9 juventude e escola revista de estudos sobre a juventude

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JOVENes 202 Resumen Os jovens seguem os caminhos institucionais clássicos (como no caso da escola e da família) sem adesão total a estes, mas tampouco rejeitando a importância que tem o mundo do trabalho. Podemos armar que o “trab- alho também faz a juventude” e a construção sociocultural da categoria  juventude no Brasil torna-se demasiadamente complicada sem a intervenção efetiva e simbólica desta categoria. Tal reconhecimento não implica na de- fesa do trabalho de jovens e adolescentes, muito pelo contrário, implica em admitir que se a construção da condição juvenil se origina em um complexo de valores arraigados do ponto de vista social e histórico no Brasil, qualquer alteração desta situação deveria ser resultante de mudanças estruturais e fun- damentais que mitiguem as profundas desigualdades sociais sujeitas a proces- sos de longa duração. Abstract The young follow the classic institutional pathways (like school and family) with- out total attachment to them but without neglecting the importance of work. We can state that “work also makes the young” and the sociocultural con- struction of youth as a category in Brazil becomes too complicated without the effective and symbolic intervention of this categorization. Recognition does not imply that adolescents and younglings should work; on the contrary it implies accepting that if the construction of the youth condition is originated in a set of deeply rooted social and historical values in Brazil, any change should be the result of structural and fundamental changes that will relieve the deep social inequalities subject to long lasting processes. *  Formação Doutora em sociologia da Educa- ção pela USP Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da diretoria de Ação Educativa. E-mail [email protected] **  Este artigo constitui versão resumida de capítulo do livro Retra- tos da Juventude Brasi- leira (título provisório) organizado por Hele- na W. Abramo e Pedro Paulo M. Branco, co- editado pelo Instituto da Cidadania e Funda- ção Perseu Abramo, no prelo. Janela Central: Olhares sobre os jovens no Brasil Autora: Marilia Pontes Sposito Título: Indagações sobre as relações entre juventude e a escola no Brasil JOVENes, Revista de Estudios sobre Juventud Edição: ano 9, núm. 22 México, DF, janeiro-junho 2005 p.p 201-227 Marilia Pontes Sposito* Indagações sobre as relações entre juventude e a escola no Brasil INSTITUCIONALIZAÇÃO TRADICIONAL E NOVOS  SIGNIFICADOS **

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  • JOVENes

    202

    ResumenOs jovens seguem os caminhos institucionais clssicos (como no caso da escola e da famlia) sem adeso total a estes, mas tampouco rejeitando a importncia que tem o mundo do trabalho. Podemos armar que o trab-alho tambm faz a juventude e a construo sociocultural da categoria juventude no Brasil torna-se demasiadamente complicada sem a interveno efetiva e simblica desta categoria. Tal reconhecimento no implica na de-fesa do trabalho de jovens e adolescentes, muito pelo contrrio, implica em admitir que se a construo da condio juvenil se origina em um complexo de valores arraigados do ponto de vista social e histrico no Brasil, qualquer alterao desta situao deveria ser resultante de mudanas estruturais e fun-damentais que mitiguem as profundas desigualdades sociais sujeitas a proces-sos de longa durao.

    AbstractThe young follow the classic institutional pathways (like school and family) with-out total attachment to them but without neglecting the importance of work. We can state that work also makes the young and the sociocultural con-struction of youth as a category in Brazil becomes too complicated without the effective and symbolic intervention of this categorization. Recognition does not imply that adolescents and younglings should work; on the contrary it implies accepting that if the construction of the youth condition is originated in a set of deeply rooted social and historical values in Brazil, any change should be the result of structural and fundamental changes that will relieve the deep social inequalities subject to long lasting processes.

    * Formao Doutora em sociologia da Educa-o pela USP Professora titular da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo e membro da diretoria de Ao Educativa. E-mail [email protected]

    ** Este artigo constitui verso resumida de captulo do livro Retra-tos da Juventude Brasi-leira (ttulo provisrio) organizado por Hele-na W. Abramo e Pedro Paulo M. Branco, co-editado pelo Instituto da Cidadania e Funda-o Perseu Abramo, no prelo.

    Janela Central: Olhares sobre os jovens no Brasil Autora: Marilia Pontes SpositoTtulo: Indagaes sobre as relaes entre juventude e a escola no BrasilJOVENes, Revista de Estudios sobre JuventudEdio: ano 9, nm. 22Mxico, DF, janeiro-junho 2005p.p 201-227

    Marilia Pontes Sposito*

    Indagaes sobre as relaes entre juventude e a escola no Brasil

    INSTITUCIONALIZAO TRADICIONAL E NOVOS SIGNIFICADOS**

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    m ponto de partidaAo analisar as sondagens de opinio Bourdieu (1988) ar-mava que, sob a aparncia das respostas rpidas, simples e cifradas, estariam contidas as possibilidades da iluso: as verdades primeiras so os erros primeiros. Mas considerava

    que essas perguntas primeiras, quando se inspiram nos conhecimentos e preocupaes prticas e com a condio de serem reinterpretadas em funo de uma problemtica terica, aportam informaes muito valiosas, com freqncia superiores s que suscitam as interrogaes mais preten-siosas dos semieruditos (Bourdieu, 1988, p. 85). sob essa perspectiva que poderemos tomar os grandes levantamentos ou pesquisas de opinio como instrumentos importantes para constituir chaves de compreenso e tornar mais visveis grandes conjuntos populacionais de jovens na sociedade brasileira que permanecem desconhecidos em suas prticas, valores e modos de vida.

    Mas esse tipo de empreendimento tambm oferece um conjunto relevante de problemticas que podero ser objeto de novas investigaes, incluindo aquelas de carter qualitativo que permitem tratamentos mais aprofundados de alguns temas. Assim, invertendo a relao entre pesquisa qualitativa e quantitativa onde a primeira sempre foi considerada uma ativi-dade exploratria e preliminar a ser validada nos procedimentos quantitati-vos realizados posteriormente (Stake, 1982) o momento das sondagens de opinio poderia ser tratado como instncia geradora de novas problemti-cas que devero ser melhor compreendidas por meio de uma amplo esforo de investigao de natureza qualitativa. inegvel, no entanto, que sempre estaremos lidando com o carter provisrio dos resultados e com a neces-sidade de novas perguntas e outros estudos.

    No Brasil, diante da falta de amplos levantamentos sobre a diversidade juvenil1 o exame de dados originados de uma ampla sondagem de opinio sempre suscita reexes, indagaes e problemticas, oferecendo perspec-tivas importantes. Apesar de certa familiaridade com o tema, no caso espe-cco jovens e escola o pesquisador sempre pode surpreender-se e reetir sobre a necessidade de novas perguntas e modalidades de investigaes.

    Por essas razes, as reexes aqui esboadas so produto de uma lei-tura, entre outras, dos dados de Pesquisa Nacional realizada no mbito do Projeto Juventude, em novembro de 2003, na qual foram entrevistados 3 501 jovens.2 Elas no procuram referendar hipteses j consagradas, mas principalmente problematizar enunciados que rapidamente se transformam em pressupostos muitas vezes no contestados ou, ao menos, contextualizados, indicando seu efetivo alcance explicativo. Em primeiro lugar busco situar o ponto de vista que marca minha leitura na discusso das relaes entre ju-ventude e escola. Nesse caso, a anlise exige incurses tanto no domnio da famlia como nas relaes que os jovens tecem com o mundo do trabalho, sem qualquer pretenso de tratar de modo exaustivo temas to complexos e fundamentais na vida juvenil. A seguir os dados sero apresentados, aps

    U

    1 Os dados mais globais sobre a populao jovem no Brasil em geral so extrados dos Censos e das PNADs realizados pelo IBGE. Os estudos da Unesco sobre juventude tambm tm contribudo, a partir de eixos temticos, com diagnsticos diversicados sobre os jovens brasileiros.

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    uma inevitvel seleo que permitir, nalmente, algumas consid-eraes guisa de concluso. Por outro lado, trata-se de um recorte analtico em torno dos sujeitos jovens que vivem, de modo integral, suas experincias no s no universo escolar, mas na cultura, no lazer, no mundo do trabalho, na famlia e nas formas que selecionam para o seu aparecimento na vida pblica.

