremos alguns

turnos de fala sobre essa discussão:

Turno 29. João: Não. Eu acho que... pelo que eu vi esse questionamento em Evolução...

((inaudível)) e um dos textos vai falar sobre os genes que vão definir essas características

nos humanos e em outros animais, que nos outros animais são muito maiores e no ser

humano é muito pequeno. E por causa dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar

como raças, assim, porque é muito pequeno... aí no texto, Munanga diz que menos de 1%

dos nossos genes determinam a cor da pele.

Turno 32. Amanda: Eu acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as

pessoas, tentar deixar todo mundo igual que é o problema, a gente tem que respeitar a

particularidade de cada pessoa, mas isso não significa que alguém é superior, alguém é

inferior, sabe? Entender que existem diferenças sem hierarquizar. Essa diferença é melhor

só que essa, eu acho...

Turno 34. Arizona: Professora, aqui no texto diz que o começo do termo raça foi pra

classificação da zoologia, né? Só foi criada pra saber a diferença dos animais, e eu acho

que na raça humana... Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso::

Ter uma classificação pra saber quem é quem e aquilo... Não! Só pra os animais e a

botânica.

Turno 36. João: Eu gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria

das coisas que ele fala eu assino embaixo. Mas, eu gosto da maneira como ele traz a

questão, sabe? Se... se a gente resumir raça à questão sócio-política pra esse debate

((Inaudível)), porque é como é mais fácil de se compreender e se fazer o debate, é... eu

acho que vale a pena ter ((Inaudível))... falando isso: Olhe! Esse conceito,

biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o que a gente assume de

verdade dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-político, acho

que rola sim!

Turno 37. Maria: É isso que eu ia falar, lembrando da aula de gene, né? Falar de raça

depende do contexto!

Turno 43. Bruno: O próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente

utiliza o termo de forma a segregar os grupos, para hierarquizar branco à frente do índio,

preto. Então, não existe mais cientificamente, raça pra algumas pessoas, né? Mas, ainda é

utilizado pra essa questão mais social. Do branco, preto, índio... do aborígene...

O racismo científico diz respeito a práticas e discursos da ciência ocidental moderna

que estiveram/estão envolvidos na determinação de padrões excludentes e em processos de

segregação de grupos humanos, com base na categoria raça (ARTEAGA, 2007). Discutimos

como o conceito biológico de raça humana caiu em desuso e voltou ao uso como marcação

política. Nesse ínterim, os/as participantes apresentaram suas opiniões sobre a possível

aplicação do conceito de raça humana. João (Turno 29) manifesta uma opinião explícita, na

qual nega a existência de raças humanas. Para explicar seu ponto de vista, ele recorre à

intertextualidade, expressando de forma individual e insegura (Eu acho que), um relato de

experiência de discurso em uma disciplina da graduação “eu vi esse questionamento em

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Evolução...” e relata especificamente um texto de leitura indicada na nossa disciplina “aí no

texto, Munanga diz que menos de 1% dos nossos genes determinam a cor da pele”. A

experiência na disciplina de Evolução e o texto de leitura indicada na nossa disciplina são

incluídos na articulação do discurso de João para defender seu argumento de que o conceito

biológico de raça humana deve ser desconstruído, tendo em vista que o número de genes

implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos é muito pequeno “por causa

dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar como raças”.

Todavia, embora muitos geneticistas argumentem que a distinção entre raças não tenha

fundamento biológico, isto não é suficiente para extinguir o que culturalmente foi construído

ao longo de séculos, pois as raças fictícias estão no subconsciente coletivo (MUNANGA,

2013). Trata-se de um conceito que tem um perfil sócio-histórico-cultural construído no

contexto de colonização, com a dominação europeia. Na opinião de Amanda (Turno 32) “Eu

acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as pessoas, tentar deixar todo

mundo igual que é o problema”, a participante defende a percepção das diferenças sem

hierarquizações “a gente tem que respeitar a particularidade de cada pessoa, mas isso não

significa que alguém é superior, alguém é inferior, sabe?”. A opinião, formulada em nível

individual e inseguro, expressa também uma atitude social, ao afirmar que “a gente tem que

respeitar”, usando a pergunta retórica ao final da frase “sabe?” para dar ênfase ao que deseja

anunciar, sugerindo uma afirmação.

Continuando a problematização das implicações do conceito de raça humana na nossa

sociedade, Arizona (Turno 34) utiliza o recurso discursivo da intertextualidade para defender

sua opinião, fazendo referência também ao texto de leitura indicada da disciplina “aqui no

texto diz que o começo do termo raça foi pra classificação da zoologia, né?” Ela tem um

posicionamento seguro e explícito de que o conceito biológico de raça humana não deve ser

aplicado “Não! Só pra os animais e a botânica”. Todavia, na articulação do seu discurso, ela

utiliza o termo “raça humana” e imediatamente se reprime “eu acho que na raça humana...

Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso”. Essa manifestação

espontânea da utilização do termo “raça humana” mostra como essa ideia está imbricada nos

nossos modelos mentais.

A representação social da ideia de raça humana vem sendo construída ao longo de

séculos e, por isso, argumentamos que não podemos abandonar esse conceito como estratégia

de luta antirracista, mas sim, problematizar sua marcação no campo social, tal como

argumenta João (Turno 36), mobilizando uma opinião social e explícita “Esse conceito,

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biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o que a gente assume de verdade

dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-político, acho que rola

sim!”. É interessante notar o grau de compromisso seguro na opinião quanto a desconstruir o

conceito biológico de raça “Ele não dá pra existir, não rola!”, enquanto a opinião quanto a

manter este conceito em nível sociopolítico apresenta grau de compromisso inseguro,

marcado pela presença da modalidade doxástica “acho que” “como um conceito sócio-

político, acho que rola sim!”.

Destacamos também que o fato de João apresentar as leituras do autor Kabengele

Munanga como habituais, incluindo especificamente sua voz na articulação do discurso “Eu

gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria das coisas que ele fala eu

assino embaixo”, pressupõe que, para além do texto sugerido na disciplina, outras leituras da

autoria de Munanga foram acessadas por João ao longo de sua trajetória de estudante e/ou de

militância no movimento negro do qual faz parte. Kabengele Munanga é um autor de

referência na abordagem de temas como racismo, políticas e discursos antirracistas, negritude,

identidade negra versus identidade nacional, multiculturalismo e educação das relações

étnico-raciais. O acesso aos trabalhos desse ilustre pesquisador contribui para a construção de

representações mentais críticas que refletem na articulação dos discursos gerados, tal como

podemos perceber nas colocações de João.

Na sequência, Maria (Turno 37) apresenta concordância com a argumentação de João,

fazendo referência especificamente ao que aprendeu na aula anterior da disciplina, na qual

exploramos diferentes conceitos de gene a partir do contexto de aplicação. Na articulação do

seu discurso, Maria aponta de forma segura “lembrando da aula de gene, né? Falar de raça

depende do contexto!”. Com essa afirmação, a participante deixa implícita a opinião de

manter o conceito de raça a depender do contexto, se biológico ou social, mas não se

posiciona frente à opinião apresentada anteriormente por João, segundo a qual, embora o

conceito biológico de raça deva ser desconstruído, ele pode ser problematizado no contexto

social.

Compartilhando com os posicionamentos de Arizona, João e Maria, Bruno inclui

especificamente o texto de leitura indicada na disciplina para expressar sua opinião “O

próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente utiliza o termo de forma

a segregar os grupos”. Podemos inferir que a inclusão do texto de autoria de Munanga para

expressar opiniões sobre a utilização do termo “raça humana” pressupõe que os/as

participantes assumem como verdade os argumentos de autoridade nos textos trabalhados na

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disciplina. E, embora nosso objetivo com a disciplina tenha sido promover uma percepção de

temas socioculturais embasada no diálogo entre o PE e o MC, temos receio desta assimilação

dos textos como verdade. É importante que a construção de opiniões a partir da experiência

e/ou do discurso seja confrontada com diferentes ideias a fim de intensificar e fortalecer

argumentos coerentes com os posicionamentos individuais e ações sociais.

Percebemos que os/as professores/as em formação inicial, geralmente, concordavam

com as asserções dos/as autores/as de textos indicados para a leitura na disciplina. Assim, a

manifestação de diferentes ideias e argumentos foi mais evidenciada quando, nas aulas,

emergiam temas socioculturais cuja problematização não era diretamente discutida no texto

indicado. Apresentamos abaixo os modos de representação particulares, ou seja, opiniões

sobre um tema não explicitamente discutido no texto indicado: a política de cotas raciais para

ingresso nas instituições públicas de ensino superior:

Turno 21. Marcos: Eu também discordo das cotas também...

Turno 22. Fabrício: Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho muito... muito

forte isso. Porque, sei lá... quando a gente fala nas cotas... eu acho que é bater mais na

tecla. Eu acho que é você intensificar um pouco o pensamento mais segregador.

Turno 23. Bruno: Eu, particularmente, não concordo com as cotas pra negro. //

Turno 25. Amanda: Ainda dentro dessas questões de cotas, eu tava até comentando com

Elodie, a gente tem um país que até pouco tempo atrás era proibido a entrada de negros,

não só em universidade, mas em colégios:: e aí eu encaro as cotas como uma tentativa de

suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui. Tem que ter pessoas de baixa

renda nesses espaços. Então, tipo, eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é

racista, mas, eu acho que boa parte das pessoas que fundamentam esse pensamento que:

Ah, cotas é muito injusto, cotas... mesmo que inconsciente tem uma pegadinha sim,

racista, sabe? Não todo mundo, mas, acho que boa parte das... principalmente dos grandes

políticos, as grandes pessoas que fundamentam essa política anti-cotas...

Turno 27. Amanda: Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não pode negar que,

predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as pessoas em

imagens periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe? Então, acho que

as cotas é uma tentativa de dar oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas

por leis, de entrarem nesses espaços.

Nos turnos de fala acima, temos a manifestação de duas opiniões polarizadas: Marcos,

Fabrício e Bruno (Turnos 21, 22 e 23, respectivamente) formulam opiniões contra o sistema

de cotas raciais, enquanto Amanda (Turnos 25 e 27) defende essa política afirmativa.

Acompanhando os/as participantes ao longo de um curso de 60 horas, conhecemos um pouco

de suas histórias de vida explicitamente apresentadas por eles/as, as quais podem auxiliar na

compreensão da construção dos seus modelos mentais. É interessante notar que Marcos,

Fabrício e Bruno, contrários à política de cotas acessaram a universidade a partir do sistema

de ampla concorrência; inclusive Fabrício, que em uma discussão se autodeclara negro;

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enquanto Amanda, favorável ao sistema de cotas raciais, ingressou na universidade por meio

dessa política, uma informação adquirida também a partir do discurso explícito desses/as

participantes.

Marcos (Turno 21) e Bruno (Turno 23) expressam suas opiniões em nível individual,

explícito e com grau de compromisso seguro contra o sistema de cotas. É interessante

ressaltar que Bruno apresentou mudança de opinião no final da disciplina, reforçando a

fluidez dos nossos modelos mentais e a influência das experiências discursivas nas

representações pessoais. Na construção de Marcos “Eu também discordo das cotas

também...” percebemos na repetição do advérbio “também” tanto a função de indicar que ele

não é o único com essa opinião, que pode parecer negativa para o grupo, quanto de enfatizar

sua afirmativa. Na especificação de Bruno “não concordo com as cotas pra negro” podemos

pressupor que, para ele, o discurso favorável às cotas raciais é também uma forma de racismo,

pois trata de forma diferente as pessoas, as quais deveriam ser tratadas igualmente.

Todavia, tais elementos discursivos encobrem o processo histórico de racismo e de

exclusão de direitos que os afrodescendentes têm sofrido no Brasil ao longo dos séculos

(SANTOS, 2014). Além disso, esse discurso reforça o mito da democracia racial, o qual

sustenta que todos, independentemente da raça, têm acesso aos mesmos artefatos culturais e

oportunidades, o que não corresponde com a nossa realidade. Podemos assumir a política de

cotas como uma forma de discriminação, considerando o tratamento diferenciado dado a

grupos culturais subalternizados historicamente, mas se refere a uma discriminação positiva,

necessária para a equidade social.

No Turno 22, pressupomos que Fabrício tenha uma opinião contrária ao sistema de

cotas raciais, uma vez que, para ele, a política estaria intensificando a segregação social. Além

disso, podemos pressupor que ele discorda, de forma insegura “eu acho”, de um dos

argumentos utilizados a favor da política de cotas, que é a consideração do nosso passado

colonial, marcado pela escravização de povos indígenas e afrodescendentes. O estudante

Fabrício, por sua vez, ao manifestar que as discussões sobre a dívida histórica que o país tem

com as populações afrodescendente e indígena provocam o fenômeno de “intensificar um

pouco o pensamento mais segregador”, alinha seu discurso ao movimento de distorção da

luta dos movimentos sociais, e principalmente dos movimentos negros, pela democratização

do acesso universal ao ensino superior, que contemple, de forma igualitária, brancos e a

grande massa de negros/as e indígenas excluídos historicamente desse nível de formação

acadêmica e de tantos outros direitos (SANTOS, 2014). Essa organização mental de negar

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uma política, apresentando-a como negativa, é uma forma de imputar ao outro um aspecto

negativo, de modo a materializar, dentro de uma oração, as estratégias globais de

autoapresentação positiva (favoritismo intragrupal) e de heteroapresentação negativa

(depreciação dos exogrupos) (VAN DIJK, 2008).

No depoimento de Amanda (Turno 25), destacamos o entendimento de que a política

de cotas representa um instrumento de mobilidade social: “e aí eu encaro as cotas como uma

tentativa de suprir esse quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui”. Para ela, a ausência

de representatividade negra em espaços de poder, como a universidade, chama a atenção, e a

política de cotas surge como uma possibilidade de mudar essa realidade. Ao dizer “tem que

ter negros aqui”, Amanda reivindica a sua presença naquele espaço. Mas ao tratar de racismo,

ela opta por falar do outro, não dela, o que possibilita que a discussão por ela levantada não

tenha sido transferida para o campo pessoal. Dessa forma, as outras pessoas podem emitir

suas opiniões, se mantendo no campo abstrato, o que resguarda o espaço do outro. Além

disso, ao dizer “eu não sei se todo mundo que é contra o sistema de cotas é racista, mas...”,

Amanda utiliza o modalizador “eu não sei” para expor com cautela sua opinião, sem afrontar

a ideia dos demais.

Reforçando sua opinião favorável à política de cotas, Amanda (Turno 27) retoma o

argumento da reparação de uma dívida histórica “acho que as cotas é uma tentativa de dar

oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas por leis, de entrarem nesses

espaços”. A opinião de Amanda pressupõe conhecimento histórico do Brasil colonial, cuja

escravização foi uma das mais severas das Américas, além do fato de que, em decorrência da

apologia à mestiçagem característica do Brasil, durante séculos nada havia sido feito para

integrar a população afrodescendente à sociedade privilegiada, razão pela qual Amanda

mobiliza também perguntas retóricas “Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não

pode negar que, predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as

pessoas em imagens periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe?”.

Utilizando a retórica como estratégia discursiva, Amanda se empenha para promover a

reflexão entre os interlocutores.

Nos excertos abaixo, vamos continuar a discussão referente à política de cotas,

apresentando três turnos da fala de Fabrício, a fim de discutir as expressões individuais e

sociais que são construídas na formulação de seu posicionamento.

Turno 44. Fabrício: Então, por isso que eu tinha feito uma... uma crítica ao sistema de

cotas na aula passada. Porque eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um

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pouco não, bastante ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema. Que como

até ((Nome do estudante)) comentou no início da aula, 40% da universidade pública é

frequentada por gente que tem uma renda familiar de aproximadamente quarenta mil

reais, anual.

Turno 50. Fabrício: Isso. Que as universidades públicas brasileiras, elas são frequentadas

por alunos que possui família que tem uma renda anual perto de quarenta mil reais. Então,

aí você faz o paralelo. É... a educação, ela investe mais... o governo, ele investe mais na

educação superior ou básica? Superior. Sendo que a superior é frequentada por... quase

por pessoas ricas. Então, como eu vou colocar o negro da periferia na universidade, se eu

não invisto na educação básica? No ensino fundamental? Por exemplo, eu sou negro,

assim, graças a Deus, minha família teve condições de pagar uma escola particular...

ensino médio particular:: é... pré-vestibular particular... então, tive essa condição de me

colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar na faculdade. A faculdade pública. Já

aquele negro de periferia que não vai ter investimento na educação básica, ensino

fundamental e ensino médio, ele não vai saber nem... sair do ensino fundamental sem

nem saber ler direito...

Turno 54. Fabrício: Isso. O problema, tem que dar a base pra ele, pra ele chegar e

competir de igual pra igual com qualquer um.

No turno 44, Fabrício apresenta sua opinião contrária à política de cotas,

argumentando pela ineficiência da proposta em aumentar a representatividade étnica na

universidade “eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um pouco não, bastante

ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema”. Embora ele inicie uma expressão

insegura “eu acho”, utiliza da modalidade alta “bastante ineficiente” para apresentar um grau

seguro de compromisso com o que opina. A pausa longa depois da modalidade doxástica “eu

acho que::” pressupõe que ele estava articulando seu texto com cautela, a fim de não ser visto

de forma negativa pelo grupo.

No Turno 50, ao questionar o investimento discrepante do governo no ensino superior,

em comparação à educação básica, Fabrício imputa às autoridades um posicionamento racista,

por ser essa entidade abstrata que não ofereceria oportunidades iguais a todos os cidadãos, não

ele, num movimento semântico de transferência. Assim, justifica que aqueles/as que não

acessam a universidade não tiveram boa formação básica, um modelo mental compartilhado

por outras pessoas.

A fala de Fabrício (Turno 50) nos revela sua história de vida e a atitude que assume.

Para ele, o sistema de cotas é inviável, tendo em vista que o “negro de periferia”, como ele se

refere, não está avançando na educação básica e, portanto, não chegaria ao ensino superior,

independentemente dessa política. A estrutura lexical “negro de periferia” utilizada por

Fabrício revela o caráter condenatório de uma expressão, tal como Resende (2008) ressalta

com a expressão “morador de rua”, segundo a qual a pessoa é “de rua” e não que está na rua.

Da mesma forma, percebemos que a expressão “negro de periferia” aponta para uma condição

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de vulnerabilidade, causando um efeito de naturalização que mascara o problema, a ponto de

ser tomada como uma característica inerente à pessoa. Trata-se de uma representação

imagética que reforça a construção de sentidos ideológicos de modo a deslocar a

responsabilidade pública para o indivíduo. Todavia, vale ressaltar que essa escolha lexical

muitas vezes é inconsciente, refletindo “(...) maneiras de representar o mundo atreladas a

determinados grupos hegemônicos, em razão da pressão discursiva que esses grupos exercem

sobre o conjunto da sociedade” (RESENDE; ACOSTA, 2018, p. 435).

É preciso ter em conta a estrutura social que marginaliza grupos culturais, pois tratar

pessoas que foram subalternizadas historicamente sem uma reflexão sobre as condições que

as levaram a essa conjuntura valida a marginalização sofrida por esse grupo, além de

restringir o debate acerca de políticas públicas eficientes (RAMALHO; RESENDE, 2018). O

discurso de Fabrício (Turno 50) também sugere o pensamento de que o cotista é incapaz de

conquistar uma vaga na universidade simplesmente porque não teve uma boa formação

básica, o que reforça a ideologia da branquitude, que nega a possibilidade de acesso

igualitário com base em critérios supostamente inalcançáveis para o grupo de pessoas que não

têm as mesmas oportunidades. Essa base ideológica de descrição do discurso confere uma

representação positiva de um grupo, do qual se faz parte, e negativa de outro.

Fazendo uma relação com a experiência de Fabrício (Turno 50), que recorre à narração

como recurso discursivo para formular implicitamente sua opinião contra o sistema de cotas,

podemos perceber que o estudante apresenta sua negritude de forma diferenciada, uma vez

que ele teve acesso a boas escolas. Entendemos também que o estudante não percebe uma

desigualdade fundamentalmente pautada na raça, mas sim, uma desigualdade social, tendo em

vista que a justificativa para o discurso parte do pressuposto de que, com igualdade de acesso,

abrem-se os caminhos para se “colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar na

faculdade. A faculdade pública”. Em outro excerto, continua “O problema, tem que dar a

base pra ele, pra ele chegar e competir de igual pra igual com qualquer um.”. Aqui, mais

uma vez, o discurso pressupõe que os/as cotistas são inferiores, logo, incapazes de ocupar

uma vaga na universidade, tendo em vista a forma precária como foram escolarizados/as na

educação básica. Percebemos uma polarização ideológica entre nós (não cotistas) bons e

merecedores de uma vaga no ensino superior e os Outros (cotistas), que “ganharam” uma

vaga na universidade pública.

O relato de Fabrício (Turno 54) também revela, por meio da construção de seu modelo

mental, uma representação idealizada de sociedade, na qual os investimentos desde a base

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educacional refletem em boas oportunidades de forma igualitária para toda a população.

Todavia, este modelo mascara, de forma ideológica, a complexidade de uma sociedade em

que ocorre historicamente a negação de direitos aos povos afrodescendentes e indígenas.

Concordando com França Neto e Sousa (2012), ressaltamos que o locutor do discurso nem

sempre percebe que está imerso numa ideologia de determinado grupo, inclusive

reproduzindo ou naturalizando preconceitos historicamente estabelecidos, tal como podemos

ver nos episódios aqui apresentados. Por isso, os debates em espaços que se abrem a todas as

formas de discurso são importantes, uma vez que temos a oportunidade de confrontar nossos

ideais com outros, de diferentes naturezas, e por meio do discurso e partilha de experiências,

construir novos conhecimentos e visões de mundo.

Ainda sobre a política de cotas, os/as participantes manifestam os seguintes discursos

em suas representações:

Turno 55. Arizona: Professora, como ele disse, essa dívida histórica só seria paga:: não

são as cotas que vão pagar a dívida histórica, mas sim o investimento no ensino básico, o

ensino fundamental e ensino médio, porque, como ele disse, esses alunos não chegam

aqui com capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...

Turno 59. Arizona: Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha

vida toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade, no primeiro período, as

disciplinas de exatas, né? Que... quando eu fiz o ensino médio não tinha professores pra

suprir o que:: é... essas disciplinas:: a gente ficava tipo, dois horários sem ter aula

nenhuma, o professor tinha que sair da sala que tava dando aula pra passar uma atividade,

pra gente não ficar fazendo nada. E já... o que? Já empatava a outra turma que tava dando

aula.

Turno 63. Eduardo: E sobre o que eles falaram aí... que eles querem que mude todo o

sistema educacional, o ensino fundamental... eu acho que as cotas é... é uma solução mais

rápida. Porque mudar todo sistema educacional dá trabalho...

Turno 66. Fabrício: Mas, não vai colocar o negro da periferia na faculdade, precisamente,

as cotas...

Turno 67. Maria: Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça, que ele tenha

sucesso, que ele chegue até o final, já com emprego, alguma coisa já... entendeu?

Turno 72. Amanda: Eu sei, mas, não ter capacidade eu achei um pouco... até porque a

gente tá aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando. Agora, eu encaro

assim, tipo, sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui provando

que eu posso acompanhar. Se eu tentar, entendeu?

Turno 74. Amanda: E que aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha,

tipo... entende o que eu tô falando?

No turno 55, Arizona discute sobre o argumento de “reparação histórica” utilizado

para defender a política de cotas raciais. Na construção de seu posicionamento, inicialmente,

ela se refere ao grupo de estudantes cotistas sem necessariamente fazer parte “esses alunos

não chegam aqui com capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...”. Porém, sendo ela

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uma estudante que ingressou na universidade por meio do sistema de cotas, na sua colocação

posterior (Turno 59), Arizona traz o discurso para o nível pessoal e utiliza a narração como

estratégia discursiva “Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha

vida toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade”. A experiência de Arizona no

sistema precário de educação básica pública, conforme ela relata - “quando eu fiz o ensino

médio não tinha professores pra suprir o que:: é... essas disciplinas:: a gente ficava tipo, dois

horários sem ter aula nenhuma” – é mobilizada no seu discurso, no qual confere ao

investimento público no processo de escolarização a possível solução para o que ela

reconhece como uma “dívida histórica”.

No Turno 63, Eduardo evidencia de forma explícita e insegura, marcado pela

expressão “Eu acho”, o fato de que a reserva de vagas nas universidades brasileiras não

impede que, ao mesmo tempo, ocorra também um trabalho de melhoria nas escolas públicas

do ensino básico. O debate se faz necessário para buscar caminhos para uma verdadeira

igualdade de direitos, tendo em vista, sobretudo, a baixa representatividade de grupos

afrodescendentes e indígenas nos espaços de poder. Em resposta a essa discussão, Fabrício

(Turno 66) intensifica sua opinião apresentada anteriormente sobre a inviabilidade do sistema

de cotas, mas, agora, de forma explícita e segura “não vai colocar o negro da periferia na

faculdade, precisamente, as cotas...”. O verbo “colocar” utilizado por Fabrício na

formulação da sua opinião, reforça, mais uma vez, uma representação positiva do grupo

“Nós” (Não cotistas) e uma representação negativa do grupo “Eles” (cotistas), como se os/as

estudantes que ingressaram na universidade pública por meio do sistema de cotas não

tivessem passado pelo mesmo processo seletivo que os que ingressaram em via de ampla

concorrência, mais ainda, como se as vagas destinadas a estudantes de baixa renda e de

grupos étnicos marginalizados historicamente fossem preenchidas sem esforço.

Em resposta ao discurso articulado por Fabrício (Turno 66), nova problemática é

comentada por Maria (Turno 67) “Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça...”.

Destacamos também no discurso articulado por Maria, o verbo “colocar”, que remete a uma

representação ideológica de que os/as estudantes cotistas foram “ajudados”, “colocados” na

universidade, portanto, diferente de “Nós” (grupo de não cotistas), não conquistaram uma

vaga na universidade pública, a ganharam, desconsiderando o processo seletivo pelo qual

passaram, que, por sinal, é o mesmo para todos. Continuando sua fala, a opinião de Maria,

articulada de maneira explícita e segura “Não faz com que ele permaneça” foi problematizada

num trabalho desenvolvido por Pinheiro (2010), que teve como objetivo analisar as

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percepções de professores e estudantes cotistas e não-cotistas dos cursos de Direito, Medicina,

Odontologia e Engenharia Elétrica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) sobre o tema.

A autora concluiu que a permanência de estudantes cotistas é um dos grandes desafios da

política de ação afirmativa na UFBA, embora sejam concedidas bolsas vinculadas ao

Programa Permanecer, com foco na situação econômica dos/as estudantes.

Um estudo desenvolvido por Valentim (2012), no qual relatou a experiência de

dezesseis estudantes graduados/as que haviam ingressado na Universidade Estadual do Rio de

Janeiro por meio do sistema de cotas, destacou a importância do apoio institucional da

universidade através das oportunidades em participar de programas de ensino, pesquisa ou

extensão, por meio dos quais receberam bolsa. As conclusões de um estudo desenvolvido por

Lemos (2017), no qual foram analisadas as narrativas de treze estudantes que ingressaram na

Universidade Federal do Pará por meio das cotas raciais, sugeriram que, em relação à amostra

de estudantes entrevistados/as, o programa da instituição tem sido eficaz em proporcionar o

acesso e a permanência exitosa na academia, embora ainda enfrentem dificuldades

financeiras, de acesso a bens culturais e o preconceito tanto por serem cotistas quanto por

serem negros/as.

A permanência exitosa de muitos deles dependeu não somente de seus

próprios esforços, mas da assistência estudantil que receberam da UFPA, por

meio do Programa Permanência, assim como da participação em projetos de

extensão e de iniciação científica. Isso reforça a importância dos programas

de pesquisa e de apoio financeiro e de sua ampliação para evitar que os

alunos cotistas raciais abandonem a universidade, porque eles normalmente

vêm das camadas populares e, sobretudo, são alvo de racismo e de

discriminações (LEMOS, 2017, p. 21).

Na nossa pesquisa, relatos de alunas cotistas indicam que, embora alguma dificuldade

tenha sido experienciada ao ingressarem na universidade, as cotas representaram para elas a

oportunidade de alcançar o ensino superior e de sair da sua condição social. O discurso de

Amanda (Turno 72), formulado como membro do grupo de estudantes cotistas, parece indicar

uma das consequências do sistema de cotas: a universidade é vista como um caminho possível

para estes/as estudantes. A entrada na universidade representa um passo importante para uma

perspectiva de transformação de vida, que passa a ser vista por outros/as estudantes como uma

possibilidade.

Continuando o discurso, Amanda argumenta sua opinião favorável ao sistema de cotas

ao expressar outra característica alcançada por esse sistema “E que aqui também é o meu

lugar, por mais dificuldade que eu tenha, tipo... entende o que eu tô falando?” Como se

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percebe nesse trecho (Turno 74), o posicionamento da aluna acontece no formato de uma

narração em primeira pessoa, no tocante à pronominalização, marcando um processo de

identificação com a causa defendida, no caso, a constitucionalidade das cotas raciais. Esse

fato mostra que o contexto não somente condiciona o discurso, como o transforma para se

adequar às situações comunicativas.

Quando Amanda apresenta uma opinião pessoal, construída a partir de sua própria

experiência, na qual defende o acesso à universidade a partir da política de cotas “Agora, eu

encaro assim, tipo, sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui

provando que eu posso acompanhar”, nos chama a atenção o modalizador “talvez” na

articulação do discurso, que mesmo expressando um grau de compromisso inseguro ao

opinar, anula argumentos anteriores de Fabrício, nos quais a falta de uma base educacional

consistente inviabilizaria o acesso de estudantes cotistas ao ensino superior.

O debate acerca da política de cotas não se esgota na concordância ou não em se

reservar vagas para grupos historicamente subalternizados, pois abre um leque de

possibilidades de discurso e enfrentamento de dificuldades que se constroem de modo inter-

relacionado. Assim, para articular outras vozes/textos no discurso, propusemos a

problematização de um caso acerca da política de cotas, retirado do texto intitulado “Genética,

raça e política de ações afirmativas a partir de questões sociocientíficas” de autoria de Dias et

al. (2015). O caso supracitado problematiza posicionamentos favoráveis e contrários à política

de cotas raciais; percebemos que ao apresentar manifestações controversas nos textos

indicados para a discussão nas aulas, os/as licenciandos/as se sentiam mais à vontade para

manifestar diferentes opiniões. A partir dessa atividade, os/as participantes apontaram as

vozes com as quais se identificaram nos discursos, de modo que os fragmentos abaixo

mobilizam intertextualmente o caso presente no texto de leitura indicada na disciplina:

Turno 89. Eduardo: ((Lê o fragmento do caso)) “É só vocês olharem para o lado pra

perceberem que a grande maioria dessa sala é branca! Isso sim é expressão do racismo,

numa sociedade de maioria negra e parda. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros

é questão histórica”!

Turno 93. Bruno: ((Lê o fragmento do caso)) “Eu não acho que nós devemos racializar, o

que devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos... Somos todos iguais, da mesma

raça, humana!”

Turno 99. Everton: Porque essa parte aqui, ó... “Se o problema é entrar na universidade,

estuda, faz um cursinho e entra!” Eu já tinha pensado nisso, né? Mas, agora já não penso

mais. A questão, aqui a fala de Carlos também... dá oportunidade pra todos. Dá as

mesmas oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele.

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No turno 89, Eduardo destaca intertextualmente o argumento da dívida histórica que a

política de cotas raciais se propõe a “reparar”. O participante vê no fragmento uma relação

com seu posicionamento, questionando a representatividade negra no ambiente acadêmico e

assumindo que essa desigualdade reflete a expressão do racismo. Argumentamos a

importância de admitir desigualdades fundamentadas não somente na diferença social, mas

também racial. Concordando com Van Dijk (2008), ressaltamos que, se recusarmos a

reconhecer um problema grave, como o racismo, não haverá um debate amplo nem mudança

de opinião e, consequentemente, nenhuma modificação no sistema de relações de poder.

Sendo o discurso educacional o mais influente na sociedade, após a mídia, reforçamos

a importância de debater temas socioculturais no processo de formação de professores/as. O

discurso intertextualmente mobilizado por Bruno (Turno 93) traz uma abordagem acrítica

frente a realidade brasileira de desigualdade e discriminação social e racial. Assim, embora

concordemos com a asserção de que devemos “dar oportunidades iguais a todos... Somos

todos iguais, da mesma raça, humana”, é preciso considerar a nossa realidade sociocultural,

na qual “oportunidades iguais” estão bem distantes de se concretizar. Essa discussão foi

mobilizada por Bruno mais adiante (Turnos 108 e 110), na qual ele apresenta uma perspectiva

mais crítica frente a essa discussão.

O discurso articulado por Everton (Turno 99) indica a influência das experiências

discursivas na construção de representações individuais. O participante apresenta uma

mudança de opinião no decorrer da disciplina, ao falar “Eu já tinha pensado nisso, né? Mas,

agora já não penso mais”, referindo-se à ideia de que para entrar na universidade basta

estudar. A oportunidade de discussão do tema no contexto da disciplina fez com que Everton

repensasse sua opinião e construísse novas representações mentais. De forma explícita e

insegura, Everton direciona sua opinião para concordar com a fala apontada por Bruno “Dá

as mesmas oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele”, sendo que

ressaltamos a crítica a essa assertiva, devido à necessidade de problematizar as relações de

poder construídas ao longo de séculos, as quais marginalizam determinados grupos étnicos.

No contexto dessa discussão, a professora promoveu um debate sobre o discurso de

que somos todos iguais. A fim de conhecer os posicionamentos dos/as estudantes,

questionamos se o discurso favorável às cotas seria ou não uma forma de segregar os grupos.

Sobre isso, destacamos os seguintes turnos de fala:

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Turno 107. Everton: Porque se a gente ficar nesse pensamento, a gente pode acabar

caindo na questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo

anteriormente e aí pode impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade.

Turno 108. Bruno: Mas, eu acho que essa fala de Carlos, ele fala em não segregar com

relação a raça de cor, por exemplo, os ricos, os brancos... somos todos iguais! Perante a

lei.

Turno 110. Bruno: Perante a lei. Mas, aí tem uma parte que ele fala assim: “... o que

devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos...” Somos todos iguais, mas, a gente

sabe que branco tem mais oportunidade que negro. E tem toda a perspectiva histórica que

a gente discutiu aqui. Então, é isso que ele quer falar, dividir as oportunidades: Somos

todos iguais, mas não temos as mesmas oportunidades.

Turno 114. Eduardo: Eu acho que não.

Turno 116. Carol: Não...

Turno 117. Bruno: Eu acho que é um programa paliativo, que o governo achou que a

melhor saída até agora é ter cotas. //

Turno 118. Maria: Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é

questão de oportunidade. Porque querendo ou não o governo sabe que o sistema

educacional da gente ((a estudante faz gesto de negatividade)), entendeu? //

No turno 107, Everton expressa seu posicionamento como parte de um grupo social,

conferindo a seguinte atitude “se a gente ficar nesse pensamento [de que somos todos iguais,

logo, não devemos fazer distinção de grupos raciais para cotas], a gente pode acabar caindo

na questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo anteriormente”. Para

defender sua opinião, de forma explícita e segura, Everton utiliza o recurso da

intertextualidade, fazendo menção a outro episódio de discussão nas aulas da disciplina, o

qual exploramos a ideia do mito da democracia racial. Na articulação deste discurso, Everton

cultiva a ideia que mais se aproxima com o diálogo entre o PE e o MC, na qual a asserção

“somos todos iguais” esconde as expressões de racismo na nossa sociedade, que precisam ser

problematizadas. Isso se evidencia quando, ao referir-se ao mito da democracia racial, o

participante fala “aí pode impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade”.

Com essa asserção, Everton se refere ao mito da democracia racial no Brasil como um

problema a ser questionado. Para todos os efeitos, negar a existência de uma sociedade

racialmente desigual pressupõe uma forma de aceitação social limitada, ainda que, muitas

vezes, de forma inconsciente.

É interessante notar a construção discursiva nas falas de Bruno, que passa a expressar

um posicionamento mais crítico sobre a realidade sociocultural brasileira. A partir do relato

de Everton, Bruno (Turnos 108 e 110) justifica sua fala anterior (Turno 93), ressaltando que

embora sejamos “todos iguais! Perante a lei”, “a gente sabe que branco tem mais

oportunidade que negro”. A branquitude reconhecer seus próprios privilégios é fundamental

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para a construção de uma sociedade racialmente igualitária. Para justificar seu

posicionamento, Bruno, estudante branco que ingressou na universidade pelo sistema de

ampla concorrência, mobiliza intertextualmente uma discussão prévia realizada no contexto

da disciplina “E tem toda a perspectiva histórica que a gente discutiu aqui”, pela qual

podemos pressupor que a abordagem histórica do racismo estrutural brasileiro mobilizou a

representação de novos discursos no modelo mental dele.

Continuando a questão se a política de cotas raciais provoca ou não a segregação de

grupos, destacamos, no episódio comunicativo em questão, uma opinião segura (Turno 116),

na qual Carol opina explicitamente “Não” e três posicionamentos inseguros: quando Eduardo

(Turno 114) fala “Eu acho que não”, Bruno (Turno 117) diz “Eu acho que é um programa

paliativo” e Maria (118) “Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é

questão de oportunidade”. É interessante notar os argumentos de Bruno e Maria, os quais se

sustentam numa visão ingênua de que a conquista da política de cotas foi uma iniciativa do

“governo” que “achou que a melhor saída até agora é ter cotas” (Turno 117) pois, “o

governo sabe que o sistema educacional da gente ((a estudante faz gesto de negatividade)),

entendeu?” (Turno 118). Destacamos que as ações afirmativas, com destaque a política de

cotas, representam o resultado de séculos de luta, sobretudo dos movimentos negros.

Ressaltamos a fluidez dos posicionamentos dos/as participantes sobre os temas que

mobilizamos neste bloco, no sentido de que, no curso da disciplina, alguns apresentaram

perspectivas mais próximas do diálogo entre o PE e MC ao passo que problematizaram as

relações de poder entre as culturas, bem como a naturalização de preconceitos e

discriminações de identidades coletivas marginalizadas historicamente. Considerando que os

episódios representativos deste bloco mobilizaram com mais ênfase a política de cotas raciais,

destacamos a presença de dois grupos que expressam atitudes polarizadas sobre o tema.

Assim, observamos que um grupo reconhece a deficiência da política de cotas, mas defende

sua permanência diante do cenário brasileiro, e o outro grupo critica essa política, devido,

sobretudo, a sua inviabilidade no que se propõe a fazer: democratizar o acesso ao ensino

superior para grupos subalternizados historicamente. Posicionamentos controversos, que são

subsidiados pelas experiências de vida e opiniões construídas pelo discurso, representando

excelentes oportunidades de debate do tema, em diferentes setores do convívio dos/as

estudantes, sobretudo, no âmbito educacional de formação de professores/as.

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4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização de recursos discursivos, como modalidade doxástica, intertextualidade,

argumentação e narração, associados aos princípios da análise sociocognitiva do discurso

empregada neste trabalho, foi indispensável à promoção de uma reflexão mais aprofundada,

na qual percebemos as influências cognitivas, bem como das experiências individuais e

socialmente compartilhadas, na manifestação das representações discursivas.

Considerando o discurso como instrumento de manutenção, reprodução ou

transformação das relações de poder, entendemos que as manifestações do racismo e formas

simbólicas de eurocentrismo representam problemas parcialmente discursivos, uma vez que

estão relacionadas à naturalização e legitimação de estruturas de poder. Dessa forma, analisar

os posicionamentos de professores/as de Biologia em formação inicial, nos discursos

relacionados a temas como racismo e eurocentrismo, nos permitiu problematizar questões

socioculturais importantes para uma educação comprometida com a diversidade, tal como se

encaminha no diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico que

propomos neste trabalho.

Ressaltamos que, de modo geral, os/as participantes utilizaram o recurso da

modalidade doxástica tanto com a função de atenuar a força das afirmativas para não se impor

aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos interlocutores, quanto para denotar

um grau de insegurança no compromisso com a opinião assumida, sobretudo, com as

discussões de temas mais controversos, cujos posicionamentos apresentaram-se polarizados,

sustentados principalmente pelas experiências individuais dos/as participantes. Na nossa

análise, observamos aspectos da teoria sociocognitiva do discurso, no que se refere à

influência dos conhecimentos gerais, oportunidade de debates, experiências pessoais e

representações mentais, no posicionamento dos/as participantes, que de modo geral, foram

apresentados de maneira individual, explícita e com baixo grau de compromisso.

Os/as professores/as de Biologia em formação inicial apresentaram aspectos do

cientificismo em seus argumentos, no que se refere à universalização dos critérios epistêmicos

da ciência ocidental moderna para todas as formas de conhecimento, uma vez que se

basearam no denominado “método científico” para formular tanto argumentos favoráveis

quanto contrários à interpretação do conhecimento indígena, por exemplo, como ciência.

Embora esteja evidente a preocupação dos/as participantes em valorizar todas as formas de

conhecimentos, sentimos falta de uma perspectiva mais crítica frente às relações de poder

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construídas ao longo de séculos, que supervaloriza a cultura da ciência ocidental moderna em

detrimento das demais ciências. No campo fértil de discussão entre ampliar ou reservar o

conceito de ciência para o conhecimento cultural do Ocidente, propomos uma terceira via de

debate, na qual o termo “ciência” é pluralizado, a fim de horizontalizarmos as ciências

produzidas em diferentes culturas.

Para além de mais momentos de discussão sobre as relações de poder entre as culturas

no processo de formação de professores/as, apontamos como relevante as discussões sobre

determinismo genético e engenharia genética. Tais discussões são importantes para

problematizar as interfaces dos avanços denominados científicos, pois evidenciamos um

discurso linear, no sentido de que quanto mais conhecimento científico ocidental, maior o

bem-estar social, com poucas ponderações sobre as implicações desse processo na sociedade e

o alcance desses estudos para populações marginalizadas.

Por meio de estratégias argumentativas, percebemos a preocupação dos/as

participantes em desmistificar percepções do senso comum dos/as estudantes, sobretudo pelo

esforço de combater desigualdades e discriminações. Assim, pressupomos que para esses/as

professores/as em formação inicial, a orientação pelo conhecimento científico ocidental nas

aulas de Genética, como única verdade aceitável, se justifica principalmente por resguardar

um ambiente escolar livre de julgamentos e preconceitos, o que se configura como um

posicionamento questionável.

Em suma, os/as participantes apresentaram opiniões polarizadas na maioria dos temas

abordados, o que representa um aspecto positivo, tendo em vista a possibilidade de contrapor

diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir dessas discussões, tanto novas

representações dos modelos mentais foram se construindo, quanto os/as participantes

aprendem a respeitar e conviver com as diferenças. Vale ressaltar que os/as participantes,

geralmente, concordavam com as asserções dos/as autores/as de textos indicados para leitura

na disciplina. Assim, a manifestação de diferentes ideias e argumentos foi mais evidenciada

quando, nas aulas, emergiam temas socioculturais cuja problematização não era diretamente

discutida no texto indicado ou quando os textos indicados apresentavam manifestações

controversas.

Concluímos que a disciplina contribuiu para uma percepção mais crítica frente às

relações de poder entre as culturas, de modo que alguns/mas participantes sinalizaram a

superação de discursos discriminatórios e excludentes em múltiplos contextos. Considerando

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os três blocos de análise, a saber, a abordagem epistemológica, o diálogo intercultural e as

implicações e intenções políticas, destacamos que o último foi o que apresentou discussões

mais próximas do diálogo entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico, o

que se justifica pelo fato de que a maior carga horária da disciplina estava organizada para

discussões quanto à problematização de identidades coletivas marginalizadas historicamente,

para questionar a naturalização de preconceitos e discriminação e para a articulação do

discurso biológico com discursos socioculturais.

Em suma, as opiniões compartilhadas nesse processo contribuíram para colocar em

questão experiências, valores e ideologias, que estão em constante transformação na

construção dos nossos modelos mentais. Por fim, uma perspectiva crítica no processo de

formação de professores/as em Biologia, por meio de debates de temas socioculturais, como

racismo e eurocentrismo, contribui para que os/as futuros/as professores/as desenvolvam

identidades e construam discursos comprometidos com a educação para a diversidade

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193

CAPÍTULO 5

DA TEORIA À PRÁTICA: ARTICULAÇÃO DO PLURALISMO

EPISTEMOLÓGICO E MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM ATIVIDADES

PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO INICIAL

__________________________________________________________________________________

Este capítulo apresenta a discussão do segundo objetivo específico, voltado para

identificar e caracterizar de que forma professores/as de Biologia em formação inicial

mobilizam os sentidos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico na

elaboração e na análise de propostas de ensino pautadas nestas perspectivas, no contexto de

uma disciplina de ensino de Genética. Assim, visa contribuir para que se atinja o objetivo

geral da pesquisa, voltado para compreender como professores/as de Biologia em formação

inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico no

seu repertório profissional.

5.1 INTRODUÇÃO

A diversidade cultural que compõe o Brasil nos impulsiona e desafia a levar para a

escola as discussões envolvidas na multiculturalidade. Todavia, para além de promover o

respeito e a valorização dessa diversidade, advogamos pela problematização das relações de

poder entre as culturas, que foram construídas historicamente, nas quais o “Outro”, visto

como diferente, é também estereotipado como inferior.

As ações de nomear e rotular àqueles/as que são considerados/as diferentes, do ponto

de vista da comunidade hegemônica, correspondem aos processos de alterização (WEIS, 1995

apud SÁNCHEZ-ARTEAGA; SEPÚLVEDA; EL-HANI, 2013). Ainda segundo esses/as

autores/as, tais processos geralmente incluem a discriminação e a diminuição dos “Outros”,

daqueles que percebemos com uma identidade diferente da que caracteriza nosso próprio

grupo ou comunidade. Vivemos imersos nessa cultura de alterização, que tem sido sustentada

por séculos, com a participação de bases científicas ocidentais.

Argumentamos que problematizar as questões culturais na escola é um meio de

desnaturalizar processos de alterização. É preciso entender que esse processo foi construído

por pessoas que detêm o poder para, assim, manter privilégios, em detrimento de uma maioria

historicamente subalternizada, representada, majoritariamente, por grupos indígenas e

afrodescendentes.

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Processos de alterização sustentaram e sustentam atitudes discriminatórias e racistas.

No curso da história, podemos destacar exemplos de alterização científica que mostram como

a marginalização de diferentes comunidades humanas foi defendida por discursos e práticas

científicas ocidentais, dentre as quais podemos destacar a visão darwinista de “raças

humanas”, a exibição de nativos em “zoológicos humanos” no fim do século XIX e início do

século XX, as tentativas históricas de demonstrar a superioridade intelectual dos homens

sobre as mulheres e a eugenia, no século XX (SÁNCHEZ-ARTEAGA; SEPÚLVEDA; EL-

HANI, 2013).

Com os exemplos supracitados, podemos perceber a responsabilidade da ciência

ocidental moderna27 frente à desigualdade e à discriminação na qual se fundou nossa

sociedade desde o período da expansão europeia, com a escravização, que se faz claramente

refletida nos dias atuais. Entretanto, vale ressaltar que os argumentos científicos, que

sustentaram a inferiorização de grupos culturais durante séculos, são fortemente questionados

inclusive pela própria comunidade que se denomina científica. Um exemplo disso é a

construção do conceito de raça humana, contestado inicialmente em 1972 por Richard

Lewontin, um evolucionista da Universidade de Harvard, ao evidenciar que as diferenças

genéticas entre as raças humanas são muito pequenas, e a maior parte da variação genética em

humanos não está entre grupos raciais, mas sim dentro deles (MEYER, 2017). De todo modo,

mesmo que muitos/as pesquisadores/as apoiem a desconstrução do termo raça humana do

ponto de vista biológico, o racismo se mantém presente na nossa sociedade, pois este,

estruturalmente fundado em nosso passado colonial, já toma espaço nas nossas mentes, nas

relações de ser, de saber e de poder.

Para além da propagação do racismo, o Ocidente difundiu o eurocentrismo no

processo de expansão europeia, de modo que nossa cultura passou a ser reflexo da cultura

ocidental moderna, que, em busca da homogeneização dos povos, dizimou seres e saberes. Da

mesma forma que o racismo e o eurocentrismo foram construídos através do discurso, o

discurso antirracista e multicultural deve ser propagado afim de buscarmos a transformação

social, por um mundo mais justo e igualitário.

Assumindo a responsabilidade de que tamanha desigualdade racial foi seriamente

sustentada pela Biologia, percebemos o nosso dever, enquanto professores/as da área, de

27 Utilizamos a terminologia “ciência ocidental moderna” ou ciência hegemônica para designar o

conjunto de conhecimentos produzidos pela cultura europeia. Essa adjetivação é importante tendo em

vista que argumentamos pela pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências, a fim de

reconhecer os conhecimentos produzidos por grupos subalternizados historicamente também como

ciência. Assim, falamos em ciências dos povos indígenas, ciências dos povos africanos, entre outras.

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desconstruir os processos de alterização que permeiam nossas relações sociais, sobretudo

através do discurso antirracista. Essa prática encontra respaldo na lei de número 10.639, de 9

de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir, no

currículo oficial de todos os estabelecimentos de ensino, fundamental e médio, a

obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileiras”.

Assim, vemos que a abordagem das questões étnico-raciais na escola é mais do que

fundamental no processo de formação cidadã, é obrigação de todos/as que formam a

comunidade escolar! Tal abordagem pode ser vinculada aos conteúdos de Genética,

sobretudo, por ter sido a área da Biologia responsável por discriminar seres humanos ao

sustentar sua divisão em raças. Para levar essas discussões à escola, estamos propondo nos

guiar pelos sentidos de duas perspectivas teóricas, a saber, o pluralismo epistemológico (PE) e

o multiculturalismo crítico (MC). Ambas, preocupadas com a diversidade cultural, advogam

pela igualdade de direitos, sendo que a primeira se concentra em discussões relacionadas às

diferentes formas de conhecimento, defendendo a demarcação dos saberes, que devem ser

valorizados por seus próprios méritos, enquanto o multiculturalismo crítico problematiza as

relações de poder construídas entre as culturas, questionando a naturalização de preconceitos

e discriminações.

Argumentamos que a mobilização de ambas as perspectivas teóricas no contexto do

ensino de Genética pode contribuir para discussões bem fundamentadas no que se refere às

questões culturais, com ênfase nas diferenças étnico-raciais. Tendo em vista esse objetivo de

ensino, entendemos a importância de que professores/as de Biologia em formação inicial

vivam experiências semelhantes, para que possam se inspirar em desenvolver práticas dessa

natureza no curso das suas atividades docentes. Esse princípio está ancorado no conceito de

simetria invertida (BRASIL, 2002), segundo o qual o processo de formação dos/as

professores/as deve ser coerente com o que deles/as se espera na sua prática profissional.

De acordo com Oliveira e Giorgi (2011), o preparo do/a professor/a deve ocorrer em

lugar similar àquele em que vai atuar, demandando consistência entre o que faz no curso de

licenciatura, enquanto aluno/a, e o que dele/a será cobrado na escola, enquanto professor/a.

“A partir dessa ótica, o formando deve adquirir no curso de licenciatura, entre outros recursos,

tanto as competências requisitadas para o exercício da docência quanto as que seus alunos

deverão dominar quando concluírem a educação básica” (OLIVEIRA; BUENO, 2013, p. 3).

Amantea (2016) também enfatiza a necessidade de aproximação do profissional em

formação com o espaço escolar para o real entendimento da complexidade da atividade

pedagógica, e de situar a prática docente atrelada ao educando. A autora defende ainda a

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amplitude da reflexão coletiva das práticas docentes, a fim de partilhar experiências, propor a

investigação da prática realizada e favorecer o diálogo como instrumentos para a

aprendizagem e aperfeiçoamento da docência.

Colocar futuros professores em contato com metodologias de pesquisa e

conduzir atividades que demandem a realização de investigações de campo e

discussão de caminhos metodológicos empreendidos, em uma perspectiva

multicultural, permite o desenvolvimento de professores pesquisadores que

questionam a apreensão do real e sua tradução nos relatos de pesquisa,

tradução esta, sempre vinculada às identidades culturais e às opções

paradigmáticas (CANEN, 2008, p. 303).

Entendemos que a aproximação com o cotidiano escolar em cursos de formação

docente, aliada a uma proposta comprometida com a diversidade cultural, poderia permitir

uma rica interlocução para o avanço de uma preparação docente nessa perspectiva. Nesse

contexto, o presente capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar de que forma

professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam os sentidos do PE e do MC na

elaboração e na análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas, no contexto de

uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais.

