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80 * NELSONBARBOSA 3. Resposta à crise internacional: 2009-2010 A quebra do banco Lehman Brothers gerou uma grande restrição de crédito na econo- mia mundial. De uma hora para outra a incerteza sobre a solvência de instituições bancárias nos EUAe na Europa levou o sistema bancário mundial a um comportamen- to defensivo de contenção do crédito e fuga para ativos de menor risco, como títulos públicos emitidos pelos países mais ricos, Houve uma desvalorizaçãode títulos priva- dos e de commodities, que aumentou ainda mais o movimento de venda de ativos em uma busca desenfreada das instituições financeiras por liquidez. Os bancos centrais dos países avançados responderam a esse movimento com uma expansão recorde da liquidez mundial, mas ainda assim os países mais ricos entraram em recessão, puxados pela queda substancial do nível de atividade da economia norte-americana. O primeiro impacto da crise internacional sobre o Brasilocorreu de duas fonnas: uma contração abrupta e substancial da oferta de crédito e uma grande incerteza sobre a solvência de alguns grupos empresariais exportadores. Em primeiro lugar, no final de 2008, aproximadamente 20% da oferta de crédito interno no Brasil tinha como fonte de financiamento (funding) a captação de recursos fora do país, Assim, quando a crise se acirrou e a oferta mundial de crédito caiu, os bancos brasileiros responderam com uma contração da sua oferta interna de crédito. Em segundo lugar, durante o peno do de forte apreciação do real, em 2007 e na primeira metade de 2008, várias empresas exportadoras brasileiras aproveitaram seu acesso a receitas em.moeda estran- geira para montar operações especulativas de aposta na apreciação do reap2. Quando o Lehman Brothers quebrou e a taxa de câmbio subiu, algumas dessas empresas brasi- leiras tiveram grandes perdas patrimoniais e se viram à beira da insolvência.Juntando os dois movimentos, a quebra do Lehman Brothers gerou um quadro de incerteza sobre a situação de solvência da grande empresa exportadora no Brasil,num momen- to de queda na captação internacional por parte de bancos brasileiros, e resultou numa aguda contração creditícia no país ao final de 2008. O segundo impacto da crise internacional sobre o Brasil ocorreu pelo canal de comércio exterior, devido à queda no volume de comércio internacional e à redução abrupta dos preços das commodities geradas pela recessãonos países avançados, Como os valores do real e do mercado acionário brasileiro estavam intensamente associados aos preços internacionais das commodities, a quebra do Lehman Brothers foi seguida de uma forte redução do valor das ações brasileiras e uma depreciação rápida e subs- tancial da taxa de câmbio, Esses dois movimentos geraram perdas patrimoniais para o setor privado brasileiro, que, por sua vez, respondeu à crise com o adiamento ou mesmo cancelamento de investimentos no final de 2008 e início de 2009, Para com- pfetar o quadro, o clima generalizado de incerteza econômica e o impacto recessivo da depreciação cambial sobre o poder de compra das famíliasbrasileiras também resultou numa desaceleração do crescimento do consumo privado. 