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61022 – Introdução à Economia Apontamentos de: Jorge Loureiro E-mail: [email protected] Data: 19.09.2008 Livro: Introdução à Economia (João César das Neves) Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Mestre Rafael Branco)

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61022 – Introdução à Economia

Apontamentos de: Jorge LoureiroE-mail: [email protected]: 19.09.2008

Livro: Introdução à Economia (João César das Neves)

Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Mestre Rafael Branco)

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1. Princípios fundamentais da Economia1.1. A Economia

1.1.1. Origem da EconomiaO que é a Economia? Esta é a pergunta natural no início da abordagem a esta ciência. A possibilidade de uma definição exacta será discutida adiante, mas logo de entrada é importante ter consciência da existência e da importância dos problemas económicos.

1.1.1.1. A Economia é essencialÉ importante ter presente que a Economia está ligada ao essencial da vida de cada um. Somos incapazes de produzir as coisas mais básicas: um pão, um fósforo, uma lâmpada, um par de calças, um motor de automóvel. Foi a compreensão desta ideia que deu início à teoria económica.

ADAM SMITH (1723-1790)O Ensaio sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações demonstrava,

com múltiplos exemplos, como, naturalmente, as relações económicas se ordenavam de forma espontânea, formando um sistema harmónico. O interesse por esta visão foi grande, não só nos salões elegantes mas também nas universidades e meios políticos, nascendo uma ciência para estudar esse sistema e fazendo de Smith o Pai da jovem Economia.

Esta ideia, tão simples mas tão importante, colocou-a Smith logo no início do seu livro, com a história do casaco de lã, hoje célebre, que demonstra bem o fascínio que motivou Smith:«... Por exemplo, o casaco de lã que cobre um jornaleiro, por mais grosseiro e tosco que possa parecer, é o produto do labor combinado de grande número de trabalhadores. O pastor, o classificador da lã, o cardador, o tintureiro, o fiandeiro, o tecelão, o pisoeiro, o curtidor, e muitos outros, têm de reunir as diferentes artes para que seja possível obter-se mesmo este produto comezinho. E quantos mercadores e carreteiros hão-de, além disso, ter sido empregados no transporte dos materiais de uns desses trabalhadores para os outros, que, muitas vezes, vivem em regiões do país muito distantes! Quanto comércio e quanta navegação especialmente, quantos construtores navais, marinheiros, fabricantes de velas e de cordas terão sido precisos para reunir as diferentes drogas usadas pelo tintureiro, que muitas vezes provêm dos mais remotos cantos do Mundo! E que variedade de trabalho é ainda necessário para produzir as ferramentas do mais ínfimo desses trabalhadores! Se examinássemos da mesma forma as diferentes partes que compõem o seu vestuário e a mobília da sua casa, a camisa de linho que usa junto à pele, os sapatos que lhe protegem os pés, a cama em que se deita e as várias partes de que se compõe, o fogão de cozinha em que prepara os seus alimentos, o carvão que utiliza para esse fim, arrancado às entranhas da terra e trazido até ele provavelmente depois de uma longa viagem por terra e por mar, todos os outros utensílios da sua cozinha, tudo aquilo que utiliza na sua mesa, as facas e os garfos, os pratos de barro ou de estanho, nos quais serve e divide os seus alimentos, as várias

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mãos necessárias para produzir o seu pão e a sua cerveja, a vidraça que deixa entrar o calor e a luz e o protege do vento e da chuva, com todo o saber e a arte exigidos pelo fabrico dessa bela e feliz invenção sem a qual dificilmente se poderia proporcionar locais de habitação muito confortáveis nestas zonas frias do mundo, e ainda todas as ferramentas a que os operários empregados na produção de todos esses bens têm de recorrer; se examinarmos todas essas coisas, dizia eu, e considerarmos a variedade de actividades incorporada em cada uma delas, tornar-se-nos-á claro que, sem a ajuda e cooperação de muitos milhares, as necessidades do cidadão mais ínfimo de um país civilizado não poderiam ser satisfeitas, nem mesmo de acordo com aquilo que nós muito falsamente imaginamos ser a forma simples e fácil como elas são habitualmente satisfeitas. Na verdade, comparadas ao mais extravagante luxo dos grandes, as suas necessidades parecem, sem dúvida, extremamente simples e chãs; e, no entanto, talvez seja verdade que a satisfação das necessidades de um príncipe europeu não excede tanto a de um camponês industrioso e frugal, como a deste excede a de muitos reis africanos, senhores absolutos da vida e da liberdade de dez mil selvagens nus.» [Smith (1776), vol. 1, págs. 89-91.]Foi a compreensão do facto de que esta realidade, tão complexa e intrincada na aparência, funcionava de forma tão regular e coordenada, sem que ninguém dela cuidasse, que deu origem ao estudo da Economia. E Smith sublinhava não só que a complexidade do sistema não impedia uma eficiência nos resultados, como também levava a que as suas diferenças internas, embora importantes, fossem muito pequenas em comparação com as diferenças que o separavam dos outros sistemas (a distância de nível de vida entre o príncipe e o jornaleiro é muito menor do que a que separa o jornaleiro do rei indígena, na expressão datada de Smith).Esta maravilha fascinou Adam Smith e justificou um estudo que ele iniciou: a Teoria Económica. É importante notar que esta descoberta fez-se quase na altura em que Lavoisier na Química, Newton na Física, Mendel na Biologia e tantos outros, encontravam a mesma harmonia nos vários aspectos da Natureza. Não se tratava de encontrar leis naturais, onde o instinto ou outras forças profundas prendessem a realidade nessa harmonia. Era o encontrar dessa ordem na própria acção humana.Na verdade, se cada um de nós tivesse de produzir tudo o que precisa e consome, da comida aos talheres, dos transportes ao mobiliário, não lhe seria possível possuir um décimo do que consome.Mas, no fundo, cada família produz o que consome. Só temos o que consumimos por troca. Este, como veremos, é um dos princípios essenciais da Economia.A troca está na base da nossa economia e, se ela falhasse, o nível de vida das sociedades desceria muito, mesmo que cada um continuasse a produzir o que produz. O sofrimento e a morte que esse facto provoca são consequências patentes da interrupção do funcionamento do sistema económico.A Economia estuda factos e fenómenos que são essenciais à vida concreta das pessoas e sociedades de sempre. Os temas que vamos tratar, por muito abstractos que pareçam, estão ligados

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directamente a questões de que depende a prosperidade e o desenvolvimento do Mundo ou a fome de gerações e o desemprego de milhões.

1.1.1.2. A Economia é uma CiênciaEstes problemas tão importantes e cruciais para a vida real das pessoas podem ser analisados de muitas formas diferentes. Visto que se trata de questões tão centrais para a vida de cada um, é normal que todos se preocupem em ter opiniões sobre elas.Na verdade, vamos apenas aqui tratar do que se chama a Ciência ou a Teoria Económica, que exige conhecimento rigoroso, sistemático dessa realidade. Tais regras têm como principal objectivo garantir que, nessa análise, não somos enganados por aparências, confusões, ideias feitas.Só que essas ideias feitas, do «senso comum», são muitas vezes puramente falsas. É fácil que toda a gente esteja plenamente convencida de algo que é completamente errado. Por exemplo, no século XV todo o mundo, especialistas e leigos, acreditou durante décadas na existência do Mar Tenebroso, onde viviam monstros que destruíam os navios. Quem afirmasse o contrário seria apelidado de louco. Foi a experiência directa, científica, dos Portugueses que eliminou esse mito. Muitas vezes o que parece, não é.Esta situação é o dia-a-dia das análises económicas. Os discursos de políticos, as notícias de jornais, as conversas de café estão cheios de ideias simples, atraentes, que parecem certezas indiscutíveis e que apenas denotam ignorância dos verdadeiros resultados rigorosos e científicos.A única forma que o ser humano (excepto se possui poderes mágicos) tem para evitar isto é, pois, através da análise científica, do estudo sistemático e rigoroso dos problemas. É isto que aqui vamos fazer.Como veremos, a Ciência Económica é composta por alguns princípios, poucos, muito simples, que devem ser sempre aplicados com inteligência. Desde que aplicados sempre, ninguém se engana. Se não o forem, como por vezes não são, dá erro.Aliás, esta é uma característica muito importante que, ao longo da história da ciência, se tem notado em quase todas as «boas» teorias ou doutrinas:– em primeiro lugar, a teoria baseia-se em poucos princípios,

muito simples e de aplicação geral;– por outro lado, a aplicação desses princípios a cada caso

particular exige um estudo detalhado da situação concreta.Como disse Milton Friedman, um grande economista ainda vivo:«[A Economia] é uma disciplina fascinante. O que a faz mais fascinante é que os seus princípios fundamentais são tão simples que podem ser escritos numa página, que qualquer pessoa os pode entender, e que, no entanto, tão poucos o fazem.»Mas, se os princípios essenciais são de aplicação geral, a sua concretização em cada caso gera resultados, prescrições completamente diferentes de situação para situação. Em Economia cada caso é um caso e não existem, como tantas vezes se observa nas propostas políticas reais, receitas de uso geral.

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Esta ideia, essencial para qualquer tratamento da política económica, é captada de forma muito particular por um dos mais célebres mottos do grande Alfred Marshall:«A multiplicidade na unidade e a unidade na multiplicidade.»Nela, o mestre queria significar que, em Economia, é necessário encontrar as muitas causas de cada fenómeno, mas também procurar as muitas situações em que a mesma causa aparece.Daqui sai a segunda conclusão da nossa introdução: poucos são os que procuram ter dos problemas económicos uma visão rigorosa e científica. É importante ter consciência de que a maior parte das ideias comuns sobre Economia não passaram pelo crivo científico e, por isso, podem estar erradas.

ALFRED MARSHALL (1842-1924)Marshall, sem nunca deixar de ser um professor inglês metódico, brilhante e

erudito, foi o grande arquitecto da Economia moderna. Tomando as obras dos seus predecessores, integrando-as mas ultrapassando-as, Marshall, no fim do século XIX e princípios do século XX, ordenou e estruturou a ciência económica em moldes que ainda hoje são as traves mestras da disciplina. Os seus profundos conhecimentos matemáticos, os seus raciocínios cristalinos e as suas grandes preocupações morais, sobretudo com os pobres, foram os elementos essenciais para essa construção. Desenvolvendo a sua actividade sobretudo na Universidade de Cambridge, as suas principais obras são Princípios de Economia, de 1890, Indústria e Comércio, de 1919, e Moeda, Crédito e Comércio, de 1923.

1.1.1.3. A Economia é uma Ciência HumanaO facto de o objecto da ciência económica ser o próprio ser humano traz à Economia algumas características especiais, que ela partilha com as outras ciências humanas (a psicologia, a sociologia, a antropologia, etc.).Em primeiro lugar, é de notar que esse facto torna a ciência muito mais difícil. É como jogar xadrez com peças que nunca estão paradas. O ser humano muda, é complexo e imprevisível. Se os resultados da análise da química, física, matemática se podem considerar imutáveis e obtidos de uma vez para sempre, nas ciências humanas a única garantia é que a certeza de hoje será contestada na nova realidade de amanhã.Por outro lado, uma enorme quantidade de problemas científicos nasce do facto de o analista e o objecto de análise serem da mesma natureza. Os resultados da análise tocam pessoalmente o analista, pelo que é difícil separar o resultado científico da opinião pessoal.Repare-se que, embora este aspecto seja típico das ciências humanas, ele está presente em toda a ciência sempre que esta toca um problema que afecte a vida de todos nós.A principal questão que resulta daqui é a distinção entre ciência e doutrina. A ciência, como vimos, descreve factos, estuda relações de forma o mais rigorosa e neutra possível, para evitar ser enviesada por erros ou confusões. Estas envolvem ética e julgamentos particulares, que são diferentes de pessoa para pessoa.A opinião de cada um, formada a partir do seu meio envolvente, da sua história concreta, dos seus interesses na vida, até dos seus estudos científicos particulares, é algo de pessoal e individual, que perdeu todas as características de generalidade e rigor do

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resultado científico. Na prática pode ser difícil separar as duas coisas, pois muitos fazem passar por indiscutivelmente científico algo que não passa da sua opinião pessoal.No que toca às opiniões, o valor de cada uma é igual ao das outras. É por isso que nos sistemas democráticos os votos de todos e cada um são iguais, e não se dá peso à opinião do economista, do engenheiro ou do sociólogo nas votações sobre assuntos da sua especialidade.Assim, sobre um certo problema podem existir várias doutrinas, representando as várias opiniões. Essas doutrinas baseiam-se em conhecimentos científicos, mas não são ciência. As duas, ciência e doutrina, são essenciais para enfrentar um problema económico particular, mas têm papéis diferentes. A ciência garante o rigor da análise e a exactidão das conclusões; a doutrina define os objectivos e a linha de conduta. Esta distinção é particularmente importante na Economia, como nas outras ciências sociais, porquanto é fácil e corrente alguns confundirem as noções, apresentando opiniões discutíveis como ideias cientificamente demonstradas.É pois essencial, na análise de qualquer problema económico, buscar cuidadosamente quais das ideias presentes constituem resultados científicos e quais resultam da opinião doutrinal. Estes dois elementos estão sempre presentes, são ambos muito importantes, mas são diferentes e como tal devem ser tratados.É importante ainda notar a presença de um terceiro elemento que também aparece nessas discussões: o disparate. Uma boa análise económica tem de ter em conta o princípio essencial de toda a reflexão: nunca se deve subestimar a estupidez humana; o erro e o disparate aparecem por todo o lado e é sempre possível fazer pior do que se fez ou se previa.

1.1.2. Os princípios básicos de EconomiaComo é que a teoria económica enfrenta os grandes obstáculos que se lhe apresentam e estuda este agente tão variável, multifacetado e imprevisível? O método utilizado baseia-se na aplicação sistemática de dois postulados de base, muito simples e gerais.Estes dois princípios, que chamamos o postulado da racionalidade e o postulado do equilíbrio, constituem o essencial da abordagem económica e são os elementos caracterizadores da Economia em relação às outras ciências. Como veremos repetidamente ao longo do nosso percurso, é a partir destes princípios que todos os resultados económicos são obtidos, e a sua riqueza é tal que uma enorme quantidade de ideias, com grande interesse prático e relevância concreta, resultam destas ideias muito simples.Estes postulados são, hoje, justificados pelo facto de as teorias nele fundadas se terem mostrado eficientes. Mas a razão de fundo da sua escolha pode ser encontrada no tema do livro Principles of Economics de Alfred Marshall: «Natura non facit saltum», a Natureza não dá saltos.O verdadeiro significado destes axiomas, tão frequentemente confundido e mal compreendido, pode ser ilustrado brevemente com um exemplo muito simples e real e, à primeira vista, não económico.

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____________________________O PROBLEMA DO AUTOCARRO CHEIO

Repare-se que a compreensão do comportamento deste sistema (o autocarro cheio de pessoas) é uma tarefa científica semelhante à tarefa do economista que pretende entender o comportamento do sistema económico.Uma das hipóteses de abordagem possível ao problema consiste em impor que os agentes que se encontram no autocarro são racionais. Trata-se da aplicação do postulado da racionalidade. Neste caso, a racionalidade significa que cada passageiro, no caso geral, vai procurar sair por aquela porta que está mais perto de si ou, em termos económicos, vai tentar minimizar o espaço percorrido, o esforço e o tempo despendido para obter o seu fim: sair do autocarro. «Sair pela porta que está mais perto» é a regra de conduta que cada um vai aplicar.Se está a chover ou se temos um amigo na parte de trás do autocarro, por exemplo, o comportamento racional leva a atitudes diferentes. O princípio básico da racionalidade é geral, mas a regra particular que dele foi deduzida só se aplica a certos casos, mesmo que seja à maioria, como no exemplo.Claro que pode haver alguém que, sem razão, queira sair pela porta mais distante, empurrando todos ou esperando para ser o último. Mas este caso é claramente uma excepção e a sua existência não vai perturbar significativamente o nosso estudo do esvaziamento do autocarro.Assim, o sistema (o autocarro) encontra um equilíbrio, que é como que uma racionalidade do grupo, onde cada um decide por si. Aplicamos assim o segundo postulado, o postulado do equilíbrio.Não é preciso que todas as pessoas em todos os autocarros obedeçam estritamente a esta regra para que, com esta ideia, se consiga explicar o esvaziamento normal dos autocarros no fim da carreira.Se os agentes são racionais e a sua interacção equilibrada, sabemos imediatamente o que esperar do sistema.Por exemplo, é de notar que a utilização do princípio da racionalidade ou da maximização do bem-estar não implica necessariamente comportamentos éticos. Uma pessoa pode ser delicada e, ao mesmo tempo, ao escolher a porta de saída do autocarro, procurar a que lhe está mais perto.Torna-se assim clara a verdadeira natureza dos axiomas e dos mecanismos económicos que deles derivam. Da sua aplicação resulta apenas a tentativa de evitar o desperdício e, por isso, eles são conceitos funcionais na sua essência.Ao supor-se que maximiza o lucro, exige-se apenas que o empresário tente usar da melhor maneira os recursos de que dispõe para prosseguir os seus objectivos, que podem ser os mais altruísticos. A questão de saber se uma pessoa será respeitosa ou não, depende da atitude de cada um, e nada tem a ver com o postulado da racionalidade. Todo o comportamento humano tem um valor ético. Mas, qualquer que ele seja, ele pode ser (ou não) racional.É também importante notar outra ideia que se pode deduzir do exemplo referido. Repare-se que, embora cada um esteja dedicado apenas à resolução do seu problema (o que, como vimos, nada tem a ver com egoísmo), consegue, sem dar por isso, resolver o problema global: o autocarro é esvaziado da maneira mais rápida possível. Este é o conceito da « mão invisível » que afirma que, se cada um prosseguir os

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seus objectivos próprios, se consegue no fim o máximo bem-estar para todos. Adam Smith foi o primeiro a notar de forma sistemática este aspecto, e algumas das suas observações tornaram-se célebres:

«Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse.» Smith (1776), vol. I, pág. 95.«Cada indivíduo [...] não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir a indústria interna em vez da externa só está a pensar na sua segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e neste caso, como em muitos outros, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.» Ibidem, I, 757-758.

Mais uma vez é patente o fascínio de Adam Smith por um sistema que, de forma surpreendente, aparece ordenado naturalmente sem que ninguém directamente contribua para isso.Também neste caso, o conceito não apresenta qualquer conotação ética e pode também ser ilustrado pelo citado exemplo do autocarro.Se na saída for respeitado o princípio da minimização do espaço percorrido pelas pessoas, como impõe a hipótese do teorema, então metade dos passageiros, a situada na parte dianteira do autocarro, tenderá a usar a porta da frente e a outra metade a porta de trás. As duas portas estarão completamente ocupadas durante o processo de saída, conseguindo-se assim esvaziar o autocarro no mínimo de tempo.Esta ideia é talvez o aspecto mais importante do estudo económico da sociedade global: a sociedade funciona bem, sem que ninguém se preocupe com isso. Na verdade, uma das motivações essenciais do estudo da Economia residiu no interesse em compreender este sistema em que, de forma inesperada, surgiu uma ordem onde seria de suspeitar que reinaria o maior caos se ninguém impusesse a disciplina.Em todo este raciocínio nunca foram invocados conceitos éticos ou obtidos resultados valorizáveis subjectivamente. A solidariedade, noção eminentemente moral, não teve de ser chamada para a solução do problema global, e por isso, é aqui independente das análises de eficiência. Não é pois neste campo que se encontra o seu lugar na Economia e portanto não se procure aqui a sua aceitação ou recusa pela teoria económica.O carácter funcionalista desta noção é posto em destaque pelo facto de nem sempre ela ser verdadeira. Na verdade, ainda no exemplo do autocarro, existe uma hipótese adicional que teve de ser introduzida para a sua verificação: a colocação simétrica das portas.Considerando o tipo de veículo actualmente mais usado em Lisboa, a colocação das portas à frente e ao meio do veículo perturba a demonstração do teorema. O mesmo princípio de minimização do espaço leva, neste caso, a que pela porta da frente só saiam cerca de um quarto dos passageiros, os colocados mais perto do condutor, pois os outros todos estão mais próximos da porta central. Assim se impede que o autocarro seja despejado no mínimo tempo.Aliás, é interessante notar que, neste caso, a equivalência entre a solução de minimização do espaço percorrido e a de minimização do tempo deixa de existir, sendo para alguns mais rápido sair pela porta mais afastada, o que fere a sensibilidade de qualquer economista que use os transportes públicos lisboetas.

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Se cada um dos agentes se preocupa apenas com a sua situação, não é neles que poderemos encontrar a resposta para um problema que é global. Mas na maioria dos casos (de certeza nos que nos interessam) existe um, mas só um agente que se preocupa com o problema global. A esse agente chamamos o Estado (que neste exemplo é substituído pela empresa de camionagem). No nosso exemplo, poderia ser colocado um funcionário na porta do meio, impedindo que por essa porta saíssem pessoas que se encontram na parte da frente do autocarro.Mas, por vezes, o custo da intervenção é tal que não vale a pena. Este caso é um exemplo evidente: o custo de ter um funcionário à porta do autocarro é de tal maneira elevado que não justifica o ganho de alguns minutos na desocupação do autocarro. E aqui aparece outro dos princípios fundamentais da Economia: como em todas as decisões económicas, só o que der maior benefício líquido é que deve ser feito.

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1.2. A ciência económicaAntes de analisarmos os principais resultados da teoria, é conveniente delimitar o campo da nossa análise. Vamos nesta secção ver com mais cuidado o que é e como se faz o estudo da Economia.

1.2.1. Definição de EconomiaAo longo do tempo, muitas definições têm sido apresentadas para caracterizar a Economia. O que vamos fazer é reflectir um pouco sobre a essência da Economia, a partir de algumas ideias de definição apresentadas ao longo do tempo.O grande Alfred Marshall, de que já falámos, um dos maiores economistas de todos os tempos, que viveu em Inglaterra no fim do século passado e princípio deste século, começou o seu livro essencial, Principles of Economics, de 1890, com a frase:

«Economia é o estudo da humanidade nos assuntos correntes da vida.» [Marshall (1890), p. 1.]

Esta definição parece tão simples que quase é inútil. Pode dizer-se que o que vamos deduzir desta frase de Marshall é algo de essencial, que a maioria das pessoas, mesmo grandes especialistas da ciência, por vezes não leva em conta.A primeira coisa que esta frase nos indica é que o que vamos estudar ao aprofundar esta ciência não são casos especiais, ou problemas grandiosos, não são questões que se situem longe, ou que só ocupem as pessoas importantes. O que a Economia estuda é o comum das realidades, a vida corrente das pessoas, de todas as pessoas e, sobretudo, das pessoas normais, porque são essas as que mais encontramos.Na verdade, a Economia não estuda os assuntos económicos, e não os estuda por uma razão também muito simples: porque não há assuntos económicos. O que existe são problemas.Não há fenómenos eminentemente económicos. Os fenómenos não são económicos, ou sociológicos, ou químicos. Os fenómenos são fenómenos! A realidade é única e, na sua riqueza natural, contém múltiplos aspectos particulares. Essa realidade e os seus múltiplos aspectos podem ser analisados de variados pontos de vista, económico, sociológico, químico, etc. Não é a Natureza que classifica a realidade, mas sim o estudo humano, organizado em ciência. Assim, qualquer problema real pode ser analisado do ponto de vista químico, físico, económico, social, etc.Será que, quando uma pessoa compra um jornal, isso é um fenómeno económico? Por que razão não é possível ao sociólogo analisar o aspecto de encontro de classes sociais diferentes entre o jornaleiro e o comprador?O que Marshall quer captar com a sua frase é exactamente este facto: a Economia estuda os assuntos correntes da vida. Não é só a Economia que estuda os assuntos correntes da vida, mas a Economia estuda todos os assuntos correntes da vida.Quer isto dizer que é possível fazer uma teoria económica de coisas tão «pouco económicas», mas pertencentes à nossa vida corrente, como as da poesia, do namoro, da religião ou dos divertimentos? Basta a esses

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fenómenos aplicar a metodologia, o prisma de análise da Economia, e obtém-se uma teoria económica desses fenómenos.Uma questão diferente é saber se essa análise económica capta, através do seu prisma particular de enfoque, os aspectos mais relevantes para o estudo desse fenómeno. É provável que, se nos debruçarmos sobre um poema, o amor entre dois jovens ou as relações pessoais com Deus, e o fizermos através de um método económico (ou sociológico, ou químico), apenas captemos aspectos secundários dessa realidade.Mas essa predisposição para certo tipo de fenómenos não impede a ciência de ser aplicada a outros problemas, e não quer dizer que a análise não possa captar aspectos inesperados e interessantes em campos que pareciam ser-lhe estranhos. Todos os assuntos correntes da vida do homem podem (e devem) ser objecto da Economia.Mas qual é a particularidade do estudo da Economia? Para vermos isso vale a pena usarmos umas outras das tentativas de definição da ciência económica. Vamos ver a usada por Paul Samuelson no livro de 1948 Economics, que sucedeu ao livro de Marshall como manual básico que ensinou Economia a gerações e ainda hoje é usado. Aí, Samuelson afirmou que «Economia» é o estudo de como as pessoas e a sociedade escolhem o emprego de recursos escassos, que podem ter usos alternativos, de forma a produzir vários bens e a distribuí-los para consumo, agora e no futuro, entre as várias pessoas e grupos na sociedade».

PAUL SAMUELSON (n. 1915)O americano Paul Samuelson é um dos economistas vivos mais famosos e influentes.

Estes aspectos voltam a ser repisados adiante, com mais pormenor, mas vale a pena começar já por enunciá-los.

1.2.1.1. Estudo do comportamento dos agentes e da sociedade

O objectivo da Economia é, como já dissemos, o ser humano, mas nele, a Economia dirige-se à compreensão do seu comportamento. Trata-se, como já vimos, de uma ciência e, por isso mesmo, o seu propósito é o conhecimento e a compreensão da realidade. Se alguém julgava que o propósito da Economia era outro (por exemplo, aprender a ganhar dinheiro) o melhor é desistir já.Uma sociedade é uma amálgama de agentes, que se compõe do comportamento diferente de cada um deles. A Economia estuda agentes, mas agentes em relação, e o comportamento individual tem sempre de ser colocado na perspectiva da relação interpessoal. Claro que é possível analisar economicamente os problemas de um agente isolado, mas a relação (neste caso a falta dela) tem sempre efeito sobre o comportamento individual.

1.2.1.2. Bens e recursosNa definição de Samuelson, os elementos essenciais são referidos à formulação gramatical da frase.Aparece aqui, pela primeira vez, um conceito essencial em Economia: o bem. O que é um bem? A definição económica de bem é algo que satisfaz uma necessidade humana. O pão que satisfaz a fome, a roupa, a chapa de ferro são bens. Mas também

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uma aula de Economia, um concerto, o ar, uma cama, um cão, uma conversa com um amigo, tudo isto são bens económicos. O erro de considerar que só algumas coisas, as materiais, é que são económicas, é um erro comum, mas que deve ser refutado.Isso quer dizer que o que determina se uma coisa é ou não um bem é o ser humano e as suas necessidades. Por isso é que a Economia é uma ciência humana. As necessidades que aqui são consideradas são as necessidades, todas as necessidades dos seres humanos. Não se entra aqui com discussões ético-morais que, embora sejam muito importantes para a vida da sociedade, não é aqui que têm a ver com a nossa análise científica.Como vimos atrás, estas realidades, além de serem, para o economista, bens económicos, são, simultaneamente, componentes sociais, fenómenos físico-químicos, etc. É importante não ignorar que a realidade permanece una, mesmo quando nós, por motivos de análise, a dissecamos.Mas existem algumas coisas que não satisfazem directamente as necessidades humanas e, por isso, estritamente não são bens, mas servem para produzir bens. A essas entidades económicas chamamos recursos. Um pedaço de terra ou uma máquina não são bens, mas algo que produz bens; são recursos. O trabalho é também um recurso, mas também pode ser um bem, se se tira prazer do que se faz.

1.2.1.3. Escolha e escassezO outro elemento caracterizador da definição de Samuelson é o verbo, o predicado da frase.Um dos elementos humanos que mais encaixam na abordagem particular da economia é o da escolha. A escolha é um elemento essencial da Economia, pois é dessa decisão que nasce o problema a resolver pelo agente ou pela sociedade, o qual vai motivar o comportamento. Como veremos adiante, a Economia gosta de analisar a realidade em termos de decisões ou escolhas, pelo que a sua presença é essencial.Para haver escolhas são precisos vários elementos. Um dos principais é a existência de alternativas. Se não há alternativas para escolher, a escolha é forçada, pelo que não existe.Outro elemento essencial para a existência de escolha é a liberdade. Para existir uma escolha é não só necessário que as alternativas existam, mas também que seja física e humanamente possível optar entre elas e eleger qualquer uma delas. A liberdade de opção é um elemento essencial da escolha. Uma escolha forçada não é escolha.Mas mesmo que existam alternativas, muitas necessidades para satisfazer, e a liberdade de escolher como satisfazê-las, se os bens disponíveis para satisfazer essas necessidades forem mais do que suficientes para todas elas, não há problema económico. Embora a respiração seja uma necessidade vital para todos nós, não há problema económico no consumo de ar, pois a atmosfera chega e sobra para todas as nossas necessidades de ar1.