5.2 O PERCURSO METODOLÓGICO

A pesquisa tem natureza qualitativa, sendo que optamos por desenvolver a

investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da

teoria crítica. Trata-se de uma pesquisa empírica, desenvolvida no município de Aracaju,

capital de Sergipe, com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade

Federal de Sergipe (UFS), no contexto de uma disciplina optativa, ministrada pela

pesquisadora, “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo

e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, com carga horária de 60 horas,

distribuídas em 15 encontros de quatro horas cada, de acordo com o semestre letivo regular da

referida instituição, que foi do mês de abril ao mês de agosto de 2018.

A escolha por essa instituição justifica-se pelo fato da pesquisadora estar vinculada

como professora voluntária no período da pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da

disciplina, uma no período vespertino e outra no turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as

matriculados/as, respectivamente, número que foi reduzido para 10 e 4 licenciandos/as que

concluíram a referida disciplina. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as

matriculados/as assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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197

Como atividade prática, ao final da disciplina, os/as professores/as em formação

inicial foram orientados/as para se organizarem em duplas e, assim, planejar, desenvolver e

analisar uma oficina de três horas/aula na perspectiva do PE e do MC, de forma colaborativa

entre si e com a professora. Infelizmente, embora reconheçamos a importância de estabelecer

parcerias com as escolas, a fim de valorizar os saberes dos/as professores/as, não houve

condição de abranger esses sujeitos, sobretudo devido ao pouco tempo disponível para a

oficina, no contexto da disciplina, que seguiu conforme os objetivos de pesquisa. Deparamo-

nos com dificuldades em relação a disponibilidade de local, dia e horário dos/as

licenciandos/as para discutir a proposta de oficina, dificuldade de encontrar um tempo livre

com os professores/as para debater a proposta e, também, dificuldades com a própria

organização das atividades escolares (provas, projetos e impeditivo de aula devido à falta de

água, dedetização, jogos da Copa ou greve dos caminhoneiros).

Para a elaboração da oficina, foi disponibilizado aos/às licenciandos/as um modelo de

planejamento apresentado no Apêndice E. Tivemos duas duplas na turma da noite e, na turma

da tarde, três duplas, um grupo de três pessoas e um estudante que realizou a atividade

individualmente, tendo em vista a desistência inesperada de seu parceiro, totalizando sete

propostas didáticas.

As propostas elaboradas se configuram numa abordagem comprometida com a

diversidade cultural, ao passo que buscam integrar as duas perspectivas teóricas. Os/as

licenciandos/as foram orientados/as a desenvolver a atividade em uma escola pública estadual

de livre escolha, desde que em turma de terceiro ano do ensino médio, na qual se encontra o

conteúdo de Genética, de acordo com o cronograma escolar. Para tanto, disponibilizamos uma

carta de apresentação à escola (APÊNDICE F). Os/as licenciandos/as foram orientados/as

ainda a observar ao menos duas aulas na turma em que fossem desenvolver a oficina, a fim de

estreitar a relação entre os/as estudantes da turma e com o/a professor/a titular. Após a

realização da oficina, eles/as desenvolveram uma análise crítica da experiência, cujas

orientações estão no Apêndice G.

Para alcançar o objetivo proposto no presente capítulo, utilizamos como fonte de

produção de dados os documentos produzidos pelos/as licenciandos/as, que se referem ao

planejamento da oficina e a análise crítica da referida experiência didática, ambos registrados

em arquivo digital, totalizando 14 documentos, sendo sete propostas didáticas, nomeadas pela

inicial “P” seguida do número de ordem, a saber P1...P7, e sete análises do desenvolvimento

de tais propostas, as quais intitulamos A1...A7. Além dessas identificações, utilizamos

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também a inicial G seguida do número de ordem, quando nos referimos aos grupos para a

comparação das propostas e suas análises, temos então, G1...G7. Sendo que o G1, por

exemplo, é autor da P1 e da A1, o mesmo acontecendo com os demais grupos. Dessa forma,

fica evidente na discussão quando estamos apresentando fragmentos de textos extraídos das

propostas ou das análises de determinados grupos.

Como instrumento de análise de dados utilizamos o formulário metodológico para

avaliar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC, elaborado

pelas autoras, com base no referencial teórico, apresentado no capítulo quatro. Neste,

pontuamos a identificação das características com 1.0 ponto, a parcial abordagem da

característica com 0.5 ponto e a ausência com 0.0 ponto, a fim de calcular o escore total

obtido por cada planejamento e análise de ensino.

5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram planejadas e desenvolvidas sete propostas de ensino (cinco da turma do

vespertino e duas da turma do noturno), cuja sistematização foi iniciada no nono encontro da

disciplina, no qual os/as licenciandos/as se reuniram em duplas para encaminhar a proposta.

Eles/as foram os/as responsáveis pela implementação das mesmas, todavia, a professora

acompanhou e orientou cada passo do planejamento.

Após a organização das oficinas pelos/as licenciandos/as sob a orientação da

professora, no décimo encontro, cada dupla apresentou e discutiu o esboço da oficina

previamente sistematizada, e, no encontro seguinte (encontro 11), eles/as realizaram alguma

atividade proposta no planejamento da oficina, a fim de testar a atividade com os/as colegas

de turma e aperfeiçoá-la. Na oportunidade, tanto a professora quanto os/as demais colegas

puderam contribuir com ideias e dicas para a realização das atividades sugeridas. Além dessa

orientação dinâmica, a professora comentou também os manuscritos, referentes aos

planejamentos das propostas, de modo que os grupos entregaram duas versões do

planejamento, uma inicial, na qual a professora comentou sobre as atividades, temas e

objetivos formativos; e, outra final, que foi utilizada para esta análise.

A orientação foi que os grupos discutissem temas da Genética atrelados a discussões

sobre racismo e eurocentrismo, tal como foi organizada a disciplina, que, por sinal,

influenciou significativamente e positivamente na seleção dos temas e nas atividades. No

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199

tocante aos temas selecionados para construir as propostas nas perspectivas do PE e do MC,

os/as licenciandos/as manifestaram certa diversidade (Quadro 1).

Quadro 1. Temas e conteúdos abordados nas propostas de oficina.

Propostas Tema Conteúdos

P1 Eugenia: Uma abordagem transversal no

ensino de biologia

Conceito de raça. Eugenia.

P2 A genética e os preconceitos Introdução a Genética. Epigenética.

Princípios de evolução. Preconceito racial.

As questões de gênero.

P3 Conceitos de Raça e Racismo trabalhados

de um ponto de vista científico e

sociológico

Conceito de raça. Racismo.

P4 Seleção natural e sua relação sociocultural

com o racismo

Teoria da Seleção Natural. Eugenia.

Racismo. Mito da democracia racial.

P5 Eugenia e Democracia Racial Introdução a Genética. Melhoramento

genético. Eugenia. Democracia racial.

P6 Herança poligênica: fatores de sua

influência e impactos do racismo nas

sociedades e reflexos nas mídias sociais

Heranças quantitativas e qualitativas.

Racismo.

P7 Genótipo e fenótipo: Qual a sua relação

com as questões raciais e culturais?

Herança. Gene. Genótipo. Fenótipo.

Fonte: Dados da pesquisa.

Eugenia foi o tema que mais se destacou, aparecendo em três propostas de ensino,

seguido do conceito de raça (2 propostas) e de conceitos básicos em genética, como genótipo,

fenótipo e herança (2 propostas). Tais temas científicos foram articulados com uma

abordagem sociocultural, ao propor discussões sobre racismo, preconceito, discriminação,

mito da democracia racial e as diferenças de gênero. A escola tem papel fundamental em

promover espaços de diálogo frente às questões culturais, tendo em vista a diversidade de

públicos que a compõe. Assim, entendemos que a abordagem dos temas selecionados pelos/as

licenciandos/as representa um caminho produtivo para uma formação plural, que considera a

diversidade ao passo que busca a igualdade de direitos independentemente de cor, classe ou

gênero.

Em relação às estratégias didáticas planejadas, destacamos que a maior parte dos

grupos (4; 57,1%) optou por organizar quatro diferentes atividades, dois grupos planejaram

três estratégias didáticas e um grupo planejou duas. Na figura 1 abaixo, apresentamos a

frequência das atividades descritas nos planejamentos das oficinas.

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200

Figura 1. Estratégias didáticas apresentadas nos planejamentos das oficinas.

Fonte: Dados da pesquisa.

Destacamos o debate e a aula expositiva dialogada como as estratégias mais frequentes

nos planejamentos, todavia, estas sempre estavam acompanhadas por outra/s atividade/s na/s

qual/is se exigia/m mais a participação dos/as estudantes do ponto de vista procedimental. As

atividades práticas se referem a confecção de zine28, elaboração de cartazes e construção de

um mural. Os vídeos selecionados pelos/as licenciandos/as foram curtos, com duração entre

dois e dez minutos. As dinâmicas de grupo tiveram como objetivo descontrair e aproximar

os/as estudantes, sendo adotadas por dois grupos. Um grupo optou por elaborar e utilizar um

jogo didático e outro selecionou uma música como estratégia didática. Destacamos a

influência da didática da disciplina nas atividades articuladas pelos/as licenciandos/as,

reforçando a importância de que as práticas durante a formação sejam condizentes com o que

se espera dos/as futuros/as professores/as na atuação docente deles/as.

Tendo em vista que cada estudante aprende de modo peculiar e cada situação de

ensino exige uma abordagem própria, a variação das estratégias didáticas deve contribuir para

atender tanto ao público quanto aos temas em questão. Vale ressaltar que nem todas as

atividades planejadas foram de fato desenvolvidas pelos/as licenciandos/as, principalmente

devido à organização sistemática do tempo da oficina atrelada aos imprevistos inerentes ao

espaço escolar. Discutiremos essas questões em detalhes no tópico sobre os relatos das

experiências.

28 O zine é uma ferramenta de difusão de artistas independentes, que desenham, tratam, montam e

imprimem em estilo revista. Em: http://www.revistacapitolina.com.br/por-que-zine-e-tao-daora/.

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201

No que se refere às características do formulário metodológico para analisar

planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC, nas propostas de

ensino, observamos que as implicações e intenções políticas foi a categoria que mais se

destacou, seguida do diálogo intercultural e da dimensão epistemológica. Esse resultado

também é reflexo da experiência na disciplina, na qual as implicações políticas foram

exploradas com mais ênfase. A proposta cinco (P5) foi a que atendeu o maior número de

características (escore 10), seguida da P3 (escore 6), P2 (4.5), P4 (4) e P1, P6 e P7, cada uma

com escore 3. O quadro 2 resume as características abordadas por proposta de ensino,

seguindo o formulário apresentado anteriormente, bem como a frequência das características

apresentadas.

Quadro 2. Características abordadas por proposta de ensino e frequência das características

apresentadas.

CATEGORIAS

1. Dimensão

Epistemológica

2. Diálogo

Intercultural

3. Implicações e

intenções políticas

Propostas/

Características

A1 B1 C1 D1 A2 B2 C2 D2 A3 B3 C3 D3 Escore

P1 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 3.0

P2 0.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.5 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 4.5

P3 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 6.0

P4 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 4.0

P5 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 0.0 1.0 10.0

P6 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 3.0

P7 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 1.0 3.0

Escore 2.0 2.0 1.0 1.0 6.0 1.0 1.5 0.0 3.0 6.0 5.0 5.0

Fonte: Dados da pesquisa.

O planejamento é tarefa fundamental do trabalho docente, promove a reflexão frente

às opções metodológicas que melhor se adequam aos objetivos propostos, seguindo o

conteúdo programático destinado para a atividade. Todavia, nem sempre é possível

desenvolvê-lo tal como foi proposto, devido aos imprevistos inerentes à profissão de

professor/a, bem como as adequações seguindo a percepção da turma na qual se desenvolve a

proposta didática. De todo modo, entendemos a importância do planejamento para a seriedade

da profissionalização docente, a fim de buscar a melhor e mais completa prática, de acordo

com as concepções que o/a profissional tenha acerca das ciências e do ensino, e, também,

concordando com o que está ao alcance do/a professor/a.

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A fim de comparar as propostas de oficina com a análise do desenvolvimento das

mesmas, avaliamos também as características abordadas na análise da prática de ensino

desenvolvida pelos/as licenciandos/as, seguindo o mesmo formulário metodológico para

analisar planejamentos e práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC. Apresentamos

no quadro 3 as características abordadas por análise crítica e a frequência das características

apresentadas.

Quadro 3. Percepção geral das características abordadas por análise crítica da prática pedagógica

referente ao desenvolvimento da oficina e frequência das características apresentadas.

CATEGORIAS

1. Dimensão

Epistemológica

2. Diálogo

Intercultural

3. Implicações e

intenções políticas

Análise/

Características

A1 B1 C1 D1 A2 B2 C2 D2 A3 B3 C3 D3 Escore

A1 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 3.0

A2 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 4.0

A3 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 5.0

A4 0.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 6.0

A5 1.0 1.0 0.0 0.0 1.0 0.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 8.0

A6 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.5 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 5.5

A7 1.0 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 5.0

Escore 3.0 2.0 0.0 0.0 7.0 0.0 1.5 0.0 3.0 7.0 7.0 6.0

Fonte: Dados da pesquisa.

Na análise crítica das propostas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as, percebemos

que as implicações e intenções políticas se mantêm na categoria que mais se destacou, seguida

do diálogo intercultural e da dimensão epistemológica, tal como observamos no quadro com

as informações dos planejamentos. A análise cinco (A5), embora não tenha atingido a todas as

características que se propôs no plano, se manteve apresentando o maior número de

características (escore 8), seguida da A4 (escore 6), A6 (5.5), A3 e A7 (cada uma com escore

5), A2 (4.0) e por fim, A1 (3.0).

Destacamos algumas alterações no que se refere à comparação da proposta com a

análise da prática, a saber, as análises A4, A6 e A7 tiveram um escore maior na avaliação da

análise da prática, enquanto que A2, A3 e A5 trouxeram um escore menor. Podemos inferir

que as análises das propostas indicaram que foram alcançadas mais características nas

perspectivas do PE e MC, principalmente por serem mais detalhadas, o que favoreceu a

identificação por parte da pesquisadora no que tange às intenções didáticas. Quanto às

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203

análises da prática que apresentaram um escore menor que a proposta, relacionamos com

possíveis imprevistos que culminaram na impossibilidade de colocar em prática o

planejamento ou mesmo com o fato de que os/as licenciandos/as podem ter se proposto a

realizar atividades que não tinham domínio, provocando insegurança no seu real

desenvolvimento.

Nos tópicos seguintes, discutiremos detalhadamente de que forma professores/as de

Biologia em formação inicial mobilizaram características do PE e do MC na elaboração e na

análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas. Para tanto, seguimos a

discussão com as categorias apresentadas no formulário: dimensão epistemológica, diálogo

intercultural e implicações e intenções políticas. Por fim, apresentamos aspectos dos relatos

das experiências dos/as licenciandos/as.

5.3.1 A dimensão epistemológica nas propostas e análises das práticas das oficinas

Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas

apresentaram: A1. Problematização referente à abordagem cientificista ao passo que são

apresentadas as limitações da ciência ocidental e o caráter provisório dos conhecimentos

denominados científicos; B1. Problematização das influências políticas, culturais e/ou de

gênero que permeiam a construção do conhecimento; C1. Estímulo aos/às estudantes para

considerar diferentes discursos sobre o mundo, valorizando os conhecimentos provenientes

das diferentes culturas; e, D1. Orientação de que cada conhecimento tem seu alcance e

validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado. O quadro 4 abaixo resume a comparação

entre as propostas e análises das práticas, no que se refere à dimensão epistemológica.

Quadro 4. Comparação das características abordadas referente à dimensão epistemológica nas

propostas e análises das práticas de cada grupo29.

1. Dimensão Epistemológica

Grupos/

Características A1 B1 C1 D1

Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise

G1 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G2 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G3 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G4 0.0 0.0 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0

29 Destacamos o uso do negrito nas células em que a abordagem prática difere da análise da proposta,

em relação a determinada característica.

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204

G5 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 0.0

G6 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G7 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

Escore 2.0 3.0 2.0 2.0 1.0 0.0 1.0 0.0

Fonte: Dados da pesquisa.

A problematização referente à abordagem cientificista, primeira característica desse

bloco (A1), contribui para desconstruir a visão da superioridade científica, na qual tem-se a

ideia de que os conhecimentos da ciência ocidental moderna são universais, verdadeiros e

imutáveis. No contexto do ensino de Biologia temos vários exemplos de teorias refutadas a

partir do avanço de estudos, como, por exemplo, a teoria da abiogênese ou a teoria do uso e

desuso. Tendo em vista as limitações da ciência ocidental moderna, percebemos a importância

de uma abordagem que problematize o caráter provisório dos conhecimentos denominados

científicos.

Nessa perspectiva, tivemos dois grupos que se propuseram a essas discussões (G3 e

G5), sendo que ambos conseguiram de fato levar este debate para a análise do

desenvolvimento da oficina, conforme percebemos nos fragmentos:

(...) os conceitos científico e sociológico de raça foram utilizados para

explicar uma das origens do racismo e mostrar as limitações da ciência e

como o conhecimento é baseado em conjecturas que podem sofrer

modificações ao longo do tempo. (A3)

(...) foi questionada a abordagem cientificista, mostrando que esses

conhecimentos são todos passíveis de erro e recebem influências

relacionadas à política, economia, cultura, etc. (A5)

Destacamos o G7, que embora não tenha detalhado a intenção de problematizar a

abordagem cientificista, o fez, conforme o seguinte relato:

“Foi discutido também nessa aula que a ciência nem sempre tem a verdade

absoluta e por muitos anos sustentou ideias erradas que favoreceram o

racismo” (A7).

A desconstrução da superioridade científica ocidental abre margem para a

consideração de outras ciências, igualmente válidas, que precisam ser problematizadas nos

espaços de poder, tal como no âmbito escolar, para serem valorizadas por seus próprios

méritos. Isso implica na mobilização das ciências dos povos indígenas ou afrodescendentes,

por exemplo, nos currículos escolares, de modo a promover o respeito e a valorização destes.

Nessa perspectiva, defendemos a desconstrução do poder simbólico do conceito hegemônico

de ciência a partir da pluralização do termo: ciências, reconhecendo a existência de várias

comunidades epistêmicas, as quais tiveram/têm seus conhecimentos expropriados. Dessa

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205

forma, acreditamos alcançar diálogos plurais sem hierarquização de poder, tal como proposto

pelo pluralismo epistemológico na perspectiva de demarcação de saberes. Todavia,

ressaltamos que essa demarcação deve alcançar todas as ciências, com ênfase à ciência

ocidental moderna, tendo em vista o alcance de poder traçado por esta. Na apresentação de

outras ciências, por sua vez, os/as estudantes também poderiam ter conhecimentos prévios

equivocados e, assim, a articulação entre o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo

crítico promoveria consistência para possíveis mudanças.

Percebemos muita dificuldade pelos/as licenciandos/as em levar esta problematização

para suas práticas pedagógicas, mesmo em temas de aparente articulação, como eugenia e

seleção natural. No primeiro caso, poderia ser discutido como a ciência ocidental moderna foi

utilizada no século XIX e início do século XX para sustentar a inferiorização de determinados

grupos culturais em detrimento de outros, perspectiva que hoje é severamente criticada e

desmistificada no próprio campo científico. Quanto à seleção natural, poderiam ser discutidas

as ideias que contribuíram para o aperfeiçoamento da teoria, a fim de perceber que os

conhecimentos são construídos ao longo de séculos por diferentes pessoas, e, embora algumas

teorias não sejam mais aceitas, subsidiaram descobertas posteriores, evidenciando, assim, a

dinamicidade e as influências socioculturais na construção dos conhecimentos. A

problematização dessas influências (B1) foi destacada nas propostas de dois grupos (G2 e

G5), entretanto, o G2 não apresentou essa discussão na análise da prática. Por outro lado, o

G4, que não havia detalhado essa abordagem na proposta, a apresentou na análise da prática,

conforme podemos ver abaixo:

Depois foi explicado aos estudantes sobre como o pensamento eugênico

influenciou na estruturação do racismo que permeia até os dias de hoje no

meio social. (A4)

A turma pôde compreender como a eugenia se tornou ciência e o motivo

dela ter perdurado até meados de 1980, determinando as estruturas sociais de

alguns países, como o Brasil. (A5)

Essa problematização das influências políticas e culturais que permeiam a construção

do conhecimento leva os/as estudantes a questionar a superioridade epistêmica da ciência

ocidental moderna. De acordo com Forato, Pietrocola e Martins (2011, p. 32), “entender a

ciência se desenvolvendo em um contexto cultural de relações humanas, dilemas profissionais

e necessidades econômicas revela uma ciência parcial e falível, contestável, influenciada

também por fatores extra científicos”. Ainda segundo os/as autores/as, uma abordagem nessa

perspectiva promove a crítica ao dogmatismo, comum no ensino de Ciências, além de

proporcionar espaços de debate que favoreçam o pensamento reflexivo e crítico.

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206

A pluralização do conceito de ciência abre espaço para a valorização de todas as

formas de conhecimentos, desestabilizando os padrões hegemônicos socioculturais e

promovendo a valorização da diversidade também epistêmica. Todavia, os bloqueios

epistêmicos e culturais que impedem as culturas subalternizadas de alcançar os espaços de

poder fazem com que, muitas das vezes, não tenhamos acesso as ciências produzidas por

diferentes povos. Talvez por essa razão, embora um grupo (G5) tenha se proposto a estimular

os/as estudantes a considerar diferentes discursos sobre o mundo, valorizando os

conhecimentos provenientes das diferentes culturas (C1), nenhum dos grupos conseguiu de

fato levar essa discussão para a experiência da prática pedagógica vivenciada. O mesmo

aconteceu com a característica de orientar os/as estudantes de que cada conhecimento tem seu

alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado (D1). Nenhum dos grupos

dos/as licenciandos/as apresentou essa discussão na análise da prática, nem mesmo o G5, que

apresentou uma proposta para fazê-la:

Assim, estimularemos o debate e a construção do saber, partindo da

concepção deles sobre semelhança física dentro da família. Será instituído

um diálogo para auxiliarmos na assimilação do conteúdo, deixando claro que

os conhecimentos culturais da turma sobre o conceito de genética e as leis da

hereditariedade são saberes válidos, reais e importantes para elas/es em seus

respectivos meios sociais. Apoiado nisso, explicaremos os conceitos de

Genética e o que essa área estuda, com a devida contextualização, mostrando

que cada um tem sua aplicação devida e adequada. (P5)

Na análise da oficina, o G5 apresentou preocupação com o diálogo para ouvir as

experiências e conhecimentos dos/as estudantes, mas os/as mesmos/as, quando se

manifestavam, apresentavam conhecimentos científicos ocidentais, tendo em vista que eles/as

já haviam estudado o conteúdo de Genética com a professora regente da turma. Nessa

circunstância, o grupo poderia ter discutido as diferentes formas de explicar a hereditariedade,

por exemplo, a fim de estimular os/as estudantes a pensar em outras possibilidades para

explicar o tema. Todavia, esse é um caminho que quando não se constrói pela experiência, no

caso do/a licenciando/a fazer parte de comunidades culturais que apresentem crenças

divergentes da hegemônica, exige muita pesquisa e leitura independentes. Para tanto, se faz

necessário uma motivação pessoal, a fim de contrariar a própria formação, na qual se valoriza

fortemente os conhecimentos da ciência ocidental moderna. Além dessa dificuldade

ontológica, nos esbarramos na dificuldade epistemológica, no que se refere ao acesso a esses

conhecimentos, tendo em vista o apagamento histórico do processo de sua produção por

diferentes povos, desde o período de colonização.

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207

À supressão de todas as práticas sociais de conhecimento que contrariassem os

interesses que serviam a ciência europeia, Santos (2009) chama de epistemicídio. Entendemos

que o fato da dimensão epistemológica ter sido o bloco menos discutido nas oficinas é reflexo

desse processo histórico de apagamento. A visão de superioridade da cultura ocidental

moderna perpassou séculos e continua sendo reproduzida nos espaços sociais e acadêmicos.

A partir dessa reflexão, entendemos que um caminho para demarcar os saberes como

constructos culturais, valorizando as diferentes ciências é problematizar as relações de poder

que foram arquitetadas na história, a fim de desconstruir a superioridade epistêmica da ciência

ocidental moderna e desestabilizar os padrões hegemônicos socioculturais. Assim, podemos

trabalhar para a valorização epistemológica da diversidade cultural, a partir da promoção de

diálogos plurais.

5.3.2 O diálogo intercultural nas propostas e análises das práticas das oficinas

Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas

apresentaram: A2. Estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e

como esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais; B2. Proposta

de auxiliar os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos ocidentais a fim de

ampliar suas visões, sem anular suas culturas e crenças; C2. Articulação entre os saberes

dos/as estudantes e os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida

superioridade epistêmica de um saber em detrimento de outro; e, D2. Utilização de exemplos

e conhecimentos de grupos étnicos e culturais no contexto da aula. O quadro 5 resume a

comparação entre as propostas e análises das práticas, em relação ao diálogo intercultural.

Quadro 5. Comparação das características abordadas referente ao diálogo intercultural nas propostas e

análises das práticas de cada grupo.

2. Diálogo Intercultural

Grupos/

Características A2 B2 C2 D2

Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise

G1 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G2 1.0 1.0 0.0 0.0 0.5 0.0 0.0 0.0

G3 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G4 0.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

G5 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 0.0 0.0

G6 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.5 0.0 0.0

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208

G7 1.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

Escore 6.0 7.0 1.0 0.0 1.5 1.5 0.0 0.0

Fonte: Dados da pesquisa.

Percebemos que uma característica fortemente identificada nos planos e análises das

práticas foi o estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como

esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais (A2). Todos/as os/as

licenciandos/as deixam claro a importância de dar voz aos/às estudantes, sendo que ao/à

professor/a caberia a orientação no debate, sem apresentar discurso autoritário. Inclusive o

G4, que não apresentou proposta de debate, o promoveu ao questionar os conhecimentos

dos/as estudantes acerca da Eugenia.

Através da análise dos documentos, ficou evidente que os/as licenciandos/as entendem

a importância de valorizar as diferentes visões e perspectivas dos/as estudantes, o que

configura uma característica importante no trabalho para a diversidade cultural. Isto, por sua

vez, pôde ser observado nos seguintes excertos:

Nesse momento, foi solicitado que os estudantes se dividissem em cinco

grupos para que estes construíssem o conceito de cultura, cada integrante do

grupo foi orientado a escrever uma palavra que estivesse relacionada com

cultura de acordo com seus conhecimentos prévios sobre o assunto, para em

seguida o grupo juntar as palavras e formar um conceito construído por

todos. (A2)

Divididos os grupos, 03 perguntas - Você se parece com sua mãe, pai,

irmão/ã ou algum parente?; O que em você é semelhante a eles?; Como você

explica essa semelhança? - foram projetadas para que eles pudessem debater

e chegar ao/s resultado/s em 10min. (A5)

Na abordagem sobre raças e racismo, os discentes relataram várias

experiências vividas e presenciadas, os professores também entraram na

discussão e se mostraram bem atualizados quanto aos temas transversais, um

dos docentes inclusive usou o exemplo de telenovelas onde é comum serem

vistos negros na maioria das vezes em papéis de serviçais. (A6)

A valorização dos conhecimentos prévios dos/as estudantes e o estímulo ao debate

representam estratégias didáticas produtivas para auxiliar no envolvimento da turma com o

tema em questão, promovendo maior interação e oportunidades de manifestação de diferentes

pontos de vista. Isso implica em uma decisão importante para o/a professor/a, a respeito de

demarcar os saberes dos/as estudantes ou questioná-los. No que se refere aos conhecimentos

tradicionais, como, por exemplo, compreensão dos mecanismos de herança biológica ou

origem da vida, consideramos justo, segundo os pressupostos teóricos utilizados, que tais

crenças sejam valorizadas. Desse modo, embora seja importante que o/a estudante entenda o

conhecimento científico ocidental, ele/a não precisa anular suas crenças e passar a propagar

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209

apenas este conhecimento em todos os contextos, pois é possível conviver com diferentes

concepções e formas de explicar um mesmo fenômeno, aplicando-as em diferentes situações –

perspectiva que está de acordo com a teoria do perfil conceitual proposta por Mortimer

(1995). Porém, no caso de crenças ou práticas culturais que gerem sofrimento, como práticas

racistas ou sexistas, por exemplo, consideramos de fundamental importância que o trabalho

docente esteja comprometido em questionar e buscar superar essas práticas. O diálogo entre o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico deve contribuir para orientar essas

posturas do/a professor/a.

Seguindo a perspectiva de valorização de todas as ciências, analisamos se os

documentos apresentavam a preocupação em auxiliar os/as estudantes na compreensão dos

conceitos da ciência ocidental moderna a fim de ampliar suas visões, sem anular suas culturas

e crenças (B2). De acordo com os documentos da análise das intervenções, essa característica

não foi alcançada em nenhuma oficina desenvolvida, embora tenha sido proposta pelo grupo

5:

Destarte, não queremos anular os conhecimentos prévios das/os alunas/os,

mas apresentar outras possibilidades de compreensões, já que elas/es

precisam estudar em sala de aula esse conteúdo previsto no currículo da

disciplina em questão (P5).

O objetivo de demarcar os conhecimentos dos/as estudantes e os conhecimentos

científicos ocidentais não foi percebido pela análise da experiência desse grupo, nem de

nenhum outro. Inclusive um grupo (G7) deixa explícita a abordagem de desconstrução de

conhecimentos errados do ponto de vista científico:

Parte desse momento será voltada para a desconstrução de possíveis erros

levantados no primeiro momento da aula e exposta a explicação da

correlação das imagens. Com o auxílio de data show, será feita uma breve

introdução do assunto de conceitos básicos da genética relacionados a

fenótipo e genótipo, sendo abordada de forma expositiva. (P7)

A superioridade dos conhecimentos científicos ocidentais é marcante nos documentos

analisados em todos os grupos, o que é reflexo do nosso passado colonial reproduzido nos

espaços de poder, sobretudo em cursos de formação superior na área das ciências, como é o

caso da Biologia. Existe uma preocupação evidente nos documentos em contribuir para que

o/a estudante supere seus conhecimentos prévios, modificando-os em conceitos denominados

científicos, seja devido à crença na validade desses conceitos em detrimento de outros, ou,

devido à necessidade de contribuir para que os/as estudantes se adequem à comunidade

hegemônica, a fim de ocuparem espaço numa sociedade marcada pelo preconceito e

discriminação de seres e saberes que se opõem ao padrão que nos foi estabelecido.

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210

Essa formação pautada na superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna

reflete nas próximas características desse bloco: articulação entre os saberes dos/as estudantes

e os conhecimentos denominados científicos, sem que seja concebida superioridade

epistêmica de um saber em detrimento de outro (C2) e utilização de exemplos e

conhecimentos de grupos étnicos e culturais no contexto da aula (D2). Esta última

característica não apareceu em nenhum dos documentos, seja nas propostas ou nas análises.

Podemos inferir que tal fato é reflexo da pouca visibilidade das ciências tradicionais,

sobretudo, devido à superioridade da ciência hegemônica. Por isso, questionar e desconstruir a

concepção da ciência ocidental moderna como conhecimento universal, verdadeiro e imutável

é componente fundamental para abrir espaço para outras ciências e práticas científicas.

No que se refere à articulação entre os saberes dos/as estudantes e os conhecimentos

denominados científicos (C2), destacamos o grupo 5, que apresentou essa preocupação na

proposta de oficina e o relatou na análise do desenvolvimento da experiência:

(...) reforçando a ideia de que os conhecimentos culturais por eles trazidos à

aula são tão válidos quanto os conhecimentos científicos. (P5)

Voltei para os slides e mostrei para eles como a ciência define genética e

como as conclusões deles estavam muito próximas, ou até semelhantes, ao

conceito dito como oficial adotado pela ciência. (A5)

Embora o grupo 5 tenha articulado os saberes dos/as estudantes acerca da Genética

com os conhecimentos científicos ocidentais, percebemos uma preocupação de que o primeiro

esteja de acordo com o segundo, o que não seria um problema caso o/a professor/a

considerasse a relevância dos conhecimentos tradicionais mesmo em meio às divergências.

No texto está claro que o grupo não entende a existência de um saber superior, mas, em certa

medida, destaca com êxito o fato dos saberes convergirem para uma mesma posição. O grupo

2 apresentou parcialmente como proposta a articulação dos saberes, mas não foi discutida na

análise da prática; enquanto que o grupo 6 não fez menção a esse debate na proposta, embora

tenha apresentado parcialmente na análise, conforme podemos ver nos excertos abaixo:

Em seguida, os estudantes irão citar os tipos de preconceito que eles

conhecem para que os professores possam medir o conhecimento prévio

deles. Isso, vai servir de suporte para os próximos tópicos, como a

problematização da raça na espécie humana, e colocar em pauta o quanto a

genética e a evolução podem estar envolvidas para reforçar ou refutar essa

concepção. (P2)

(...) após a exposição dos temas supracitados, foi realizada mais uma rápida

verificação para reparar se os discentes haviam alcançado o nível de

entendimento esperado para que pudessem avançar para a nova etapa do

trabalho. (A6)

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211

Na P2, embora percebamos a relação entre os conhecimentos, não podemos inferir

sobre como a discussão foi guiada, se houve sobreposição dos conhecimentos ou se cada

conhecimento foi adequadamente considerado, por essa razão julgamos que a abordagem

atendeu apenas parcialmente a essa característica. Na A6, a preocupação em articular os

saberes, embora exista, reflete na superioridade do conhecimento científico ocidental, que

precisava ser compreendido para o grupo dar continuidade à oficina.

Nessa situação, podemos pensar em dois tipos de alunos. Um aluno que vive na

cultura da ciência ocidental moderna e que traz conhecimentos prévios distorcidos dessa

ciência, ou seja, ele não conhece bem a cultura ocidental e, também, não conhece outras

culturas/ciências, às quais precisa ser apresentado. E outro, como, por exemplo, um aluno

indígena, cujos conhecimentos prévios sobre os fenômenos naturais não estão errados, mas

representam outra cultura. Argumentamos que o ensino pautado no pluralismo epistemológico

e no multiculturalismo crítico possa orientar essas diferentes situações para uma prática

comprometida com a diversidade epistêmica.

De acordo com Cobern e Loving (2000), considerando que os saberes culturais dos/as

estudantes podem ser diferentes dos saberes ocidentais, é importante que o ensino de Ciências

tenha como objetivo a demarcação, e não a anulação de saberes. Isto permitirá a compreensão

de que a ciência ocidental moderna representa uma entre inúmeras formas de explicar os

fenômenos naturais. Todavia, acrescentamos que esta demarcação deve vir acompanhada de

discussões sobre as relações de poder que foram construídas historicamente entre as culturas,

pois para promover o diálogo é preciso desconstruir hierarquizações. Nessa perspectiva,

trazemos no próximo tópico de discussão o aprofundamento dessa abordagem política.

5.3.3 As implicações e intenções políticas nas propostas e análises das práticas das

oficinas

Nesse bloco, analisamos se os planejamentos das propostas e análises das práticas

apresentaram: A3. Discussão das relações de poder entre as culturas, questionando a posição

subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes; B3. Questionamento em

relação à naturalização de preconceitos e discriminação, buscando interrogar o caráter

monocultural e o eurocentrismo do que se denomina ciência; C3. Articulação do discurso

biológico com discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais; e, D3. Preocupação em

problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o protagonismo e a

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resistência de grupos culturais subalternizados historicamente. O quadro 6 resume a

comparação entre as propostas e análises das práticas, no que tange às implicações e intenções

políticas.

Quadro 6. Comparação das características abordadas referente as implicações e intenções políticas

nas propostas e análises das práticas de cada grupo.

3. Implicações e intenções políticas

Grupos/

Características A3 B3 C3 D3

Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise Proposta Análise

G1 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 0.0

G2 0.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0

G3 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0

G4 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0

G5 1.0 1.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0

G6 0.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0

G7 0.0 0.0 1.0 1.0 0.0 1.0 1.0 1.0

Escore 3.0 3.0 6.0 7.0 5.0 7.0 5.0 6.0

Fonte: Dados da pesquisa.

Este bloco foi o que apresentou os melhores resultados, de modo que todas as análises

das práticas provocaram questionamento em relação à naturalização de preconceitos e

discriminação (B3) e, também, apresentaram articulação entre o discurso biológico e outros

discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais (C3). Além disso, apenas um grupo, na

análise da oficina, deixou pendente a problematização das identidades coletivas

marginalizadas historicamente (D3). Entre as características deste bloco, o que os/as

licenciandos/as tiveram mais dificuldade foi em promover uma discussão das relações de

poder entre as culturas (A3). Os textos dos documentos apontavam diferenças e desigualdades

entre grupos culturais, mas não tornavam explícitas as discussões frente às relações de poder,

seja por falta de prática em desenvolver atividades dessa natureza ou por não entenderem

como nossa situação de subalternizado/superiorizado foi construída na história, tendo em vista

a escassez de oportunidades para discutir tais questões nos âmbitos social e acadêmico.

Nessa perspectiva, a formação de professores/as se configura como um espaço de

debate privilegiado, tanto para refletir sobre as questões pautadas na diversidade, diferença,

igualdade e justiça social, quanto para a elaboração e desenvolvimento de práticas planejadas

para o contexto escolar (CANEN; XAVIER, 2011). Ainda segundo as autoras, formar o/a

professor/a multiculturalmente orientado/a implica em lhe proporcionar a compreensão de que

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o conhecimento e o currículo são processos discursivos, marcados por relações de poder

desiguais, que participam da formação das identidades. Assim, temos como desafio

possibilitar alternativas discursivas transformadoras e desafiadoras, questionando a posição

subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes (A3). Dois grupos (G4 e

G5) atingiram esse objetivo tanto no planejamento quanto na análise da prática pedagógica,

conforme vemos abaixo:

Por muitas vezes, se foi colocado que a raça ariana (branca) era constituída

por indivíduos superiores em vários aspectos (tom de pele, inteligência,

comportamento, etc.), enquanto que os grupos subalternizados eram tratados

como seres inferiores que deveriam ser aniquilados da sociedade. (P4)

Foi apresentado como a eugenia influenciou também a educação brasileira,

através de conteúdos que traziam os brancos como civilizados, enquanto os

negros, índios e asiáticos eram tratados de forma subalternizada. (A4)

A meta final é levar as/os alunas/os a entenderem, baseados em suas

compreensões do conteúdo que foi debatido e estudado em aula, que existe

uma hierarquização de acesso a direitos meramente básicos baseado na cor

da pele, determinando grupos na qualidade de subalternos e subservientes,

como a população negra. Queremos também que a turma compreenda que a

ciência é regida por um conjunto de pessoas de determinada classe social e

cor de pele, e que por causa disso, do discurso eugenista e de purificação

biológica para avanço civilizatório, houveram consequências políticas,

históricas, culturais e sociais. (P5)

Ao trabalhar eugenia e democracia racial, se faz necessário falar sobre as

relações de poder que estão por trás das estruturas sociais, sempre

questionando os possíveis motivos de algum determinado grupo, nesse caso

a população negra, estar numa posição inferior e de subalternidade. (A5)

Ambos os grupos problematizaram as relações de poder entre as culturas ao passo que

discutiram Eugenia, proporcionando aos/às estudantes o entendimento da hierarquização das

diferentes culturas. Assim, a identidade e a diferença não são aspectos naturais ou elementos

passivos da cultura, mas sim, construções em constante alteração. Segundo Silva (2000), ver a

identidade e a diferença como uma questão de produção significa tratar as relações entre as

culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou comunicação, mas como uma

questão que envolve, fundamentalmente, relações de poder.

Destacamos ainda, nessa característica, o grupo 3 que apresentou uma proposta de

problematizar as relações de poder entre as culturas, mas não mencionou discussões dessa

natureza na análise da experiência, e o grupo 6, que embora não tenha explicitado essa

abordagem no planejamento, o apresentou na análise da oficina. Vejamos os fragmentos

destes documentos abaixo:

Que a cor da pele e dos olhos é definida pela concentração de melanina e

quem tivesse uma concentração menor de melanina era considerado superior

às pessoas que tinham uma maior concentração. (P3)

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Pôde-se a partir daí esclarecer que, o fato de que “traços” e costumes

europeus se firmaram como modelo de beleza e comportamento, foram

meras construções sociais forjadas por grupos privilegiados que há muito

tempo detinham o poder financeiro, político e cultural e que são fortalecidos

até os dias de hoje, deixando-nos o legado de uma nação racista com

enormes prejuízos individuais e sociais produzidos contra aqueles grupos

marginalizados (negros, índios e mestiços). (A6)

Podemos perceber a perspectiva crítica dos/as licenciandos/as ao entenderem que a

inferiorização das diferenças não pode ser naturalizada, devendo ser questionada. Nessa

direção, podemos contribuir na formação de sujeitos críticos, que vejam em si o potencial de

transformação. O questionamento em relação à naturalização de preconceitos e discriminação,

buscando interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo (B3), foi uma característica

alcançada em todas as análises de práticas desenvolvidas, como podemos ver nos exemplos

abaixo:

O vídeo foi apresentado com o intuito de reforço da sensibilização enquanto

simultaneamente eram problematizados os padrões hegemônicos de beleza

oriundos do processo de colonização europeia. Foi um dos momentos de

maior aceitação na oficina. (A1)

Já sobre a atividade de gênero, o resultado representou como os estereótipos

eurocêntricos estão enraizados na nossa sociedade, pois, dos cinco desenhos

apresentados, quatro possuíam um corpo feminino e outro masculino, sendo

que ambos possuíam cabelos loiros e olhos azuis. (...) Quando questionamos

sobre o porquê dessas representações eles pareciam desconcertados, pois

segundo eles os desenhos tinham que ser bonitos, então a melhor

representação seria aquele padrão. (...) o League of Legends é o jogo mais

jogado do mundo, logo perguntamos quem na sala teve a oportunidade de

joga-lo, considerando que o jogo possui mais de 140 personagens,

perguntamos quantos deles são negros? E quantos são mulheres negras? A

resposta foi dois, apenas dois personagens negros homens. (A2)

A primeira atividade com fotografias, em que pessoas negras e brancas

foram colocadas na mesma função os levou a reflexão. As opiniões eram

diferentes sobre as funções que desempenhavam, porém, as funções

interpretadas como desempenhadas por pessoas negras, eram

predominantemente inferiores. Assim, isto sugere a existência de um

problema de racismo enraizado na mente das pessoas ao longo dos anos, que

precisa urgentemente ser desconstruído. (A7)

Nesses documentos de análise da prática, fica evidente a preocupação dos/as

licenciandos/as em problematizar a naturalização com que os/as estudantes demonstram a

postura de valorizar os padrões europeus, em detrimento da inferiorização daqueles/as cujas

características divergem dos padrões estabelecidos. Para eles/as é tão natural que o branco

esteja em posição superior, que isso reflete nas atividades desenvolvidas na oficina: “(...) dos

cinco desenhos apresentados quatro possuíam um corpo feminino e outro masculino, sendo

que ambos possuíam cabelos loiros e olhos azuis” (A2). Considerando que o racismo se

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propaga fortemente pelo discurso, nosso trabalho consiste em usar o próprio discurso para

desconstruir tais impressões, trata-se do discurso antirracista, pelo qual, num trabalho

interminável, o/a professor/a visa abolir esse processo cruel de alterização. O trabalho dos/as

licenciandos/as deve ter contribuído para fazer com que os/as estudantes refletissem sobre os

padrões que nos são impostos, o que representa um primeiro passo para a mudança.

Nesse ínterim, o/a professor/a pode promover a articulação do discurso biológico com

discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais (C3), assim, ao passo que ensina

conteúdos conceituais da disciplina, o/a professor/a contribui para a perspectiva de

humanização das ciências e de crítica ao cientificismo, bem como para a visão política de

construção de conhecimentos. Também todos os grupos alcançaram esse objetivo nas análises

da prática, embora dois deles (G5 e G7) não tenham discutido na análise da proposta. Abaixo,

colocamos dois fragmentos de diferentes textos das análises:

Assim, buscamos relacionar a teoria da seleção natural a sua influência no

que diz respeito ao racismo e discriminação em nosso país, abordando não só

o contexto biológico, mas inserindo sua relação no campo sociocultural.

(A4)

Nesse ponto, iniciou-se uma breve explanação histórica sobre as Grandes

Navegações e as conquistas Europeias durante a Idade Média, período em

que os conquistadores impuseram sua cultura por onde se estabeleciam

(Eurocentrismo), ditando, de acordo com a ótica europeia, aquilo que seria

padronizado como feio ou bonito, e até mesmo como eticamente certo ou

errado. (A6)

Todos os grupos foram orientados, na elaboração da proposta, a discutir um conteúdo

conceitual da Genética em conjunto com questões socioculturais, tal como eles/as

vivenciaram na disciplina em questão, e o fizeram trazendo abordagens interessantes acerca

da história das ciências e dos aspectos sociais, políticos e culturais. Alguns inclusive

solicitaram os materiais usados nas aulas da disciplina para aproveitarem como modelo nas

oficinas deles/as. Percebemos a importância de proporcionar aos/às licenciandos/as, durante o

processo formativo, experiências semelhantes àquelas que eles/as serão convidados/as a fazer

na prática pedagógica deles/as, enquanto professores/as.

No que se refere à preocupação em problematizar as identidades coletivas

marginalizadas, destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados

historicamente (D3), com exceção do primeiro, os demais grupos apresentaram esse debate.

Vejamos os exemplos:

Sendo assim, já que a aula é voltada a ciências questionamos os alunos se a

ciência é masculina, apresentando fotos de cientistas homens e famosos, e

perguntamos se eles os conheciam. Depois, apresentamos fotos de mulheres

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e fizemos a mesma pergunta. E pedimos para que eles observassem quantas

pessoas negras foram apresentadas, e por que a ciência tem tão poucos

cientistas homens ou mulheres negras. Após essa discussão, apresentamos

cientista homens e mulheres negros/as e perguntamos se eles os conheciam,

e então nós apresentamos as suas descobertas e importância para a ciência.

(A2)

Ainda conversamos de forma breve sobre a trajetória do povo negro, agora

livre, que foi para as favelas sem moradia, saúde, educação e trabalho. (...)

Eles puderam ter acesso a essas questões de forma mais profunda,

desvelando o porquê do negro não ter educação, moradia, saúde e trabalho

de qualidade. (A5)

Foram colocados dados estatísticos sobre a porcentagem das pessoas negras

e brancas que sofrem violência no Brasil. E é constatado que a porcentagem

de negros que sofrem violência é bem maior do que brancos e os alunos

foram questionados se sabiam o porquê disso. (A7)

Ao longo de décadas vivemos o mito da democracia racial, que reflete nos dias atuais.

O termo diz respeito à crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial

vista em outros países. Tal ideia foi amplamente difundida por meio da publicação do livro

“Casa grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, em 1933, no qual o autor argumentou que a

miscigenação continuada entre três raças (ameríndios, afrodescendentes e brancos) levaria a

uma “meta-raça”, ideia que se tornou fonte de orgulho nacional. Esse pensamento foi

amplamente aceito, até que em 1976, Thomas Skidmore publicou em seu livro “Preto no

branco” um estudo crítico argumentando que a elite brasileira promoveu o discurso da

democracia racial para encobrir formas de opressão. Perceber o quão institucional e

estruturante é o racismo da nossa sociedade corresponde a um primeiro passo necessário, por

isso a importância de problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o

protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados historicamente.

Os movimentos culturais conquistaram direitos importantes ao longo de séculos de

luta e resistência, sendo que valorizar e contribuir com essas conquistas é fundamental para a

percepção do nosso papel frente às transformações sociais. Além disso, as discussões no

âmbito escolar têm o potencial de desconstruir estereótipos e promover a verdadeira

democracia racial. No tópico que segue, finalizamos as discussões com os relatos dos/as

professores/as em formação inicial.

5.3.4 Os relatos das experiências didáticas dos/as professores/as em formação inicial

Neste tópico, apresentamos as impressões dos/as licenciandos/as, descritas na análise

da oficina, quanto à participação dos/as estudantes; os aspectos positivos da proposta; os

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aspectos negativos, apresentando o que faria diferente a partir da reflexão sobre a prática; a

avaliação do que conseguiu cumprir em relação ao planejamento prévio, justificando o que

não foi possível ser feito; a avaliação das possíveis decepções que tiveram com a experiência;

as possíveis alegrias proporcionadas com a prática; e, por fim, a contribuição dessa vivência

para a formação docente.

A maioria dos grupos (5; 71,4%) destacou que grande parte dos/as estudantes

participou bastante das atividades propostas nas oficinas:

Foi desafiador, ainda mais porque a turma era do 3º ano do Ensino Médio,

porém ainda mais gratificante foi perceber que os alunos participavam

ativamente da aula, apesar da timidez de alguns. (G3)

(...) houve grande interesse e participação por parte dos discentes. (G6)

Os estudantes foram bastante participativos nos momentos em que eram

questionados e quando se sentiam à vontade para expressar o que pensavam

de forma livre. (G7)

Um grupo (G1) assinalou que os/as estudantes não interagiram muito, principalmente

devido à timidez e falta de hábito em atividades que exigem argumentação, e outro grupo

(G5) disse que embora a turma tivesse sido receptiva e disposta a participar, apresentou um

pouco de receio, por ser “(...) uma pessoa nova num ambiente que pertence a eles, para fazer

algo pontual”. O envolvimento dos/as estudantes nas propostas didáticas é fundamental para

avançar na construção e desconstrução de saberes e práticas. O estímulo ao debate e a

valorização dos saberes dos/as estudantes pelos/as licenciandos/as foram pontos relevantes

para proporcionar um espaço de interação dialógica, que refletiu no bom desenvolvimento das

atividades propostas. Essa participação dos/as estudantes foi ressaltada pelos/as

licenciandos/as como um aspecto positivo da prática, tal como destacamos no relato de G7:

Ver os alunos participarem conosco tanto nas brincadeiras quanto na forma

de dizer o que pensam nos fez entender, quão importante é o papel do

professor na formação do aluno e no poder que temos para ajuda-los na

formação de um pensamento crítico. (G7)

De modo pleno, os grupos demonstraram bastante satisfação com o trabalho

desenvolvido, sobretudo porque perceberam que a experiência fez diferença na vida de

muitos/as estudantes, que por vezes, se sentiram representados/as nos discursos. Vejamos os

excertos abaixo:

As discussões de gênero e negros foram bastante produtivas, pois eles

reconheceram que podem ter atitudes preconceituosas sem perceber, pois

não costumam refletir sobre suas atitudes e palavras usadas diariamente com

os outros. (G2)

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A atenção que deram à aula expositiva, tanto os alunos como os professores

da escola que presenciaram a nossa oficina, nos fez sentir importantes. (G3)

Acreditamos que o objetivo desejado foi alcançado, nossa meta foi atribuir

uma relação com o conteúdo e a realidade do aluno. (...) Através dos relatos

pudemos perceber que eles saíram daquela oficina com conceitos mais

sólidos sobre os temas abordados, e com capacidade de expor mais

seguramente os seus pontos de vista. (G6)

O G2, ao taxar as discussões étnico-raciais como discussões de “negros” mostra um

certo despreparo no que se refere à amplitude do tema, pois não se trata apenas de questionar

a posição do negro, mas, também, de problematizar os privilégios dos brancos, bem como as

influências e relações de poder entre os grupos. Essa questão foi observada em outros relatos

também, pois a posição social da população negra foi questionada embora a posição do

branco tenha se mantido como naturalmente superior. Essa lacuna reflete uma falha também

do planejamento de curso da disciplina, na qual não discutimos questões sobre branquitude.

De todo modo, considerando que para a grande maioria dos licenciandos/as tratava-se do

primeiro contato com as discussões sobre racismo e eurocentrismo, eles/as mostraram

bastante empenho e entusiasmo para proporcionar aos/às estudantes da educação básica

experiências semelhantes às que eles/as estavam vivenciando na disciplina. Todo esse

comprometimento rendeu resultados positivos, tanto para os/as estudantes que participaram

das oficinas, quanto para os/as licenciandos/as que as planejaram e desenvolveram.

Diante das diversas mudanças decorrentes da globalização no mundo contemporâneo,

percebemos que a escola não deve estar alheia à diversidade cultural presente no nosso meio

(OLIVEIRA; CARVALHO, 2013). Considerando que preconceitos e diferentes formas de

discriminação estão presentes no cotidiano escolar, precisamos questioná-los, caso contrário,

a escola estará a serviço da reprodução de padrões discriminadores presentes na sociedade

(MOREIRA; CANDAU, 2003). As oficinas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as tiveram

essa finalidade, e apresentaram resultados promissores no tocante à formação para a

cidadania.

Nos relatos das análises das oficinas pudemos perceber que o fato de pensar a própria

experiência pedagógica, sendo ator/atriz e ao mesmo tempo investigador/a, contribuiu para a

formação do/a professor/a não só mais reflexivo/a e crítico/a de si mesmo/a, como também

para evidenciar a relevância da abordagem cultural na escola e para pensar sobre os

mecanismos práticos de desenvolvimento de propostas dessa natureza.