    Compreender a condio juvenil no Brasil: um desaoDa heteronomia infantil completa autonomia que, em tese,3 con-gura a situao do adulto na sociedade, a juventude vivida como um processo denido a partir de uma inegvel singularidade: a fase de vida em que se inicia a busca dessa autonomia, marcada tanto pela construo de elementos da identidade pessoal e coletiva como por uma atitude de experimentao (Galland, 1996; Singly, 2000).

    A moderna condio juvenil na sociedade ocidental sempre foi caracterizada pela manuteno de relaes importantes, embora diver-sas, entre duas agncias primordiais da reproduo social: a famlia e a escola4. As teses mais clssicas viam nesse momento, como armava Parsons (1974), a passagem do mundo privado das relaes familiares para outras formas de contato e de ocupao dos espaos pblicos sem a necessria presena do adulto. Nesse perodo, a escola torna-se, ento, elemento importante para assegurar a reproduo cultural e social dos diversos grupos e classes. Assim, as representaes domi-nantes sobre a infncia e, posteriormente, sobre a adolescncia e a ju-ventude integraram a escola como um de seus espaos formativos, de tal modo que Singly (1993), em suas anlises sobre a famlia contempornea, examina a dinmica do grupo familiar a partir do conceito de modo de reproduo com dominante escolar na esteira dos trabalhos de Pierre Bourdieu (1989).5

    2 As entrevistas foram realizadas em 198 municpios brasileiros, estraticados por lo-calizao geogrca (capital e interior, reas urbanas e rurais) e em termos de porte (pequenos, mdios e grandes), contemplando 25 estados brasileiros. A pesquisa con-duzida pela Criterium integrou parte das atividades desenvolvidas pelo Instituto da Cidadania no Projeto Juventude, tendo em vista a construo de propostas para a efeti-vao de polticas de juventude no Brasil.

    3 Em tese, porque tendo em vista a crise da sociedade assalariada e as transformaes do mundo do trabalho, tornando o desemprego uma categoria de natureza estrutural e permanente para grandes contingentes populacionais, a autonomia do adulto via in-dependncia nanceira pode no ser realizar. Assim, estaramos diante da necessidade de buscarmos, tambm, outros elementos denidores da condio adulta na sociedade, para alm da independncia nanceira sob pena de negar a condio de autonomia para enormes segmentos excludos da possibilidade de trabalho.

    4 Uma distino importante realizada por Abad diz respeito s diferenas entre a situao juvenil, que signicaria como jovens de classes sociais e origens diversas experimentam a condio juvenil, esta ltima uma construo histrico social (Abad, 2003). Nesse caso, seria importante reiterar as observaes de Franois Dubet que considera a prpria cat-egoria juventude como portadora de uma ambigidade intrnseca, pois seria ao mesmo tempo, momento do ciclo de vida, exprimindo assim as caractersticas scio-culturais de uma determinada temporalidade histrica e, ao mesmo tempo, um processo de inser-o ou de uma experincia delimitada pela estrutura social (Dubet, 1996).

    5 Para Singly, as famlias devem mudar de jogo, modicar suas estratgias para con-servar para seus lhos as chances de ocupar, ao menos, posies comparveis quelas detidas por seus pais. Em uma sociedade em que o modo de reproduo tem um componente escolar, o valor de uma famlia (e do grupo social ao qual ela pertence) denido pelo montante de capital escolar detido por seus membros (Singly, 1993, p. 22)

    A moderna condio

    juvenil na sociedade

    ocidental sempre

    foi caracterizada

    pela manuteno

    de relaes

    importantes,

    embora diversas,

    entre duas agncias

    primordiais da

    reproduo social: a

    famlia e a escola

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    A instituio escolar, ao se expandir, surge tambm como um es-pao de intensicao e abertura das interaes com o outro e, portan-to, caminho privilegiado para a ampliao da experincia de vida dos jovens que culminaria com a sua insero no mundo do trabalho. nessa fronteira entre o pblico e o privado que Parsons (1974) situa a cultura dos estudantes das escolas secundrias nos Estados Unidos, nos anos 1950, trazendo a discusso da importncia da disseminao da escolaridade como fator de constituio da experincia dos teenag-ers e suas prticas de lazer, consumo, vestimentas e estilos musicais, entre outros (Passerini, 1996).

    Mas se as mutaes dos ltimos 30 anos atingiram, principalmente, a esfera do trabalho e uma de suas formas principais na sociedade capitalista o trabalho assalariado inegvel que os caminhos e contor-nos para a entrada na vida adulta se diversicaram, tornaram-se mais complexos e menos lineares. Assim, o modo como os jovens vivem essa etapa de vida tambm se altera, uma vez que a escolaridade j no se agura mais como elemento garantidor da entrada no mundo do trabalho, especialmente se considerarmos o ingresso no mercado for-mal de ocupaes e as posies dos estratos menos privilegiados da so-ciedade, exatamente aqueles que tm acesso tardiamente aos degraus mais elevados do sistema de ensino.

    Apesar do reconhecimento da importncia das instituies so-cializadoras tradicionais, as profundas transformaes observadas nos ltimos cinqenta anos do sculo XX produziram impactos signicativos nas formas como as relaes entre as idades e o prprio ciclo de vida so experimentadas. Por essas razes, alm do tema da desregulao das etapas (Peralva, 1997) e de sua descronologizao (Atias-Donfut, 1996),6 tm sido recorrente a idia de que se observa, tambm, um processo de desinstitucionalizao da condio juvenil.

    Embora os sentidos da expresso desinstitucionalizao estejam recobertos de mltiplos signicados tanto na discusso sociolgi-ca mais ampla como no debate sobre os jovens, de modo geral, este termo tem signicado, na acepo de Miguel Abad (2003), uma crise das instituies tradicionalmente consagradas transmisso de uma cultura adulta hegemnica, cujo prestgio tem se debilitado pelo no-cumprimento de suas promessas e pela perda de sua eccia simblica como ordenadoras da sociedade (Abad, 2003, p. 25). Assim, o espao deixado por essas formas tradicionais escola e famlia passa a ser ocupado por um maior desdobramento da subjetividade juvenil e

    6 A desregulao signica que as regras que regulam as diferenas entre as idades e os modos de transio de um momento para outro j no exprimem as formas como os indivduos vivem as diferentes fases do ciclo de vida. Estaria, na verdade, ocorrendo uma verdadeira mutao do ciclo de vida que resulta, entre outros fatores, do aumento da expectativa de vida e no aparecimento de uma quarta idade. A descronologizao signica que as marcas temporais que regulam a entrada na vida adulta no obedecem, necessariamente a uma sincronia, ou seja, os modos de acesso vida adulta implicam em tempos diversos para a entrada no mundo do trabalho, constituio de nova uni-dade familiar, sada da casa paterna e concluso da escolaridade. Alm de no serem sincrnicas estas etapas no so lineares, congurando o que Jos Machado Pais con-sidera como gerao YoYo, onde as idas e vindas so freqentes: sada e volta da casa dos pais, emprego e unies conjugais provisrias, etc. (Pais, 1994).

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    nessa desinstitucionalizao da condio juvenil que tm surgido as possibilidades de viver a etapa da juventude de uma forma distinta da que foi experimentada por geraes anteriores (idem, p. 25).7

    Mas, ao lado de uma interpretao emergente e do reconhecimen-to que os ltimos anos tm sido marcados pelo aparecimento de uma nova condio juvenil, verica-se, tambm, um conjunto de anlises que revela, enfaticamente, as amarras que caracterizariam os jovens na sociedade atual, quer pela sua adeso a valores tradicionalistas quer por imerso no individualismo contemporneo que pouco espao daria para novas formas coletivas, associativas ou solidrias de se estar no mundo.8

    Discursos contrastantes, que recobrem o debate e muitas vezes es-to presentes nas anlises sobre a juventude contempornea podendo, a seu modo, encobrir ou deixar de problematizar questes relevantes postas pelos modos de vida dos jovens e suas maneiras de pensar a si mesmos e o mundo em que vivem.