________________________________1 A poluição pode tornar a respiração do ar um problema económico, tal como ela já é para um astronauta.

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Por essa razão, a economia está muito ligada ao conceito de escassez, porque é ela que causa a necessidade de escolhas e decisões que, como vimos, são essenciais para um problema económico.

1.2.1.4. ConsumoA finalidade da Economia é o estudo da satisfação das necessidades humanas através de bens. Ao acto de satisfação das necessidades, chamamos consumo. Assim, o consumo é a utilização de bens para a satisfação das necessidades. Tal como antes, o que determina este conceito é o ser humano e a sua actividade.Repare-se que o consumo não tem de ser material. Um soneto, uma sinfonia, são bens económicos e o acto de os utilizar, contemplando-os ou escutando-os, é consumo. O problema do eremita ou o problema do empresário com duas casas e três carros é, economicamente, do mesmo tipo: um problema de consumo. A nós parece-nos diferente porque ele é social, moral, culturalmente diferente. Mas economicamente, o problema é o mesmo: necessidades (diferentes) satisfeitas por consumos (diferentes) de bens (diferentes).Por outro lado, o consumo é a única finalidade do comportamento económico: a satisfação das suas necessidades.

1.2.1.5. O tempoTodas as pessoas, ao decidirem como devem usar os bens para consumo hoje, entram em conta com o que prevêem que possa vir a acontecer. Por outro lado, o facto de o futuro ser incerto complica fortemente essa decisão. Por todas estas razões, o tempo é um dos elementos mais importantes da Economia e mais difíceis de analisar. Assim, e mesmo que, para simplificar, tenhamos que abstrair da sua existência em certas partes da nossa análise, é importante ter consciência da sua presença.

Através destas definições de Economia foi possível determinar os principais elementos de uma análise económica. Seguidamente, estes elementos serão observados com mais cuidado, para determinar a sua verdadeira natureza.

1.2.2. A abordagem científicaNão é aqui o lugar para descrever em pormenor este instrumento nos seus detalhes, mas vale a pena considerar algumas das suas características e dos seus problemas.Métodos expeditos e fáceis de acesso à realidade podem, normalmente, gerar uma visão distorcida e errónea dos fenómenos. Daí que a actividade científica seja, simultaneamente, uma aventura, cheia de emoções e percalços, e um exercício de rigor e pormenor, exigindo extrema atenção e minúcia.É costume dizer que a experimentação não tem lugar na Economia. Na verdade, poucas são as situações em que é possível realizar algo de semelhante aos testes laboratoriais controlados da Física ou da

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Química2, pois seria imoral usar pessoas ou sociedades como cobaias da ciência. Mas se o cientista social tem de se privar do recurso a testes para avaliar as suas teorias, a História tem criado verdadeiras experiências, que em tudo são semelhantes às laboratoriais, excepto no controlo das amostras. Talvez a experiência mais simples fosse dividir um país ao meio, aplicar um dos sistemas em cada parte do país, deixar passar umas décadas e avaliar os resultados. Na história recente, o fluir natural dos acontecimentos criou exctamente essa situação, com a Alemanha e a Coreia, por exemplo. É claro que o facto de o país não ter sido escolhido pelos cientistas e a sua divisão não ter sido realizada em condições laboratoriais pode enviesar os resultados. Mas seria possível conceber uma experiência rigorosa que fosse muito diferente?Na verdade, este exemplo corresponde ao segundo instrumento do método científico, a observação. A observação directa dos fenómenos é a grande fonte de informação para a Economia. Ao longo dos tempos, muito do esforço que os economistas gastaram nos seus estudos foi na recolha de factos e dados. O rigor e a minúcia na recolha desses dados é algo de essencial para a Economia, de tal modo que muitos dos avanços na metodologia geral de recolha e tratamento de dados quantitativos se deve a economistas3.Na verdade a observação da vida económica concreta, do comportamento dos consumidores, empresas e governos fornece uma enorme quantidade de informação que está disponível ao cientista para classificar, delimitar e interpretar.A análise científica constitui a terceira parte do método científico. Na verdade, é preciso alvitrar uma explicação, um mecanismo para compreensão do fenómeno observado. Essa explicação, a que se chama «teoria», consiste numa invenção abstracta do analista, o seu entendimento profundo do fenómeno. Pode estar cpmpletamente errada, por nada ter a ver com a realidade, ou adaptar-se muito bem aos contornos do problema em análise. Mas, de qualquer forma, trata-se de uma construção abstracta e metodológica, que é sempre artificial.Devido a essa artificialidade, torna-se necessária uma fase posterior de teste da teoria, ou seja, da verificação se a forma como se comporta o fenómeno tem alguma relação com a teoria particular que foi construída.A simples descrição destas actividades é suficiente para sublinhar a sua dificuldade. Apresentar uma ideia sobre um problema, com todas as suas implicações e consequências, e verificar a semelhança entre esta construção abstracta e a realidade é uma das tarefas mais profundas e complexas da ciência. Por essa razão, ao longo do tempo, a ciência foi aperfeiçoando instrumentos para facilitar a sua execução.Muito se tem dito da matemática e da estatística como veículos de exposição e teste de teorias, apoiando ou contestando o seu uso. Não é aqui o lugar para debater este assunto, mas vale a pena notar que o uso destes instrumentos tem como única finalidade facilitar a apresentação e desenvolvimento da teoria científica.Na verdade, a matemática é apenas uma linguagem, mas uma linguagem que tomou o rigor como linha condutora da sua estrutura. Assim, ela foi construída para ser a única linguagem no mundo na qual

_______________________________________2 Embora se tenham realizado, em alguns países, actividades que em tudo podem ser classificadas como experiências económicas. Por exemplo, as autoridades fiscais de alguns Estados introduziram variações no sistema de tributação em determinadas zonas de um país, as quais, depois de verificadas as suas consequências, eram estendidas a todo o país ou eliminadas.3 Isto é de tal modo assim que muitos ainda chamam à técnica de regressão, uma das principais componentes da estatística, «econometria», que significa «medição económica».

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não pode haver mal-entendidos. Por essa razão, ela é um instrumento precioso para o analista de qualquer ciência, que quer ser claro e rigoroso. Por isso, a matemática é óptima para a «dedução», ou seja, para o desenvolvimento pleno das implicações da ideia teórica.No que toca à estatística, ela é também um instrumento para testar, da forma mais rigorosa, a semelhança ou a diferença entre duas realidades, quantitativas ou não.No fundo, o que se passa é que o cientista tem consciência da facilidade com que se engana e do enorme número de erros, confusões e mal-entendidos que se fazem em qualquer estudo. Se for possível apresentar em termos matemáticos e estatísticos as suas ideias, é muito mais difícil cair em erros e muito mais fácil detectá-los e corrigi-los se eles acontecerem.Estes dois aspectos que vamos focar resultam, em particular, do facto de a Economia ser uma ciência humana. Assim, o objecto desta ciência é a realidade complexa e variável das relações humanas, que constitui uma intrincada rede, influenciada por múltiplos factores incontroláveis.Os dois elementos que vamos tratar, a hipótese coeteris paribus e a do estatuto estatístico das leis económicas, são os métodos mais poderosos que a ciência pode utilizar para o domínio da complexidade da realidade. Mas o poder destes métodos faz com que, se mal utilizados, se gere o risco de cometer erros graves de análise. Estes mau uso é de tal modo frequente que, para muitos, os pontos que vão ser referidos são considerados as principais fontes de erro em Economia.Para resolver esta questão, o economista vê-se obrigado a isolar uma parte do problema, anulando, por meio do que pode ser considerado um truque laboratorial, o resto dos elementos relevantes. Assim, quando um economista afirma que uma subida de preços, por exemplo, causa uma descida da quantidade procurada supõe sempre que tudo o resto para além dos preços (as condições do produto, o meio ambiente, a vontade do consumidor, etc.) se mantém constante, e que apenas este pequeno aspecto da realidade foi alterado. Deste modo é-lhe possível, reduzindo o problema a uma dimensão tratável, obter conclusões claras.Na realidade, a variação de preços seria acompanhada por uma enorme variedade de outros fenómenos, alguns acidentais, outros paralelos e outros até resultantes da própria variação dos preços. É dessa enorme quantidade de factos que resulta a situação concreta que a Economia vive, e elas poderiam perturbar os resultados do estudo.No nosso exemplo, se a subida de preços fosse acompanhada de uma descida de impostos, a quantidade procurada do bem poderia até subir. Ou se, depois da subida do preço, o bem (uma camisola) tivesse uma etiqueta Cristian Dior, um símbolo do Benfica ou a fotografia do Marco Paulo, ou ainda se agora estivesse mais calor, tudo isto faria, possivelmente, alterar a conclusão. Este truque ficou conhecido em ciência como «hipótese coeteris paribus», expressão latina que significa que «oresto fica igual».Na verdade, cada economista, ao estudar um problema, necessita de, logo de início, escolher o que é relevante, para introduzir na sua análise, enquanto o resto é eliminado, porque mantido constante (coeteris paribus). Se forem esquecidos aspectos importantes, o estudo erra nas suas conclusões, se incluídos aspectos irrelevantes como variáveis a investigação torna-se demasiado complexa.Cada teorema ou conclusão foi deduzido em condições claras e bem definidas, e só é válido nessas condições. Se isto for esquecido e se tentar aplicar a outras condições, eles deixam de ser válidos, resultando

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graves erros, que não são culpa dos teoremas, mas de quem os não sabe aplicar.O outro problema, também ligado às características humanas do objecto da Economia, é o da incerteza. A realidade, além de complexa, é extremamente volúvel e variável e, consequentemente, as leis e os teoremas económicos nunca conseguem captar a enorme variedade das realizações concretas dos fenómenos. Por essa razão, as leis e os teoremas económicos são leis estatísticas. Assim, elas não são leis universais e imutáveis, não se aplicam a todos os casos, mas apenas, «em média», à generalidade das situações «normais». Marshall resumia este facto ao afirmar que «As leis da Economia devem antes ser comparadas com as leis das marés em vez de com a lei, simples e exacta, da gravitação« [Marshall (1890), p. 26].Assim sendo, ao observar um tipo de problema económico, é de esperar que a maior parte das situações obedeça ao teorema apropriado, mas não é de excluir o aparecimento de um caso estranho e abstruso, que não se enquadra nesse teorema. O mal não está no teorema nem na situação; apenas é a manifestação da enorme variedade da Natureza. Exigir que toda a realidade humana caiba numa fórmula geral é um erro de incompreensão dessa realidade.Por exemplo, uma subida de preços reduz, normalmente, a quantidade procurada. Se é de esperar que, na generalidade dos casos, exista mesmo uma queda da quantidade procurada, pode acontecer que, em certo bem, para certo consumidor, tal não aconteça. Ou então, se um economista chega à conclusão de que, para cada subida de 10 €, a quantidade procurada cai de 4 unidades, ninguém espera que essa queda seja exactamente de 4 unidades, mas apenas de cerca de 4 unidades.Existem outras fontes de erro na Economia. Em primeiro lugar o facto de, sendo uma ciência humana, o grau de subjectividade incluído nos julgamentos ser muito maior que numa ciência chamada exacta4. Não ter consciência desta subjectividade pode ser extremamente perigoso. Outra fonte de erro é a chamada «falácia da composição»: o que se passa numa parte não é necessariamente válida no todo.Finalmente, deve ser referida uma das fontes de erro mais frequentes da Economia, como o é de toda a ciência, e até da vida corrente: a falácia do post hoc. Esta falácia – que está ligada à frase latina post hoc, ergo propter hoc, ou seja, «depois de, por isso por causa de» – corresponde à atribuição de um nexo de causalidade entre dois factos apenas contemporâneos. É um erro comum, de conclusão precipitada.Porque eu velo as acções na bolsa descerem depois de subir um imposto deduzo que a bolsa caiu por causa do imposto. Pode ser que haja razão para isso, mas pode também ser que não. Se existe uma teoria que supõe que a subida dos impostos tem efeitos negativos na bolsa, é claro que esta verificação pode ser utilizada como observação abonatória para a teoria.Por vezes, a simultaneidade dos acontecimentos é mera coincidência. Outras vezes é apenas uma má interpretação. Noutros casos, o que se passa é que existe uma terceira causa, que provoca os dois factos verificados, sem haver causalidade directa entre os dois.Esta falácia do post hoc é das mais perigosas, porque se baseia numa observação directa. É muito difícil convencer alguém que viu algo de que

________________________________4 Quando a física trata de energia atómica ou a biologia discute quando é que um feto é uma pessoa, para saber se o aborto é ou não um crime, a mesma subjectividade está presente.

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a conclusão que tirou dessa observação é um produto do seu raciocínio ou da sua imaginação, não partindo necessariamente da informação que obteve.É este o esforço, mas também o encanto da Economia.

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1.3. O problema económicoVimos que a Economia era o estudo da realidade, da realidade toda, de um ponto de vista particular. Mas vimos também que, se toda a realidade pode ser encarada de um ponto de vista económico, nem toda a realidade tem um problema económico. Só existe um problema económico quando existe a necessidade de tomar uma decisão, e esta só aparece quando existe escassez e escolha . Estes casos são aqueles onde a aplicação da análise económica traz algum resultado interessante. Quando não há necessidade de tomar decisões, não há problema.

1.3.1. Escassez e escolhaA escassez é um elemento fundamental para o aparecimento de um problema económico. A escassez consiste na impossibilidade de os bens disponíveis satisfazerem as necessidades presentes. Assim, o conceito de escassez, como todos os outros conceitos económicos, depende centralmente das necessidades humanas. São estas que definem se um bem é ou não escasso. Assim, a situação de escassez de um bem pode ser alterada radicalmente devido apenas à alteração de gostos das pessoas.O petróleo ou o urânio não eram escassos antes de se ter descoberto a tecnologia que permitiu aproveitá-los como fonte de energia. Um programa de televisão pode tornar escasso um produto que até então nem sequer era um bem económico (se um cantor da moda convencer os seus fãs a usarem ossos de frango ou cascas de melão na lapela, por exemplo).Não há escassez de ar para respirar (embora ar puro seja muito escasso nas nossas cidades), ou de lugares num cinema vazio. Mas cuidado, a escassez nem sempre é o que parece e varia com as circunstâncias. Por exemplo, existem muitas pedras pelo mundo, e por isso elas parecem não ser excassas, mas algumas delas são escassas, porque é preciso apanhá-las, cortá-las, para fazer calçadas. O que é escasso é a pedra tratada e colocada no sítio em que é necessária.Mas a principal razão que causa a escassez é a existência de necessidades humanas ilimitadas. Por isso, não é fácil imaginar uma sociedade sem escassez.É importante notar que a escassez e a escolha estão ligadas. É a escassez que gera alternativas. Se não houvesse escassez era possível ter todas as alternativas e, se se pudesse ter todas as alternativas, não teria de haver uma escolha. Daí a razão de haver escolha reside na escassez5, ou seja, o facto de não ser possível produzir tudo o que se deseja. Se é preciso escolher, isso significa que para satisfazer uma necessidade é preciso sacrificar uma outra, ou seja, existe um custo.Chamamos ao conceito económico de custo (o único conceito económico de custo) custo de oportunidade. O custo de algo é o valor do que de melhor deixámos de fazer para fazer o que fizemos.O custo de um livro não são os 25 € que uma pessoa pagou por ele, mas o valor do que ela deixou de fazer com esses 25 €, para poder comprar

________________________________5 É importante referir um outro caso em que, mesmo existindo escassez, não existe problema económico. Esse é o caso de inexistência de alternativas. Se há apenas uma hipótese, nesse caso não existe escolha, e mesmo que as necessidades não possam todas ser satisfeitas, havendo escassez, não há problema económico.

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esse livro. É a satisfação que deixou de ter com o que poderia ter comprado em vez de comprar o que comprou. Claro que poderia escolher fazer muitas outras coisas, mas o que nos interessa para definir o custo é o que de melhor deixou de fazer.Na verdade, como é racional, se não tivesse comprado o livro, teria gasto o dinheiro noutra coisa, a que lhe daria mais satisfação a seguir ao livro. Por exemplo, se uma cassete fosse o que, na ausência do livro, mais gostaria de ter comprado, então o valor da cassete seria o custo de oportunidade do livro. O custo do livro é pois a satisfação que a cassete (que não se comprou) daria6.Repare-se que em Economia, na verdade, não há custos. O que existe são benefícios das alternativas. Se o que interessa são as necessidades humanas, o custo de uma satisfação é a satisfação que se deixou de ter, por ter a que se teve.A forma mais simples de expressar o fenómeno da escassez é através de uma velha frase da Economia: «não há almoços grátis». Esta frase é a expressão simples da ideia de que não é possível ter uma coisa escassa de borla.Se alguma coisa, sendo escassa, é, em certo caso, grátis, então ou alguma outra pessoa pagou ou pagou-se sem dar por isso. Uma coisa escassa nunca é de graça, embora possa parecer. Muitos querem fazer-nos crer que alguma coisa nos é oferecida (remédios da Caixa, autocolantes das campanhas eleitorais, etc.). Mas, na realidade, o que aconteceu é que o custo foi disfarçado, foi já pago por nós anteriormente, ou virá depois. Uma coisa grátis só o é porque não há escassez dela: água do rio, luz do Sol, areia da praia. Mas a maior parte das coisas da vida não são grátis.Mas então que pensar da frase popular: «As melhores coisas da vida são grátis?» O sentido económico dessa frase seria que a amizade, um sorriso, uma paisagem, não são bens escassos. Se é esse o sentido, então devemos deduzir que a Economia tem pouco interesse para as melhores coisas na vida. Mas o facto de apenas interessar a coisas menos importantes (como os almoços) não quer dizer que a Economia deixe de ser importante.Mas será esse o sentido? Será que a amizade é grátis? Uma coisa é grátis quando não tem custo. Mas o custo não está apenas definido em dinheiro. Como vimos atrás, o custo de algo é aquilo que tivemos de sacrificar para satisfazer essa necessidade. E todos sabemos como a amizade, um sorriso, uma paisagem exigem sacrifícios para serem mantidos. Talvez que a frase «as melhores coisas na vida são grátis» queira apenas dizer que não custam dinheiro, e não que não têm custo. Em termos económicos seria mais correcto dizer «as melhores coisas da vida não passam pelo mercado», mas bem sabemos que têm custo.Deste modo, sabemos que nem tudo o que desejamos pode ser satisfeito. As necessidades são de mais para os bens disponíveis ou produzíveis. É preciso escolher, decidir. A questão que se levanta é a da escolha. A selecção das necessidades que vão ser satisfeitas em relação às que vão ser preteridas.Na visão popular, os problemas económicos são apenas problemas materiais, de produtos comprados e vendidos no mercado, pagando im-

________________________________6 Note-se que o valor dessa cassete deve ser inferior ao do livro, pois se fosse maior, a pessoa seria irracional, pois não devia ter comprado o livro, mas sim a cassete. Como se disse atrás, só é racional tomar decisões que têm um benefício líquido positivo, ou seja, em que o seu valor é maior do que o custo.

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postos e recebendo subsídios.Mas sabemos já que o que é determinante para a existência de um problema económico não é a presença do mercado, de fábricas ou do dinheiro. O que é determinante é a presença de necessidades humanas e a escassez de bens. Assim, o problema de ir hoje ao cinema ou ficar em casa a ver televisão, a questão de escolher entre Shakespeare ou Gil Vicente para representar são problemas económicos igualmente, pois neles está presente a escassez e a escolha.Várias formas foram utilizadas, por vários autores, para exprimirem as características essenciais desta escolha, do problema económico. Qualquer problema económico se resume a uma destas perguntas:➢ O que produzir? O que é que as pessoas querem consumir?➢ Como produzir?➢ Para quem produzir?Outros preferem resumir o problema económico em várias actividades: produção, consumo e distribuição. Segundo esses, o problema económico pode ser de aplicação dos recursos escassos na produção de bens, de distribuição dos bens produzidos pelos vários agentes da economia ou de satisfação das necessidades dos agentes, através do consumo.

1.3.2. Racionalidade e interdependênciaDaqui saem as duas hipóteses fundamentais, que já atrás vimos e que nos vão acompanhar ao longo de todo o estudo da Economia:

➢ os agentes são racionais➢ os sistemas equilibram

Estas são as hipóteses-base de toda a teoria económica, e delas saem praticamente todos os teoremas da economia. Nesta secção veremos com mais cuidado o que são e o que significam estas hipóteses.As escolhas económicas podem ser feitas de muitas maneiras diferentes, tantas quantas as pessoas que existem. Elas respeitam a hipótese essencial, pois a resolução económica exige a racionalidade.À primeira vista, a hipótese da racionalidade parece algo estranha, mas, como já vimos, ela representa algo que é eminentemente humano, e por isso foi escolhida como base da ciência humana que é a Economia.

1.3.2.1. OptimizaçãoO primeiro elemento da racionalidade é tirar partido de uma melhoria, em relação aos objectivos do agente, sempre que essa alternativa não represente custo adicional. Como disse o grande economista irlandês Francis Y. Edgeworth, «o primeiro princípio da Economia é que cada agente é motivado apenas pelo interesse próprio» - Edgeworth (1881), p.6.

Equivale a supor que não se escolhe uma má solução, quando estão disponíveis outras melhores. Mas para saber se uma situação é ou não racional, preciso de ter a certeza de duas coisas:a) Disponibilidade: as oportunidades têm de estar mesmo

disponíveis e todas igualmente disponíveis. E é fundamental notar que disponibilidade não é só disponibilidade física, mas moral, social, etc. Como já vimos atrás, a racionalidade e a busca da optimização não implica que se roube ou atropele as

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regras (repare-se que nesse caso existe um custo, pela perda de respeito próprio, de bem-estar do próximo, que pode ser muito importante).Na verdade, duas situações que parecem iguais nos seus resultados podem ser muito diferentes na avaliação de pessoas diferentes. Pode ser racional uma pessoa recusar-se a pagar um suborno a um burocrata, mesmo que estivesse disponível para pagar-lhe o mesmo montante em taxas. É claro que se uma pessoa não tem escrúpulos, o crime pode ser racional. Assim, para avaliar da racionalidade da atitude de uma pessoa é pois necessário ter em conta a subjectividade particular dessa pessoa, que define a posição moral do agente e é essencial para determinar da disponibilidade de certas acções.

b) O outro aspecto é a definição de o que é melhor. O que é melhor para uns pode não ser para outros. Mas porque ele não escolhe o que eu escolheria na situação dele, ele não é necessariamente irracional, apenas tem gostos diferentes.

1.3.2.2. CoerênciaO segundo elemento da racionalidade é a coerência: se, entre duas alternativas, uma pessoa escolhe uma, todas as vezes que estiver nas mesmas circunstâncias, deve manter a escolha.Aqui, o elemento fundamental é a questão de saber o que significa as mesmas circunstâncias. É claro que pode preferir chá no Verão e café no Inverno, ou chá se não tiver açúcar e café com açúcar. Isso são situações diferentes, avaliadas de maneira diferente pelas mesmas preferências. Uma pessoa pode mudar de gostos, ao longo do tempo, e isso não implica falta de coerência, desde que, quando tem certas preferências, elas sejam coerentes.Estes são os elementos fundamentais da racionalidade: a optimização e a coerência. A utilização da hipótese da racionalidade traz à Economia uma ordem e lógica de raciocínio que são a sua característica essencial.Será que é realista a racionalidade?Na verdade, nem sempre é realista supor a racionalidade. Há exemplos estudados de irracionalidade, e todos nós conhecemos, em nós, decisões que não foram feitas ou coerentes. No fundo, a hipótese da racionalidade é uma simplificação teórica que é feita pela Economia para facilitar a obtenção de resultados. O economista supõe que não existem decisões irracionais, ou que estas são pouco importantes.Mas, a racionalidade não é tão irrealista como pode parecer. A exigência que se coloca a uma escolha para ela ser racional é tão fraca que se pode dizer que a grande maioria das decisões humanas, se bem analisadas, são mesmo racionais. É certamente impossível encontrar alguém que, sistematicamente, decide escolher o que sabe ser contra os seus próprios desejos. Na verdade, definida com a generalidade com que o fizemos, é mesmo difícil encontrar uma decisão totalmente irracional.Só é irracional se violar as condições muito gerais que foram apresentadas. É preciso confirmar se as alternativas são mesmo acessíveis, e quais os gostos, circunstâncias e subjectividade dos agentes envolvidos.

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Por exemplo, se num supermercado, entre produtos iguais, com preços diferentes, se vende mais o mais caro, a situação parece irracional. Mas será que são mesmo iguais? A embalagem, o nome, o brinde, a atitude da empresa não levará um a ser mais atractivo? Ou será que é um truque do supermercado, pondo mais acessível o mais caro, levando o cliente a creditar, automaticamente, que todas as embalagens iguais têm igual preço, e por isso nem confirmam os preços?Outra situação muito frequente é tomar a posteriori como irracional uma decisão já tomada. A racionalidade da decisão deve ser avaliada no momento da decisão, a priori, e não quando vemos os seus resultados, a posteriori; deve ser avaliada nas condições iniciais, e não pelos resultados.A racionalidade leva cada um a produzir o que sabe fazer melhor, e a consumir o que gosta mais.Mas como é que isto é possível? Aqui temos um paradoxo central da Economia, mas cuja solução é bem simples, como aliás todos os princípios económicos. Para a sua solução teremos de chamar a segunda hipótese, do equilíbrio dos mercados.O sistema económico, que é forma de resolver o problema económico, centra-se na troca. E quanto mais trocas existirem melhor, porque quanto mais trocas forem possíveis mais racional é a afectação, menos se é obrigado a consumir o que se produz e menos obrigado a produzir o que se consome.Voltamos a encontrar a descoberta de Adam Smith que deu origem à teoria económica. O essencial desta descoberta é que, na troca, as duas partes ganham. E agora somos capazes de perceber porquê. A razão reside no facto de, pela troca, cada um poder aproximar-se mais da situação em que produz o que melhor sabe fazer e consome o que mais gosta, ou seja, melhorar a sua situação. E como a troca tem de ser voluntária, os dois lados da troca estão a conseguir essa melhoria. Foi este facto que o maravilhou e que motivou o estudo da Economia.Devemos, no entanto, dizer que se esta descoberta esteve na base da Economia ela não é consensual. Alguns economistas discutiram este aspecto, defendendo que, na maioria das situações, quando duas pessoas trocam, um ganha e o outro perde, um explora e outro é explorado.Será que no nosso mundo há harmonia e benefício mútuo, como dizia Smith, ou «anda meio mundo a enganar outro meio», na opinião de Marx? Será que devemos evitar trocar, com medo de sermos explorados, ou podemos trocar normalmente, embora devamos ter cuidado para não sermos enganados? Repare-se que a questão não é moral mas económica. Nem Smith achava que todos eram santos, nem Marx que todos eram facínoras. O que se passa é que o sistema, no caso smithiano, funcionava bem e, no caso marxista, mal.

KARL MARX (1818-1883)Marx foi um grande economista alemão, discípulo de Smith que juntou a um

profundo conhecimento de teoria económica uma forte formação filosófica e política. As suas principais obras são o Manifesto Comunista de 1848, que escreveu com o seu amigo Friedrich Engels, e uma análise de fundo do sistema económico da época, a que Marx chamava «capitalismo», no livro O Capital, de que publicou apenas o primeiro volume em 1867, encarregando-se os seus amigos de editar, depois da sua morte, os outros volumes.

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Por exemplo, por que razão há países ricos e países pobres? Trataremos esta questão na parte final do livro, mas podemos desde já ver que Smith dizia que a razão estava nas trocas não serem suficientes entre os pobres, por vários motivos (isolamento, dificuldades de contacto, falta de vontade, etc.).Tudo isto é consequência de que, ao recusar o benefício mútuo da troca, Marx recusa um aspecto central da Economia, porque tem a ver com a troca. Daí nasce o grande cisma da economia.Mas voltemos à troca. A constatação da sua importância tem como consequência um dos factos mais importantes do sistema económico: em economia, tudo tem a ver com tudo. A interdependência é uma realidade essencial do problema económico.