No curso dessa reflexão, os/as licenciandos/as apresentaram como aspectos negativos

da oficina o reduzido tempo para cada atividade; a quantidade de material disponível para a

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turma, considerando a ampliação imprevista do público participante; a organização de

equipamentos, como data show e o fato de não conhecerem previamente os/as estudantes.

Sobre o último ponto, lembramos que os/as licenciandos/as foram orientados/as a realizar ao

menos duas aulas de observação na turma em que desenvolveriam a oficina, a fim de se

apresentarem e estreitarem os laços com os/as estudantes. Todavia, dois grupos (G3 e G5)

passaram por imprevistos que impossibilitaram este contato prévio, destacando esse

impeditivo como aspecto negativo:

Acreditamos que a aula poderia ter sido melhor desenvolvida se tivéssemos

visitado a turma com antecedência, pois demoramos um pouco para tirar a

timidez da maioria dos alunos, o que dificultou na realização na primeira

dinâmica. (G3)

Como falhei em perguntar o tamanho da turma antes de comprar as

cartolinas e não tinha mais como comprar na hora da oficina, os grupos

ficaram muito grandes (09 pessoas por grupo) e houve certo atrapalhamento

e conversas paralelas. (G5)

A organização do tempo para o desenvolvimento de cada atividade, de acordo com o

planejamento, foi destacada por quatro grupos (G1, G2, G4 e G7):

A princípio acreditávamos que iria funcionar bem [Atividade de Confecção

de Zine], no entanto, devido aos contratempos que ocorreram no início da

oficina, o limite de tempo que por nós foi solicitado se esgotava. (G1)

Quando os estudantes foram colocados em grupo para fazer as atividades, os

estudantes utilizaram um tempo muito longo, não tínhamos estimado um

tempo para isso, logo perdemos mais do que havíamos planejado nas duas

atividades (G2)

(...) ocorreram alguns problemas no início como a instalação do equipamento

de projeção e no fim, a aplicação da última atividade que foi bem rápida por

conta do tempo curto. (G4)

Como aspectos negativos, podemos citar que os assuntos deveriam ser

melhor distribuídos dentro do tempo que nos foi dado, para que todas as

atividades pudessem sair como planejado, apesar de imprevistos. Antes da

nossa oficina começar, demandamos muito tempo na tentativa de ligar o

Datashow da escola e tivemos ainda de chamar um professor em outra sala

para nos ajudar. Pouco tempo depois, tivemos de parar para o intervalo do

lanche dos alunos o que nos atrasou ainda mais. (G7)

Sobre a surpresa com a ampliação do público, tendo em vista que a professora vigente

decidiu convidar outras turmas para participarem da oficina, um grupo destacou que:

Chamamos a atenção para uma possível falha, de não termos levado material

extra para a execução da oficina, acreditávamos que os grupos seriam

menores, mas a ampliação do público surpreendentemente trouxe muito mais

aspectos positivos como: mais interações, maior riqueza de relatos e mais

ideias, do que negativos. (G6)

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Apenas um grupo (G3) afirmou que “Tudo o que foi planejado previamente saiu

dentro dos conformes”. Os demais, apresentaram atividades que não foram desenvolvidas

devido ao tempo ou a problemas com os equipamentos, como o G6 que apontou “Também

não exibimos o vídeo que levamos falando sobre racismo, porque o equipamento de Data

show funcionava apenas com arquivos em PDF”. As atividades que não foram desenvolvidas

de acordo com o planejamento, em geral, foram práticas, prejudicadas por causa do tempo,

como a confecção de zine (G1) e a confecção do mural dos/as grandes inventores/as negros/as

(G7). Mas, embora essas atividades não tenham sido desenvolvidas conforme o planejado,

elas foram apresentadas e discutidas com os/as estudantes.

Sabemos que o contexto dinâmico do cotidiano escolar nem sempre permite o

acompanhamento inflexível do planejamento, o que não representa um problema, tendo em

vista as possibilidades de articulação do plano para se adequar à realidade. De todo modo, o

planejamento, indiscutivelmente, organiza e sistematiza o trabalho pedagógico, evitando a

improvisação (THOMAZI; ASINELLI, 2009). Os/as licenciandos/as se mostraram bastante

satisfeitos/as com a experiência, embora alguns tenham destacado algumas decepções:

(...) problema com data show, sala pequena para realização da dinâmica

proposta, indisposição dos alunos para atividades práticas. (G1)

E tivemos também alguns poucos aspectos negativos, a exemplo do nosso

alto nível de estresse na elaboração do plano de aula, visto que muitos dos

termos ainda eram e alguns ainda são confusos para nós, já que estamos

começando a pegar as disciplinas de Didática agora e é justamente nessas

disciplinas que estamos aprendendo a como elaborar planos de aula, outro

fator negativo que nos ocorreu foi o choque de realidade que tivemos ao

chegar à escola, digo negativo pelo fato de a escola estar com precariedades

por falta de investimentos do governo e mesmo que isso já seja uma coisa

sabida por todos, quando você está lá presente vendo com seus próprios

olhos é que começa a perceber como as coisas são de verdade e que você

enquanto professor não consegue fazer tudo que pretendia muitas vezes por

não ter o auxílio que precisava. (G3)

Destacamos que o G3 foi o único grupo cujos/as componentes nunca tinham elaborado

um plano de aula. Todos/as os/as integrantes deste grupo estavam cursando o quinto período,

no qual se inicia o contato com as disciplinas pedagógicas (no caso do curso noturno), tal

como a disciplina de didática. Os demais grupos já tinham pelo menos um/a integrante com

experiência em sala de aula, ao menos nas disciplinas de estágio supervisionado.

Apesar dos imprevistos e contratempos no percurso da oficina, os/as licenciandos/as

apresentaram relatos de grande satisfação com o trabalho desenvolvido, por se somar a

experiências na docência:

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(...) nos forneceu experiência para as futuras atividades como professor. (G1)

A experiência pedagógica foi indescritível, pois nos proporcionou uma

experiência única e que contribuiu bastante para nossa evolução como

pessoas e educadoras. (G4)

Mas podemos dizer que tudo ocorreu bem dentro do possível e nossas

expectativas quanto à participação dos meninos e as discussões em si,

superaram nossas expectativas. (G7)

Eles/as também sentiram que a prática pedagógica contribuiu de forma direta para a

formação dos/as estudantes, que reconheceram a grandiosidade da proposta:

A participação dos alunos foi um ponto positivo na aula, as diversas dúvidas

e questionamentos renderam longas discussões seja sobre gênero ou racismo.

(G2)

Mas o mais emocionante foi ao final de tudo que os estudantes vieram

agradecer e fizeram comentários maravilhosos sobre a oficina, o que nos

deixou demasiadamente felizes! (...) Falaram ainda que adoraram a aula,

principalmente por se identificarem com a história de [nome da licencianda],

uma das integrantes do grupo (que também assumiu o cabelo natural há

pouco tempo) e que depois da nossa aula não teriam mais vergonha do

cabelo e nem da cor delas. Isso deixou o grupo bastante feliz, pois notamos

que, de certa forma, mudamos a vida de pelo menos algumas pessoas

naquela aula. (G3)

(...) ter aplicado todo o plano, ver a participação da turma, e por fim receber

elogios pela oficina e por tudo que foi proposto. (G5)

Surpreendemo-nos com a forma como visivelmente todos eles foram

atingidos pelo discurso daquele momento tão importante. A prova de que a

atividade agradou aos alunos foi o fato dos mesmos se dirigirem

espontaneamente aos cartazes para tirarem fotos, e nos rodearem, a todo

momento, para nos contarem suas histórias, tirarem dúvidas e pedirem

opiniões. A sensação foi que aqueles adolescentes se sentiram representados,

sinal de que o trabalho trouxe um significado real. (G6)

No que se refere à contribuição da vivência para a formação dos/as licenciandos/as,

destacamos os seguintes excertos:

(...) contribuiu grandemente na perspectiva sociocultural, pois os debates

sobre eurocentrismo e racismo mostraram-se fundamentais para o ensino e

discussões acerca dos temas no ensino de Ciências e Biologia. (G1)

Essa vivência contribuiu bastante para nossa formação como professores,

pois nos mostrou o quanto é importante abordar esses temas científicos com

uma abordagem mais sociológica e mostrar aos alunos como esses temas

podem interferir em toda a sociedade e assim gerarmos questionamentos em

suas mentes, para auxiliarmos na sua educação como cidadãos que sejam

conscientes e de pensamento crítico. (G3)

Quanto à experiência, foi muito proveitosa, pelo simples fato de que estamos

acostumados somente a aplicar práticas pedagógicas que promovem a

aprendizagem dos conteúdos de biologia e com o advento da oficina, foi

importante, principalmente neste momento de formação docente,

trabalharmos temas transversais que vão além dos muros da escola. (G4)

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(...) nós ficamos com a imensa sensação de termos cumprido um pouco do

nosso dever como futuros educadores. (G6)

Os relatos dos/as licenciandos/as foram bastante positivos, a oportunidade de colocar

em prática os aspectos teóricos discutidos na disciplina e observar uma boa aceitação por

parte dos/as estudantes foi bastante estimuladora para eles/as, que destacaram a grandiosidade

da prática tanto para a formação dos/as estudantes quanto para a formação deles/as

próprios/as.

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico representam perspectivas

teóricas com grande potencial para articular e subsidiar práticas pedagógicas comprometidas

com a diversidade cultural. Assim, buscamos saber de que forma professores/as de Biologia

em formação inicial mobilizam essas perspectivas na elaboração e na análise de propostas

pedagógicas, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que promove

problematização de questões culturais.

Considerando as principais características do pluralismo epistemológico e do

multiculturalismo crítico, agrupamo-las em três blocos, que se referem à dimensão

epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas da prática

docente. Numa avaliação geral, podemos afirmar que os grupos de licenciandos/as

mobilizaram poucas características (variando entre três a dez, de um total de doze

características indicadas no formulário) dessas perspectivas, tanto nas propostas quanto na

análise da prática. Todavia, para um primeiro contato e experiência com as discussões

proporcionadas na disciplina, e tendo em vista o tamanho do desafio em transpor tais

experiências para a prática pedagógica em um período de três horas/aula, vemos nesse

resultado o símbolo do empenho e determinação deles/as, que culminou numa vivência

produtiva tanto para os/as estudantes que participaram quanto para os/as próprios/as

licenciandos/as.

A dimensão epistemológica foi a menos contemplada na elaboração e na análise das

oficinas, o que se deve principalmente à dificuldade encontrada pelos/as licenciandos/as em

acessar os diferentes discursos sobre o mundo, tendo em vista o caráter hegemônico da cultura

ocidental moderna, que anula os conhecimentos que não atendem aos critérios epistêmicos

específicos dessa cultura. Ainda como consequência da superioridade da ciência ocidental ou

ciência hegemônica, percebemos a carência nas problematizações referentes às limitações do

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que se denomina ciência e o caráter provisório dos seus conhecimentos. Destacamos que as

mesmas dificuldades percebidas pelos/as licenciandos/as foram sentidas por nós, no processo

de elaboração do plano de curso da disciplina. Todavia, com mais tempo para a preparação da

disciplina, maior apoio de pesquisadores/as experientes nas discussões sobre racismo e

eurocentrismo e, também, maior carga horária para as discussões, nos foi oportunizado,

obviamente, uma exploração um pouco mais profunda.

O diálogo intercultural, por sua vez, foi mais mobilizado pelos/as licenciandos/as,

sobretudo no que tange ao estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as

estudantes, característica apresentada em todas as análises de práticas desenvolvidas.

Consideramos a valorização do diálogo fundamental no trabalho comprometido com a

diversidade. Todavia, ainda houve uma carência da utilização de exemplos e conhecimentos

de grupos étnicos e culturais, bem como a relação destes com os conhecimentos científicos

ocidentais, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um saber em detrimento de

outro. Destacamos quão cientificista é a formação dos/as licenciandos/as, de modo que,

embora reconheçam a dinamicidade dos conhecimentos científicos ocidentais, ainda o tomam

como o mais relevante, por ter sido testado e ter aplicabilidade replicada em diversos

contextos, uma percepção no mínimo questionável.

A formação do/a professor/a sensível à diversidade cultural deve partir da

desestabilização dos padrões hegemônicos socioculturais, de modo a desconstruir o poder

simbólico do conceito de ciência, ao passo que problematizamos as relações de poder entre as

culturas. Assim, da mesma forma que as ciências tradicionais partem de um lócus cultural,

também a ciência ocidental apresenta critérios epistêmicos próprios que atendem a

determinada comunidade. E embora seja um saber historicamente universalizado, não

necessariamente terá validade em diferentes contextos, mas, sim, no contexto de sua produção

específica. Nesse sentido, a fim de horizontalizar os discursos e demarcar os saberes,

propomos a pluralização do conceito, passando a usar o termo ciências, de modo a assumir as

ciências dos povos indígenas, as ciências dos povos africanos, a ciência ocidental moderna, e

outras. Assim, as ciências podem dialogar, pois o diálogo só existe quando as hierarquizações

são questionadas e desconstruídas.

No que se refere às implicações e intenções políticas, tivemos os melhores resultados,

de modo que a maioria dos/as licenciandos/as atendeu a quase todas as características do

bloco, principalmente as discussões da naturalização de preconceitos e discriminação, a

articulação do discurso biológico com outros discursos e a preocupação em problematizar as

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identidades coletivas marginalizadas. Houve carência, entretanto, de discussões acerca das

relações de poder entre as culturas. Além disso, as práticas e relatos de experiência se

limitaram a questionar a posição subalternizada dos afrodescendentes sem, contudo,

problematizar o caráter superiorizado do branco. Assumimos que a abordagem prática dos

temas exige maior aprofundamento em leituras e mais tempo para concretizar ideias e

discursos.

Em suma, os resultados da pesquisa apontam para a relevância de proporcionar aos/as

licenciandos/as práticas semelhantes àquelas que eles/as serão convidados/as a desenvolver na

carreira docente. A oportunidade de discutir questões culturais nas aulas de Biologia,

abrangendo as discussões sobre racismo e eurocentrismo, não só contribui para valorizar e

problematizar as diferentes formas de explicar o mesmo fenômeno natural, como também

para desconstruir os padrões hegemônicos socioculturais, promovendo uma educação para

transformações positivas na sociedade.

REFERÊNCIAS

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CANEN, Ana. A pesquisa multicultural como eixo na formação docente: potenciais para a

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226

CAPÍTULO 6

EXPECTATIVAS DE PROFESSORES/AS DE BIOLOGIA EM FORMAÇÃO

INICIAL QUANTO À INTEGRAÇÃO DO PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E

DO MULTICULTURALISMO CRÍTICO EM SUAS FUTURAS PRÁTICAS

DOCENTES

__________________________________________________________________________________

Este capítulo apresenta a discussão do terceiro objetivo específico, que se refere a

analisar como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam integrar o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes, a

partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu

problematizações de questões culturais. Contribui, assim, para o alcance do objetivo geral de

compreender como eles/as integram os discursos do pluralismo epistemológico e do

multiculturalismo crítico no seu no repertório profissional.

6.1 INTRODUÇÃO

A educação deve ser incubadora da inovação e da criatividade. O sistema educacional,

pelo menos em tese, deve promover o crescimento individual e o desenvolvimento social dos

membros da sociedade, para que estes possam participar de forma ativa na construção de um

mundo mais justo e igualitário. No contexto educacional, cada membro desempenha um

papel, cujas funções estão em constante transformação. No que se refere ao professor, muitas

das vezes, quando se tem uma formação cientificista, acredita-se que a transmissão de

conceitos é a principal função deste ator educacional, e aquele que não cumpre este papel,

deixaria a desejar no curso da sua atuação docente.

Por outro lado, ao participar de experiências práticas em que a dimensão conceitual do

conteúdo subsidia discussões socioculturais, o/a professor/a, no processo de formação, pode

repensar seu papel em sociedade e entender, por exemplo, que a educação de hoje não pode

ser mais como a de antes – de poucos e para poucos – sobretudo, porque a conjuntura cultural

é outra, bem como as relações sociais. Por conseguinte, nos dias atuais, o/a professor/a não é

mais a única forma de alcançar o conhecimento, tendo em vista o crescente acesso as novas

tecnologias da informação.

Nesse contexto, entendemos que os espaços escolares são tão propícios a discussões

culturais quanto o são para a transmissão de conceitos sistematicamente organizados ao longo

do tempo. As perspectivas teóricas do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo

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227

crítico, ao passo que convergem para o trabalho sensível a diversidade cultural, podem

subsidiar práticas que promovam a problematização das relações de poder entre as diferentes

formas de conhecimento, bem como a desconstrução dos padrões hegemônicos socioculturais.

Embora uma formação docente que considera a diversidade cultural seja importante,

não significa necessariamente que professores/as formados/as nessa perspectiva venham a

desenvolver práticas dessa natureza na sua atuação pedagógica, pois sabemos que o contexto

escolar tem forte influência no trabalho do/a professor/a. A organização do trabalho docente

depende tanto das suas intenções formativas, que muitas vezes são reflexo da sua formação,

quanto do contexto o qual o/a professor/a se encontra. De acordo com André (2010), embora

o/a professor/a tenha um papel basilar na educação escolar, há outros elementos igualmente

importantes, como a atuação dos/as gestores/as escolares, as formas de organização do

trabalho na escola, o clima institucional, os recursos físicos e materiais disponíveis, a

participação dos pais e as políticas públicas educativas.

As pesquisas em ensino podem auxiliar na superação de crenças do senso comum, que

muitas vezes atribuem culpa ao/à professor/a pelo fracasso do sistema educacional. Por

entendermos que o processo de formação de professores/as é um aspecto importante na

educação, embora não seja o decisivo para as práticas escolares, defendemos que é mais

provável que um/a professor/a seja sensível a diversidade cultural quando sua formação

possibilitar experiências e reflexões nessa direção, do que quando isso não for possível.

Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar como professores/as de

Biologia em formação inicial perspectivam integrar o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico em suas futuras práticas docentes, a partir da participação em uma

disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de questões culturais.

6.2 O PERCURSO METODOLÓGICO

A pesquisa tem natureza qualitativa e quantitativa, sendo que optamos por desenvolver

a investigação na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de elementos da

teoria crítica. A pesquisa empírica foi desenvolvida no município de Aracaju, capital de

Sergipe, com professores/as de Biologia em formação inicial da Universidade Federal de

Sergipe (UFS), no contexto de uma disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de

Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de

Genética”, com carga horária de 60 horas, ministrada pela pesquisadora.

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228

A escolha por essa instituição justifica-se pelo fato da pesquisadora estar vinculada

como professora voluntária no período da pesquisa. Foram ofertadas duas turmas da

disciplina, uma no período vespertino e outra no turno noturno, com 12 e 6 licenciandos/as

matriculados/as, respectivamente, número que foi reduzido para 10 e 4 licenciandos/as, que

concluíram a referida disciplina. Destacamos que todos/as os/as licenciandos/as

matriculados/as assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A referida disciplina promoveu discussões sobre a lógica eurocêntrica de produção de

conhecimento e de seu ensino e questões referentes às diferenças étnicas ao passo que

abordamos conteúdos de Genética. Para tanto, foi organizada na perspectiva do pluralismo

epistemológico, ao abordar as diferentes formas de conhecimentos; bem como na perspectiva

do multiculturalismo crítico, ao discutir as relações de poder construídas em torno da

diversidade de grupos socioculturais. Como atividade prática, ao final da disciplina, os/as

professores/as em formação inicial foram orientados/as para se organizarem em duplas e

assim, planejar, desenvolver e analisar uma oficina de três horas/aula na perspectiva do

pluralismo epistemológico e do multiculturalismo crítico, de forma colaborativa entre si e

com a professora-pesquisadora.

Para alcançar o objetivo proposto no presente capítulo, optamos como procedimento

de produção de dados a entrevista semiestruturada. Destacamos que o período anterior, das

interações nas aulas da disciplina, foi fundamental para a realização das entrevistas,

principalmente porque permitiu estabelecer uma relação prévia com os/as participantes, o que

facilitou uma comunicação mais livre e dialógica. Assim, ao término das atividades da

disciplina, os/as licenciandos/as das duas turmas foram convidados/as a uma entrevista

individual, dos/as 14 licenciandos/as que concluíram a disciplina, nas duas turmas, 12

aceitaram participar da entrevista, os quais receberam nomes fictícios escolhidos pelos/as

próprios/as e foram designados E1... E12. Para tanto, agendamos previamente um horário

particular com cada um/a deles/as. A entrevista semiestruturada corresponde ao

desenvolvimento de um conjunto geral de questões, tal como na entrevista estruturada, só que,

neste caso, o/a entrevistador/a pode variar as perguntas de acordo com a situação

(McCOLSKEY; O’SULLIVAN, 2005).

Segundo Lichtman (2010), antes de começar a entrevista, é importante que o/a

pesquisador/a forneça algumas informações preliminares, como porque está lá, sua finalidade,

o que vai fazer com a informação, como vai tratar a informação e quanto tempo vai demorar a

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229

entrevista. As entrevistas foram realizadas em atenção a essas observações. Como forma de

registro, optamos pela gravação em áudio.

Para a validação do roteiro de entrevista, participaram oito pesquisadores/as, que têm

experiência em debates e práticas referentes ao pluralismo epistemológico e ao

multiculturalismo crítico. O roteiro para o procedimento de validação da entrevista (Quadro 1)

apresenta o objetivo que se pretende alcançar com cada questão, uma avaliação, na qual o

participante deve responder se é possível alcançar o objetivo esperado a partir de como a

pergunta está elaborada, e, um espaço para sugestões ou comentários.

Quadro 1. Roteiro para o procedimento de validação da entrevista.

Perguntas Objetivo com a pergunta É possível

alcançar o

objetivo

esperado a partir

de como a

pergunta está

elaborada?

Sugestões ou

comentários

O que ficou da disciplina na

sua mente, no seu modo de

pensar e de trabalhar com o

ensino de Biologia?

Espera-se com essa pergunta que

a pessoa entrevistada apresente as

possíveis contribuições da

disciplina para sua formação e

prática docente.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

Algo mudou? O que mudou

de concepção da prática

docente a partir das

discussões promovidas na

disciplina?

Espera-se com essa pergunta que

a pessoa entrevistada apresente ou

não alterações na sua forma de

entender a prática docente.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

1. Você pensa em discutir

com seus alunos do ensino

médio, o conceito de

ciência? Por quê? Como

discutiria?

Com essa pergunta espera-se que

a pessoa entrevistada demonstre

compreender ou não a

importância de desconstruir o

poder simbólico do termo

‘ciência’ a partir da

problematização do termo. E se

ela percebe a

importância/viabilidade do uso de

estratégias, como os debates, para

trabalhar nessa perspectiva.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

2. Você pensa em discutir

com seus alunos do ensino

médio, a crise do conceito

de gene? Por que? Como

discutiria? Abordaria a

história de Rosalind

Franklin? Como?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de questionar o

determinismo genético, bem como

apresentar as controvérsias do

processo de construção do

conhecimento, apresentando-o

como dinâmico e influenciado por

questões políticas, culturais e/ou

de gênero.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

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230

3. Como você lidaria com o

fato de ter alunos que

acreditam que “As

características estão no

sangue”? Se o seu aluno,

apesar de compreender os

mecanismos de herança

biológica, insiste em

afirmar em contexto

familiar que “As

características estão no

sangue”, é importante para

você que este aluno anule

essa crença e passe a

propagar apenas o

conhecimento científico em

todos os contextos? Por

quê?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de considerar

diferentes discursos sobre o

mundo, valorizando os

conhecimentos provenientes das

diferentes culturas.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

4. Como você poderia

exemplificar, para os seus

estudantes, que todos os

tipos de conhecimento têm

validade, de acordo com o

contexto?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não o fato de que

cada conhecimento, no seu

contexto, tem seu alcance e

validade e, assim, pode ser

adequadamente aplicado.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

5. Você pretende abrir

espaço nas suas aulas para

discutir os conhecimentos

dos estudantes, bem como

suas culturas? Com qual

objetivo?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de estimular o debate

acerca dos conhecimentos

culturais dos/as estudantes e como

esses conhecimentos são

importantes para eles/as nos seus

meios sociais.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

6. Se o seu aluno, apesar de

compreender os

mecanismos de herança

biológica, apresenta a

crença de que “Crianças

podem nascer com alguma

deficiência por causa de

castigo de Deus”, é

importante para você que

este aluno anule essa crença

e passe a propagar apenas o

conhecimento científico?

Porque?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de auxiliar os/as

estudantes na compreensão dos

conceitos científicos a fim de

ampliar suas visões, sem anular

suas culturas e crenças.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

7. É função do professor de

ciências alterar crenças dos

estudantes ou a

compreensão dos conceitos

científicos é suficiente?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de articular os

saberes dos/as estudantes e os

conhecimentos científicos, sem

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

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231

Para entender é preciso

acreditar?

que seja concebida superioridade

epistêmica de um saber em

detrimento de outro.

8. Por que é importante que

conhecimentos de grupos

étnicos e culturais sejam

acionados na sala de aula?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de utilizar exemplos e

conhecimentos de grupos étnicos

e culturais no contexto da aula

para valorizar outras culturas,

para além da cultura ocidental e

problematizar a superioridade

epistêmica da cultura dominante.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

9. Você pensa em discutir,

com seus alunos do ensino

médio, questões sobre

racismo e alterização, por

exemplo, no contexto do

ensino de Biologia? Por

quê? Como discutiria?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de promover debates

sobre as relações de poder entre as

culturas, questionando a posição

subalternizada de grupos

minoritários, tal como os

afrodescendentes. E se ela

percebe a importância/viabilidade

do uso de estratégias, como os

debates, para trabalhar nessa

perspectiva.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

10. É importante articular

as discussões sobre

eurocentrismo no contexto

do ensino de biologia?

Você pretende fazer isso

em práticas pedagógicas

futuras? Como?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de questionar a

naturalização de preconceitos e

discriminação, buscando

interrogar o caráter monocultural

e o eurocentrismo na ciência. E se

ela percebe a

importância/viabilidade de levar

essas discussões no contexto do

ensino conceitual da Biologia.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

11. Você poderia citar fatos

na história em que o

discurso científico

influenciou decisões sociais

sobre questões raciais?

Você levaria essa

articulação do discurso

biológico com outros

discursos para a sala de

aula? Como?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de articular o

discurso biológico com discursos

históricos, políticos, sociológicos

e culturais, a partir da

problematização de temas como

Eugenia, racismo científico e

zoológicos humanos.

E se ela percebe a

importância/viabilidade de levar

essas discussões no contexto de

fatos históricos.

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

12. Qual a importância, no

contexto do ensino de

biologia, de se

problematizar as

identidades coletivas

marginalizadas?

Espera-se que a pessoa demonstre

compreender ou não a

importância de problematizar as

identidades coletivas

marginalizadas, destacando o

protagonismo e a resistência de

( ) sim ( ) não

( ) parcialmente

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232

Que argumentos poderiam

ser apresentados contra a

abordagem de questões

culturais no ensino de

biologia? Que argumentos

você apresentaria contra

tais argumentos?

grupos culturais subalternizados

historicamente.

Use o espaço abaixo caso queira tecer comentários e/ou sugestões finais acerca do roteiro:

Fonte: Dados da pesquisa.

Para o cálculo do escore total resultante da validação, o “sim” equivale a 1 ponto, o

“em parte” a 0,5 ponto e o “não” a 0 ponto. Tendo em vista o número de oito pesquisadores/as

que participaram da validação, 8 é o escore máximo. O quadro com o resultado da validação

por pares, referente ao roteiro de entrevista individual semiestruturada, está detalhado no

apêndice H. A partir do procedimento de validação, o roteiro de entrevista foi analisado e

reformulado, dando origem à versão final do instrumento de coleta de dados (APÊNDICE I).

As entrevistas foram transcritas na íntegra, utilizando o programa Transana Standard

2.61b, e, a análise dos dados provenientes do registro de áudio das entrevistas foi conduzida

tendo por referência os estudos do discurso críticos, na perspectiva da análise sociocognitiva

do discurso proposta por Van Dijk (2001). O autor relaciona estruturas do discurso com

interação social por meio de uma interface sociocognitiva, sustentando-se no argumento de

que estruturas discursivas e sociais diferem quanto à natureza e não podem ser diretamente

relacionadas.

Para a organização dos dados da entrevista, agrupamos as respostas discursivas em

termos de macroproposição, cuja base textual se refere a uma sequência de proposições do

discurso. Num quadro linguístico e discursivo, as proposições são consideradas como

unidades que definem a significação (VAN DIJK, 2012). Desse modo, a macroproposição

explica a unidade geral de uma sequência de unidades discursivas, podendo ser intuitivamente

conhecida como “tema”, “tópico” ou “essência” (VAN DIJK, 1981). Assim, as

macroproposições de cada questão discursiva das entrevistas foram derivadas das sequências

de proposições do discurso. Esse trabalho foi realizado paulatinamente por entrevista, a fim de

identificarmos tanto os novos tipos de macroproposições em cada entrevista, quanto aquelas

que se assemelhavam, a fim de quantificá-las.

A partir dessa organização, quantificamos o total de ocorrências das macroproposições

semelhantes, destacando as entrevistas que apresentavam novos tipos de macroproposições.

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233

Falamos em macroproposições semelhantes porque, teoricamente, cada macroproposição é

única, tendo em vista que considera o tempo e o lugar na qual foi mobilizada. Assim, não

podemos falar em repetição das macroproposições, mas na ocorrência de macroproposições

parecidas, por articularem as mesmas unidades de sentido30.

Para a análise do corpus completo, que podemos chamar de corpus primário,

consideramos o total de ocorrências de cada macroproposição, configurando uma abordagem

de natureza quantitativa, a fim de oferecer uma visão geral dos dados das entrevistas. Vale

ressaltar que, nessa análise, cada questão poderia ou não mobilizar mais de uma

macroproposição, de modo que o total de ocorrências quase nunca corresponde ao total de

entrevistados/as. Além disso, em alguns casos, observamos respostas que não se referiam ao

sentido da pergunta, de modo que temos entrevistas que não mobilizaram nenhuma

macroproposição para um determinado discurso. Os dados foram organizados em quatro

blocos de análise, os quais apresentamos no quadro abaixo (Quadro 2).

Quadro 2. Organização dos blocos de análise do discurso de professores/as de Biologia em formação

inicial e respectivas questões mobilizadoras.

Bloco de análise Questões

mobilizadoras

A experiência na disciplina 1 e 2

A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes 3 e 4

O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes 5, 6 e 7

A abordagem das implicações e intenções políticas em suas

futuras práticas docentes

8, 9 e 10

Uma abordagem qualitativa, considerando os pressupostos da análise sociocognitiva

do discurso, foi realizada a partir das respostas das entrevistas que apresentaram distintos

tipos de macroproposições, as quais denominamos de corpus secundário. Como temos

questões nas entrevistas com mais de um enunciado, realizamos essa avaliação separadamente

para cada um deles, a fim de encontrar, especificamente, as macroproposições de cada

enunciado discursivo (Quadro 3).

30 Reunião de orientação, Teun Van Dijk, Barcelona, 16 de abril de 2019.

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234

Quadro 3. Organização dos dados para a análise qualitativa das entrevistas, considerando as

entrevistas que apresentaram distintos tipos de macroproposições por enunciado de cada questão.

Questão/Enunciado Entrevistas que

apresentaram distintos

tipos de

macroproposições

Número

total de

entrevist

as

1 O que ficou da disciplina na sua mente? E no seu

modo de pensar e de trabalhar com o ensino de

Biologia?

1, 2, 4 e 7 4

2 Houve alguma mudança de concepção de prática

docente a partir das discussões promovidas na

disciplina? Se sim, qual ou quais?

1, 2 e 4 3

3 Como discutiria o conceito de ciência? 1, 2, 3, 4 e 5 5

4 Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino

médio, a crise do conceito de gene? Por quê?

1, 3, 4 e 6 4

Como discutiria o conceito de gene? 1, 2, 4, 5, 6 e 8 6

Como discutiria a história de Rosalind Franklin? 1, 4, 8, 12 4

5 Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos

de herança biológica, insiste em afirmar, no seu

contexto cotidiano, que “As características estão no

sangue” é importante para você que esse aluno anule

essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento

científico em todos os contextos? Por quê?

1, 5 e 6 3

E se essas crenças ou práticas culturais gerarem

sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por

exemplo, devemos questionar e buscar superar essas

práticas?

1, 2 e 3 3

6 Como você poderia exemplificar a abordagem de

conhecimentos de grupos culturais minoritários na

sala de aula?

1, 2, 3, 5 e 6 5

7 Você pretende abrir espaço nas suas aulas para

discutir os conhecimentos dos estudantes, bem como

suas culturas? Com qual objetivo?

1, 2, 3, 4 e 11 5

8 Você pensa em discutir, com seus alunos da educação

básica, questões sobre racismo e alterização, por

exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê?

1, 2, 4, 7 e 8 5

Como discutiria essas questões de racismo e

alterização?

1, 4, 7 e 9 4

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235

9 Você levaria essa articulação do discurso biológico

com outros discursos para a sala de aula? Como?

1, 2, 3, 4, 7, 11 e 12 7

10 Que argumentos poderiam ser apresentados contra a

abordagem de questões culturais no ensino de

Biologia?

1, 2 e 8 3

E argumentos em defesa da abordagem de questões

culturais no ensino de Biologia?

1, 2 e 6 3

A organização das entrevistas, para identificar os distintos tipos de macroproposições

e agrupar as que se assemelhavam, foi realizada considerando a ordem alfabética dos nomes

reais dos/as participantes (na análise, adotamos os nomes fictícios escolhidos por eles/as).

Assim, o fato da entrevista 1 apresentar um número maior de distintas macroproposições se

justifica por ter sido a primeira a ser analisada, e não necessariamente pelo discurso do

entrevistado. Por exemplo, se a entrevista 12 fosse a primeira a ser analisada, certamente teria

o número maior de macroproposições inéditas. Todavia, tendo em vista que o nosso interesse

é oferecer, na microanálise, exemplos suficientes e variados dos discursos mobilizados

pelos/as participantes, a ordem das entrevistas não altera o resultado da variabilidade

discursiva. Embora essa seleção apresente a desvantagem do não aproveitamento de parte dos

dados gerados – excluindo da amostra temas que seriam também relevantes –, oferece a

vantagem de investigar em profundidade uma prática de leitura específica (RAMALHO;

RESENDE, 2011).

As transcrições das questões de entrevistas que apresentaram distintos tipos de

macroproposições estão apresentadas no apêndice K. Com esta organização, correspondente

ao corpus secundário, podemos apresentar as ferramentas básicas que vão subsidiar nossa

análise: tratam-se das categorias analíticas, que são “formas e significados textuais associados

a maneiras particulares de representar, de (inter)agir e de identificar(-se) em práticas sociais

situadas” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 112). De acordo com Resende e Acosta (2018),

é desejável que as categorias analíticas não sejam definidas a priori em um projeto de

investigação, embora o olhar para os dados seja influenciado pelo referencial teórico, isso

porque é a análise dos dados que vai orientar as categorias mais adequadas para responder aos

objetivos investigativos.

Para analisar as respostas dos/as licenciandos/as às entrevistas selecionadas, vamos

nos concentrar na abordagem sociocognitiva proposta por Van Dijk (1991), a partir de

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236

categorias analíticas organizadas à luz da teoria. A fim de subsidiar a nossa análise, faremos

uso também de alguns elementos da teoria da valoração (KAPLAN, 2004). Segundo a autora,

a valoração inclui todos os usos avaliativos da linguagem, através dos quais falantes e

escritores não apenas adotam posições particulares de valor, mas também negociam essas

posições com seus interlocutores reais ou potenciais.

A Teoria da Valoração fornece uma estrutura para explorar como e para

quais propósitos retóricos os falantes e os autores adotam (a) uma postura

atitudinal (ideológica, em última análise) em relação ao conteúdo

experiencial de seus enunciados; (b) uma posição em relação aos seus

interlocutores reais ou potenciais; e (c) uma posição em direção à

heteroglossia do contexto intertextual em que seus enunciados e textos

operam31 (KAPLAN, 2004, p. 59).

A partir das ideias gerais da teoria da valoração, e considerando os aspectos teóricos e

metodológicos da análise sociocognitiva do discurso, destacamos duas categorias analíticas:

1. Quanto ao(s) recurso(s) discursivo(s) para identificar-se ou não com as questões culturais

mobilizadas na disciplina (modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e

metáfora); 2. Quanto ao grau de compromisso na integração dos sentidos do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico em futuras práticas docentes (alto nível de

compromisso, baixo nível ou ausência de compromisso).

Essas categorias serão a base para a análise do micronível da ordem social, que se

refere a linguagem, discurso, interação verbal e comunicação (VAN DIJK, 2008), ou seja, por

meio delas, podemos analisar os textos buscando mapear conexões entre o discursivo e o não

discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais (RAMALHO; RESENDE, 2011). Sobre isso,

Fairclough (2003, p. 16) ressalta que

Não podemos supor que um texto em sua totalidade possa ser transparente

através da aplicação das categorias de uma estrutura analítica pré-existente.

O que somos capazes de ver da atualidade de um texto depende da

perspectiva da qual o abordamos, incluindo as questões sociais particulares

em foco, e a teoria social e a teoria do discurso que utilizamos

(FAIRCLOUGH, 2003, p. 16)32.

31 Tradução nossa, do original: “La Teoría de la Valoración proporciona un marco para explorar de

qué modo y con qué fines retóricos los hablantes y autores adoptan (a) una postura actitudinal

(ideológica, en última instancia) hacia el contenido experiencial de sus enunciados; (b) una postura

hacia sus interlocutores reales o potenciales; y (c) una postura hacia la heteroglosia del contexto

intertextual en el que operan sus enunciados y textos” (KAPLAN, 2004, p. 59). 32 Tradução nossa, do original: “we cannot assume that a text in its full actuality can be made

transparent through applying the categories of a pre-existing analytical framework. What we are able

to see of the actuality of a text depends upon the perspective from wicth we approach it, including the

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237

Assumindo que “toda análise é inevitavelmente seletiva e incompleta” (RAMALHO;

RESENDE, 2011, p. 105), discutiremos a seguir as categorias analíticas selecionadas para a

construção do mapa metodológico. A aplicação dessas categorias deve contribuir para uma

análise do discurso explícita e sistemática. Sobre os possíveis recursos discursivos que os/as

participantes utilizam para identificar-se ou não com as questões culturais mobilizadas na

disciplina, buscaremos analisar o uso da modalidade (BLANCAFORT; VALLS, 2007; VAN

DIJK, 2008); da intertextualidade (VAN DIJK, 2016; FAIRCLOUGH, 2003); da

argumentação (VAN DIJK, 2008) e da metáfora (RESENDE; RAMALHO, 2009), que podem

aparecer inter-relacionadas nos turnos de fala. Entendemos que a análise de como

professores/as de Biologia em formação inicial se identificam com os sentidos do pluralismo

epistemológico (PE) e do multiculturalismo crítico (MC) pode indicar a expectativa de

integração dessas perspectivas teóricas em suas futuras práticas docentes.

No caso desta pesquisa, por se tratar de identificar opiniões, que expressam o grau de

aproximação com as perspectivas teóricas supracitadas, fizemos uso da categoria modalidade

associada ao termo “doxástica” (derivado do grego antigo doxa, que significa “crença” ou

“opinião”). Assim, ao invés de utilizar o termo comum “modalidade epistêmica”, que se

associa ao conhecimento (BLANCAFORT; VALLS, 2007; VAN DIJK, 2008), assumiremos

neste trabalho o termo “modalidade doxástica”33 como a atenuação ou o reforço das

asserções, o que está relacionado com o grau de compromisso do interlocutor em relação à

opinião que assume frente a determinados temas no contexto de uma discussão.

Esse recurso discursivo utiliza marcadores de opinião - Eu acho, Em minha opinião,

Desde o meu ponto de vista, Desde a minha perspectiva, Me parece, No meu modo de ver,

Segundo eu entendi, Para mim, A meu juízo, Acredito que, Penso que, Me parece que, Eu

diria que, É possível que, Não sei, Parece que, Suponho que - para expressar diferentes

atitudes do locutor diante do interlocutor (BLANCAFORT; VALLS, 2007). Como exemplo,

podemos destacar a fala de Ariel (E2) “eu acho importante a gente colocar mais isso nas

aulas...”, a qual indica uma opinião positiva frente às questões culturais mobilizadas na

disciplina.

A intertextualidade, conceito que surgiu nas discussões de Bakhtin (1997), pode ser

definida como a propriedade que têm os textos de possuir fragmentos de outros textos

particular social issues in focus, and the social theory and discourse theory we draw upon”

(FAIRCLOUGH, 2003 p. 16). 33 Reunião de orientação. Teun Van Dijk, Barcelona, 11 de março de 2019.

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(FAIRCLOUGH, 2001), ou seja, é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado

com outras vozes que lhe são articuladas em diferentes contextos (VAN DIJK, 2016). Um

exemplo dessa aplicação na nossa análise está no fragmento “(...) isso que você [referindo-se

à professora/entrevistadora] falou, sobre esse conhecimento ter vindo e ter passado pra gente

como se fosse único e legítimo, né?” (Luc, E1), que mobiliza intertextualmente, de forma

específica, a fala da professora, a qual aconteceu no contexto de uma das aulas da disciplina

que o participante acompanhou. Essa fala foi apresentada em resposta à pergunta do que mais

chamou a atenção do licenciando na disciplina, expressando uma identificação com o tema

discutido.

Na argumentação, observamos as colocações nas quais os/as participantes tentam

fazer com que seu ponto de vista resulte mais aceitável e credível, a partir da formulação de

argumentos que o sustentem (VAN DIJK, 2008) ou que justifiquem determinado

posicionamento. Por exemplo, uma estudante, em defesa de um trabalho docente voltado para

questionar crenças racistas, argumenta que essa é uma prática necessária para evitar o

sofrimento de grupos historicamente desprivilegiados: “Eu acho que aí, nesse caso, deveria

ser questionado (risos) porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer (...)” (Ariel, E2).

Identificamos, assim, as estratégias argumentativas utilizadas nos discursos dos/as

professores/as em formação inicial para explicar e defender seus posicionamentos.

A essência da metáfora, segundo Lakoff e Johnson (2002, p. 49-50 apud RESENDE;

RAMALHO, 2009), “é compreender uma coisa em termos de outra”, um mecanismo de

estruturação parcial do discurso com base na linguagem. Por exemplo, na fala “Acaba

tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da gente” (Luc, E1), o

conceito de “implantar”, como “inserir alguma coisa em algum lugar” não pode ser

literalmente relacionado à “cabeça” como uma expressão cognitiva. O que o entrevistado quer

dizer é que a construção discursiva hegemônica compõe nosso sistema cognitivo de modo

naturalizado e estrutural, o que nos faz tomar como verdade o discurso que reflete o poder.

Lakoff e Johnson (2002 apud RESENDE; RAMALHO, 2009) destacam que as metáforas não

nascem na linguagem, mas refletem-se nela, tendo em vista que compõem o nosso sistema

conceitual.

Quanto ao nível de compromisso na integração dos sentidos do PE e do MC em

futuras práticas docentes, identificamos alto nível de compromisso “Com certeza!

[referindo-se a discutir sobre as contribuições de Rosalind Franklin na prática docente]

porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma interpretação que a gente

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poderia não ter tido [...]” (Everton, E8), baixo nível de compromisso “[...] eu pelo menos

vou fazer isso, tentar fazer isso... é... não só dar o assunto, mas tentar contextualizar, né?”

(Eduardo, E7) ou ausência de compromisso “[...] não me sinto preparado pra fazer isso

agora [referindo-se a discutir o conceito de gene na prática docente]” (Luc, E1), relacionados

às maneiras em que os falantes intensificam ou diminuem a força de seus enunciados.

Analisamos, assim, o que eles/as afirmam desenvolver ou não em práticas futuras, o que não

implica necessariamente uma ação correspondente. É importante considerar o contexto no

qual os discursos analisados foram construídos, pois numa situação de entrevista é comum

que os/as entrevistados/as busquem não contrariar a expectativa do/a entrevistador/a. De todo

modo, a análise das entrevistas traz contribuições relevantes para refletir uma formação crítica

no que tange à abordagem de questões culturais no curso de licenciatura em Biologia.

Por fim, para identificar essas categorias no texto, adotamos o procedimento da

codificação em cores, utilizando canetas marca-texto para identificar os recursos discursivos -

modalidade doxástica, intertextualidade, argumentação e metáfora -, e os posicionamentos

que expressam o grau de compromisso dos/as licenciandos/as quanto à integração dos

sentidos do PE e do MC em futuras práticas docentes (RAMALHO; RESENDE, 2011).

A codificação em cores é uma dentre as diversas estratégias para codificação

disponíveis e, embora seja um procedimento muito simples – com base na

utilização de canetas ou lápis coloridos para separar tópicos ou categorias

que depois terão análise sistemática –, é útil para tornar mais ‘legíveis’ (ou

‘analisáveis’) os dados (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 91).

As categorias selecionadas devem guiar as análises de modo a contribuir para a melhor

compreensão do problema social discursivamente investigado (RESENDE, 2017). No quadro

abaixo, organizamos um resumo das categorias.

Quadro 4. Mapa metodológico para analisar como professores/as de Biologia em formação inicial

perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas futuras práticas docentes.

Categorias analíticas sociocognitivas Exemplo aplicado

1. Quanto ao recurso

discursivo para

identificar-se ou não

com as questões

culturais mobilizadas

na disciplina

Modalidade

doxástica

“[...] eu acho importante a gente colocar mais isso

nas aulas...” (E2). A participante indica uma

opinião positiva frente às questões culturais

mobilizadas na disciplina.

Intertextualidade “[...] isso que você [referindo-se a

professora/entrevistadora] falou, sobre esse

conhecimento ter vindo e ter passado pra gente

como se fosse único e legítimo, né?” (E1). O

participante mobiliza intertextualmente, de forma

específica, a fala da professora num contexto de

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240

aula.

Argumentação “Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado

(risos), porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer

[...]” (E2). A estudante apresenta argumento

favorável a questionar crenças racistas na prática

docente.

Metáfora “Acaba tomando como verdade uma coisa que tá só

implantada na cabeça da gente” (E1). O estudante

utiliza metáfora para explicar de maneira mais

simples a ideia de colonialidade.

2. Quanto ao nível de

compromisso na

integração dos

sentidos do PE e do

MC em futuras

práticas docentes

Alto nível de

compromisso

“Com certeza! [referindo-se a discutir, na prática

docente, as contribuições de Rosalind Franklin]

porque se não fosse a contribuição dela, a gente

poderia ter uma interpretação que a gente poderia

não ter tido [...]” (E8). O modalizador “com

certeza” indica alto nível de compromisso do

licenciando com essa ação em práticas futuras.

Baixo nível de

compromisso

“[...] eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer

isso... é... não só dar o assunto, mas tentar

contextualizar, né?” (E7). Após uma afirmação

segura, o licenciando utiliza o verbo “tentar” como

modalizador da sua assertiva, diminuindo seu nível

de compromisso.

Ausência de

compromisso

“[...] não me sinto preparado pra fazer isso agora

[referindo-se a discutir o conceito de gene na prática

docente]” (E1). Ao afirmar que não se sente

preparado, o licenciando se exime do compromisso

de discutir o conceito de gene em práticas futuras.

Fonte: As autoras, com base na teoria sociocognitiva do discurso proposta por Teun Van Dijk.

Fairclough (2003, p. 164) supõe que “(...) o que as pessoas se comprometem em textos

é uma parte importante de como elas se identificam, a texturização de identidades”34. Na

nossa opinião, o inverso também é verdadeiro, assim o grau de identificação que as pessoas

apresentam com o texto, com determinados temas, representa uma parte importante do que

elas se comprometem. Dessa forma, a análise dessas categorias, em conjunto, representa uma

34 Tradução nossa, do original: “(...) what people commit themselves to in texts is an important part of

how they identify themselves, the texturing of identities” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 164).

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boa estratégia para compreender como professores/as de Biologia em formação inicial

perspectivam integrar os sentidos do PE e do MC em suas futuras práticas docentes, a partir

da participação em uma disciplina de ensino de Genética que promoveu problematizações de

questões culturais.

6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.3.1 A experiência na disciplina

A formação de professores/as representa um espaço privilegiado, tanto para promover

reflexão e debate sobre as questões da diversidade, diferença, igualdade e justiça social,

quanto também para desenvolver propostas que apontem caminhos e avanços possíveis na

abordagem das questões culturais no âmbito escolar (CANEN; XAVIER, 2011). Canen e

Moreira (2001) destacam alguns princípios que podem contribuir para a concretização de

currículos multiculturais na formação de professores/as:

(...) associação de elementos cognitivos e afetivos na prática pedagógica;

sensibilização para a diversidade cultural e sua influência na educação;

conscientização cultural; desenvolvimento de uma prática reflexiva

multiculturalmente comprometida; superação de preconceitos e estereótipos;

problematização de conteúdos (específicos e pedagógicos); reconhecimento

do caráter múltiplo e híbrido das identidades culturais (CANEN;

MOREIRA, 2001, p. 20).

A disciplina “Tópicos Especiais no Ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre

racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética” foi organizada nessa perspectiva,

a fim de possibilitar aos/às professores/as em formação inicial construir conhecimentos e

habilidades para promover uma educação crítica e cidadã, que vise à transformação social.

Nesse sentido, perguntamos aos/às participantes acerca da contribuição da disciplina para a

construção de novos modelos mentais, a fim de saber em que medida a experiência vivenciada

influenciou no modo de pensar e de trabalhar com o ensino de Biologia.

A maioria dos licenciandos (8; 66,7%) destacou a abordagem de temas socioculturais

como o racismo, no contexto do ensino de Genética, a partir de uma perspectiva histórica;

seguido da crítica frente à ideia da ciência ocidental moderna como verdadeira e imutável (3;

25%); a percepção da influência do eurocentrismo na nossa cultura (3; 25%); a discussão

sobre o conceito de raça (2; 16,7%), o mito da democracia racial (2; 16,7%), o racismo

científico e eugenia (1; 8,3%), as histórias dos/as cientistas negros/as; o estímulo ao debate de

diferentes perspectivas (1; 8,3%); a relação entre os conhecimentos dos/as estudantes com os

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conhecimentos acadêmicos (1; 8,3%) e as dinâmicas desenvolvidas (1; 8,3%). Esses foram os

aspectos da disciplina destacados pelos/as licenciandos/as como os mais interessantes.

Vejamos alguns trechos das respostas, as quais apresentam as unidades de sentido que

significam as macroproposições apresentadas:

A perspectiva que se colocou sobre conhecimento, né? Justamente isso que você falou,

sobre esse conhecimento ter vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e

legítimo, né? [...] E... a questão da... da lida com as questões sociais relacionadas a ciência

e principalmente relacionadas à parte genética, né? Que a gente trabalhou bastante. Me

marcou muito essa parte de raça... de... de genética e às vezes eu me pegava pensando

nisso aí. [...] A questão do... do eurocentrismo, como ele foi implantado… [...] muitas

vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da gente.

[...] a forma... mais livre de se debater. Eu não sei se vou conseguir essa prática, né? Pra

alunos do fundamental. Porque vai exigir uma leitura prévia, um entendimento individual,

né? Do aluno... mas, com certeza com o aluno do ensino médio, eu já poderia levar

bastante coisa disso. [...] E as desconstruções foram feitas na sala com base no que a gente

leu. Então, isso é uma prática que eu tenho intenção de levar. Até porque essa experiencia

que a gente teve com a atividade que a gente fez eu achei muito gratificante [...] então é

uma prática que eu realmente achei interessante, é uma coisa muito bacana de lidar e é

uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você relacionar os assuntos,

trazer aquela prática para a vida do aluno... é.... Trazer o problema do aluno com relação

a determinadas questões e debater aquilo. e.... tentar desenraizar esses conceitos que tão

na mente, na nossa mente, né? (Luc, E1)

Acho que o que me marcou mesmo foi essa parte da... do conceito de raça... do conceito

de raça é o que eu fiquei enjoando Eduardo pra gente falar desse tema [...] como a

disciplina teve muitas dinâmicas, eu acho que vai ajudar bastante na formação... na minha

formação como professora [...] quando Arizona começou a mostrar os inventores e os

cientistas negros eles não souberam nada de ninguém... e eles ficaram, tipo, quando

Arizona disse o que foi que eles fizeram de importante, eles ficaram surpresos com aquilo

porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas aulas.