    Armar a desinstitucionalizao da condio juvenil como fator positivo na medida em que faria emergir uma nova sociabilidade mais prxima do desejo, da experimentao e da liberdade (Abad, 2003), pode desconsiderar a aspirao por escolaridade, os sentidos atribudos instituio escolar e a importncia das redes familiares para muitos jovens, sobretudo aquele que, em decorrncia das estruturas desiguais, situam-se na base do sistema social. De outro, poderia eliminar da anlise a permanncia de certos mecanismos de poder do percurso institucional e a emergncia, tambm, de novas formas de domina-o que surgem com desenhos diversos na experincia juvenil contem-pornea.

    Reiterar, de modo contrastante, na anlise sobre jovens, apenas o individualismo e a adeso a valores conservadores como tpicos da vida atual dos segmentos juvenis, no signicaria constatar que o seu com-portamento mera cpia dos padres hegemnicos da sociedade, de sua cultura narcsica com o predomnio dos aspectos privados e no pblicos da vida em comum? Nesse caso rearma-se a desconana ou ceticismo generalizados quanto capacidade de ao coletiva e de re-sistncia aos aparatos da dominao no mundo atual, recobrindo um espectro muito mais amplo do que a juventude.9

    7 Abad tambm situa a dissoluo das identidades ligadas idia de Nao ou Territrio, com o desajuste das crenas e valores tradicionais, e a relativizao da cultura do em-prego e do salrio, que alongam transies e as tornam indeterminadas e descontnuas, como elementos importantes dos processos de desintitucionalizao da condio juvenil moderna (Abad, 2003, p. 25).

    8 O conservadorismo sempre apontado pela mdia. Ver, por exemplo, matria publi-cada na Revista Isto apresentando os dados da pesquisa desenvolvida pelo Projeto Juventude, em 05/05/2004.

    9A perspectiva psicanaltica tem examinado as questes do narcisismo e dos traos mar-cantes da sociedade atual pela busca, sem limites, do consumo e do prazer, situando a juventude nesse plano. Tanto Jurandir Freire Costa (2004) como Maria Rita Kehl (2004) examinam esses temas mas apontam alternativas para a compreenso dos jovens que poderiam romper com esse tipo predominante de experincia. Para Costa as alterna-tivas estariam radicdas os novos movimentos ecolgicos e aes de responsabilidade poltica e social. Kehl faz uma anlise sobre a importncia da funo fraterna os gru-pos juvenis na formao do sujeito jovem na contemporaneidade.

    Poderia eliminar

    da anlise a

    permanncia

    de certos

    mecanismos de

    poder do percurso

    institucional e

    a emergncia,

    tambm, de

    novas formas

    de dominao

    que surgem com

    desenhos diversos na

    experincia juvenil

    contempornea

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    preciso considerar que mutaes profundas no ciclo de vida como um todo, alteram a especicidade da experincia juvenil que constitui, sem dvida, uma condio atual diversa daquelas experimentada pe-los jovens h cinqenta anos e esse o mrito daqueles que, como Miguel Abad, procuram identicar quais so, de fato, as mudanas ob-servadas. Talvez, um dos maiores problemas ligados denio desse modo emergente seja a utilizao de noes que acabam por abrigar processos diversos e, ao se tornarem demasiado elsticas ou amplas, perdem seu poder explicativo. Por outro lado, uma diculdade consiste em considerar esse processo de forma linear, como se a realidade no comportasse prticas sociais que recobrem tempos histricos diversos. Como arma Martins (1994, 1996), essa multiplicidade de tempos exprime a complexidade da sociedade brasileira que convive, ao mes-mo tempo, com o mais moderno e o mais arcaico.

    Um exemplo interessante em torno desse tipo de discusso pode ser observado, como arma Elisabeth Bilac, na temtica da crise da famlia que j atravessa quase um sculo e, mesmo assim, sem o seu desaparecimento. Ocorrem profundas transformaes nas dinmicas e arranjos familiares e pode ser observada muito mais a crise prolongada e incompleta de determinado modelo hierrquico, patriarcal com forte dominao do mundo adulto do que o enfraquecimento da dinmica e dos arranjos familiares, tratados este sempre no plural, porque sequer podermos nos referir famlia no singular. Por outro lado, os novos modelos veriam a famlia organizada no a partir de normas dadas, mas sim, como fruto de contnuas negociaes e acordos entre seus membros e, nesse sentido, sua durao no tempo dependeria da du-rao dos acordos. Mas a nfase na capacidade de negociao dos sujeitos individuais, na famlia, oblitera diferenas de poder e desigual-dades entre homens e mulheres, adultos e crianas, velhos e jovens, diferenas que so socialmente construdas e normatizadas (Bilac, 1995, p.37). A pergunta proposta pela autora seria direta e simples: a destruio do modelo familiar tradicional signica, de fato, a desinsti-tucionalizao da reproduo? (idem).

    Srvulo Figueira sempre insiste, a partir de anlises sobre as famlias de classes mdias no Brasil, que a sua modernizao no nunca um processo simples e linear, pois o moderno coexiste muitas vezes de modo angustiante e paradoxal, com o arcaico (Figueira, 1986, p. 9).10

    No exame de algumas instituies na Frana, sobretudo aquelas que tm como trabalho o cuidado com o outro escolas, hospitais e servios sociais Franois Dubet estuda sua crise e mutao a partir do esgotamento 10Para Figueira, a famlia igualitria em oposio famlia

    hierrquica no nasce de modo homogneo, pela simples substituio de um modelo por outro: Pela prpria veloci-dade do processo no Brasil, o que se tem a aquisio de novas identidades (articuladas de modo complexo e varivel aos novos ideais), que se sobrepem s antigas identidades posicionais, sem, contudo, alter-las substancialmente. O Brasil est cheio de situaes em que pessoas modernas e liberadas, sbita e inexplicavelmente, apresentam comportamentos ou assumem posies que, esperava-se, no tem nada a ver com elas (Figueira, 1986, pp 18-19).

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    do que ele chamaria de programa institucional, nascido na mod-ernidade, explicitando com clareza o que designou em trabalhos an-teriores como desinstitucionalizao (Dubet, 1998 e 2002).11 Essa matriz estabeleceu as relaes entre os indivduos e as instituies por meio de um programa de ao onde seria exercida, sem conitos, a misso socializadora das instituies (no caso a escola) e a formao da personalidade. Seria um modo de socializao: 1) que considera o trabalho sobre outrem como uma mediao entre os valores universais e os indivduos particulares; 2) que arma ser o trabalho de socializa-o uma vocao porque diretamente fundado em valores; 3.que vise a inculcar normas que conformam o indivduo e, ao mesmo tempo, o tornam autnomo e livre (Dubet, 2002, p. 13).12 Para Dubet, a es-cola primria francesa foi extremamente bem sucedida nesse programa e, apesar das alteraes, dos ltimos 30 anos, tm conseguido articu-lar: uma atividade de socializao pela interiorizao de uma disciplina escolar, uma aprendizagem de conhecimentos e saberes e uma subjeti-vao das crianas que devem se desenvolver na escola (idem, p. 104).

    A crise desse programa, arma Dubet, atinge de forma diferente cada nvel do sistema de ensino e classe social, revelando-se mais agu-da no nvel secundrio (os colgios e liceus, no caso francs), original-mente ensino destinado s elites e que passa por um intenso processo de massicao. Nesse caso a socializao no pode ser mais percebida como aprendizagem crescente de papis ou de jogos sociais: trata-se de um ator confrontado com uma grande diversidade de orientaes, isto , com certos antagonismos, e que obrigado a construir por si mesmo o sentido de sua experincia. Como dizem os alunos a grande diculdade se motivar, conseguir dar sentido aos estudos (Dubet, 1998, p. 30).

    Por essas razes, mais do que crise, Dubet considera a existncia de um processo de mutao que transforma a prpria natureza da ao socializadora da escola, fazendo com que parte importante do proces-so seja considerada tarefa ou ao do prprio sujeito sobre si mesmo (Dubet, 2002). Esse processo de mutao da instituio escolar no elimina, mas transforma a natureza da dominao, pois obriga os indivduos a se construrem livremente nas categorias da experincia social que lhe so impostas. A dominao se manifesta, assim, no cessando de armar que os indivduos so livres e mestres de seus interesses... a dominao impe aos atores as categorias de suas ex-perincias, categorias que lhe interditam de se constituir como sujeitos relativamente mestres deles mesmos... O dominado convidado a ser o mestre de sua identidade e de sua experincia social ao mesmo tempo em que posto em situao de no poder realizar esse projeto (Du-bet, 2002, p. 356).11 Dubet arma que usa o termo instituio em um sentido bem particular que no se

    identica s organizaes, aos sistemas de representao e de decises polticas, aos costumes e maneira de ser. Sua escolha distingue-se, tambm, do uso da noo de insti-tucionalizao quando indica um processo de rotinizao das condutas (Dubet, 2002). Por essas razes, para Dubet, a desinstitucionalizao signica crise e mutao de uma modalidade de ao institucional consagrada pela modernidade.