1.3.3. As possibilidades de produçãoO problema económico constitui o tema central da Economia e, por isso, será o tema mais analisado adiante. Mas, nesta primeira abordagem, será conveniente exemplificar com uma ilustração desse problema.Vimos que o objectivo da actividade económica era o de satisfazer as necessidades humanas, as múltiplas e variadas necessidades humanas. Para isso, os agentes faziam consumo de bens. Normalmente precisam de ser produzidos, ou seja, de sofrerem alterações que os tornem aptos para satisfazerem as necessidades humanas. A produção faz-se a partir de recursos e factores produtivos.No entanto, chamamos factores ou recursos apenas a três tipos de coisas:➢ a terra ou recursos naturais, que inclui a terra arável, os minérios, a

água, a energia, os peixes do mar, etc.;➢ o trabalho , que é toda a actividade humana para produção;➢ o capital , que é constituído pelos instrumentos duráveis, como

máquinas, fábricas, estradas, pontes, prédios, etc.7

Estes são os recursos ou, como alguns preferem chamar-lhes, os «recursos primários». As outras coisas que servem para a produção de um bem podem sempre resumir-se a estes três, a que chamamos «bens» ou «recursos intermédios», por estarem entre os recursos e os bens. Para produzir pão , é preciso trabalho, forno (capital) e farinha. Para produzir farinha é preciso trigo, trabalho e o moínho (capital). Para produzir trigo é preciso terra, trabalho, máquinas agrícolas e sementes, e assim por diante.Assim, temos três tipos de entidades económicas:• os bens (o pão) que têm utilidade em si,• os recursos ou factores produtivos (terra, trabalho e capital) e• recursos intermédios , que são produzidos mas não têm utilidade em

si.Por vezes, em certas situações particulares, há dificuldades de distinção entre os três:• um lápis pode ser considerado capital ou, como se gasta rapidamente

na produção, ser um recurso intermédio;• o pão pode ser bem final, ou recurso intermédio para fazer açorda;

________________________________7 O conceito de «capital» é claramente o mais complicado dos três. Temos de ter cuidado com o facto de alguns chamarem «capital» a um montante de dinheiro, acções, etc. (o capital financeiro). Como adiante veremos, isso só é capital na medida em que representa o verdadeiro capital, que são os instrumentos de produção. Todas estas dificuldades, resultantes da própria natureza do capital, serão, na medida do possível, abordadas adiante.

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• o trabalho, que é um recurso, pode ser bem final, se der prazer, satisfazendo a necessidade de se realizar profissionalmente.

De qualquer forma, a distinção tem interesse e será útil.Apliquemos a hipótese coeteris paribus, e simplifiquemos a situação dizendo que só há dois bens, pão e livros (livros de Economia, claro) e um montante fixo de recursos (terra, trabalho e capital) que podem ser usados nessas produções.Assim, se todos os recursos forem aplicados na produção de pão, temos um certo montante máximo de pão (A). Se, em vez disso, se quiser produzir apenas certo montante de pão, o resto dos recursos fica disponível para a produção de livros, e conseguimos certo montante destes (B). Finalmente, se os factores forem todos aplicados apenas na produção de livros, temos também um certo montante de livros e nenhum pão (C).

Os valores máximos de produção de cada bem são pontos nos eixos, visto que a quantidade do outro bem é nula.

Mas não é normal que a sociedade gaste todos os seus recursos num só bem, sem produzir nada do outro. A situação intermédia em que os dois são produzidos é a mais normal. No nosso gráfico, para cada montante produzido de um bem, marcamos o máximo de produção que é possível produzir do outro bem, com os recursos disponíveis. Obtemos assim um gráfico muito importante em Economia: a fronteira de possibilidade de produção: o lugar geométrico dos pontos de produção máxima de pão e livros, dado um certo montante de recursos disponíveis.

Esta curva representa a disponibilidade, nesta economia, dos dois bens. Nela podemos encontrar, de forma resumida, todos os elementos e conceitos de que até agora falámos.O mais importante destes é a racionalidade, e para traçar a curva precisámos da racionalidade. Em primeiro lugar, cada ponto da curva representa um ponto de produção de pão e livros que exige que todos os recursos da sociedade estejam aplicados. Todos eles são pontos de pleno emprego dos recursos. Não era racional desperdiçar recursos, e por isso foi a racionalidade que nos disse que devíamos usar todos os recursos.Mas não é nesse aspecto que devemos usar a racionalidade. Além de todos os recursos estarem a ser usados, eles estão a ser usados da

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B

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melhor maneira. Cada ponto de produção exige que os recursos que estão afectados a cada uma das produções são os mais adequados a essa produção.Se agora olharmos para a curva que desenhámos, vemos que ela tem algumas características particulares. Em primeiro lugar, ela é negativamente inclinada (a curva está sempre a descer). Como há emprego pleno e óptimo dos recursos, não é possível ter mais de um bem sem ter menos do outro.Repare-se que esta é uma manifestação do princípio que vimos, segundo o qual «não há almoços grátis». Não é possível ter mais de um bem sem ter menos do outro, e por isso nunca existe um bem grátis. E o custo é o que deixei de ter do outro bem, que é a melhor alternativa. Por isso, aqui o custo é o custo de oportunidade, medido no outro bem.

Claro que uma situação no interior da curva, num ponto como A, é possível ter mais pão sem sacrificar livros (passando para o ponto B) ou ter mais livros sem sacrificar pão (passando para C), ou até mais dos dois bens (em D). Mas estar no interior da curva não é racional, pois desperdiçam-se recursos. Exactamente porque poderíamos, sem custo, estar melhor, encontrarmo-nos nessa situação é estúpido e um desperdício. E não devemos esquecer que o desperdício é o grande inimigo da Economia (de tal modo que a palavra é quase obscena num livro como este).E acima da curva? Aí, gostaríamos de estar, pois teríamos mais dos dois bens do que na curva. O problema é que não temos recursos para lá chegar. A escassez de recursos faz com que os pontos acima da curva sejam impossíveis de atingir.É, pois, entre os pontos da fronteira de possibilidade de produção, resultante da escassez de recursos, que se realiza a escolha económica. A eficiência produtiva, uma das manifestações da racionalidade, leva à colocação sobre a fronteira. É a este fenómeno que se chma «mão invisível». Se esta eficiência não existir, por razões que adiante veremos (azelhice, desemprego, monopólio, etc.), então estaremos no interior da fronteira.Voltando à forma da curva, vemos que ela é não só decrescente, mas abaulada para fora (ou côncava, na designação económica). Isso significa que, à medida que vamos sacrificando pão, para obter livros (descendo ao longo da curva), cada livro custa sucessivamente mais pão. Chamamos a este facto a lei dos custos relativos crescentes, e é fácil perceber por que razão é assim.Vamos supor que a Economia se encontra na situação em que apenas produz pão e nenhum livro (estamos, portanto, no ponto mais acima da curva, junto ao eixo vertical). Isso quer dizer que todos os recursos, mesmo todos, estão dedicados à produção de pão. Os tractores, os camponeses, estão todos a tratar a terra e plantar trigo, mas também as tipografias e os escritores.

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AC

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Se nessa situação a sociedade decidir produzir um livro (o primeiro), como ela é racional vai deslocar para a produção de livros os recursos que são mais adequados à produção de livros e menos adequados à produção de trigo. Assim, uma tipografia, que de pouco servia no campo, e um escritor, que era fraco nos trabalhos campestres, mas bom a escrever livros, são deslocados do campo para produzir o livro.

Vamos supor agora que estamos no outro lado da curva, produzindo, também aí, da melhor forma possível, certo montante de pão e livros. Só que agora, como se decidiu produzir muitos livros, a produzir pão já só estão aqueles recursos que são mesmo os melhores a produzi-lo, para deixar livres todos os outros para os livros. Se aí se decidir aumentar a produção de livros, o sacrifício em pão será enorme.Além de ilustrar os aspectos económicos que já conhecíamos, a curva serve também para nos introduzir a outros elementos novos. Por exemplo, ela pode ilustrar o fenómeno do desenvolvimento económico. Este processo que, após se ter desenrolado durante os últimos séculos, gerou o aparecimento de disparidades entre países ricos e países pobres, pode ser representado por um deslocamento da curva de possibilidade de produção, para fora.

Este deslocamento para fora da curva pode ser devido a um aumento dos recursos disponíveis ou a uma melhoria da tecnologia de produção, que permite produzir mais com os mesmos recursos. No essencial, portanto, o desenvolvimento é apenas um alargamento das possibilidades de escolha. Mas é claro que a sociedade, embora tenha mais hipóteses de escolha, pode escolher um ponto pior do que antes. O desenvolvimento não é garantia de melhoria, mas apenas de mais alternativas.Antes de passarmos adiante devemos ver um tipo particular de desenvolvimento económico que teve muito impacte na história da Economia. Trata-se do desenvolvimento que se verifica quando apenas um ou alguns dos recursos são aumentados. Este caso tem interesse porque um dos factores produtivos, a terra, dificilmente pode ser aumentado. Por essa razão, alguns economistas defendem que este tipo de desenvolvimento, em que um dos recursos fica fixo, é aquele que é mais frequente.

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Livros1 1

Pão

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A questão levantada por este tipo especial de desenvolvimento é que se tem verificado que o aumento de certos recursos quando os outros se mantêm dá sucessivamente menos produção. Os primeiros trabalhadores são extremamente produtivos, ocupando-se de tarefas essenciais para a produção, mas, à medida que se vão aumentando os trabalhadores, como a terra não cresce, eles vão ser cada vez menos úteis, até podem mesmo vir a ser prejudiciais, por se atrapalharem uns aos outros.Esta constatação chama-se lei dos rendimentos decrescentes, segundo a qual aumentos de um ou mais recursos variáveis, quando outro se mantém fixo, geram aumentos de produção sucessivamente menores.

O interesse histórico desta lei reside no facto de ela ter sido apresentada de forma dramática pelo economista inglês Thomas Malthus que em 1798 apresentou o seu livro Um Ensaio sobre o Princípio da População. Aí, Malthus defendia que o facto de a terra ser fixa, o que gerava a verificação da lei dos rendimentos decrescentes na produção agrícola, iria ter como consequência que a produção de alimentos não iria acompanhar o aumento da população, prevendo fome e miséria planetárias. Assim, o crescimento da produção agrícola, muito inferior ao das necessidades alimentares, seria o grande travão ao progresso, criando um mundo com multidões crescentes de famintos.

THOMAS MALTHUS (1766-1834)Foi nomeado primeiro professor de Economia Política da Inglaterra.

O optimismo de Smith e a confiança na troca e no sistema económico levaram as pessoas a imaginar que tudo seria possível, embarcando em utopias e sonhos de opulência. Malthus vem, de forma dramática, lembrar que os benefícios smithianos estão limitados pela escassez de recursos e que o realismo (que Smith aliás possuía) tem de temperar o entusiasmo com as potencialidades do sistema económico.As ideias de Malthus foram estudadas e desenvolvidas por um amigo de Malthus, o grande David Ricardo que, em 1817, apresentou o seu livro Princípios de Economia Política e Tributação.

DAVID RICARDO (1772-1823)A enorme fortuna que acumulou, que fez dele o economista mais rico de todos os

tempos, permitiu-lhe ser proprietário rural e membro da Câmara dos Comuns a partir de 1819. A sua influência foi imensa, estabelecendo a primeira ortodoxia da história da Economia.

As primeiras décadas do século XIX foram de grande melhoria das condições de vida e não de miséria crescente. Por que razão falharam as previsões dos clássicos? Porque, além do fenómeno descrito pela Lei dos Rendimentos Decrescentes, apareceu paralelamente um outro facto, que inverteu os resultados: o progresso tecnológico.

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O aparecimento e desenvolvimento de muitas máquinas e novos métodos de produção, que se verificou nesta altura, e a que foi dado o nome de «revolução industrial», e os benefícios que isso gerou em toda a economia anularam os efeitos da Lei dos Rendimentos Decrescentes.O problema teórico – a teoria previa miséria e verificava-se melhoria do nível de vida –, que Ricardo já entrevira, foi resolvido pelo grande discípulo de Ricardo, a maior figura da escola clássica, John Stuart Mill.

JOHN STUART MILL (1806-1873)Filho do economista James Mill, que fora grande amigo de Ricardo, John Stuart Mill

é uma das grandes figuras intelectuais do século XIX. Muito mais do que economista, Stuart Mill – que, apesar de ter sido deputado por breve período, se manteve funcionário da Companhia das Índias Orientais a maior parte da sua vida – escreveu e interveio sobre todos os problemas sociais do seu tempo, sendo um dos pensadores liberais mais influentes. Na teoria económica, como o maior expoente da escola clássica, o seu livro mais importante foi Princípios de Economia Política, de 1848, que constitui o primeiro grande manual de Economia, que ensinou gerações [com paralelo apenas nos livros de Marshall (1890) e de Samuelson (1948), já referidos].

Mas será sempre assim? As preocupações ecológicas dos dias de hoje parecem sublinhar que nada está garantido.

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1.4. Soluções do problema1.4.1. Tradição, autoridade e mercadoPodemos resumir os métodos de solução do problema económico de uma sociedade em três princípios gerais:

1. a tradição,2. a autoridade e3. o mercado.

Estas palavras têm um sentido técnico diferente do habitual, pelo que é importante definir cuidadosamente o seu significado.

1.4.1.1. A tradiçãoNas sociedades tradicionais, desde a escolha da profissão, estabelecida por hábitos, castas, corporações ou pela família, até ao preço e acesso a boa parte dos bens e aos métodos de comércio, pesos, medidas e moedas, quase tudo estava definido por tradições religiosas, culturais e regionais.A tecnologia do queijo da Serra, o sistema da herança, a existência de baldios, são claras influências culturais e tradicionais na nossa sociedade. A hora a que comemos, a maneira como fazemos negócios, a organização de uma família ou de uma empresa são tudo influências da tradição na sociedade.

1.4.1.2. A autoridadeOutro método usado para resolver as questões económicas é o da autoridade. Os agentes do Estado, sejam os emissãrios do duque local ou os funcionários do Gosplan, podem chegar a definir o que cada pessoa produz, o que pode vender e o preço dessa venda.

1.4.1.3. O mercadoO terceiro sistema, que sempre existiu, mas que só se tornou dominante recentemente, é o mercado. O mercado não é apenas a compra e a venda, mas sim todos os casos onde a decisão é deixada à livre escolha dos interessados. A democracia é um caso de escolha de mercado e até o casamento, hoje, é decidido pelos interessados e, nesse sentido, pode ser considerado um mercado.

Estas são as três principais formas de organização do sistema económico. Como vimos, todas as sociedades usam simultaneamente os três métodos, constituindo, por isso, sociedades mistas. O segredo das sociedades modernas, na linha de Smith, é o uso extensivo do mercado, como meio de afectação de recursos e bens e um equilíbrio saudável com a autoridade e a tradição.Mas a tradição tem, em contrapartida, o defeito de ser extremamente difícil de mudar. Perante uma alteração social ou económica, os hábitos são as últimas coisas a se modificarem. Por isso, as sociedades têm tendência a usar a tradição naquelas decisões onde é importante que toda a gente saiba como os outros vão decidir, e são pequenos os ganhos de mudar a decisão . Um exemplo claro de uso da tradição é para definir as horas das

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refeições. Por outro lado, é muito importante que toda a gente saiba quais são os momentos em que vamos comer, seja para organizar as cantinas e os restaurantes, seja para evitar que se incomode os outros quando estão a comer.A autoridade tem, tal como a tradição, a característica de ser conhecida de todos. Mas tem a vantagem de poder ser mudada e adaptada quando for necessário, sem a rigidez da tradição. Assim, ela é usada nos casos onde é importante que o resultado da decisão seja conhecido de todos, mas onde a decisão tem de variar conforme os casos. Um exemplo típico é o Código da Estrada. É essencial para cada condutor saber como os outros condutores se vão comportar. Mas esse comportamento tem de ser diferente num cruzamento, numa recta ou numa rotunda. Quando se andava de carroça, as regras do trânsito podiam ser deixadas à tradição, mas a velocidade dos automóveis impôs a necessidade de uma decisão da autoridade.O mercado tem a característica de ser a mais flexível das três formas de tomar a decisão. Sendo o resultado da combinação de muitas escolhas particulares, o mercado pode ajustar-se rapidamente às mudanças que se verificam. Mas a sua flexibilidade está ligada à sua grande fragilidade.Podemos dizer que existem semelhanças entre o sistema económico e o corpo humano. O seu funcionamento corrente é deixado à liberdade natural.A utilização simultânea dos três instrumentos – mercado, Estado e regras sociais – é não só uma conveniência, mas uma exigência._______________________O PROBLEMA DE PAGAR UM TÁXI

A questão que se levanta nessa transacção é a seguinte: dado que o cliente do táxi é racional, por que razão, uma vez chegado ao seu destino, deve pagar a corrida? Se ele já foi servido, porquê pagar?Se ocliente procurar apenas o seu bem-estar e não levar em conta os escrúpulos morais, a conduta mais racional será, uma vez no destino, sair sem pagar a corrida. É claro que se o cliente é uma pessoa bem formada, por razões morais paga o que deve. Mas haverá razões estritamente económicas?O mercado tem autodefesas para se proteger deste tipo de pessoas.Mas é claro que estas defesas são frágeis. Se o caso se passasse numa grande cidade, numa zona onde o cliente seja desconhecido e onde não espera voltar tão cedo, a situação seria bem diferente. Por que razão nesse caso um agente racional deve pagar a corrida?A resposta, neste caso, seria certamente que o taxista poderia chamar a polícia e forçar o cliente a pagar. Esta é uma realização do papel do Estado no mercado. As autodefesas do mercado são fracas, e o Estado é chamado a intervir.E se for à noite, num sítio ermo, onde não há polícia? Se o cliente procurar apenas o seu bem-estar, a conduta mais racional será, uma vez no destino, sair sem pagar a corrida. Sendo desconhecido do motorista e não havendo presença de testemunhas, sem a possibilidade portanto de vir a sofrer consequências futuras, e uma vez obtido o serviço contratado, pagá-lo será racional?

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Neste caso, o condutor pode exercer sevícias, de forma aliás plenamente justificada, sobre o passageiro pouco cumpridor, de forma a obrigá-lo a pagar. Este seria um custo directo do mau funcionamento do mercado.Mas nesse caso, invertendo o problema, que impede o referido motorista de, depois do pagamento, exercer ainda as referidas sevícias, para ser pago de novo? Este último ponto põe finalmente em destaque a questão central: trata-se de uma falha de mercado.Seria de esperar que, neste como em muitos outros tipos de transacções comuns (barbeiros, restaurantes, bancos, etc.) fosse lógico que se multiplicassem os casos de rompimento do contrato.No entanto, nas sociedades civilizadas estes casos são raros, o que faz com que taxistas, barbeiros, restaurantes exerçam a sua actividade sem perigo de serem constantemente confrontados com caloteiros racionais.Se a sociedade não tem, no seu funcionamento normal, regras de conduta que imponham que cada pessoa pague o que deve, vão pulular os cheques sem cobertura, e isso terá como efeito que o cheque deixa de ser aceite como meio normal de pagamento. As sociedades mais avançadas são exactamente aquelas onde o respeito de cada um pelos outros, o grau de civilização, é maior. Aí, o mercado pode avançar para formas mais sofisticadas e podem ser fornecidos bens e serviços mais delicados (por exemplo, os novos produtos financeiros) que noutra estrutura falhariam completamente.A lição fundamental destes exemplos é de que não existe um mercado selvagem. O mercado, para a generalidade das transacções, exige confiança, e esta só existe no meio de uma sociedade em que as regras da civilidade são respeitadas por todos. Uma sociedade de selvagens sem escrúpulos ou de ladrões absolutos, sem qualquer respeito pelas regras de convivência, supondo que tal comunidade pudesse existir, teria as suas relações económicas totalmente paralisadas por falta de uma plataforma cultural mínima para funcionar, plataforma que só a civilização traz consigo, e que é indispensável à operação das leis económicas.A nossa sociedade resolve o seu problema económico simultaneamente pela tradição (regras básicas de convivência em sociedade), pelo Estado e pelo mercado. E esta simultaneidade não aparece por acaso. É o resultado de necessidade imperiosa.

1.4.2. O mercado na sociedade modernaSem intervenção de qualquer autoridade, uma enorme quantidade de bens e serviços são produzidos, trocados e consumidos todos os dias em qualquer cidade. Quando qualquer calamidade elimina o funcionamento do mercado (Alemanha depois da II Guerra Mundial, Camboja, e Moçambique hoje, etc.) é a catástrofe económica. Não há nenhum cérebro humano por detrás disto. À primeira vista não seria de admirar, pois as maiores maravilhas do Mundo não têm nenhum cérebro humano por detrás delas.Mercado é o arranjo (praça, telefone, leilão, bolsa) pelo qual compradores e vendedores de um bem interagem para determinar o preço e a quantidade transaccionada. O centro do mercado é o preço . O

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preço é o coração do sistema. O preço é o elemento mais delicado e sensível do sistema económico, visto com admiração e respeito por todos os economistas. Mexer nos preços é perturbar o essencial do mercado.Mas afinal como é que funciona o mercado? O truque, centrado nos preços, reside nos incentivos.Os vendedores, perante a subida do benefício retirado da venda do produto, são incentivados a aumentar a produção (ou a pagar mais por ela, incentivando-a) e, a preço mais alto, menos consumidores o querem.Assim se consegue uma solução para a economia que garante que, dadas as circunstâncias (e essas circunstâncias incluem a distribuição da riqueza que cada um tem, os dotes pessoais, a estrutura de mercado), se consegue a situação mais racional e de melhor bem-estar. A este resultado do mercado chamamos eficiência.Deste modo, o sistema económico é estruturado pelo mercado, de forma eficiente. As famílias e os consumidores vão ao mercado comprar os bens de que necessitam, fazendo para isso a sua despesa, que é recebida pelas empresas e os produtores. O dinheiro gasto pelas famílias no mercado dos bens será usado pelas empresas para comprar os serviços dos factores produtivos (terra, trabalho e capital) no mercado de recursos ou factores. Quem possui esses recursos são as famílias, que assim recebem rendimentos (salários, rendas e juros) pela venda dos serviços dos seus factores produtivos. É claro que esses rendimentos constituem o dinheiro que as famílias vão usar para comprar os bens.Por um lado, bens e factores são transaccionados e, em sentido contrário, movimenta-se o dinheiro. Os motores desses fluxos são os mercados, de bens e de factores. O gráfico seguinte ilustra, deforma estilizada, este processo, a que se chama de circuito económico na sua estruturação em mercados.

MERCADO DE BENS

Assim, a questão de o quê produzir é resolvida pelos escudos oferecidos pelos consumidores, que revelam as suas preferências; na expressão de Samuelson, os «votos em euros» aplicados diariamente no mercado resolvem o problema.É claro que pode haver dificuldades de funcionamento. Comprar o produto que não se queria, pagar demasiado por ignorar uma descida de preços ao lado, tudo isto são erros na manifestação da vontade do consumidor, devido ao deficiente sistema de «votação». Aliás, dado que esta votação se verifica todos os dias, continuamente em todo o lado, seriam de esperar frequentes deficiências.Assim, perante várias formas de produzir o mesmo queijo, aquela que o produza melhor e mais barato é que tem a preferência do consumidor e, por isso, ou é copiada pelas outras, ou leva-as à falência.Se uma empresa tem monopólio de produção, usa gangsters para impor a venda do seu produto, ou é amiga do cunhado do ministro, podem

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Bens Despesa

EMPRESAS FAMÍLIAS

Rendimento Recursos

MERCADO DE RECURSOS

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gerar-se falhas na concorrência. Também aqui a economia não é caso único.Também o problema de quem beneficia com os resultados da actividade económica, «para quem» se produz, é resolvida pelo mercado de recursos ou factores produtivos, dada certa propriedade desses factores. Esse mercado – onde, tal como nos outros, se compra e vende, só que aqui os produtos são terra, trabalho e capital – determina o preço dos factores (salários, rendas, juros) e, deste modo, o rendimento que cada pessoa, proprietária de certo montante de factores, receberá.A definição prévia da propriedade dos factores, as interferências políticas sobre essa distribuição, são muito mais influentes sobre a justiça da distribuição final dos resultados do que o mecanismo de mercado, que se limita a gerir uma dada situação.

Estas são as formas como o mercado dá resposta ao problema económico, bem como algumas das suas falhas. Como vimos, o segredo do mercado é a concorrência.Mas não é apenas essa a concorrência que se verifica no mercado. O aparecimento de novos produtos, novas formas de produzir, novas técnicas, novos mercados, desafia continuamente a situação estabelecida. Este tipo de concorrência é essencial ao funcionamento do mercado. O mercado só pode ser concebido em dinamismo, e esse dinamismo vem das novas ideias, que nascem a cada momento e ameaçam a situação actual.A este fenómeno dinâmico, resultante da concorrência, chamamos desenvolvimento económico. É pois a própria concorrência do mercado que gera o desenvolvimento. Esta ideia, que adiante estudaremos mais em detalhe, foi apresentada por um autor austríaco, Joseph Schumpeter, no seu texto Teoria do Desenvolvimento Económico, de 1911, e, sobretudo, na sua grande obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1943.

JOSEPH SCHUMPETER (1883-1950)Os seus múltiplos textos são ultrapassados pelo genial livro Capitalismo, Socialismo

e Democracia, de 1943, onde expande as ideias de 1911.

Nesta obra, Schumpeter afirma que o desenvolvimento é o tumulto das novas ideias que desafiam e vencem ou são vencidas pelas antigas, perturbando continuamente o sistema económico. Para esta concorrência entre projectos é essencial a liberdade de tentar, construir e falhar e, por isso, tal fenómeno só é possível no mercado. O desenvolvimento económico a que temos assistido nos últimos séculos é, pois, um resultado do domínio das soluções de mercado sobre as outras formas de organização económica.Podemos dizer que o método do mercado se resume ao provérbio «A falar é que a gente se entende». Assim, a solução que é dada ao problema económico consiste em pôr os interessados a comunicar sobre os seus problemas. Todos falam e se fazem ouvir, e quando todos são ouvidos resulta a melhor maneira de resolver qualquer problema. Os problemas do mercado resultam das muitas situações em que nem todos têm voz, ou a sua expressão é distorcida.Daqui resulta uma outra característica do mercado: ele é muito delicado. Estas transacções, baseadas nas relações entre as pessoas e na confiança, facilmente são destruídas. O mercado afecta as coisas da melhor maneira, mas é fortemente perturbável.

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1.4.3. O papel do EstadoÉ costume dizer que o papel do Estado numa economia moderna centra-se essencialmente em très funções:

1. promoção da eficiência,2. promoção da equidade e3. promoção da estabilidade.

1.4.3.1. Promoção da eficiênciaO mercado nem sempre é o modo ideal de afectação económica, devido sobretudo a dois tipos de razões.Em primeiro lugar, existem algumas relações económicas que, devido aos seus efeitos culturais, sociais e humanos, a sociedade não quer confiar ao livre jogo dos incentivos. A herança de uma família, a prestação de serviços de defesa nacional, o comércio de droga, a escravatura, são casos de relações económicas que a sociedade não deixa que seja o mercado livremente a definir os seus termos.Por outro lado, como vimos, existem falhas no funcionamento do mercado. Em primeiro lugar, existem situações de imperfeição na concorrência. Se os produtores (ou consumidores) de um produto não têm todos peso semelhante, ou não se fazem todos ouvir, como no caso do monopólio, o funcionamento do mercado é ineficiente.Em segundo lugar, existem fenómenos, a que a Economia chama de «externalidades», que constituem influências que o mercado não consegue captar. Por exemplo, uma fábrica usa a água do rio, mas não a paga, o que a leva a desperdiçá-la; ou uma fábrica traz a electricidade à aldeia e não é paga por isso.Um caso especial de externalidade tem particular interesse. Trata-se do fenómeno chamado de «bens públicos». Estes produtos ou serviços especiais são bens que, embora não sejam grátis, num sistema de mercado todos podem gozar sem pagar, pois não existe modo de o mercado cobrar o seu custo. A defesa nacional, os jardins públicos, estradas, a televisão são bens que todos gozamos sem pagar. Num sistema de mercado, esses bens nunca seriam produzidos, pois a empresa que o fizesse iria à falência.Por todas estas diferentes razões, o Estado tem motivos para intervir no sistema económico, exactamente no domínio em que o mercado é mais forte: a eficiência.Mas, além do objectivo da eficiência, existem outros desejos da sociedade para os quais o mercado não está tão vocacionado, mas que são igualmente importantes. É pois preciso garantir que os ganhos compensem os custos.

1.4.3.2. Promoção da equidadeUm dos principais objectivos da maior parte das sociedades é garantir que a distribuição dos bens produzidos seja mais ou menos igualitária entre todos os elementos dessa sociedade. Grandes disparidades entre ricos e pobres, mesmo que isso corresponda à maior eficiência, são normalmente repudiadas pelas sociedades modernas.