12 I-ssas oprraç()es ('onslsllllln dI' um ('omr1t'xo arranjo U(' ('onlllllo'. dr dralvllllvo~ (d('II'"1I11I11I1",. 11Il'J{'" (o/,wII/'d) ,. 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Contrariando as expectativas do mercado, o governo Lula adotou uma postura ~('m precedentes na história recente do país: uma política de combate aos efeitos da crise internacional mediante medidas expansionistas nas áreas fiscal, monetária e cre- dltlcia. Em linhas gerais as principais ações do governo podem ser agrupadas em nnco grupos de medidas: (1) o aumento da liquidez e redução da taxa Selic; (2) a manutenção da rede de proteção social e dos programas de investimentos públicos mesmo em um contexto de queda da receita do governo; (3) as desonerações tributá- nas temporárias e pennanentes; (4) o aumento da oferta de crédito por parte dos bancos públicos; e (5) o aumento do investimento público em habitação, Para facilitar nossa análise nós veremos cada um desses grupos de medidas separadamente. Começando pelo lado financeiro, o governo brasileiro combateu a restrição de crédito mediante uma expansão da liquidez, tanto em moeda doméstica quanto em moeda estrangeira, para os bancos e empresas brasileiras, No campo doméstico, o BCB r,duziu os recolhimentos compulsórios sobre os depósitos nas instituições financeiras, b(~mcomo incentivou os bancos de grande porte a financiar bancos de menor porte no mercado interbancário. No campo externo, o BCB utilizou parte das reservas inter- nacionais do país para financiar as exportações e as necessidades de liquidez externa por parte dos bancos brasileiros. Essas iniciativas consistiram em operações de venda II Irrmo de dólares para bancos e exportadores, vendas de contratos derivativos nos quais o BCBassumia uma posição vendedora em dólar (swaps cambiais) e oferta de n'l ursos para que os bancos financiassem exportações (via os chamados contratos de Adiantamentosobre Contrato de Câmbio e Adiantamento sobre Cambiais Entregues), I'assando ao lado monetário, como a inflação ainda estava alta no final de 2008, o BCB IlIicialmenteinterrompeu a elevação da Selic após a quebra do Lehman Brothers, A 1.lxa básica de juros pennaneceu em 13,75% ao ano até janeiro de 2009, quando a II1llação deu sinais consistentes de queda e o BCB iniciou um novo ciclo de redução d.1sua taxa básica de juros. A redução total da Selic continuou até setembro de 2009, quando a taxa atingiu 8,75% ao ano. Em segundo lugar, mesmo num contexto de diminuição do crescimento da re- ,,'lia primária, o governo Lula optou por manter inalterado seu programa de despesa pnmária em 2009 e 2010, A variável de ajuste da política fiscal foi o resultado primá- tio recorrente do governo federal, que caiu de uma média de 2,4% do PlB, no período , ()()()a 2008, para 1,3% do PlB, entre 2009 e 201013, Os principais fatores que levaram I\ 1m 10 I 0, o I/,()v(~rnorrnltzou uma opt'raçflo ('usada dI' ('rss~o dI' dirt'ltos df' exploraçilo de petróleo j I'rll'Ohl,'~" l'apltilh'",;\o da I11rsma ,'mpn"" () ,,,Ido Iltllll du n'('rhim~nlo rrla ('r "fio on('\'osa I' 1'",.10 1'011I,( ("rllllli.~('oll du 1"'ll'Oh,I' 1111 111111' n', 1'1'"prllllllllu 11qllld"110111<'(111'1'1'1111' d, O,H')(. dll 1'1111'"11,1 11 )l,IIV"11I1I I...Ir I >'llIr I. ,'"11