(Ariel, E2)

[...] como surgiu, essa... essa ideia toda... o mito da democracia, também, racial [...] E tipo

algumas coisas que você sempre falava, eu vi o poder... porque eu nunca parei pra

pensar... quem tá no poder? Quem é a maioria? Quem, é.... é.... predomina mais? Que são

os brancos, na verdade... [...] porque às vezes a gente faz, a gente tem... nós mesmos,

somos racistas e ninguém nem percebe. (Arizona, E4)

[...] eu acho que foi essa questão do racismo científico, questão da eugenia, né? Como que

a ciência apoiou essas ideias que são hoje absurdas [...] Eu acho que, assim, o que eu vejo

hoje de diferente, depois da disciplina é que... é.... quando formos dar assuntos de

Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o assunto, mas

tentar contextualizar, né? (Eduardo, E7)

Percebemos que os/as licenciandos/as se identificam com os discursos referentes aos

temas de racismo e formas simbólicas de eurocentrismo, mobilizados na disciplina. Com a

utilização da modalidade doxástica para expressar o que ficou da disciplina no seu modo de

pensar e trabalhar com o ensino de Biologia, eles/as destacaram as discussões sobre os

conceitos biológico e social de raça “Acho que o que me marcou mesmo foi essa parte da...

do conceito de raça...” (E2) e, também, referente ao racismo científico e eugenia “[...] eu

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acho que foi essa questão do racismo científico, questão da eugenia, né? Como que a ciência

apoiou essas ideias que são hoje absurdas [...]” (E7). Para muitos/as participantes, a

disciplina promoveu o primeiro contato com essas leituras e formas de ver e entender a

história do ponto de vista do colonizado, e não do colonizador. A discussão da teoria

eugênica, por exemplo, permitiu problematizar como o conhecimento é imbricado por

relações políticas e econômicas, e como ele pode ser utilizado para sustentar relações de

poder.

A fala de Ariel (E2) também apresenta uma identificação positiva com os temas

discutidos na disciplina, “[...] quando Arizona disse o que foi que eles [inventores/as e

cientistas negros/as] fizeram de importante, eles [os/as estudantes] ficaram surpresos com

aquilo porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas

aulas”. Ao se identificar com a importância de problematizar os/as inventores/as e cientistas

negros/as nas aulas de Biologia, a licencianda apresenta certa perspectiva em abordar essas

discussões na prática docente futura. Práticas dessa natureza, aliadas ao reconhecimento da

história, do espaço e da ação dos movimentos negros, são essenciais na construção de um

discurso antirracista, que se proponha comprometido com uma sociedade mais justa e

humana.

Outro recurso discursivo utilizado para apresentar uma identificação positiva, frente às

questões culturais mobilizadas na disciplina, foi a intertextualidade, sempre se referindo à fala

da professora/entrevistadora na ocasião das aulas da disciplina. Eles/as destacaram a suposta

superioridade da ciência ocidental “Justamente isso que você falou, sobre esse conhecimento

ter vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e legítimo, né?” (Luc, E1) e a falta de

representatividade negra nos espaços de poder “[...] E tipo algumas coisas que você sempre

falava, eu vi o poder... porque eu nunca parei pra pensar... quem tá no poder? Quem é a

maioria?” (Arizona, E4). Essas falas mostram que a disciplina suscitou reflexões não

somente sobre a posição subalternizada de grupos minoritários e suas produções

epistemológicas, mas também provocou questionamento no que se refere à branquitude. Lia

Vainer Schucman (2014, p. 84) esclarece que

A branquitude é entendida como uma posição em que sujeitos que ocupam

esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao

acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo

colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e são preservados na

contemporaneidade (SCHUCMAN, 2014, p. 84).

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Os estudos sobre branquitude contribuem para discutir a população branca como um

povo racializado, o que se faz necessário para desconstruir a ideia do povo branco como

identidade racial normativa (CARDOSO, 2010). Segundo Schucman (2012), apesar das

preocupações e da luta contra a discriminação racial serem fundamentais para uma sociedade

mais igualitária, a discussão restrita aos negros e indígenas, nos estudos de relações raciais,

contribuiu com a ideia de um branco cuja identidade racial é a norma. Assim, identificar os

privilégios dos brancos em detrimento da marginalização em que ainda se encontram os não-

brancos representa o foco de estudo para compreender a branquitude. Embora esta discussão

tenha sido incipiente na disciplina, o que entendemos como uma lacuna no plano de curso, foi

mobilizada por alguns/mas licenciandos/as.

Ao questionar o fato de ter maioria branca nos espaços de poder, Arizona assume uma

postura crítica em relação à naturalização de preconceitos e discriminação. Da mesma forma,

ao problematizar a imposição histórica da ciência ocidental moderna como única e verdadeira,

Luc assume a existência de outros saberes igualmente válidos, que precisam de visibilidade

no âmbito acadêmico. Para explicar de maneira mais simples a ideia de colonialidade, Luc

utiliza uma metáfora “A questão do... do eurocentrismo, como ele foi implantado… [...]

muitas vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só implantada na cabeça da

gente” (E1). O conceito de “implantar”, como “inserir alguma coisa em algum lugar” não

pode ser literalmente relacionado a “cabeça”, como uma expressão cognitiva. Assim, temos

um significado metafórico de que a construção discursiva hegemônica compõe nosso sistema

cognitivo de modo naturalizado e estrutural, o que nos faz tomar como verdade o discurso que

reflete o poder.

Neste ínterim, embora não vivamos mais o processo de colonialismo, estamos imersos

na colonialidade, cujos pressupostos eurocêntricos agem no nível da intersubjetividade

(QUIJANO, 2009). Trata-se de uma forma atualizada e desterritorializada da relação de

dependência e subalternidade (STRECK; ADAMS, 2012), a qual precisamos contrapor. Isso

pode acontecer a partir de uma educação comprometida com a transformação social, que visa

a superação da colonialidade eurocêntrica e passe a problematizar as culturas que foram

historicamente subalternizadas, como os povos indígenas e as culturas de matriz africana, que

não encontram espaço na educação escolar e até hoje têm dificuldade de difusão no continente

(CANDAU; RUSSO, 2010). Essas questões foram tratadas na disciplina, a fim de

problematizar o caráter monocultural da escola e desestabilizar essa realidade por meio de

discursos transformadores, que desafiem verdades únicas e deem visibilidade a vozes

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historicamente silenciadas. Percebemos que Luc apreende esse discurso e o manifesta na

forma de metáfora.

Quanto ao compromisso em promover debates e práticas contextualizadas com

estudantes da educação básica, percebemos baixo nível ou ausência de compromisso nos

discursos dos/as licenciandos/as. Eduardo, que inicia um discurso seguro, logo inclui o verbo

“tentar” como modalizador para diminuir a força de sua assertiva “[...] quando formos dar

assuntos de Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o

assunto mas, tentar contextualizar, né?” (Eduardo, E7). Da mesma forma, Luc inicia sua fala

com um modalizador seguro “com certeza”, que logo é seguido por um verbo modal

“poderia”, diminuindo também a segurança da sua afirmação “[...] mas, com certeza com o

aluno do ensino médio, eu já poderia levar bastante coisa disso. Que é a questão de lançar

uma proposição pro aluno, uma reflexão... um texto que busque a reflexão [...]” (Luc, E1).

Luc apoia seu argumento na experiência prática que vivenciou na disciplina ao realizar

uma oficina com estudantes do ensino médio - Herança poligênica: fatores de sua influência,

impactos do racismo nas sociedades e reflexos nas mídias sociais -, afirmando que “essa

experiência que a gente teve com a atividade que a gente fez eu achei muito gratificante”

(Luc, E1). Ressaltamos que vivências dos/as professores/as em formação inicial no contexto

escolar têm o potencial de mitigar a lacuna teoria–prática, ao passo que explora as limitações

e possibilidades do trabalho docente. Em outro momento, quando Luc afirma que a prática

contextualizada é “interessante”, “muito bacana”, e por isso, ele tem “vontade de levar”,

percebemos que, embora haja identificação com a proposta, o discurso dele não reflete um

compromisso no desenvolvimento de práticas dessa natureza no seu futuro docente “[...]

Então é uma prática que eu realmente achei interessante, é uma coisa muito bacana de lidar

e é uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você relacionar os assuntos,

trazer aquela prática para a vida do aluno...” (Luc, E1). Podemos inferir que o discurso

comumente mobilizado na sociedade, referente às dificuldades do trabalho docente, aliado à

pouca experiência pedagógica de Luc, reflete nessa forma cautelosa de apresentar

expectativas de práticas futuras comprometidas com atividades contextualizadas.

Buscamos saber também a contribuição da disciplina para a construção do repertório

profissional dos/as participantes, a partir do qual novas situações são constituídas, abrindo

espaço para novos discursos. Assim, perguntamos se houve alguma mudança de concepção de

prática docente a partir das discussões promovidas na disciplina. Com exceção de Eduardo

(E7) e Maria (E9), os/as demais participantes afirmaram que sim, e destacaram a discussão de

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questões raciais e a influência eurocêntrica no ensino de Biologia (4; 33,3%); a possibilidade

de fazer a diferença na formação para a cidadania (2; 16,7%); a promoção de debates acerca

dos conhecimentos dos/as estudantes (2; 16,7%) e a utilização de jogos didáticos (1; 8,3%).

Vejamos abaixo algumas representações discursivas:

Sim, essa mesmo que eu acabei de falar, né? A questão de ter mais um... sair um pouco

daquela coisa formal, né? De poder trabalhar junto, né? Isso aí que eu achei bem legal.

[...] Como aquele jogo da genética, né? Pra montar eu achei aquilo ali bom pra caramba,

porque a gente já tinha acabado de discutir, né? E aí a questão de manusear aquilo que a

gente tinha acabado de ver pra mim foi interessante. Então, essa coisa de trazer a

informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De professor... e sentar pra

discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei interessante... e é

isso que eu visualizo. E de... de... de bom... de... de complemento pra eu poder usar. (Luc,

E1)

[...] que eu acho que ficou mesmo foi essa parte de raça (risos), essas questões que

passam despercebidas pela gente, esse negócio do eurocentrismo e tudo mais. Que....

assim... a ciência que a gente vê é a ciência branca, a gente não vê ciência negra. Eu acho

que isso foi o que me marcou mesmo. [...] foi uma coisa que a disciplina me trouxe.

(Ariel, E2)

[...] eu acho que é mais o amor a história da licenciatura, que eu... que eu ficava muitas

vezes pensando, assim... meu Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí depois

da aula de hoje, eu vi... é isso mesmo que eu quero seguir na minha vida! (Arizona, E4)

Destacamos o uso da modalidade doxástica para expressar opiniões em relação à

experiência da disciplina, as quais demonstram uma identificação positiva frente à

oportunidade de desenvolver uma experiência pedagógica na escola “[...] eu acho que é mais

o amor a história da licenciatura, que eu... que eu ficava muitas vezes pensando, assim... meu

Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí depois da aula de hoje, eu vi... é isso

mesmo que eu quero seguir na minha vida!” (Arizona, E4); também com a perspectiva crítica

frente ao eurocentrismo, reivindicando o espaço dos conhecimentos produzidos por

afrodescendentes na escola “Que.... assim... a ciência que a gente vê é a ciência branca, a

gente não vê ciência negra. Eu acho que isso foi o que me marcou mesmo. [...] foi uma coisa

que a disciplina me trouxe” (Ariel, E2) e uma identificação com o diálogo intercultural

“Então, essa coisa de trazer a informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De

professor... e sentar pra discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei

interessante... e é isso que eu visualizo. É... de... de... de bom... de... de complemento pra eu

poder usar” (Luc, E1). Nesta última fala, o licenciando apresenta a dinâmica do diálogo como

uma possibilidade didática, embora não demonstre compromisso dessa ação em futuras

práticas docentes.

O estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e como

esses são importantes para eles/as representa uma dinâmica condizente com as perspectivas

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teóricas do PE e do MC, assim como a problematização referente à abordagem cientificista e

a discussão das relações de poder entre as culturas, questões que foram destacadas pelos/as

licenciandos/as como relevantes para serem consideradas nas aulas de Biologia. Todavia,

embora eles/as apresentem uma identificação positiva frente a essas características, não

percebemos expectativas deles/as quanto ao ensino em suas futuras práticas docentes em um

contexto de integração do PE e do MC. Argumentamos que esse discurso atenuado possa ser

reflexo da pouca experiência em contexto escolar, tendo em vista que a maioria dos/as

licenciandos/as não tem vivência como professor/a, salvo os estágios obrigatórios. Somado a

isso, temos um discurso expressivo na sociedade que insinua as dificuldades do trabalho

docente no que se refere ao desenvolvimento de práticas diferentes da aula expositiva,

significados compartilhados culturalmente que determinam a constituição de cada sujeito.

Outro fator que merece destaque é o contexto sociopolítico no período da entrevista,

no qual o Programa Escola sem Partido35 começa a ganhar visibilidade e as notícias de

perseguição aos/às professores/as que resistem a essa falta de liberdade democrática são

apresentadas como espécie de exemplo a não ser seguido. Considerando que as propostas de

práticas pedagógicas nas perspectivas do PE e do MC contrariam essa onda conservadora de

um contexto pré-eleitoral e que é expressa entre outros documentos, no referido programa,

podemos inferir que os/as licenciandos/as podem ter sentido receio em se comprometer com

ações mais críticas, embora se identifiquem com os discursos.

6.3.2 A dimensão epistemológica em suas futuras práticas docentes

A epistemologia, como um ramo da filosofia, tem debatido desde a Antiguidade a

natureza fundamental do conhecimento e as maneiras de distingui-lo de meras crenças e

opiniões (VAN DIJK, 2016). Considerando o controle da dominação europeia, os

conhecimentos culturais apropriados pelo Ocidente foram tomados como verdadeiros e

designados como científicos, o que pode ser explicado com o fato de que aqueles que

possuem maior controle sobre discursos mais influentes são também aqueles, segundo essa

35 O “Programa Escola sem Partido” é um movimento político criado em 2004 no Brasil, que ganhou

notoriedade num contexto conservador pré-eleitoral. Entre outras questões, o movimento incorporou a

crítica à discussão de questões de gênero nas escolas e apresentou uma proposta de combater uma

“doutrinação ideológica”, sem, contudo, definir o que se entende por isso, apresentando apenas a

defesa de uma suposta “neutralidade”.

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definição, mais dotados de poder (VAN DIJK, 2008). Em contrapartida, as demais formas de

conhecimento foram comumente estabelecidas como crenças ou opiniões.

O poder manifestado pela cultura dominante muitas vezes está integrado a leis, regras,

normas, hábitos ou mesmo a um consenso, assumindo a forma de “hegemonia” (VAN DIJK,

2008). A hegemonia da ciência ocidental moderna controla os discursos sociais, inclusive, no

âmbito escolar. Dessa forma, vivemos o reflexo do processo de homogeneização cultural, em

que a educação escolar exerceu uma função fundamental, com o papel de difundir e

consolidar uma cultura comum de base eurocêntrica (CANDAU, 2011). O eurocentrismo

designa uma perspectiva de conhecimento sistematicamente elaborada na Europa ocidental a

partir do início do século XVII, caracterizado como “ciência” (QUIJANO, 2009).

Tendo em vista essa abordagem, perguntamos aos/às participantes se eles/as pensam

em discutir, com seus/suas alunos/as do ensino médio, o conceito de “ciência”, para

problematizar o poder simbólico do termo e a influência eurocêntrica na sua construção.

Todos afirmaram que sim e apontaram algumas estratégias para esse debate. O gráfico abaixo

apresenta as macroproposições extraídas das entrevistas, bem como o total de ocorrências

(Figura 1).

Figura 1. Respostas sobre as estratégias para problematizar o poder simbólico do termo “ciência” e a

influência eurocêntrica no contexto do ensino de Biologia.

Destacamos alguns fragmentos das entrevistas que apresentaram distintos tipos de

macroproposições, na explicação de como abordar o poder simbólico do termo “ciência” e a

influência eurocêntrica no ensino de Biologia:

[...] O conceito de ciência, eu tentaria mostrar que a ciência, ele... primeiro, não se

restringe aquilo que a gente vê no livro, né? E que... ciência é todo processo que traz

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conhecimento, né? Então, se existe uma descoberta que não... não tenha sido através da

metodologia acadêmica, mas que ela funciona, isso também é ciência. Então, é essa

abordagem que eu pretendo levar. [...] que existe além daquele... daquele... daquela

redoma, também existe ciência. Então, seria a forma que eu pretendo, né? Abordar

ciência. (Luc, E1)

[...] não sei como. Mas, as aulas da senhora me deram uma base bastante boa, só que eu

vou pensar ainda como eu vou fazer isso. (Ariel, E2)

[...] E trabalhando, eu acho que através de como a gente trabalhou, através de oficinas,

através de... é.... vamos supor, de disci... de conteúdos que saibam relacionar essa coisa da

ciência, como a gente viu, por exemplo, evolução e eugenia ou genética e eugenia... são

exemplos pra mostrar que a ciência, ela nem sempre é boazinha [...] ele [o estudante]

tenha essa desconstrução da ciência, e saiba que o conhecimento, qualquer forma de

conhecimento, ela é válida. Até o conhecimento que ele adquire na comunidade em que

ele vive. (Carol, E3)

Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante! Eu acho que se eu

pudesse dá tudo, eu dava tudo e ainda aprofundado. (risos) Aí tipo, a gente teve hoje... a

gente tava falando sobre a nossa dinâmica, que foi o... aquilo que a gente mostrou, né? Os

cientistas brancos e os negros... pra mostrar que tanto os brancos quanto os negros são

capazes de ser importantes na história da ciência! (Arizona, E4)

Penso, acho extremamente importante pra que ele desenvolva o pensamento crítico,

assim, que ele não só... que ele não aceite tudo... mas que ele aprenda a se questionar,

assim. E.... e ver que nós e ele, mesmo brasileiro, ele pode produzir ciência, não só

pessoas de fora... e não só aceitar essas questões… [...] nós podemos produzir ciência,

podemos produzir coisas novas. (Agnes, E5)

Luc (E1), ao afirmar que “a ciência, ele... primeiro, não se restringe aquilo que a

gente vê no livro, né?” pressupõe uma identificação com a ideia do multiculturalismo

relativista, que advoga pela ampliação do conceito de ciência, assumindo outras formas de

conhecimento, para além dos saberes acadêmicos presentes nos livros didáticos, como

ciência. Nesse sentido, Luc diz “Então, é essa abordagem que eu pretendo levar. [...] que

existe além daquele... daquele... daquela redoma, também existe ciência. Então, seria a forma

que eu pretendo, né? Abordar ciência” (E1). Ao utilizar o verbo “pretender”, Luc apresenta

um baixo nível de compromisso em abordar a existência de outras ciências, para além da

ciência ocidental moderna que é mostrada no livro. Da mesma forma, Ariel (E2), ao afirmar

que “eu vou pensar ainda como eu vou fazer isso” pressupõe uma perspectiva de discutir o

poder simbólico do termo ciência, numa futura prática docente, mas sem se comprometer com

essa discussão. Já Arizona (E4) assume um alto nível de compromisso com essa prática ao

afirmar “Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante!”, a licencianda

argumenta que discussões dessa natureza são importantes “[...] pra mostrar que tanto os

brancos quanto os negros são capazes de ser importantes na história da ciência!” (Arizona,

E4). Com a problematização do eurocentrismo, encontramos espaço para a orientação de que

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cada conhecimento, tem seu alcance e validade, questionando, assim, abordagens

cientificistas.

Na representação discursiva dos/as licenciandos encontramos ainda outras

manifestações relacionadas aos sentidos do PE e do MC, quando Carol (E3) assume a

importância de problematizar “[...] exemplos pra mostrar que a ciência, ela nem sempre é

boazinha [...]”, ou seja, existem influências políticas, culturais e/ou de gênero entrelaçadas na

produção desse conhecimento, que direciona seus efeitos para interesses particulares, sem

pensar no bem comum; e quando Agnes (E5) expressa a importância da criticidade no

processo de construção do conhecimento “Penso, acho extremamente importante pra que ele

[o/a estudante] desenvolva o pensamento crítico”. Sobre esta colocação de Agnes,

percebemos o uso da expressão “pensamento crítico” de forma genérica, não ficando claro o

que a licencianda espera dessa formação que se diz crítica, nem o papel social do/a

professor/a nesse processo formativo. Todavia, podemos inferir que se trata de um perfil

questionador, que problematiza ações e percepções acomodadas à nossa sociedade, com

preocupação no bem comum.

No cerne das discussões sobre o conceito de ciência nas aulas da disciplina de ensino

de Genética, consideramos necessário suscitar um debate sobre a crise do conceito de gene, a

partir do qual problematizamos as questões referentes ao determinismo genético. Perguntamos

aos/às participantes se eles/as levariam essa discussão para o ensino médio em suas futuras

práticas docentes, sendo que a maioria (8; 66,7%) afirmou que sim, tanto para que os/as

estudantes entendam o conhecimento como processual e dinâmico (8; 66,7%), quanto para

construir uma perspectiva crítica frente aos conhecimentos que são disseminados na internet e

na mídia (2; 16,7%). Vejamos alguns excertos da representação desses discursos:

[...] com aluno do ensino médio, né? Que é quando eles vão ver. Terceiro ano, né? Pra

que eles vejam que a ciência não é uma coisa fixa. Que ela tá sempre mudando [...] E pra

que eles não engessem a ideia de que porque hoje é desse jeito, vai ser sempre daquela

forma [...] então, por conta disso, eu acho muito importante abordar o tema. (Luc, E1)

Acho que eu só discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de

genética [...] porque eu acho que tá surgindo muitas coisas lá na internet, falando muito

sobre esse tema, e como eles têm muito acesso, eles vão olhar e interpretar e olhar que

aquilo tá certo, aquilo tá errado, mas, que pelo menos se eles acham que tá certo ou

errado, que eles discutam comigo antes de qualquer coisa... tirar qualquer conclusão.

(Nami, E6)

Por outro lado, quatro participantes afirmaram que talvez discutiriam a crise do

conceito de gene na prática docente deles/as, com a justificativa de que é um assunto

complicado (2; 16,7%) e/ou que depende do contexto de trabalho (1; 8,3%).

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Então, eu acho que... é interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada

estudante, sobre o que ele tem a respeito, e também é desafiador, porque não tem algo

assim, normalmente... a gente tende pra o que é certo e o que é errado, não ter uma coisa

definitiva faz a gente ficar: e aí? É o que? O que foi? É uma confusão! Então, eu acho que

também é essa ideia de desconstruir como a senhora também propôs na aula, o que é certo

e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é certo e o que é errado pra

um pode não ser o certo e o errado pra senhora. Eu acho que é isso. [...] (Carol, E3)

Não sei. (Risos). Depende do tempo. (Risos). Não sei se quando eu terminar aqui a....

quando terminar a UFS, como vou trabalhar... como... se eu vou ter tempo de abordar

todas as coisas... porque as vezes o professor não tem tempo de dar todos os assuntos ou

tem que seguir regras da escola [...] (Arizona, E4)

Utilizando o recurso da intertextualidade, em referência à fala da professora em uma

aula da disciplina, Carol (E3) argumenta que a discussão do conceito de gene contribui para

uma visão crítica de que um conceito pode ser considerado adequado ou não a depender do

contexto “Então, eu acho que também é essa ideia de desconstruir como a senhora também

propôs na aula, o que é certo e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é

certo e o que é errado pra um pode não ser o certo e o errado pra senhora. [...]”. Pitombo,

Almeida e El-Hani (2007) destacam que as discussões vigentes sobre o conceito de gene, bem

como o entendimento de sua função, têm implicações significativas para o ensino de Biologia,

tanto no ensino médio quanto no superior.

Nesse sentido, discutir os diferentes modelos construídos para explicar a estrutura e

dinâmica do gene pode cumprir com o papel fundamental de desenvolver uma compreensão

mais sofisticada da natureza do conhecimento (GOLDBACH; EL-HANI, 2008). Nami (E6),

tendo afirmado que levaria a discussão da crise do conceito de gene para o ensino médio em

suas futuras práticas docentes, assume um baixo nível de compromisso “Acho que eu só

discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de genética [...]”. Mais uma

vez, o uso do verbo modal “discutiria” leva a prática para o campo hipotético, diminuindo o

compromisso com a assertiva. A licencianda argumenta “[...] que tá surgindo muitas coisas

lá na internet [...] que eles discutam comigo antes de qualquer coisa, tirar qualquer

conclusão” (Nami, E6). É interessante perceber a preocupação de Nami quanto aos discursos

da mídia, que são influentes em posicionamentos sociais.

De fato, ideias sobre genes extrapolam o discurso científico, ganhando relevância

também em outros contextos, como a mídia e a opinião pública (PITOMBO; ALMEIDA; EL-

HANI, 2007). Os/as autores/as acrescentam ainda que é comum, no âmbito social, discursos

simplistas e deterministas da natureza dos genes e das relações genótipo-fenótipo, que

geralmente apresentam visões passivas e pouco críticas.

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Assim, Goldbach e El-Hani (2008) ressaltam a necessidade de que estudantes

compreendam melhor a natureza do gene e da informação genética, a fim de subsidiar uma

apropriação crítica do discurso determinista genético que tem marcado as representações

sociais sobre genes. A problematização da crise do conceito de gene no curso de formação de

professores/as deve contribuir para a superação de um discurso determinista genético que tem

importantes implicações sócio-políticas.

Outras manifestações discursivas que indicam ausência de compromisso quanto a

discutir, com estudantes do ensino médio, a crise do conceito de gene são expressas por Luc

(E1), Carol (E3) e Arizona (E4). Os dois primeiros dizem ser “[...] muito importante abordar

o tema” (E1) e “[...] interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada estudante,

sobre o que ele tem a respeito, e também é desafiador [...]” (E3); enquanto Arizona (E4)

afirma que não sabe “[...] como vou trabalhar... [...]”. Mais uma vez percebemos uma

identificação positiva quanto à abordagem desenvolvida na disciplina, mas que não reflete no

compromisso com práticas da mesma natureza. Ressaltamos aqui a complexidade do tema em

questão e o fato de que a disciplina não foi suficiente para promover um entendimento robusto

da crise do conceito de gene, sendo necessário, pois, que os/as futuros/as professores/as

tenham outras oportunidades para discutir o tema e busquem, por iniciativa própria, se

atualizar e construir esse debate.

O ensino de Genética por meio do PE e do MC poderia abordar o conceito de gene

associado ao estudo do desenvolvimento dos organismos. Por meio da dialogicidade da

discussão de gene e desenvolvimento, conteúdos importantes para combater o racismo –

como, por exemplo, o que é a inteligência – teriam maior sustentação teórica. Enfim,

compreender a importância de questionar o determinismo genético, bem como discutir as

controvérsias do processo de construção do conhecimento, apresentando-o como dinâmico e

influenciado por questões políticas, culturais e/ou de gênero, refletem os sentidos do diálogo

entre o PE e o MC. Mas, para além dessa compreensão, é importante que os/as professores/as

de Biologia em formação inicial pensem em como colocar em prática essa abordagem.

Nesse sentido, tivemos a mobilização de seis macroproposições no discurso: não me

sinto preparado/a para responder (2; 16,7%); problematizando os conceitos possíveis (2;

16,7%); através da história da ciência (2; 16,7%); atividade prática como na disciplina (1;

8,3%); seguindo as orientações do livro didático (1; 8,3%) e problematizando notícias

publicadas na mídia (1; 8,3%). Em todos os casos, os/as licenciandos/as expressam

insegurança quanto a essa abordagem e, consequentemente, um baixo nível de compromisso

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com práticas dessa natureza, como “Aí ia falar sobre genes, alelos, então, quando chegasse

nesse assunto eu já discutiria, mas, a gente sabe que até uns anos atrás, gene era apenas isso

aqui” (Agnes, E5) e “Não sei… buscar justamente essas reportagens e entrevistas que tavam

saindo, essas manchetes de jornais, que tavam saindo com essas informações que a gente

sabe que é errada [...] (Nami, E6).

Ainda imersos nas discussões sobre gene e determinismo genético, versamos mais

especificamente sobre a histórica de Rosalind Franklin (1920-1958), física especialista em

cristalografia de raios X que desenvolveu trabalhos empíricos fundamentais para a construção

do modelo de dupla hélice do DNA, por James Dewey Watson (1928) e Francis Crick (1916-

2004), os quais receberam todos os créditos (SILVA, 2010). Tendo em vista essa abordagem

na disciplina, perguntamos se os/as participantes pretendiam apresentar a história de Rosalind

Franklin em práticas pedagógicas futuras, 10 deles/as (83,3%) responderam afirmativamente,

enquanto Carol disse que talvez e Maria disse que não, justificando que “[...] foi um fato

assim, é tão... tão esquecido esse, né? Essa questão é tão esquecida, que não... não me veria

não... abordando essa questão da... [...]” (Maria, E9).

Argumentamos que se faz urgente oportunizar aos/às licenciandos/as debates sobre a

produção de conhecimentos desenvolvidos por mulheres, ao longo da história, bem como

reflexões frente às desigualdades e discriminações de gênero, que reforçam e legitimam uma

ciência masculina. A invisibilidade da história de Rosalind Franklin é um forte motivo para

discutirmos sua contribuição, ao invés de representar um impeditivo. Todavia, com a ausência

das discussões sobre a produção de ciência por mulheres na construção da nossa sociedade,

que reflete no processo de formação e em materiais didáticos, a justificativa de Maria é ao

mesmo tempo compreensível e preocupante.

Os/as demais licenciandos/as, que responderam afirmativamente, desenvolveram a

ideia de como poderiam discutir a história de Rosalind Franklin no ensino de Biologia. O

gráfico abaixo representa as macroproposições das representações desses discursos (Figura 2).

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Figura 2. Estratégias de como discutir a história de Rosalind Franklin, no ensino de Biologia,

mobilizadas pelos/as participantes.

Abordar a história de Rosalind Franklin como exemplo de mulher na ciência foi a

estratégia mais ocorrente entre os/as professores/as de Biologia em formação inicial (8;

66,7%), entre outras apresentadas no gráfico acima. Vejamos fragmentos dos discursos que

significaram essas macroproposições:

[...] pra quebrar mais um tabu, né? Abordaria... de que só homem faz ciência, de...

estimular, né? [...] E que é.... é... possível que a mulher se destaque no mundo da ciência,

né? Muito embora por conta da nossa cultura seja difícil, mas, que é possível, sim. [...]

Bom, abordaria as dificuldades, né? Encontradas, é.... abordaria... o principal seria isso,

né? A persistência, que foi... as desilusões, né? Que ela... que ela enfrentou por conta da...

é... da situação incomum dela, na época, né? Uma mulher cientista... e.... é.... o principal

de tudo... os resultados, né? que ela obteve apesar de tudo. (Luc, E1)

Sim, sim! Claro! Quero falar sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são

importantes, e eu quero falar o que eu aprendi aqui, e.. Ela... ela tem uma parte importante

pra... pra... pra dupla hélice de DNA, eu acho importante falar sim, a parte que ela teve,

né? [...] como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente, só que ele

num.... ele tinha as apostilas dele... ele dava as apostilas dele e dava o livro pra gente

consultar... e, tipo... claro que eu antes de dar aula eu vou analisar o livro e ver se tá

coerente com o que eu quero passar para os alunos. (Arizona, E4)

Com certeza! Porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma

interpretação que a gente poderia não ter tido se a gente não tivesse a contribuição dela.

Porque quer dizer, eles só construíram o modelo de dupla hélice, a partir de alguma coisa

que ela havia feito antes, quer dizer, já pegaram o barco andando. E a contribuição dela?

Onde fica? Porque a gente pode discutir, sim, como foi que eles chegaram a descobrir, aí

vai dizer... não, teve uma contribuição de uma pessoa chamada Rosalind Franklin, então,

aí sim a gente pode discutir sobre a contribuição dela, que foi grande para a descoberta!

(Everton, E8)

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[...] assim, no.... é.... seria de forma conceitual, eu acho que tem que ser padronizado,

antes de qualquer assunto tem que ter uma história. Então, eu acho que antes de iniciar os

conceitos básicos, deveria falar quem inventou o DNA, quem descobriu, no caso, né?

Quais foram as problemáticas pra chegar àquilo? [...] já seria uma forma de levantar essa

questão pros alunos. Por que ela foi apagada? Por que é mulher? Então, já é uma coisa pra

se discutir, né? (Renata, E12)

Com alto nível de compromisso, Everton (E8) declara abordar em futuras práticas

docentes a história de Rosalind Franklin no contexto do ensino de Biologia, sugerindo que

“[...] a gente pode discutir, sim, como foi que eles chegaram a descobrir, aí vai dizer... não,

teve uma contribuição de uma pessoa chamada Rosalind Franklin [...]”. Destacamos que,

embora a preocupação do licenciando seja válida, existe ainda na representação do discurso

proferido por ele uma ideia de que Rosalind Franklin contribuiu para uma descoberta que não

foi dela, mas de Watson e Crick, quando na verdade segundo historiadores/as de Franklin,

como Anne Sayre (1975) e Brenda Maddox (2002), os dados empíricos fundamentais para a

construção do modelo da dupla hélice do DNA foram obtidos por Franklin. Assim, ela deveria

auferir um reconhecimento maior do que lhe é dispensado. Silva (2010, p. 82) apresenta que

[...] em Maddox e Sayre, há uma segunda Franklin: a cientista que quase

alcançou a dupla hélice. Ela poderia ter chegado lá, se Watson e Crick não

tivessem tido acesso aos seus dados. Ela poderia ter proposto a dupla hélice,

se o meio científico do King’s College não fosse tão hostil à sua presença. Se

ela tivesse recebido a ajuda que Watson e Crick obtiveram, talvez ela tivesse

proposto a estrutura que consagrou estes últimos.

O preconceito e a discriminação das mulheres nas ciências são inegáveis. Somado a

essas questões de gênero, consideramos a diferença das opções metodológicas e axiológicas

de Franklin e Watson e Crick nas nossas discussões. Assumindo que a história de Rosalind

Franklin não aparece nos livros didáticos, Arizona (E4) afirma “Sim, sim! Claro! Quero falar

sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são importantes, e eu quero falar o

que eu aprendi aqui [...] como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente,

só que ele num.... ele tinha as apostilas dele... [...]”. Arizona assume alto nível de

compromisso, inicialmente, que logo é amenizado com a proposição “Quero falar”.

Pressupomos que a licencianda conheceu a história de Franklin na disciplina, ao afirmar “eu

quero falar o que eu aprendi aqui” e que apreende a inexistência dessa discussão nos livros

didáticos, ao afirmar que pretende agir como um professor que ela teve, que além do livro, se

apoiava em apostilas de autoria própria. Podemos afirmar que a maioria dos livros didáticos

atuais trazem referência ao trabalho de Watson e Crick, bem como a Rosalind e Wilkins.

Todavia, a maneira como Rosalind é apresentada nesses livros não permite que a relevância

dos seus estudos para a proposição da estrutura da molécula de DNA seja devidamente

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considerada. A imagem do/a professor/a como modelo também é interessante de ser percebida

no discurso de Arizona.

Com baixo nível de compromisso, Luc (E1) utiliza o verbo modal “abordaria” para

indicar uma possibilidade na sua futura atuação docente “[...] Bom, abordaria as

dificuldades, né? Encontradas, é.... [...] uma mulher cientista... e.... é.... o principal de tudo...

os resultados, né? que ela obteve apesar de tudo”. Destacamos, na representação discursiva

de Luc, a preocupação em problematizar as questões de gênero que extrapolam o caso de

Rosalind Franklin, que é apresentada como exemplo de superação. Também com a intenção

de apresentar a história de Franklin como um caso de discriminação de gênero, Renata (E12)

afirma, sem compromisso com a prática, que “[...] eu acho que antes de iniciar os conceitos

básicos, deveria falar quem inventou o DNA, quem descobriu, no caso, né? [...] por que ela

foi apagada? Por que é mulher? Então, já é uma coisa pra se discutir, né?”. Ao se colocar

numa situação hipotética, “deveria falar”, sem utilizar uma expressão de possibilidade em

nível pessoal, Renata se exime do compromisso de promover essa discussão em práticas

futuras.

A história de Rosalind Franklin foi introduzida na disciplina por representar um caso

significativo para os estudos em Genética, além de possibilitar o debate de questões políticas,

culturais e de gênero no contexto desse ensino, tal como preconizamos na perspectiva do PE e

do MC, a fim de apresentar como o que se denomina ciência é historicamente masculino e

problematizar o reflexo dessa cultura na sociedade. Ao ter em conta que as nossas referências

de ciência ocidental moderna são, em sua maior parte, desenvolvidas por homens, buscamos a

desnaturalização dessa realidade e problematizamos a luta pela igualdade de gênero. Além

disso, as estudantes passam a se ver representadas e podem se inspirar a percorrer diferentes

possibilidades de atuação na vida pessoal e profissional. Nesse ínterim, perguntamos aos/às

participantes se eles/as conheciam outras histórias que permitiriam vincular também questões

políticas, culturais e de gênero, além da história de Rosalind Franklin. Três participantes

disseram que não (Luc, E1; Everton, E8 e Jhoserd, E8) e nove disseram que sim.

Dos/as participantes que afirmaram conhecer outros exemplos de mulheres na ciência,

cinco (41,7%) citaram explicitamente o nome de Marie Curie (Ariel, E2; Arizona, E4; Agnes,

E5; Eduardo, E7 e Carol, E3), sendo que Carol, além desta, citou as autoras Ana Ivenick e

Vera Maria Candau também como exemplos de mulheres cientistas. Maria (E9) citou a

cientista Tomoko Ohta, sobre a qual ela estava realizando um trabalho, no período da

disciplina, como atividade obrigatória da disciplina de Evolução; Anna (E10) não especificou

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nome, se referindo à cientista “do plutônio”, a qual entendemos ser Marie Curie; Renata

(E12), se referiu às cientistas “da NASA”, sendo que interpretamos que elas se referiam às

três cientistas (Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson) cujas histórias são

contadas no filme “Estrelas Além do Tempo”; e Nami (E6) citou as realizações de mulheres

cientistas, também sem nomear: “a primeira astronauta negra; a mulher que catalogou mais

de 50 mil estrelas; a que descobriu a fissão nuclear; a que construiu o primeiro computador;

a da transposição genética; a que descobriu a cura pra catarata com laser”. Na ordem,

podemos dizer que se referem a Mae Jemison; Cecilia Payne; Lise Meitner; Ada Lovelace;

Barbara McClintock; e a última, não identificamos.

O resultado do conhecimento dos/as licenciandos/as foi válido, mas poderá ser mais

significativo se, no processo de formação, promovermos maior visibilidade do trabalho

feminino nas ciências, inclusive para incentivar a participação de mulheres cientistas. Não se

trata de uma tarefa fácil, pois estamos falando da desconstrução de preconceitos milenares

(CHASSOT, 2003). Embora tenham ocorrido avanços, ainda há barreiras a vencer. Carvalho,

Coeli e Lima (2018, p. 1) destacam que

No Brasil, cerca de metade das publicações do quadriênio 2011-2015 foram

de autoria de mulheres, um aumento expressivo comparado aos 38% do

período 1996-2000. Entretanto, entre os pesquisadores que recebem bolsas

de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) cujo objetivo é valorizar a produção científica, as

mulheres estão mais presentes nos níveis mais baixos (VALENTOVA et al.,

2017). Em parte essa diferença pode ser explicada como resultante de um

efeito coorte36, mas também pode ser a reprodução de um padrão observado

nas organizações em geral (CARVALHO; COELI; LIMA, 2018, p. 1).

No ensino, a expectativa da promoção da igualdade de gênero pode ser incentivada por

meio dos discursos. Afinal, a depender das mediações discursivas que cada um vivenciará, o

sujeito é capaz de produzir sentidos diferentes dos significados hegemônicos construídos

social e historicamente (SCHUCMAN, 2014). Assim, os espaços de debate no processo de

formação de professores/as devem contribuir para a constituição da consciência individual

que questiona as relações de poder sustentadas na desigualdade e discriminação de gênero.

36 O termo efeito de coorte é utilizado para descrever variações nas características em dados de um

estudo - sobre o tempo, entre indivíduos que possuem em comum certas experiências de vida.

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6.3.3 O diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes

Neste bloco de análise, discutimos a importância da educação considerar a diversidade

de culturas, apresentando diferentes posições e manifestaçoes de crenças e conhecimentos.

Segundo Hodson (1993), discutir nas salas de aula os conhecimentos construídos por culturas

diferentes da hegemônica contribui para que os/as estudantes possam compreender o

desenvolvimento histórico de importantes princípios e teorias denominadas científicas;

reconhecer que houve/há contribuições de ciências produzidas por não-europeus; e, apreciar

que as explicações passadas, da ciência ocidental moderna, podem já não ser aceitas. A fim de

entender se os/as participantes compreendem ou não a importância de considerar diferentes

discursos sobre o mundo, valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas,

apresentamos a seguinte situação hipotética:

Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica,

insiste em afirmar, no seu contexto cotidiano, que “as características estão no

sangue” é importante para você que este aluno anule essa crença e passe a

propagar apenas o conhecimento científico em todos os contextos? Por quê?

E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento, como práticas

racistas ou sexistas, por exemplo, devemos questionar e buscar superar essas

práticas?

Na primeira pergunta, se, para os/as participantes, é importante que os/as estudantes

mobilizem apenas o conhecimento denominado científico, em todos os contextos, a maioria

(9; 75%) respondeu que não, justificando que diferentes conhecimentos podem ser

mobilizados em diferentes contextos (Luc, E1; Ariel, E2, Carol, E3; Arizona, E4; Renata,

E12) ou que a crença é algo muito pessoal e deve ser preservada independente dos

conhecimentos acadêmicos (Agnes, E5; Everton, E8; Maria, E9; Anna, E10). Exemplos de

fragmentos, dos quais extraímos essas macroproposições, podem ser observados nas

entrevistas que mobilizaram essas justificativas pela primeira vez, vejamos:

Ele vai conversar, por exemplo, com.... com um avô que não tem estudo, mas, que muitas

vezes ele quer comentar alguma coisa, né? Falar alguma coisa sobre herança, né? E que

ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de genética praquela pessoa, mas de

repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do sangue! é do sangue...

eu acho que não tem problema ele ter essa noção desde que ele entenda como é que

acontece as coisas (Luc, E1).

Professora, é.... com relação a isso, eu vou tentar fazer com que ele entenda que o

processo é genético. [...] porque eu passei a teoria mais aceita, assim, o que é a minha

obrigação fazer, de fato, ele aprender que é o que a ciência fala sobre o assunto, agora,

fazer com que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele, porque

isso já é uma crença pessoal, não... não é interessante pra mim (Agnes, E5).

Nas perspectivas do PE e do MC, argumentamos que para entender conteúdos

acadêmicos não é necessário acreditar nas suas explicações, desse modo, conhecimentos e

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crenças podem ser equilibrados nos modelos mentais dos/as estudantes. A favor dessa

abordagem, Luc (E1) argumenta “[...] eu acho que não tem problema ele ter essa noção

desde que ele entenda como é que acontece as coisas”, a justificativa para esse argumento é

facilitar a comunicação com outras pessoas, que não tenham acesso à ciência ocidental

moderna “[...] ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de genética praquela pessoa,

mas de repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do sangue! é do

sangue... [...]” (Luc, E1). Valorizar os conhecimentos dos/as estudantes exige considerar e

legitimar as diferentes formas de explicar os fenômenos naturais. Entendemos que Luc pode

se identificar com essa preocupação, todavia, ao afirmar “desde que ele entenda como é que

acontece as coisas”, pressupomos que ele se restringe à explicação acadêmica como única

forma adequada de entender a transmissão de características. Os indícios de contradição que

percebemos na fala de Luc podem ser justificados em razão da pressão discursiva que a

ciência ocidental moderna exerce sobre o conjunto da sociedade (RESENDE; ACOSTA,

2018).

Nessa mesma direção, com baixo nível de compromisso, Agnes (E5) declara “[...] eu

vou tentar fazer com que ele entenda que o processo é genético [...]” mas, “[...] fazer com

que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele [...]”. Embora Agnes

não demonstre a pretensão de anular as crenças dos/as estudantes para fazê-los/as propagar

apenas o conhecimento científico ocidental em todos os contextos, percebemos a ideia de

superioridade deste na proposição “que ele entenda que o processo é genético”, na qual

assume como única verdade a explicação da ciência ocidental moderna. O questionamento da

superioridade deste conhecimento é necessário para promover a valorização de outras

explicações, que são igualmente válidas.

Os/as participantes que afirmaram ser importante que os/as estudantes mobilizem

apenas o conhecimento científico ocidental, sempre (Eduardo, E7 e Jhoserd, E11) e às vezes

(Nami, E6), justificaram que seria o ideal. Como exemplo de fragmento da entrevista,

destacamos a fala de Nami (E6):

Não sei, eu acho que depende muito do jeito... depende muito do aluno, depende muito do

momento, de como lidar com isso, não sei o que eu faria na hora, mas eu acho que eu

explicaria pra ele que não, não tá no sangue, explicar pra ele o que de fato é [...] Mas,

tentaria sim, desconstruir um pouquinho, pra ele não sair por aí falando desse jeito [...] o

que tá em casa vai a praça, não é? Então, ele pode sair falando isso, pode ser que os

colegas dele não saibam e continuem passando essa informação, que é.... não tá

totalmente errado, mas, não é.... dentro do contexto escolar não cabe. Então, ele ficar

repetindo essas coisas assim, eu acho que vai acabar convencendo aos outros colegas e

continuar com essa ideia errada (Nami, E6).

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Com baixo nível de compromisso, Nami (E6) afirma “[...] não sei o que eu faria na

hora, mas eu acho que eu explicaria pra ele que não, não tá no sangue, explicar pra ele o que

de fato é [...]”, utilizando a modalidade doxástica “eu acho”. A licencianda se coloca numa

situação hipotética “explicaria” para expressar sua opinião de que o que ela entende por

“correto” é a explicação da ciência ocidental moderna sobre herança e hereditariedade. E, por

isso, tem como objetivo no ensino de Biologia “[...] desconstruir um pouquinho, pra ele não

sair por aí falando desse jeito [...] e continuar com essa ideia errada” (Nami, E6).

Considerar os saberes culturais dos/as estudantes como uma “ideia errada” vai de encontro

com os sentidos do PE e do MC, nos quais cada conhecimento tem seu alcance e validade.

Sabemos que uma disciplina pode não ser suficiente para promover uma reflexão crítica frente

à superioridade da ciência ocidental moderna, mas esses momentos de discussão são

importantes para suscitar reflexões frente aos objetivos do ensino de Biologia, bem como do

papel social do/a professor/a.

No que se refere a crenças ou práticas culturais que geram sofrimento, como práticas

racistas ou sexistas, por exemplo, a maioria (9; 75%) manifestou o dever de questionar e

buscar superar essas práticas, enquanto os demais (3; 25%) falaram da função do/a professor/a

como agente sensibilizador/a. Na justificativa a esse enunciado, identificamos a mobilização

de três macroproposições distintas, que dizem respeito a um trabalho pedagógico direcionado

a questionar crenças ou práticas culturais que geram sofrimento para: evitar o sofrimento

(Ariel, E2; Arizona, E4; Agnes, E5; Nami, E6; Eduardo, E7; Maria, E9 e Jhoserd, E11);

formar pessoas melhores (Luc, E1 e Anna, E10) e, sensibilizar os/as estudantes (Carol, E3;

Everton, E8 e Renata, E12). Vejamos fragmentos que exemplificam essas expressões

discursivas:

Não, aí nesse caso, não. Aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né?

Ou sexista, aí eu precisaria desconstruir, né? Por que é um pensamento que pra mim não

cabe mais, né? na sociedade. Mas, cabe porque existe, né? Mas pra que a pessoa evolua

como pessoa, né? é.. Eu acho que esse pensamento ele deve ser desconstruído, né? Eu não

enxergo esse pensamento como saudável, né? [...] (Luc, E1)

Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque ele taria fazendo outra

pessoa sofrer [...] (Ariel, E2)

Aí já é outro contexto. Porque... Assim, a gente pretende sensibilizar, porque pra

modificar, eu acho bem... assim, não é impossível, mas, eu acredito que sensibilizar,

assim como a gente sensibiliza em outras coisas, a desconstruir o racismo, e tal... eu acho

que é importante sensibilizar ele a desconstruir essa ideia [...] eu acredito que não precisa

necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode sim desconstruir, através de

conversas, de debates, ele pode ser.... (Carol, E3)

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Os/as licenciandos/as apresentam concordância com os sentidos do PE e do MC ao se

preocuparem com o questionamento e a superação de práticas racistas ou sexistas, por

exemplo, no âmbito escolar. Utilizando a modalidade doxástica como recurso discursivo,

eles/as se identificam com as perspectivas teóricas ao afirmarem “[...] eu acho que esse

pensamento ele deve ser desconstruído, né? [...]” (Luc, E1); “[...] eu acredito que

sensibilizar, assim como a gente sensibiliza em outras coisas, a desconstruir o racismo, e

tal... [...]” (Carol, E3) e “Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque

ele taria fazendo outra pessoa sofrer [...]” (Ariel, E2). Mais uma vez percebemos que a

identificação com determinado discurso não implica necessariamente a preocupação em levar

o debate para futuras práticas docentes, por exemplo, Carol (E3) fala da importância de

promover debates para desconstruir crenças e práticas culturais que gerem sofrimento, mas

não assume o compromisso de pôr em prática sua sugestão “[...] eu acredito que não precisa

necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode sim desconstruir, através de

conversas, de debates, ele pode ser....”. O fato de Carol não sugerir, na sua representação

discursiva, uma atuação prática nessa direção, aponta a ausência de compromisso com a

integração dessa característica do PE e do MC em futuras práticas docentes.

Por outro lado, Luc (E1) apresenta algum compromisso, ainda que baixo, na

desconstrução de práticas racistas ou sexistas, por exemplo, na sua atuação docente futura

“[...] aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né? Ou sexista, aí eu

precisaria desconstruir, né? [...]”. Mesmo utilizando um verbo modal “precisaria”, ele

assume como papel social do/a professor/a a responsabilidade com a formação para a

cidadania, que inclui a educação para as relações étnico-raciais e para a igualdade de gênero.

A fim de entender se os/as participantes compreendem ou não o fato de que cada

conhecimento tem seu alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado,

perguntamos se eles/as consideram todas as formas de conhecimento válidas, e todos

responderam que sim. Ainda na direção dessa pergunta, quando questionamos se eles/as

consideram importante que conhecimentos de grupos culturais minoritários sejam acionados

na sala de aula, a maioria (8; 66,7%) respondeu que sim; dois (16,7%) responderam que é

complicado; um (8,3%) disse que apenas alguns conhecimentos e outro (8,3%) não

respondeu. Como maior dificuldade de mobilizar, na prática, conhecimentos de grupos

culturais minoritários, destacamos o pouco acesso a tais informações, dado o processo de

epistemicídio, ou seja, a destruição de formas de conhecimento e culturas pela ciência

ocidental moderna. Para superar esse desafio, apresentamos como proposta a promoção do

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diálogo com os/as estudantes e a orientação à pesquisa, reconhecimento e valorização de

todas as matrizes culturais, tal como orientam as perspectivas do PE e do MC.

Argumentamos que a utilização de exemplos e conhecimentos de grupos étnicos e

culturais, no contexto do ensino de Biologia, contribui também para problematizar a

superioridade epistêmica da cultura ocidental moderna. Mesmo reconhecendo a dificuldade de

acesso a esses saberes, perguntamos aos/às participantes como eles/as poderiam exemplificar

a mobilização de conhecimentos de grupos culturais minoritários na sala de aula e

organizamos essas respostas no gráfico abaixo (Figura 3):

Figura 3. Respostas dos/as participantes quanto à possibilidade de abordar conhecimentos de grupos

culturais minoritários na sala de aula.

Os fragmentos dos textos que nos guiaram para a organização dessas

macroproposições são apresentados abaixo:

Um dos exemplos que eu usaria seria justamente esse, né? [...] aquele conhecimento...

tradicional, né? E eu poderia apontar isso pra eles... olhe, o que sua avó faz em casa,

quando você vai curar uma ferida, quando você vai dá um chá... esse conhecimento ele

veio, de muito tempo atrás e foi testado, e foi repassado, né? Porque deu certo, e continua

sendo aplicado hoje. Então, com certeza eu levaria. [...] às vezes a ciência da uma sacada

assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí estuda uma coisa, uma planta que um índio ou

alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo mesmo! E se apropria da coisa! (Luc, E1)

Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada na cabeça, professora. (Ariel, E2)

[...] grupo dos quilombolas, que a partir do que esses quilombolas faziam nessa reserva,

vamos supor, eles tocavam fogo, em uma área, pra que quando o fogo... quando

acontecesse queimada, essa, é.... não tivesse o que queimar! O fogo já não tinha mais o

que queimar. E isso os biólogos, a partir disso, aproveitaram e utilizaram, então, foi uma

coisa, um conhecimento que ninguém tinha, e foi utilizado, justamente pra salvar espécies

de plantas e animais. Então, eu acredito que sim, deve ser usado! (Carol, E3)

Eu poderia citar a história, assim, ao falar sobre... antigamente, as pessoas achavam que,

por exemplo na genética, as características eram transmitidas apenas do pai, o esperma...

como naquelas crenças antigas, de que o esperma já vinha com o corpo formado, e tal...