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A solução que o mercado dá à distribuição dos resultados da actividade económica é, como vimos, extremamente influenciada por factores estranhos ao próprio mercado, tais como a estrutura de propriedade, os dotes naturais (mérito, dedicação, inteligência, força, simpatia, etc.), a influência política, a situação social, geográfica, moral de cada um.Por estas razões, a distribuição automática dos «votos em euros» feita pelo mercado pode não ser justa, segundo o critério de qualquer pessoa. Os impostos progressivos, os subsídios e transferências, a segurança social, ou métodos mais drásticos, como a expropriação, a reforma agrária, a revolução social, são instrumentos de que a sociedade se serve para conseguir a equidade.Mas não devemos esquecer a existência de um conflito de eficiência-equidade. Se o Estado retira a uns para dar a outros (por exemplo, se tira aos que produzem e possuem para dar aos que não têm, ou qualquer outra distribuição considerada justa), é natural que uns e outros reduzam a sua produção. Na verdade, aqueles a quem se tira podem achar que não vale a pena produzir, se depois o Estado vai tirar o seu resultado, e os que recebem podem pensar que, como o Estado dá de qualquer modo, o esforço é demasiado.Este conflito eficiência-equidade é, no fundo, uma manifestação do princípio de que «não há almoços grátis».

1.4.3.3. Promoção da estabilidadeVimos que a concorrência do mercado se fazia no meio do tumulto do aparecimento de novas ideias, que lutavam e venciam ou eram vencidas pelas já estabelecidas. Este resultado é bom, mas traz consigo a instabilidade, a insegurança.A contínua ameaça dos concorrentes garante que cada produtor ou consumidor seja forçado a comportar-se da maneira mais eficiente, mas cria uma tensão contínua sobre o tecido social, que a comunidade pode não gostar8.Os mecanismos de apoio aos desempregados, a correcção de desequilíbrios sectoriais ou regionais, a preocupação com as contas externas ou a inflação e a utilização de impostos e despesas estatais no sentido de compensar as perturbações ou flutuações que o processo de desenvolvimento criou são formas de o Estado promover a redução da insegurança económica, de forma a encontrar um comportamento estável para a economia como um todo.É claro que aqui pode aparecer mais um conflito, o conflito desenvolvimento-estabilidade. Se a instabilidade é resultado do processo de desenvolvimento, o Estado ao intervir pode afogar o surto dinâmico que a provocou. Ao ajudar os desempregados, corrigir a inflação, o desequilíbrio regional ou as contas externas, o Estado está a fazê-lo à custa da flexibilidade económica e dos be-

________________________________8 É importante notar que quando se diz aqui que o desenvolvimento está ligado à instabilidade, se quer dizer «instabilidade económica», ou seja, a alteração de produtos, modos de produção e canais de mercado. Outros tipos de instabilidade, como a instabilidade política, cultural, social, militar (guerras, greves, tumultos), não só não são produto do desenvolvimento económico como, pelo contrário, são-lhe extremamente prejudiciais. Esta distinção é essencial para compreender o verdadeiro sentido desta discussão.

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nefícios dos mais dinâmicos. Um subsídio de desemprego pode impedir que os trabalhadores se desloquem rapidamente para os sectores mais activos; e impostos sobre uma região rica ou menos prioritária para ajudar outra mais pobre ou que se deseja promover, dificultam o desenvolvimento da primeira, que pode ser mais dinâmica.Mais uma vez, o «almoço» da estabilidade não foi grátis, o que não quer dizer que não valha a pena. A maior parte das sociedades está disposta a sacrificar algum desenvolvimento para conseguir certa estabilidade.Claro que deve ser dito que nem sempre os conflitos eficiência-equidade e estabilidade-desenvolvimento são verificados.Em todos estes esforços, o Estado trabalha com o Mercado, não contra ele. A harmonia entre a acção do Estado e o funcionamento da sociedade, no mercado, é um dos elementos mais importantes de um sistema equilibrado.Mas quer a acção da autoridade, quer a actuação do mercado estão mergulhados na tradição.

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1.5. A cruz marshallianaEste gráfico, que ficou conhecido como «cruz marshalliana», será muito útil na análise que adiante faremos, mas servirá desde já para clarificarmos o estudo do mecanismo de mercado e do funcionamento dos incentivos.A ideia básica deste diagrama é a de que um mercado, qualquer mercado, funciona pela interacção de dois lados: os compradores e os vendedores, os consumidores e os produtores.

1.5.1. A curva da procuraNo diagrama marshalliano, a representação dos compradores é feita por um elemento conhecido como curva da procura. O traçado da curva da procura faz-se do seguinte modo: em relação a certo bem, pergunta-se a um consumidor quanto está disposto a comprar desse bem se o preço for um dado. Depois, vai-se variando o preço, e refaz-se a pergunta: quanto compraria o consumidor a cada novo preço. Marcando os vários pontos num gráfico como o abaixo, obtemos a curva da procura:

Quanto maior utilidade o consumidor retira do bem, mais ele estará disposto a pagar por esse bem. É claro que a racionalidade está presente na curva da procura. A resposta do consumidor traduz a quantidade melhor para ele, a cada nível de preço; a quantidade que deseja consumir do bem, de forma a maximizar o seu bem-estar.Se se considerar as várias curvas de procura de um certo bem numa economia, uma para cada comprador do bem, é possível determinar, para cada preço, qual a quantidade total desejada desse bem por todos os consumidores do bem.

Olhando para as curvas que traçámos podemos verificar imediatamente uma sua característica óbvia: a curva está sempre a descer. Trata-se daquilo que em Economia se chama lei da procura negativamente inclinada: se o preço de um bem sobre (coeteris paribus), a quantidade procurada desce, e vice-versa.Logo, a quantidade procurada do bem desce quando o preço sobe, porque o consumidor substitui esse bem por outros. A este resultado de uma variação de preços chamamos efeito substituição.

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Preçodo bem

Quantidade desejada

CURVA DA PROCURA

Consumidor 1 Consumidor 2 Mercadop p p

q q q

D1 D2

Dm. . .

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Mas não é apenas isto que acontece quando um preço sobe. Assim, ao subir o preço, a quantidade procurada de um bem desce porque o consumidor tem menos possibilidades de o comprar. Chamamos a este o efeito rendimento.Assim, a lei da procura negativamente inclinada é justificada por duas razões diferentes:1. porque, ao subir o preço, o consumidor passa a comprar outras

coisas (efeito substituição) e2. porque o consumidor fica mais pobre (efeito rendimento).

A curva da procura é, como vimos, uma relação entre a quantidade desejada de um bem e o preço. Com esta relação, a Economia pretende sublinhar que a determinante essencial da quantidade procurada é o preço, mas a Economia não diz que ele é a única determinante procurada.Entre estes factores, os principais são:• os gostos ou preferências dos consumidores,• o nível de rendimento de cada um (se uma pessoa fica mais rica ou

mais pobre, é normal que, ao mesmo preço, compre agora uma quantidade diferente),

• a dimensão do mercado (uma alteração ao número de consumidores altera a curva de procura do mercado) e

• o preço e disponibilidade de outros bens.Em relação a este último aspecto, ele está relacionado com os efeitos rendimento e substituição, atrás referidos, pois, como vimos, uma alteração no mercado de um bem altera o comportamento dos consumidores nos outros mercados («em Economia tudo tem a ver com tudo»). Em particular, são mais afectados os mercados dos bens relacionados. Estes são sobretudo de dois tipos:— os bens substitutos – são os que contribuem para a satisfação da

mesma necessidade (manteiga e margarina, ou autocarro e metropolitano) e

— os bens complementares – são os que necessitam uns dos outros para satisfazer a necessidade (automóvel e pneus, ou mostarda e bife).

É claro que, para traçar uma curva da procura, é preciso que todos estes factores, para além do preço, se mantenham constantes. Ou seja, só é possível traçar uma curva da procura variando o preço, mas verificando-se a hipótese de coeteris paribus. Se algum desses factores supostos constantes é perturbado (por exemplo, o consumidor muda de gostos, ou perde o emprego e fica mais pobre), a curva de procura traçada deixa de ter interesse.Este facto gera um efeito muito simples (como tudo em Economia), mas que é por vezes confundido por alguns mais distraídos. Trata-se da distinção entre deslocamentos ao longo da curva ou deslocamentos da curva. Vamos supor que um consumidor tem a curva abaixo desenhada, e que o preço do bem é p1. Nesse caso, é claro que, como ele nos disse, o consumidor deseje consumir a quantidade q1. Então ele situa-se no ponto A.

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p

q

p1

q1

A

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Suponhamos agora que se deu uma descida do preço, passando de p1 para p2. Nesse caso, o consumidor vai passar a consumir q2, ou seja, passa para o ponto B. Deu-se um deslocamento, ao longo da curva, do ponto A para o ponto B.

Mas se, voltando ao ponto A, em vez de se ter dado uma variação do preço, se tivesse dado uma alteração de qualquer um dos outros factores que influenciam a quantidade procurada (gostos, rendimento, calor, etc.)? Nesse caso seria necessário, como vimos, traçar uma outra curva da procura, encontrando-se o consumidor sobre a nova curva. Agora, por exemplo, se o consumidor está a ganhar mais, a cada nível de preço ele está disposto a comprar mais quantidade do bem. Ter-se-ia dado um deslocamento da curva. Na verdade, o consumidor passou da curva D1 para a curva D2 e, nelas, do ponto A para o ponto C.

1.5.2. A curva da ofertaTemos agora de passar para o outro lado do mercado, para a representação dos vendedores (ou produtores). Esta, na cruz marshalliana, é feita pelo elemento conhecido como curva da oferta. Também aqui a curva é traçada perguntando a um vendedor do bem quanto está disposto a vender do seu bem a cada nível de preços. O resultado é representado por uma curva como a desenhada abaixo.

Assim, quanto maior for o custo de produzir um bem, menos é oferecido desse bem a cert preço. Também aqui está presente a racionalidade do vendedor.Da mesma forma que se verifica na curva da procura, também aqui a observação da forma da curva leva-nos a formular a lei da oferta positivamente inclinada. Na verdade, verificamos que, se o preço de

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p

q

p1

q1

A

p2

q2

A

p

p1

q1 q

D1D2

C

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Preçodo bem

Quantidade oferecida

CURVA DA OFERTA

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um bem sobe (coeteris paribus), a quantidade oferecida aumenta, e vice-versa. Por que razão se verifica esta lei?A razão reside na lei dos rendimentos decrescentes, de que já falámos atrás. Para produzir mais de um bem temos de aumentar os factores produtivos, mas como há alguns que se mantêm, é normal que, à medida que se aumente a quantidade produzida, cada vez seja mais caro produzir uma unidade.Também aqui existem outros factores, para além do preço, que influenciam a decisão de oferta, por parte do produtor. Em primeiro lugar, o custo de produção. Se o custo de produção subir, é de esperar que a mesma quantidade seja oferecida a um preço mais alto.Na verdade, se o produtor for o único vendedor do produto (monopolista) é normal que ofereça, a certo preço, uma quantidade diferente do que se tiver dois ou três concorrentes, ou se tiver mil.Também aqui uma alteração do preço provoca um deslocamento ao longo da curva, enquanto os outros factores exigem a determinação de uma nova curva da oferta, existindo um deslocamento da curva.

1.5.3. O equilíbrioEste gráfico é de tal modo importante que podemos dizer que, com ele, já sabemos «ler e escrever» em Economia.A constatação mais importante que se pode retirar do diagrama é, como se disse, que em Economia temos sempre de ter em conta dois lados. Os soberanos da decisão económica são o benefício e o custo, a procura e a oferta, os gostos e a tecnologia. Esta ideia, muito simples, é de uma importância vital.Dela resulta uma regra muito importante, que nunca devemos esquecer, se não queremos ser enganados em Economia. Se alguém nos tentar convencer que algo é muito bom (um certo bem que nos quer vender, um projecto político concreto) e nos louva os benefícios dele, não nos devemos esquecer de perguntar: que custos traz consigo? Quanto custa? Quem paga?Inversamente, se nos descrevem os enormes defeitos, os custos de certa entidade ou actividade, que alguém nos pretende convencer a abandonar ou a destruir, devemos sempre perguntar: Para que serve? Quem beneficia dela?Nunca nos devemos esquecer de que, em Economia, as coisas são sempre duplas, tal como as moedas, têm sempre duas faces.

A introdução da hipótese do equilíbrio dos mercados faz-se, neste caso, através da adopção de um mecanismo de mercado, ou seja, da definição dos contornos entre a interacção das curvas da procura e oferta.O mecanismo centra-se à volta do ponto de intersecção entre as curvas da procura e da oferta (o ponto E). Neste ponto encontramos um preço (Pe) que faz com que a quantidade procurada e oferecida sejam iguais

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q

p

D S

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(Qe). Chamaremos a este ponto o ponto de equilíbrio, e a Pe e Qe, o preço e quantidade de equilíbrio.

MARIE ÉSPRIT LÉON WALRAS (1834-1910)Walras, filho do economista francês Auguste Walras, procurou toda a vida

desenvolver o que considerava serem as ideias de seu pai. Depois de uma vida atribulada, onde teve dificuldades nos estudos e foi romancista, jornalista e director de um banco, conseguiu aos trinta e seis anos ser colocado como professor na Universidade de Lausanne. Foi aí que compôs a sua grande obra Elementos de Economia Política Pura, cujo primeiro volume saiu em 1874 e o segundo em 1877, mas que foi aperfeiçoando em sucessivas edições, até à quinta publicada já depois da sua morte, em 1926. Esse trabalho, que ficou conhecido como «modelo de equilíbrio geral», continua ainda hoje a ser a única base para a análise da complexa interdependência económica e fez com que Schumpeter o considerasse «o maior de todos os economistas».

A característica essencial do ponto de equilíbrio é que se a economia se situar nele, toda a gente (consumidores e produtores) está satisfeita: dadas as circunstâncias, àquele preço eles compram e vendem exactamente o que querem. Nos pontos A e B, por exemplo, os compradores estão descontentes, porque àquele preço (p1) queriam comprar menos do que são obrigados a comprar (só queriam comprar a quantidade definida pela curva da procura ao preço p1). No ponto B, aliás, também os vendedores estão descontentes por serem obrigados a vender mais do que queriam ao preço p1 (no ponto A, ao menos, os vendedores vendem o que querem).

Inversamente, nos pontos C e D, são os produtores que estão insatisfeitos, pois são obrigados a vender menos do que queriam a esse preço (queriam vender o que está definido na curva da oferta), e se no ponto C os compradores estão a comprar o que queriam (estão sobre a sua curva da procura), no ponto D também eles estão infelizes por serem obrigados a comprar mais do que queriam.

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p

q

Pe

Qe

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P

q

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Deste modo vemos facilmente que o ponto de intercepção das duas curvas é o único que, dadas as circunstâncias e as restrições, consegue satisfazer, simultaneamente, produtores e consumidores. Ao preço Pe, temos equilíbrio na Economia.Repare-se que esse não é o único ponto em que a quantidade comprada é igual à quantidade vendida. Em todos os pontos a quantidade vendida é igual à quantidade comprada. Mas no ponto de equilíbrio (intercepção das curvas) a quantidade oferecida é igual à quantidade procurada, ou seja, a quantidade que se pretende comprar (e não só a que se comprou) é igual à quantidade que se pretende vender.

Que acontece quando o preço não for o de equilíbrio (Pe)? É aí que é importante definir o mecanismo de mercado9.Se o preço for mais alto que Pe, temos um excesso de oferta, a quantidade que os produtores querem vender é superior à que os consumidores querem comprar. Por outro lado, os consumidores só aceitam a quantidade se o preço for inferior.

Assim, o preço desce, o que tende a resolver o problema do excesso de oferta por duas formas:

1. reduz a quantidade oferecida e2. aumenta a quantidade procurada.

Como esta situação se dá para todos os preços superiores a Pe, o processo só termina no ponto de equilíbrio. Deste modo, a preços superiores ao de equilíbrio existe uma tendência para descida de preços, ou seja, uma tendência para o ponto de equilíbrio.Pelo seu lado, a preços menores que Pe, temos um excesso de procura, pois os consumidores qurem comprar mais do que os produtores querem vender. Nesse caso, os consumidores estão dispostos a oferecer mais dinheiro para conseguir mais do bem, enquanto os produtores só o oferecem se lhes pagarem mais. Logo o preço sobe, tendendo para o equilíbrio.

________________________________9 Ao longo da história da Economia muitos mecanismos de mercado foram apresentados. Podemos mesmo dizer que ainda hoje esta é uma questão aberta. No entanto, a proposta de Walras é a mais utilizada e é a descrita aqui.

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p

q

Pe

Qe

E

p

q

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Através deste mecanismo vemos que o ponto de equilíbrio (E) é não só aquele em que todos estão satisfeitos, mas também aquele para o qual a economia tende, se estiver noutra situação. Deste modo, com este mecanismo de ajustamento, o ponto E é um equilíbrio estável10.

Repare-se que este mecanismo é uma das formas possíveis para explicar aquilo que nós, desde o início, aceitamos como hipótese: os mercados equilibram. O raciocínio agora apresentado não pretende «demonstrar» essa hipótese porque, como todas as hipóteses, ela não é demonstrável.Vale a pena referir desde já uma ideia que adiante será mais elaborada. O ponto de equilíbrio não tem, pelo facto de os produtores e consumidores estarem satisfeitos na sua transacção, qualquer conotação valorativa ou moral. O ponto não tem de ser «bom», «justo» ou «recomendável». Por exemplo, se o bem em análise for a alimentação e os consumidores forem muito pobres ou os produtores muito restritos na sua tecnologia, o ponto de equilíbrio pode acarretar a morte pela fome ou a miséria generalizada no mercado.

O que aqui vale a pena sublinhar é o facto de ambas as quantidades, q1 e q2, serem valores de equilíbrio, embora as situações concretas nas duas situações sejam dramaticamente diferentes. Na situação final, após o efeito da catástrofe, os consumidores ou os produtores estão arruina-

________________________________10 Walras ao apresentar o funcionamento do seu mecanismo de mercado postulou a existência de uma entidade, um «pregoeiro», que iria anunciando preços. Aos preços anunciados, os compradores e vendedores formulariam as suas procuras e ofertas e o pregoeiro, confrontando as quantidades procuradas e oferecidas, aplicava o mecanismo e anunciava novo preço. Este método, celebrizado com o nome de «pregoeiro de Walras», consiste num artifício teórico para estilizar formalmente a interacção dos agentes no mercado.

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p

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q2 q1 q2 q1

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(A) (B)

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dos e, por isso, há fome e miséria. A nova quantidade procurada ou oferecida é muito inferior, pois a isso o mercado foi «forçado» pelas novas circunstâncias.Nessa ordem de ideias, um ponto fora do equilíbrio, por exemplo, o ponto F no gráfico abaixo, poderia ser «melhor», do ponto de vista moral, social ou cultural. O problema é que esse ponto, fora do equilíbrio, não seria eficiente, ou seja, dadas as circunstâncias (tecnologia de produção, gostos dos consumidores, etc.), tal ponto não satisfaz as restrições económicas da situação. No exemplo, o ponto F poderia ser o ponto que salvaria da fome a população, mas não há dinheiro para o pagar nem capacidade para o produzir. É bom não esquecer que estamos a estudar Economia, e é em termos estritamente económicos que as coisas aqui são valorizadas, não em termos morais ou sociais (embora se vá chamando a atenção para esses aspectos).

Toda esta discussão, no fundo, renova a constatação da independência entre a eficiência e a equidade que atrás foi referida. O mercado livre, a funcionar bem, garante a eficiência, ou seja, a eliminação do desperdício. Mas esse mercado não toma em conta outros critérios morais, sociais ou culturais, que têm de ser abordados de outro modo.É essencial que todo o economista tenha este instrumento guardado bem à mão, e saiba bem dominar o seu funcionamento.____________________________1.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: O DRAMA DE UM BOM ANO AGRÍCOLA

Muitas vezes, um bom ano agrícola, com elevadas colheitas, pode ser muito mau para os agricultores. A razão deste paradoxo, conhecida por todas as pessoas do campo, é que o aumento de produção faz descer de tal modo o preço que a receita dos agricultores (igual ao preço multiplicado pela quantidade vendida) cai em relação ao valor de um ano normal. Este problema tem tradição na história da Economia, pois foi apresentado no século XVII por um dos primeiros economistas, Gregory King, e ficou conhecido como efeito de King.

GREGORY KING (1648-1712)King foi um dos primeiros autores interessados em Economia, mais de cem anos

antes de Adam Smith. Um outro economista inglês, Charles Davenant, incorporou parte dos resultados dele num seu estudo de 1699, mas o livro de King, Natureza e Observações Políticas e Conclusões sobre o Estudo e Condições da Inglaterra em 1696, só foi publicado em 1804 por George Chalmers, um seu biógrafo.

A compreensão do paradoxo fica muito clara se for usado o gráfico da procura e oferta. A primeira coisa a saber é a forma de representar no gráfico «um bom ano agrícola». Na verdade, é muito simples. Um bom ano agrícola é aquele em que, ao mesmo preço, cada produtor pode agora oferecer mais quantidade. Por exemplo, ao preço p1, num ano agrícola normal o produtor oferece q1, e no bom ano q2. Assim, no bom

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p

qq2

P2E F

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ano agrícola (em relação ao normal), a curva da oferta desloca-se para a direita e para baixo, de S1 para S2.

A receita do agricultor (o produto do preço pela quantidade) tem de ser igual à área do rectângulo assinalado. No exemplo desenhado torna-se claro que o aumento da oferta (de S1 para S2), devido ao bom ano agrícola, reduziu a receita, pois a área abaixo e à esquerda de E2 é inferior à área correspondente em E1.

____________________________2.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: QUEM GANHA COM A DESCOBERTA?

Vamos agora supor que houve uma melhoria tecnológica na produção de certo bem, devido à descoberta de um modo mais barato de o produzir. Será que irão os produtores ficar melhor porque receberão mais receita, ou são os consumidores que ficam melhor, porque passam a ter os bens mais baratos? Este problema é muito parecido com o anterior, pois uma melhoria tecnológica é representada no nosso diagrama por um deslocamento para a direita da curva da oferta: ao mesmo preço, há mais oferta do bem.

Para responder à questão de quem ganha com a descoberta, temos de saber se a receita dos produtores (que, evidentemente, é igual à despesa dos consumidores) subiu ou desceu com a descoberta.

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p

p1

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No caso (B) ganharam os produtores, que estão a receber mais dinheiro, pois a subida da quantidade vendida mais do que compensou largamente a descida do preço. Isto, em parte, explica porque há bens ou sectores em que a inovação é mais intensa e frequente e noutros não.____________________________3.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: A POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM

Como poderemos representar um subsídio no nosso diagrama? Na verdade é muito simples: se a curva da oferta representa o preço a pagar por certa quantidade do bem, um subsídio significa que parte desse preço é paga pelo Estado. Isso quer dizer que, embora a verdadeira curva da oferta seja SE, a curva de oferta que os consumidores encontram no mercado é a curva SS, pois ao preço pedido pelos produtores temos de deduzir o subsídio (s). Deste modo, cria-se uma diferença entre o preço recebido pelos produtores (pp) e o pago pelos consumidores (pc).

Mas por que razão os agricultores europeus necessitam de ajuda? Porque os agricultores europeus têm um método de produção mais caro e menos eficiente que o dos seus concorrentes do resto do Mundo. Isso é representado por uma curva da oferta europeia (SE) acima da mundial (SM). Nesse caso, se houvesse liberdade de comércio, o ponto de equilíbrio seria o ponto A, e a agricultura europeia deixaria de produzir.

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p p

q q(A) (B)

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Assim, embora a Europa produza com a curva SE, a curva da oferta que os consumidores observam é a curva SS. A diferença é o subsídio que a comunidade paga aos agricultores.Mas almoços grátis é coisa que não existe, como os leitores deste livro já sabem muito bem. Onde está o erro? O problema é simples: quem paga o subsídio são os Estados europeus, ou seja, os consumidores europeus, quando pagam os seus impostos. Por isso, o que os Europeus pagam pelos produtos agrícolas não é pc, mas sim pp, pois pagam pc

quando compram os bens e ps quando pagam os impostos11.____________________________4.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: QUEM PAGA O IMPOSTO?

Em Portugal, como aliás na maior parte dos países do Mundo, a venda da gasolina (bem como de outros produtos) não é feita ao preço de custo. O problema é muito parecido, mas inverso, ao da colocação do subsídio do caso anterior. Agora, a curva da oferta defrontada pelos consumidores (SC) encontra-se acima da curva da oferta dos produtores (SP), sendo a diferença entre os dois o imposto (i). Repare-se que, antes do imposto, o equilíbrio era obtido pela intersecção entre a curva da procura e da oferta dos produtores (SP). O preço de equilíbrio seria p0. Uma vez introduzido o imposto, os consumidores encontram SC e encontram um novo preço Pc, que pagam. No entanto, desse preço, os produtores só recebem pp, pois o Estado fica com o imposto i.

Passemos agora a utilizar o nosso diagrama para analisar situações em que a Economia está fora do equilíbrio.____________________________1.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: BARATINHO... MAS INVISÍVEL

Muitas vezes, sobretudo quando se acha que um bem é muito importante e todos os consumidores, ricos e pobres, o devem poder comprar, o Estado intervém no mercado e fixa o preço desse bem abaixo do preço de equilíbrio, para o tornar barato e assim permitir o acesso de todos. É verdade que dissemos atrás que não se devia mexer nos preços, pois eles são o coração do sistema de mercado, e que eles fazem tender o mercado para o equilíbrio.O problema desta medida é que, a esse preço abaixo do de equilíbrio, existe excesso de procura do bem; muita gente quer o produto, mas pou-

________________________________11 É por esta razão que alguns economistas dizem que seria melhor se o subsídio não existisse. Nesse caso, os consumidores europeus teriam produtos agrícolas mundiais que (esses sim!) seriam mesmo mais baratos, enquanto os agricultores europeus, que de qualquer maneira são menos produtivos que os do resto do Mundo, se poderiam dedicar a outras actividades mais lucrativas. O problema é ainda mais grave se virmos que muitos dos produtores agrícolas do resto do Mundo são os pobres dos países pobres, que se vêem incapazes de vender os seus produtos aos países ricos, devido à PAC. Mas é claro que esta já é uma opinião dogmática e não uma conclusão científica.

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cos estão dispostos a vendê-lo. O bem é muito barato, só que quase não o há à venda.

A maior parte das situações de falta de bens, ou seja, de excesso de procura face à oferta (repare-se que quando se diz «falta», se deve estar a referir a falta em relação ao que desejávamos, ou seja, à procura) deve-se a intervenções do Estado no sentido de determinar os preços.As associações de moradores pressionam no sentido de haver limite à subida das rendas. Isso reduz a oferta de casas para alugar. Para os que têm casa, isso é bom porque pagam menos pela casa. Para os outros, é mau porque não têm casa (mas como não têm casa não interessam às associações de moradores!)12.____________________________2.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: BARATINHO... MAS NÃO PRESTA

Por que razão os transportes públicos são maus em Lisboa? O preço é inferior ao custo, mas a empresa que produz é obrigada a fornecer a procura toda. Assim, o ponto de transacção não é o ponto da oferta, mas o da procura. Então, impedido de ajustar pela quantidade e pelo preço, o mercado ajusta pela qualidade: o produto não presta.____________________________3.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: O DESEMPREGO

Para os trabalhadores que têm emprego, o salário é mais alto que o de equilíbrio. Para os desempregados (que são a diferença entre a oferta e a procura) não há emprego.____________________________4.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: LIMITES À IMPORTAÇÃO

Um dos casos mais frequentes aparece quando se pretende proteger os produtores nacionais da concorrência dos estrangeiros e se coloca um montante máximo de quantidade que pode ser importada13.

________________________________12 É de notar que, nos últimos tempos, estes dois exemplos têm vindo a melhorar, pois quer os responsáveis da ex-URSS quer o Governo português têm reduzido a sua intervenção sobre os mecanismos de mercado. O mundo está a tornar-se mais racional, mas não se esuqeçam do princípio que referimos atrás: não se deve subestimar a estupidez humana...13 Neste exemplo, as curvas da procura e da oferta correspondem à procura interna de carros estrangeiros e à oferta de carros por estrangeiros em Portugal. A procura e oferta do bem nacional não estão representadas neste gráfico.

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Por exemplo, talvez para proteger os produtores nacionais de automóveis (que não existem!?), Portugal pôs um limite à quantidade de carros estrangeiros que se podem importar. Quem sobretudo beneficiou foram os produtores estrangeiros de carros que têm acesso ao mercado português (que conseguiram as licenças de importação), pois vendem os seus carros muito mais caros.