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80 * NELSONBARBOSA

3. Resposta à crise internacional: 2009-2010

A quebra do banco Lehman Brothers gerou uma grande restrição de crédito na econo-

mia mundial. De uma hora para outra a incerteza sobre a solvência de instituiçõesbancárias nos EUAe na Europa levou o sistema bancário mundial a um comportamen-to defensivo de contenção do crédito e fuga para ativos de menor risco, como títulospúblicos emitidos pelos países mais ricos, Houve uma desvalorizaçãode títulos priva-dos e de commodities, que aumentou ainda mais o movimento de venda de ativosemuma busca desenfreada das instituições financeiras por liquidez. Os bancos centraisdos países avançados responderam a esse movimento com uma expansão recorde daliquidez mundial, mas ainda assim os países mais ricosentraram em recessão,puxadospela queda substancial do nível de atividade da economia norte-americana.

O primeiro impacto da crise internacional sobre o Brasilocorreu de duas fonnas:uma contração abrupta e substancial da oferta de crédito e uma grande incerteza sobrea solvência de alguns grupos empresariais exportadores. Em primeiro lugar, no finalde 2008, aproximadamente 20% da oferta de crédito interno no Brasil tinha como

fonte de financiamento (funding) a captação de recursos fora do país, Assim, quandoa crise se acirrou e a oferta mundial de crédito caiu, os bancos brasileirosresponderamcom uma contração da sua oferta interna de crédito. Em segundo lugar, durante openo do de forte apreciação do real, em 2007 e na primeira metade de 2008, váriasempresas exportadoras brasileirasaproveitaram seu acesso a receitasem.moeda estran-geira para montar operações especulativas de aposta na apreciação do reap2.Quandoo Lehman Brothers quebrou e a taxa de câmbio subiu, algumas dessas empresas brasi-leiras tiveram grandes perdas patrimoniais e se viram à beira da insolvência.Juntandoos dois movimentos, a quebra do Lehman Brothers gerou um quadro de incertezasobre a situação de solvência da grande empresa exportadora no Brasil,num momen-to de queda na captação internacional por parte de bancos brasileiros, e resultou numaaguda contração creditícia no país ao final de 2008.

O segundo impacto da crise internacional sobre o Brasilocorreu pelo canal decomércio exterior, devido à queda no volume de comércio internacional e à reduçãoabrupta dos preços das commodities geradaspela recessãonos países avançados,Comoos valores do real e do mercado acionário brasileiro estavam intensamente associados

aos preços internacionais das commodities, a quebra do Lehman Brothers foi seguidade uma forte redução do valor das ações brasileiras e uma depreciação rápida e subs-tancial da taxa de câmbio, Essesdois movimentos geraram perdas patrimoniais para osetor privado brasileiro, que, por sua vez, respondeu à crise com o adiamento oumesmo cancelamento de investimentos no final de 2008 e início de 2009, Para com-pfetar o quadro, o clima generalizadode incerteza econômica e o impacto recessivodadepreciação cambialsobre o poder de compra das famíliasbrasileiras também resultounuma desaceleraçãodo crescimento do consumo privado.

12 I-ssas oprraç()es ('onslsllllln dI' um ('omr1t'xo arranjo U(' ('onlllllo'. dr dralvllllvo~ (d('II'"1I11I11I1",.

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A crise financeira internacional do final de 2008 causou uma "recessãotécnica"

110Brasil, isto é, dois trimestres consecutivos de queda do PIB, no último trimestre deJ.008e primeiro trimestre de 2009, Considerando os números com ajuste sazonal, oPIBcaiu 5% em apenasseis mesese isso lançou grandes dúvidas sobre a capacidadebrasileira de retomar uma trajetória de expansãoeconômica no médio prazo, sobretu-do por parte de analistasdo mercado financeiro que tinham os anos 1990 como refe-r{'ncia sobre como o governo brasileiro respondia a turbulências no resto do mundo.

Contrariando as expectativas do mercado, o governo Lula adotou uma postura~('m precedentes na história recente do país: uma política de combate aos efeitos dacrise internacional mediante medidas expansionistas nas áreas fiscal, monetária e cre-

dltlcia. Em linhas gerais as principais ações do governo podem ser agrupadas emnnco grupos de medidas: (1) o aumento da liquidez e redução da taxa Selic; (2) amanutenção da rede de proteção social e dos programas de investimentos públicosmesmo em um contexto de queda da receita do governo; (3) as desonerações tributá-nas temporárias e pennanentes; (4) o aumento da oferta de crédito por parte dosbancos públicos; e (5) o aumento do investimento público em habitação, Para facilitarnossa análise nós veremos cada um desses grupos de medidas separadamente.

Começando pelo lado financeiro, o governo brasileiro combateu a restrição decrédito mediante uma expansão da liquidez, tanto em moeda doméstica quanto emmoeda estrangeira, para os bancos e empresas brasileiras, No campo doméstico, o BCBr,duziu os recolhimentos compulsórios sobre os depósitos nas instituições financeiras,b(~mcomo incentivou os bancos de grande porte a financiar bancos de menor porteno mercado interbancário. No campo externo, o BCB utilizou parte das reservas inter-

nacionais do país para financiar as exportações e as necessidades de liquidez externapor parte dos bancos brasileiros. Essas iniciativas consistiram em operações de vendaII Irrmo de dólares para bancos e exportadores, vendas de contratos derivativos nosquais o BCBassumiauma posição vendedora em dólar (swaps cambiais) e oferta den'l ursos para que os bancos financiassem exportações (via os chamados contratos deAdiantamentosobre Contrato de Câmbio e Adiantamento sobre CambiaisEntregues),I'assando ao lado monetário, como a inflação ainda estava alta no final de 2008, o BCB