    12 Norbert Elias considerava ser o indivduo socializado, aquele que interiorizou o con-trole, a disciplina e a obrigao de ser livre e portanto a obrigao de ser o prprio censor (Elias, 1985; Dubet, 2002).

    Esse processo

    de mutao da

    instituio escolar

    no elimina,

    mas transforma

    a natureza da

    dominao,

    pois obriga

    os indivduos a

    se construrem

    livremente nas

    categorias da

    experincia social

    que lhe so impostas

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    Assim, importante examinar a experincia juvenil no Brasil sem re-tir-la da esfera de inuncia ou minimizando a presena das agncias mais tradicionais escola e famlia - mas de situ-la pelos menos sob trs ticas.

    A primeira diz respeito a uma compreenso dos processos de mu-tao dessas agncias clssicas, famlia e escola, pois quando se es-tabelece a crtica das relaes dos jovens com a famlia, por exemplo, precisaramos situar o arranjo familiar que est sendo alvo da crtica ou que est sendo pressuposto como modelo.13

    A segunda situaria a necessidade de considerarmos a conuncia de vrios processos socializadores na experincia juvenil, ou seja, considerar que tanto famlia como escola perderam seu monoplio na presena da formao de novas geraes (Dubet, 2002; Barrre e Martuccelli, 2000; Sposito, 2003). Esse aspecto particularmente importante para pases de expanso escolar recente, como o caso brasileiro, porque teramos que perguntar se, em algum momento na socializao das novas ge-raes, a escola foi agente privilegiado, central, ou detentor de certo monoplio da transmisso cultural, como no caso europeu, sobretudo francs. Essa conuncia de vrios agenciamentos socializadores, para alm das instituies clssicas da reproduo cultural famlia e esco-la nos levaria a considerar a idia de socializaes compsitas como arma Jos Machado Pais ou adotar a idia de novas conguraes que orientam a socializao na acepo de Norbert Elias, como indica Maria da Graa Setton que analisa as prticas e experincias de socializao a partir da emergncia de uma nova congurao cultural, onde o pro-cesso de construo das identidades sociais dos indivduos passa a ser mediado pela coexistncia de distintas instncias produtoras de valores e referncias culturais (Setton, 2002, p. 110).

    Em terceiro lugar seria necessrio investigar os sentidos que jovens atribuem s suas relaes com essas agncias para alm de uma sub-misso aos modelos normativos e hegemnicos da reproduo cultural ou uma situao meramente instrumental e distanciada de seu modo de funcionamento. Muitos estudos de natureza qualitativa evidenciam signicados diversos, decorrentes da situao de classe, sexo e do mo-mento no ciclo de vida, uma vez que a prpria vivncia da experincia escolar se transforma, tambm, a partir da varivel idade em interao com o tipo e nvel de escola freqentado (Sposito e Galvo, 2004; Sou-za, 2003).

    Enm, trata-se ainda de uma ampla agenda de investigaes que, de fato, permitam uma compreenso mais adensada das relaes dos jovens com as instituies socializadoras clssicas, no Brasil, onde o campo de pesquisa ainda necessita expanso e consolidao.

    13 Em seu artigo, Abad estabelece uma denio de distanciamento dos jovens da famlia patriarcal, hierrquica e autoritria e pela adoo de relaes mais horizontais e iguali-trias no mbito familiar (Abad, 2003). Isso signica uma possvel adeso dos jovens e das jovens a um novo modelo de relao familiar que, no Brasil, submete-se aos proces-sos inconclusos de nossa modernizao.

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    A expanso recente das oportunidades escolares em um quadro de crise social: os nexos permanentes entre escola e mundo do trabalho

    Os dados da pesquisa Criterium e Instituto da Cidadania, no s conrmam mas apontam um signicativo crescimento do acesso esc-ola por parte da populao juvenil no Brasil. Essa abertura de oportuni-dades escolares acentuou-se na dcada de 1990 e ocorreu sob a gide de uma forte crise econmica que estagnou o crescimento, acentuou desigualdades e fez aumentar os ndices de desemprego. Nessa dcada constata-se, tambm, um movimento de reordenao do sistema ed-ucativo, observado nas duas gestes de Fernando Henrique Cardoso, atingindo os mecanismos de nanciamento do ensino pblico, provo-cando alteraes curriculares e medidas de correo de uxo, visando a atenuar as reprovaes e evases, em um quadro inalterado de re-cursos destinados educao. Por essas razes, muitos dos estudos de polticas pblicas na rea de educao concluem, com razo, que se tratou de uma oferta desprovida de qualidade e de condies materiais e humanas de funcionamento adequado para as unidades escolares, atingindo a escola pblica, nica modalidade de acesso educao es-colar para a maioria dos jovens brasileiros.14 Como arma Maria Malta Campos, para os gestores federais da rea da educao que implanta-ram as reformas educativas dos anos 1990, tratava-se muito mais de um mau uso das verbas do que sua insucincia. No entanto, veri-cou-se que, em uma dcada, os recursos para a educao diminuram ao invs de se observar um incremento que, ao menos, acompanhasse o ritmo crescente das matrculas, fragilizando a hiptese adotada pelo governo nesse perodo (Campos, 1999).

    No Brasil, em 2001 cerca de 60% dos 34 milhes de jovens ainda no estavam freqentando a escola, apesar de um crescimento sig-nicativo, observado a partir de comparaes com anos anteriores. Na amostra investigada na pesquisa do Projeto Juventude, os ndices para 2003 foram mais elevados, pois chegaram a apontar 63% de jovens estudando no momento de realizao do levantamento.15 A pesquisa apontou tambm que as maiores diferenas residem entre os jovens que moram na cidade e no campo, pois cerca de 65% dos urbanos e 55% dos rurais estavam estudando (Quadros 2 y 3 e Grca 3). Con-siderando-se a varivel cor/raa percebe-se que os brancos atingem 64% dentre os que estudam, os pardos 62%, os negros 63%, os orientais 78% e os indgenas 77% (Grca 1).

    14 O ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio em 2002, revelou, por exemplo, que, no ensino mdio, os alunos apresentaram uma mdia de 34,13% pontos inferior mdia de 2001 (40,56), sendo superior em 2003 com 49,5 pontos numa escala de 0 a 100.Por outro lado, nesse mesmo nvel de ensino, o aproveitamento de 74% dos alunos foi considerado insuciente ou regular, e apenas o aproveitamento de 2,5% dos estu-dantes foi considerado de bom a excelente, em 2002 (Vasconcellos, 2004).

    15 A elevao signicativa daqueles que declaram estudar, acompanha outras pesquisas realizadas por institutos como Datafolha e Ibope; somente a partir da PNAD 2003 ter-emos condies de aferio dos dados globais.

    No Brasil, em 2001

    cerca de 60% dos 34

    milhes de jovens

    ainda no estavam

    freqentando a

    escola, apesar de

    um crescimento

    signicativo,

    observado a partir

    de comparaes com

    anos anteriores.

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    JOVENes

    ESTUDANTES/ NO ESTUDANTES

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude.

    Se considerarmos o universo dos que declaram estar estudando, obser-vamos que idade e sexo so elementos importantes para a compreen-so do acesso escola. Dentre aqueles que tm entre 15-17, 91% dos homens freqentam e 88% das mulheres; na faixa etria de 18-20 anos, 64% dos homens freqentam e 61% mulheres; dentre os mais velhos (21-24 anos), 46% homens e 38 % mulheres. Apesar da faixa etria constituir, ainda, momento adequado para a formao escolar, observa-se um forte decrscimo dos estudantes com a idade e em to-das as faixas uma porcentagem menor de mulheres freqentando es-colas (Quadro 1).