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1.6. Os problemas globais da economiaPara terminar esta nossa visão geral dos princípios fundamentais da Economia, temos agora de analisar alguns efeitos especiais dos fenómenos económicos. Como veremos, todos eles têm em comum o estarem relacionados com o global da sociedade.

1.6.1. O todo e as partes1.6.1.1. Conflito eficiência-equidadeNuma dada situação, se se pretender dar a todos uma fatia justa da riqueza nacional, segundo qualquer critério, é preciso alterar as remunerações dos recursos que o mercado define, e que são motivadas pela eficiência. Mas, o bolo fica menor quando é melhor distribuído.

1.6.1.2. Conflito desenvolvimento-estabilidadeNo sistema de mercado, o desenvolvimento nasce do aparecimento das novas ideias, que concorrem com as que já estavam estabelecidas. Mas a estabilidade é um valor em si. Portanto só é possível conseguir a estabilidade sacrificando o desenvolvimento.

No fundo, os dois conflitos podem ser vistos como duas faces da mesma questão, onde a diferença está sobretudo no elemento tempo. Em ambos o que está em causa é a eficiência; no primeiro caso a eficiência estática, no segundo, a dinâmica, pois o desenvolvimento é a eficiência ao longo do tempo. Por outro lado, o desemprego, que é o exemplo mais claro do segundo tipo de conflito, causa graves problemas de distribuição. O desenvolvimento gerará ganhos futuros muito apreciáveis, por exemplo, com o aparecimento de camionetas numa aldeia onde o transporte era feito com carroças. Mas, no curto prazo, existe um desemprego devido à mudança introduzida, pois os carroceiros ficam sem saber o que fazer. Destes, e de outros fenómenos semelhantes, nascem as flutuações, ou ciclos económicos.O aspecto que agora devemos referir nesta questão é que estes problemas são problemas diferentes de todos os outros que vimos, na medida em que afectam a totalidade da economia. O que está em causa não é o desemprego ou a pobreza de uma pessoa, mas a má distribuição da riqueza nacional ou a instabilidade e insegurança em que o país vive.Mas para quê fazer um estudo especial dos efeitos globais? Eles não são apenas a soma dos efeitos individuais? Não é a sociedade composta de pessoas, empresas e mercados? A resposta é que, embora a sociedade seja composta de indivíduos, nem sempre o efeito global é a soma das partes. Tocamos aqui numa nova fonte de erros e confusões em Economia, mas que é fácil de evitar: a falácia da composição.Este erro ou falácia consiste exactamente em afirmar que o que é verdade na parte tem de ser verdade no todo. Nem sempre tem de ser assim. Vamos supor que está uma multidão na rua para ver passar um cortejo. Se uma dessas pessoas se puser em bicos de

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pés, ela vê melhor. Mas se todas as pessoas se puserem em bicos de pés então ninguém vê melhor do que via antes (excepto os que estão imediatamente atrás da primeira fila, pois esta não se pôs em bicos de pés por não precisar).Por exemplo, se um produtor aumentar a produção do seu bem, ele ganha mais dinheiro, pois, sendo pequeno face ao total do mercado, é natural que o preço do bem se mantenha.As principais fontes de problemas que afectam a totalidade da Economia são três:

1. o Estado,2. o espaço e3. o tempo.

Os problemas que tais elementos geram serão abordados adiante.

1.6.2. A actividade do EstadoUm dos principais fenómenos que tem efeitos globais reside no comportamento do Estado. Mas, por outro lado, a simples existência do Estado, a sua política, as leis que publica e até o seu sustento, são factores que, além de perturbarem a vida de cada um, têm também efeitos globais.O Estado intervém na Economia com a sua política. Mas essa política exige que o Estado gaste recursos.— Para promover a eficiência, o Estado constrói estradas e hospitais,

cria empresas públicas;— para conseguir maior equidade tem de ser criado o sistema de

segurança social, o aparelho fiscal que usa os impostos para tirar aos ricos e dar aos pobres, etc.; finalmente,

— a busca da estabilidade exige dar subsídios aos desempregados, ou empregá-los no funcionalismo público, fornecer bens mais baratos, etc.

O Estado está encarregado de uma enorme quantidade de funções, desde a legislação e a justiça às câmaras municipais, passando pela defesa do meio ambiente, o policiamento e a administração do património.Mas o Estado não produz recursos. Quem produz são as empresas, os trabalhadores, as máquinas.

1.6.2.1. ImpostosA primeira forma é através de impostos. Quem trata disso é o Ministério das Finanças, que todos os anos apresenta o orçamento de Estado. Os impostos são uma subtracção pura e simples de recursos da Economia, com o fim de permitir ao Estado cumprir as suas funções.Os impostos são a forma mais clara de financiar o Estado, pois neles sente-se claramente o custo necessário para obter o benefício da acção do Estado. Por outro lado, os impostos em si, mesmo que o dinheiro seja depois destruído, já contribuem para a equidade e a estabilidade da economia. Ao tributar os ricos mais do que os pobres, e ao tributar mais nas alturas em que a economia está próspera do que quando está perturbada, os impostos geram equidade e estabilidade.A única forma de imposto que não distorce a Economia é aquele que é colocado sobre algo que não influencie as decisões

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económicas, por exemplo, a altura das pessoas ou a cor do cabelo. Mas esse imposto seria extremamente injusto, pois nada tinha a ver com a capacidade de pagar das pessoas.A parte da despesa pública que não é paga por impostos constitui o défice do Estado. E esse défice pode ser pago de duas formas, que veremos agora.

1.6.2.2. Dívida públicaExactamente por serem claros e nítidos, os impostos têm elevados custos políticos. Nenhum governo gosta de ser visto a lançar os impostos. Uma outra forma é a dívida pública, pela qual o Estado pede dinheiro emprestado, dentro ou fora do país (dívida interna e externa).Torna-se assim claro que a dívida pública é apenas o adiamento de impostos. Hoje não se tira nada a ninguém, mas no futuro vão-se pagar impostos, e mais impostos do que se pagariam hoje, porque é preciso pagar os juros, além do capital. Mas pode ser uma forma correcta de adiar o peso das despesas, pois, como alguns dos benefícios da actividade do Estado recaem no futuro (quando a estrada ou o hospital estiverem prontos), os custos devem ser pagos também no futuro. Mas não é, como parece a alguns, um almoço grátis14.O preço desses empréstimos, tal como de todos os empréstimos, é a taxa de juro. A taxa de juro é a percentagem que quem pede emprestado tem de pagar a quem empresta, para além de devolver o dinheiro. É o preço que se tem de pagar por poder almoçar hoje e só amanhã ter de pagar o almoço. Como veremos adiante, a taxa de juro dos empréstimos do Estado é importante, pois serve não só para saber quanto mais de impostos se terá de pagar no futuro como, além disso, serve como taxa de orientação para os outros empréstimos da Economia.

1.6.2.3. Emissão de moedaMas o método de financiamento do Estado que parece mesmo um almoço grátis é o terceiro: emitir mais moeda. O Estado (e só o Estado) é o responsável pelas notas e moedas que usamos todos os dias. Só ele, através de um departamento especial chamado banco central (em Portugal é o Banco de Portugal parte integrante do Banco Central Europeu) pode emitir nova moeda.Será que encontrámos finalmente um modo de ter almoços grátis? Será que o Estado pode resolver de graça os problemas da sociedade atirando-lhes dinheiro novo? A resposta, como já suspeitamos, é não. Também aqui o almoço tem um custo. Só que é um pouco mais difícil de encontrar.O problema de fazer uma nova emissão de notas e moedas é que por haver mais dinheiro não quer dizer que haja mais coisas para comprar. E se a Economia e o Estado têm as mesmas coisas para

________________________________14 Como veremos adiante, não é verdade que a dívida interna seja uma carga sobre as gerações futuras. Na verdade, o Estado hoje tira a uns (pedindo emprestado) para dar a outros (gastando o dinheiro) e amanhã tira a outros (lançando impostos) para dar aos primeiros (pagando a dívida). Nos dois casos existiu apenas uma redistribuição contemporânea do produto. Ao contrário, no caso da dívida externa, existe na verdade uma carga sobre o futuro, pois verifica-se hoje uma entrada real de recursos e, por isso, no futuro existirá a obrigação de os pagar ao exterior.

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comprar e mais dinheiro para gastar, os preços das coisas, de todas as coisas, sobem. Este fenómeno tem um nome pouco elegante: inflação.Mas se o nome é feio não quer dizer que o fenómeno o seja. Qual é o mal da inflação? As coisas estão mais caras, mas as pessoas têm mais rendimentos, logo o seu consumo e, consequentemente, a utilidade (que é o que interessa e só o que interessa) fica na mesma. No fundo, a inflação é como se o metro de medida ficasse mais pequeno: todas as coisas ficam mais compridas, mas afinal estão iguais15.Em primeiro lugar, deve notar-se que a inflação é um imposto, como outro qualquer. É uma forma de o Estado desvalorizar o dinheiro que as pessoas têm no bolso, como contrapartida do novo dinheiro que o Estado tem. E quem ganhou com isso foi o Estado, que ficou com dinheiro novo. Logo é uma transferência de recursos para o Estado, tal como os impostos. Mas embora seja escondida, e por isso não tenha os custos políticos dos impostos normais, não deixa de ter outros custos, que os impostos não têm.Um dos problemas característicos da inflação é a injustiça, pois normalmente ela não afecta todos por igual. Alguns agentes económicos, que não estão protegidos dos efeitos da inflação, perdem, enquanto outros até podem ganhar. Também as pessoas que devem dinheiro são muito beneficiadas com a inflação, pois quando pagam o dinheiro vale menos do que quando o receberam emprestado.Mas a inflação também cria instabilidade. Se a subida de preços fosse sempre prevista ou sempre igual, não havia problema nenhum, pois as pessoas teriam facilidade em se precaverem dos seus efeitos. Mas o problema é que a inflação é normalmente imprevisível e quanto mais alta, mais tende a sê-lo. Por essa razão ela cria uma razão adicional que afecta a estabilidade.Por outro lado, a eficiência pode também ser prejudicada pela inflação. Em primeiro lugar, ela gera um desperdício de recursos, pois prever a inflação dá trabalho, que poderia ser usado noutras coisas. Mas também a eficiência dinâmica é perturbada, pois como os preços futuros ficam muito incertos, a criação de novas empresas e os investimentos que geram desenvolvimento podem ser perturbados.Note-se que nenhum destes custos aparece se a inflação for perfeitamente previsível e neutra, afectando toda a gente de forma igual. Nesse caso a inflação é exactamente igual a um imposto, claro e nítido, para toda a gente, com os mesmos custos políticos dos outros impostos, por não poder ser já escondida.Mas se a inflação tem todos estes custos, porque insistem os Estados em usar a emissão de moeda para se financiarem? A razão é o grande benefício político de a inflação ser um imposto escondido. Trata-se de uma forma de lançar um imposto sem ser logo claro que o fez. Esta forma de obter dinheiro é tão simples que é muito utilizada pelo Estado nas alturas de crise em que mais precisa de dinheiro e menos hipóteses tem de o obter. Durante as guerras e as revoluções, quando é difícil cobrar impostos e pedir dinheiro emprestado (até porque, nessas crises, é normal a produ-

________________________________15 Veremos adiante que esta é exactamente a verdadeira natureza da inflação: não são as coisas que passam a valer mais, é a moeda que passa a valer menos.

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ção nacional descer), muitos governos usam a rotativa das notas para pagar aos soldados e satisfazer as outras necessidades. É por essa razão que durante e após as guerras se verificam, normalmente, períodos de grande inflação.

A conclusão principal desta análise preliminar do financiamento do Estado é que, afinal, todas as formas de o Estado obter recursos são impostos. Assim, o total de impostos que a sociedade paga é igual ao total das despesas do Estado. Este é o princípio mais importante das finanças públicas que, no entanto, é muito esquecido.

1.6.3. O espaço e o tempoO espaço e o tempo têm múltiplos efeitos sobre a actividade económica. É aliás difícil conceber uma Economia a funcionar sem que isso se desenrole no espaço e no tempo.Uma das coisas que o espaço permite é traçar fronteiras, e pelo menos neste nosso planeta existem muitas fronteiras. Mas também é possível termos empréstimos, pagamentos, dádivas, por cima das fronteiras. Registamos todas estas transacções num documento a que chamamos «balança de pagamentos» e que, como veremos, pouco mais é do que uma lista de movimentos. Quando, no fim do ano, o que temos de pagar ao estrangeiro é mais do que eles nos têm de pagar, a balança está em défice.Na verdade, um dos problemas globais da Economia, de que mais ouvimos falar, é o dos défices da balança de pagamentos. Mas porque é que isto é mau? Se a balança de pagamentos está em défice, quer dizer que nós comprámos mais a eles do que eles a nós. Qual é o mal disso? Isso deve ser bom, porque os convencemos a darem-nos coisas sem pagarmos. Mas o problema é que ficámos a dever e vamos ter de pagar adiante. Daí que, como quando uma pessoa está a dever, ou paga (e aperta o cinto para poder pagar), ou deixam de lhe emprestar.Uma outra forma de alterar os termos das relações com o resto do mundo reside nas alterações da taxa de câmbio. A taxa de câmbio não é mais do que o preço (na nossa moeda) das moedas estrangeiras. Se tornarmos a nossa moeda mais barata (os Americanos têm de dar menos dólares para comprar um euro), ou seja, se «desvalorizarmos» a nossa moeda, isso quer dizer que aquilo que produzimos passa a valer menos moedas estrangeiras. Mas, exactamente porque vale menos, é mais barato para os estrangeiros, e por isso eles compram mais (sobem as nossas exportações). E, por outro lado, descemos as importações, porque, como a moeda deles vale mais, agora os produtos deles são mais caros para nós.Por exemplo, se uma saca de batatas custar 3 euros em Portugal e 3.3 dólares nos EUA, e se 1 euro valer 1.1 dólares, a situação é de equilíbrio, pois custa o mesmo comprar batatas cá ou lá. Mas se o preço do dólar subir (para 1 euro = 0.9 dólares) agora as nossas batatas estão mais baratas que as americanas, apesar de os preços não terem sido alterados (nem lá nem cá).No fundo, a taxa de câmbio é outro preço da moeda. A taxa de juro era o preço da moeda hoje face à moeda amanhã, ou seja, o preço da moeda ao longo do tempo. A taxa de câmbio é o preço da moeda nacional face à estrangeira, ou seja, o seu preço ao longo do espaço.

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Dentro de um país fala-se muito das desigualdades regionais e do desenvolvimento relativo das várias zonas. E aqui tocamos no principal efeito que o tempo tem sobre a actividade económica: o desenvolvimento.Como veremos, este fenómeno é um facto recente, pois só apareceu de forma sistemática quando, sobretudo a partir do século XVIII, o mercado passou a dominar a estrutura económica das sociedades. Antigamente, as pessoas esperavam viver mais ou menos como os seus antepassados, o que já era bem bom, pois havia fortes possibilidades de piorar.Dentro de um país, como se disse, é possível ao Estado intervir para aliviar essas disparidades espaciais. Ao nível mundial, e apesar da ajuda que flui dos países ricos para os pobres, é muito mais difícil essa compensação.Como é que isso se consegue? Já vimos que este processo está muito ligado ao funcionamento do sistema de mercado, mas adiante estudaremos com mais cuidado em que termos tal processo se desenrola.

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2. Teoria Económica2.1. Teoria do valor: agentes racionais

2.1.1. Teoria do consumidor2.1.1.1. UtilidadePorque é que umas coisas valem mais do que as outras e como se sabe quanto? Daqui nasceu aquilo a que os autores clássicos chamavam a teoria do valor.Logo à cabeça, Adam Smith expôs os termos do problema apresentando aquilo a que se chamou o «paradoxo do valor», da água e do diamante. Vejamos o que Smith afirmava:

«Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto, pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens em troca dele.» [Smith (1779), pág. 117.]

Várias propostas foram apresentadas para resolver este problema, quer por Smith, quer pelos seus seguidores, mas nenhuma delas era completamente satisfatória. Só muito mais tarde, na década de 1870, se encontrou a solução, e de tal modo este problema era importante que, ao solucioná-lo, deu-se a grande revolução em Economia, a única alteração que modificou totalmente o rumo da ciência. Após 1870, a estrutura e o espírito da Economia continuaram a ser os de Smith, mas os métodos e os resultados são completamente outros.

WILLIAM STANLEY JEVONS (1835-1882)Jevons teve uma vida algo atribulada, mas foi sempre um apaixonado pelas

questões sociais. Foi obrigado a interromper os seus estudos, devido a problemas financeiros de seu pai, e isso levou-o a múltiplas actividades incluindo uma passagem pela Austrália. Mas foi em 1871, quando publicou o seu livro Teoria da Economia Política, que a sua vida mudou. Infelizmente, a sua carreira foi curta.

CARL MENGER (1840-1921)Menger é um dos mais misteriosos economistas da História. Pouco sabemos

sobre ele, e o que sabemos é de um pacato cidadão. Pertencendo a uma família de académicos (dois dos seus irmãos e um seu filho foram eminentes professores), doutorou-se em Direito em Viena. Pouco mais publicou de vulto, a não ser durante a polémica que travou com a «escola historicista alemã», sobre o método em Economia.

A primeira ideia essencial é a introdução do conceito de utilidade. A noção, para nós elementar, de que a satisfação que cada ser humano tira do uso do bem é que dá valor às coisas, constitui a primeira ideia revolucionária. É devido ao gosto, subjectivo, pessoal, variável de todas e cada uma das pessoas que se dá o consumo dos bens e eles são avaliados. É claro que a intensidade da utilidade e a forma como se revela são muito diferentes de bem para bem, de pessoa para pessoa. Mas é a mesma realidade que aparece em todas as situações.Ao grau com que esses bens dão satisfação a essas necessidades chamamos utilidade. Utilidade é a única coisa que os bens, todos

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os bens, têm em comum. De um beijo a uma chapa de ferro, passando por uma nuvem e uma cassete, todos os bens possuem, em níveis e formas diferentes, utilidade, pois é isso que, como vimos, lhes dá a característica de «bens».Ao contrário dos primeiros autores, que procuravam o valor das coisas nas próprias coisas, agora vemos que o valor das coisas não está nelas, mas sim no consumidor. O agente económico, com as suas preferências e desejos, é que dá o valor às coisas.Esta compreensão, de que o que dá valor às coisas é o que as pessoas decidem, é central. A economia torna-se então verdadeiramente uma ciência humana: o seu objectivo é servir as escolhas, as preferências das pessoas concretas e o critério dessas escolhas reside nos interesses particulares de cada pessoa. Esses interesses não são discutidos pela Economia. São recebidos pela teoria, expressos directamente pelos agentes, mas são eles que definem tudo. A utilidade é a base da Economia, e ela representa todos os interesses, motivações, desejos, aspirações do Homem.A utilidade é uma forma de medir o «bem-estar» obtido pelos bens, materiais ou não. Mas sabemos que há pessoas com poucos bens que são muito felizes, enquanto outros, com grande utilidade, são muito infelizes.Que interacção existe entre esta noção desta utilidade (e, através dela, a Economia) e a moral, a religião, os grandes ideais do ser humano? Estes valores estão incluídos na utilidade, juntamente também com os instintos mais básicos e as aspirações mais elementares. São estes os componentes da utilidade, que depois se revelam nas escolhas do agente.A teoria moral, a teologia, a ciência política, a psicologia, a sociologia, a antropologia, entre outras, cada uma no seu campo, têm como centro de estudo aqueles factos que aqui, na Economia, são aceites sem discussão, como um dado do problema.Em termos físicos, uma pessoa atirada de um terceiro andar está sujeita exactamente às mesmas leis da gravidade que uma cadeira. Em termos humanos, morais, jurídicos, etc., o acto de lançar uma pessoa de um terceiro andar é completamente diferente do de lançar uma cadeira, mas para um físico (mesmo que se recuse peremptoriamente a lançar um colega pela janela) os dois fenómenos são regidos pelas mesmas leis da física.Do mesmo modo, um economista pode deduzir os comportamentos resultantes da utilidade e preferências de um assassino ou de um santo. Os actos que delas resultam são completamente diferentes e o economista, enquanto ser humano, deve ter uma opinião sobre eles. Mas, cientificamente, a forma como se aplica a teoria económica é independente do objecto particular. Na frase do grande Joseph Schumpeter,

«O carácter científico de uma dada peça de análise é independente do motivo que lhe deu causa.» [Schumpeter (1954), pág. 10.]

2.1.1.2. A decisão do consumidorPartindo da utilidade que atribui a cada bem, aos mais diferentes bens, o agente, que é racional, vai escolher a combinação que lhe dá maior satisfação, dadas as limitações.

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Atrás já vimos que os bens podem ser de qualquer natureza, pelo que neste estudo podemos incluir decisões sobre poemas, amigos ou viagens. Mas também os conceitos de «rendimento» e «preços», como a escassez, podem ser generalizados.Na verdade, o «rendimento» poderá ser um certo período de tempo, que o agente tem de afectar a várias actividades, cada uma com certa duração; ou a atenção que uma mãe tem de dedicar aos vários filhos, cada um com as suas personalidades e problemas; ou as danças que uma jovem distribui pelos admiradores numa noite de divertimento. Em geral, tudo isto são fenómenos de consumo que podem ser analisados deste modo.Como maximizar a distribuição de dinheiro fixo pelos vários bens? Várias regras poderiam ser usadas.É intuitivo perceber que a regra mais razoável é ir gastando cada euro naquilo que dá, nesse instante, mais prazer. Mas, à medida que se vai consumindo de um bem, a utilidade que ele dá varia. Claro que é melhor beber dois copos do que só um, mas o segundo já não é tão bom como o primeiro, porque parte da necessidade já está satisfeita.Vale a pena aqui introduzir a distinção que a Economia faz entre utilidade total e utilidade marginal. A utilidade total é a utilidade que o indivíduo obtém de dois copos de água, enquanto a utilidade marginal é a utilidade de cada um dos copos de água. A utilidade marginal é o acréscimo de utilidade que a última unidade consumida trouxe.Logo, a utilidade total de cinco unidades (cinco copos de água) é a soma de todas as utilidades marginais do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto copos de água (pode acontecer que, a partir do terceiro copo, por exemplo, mais água até saiba mal; nesse caso, a utilidade marginal do quarto e quinto copo são negativas, ou seja, diminuem a utilidade total).

Copos Utilidademarginal

Utilidadetotal

12345

432-1-2

44+3=74+3+2=94+3+2-1=84+3+2-1-2=6

Existe uma lei, parecida com a lei dos rendimentos decrescentes, a que chamamos lei da utilidade marginal decrescente, a qual afirma que, à medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade consumida desce. Esta lei, que não tem de se verificar (várias coisas dão-nos tanto mais prazer quanto mais as praticamos, como jogar xadrez), é o resultado de uma observação geral do comportamento humano. O acréscimo de satisfação que o consumo vai dando desce quando o consumo sobe. Vamos supor que é isso que se verifica nos nossos bens.Olhemos agora para o problema do consumidor. Para o conseguirmos analisar, é bom começar por o definir e formalizar. A maneira como o vamos fazer é a mais geral possível. Apresentá-lo-emos, já o dissemos, como um problema de escolha, onde existe um certo recurso (R), que pode ser usado para várias finalidades (bens 1, 2, 3, ...) que custam quantidades diferentes do recurso

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(preços p1, p2, p3, ...) e que têm utilidades diferentes. A pergunta que gostaríamos de ver respondida é qual a combinação dos bens que dá o máximo de satisfação, e ainda pode ser obtida com os recursos R.Note-se que este problema é muito genérico, e pode ser referido como «problema geral de afectação». Na verdade, a interpretação que aqui lhe vamos dar é que R representa o rendimento do consumidor, as finalidades são os bens a comprar, que têm preços diferentes, e que dão satisfações diferentes. Mas são possíveis outras interpretações do problema que são equivalentes.Por exemplo, se R for o espaço dentro de uma mochila, que um campista pode usar para levar as coisas para o seu acampamento. Os bens considerados são as coisas que ele pode meter na mochila, que ocupam espaços diferentes (que aqui são os preços) e lhe são mais ou menos úteis ao ar livre. A questão agora é de saber que coisas devem ser levadas na mochila para lhe maximizar a utilidade do transporte.Mas, como dissemos, o problema de uma rapariga num baile, que tem várias danças, que pode conceder a vários rapazes, dando-lhe utilidades diferentes a ela é do mesmo tipo. Tal como o problema de um fim-de-semana, que pode ser gasto em actividades diferentes, que demoram tempos diferentes e dão satisfações distintas é equivalente ao anterior, e muitos outros semelhantes.A forma de resolver todos estes problemas é a mesma, pelo que resolvendo um temos as soluções dos outros. Voltemos então ao caso do consumo, onde um certo rendimento R pode ser gasto em vários bens. O que parece razoável é ir gastar o dinheiro num bem que custa o dobro, até ele dar o dobro da utilidade marginal. Ou seja, a regra de ouro da decisão do consumidor é: A utilidade marginal do último euro gasto em cada bem deve ser igual em todos os bens ou, representando a utilidade marginal do bem i por Umi, e o seu preço por Pi,

Umi/Pi = Umj/Pj = ... = Umz/Pz

Será mais fácil perceber que tem de ser assim partindo da situação em que não o é. A situação melhor é aquela em que não é possível melhorar fazendo as transferências de dinheiro do consumo de um bem para outro. Logo, a utilidade do último euro gasto em todos os bens tem de ser igual.Enquanto a utilidade marginal do último escudo gasto em i for 3 e em j for 2, o consumidor deve ir transferindo dinheiro do consumo de j para o de i. Vale a pena gastar menos dinheiro em j e mais em i, pois isso aumenta a utilidade, sem se gastar mais dinheiro – houve um almoço grátis. Assim, se aquela que era maior vai descendo e a que era menor vai subindo, elas hão-de encontrar-se no meio. A transferência pára quando elas forem iguais.

Umi/pi > Umj/pj masQi ↑ implica Umi ↓ , Qj ↓ implica Umj ↑,

até que Umi/pi = Umj/pj

Este exemplo é muito conveniente porque cada unidade tem o mesmo preço e custa um euro. Mas nem sempre é possível passar um euro da compra de um bem para a de outro. Na verdade, a indivisibilidade de certos bens pode perturbar esta regra, mas se

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não é possível igualar a utilidade marginal do último euro em todos os bens, a regra diz que, pelo menos, devemos aproximá-las tanto quanto possível.A forma de tirar o melhor partido de certo intervalo de tempo é igualar a utilidade do último minuto gasto em cada actividade. Assim, vemos que a regra de ouro é uma regra da escolha racional, económica para todas as decisões da vida que possam ser apresentadas nesta forma.A Economia, ao supor que os agentes são racionais, parte do princípio que eles fazem escolhas desta forma. Mas quer isto dizer que a Economia supõe que, no nosso quotidiano, somos máquinas de calcular, sempre a avaliar as utilidades marginais? Claro que não, mas o que se observa é que se os consumidores forem racionais, esta regra explica muito do comportamento. Ao decidir comprar menos deste bem para guardar dinheiro para comprar aquela outra coisa, ou deixar de fazer isto para ter tempo para fazer aquilo, cada um de nós comporta-se como se calculasse as utilidades marginais dos vários bens, e aplicasse a regra que estudámos.Repare-se que o que determina o valor das coisas é a utilidade, mas não é a utilidade total. O que determina o valor de cada coisa é a utilidade da última unidade consumida. Assim, aparece a segunda ideia essencial da revolução: O que dá valor às coisas é a utilidade marginal. Nós já tínhamos encontrado este fenómeno, pois na cruz marshalliana o que determina o preço do bem é a última unidade procurada e oferecida. O preço a que unidades anteriores seriam procuradas ou oferecidas não interessa.Se se entrar com esta regra, vemos imediatamente a explicação do paradoxo do valor! O que Smith queria dizer é que a utilidade total da água é muito maior do que a do diamante, mas a utilidade marginal do diamante é muito superior à da água.

Note-se que o valor de uso é igual à utilidade que temos em usar o bem, que é a utilidade total. Mas, quem troca um bem, como é racional, só troca as últimas unidades, que são as que valem menos por si. Por isso é que o valor de troca é a utilidade marginal.É este, pois, o essencial desta revolução em Economia, que se passou a chamar revolução marginalista. Mas o mais curioso na história da revolução, e que foi uma surpresa para os três inovadores, Jevons, Menger e Walras, foi a constatação de que estas ideias já tinham sido apresentadas cerca de vinte anos antes

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Utilidademarginal (Um)

UmD

UmA

D A Quantidade

Diam. Água

a curva Umd < a curva UmAo valor de Umd > o valor de UmA

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por outro autor, na forma de duas leis. Na verdade, Hermann Gossen, um alemão, tinha em 1854 apresentado o que ficou conhecido como as «duas leis de Gossen»:Primeira lei de Gossen – À medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade adicional consumida desce.Segunda lei de Gossen – O consumidor, para obter o máximo de satisfação, deve consumir até que a utilidade marginal do último euro gasto em cada bem seja igual em todos os bens.