[...] De que outras formas eu explicaria isso, é.... que dentro da sala, eu acho que o

assunto sempre dá margem pra você conversar outra coisa, então, porque que eu acho

válido? Porque um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os índios são

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politeístas, os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... [...] é, mais como

curiosidade, não como o conhecimento mais importante pra ser passado... (Agnes, E5)

É tanto que... pronto! Quando eu vou começar sempre uma... um assunto novo! Falar

sobre plantas, eu coloco, pergunto pra eles... [...] eles ficam dizendo que planta tem leite.

O que é o leite? Então, eu boto lá: planta tem leite! E vou tentando buscar essas coisas

que eles ficam falando todos os dias errado. E vou colocando lá e depois desmistifico

aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta não tem leite, por exemplo, e aí vou

explicando com base científica. Mas, eu gosto de saber o que é que eles tão pensando, que

é que eles já sabem sobre o assunto porque dá pra gente medir o que a gente vai falar

depois [...] (Nami, E6)

A análise do nível de compromisso na integração dos sentidos do PE e do MC em

futuras práticas docentes aponta uma locução adverbial de afirmação “com certeza”, o que

evidencia um alto nível de compromisso do autor com suas proposições “Então, com certeza

eu levaria. [...] às vezes a ciência da uma sacada assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí

estuda uma coisa, uma planta que um índio ou alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo

mesmo! E se apropria da coisa!” (Luc, E1). Destacamos ainda, na fala de Luc, uma

percepção crítica frente à apropriação de conhecimentos de culturas minoritárias pela cultura

hegemônica, demonstrando ideologicamente uma perspectiva favorável aos sentidos do PE e

do MC, na qual critica o fato de que grande parte do conhecimento científico ocidental foi

construído pela apropriação de saberes que precisam reivindicar seu lugar nos espaços de

poder.

Na fala de Nami (E6) há o indicativo de um valor cientificista, referente à valorização

única da ciência ocidental moderna como explicação “correta”. A licencianda apresenta um

exemplo de abordagem didática como estratégia para concretizar sua representação discursiva

“[...]eu coloco, pergunto pra eles... [...] eles ficam dizendo que planta tem leite. [...] e vou

colocando lá e depois desmistifico aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta não tem

leite, por exemplo, e aí vou explicando com base científica [...]”. Entendemos, pelas

perspectivas do PE e do MC, que não seria errado o/a estudante afirmar que “planta tem

leite”, considerando que este é um conhecimento importante e útil para ele/a em determinado

grupo social. Assim, caberia ao/à professor/a de Biologia articular os saberes dos/as

estudantes com outros saberes, considerando como diferentes explicações adequadas dos

fenômenos naturais.

Também numa perspectiva cientificista, Agnes (E5) afirma “Eu poderia citar a

história [...] um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os índios são politeístas,

os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... [...] é, mais como curiosidade, não

como o conhecimento mais importante pra ser passado...”. Ao se colocar numa situação

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hipotética, “Eu poderia”, Agnes assume um baixo nível de compromisso com a discussão dos

conhecimentos dos/as estudantes e com a consideração de suas culturas no contexto das aulas

de Biologia, e, ao afirmar que o objetivo dessa prática é estimular a curiosidade dos/as

estudantes “não como o conhecimento mais importante pra ser passado...”, percebemos uma

hierarquização entre os conhecimentos, na qual a ciência ocidental moderna aparece como

superior. Essa ideia de superioridade da ciência ocidental implica no cientificismo que

tentamos desconstruir nas discussões da disciplina. Todavia, sabemos que modelos mentais

representativos para os/as licenciandos não serão alterados com discursos pontuais, embora as

oportunidades de debate possam representar o início de uma mudança que é processual.

Como exemplo de abordagem de conhecimentos de grupos culturais minoritários na

sala de aula, Carol (E3) cita a técnica dos quilombolas contra queimadas “[...] e isso [técnica

dos quilombolas contra queimadas] os biólogos, a partir disso, aproveitaram e utilizaram,

então, foi uma coisa, um conhecimento que ninguém tinha [...] então, eu acredito que sim,

deve ser usado!”. Ela afirma que “deve ser usado”, ou seja, o/a professor/a deve abordar

diferentes saberes para além dos saberes ocidentais, mas nessa representação discursiva ela

não se coloca, necessariamente, como membra do grupo de professores/as que “deve” fazer

determinada prática, refletindo na ausência de compromisso dessa abordagem em práticas

futuras. Da mesma forma, Ariel (E2) fala “Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada

na cabeça, professora”, sem compromisso com práticas dessa natureza, parecendo não

vislumbrar possibilidades de abordagens dialógicas na atuação docente, naquele momento da

entrevista. Podemos pressupor, a partir desses discursos, a carência no processo de formação

desses/as futuros/as professores/as no que se refere às questões culturais. Daí a importância

dos momentos promovidos pela disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências

e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”.

O estímulo do debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes é uma

importante estratégia para promover o diálogo intercultural. Sobre isso, a maioria dos/as

participantes (10; 83,3%) afirmou que pretende, sim, abrir espaço nas aulas de Biologia para

discutir os conhecimentos e considerar as culturas dos/as estudantes, e dois participantes

(Eduardo, E7 e Everton, E8) utilizaram a modalidade “talvez” para expressar baixo

compromisso com essa ação em futuras práticas docentes. Acerca do objetivo de

desenvolvimento de uma prática preocupada com os conhecimentos dos/as estudantes, bem

como suas culturas, os/as participantes mobilizaram cinco diferentes macroproposições,

apresentadas no gráfico abaixo (Figura 4).

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Figura 4. Objetivos dos/as participantes em discutir os conhecimentos e culturas dos/as estudantes.

Ressaltamos a preocupação dos/as professores/as de Biologia em formação inicial

quanto à aprendizagem dos conhecimentos ocidentais, uma perspectiva que é mobilizada em

diferentes momentos nas entrevistas. Sabemos que, enquanto professores/as de Biologia, não

podemos perder de vista o objetivo formativo de ensinar os conteúdos acadêmicos

organizados pela ciência ocidental moderna, mas se queremos contribuir para a formação

cidadã, é preciso abrir espaço para discursos mais plurais, questionadores e críticos.

No que se refere ao diálogo intercultural, percebemos que os/as licenciandos/as se

identificam pouco com as perspectivas do PE e do MC, apresentando baixo compromisso com

discussões nesse sentido em futuras práticas docentes. Isso pode ser explicado pela possível

formação cientificista durante o período escolar e na graduação, pela superioridade dada a

ciência ocidental moderna em diferentes representações discursivas e, também, pela escassa

difusão dos conhecimentos denominados “Outros”, que tem como principal causa a

dificuldade de acesso a esses conhecimentos, que têm sido apagados ao longo da nossa

história. A partir de momentos como os que foram promovidos junto aos/às licenciandos/as na

disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre

racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de Genética”, esperamos contribuir para uma

formação comprometida com o diálogo intercultural em suas futuras práticas docentes.

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6.3.4 A abordagem das implicações e intenções políticas em suas futuras práticas

docentes

A escola precisa considerar as diferenças culturais, sociais e étnicas no processo de

formação dos/as estudantes. De acordo com Moreira e Candau (2003), aceitando a perspectiva

de que toda prática social tem uma dimensão cultural, não há como negar a estreita relação

entre as práticas escolares e a/s cultura/s. “Não se pode conceber uma experiência pedagógica

‘desculturizada’, em que a referência cultural não esteja presente” (MOREIRA; CANDAU,

2003, p. 159). As diferenças são constitutivas, intrínsecas às práticas educativas e atualmente

é cada vez mais urgente problematizá-las na dinâmica de nossas escolas.

Tais diferenças culturais - étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas,

entre outras – se manifestam em todas as suas cores, sons, ritos, saberes,

sabores, crenças e outros modos de expressão. As questões colocadas são

múltiplas, visibilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que

denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando

igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural

(CANDAU, 2011, p. 241).

Considerando a importância do/a professor/a promover debates sobre as relações de

poder entre as culturas, questionando a posição subalternizada de grupos minoritários do

ponto de vista do poder, tal como os/as afrodescendentes, por exemplo, perguntamos aos/às

participantes se depois de terem vivenciado a experiência com a disciplina - na qual

promovemos discussões de questões culturais como racismo e eurocentrismo no contexto do

ensino de Genética - eles/as pensam em discutir, com seus/suas alunos/as da educação básica,

questões sobre racismo e alterização, por exemplo, no ensino de Biologia, e todos disseram

que sim. Apresentamos no gráfico abaixo (figura 5), as justificativas para essa resposta,

organizadas em macroproposições.

Figura 5. Razões pelas quais os/as professores/as de Biologia em formação inicial discutiriam sobre

racismo e alterização no contexto do ensino de Biologia.

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Os fragmentos dos textos, os quais nos guiaram para a organização dessas

macroproposições, são apresentados abaixo:

Sim. Principalmente depois dessa experiência, agora. Porque eu achei... achei muito

gratificante [...] realmente, é.... a gente fez uma coisa que atingiu alguém, né? E eles

saíram dali não só com a ideia, com o mínimo embasamento pra discutir, e com a ideia de

que não... não tinha nada que sustentasse a questão do racismo [...] então, com certeza, é

uma coisa que eu vou... vou querer achar o momento certo pra poder debater com as

turmas, não sei se com atividade parecida ou diferente, mas, pela forma com que isso me

atingiu, né? Positivamente, com certeza eu vou querer levar sim (Luc, E1)

Com certeza (risos). [...] porque... tipo, isso... já é uma coisa que vem acontecendo acho

que o que? Desde sempre, praticamente, e eu acho importante a gente mudar essa

concepção das pessoas justamente pra... no caso, as pessoas brancas pararem... porque a

maioria é o que? As pessoas brancas inferiorizando as pessoas negras [...] (Ariel, E2)

Sim, se tiver oportunidade, sim, claro! Se eu tiver oportunidade, se o assunto abrir brecha,

né? [...] sim, com certeza! [...] sim, sim! [...] eu acho que é.... é muito importante esse

assunto [...] se houver uma situação em sala de aula que tá vendo racismo, eu vou só ficar

dando meu assunto e.... e fingir que num tá tendo nada? [...] (Arizona, E4)

Sim. Com certeza! Porque tem tudo a ver, né? Biologia e racismo. Antes, eu não via

muita relação, hoje eu vejo, então... [...] eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou.

[...] não, isso é pra vida toda. Essa questão do racismo, da ci... racismo na ciência eu acho

que eu vou levar pra vida toda... e é uma coisa que eu vou levar da disciplina. Essa coisa

assim... (Eduardo, E7)

Então, como eu falei, né? Quando aparecer a oportunidade é quando a gente aproveita pra

discutir. [...] assim, eu posso planejar, mas, com esses cuidados. De que não fique essa

questão de compartimentalização de conteúdo. [...] é um risco que a gente vai correr,

porque pode surgir como pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa

sensibilização, aí sim, mesmo... ah... não surgiu! Então, vamos... vamos discutir! [...]

(Everton, E8)

As discussões sobre racismo e alterização no ensino de Biologia seguiram orientações

importantes derivadas dos sentidos do PE e do MC. Luc (E1), Ariel (E2) e Eduardo (E7)

fazem afirmações categóricas, com um alto nível de envolvimento com o texto que enunciam,

utilizando proposições como “[...] com certeza eu vou querer levar sim” (E1); “Com certeza

(risos). [...]” (E2) e “[...] eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou.” (E7). Ao

texturizar a informação dessa maneira, eles/as se comprometem a promover discussões sobre

racismo e alterização em futuras práticas docentes. De acordo com as diretrizes curriculares

nacionais para a educação das relações étnico-raciais, pedagogias de combate ao racismo e a

discriminações fortalecem a construção de uma sociedade mais justa, igual e equânime

(BRASIL, 2004).

Nos argumentos de Luc (E1) e Eduardo (E7), percebemos a importância da

experiência na disciplina para a construção de seus discursos. O primeiro argumenta que

pretende discutir sobre racismo e alterização “Principalmente depois dessa experiência,

agora. Porque eu achei... achei muito gratificante [...]”, e o segundo “Porque tem tudo a ver,

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né? Biologia e racismo. Antes, eu não via muita relação, hoje eu vejo, então... [...] eu acho

que eu vou levar pra vida toda... e é uma coisa que eu vou levar da disciplina [...]”. Silva

(2018) destaca a importância do permanente processo de qualificação e aprimoramento dos

profissionais da educação para combater racismos e discriminações. A autora ressalta que

futuros/as professores/as e professores/as já em exercício precisam assumir a postura de

combate ao racismo, ao eurocentrismo e outras discriminações, de maneira efetiva, por meio

de instrumentos pedagógicos. Da mesma forma, as diretrizes curriculares nacionais para a

educação das relações étnico-raciais discutem que

[...] há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o

ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e

capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes

pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de

posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir

e investir para que os professores, além de sólida formação na área

específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a

compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-

racial, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo, criar estratégias

pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las (BRASIL, 2004, p. 17).

Compreendemos a importância do processo de formação de professores/as para a

concretização de práticas antirracistas no contexto escolar, todavia, reconhecemos que a

participação em uma disciplina que aborda essas discussões não foi suficiente para encorajar

os/as futuros professores/as a se comprometerem, nas suas representações discursivas, com a

educação das relações étnico-raciais. Percebemos um baixo nível de compromisso nos

discursos de Arizona (E4) e Everton (E8), que condicionaram suas perspectivas de abordagem

sobre racismo e alterização à oportunidade do debate no contexto da aula “Sim, se tiver

oportunidade, sim, claro! [...]” (E4) e “Então, como eu falei, né? Quando aparecer a

oportunidade é quando a gente aproveita pra discutir [...]” (E8). Quando questionado sobre

sua resposta, Everton (E8) argumenta que “[...] é um risco que a gente vai correr, porque

pode surgir como pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa sensibilização, aí sim,

mesmo... ah... não surgiu! Então, vamos... vamos discutir! [...]”, assim, destacamos que os

discursos dos/as participantes apresentam identificações com a problematização de questões

sobre racismo e alterização, por exemplo, no contexto do ensino de Biologia, ainda que não se

comprometam em suas afirmações, convergindo, ideologicamente aos sentidos do PE e do

MC.

Quando eles/as foram questionados sobre como perspectivam discutir essas questões

de racismo e alterização no ensino de Biologia, tivemos as seguintes respostas (figura 6):

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Figura 6. Respostas dos/as participantes sobre como perspectivam discutir questões de racismo e

alterização no ensino de Biologia.

Percebemos a importância da atividade prática da disciplina - no que se refere ao

planejamento, realização e análise de uma oficina pedagógica - para a formação dos/as

licenciandos/as. De modo geral, eles/as viveram uma experiência produtiva e gratificante ao

abordar os temas de racismo e eurocentrismo com estudantes do ensino médio, tanto que

demonstraram interesse em reproduzir práticas da atividade. Considerando como repertório

profissional o conjunto de conhecimentos, competências e habilidades necessárias ao trabalho

docente, argumentamos que a disciplina contribuiu na construção dos repertórios profissionais

dos/as licenciandos/as à medida que promoveu discussões e experiências úteis para saber lidar

positivamente com a diversidade étnico-racial.

Dada a importância da articulação do discurso biológico com discursos históricos,

políticos, sociológicos e culturais, a partir da problematização de temas como eugenia,

racismo científico e zoológicos humanos, perguntamos aos/às participantes se eles/as

poderiam citar fatos na história em que o discurso denominado científico influenciou decisões

sociais sobre questões raciais. Como resposta, eugenia foi citado sete vezes (Ariel, E2; Carol,

E3; Agnes, E5; Eduardo, E7; Everton, E8; Anna, E10 e Jhoserd, E11), também foram citados

o nazismo (Luc, E1; Ariel, E2; Agnes, E5; Maria, E9 e Renata, E12), o racismo científico

(Carol, E3 e Arizona, E4), o mito da democracia racial (Eduardo, E7), o holocausto (Anna,

E10), o zoológico humano (Anna, E10) e Nami (E6) disse que não sabia. Quando

questionados se eles/as levariam essa articulação do discurso biológico com outros discursos

para a sala de aula, com exceção de Nami (E6), que não respondeu a essa pergunta, os demais

disseram que sim.

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A perspectiva dos/as licenciandos/as em articular o discurso biológico com outros

discursos indica uma aproximação com os sentidos do PE e do MC, tendo em vista o

potencial de questionar as implicações socioeconômicas e políticas inerentes à produção de

conhecimento, bem como de problematizar a superioridade epistêmica da ciência ocidental

moderna em detrimento de outras ciências. Os exemplos apresentados pelos/as

licenciandos/as foram discutidos nas aulas da disciplina e representam como injustiças sociais

e raciais se sustentaram com bases denominadas científicas.

Sobre como eles/as perspectivam abordar a articulação do discurso biológico com

discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais, três participantes citaram que

poderiam fazer isso através de oficinas (Carol, E3; Agnes, E5; Maria, E9), duas participantes

disseram que poderiam abordar sobre eugenia atrelado a conteúdos de Genética (Eduardo, E7

e Everton, E8); também foi citado que essa articulação entre diferentes discursos poderia ser

desenvolvida discutindo sobre a formação das favelas e as identidades coletivas

marginalizadas, tratando o racismo numa abordagem histórica (Luc, E1); abordando o

conceito biológico e social de raça (Ariel, E2); relacionando o conteúdo de Biologia com as

questões sociais (Jhoserd, E11); relacionando com o conhecimento do aluno (Renata, E12) e

uma pessoa disse que não sabia responder (Arizona, E4). Tanto Nami (E6) quanto Anna (E10)

não comentaram essa pergunta. Vejamos abaixo os textos dos quais extraímos essas

macroproposições:

Então eu... eu colocaria sim! A questão que eu achei bastante interessante, né? Na

disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a questão da formação

das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu fiquei, caramba! Eu

não tinha noção disso aqui, né? E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão

racista, né? E é.... essas coisas se mesclam, né? Elas estão totalmente associadas, né? [...]

não é só ele chegar e falar: Ah não, porque o favelado... não, teve todo um processo

histórico que tá também relacionado a um processo de, de... racismo, né? Interligado. [...]

então, pra que o aluno entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante

também abordar esses fatos, históricos e tudo mais [...] (Luc, E1)

Penso, só que não vem, tipo... [...] não sei ainda como fazer isso. Mas, é importante falar

tudo. [...] pra... como eu posso dizer, pra pessoa entender, tipo, quando a gente trabalhou

hoje, um exemplo, a gente trabalhou o conceito de raça, a gente falou o conceito de raça

científico e o conceito de raça sociológico [...] (Ariel, E2)

Eu acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula

[...] a gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor. (Carol,

E3)

Depende... num sei ainda... (Arizona, E4)

Com certeza. Eu vou levar! [...] (Risos) é complicado. [...] eu acho que antes de genética,

por exemplo... que é um assunto que tem mais relevância, tem mais a ver com eugenia, eu

falaria um pouco da eugenia, né? Como uma... como a ciência apoiou isso, e depois daria

o assunto... pra ir contextualizada já. (Eduardo, E7)

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Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando nessas

questões. É.... eu acho que primeiro a gente tem que formar os conceitos dessas coisas na

cabeça deles, e depois trazer essas questões práticas, trazer esses conhecimentos como o

racismo, a eugenia... [...] um pouco complicado porque assim, vai depender muito... acaba

dependendo muito também da escola, porque nem sempre a escola dá abertura pra esse

tipo... pra esses tipos de debate, questionamento, então, eu tentaria ao máximo associar o

conteúdo programático a essas questões. Mas, se não fosse possível, eu trabalharia só

essas questões de maneira isolada. (Jhoserd, E11)

Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa. É uma coisa.... Perguntar

ao aluno o que é que ele acha sobre determinadas situações, a cultura dele...., mas, outra

coisa é entrar em política, essas coisas... eu sempre fui avessa a isso! [...] você falou

política! [...] ah, sim! Eu entendi nesse meio, entendeu? [...] então, se for partindo dessa

ideia, dessa explicação, trabalharia.... Como naquele debate, procurar saber o que o aluno

tem de diferente pra falar, querendo ou não a gente já poderia entrar num debate assim....

(Renata, E12)

Nas falas de Eduardo (E7) e Jhoserd (E11), há um alto nível de compromisso na

articulação do discurso biológico com outros discursos “Com certeza. Eu vou levar! [...]”

(E7) e “Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando

nessas questões. [...]” (E11). Embora eles tenham manifestado segurança nas representações

dos seus discursos, complementam suas falas dizendo que é complicado levar essa discussão

para a prática “é complicado. [...] eu falaria um pouco da eugenia, né? Como uma... como a

ciência apoiou isso [...]” (E7) e “um pouco complicado porque assim, [...] nem sempre a

escola dá abertura pra esse tipo... pra esses tipos de debate [...]” (E11). A fala de Jhoserd

(E11) sugere preocupação em contrariar as possíveis orientações pedagógicas da escola.

Assim, o discurso dele é de quem se posiciona favoravelmente frente às discussões sociais,

culturais e políticas, mas o desenvolvimento dessa abordagem, na prática, está condicionado

ao contexto escolar. Mais uma vez podemos relacionar esse receio com o contexto político na

época da entrevista, no qual a ameaça frente a democracia escolar e à liberdade de ensinar

começava a ganhar força, sobretudo com o projeto que ficou conhecido por “Escola Sem

Partido”.

Com baixo nível de compromisso, Luc (E1) usa o verbo modal “colocaria” para

representar seu discurso “Então eu... eu colocaria sim! [...]”, com o argumento de que se

trata de um tema interessante. Para exemplificar uma possível abordagem, Luc articula

intertextualmente uma experiência na disciplina “A questão que eu achei bastante

interessante, né? Na disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a

questão da formação das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu

fiquei, caramba! [...] E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão racista, né? [...]”

(E1). Percebemos as influências das interações discursivas na construção dos modelos

mentais dos/as interlocutores/as, bem como um posicionamento favorável, ideologicamente, à

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articulação dos discursos biológicos com outros discursos, a fim de que “[...] o aluno

entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante também abordar esses

fatos, históricos e tudo mais [...]” (Luc, E1). A fala de Luc sugere que a situação

socioeconômica de grupos culturais historicamente subalternizados sofre influência do nosso

passado colonial, uma perspectiva que questiona a posição de grupos minoritários e

problematiza o racismo estrutural.

As oportunidades de discutir questões sociais, culturais, históricas e políticas no

contexto do ensino de Biologia pode contribuir para a formação crítica e cidadã dos/as

estudantes, tal como afirma Carol (E3), utilizando o recurso da modalidade doxástica “Eu

acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula [...] a

gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor”. Ao passo que

os/as participantes assumem não saber como desenvolver práticas dessa natureza, podemos

inferir que não há compromisso no que tange à futura atuação docente “Penso, só que não

vem, tipo... [...] não sei ainda como fazer isso [...]” (Ariel, E2) e “Depende... num sei

ainda...” (Arizona, E4). Argumentamos pela importância de possibilitar mais experiências no

processo formativo no que se refere às discussões sobre racismo e eurocentrismo, de modo

que os/as licenciandos/as construam um amplo repertório profissional para lidar

positivamente com a diversidade cultural.

Ressaltamos na fala de Renata (E12) uma certa aversão ao debate de questões políticas

“Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa [...] entrar em política, essas

coisas... eu sempre fui avessa a isso! [...]”. Contudo, no momento da entrevista, a

professora/entrevistadora sentiu que a licencianda tinha se apropriado do termo “política”

como sinônimo de “partido”. Assim, ao explicar o sentido de política como a arte da

organização, direção e administração de nações, Renata apresenta um posicionamento

favorável às discussões políticas no ensino de Biologia “[...] você falou política! [...] ah, sim!

[...] então, se for partindo dessa ideia, dessa explicação, trabalharia.... [...]” (E12),

assumindo um baixo nível de compromisso quanto ao desenvolvimento desse debate na

prática docente futura.

A fim de entender se os/as participantes manifestam compreender ou não a

importância de problematizar as identidades coletivas marginalizadas, destacando o

protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados historicamente,

questionamos sobre possíveis argumentos que poderiam ser apresentados contra a abordagem

de questões culturais no ensino de Biologia, bem como se eles/as poderiam apresentar contra-

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argumentos. Sobre os argumentos contra a abordagem de questões culturais no ensino de

Biologia, eles/as destacaram a possibilidade de gerar conflitos culturais e religiosos (8; 66,7%

das ocorrências); o fato de que essa abordagem poderia atrapalhar os conteúdos da disciplina

(5; 41,7%) e porque poderia incitar a desigualdade e discriminação (1; 8,3%). Todos os/as

participantes se manifestaram em desacordo com esses possíveis argumentos contra a

abordagem de questões culturais no ensino de Biologia, destacando cinco contra-argumentos,

que vamos apresentar no gráfico abaixo na forma de macroproposições (Figura 7).

Figura 7. Contra-argumentos apresentados pelos/as participantes para defender a abordagem de

questões culturais no ensino de Biologia.

Os fragmentos dos textos que nos guiaram para a organização dessas

macroproposições são apresentados abaixo:

Então, eu falaria que... eu não... não estaria ali pra... pra... é.... pra atribuir, digamos

assim, pra tentar mudar a percepção de crença, de fé, né? [...] E que a minha abordagem

seria focada no respeito, né? No respeito e na legitimidade que cada cultura tem, né? E....

no direito que cada cultura tem de se expressar. (Luc, E1)

Eu diria que tem que ser trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando

cidadãos e uma parte deles é a cultura. [...] então, a gente poderia sim, trabalhar isso em

sala de aula como tema transversal, não atrapalharia em nada os assuntos que o colégio

pede, e.... os alunos iam adquirir mais conhecimento. (Ariel, E2)

[...] é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes, tenho branco,

tenho preto, tem de todas as cores, vai acontecer em algum momento, vai chegar a hora

de ter que falar sobre esse assunto. (Nami, E6)

Os argumentos dos/as licenciandos/as pressupõem uma identificação com as

perspectivas do PE e do MC, seja pelo reconhecimento do “direito que cada cultura tem de se

expressar” (Luc, E1); pelo compromisso com a formação cidadã “Eu diria que tem que ser

trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando cidadãos e uma parte deles

é a cultura. [...]” (Ariel, E2) ou pela urgência em problematizar questões de preconceito e

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discriminação “[...] é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes,

tenho branco, tenho preto, tem de todas as cores, [...] vai chegar a hora de ter que falar

sobre esse assunto” (Nami, E6). Mais uma vez, a identificação com o tema não nos leva a

inferir a existência de um compromisso com essas discussões culturais em práticas docente

futuras. Os/as licenciandos/as apresentam escolhas lexicais cautelosas, evitando assumir

compromisso nas suas assertivas.

De modo geral, as implicações e intenções políticas ainda representaram o bloco de

discussão com o qual os/as licenciandos/as mais se identificaram com a temática, o que pode

ser justificado pelo fato de que foi o tópico mais explorado na disciplina. Contudo, as

construções discursivas aparecem com escolhas lexicais que exprimem insegurança, e por

mais que haja afirmação da abordagem de temas culturais em futuras práticas, os argumentos

e o desenvolvimento da representação discursiva apontam baixo nível de compromisso na

atuação docente. Para que os/as licenciandos/as tenham segurança no desenvolvimento de

práticas dessa natureza é importante que a formação inicial possibilite discussões mais

frequentes, bem como que haja comprometimento de toda a comunidade escolar na

abordagem de temas culturais.

6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise balizada pelas categorias - de identificação com às questões culturais

mobilizadas na disciplina e compromisso na integração dos sentidos do pluralismo

epistemológico e do multiculturalismo crítico em futuras práticas docentes - permite afirmar

que os/as licenciandos/as constroem identificações positivas com muitas características das

perspectivas teóricas em questão, embora representem, por meio dos seus discursos, uma

modesta perspectiva de abordar em futuras práticas pedagógicas questões relacionadas à

dimensão epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas.

Argumentamos pela importância de possibilitar mais momentos de discussão das

questões culturais no processo formativo de professores/as de Biologia, a fim de que os/as

licenciandos/as se sintam mais confiantes na abordagem de temas como racismo e

eurocentrismo, por exemplo, no contexto da educação básica, além de fortalecer o espírito de

pertencimento e responsabilidade na luta pela igualdade de direitos e por uma sociedade mais

justa e humana. Destacamos a frequência de respostas positivas a questões objetivas, que logo

eram modalizadas por expressões lexicais de insegurança, dado o espaço para a conversa

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numa entrevista semiestruturada. Por exemplo, com a pergunta se os licenciandos/as

pretendem problematizar o poder simbólico do termo ciência, todos afirmaram que sim,

todavia, no desenvolvimento do discurso fica evidente a falta de compromisso com essa

assertiva, que pode estar relacionada com a escassa discussão de temas culturais no processo

de formação, com a pouca experiência docente, com a conjuntura política e social do país,

entre outros fatores.

Destacamos a insegurança dos/as participantes no que se refere à abordagem da crise

do conceito de gene para problematizar questões relacionadas ao determinismo genético.

Nesse caso, em particular, fica evidente a preocupação com a complexidade do tema, afinal,

como promover a discussão de conceitos que não se entende? Compreendemos que se trata de

uma preocupação legítima, todavia, ressaltamos que a mesma inquietação não foi observada

para os temas de cunho cultural, o que nos leva à preocupação de que para os/as participantes

é preciso ter domínio de um tema biológico, para abordá-lo, mas no que se refere aos temas

culturais, a intuição poderia ser suficiente. Dada a dificuldade de acesso às ciências não-

hegemônicas e sua consequente invisibilidade, entendemos que a preocupação em não

conhecer a dimensão dos aspectos culturais, as epistemologias “Outras”, deveria ter sido

manifestada no discurso, o que não aconteceu.

A ideia dos/as licenciandos/as de discutir na escola o que já tem expressivo espaço

institucionalmente, e não debater o que não é problematizado ou é pouco problematizado,

reforça mais uma vez a importância de levar as discussões dos sentidos do PE e do MC para o

processo de formação de professores/as. Quando uma licenciada afirma que não tem

perspectiva de discutir a história de Rosalind Franklin, em futuras práticas docentes, por ser

um fato “tão esquecido”, percebemos a urgência em problematizar essas questões nos

diferentes espaços sociais, sobretudo no âmbito acadêmico.

O meio acadêmico, tomado pela colonialidade, reafirma a todo momento a

superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna frente às outras ciências. De modo

geral, os/as licenciandos/as não se identificam com alguns pressupostos do diálogo

intercultural, como também não se comprometem com essas características na atuação

pedagógica futura, cuja representação discursiva está voltada para a perspectiva de mudança

conceitual, na qual os conhecimentos dos/as estudantes são mobilizados como meio para

promover a educação científica ocidental, e não como conhecimentos válidos e reconhecidos

por seus próprios méritos, tal como defendemos no diálogo entre o PE e o MC, visando

superar as estruturas hegemônicas de dominação.

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276

Embora os/as licenciandos/as afirmem considerar e legitimar as diferentes formas de

explicar os fenômenos naturais, suas construções discursivas se mostram contraditórias, pois,

no curso da fala, acabam restringindo à explicação acadêmica como única forma adequada de

ver e entender o mundo, desconsiderando as contribuições das ciências “Outras”, o que se

explica, sobretudo, pelo poder cultural que a ciência ocidental moderna exerce sobre o

conjunto da sociedade. Contamos com o fato de que todo sujeito é capaz de produzir sentidos

diferentes dos significados hegemônicos construídos social e historicamente, por meio de

mediações discursivas e novas experiências de vida, com o que nos propusemos a contribuir a

partir desta pesquisa.

Ressaltamos a identificação dos/as participantes no que se refere ao dever dos/as

professores/as em questionar e buscar superar crenças ou práticas culturais que geram

sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, expressando concordância com

os sentidos do PE e do MC. Contudo, mais uma vez percebemos que a identificação com

determinado discurso não implica necessariamente na preocupação em levar o debate para

futuras práticas docentes, tendo em vista as inseguranças e adversidades inerentes ao contexto

escolar, articuladas na fala com forte utilização da modalidade doxástica como recurso

discursivo.

O bloco com o qual os/as licenciandos/as mostraram maior identificação e

compromisso, no que se refere à integração dos sentidos do PE e do MC em futuras práticas,

foi o das implicações e intenções políticas. De modo geral, os discursos sobre racismo e

alterização, por exemplo, assim como a articulação da Biologia com questões políticas,

sociais e culturais, tiveram espaço privilegiado nas falas dos/as participantes, refletindo no

fato de que estas representaram as discussões mais aprofundadas ao longo da disciplina.

Nesse sentido, a pesquisa realizada mostra a importância dos momentos de discussão

para questionar a legitimidade do discurso hegemônico. Sendo assim, o discurso também

representa um instrumento de luta pela superação de conjunturas de dominação e pela

desconstrução de hegemonias. Em suma, a análise das entrevistas aponta que, a partir das

discussões e experiências promovidas na disciplina optativa “Tópicos Especiais no ensino de

Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e eurocentrismo no contexto do ensino de

Genética”, contribuímos para a construção dos repertórios profissionais dos/as

licenciandos/as, no que se refere a saber lidar positivamente com a diversidade de seres e

saberes.

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280

CONSIDERAÇÕES FINAIS GERAIS

__________________________________________________________________________________

Esta pesquisa de tese buscou compreender as possibilidades de diálogo entre o

pluralismo epistemológico (PE) e o multiculturalismo crítico (MC) na formação inicial de

professores/as de Biologia. Sob a égide desse objetivo geral, desenvolvemos três estudos. O

estudo um teve como objetivo problematizar a possibilidade de uma nova posição

epistemológica sobre demarcação de conhecimentos, a partir das discussões frente às

convergências e divergências entre o universalismo, o pluralismo epistemológico e o

multiculturalismo crítico, a fim de compreender como essas perspectivas teóricas poderiam

ser acionadas pelos/as professores/as para subsidiar diferentes práticas pedagógicas. Este

estudo correspondeu a um ensaio teórico, no qual problematizamos o conceito hegemônico de

ciência e argumentamos pela pluralização do termo: ciências, admitindo a existência de várias

comunidades epistêmicas, que, com critérios próprios, validam seus conhecimentos como

ciência.

Essa proposta é resultado da articulação entre a demarcação de saberes, defendida pelo

PE, e a crítica das relações de poder entre as culturas, problematizada pelo MC. Nessa ideia,

os saberes “Outros” não estão sendo abarcados, simplesmente, sob o rótulo de ciência, mas

lhes é reconhecido um estatuto próprio ao passo que diversificamos o entendimento do

conceito de ciência. Propomos no ensaio teórico a ideia de um pluralismo científico, de modo

que essas ciências são correspondentes às diversas culturas; um movimento que justificamos

por três razões principais: primeiro, para desconstruir a hierarquização entre os saberes;

segundo, porque, se considerarmos as duas primeiras características da definição de ciência

apresentada pelo PE, as produções dos povos africanos, por exemplo, são ciência; e, terceiro,

comunidades de povos indígenas, por exemplo, costumam usar o termo ciência para se referir

às suas produções epistêmicas. Desse modo, do ponto de vista das relações de poder, é

fundamental considerar as práticas de grupos subalternizados historicamente, contemplando a

visibilidade das diferentes produções científicas.

A partir do diálogo entre o PE e o MC, ressaltamos nossas escolhas pelas posições

epistemológicas do PE, no que se refere à demarcação de saberes, problematizando uma

demarcação para todas as produções culturais e não somente para as culturas consideradas

“Outras”. No que se refere ao MC, nos apropriamos da problematização dos discursos

eurocêntricos, homofóbicos, racistas, machistas e xenófobos rumo a uma formação cidadã.

Como contribuição teórica e metodológica, este ensaio subsidiou a construção de um

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formulário, com a função de servir de instrumento para analisar planejamentos e práticas

pedagógicas orientadas pelo PE e pelo MC. Este formulário organiza 12 características dessas

perspectivas teóricas, que estão agrupadas em três blocos de análise: dimensão

epistemológica, diálogo intercultural e implicações e intenções políticas, apresentando

pressupostos centrais do diálogo entre as teorias que perpassaram por todos os estudos da

tese.

O estudo dois objetivou analisar formas de abordar o conteúdo de Genética para

suscitar uma prática condizente com o PE e o MC, por meio de uma revisão das experiências

didáticas relatadas no Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC).

Concluímos que as abordagens didáticas de Genética discutidas nos trabalhos do ENPEC

carecem de problematizações acerca da abordagem cientificista, que questionem a

superioridade epistêmica da ciência ocidental moderna frente as outras ciências. Elas

reforçam, ainda, a ideia do ensino monocultural, no qual apenas a abordagem científica

ocidental é considerada, limitando a intervenção pedagógica à discussão de uma única cultura,

a europeia, e mantendo invisibilizadas outras formas de ver e entender o mundo.

Também ressaltamos a carência nos trabalhos da problematização das evidências que

os/as cientistas usam como apoio às teorias, uma vez que, em geral, os trabalhos não

ofereciam aos/às estudantes subsídios suficientes para entender a construção das ideias

denominadas científicas, bem como suas influências socioculturais. Contudo, boa parte dos

trabalhos apresentou articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,

sociais e/ou culturais, o que parece apontar para uma tendência na área de ensino de Ciências.

Por conseguinte, apesar do potencial do conteúdo de Genética para discutir questões de

preconceito e discriminação, não houve trabalho nesse viés, o que indica uma lacuna nas

práticas e relatos de experiências.

Em suma, faz-se necessário uma perspectiva ampla dos objetivos do ensino de

Genética, a fim de planejar, desenvolver e avaliar intervenções didáticas condizentes com os

sentidos do PE e do MC. A partir dos resultados desta revisão sistemática de literatura,

consideramos importante pesquisas que apresentem práticas no ensino de Genética abarcando

as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais do conteúdo, ao passo que discutem

temas culturais e políticos. Diante dessa demanda, nós realizamos o terceiro estudo.

O estudo três apresentou o seguinte objetivo geral: Compreender como professores/as

de Biologia em formação inicial integram os discursos do PE e do MC no seu repertório

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profissional, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética desenvolvida nessa

perspectiva. Para alcançar esse objetivo, necessitamos seguir alguns passos, que

correspondem aos objetivos específicos: 1) Identificar e caracterizar os posicionamentos de

professores/as de Biologia em formação inicial frente a temas abordados na perspectiva do

diálogo entre o PE e o MC, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética que

promoveu problematizações de questões culturais; 2) Identificar e caracterizar de que forma

professores/as de Biologia em formação inicial mobilizam o PE e o MC na elaboração e na

análise de propostas pedagógicas pautadas nestas perspectivas; 3) Analisar como

professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam integrar o PE e o MC em suas

futuras práticas docentes, a partir da participação em uma disciplina de ensino de Genética

que promoveu problematizações de questões culturais.

Esse último estudo caracterizou-se como uma pesquisa explanatória de natureza quali-

quantitativa, desenvolvida na perspectiva do interacionismo simbólico, com a inserção de

elementos da teoria crítica. Tratou-se de um estudo empírico realizado com licenciandos/as

em Biologia, da Universidade Federal de Sergipe, na forma de uma disciplina optativa de 60

horas, ministrada pela pesquisadora, a qual foi organizada na perspectiva do PE, ao abordar as

diferentes formas de conhecimentos, bem como na perspectiva do MC, ao discutir as relações

de poder construídas em torno da diversidade de grupos socioculturais. Como procedimentos

para produção de dados foram utilizados documentos produzidos pelos/as licenciandos/as,

observações dos encontros da disciplina e entrevista individual, os dois últimos com registro

em áudio e/ou vídeo. A análise dos dados foi conduzida tendo por referência a teoria

sociocognitiva do discurso proposta por Van Dijk. O autor tem o propósito de integrar as

abordagens cognitivas e sociais do texto e da fala num único quadro teórico coerente, de

modo que entende a construção do conhecimento por meio do discurso como fundamental

para que ocorram as interações sociais.

A partir das experiências socializadas na disciplina, percebemos a capacidade dos/as

licenciandos/as em mobilizar um conjunto de conhecimentos para lidar com os desafios

presentes no cotidiano escolar. Esses conhecimentos, provenientes do discurso ou das

experiências vividas, formaram o repertório profissional dos/as licenciandos/as. A ampliação

desse repertório habilitou os/as participantes a atuar, com mais destreza, nas situações de sala

de aula, adaptando as suas práticas a situações que se renovam. Analisar os posicionamentos

de professores/as de Biologia em formação inicial, nos discursos relacionados a temas como

racismo e eurocentrismo, nos permitiu problematizar questões socioculturais importantes para

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uma educação comprometida com a diversidade, tal como se encaminha no diálogo entre o PE

e o MC que propomos neste trabalho.

Ressaltamos que, de modo geral, os/as participantes buscaram atenuar a força das

afirmativas para não se impor aos outros, deixando as opções abertas à livre atuação dos/as

interlocutores/as. Essa ação denota também um grau de insegurança no compromisso com a

opinião assumida, sobretudo com as discussões de temas mais controversos, cujos

posicionamentos apresentaram-se polarizados, sustentados principalmente pelas experiências

individuais dos/as participantes. Na nossa análise, observamos aspectos da teoria

sociocognitiva do discurso, no que se refere à influência dos conhecimentos gerais,

oportunidades de debates, experiências pessoais e representações mentais, no posicionamento

dos/as participantes, que, de modo geral, foram apresentados de maneira individual, explícita

e com baixo grau de compromisso. Destacamos que os/as participantes apresentaram opiniões

polarizadas na maioria dos temas abordados, o que representa um aspecto positivo, tendo em

vista a possibilidade de contrapor diferentes formas de ver e entender o mundo. A partir

dessas discussões, tanto novas representações dos modelos mentais foram se construindo,

quanto os/as participantes aprendem a respeitar e conviver com as diferenças, em um contexto

problematizador de preconceitos e discriminações.

Concluímos que a disciplina contribuiu para uma percepção mais crítica frente os

discursos discriminatórios e excludentes em múltiplos contextos. Considerando os três blocos

de análise, a saber, a abordagem epistemológica, o diálogo intercultural e as implicações e

intenções políticas, destacamos que o último foi o que apresentou discussões mais próximas

do diálogo entre o PE e o MC, o que se justifica pelo fato de que a maior carga horária da

disciplina estava organizada para discussões quanto à problematização de identidades

coletivas marginalizadas historicamente, para questionar a naturalização de preconceitos e

discriminação e para a articulação do discurso biológico com discursos socioculturais.

Considerando que o PE e o MC representam perspectivas teóricas com grande

potencial para articular e subsidiar práticas pedagógicas comprometidas com a diversidade

cultural, buscamos saber de que forma professores/as de Biologia em formação inicial

mobilizam essas perspectivas na elaboração e na análise de propostas pedagógicas, no

contexto da disciplina de ensino de Genética. Os resultados dessa investigação apontaram

para a relevância de proporcionar aos/as licenciandos/as práticas semelhantes àquelas que

eles/as serão convidados/as a desenvolver na carreira docente. A oportunidade de discutir

questões culturais nas aulas de Biologia, abrangendo as discussões sobre racismo e

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eurocentrismo, não só contribuiu para valorizar e problematizar as diferentes formas de

explicar o mesmo fenômeno natural, como também para desconstruir os padrões hegemônicos

socioculturais, promovendo uma educação para a transformação social.

A análise de como professores/as de Biologia em formação inicial perspectivam

integrar o PE e o MC em suas futuras práticas docentes permitiu afirmar que os/as

licenciandos/as constroem identificações positivas com muitas características das perspectivas

teóricas em questão, embora representem, por meio dos seus discursos, uma modesta

perspectiva de abordar em futuras práticas pedagógicas questões relacionadas à dimensão

epistemológica, ao diálogo intercultural e às implicações e intenções políticas.

Argumentamos pela importância de possibilitar mais momentos de discussão das

questões culturais no processo formativo de professores/as de Biologia, a fim de que os/as

licenciandos/as se sintam mais confiantes na abordagem de temas como racismo e

eurocentrismo, por exemplo, na educação básica, além de fortalecer o espírito de

pertencimento e responsabilidade na luta pela igualdade de direitos e por uma sociedade mais

justa e humana.

Embora os/as licenciandos/as afirmem considerar e legitimar as diferentes formas de

explicar os fenômenos naturais, suas construções discursivas se mostram contraditórias, pois,

no curso da fala, acabam restringindo a explicação acadêmica como única adequada,

desconsiderando as contribuições das ciências “Outras”, o que se explica, sobretudo, pelo

poder cultural que a ciência ocidental moderna exerce sobre o conjunto da sociedade.

Contamos com o fato de que todo sujeito é capaz de produzir sentidos diferentes dos

significados hegemônicos construídos social e historicamente, por meio de mediações

discursivas e novas experiências de vida, com o que nos propusemos a contribuir a partir

desta pesquisa.

Ressaltamos a identificação dos/as participantes no que se refere ao dever dos/as

professores/as em questionar e buscar superar crenças ou práticas culturais que geram

sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, expressando concordância com

os sentidos do PE e do MC. Contudo, percebemos que a identificação com determinado

discurso não implica necessariamente no compromisso em levar o debate para futuras práticas

docentes, tendo em vista as inseguranças e adversidades inerentes ao contexto escolar,

articuladas na fala.

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O bloco com o qual os/as licenciandos/as mostraram maior identificação e

compromisso, no que se refere à integração dos sentidos do PE e do MC em futuras práticas,

foi o das implicações e intenções políticas. De modo geral, os discursos sobre racismo e

alterização, por exemplo, assim como a articulação da Biologia com questões políticas,

sociais e culturais foram os mais problematizados pelos/as participantes. Como mencionado

anteriormente, estas discussões também foram as mais representativas nos encontros da

disciplina e nos planejamentos e análises das oficinas desenvolvidas pelos/as licenciandos/as.

Esse fato reflete a importância de uma formação que considere o princípio da simetria

invertida, tendo em vista que as discussões mais aprofundadas ao longo da disciplina foram

também as que tiveram espaço privilegiado nas falas e ações dos/as participantes.

Nesse sentido, a pesquisa realizada mostra a importância dos momentos de discussão

para questionar a legitimidade do discurso hegemônico. Sendo assim, o discurso também

representa um instrumento de luta pela superação de conjunturas de dominação e pela

desconstrução de hegemonias. Em suma, as opiniões compartilhadas nesse processo

contribuíram para colocar em questão experiências, valores e ideologias, que estão em

constante transformação na construção dos nossos modelos mentais. Por fim, uma perspectiva

crítica no processo de formação de professores/as em Biologia, por meio de debates de temas

socioculturais, como racismo e eurocentrismo, contribuiu para que os/as futuros/as

professores/as desenvolvessem identidades e construíssem discursos comprometidos com a

educação para a diversidade cultural.

Todavia, a pesquisa aponta para uma visão científica de superioridade ocidental

pelos/as participantes, que embora reconheçam a existência de muitas formas de explicar os

fenômenos naturais, tem a ciência ocidental moderna como parâmetro de conhecimento

“correto”. Ressaltamos a acentuada dificuldade na construção do plano de curso da disciplina

no que se refere à mobilização das ciências “Outras” para explicar fenômenos em Genética,

uma limitação refletida também nos discursos e documentos produzidos pelos/as

licenciandos/as.

Nesse sentido, indicamos como lacuna e possibilidade para futuras pesquisas a

sistematização e a divulgação de conhecimentos das ciências “Outras”, o que pode ser

favorecido por meio de políticas públicas de acesso dos povos indígenas e afrodescendentes,

por exemplo, nos espaços acadêmicos. A representatividade das ciências “Outras” nos

espaços de poder é necessária para a desconstrução de hegemonias alicerçadas na

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colonialidade em que estamos imersos. Essa aproximação pode ser um dos caminhos para

termos acesso aos conhecimentos produzidos fora do escopo da ciência ocidental moderna.

No processo de desenvolvimento e escrita desta tese, muitas visões foram se

construindo e desconstruindo, limitações foram problematizadas e as possibilidades

exploradas. Esperamos que nossa pesquisa contribua para um ensino de Biologia

comprometido com a diversidade cultural, que problematize questões referentes ao racismo e

ao eurocentrismo, em prol de uma educação voltada para transformações sociais positivas.

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301

APÊNDICE A. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Resolução nº 196/96

PROJETO: DIÁLOGO ENTRE O PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO E O

MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE

BIOLOGIA

Sr(a) está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: Diálogo entre o

pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico na formação inicial de professores de

biologia, que tem como objetivo principal compreender como professores de Biologia em

formação inicial integram os discursos do pluralismo epistemológico e do multiculturalismo

crítico no repertório profissional deles, no contexto de uma disciplina de ensino de Genética

desenvolvida nessa perspectiva.

Sua participação será tratada de forma anônima e confidencial. Quando for necessário

exemplificar determinada situação, sua privacidade será assegurada. Somente as

pesquisadoras da equipe terão acesso as gravações e documentos gerados como forma de

produção de dados. Não há qualquer obrigatoriedade da sua participação. Os dados

produzidos serão utilizados apenas para fins de pesquisa e os resultados divulgados em

publicações científicas.

Sua participação é voluntária, de modo que a qualquer momento você pode desistir de

participar e retirar seu consentimento. Sua participação nesta pesquisa consistirá em permitir a

gravação em vídeo e áudio das interações discursivas e grupo focal no curso da disciplina,

além de disponibilizar as atividades para fins de análise de pesquisa.

Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Não haverá riscos de

qualquer natureza relacionada à sua participação. O benefício à sua participação será de

aumentar o conhecimento para a área de ensino de Ciências e formação de professores. Desde

já agradecemos!

Atenciosamente,

Isabela Santos Correia Rosa (Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ensino,

Filosofia e História das Ciências – Universidade Federal da Bahia)

Profa. Dra. Rosiléia Oliveira de Almeida (Orientadora; Departamento de Educação II -

Universidade Federal da Bahia)

Se você concorda em participar, por favor, assine no espaço abaixo indicado.

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302

Assinatura do/a participante: __________________________________________________

São Cristóvão, ____ de _______________ de 2018.

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303

APÊNDICE B. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES DO PLANO DE CURSO DA

DISCIPLINA

1. Quanto à dimensão epistemológica Escore total37

Há problematização referente à abordagem cientificista ao passo que são

apresentadas as limitações da ciência e o caráter provisório dos conhecimentos

denominados científicos?

8.5

Há problematização das influências políticas, culturais e/ou de gênero, que

permeiam a construção do conhecimento?

8.0

Há estímulo aos/às estudantes para considerar diferentes discursos sobre o mundo,

valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas?

7.0

Há orientação de que cada conhecimento tem seu alcance e validade e, assim,

pode ser adequadamente aplicado?

4.5

2. Quanto ao diálogo intercultural Escore total

Há estímulo ao debate acerca dos conhecimentos culturais dos/as estudantes e

como esses conhecimentos são importantes para eles/as nos seus meios sociais?

6.0

Há proposta de auxiliar os/as estudantes na compreensão dos conceitos científicos

a fim de ampliar suas visões, sem anular suas culturas e crenças?

8.0

Há articulação entre os saberes dos/as estudantes e os conhecimentos

denominados científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um

saber em detrimento de outro?

5.5

Há utilização de exemplos e conhecimentos de grupos étnicos e culturais no

contexto da aula?

7.0

3. Quanto às implicações e intenções políticas Escore total

Há discussão das relações de poder entre as culturas, questionando a posição

subalternizada de grupos minoritários, tal como os afrodescendentes?

9.0

Há questionamento em relação a naturalização de preconceitos e discriminação,

buscando interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo do que se denomina

ciência?

9.0

Há articulação do discurso biológico com discursos históricos, políticos,

sociológicos e culturais?

9.0

Há preocupação em problematizar as identidades coletivas marginalizadas,

destacando o protagonismo e a resistência de grupos culturais subalternizados

historicamente?

8.0

Fonte: Dados da pesquisa.

37 O escore total foi calculado somando as respostas de cada um dos dez participantes do processo de

validação por pares, sendo que o “sim” equivale a 1 ponto, a opção “em parte” a 0.5 ponto e a opção

“não” a 0 ponto, de modo que o atendimento por completo a uma dada característica soma 10 pontos.

Assim, quanto maior o escore, mais próximo o planejamento está do atendimento a uma determinada

característica.