IlIicialmenteinterrompeu a elevação da Selic após a quebra do Lehman Brothers, A1.lxa básica de juros pennaneceu em 13,75% ao ano até janeiro de 2009, quando aII1llação deu sinais consistentes de queda e o BCB iniciou um novo ciclo de reduçãod.1sua taxa básica de juros. A redução total da Selic continuou até setembro de 2009,quando a taxa atingiu 8,75% ao ano.

Em segundo lugar, mesmo num contexto de diminuição do crescimento da re-,,'lia primária, o governo Lula optou por manter inalterado seu programa de despesapnmária em 2009 e 2010, A variávelde ajuste da política fiscal foi o resultado primá-tio recorrente do governo federal, que caiu de uma média de 2,4% do PlB, no período,()()()a 2008, para 1,3% do PlB, entre 2009 e 201013, Os principais fatores que levaram

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a uma despesa crescente foram o aumento das transferências de renda, o dos investi-mentos públicos e o dos gastos com o funcionalismo. O aumento previsto para o sa-lário-mínimo foi mantido e isso elevou as despesas com a previdência social, o abonosalarial e o seguro-desemprego entre 2009 e 2010. No mesmo sentido, o governocontinuou ampliando seu programa de combate à pobreza, com o aumento do núme-ro de famílias atendidas pelo programa BolsaFamília. No lado do investimento, se-guindo a programação do PAC, o governo ampliou seus gastos com infraestrutura,sobretudo na área de transportes e logistica,e a Petrobras aumentou seu investimentona exploração e produção de petróleo. Por fim, no lado do funcionalismo, o governomanteve a programação de aumento dos concursos públicos e o reajuste gradual dossalários das principais carreiras de Estado ao longo do período 2009 a 2010.

A terceira frente de ação do governo ocorreu no campo tributário, com a adoçãode uma série de desonerações para evitar uma queda maior do nível de atividade eco-nõmica, no final de 2008 e início de 2009, e promover uma retomada mais rápida doconsumo e investimento a partir de então. As principais desonerações começaram jáno final de 2008, quando o governo reduziu as aliquotas do IPI sobre os automóveis.Naquele momento a redução da oferta de crédito tinha ocasionado um grande acúmu-10de estoques no setor automotivo e, portanto, era necessário adotar uma medida deestímulo às vendas para que a produção fosse retomada. A redução do IPI foi poste-riormente ampliada para outros bens de consumo duráveis e, quando a economia re-tomou o crescimento em base sustentável,as aliquotas do IPIretomaram gradualmenteà situação pré-crise de 2008. As desonerações prosseguiram com a redução da tribu-tação sobre os investimentos, na formade depreciaçãoacelerada para os investimentosrealizados em 2009 e de devolução mais rápida dos tribUtos indiretos federais (PIS/Cofins) pagos na compra de bens de capital. O pacote de desonerações também en-volveu uma mudança permanente no Imposto sobre a Renda da PessoaFísica (IRPF),com a criação de duas novas faixasintermediárias de tribUtação,de modo a desonerarprincipalmente a classe média brasileira.

A quarta linha de ação de combate à crise internacional ocorreu no mercado decrédito, viaa expansão da ofertade empréstimos por parte do Bancodo Brasil,da CaixaEconõmicaFederal e, principalmente, do BNDES.Começando pelos bancos públicoscomerciais, a "fugapara a qualidade" decorrente da quebra do Lehman Brothersgerouum aumento expressivo nos depósitos realizados em instituições financeiras federais.