HERMANN HEINRICHN GOSSEN (1810-1858)Estudou Direito em Bona e Berlim e foi funcionário público. Em 1854,

publicou o livro Desenvolvimento das Leis das Relações Humanas e das Regras de Acção Humana Derivadas Delas. O seu autor estava convencido de que a obra era uma revolução na história da Economia, equivalente à de Copérnico na Astronomia. Mas o livro foi ignorado e o autor, desgostoso, destruiu as cópias não vendidas.

Inclusivamente, algumas das ideias que já vimos podem ser reformuladas nestes novos termos. Um bem não escasso é todo aquele que existe em quantidade tal que a sua utilidade marginal é nula, ou seja, chega e sobra para satisfazer as necessidades.A curva da utilidade marginal representada abaixo, significa, como sabemos, a utilidade de cada unidade adicional do bem, que é também o valor atribuído pelo consumidor a essas unidades. A curva da procura define, como vimos atrás, a quantidade de bem que o consumidor está disposto a comprar a cada preço.

Mas o consumidor só está disposto a pagar porque retira do bem utilidade. No fundo as duas coisas são o mesmo. Encontramos agora a verdadeira razão da lei da procura negativamente inclinada. Ela é causada pela primeira lei de Gossen, a lei da utilidade marginal decrescente: dado que a utilidade adicional do bem vai decrescendo com a quantidade, o agente só está disposto a pagar menos por cada unidade se comprar maiores quantidades.Mas esta constatação lembra-nos um problema resultante do facto de ser a margem a definir o valor dos bens. Na verdade, se o valor (o preço) do bem é igual à utilidade marginal, então o que se paga por um bem não representa o que ele, em média, vale, mas sim o que a última unidade vale. Alfred Marshall, o grande mestre de que já falámos atrás, referiu-se a este aspecto dizendo que existia um excedente do consumidor.Considere-se a curva da procura de um bem abaixo desenhada (que já sabemos que é equivalente, no espaço do dinheiro, à curva de utilidade marginal). O facto de o consumidor estar disposto a pagar 10 euros pela primeira unidade, 8 pela segunda, e 6 pela terceira e 4 pela quarta representa o valor que ele atribui a essas quantidades. Mas, como o preço é de 4 euros, isso quer dizer que ele vai comprar as quatro unidades todas ao preço de 4 euros.

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Um

Q

P

Q

curva da utilidade marginal

curva da procura

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Mas nesse caso ele ganhou com a troca, pois a primeira unidade custou-lhe 4 euros e valia 10, a segunda também custou 4 euros e valia 8, e a terceira custou outros 4 euros e valia 6. Este é o excedente do consumidor:

(10-4) + (8-4) + (6-4) + (4-4)

Note-se que se paga menos do que se dá (recebe-se o trapézio e só se paga o rectângulo; o triângulo do excedente é grátis). É por esta razão que a troca é benéfica. O que se dá é menos que o que se recebe. Aliás se não fosse assim não se dava a troca. Os dois lados ganham.Por exemplo, no caso da água, onde as curvas da utilidade marginal e da procura são muito altas e, como a quantidade é grande, o seu preço é baixo, o excedente do consumidor é muito grande. O gráfico abaixo, repetido da análise que fizemos atrás, mostra claramente que é da diferença dos excedentes do consumidor que nasceu o paradoxo de Smith.

Por outro lado, para decidir sobre a produção de bens públicos, o excedente do consumidor é uma noção essencial. Quando se constrói uma estrada, por exemplo, como não se vai pagar nada

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Preço

Quantidade

10 –

8 –

6 –

P =4 –

9 –

7 –

5 –

3 – 2 – 1 –

1 2 3 4

p

q

=> =

curva da procura ganho total custo total

Utilidademarginal (Um)

excedentedo consumidor

UmA Água Diam.

UmD

DA Q

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para a usar, o preço é zero. Parece almoço grátis, mas o Estado tem de pagar. Assim, o custo da construção da estrada é claro, mas é difícil avaliar o seu benefício. Daí a única maneira de saber quanto vale a estrada é calcular o excedente do consumidor. É o excedente que deve ser comparado com o custo para ver se vale a pena16. Daqui se vê o grande interesse que é viver em sociedade. Existe uma enorme quantidade de coisas que nos são indispensáveis (o seu excedente é enorme), mas pagamos por elas muito pouco. Esses almoços grátis, que a sociedade toda paga (pagamos com os impostos), são muito valiosos e constituem uma das grandes vantagens de viver em comunidade, embora no dia-a-dia pouca atenção lhes prestemos.

2.1.1.3. A análise moderna do consumidorQuem pode afirmar que, ao comer um pão, ele lhe dá o dobro da utilidade se tiver manteiga? Ou será o triplo? A utilidade, embora seja um fenómeno muito real e palpável, não pode ser medida por termómetros, réguas ou pesos. Por essa razão, a geração de economistas que se seguiu a Jevons, Menger e Walras abordou e resolveu o problema da medição da utilidade. Edgeworth e Pareto foram os principais responsáveis por esse trabalho.

FRANCIS YSIDRO EDGEWORTH (1845-1926)De origem irlandesa, Edgeworth cedo se dedicou completamente à vida

académica, sobretudo em Oxford, sendo um dos homens que mais contributos trouxe ao desenvolvimento teórico da «revolução marginalista». Gerando múltiplos avanços em vários artigos, que fizeram dele também um expoente essencial da teoria estatística, a sua principal obra foi o livro Psíquica Matemática, publicado em Londres em 1881. De várias formas, por exemplo, como editor da Economic Journal, a principal revista do tempo, Edgeworth foi um dos dirigentes intelectuais da nova escola económica. E, apesar de tomar Marshall como mestre a quem seguia, muitos dos avanços deste foram inspiração directa de Edgeworth. A multiplicidade das suas capacidades e a profundidade das suas descobertas fazem com que, ainda hoje, ele seja uma fonte de novos contributos.

VILFREDO PARETO (1848-1923)Formado em engenharia, trabalhou durante anos nos caminhos de ferro,

tendo-se interessado por economia só depois dos 40 anos. Foi então o sucessor de Walras na cátedra da Universidade de Lausanne, reformando-se em 1900, ao receber enorme fortuna. As suas principais obras são os apontamentos das suas aulas, editadas no Curso de Economia Política em 1896-1897 e no Manual de Economia Política de 1906.

A ideia destes dois autores é muito engenhosa: como só existe problema económico quando há alternativas, pelo menos duas, não interessa saber «quanto vale» cada uma das alternativas, mas «qual é a melhor».Perante dois bens (por exemplo livros e pão), o que é preciso saber é qual a avaliação relativa dos vários «cabazes» dos dois bens. A avaliação absoluta de um bem não tem significado, em Economia, porque a economia só existe quando há alternativas, trocas, e para isso só é preciso comparar e não avaliar absolutamente.Suponhamos que o consumidor tem um certo montante de cada um dos bens (pão e livros). Chamemos a esses montantes concre-

________________________________16 Note-se que, como o preço é zero, toda a área abaixo da curva da procura é excedente.

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tos dos dois bens um «cabaz» e representemo-lo num gráfico pelo ponto A.

Quais são os outros conjuntos (livros, pão) que, para um certo consumidor, são «indiferentes» aos montantes de livros e pão representados no ponto A, ou seja que lhe dão a mesma utilidade? Se, por exemplo, for necessário dar mais 3 pães para o compensar da perda do livro, ele passa para o ponto B, ficando com igual utilidade. Logo, o ponto B é igual em utilidade, «indiferente» ao ponto A.

Repare-se que o que é necessário que o consumidor saiba é quanto vale, para ele, um livro em relação ao pão. A avaliação é, pois, relativa.E agora, se lhe tirarem mais um livro, ele quererá um aumento do consumo de pães de mais ou menos que 3? Mais, pois o livro agora vale mais, e o pão vale menos que antes. Sabemos isto pela lei da utilidade marginal decrescente (1.ª lei de Gossen). Quanto menos livros tem, mais pães lhe têm de dar para ficar igual. Em Economia chama-se a esta a lei da substituição, a qual resulta do facto de, quanto menos livros se tem, maior é a utilidade marginal do livro, pela lei de Gossen.Deste modo, é possível ir encontrando um grande número de outros pontos que têm, para aquele consumidor, exactamente a mesma utilidade que o ponto A. Isso quer dizer que, na decisão de consumo que o consumidor toma, esses pontos são indiferentes para ele. O conjunto dos pontos indiferentes a A forma uma curva de indiferença, instrumento inventado por Edgeworth e desenvolvido por Pareto. Assim como vimos, não é preciso saber o valor absoluto da utilidade, bastando saber o valor relativo dos bens, uns em relação aos outros. Note-se que a curva de indiferença tem de ser decrescente (porquê?) e que a primeira lei de Gossen implica que ela tenha de ser abaulada para baixo (convexa para a origem). É a forma de representar o facto de, à medida que se vão tirando mais livros, ser preciso dar cada vez mais pão para compensar.

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Livros

Pão

A

Livros

Pão

AB1

3

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Mas, mesmo sem saber a curva de indiferença (que revela as preferências particulares do consumidor) é possível ter algumas ideias de comparação entre os vários cabazes de consumo, representados por pontos. Os pontos em que ele tem menos livros (B), menos pão (C) ou menos livros e menos pão (D) que no ponto (A), têm de ser piores que o ponto A. Os pontos em que tem mais livros (E), mais pão (F) ou mais livros e mais pão (G) que no ponto (A) são melhores que o ponto A.

Mas os outros pontos, aqueles em que tem menos de um bem e mais do outro (como H e I)? Para esses é que é impossível decidir qual a sua relação de ordem com o ponto A sem conhecer as preferências do consumidor ou seja, a curva de indiferença.Para cada consumidor que saiba avaliar todas as situações há um mapa de indiferença, traçando todas as curvas, por todos os pontos do espaço.O ponto C, na curva de cima, é melhor que o ponto A, numa curva abaixo. Porque o ponto A é indiferente ao B, por estarem na mesma curva de indiferença, e o B tem o mesmo número de livros que C, mas menos pães que C. Logo, B é pior que C, e como B é pior que C e igual a A, A tem de ser pior que C.

Para uns, A pode ser melhor que C e até, para outros, A e C podem ser iguais.

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Livros

Pão

A

A'

Livros

Pão

A

B

C

D

E

F

GH

I

Livros

Pão

A

B C

Livros

Pão

A

C

Livros

Pão

A

C

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Mas voltemos ao problema inicial do consumidor. Quantas unidades de pão lhe têm de dar, quando lhe tiraram um livro, para ele ficar igual? Chama-se a este conceito, que representa a utilidade relativa do pão e dos livros, a taxa marginal de substituição. Esta taxa (TMS) diz-nos quantos pães valem um livro, ou seja, é igual ao rácio das utilidades marginais dos dois bens. Se um livro é trocado por três pães, a utilidade desse livro (o livro da margem) é igual a três vezes a do pão.Se para o consumidor as utilidades marginais do pão (Ump) e do livro (Uml) tivessem valor concreto, por exemplo Ump = 3 e Uml = 9, então, se lhe tiram um livro, retiram-lhe uma utilidade de 9. Para ele ficar igual, têm de lhe dar três pães. A TMS é de 3 = 9/3.

TMS (livros, pão) = Uml/Ump

Mas, como vimos atrás, se lhe tiram outro livro, já têm de lhe dar mais pães, por exemplo 5. Deste modo, o consumidor passa para o ponto C, que continua a ser indiferente a A e B.

Antes ele estava disposto a trocar um livro por três pães. Agora troca um livro por cinco pães. A TMS subiu.Mas vamos supor que os pães e os livros são transaccionados no mercado a preços conhecidos, sendo o preço do livro Pl=7 euros e o do pão Pp = 1 euro. A taxa marginal de substituição do mercado é de 1 para 7; 1 livro vale 7 pães. E como o preço é fixo, A TMS no mercado é sempre 7.

Se o consumidor, no ponto A, está disposto a trocar 1 livro por 3 pães, ele fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros. Logo ele não vai para B, mas sim para D, que está numa curva de indiferença superior a B e, portanto, a A.Quando a relação das utilidades marginais for de 1 para 7 (TMS = 7), o jogo pára, pois agora comprar menos livros e mais pão é indiferente para ele. O jogo pára porque já não é possível ganhar mais: o ponto encontrado é o óptimo. E nesse ponto a taxa marginal de substituição iguala o quociente dos preços. Ou seja, o consumidor está a trocar da mesma forma que a sociedade. Esta é a regra óptima do consumo.

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A

BC

Livros

Pão

11

3 5

Livros

Pão

1

1

3 5

7

A

B

C

D

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TMS l,p=Pl/Pp

Como o quociente de preços é a taxa de substituição no mercado, então a lei diz que o óptimo de cada pessoa é, na margem, fazer o mesmo que todos os outros, fazer o mesmo que o mercado.Esta é a condição de óptimo. Mas a lei não é nova. É apenas a 2.ª lei de Gossen dita de outra forma.Esta nova forma de analisar o problema do consumidor é a mesma que a da secção anterior. Mas agora não se exige que a utilidade seja mensurável, porque, no fundo, não era preciso.Mas será que esta condição basta? Será que todo o ponto onde se verifique esta condição é o ponto óptimo de consumo? Há outros pontos no espaço em que tal condição é satisfeita.O problema é que o consumidor está limitado por um certo nível de rendimento, o qual ainda não considerámos.

Os pontos traçados dão as possibilidades de consumo deste consumidor. A recta divide o espaço em duas zonas: a zona acima, que inclui os pontos de consumo que são impossíveis, por não ter dinheiro para os comprar, e a zona abaixo dela, que inclui os pontos que custam menos dinheiro do que o rendimento disponível. Esta é a recta do rendimento .Algebricamente, a restrição do rendimento manifesta-se pela necessidade de que as despesas em livros (o preço dos livros multiplicado pela quantidade comprada, Pl x L) somadas às despesas em pão (Pp x P) sejam, no máximo, iguais ao rendimento (R).

Pl x L + Pp x P = R

Se dividirmos a equação acima por Pp, é possível medir as despesas e o rendimento na unidade «pão», e não em dinheiro17. A condição passa a definir-se como:

(Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Podemos agora perguntar: de todos os pontos das possibilidades de consumo qual é o melhor? Nesse caso, vemos que o ponto de possibilidades de consumo que tem maior utilidade (ou seja, o que pertence a uma curva de indiferença mais acima) é o da tangência entre a curva de indiferença e a recta do rendimento. Aí, as inclinações são iguais18, ou seja, a taxa marginal de substituição (inclinação das curvas de indiferença) iguala o rácio dos preços (inclinação da recta do rendimento).

________________________________17 Quantos pães representa o montante de rendimento (R)? Se dividirmos R/Pp, vemos o valor do rendimento em pão. O mesmo se passa com o preço Pl: um livro vale Pl/Pp pães.18 É fácil ver qual a inclinação da recta de rendimento. Escrevendo-a na forma que segue, P = - (Pl/Pp) x L + R/Pp, vemos que a derivada dP/dL vem igual ao rácio de preços Pl/Pp.

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Livros

Pão

R/Pl

R/Pp

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TMS l,p=Pl/Pp

Encontrámos de novo a 2.ª lei de Gossen: Os consumidores consomem até que a TMS iguale o rácio dos preços. Só que agora temos mais uma condição de óptimo: a recta do rendimento:

(Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Só com as duas condições juntas é possível obter o ponto ideal. Vamos supor que o ponto A faz parte da recta que referimos. Mas esse ponto não é o ideal pois, como já vimos, ele aí está disposto a trocar 1 livro por 3 pães e, portanto, fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros: compra menos 1 livro, e com o dinheiro pode comprar mais 7 pães (passa para o ponto D), o que faz subir para curva de indiferença superior.

Mas chega a um ponto em que não é possível, mantendo-se na recta, subir para uma curva superior. Isso passa-se quando uma curva de indiferença for tangente à recta, que é o ponto de máxima utilidade. E a condição necessária e suficiente para nos encontrarmos nesse ponto é que, simultaneamente, se verifiquem

as duas condições:

TMS l,p=Pl/Pp(Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Este é o primeiro teorema que demonstramos. Esta regra é uma regra geral de afectação; pode aplicar-se ao rendimento, como aqui, ou à afectação do tempo, do espaço, etc.Em primeiro lugar é bom não esquecer que as equações que representam o nosso teorema não são, em si, Economia. A análise económica, propriamente dita, é formada pelo raciocínio feito sobre o comportamento dos agentes. As equações são apenas uma forma, particularmente elegante e sugestiva, de resumir a conclusão do nosso raciocínio.Como se disse atrás, a realidade é demasiado complexa para poder ser estudada directamente. Um modelo é uma simplificação da realidade, como um mapa é uma simplificação de uma região. Nós compreendemos o que se passa no modelo, e isso dá-nos pistas para compreender a realidade complexa, que é o nosso objectivo. Um nosso amigo tem, na sua actividade diária, tantas motivações, desejos, problemas e alegrias, que descrever os seus estados de espírito é impossível.Um modelo tem duas utilidades fundamentais.

1.º Serve para nos indicar qual é a resposta à questão e, sobretudo, porquê. Assim, sabemos qual vai ser o consumo do agente económico, e compreendemos as razões que o

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Livros

Pão

A

B

C

D

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levaram a essa decisão. É isto uma teoria, que desenvolve um raciocínio explicativo da realidade. Foi isso que o nosso modelo nos deu até agora. A equação acima diz-nos qual vai ser o resultado do comportamento consumidor, e a sua dedução dá-nos a justificação desse resultado.

2.º Dado que ele descreve uma simplificação do problema que queremos abordar, o consumo do agente, o modelo pode servir para como reage esse resultado a mudanças no ponto de partida. Se o R (rendimento) ou os p's (preços) forem mudados, perguntamos o que acontece ao consumo do agente? É isso que iremos fazer já adiante, na próxima secção.

Nesses exercícios, para facilitar a nossa análise, partimos sempre de um ponto de equilíbrio e, em geral, fazemos uma experiência de cada vez. Estas podem ser opções irrealistas, mas são, também, opções de método científico. Na verdade, na vida real, mudam ao mesmo tempo o rendimento e os preços. Mas se nós fizéssemos isso no nosso modelo, teríamos uma confusão de efeitos, e não seríamos capazes de entender o que estava a acontecer.Finalmente, é bom lembrar que, uma vez modificada uma das circunstâncias de partida, somos obrigados a pôr em causa todos os resultados obtidos. Este princípio científico, que já encontrámos atrás e que é conhecido por «princípio do second best», diz que, uma vez modificada uma das hipóteses do problema, temos de deduzir todas as conclusões de novo. Em cada uma das experiências que faremos adiante, o método de cálculo é o mesmo, mas tem de ser aplicado desde o princípio de cada vez.

2.1.1.4. Três outras questões do consumidorVimos que, com a regra de Gossen, era possível distribuir da melhor maneira um recurso escasso (rendimento, tempo, carinho, etc.) por várias utilizações.Que acontecerá à escolha do nosso consumidor se ele, de repente, tiver uma subida súbita do seu rendimento? Ou se for despedido e perder muito dinheiro? Este problema de variações de rendimento é muito importante pois nele se inclui, por exemplo, a comparação das decisões de consumo entre ricos e pobres, as modificações do padrão de consumo de um país ao subir o seu rendimento no processo de desenvolvimento, etc.

ERNST ENGEL (1821-1896)Engel era essencialmente um burocrata bem sucedido, que chegou a ser

director do Gabinete de Estatísticas da Prússia. O que o tornou mais famoso foi o seu estudo sobre a distribuição de rendimento e a publicação em 1857 de um artigo em que apresenta a Lei de Engel num conjunto de famílias com gostos semelhantes e enfrentando preços iguais, o peso da despesa em alimentação é, em média, uma função decrescente do rendimento.

Vamos voltar a olhar para o gráfico dos dois bens e perguntar-nos o que acontecerá se aí se fizer variar o rendimento. A nível de rendimento superior, a recta de rendimento será mais acima, embora seja paralela (a inclinação não precisa de variar, pois os preços não variaram). Com essa curva mais elevada, a aplicação da regra de Gossen leva a escolher o ponto que é tangente a uma curva de indiferença.

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Se calcularmos os pontos óptimos para muitos níveis de rendimento, e esses forem unidos entre si, obtém-se uma curva, a que se dá o nome de curva consumo-rendimento: o lugar geométrico dos pontos de consumo óptimo dos dois bens, para certos níveis de preços e vários valores do rendimento.Relacionadas com esta curva estão as curvas de Engel . Assim, se de cada ponto da curva consumo-rendimento forem anotados os valores do rendimento e os correspondentes valores de consumo de pão e livros, é possível construir as curvas de Engel para cada um dos bens.

Para analisar as variações do padrão de consumo à medida que um consumidor vai ficando mais rico, por exemplo, é preciso saber o que acontece ao peso de certo bem no total da despesa: será que, à medida que fica mais rico, o consumidor vai comprando proporcionalmente mais ou menos pão?, e livros?O que queremos saber é: «Quando varia o rendimento de um por cento (1 %), qual a percentagem de aumento dos gastos no bem?»O conceito de variação relativa percentual chama-se, em Economia, elasticidade19. É claro que existe uma relação estreita entre as curvas de Engel e os valores da elasticidade rendimento.Deste modo, se o bem aumenta a sua importância nas despesas do consumidor quando o rendimento sobe, chamamos a esse bem um bem superior. Os bens superiores são, pois, aqueles que os ricos têm possibilidade de comprar, enquanto os pobres pouco lhe tocam. Os bens de luxo ou aqueles bens mais ligados aos níveis altos dos rendimentos (piscinas, automóveis, maquilhagem, etc.) são exemplos destes bens.Os bens em relação aos quais o consumidor, quando o seu rendimento sobe, aumenta o seu gasto, mas menos que proporcionalmente à subida do rendimento (ou seja, o seu peso no rendimento desce) chamam-se bens normais. Estes bens ocupam o meio do espectro, pois são aqueles bens que as pessoas, à medida que ficam mais desafogadas no seu rendimento, consomem mais, mas não proporcionalmente mais. A lei de Engel,

________________________________19 Este conceito foi inventado por Alfred Marshall, nas suas férias de 1881, quando estava sentado no terraço do Hotel Oliva, em Palermo, na Sicília.

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Livros

Pão

Livros Pão

R R

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referida acima, supõe que os bens alimentares são bens normais. Finalmente, temos os bens inferiores, dos quais o consumidor, ao ficar mais rico, consome menos. Esses bens, que têm uma elasticidade rendimento negativa e uma curva de Engel decrescente, são constituídos pelos bens que satisfazem necessidades que também podem ser satisfeitas por outros bens de melhor qualidade, mas que, quando pobre, o consumidor não poderia comprar. O mesmo se passa com certos bens de alimentação, que são substituídos (pelo menos parcialmente) por outros com níveis superiores de rendimento.

É claro que consumidores diferentes podem dar aos mesmos bens classificações diferentes. No entanto, essas diferenças não são normalmente muito acentuadas, pelo que é possível, para boa parte dos bens de uma economia, definir qual o principal tipo desse bem. Os casos referidos acima são disso exemplo claro.Um outro problema semelhante aparece se, mantendo o rendimento, se variar o preço de um bem, por exemplo, o preço dos livros. Agora, se todo o rendimento for gasto em livros, é apenas possível comprar menos livros, enquanto se ele fosse gasto em pão (cujo preço não variou) se mantinha o ponto anterior.

Dada nova recta do rendimento, o ponto óptimo continua a ser obtido pela tangência entre essa recta e uma curva de indiferença. Ao fazer novas variações de preços (subidas e descidas) é possível unir os vários pontos de consumo óptimo, obtendo assim a curva preço-consumo.Tal como se fez no problema das variações de rendimento, é possível desenhar uma curva que exprima a relação da curva preço consumo, mas só para um dos bens.Mas já conhecemos esta relação. Trata-se da nossa curva da procura. Finalmente, obtém-se a teoria que se procurava: a explicação da curva da procura. Se antes a descrevemos, agora sabemos compreender por que razão o consumidor escolheu cada um dos seus pontos. Foi pela aplicação da regra de Gossen (cuja lógica de escolha vimos) a um certo montante de rendimento e preços que levou a essa escolha.

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R R R

Q Q QBem superiorEr>1

Bem normal0<Er<1

Bem inferiorEr<0

Livros

Pão

R/Pl1

R/Pl2

R/Pp

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É claro que ao variar o preço dos livros, varia a quantidade consumida de pão. É possível desenhar a relação entre o preço dos livros e a quantidade de pão. Por outro lado, é possível fazer o mesmo exercício com variações do preço do pão. Deve ainda lembrar-se que a avaliação de um bem é feita em relação ao outro bem. Por isso, uma subida do preço dos livros significa uma descida (relativa) do preço do pão e vice-versa.Definida a curva da procura, temos de resolver um paradoxo importante que dominava esta questão: o chamado paradoxo de Giffen. Num estudo sobre as classes mais pobres, Sir Robert Giffen, um economista do século XIX, notou que, para alguns bens, quando o preço subia as pessoas compravam mais deles.

ROBERT GIFFEN (1837-1910)Sir Robert Giffen, tal como Engel, foi um economista essencialmente

preocupado com a descrição estatística da realidade. Foi um teórico interessado, embora pouco brilhante, e participou activamente na maior parte dos debates do seu tempo.

O que essa constatação poderia significar era que a curva da procura subia com o preço. Já tinham sido notados outros casos de violação dessa lei, sobretudo em casos de snobismo (comprar um bem mais caro só porque é mais caro)20. Mas este não caía nesses casos porque as pessoas eram muito pobres e os bens eram essenciais (por exemplo pão ou batatas).Este problema, que preocupou muito a jovem abordagem marginalista à economia, foi resolvido trinta anos depois, pelo economista Slutsky. Curiosamente, a sua resolução ficou esquecida, tendo sido redescoberta mais tarde por dois economistas ingleses, Hicks e Allen, em 1934, que, no entanto, rapidamente reconheceram a precedência de Slutsky.

EUGEN SLUTSKY (1880-1948)Slutsky é um dos casos, em Economia, de um génio ignorado e cujos

contributos vieram mais tarde a ser «redescobertos» por outros. Após a revolução soviética, foi professor de Economia nas Universidades de Kiev e Moscovo, acabando os seus dias como membro do Instituto Central de Meteorologia de Moscovo.

A ideia essencial de Slutsky já é nossa conhecida. Quando varia o preço, ao longo da curva da procura há dois efeitos:

1. o efeito substituição (porque o bem fica mais caro, o consumidor desloca-se ao longo da curva de indiferença, para um ponto em que o consumo desse bem é menor) e

2. o efeito rendimento (porque se fica mais pobre pela subida de preço, o consumidor é forçado a deslocar-se para uma curva de indiferença inferior).

Vamos supor que o consumidor se encontra em equilíbrio, no ponto A, quando se verifica uma subida do preço do pão. Sabemos já determinar o novo nível de consumo de pão e livros, pela regra de Gossen. Esse ponto é novo ponto óptimo e é o ponto B.

________________________________20 Repare-se que este caso não é uma violação da lei no sentido estrito porque aqui existe o consumo de dois bens: consome-se o bem em si e consome-se o prazer de mostrar aos outros que se é rico e se pode comprar bens caros.

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A ideia de Slutsky é que a passagem de A para B é composta por dois efeitos diferentes.

1. Como o consumidor defronta um preço mais alto do pão, a sua nova escolha terá necessariamente menos pão e mais livros (efeito substituição).

2. Como o preço mais alto tornou o consumidor mais pobre, ele vai consumir menos pão e menos livros (efeito rendimento).

O efeito total é a soma destes dois efeitos.Como o efeito total é a soma dos dois, não sabemos se a quantidade sobe ou desce.Se o preço do pão subir, para comprar uma combinação de bens que dê a mesma utilidade que se tinha antes da subida é preciso um rendimento superior. Podemos, aliás, encontrar qual é esse rendimento. Basta, para tal, traçar uma recta paralela à nova recta do rendimento (ou seja, com os novos preços), mas que seja tangente à antiga curva da indiferença (ou seja, que dê a utilidade igual à do ponto A). Com esse rendimento (fictício) seria escolhido para consumir o ponto B', um ponto com a mesma utilidade que o ponto A.