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304

APÊNDICE C. PLANO DE CURSO

1. Dados de Identificação

Universidade Federal de Sergipe

Professora Isabela Santos Correia Rosa

2. Disciplina

Tópicos Especiais no ensino de Ciências e Biologia: Discussões sobre racismo e

eurocentrismo no contexto do ensino de Genética

3. Conteúdo Programático:

I- Abordagem geral das perspectivas teóricas: pluralismo epistemológico e

multiculturalismo crítico

II- Epistemologia da ciência e eurocentrismo

III- Diversidade genética e diversidade cultural

IV- Melhoramento genético humano, Eugenia e discriminação

V- Racismo científico, alterização científica e educação

VI- Herança poligênica e a cor da pele: Aspectos biológicos, sociais, culturais, políticos e

econômicos

VII- Reprodução assistida com escolha de características genéticas “desejáveis”

VIII- Planejamento, prática e pesquisa em ensino

4. Objetivos a alcançar:

4.1. Conceituais:

a. Entender as perspectivas teóricas do multiculturalismo crítico e pluralismo epistemológico

e sua aplicação na prática docente;

b. Entender os principais conceitos relacionados a interação e herança genética, bem como as

diferentes formas de explicar tais fenômenos;

c. Compreender os aspectos biológicos, sociais, culturais, políticos e econômicos

relacionados a cor da pele;

d. Compreender as implicações do melhoramento genético humano e sua relação com atitudes

discriminatórias;

e. Discutir o racismo científico do século XIX como um exemplo típico de alterização

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científica.

4.2. Procedimentais:

a. Realizar pesquisa sobre os diferentes aspectos relacionados à cor da pele;

b. Elaborar um texto dissertativo com argumentos a favor ou contra a política de cotas;

c. Mediar discussões de textos;

d. Elaborar argumentos a favor ou contra a utilização de técnicas de melhoramento genético

humano relacionadas a reprodução assistida;

e. Explicar a relação entre o discurso biológico com discursos históricos, políticos,

sociológicos e culturais;

f. Desenvolver capacidade para interpretar, elaborar e solucionar questões relacionadas a

prática educativa.

4.3. Atitudinais:

a. Discutir sobre racismo e eurocentrismo no ensino de Ciências e Biologia;

b. Questionar a posição subalternizada dos afrodescendentes, analisando suas identidades

étnicas;

c. Problematizar a história do racismo científico e a posterior desconstrução do conceito

biológico de raça por parte da genética moderna;

d. Refletir criticamente sobre a ciência e suas relações de poder e dominação entre as

culturas;

e. Desenvolver valores referentes ao trabalho colaborativo;

f. Desenvolver atitudes, atividades e habilidades pedagógicas para planejamentos e práticas de

regência que envolvam as três dimensões do conteúdo.

5. Descrição dos encontros

ENCONTRO 1

Conteúdo: Apresentação da professora, alunos, disciplina e pesquisa. Abordagem geral das

perspectivas teóricas: pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.

Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.

Estratégias didáticas:

Dinâmicas de grupo. Aula expositiva e dialogada.

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306

Desenvolvimento da aula:

1. Inicialmente, a pesquisadora deve se apresentar, bem como explicar a pesquisa cuja ideia

culminou no planejamento da presente disciplina. Para a apresentação da turma,

identificaremos aqueles/as que já cursaram a disciplina de ensino de Genética básica e na

sequência faremos uma dinâmica de grupo, na qual cada licenciando/a diz seu nome e um

hobby, de modo que cada um, na sua vez, deve repetir os nomes dos/as colegas e seus

respectivos hobbies antes de pronunciar o próprio nome. Essa dinâmica tem o objetivo de

aproximar os/as licenciandos/as e promover um ambiente de descontração.

2. Em seguida, será realizada outra dinâmica de grupo, na qual cada licenciando/a receberá

uma folha de ofício, que deve ser dobrada em quatro partes. Em cada quadrante da folha,

os/as licenciandos/as devem escrever uma pergunta: Qual a função do professor? Que tipo de

professor eu quero ser? Qual o interesse em se matricular na disciplina? O que você

espera/gostaria de discutir nesta disciplina? Será reservado um tempo para que eles/as

respondam e à medida que terminarem, serão orientados/as a colar sua folha na parede, a fim

de que todos/as possam ler as colocações uns/umas dos/as outros/as para socializarmos.

3. Na sequência, a pesquisadora deverá discutir a ementa da disciplina, de modo a realizar

alguns ajustes a depender das sugestões da turma, suas próprias ideias e interesses. Desde esse

primeiro momento, os/as licenciandos/as serão orientados/as a refletir sobre a abordagem que

eles/as devem fazer no trabalho final da disciplina, que corresponde a uma proposta de aula

considerando o pluralismo epistemológico e o multiculturalismo crítico no contexto do ensino

de genética. Também neste momento será entregue o Termo de consentimento, para quem

estiver de acordo com gravações audiovisuais das interações discursivas nas aulas da

disciplina.

4. Por fim, por meio de uma abordagem expositiva e dialogada, com a utilização de slides,

serão discutidas as perspectivas teóricas que fundamentam a organização do curso, bem como

deve ser problematizado o conceito de ciência e a abordagem cientificista. Para tanto, os/as

licenciandos/as serão estimulados/as a apresentar suas concepções sobre o assunto.

Atividade: Leitura dos textos da aula 2.

Textos base para a organização da aula:

COBERN, W. W.; LOVING, C. C. Defining “science” in a multicultural world: Implications

for science education. Science Education, v. 85, p. 50-67, 2000.

MCLAREN, P. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 1997.

ENCONTRO 2

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Conteúdo: História da ciência e história da genética. A crise do conceito de gene.

Perspectiva teórica em foco: Pluralismo epistemológico.

Estratégia didática: Organização de uma linha cronológica destacando períodos da história

nos quais se apresenta a construção de conhecimentos em Genética. Debate. Aula prática para

montar a estrutura de uma molécula de DNA. Discussão de fragmentos de texto sobre a crise

do conceito de gene.

Desenvolvimento da aula:

1. Inicialmente, a turma será dividida em quatro grupos para montar uma linha cronológica

com períodos da história nos quais se apresenta a construção de conhecimentos em Genética.

Para tanto, os grupos receberão recortes de fatos históricos que eles/as deverão ordenar na

forma cronológica dos acontecimentos. Vale ressaltar que a história deve ser apresentada

considerando o período no qual os estudos foram realizados, bem como as influências da

época, e não apenas na forma de uma sequência de eventos que culminam em resultados mais

complexos com o passar do tempo. Além disso, devem ser problematizados os atores dessa

linha nos aspectos de cor, sexo e origem. Assim, discutiremos fragmentos importantes da

história da ciência, e mais especificamente, da história da genética, problematizando a

abordagem cientificista nessa área da Biologia, tendo em vista que a genética representa um

construto da própria ciência. Na oportunidade, serão problematizadas as evidências que os/as

cientistas, em seu tempo, usaram como apoio às teorias para, assim, os/as estudantes terem

subsídios suficientes que contribuam para a compreensão das ideias científicas e a construção

processual que as caracteriza.

2. Em meio a apresentação inicial, será enfatizada uma discussão acerca da história de

Rosalind Franklin, cujos trabalhos empíricos foram fundamentais para a construção do

modelo de Watson e Crick. Nesse contexto será problematizada a diferença das opções

metodológicas e axiológicas de Franklin e Watson e Crick, bem como o pouco

reconhecimento por parte de Watson e Crick a respeito da importância dos dados de Franklin

para a dupla hélice. Imersos nessa problemática, os/as licenciandos/as serão convidados/as a

montar uma estrutura da molécula de DNA. Para tanto, serão oferecidos a eles/as todas as

partes necessárias da molécula, representadas por emborrachados coloridos. Nesta atividade, a

turma será dividida em quatro grupos, cada um, com o número de peças suficiente para a

representação de uma molécula de DNA. No curso dessa atividade serão problematizadas as

construções de modelos na Ciência, bem como a crise do conceito de gene.

3. Na sequência, os/as licenciandos/as serão orientados/as a um debate sobre as reflexões

deles/as acerca do conceito de gene. Nesse momento eles/as devem apresentar seus

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308

conhecimentos culturais e como esses conhecimentos são importantes nos seus meios sociais.

Assim, o debate será guiado pela articulação entre os saberes dos/as estudantes e os

conhecimentos científicos, sem que seja concebida superioridade epistêmica de um saber em

detrimento de outro.

4. Para terminar, serão oferecidos a cada dupla de licenciando/a, um fragmento do texto

acerca da crise do conceito de gene, previamente selecionado, para que eles/as interpretem as

discussões vigentes acerca da polissemia do termo.

5. Ao final da aula, os/as licenciandos/as devem mencionar uma palavra para descrever a

experiência da aula.

Atividade: Buscar os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos relacionados a cor da

pele.

Textos base para leitura:

EL-HANI, C. N. Controvérsias sobre o conceito de gene e suas implicações para o ensino de

Genética. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 5., 2005, Bauru.

Anais. São Paulo: Universidade de São Paulo. p. 1-12.

JOAQUIM, L. M.; EL-HANI, C. N. A genética em transformação: crise e revisão do conceito

de gene. scientiæ zudia, v. 8, n. 1, p. 93-128, 2010.

SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da Genética. 6. ed. Trad. Cláudia Lúcia

Caetano de Araújo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

SILVA, M. R. da. As controvérsias a respeito da participação de Rosalind Franklin na

construção do modelo da dupla hélice. Scientia e studia, v. 8, n. 1, p. 69-92, 2010.

LINHA CRONOLÓGICA DA HISTÓRIA DA GENÉTICA

Evento Ano Acontecimento

1 1864 O inglês Herbert Spencer, inspirado pelo fenômeno da regeneração apresentado

por alguns animais, propôs em seu livro Principles of biology sua teoria de

herança e desenvolvimento. Essa teoria pressupunha a existência de unidades

fisiológicas vivas, presentes em todas as células do corpo, intermediárias entre as

moléculas químicas e as unidades morfológicas.

2 1866 Primeira publicação com as descobertas de Mendel, publicadas nos anais da

Sociedade de História Natural de Brno, revista da sociedade científica da cidade

em que Mendel viveu e trabalhou. Destaca-se que esse artigo não teve muita

repercussão, e Mendel passou a dedicar-se a outras atividades.

3 1868 Darwin elabora a hipótese da Pangênese, com base nas ideias de Aristóteles.

Segundo esta teoria, cada órgão do corpo produziria um material hereditário

específico: as gêmulas, que se agregariam, e tal conjunto seria, então,

encaminhado ao sêmen, transmitindo as características paternas ao futuro filho.

4 1869 Friedrich Miescher, fisiólogo e químico orgânico suíço, demonstrou que a

cromatina não era proteína. Trabalhando com células purulentas, Miescher

utilizou uma metodologia de trabalho tão criativa nos procedimentos de

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309

purificação e extração, que lhe poderia ter sido atribuído o mérito de ser o

primeiro a identificar o DNA.

5 1871 Publicação do trabalho de Friedrich Miescher, no qual o autor nomeia de nucleína

o que hoje conhecemos por DNA. Ele, porém, nunca encarou a nucleína como

portadora de informação genética, e seu trabalho foi pouco relevante no meio

científico da época.

6 1875 O inglês Francis Galton publicou a Teoria das Estirpes. “Estirpe” seria o conjunto

das partículas hereditárias ou gêmulas contidas no zigoto logo após a fertilização

do óvulo. Elas não eram possíveis de serem vistas, o que o levava a propor

teorias. Defendia que haviam dois grupos de germes: os que se desenvolviam e os

que continuavam latentes, sendo que o período de fertilidade do primeiro grupo

seria maior, o que explicaria o porquê de algumas características notáveis nos pais

não aparecerem em sua prole.

7 1884 O suíço Carl von Nageli publicou sua obra Mechanisch-physiologische Theorie

der Abstammungslehre, na qual a teoria do idioplasma ou micelar deu suporte

para o problema da herança. O idioplasma, formado por longos filamentos que

passariam de célula a célula, seria a parte do protoplasma responsável pela

herança. Cada filamento seria formado por numerosos grupos de moléculas, teria

propriedades específicas e um feixe de filamentos controlaria as propriedades da

célula, tecidos, sistemas e órgãos.

8 1889 Em sua obra Intracelluläre Pangenesis, o holandês Hugo de Vries defendeu que as

unidades da herança teriam dimensões menores que as das células. Para de Vries,

os pangenes não seriam visíveis ao microscópio, estariam no núcleo celular e se

multiplicariam durante a divisão celular, a fim de definirem as características de

cada indivíduo. Além de estarem no núcleo de forma inativa, os pangenes

estariam ativos no citoplasma.

9 1892 O biólogo alemão August Wieman propôs o modelo de herança de partículas na

chamada Teoria do Germoplasma, que considerava o germoplasma (plasma

germinativo) completamente isolado do corpo do organismo que o carregava. A

estrutura carregaria o germoplasma até que estivesse pronto para passar para outra

geração. Ele admitia que apenas o plasma germinativo fosse transmitido de uma

geração à outra.

10 1900 Três biólogos: o holandês Hugo de Vries, o alemão Carl Correns e o austríaco

Erich Von Tschermak, embora não trabalhassem juntos, chegaram a conclusões

semelhantes em seus respectivos estudos sobre a hereditariedade. Ao pesquisar os

trabalhos de seus antecessores, esses biólogos descobriram que suas ideias não

eram originais, pois 35 anos antes o monge agostiniano Gregor Johann Mendel

(1822-1884) havia chegado às mesmas conclusões.

11 1909 O geneticista dinamarquês Wilhelm Johannsen introduziu o termo “gene” para

designar a unidade que constituiria o genótipo, diferenciando gene e fene.

Johannsen entendia o gene de maneira instrumentalista, ou seja, uma entidade

teórica, sem qualquer hipótese acerca de sua natureza material. Ele defendia o uso

do gene como um tipo de unidade de cálculo.

12 1926 Thomas Hunt Morgan, zoólogo e geneticista estadunidense, publica o livro The

Theory of the Gene, no qual explicou que a hereditariedade está ligada a unidades

passadas de pais para filhos e que a transmissão de algumas características é

determinada pelo sexo. Seu trabalho, utilizando a mosca drosófila, deu enfoque

especial às mutações e sua transmissão para os descendentes. Morgan identificou

que os genes estariam localizados nos cromossomos, e daí a ideia realista sobre o

gene emergiu fortemente. As pesquisas de Morgan levaram-no à formulação da

teoria cromossômica da hereditariedade e lhe valeram o Prêmio Nobel de

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310

Medicina.

13 1930 –

1940

O sueco Torbjörn Oskar Caspersson e colaboradores demonstraram que a

molécula de DNA era muito maior e mais complexa que as moléculas de proteína,

abrindo caminho para o reconhecimento do DNA como responsável pela

informação genética.

1940 Os estadunidenses George Beadle e Edward Tatum, realizando estudos com o

fungo Neurospora, tiveram papel central na elucidação das relações entre

mutações e alterações em enzimas envolvidas em vias metabólicas. A partir disso,

o gene passou a ser visto como um produtor de enzimas e a maior preocupação

passou a recair sobre o aspecto funcional dos genes e seu vínculo com a

determinação do fenótipo por meio das enzimas por eles produzidas. A partir

daqui as abordagens genéticas e bioquímicas se estreitaram.

14 1945 –

1950

Watson e Crick (americano e britânico, respectivamente) se ocupavam com

desenhos das bases e com modelos de papelão para representar a estrutura do

DNA. Com as contribuições de: Chargaff, em Nova Iorque (demonstrou que as

proporções de bases no DNA são constantes); Rosalind Franklin e Maurice

Wilkins, em Londres (demonstrou o padrão de difração de raios X, obtido quando

uma fibra de DNA cristalizado é bombardeada com raios X, permitindo inferir

que o DNA é uma molécula helicoidal) e Linus Pauling, na Califórnia (elaborou o

modelo da estrutura hélice das proteínas).

* Maurice Wilkins (anos depois ganhou um Nobel) e Rosalind Franklin (não foi

agraciada com o mesmo, não obstante sua participação tenha sido igualmente

decisiva), ambos físicos, contribuíram com seus experimentos de cristalografia,

para os círculos de Watson e Crick.

15 1953

James Watson e Francis Crick publicaram na Revista Nature um modelo que

explicou a estrutura do DNA, o modelo da dupla hélice, que estabeleceu esta

molécula como a base da herança biológica. Esse modelo propiciou uma

compreensão físico-química de todo o conjunto de requisitos para o gene:

explicou a natureza da sequência linear dos genes; sugeriu um mecanismo para a

exata replicação dos genes (bem como para a síntese de RNA a partir de DNA,

em 1958); explicou quimicamente a natureza das mutações; e mostrou como

mutação, recombinação e função são fenômenos separáveis no nível molecular.

16 1962 James Watson e Francis Crick ganharam o Prêmio Nobel por “solucionar” o

mistério do DNA.

17 1978 O americano Walter Gilbert chamou as regiões não codificadoras que

interrompiam os genes eucarióticos de íntrons e as regiões codificadoras, de

éxons, e postulou que, diante dos íntrons, o dogma “um gene uma cadeia

polipeptídica” teria desaparecido.

18 1983 A Botânica e citogenética Barbara McClintock, estadunidense, venceu o prêmio

Nobel de Medicina pela descoberta dos elementos genéticos móveis

(transposons), que causam o fenômeno conhecido como transposição genética.

Ela foi a primeira mulher a ganhar sozinha um Prêmio Nobel de Medicina!

19 1992 Maria Inês Pardini e Romeu Guimarães, brasileiros, propuseram um conceito

sistêmico de gene, de acordo com o qual “o gene é uma combinação de (uma ou

mais) sequências de ácidos nucleicos (DNA ou RNA), definido pelo sistema (a

célula inteira, interagindo com o ambiente) que corresponde a um produto (RNA

ou polipeptídio) ”. Essa definição trata o genoma como parte do sistema celular,

que “constrói, define e usa o genoma como parte do seu mecanismo de memória,

como um banco de dados interativo”.

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20 1999 Paul Griffiths e Eva Neumann-Held, ingleses, propõem uma distinção entre dois

conceitos de gene: o ‘gene molecular’ (corresponde, a grosso modo, a uma

sequência de DNA que codifica um produto funcional) e o ‘gene evolutivo’

(corresponde a um segmento qualquer de DNA, começando e terminando em

pontos arbitrários de um cromossomo, que compete com segmentos alelomórficos

pela região do cromossomo em questão).

21 2001 Os esforços do Projeto Genoma Humano (mais de 20 países envolvidos num

projeto que durou 11 anos) culminaram na publicação de dois longos artigos

sobre o genoma humano. Os artigos relatavam o sequenciamento de 2, 7 bilhões

de pares de nucleotídeos de DNA humano.

Inicialmente, o PGH foi originalmente marcado por uma visão determinista

genética, assumindo que os genes seriam responsáveis pelas características

fenotípicas, com outros fatores, como os ambientais, atuando no máximo como

disparadores (triggers) de padrões de expressão gênica. Contudo, uma vez que

genomas sequenciados foram se tornando disponíveis, mostrou-se muito difícil

identificar e localizar os genes e relacioná-los a fenótipos. Keller (2000) chega a

falar no seu livro “o século do gene” que o maior legado do PGH é não conseguir

associar DNA e fenótipo, ou seja, entender que a complexidade desse sistema

biológico é muito maior.

22 2003 Em uma tentativa de organizar a variedade de definições de gene encontrada na

literatura, Moss distingue entre o gene-P (INSTRUMENTAL - o gene como

determinante de fenótipos ou diferenças fenotípicas, sem quaisquer requisitos

quanto a sequências moleculares específicas ou à biologia envolvida na produção

do fenótipo) e o gene-D (REALISTA (gene molecular) - o gene como um recurso

desenvolvimental, que é, em si mesmo, indeterminado com relação ao fenótipo).

Desde então, destaca-se a importância de apresentar o contexto em que o conceito

de gene está sendo usado, uma vez que se trata de um termo polisssêmico.

ENCONTRO 3

Conteúdo: Interação gênica. Herança genética. Diversidade genética e diversidade cultural.

Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo Crítico.

Estratégia didática: Apresentação da música “Coisas de pele” de Jorge Aragão. Aula

expositiva e dialogada. Jogo didático. Apresentação de pesquisa pelos/as licenciandos/as.

Desenvolvimento da aula:

1. Inicialmente será apresentada a música “Coisas de pele”, a fim de problematizar o

protagonismo e a resistência de grupos afrodescendentes que foram subalternizados

historicamente. Neste ínterim, os/as licenciandos/as serão estimulados a desenvolverem

narrativas orais, nas quais exponham experiências de vida, vivências, dentro do percorrer

acadêmico, científico e social, onde eles/as tenham percebido situações de racismo e de

subalternização cultural.

2. Na sequência, será desenvolvida uma aula expositiva e dialogada, com a utilização de

slides, sobre interação e herança genética, acentuando as diferentes formas de explicar a

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herança genética por diferentes culturas, tendo como base o trabalho de Reis (2018) acerca

dos perfis conceituais para o tema em questão. Nesse ínterim, será discutida com mais

profundidade a herança poligênica da cor da pele e as relações de poder estabelecidas como

reflexo dos diferentes tons de pele.

3. Na sequência, os/as licenciandos/as serão convidados/as a se dividirem em quatro grupos

para a atividade de um jogo didático sobre o conteúdo conceitual de herança genética. O jogo

consiste em agrupar três cartas, juntando um determinado termo, o conceito correspondente e

uma imagem característica, em relação ao conteúdo discutido.

4. Por fim, os/as licenciandos/as deverão apresentar suas respectivas pesquisas em relação aos

aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos relacionados a cor da pele.

5. Ao final da aula, os/as licenciandos/as devem mencionar uma palavra para descrever a

experiência da aula.

Atividade: Ler os textos da aula 4.

Textos base para leitura:

HITA, M. G (Org.). Raça, racismo e genética. Salvador: EDUFBA, 2017.

SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da Genética. 6. ed. Trad. Cláudia Lúcia

Caetano de Araújo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

REIS, V. P. G. S. Um perfil conceitual de Herança Biológica: Investigando dimensões

epistemológicas e axiológicas do processo de significação do conceito no contexto do Ensino

Médio de Genética. 2018. Tese (Doutorado em ensino, filosofia e história das ciências).

Instituto de Física, Universidade Federal da Bahia.

JOGO DIDÁTICO

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ENCONTRO 4

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Conteúdo: Conceito de Raça e espécie. Racismo científico e alterização científica.

Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.

Estratégia didática: Apresentação de cordel. Aula em espaço não-formal com a utilização de

desenhos impressos em papeis cartão. Discussão de textos.

Desenvolvimento da aula:

1. Inicialmente, será apresentado o Cordel “Preconceito Racial” de Patrícia Anjos e suscitado

a discussão referente a naturalização de preconceitos e discriminação, tendo em vista a forte

crença na democracia racial no Brasil.

2. Na sequência, em espaço não formal (praça da reitoria), com a utilização de desenhos

impressos em papeis cartão, será contada a história do documentário: “A história do racismo e

escravismo”, a fim de conversarmos acerca da origem do racismo, bem como as relações de

poder entre as culturas e a posição subalternizada de grupos minoritários, e assim analisar

suas identidades étnicas e destacar o protagonismo e a resistência dos afro-descendentes.

3. Nesse ínterim, será levantada a discussão sobre os conceitos de raça e espécie,

principalmente sobre como o conceito de raça caiu em desuso e voltou ao uso como marcação

política. Inicialmente os/as licenciandos/as serão estimulados a apresentarem suas concepções

frente a esses conceitos e, em seguida, com base no texto de Munanga (2004), esses conceitos

devem ser mais aprofundados. Na oportunidade será levantada a discussão de que as

comoções midiáticas pontuais, em casos de racismo, devem abrir espaço para discussões mais

críticas e profundas acerca do mito da democracia racial no Brasil.

4. Posteriormente, a turma será dividida em grupos, e cada grupo receberá um fragmento de

uma matéria do blog Darwinianas para apresentar e discutir: a) Vamos conversar sobre raça

(https://darwinianas.com/2017/10/03/vamos-conversar-sobre-raca/#more-1637); b) A

diversidade humana não cabe nas categorias raciais (https://darwinianas.com/2017/02/28/a-

diversidade-humana-nao-cabe-nas-categorias-raciais/) e c) Existem raças humanas?

(https://darwinianas.com/2017/01/17/existem-racas-humanas/).

5. Por fim, o debate terá como foco o racismo científico e os processos de alterização

científica, a partir da discussão do texto de Sánchez-Arteaga; Sepúlveda e El-Hani (2013), a

fim de problematizar a abordagem cientificista por meio das discussões acerca da natureza da

ciência.

Atividade: Leitura dos textos da aula 5.

Textos base para leitura:

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MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia.

Cadernos PENESB (Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira), n.5, p.

15-34, 2004.

SÁNCHEZ-ARTEAGA, J. M.; SEPÚLVEDA, C.; EL-HANI, C. N. Racismo científico,

procesos de alterización y enseñanza de ciencias. Revista Internacional de Investigación en

Educación, v. 6, n. 12, p. 55-67, 2013.

A HISTÓRIA DO RACISMO E ESCRAVISMO

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318

ENCONTRO 5

Conteúdo: O mito da democracia racial no Brasil. Ações Afirmativas.

Perspectiva teórica em foco: Multiculturalismo Crítico.

Estratégia didática: Debate. Problematização de um caso. Escrita de um texto dissertativo e

apresentação do mesmo.

Desenvolvimento da aula:

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1. Inicialmente, um grupo de licenciandos/as deve mediar a discussão do texto “O mito da

democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930)”, a fim de problematizar a

naturalização de preconceitos e discriminações.

2. Em seguida, outro grupo de licenciandos/as deve mediar a discussão do texto intitulado

“Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações

afirmativas?”, essa problematização deve fortalecer a articulação do discurso biológico com

discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais.

3. Para terminar, será proposta a problematização de um caso para os/as licenciandos/as

acerca da política de cotas. O caso supracitado foi retirado do texto intitulado “Genética, raça

e políticas de ações afirmativas a partir de questões Sociocientíficas”. A partir da discussão do

caso, os/as licenciandos/as serão orientados a se reunirem em grupos para responder a

algumas questões na forma de um texto dissertativo, que ao final, deve ser socializado a

turma.

Atividade: Leitura dos textos da aula 6.

Texto base para leitura:

DIAS, T. L. S.; FERNANDES, K. M.; ARTEAGA, J. M. S.; SEPULVEDA, C. A. S. E.

Genética, raça e políticas de ações afirmativas a partir de questões Sociocientíficas. In: VI

Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade, 2015, Rio de Janeiro. Anais do VI

Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade. Rio de Janeiro: VI

ESOCITE.BRTECSOC, 2015. p. 330.

DOMINGUES, P. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930).

Diálogos Latinoamericanos, v. 10, n.10, p. 117-132, 2005.

PENA, S. D. J.; BORTOLINI, M. C. Pode a genética definir quem deve se beneficiar das

cotas universitárias e demais ações afirmativas? Estudos avançados, v. 18, n. 50, p. 31-50,

2004.

ENCONTRO 6

Conteúdo: As aplicações da genética molecular. Ênfase nas discussões sobre reprodução

assistida com escolha de características genéticas “desejáveis”.

Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.

Estratégia didática: Filme Gattaca. Discussão de reportagens e de textos.

Desenvolvimento da aula:

1. Inicialmente, os/as licenciandos/as serão convidados/as a assistir ao filme “Gattaca –

Experiência genética”, com duração de 1h27min. Ao término do filme, será proposto um

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debate acerca das influências políticas e culturais que permeiam a construção do

conhecimento sobre manipulação gênica nos dias atuais e os saberes dos/as licenciandos/as

em relação as aplicações da genética molecular.

2. Em seguida, serão discutidas as reportagens: “Manipulação genética de fetos, rumo à

perfeição ou destruição da espécie humana?”

(https://blog.comshalom.org/vidasemduvida/manipulacao-genetica-de-fetos-rumo-perfeicao-

ou-destruicao-da-especie-humana/) e “Após perder filho, casal seleciona embrião 'sem risco'

genético de câncer”

(http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/10/121008_casal_filho_cancer_uk_fn).

3. Posteriormente, abriremos espaço para a discussão dos textos “A reprodução humana

assistida e a seleção de embriões para melhoramento genético: Uma abordagem da ética

deontológica” e “As escolhas procriativas no projeto parental assistido heterólogo: As

condutas neoeugênicas à luz dos limites ético-jurídicos”. Cada texto deve ser apresentado por

um grupo de licenciandos/as, que deverá mediar a discussão.

As discussões das reportagens e dos textos devem considerar os diferentes discursos sobre o

assunto e a forma como diferentes culturas interpretam e explicam os avanços científicos na

genética molecular.

Atividade: Leitura dos textos da aula 7. Elaboração de argumentos a favor e contra a

utilização de técnicas de melhoramento genético humano relacionadas a reprodução assistida.

Textos base para leitura:

AKKARI, A. C. S. et al. A reprodução humana assistida e a seleção de embriões para

melhoramento genético: Uma abordagem da ética deontológica. Contemporâneos: Revista e

artes e humanidades, n. 9, p. 1-20, 2012.

MEIRELLES, A. T. As escolhas procriativas no projeto parental assistido heterólogo: As

condutas neoeugênicas à luz dos limites ético-jurídicos. Revista Direitos Fundamentais e

Alteridade, v. 1, n. 1, p. 05-21, 2017.

ENCONTRO 7

Conteúdo: Melhoramento genético humano, Eugenia e discriminação.

Perspectiva teórica em foco: Multiculturalismo Crítico.

Estratégia didática: Aula expositiva e dialogada. Vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo

Para Sempre - CRISPR”. Discussão de texto. Júri simulado.

Desenvolvimento da aula:

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1. Inicialmente será realizada uma aula expositiva e dialogada sobre as aplicações da genética

molecular, com discussão mais profunda acerca da reprodução assistida com escolha de

características genéticas “desejáveis” e as implicações éticas envolvidas, articulando, assim, o

discurso biológico com discursos históricos, políticos, sociológicos e culturais. Nesse

contexto, será apresentado o vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre -

CRISPR” (https://www.youtube.com/watch?v=6PZz7CH4e1M), através do qual alguns

questionamentos serão levantados: Qualquer característica é passível de se selecionar? Quais

características selecionar? Se alguém é favorável a poder selecionar “doenças”, quantas

pessoas deficientes não estariam nascidas? Porém quanto sofrimento seria evitado? Quem

pode definir quais características podem ou não ser selecionadas? Se a herança é poligênica,

como selecionar? Tem como, de fato, selecionar?

2. Na sequência, abre-se o debate em relação aos textos “Educar para regenerar e selecionar.

Convergências entre os ideários eugênico e educacional no Brasil” e “Concepções de

estudantes do ensino superior acerca da Eugenia”. Cada um desses textos deve ser

apresentado por um grupo de licenciandos/as.

3. Após as apresentações dos textos, será proposto aos/as licenciandos/as a dinâmica do júri

simulado, na qual parte da turma deve defender a utilização das técnicas de melhoramento

genético humano para a reprodução assistida, enquanto outra parte deve apresentar

argumentos contrários. Ao término dessa dinâmica, os/as licenciandos/as serão estimulados a

apresentar seus próprios posicionamentos (se a favor ou contra) de modo a tomarem uma

decisão apoiada em argumentos, e, assim, será discutido o jogo político de dominação cultural

e social.

Atividade: Leitura dos textos da aula 8.

Texto base para leitura:

GUALTIERI, R. C. E. Educar para regenerar e selecionar. Convergências entre os ideários

eugênico e educacional no Brasil. Estudos de Sociologia, v.13, n.25, p.91-110, 2008.

SCHNEIDER, E. M.; CARVALHO, G. S.; CORAZZA, M. J. Concepções de estudantes do

ensino superior acerca da Eugenia. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em

Ciências, 11., 2017, Florianópolis. Anais. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa

Catarina. p. 1-11.

ENCONTRO 8

Conteúdo: Decolonialidade do Saber. Leis 10639/03 e 11645/08. Planejamento de aula.

Perspectivas teóricas em foco: Pluralismo epistemológico e multiculturalismo crítico.

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Estratégia didática: Discussão de textos. Organização da proposta didática.

Desenvolvimento da aula:

1. Esta aula será destinada a apresentação e discussão dos textos: “Pedagogias decoloniais e

interculturalidade: desafios para uma agenda educacional antirracista”; “A Implementação das

Leis Nº 10.639/2003 e Nº 11.645/2008 e o Impacto na Formação de Professores” e “Por que

ensinar a história da África e do Negro no Brasil de Hoje?” Durante a discussão, os/as

licenciandos/as serão estimulados/as a considerar diferentes discursos sobre o mundo,

valorizando os conhecimentos provenientes das diferentes culturas. A apresentação dos textos

deve ser guiada pelos/as licenciandos, de modo que cada grupo deverá mediar a discussão de

um dos textos e assim seguir o debate.

2. Em seguida, o tempo da aula será reservado para que os/as licenciandos/as possam se reunir

em duplas para pensar uma proposta de oficina e definir data e horário do desenvolvimento da

mesma.

Atividade: Organizar a prática pedagógica.

Texto base para leitura:

COELHO, W. de N. B.; SOARES, N. J. B. A Implementação das Leis Nº 10.639/2003 e Nº

11.645/2008 e o Impacto na Formação de Professores. Educação em foco, v. 21, n. 3, p. 573-

606, 2016.

MIRANDA, C.; RIASCOS, F. M. Q. Pedagogias decoloniais e interculturalidade: desafios

para uma agenda educacional antirracista. Educação em foco, v. 21, n. 3, p. 545-572, 2016.

MUNANGA, K. Por que ensinar a história da África e do Negro no Brasil de Hoje? Revista

do instituto de estudos brasileiros, v. 1, n. 62, p. 20–31, 2015.

ENCONTRO 9

Desenvolvimento: O tempo da aula será reservado para que os/as licenciandos/as possam se

reunir em duplas para aperfeiçoar a proposta de oficina.

ENCONTRO 10

Desenvolvimento: Apresentação e discussão do esboço da oficina.

Divulgação da proposta da oficina em um colégio estadual.

ENCONTRO 11

Desenvolvimento: Realização de alguma atividade proposta na oficina, a fim de testar a

atividade com os/as colegas de turma e aperfeiçoar a proposta.

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323

Divulgação da proposta da oficina em um colégio estadual.

ENCONTRO 12

Desenvolvimento: Realização da oficina.

ENCONTRO 13

Desenvolvimento: Apresentação da análise crítica sobre a experiência da oficina.

ENCONTRO 14

Desenvolvimento: Apresentação da análise crítica sobre a experiência da oficina.

ENCONTRO 15

Desenvolvimento: Avaliação e fechamento da disciplina. Autorreflexão e avaliação da

disciplina. Grupo focal.

6.Avaliação:

Participação e discussão nas atividades em sala – individual.

Elaboração e apresentação de um texto – em grupo

Elaboração escrita e apresentação oral de um plano de oficina – em dupla

Desenvolvimento de uma oficina – em dupla

Análise crítica da oficina – em dupla

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324

APÊNDICE D. QUESTIONÁRIO FINAL DA DISCIPLINA38

IDENTIFICAÇÃO

ALUNO (A): _______________________________________________________________________

Idade: ______________

Religião: _________________________________ Praticante? ( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não

Auto declaração: ( ) Amarelo (segundo o IBGE)

( ) Branco (segundo o IBGE)

( ) Indígena (segundo o IBGE)

( ) Quilombola

( ) Pardo (segundo o IBGE)

( ) Preto (segundo o IBGE)

( ) Pessoa com Deficiência

( ) Pessoa Trans (Transexual, Travesti ou Transgênero)

Nome Social:________________________________________________

Ano de ingresso no curso: ______________________________________

Ingressou na universidade por meio de sistema de cotas: ( ) Sim ( ) Não

Tempo de experiência docente: ________________ Séries em que atuou/atua: __________________

PARTE 1 – AUTOAVALIAÇÃO

Como você avalia seu comportamento/suas atitudes no curso? (Coloque para cada proposição – nos

parênteses – uma nota de 0 a 10)

( ) Consegui expressar claramente minhas ideias e opiniões sobre os assuntos abordados.

( ) Li materiais que auxiliaram meu desenvolvimento durante o curso.

( ) Respeitei diferentes opiniões e valores de meus colegas.

( ) Fui responsável com as metas estabelecidas e os objetivos da disciplina.

( ) Fui educado(a) nas interações com a turma.

( ) Compartilhei conhecimentos e experiências prévios relacionados aos assuntos abordados.

( ) Discuti diferentes pontos de vista (tanto de autores/obras quanto de colegas da turma).

( ) Ampliei minha compreensão sobre as relações entre a genética e questões socioculturais e

políticas.

( ) Fui pontual e assíduo nas aulas.

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

A disciplina atendeu às suas expectativas? Comente.

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento da sua proposta de oficina?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

O que você mais gostou no desenvolvimento da sua proposta de oficina?

38 Questionário inspirado em Conrado (2017).

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325

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

A disciplina contribuiu com seu crescimento e sua aprendizagem profissional e pessoal? Comente.

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

PARTE 2 – AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA

Do que você mais gostou na disciplina? Justifique:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Do que você menos gostou na disciplina? Justifique:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Como você avalia os textos selecionados para o curso? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Úteis ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Cansativos

( ) Outros _________________________________________________________________________

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Como você avalia os conteúdos selecionados para o curso? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Interessantes ( ) Úteis ( ) Suficientes ( ) Cansativos ( ) Monótonos ( ) Desnecessários

( ) Outros _______________________________________________________________________

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

A disciplina foi organizada seguindo pressupostos de duas perspectivas teóricas: O pluralismo

epistemológico e o multiculturalismo crítico.

O pluralismo epistemológico defende a crítica ao cientificismo e orienta que cada conhecimento

tem seu alcance e validade e, assim, pode ser adequadamente aplicado, numa perspectiva de

demarcação de conhecimentos.

Como você avalia a relação dos conteúdos selecionados na disciplina para o desenvolvimento da

sua proposta de oficina com o pluralismo epistemológico? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Outros

____________________

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

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326

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

A perspectiva do multiculturalismo crítico orienta a discussão das relações de poder entre as

culturas, questionando a posição subalternizada de grupos minoritários, como o de

afrodescendentes, além de questionar a naturalização de preconceitos e discriminação, buscando

interrogar o caráter monocultural e o eurocentrismo.

Como você avalia a relação dos conteúdos selecionados na disciplina para o desenvolvimento da

sua proposta de oficina com o multiculturalismo crítico? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Pertinentes ( ) Suficientes ( ) Pouco aplicados ( ) Desnecessários ( ) Outros

____________________

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Como você avalia a proposta de oficina quanto à articulação entre o pluralismo epistemológico

e o multiculturalismo crítico? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Pertinente ( ) Suficiente ( ) Pouco aplicada ( ) Desnecessária ( ) Outros

____________________

Comentários:

______________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Como você avalia a discussão desses conteúdos pela professora? (Pode marcar mais de uma opção)

( ) Interessante ( ) Produtiva ( ) Suficiente ( ) Cansativa ( ) Insuficiente ( ) Desnecessária

( ) Outros

________________________________________________________________________________

Comentários:

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Qual sua opinião geral sobre a disciplina?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Nota geral que você confere à disciplina (Indique uma nota de 0 a 10): _______

Que sugestões você gostaria de apresentar para que a disciplina atinja plenamente seus objetivos?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

Agradeço pela sua participação!

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327

APÊNDICE E. MODELO PARA PLANEJAR A OFICINA

1. Dados de Identificação:

Escola:

Professor (a) supervisor (a):

Dupla:

Tempo provável:

2. Tema:

3. Nível educacional a que se aplica:

4. Área do conhecimento que mobiliza:

5. Conteúdo Programático:

6. Objetivos a alcançar:

6.1 Conceituais

6.2 Procedimentais

6.3 Atitudinais

7. Contextualização do tema (aspectos sociais, tecnológicos, políticos...)

8. Metodologia de Ação:

8.1 Métodos e Técnicas

Mínimo de DOIS tipos de atividades diferente da aula expositiva.

Aula expositiva

Jogo

Debate

8.2 Recursos Didáticos

8.3 Desenvolvimento da oficina:

9. Atividade (se houver):

10.Bibliografia:

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APÊNDICE F. CARTA DE APRESENTAÇÃO

Ilmo(a) Senhor(a) Diretor(a),

Venho através deste, solicitar a autorização para que os(as) estudantes

_______________________________________ e

______________________________________, do curso de Biologia da Universidade

Federal de Sergipe, sob número de matrícula ______________________ e

_______________________, respectivamente, possam desenvolver uma oficina com

estudantes do ensino médio desta instituição.

A oficina faz parte de uma atividade obrigatória da disciplina “Tópicos Especiais no

ensino de Ciências e Biologia” e deve ser desenvolvida sob a minha orientação e supervisão.

Caso haja concordância entre os(as) professores(as), é preferível que as atividades sejam

desenvolvidas no horário regular de aulas, em três aulas seguidas num só dia.

As oficinas têm como tema geral o ensino de Genética e as discussões sobre racismo e

eurocentrismo. Assim, no contexto do ensino de Genética podem ser discutidos temas

relacionados à Eugenia, racismo científico ou melhoramento genético. Para uma avaliação e

discussão mais aprofundada junto aos estudantes de licenciatura, as oficinas podem ser

gravadas em áudio e/ou em vídeo. Para tanto, solicitamos que os estudantes que aceitarem

participar da pesquisa assinem um termo de consentimento, e no caso de estudantes menores

de idade, que o termo seja estendido aos pais ou responsáveis.

Atenciosamente,

________________________________________________

Isabela Santos Correia Rosa

Professora Voluntária do Departamento de Biologia/UFS

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APÊNDICE G. ORIENTAÇÕES PARA A ANÁLISE CRÍTICA DA OFICINA

TEMA DA OFICINA

1. INTRODUÇÃO (Neste tópico vocês devem apresentar a importância de abordar o

tema em questão no âmbito escolar, bem como os objetivos com a oficina).

2. O PERCURSO METODOLÓGICO (Neste tópico, vocês devem apresentar os

momentos da oficina, bem como O QUE foi utilizado para o desenvolvimento de cada

atividade proposta).

3. RELATO DA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA (Este é o tópico referente aos resultados

e discussões, onde vocês devem apresentar: 1. A participação dos estudantes em cada

atividade proposta, contando a história de COMO aconteceu cada atividade e COMO os

estudantes reagiram a experiência; 2. A avaliação de vocês quanto aos aspectos positivos da

proposta; 3. A avaliação de vocês quanto as possíveis falhas da proposta, apresentando o que

faria diferente a partir da reflexão da prática; 4. A avaliação do que conseguiu cumprir em

relação ao planejamento prévio, justificando o que não foi possível ser feito; 5. Avaliação das

possíveis decepções que tiveram com a experiência, apresentando as expectativas que não

foram alcançadas e as possíveis razões; 6. As possíveis alegrias que viveram com a prática,

apresentando o que deu certo da atividade; 7. Em que medida vocês atenderam ao barema de

avaliação do plano de aula: como atendeu, a partir de qual(is) atividade atendeu ou porque

não atendeu. A medida que vocês desenvolverem essa discussão, podem intercalar o relato

com citações de artigos provenientes de revistas ou de livros, preferencialmente).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS (Aqui vocês devem apresentar de forma geral, os

aspectos positivos e negativos da experiência pedagógica, bem como a contribuição dessa

vivência para a formação de vocês)

5. REFERÊNCIAS (Seguir as normas da ABNT e dar preferência a referências

bibliográficas advindas de periódicos e livros indexados recentes).

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330

APÊNDICE H. ANÁLISE DA VALIDAÇÃO POR PARES REFERENTE AO

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL SEMIESTRUTURADA39

Perguntas É possível alcançar

o objetivo esperado

a partir de como a

pergunta está

elaborada?

1. O que ficou da disciplina na sua mente, no seu modo de pensar e de

trabalhar com o ensino de Biologia?

7.5

2. Algo mudou? O que mudou de concepção da prática docente a partir das

discussões promovidas na disciplina?

7.5

3. Você pensa em discutir com seus alunos do ensino médio o conceito de

ciência? Por quê? Como discutiria?

6.5

4. Você pensa em discutir com seus alunos do ensino médio a crise do

conceito de gene? Por quê? Como discutiria? Abordaria a história de

Rosalind Franklin? Como?

8.0

5. Como você lidaria com o fato de ter alunos que acreditam que “As

características estão no sangue”? Se o seu aluno, apesar de compreender os

mecanismos de herança biológica, insiste em afirmar em contexto familiar

que “As características estão no sangue”, é importante para você que este

aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento

científico em todos os contextos? Por quê?

7.0

6. Como você poderia exemplificar, para os seus estudantes, que todos os

tipos de conhecimento têm validade, de acordo com o contexto?

8.0

7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos

dos estudantes, bem como suas culturas? Com qual objetivo?

8.0

8. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança

biológica, apresenta a crença de que “Crianças podem nascer com alguma

deficiência por causa de castigo de Deus”, é importante para você que este

aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento

científico? Por quê?

7.0

9. É função do professor de ciências alterar crenças dos estudantes ou a

compreensão dos conceitos científicos é suficiente? Para entender é preciso

acreditar?

7.0

10. Por que é importante que conhecimentos de grupos étnicos e culturais

sejam acionados na sala de aula?

7.5

11. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, questões

sobre racismo e alterização, por exemplo, no contexto do ensino de

Biologia? Por quê? Como discutiria?

8.0

12. É importante articular as discussões sobre eurocentrismo no contexto do

ensino de biologia? Você pretende fazer isso em práticas pedagógicas

futuras? Como?

8.0

13. Você poderia citar fatos na história em que o discurso científico

influenciou decisões sociais sobre questões raciais? Você levaria essa

articulação do discurso biológico com outros discursos para a sala de aula?

Como?

7.5

39 O escore total foi calculado somando as respostas de cada um dos oito participantes do processo de

validação por pares, sendo que o “sim” equivale a 1 ponto, a opção “em parte” a 0.5 ponto e a opção

“não” a 0 ponto. Dessa forma, o escore de 8 pontos representa uma questão bem elaborada. Assim,

quanto maior o escore, mais bem elaborada está cada questão.

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14. Qual a importância, no contexto do ensino de biologia, de se

problematizar as identidades coletivas marginalizadas?

Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões

culturais no ensino de biologia? Que argumentos você apresentaria contra

tais argumentos?

7.0

Fonte: Dados da pesquisa.

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APÊNDICE I. ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL

1. O que ficou da disciplina na sua mente, no seu modo de pensar e de trabalhar com o ensino

de Biologia?

2. Houve alguma mudança de concepção de prática docente a partir das discussões

promovidas na disciplina? Se sim, qual ou quais?

3. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, o conceito de ciência? Pensa em

problematizar o poder simbólico do termo ‘ciência’, a influência eurocêntrica? Por quê?

Como discutiria?

4. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, a crise do conceito de gene? Por

que? Como discutiria? Abordaria a história de Rosalind Franklin? Como? Conhece outros

exemplos, outras histórias que permitiriam vincular também questões políticas, culturais e de

gênero, além da história de Rosalind Franklin?

5. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica, insiste em

afirmar, no seu contexto cotidiano, que “As características estão no sangue” é importante para

você que este aluno anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento científico em

todos os contextos? Por quê? E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento,

como práticas racistas ou sexistas, por exemplo, devemos questionar e buscar superar essas

práticas?

6. Você acha que todas as formas de conhecimento são válidas? Considera importante que

conhecimentos de grupos culturais minoritários sejam acionados na sala de aula? Como você

poderia exemplificar essa abordagem?

7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos dos estudantes,

bem como suas culturas? Com qual objetivo?

8. Você pensa em discutir, com seus alunos da educação básica, questões sobre racismo e

alterização, por exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê? Como discutiria?

9. Você poderia citar fatos na história em que o discurso científico influenciou decisões

sociais sobre questões raciais? Você levaria essa articulação do discurso biológico com outros

discursos para a sala de aula? Como?

10. Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões culturais no

ensino de Biologia? Você concorda com estes argumentos? Se sim, como você defenderia

esses argumentos? Se não, que contra-argumentos você apresentaria?

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APÊNDICE J. TRANSCRIÇÃO DOS EPISÓDIOS COMUNICATIVOS

Dimensão Epistemológica

Episódio 3. Encontro 1. Momento 5. Intervalo 02:32:12 – 02:44:07

Tema: O conceito de ciência e suas implicações

Nesse episódio, discutimos sobre o conceito de ciência. Para isso, foi apresentado aos licenciandos/as

várias palavras - DESCOBRIR, UM MÉTODO, VÁRIOS MÉTODOS, UM CIENTISTA,

VERDADEIRO, DESCOBRIR, VÁRIAS PESSOAS, POLÍTICA, CERTEZA, SOCIEDADE,

VERDADEIRO, TECNOLOGIA, DÚVIDA – e eles/as foram convidados/as a escolher as palavras

que se relacionassem ao conceito, justificando a escolha.

Turno 1. Licenciandos/as: Descobrir.

Turno 2. Eduardo: Dúvida.

Turno 3. João: Vários métodos.

Turno 4. Professora: Dúvida, né?

Turno 5. João: Dúvida, sim.

((E eles seguem falando concomitantemente: sociedade, política, tecnologia, várias pessoas))

Turno 6. Marcos: um método.

Turno 7. João: Um método, não! Um método, acho que não.

Turno 8. Professora: O que vocês acham? Um método ou vários métodos?

Turno 9. Licenciandos/as: vários métodos.

Turno 10. Marcos: Um método.

Turno 11. Professora: Vamos lá. Por que? Quem quer começar a explicar?

Turno 12. Marcos: Por que tudo na ciência é baseado em um princípio. Mesmo tendo vários

métodos, seria um geral pra que seja considerado ciência.

Turno 13. Maria: Então, deveria ser padrão, aí. Um padrão.

Turno 14. João: Você limita as coisas entrarem como ciência. Porque se for por isso, história não é

ciência, filosofia não é ciência...

Turno 15. Professora: certeza entra?

Turno 16. Licenciandos/as: Não.

Turno 17. Professora: Verdadeiro?

Turno 18. Licenciandos/as: Não.

Turno 19. Professora: Um cientista?

Turno 20. Licenciandos/as: Não.

((Licenciandos/as falam ao mesmo tempo e a professora tenta sistematizar as falas))

Turno 21. Professora: Um cientista, por que não entra?

Turno 22. Eduardo: Então, eu acho que ciência é feita parte de... mesmo, por exemplo, se eu

descobrir alguma coisa hoje, eu me baseei em outras pessoas, outros cientistas que já estudaram

coisas parecidas, pelo menos. Então, acho que não se faz ciência apenas com um cientista.

Turno 23. Victor: Ele não parte do nada, né?

Turno 24. Eduardo: Exatamente.

((Um grupo de estudantes entram na sala para divulgar um evento na universidade))

Turno 25. Professora: Ok, agora, é... eu acho que houve consenso em tudo aqui dentro, não foi?

((referindo-se as palavras que se relacionam com o conceito de ciência)).

Turno 26. João: Não. Tudo não.

((risos)) ((A professora resume a discussão para um estudante que chegou atrasado))

Turno 27. Professora: Então, a questão da política, aqui... alguém quer falar? Quem colocou política

dentro do círculo... porque que política está envolvido com o conceito de ciência?

Turno 28. João: Porque se a gente for parar pra pensar, quem tem o poder da ciência hoje em

dia, são pessoas ricas.

Turno 29. Carol: Brancas.

Turno 30. João: são pessoas brancas, tudo isso né? E aí a gente traz vários questionamentos. É::

Desenvolvimento científico, por exemplo, vamos lá... Eu acho que todo mundo já pensou nisso. Será

que realmente não existe uma cura pra Aids, por exemplo, e as indústrias farmacêuticas seguram,

isso... é só uma suposição, a gente não sabe a verdade, né? Mas, coisas nesse sentido, de que:: ela é...

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são envolvimentos políticos que estão envolvidos nisso, tá ligado? //

Turno 31. Nami: Eu pensei no sentido de que a ciência interfere no desenvolvimento da

sociedade e a sociedade precisa de uma política pra organizar. Então é meio que uma escada,

assim.

Turno 32. João: É... porque, por exemplo, se a gente for parar pra pensar, cientificismo. Que é o

desenvolvimento da ciência pra ela mesma pra que, sabe? Tudo se desenvolva. No que deu o

cientificismo? Quando a gente chegou na segunda guerra mundial, teve o nazismo e o nazismo se

baseou no cientificismo porque ele queria, ele utilizava pessoas pra ficar testando medicamentos,

num sei o quê, num sei o quê... então, é uma questão política da ciência, né? Será que ela

realmente não tem limites, será que ela não se desenvolveu? Ela mesmo, né?

Turno 33. Maria: Aí entra a sociedade também, né?

Turno 34. João: Sim, sim, são coisas que estão ligadas.

Turno 35. Bruno: E também tem a questão de que a política vai filtrar o que a gente vai

pesquisar ou não né? Porque querendo ou não a gente vai ter que pesquisar os interesses... de

quem financia. //

Turno 36. Professora: Ah, uma coisa que não houve consenso aqui foi em relação a um método ou

vários métodos, né? O que seria mais adequado pra definição de ciência? Será que pra ser chamado de

ciência você tem um método único pra seguir, ou a ciência admite que você tenha vários métodos

diferentes a depender do seu estudo?