O Bancodo Brasile a Caixa Econõmica Federal foram os principais beneficiados poresse movimento e, portanto, estiveramem condições favoráveispara atender a deman-da por crédito da economia entre 2009 e 2010. Do ponto de vista macroeconõmico, aação empresarial do Bancodo Brasile da CaixaEconõmicaFederal compensou parcial,mente a desaceleraçãono crescimento da oferta de crédito por parte do setor privado.Passando ao BNDES,a queda do financiamento privado de longo prazo com base emfontes externas de captaçãolevou o governo a assumir um papel mais ativo no fmaneiamento do investimento. Nesse campo a principal iniciativa foram os l'mpn'stIl110Sdogovemo federal ao BNOr<;,que por sua Ye:>Utilizouos 1('('lIr~OSa"~1r11(a piados paraexpandir suas 0r('fa~'I)l's de l n'llito 110 pl'l'lodo }OOl) a )0 I O, ( )'. 111(1I', plllll Ipai!> dl'o;~as

Opl'l'a~IWS IOli1f11o il1vI'sllllll'IIIO dI' IIHI~o pra..:o ',o!Jrdlldo 111111111.11',11111111.1.r o 11111111

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damento de capital de giro para micro e pequenasempresas.Os financiamentos foramrealizadoscom taxa dejuro subsidiadas,pois além de fornecer os recursos ao BNDES,li governo federal também assumiu parte dos custos operacionais de algumas operações,mediante a equalizaçãode taxa de juros em algumas linhas de crédito ofertadas poraquele banco.

Por fim, o governo federal lançou um amplo programa de investimento habita-donal em 2009, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), destinado a ampliar oacesso da população de baixa renda à moradia. Em retrospectiva, o MCMV iniciou aronstrução de um milhão de unidades habitacionais em 2009 e 2010 e, dessa forma,

1I1centivou fortemente o crescimento da construção civil no período. Do ponto devista macroeconõmico, a lógica do MCMV foi estimular o crescimento de um setormuito intensivo em trabalho e pouco intensivo em importações como instrumento degeração de emprego e renda. Do ponto de vista social, a lógica do MCMV foi ampliara rede proteção e inclusão social construída pelo governo federal com o acesso subsi-(hado à moradia para a população mais pobre. O MCMV foi realizado de duas formas,limadireta e outra indireta. Na via direta, o governo federalcontratou a construção demoradias junto ao setor privado e, em cooperação com os governos estaduais e muni-cipais, alocou essas moradias para a população de baixa renda mediante um pagamen-to simbólico de prestações por parte dos mutuários. Na via indireta, o governo utilizourecursos próprios e recursos excedentes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

(FGTS) para subsidiar o financiamento de imóveis populares para a população debaixa renda. Nesse caso a iniciativa partiu do mutuário e das construtoras, com o go-vrmo oferecendo subsídio na entrada e na taxa de juro do financiamento imobiliário.

O conjunto de ações do governo Lula resultou em uma rápida recuperação da eco-

l10mia brasileira. O crescimento começou a se recuperar na segunda metade de 2009,masdevidoà fortequeda do PIBno finalde 2008 e iniciode 2009, a economiabrasileiran~gistrou uma queda de 0,6%, em 2009. A recuperação continuou no inicio de 2010 e oBrasil alcançou um crescimento de 7,5% naquele ano. Assim, considerando o período.1009 a 2010 como um todo, o crescimento médio da economia foi de 3,3% ao ano. A

queda e a posterior retomada do crescimento da economia foram puxadas principal-mente pela forte flutuação do investimento, que caiu 10,3%, em 2009, e subiu 21,8%,('m 2010. Na média, o crescimento do investimento foi de 4,6% ao ano no período 2009111.010, ou seja, acima do crescimento do PIB. O consumo das famílias também cresceu,tnma do PIB,registrando uma expansãomédia de 5,6% ao ano no mesmo período.