Comparando o ponto A com o ponto B' vemos claramente que a quantidade consumida de pão é sempre menor e que a de livros é maior. A passagem de A para B' não acarretou qualquer descida no valor do rendimento (a descida de rendimento causada pela subida de preços foi compensada pela subida do rendimento), apenas alteração de preços. A passagem de A para B' foi apenas devida ao efeito substituição.Para daí chegar ao ponto final, dá-se um deslocamento paralelo da recta fictícia para a recta de rendimento final, o que equivale a uma redução de rendimento e apenas a uma redução de rendimento. A passagem de B' para B é pois devida apenas ao efeito rendimento. A soma dos dois efeitos é que gera os pontos da curva da procura.O padrão dos dois efeitos é fácil de compreender. No que respeita ao efeito substituição, ele leva sempre a uma redução da quantidade consumida do bem cujo preço aumenta. Na verdade, tem de ser assim devido à primeira lei de Gossen.

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Livros

Pão

AB

B'

Livros

Pão

A

B

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Quanto ao efeito rendimento, a questão é um pouco mais complicada porque como vimos atrás, as variações do rendimento não têm efeitos simples sobre o consumo. Uma queda no rendimento pode diminuir ou aumentar a quantidade consumida do bem, conforme o bem seja superior/normal, ou inferior.Normalmente, o efeito que domina é o efeito substituição, que, aliás, é o mais intuitivo (se o preço sobe, eu compro menos).É exactamente assim que a decomposição de Slutsky, do efeito total sobre a quantidade de uma subida de preços, nos permite compreender o paradoxo de Giffen.

Nestes bens, constata-se que, perante uma subida de preços, o efeito rendimento é não só inverso do efeito substituição, mas de tal forma poderoso que o anula, causando um aumento da quantidade procurada, o que gera a parte positivamente inclinada da curva da procura.Como vimos atrás, a «lei» ou o «efeito de King» consistia na constatação de que quando a colheita era boa, o preço do bem descia, e isso podia prejudicar o produtor. Como a receita do produtor (R) é igual ao produto do preço (P) pela quantidade (Q), se Q sobe e P desce, R pode subir ou descer.Esta questão está ligada a um problema muito comum para toda a gente que quer fixar o preço de qualquer coisa: se o objectivo é ganhar o máximo de dinheiro, deve-se baixar o preço e vender muito (mas ganhando pouco em cada unidade do produto que se vende) ou deve-se subir o preço, aumentando a receita por unidades, mas vendendo poucas unidades?Como já foi esboçado atrás, o problema reside na colocação e, sobretudo, na inclinação da curva da procura. É fácil de ver que se, ao subir o preço de um por cento (1 %), a quantidade descer manos de 1 %, então a receita sobe, mas, se descer mais, a receita desce.

Em particular, o que determina qual a sensibilidade da receita a variações de preço é a elasticidade preço da procura: a percentagem de descida da procura se o preço subir 1%. Analiticamente podemos dizer que a elasticidade preço da procura

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Livros

Pão

A

B

B'

P

Q Q Q

P PA=B A>B A<B

AB

AB

AB

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(E), que é igual ao aumento percentual da procura dividido pelo número percentual do preço, se mede por

E = — (Variação de Q)/Q/(Variação de P)/P.

Usando o gráfico abaixo, pode exemplificar-se a medição da elasticidade pela fórmula21:

Nesta fórmula, a variação da quantidade (Q2-Q1) e do preço (P2-P1) são ponderadas pelo valor médio do intervalo de variação.Um bem que tenha uma elasticidade procura-preço maior que 1 diz-se que é um bem de procura elástica.Um bem que tenha elasticidade procura-preço menor que 1 tem procura inelástica ou rígida, o que faz com que o aumento de preço suba a receita. Finalmente existem bens com procura de elasticidade unitária nos quais as variações de preço mantêm a receita.Um caso particular de procura rígida é o daqueles bens que têm elasticidade procura-preço negativa. Esses são bens para os quais uma subida de preço faz aumentar a quantidade procurada. Estes são, nem mais nem menos, os nossos já conhecidos bens de Giffen. Se a curva da procura for uma recta vertical, isso significa que a quantidade nunca varia, qualquer que seja o preço; nesse caso, a elasticidade é zero e a procura é dita perfeitamente rígida. No extremo oposto temos o caso de uma recta horizontal, onde a procura, mesmo sem variar o preço, toma todos os valores possíveis; este é o caso de elasticidade procura-preço infinita.

É bom não confundir elasticidade com inclinação. São conceitos relacionados mas diferentes. A elasticidade de uma curva é a inclinação ponderada pelo ponto em que é medida. Como se pode ver no gráfico abaixo, uma curva pode ter uma zona muito rígida, quase vertical, e depois ir descendo a sua inclinação até acabar numa zona muito elástica, quase horizontal.

________________________________21 Para os leitores que gostem de matemática, o conceito de elasticidade pode escrever-se, usando o conceito de diferencial, da seguinte forma: E= - (dQ/Q)/(dP/P)= - (dQ / dP) x (P/Q). Repare-se ainda que, como a variação da quantidade é negativa quando a variação do preço é positiva (excepto nos bens de Giffen), é costume trocar o sinal à elasticidade (pondo um sinal «menos» antes da fórmula) para que os valores da elasticidade venham positivos.

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Q

P

P2

P1

Q2 Q1

[Q2 – Q1] (Q2 + Q1)/2E = - __________ [P2 – P1] (P2 + P1)/2

P P

Q Q

D D

E=0 E=∞

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Por outro lado uma recta, que tem a mesma inclinação em todos os pontos, tem elasticidade diferente em pontos diferentes. Como apresenta a mesma inclinação, a variação de quantidade causada pela mesma variação de preços é igual em todos os pontos de uma recta. Mas se ela tem o mesmo valor, não é igual percentualmente. A preços altos, como a quantidade é baixa, a mesma variação da quantidade é percentualmente maior e, por isso, a elasticidade é alta. Mas a preços baixos a quantidade é alta e a elasticidade é baixa.Por que razão os bens têm diferentes elasticidades-preço, ou seja, a sua procura reage diferentemente a variações de preço? Existem várias explicações mas as mais correntes são as seguintes:— Em primeiro lugar, a distinção entre bens de necessidade e

bens supérfluos. Se um bem é essencial ao consumidor, ele pouco varia a quantidade que compra, mesmo que o preço suba muito, enquanto se o consumidor puder viver bem sem ele, é normal que desça muito a quantidade. A procura de pão é, portanto, muito mais rígida do que a de chupa-chupas.

— A existência ou não de substitutos também gera diferentes elasticidades da procura ao preço. Um bem que é facilmente substituivel por outro reage muito mais a variações de preço do que um que constitui a única forma de satisfazer essa necessidade. Por essa razão, é de esperar que a procura de fruta seja mais elástica do que a de papel higiénico.

— O peso desse bem no orçamento do consumidor é também determinante. Aqueles bens que pesam mais nas nossas despesas são normalmente mais elásticos que os que pouco pesam. A alimentação é, por esta razão, mais elástica do que a procura de bombons.

— Finalmente, é muito importante o tempo de reacção. As várias subidas dos preços de petróleo (que parece ser um bem com mentalidade de ioiô) só começam a reflectir-se nos hábitos de transporte ao fim de algum tempo. Assim, a elasticidade de procura medida a longo prazo é maior que a medida a curto prazo.

Para terminar a análise da elasticidade preço, vale a pena falar de uma outra elasticidade, a elasticidade preço cruzada da procura. Trata-se da variação da procura de um bem causada por alterações de preço de outro bem. Bens que tenham a elasticidade procura-preço cruzada positiva são normalmente chamados bens substitutos. A razão é simples: se quando o preço de um deles sobe, a procura do outro também sobe (nesta elasticidade não se troca o sinal), então é porque houve uma substituição do consumo de um bem pelo outro. É o que se passa entre a manteiga e a margarina. Se esta elasticidade for negativa, os bens são chamados bens complementares, pois a procura dos

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P

Q

P

Q

E baixo

E baixoE alto

E alto

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dois bens move-se no mesmo sentido, tal como a procura de pneus e automóveis.A aplicação da hipótese da racionalidade permitiu-nos encontrar vários resultados, que agora podemos resumir esquematicamente:

a) A solução do problema do consumidor centra-se nas duas leis de Gossen (1854):1.ª Lei de Gossen – À medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade adicional consumida desce.2.ª Lei de Gossen – A utilidade marginal do último euro gasto em cada bem deve ser igual em todos os bens.

b) Depois analisámos a lei de Engel (1857), que nos permitiu discutir os efeitos de variações de rendimento:Lei de Engel: num conjunto de famílias com gostos semelhantes e enfrentando preços iguais, o peso da despesa em alimentação é, em média, uma função decrescente do rendimento.

c) Depois referimos o paradoxo de Giffen (1884), que nos levou à discussão das variações de preços:Paradoxo de Giffen – Há bens cujo consumo sobe quando sobe o preço.

d) Finalmente abordámos o efeito de King (1669):Efeito de King – Nos anos de colheita boa, os produtores ficam pior.

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2.1.2. TEORIA DO PRODUTOR2.1.2.1. Empresas e produçãoDepois de analisarmos o consumidor, o agente seguinte é o vendedor, o produtor, a empresa. Tal como o fenómeno do consumo era muito variado, também o da produção o é.A produção consiste na combinação de vários elementos no sentido de obter, a partir deles, um bem que satisfaça uma necessidade humana. Podemos dizer que boa parte da produção que existe no mundo é feita por nós, em nossas casas. Cada vez que uma pessoa deita açúcar no café está, em todo o sentido económico do termo, a fazer uma produção. Estão presentes os factores primários (o capital, na chávena e na colherzinha, o trabalho de mexer, e a terra, representada pela água) e os produtos intermédios (os bens tropicais café e açúcar), e o resultado (café açucarado) satisfaz uma necessidade do nosso consumidor guloso, que antes não satisfazia. Ninguém faz uma empresa para pôr açúcar no café, mas o acto produtivo está lá.O que a Economia pretende captar com a sua «teoria do produtor» é o que existe de comum em todas estas empresas e actividades de produção. O essencial é como se comporta o agente de decisão, posto perante um problema típico de produção. Tal como foi feito na teoria do consumidor, será feita uma estilização do essencial do problema do produtor, para depois o resolver.Vê-se facilmente que o problema do produtor é um pouco mais complexo que o do consumidor. Na verdade, um produtor é, ao mesmo tempo, vendedor (do seu bem) e consumidor (de factores produtivos). Isso faz com que ele tenha duas questões: quanto produzir do bem e como produzir essa quantidade. A primeira questão é típica do produtor, e é nova. A segunda questão, como se verá, é muito parecida com a questão do consumidor.Uma certa quantidade do bem resultante da produção, e a que vamos chamar «produto», só é conseguida com a aplicação de certas quantidades de recursos ou factores produtivos. Chamaremos função de produção à relação que existe entre a quantidade de produto e as quantidades de recursos: terra, trabalho e capital22. No caso geral, esta função pode ter qualquer forma, e não precisa de ser representada matemática ou graficamente. Também em princípio, a produção é o resultado da acção independente dos factores.Se, dados os valores constantes de terra e capital, se forem adicionando unidades sucessivas de trabalho, podemos registar os montantes de produto que são obtidos. Temos assim uma curva, relacionando produto e trabalho, a que chamaremos curva do produto total do trabalho. Mas, tal como fizemos no consumidor, podemos registar apenas o acréscimo do produto que a última unidade de trabalho trouxe. Nesse caso obtemos a curva do produto ou produtividade marginal do trabalho.

________________________________22 Como já vimos atrás, qualquer produto intermédio que seja utilizado na produção pode ser convertido nas quantidades de terra, trabalho e capital necessárias para o produzir.

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Normalmente, a curva do produto marginal é negativamente inclinada, ou seja, acréscimos sucessivos de um factor feitos sobre quantidades constantes dos outros factores levam a acréscimos sucessivamente menores de produto. Esta lei já a conhecemos como a lei dos rendimentos decrescentes, da autoria de Thomas Malthus, mas a que agora podemos chamar, com mais rigor, lei dos rendimentos marginais decrescentes. Claro que se trata de uma lei que se verifica empiricamente, e não tem de ser verdade em todos os casos.Um problema diferente aparece quando não se varia apenas um, mas todos os factores produtivos similtaneamente. Nesse caso o que varia é toda a escala de produção, e por isso se chama a este o problema dos rendimentos de escala. Assim, temos rendimentos de escala constantes, decrescentes ou crescentes.Em princípio é de esperar que os rendimentos sejam, pelo menos, constantes, pois se os recursos foram duplicados é possível construir uma fábrica exactamente igual à anterior, que deve produzir tanto como aquela. Mas por vezes a produção pode aumentar para mais do dobro, gerando rendimentos de escala crescentes.Podem existir grandes custos fixos, que são agora distribuídos por maiores quantidades e tornam a produção por unidade mais barata. Numa siderurgia, o aço é mais barato se produzir 1000 toneladas de aço por ano com o alto-forno do que 10. Chamamos a esses benefícios as economias de escala, ou seja, os benefícios adicionais de produção causados por um aumento da escala de produção.Mas, ao aumentar muito a escala começam a aparecer problemas de gestão e controle, de escoamento dos produtos, etc., e isso pode reduzir o aumento percentual da produção. Nessas circunstâncias, a empresa entra numa fase de rendimentos decrescentes à escala.Toda esta discussão e distinção entre rendimentos marginais e rendimentos de escala tem, no fundo, a ver com o tempo, em particular com o prazo de análise e de equilíbrio. Se, por exemplo, existe uma subida da procura na primeira reacção, no equilíbrio momentâneo a empresa pouco pode fazer, e dificilmente aumentará muito a produção. Ao fim de algum tempo, no curto prazo, a empresa já consegue modificar o seu consumo de certos factores (por exemplo, pode contratar mais trabalhadores), mas não tem possibilidade de modificar os outros, que são mais rígidos. Nessa altura, a empresa está sujeita à lei dos rendimentos marginais decrescentes. Mas se o aumento de procura se mantiver, no longo prazo, já a empresa consegue modificar todos os seus recursos (alargar a fábrica, comprar mais máquinas,

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Produtototal

Produtomarginal

Trabalho Trabalho

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arrendar mais terras), e toda a escala de produção, aumentando-se ou diminuindo-se a capacidade produtiva.Outro efeito que a passagem do tempo tem sobre a produção é o aparecimento de novas formas de produção, que competem com as antigas, vencendo as melhores. Chamamos a este fenómeno o progresso tecnológico, uma das principais componentes do desenvolvimento económico.Não devemos esquecer que são estes dois factores, ambos relacionados com o tempo, a existência de economias de escala e o progresso tecnológico, que anularam as previsões catastróficas de Malthus, as quais se baseavam na lei dos rendimentos decrescentes.

2.1.2.2. Como produzir?Tratemos, pois, das duas questões que foram o problema do produtor: quanto e como produzir.Dada uma certa quantidade de produto que se pretende produzir (que foi decidida de forma que ainda ignoramos), qual a forma melhor para a produzir? O raciocínio que é necessário seguir é parecido com o do consumidor, pois esta questão repousa sobre a quantidade de factores produtivos a usar, ou seja, a consumir na produção.Consideremos dois factores produtivos, por exemplo, terra e trabalho. No espaço destes factores produtivos podemos desenhar «curvas de indiferença» de produção, ou seja, podemos unir os vários pontos que correspondem a quantidades de terra e trabalho que dão a mesma quantidade de produto. Chamaremos a estas curvas isoquantas. Estas isoquantas (assim chamadas porque cada uma é composta por pontos que geram a mesma produção) têm propriedades muito parecidas com as curvas de indiferença do consumidor.Em primeiro lugar, são negativamente inclinadas, devido à substituibilidade do produto (se desce a quantidade de um factor, é preciso subir a quantidade do outro para manter o nível do produto) e são convexas devido à lei dos rendimentos marginais decrescentes (que corresponde à lei da utilidade marginal decrescente). Ou seja, à medida que usamos menos terra na produção, cada vez é preciso usar mais trabalho para substituir uma unidade de terra e manter o produto.Deste modo é possível traçar um mapa de isoquantas que determina, para cada ponto (terra, trabalho), qual o produto gerado por essa combinação de factores. Quanto mais acima estiver a isoquanta, maior o nível de produção que lhe corresponde. É claro que a quantidade de produto que é registada em cada isoquanta é o máximo de quantidade que essas quantidades de factores conseguem produzir.

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Terra

Trabalho

Q1

Q0Q1 > Q0

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De forma semelhante ao problema do consumidor, a inclinação da isoquanta chama-se taxa marginal de substituição técnica. Esta taxa diz-nos quantas unidades de trabalho têm de ser empregues para, mantendo a produção, substituir uma unidade de terra a menos. Como é natural, a taxa marginal de substituição técnica (TMST) é igual ao quociente das produtividades marginais dois factores – da terra (PmT) e do trabalho (PmL). Assim, se uma unidade de terra for três vezes mais produtiva que uma unidade de trabalho, é preciso trocar 1 unidade de terra por 3 unidades de trabalho para manter a produção, ou seja, a TMST é igual a 3.

TMST = PmT/PmL

Também podemos encontrar uma recta de isocusto, definida pelo custo total que a empresa está disposta a suportar e pelos preços dos factores. Assim, se todo o dinheiro que a empresa tem disponível para a produção (C) for empregue no factor trabalho, é possível adquirir um certo número de unidades de trabalho, igual ao custo a dividir pelo preço de cada unidade de trabalho (o salário w, do inglês wage). Se todo o dinheiro for gasto em terra, podem usar-se C/r unidades de terra (onde r representa a renda da terra).Assim, a expressão da recta dos custos seria:

C = r x T + w x L

ou, medindo tudo em unidades de trabalho:

C/w = (r/w) x T + L

A inclinação da recta, igual ao rácio dos preços dos factores, significa a taxa a que o mercado está disposto a trocar um factor pelo outro. Se uma unidade de terra custa duas vezes mais que uma unidade de trabalho, isso quer dizer que, no mercado, uma unidade de terra pode ser trocada por duas de trabalho.O que se pretende decidir nesta parte do problema do produtor é maximizar a quantidade produzida para determinados custos. Note-se que dado um certo custo, o que significa uma certa recta de isocusto, o ponto que fornece maior nível de produção é aqule que toca a isoquanta mais acima. Deste modo se vê que, tal como no problema do consumidor, o ponto óptimo é um ponto de tangência, neste caso entre a isoquanta e a recta de isocusto.

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TerraC/r

C/w Trabalho

Terra

Trabalho

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Neste ponto de tangência, em que a inclinação da isoquanta e a da recta de isocusto são iguais, a taxa marginal de substituição técnica iguala o rácio de preços:

TMST = r/w

Esta igualdade pode ser expressa dizendo que se deve gastar o dinheiro até igualar a produtividade marginal de todos os factores, cada uma ponderada pelo seu preço.Uma outra forma alternativa de abordar o mesmo problema, e portanto de obter o mesmo resultado, é fixar uma isoquanta (ou seja, produzir uma certa quantidade) e procurar a forma mais barata de a produzir (ou seja, encontrar a recta de isocusto mais abaixo mas que ainda toca essa isoquanta).O problema do produtor pode ser estudado pelas duas perguntas: quanto e como produzir?, ou pelas perguntas paralelas: quanto e como gastar?A resposta a esta pergunta foi fácil de obter porque, no fundo, ela era apenas mais uma das situações de escolha que caía no caso da regra de Gossen. O problema era em tudo semelhante ao do consumidor e, como tal, a regra de resolução foi exactamente a mesma. Afinal, como dissemos desde o princípio, ao decidir a questão de como produzir, o produtor está a tomar uma decisão de consumo de factores produtivos. A resposta é, pois, sempre dada pelas duas condições:

TMST = r/wC/w = (r/w) x T + L

2.1.2.3. Quanto produzir?Mas, como se disse, a questão de quanto produzir é radicalmente diferente da anterior e é um problema novo.É por isso que o problema da gestão de uma unidade produtiva é muito mais complexa do que o problema do consumidor, e muito mais esforço lhe tem sido dedicado.

2.1.2.3.1. Tecnologia e custos

O problema de quanto produzir está intimamente ligado à tecnologia de produção. É ela que determina quanto se pode produzir. No entanto, a questão não é apenas tecnológica, porquanto o que queremos determinar é quanto se quer produzir.Já vimos atrás que tecnologia e custos são duas faces da mesma moeda. No fundo, produção e custos estão ligados porque não há almoços grátis.Esta equivalência existe porque a função de produção e a isoquanta têm já, na sua concepção, um elemento de racionalidade: o desejo de evitar o desperdício. É claro que é sempre possível fazer pior com aquele montante de recursos, mas isso seria irracional.Deste modo podemos definir uma função do custo total [C(Q)] onde, associado a cada quantidade produzida do bem, vem o mínimo custo total de produzir essa quantidade de bem. Repare-se que no ponto da função custo, está incluída a solução óptima do problema de como produzir. O custo é

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o custo mínimo de produzir aquela quantidade, devido à racionalidade.Do ponto de vista da Economia, esta função custo é tudo o que é preciso saber sobre a tecnologia para tomar a decisão de quanto produzir.O que está incluído nos custos? Para o economista (mas talvez não para o empresário, o engenheiro ou o contabilista) existem muito mais custos do que as despesas imediatas ligadas à produção. Temos assim um conceito de custo económico cuja autoria devemos a John Stuart Mill, que se chama custo de oportunidade.O custo de oportunidade mede o sacrifício total, em qualquer das formas possíveis, em que se incorreu para se conseguir a produção. E esse sacrifício é medido na única verdadeira medida de valor: a utilidade. Assim, até os custos monetários directos só são verdadeiramente custos porquanto o empresário, se não tivesse produzido, teria utilizado esse dinheiro de outra forma, ganhando algo com isso. Como decidiu produzir, ele não pode ter esse ganho alternativo e é esse o custo que teve.Desses usos alternativos do dinheiro, ele escolheria aquele que lhe desse maior utilidade. É esse máximo de utilidade alternativa que é o custo de oportunidade23.Se, por exemplo, o empresário trabalha na própria empresa, mesmo que o faça gratuitamente, deve tomar-se em conta o salário que ele ganharia se estivesse a exercer noutro sítio. Na verdade, esse foi o sacrifício que ele fez para poder dedicar-se à sua empresa. O mesmo se diga do capital empatado por ele. Embora pareça livre de encargos, o custo do seu uso é igual ao juro que tal capital receberia na melhor aplicação alternativa (a melhor, porque seria essa que seria escolhida pelo agente racional).Por essa razão, alguns lucros aparentes podem ser verdadeiros prejuízos: uma boa terra mal explorada, mesmo que renda algum dinheiro, está a dar prejuízo, pois a utilização alternativa seria muito melhor.Mas todas estas correcções eliminam os preços de mercado como medida do valor? Não, porque um mercado competitivo tem como preço de mercado o custo de oportunidade. Na verdade, se um vendedor vende por 5, é porque essa é a melhor alternativa, visto que ele é racional, e o mesmo se passa com o consumidor que compra.Só existe necessidade de fazer o cálculo do custo de oportunidade para os bens que não passam pelo mercado ou em que o mercado funciona mal. O custo do trabalho do patrão, o custo do bricolage ou o custo de oportunidade do exército, tal como o custo de oportunidade de estar na universidade, de construir uma central nuclear ou de lutar pelo fim dos eucaliptos, são casos destes. A única maneira de obter um valor é tentar avaliar directamente os sacrifícios e benefícios envolvidos.Uma das formas mais imediatas de captar o custo de oportu-

________________________________23 Repare-se que o custo de oportunidade tem de ser menor que o benefício tirado da produção, senão o empresário seria irracional ao produzir.

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nidade está na fronteira de possibilidades de produção. Aí, é patente que o aumento de produção de certo bem acarreta um sacrifício na disponibilidade de outros bens. A falácia de dizer que, como existe desemprego, o custo do exército é nulo é destruída pelo conceito de custo de oportunidade, porquanto há formas alternativas de combater o desemprego, algumas mais produtivas que o recrutamento dos desempregados (e não só esses, nem todos esses, são recrutados).

Vamos agora ver, dentro desse custo, algumas distinções importantes. A primeira é entre custos fixos e custos variáveis. Trata-se de uma distinção importante para a decisão de quanto produzir, pois num processo produtivo existem elementos que se podem mudar e ajustar (o número de trabalhadores, quantidade de matéria-prima, etc.), enquanto outros são muito mais rígidos (o número de máquinas ou dimensão da fábrica, por exemplo).No entanto, esta distinção, muito importante para o engenheiro, é secundária para o economista, porque, no fundo, ela tem apenas a ver com o tempo, ou o horizonte de planeamento. Assim, se a decisão tem de ser tomada já, apenas com o que é imediatamente ajustável, é provável que, como todos os contratos estão definidos, tudo seja praticamente fixo. No equilíbrio momentâneo não há elementos variáveis. Mas se o horizonte se alarga, e é possível prever a curto ou médio prazo, então aí existem componentes dos custos que são fixas e outras variáveis. Será de esperar que, se se deixar passar tempo suficiente, num planeamento a longo prazo, tudo seja ajustável e, portanto, variável.A questão central situa-se pois no horizonte de análise, que determina qual a parte dos custos que varia com a quantidade (CV, função da quantidade Q) e qual a parte fixa, que deve ser suportada qualquer que seja a quantidade produzida (CF):

CT = CF + CV(Q)

Um outro elemento importante da análise do custo de uma empresa é o chamado custo médio, ou custo por unidade. Trata-se do custo que, em média, se pode atribuir a cada unidade produzida, e é definido simplesmente pela média aritmética dos custos totais.Talvez menos directa mas igualmente importante é a medição do custo marginal. Este custo, como o nome indica, é o custo da última unidade produzida, o custo da unidade marginal. A sua definição (equivalente à definição de utilidade marginal) será essencial para a decisão do produtor, por razões muito semelhantes às decisões que estudámos atrás.

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CM Cm

QQ

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Na maior parte dos casos, podemos encontrar uma curva de custos médios (CM) em forma de U, como mostra a figura acima. No fundo, isso resulta do comportamento dos rendimentos marginais, como antes vimos. Quando a produção é muito baixa, um aumento dessa produção pode fazer descer muito significativamente o custo atribuído a cada unidade. Por exemplo, o custo numa siderurgia de produzir só uma chapa de ferro é elevadíssimo, pois o alto-forno e os outros equipamentos têm todos o seu custo afectado a essa unidade. Se forem produzidas dez chapas, o custo médio de cada uma fica muito mais baixo, pois (embora se gaste mais matéria-prima) todo o custo do equipamento vai ser distribuído agora por dez unidades.Aliás, existe uma relação simples entre as curvas dos custos médios e marginais: a curva Cm corta a CM no mínimo desta ou, por outras palavras, o custo médio é decrescente enquanto o custo marginal estiver abaixo do custo médio e vice-versa. A figura seguinte ilustra o facto:

Conjugando as distinções anteriores, podemos ter alguns outros tipos de custos:— Os custos médios fixos e variáveis são fáceis de

definir.— Os custos médios de curto prazo e de longo prazo

são conceitos que estão ligados aos anteriores, pois, como vimos, a fixidez de custos está relacionada com o prazo de análise.

Aqui liga-se a distinção importante entre lei dos rendimentos marginais decrescentes e a existência de rendimentos (de)crescentes à escala. No curto prazo, há recursos que se mantêm fixos (por exemplo, uma certa dimensão da fábrica, como um certo parque de máquinas instalado), e esse facto define o quadro de uma situação. Nesse quadro é possível calcular uma curva de CM e Cm, como os custos de produzir certas quantidades do bem, dado aquele parque de máquinas.

Se for construída uma fábrica maior, isso aumenta os custos de produzir certas quantidades (naturalmente fica mais caro produzir pequenos montantes, visto que o equipamento adicional fica desperdiçado), mas, provavelmente, reduzirá o custo de produzir outros montantes.

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CM,Cm

Q

CM,Cm

Q

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Estes dois conjuntos de curvas representam curvas de curto prazo, visto que cada uma delas foi definida dentro de certo condicionamento particular (a dimensão da fábrica).Mas quando a análise é feita a longo prazo, por definição, tudo é variável. Então, há várias «situações» (dimensões de fábricas) possíveis e todas são tomadas simultaneamente em conta. Para produzir certo montante, como a escolha é livre, naturalmente será escolhido o custo médio menor. Assim, a curva de custo médio de longo prazo é definida como o mínimo das curvas de curto prazo (em termos matemáticos, a envolvente inferior).Assim, para certo conjunto de valores de produção, o melhor é utilizar certa dimensão da fábrica. Mas a partir de certa altura fica mais barato variar a dimensão (aumentar, por exemplo), passando para outro par de curvas de curto prazo (CM,Cm). Isso é possível realizar porque estamos a fazer a análise a longo prazo, caso em que é possível alterar a dimensão da fábrica sem problemas.Uma vez definida a curva dos custos médios de longo prazo como o mínimo para cada Q, dos vários custos médios de curto prazo, é possível calcular o acréscimo de custo total em cada unidade, calculando a curva dos custos marginais de longo prazo (que, ao contrário da dos custos médios, não tem de ter nada em comum com as curvas de custos marginais de curto prazo).Este padrão de custos, como se disse atrás, é tudo o que é necessário saber de uma tecnologia para tomar a decisão de «quanto produzir».