Turno 37. Victor: Eu acho que vai depender, né? Você pode testar vários métodos mas um deles

será mais eficiente. Apesar de ter vários, mas, só um seria suficiente. Dependendo...

Turno 38. Professora: Mas, esse um método seria suficiente pra qualquer tipo de trabalho?

Turno 39. Licenciandos/as: Não. //

Turno 40. Professora: E aí? O que vocês acham?

Turno 41. João: Eu acho que:: é... talvez você tenha um método maior, que você já desenvolveu,

num sei o que... eu acho que:: é... isso deixa tudo muito... muito... fechado, sabe? E não permite

que as outras ciências se encaminhem pra esse conceito de ciência //

Turno 42. Maria: Então, segue um padrão?

Turno 43. João: Então, segue um padrão, mas é isso que eu tô falando, tem outras ciências, que

também são ciências, que elas podem não necessariamente ter essa repetição. E elas deixam de

ser ciência por causa disso?

((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))

Turno 44. Marcos: Eu concordo com vocês, por exemplo, não tem como utilizar um método, sei

lá pra estudar zoologia, e não tem como usar o mesmo método pra pessoa que for estudar

filosofia da ciência, mas, todas seguem um padrão de hipótese, de coleta de dados, de testar ou

não hipóteses e apresentar resultados...

Turno 45. Maria: Então, no caso, esse um método seria um padrão? É um padrão.

((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))

Turno 46. Marcos: Então, aqui por exemplo, na nossa disciplina, também não tá tendo um

experimento prático, mas, tá servindo... tá sendo usado na tese da professora. Não deixa de ser

ciência. Então, se por exemplo, não tivesse sido gravado ou a gente não permitisse, seria só uma

conversa, então, ela não poderia usar isso na tese dela. Ela tem que seguir um padrão pra que

isso seja considerado ciência.

Turno 47. Professora: É. Eu tenho que seguir um padrão, para que seja considerado ciência. Certo. É...

A questão é se esse padrão seria um único método pra tudo quanto for tipo de pesquisa? Essa é a

questão. Se você usa um mesmo padrão, como você mesmo disse, o método que eu tô usando é um

método diferente do método do zoólogo. Mas, deixa de ser ciência? O que é ciência?

((Risos))

Episódio 4. Encontro 1. Momento 5. Intervalo 02:48:28 – 02:57:37

Tema: O conceito de ciência e a validade dos diferentes saberes

Nesse episódio, a professora segue problematizando imagens estereotipadas sobre ciência e cientista.

E na sequência, discutimos os argumentos de autores que concordam e que discordam em manter o

conceito de ciência reservado ao constructo cultural do ocidente.

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Turno 48. Professora: Veja só uma coisa interessante que eu gostaria de discutir com vocês, um

questionamento retirado do texto de Cobern e Loving (2001): O indígena habitante da ilha no Pacífico

Sul comentou que os ocidentais só pensam que sabem por que o oceano sobe e desce, numa base

regular. Eles acham que tem a ver com a lua. Eles estão errados. O mar sobe e desce quando as

grandes tartarugas marinhas saem e voltam para as suas casas na areia. O oceano desce à medida que a

água corre para o ninho vazio. O oceano sobe à medida que a água é forçada a sair pelas tartarugas que

retornam. Agora eu quero saber de vocês: Esse habitante da ilha está sendo científico porque ele tem

conhecimento exato das marés do oceano que afetam sua ilha? Ou ele não está sendo científico

porque a sua explicação para a ação das marés é cientificamente inapropriada?

Turno 49. Everton: Êta professora. ((Risos))

((Licenciandos/as falam ao mesmo tempo))

Turno 50. Professora: E aí? Vamos socializar a discussão. //

Turno 51. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, aí tem esses dois extremos que você falou, né? Que é a

gente relativizar demais a ciência ou ser extremamente cientificista. E aí...

((A professora interrompe para exlicar o termo cientificismo))

Turno 52. Eduardo: E por isso a questão da demarcação. Precisa da demarcação.

Turno 53. Professora: Isso. É a questão da demarcação. Isso mesmo. Mas, continue, Everton.

Turno 54. Everton: Aí colocar esses dois pontos de extremos aí é onde tá o problema. Por que a gente

não leva em consideração o caminho tênuo de um ponto até o outro. Quando a gente... Se a gente

puder levar em consideração esse caminho que pode ser percorrido, a gente poderia chegar a um

consenso. Se eu fosse pelo primeiro conceito ((ciência como qualquer percepção da realidade)) a

primeira frase estaria correta. Ou o segundo e a segunda frase estaria correta.

((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))

Turno 55. Professora: Eu quero a opinião de vocês, o que vocês acham, vocês acham que os habitantes

da ilha foram científicos ou não? //

Turno 56. Arizona: Acredito que sim.

Turno 57. Professora: Por que?

Turno 58. Arizona: Ué, é como ele disse nestante, analisando tudo, observando, chegou a essa

conclusão, né?

Turno 59. Maria: Que tá sendo usada, e de uma maneira ou de outra, será usado pra algum propósito.

((Vários/as licenciandos/as falam ao mesmo tempo))

Turno 60. Nami: Quando a gente tava construindo o conceito de ciência, a gente não concordou que

seriam usados vários métodos, e esse foi o método criado por eles naquele momento. Então, eles

pularam a parte do experimento.

Turno 61. Professora: A gente não concordou, alguns concordaram e outros não. ((Risos))

Turno 62. Nami: É. Quem concordou, é isso. Quem não concordou, eu não sei. ((Risos))

Turno 63. Arizona: Professora, eu acho que é científico, porque depois outra pessoa pode dizer

assim, não... isso tá errado, então, alguém vai ter que se aprofundar numa pesquisa pra mostrar

a ele que ele tá errado. Então, seria um caso científico sim.

Turno 64. João: Então, conforme foi comentado aqui nesse meio ((referindo-se a um grupo de três

alunas que não pronunciaram no curso do debate)). ((Risos))

Turno 65. Professora: João é o porta voz, né?.

Turno 66. João: É. Das tetas aqui. Mas, foi comentado aqui que pode até ter se apropriado do

conhecimento científico, mas, parou na hipótese porque eles não conseguiram fazer o teste e

essas questões todas, então, estagnou na hipótese.

Turno 67. Professora: Então, os habitantes da ilha não foram científicos.

Turno 68. João: Semi-científicos. ((Risos))

Turno 69. Iara: Não. Tem que ser científico porque eles apresentaram uma conclusão. Ei,

professora, tô bugada, viu? ((Risos)) //

Turno 70. Jules: Depende do propósito que a pessoa tenha com essa informação. É importante,

eles observaram que o mar sobe e desce ou ele quer algo específico com aquilo. Estudar a fundo

aquilo alí...

Turno 71. Professora: Mas, se ele não tiver o objetivo de estudar a fundo? Mas, entender a natureza

para sobreviver bem com ela? Eles seriam científicos ou não?

Turno 72. Jules: Eu acho que não. Seria apenas uma observação que ele fez.

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Turno 73. Marcos: Eu também acho que não. É uma forma de conhecimento válida,

praticamente mais útil até que muito conhecimento que na minha opinião é científico... pra ele

não importa saber se a lua cheia... no caso... mas, não deixa de ser válido. O conhecimento.

Turno 74. João: Então, não deixa de ser verdade o que ele falou. //

Turno 75. Maria: E se a alimentação deles for a base de tartaruga?

Professora: E pra ser científico tem que ser verdade, Jhon?

Turno 76. João: Não. Não tem que ser verdade, mas, se for correlacionar o que os cientista

disseram, o fato é que eles encontraram o que eles acharam que eles entenderam naquela

situação. Então, se você for correlacionar, as coisas realmente batem. Então, indiretamente foi

científico.

Turno 77. Professora: Então, foi científico porque bate com o conhecimento científico, porque se

contrapor ao conhecimento científico, aí... ((Risos)) //

Turno 78. Everton: Deixa eu dizer uma coisa, o conceito de ciência que eu construí até hoje, pra

mim não seria ciência. Agora se a partir de hoje eu começar a desconstruir esse conceito de

ciência aí eu posso mudar de opinião. Mas, nesse caso, com esse conceito que eu construí até

hoje, antes de entrar nessa sala, não é ciência. ((Risos)) //

Turno 79. João: (...) Se eu fosse assim, o dono da ciência, eu falaria é ciência. //

Episódio 42. Encontro 6. Momento . Intervalo 01:18:49 – 01:22:35

Tema: O alcance e as limitações dos conhecimentos denominados científicos

Nesse episódio, foi discutido o vídeo “Engenharia Genética Mudará Tudo Para Sempre - CRISPR” e o

filme GATTACA – Uma experiência genética.

Turno 80. Fabrício: É como ele fala no vídeo, assim... a... a descoberta da cura de algumas doenças pra

modificar alguma coisa, eu acredito!

Turno 81. Professora: Você apoia?

Turno 82. Fabrício: é complicado porque eu sei que vai... a cura do câncer é importante... uma coisa

leva a outra...

Turno 83. Nami: Eu acho que é muito perigoso ainda, porque a gente não tá ainda... não sei se é

educado, a palavra... assim:: a gente não tá preparado pra esse nível de tomada de decisão... e

ainda mais que uma descoberta desse nível, que ele falou que um cara super rico pode chegar lá

e comprar a ideia e fazer dela o que bem quer. Fazer um comércio e aí vai começar a

GATTACA. Ou seja, só aquelas pessoas que tem muito dinheiro vão poder usufruir daquilo.

Então, é uma faca de dois gumos, você pode se dar muito bem com aquilo ou pode dar muito

errado. E quando ele fala sobre a interação dos genes aí que é mais perigoso ainda, porque a

gente não entende como é que funciona. Então, simplesmente chegar e cortar aquele gene e

colocar um novo será que aquele que tava ruim, não tava interagindo com outro e vai dar

problemas maiores mais pra frente? Aí eu não sei...

Turno 84. Arizona: Eu achei interessante a discussão que ele falou no final, que não devia

eliminar, devia ter sim, o estudo, né? Mais aprofundado... divulgação do conhecimento mas, não

acabar. Porque ele fala, então, vamo acabar! Já que vai dar esse problema todo... mas, eu acho

que tem que ter sim, o estudo:: não tem por onde correr... Mas, é meio complicado, como ele

disse... começa uma coisa vai pra outra...

((A pesquisadora pede atenção para que fale um de cada vez))

Turno 85. Nami: É importante continuar, com certeza, porque é um grande avanço, agora não colocar

isso como acessível. Pra o público. Agora não. A gente não tá preparado pra essas mudanças assim

não. Você poder escolher o que você bem quer...

Turno 86. Arizona: Mas, a pergunta: quando vai tá preparado?

Turno 87. Nami: Não agora, eu acho...

Turno 88. Jhoserd: Eu acho que tinha que ser trabalhado muito a questão da reflexão no... no

âmbito bioético, assim... justamente pelo fato de que nós realmente não estaríamos preparados

de maneira alguma se hoje isso fosse acessível.

Turno 89. Nami: A gente sabe o quanto a gente é influenciado por opiniões bobas, hoje... imagine ter

que tomar tipo essa. Ou seja, um pequeno grupo é a favor, eles tem um número de influência no geral

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e todo mundo vai concordar. Mesmo sem concordar. Então, eu acho que agora não.

Turno 90. Everton: Quer ver um exemplo prático de como a gente não está preparado pra essas

questões, que eu gosto muito de usar... foi o exemplo da fosfoetanolamina, que teve toda aquela

discussão recentemente. Que foi prometido como a cura do câncer. Teve aquela mobilização, inclusive

dos depultados de... não:: tem que liberar, tem que liberar... e não valeu de nada...

Turno 91. Professora: Qual o nome da substância?

Turno 92. Everton: Fosfoetanolamina. É a substância que... é a promessa de curar todos os tipos de

câncer. E teve até lei que era pra... liberar o uso pra quem quisesse... e viu que na verdade ela causava

mais prejuízo do que soluções. Porque dependia muito do indivíduo. E as interações de um tipo de

câncer. E a sociedade ainda não está preparada pra esse tipo de coisa. Porque há esse distanciamento

do conhecimento científico. E quem tá lá não tem como discutir essas questões do conhecimento

cientítico.

Turno 93. Nami: Vai discutir como se as pessoas não entendem? Nem se esforçam tanto assim pra

entender, se elas só acham mais fácil... ir na opinião:: aquele dalí parece esperto... então, vou com ele

que eu acho que vai dar certo!

Diálogo Intercultural

Episódio 16. Encontro 3. Momento 2. Intervalo 01:20:54 – 01:32:05

Tema: Entre anular e valorizar os conhecimentos dos estudantes

A pesquisadora solicitou que eles se colocassem na postura de professores para responder a alguns

questionamentos.

Turno 1. Professora: Pra vocês, enquanto professores/as de Biologia é importante que os estudantes

desmistifiquem essas questões relacionadas ao senso comum?

Turno 2. Licenciandos/as: Sim.

Turno 3. Bruno: Se for errado.

Turno 4. Professora: Errado pra quem?

((risos))

Turno 5. Bruno: Aquela questão alí que a herança se dá pela mistura do sangue... eu acho que

não é certo pra ninguém.

Turno 6. Professora: Mas, veja: a pessoa tem uma explicação, e essa explicação é suficiente pra

entender determinado fenômeno.

Turno 7. Amanda: É certo em um ambiente, né? Em um universo... no caso, seria certo pra ele.

Turno 8. Professora: É suficiente pra ele aquilo alí.

Turno 9. Nami: É suficiente pra ele participar da aula: Professora, eu sei que... aí ele fala:: pelo menos

participou. ((Risos))

Turno 10. Professora: Mas, explica pra ele, explica, isso é suficiente pra explicar o fenômeno de

herança. Pra vocês é importante que eles desmistifiquem essas questões?

Turno 11. Bruno: Pra mim, é.

((Os/as licenciandos/as começaram a destacar as concepções que para cada um deles, seria importante

que os estudantes desmestificassem))

Turno 12. Professora: “Crianças podem nascer com alguma deficiência por causa de castigo de Deus”.

Isso precisa ser desmistificado?

Turno 13. Eduardo: Eu acho que sim.

((Alguns licenciandos disseram que não e muitos falam ao mesmo tempo))

Turno 14. Ariel: Eu acho importante a gente desmistificar isso, até porque se a criança for de

uma família religiosa e ela for religiosa, ela só vai ter medo de um Deus que pode dar algum

castigo a ela.

Turno 15. Professora: Mas, veja: se o fato dessa criança ter medo de Deus, fazer com que essa criança

que tenha medo, seja uma pessoa melhor, mais compassiva, mais amorosa pelo medo que ela tem de

Deus?

Turno 16. Bruno: Mas, isso de religião eu não mexeria não.

Turno 17. Eduardo: E se tivesse uma criança deficiente na sala, ela ia falar: Ah, você foi

castigada, fez alguma coisa errada. É isso que eu penso, entendeu? É isso que eu penso...

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((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))

Turno 18. Elodie: Eu acho que a gente tinha que:: fomentar... o pensamento crítico. Eu acho que

a gente daria, como ela falou, a gente daria oportunidade do aluno escolher, né? Você acha isso,

mas a ciência diz isso aqui ou então, isso aqui tá num sei o que... né? Dá essa oportunidade de

falar... //

Turno 19. Arizona: É. Não pode dizer que ele [o estudante] tá errado. //

Turno 20. Bruno: Na hora da prova, não existiria certo ou errado?//

((Muitos falam ao mesmo tempo))

Turno 21. Elodie: Agora tem uma frase, na primeira parte que eu acho que tem que ser

desmistificado, porque envolve a questão de gênero, que é “o pai é mais importante que a mãe”.

Turno 22. Eduardo: E porque a questão religiosa não deve ser desmistificada?

Turno 23. Elodie: Mas, é que essa daí, com a questão religiosa você não tá machucando ninguém, e

aqui você tá colocando pra baixo...

Turno 24. Eduardo: Ah... ele ser castigado não tem problema... //

((risos))

((A discussão gira em torno do mesmo conteúdo já apresentado))

Turno 25. Professora: Vâmo pra frente... É função do professor de ciências alterar crenças dos

estudantes?

Turno 26. Arizona: Não. Não mesmo. ((muitos licenciandos fazem gestos negativos))

Turno 27. Professora: Se o aluno acredita que uma criança nasce com deficiência porque é castigo de

Deus, ela acredita nisso... é função do professor alterar essa crença do estudante? //

Turno 28. Nami: Eu tava pensando assim, eu como professora, eu não tocaria no assunto de

religião, só se a criança se manifestar:: Eu vou falar da ideia científica, mas, vocês podem

acreditar no que você quiserem. Então, cabe o aluno escolher, né? Agora eu, só toco no assunto

se realmente não tiver como fugir. //

Turno 29. Bruno: Eu já decidi que como professor não vou em nenhum momento falar de religião.

Turno 30. Professora: Mas, se o assunto emerge?

Turno 31. Bruno: Então, aí a gente tenta contornar, né? Mas, eu... no meu plano de aula, não vou falar

de religião. //

Turno 32. Professora: É função do professor de ciências alterar crenças dos estudantes ou a

compreensão dos conceitos é suficiente?

Turno 33. Carol: As duas vertentes, porque... não vai depender do professor mudar o

pensamento... a gente vai explicar e aí cabe a ele decidir o que ele vai...

Turno 34. Eduardo: Eu discordo. Porque quando você tá explicando alguma coisa, é... algum

conceito biológico, assim... pra uma criança que tem uma opinião já formada, ela não vai querer

te ouvir. A não ser que você desmistifique. Eu acho assim.

Turno 35. Professora: Então, na sua opinião, pra entender é preciso acreditar?

Turno 36. Eduardo: Exatamente.

Turno 37. Licenciandos/as: Não...

Turno 38. Arizona: Não, Eduardo.

Turno 39. Eduardo: Peraí, não entendi...

Turno 40. Professora: Ó, você disse assim, fala sua: É... a criança que acredita... que vai dizer que sim,

é castigo de Deus, ela não vai querer aprender outra coisa. Não foi isso que ele disse?

Turno 41. Eduardo: É. Exatamente isso.

Turno 42. Bruno: Aí a professora perguntou se pra aprender, você tem que acreditar naquilo.

Turno 43. Professora: pra o aluno entender o assunto, é preciso que ele acredite nisso?

Turno 44. Eduardo: Não. Mas, eu acho importante. Que ele acredite.

Turno 45. Professora: Mas, para entender, é preciso acreditar?

Turno 46. Licenciandos/as: Não... não... //

Turno 47. Nami: E essa questão que pra entender, é preciso acreditar, por exemplo, eu nunca

entendi o Big Bang, mas, eu acredito que ele aconteceu...

Episódio 39. Encontro 6. Momento . Intervalo 00:13:18 – 00:14:33

Tema: O dilema com os saberes dos estudantes

O episódio apresenta a discussão entre o filme “GATTACA – Uma experiência Genética” e a nossa

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realidade.

Turno 48. Fabrício: Eu acho que não devia ser respeitado, esse tipo de coisa ((referindo-se a

culturas em que o infanticídio é praticado)).

Turno 49. Clayane: Não devia ser repeitado?

Turno 50. Fabrício: É.

((A professora explica a posição de Fabrício))

Turno 51. Fabrício: Portanto que a cultura não fira nenhum direito humano.

((Maria interrompe para falar ao mesmo tempo: direito humano))

Turno 52. Fabrício: E também, nem animal também...

Turno 53. Maria: Verdade.

Turno 54. Fabrício: o resto tá valendo... isso... agora, matar um animalzinho ou impossibilitar uma...

Turno 55. Pesquisadora: as oferendas.

Turno 56. Fabrício: Isso.

Turno 57. Maria: mais querendo ou não a gente tem que respeitar.

Turno 58. Fabrício: Eu acho que não.

((Maria e Clayane falam ao mesmo tempo e a professora passa a fala para Clayane))

Turno 59. Clayane: Tem que respeitar. Por mais que de fora nós temos outra realidade. Uma

coisa, é a gente tá de fora, e observar e julgar. Outra coisa é tá lá e ver porque eles acreditam

nisso.

Implicações e intenções políticas

Episódio 15. Encontro 3. Momento 1. Intervalo 00:17:06 – 00:23:02

Tema: A naturalização de preconceitos e discriminação e o caso das cotas raciais

Discussão da música “Coisas de pele”, a fim de problematizar o protagonismo e a resistência de

grupos afrodescendentes que foram subalternizados historicamente.

Turno 1. Professora: Vocês se consideram racistas?

Turno 2. Arizona: Depende, né?

Turno 3. Eduardo: Eu só não gosto de branco. ((risos))

Turno 4. Arizona: Porque tem vários tipos, né? De racismo?

Turno 5. Professora: Que tipos são esses?

Turno 6. Fabrício: Inconsciente.

Turno 7. Professora: Racismo inconsciente. Como é esse racismo inconsciente?

Turno 8. Fabrício: A pessoa se intitula não racista, mas, suas atitude, suas... como eu posso dizer? É...

Turno 9. Bruno: Tem pessoas que nem sabe que é racista, porque já tá tão normal, que...

Turno 10. Professora: naturalizado.

Turno 11. Bruno: É. Que pra ele é normal.

Turno 12. Professora: Será que vocês são racistas inconscientes? //

Turno 13. Bruno: Só se for bem inconsciente mesmo. Porque que eu lembre... nunca fiz nada não:: Dê

um exemplo aí professora. Pra gente saber, é mais fácil. ((risos))

Turno 14. Professora: Vou contar uma atitude racista minha...

Turno 15. Bruno: Deixe a professora mostrar que é racista, deixe a professora mostrar que é racista,

que a gente vai junto... ((risos))

Turno 16. Carol: Eu acho que todos somos, porque... fomos criados num padrão que nos faz ser

racistas de forma consciente ou inconsciente, vai depender... do que a pessoa quer escolher.

Vamos supor, tem ditados que a gente acha que são coisas, tipo... humor negro, hoje é dia de

branco, ah... coisa de preto ou coisa de... são atitudes racistas mas que pra gente, foram...

passadas como normal no cotidiano, que a gente podia utilizar, como se fosse algo normal.

Então, para mim, todos somos aqui:: porque... as vezes, vamos supor, a gente diz que não é, mas,

não apoia as cotas, porque diz que isso, é... não tá... não tá valorizando, ou que isso tá, vamos

supor, colocando um grupo a frente dos demais, então, eu acho que, infelizmente, é necessário

que a gente seja sensibilizado pra poder desconstruir o que foi criado como padrão por nós.

Turno 17. Jhoserd: Eu acho que é um racismo estrutural, assim... vai para além de uma atitude

pontual, assim, que envolve toda estrutura social, da sociedade... já tá enraizado, assim, sabe?

Turno 18. Professora: Foi fundado junto com a história do nosso país, né?

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Turno 19. Jhoserd: Exato!

Turno 20. Bruno: Professora, se eu não concordar com as cotas, eu sou obrigatoriamente racista, é?

Turno 21. Marcos: Eu também discordo das cotas também...

Turno 22. Fabrício: Assim, quando você fala em dívida histórica, eu acho muito... muito forte

isso. Porque, sei lá... quando a gente fala nas cotas... eu acho que é bater mais na tecla. Eu acho

que é você intensificar um pouco o pensamento mais segregador.

Turno 23. Bruno: Eu, particularmente, não concordo com as cotas pra negro. //

Turno 24. Carol: Nosso país é racista, mas mascara essa... pra outros países, que é um país que aceita

bem a diversidade cultural.

Turno 25. Amanda: Ainda dentro dessas questões de cotas, eu tava até comentando com Elodie,

a gente tem um país que até pouco tempo atrás era proibido a entrada de negros, não só em

universidade, mas, em colégios:: e aí eu encaro as cotas como uma tentativa de suprir esse

quadro, no sentido de... tem que ter negros aqui. Tem que ter pessoas de baixa renda nesses

espaços. Então, tipo, eu não sei se todo mundo que não apoia as cotas é racista, mas, eu acho que

boa parte das pessoas que fundamentam esse pensamento que: Ah, cotas é muito injusto, cotas...

mesmo que inconsciente tem uma pegadinha sim, racista, sabe? Não todo mundo, mas, acho que

boa parte das... principalmente dos grandes políticos, as grandes pessoas que fundamentam essa

política anti-cotas...

Turno 26. Jhoserd: São pessoas privilegiadas.

Turno 27. Amanda: Até porque temos cota pra baixa renda, e a gente não pode negar que

predominantemente no Brasil, quem é que é baixa renda? Quem são as pessoas em imagens

periféricas, assim? Em condições de subsistência mesmo? Sabe? Então, acho que as cotas é uma

tentativa de dar oportunidade, pra essas pessoas que já foram até barradas por leis, de entrarem

nesses espaços.

Episódio 23. Encontro 4. Momento 3. Intervalo 01:18:54 - 01:23:22

Tema: O conceito de raça entre o biológico e o social

Na sequência, foi levantada a discussão sobre o conceito de raça, principalmente sobre como esse

conceito caiu em desuso e voltou ao uso como marcação política.

Turno 28. Professora: Em relação ao conceito de raça, o que vocês acham? Existem raças humanas?

Turno 29. Jhon: Não. Eu acho que... pelo que eu vi esse questionamento em Evolução...

((inaudível)) e um dos textos vai falar sobre os genes que vão definir essas características nos

humanos e em outros animais, que nos outros animais são muito maiores e no ser humano é

muito pequeno. E por causa dessa pequenitude a gente não pode, é... considerar como raças,

assim, porque é muito pequeno... aí no texto, Munanga diz que menos de 1% dos nossos genes

determinam a cor da pele.

Turno 30. Professora: Negar o conceito de raça, significa que somos todos iguais?

Turno 31. Arizona: Pegadinha.

Turno 32. Amanda: Eu acho que assim... essa questão de tentar padronizar todas as pessoas,

tentar deixar todo mundo igual que é o problema, a gente tem que respeitar a particularidade de

cada pessoa, mas isso não significa que alguém é superior, alguém é inferior, sabe? Entender que

existem diferenças sem hierarquizar. Essa diferença é melhor só que essa, eu acho...

Turno 33. Professora: E aí? O que que vocês acham?

Turno 34. Arizona: Professora, aqui no texto diz que o começo do termo raça foi pra

classificação da zoologia, né? Só foi criada pra saber a diferença dos animais, e eu acho que na

raça humana... Não! Na raça humana, lá vai eu... é... pra gente não precisa disso:: Ter uma

classificação pra saber quem é quem e aquilo... Não! Só pra os animais e a botânica.

Turno 35. Professora: Então, seria o caso de não falar mais em raças?

Turno 36. Jhon: Eu gostei da interpretação de Munanga e tudo que ele fala... a maioria das

coisas que ele fala eu assino em baixo. Mas, eu gosto da maneira como ele traz a questão, sabe?

Se... se a gente resumir raça a questão sócio-política pra esse debate ((Inaudível)), porque é como

é mais fácil de se compreender e se fazer o debate, é... eu acho que vale a pena ter ((Inaudível))...

falando isso: Olhe! Esse conceito, biologicamente, né? Ele não dá pra existir, não rola! Tipo, o

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que a gente assume de verdade dentro da biologia, essas questões... mas, como um conceito sócio-

político, acho que rola sim!

Turno 37. Maria: É isso que eu ia falar, lembrando da aula de gene, né? Falar de raça depende

do contexto!

((risos))

Turno 38. Professora: Os cientistas já negam a validade do conceito de raça, né?

Turno 39. Licenciandos: É.

Turno 40. Professora: Pronto! Se os cientistas já negam a validade do conceito de raça, porque que a

gente segue falando do termo?

Turno 41. Bruno: Porque ainda é usado de maneira incorreta.

Turno 42. Professora: Como? De que maneira?

Turno 43. Bruno: O próprio texto fala que cientificamente não é justificado, mas, a gente utiliza

o termo de forma a segregar os grupos, para hierarquizar branco a frente do índio, preto. Então,

não existe mais cientificamente, raça pra algumas pessoas, né? Mas, ainda é utilizado pra essa

questão mais social. Do branco, preto, índio... do aborígene...

Episódio 26. Encontro 4. Momento 6. Intervalo 02:35:54 – 02:38:12

Tema: A naturalização da discriminação e a política de cotas raciais em debate

O episódio seguinte aconteceu no contexto da discussão referente a relevância da genética para definir

quem deve se beneficiar da política de cotas.

Turno 44. Fabrício: Então, por isso que eu tinha feito uma... uma crítica ao sistema de cotas na

aula passada. Porque eu acho que:: assim... além de ser um pouquinho... um pouco não, bastante

ineficiente, eu acho que não ataca o verdadeiro problema. Que como até ((Nome do estudante))

comentou no início da aula, 40% da universidade pública é frequentada por gente que tem uma

renda familiar de aproximadamente quarenta mil reais, anual.

Turno 45. Carol: É mesmo?

Turno 46. Fabrício: Isso. 40% das universidades públicas são frequentadas por alunos que possui

família que tem uma renda anual próxima a quarenta mil reais. Sendo que...

Turno 47. Professora: Sabiam disso? ((referindo-se a um grupo de alunas que estavam conversando

entre si))

Turno 48. Licenciandas: Não.

Turno 49. Professora: Estavam conversando...

Turno 50. Fabrício: Isso. Que as universidades públicas brasileiras, elas são frequentadas por

alunos que possui família que tem uma renda anual perto de quarenta mil reais. Então, aí você

faz o paralelo. É... a educação, ela investe mais... o governo, ele investe mais na educação

superior ou básica? Superior. Sendo que a superior é frequentada por... quase por pessoas ricas.

Então, como eu vou colocar o negro da periferia na universidade, se eu não invisto na educação

básica? No ensino fundamental? Por exemplo, eu sou negro, assim, graças a Deus, minha família

teve condições de pagar uma escola particular... ensino médio particular:: é... pré-vestibular

particular... então, tive essa condição de me colocar igual pra igual com qualquer um pra entrar

na faculdade. A faculdade pública. Já aquele negro de periferia que não vai ter investimento na

educação básica, ensino fundamental e ensino médio, ele não vai saber nem... sair do ensino

fundamental sem nem saber ler direito...

Turno 51. Maria: Sem perspectiva de entrar... de ir pra universidade...

Turno 52. Fabrício: Então, como é que eu vou reservar uma vaga pra negro, aqui na universidade, se...

Turno 53. Maria: Se lá no ensino médio, no ensino básico, ele não é estimulado, ele não é...

Turno 54. Fabrício: Isso. O problema, tem que dar a base pra ele, pra ele chegar e competir de

igual pra igual com qualquer um.

Episódio 27. Encontro 4. Momento 6. Intervalo 02:39:19 – 02:44:52

Tema: As relações de poder e a política de cotas raciais em debate

Seguimos discutindo o fato de que as cotas representam uma medida paliativa para corrigir uma dívida

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histórica e possibilitar a representação da população negra nos espaços de poder.

Turno 55. Arizona: Professora, como ele disse, essa dívida histórica só seria paga:: não são as

cotas que vão pagar a dívida histórica, mas sim o investimento no ensino básico, o ensino

fundamental e ensino médio, porque como ele disse, esses alunos não chegam aqui com

capacidade pra acompanhar aqueles alunos que...

Turno 56. Fabrício: Pra competir.

Turno 57. Arizona: Pra competir com esses alunos que tiveram a vida toda particular...

Turno 58. Maria: Só vão ser números de entrada, agora números de permanência e saída...

Turno 59. Arizona: Eu digo por mim, porque eu sempre estudei em escola pública, minha vida

toda, e quando eu entrei, eu senti muita dificuldade, no primeiro período, as disciplinas de

exatas, né? Que... quando eu fiz o ensino médio não tinha professores pra suprir o que:: é... essas

disciplinas:: a gente ficava tipo, dois horários sem ter aula nenhuma, o professor tinha que sair

da sala que tava dando aula pra passar uma atividade, pra gente não ficar fazendo nada. E já...

o que? Já empatava a outra turma que tava dando aula.

Turno 60. Everton: É porque eu peguei o finalzinho da discussão, aí... aí eu lembrei de um

acontecimento que teve comigo, não tem muito a ver com a discussão, mas, é uma questão mais

pessoal. Acho que há uns três períodos atrás eu tava pegando uma disciplina optativa e a professora foi

dar um exemplo, que eu não lembro agora qual foi o exemplo nem porque ela deu o exemplo, mas, ela

me usou como exemplo, e ela disse... era uma discussão sobre isso também, sobre a questão de negro.

Ela olhou pra mim e disse: ele, negro, e deu o exemplo... aí eu parei, eu nunca tinha prestado atenção::

não tinha me posto no lugar de... eu também sou negro! Eu não tinha parado pra pensar nisso, depois

que ela falou isso, foi que a ficha caiu... eu nunca tinha parado pra pensar nisso!

Turno 61. Professora: Sua identidade racial?

Turno 62. Everton: É.

Turno 63. Eduardo: E sobre o que eles falaram aí... que eles querem que mude todo o sistema

educacional, o ensino fundamental... eu acho que as cotas é... é uma solução mais rápida. Porque

mudar todo sistema educacional dá trabalho...

Turno 64. Professora: Que poderia fazer se houvesse interesse político, né?

Turno 65. Eduardo: Exatamente. Mas ai demoraria séculos pra fazer, sei lá... então, as cotas é pra... eu

acho que é mais um tapa buraco que é bom, mas, é mais eficaz, precisa agora.

Turno 66. Fabrício: Mas, não vai colocar o negro da periferia na faculdade, precisamente, as

cotas...

Turno 67. Maria: Pode até colocar, mas, não faz com que ele permaneça, que ele tenha sucesso,

que ele chegue até o final, já com emprego, alguma coisa já... entendeu?

Turno 68. Jhon: Aí é outra problemática, você tem política de entrada, mas, não tem política de

permanência.:: novamente, é questão de péssima gestão, é questão de gestão pública isso.

Turno 69. Manuel: Eu também acho isso, né? Eu acho que o acesso do aluno negro a

universidade não vai colocar ele necessariamente no espaço de poder, né? O acesso ao espaço de

poder tá restrito a ((Inaudível)) não é porque um negro vai colocar ((Inaudível)) mas, dá poder a

toda raça negra não vai dar, vai dar a alguns e eles até podem se sentir motivados. Mas, o espaço

de poder, enquanto tiver essa diferença econômica, eles não vão conseguir de fato o espaço de

poder.

Turno 70. Amanda: Eu queria meio que pontuar uma coisa na sua fala ((referindo-se a uma

estudante)), assim, porque quando você falou, você disse: eles não tem capacidade de acompanhar!

Mulher, eu sou cotista e você também, a gente tá aqui. Por mais dificuldade que tenha, a palavra

capacidade...

Turno 71. Arizona: Não foi isso, né? Eu tô dizendo, a pessoa é mais, assim, tem mais facilidade,

entendeu?

Turno 72. Amanda: Eu sei, mas, não ter capacidade eu achei um pouco... até porque a gente tá

aqui, por mais que tenha dificuldade, a gente tá acompanhando. Agora, eu encaro assim, tipo,

sem a cota, talvez eu não tivesse tido a oportunidade de estar aqui provando que eu posso

acompanhar. Se eu tentar, entendeu?

Turno 73. Jhon: E que esse é o seu lugar.

Turno 74. Amanda: E que aqui também é o meu lugar, por mais dificuldade que eu tenha, tipo...

entende o que eu tô falando?

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Turno 75. Arizona: Sim, sim.

Turno 76. Amanda: E não tô criticando, não tô falando nada, só que a palavra... a sequência não ter

capacidade de acompanhar... eu acho que fica muito pesado.

Episódio 33. Encontro 5. Momento 4. Intervalo 02:15:08 – 02:18:14

Tema: A problematização das identidades coletivas marginalizadas historicamente 1

Foi proposta a problematização de um caso para os/as licenciandos/as acerca da política de cotas. O

caso supracitado foi retirado do texto intitulado “Genética, raça e políticas de ações afirmativas a partir

de questões Sociocientíficas”.

Turno 77. Professora: Vamos lá! Vocês se identificaram com as vozes de quem?

Turno 78. Eduardo: Rafael?

Turno 79. Arizona: A de... como é o nome da menina?

Turno 80. Bruno: Dandara?

Turno 81. Arizona: Dandara. Dandara.

Turno 82. Professora: Vamos lá! Eduardo, que falou primeiro. Porque?

Turno 83. Eduardo: Deixa eu ver... ah... É... Dandara!

Turno 84. Arizona: No finalzinho, Eduardo... É só vocês olharem para o lado...

Turno 85. Eduardo: Eu gostei da fala dela.

Turno 86. Professora: Por que?

Turno 87. Eduardo: Ah, professora, eu não sei dizer, só gostei.

Turno 88. Professora: Mas, o que foi que ela falou? Tô sem o texto...

Turno 89. Eduardo: ((Lê o fragmento do caso)) “É só vocês olharem para o lado pra perceberem

que a grande maioria dessa sala é branca! Isso sim é expressão do racismo, numa sociedade de

maioria negra e parda. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros é questão histórica”!

Turno 90. Professora: E aí? Os demais, se identificaram com que vozes?

Turno 91. Bruno: Carlos.

Turno 92. Professora: Qual foi a voz dele?

Turno 93. Bruno: ((Lê o fragmento do caso)) “Eu não acho que nós devemos racializar, o que

devemos fazer é dar oportunidades iguais a todos... Somos todos iguais, da mesma raça,

humana!”

Turno 94. Professora: Quem mais? Se identificou com que vozes?

Turno 95. Maria: É. A dificuldade de acesso ao estudo pelos negros é questão histórica!

Turno 96. Professora: Fale, Everton! Você tá com vontade...

Turno 97. Everton: Não, é porque eu tô perdido aqui, sabe? Ora eu tô com um, tô com outro... eu tô

me achando aqui ainda...

Turno 98. Professora: Tá certo.

Turno 99. Everton: Porque essa parte aqui, ó... “Se o problema é entrar na universidade, estuda,

faz um cursinho e entra!” Eu já tinha pensado nisso, né? Mas, agora já não penso mais. A

questão, aqui a fala de Carlos também... dá oportunidade pra todos. Dá as mesmas

oportunidades... acho que eu tô mais concordando com ele.

Turno 100. Arizona: É só fazer um cursinho e entra... o problema é que nem todo mundo tem dinheiro

pra pagar um cursinho... ((risos))

((Muitos falam ao mesmo tempo))

Turno 101. Professora: Quando você sabe que você vai chegar em casa e vai ter tudo que precisa, vai

ter abrigo, vai ter conforto, vai ter amor, vai ter comida... não rende mais nos estudos?

((Licenciandos fazem gestos de concordância))

Turno 102. Arizona: Com certeza! Por isso que eu nunca rendo... é muita preocupação...

((risos))

Turno 103. Professora: Tem... É... todo um contexto, né? Nossa história, nossa vida...

Episódio 34. Encontro 5. Momento 4. Intervalo 02:18:56 – 02:21:51

Tema: A problematização das identidades coletivas marginalizadas historicamente 2

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Turno 104. Professora: Vocês acham que se a gente mantém esse discurso de que nós somos iguais,

então... se nós somos iguais, a manifestação das cotas seria então um modo de segregar os grupos? Ou

não?

Turno 105. Everton: Mas se a gente ficar nesse discurso, a gente pode entrar nessa questão, digamos,

no mito da democracia racial.

((A professora interrompe a fala do aluno para orientar uma aluna que chegou tarde))

Turno 106. Professora: O que vocês acham? Somos todos iguais... pra que o sistema de cotas? As

cotas estariam segregando? Everton, pode continuar... porque foi um momento de...

Turno 107. Everton: Porque se a gente ficar nesse pensamento, a gente pode acabar caindo na

questão do mito da democracia racial, que a gente tava discutindo anteriormente e aí pode

impregnar que é uma verdade, quando na verdade não é verdade.

Turno 108. Bruno: Mas, eu acho que essa fala de Carlos, ele fala em não segregar com relação a

raça de cor, por exemplo, os ricos, os brancos... somos todos iguais! Perante a lei.

Turno 109. Everton: Então...

Turno 110. Bruno: Perante a lei. Mas, aí tem uma parte que ele fala assim: “... o que devemos

fazer é dar oportunidades iguais a todos...” Somos todos iguais, mas, a gente sabe que branco

tem mais oportunidade que negro. E tem toda a perspectiva histórica que a gente discutiu aqui.

Então, é isso que ele quer falar, dividir as oportunidades:: Somos todos iguais mas, não temos as

mesmas oportunidades.

Turno 111. Professora: Isso. Porque se tivéssemos as mesmas oportunidades, não faria sentido ter cota.

A gente já discutiu isso um pouco, semana passada...

Turno 112. Arizona: Então é interessante o que ela falou, né? Se olhar pros lados, só vai ver pessoas

brancas. Não vai ver, né... poucas pessoas negras. Não ía ter sentido o que ela falou também.

Turno 113. Professora: E aí? O que vocês acham? É segregar ou não?

Turno 114. Eduardo: Eu acho que não.

((A estudante que chegou atrasada faz gestos de que não está entendendo))

Turno 115. Professora: A cota é um meio de segregar ainda mais os grupos? De dizer... precisa ter cota

pra negro porque sem a cota o negro não entra, então... seria uma forma de segregar os grupos?

Turno 116. Carol: Não...

Turno 117. Bruno: Eu acho que é um programa paliativo, que o governo achou que a melhor

saída até agora é ter cotas. //

Turno 118. Maria: Segregar, segregar, não... mas, dá uma oportunidade! Acho que é questão de

oportunidade. Porque querendo ou não o governo sabe que o sistema educacional da gente ((a

estudante faz gesto de negatividade)), entendeu? //

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APÊNDICE K. TRANSCRIÇÃO DAS RESPOSTAS DE ENTREVISTAS QUE

APRESENTARAM DISTINTOS TIPOS DE MACROPROPOSIÇÕES

(...) = interferência da pesquisadora.

Questão 1.

1. O que ficou da disciplina na sua mente? O que ficou da disciplina no seu modo de pensar e de

trabalhar com o ensino de Biologia?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

O que me chamou atenção foi a forma diferente como foram abordados as situações. A perspectiva

que se colocou sobre conhecimento, né? Justamente isso que você falou, sobre esse conhecimento ter

vindo e ter repassado pra gente como se fosse único e legítimo, né? Que abriu até... eu, eu já tinha um

certo pensamento sobre isso, né? Mas, abriu pra mim um pouco mais também, né? De... A questão de

poder enxergar com um olhar mais crítico, né? Sobre os conhecimentos que a gente adquire, né? Entre

aspas. E repassa também, né? E... a questão da... da lida com as questões sociais relacionadas a ciência

e principalmente relacionadas a parte genética, né? Que a gente trabalhou bastante. Me marcou muito

essa parte de raça... de... de genética e as vezes eu me pegava pensando nisso aí. É tanto que eu ficava

buscando comparativos, né? pra tentar me situar. Porque é uma coisa nova, né? Diferente do que é

abordado na sala. Você contextualizar duas coisas que tem tudo a ver, mas, que na verdade a gente

segrega. Porque a própria sociedade é formatada de um jeito que a gente não toca nesse assunto, né?

de forma tão aberta. Pelo medo, né? Até pelo próprio preconceito. Pelo que... a própria formatação da

sociedade. Então, isso aí pra mim foi que ficou bastante marcado na matéria. Gostei muito por que

realmente me abriu bastante os olhos com relação a isso. A questão do... do eurocentrismo, como ele

foi implantado... o sistema de... de... é... é... separação racial... Como ocorreu o processo histórico, né?

É, assim, é uma coisa que a gente não aborda na Biologia. Mas, que é importante saber. Porque que

ocorreu essa separação? Porque que a gente vive essa separação e porque que ela tá tão irraizada na

nossa mente que a gente as vezes... muitas vezes acaba tomando como verdade uma coisa que tá só

implantada na cabeça da gente. Então, esses pontos pra mim foram os que mais me marcaram na

matéria.

-

Então, o que eu gostei bastante foi a forma... mais livre de se debater. Eu não sei se vou conseguir essa

prática, né? Pra alunos do fundamental. Porque vai exigir uma leitura prévia, um entendimento

individual, né? Do aluno... mas, com certeza com o aluno do ensino médio, eu já poderia levar

bastante coisa disso. Que é a questão de lançar uma proposição pro aluno, uma reflexão... um texto

que busque a reflexão. Que tá aliando várias coisas e que esse aluno possa chegar na sala e a gente

possa debater. E as desconstruções foram feitas na sala com base no que a gente leu. Então, isso é uma

prática que eu... eu tenho a intenção de levar. Até porque essa experiência que a gente teve com a

atividade que a gente fez eu achei muito gratificante. Pelo fato dos alunos virem, se sentirem confiante

de chegarem na gente... então, eles primeiro tavam assim... até pela característica da escola... porque é

uma escola, né? Que são alunos indisciplinados, uma grande parte, que os professores relatam que tem

problema com isso e eles se sentiram, como você falou, representados. e se sentiram à vontade,

participaram... e aquilo foi gratificante. Então é uma prática que eu realmente achei interessante, é uma

coisa muito bacana de lidar e é uma coisa que eu tenho vontade de levar, que é a questão de você

relacionar os assuntos, trazer aquela prática para vida do aluno... é.... Trazer o problema do aluno com

relação a determinadas questões e debater aquilo. e.... tentar desenraizar esses conceitos que tão na

mente, na nossa mente, né? como foi feito aqui, também tentar fazer com os alunos. aí como eu falei,

no ensino médio, eu sei que é possível. Complicado vai ser um pouco com os pequenininhos, né?

Porque lida com a compreensão... mas, talvez com a experiência, a gente consiga trabalhar e chegar

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Acho que essas discussões que a gente teve, um pouco de cada ficou, porque são coisas que meio que

passam despercebidas, assim... quando a senhora falou mesmo, aquele exemplo, que a senhora, tipo...

trabalha com isso, mas, se pegou pensando nisso, aquilo que a senhora até falou que foi um... um soco

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no estômago, que você... que são aquelas coisas, a questão da colonialidade que a senhora falou. Que

já vem desde antigamente, tá empreguinado na gente. Acho bem interessante isso. Acho que o que me

marcou mesmo foi essa parte da... do conceito de raça... do conceito de raça é o que eu fiquei enjoando

Eduardo pra gente falar desse tema. (...)eu acho que a gente conseguiu abrir os olhos de alguns deles,

tanto que algumas pessoas vieram falar com Arizona e perguntar mais assim, teve alguns que até

perguntaram se a gente ia voltar com outras discussões.

-

Eu acho que pra... eu acho que... porque eu tô pegando a disciplina de didática agora, ai... e como a

disciplina teve muitas dinâmicas, eu acho que vai ajudar bastante na formação... na minha formação

como professora. já essa questão de... como é que eu posso dizer... da gente trabalhar essas dinâmicas

com os alunos e até de levar esses assuntos pra sala de aula, fazer meio que... um... que quando não for

esse assunto, mas, quando você puder tratar desse assunto criar um tema transversal sobre esse

assunto, porque é importante a gente discutir essas coisas, até pra... porque... é como eu disse antes,

esse negócio, a gente tá no cotidiano, acostumado, é tanto que na dinâmica que a gente fez, quando

Arizona começou a exibir as imagens dos cientistas brancos, eles sabiam a maioria, agora quando

Arizona começou a mostrar os inventores e os cientistas negros eles não souberam nada de ninguém...

e eles ficaram, tipo, quando Arizona disse o que foi que eles fizeram de importante, eles ficaram

surpresos com aquilo porque eles não imaginaram, e eu acho importante a gente colocar mais isso nas

aulas.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

O conceito de raça, que, a.... eu me lembro muito bem no dia da aula, que... é.... o conceito de raça, ele

não é [inaudível] pra nós, seres humanos. É.... e como surgiu, essa... essa ideia toda... o mito da

democracia, também, racial, eu, eu... até fiz o resumo sobre esse assunto, que eu gostei... foi um dos

assuntos que eu gostei muito, e que eu... de todo mundo falar eu peguei também. Essa história de

igualdade, que... quando, é.... houve o.... momento do... como é? Que a escravidão acabou, que os

negros e os brancos eram iguais, que na verdade é um mito, que isso não existe, é.... hoje! Até hoje,

né? Que algumas coisas acontecem ainda... E tipo algumas coisas que você sempre falava, eu vi o

poder... porque eu nunca parei pra pensar... quem tá no poder? Quem é a maioria? Quem, é.... é....

predomina mais? Que são os brancos, na verdade... e tipo, eu tava até analisando aqui na UFS mesmo,

que... tem, o.... a turma de medicina, a turma de medicina, a maioria são de escolas particulares e eu

não vi uma pessoa negra. Negra! Nenhuma! Nem da minha cor, assim... tipo, eu sou negra, mas, a

minha cor é um pouquinho mais clara. Tipo... eu só vejo pessoas brancas da turma. E eu olhando

assim... poxa! (...) Pra mim foi uma coisa nova, que eu nunca parei pra pensar, analisar, e tipo...

também nunca tive uma... eu... eu já ouvi falar muito sobre racismo, mas, tipo... essa ideia que muitas

pessoas acham que racismo não deve ser é... comentado, porque é isso que a gente... para de falar...

racismo, não existe racismo... e... até eu falei com os meninos de manhã, que era importante sim, a

gente debater sobre o assunto, porque as vezes a gente faz, a gente tem... nós mesmos, somos racistas e

ninguém nem percebe.

-

Eu acho que... assim, tipo... tem coisas que, o.... é importante a gente falar também que... é.... alguns

assuntos que abre brechas pra tipo, abordar sobre o assunto e o professor perde a oportunidade de falar

sobre isso e é algo muito importante. Aí eu acho que é isso. Mais ou menos. (...) eu acho que mais na

parte da genética mesmo, como a senhora falou, essa parte de gene, tipo... de seleção, é porque eu não

sei explicar exatamente certo. (risos) mas, eu acho que é.... não é questão de... sobre o mito mesmo,

que é.... as pessoas brancas são mais aptas a.... a.... mais inteligentes, é.... tem mais probabilidade de

conseguir cargos melhores, essas coisas...

Respostas de Eduardo (Entrevista 7)

Pra mim, ficou mais na mente... eu acho que foi essa questão do racismo científico, questão da

eugenia, né? Como que a ciência apoiou essas ideias que são hoje absurdas, pra mim o que mais ficou

foi isso!

-

Eu acho que, assim, o que eu vejo hoje de diferente, depois da disciplina é que... é.... quando formos

dar assuntos de Biologia, eu pelo menos vou fazer isso, tentar fazer isso... é.... não só dar o assunto

mas, tentar contextualizar, né? Mostrar como que... é.... surgiu o conhecimento, e que não foi tão

simples assim, antes poderia ter sido considerado errado e hoje encarado como certo, acho que mais ou

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menos assim.

Questão 2.

2. Houve alguma mudança de concepção de prática docente a partir das discussões promovidas na

disciplina? Se sim, qual ou quais?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Sim, essa mesmo que eu acabei de falar, né? A questão de ter mais um... sair um pouco daquela coisa

formal, né? De poder trabalhar junto, né? Isso aí que eu achei bem legal. Achei que... eu pensava de

outras experiências que eu tive aqui na universidade com alunos desse tipo, é.... eu não senti que

rendeu, né? Mas, nessa disciplina eu achei que rendeu bastante, né? Até a questão de jogos, assim...

algumas vezes em algumas disciplinas a gente fazia jogos, e eu via que, assim, demandava muito

tempo e o conteúdo que se extraia dali eu achava muito pouco. Mas, como a gente debatia, e falava... e

os jogos eram complemento que realmente agregavam bastante coisa. Como aquele jogo da genética,

né? Pra montar eu achei aquilo ali bom pra caramba, porque a gente já tinha acabado de discutir, né? E

aí a questão de manusear aquilo que a gente tinha acabado de ver pra mim foi interessante. Então, essa

coisa de trazer a informalidade, quebrar um pouco aquele paradigma, né? De professor... e sentar pra

discutir, colocar opiniões e ouvir opiniões também eu achei, eu achei interessante... e é isso que eu

visualizo. E de... de... de bom... de... de complemento pra eu poder usar.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Eu acho que meu modo assim, de ver as coisas de... é.... como por exemplo... essas questões mesmo...

que eu acho que ficou mesmo foi essa parte de raça (risos), essas questões que passam despercebidas

pela gente, esse negócio do eurocentrismo e tudo mais. Que.... assim... a ciência que a gente vê é a

ciência branca, a gente não vê ciência negra. Eu acho que isso foi o que me marcou mesmo. (...) foi

uma coisa que a disciplina me trouxe.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Tipo, é.... eu acho que é mais, a.... eu acho que é mais o amor a história da licenciatura, que eu... que

eu ficava muitas vezes pensando, assim... meu Deus! Será que eu vou gostar mesmo disso? Aí... aí

depois da aula de hoje, eu vi... é isso mesmo que eu quero seguir na minha vida! Porque... é a partir do

momento que eu penso, tipo... o professor, ele acaba repetindo muitos assuntos, só que... sente a turma

diferente, é.... pessoas novas! Ideias diferente! Aí tipo, aprende a ouvir com vários alunos... eu gostei

muito deles falarem... tipo, eu adorei a turma que a gente tava, na verdade... foi muito legal! Tipo, eu

já ficava imaginando... tomara que o meu estágio seja por aqui... que a turma seja assim parecida! Aí

tipo... eu acabo me apegando... só foi um dia, mas, eu acabo me apegando.