    ESTUDANTES E NO ESTUDANTES/ SEXO E IDADE (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Se compararmos o nvel de escolaridade, percebemos que as mulheres jovens praticamente empatam com os homens no ensino superior e esto poucos pontos percentuais acima em relao ao nvel mdio da escolaridade (Quadro 2), embora tenham ndices mais altos do que os homens no mbito daqueles que no estudam como j foi obser-vado. Aparentemente, de acordo com a pesquisa do ue cada vez mais apontam a progressiva presena das mulheres nos sistemas de ensino. Mas os dados podem indicar, tambm, que, ao conseguirem um per-curso escolar sem tantas interrupes e com melhor rendimento, as mulheres jovens encerram mais rapidamente sua carreira escolar, nos degraus bsicos do ensino, continuando a apresentar srias dicul-dades de acesso ao ensino superior, como os rapazes. No entanto, a presena macia das mulheres e o seu desempenho no sistema de en-sino brasileiro merecem novas investigaes uma vez que o fenmeno

    Grca 1

    Quadro 1

    Idade Homens Mulheres Sim NO Sim NO 15 a 17 91 9 88 12 18 a 20 64 36 61 39 21 a 24 46 54 38 62

  • JOVENes

    212

    muito recente para vericarmos se realmente h uma reverso de desigualdades construdas por vrios sculos16.Por outro lado, sob o ponto de vista das etnias, percebe-se que negros e pardos esto alo-cados na educao bsica, com pouqussimo acesso ao ensino superior e apresentam ndices mais altos de concentrao da escolaridade at o ensino fundamental do que brancos que, em conjunto, com os orientais, apresentam os porcentuais mais elevados de acesso ao ensino superior (Quadro 3).

    GRAU DE ESCOLARIDADE POR SEXO (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    GRAU DE ESCOLARIDADE POR RAA/COR (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Mesmo que mais da metade dos jovens j consiga atingir o ltimo de-grau da educao bsica, o ensino mdio,17 preciso apontar que cerca de 42% sofrem um atraso escolar signicativo, pois no terminaram o ensino fundamental que tem como faixa etria ideal para a concluso, de acordo com a legislao vigente, 14 anos.

    Apesar do incremento da escolaridade, o que em tese aproximaria os jovens das condies socioculturais de um modelo moderno da condio juvenil, caracterizado pelo acesso aos sistemas de ensino dis-sociado do mundo do trabalho, os investigados situam-se majoritaria-mente na rbita do trabalho, pois para 76% dos jovens essa dimenso est em seu horizonte vital (Grca 2). Do conjunto dos investigados 36% trabalhavam no momento do levantamento e 40% declararam estar desempregados.18 Apenas 24% no se colocavam na populao

    Escolaridade At Ensino At Ensino Ens. Superior Fundamental Mdio comp/incomp Total 42 52 6Homens 43 52 6Mulheres 41 52 7

    Quadro 3

    Escolaridade At Ensino At Ensino Ens. Superior Fundamental Mdio comp/incompTotal 42 52 6

    Brancos 34 54 11Pardos 48 49 3Negros 46 52 2Indgenas 41 59 -Orientais 26 64 10Negros 46 52 2Indgenas 41 59 -Orientales 26 64 10

    16 O ltimo exame nacional do ensino mdio ENEM, realizado em 2003 revela que os rapazes obtiveram melhor desempenho do que as mulheres (www.inep.br, acesso em 11/8/04).

    17 O que no signica necessariamente possibilidades de concluso Cerca de 33% dos jo-vens estavam na terceira srie ou tinham ensino mdio completo.

    18 Esse contingente compreenderia a PEA.

    Quadro 2

  • 213

    JOVENes

    economicamente ativa, incluindo aqueles que somente estudam (19%) e os que nem estudam e nem trabalham (5%). Dentre aqueles que de-clararam trabalhar 40%, estavam no mercado formal e, no conjunto dos desempregados, 80% j haviam passado pela experincia do trabalho.

    TRABALHO

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    No possvel desconhecer que as desigualdades econmicas con-tinuam a delimitar os horizontes possveis de ao dos jovens nas suas relaes com a escola e o mundo do trabalho. Os dados coletados evi-denciam o brutal processo de concentrao de renda e a distribuio desigual entre os grupos tnicos na amostra investigada (Quadro 4). Apenas 20% dos jovens brancos possuem renda familiar com mais de 5 salrios mnimos, esses ndices decrescem signicativamente para os jovens pardos e negros (11% e 7%, respectivamente).

    RENDA/ RAA/COR

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    importante vericar que, independentemente do acesso ao trabalho, a maioria dos informantes chegou at o ensino mdio. Por outro lado, preciso considerar que o desemprego afeta a todos, mas na amostra investigada em maior grau atingiu os que j estavam tendo acesso ao ensino mdio ou j haviam concludo essa etapa da escolaridade. Para

    Quadro 4

    Grca 2

    Renda Sen renda At 2 SM + de 2 SM a 5 SM + de 5 SM a 10 SM + de 10 SM NRTotal 1 43 31 9 5 11Brancos 1 33 32 12 7 15Pardos 1 49 29 7 4 10Negros - 47 33 5 2 13Indgenas - 47 22 12 - 19Orientais - 44 36 5 5 10

  • JOVENes

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    o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade IETS, a PNAD de 2002 conrma esses dados pois a taxa de desemprego atinge maiores ndi-ces, nos ltimos 10 anos entre aqueles que tiveram acesso escolari-dade mdia (ensino mdio incompleto) no total da populao (www.iets.org.br acesso em 8/8/2004).19 Esse quadro reitera, mais uma vez, que no h uma relao linear entre a elevao do nvel de escolaridade da populao jovem e o emprego. As oportunidades de insero ocu-pacional dos jovens continuaram a ser escassas, nos ltimos anos, inde-pendentemente da elevao de sua escolaridade. Por outro lado, novas hipteses investigativas se conguram, pois quase nada sabemos sobre o trabalho de jovens com menor escolaridade, o tipo de ocupao re-alizada e sua relao com as aspiraes escolares. Do mesmo modo, o segmento dos inativos, constitudo por uma maioria feminina deve-ria tambm ser investigado pois, localizado na base da pirmide social, estabelece modos de vida bastante desconhecidos da literatura sobre jovens no Brasil, (Grca 3).

    TRABALHO/ESCOLARIDADE

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Toda a expanso da escolaridade dos jovens no Brasil no foi acompan-hada de um efetivo desligamento da juventude no mundo do trabalho, hiptese assumida por vrios economistas anados com as denomina-das teorias do capital humano, prevalecentes nos anos 1970, e criticada por Felicia Madeira em artigo dos anos 1980 (madeira, 1986).

    O aumento do nmero de estudantes, de fato, ocorreu nos ltimos 20 anos de acordo com a PNAD, pois, se em 1981 17,4 apenas estuda-vam, em 2001 os ndices chegavam a 28,1%. No entanto, houve de modo concomitante, o aumento dos ndices daqueles que estudavam e trabalhavam, nesse mesmo perodo: eram 15,4% em 1981 e, em 2001, atingiram 20.9% dos jovens. Observou-se sensvel diminuio dos que eram s ocupados, mas a expanso da escolaridade, no implicou a re-tirada dos jovens do mundo do trabalho. (Camarano e outros, 2003). Nos Grca 4 e 5 verica-se a simultaneidade de estudo e trabalho

    Grca 3

    19 De acordo com o IETS, em 2002 a PNAD registrava 18,3 de desemprego entre a faixa de 18-24 anos. Sob o ponto de vista da escolaridade, o desemprego foi de 17,6 para os que estavam cursando o ensino mdio, 10,9 para os que haviam concludo o segundo grau completo e 11,6% para aqueles que concluram o ensino fundamental (esse dados no esto agregados por idade).

  • 215

    JOVENes

    para mais da metade dos jovens investigados e um nmero bastante signicativo de indivduos que, apesar do desemprego, declararam es-tar estudando no momento da pesquisa.