A variável de ajuste entre o forte crescimento da demanda doméstica e o lento( rescimentodo PIBfoi uma queda no saldo comercial do Brasilnos anos 2009 e 2010.( .lInsiderando os números das contas nacionais, as exportações de bens e serviçosI)('rmaneceram praticamente estagnadas nesse biênio. No mesmo período, as impor-1.I~'<'J('saumentaram explosivamente, registrando um crescimento real médio de 9,8%.to ano. Considerando os números do balanço de pagamentos, o valor das exportaçõesIHilsllelnts dI:' bens tarnhl'm ficou pralicamente estável, passando de 198 bilhões dedolan'o;, I'm lOOH, para J.O) hilhol'S dl' dólares, l'm }OIO, no oUlro lado, () Cfe<;cimento

do valol das IrnporLu,:nr', dI' ht'l1s 1111maiOl, dI' 17 \ IlIlhol's dI' dolan's, ('1\1}OOH,paraIH) hilhc)t".. ele-.1010111""1'111!()lN () 11".lIlIado di ,. IIIOVII1\1'I110loi 11111a 110V,'qllnla

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no saldo em conta corrente do Brasil,mas ainda assim o país conseguiu acumular re-servas internacionais devido à entrada líquida de capitais externos na economia.

Mais especificamente, uma vez passado o choque inicial da quebra do Lehman

Brothers e iniciada a forte expansão de liquidez por parte dos países centrais, o capitalexterno voltou a fluir para o Brasil,atraído tanto pela recuperação da economia quan-to pela taxa básica de juro do país, ainda alta. Apesar do esforço do governo Lula emreduzir a Selic,a taxa básica de juro continuou muito alta em 2009 e 2010, sobretudonum contexto de taxas básicas de juro próximas a zero no resto do mundo. Assim,considerando esse biênio como um todo, houve uma entrada líquida de 171 bilhõesde dólares na economia brasileira, sendo 73 bilhões de dólares via investimento diretoe 113 bilhões de dólares em investimento em carteira. Nas outras modalidades deinvestimento externo houve uma saída líquida de 15 bilhões de dólares.

A forteentrada de capitaisexternosaconteceunum contextode elevaçãodos preçosdas commoditiese apreciaçãodo realao longode 2010.Apósa absorçãoinicialdasperdaspatrimoniaisgeradaspelacrisede 2008, a altaliquidezinjetadapelosbancoscentraisdosEUA,Europa e Japão na economia mundial criou um ambiente propício à elevaçãonopreçodas commodities,sobretudo devidoà recuperaçãoda demandachinesapor insumosbásicos.A boa performancemacroeconômicado Brasilno combate aos efeitosda criseinternacionaltambém reduziu o prêmio de riscodo paisnum contextono qual a Sdic erabem elevadaem comparaçãocom as taxasde juro internacionais.O resultado inevitáveldessacombinaçãofoiuma fone apreciaçãoda taxade cãmbiobrasileira,que caiude 2,34reais por dólar, no finalde 2008, para 1,66 real por dólar, no finalde 2010.

Por fim, passando à política monetária, a desaceleração do crescimento da eco-nomia no final de 2008 e iníciode 2009 teveum efeito inicial negativosobre a inflaçãobrasileira. Porém, à medida que a economia brasileira se recuperou e os preços dascommodities internacionais voltaram a subir fortemente, a inflaçãovoltou a acelerar efechou o biênio 2009 e 2010 com tendência de alta. Em números, a inflaçãoanual caiude 5,9%, em 2008, para 4,3%, em 2009, e depois voltou para 5,9%, em 2010. A ele-

vação da inflação ao longo de 2010 levou o BCBa aumentar a Selicem abril daqueleano. O ciclo total de elevação foi moderado e durou apenas três meses, fazendo comque a taxa básica de juro subisse de 8,75%, em abril, para 10,75%, emjulho de 20 IO.