Questão 3

3. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, o conceito de ciência? Pensa em

problematizar o poder simbólico do termo ‘ciência’, a influência eurocêntrica?

Como discutiria o conceito de ciência?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

O conceito de ciência, eu tentaria mostrar que a ciência, ele... primeiro, não se restringe aquilo que a

gente vê no livro, né? E que... ciência é todo processo que traz conhecimento, né? Então, se existe uma

descoberta que não... não tenha sido através da metodologia acadêmica, mas que ela funciona, isso

também é ciência. Então, é essa abordagem que eu pretendo levar. Não pormenorizando, não

negligenciando o que as metodologias, né? Pregam e preconizam pra que as coisas realmente

apresentem um resultado que seja mais confiável, mas que aquilo não é tudo, né? Que existe além

daquele... daquele... daquela redoma, também existe ciência. Então, seria a forma que eu pretendo, né?

Abordar ciência.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

(...) não sei como. Mas, as aulas da senhora me deram uma base bastante boa, só que eu vou pensar

ainda como eu vou fazer isso.

Respostas de Carol (Entrevista 3)

E trabalhando, eu acho que através de como a gente trabalhou, através de oficinas, através de... é....

vamos supor, de disci... de conteúdos que saibam relacionar essa coisa da ciência, como a gente viu,

por exemplo, evolução e eugenia ou genética e eugenia... são exemplos pra mostrar que a ciência, ela

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nem sempre é boazinha, ela nem sempre é favorável a... os grupos subalternizados, como a gente viu,

em eugenia. Então, eu acho que é importante trabalhar dessa forma pra que o aluno, ele tenha essa

desconstrução da ciência, e saiba que o conhecimento, qualquer forma de conhecimento, ela é válida.

Até o conhecimento que ele adquire na comunidade em que ele vive.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Com certeza! Eu acho que essa parte, assim... é muito importante! Eu acho que se eu pudesse dá tudo,

eu dava tudo e ainda aprofundado. (risos) aí tipo, a gente teve hoje... a gente tava falando sobre a nossa

dinâmica, que foi o... aquilo que a gente mostrou, né? Os cientistas brancos e os negros... pra mostrar

que tanto os brancos quanto os negros são capazes de ser importantes na história da ciência! Aí nisso,

eu fiquei poxa! Eu não imaginava que tem isso daqui... é.... eu quero... agora eu até esqueci... me fugiu

da memória o assunto que eu ia falar... (...) nem eu conhecia! (...) que os alunos saibam de uma coisa

que eu nem sabia! (...) E tipo... É tipo... Biologia, é um assunto... é muito amplo! É muita área, tipo,

não dá pra você se aprofundar em tudo. Tipo... você pode... se aprofundar em uma área, mas, no resto

você vai ficar superficial. Só vai dar o importante pra eles. (...) ah! Então, aí tinha... o engraçado é que

a gente tava... criando expectativas deles saberem logo de cara os cientistas brancos, mas, só mostrei a

imagem, e teve uma menina que acertou tudo! Aí Ariel... minha filha você tem que fazer Biologia!

(Risos) foi legal, a interação dos alunos, eu tipo, queria que você visse o vídeo, foi muito legal a aula

mesmo!

Respostas de Agnes (Entrevista 5)

Penso, acho extremamente importante pra que ele desenvolva o pensamento crítico, assim, que ele não

só... que ele não aceite tudo... mas, que ele aprenda a se questionar, assim. E.... e ver que nós e ele,

mesmo brasileiro, ele pode produzir ciência, não só pessoas de fora... e não só aceitar essas questões...

Ai professora, entendeu? Pronto, é isso... (...) é que quando você fala sobre a.... é.... a questão

europeia, parece que a ciência só... os fatos científicos só vêm de lá, assim... ou é da Europa ou é da

América do norte, entendeu? Parece que a gente tá aqui só pra receber a informação e trabalhar com

ela, mas, com o que já tá produzido, mas, nós, podemos produzir ciência, podemos produzir coisas

novas.

Questão 4

4. Você pensa em discutir, com seus alunos do ensino médio, a crise do conceito de gene? Por que?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Sim. Com aluno do ensino médio, né? Que é quando eles vão ver. terceiro ano, né? Pra que eles vejam

que a ciência não é uma coisa fixa. Que ela tá sempre mudando, o que a gente... o que a gente enxerga

hoje como verdade absoluta, daqui a uma década ou até menos do que isso pode mudar, né? E pra que

eles não engessem a ideia de que porque hoje é desse jeito, vai ser sempre daquela forma, porque com

novas descobertas, novas tecnologias, novos aprendizados, as coisas podem evoluir. E da mesma

forma é a genética, né? Então, o que se acreditava, tem plena certeza há 10 anos atrás, hoje muita coisa

já foi destruída. Então, por conta disso, eu acho muito importante abordar o tema.

Respostas de Carol (Entrevista 3)

Esse já é um assunto mais complicado (risos), porque eu acho que... não sei... eu acho que a gente tem

uma certa ideia de gene, mas, fica assim, complicado de discutir porque não é algo... eu acho que o

aluno ele meio que espera que seja algo definitivo, não seja algo que bala... fique balanceado. Seja

algo que ele tenha certeza de que é aquilo. Porque normalmente, eu, como já fui estudante,

normalmente quando a gente tinha um conceito, a gente colocava o conceito definitivo, ah... evolução

é a adaptação dos seres vivos através do tempo e tal... e o conceito de gene é um pouco complicado,

até eu sinto um pouco de complicação, em trabalhar com.... em genética mesmo, quando o professor

Edilson também trouxe, eu senti um pouco de dificuldade, então afinal, o que é gene? (risos) o que é

gene? São um conjunto de características? O que que eles se submetem? Então, eu acho que... é

interessante, porque aí poderia observar a concepção de cada estudante, sobre o que ele tem a respeito,

e também é desafiador, porque não tem algo assim, normalmente... a gente tende pra o que é certo e o

que é errado, não ter uma coisa definitiva faz a gente ficar: e aí? É o que? O que foi? É uma confusão!

Então, eu acho que também é essa ideia de desconstruir como a senhora também propôs na aula, o que

é certo e o que é errado. Mas, o que é certo? O que é errado? O que é certo e o que é errado pra um

pode não ser o certo e o errado pra senhora. Eu acho que é isso. (...)

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Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Não sei. (Risos). Depende do tempo. (Risos). Não sei se quando eu terminar aqui a.... quando terminar

a UFS, como vou trabalhar... como... se eu vou ter tempo de abordar todas as coisas... porque as vezes

o professor não tem tempo de dar todos os assuntos ou tem que seguir regras da escola, em que se

dependesse pra ganhar, particular... (...) É porque também eu tô um pouquinho esquecida. Eu esqueci

desse assunto... a crise? (...) talvez eu me limite ao livro, eu não sei, depende da situação, do que eu lê

no livro... não sei bem...

Respostas de Nami (Entrevista 6)

Acho que eu só discutiria com alunos de terceiro ano, que é onde tá o conteúdo de genética e como

discutir esse tema, é um tema que precisa de um embasamento teórico mais profundo, eu deixava pra

fazer essa discussão do meio pro final do... do assunto, né? De genética. Eu acho que é.

-

Porque eu acho que tá surgindo muitas coisas lá na internet, falando muito sobre esse tema, e como

eles tem muito acesso, eles vão olhar e interpretar e olhar que aquilo tá certo, aquilo tá errado, mas,

que pelo menos se eles acham que tá certo ou errado, que eles discutam comigo antes de qualquer

coisa, tirar qualquer conclusão. Porque o que tá saindo de coisa, aí... sobre... falsas, né? Pseudas...

pseudociências aí falando um monte de coisa, eu acho que seria interessante discutir isso com eles.

Questão 4

Como discutiria o conceito de gene?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Aí é complicado. (Risos). Seria uma coisa pra ser.... estudada com calma. Porque, assim, como eu não

tenho experiência de ensino, né? Eu teria que ver o nível de desenvolvimento da turma. Pra que eu

montasse uma estratégia específica pra eles, né? Por que eu posso ter uma turma mais... mais aberta,

né? Mais receptiva a novas informações e posso ter uma turma que não seja tanto. Eu acho que... eu

não tenho como definir isso aqui e falar. Eu acho que vai depender muito da turma, e da experiência

que eu vou ter daqui pra frente, né? De ensinar. Eu acho que no momento eu não tô preparado pra...

quero discutir! Mas, não me sinto preparado pra fazer isso agora. Preciso sentir a turma, preciso sentir

os alunos, e preciso ter confiança pra poder fazer isso.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Eu acho que eu faria uma aula bem parecida com a da senhora, porque eu achei bem interessante, a

aula, tipo... a gente ter que montar o gene e dizer pronto, isso aqui é um gene. (...) onde está o gene? E

trazer pra eles todos esses conceitos, porque o que tem no livro é aquele conceito, né... aquele conceito

arcaico de gene. (...)

Respostas de Agnes (Entrevista 5)

Eu acho que quando eu fosse falar sobre... a genética, propriamente dita, no início do assunto, o que é

a genética? A genética é a ciência que estuda a hereditariedade... Quais são os fatores que estão

relacionados a isso? Aí ia falar sobre genes, alelos, então, quando chegasse nesse assunto eu já

discutiria, mas, a gente sabe que até uns anos atrás, gene era apenas isso aqui. Mas, agora existe uma

complexidade em relação ao conceito desse termo aqui. Porque? Eu ia discutir aí, logo no início do

assunto.

Respostas de Nami (Entrevista 6)

Aí eu já não sei. Precisaria de mais tempo pra construir, pra construir essa ideia, não sei... Eu pensei

uma vez falando com Everton, de buscar justamente essas reportagens e entrevistas que tavam saindo,

essas manchetes de jornais, que tavam saindo com essas informações que a gente sabe que é errada,

mas que a gente deixa passar ou que aceita e não procura, e porquê que os cientistas de verdade,

aqueles... eles não vão lá e protestam? Tinha até lá dizendo: Detox é isso, é aquilo, é o mundo, é a

vida, é num sei o que... e porque ninguém foi lá e disse que não? Porque que os cientistas não têm essa

voz de dizer que aquilo tá errado, e a pseudociência tá passando aí um rodo em tudo e ninguém fala

nada? Eu acho que seria (...) É, então, porque que isso acontece? Eu acho que seria... e colocaria mais

perto deles, que seria a gente usar o instagran, essas coisas pra eles mesmos procurarem esse tipo de

informação, e trabalhar isso em sala de aula, eu acho que dava pra fazer. Mas, eu ainda preciso de mais

tempo pra construir a ideia. (Risos).

Respostas de Everton (Entrevista 8)

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A gente pode apresentar os conceitos. Dizer que existem vários conceitos... a gente mostra os

conceitos, porque esses conceitos podem servir para as discussões futuras, né? Se você discute

somente o conceito clássico, né? que você delimitou, que não seja clássico, mas, o que você deu

somente um conceito, você delimita aquele conceito, pode impedir que você promova uma discussão

na frente. Porque como a gente pode ver que tem vários conceitos, o aluno também vai refletir sobre

esses conceitos e a gente pode servir como base para as discussões mais na frente. Por exemplo, a

eugenia, quando a gente for discutir eugenia, a gente pode ver que essa alteração gênica é importante,

né? Então, eu acho que só discutir um conceito eu acho que não é suficiente. Ele poderia ser usado pra

você abrir as discussões.

Questão 4

Como discutiria a história de Rosalind Franklin?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Primeiro pra quebrar mais um tabu, né? Abordaria... de que só homem faz ciência, de... estimular, né?

Porque... O que a gente vê nas escolas, por exemplo, eu tenho muitas amigas que elas desenvolviam

bem pra caramba ali no ensino médio, se destacavam ali... mas, que hoje... não fizeram uma

universidade ou se fizeram estagnaram por ali... e o que a gente vê é quando a gente fala assim, é....

em ciências, a gente nunca mentaliza uma mulher, né? Então, acho que antes de tudo, o principal de

tudo meu objetivo seria esse. Quebrar esse paradigma de que só homem faz ciência, né? e que a

mulher também é capaz de produzir... tão capaz quanto o homem, né? E que é.... é... Possível que a

mulher se destaque no mundo da ciência, né? Muito embora por conta da nossa cultura seja difícil,

mas, que é possível, sim. Então, eu acho que pra mim seria o principal ponto a ser abordado.

-

Bom, abordaria as dificuldades, né? Encontradas, é.... abordaria... o principal seria isso, né? A

persistência, que foi... as desilusões, né? Que ela... que ela enfrentou por conta da... é... da situação

incomum dela, na época, né? Uma mulher cientista... e.... é.... o principal de tudo... os resultados, né?

que ela obteve apesar de tudo. Então, eu colocaria o contexto histórico, né? Em que ela estava

inserida, né? é.... o que potencializava ainda mais a dificuldade, né? e.... a questão da persistência dela

e dos resultados que ela conseguiu.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Sim, sim! Claro! Quero falar sobre ela, eu acho importante, é.... tipo... tem coisas que são importantes,

e eu quero falar o que eu aprendi aqui, e.. Ela... ela tem uma parte importante pra... pra... pra dupla

hélice de DNA, eu acho importante falar sim, a parte que ela teve, né? Pra eles conseguirem chegar

nisso... (...) E tipo... como o professor fazia, ele num.... ele dava o livro didático a gente, só que ele

num.... ele tinha as apostilas dele... ele dava as apostilas dele e dava o livro pra gente consultar... e,

tipo... claro que eu antes de dar aula eu vou analisar o livro e ver se tá coerente com o que eu quero

passar para os alunos.

Respostas de Everton (Entrevista 8)

Com certeza! Porque se não fosse a contribuição dela, a gente poderia ter uma interpretação que a

gente poderia não ter tido se a gente não tivesse a contribuição dela. Porque quer dizer, eles só

construíram o modelo de dupla hélice, a partir de alguma coisa que ela havia feito antes, quer dizer, já

pegaram o barco andando. E a contribuição dela? Onde fica? Porque a gente pode discutir, sim, como

foi que eles chegaram a descobrir, aí vai dizer... não, teve uma contribuição de uma pessoa chamada

Rosalind Franklin, então, aí sim a gente pode discutir sobre a contribuição dela, que foi grande para a

descoberta!

Respostas de Renata (Entrevista 12)

Eu acho que... vocês abordam a história da genética no terceiro ano? (...) assim, no.... é.... seria de

forma conceitual, eu acho que tem que ser padronizado, antes de qualquer assunto tem que ter uma

história. Então, eu acho que antes de iniciar os conceitos básicos, deveria falar quem inventou o DNA,

quem descobriu, no caso, né? Quais foram as problemáticas pra chegar aquilo? (...) já seria uma forma

de levantar essa questão pros alunos. Porque ela foi apagada? Porque é mulher? Então, já é uma coisa

pra se discutir, né?

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Questão 5 - Anular crença? Por que?

5. Se o seu aluno, apesar de compreender os mecanismos de herança biológica, insiste em afirmar, no

seu contexto cotidiano, que “As características estão no sangue” é importante para você que este aluno

anule essa crença e passe a propagar apenas o conhecimento científico em todos os contextos? Por

quê?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Vamos lá. Eu... eu... eu não vejo problema nele ter esse pensamento, porque talvez essa seria uma

forma dele atingir outros públicos, né? Ele entender pra mim seria importante. Mas, ele usar isso como

discurso talvez seja importante pra que ele atinja outros públicos. Ele vai conversar, por exemplo,

com.... com um avô que não tem estudo, mas, que muitas vezes ele quer comentar alguma coisa, né?

Falar alguma coisa sobre herança, né? E que ele não vai conseguir transmitir o conhecimento de

genética praquela pessoa, mas de repente ele consegue se comunicar falando: Ah, não! Ah... foi do

sangue! é do sangue... eu acho que não tem problema ele ter essa noção desde que ele entenda como é

que acontece as coisas. Pra mim é mais uma forma que ele vai ter de comunicação, pra ele atingir um

público diferente, pra uma determinada situação.

Respostas de Agnes (Entrevista 5)

Professora, é.... com relação a isso, eu vou tentar fazer com que ele entenda que o processo é genético.

Assim, vou tentar... vou perguntar mais uma vez porque que ele acha que é pelo sangue, vou tentar

explicar mais uma vez, você entendeu... Mas, você disse que ele tinha entendido, né? Que... (...) Não...

é... com relação a isso, é... eu lavo minhas mãos, assim, porque eu passei a teoria mais aceita, assim, o

que é a minha obrigação fazer, de fato, ele aprender que é o que a ciência fala sobre o assunto, agora,

fazer com que ele quebre a cabeça pra tirar isso da mente dele, isso já é com ele, porque isso já é uma

crença pessoal, não... não é interessante pra mim.

Respostas de Nami (Entrevista 6)

Não sei, eu acho que depende muito do jeito... depende muito do aluno, depende muito do momento,

de como lidar com isso, não sei o que eu faria na hora, mas, eu acho que eu explicaria pra ele que não,

não tá no sangue, explicar pra ele o que de fato é, pra fazer com que ele desconstrua, mas, não,

forçando a ele a isso, se ele não quiser acreditar, ok! Mas, contento que ele entenda que tá no DNA,

que no sangue tem células, e células tem.... (Risos) e tentar acompanhar o raciocínio dele, né? Pra

tentar levar aquilo que ele já sabe. Mas, tentaria sim, desconstruir um pouquinho, pra ele não sair por

aí falando desse jeito, tentar explicar pra família também, se a mãe dele vai bater nele eu não sei

(risos). Mas, a professora me ensinou isso, tá valendo. Eu acho que eu tentaria desconstruir um

pouquinho aí, ou então, tentar ir no caminho dele até chegar onde eu queria. (...), mas, o que tá em

casa vai a praça, não é? Então, ele pode sair falando isso, pode ser que os colegas dele não saibam e

continuem passando essa informação, que é.... não tá totalmente errado, mas, não é.... dentro do

contexto escolar não cabe. Então, ele ficar repetindo essas coisas assim, eu acho que vai acabar

convencendo aos outros colegas e continuar com essa ideia errada. Mas, eu acho que dentro da...

dentro de casa... é que nem a questão de gênero, você vai discutir gênero com seu avô de 80 anos, não

vai... Não tem como mais... eu vou dizer ao meu avô que... que... que ele tá no DNA e não no sangue...

não vou dizer pra meu avô isso, mas, pra uma criança que tá sendo moldada agora, tá se construindo

agora, eu acho que tem que ser falado. (...) É. Seria o ideal [conhecimento científico ocidental em

todos os contextos] mas, ela não vai fazer isso, eu acho que dentro de casa, ela vai continuar dentro de

casa se comportando, porque eu acho que você tem que se comportar de acordo com o que o ambiente

vai pedindo, então, ele vai entender que tá no DNA, mas, quando ele chegar em casa, ele vai falar que

tá no sangue. Eu mesmo, como bióloga, há um bom tempo atrás, eu era assim com meu avô, com

minha avó, tá no sangue! Essa doença tá no sangue! Aí eu: Tá no sangue! É isso aí. (Risos). Eu não

vou discutir com ele, entendeu? Acho que tem momentos que sim e tem momentos que não.

Questão 5 - Anular crenças racistas? Porque?

E se essas crenças ou práticas culturais gerarem sofrimento, como práticas racistas ou sexistas, por

exemplo, devemos questionar e buscar superar essas práticas?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Não, aí nesse caso, não. Aí se ele tem, nesse caso, uma... uma... perspectiva machista, né? Ou sexista,

aí eu precisaria desconstruir, né? Por que é um pensamento que pra mim não cabe mais, né? na

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sociedade. Mas, cabe porque existe, né? Mas pra que a pessoa evolua como pessoa, né? é.. Eu acho

que esse pensamento ele deve ser desconstruído, né? Eu não enxergo esse pensamento como saudável,

né? Porque eu enxergo... o que é que eu procuro ver, é.... sobre machismo, sexismo, racismo... Eu

vejo... é como eu lhe falei, eu uso minha família muito como laboratório, né? Aí eu fico observando. E

eu ouço e falo as vezes... eu fico olhando assim, será que é isso que eu quero pra minha filha? Eu acho

minha filha tão inteligente, esforçada... Será que é esse futuro, essa visão que eu quero que alguém

tenha dela? Ou então que essa visão que alguém tem vai influenciar o pensamento dela, né? Então, eu

acho que a sociedade não deve se construir em cima disso, né? É.... racismo também, eu vejo assim, a

minha... a família de minha esposa eles são negros, são maioria, né? E eu vejo meu filho... Ele é bem

branquinho, né? E as vezes meu cunhado ou meu sogro, né? que é bem negro, ele pega filho pra dar

uma volta, e... e quando alguém aí fala é meu sobrinho! Aí é fruto de algazarra, de ironia, e eu sinto

que aquilo machuca, tanto ao meu cunhado quanto machuca o meu filho, por que eles têm uma relação

de amor, de família! E quando ele sente um comentário pesado, né? Ele é atingido também, né? Ele

vai ter que lidar com isso, né? Ele lida com isso. Porque ele vai apresentar. Teve que levar uma foto,

uma vez teve uma atividade na escola que ele levou a foto da família, né? A gente buscou uma foto,

né? Que tinha... meus pais, tinha os pais da minha esposa, né? Os meus sogros... os tios, meus irmãos,

os cunhados... e aí tem os comentários, né? Os coleguinhas, ah! E quem é esse? Eles são pequenos,

mas eles já têm preconceito, já. Eles acham que ah, não... porque ele é branquinho, não pode ser, né?

E.... eu acho que isso... isso... machuca, né? E não evolui nossa sociedade pra canto nenhum, então,

nesse aspecto aí eu acho que não cabe mais e tem que ser desconstruído, né? Tem que chamar o aluno,

pra conversar... e tentar mostrar por A mais B, né? Que... não tem lógica, esse tipo de... de abordagem,

de pensamento, né?

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Eu acho que aí nesse caso deveria ser questionado (risos), porque ele taria fazendo outra pessoa sofrer,

isso... não é uma coisa certa, e meio que é.... como se fosse um dominó, ele acredita nisso, se ele tiver

filhos e continuar acreditando nisso, os filhos dele também vão acreditar nisso e vai ser uma coisa sem

fim. Tipo, a gente tenta dar um... tenta mostrar essas ideias as pessoas, mostrar que o racismo é errado,

só que se a gente não conseguir mudar essas concepções, vai continuar um loop infinito.

Respostas de Carol (Entrevista 3)

Aí já é outro contexto. Porque... Assim, a gente pretende sensibilizar, porque pra modificar, eu acho

bem... assim, não é impossível, mas, eu acredito que sensibilizar, assim como a gente sensibiliza em

outras coisas, a desconstruir o racismo, e tal... eu acho que é importante sensibilizar ele a desconstruir

essa ideia de que ah... porque minha família... eu acredito que é possível, porque eu já tive também

tantas ideias que na família eram divulgadas que eu acabei desconstruindo nas aulas de Biologia. Isso

não precisou o professor impor, eu só entendi que não fazia sentido, o que minha família pensava pra o

que a gente via, a gente comentava, e que também estava... que mostrava nas redes sociais... é.... na...

na... na mídia... eu acredito que não precisa necessariamente ele ter.... ser forçado, acho que ele pode

sim desconstruir, através de conversas, de debates, ele pode ser.... e tendo uma ideia diferente do que

ele tinha em família.

Questão 6 - Como você poderia exemplificar essa abordagem?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Um dos exemplos que eu usaria seria justamente esse, né? Porque seria uma coisa que eles vivem,

mas, que... que a gente vive, mas, talvez não perceba, né? Que é o conhecimento... aquele

conhecimento, né? De raiz. Aquele conhecimento... tradicional, né? E eu poderia apontar isso pra

eles... olhe, o que sua avó faz em casa, quando você vai curar uma ferida, quando você vai dá um

chá... esse conhecimento ele veio, de muito tempo atrás e foi testado, e foi repassado, né? Porque deu

certo, e continua sendo aplicado hoje. Então, com certeza eu levaria. Até porque vez ou outra a gente

ainda se surpreende, né? Com certas coisas, né? Certos conhecimentos de... é.... que a gente vê... ahn...

que são aplicados, né? Esses conhecimentos que são da avó, do índio lá atrás... as vezes a ciência da

uma sacada assim, deixa eu verificar esse aqui... e aí estuda uma coisa, uma planta que um índio ou

alguém já usava e.... pronto, tá lá... deu certo mesmo! E se apropria da coisa!

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Vou pensar aqui (risos) agora não me vem nada na cabeça, professora.

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Respostas de Carol (Entrevista 3)

Ah professora, sobre essa questão aí que a senhora citou também, eu vi na globo um grupo dos

quilombolas, que a partir do que esses quilombolas faziam nessa reserva, vamos supor, eles tocavam

fogo, em uma área, pra que quando o fogo... quando acontecesse queimada, essa, é.... não tivesse o que

queimar! O fogo já não tinha mais o que queimar. E isso os biólogos, a partir disso, aproveitaram e

utilizaram, então, foi uma coisa, um conhecimento que ninguém tinha, e foi utilizado, justamente pra

salvar espécies de plantas e animais. Então, eu acredito que sim, deve ser usado!

Respostas de Agnes (Entrevista 5)

Eu poderia citar a história, assim, ao falar sobre... antigamente, as pessoas achavam que, por exemplo

na genética, as características eram transmitidas apenas do pai, o esperma... como naquelas crenças

antigas, de que o esperma já vinha com o corpo formado, e tal... eu tô citando a crença de pessoas do

passado, e talvez até exista pessoas que acreditam nisso, eu posso citar que... bom, pros religiosos,

deus existe, pra outros cientistas ele não existe... isso é só um exemplo... é... mas, existem outras

formas de se explicar a criação e o porquê das coisas acontecerem. De que outras formas eu explicaria

isso, é.... que dentro da sala, eu acho que o assunto sempre dá margem pra você conversar outra coisa,

então, porque que eu acho válido? Porque um povo sempre diz uma coisa sobre isso, sobre deus, os

índios são politeístas, os religiosos cristãos, são ... acreditam em um deus... é isso que eu quero dizer,

então, sempre vai ter margem pra falar algo curioso. (...) É, mais como curiosidade, não como o

conhecimento mais importante pra ser passado...

Respostas de Nami (Entrevista 6)

É tanto que... pronto! Quando eu vou começar sempre uma... um assunto novo! Falar sobre plantas, eu

coloco, pergunto pra eles... antes mesmo de iniciar qualquer coisa, eu pergunto, boto um glossário de

palavras que eles nunca viram na vida, pra ver se eles reconhecem aquelas palavras e depois pergunto

a eles coisas que eles sabem sobre as plantas, eles ficam dizendo que planta tem leite. O que é o leite?

Então, eu boto lá: planta tem leite! E vou tentando buscar essas coisas que eles ficam falando todos os

dias errado. E vou colocando lá e depois desmistifico aquilo tudo, digo olhe, não é assim, que planta

não tem leite, por exemplo, e aí vou explicando com base científica. Mas, eu gosto de saber o que é

que eles tão pensando, que é que eles já sabem sobre o assunto porque dá pra gente medir o que a

gente vai falar depois, pra nem já começar com uma coisa muito difícil, ou então, subestimar eles e

começar com uma coisa super fácil e você ficar perdendo tempo com uma coisa que ele já sabe.

Questão 7 - Com qual objetivo?

7. Você pretende abrir espaço nas suas aulas para discutir os conhecimentos dos estudantes, bem como

suas culturas? Com qual objetivo?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Com certeza! Com o objetivo de aprender, também. É porque a gente acha que... a gente como

professor acha que vai chegar na sala e vai passar todo conhecimento, né? E que o aluno tem ali 11 ou

12 anos, não tem nada pra lhe passar. Ou então alguém que mora ali no interiorzinho, uma região

interiorana ali que não tem muito acesso a outras... a fontes tradicionais de informação, e a gente acha

que não vai vim nada dali, e na verdade com certeza eles têm muito... muito a ensinar, né? Uma pessoa

que mora numa região de mata, ele vai entender muito mais do hábito do animal do que eu que vou

chegar na sala e vou dar uma aula de Ecologia, né? Então, com a finalidade também de aprender e

compartilhar, e de mostrar, que o conhecimento, é.... da população, conhecimento de família também é

válido, com certeza eu abordaria isso na aula.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Sim. Acho que vai de conhecer assim o seu aluno, porque tem muitos professores que acham que...

aquela pessoa que... como é que eu posso dizer... um aluno que sempre chega atrasado, a gente pode

admitir que não sabe porque dele chegar atrasado. Aí a pessoa pega e pensa: Ah... desleixado num sei

o que... mas, eu acho bom a gente conhecer o ponto de vista dos alunos, entender o porquê que essas

coisas acontecem. (...) eu acho importante porque até pra essa questão do preconceito acabar, a gente

precisa entender, no que o outro acredita.

Respostas de Carol (Entrevista 3)

Sim. Com o objetivo de respeitar as diferenças. Porque não adianta só a gente mostrar a concepção

científica. E qual a concepção que os estudantes têm a partir de determinado conteúdo? Porque é que

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eles acham que isso é certo ou errado? Porque é que eles concepcionam? Vamos supor, na evolução,

porque na evolução a gente só trabalha com criacionismo, mas, o que é que um... um frequentador do

candomblé acha? O que alguém da umbanda ou alguém que é espírita, evangélico vai ter essa

concepção a partir da evolução, então, eu acho que é bom por que é.... é bom trabalhar com essa

diversidade cultural por que faz com que os alunos desconstruam essa ideia de que só uma... só a

ciência é a certa e poder respeitar as diferenças. Saber que ele... ele não pode pensar o mesmo que o

colega, mas, que ele respeite, que ele entende, pra uma boa convivência!

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Tipo, eu poderia... a partir do meu assunto, chegar numa coisa que é do dia a dia deles, no caso? (...)

sim, posso, porque ficaria mais fácil deles entenderem o assunto. (...) Penso. (...) Objetivo deles

entenderem melhor o assunto, tipo.... Como eu tô, tipo, dando a parte da... morfologia da planta, eu, é

mais interessante eu pegar uma planta da região e explicar, isso daqui, isso daqui, isso daqui, isso

daqui. Eu acho que ficaria mais fácil deles compreenderem a aula. Do que eu ficar só no desenho, ali...

e tipo, é uma coisa que... eles têm na região.

Respostas de Jhoserd (Entrevista 11)

Sim! Eu acho que isso é fundamental, primeiro pra que eu saiba se eles estão compreendendo o que eu

tô falando, segundo pra que eles tenham oportunidade de expressão também e discutam... porque a

discussão é algo que não acaba... pode melhorar aquilo que você sabe, melhorar a habilidade de falar,

discutir...

Questão 8

8. Você pensa em discutir, com seus alunos da educação básica, questões sobre racismo e alterização,

por exemplo, no contexto do ensino de Biologia? Por quê?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Sim. Principalmente depois dessa experiência, agora. Porque eu achei... achei muito gratificante,

assim... achei... quando eu falo assim eu fico voltando assim porque eu lembro dos alunos vindo e

fazendo aquela roda, assim... a minha volta e querendo contar, né? Naquela... no fri som, ali... olha,

deixa eu te falar aqui... o que que eu ia fazer? Né? Aí eu ficava assim, poxa! Realmente, é.... a gente

fez uma coisa que atingiu alguém, né? E eles saíram dali não só com a ideia, com o mínimo

embasamento pra discutir, e com a ideia de que não... não tinha nada que sustentasse a questão do

racismo, como eles, assim, aquela sensação de que eles saíram leves. De que soltaram alguma coisa

que tava ali preso, abafado, e.... e com aquela sensação de que caramba! Eu sou alguém! E hoje eu vi

que sou alguém. Então, por conta disso, é.... não é coisa da minha cabeça, não sou só eu que passo por

isso, eu tô vendo aqui talvez eles tivessem vendo gente ali que nunca tinha compartilhado daquelas

situações com ele, mas, que encontraram liberdade de poder fazer aquilo, e aí, eles... caramba! peraí, e

assim, a sensação de que a gente fez alguma coisa de útil, realmente útil pra vida prática do aluno, e...

melhor ainda, relacionado com o conhecimento, com ciência, ah... isso aí foi pra mim, foi gratificante

demais. Então, com certeza, é uma coisa que eu vou... vou querer achar o momento certo pra poder

debater com as turmas, não sei se com atividade parecida ou diferente, mas, pela forma com que isso

me atingiu, né? Positivamente, com certeza eu vou querer levar sim.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Com certeza (risos). (...) porque... tipo, isso... já é uma coisa que vem acontecendo acho que o que?

Desde sempre, praticamente, e eu acho importante a gente mudar essa concepção das pessoas

justamente pra... no caso, as pessoas brancas pararem... porque a maioria é o que? As pessoas brancas

inferiorizando as pessoas negras. Eu acho que isso, isso... não faz o mundo crescer, só faz ter mais

brigas e mais desigualdade. Então, acho que é importante a gente tentar mudar essa concepção dos

alunos e.... porque, mudando a concepção dos alunos, de repente eles conseguem mudar a concepção

dos pais, alguma coisa assim.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Sim, se tiver oportunidade, sim, claro! Se eu tiver oportunidade, se o assunto abrir brecha, né? (...)

sim, com certeza! (...) sim, sim! (...) Eu acho que é.... é muito importante esse assunto, um assunto que

num pode ser assim, deixado de lado pelo professor, tem coisas que a gente num pode fechar os olhos,

a gente tem que falar, e tipo... se houver uma situação em sala de aula que tá vendo racismo, eu vou só

ficar dando meu assunto e.... e fingir que num tá tendo nada? Se tiver dando um assunto sobre

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bullying, alguma coisa, eu tenho que falar, eu tenho que arranjar uma maneira de abrir brecha pra falar

sobre o assunto.

Respostas de Eduardo (Entrevista 7)

Sim. Com certeza! Porque tem tudo a ver, né? Biologia e racismo. Antes, eu não via muita relação,

hoje eu vejo, então... Antes eu pensava que era só uma questão de história, né? Mas, hoje eu vejo que

tem mais a ver com a ciência. Então, eu acho que... eu não quero deixar só pra história... pra o

professor de história... eu vou discutir isso. Eu tenho certeza que eu vou. (...) não, isso é pra vida toda.

Essa questão do racismo, da ci... racismo na ciência eu acho que eu vou levar pra vida toda... e é uma

coisa que eu vou levar da disciplina. Essa coisa assim...

Respostas de Everton (Entrevista 8)

Então, como eu falei, né? Quando aparecer a oportunidade é quando a gente aproveita pra discutir. E

não colocar só... não! Hoje a gente vai discutir racismo! Hoje a gente vai discutir eurocentrismo!

Não... a gente discute à medida que as aulas vão acontecendo e a discussão pode ser levantada. (...)

não! (Referindo-se ao fato de que o licenciando não planejaria uma aula para discutir racismo, por

exemplo) eu discutiria é.... é.... Dessa forma, né? Nem que eu tivesse... Tava com uma aula planejada

pra trabalhar tal assunto, e for levantada essa discussão, tá! E como é que a gente pode fazer? Aí a

partir dali eu poderia planejar ver se a discussão ficou muita coisa, ou se ficou muita coisa que a gente

poderia ter discutido, ah... então, vamos pensar na próxima aula! A gente continua essa discussão de

forma mais detalhada! Vamos trazer mais fatos pra gente discutir melhor, a partir da oportunidade que

surgiu. (...) ah... agora eu entendi! Eu acho que eu não tinha entendido direito a pergunta! (...) ah...

sim! Com certeza! (...) eu tinha entendido... o planejamento seria, no caso, né? A partir da discussão.

Ou no caso, a pergunta seria voltada pra eu planejar pra depois discutir. (...) ah... eu acho que daria sim

pra pensar... (...) é.... eu planejaria, mas, com cuidado, como eu lhe falei, que não acabasse

estigmatizando. Ficar colocando em pacotinhos, né? Então, a gente vai discutir e eu não consegui

alcançar o objetivo de sensibilizar os estudantes. A pensar numa forma... veja, interpretar de uma

forma diferente, pensar numa forma diferente e acabar compartimentalizando e só discutir por

discutir... discussões que não sejam tão profundas, que não tenham fundamento nenhum. Assim, eu

posso planejar, mas, com esses cuidados. De que não fique essa questão de compartimentalização de

conteúdo. Que seria muita... só mais um conteúdo que a gente ia abordar. (...) é porque eu tenho esse

cuidado, esse medo de... ah! Hoje a gente vai trabalhar divisão celular, hoje a gente vai trabalhar gene,

amanhã a gente vai trabalhar racismo! (...) é um risco que a gente vai correr, porque pode surgir como

pode não surgir. Mas, aí como a gente já teve essa sensibilização, aí sim, mesmo... ah... não surgiu!

Então, vamos... vamos discutir! Porque já surgiu da nossa formação inicial... no caso a gente já foi

sensível a pensar isso... então, se eu já sou sensível, eu espero! Se não sair, mas, eu posso levantar essa

discussão. (...)É. no meu caso. Agora, pra uma pessoa que não teve essa sensibilização, eu acredito que

não vai dar pra surgir. Inclusive, pra sustentar uma discussão, né? Que surja na sala de aula! Porque

antes dessa disciplina, se eu visse uma discussão desse tipo, eu não iria dar tanto destaque, tanto

enfoque, tanta profundidade, que eu daria após eu pegar essa disciplina!

Questão 8

Como discutiria essas questões de racismo e alterização?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Então, da mesma forma que a gente aplicou, né? A atividade, é.... tentaria levar pra eles um pouco do

conhecimento científico. Do pouco que é.... a ciência, é.... tem hoje de informação sobre, é.... a

diferenciação humana, mostrar pra eles que não existe uma lógica concreta pra que isso aconteça e que

as nossas diferenças são somente superficiais, né? Que não dão crédito pra que exista diferenciação

qualquer, por qualquer tipo ou qualquer motivo que seja. Então, eu acho que a forma com que a gente

trabalhou, que foi justamente isso de levar o conhecimento, falar que não... não existia é....

Embasamento pra que isso acontecesse, é.... e depois, é.... mostrar, né? Que seres humanos não se

dividem em raça, e que cada um poderia de uma forma ou de outra combater esse tipo de prática, né?

Então, seria essa a minha abordagem. Não só a questão, né? Científica, digamos assim, mas também a

questão de... de enfrentamento desse tipo de coisa. Mas, um enfrentamento inteligente. Um

enfrentamento que seria o que? A multiplicação desse conhecimento, né? A multiplicação desse

orgulho de ser o que é, é.... o enfrentamento preciso dos momentos oportunos, né? de poder debater e

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ter argumento pra poder debater. De... acionar quem tiver de ser acionado, pra resolver uma situação

mais delicada, e como a gente falou... também usar a rede social pra falar, pra se expressar, e.... tudo

isso... então, eu abordaria a questão científica, a questão do orgulho pessoal e a questão da atitude

também.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Como eu discutiria? Eu ainda não cheguei nesse plano. (Risos) (...) Sim, me imagino, só que tá tão

longe ainda que eu num tô pensando muito agora. (Risos) Eu tô pensando em passar nas disciplinas.

(Risos) (...). É, eu tô me contradizendo, né? (no que se refere ao fato da licencianda ter dito que as

disciplinas sociais servem para levar discussões desse nível, mas, levaria a discussão do racismo para a

sala de aula de biologia) (...) Tipo, eu num posso... eu num vou poder me aprofundar tanto como o

professor de sociologia, mas, eu posso... falar brevemente sobre o assunto... dizer pra mim... pra eles

entenderem quanto é importante pra mim... quando eles tiverem... que o.... o meu ponto de vista, é....

é... a minha importância com aquilo, talvez, eles.. Sei lá... eles tenham uma nova percepção, né? Sobre

o assunto.

Respostas de Eduardo (Entrevista 7)

Eu acho que cada tema que eu fosse dar, eu... ah, não sei bem.... É complicado, é difícil! (Risos) como

discutiria racismo? Eu acho que eu faria o mesmo que a senhora, levaria alguns textos, não sei...

brincadeiras... Não, brincadeira... acho que não tem como fazer brincadeiras com isso. Mas... (...)

Perguntas pra ver, né? Depois explicaria pra eles como foi que surgiu o racismo, essas coisas assim...

Respostas de Maria (Entrevista 9)

Ah... como a gente aplicou a.... a oficina! Pegando um tema de biologia, entendeu? Introduzindo aos

poucos tanto o conteúdo mais incluindo esses pequenos tópicos, entendeu? Por exemplo, a gente

trabalhou a seleção natural, aí a gente começou a fazer tipo... uma pequena revisão, né? Darwin,

Lamarck, entendeu? As ideias de Darwin, as ideias de Lamarck, Wallace, que junto com Darwin

chegou, né? E aí dentro da seleção natural, tanto do aspecto biológico... e aí incluiu o aspecto o que?

Social, né? Então, trazendo o aspecto social da seleção natural foi que a gente chegou no racismo, na

eugenia. É muito interessante! Eu gostei!

Questão 9 - Como?

9. Você levaria essa articulação do discurso biológico com outros discursos para a sala de aula?

Como?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Então, como eu falei, né? Eu acho importante, é.... mesclar, né? Esses conhecimentos, esses... esses...

esses ramos do conhecimento, porque além da gente, eu acho que... abrir mais a mente do aluno, a

gente consegue atingir ele melhor, porque a gente vai... vai mexer com a realidade dele, né? A gente

vai... fazer com que ele pense. Então eu... eu colocaria sim! A questão que eu achei bastante

interessante, né? Na disciplina... foi aquele... o último texto, né? Que a gente leu, sobre a questão da

formação das favelas no Rio de Janeiro, ali pra mim foi uma novidade que eu fiquei, caramba! Eu não

tinha noção disso aqui, né? E é um fato cultural, político, ligado, né? A questão racista, né? E é....

essas coisas se mesclam, né? Elas estão totalmente associadas, né? Então, primeiro existiu o que? A

segregação racial, né? Dessa segregação existiu preconceito, a marginalização, né? Onde eles foram

afastados daquela área que era boa pra se morar, eles foram renegados ali pras partes mais marginais

mesmo que ninguém queria, e aquilo ali aliado a falta de estrutura, de emprego descente, de... é....

oportunidade, né? Sem contar o desrespeito, ah! Quando o negro fazia uso de uma área que de repente

era de interesse do branco, o branco ia lá e tomava porque era lei! e o negro não podia ter propriedade.

Então, esse processo de formação de favela pra mim foi uma novidade, e... Com certeza é algo que tá

assim, intrinsicamente relacionado e que vai, né? é.... despertar consciência do aluno, né? Não é só ele

chegar e falar: Ah não, porque o favelado... não, teve todo um processo histórico que tá também

relacionado a um processo de, de... racismo, né? Interligado. (...) fomos colônia, então, esses, esses...

essas pessoas foram prejudicadas por um processo que veio de décadas e décadas... Então, pra que o

aluno entenda, né? A nossa atual conjuntura, eu acho que é importante também abordar esses fatos,

históricos e tudo mais. (...) A gente pensa assim: Por que que tem mais pessoas... não vou dizer negros,

mas, com traços negros, é.... na comunidade carcerária, do que brancos? Porque realmente o negro...

ele está dentro daquele... daquele conjunto de pessoas, né? Que está mais marginalizada por conta

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disso. é.... tem uma cultura marginal diferenciada, que pra ele é comum o crime... isso porque? Porque

ele foi delegado a um plano fora do que era o ideal, né? Branco... que não tinha influência das pessoas

negras, né? Que tinham culturas, é.... demonizadas até, né? Porque... assim, uma coisa que eu vi até

quando criança era dizer assim: olhe, cuidado, viu? Que fulano é macumbeiro! Eu me tremia de medo.

(risos). Quando passava assim e dizia assim: ele é pai de santo... eu dizia: nossa senhora! Mas, a gente

vê que é a cultura, né? É a cultura... é aquilo que foi impregnado de uma forma que pra você tirar é

difícil! É difícil pra caramba! (...) realmente depois dessa matéria eu tenho outra visão disso aí e até

me espanto com algumas coisas que eu pensava. (...) Eu, assim, eu nunca fui preconceituoso, dois dos

meus melhores amigos eram negros, andava na casa deles, e.... a família da minha esposa é toda negra,

e.... e assim, eu nunca tive esse preconceito, apesar da... de um ramo assim, da família do meu pai ser

muito preconceituoso porque eram descendentes... meu avô era muito, mais muito preconceituoso,

graças a deus eu não absorvi essa parte assim... então, eu nunca me considerei assim um camarada

preconceituoso. Nunca gostei de brincadeira racista, assim... uma coisa eu aprendi... aprendi muito

com minha mãe, né? Minha mãe muito católica, e ela levava muito ao pé da letra a questão de você

não fazer com os outros o que você não quer que faça com você. Minha mãe, ela... era muito

respeitadora com relação a isso e passou isso muito bem pra gente. Mas, alguns pensamentos hoje eu...

eu me pego. E hoje ele... ele não condiz... o que eu pensava não condiz com o que eu penso hoje. E aí

eu vejo, que... eu falo que eu não era preconceituoso, mas, eu tinha sim... tenho, ainda! É duro a gente

falar, mas, eu tenho! Porque quando eu falo que eu me surpreendi com a rádio, né? De umbanda... se

eu hoje ligar a televisão e ver um programa de umbanda eu vou me surpreender, eu vou estranhar. (...)

perceber que é uma falha minha.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Penso, só que não vem, tipo... é porque a gente, acaba assim, acaba falando... pelo menos nessa aula de

hoje, a gente acabou falando... tipo, deu uma misturada nesses discursos. Aí eu acho que o certo seria

trabalhar eles separados. Mas, não sei ainda como fazer isso. Mas, é importante falar tudo. (...) pra...

como eu posso dizer, pra pessoa entender, tipo, quando a gente trabalhou hoje, um exemplo, a gente

trabalhou o conceito de raça, a gente falou o conceito de raça científico e o conceito de raça

sociológico. Aí no caso a gente falou dele separadamente e depois acabou juntando, eu acho que

primeiro falaria um pouco separado de cada um deles pra pessoa entender, e depois, faria uma

abordagem juntando todos.

Respostas de Carol (Entrevista 3)

Eu acho que... através de ações de intervenção, de oficinas, ou até mesmo em sala de aula. Eu achei

muito interessante essa proposta de ação de intervenção, porque não fica restrito ao ambiente escolar.

O aluno, ele vai ter contato com a comunidade, ele vai discutir informações, e vai perpetuar essa

informação, sensibilizar, não somente o corpo acadêmico, mas, também a comunidade ao redor, de

que é necessário desconstruir, respeitar as diferenças, reconhecer a diversidade e valorizar a

diversidade cultural, a diversidade sexual, porque a traves da educação e da... do conhecimento que a

gente vai sensibilizando as pessoas pra tornar o mundo um lugar melhor.

Respostas de Arizona (Entrevista 4)

Com certeza! Eu quero é que gere (inaudível). Eu acho importante, é.... saber a opinião dos alunos, eu,

eu quero que... um.... Quando eu me vejo professora eu quero saber se eles tão realmente aprendendo,

eu quero, um... é.... fazer perguntas a eles e eles tentarem, é.... é.... tentasse argumentar com o que tô

falano. Eu tenho essa visão pro futuro. (...) Temas científicos e sociais? Depende... num sei ainda...

pode ser dos dois.

Respostas de Eduardo (Entrevista 7)

Com certeza. Eu vou levar! (...) (Risos) é complicado. (...) eu acho que antes de genética, por

exemplo... que é um assunto que tem mais relevância, tem mais a ver com eugenia, eu falaria um

pouco da eugenia, né? Como uma... como a ciência apoiou isso, e depois daria o assunto... pra ir

contextualizada já.

Respostas de Jhoserd (Entrevista 11)

Sim! Sempre na perspectiva de alinhar isso com perspectivas culturais, pensando nessas questões. É....

eu acho que primeiro a gente tem que formar os conceitos dessas coisas na cabeça deles, e depois

trazer essas questões práticas, trazer esses conhecimentos como o racismo, a eugenia... (...) um pouco

complicado porque assim, vai depender muito... acaba dependendo muito também da escola, porque

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nem sempre a escola dá abertura pra esse tipo... pra esses tipos de debate, questionamento, então, eu

tentaria ao máximo associar o conteúdo programático a essas questões. Mas, se não fosse possível, eu

trabalharia só essas questões de maneira isolada.

Respostas de Renata (Entrevista 12)

Acho que não. Eu acho que já é uma coisa meio que complexa. É uma coisa.... Perguntar aos alunos o

que é que ele acha sobre determinadas situações, a cultura dele.... Mas, outra coisa é entrar em política,

essas coisas... eu sempre fui avessa a isso! (...) você falou política! (...) ah, sim! Eu entendi nesse meio,

entendeu? (...) então, se for partindo dessa ideia, dessa explicação, trabalharia.... Como naquele debate,

procurar saber o que o aluno tem de diferente pra falar, querendo ou não a gente já poderia entrar num

debate assim....

Questão 10

10. Que argumentos poderiam ser apresentados contra a abordagem de questões culturais no ensino de

Biologia?

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Por exemplo, a depender, né? Que a gente sabe que tem escola que seguem linhas católicas, linhas

evangélicas, talvez esse fosse um argumento. Se for um desses casos, né? é.... ou aquelas... aquelas...

escolas que são extremamente tradicionais, e a gente sabe que as escolas nossas tradicionais, elas

seguem justamente esse modelo europeu de pensar, então, ela poderia abordar isso como sendo, é....

por exemplo... se eu trouxesse culturas afro, né? Pra abordar, que seria uma afronta... pra nossa

cultura, né? Que se eu falasse que... eram culturas legítimas eu estaria afrontando, eu acho que talvez

esse fosse um argumento.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Provavelmente ela ia dizer que... que não é o que se ensina numa sala de aula, não é esse tipo de coisa

que se deve ser ensinado. Deixe eu ver aqui... que isso não tem nada a ver com os alunos, que isso é

mais uma questão que vai ser tratada dentro de casa, com os pais deles...

Respostas de Everton (Entrevista 8)

Eu acho que... como... eu já tinha falado, né? Que.... tá... eu acredito que como estava impregnado na

minha mente, pode estar impregnado na cabeça de muita gente! Que não existe racismo, é um mito. Tá

todo mundo igual, que não existe desigualdade, que não existe diferença... que não existe

preconceito... que não existe racismo... porque ah... se a gente não discute, ele acaba! Ele só não

acabou, porque a gente ainda fala sobre ele, porque a gente ainda discute. Eu acredito que poderia ser

usado esse argumento, que ah... se você não discutir, ele não vai aparecer! Ele só vai aparecer, porque

você vai levantar essa discussão... então, vai falar que sofre preconceito, mas, se você não falar, ele

não vai aparecer...

Questão 10

Argumentos em defesa da abordagem de questões culturais no ensino de Biologia

Respostas de Luc (Entrevista 1)

Pronto. Então, eu falaria que... eu não... não estaria ali pra... pra... é.... pra atribuir, digamos assim, pra

tentar mudar a percepção de crença, de fé, né? Porque cada um tem a sua crença e a sua fé. E que a

minha abordagem seria focada no respeito, né? No respeito e na legitimidade que cada cultura tem,

né? E.... no direito que cada cultura tem de se expressar. Esse seria meu argumento. Porque eu não ia

tá ali pra falar que a religião x ou y é melhor ou pior, que os conceitos de fé e crença, é.... vão ser

mudados... não! São... que são apenas diferentes e que são e devem ser respeitados. E somente o que?

Que eu irei mostrar... tentar mostrar o porquê que essas religiões e essas culturas, elas foram

marginalizadas de acordo com o contexto histórico. Então, esse seria o meu argumento.

Respostas de Ariel (Entrevista 2)

Eu diria que tem que ser trabalhado sim, em sala de aula, até porque a gente tá formando cidadãos e

uma parte deles é a cultura. Então, a gente poderia sim, trabalhar isso em sala de aula como tema

transversal, não atrapalharia em nada os assuntos que o colégio pede, e.... os alunos iam adquirir mais

conhecimento. (...) eu tô falando assim, tema transversal porque geralmente o.... geralmente o pessoal

da escola, eles são muito fechados, pra essa parte assim, e se a pessoa for muito cabeça dura não vai

querer abrir de jeito nenhum, aí como tema transversal ainda dá pra dar uma fugidinha (risos).

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Respostas de Nami (Entrevista 6)

Vou dizer, mulher é inevitável, eu tô na sala de aula, tenho meninos de gêneros diferentes, tenho

branco, tenho preto, tem de todas as cores, vai acontecer em algum momento, vai chegar a hora de ter

que falar sobre esse assunto. Eu acho que é muito difícil um professor em sala de aula não notar essa,

esse... essa luz que acende opa! tá na hora de você falar disso! Mesmo que você não tenha isso no seu

planejamento, uma hora vai aparecer essa necessidade.