    ESTUDO E TRABALHO

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Esses dados sugerem tambm a necessidade de um contnuo exame das relaes entre escola e trabalho sob o ponto de vista dos jovens, pois, mesmo afetados pelo desemprego no entram todos em ati-tudes de abandono, ao menos imediato, de suas pretenses de esco-laridade. Madeira tambm j caracterizava as relaes entre educao e trabalho, sob o ponto de vista dos jovens, como intermitente (Ma-deira, 1986). No se pode congurar nem uma adeso linear escola ou um abandono ou excluso total de aspiraes de escolaridade no mbito das orientaes dos jovens que trabalham. Assim, para os jo-vens brasileiros, escola e trabalho so projetos que se superpem ou podero sofrer nfases diversas de acordo com o momento do ciclo de vida e as condies sociais que lhe permitam viver a condio juvenil. Por essas razes, a experimentao e a reversibilidade de escolhas apa-recem como fatores importantes para compreender as relaes dos jo-vens tanto com a escola como com o mundo do trabalho, situando-as na dimenso do tempo, como uma construo social e cultural onde se articulam demandas do presente e projetos para o futuro (Melucci, 1992 e 1997; Galand, 1996).

    Apesar de mudanas sensveis na elevao da escolaridade, no se pode subestimar as diferenas entre os sexos nas relaes escola e trabalho. As mulheres jovens so mais afetadas pelo desemprego do que os homens (57% e 43%, respectivamente) e integram majoritari-amente a populao que est fora do mercado de trabalho, (62% e 38%, respectivamente), pois de cada 10 jovens inativos, 6 so mulheres. Esse dado no signica que sejam essas jovens inativas sejam apenas estudantes, mas que podero estar, sobretudo, no trabalho domstico conforme indicam alguns estudos sobre jovens que no trabalham e no estudam (Rios-Neto e Golger, 2003; Silva e Kassouf, 2002; Cama-rano e outros, 2003) (Grca 5).

    Grca 4

  • JOVENes

    216

    TRABALHO/SEXO

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    As diferenas entre os sexos aliadas varivel idade tambm so im-portantes, pois a freqncia escola para as mulheres decresce com a idade mais do que para os homens. Mais de 40% das jovens entre 21 e 24 anos no esto na escola e no mercado de trabalho, ao passo que esses ndices caem para 17% para os homens. interessante con-siderarmos que a temtica do desemprego tem sido, no discurso he-gemnico, aliada, sobretudo nos centros urbanos, ao tema da violn-cia, recobrindo uma imagem sobretudo masculina: seriam os homens jovens, principalmente afrodescendentes, moradores das periferias dos grandes centros urbanos, na condio de desempregados os eventuais contingentes a serem capturados pelo crime prossional. Ocorre que, no s a pesquisa Criterium indica, mas os prprios ndices nacionais conrmam. que as mulheres jovens esto na faixa do no emprego ou da inatividade e fora do circuito da escolaridade em ndices signicati-vamente mais expressivos do que os homens. Assim, ao no se con-siderar as relaes entre os sexos como portadoras de sentidos e prti-cas diversas que tornam invisveis o universo feminino cotidiano, mais restrito esfera privada com menor circulao nos espaos pblicos e, portanto, menos ameaador ordem pblica, o tratamento do de-semprego juvenil tem sido carregado de imagens e esteretipos masculinos (Grcas 6 e 7).20

    Grca 5

    20 Um tratamento mais minucioso dos dados permitiria o cruzamento da varivel sexo com etnia e certamente indicaria maiores desigualdades para as mulheres negras, con-forme vrios estudos indicam.

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    JOVENes

    . FREQUNCIA A ESCOLA/TRABALHO/HOMENS

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    FREQUNCIA A ESCOLA/TRABALHO/IDADE/MULHERES

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Algumas imagens sobre a educao e a instituio escolar interessante observar como os temas relativos educao participam do universo juvenil de forma diversicada. A educao aparece como o quarto problema que afeta os jovens investigados, sendo os ndices um pouco mais elevados no segmento que tm curso superior completo ou incompleto. interessante observar que a percepo dos dois primeiros problemas muda menos de acordo com a escolaridade e mais a partir da renda (Quadro 5). Para todos, certamente a violncia aparece como o grande problema, com mais intensidade entre os universitrios e os de maior renda. Para os jovens que somente conseguiram freqentar at o ensino fundamental e de menor renda o maior problema o em-prego, seguido de modo prximo pela violncia.

    PROBLEMAS QUE MAIS PREOCUPAM/ESCOLARIDADE/RENDA

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Grca 6

    Grca 7

    Cuadro 5

    Problemas At EF At EM Ens.sup At 2SM + de 2 SM + de 5 SM + de 10 SM a 5 SM a 10 SM

    Segurana/Violncia 25 28 28 26 26 27 37Empreg/prof 26 26 20 28 24 17 17Drogas 7 8 10 7 8 9 11Educao 5 7 9 6 7 7 8Famlia 9 4 3 7 5 5 5

  • JOVENes

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    Algumas diferenas entre os sexos podem ser observadas, quando os assuntos so de escolha e do interesse dos jovens, quanto ao lugar obtido pelo tema educao (Quadros 6 e 7). Para as mulheres a educa-o (42%) o tema portador de maior interesse seguido pelo emprego e prosso (32%); os rapazes tm seu alvo de interesse, em primeiro lugar, em torno do emprego (43%) e em seguida educao (34%).

    Em outro momento da entrevista, solicitados a se pronunciar sobre temas de interesse pessoal do modo mais livre possvel, os jovens ar-maram novamente ser a educao um tema de interesse, embora essa escolha, para os homens, esteja no mesmo patamar que os esportes. Esse dado aponta, curiosamente, uma tendncia importante, bastante desprezada no debate atual sobre juventude. Acusada de hedonismo ou pela busca incessante de viver o presente, a juventude revelada pela pesquisa do Projeto Juventude indica ter interesses em discutir educa-o e trabalho, temas que tanto dizem respeito condio presente como constituem aspectos relevantes para estabelecer seu modo de in-sero na vida adulta e projetos para o futuro. Voltam-se, assim, para temas relacionados s agncias socializadoras tradicionais, indicando que a sua importncia est assegurada no horizonte juvenil, o que im-plica investigar as mudanas que se observam seu interior e os signi-cados de cada uma dessas esferas em sua experincia cotidiana.

    ASSUNTOS DE INTERESSE/SEXO (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    TEMAS DE INTERESSE PESSOAL INDEPENDENTE DE QUALQUER COISA (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Quadro 6

    Assuntos Total Homens MulheresEducao 38 34 42Emprego/pross. 37 43 32Cultura/lazer 27 27 27Esportes/ativ. Fsicas 21 36 5Relacionamentos amorosos 20 25 14Famlia 16 14 19Sade 13 8 18Seg/violncia 10 6 15Governo/poltica 7 8 6Drogas 7 4 9Sexualidade 7 6 8

    Quadro 7

    Assuntos Total Homens MulheresEducao 28 26 30Esportes 15 26 4Artes 11 9 13Sexualidade 11 8 14Drogas 10 8 11Desigualdade social 8 7 9tica e moral 5 5 5Racismo 4 2 6Ecologia 3 3 4Poltica 3 3 3

  • 219

    JOVENes

    Quando querem discutir assuntos considerados importantes, dentre eles a educao e o emprego, os jovens buscam claramente o mundo adul-to familiar como o universo de referncia. Ouvem mais as mes (58% dos homens e 60% das mulheres) do que o pai. Tanto para os rapazes como para as moas os professores so muito pouco citados (Quadro 8). Apesar de considerarem a educao como rea de interesse, no escolhem os prossionais do ensino para uma possvel conversa. Mes-mo que o tema esteja claramente associado ao universo de projetos e expectativas pessoais e, por essas razes, o interlocutor mais prximo esteja situado na famlia, seria interessante investigarmos, na percepo dos jovens, as razes da escola e de seus prossionais estarem ausen-tes na discusso de tema to importante, diretamente relacionado ao seu existir. Por outro lado, as respostas indicam a relevncia das guras familiares na vida dos jovens, mesmo que nessa relao possam estar pressupostas novas formas de interao advindas das transformaes dos modelos familiares, pois querem discutir com seus pais temas at ento considerados tabus no mbito familiar, como sexualidade e dro-gas (Grca 8).