Do ponto de vista da estratégiada política econômica, o movimento do BCBmarcou o inicio da reversãodas medidas de estímulo adotadas para combater os efeitosdacrise financeira internacional. No final de 2010, esse movimento foi complementadopor uma elevaçãodos depósitos compulsórios dos bancos e por uma redução do Cft.s.

cimento das despesas primárias do governo federaLAssim, antes do fim do governoLula,o Brasilcomeçou a adotar uma política macroeconômica mais restritiva com bastOn~ expectativa de que o pior da crise internacional já havia passado e que a econonHilbrasileira poderia continuar a crescer sem estímulos adicionais por partr do governo

4. Novo cenário: 2011-2012

O governo Dilma começou 2.0 I ] dando ('onl inuidadc i)" a~'()c', n'sl 111iVIIS I1li( iadas no

final do ~ovrrno I.ula no lado 11101H' U no , o II( 111'1101111111.1I"'V.I~I11 d,II,I,.1 'wlt( 1'111

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11I1'll'ade juros atingiu 12,5% ao ano. Do lado fiscal, o governo empreendeu um forte

.01111mgenciamento de seus gastos e elevou substancialmente seu resultado primário111longo de 2011. A estratégia dessas duas medidas foi combater a inflação e promover

11111"pouso suave" (soft landing) da economia brasileira para um ritmo de crescimento

0'1111'1'4% e 5% ao ano. Após os estímulos adotados em 2009 e 2010, foi necessárioII lomaruma política macroeconômica menos expansionista sem, contudo, abandonar"'. I'onquistas sociais do passado. Nesse sentido, o esforço de elevação no resultadoprimário foi acompanhado da manutenção da política de elevação do salário-minimoI dt' expansão da rede de proteção social e combate à pobreza. A contenção do cresci-l11I'ntodos gastos públicos se concentrou no custeio e no funcionalismo e, em 2011,

II j.\overnotambémempreendeuuma reestruturaçãono planejamentoe execuçãode" IISinvestimentos em infraestrutura, o que provocou uma redução temporária nosd,'sp.mbolsosdesses programas.

O governo Dilma também começou com uma preocupação especial em reduzir a\.I~areal de juro do pais e evitar uma apreciação excessiva da moeda. De um lado,IIlI'smodepois da redução verificada ao longo do governo Lula, a taxa básica de jurodo Brasilcontinuava elevada em comparação ao resto do mundo no inicio de 2011,IlI'mcomo ocasionava um gasto considerável do governo com o pagamento de juroslobl'ea divida pública. Do outro lado, a apreciação do real em 2010 havia colocado aLixade cãmbio real brasileira num patamar muito baixo no inicio de 2011, o que por,lia vez comprometia a competitividade internacional da economia e não deixavaIIlIutOespaço para uma nova apreciação cambial como instrumento de combate àIlIflação.Assim, para evitar um aumento excessivo na Selic, que por sua vez pressio-IIlIl'Iaa taxa de câmbio real para baixo, o governo complementou suas ações restritivasdI política macroeconômica com medidas destinadas a desacelerar a velocidade deI 'pansão do crédito em 2011.

Mais especificamente, no inicio de 2011 o governo Dilma adotou uma série de

lIu'(hdas "macroprudenciais" de elevação dos depósitos compulsórios e dos requeri-II1rntos de capital dos bancos para reduzir a velocidade de expansão do crédito no país., I'')tratégia dessas medidas foi desestimular a expansão de operações de crédito derIstOelevado para fortalecer a situação patrimonial dos bancos brasileiros e, ao mesmo

I('mpo, evitar um aumento excessivo da Selic. As medidas macroprudenciais tambémloram acompanhadas por uma elevação do IOF incidente sobre as operações de cré-dito pessoal, de modo a elevar as taxas de juro de mercado e desacelerar o crescimentodos fmanciamentos ao consumo.

Do ponto de vista macroeconômico as medidas macroprudenciais tiveram suces-,o ('m desacelerar o crescimento do crédito do Brasil e reduzir o aumento na Selic

"''t'('ssário para combater a inflação. Porém, o efeito dessas medidas sobre o nivel de.lIlvldade econômica também acabou sendo maior do que o esperado inicialmente peloj',0vrmo devido a um fator exógeno à política econômica brasileira: a rápida deterio-11\..;10do cenário ecol1omico internacional ao longo de 2011.

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