    PESSOAS QUE SE CONSTITUEM COMO REFERNCIA PARA OUVIR EM ASSUNTOS IMPORTANTES/ SEXO (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    ASSUNTOS PREFERIDOS PARA DISCUSSO COM PAIS/RESPONSVEIS

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Quadro 8

    Pessoas a quem recorre Total Homens Mulheres

    Me 59 58 60Pai 15 19 11Esposo(a)/companheiro(a) 6 4 8Av() 3 5 1Amigo (a) 3 1 5Padre/pastor 3 2 3Namorado (a) 2 2 2Professor (a) 2 1 2Tio (a) 2 1 2Irmo (a) 2 25 1

    Grca 8

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    Um olhar mais interno ao sistema escolar evidencia que se as relaes entre a escola e os jovens se no podem ser consideradas excelentes, tambm no so de todo insatisfatrias para a maioria. Aqueles que consideram existir por parte da escola uma incompreenso em relao aos jovens somam 18%. Quanto ao interesse por seus problemas prati-camente 30% consideram que a instituio no tm interesse. Mas os mesmos ndices (30%) so apontados para aqueles que consideram que a escola tem muito interesse. Percebendo certo distanciamento da unidade de ensino em relao ao seu entorno, quase 60% armam que a escola tem pouco ou nenhum interesse pelo bairro. Por outro lado, as questes da atualidade no parecem estar distantes do univer-so escolar, pois quase 40% armam que encontram na escola espao para esses temas (Quadro 9).

    ESCOLA E O MUNDO JUVENIL (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    A varivel escolaridade interfere nessas apreciaes, pois o conjunto mais insatisfeito no quesito entender os jovens est situado na popu-lao universitria (25%) em contraste com os que so menos esco-larizados, pois a insatisfao cai para 16% com os jovens que tm at ensino fundamental. O mesmo ocorre com o nvel de interesse pelos problemas dos jovens, pois medida que a escolaridade aumenta di-minui a adeso idia do interesse: responderam pouco ou nenhum interesse (25% dos jovens com Ensino Fundamental, 31% dos jovens com ensino mdio e 33% dos universitrios) (Quadro 10). Uma hip-tese a ser mais bem investigada reside na possvel ausncia de grandes expectativas em relao experincia escolar por parte dos segmentos menos escolarizados, pois parecem considerar que nas condies atuais a oferta no totalmente ruim. No muito satisfeitos, mas com um nvel reduzido de aspiraes diante do que lhe ofertado, os jovens talvez no consigam estabelecer claros elementos comparativos que permitam propor alternativas diversas para a trajetria escolar. Os mais escolarizados, ao constiturem percursos mais longos nas vrias etapas do sistema de ensino, aprendem a construir um juzo mais crtico dos benefcios e limites da ao escolar para alm dos contedos de ensino propriamente ditos.

    Quadro 9

    Escola Multo Mis ou menos Pouco NadaEntende os jovens 24 58 15 3Tem interesse pelos problemas dos jovens 29 43 19 10Tem interesse pelo seu bairro 13 27 28 31Tem interesse em questes da atualidade 38 40 15 6

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    JOVENes

    ESCOLA E O MUNDO JUVENIL/ESCOLARIDADE (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Apesar da crise da escola e das diculdades que os jovens enfrentam para assimilar os contedos escolares em condies de extrema pre-cariedade da rede de ensino, sobretudo a pblica, a conana nos pro-fessores apontada com muita intensidade, situando-se logo depois da famlia (Quadro 11).

    Ao cruzarmos os ndices de conana com escolaridade, vericamos que, para aqueles que so menos escolarizados (at ensino fundamen-tal), 88% citaram conar em seus professores, os que atingem o ensino mdio 92% e os universitrios 95%. Novas investigaes deveriam ser realizadas de modo a se interpretar os vrios sentidos da expresso con-ana e se esses provveis signicados comporiam uma apreciao de natureza afetiva, vendo no professor um provvel interlocutor, um ami-go. Se os universitrios constituem o segmento mais insatisfeito quanto capacidade da escola em entender os jovens e se interessar por seus problemas, provavelmente as respostas relativas conana podem in-dicar mais respeito ao desempenho, competncia e s condutas dos mestres, do que propriamente uma atitude derivada de uma interao pessoal forte e afetiva. Os professores e a escola so muito pouco cita-dos como possveis alternativas para dilogos e conversas em torno de assuntos considerados relevantes pelos jovens.

    INSTITUIES/ PESSOAS EM QUE MAIS CONFIA (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Quadro 10

    Quadro 11

    Escola entende os jvens Total Hasta Hasta Educacin primaria secundaria superiorMuito 24 31 17 25Mais ou menos 58 53 63 50Pouco 15 13 15 23Nada 3 3 4 2Tem interesse pelos problemas dos jovens Muito 29 36 26 28Mais ou menos 43 39 47 40Pouco 19 16 21 25Nada 10 9 10 8

    Instituies Total Homens MulheresFamilia 98 99 99Famlia 98 99 99Professores 90 90 91Parentes 81 82 81Colegas de escola 78 79 78Companheiros de trabalho 77 80 72Igreja /padres catlicos 76 73 78Polcia civil 67 65 69Policia militar 66 61 70Movimentos populares 65 66 65Igreja evanglica/pastores 62 65 59

  • JOVENes

    222

    Por essas razes, ao apontarem qual o maior fator de amadurecimen-to, tanto homens como mulheres jovens considerou, em primeiro lugar, a famlia. Ao que tudo indica a crise das instituies polticas clssicas e do Estado, leva os jovens a atriburem ndices mais altos de conana na esfera privada. Poderamos considerar que se trata, assim, de uma vocao apenas para o consumo ou para a circulao no mundo das relaes privadas mas, tambm, de uma recusa ao tipo de prtica polti-ca dominante nos mecanismos clssicos da participao poltica.

    No entanto, no possvel desconsiderar que a importncia da famlia ocorre em sentido inverso renda, ou seja, os jovens mais po-bres atribuem ao grupo familiar uma relevncia no acompanhada por aqueles que pertencem s famlias com mais alta renda. Assim, para es-tes estratos a escola tambm tende a aparecer mais fortemente do que para aqueles que esto na base da pirmide social (Quadro 12).

    FATORES DE AMADURECIMENTO SEXO/RENDA (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Os jovens investigados freqentam ou freqentaram majoritariamente a escola pblica (89%) e apresentam vises diferentes sobre o grau de satisfao obtido com a educao recebida, ou seja, os aspectos dire-tamente ligados ao ensino. Os mais satisfeitos so aqueles que con-seguiram acesso ao ensino superior (74%). Aqueles que so menos es-colarizados so, portanto, os menos satisfeitos, tanto para os que tm at o Ensino Fundamental como Ensino Mdio (Grca 9). Apenas 8% no completaram a quarta srie do ensino fundamental, no entanto, quanto ao domnio da leitura mais da metade dos homens (57%) e pouco menos da metade das mulheres (48%) consideram difcil a lei-tura ou escrita (Grca 10). Os dados indicam que os jovens conhecem suas diculdades, uma vez que, apesar de uma elevao do grau de escolaridade, essas habilidades no esto asseguradas. Como a insatis-fao com o ensino recebido no majoritria, parece que os jovens a partir de sua experincia escolar consideram que aprender, ou no, ai-nda constitui, principalmente, um problema de natureza pessoal, muito mais decorrente do esforo do que derivado das condies em que se realizam o processo de ensino e aprendizagem e as desigualdades soci-ais (Grca 9).

    Quadro 12

    Fator Total Homens Mulheres At 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM Ms de 10 SMFamilia 74 75 73 76 73 68 59Famlia 74 75 73 76 73 68 59Escola 8 6 9 7 7 11 14Rua 7 7 7 7 9 4 10Trabalho 5 7 3 4 7 11 5Igreja 3 3 4 3 3 3 8

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    NVEL DE SATISFAO COM A EDUCAO ESCOLAR RECEBIDA/ ESCOLARIDADE

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    AVALIAO DO DOMNIO DA LEITURA

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Mas h outras avaliaes sobre a experincia escolar, realizadas pelos entrevistados, que propem temas importantes para aprofundamento sobre as relaes entre juventude e escola no Brasil (Quadro 13). Fica evidente que, sob uma perspectiva do futuro prossional, a escola tida como muito importante por ampla maioria (74%), mas essa crena menos visvel tendo em vista os benefcios do presente, pois os ndi-ces decrescem para 58% para aqueles que consideram a escola muito importante para a obteno do trabalho, sendo que 13% a consideram nada importante. Outra caracterstica positiva da experincia escolar decorre de uma maior compreenso da realidade, pois para 74% dos entrevistados a inuncia muito importante. Para 2/3 dos entrevista-dos a escola muito importante para fazer amigos e para o dia a dia. De modo geral, as apreciaes positivas so muito fortes, restando um contingente que no chega a 10% de descontentamento com os bene-fcios da freqncia escola. Por outro lado, essa apreciao bastante positiva, proposta pela pergunta, refere-se escola como um todo, es-tando nela includos os saberes sistematizados, a vida cotidiana, as rela-

    Grca 10

    Grca 9

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    es entre prossionais e alunos, as amizades, etc. Temas mais espec-cos, que constituem o ncleo duro da instituio escolar que a trans-misso da cultura letrada, contemplando os saberes disciplinares, seus contedos e mtodos de ensino no esto tratados separadamente. Es-ses aspectos, examinados isoladamente poderiam oferecer maior grau de informao sobre como os jovens pensam a escola e propor novas possibilidades investigativas.

    AVALIAO DO QUE APRENDEU/VIVEU NA ESCOLA/SEXO (%)

    Fonte: Pesquisa Criterium/Projeto Juventude

    Concluindo?Muitas possibilidades esto presentes nas anlises de uma investigao, dependendo das variveis selecionadas e do tratamento dos dados. O caminho seguido neste artigo foi relativamente simples e, certamente, no esgotou o conjunto de informaes disponibilizadas pela Pesquisa Criterium e no optou por qualquer tratamento estatstico mais apro-fundado.

    Foi possvel neste trajeto discutir, ao menos problematizar, certas armaes recorrentes sobre os jovens em suas relaes com as insti-tuies socializadoras tradicionais, principalmente a escola. A sua ex-panso por meio da abertura recente das oportunidades de acesso ao sistema de ensino, em particular a escola mdia, tem criado uma nova gerao de jovens que incorporam a varivel escolar no seu repertrio de prticas e expectativas. Para esta gerao, predominantemente ur-bana (apenas 22% dos entrevistados moravam no campo e 64% sem-pre moraram na mesma cidade), h um mergulho na sociedade esco-larizada pois a instituio escolar est no centro das referncias identi-catrias, independente de uma possvel adeso ou crtica (Fernandes, 1994). Os jovens assumem essas referncias e, de modo geral, no contestam fortemente sua legitimidade, embora reconheam limites no impacto que a instituio escolar tem sobre suas vidas, sobretudo nos benefcios de uma provvel insero no mundo do trabalho. Sabem que a escolarizao uma, dentre outras possibilidades, para se situar melhor no mundo para alm de um ganho imediato com o emprego ou um futuro prossional melhor. Consideram a existncia de uma relativa abertura para as questes que envolvem o mundo contemporneo e a prpria juventude, mas no estabelecem crticas contundentes quali-dade da educao oferecida. Talvez, reproduzindo os mecanismos con-temporneos da dominao, que trata a tarefa da socializao como

    Quadro 13

    Benefcios da escola Muito Mais ou menos Pouco Nada Importante Importante Importante Importante Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens MulheresFuturo Prossional 76 77 18 18 6 5 1 2Obter trabalho hoje 61 55 18 19 6 6 7 7Para o dia a dia 69 64 23 28 6 7 3 1Para entender a realidade 74 75 18 18 6 7 2 1Para fazer amigos 69 62 18 26 10 9 3 2

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    uma aparente escolha pessoal do sujeito, consideram que so respon-sveis pelas prprias diculdades que apresentam no domnio das habi-lidades e competncias a serem oferecidas pela unidade escolar.

    A expanso da escolaridade e a progressiva retirada da criana e do jovem do mundo do trabalho criaram a imagem moderna da juven-tude, de tal forma que armam alguns autores a escolarizao faz ju-ventude (Fanfani, 2000). Mas, como a expanso da escolaridade, no Brasil, recente, uma vez que nos ltimos 50 anos parcela signicativa da juventude brasileira permaneceu fora da escola, ou teve acesso ap-enas aos nveis iniciais do sistema de ensino, deveramos problematizar algumas armaes clssicas que atribuem moderna constituio da juventude pela mediao escolar e como essa mesma mediao no apareceria, hoje, na consolidao de uma condio juvenil ps-moderna.

    Os jovens que hoje esto no sistema de ensino experimentam a condio juvenil em espaos no escolares e j adentram na instituio com essas prticas e modos de vida consolidados porque possuem al-ternativas e querem, certamente, preserv-las. Aqueles que no en-contram fora do espao escolar possibilidades de interaes ricas nos grupos de pares, nas formas de lazer e de consumo ou produo cul-tural, compartilham esse universo simblico carregado de expectativas e esperam realiz-las enquanto estudantes. Certamente constituem es-sas demandas desde o momento em que abandonam a infncia, pois a escola no a nica agncia que lhes oferece modelos culturais para a experincia de ser jovem. No podemos deixar de considerar que es-tilos, hbitos e modos de vida so conformados tambm por outras agncias, conforme j foi observado, reiterando a idia dos mltiplos espaos socializadores.

    Depositam conana na escola, em relao ao projeto futuro, mas as relaes so mais difceis e tensas com o tempo presente, na crise da mobilidade social via escola. Congura-se, desse modo, uma ambigidade caracterizada pela valorizao do estudo como uma promessa futura e uma possvel falta de sentido que encontram no presente. Nessa ten-so, pode ocorrer uma relao predominantemente instrumental com o conhecimento, resposta mnima para se evitar a desero ou o re-traimento total em relao ao processo de sua apropriao (Sposito e Galvo, 2004, Souza, 2003).

    Na encruzilhada das instituies socializadoras a famlia aparece como importante, particularmente para os mais pobres, pois seus la-os asseguram trocas afetivas e simblicas, alguma estabilidade e me-canismos de sobrevivncia mais estveis em um quadro de ausncia da ao pblica e de retraimento de direitos. No se trata, assim, de uma famlia idealizada, pois os conitos so descritos e os aspectos negati-vos no so omitidos.21

    No entanto, chama a ateno, alm do fato dos jovens seguirem percursos institucionais clssicos, sem adeso total, mas, tambm, sem

    21 Um tratamento mais exaustivo dos dados sobre os jovens e famlia fugiu ao escopo deste texto mas certamente enriqueceria nossa compreenso mais completa dessas dinmicas.

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    recusa, como o caso da escola, a importncia do mundo do trabal-ho.22 Sob esse ponto de vista, poderamos armar que no Brasil o tra-balho tambm faz juventude e se torna demasiadamente complexa a construo scio-cultural da categoria juventude, em nosso pas, sem a sua mediao efetiva e simblica. Esse reconhecimento no implica, de modo ingnuo e, talvez equivocado, em uma defesa do trabalho de adolescentes e jovens, sobretudo se considerarmos as especicidades de cada momento do ciclo que tratamos genericamente como juven-tude.23 Ao contrrio, implica admitir que, se a construo da condio juvenil decorre de um complexo de valores sedimentados sob o ponto de vista social e histrico, no Brasil, uma alterao desse quadro deve-ria ser expresso de mudanas estruturais mais substantivas que aten-uem as profundas desigualdades sociais, submetidas a processos de longa durao.

    Por essas razes, ao tentar analisar a emergente condio juvenil contempornea, no Brasil, seremos tambm obrigados a tratar, sob a tica da diversidade, daquilo que, aparentemente, o mais tradicio-nal da modernidade trabalho, famlia e escola sem que, necessaria-mente, estejamos reiterando chaves analticas anacrnicas, conservado-ras ou negando horizontes utpicos de cunho emancipador.

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    22 Os vrios sentidos e o lugar do trabalho que no recoberto pela categoria emprego na vida juvenil tambm no foram analisados neste artigo.

    23 O Estatuo da Criana e do Adolescente-ECA trata com muita clareza os limites legais e legtimos aceitos para a atividade de trabalho dos adolescentes.

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    JOVENes

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