2.1.2.3.2. Estrutura de mercado

Uma empresa, com uma dada tecnologia, comporta-se de maneira diferente se é a única produtora de um bem, se tem dois concorrentes, ou se é uma entre muitas empresas produtoras desse bem. A quantidade que ela vai lançar no mercado será muito diferente nos três casos. É destes factos que vai depender a curva da oferta que, não se esqueça, é o objectivo de todo este esforço.Pode-se perguntar: «então a estrutura de mercado não afecta a curva da procura?». A resposta é, indiscutivelmente, afirmativa. Na verdade, ao dizermos que o consumidor não afectava os preços, isso queria dizer que o consumidor estava em concorrência.Para esta análise, muito preliminar, iremos referir quatro situações gerais diferentes de mercado:— muitos produtores iguais – concorrência perfeita;— muitos produtores diferentes – concorrência

monopolística;— um só produtor – monopólio;

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CM,Cm

Q

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— poucos produtores – oligopólio.Adiante trataremos estas diferentes situações, mas antes vamos procurar definir, com um pouco mais de rigor, o que é um mercado. Um mercado não é necessariamente um local ou um edifício, nem é o gráfico da procura e da oferta. Um mercado é todo o arranjo pelo qual produtores e consumidores se encontram, e trocam um bem, fixando um preço e a quantidade a transaccionar. Esse «arranjo» pode ser um local, um computador, uma relação telefónica, etc.Um mercado é, pois, definido pelos produtores e consumidores que entram em relação. Se existem, por qualquer razão, poucos contactos entre os agentes de uma zona com os de outra zona diferente, diz-se que são dois mercados diferentes ou que o mercado está segmentado. Uma fronteira, dificuldades de comunicação ou obstáculos legais podem estar na origem dessa segmentação que, ao reduzir o número possível de trocas, reduz a eficiência da situação.Mas a regra geral para definir um mercado é usar o preço. Se o preço for igual em zonas diferentes, o mercado é o mesmo. Na verdade, se o preço subir numa zona acima do de outra e eles estiverem ligados, a quantidade procurada desce e a oferecida sobe, o que torna a alinhar os preços.É relativamente fácil isolar o mercado da batata, mas o mercado dos automóveis já apresenta algumas dificuldades. Será o mercado de automóveis ou o mercado de certa marca? No mercado livreiro isso ainda é mais difícil. Como misturar o mercado dos manuais de Economia e o dos livros aos quadradinhos ou das revistas de moda? Para o consumidor isto são produtos totalmente diferentes, mas para o produtor (o editor e o livreiro, que não o autor) existem semelhanças claras na produção dos vários tipos de livros. No essencial, só varia o que está escrito.A questão de isolar e definir um mercado pode resumir-se à existência de bens substitutos, quer no consumo quer na produção. Para uns, as várias marcas de carros, tipos de couves ou qualidades de comidas de bebé são todas iguais.Mas as pessoas não são tão diferentes assim. A maioria está de acordo que poucas diferenças há entre as várias alfaces, mas não entre os carros (embora nestes a diferença essencial seja a cilindrada). Por outro lado, nos livros, toda a gente está de acordo que um livro não é igual a outro só porque tem o mesmo número de páginas. Para os editores, porém, o que conta é o número de páginas, que representa o custo, e as palavras, mesmo diferentes, quase não importam.Outro problema que devemos tratar antes de analisar os vários tipos de mercado é o do comportamento geral das empresas no mercado. Para isso, será tomada como hipótese global a ideia de que as empresas maximizam os lucros. A razão desta escolha reside na interpretação mais simples da racionalidade: o objectivo do empresário é não desperdiçar, procurando obter o máximo proveito da sua actividade produtiva.Claro que para alguns, infelizmente, maximizar o lucro quer mesmo dizer enganar meio mundo, tal como outros, quando

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estão com pressa, atropelam toda a gente. É possível ser-se um empresário consciente dos seus deveres para com a sociedade, das consequências humanas dos seus actos e, além disso, perante as decisões de gestão, tomar uma atitude racional de combate ao desperdício, sem violar os seus princípios.A hipótese da maximização do lucro não é a única possível, embora seja a mais ligada à racionalidade estrita. Uma dada empresa, em certas condições, pode ter outros objectivos para além da maximização do lucro, e é possível modificar a teoria para ter em conta esses outros objectivos. Mas o objectivo do lucro, medido economicamente, é o mais verificado.

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2.2. Teoria do valor: mercados equilibrados2.2.1. Concorrência perfeitaA situação de concorrência perfeita define-se quando existem muitos produtores e consumidores, todos pequenos24. Consequentemente, nenhum deles pode influenciar o mercado e, assim, todos tomam o preço como um dado. Devemos lembrar que tomar o preço como um dado foi o que fizemos na teoria do consumidor, onde nenhum dos agentes estudados tinha a pretensão de influenciar o preço que pagava.Esta é a situação normal para o consumidor.Na produção aparece muito mais esta situação em que um agente (uma empresa) é um grande fornecedor do produto, de tal modo que as suas decisões de produção alteram a curva da oferta. Esses casos serão estudados adiante. Aqui vamos tratar o caso simples em que cada empresário é tão pequeno que alterações na sua produção não afectam significativamente a quantidade oferecida.O que quer dizer tomar o preço como um dado? Quer dizer que se a empresa tentar vender acima do preço vigente no mercado, ninguém lhe compra, pois há outros concorrentes que vendem mais barato. Por outro lado, vender abaixo desse preço não lhe traz benefício, pois perde dinheiro por cada unidade vendida, e a descida de preço não lhe traz ganho por clientes adicionais que compense a perda de receitas, visto ser um produtor muito pequeno. Por outro lado, ao preço de mercado, pode vender o que quiser, pois a sua produção é tão pequena face ao total do mercado que não afecta o preço (não faz mexer a curva da oferta do mercado).Isto significa que, enquanto a curva da procura que o mercado enfrenta é a curva normal, negativamente inclinada e agregada para todos os consumidores, cada produtor em si tem uma procura que é livre ao nível de preços de mercado, mas nula a qualquer outro preço.Vender mais uma unidade traz como benefício o preço. Por outro lado, o custo dessa unidade adicional é o custo marginal. O produtor ganha enquanto o benefício adicional for maior que o custo. Mas vender mais do que isso, quando o custo marginal é maior que o benefício, reduz o lucro (estamos a supor, como vimos atrás, que a curva dos custos marginais é crescente). Logo o produtor vende até preço = custo marginal. Esta é a regra de lucro máximo por parte do produtor.Assim se vê, mais uma vez, a aplicação do truque marginalista.Qualquer que seja o nível de preços, a regra de lucro máximo é a de preço igual a custo marginal. É aí que se maximiza o lucro. Logo, a curva do custo marginal é a curva da oferta na concorrência perfeita.O lucro pode ser visto em qualquer curva de custos:

________________________________24 Para além desta hipótese da existência de um grande número de empresas, três outras condições são normalmente apontadas como necessárias para a verificação de uma situação ideal de concorrência perfeita:• produto homogéneo (as características do produto são as mesmas para todas as empresas e

consumidores),• perfeita informação de todos os participantes no mercado sobre os aspectos relevantes (preço,

qualidade, etc.) e• livre mobilidade de recursos (ausência de obstáculos para a criação e destruição de empresas

nesse mercado).Adiante ficará claro o papel destas hipóteses.

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Repare-se que o facto de o lucro ser máximo não quer dizer que seja positivo. Pode ser que o melhor que a empresa pode fazer seja ter um prejuízo. Note-se que, como o preço é constante, ele representa não só o benefício marginal, da última unidade, mas também o benefício médio. Assim, para se verificar se, na situação final, existe lucro ou prejuízo, deve-se comparar o benefício médio com a curva dos custos médios. Se o preço (para certa quantidade) for acima da curva CM, há lucro.Assim, o ponto da curva da oferta (Cm) que toca a curva CM (que, sabemos, é o mínimo da CM) dá o preço mínimo em que a empresa não tem prejuízo. Chamamos a esse ponto o limiar da rentabilidade.Será que, por passar a ter prejuízos, a empresa deve fechar nessa altura? É essencial considerar se esses prejuízos são temporários ou permanentes. Assim, mais uma vez, somos obrigados a utilizar aquela ideia a que Marshall dava tanto destaque. A distinção entre o curto e o longo prazo.No curto prazo – ou seja, a primeira reacção face aos prejuízos ou se estes forem de curta duração –, a atitude correcta não é necessariamente fechar a empresa. Logo, enquanto as receitas cobrirem os custos variáveis e parte dos custos fixos, é melhor funcionar, mesmo com prejuízo.Só se a empresa não puder cobrir, com as receitas, os custos variáveis, é que vale a pena fechar. O ponto de intercepção da curva da oferta com a curva dos custos variáveis médios (CVM) é que dá o limiar de encerramento. A curva da oferta passa a ser o eixo das ordenadas a partir daí, representando produção nula.Podemos agora definir a curva da oferta de curto prazo do produtor, ela é igual à curva dos custos marginais até ao ponto em que esta intercepta a curva dos custos variáveis médios. A curva da oferta do mercado é, tal como seria de esperar, a soma horizontal das várias curvas da oferta.Mas no longo prazo – quando os prejuízos se mantêm muito tempo –, embora a estrutura de mercado se mantenha, os custos fixos, como sabemos, tornam-se variáveis. Como todos os custos são variáveis, os limiares de rentabilidade e encerramento ficam iguais. Dado que não tem custos fixos, a empresa fecha logo que detecta um prejuízo (além disso, as curvas dos custos médios e marginais passam a ser as de longo prazo).Dado que o longo prazo é definido como aquela situação em que há tempo suficiente para se verificarem todas as alterações, temos de entrar em conta com outros aspectos. Por exemplo, se se suposer que há liberdade de entrada e saída das empresas do mercado, a situação representada pela curva da oferta não é estável.Na verdade, se o preço estiver acima do limiar de encerramento (igual ao de rentabilidade), existem lucros para as empresas instaladas.Não se esqueça de que a remuneração normal do empresário já está incluída no custo, pois este é o custo de oportunidade. Por isso, o lucro

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p

Cm CM CT

p

Q Q Q

CT

R=pxq

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que aqui aparece é o chamado «lucro anormal», que é um «almoço grátis».Por este raciocínio vemos que, no longo prazo, o único valor sustentável do preço é igual ao limiar de rentabilidade. Assim, no limite, a longo prazo, a indústria vai encontrar-se sempre na situação preço = Mm CM.O que esta análise quer dizer é que é possível uma empresa ou um mercado em concorrência perfeita encontrar-se em qualquer ponto da curva de oferta, mas sabemos que, se nessa situação existir lucro ou prejuízo para a empresa, então será de esperar que se verifique no futuro um movimento de entrada ou saída de concorrentes que elimine esse lucro ou prejuízo.Na verdade, o ponto de equilíbrio de curto prazo define uma situação em que toda a gente do mercado está, de momento, satisfeita (num ponto fora do equilíbrio, há pessoas no mercado insatisfeitas). Mas nesse ponto há pessoas insatisfeitas, ou porque estão fora do mercado e querem entrar, ou porque querem sair. No longo prazo, depois desses movimentos se darem, toda a gente está satisfeita.A oferta é horizontal. E aí os lucros são nulos. Claro que são os lucros com os custos medidos economicamente (custo = custo de oportunidade), logo incluem a remuneração do trabalho do empresário, do seu risco, das suas ideias.Se existe uma lei que impede a entrada de concorrentes ou a falência das empresas, ou se as empresas empregam pistoleiros para impedir a concorrência, é claro que o ajustamento não se dará com a mesma facilidade.Esses custos fixos de longo prazo, que representam uma excepção à regra atrás referida, aparecem quando no processo de produção existem elementos que, mesmo no longo prazo, não é possível mudar. Aí, mesmo no longo prazo não é possível variar significativamente o número de empresas que funciona no mercado, devido a esses impedimentos característicos desse tipo de produção. Aí, mesmo a longo prazo, a curva da oferta (Cm) é positivamente inclinada. Em certos casos, a curva da oferta até pode ser vertical, quando esses limites são muito restritivos. É o caso das obras de Rembrandt ou das canções de um cantor. Não é possível fazer variar a quantidade oferecida (a não ser por falsificação).Somando as curvas individuais temos a curva da oferta do mercado. É esta curva que, junto com a curva da procura do mercado (que definimos atrás), vai estabelecer o preço do mercado. Pela primeira vez temos uma situação em que um mercado é totalmente explicado.

2.2.1.1. A eficiência de mercadoA situação de concorrência perfeita é aquela em que o mercado funciona em pleno, visto que aí ninguém tem poder de influenciar o preço. É aí que o mercado, funcionando sem interferências de poderes particulares, atinge a situação óptima. A ideia de Pareto era que o conceito de óptimo, que a concorrência garantia, estava ligado apenas à eficiência.Assim, o ponto de equilíbrio de um mercado de concorrência perfeita representa uma situação eficiente, ou seja, uma situação em que não é possível melhorar num sentido sem piorar no outro. Uma situação destas ficou conhecida pelo termo óptimo de Pareto. Um óptimo, no sentido de Pareto, é aquela posição onde não é possível melhorar em qualquer dimensão, sem piorar noutra. Esta situação é ilustrada, por exemplo, por um ponto sobre a curva

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de possibilidades de produção. Aí, como vimos, não é possível aumentar uma produção sem diminuir a outra.Em particular, a eficiência na afectação significa que não é possível alterar o padrão de produções de forma a que todos os agentes da Economia fiquem melhor ou igual: alguém tem de perder. Cada situação eficiente tem suposta uma distribuição. Se a distribuição for diferente, o ponto de eficiência é diferente, mas mesmo aí o mercado funciona e pode obter-se competitivamente esse novo ponto. Aí há «almoços grátis», visto que é possível melhorar a posição de uns sem prejudicar outros, ao eliminar o desperdício.O ponto de equilíbrio é aquele em que o preço da procura (Pd) iguala a utilidade marginal do mercado e o preço da oferta (Ps) iguala o custo marginal no mercado.A condição Cm = Um é a condição de equilíbrio a que nos habituámos atrás, só que agora definida para toda a economia. Quando a economia estiver aqui está num ponto óptimo, definido como ponto eficiente, ou seja, à Pareto.Se se consumir noutro ponto, o benefício líquido total é menor. Logo o ponto de equilíbrio do mercado é o melhor que se pode obter nestas condições: maximiza o excedente do consumidor (o do produtor desaparece, pois o lucro é nulo).Assim, estamos em condições de formular os chamados «dois teoremas fundamentais do bem-estar».1.º Teorema fundamental. Qualquer equilíbrio competitivo é Pareto óptimo.Repare-se que o ponto acima foi obtido na liberdade de mercado. Cada agente fez o que queria e, sem ninguém se esforçar para obter esse resultado, verificou-se o óptimo em que Cm = Um, logo é óptimo Pareto.2.º Teorema fundamental. Qualquer ponto Pareto eficiente pode ser obtido por equilíbrio competitivo.Este teorema apenas diz que qualquer que seja o nível em que Cm = Um, há sempre um preço que faz com que o mercado escolha essa situação. Esse preço é, claro, aquele em que p = Um = Cm.Estes teoremas chamam-se também teoremas da mão invisível, pois formalizam, de forma clara, a ideia de Adam Smith, que vimos atrás. Mas embora estivessem subjacentes no trabalho do pai da Economia, só foram clarificados e demonstrados definitivamente por dois economistas ainda vivos, Kenneth Arrow (n. 1921), e Gerard Debreu (n. 1921).

KENNETH ARROW (n. 1921)Arrow é um dos espíritos mais brilhantes que, neste século, se dedicaram à

Economia.

GERARD DEBREU (n. 1921)O essencial do seu trabalho consiste na formulação rigorosa, em termos

matemáticos e topológicos (de que ele foi um dos pioneiros em Economia), das condições de mercado, conseguindo assim uma abordagem exacta e sistemática das relações económicas. Para além da sua colaboração com Kenneth Arrow, de que o trabalho mais famoso foi o artigo de 1954, «Existence of an Equilibrium for a Competitive Economy», a sua obra-prima é o livrinho Theory of Value. An Axiomatic Analysis of Economic Equilibrium, que resume, com uma elegância formal inultrapassável, os resultados da análise matemática do mercado competitivo.

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Deve notar-se, porém, que a eficiência não é tudo. Tal como vimos atrás, esta análise é independente da avaliação moral. Uma situação, por exemplo, em que um rico tem quase tudo e muitos pobres não têm quase nada pode ser uma situação eficiente, visto que não é possível melhorar a situação dos pobres sem piorar a do rico. A eficiência verifica-se sempre e só se não houver desperdício. Assim, a eficiência não é condição suficiente para a existência de uma situação de óptimo social (qualquer que seja o modo como a sociedade o queira definir), mas é certamente condição necessária. Não basta não haver desperdício para que a sociedade esteja no óptimo, mas de certeza que, se houver, ela não está no óptimo.Assim, para que os teoremas se verifiquem há que garantir várias coisas.1.º Todos os elementos relevantes têm de estar incluídos nas

curvas da procura e oferta, ou seja, não pode haver externalidades (custos ou benefícios que não passem pelo mercado, como a poluição, os bens públicos, etc.).

2.º Há que garantir que o mercado existe, funciona bem e é perfeitamente competitivo, sem interferências de ninguém.

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2.2.2. Imperfeições na concorrênciaNão espantará ninguém se dissermos que, na maior parte, os mercados não são perfeitamente competitivos. Nas situações em que não existe concorrência perfeita, ou em que existem imperfeições na concorrência, isso significa que algumas empresas têm poder de mercado, ou seja, têm influência sobre o preço. As razões desse poder são essencialmente duas:

a) Padrões de custo e procura. A curva de custos relativa a uma certa tecnologia define a zona de produção da empresa que é economicamente razoável. Se essa dimensão de produção (representada abaixo pelas curvas de custo médio e marginal das empresas) for muito próxima da quantidade procurada, então o número de empresas que são possíveis nesse mercado é relativamente baixo.

b) Barreiras à concorrência. A existência de leis, que podem ter motivações económicas (a lei que protege as patentes, para fomentar a criatividade), ou não (as leis que impõem serviços públicos ou barreiras alfandegárias), mas que forçam a existência de limites à concorrência, é uma das principais causas da falta de concorrência nos mercados.

O que vamos ver neste capítulo é como se verifica a decisão económica em alguns casos particulares de imperfeições de concorrência.

2.2.2.1. MonopólioEste é o mercado que se caracteriza pela existência de apenas um produtor, que portanto controla todos os aspectos relativos à produção. A opinião comum afirma que o monopolista, sendo o único produtor, pode fazer o que quiser no mercado. Nós sabemos que isso não é verdade, pois o monopolista domina apenas um dos lados do mercado: a oferta. Ou seja, o monopolista está restringido a escolher um dos pontos da curva da procura dos consumidores.Na concorrência perfeita, a regra de óptimo era P = Cm. Aqui, se quiser vender mais uma unidade, o custo adicional é ainda o custo marginal mas o ganho adicional não é o preço, pois agora, ao variar a quantidade oferecida, existe uma alteração no preço. A oferta do monopolista já não é, como na concorrência perfeita, muito pequena face à do mercado, e por isso a curva da procura da empresa já não é horizontal. Aliás, essa curva é exactamente igual à curva do mercado, visto que o monopolista tem de, sozinho, satisfazer toda a procura.Assim, partindo de um certo ponto (que tem de estar, como vimos, sobre a curva da procura), se o produtor decidir aumentar a

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P P P

Q Q QD

DD

CM

CM

Cm

Cm

Monopólio Oligopólio Conc. perfeita

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produção de uma unidade, ele paga a mais o custo marginal e recebe um valor que é inferior ao preço de mercado que se verificava, pois o preço desce ao longo da curva da procura. No gráfico abaixo, podemos comparar a receita do produtor quando a quantidade oferecida é q1 e quando é q2 = q1 + 1. À diferença entre os dois rectângulos (que representam o produto do preço pela quantidade, ou seja, a receita) chamamos benefício ou receita marginal. Em geral, o valor da receita marginal (Rm) é igual a Rm = p + q x dp, onde p e q representam a quantidade inicial e o preço final e dp a variação (descida) de preço.

Agora temos de igualar o custo marginal à receita marginal, só que esta já não é constante e igual ao preço. A Rm é agora representada por uma curva, sempre abaixo da curva da procura que, para cada valor de q, nos informa de qual a variação no rectângulo (p x q), com p medido na curva da procura.Assim, a condição de equilíbrio continua a ser receita marginal = custo marginal e a razão para isto continua a ser a mesma que era: se Cm não fosse igual a Rm, o lucro não seria máximo, visto que existiriam variações de quantidade que subiriam o lucro.Mas se a quantidade a oferecer é encontrada pela condição Cm = Rm, o preço que o monopolista pode receber por essa quantidade pode ser lido na curva da procura. É aí que se pode ver o que os consumidores estão dispostos a dar por essa quantidade. Note-se que, por esta razão, o monopolista não tem curva da oferta. Deste modo, no equilíbrio do monopolista, o preço é muito superior ao custo marginal.Mas embora seja assim, isso não quer dizer que o lucro obtido pela última unidade seja muito grande. Na verdade, esse lucro é nulo, visto que a receita marginal é igual ao custo marginal. Se o monopolista produzisse mais uma unidade, embora o preço que recebia por essa unidade fosse maior que o custo dessa unidade (marginal), o produtor veria o seu lucro reduzido e a razão era muito simples: como o preço descera ao aumentar a oferta (ao longo da curva da procura), todas as unidades que ele vendia antes seriam agora pagas a preço inferior e isso mais do que anularia o ganho adicional de vender mais uma unidade. O equilíbrio, tal como na concorrência perfeita, encontra-se, pois, no ponto em que o ganho total de produzir mais uma unidade é exactamente igual ao custo dessa unidade.Mas, apesar de o equilíbrio ser encontrado para o monopolista da mesma forma que para a concorrência perfeita, aqui existe um lucro elevado, como se pode ver comparando o preço marcado na curva da procura (que representa a receita média), e o ponto correspondente na curva do custo médio. E não nos devemos esquecer de que este lucro vai acima da remuneração normal que o empresário deveria receber, que já está incluída no custo

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P

Q

pdp [

q1 q1 + 1

-dp

= qp

1

= -qxdp

= +px1

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económico. Deste modo, o lucro representado é um lucro anormal ou não económico, porque ultrapassa a definição económica simples de lucro.

Repare-se que, embora a condição de máximo seja equivalente à da concorrência perfeita, o ponto encontrado tem características bastante diferentes. Se esta empresa estivesse em concorrência perfeita (podemos supor que a curva Cm agora representa a soma das curvas Cm de muitas empresas pequenas, em concorrência perfeita) a quantidade oferecida (definida agora pela intercepção da curva Cm com a curva da procura) era maior e o preço mais baixo.Por essa razão pode-se ver, sem problemas, que a situação do monopólio é ineficiente: na verdade, como por definição, do lado do consumidor, o preço iguala a utilidade marginal, e como aqui o preço é maior que a receita marginal, a qual é igual, no equilíbrio, ao custo marginal, então temos em consequência que a utilidade marginal que a sociedade obtém devido a este bem é superior ao seu custo marginal:

P = Um, e P > Rm = Cm, então Um > Cm.

Isso quer dizer que a sociedade deveria produzir mais do bem, pois o que ganha pelo seu consumo, na margem, é superior ao custo.O facto de os monopólios serem maus sistemas de produção leva à existência de políticas de intervenção por parte do Estado. Não é este o lugar para discutir estes temas, mas vale a pena levantar algumas questões relacionadas com esta discussão.Na verdade, há que ter em conta que a estabilidade da situação de monopolista e os lucros que daí resultam podem ser muito mais favoráveis à criação de um ambiente próprio para a descoberta e implantação de inovações técnicas, do que a situação de feroz e incerta concorrência. E, como vimos, são estas inovações que dão dinamismo ao sistema económico. Por esta razão, o monopólio poderá ser um importante factor de desenvolvimento, o que compensaria as suas desvantagens imediatas.Não só a intervenção do Estado tem burocratizado o funcionamento da empresa, sobretudo no caso de empresas nacionalizadas, como as regulações trazem consigo outras ineficiências, sendo por vezes elas causadoras de monopólios.

2.2.2.2. OligopóliosOs casos intermédios, os outros casos de concorrência imperfeita, são mais complicados do que as situações puras que estudámos.

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P

Q

DRm

Cm

CM

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O caso comum é o do oligopólio, a existência de algumas empresas, poucas, que concorrem no mercado de um produto. O facto de serem poucas, dá a cada uma poder de influência sobre o mercado (poder de mercado), mas isso não quer dizer que não exista concorrência entre elas. Aliás, essa concorrência pode ser quase tão grande como na concorrência perfeita. Os casos famosos das empresas Coca Cola e Pepsi, ou Boeing e AirBus mostram claramente que, por serem poucas não quer dizer que tenham uma vida mais descansada. O estudo do comportamento destes oligopólios leva o economista à análise dos complexos problemas de estratégias, coligações, enganos e reputações, que são dos assuntos mais difíceis da disciplina.

ANTOINE AUGUSTIN COURNOT (1801-1877)O primeiro economista a tratar seriamente o problema do oligopólio foi

Cournot. Este autor é um dos mais extraordinários na história da ciência. Reputadíssimo professor de Matemática e Engenharia, das Universidades de Lyon, Grenoble e Dijon, decidiu publicar um tratado chamado Investigações sobre os Princípios Matemáticos da Teoria da Riqueza. O mais notável deste livro é a data: 1838. O livro foi ignorado aquando da sua edição e o autor voltou para os campos da Matemática, onde a sua fama repousava. Muito mais tarde, Cournot foi redescoberto, e Marshall, entre outros, tomou esses trabalhos como a base dos seus estudos.

Um caso especial deste é o do oligopólio coligado, ou seja de algumas empresas, poucas, que dominam um mercado mas, além disso, combinam entre si estratégias, preços e quantidades. Esta situação, também chamada de cartel ou trust, tem um resultado muito parecido com um monopólio. Tem sido alvo de muitas críticas ao longo do tempo, pelo menos desde Adam Smith, que notava que «é raro que as pessoas que exercem a mesma actividade se encontrem, mesmo numa festa ou diversão, sem que a conversa acabe numa conspiração para elevar os preços». Devido aos inconvenientes para os consumidores, em muitos países os cartéis são ilegais – sendo as mais famosas as leis anti-trust norte-americanas – ou, pelo menos, limitados.No entanto, existem cartéis internacionais que dificilmente podem ser regulados pelas leis nacionais. Os mais conhecidos estão ligados ao mercado do petróleo. A partir de 1973, o cartel das empresas refinadoras de petróleo foi substituído pelo cartel dos países produtores de petróleo, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).Em termos de incentivo económico, e uma vez combinado com os parceiros um certo preço ou quantidade a vender, cada membro tem vantagem em enganar os parceiros, quebrar esse acordo e vender mais e mais barato, roubando clientes aos concorrentes. Por isso, os cartéis acabam, normalmente, em guerras de preços ou de quantidade, ou seja, na situação normal do oligopólio. Os problemas de alguns cartéis (por exemplo a OPEP) resultam normalmente do «mau comportamento» dos seus participantes, o qual é motivado por este incentivo a «furar» o acordo.No fundo, como se disse, a situação de oligopólio reduz-se sempre a um jogo.Para estudar estes fenómenos existe a chamada teoria dos jogos que teve a sua formalização moderna no livro Theory of Games and Economic Behaviour de 1944, escrito pela colaboração de um economista, Oskar Morgenstern (1902-1977), com Jan von

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Neumann (1903-1957), e gerou uma linha de investigação que se estendeu a muitos outros campos e constitui um dos mais intensos temas de investigação ainda hoje.

JAN VON NEUMANN (1903-1957)Von Neumann é, sem dúvida, um dos maiores génios do século XX e um dos

maiores matemáticos de todos os tempos. Foi o livro imortal de 1944 com Oskar Morgenstern, «Theory of Games and Economic Behaviour» que revolucionou a ciência. Para além de criar a «teoria dos jogos», nova disciplina de grande potencial, o volume introduziu a «topologia» e outras técnicas avançadas na ciência económica, que os seus discípulos se encarregariam de fazer frutificar. Os teoremas de Arrows e Debreu atrás referidos são exemplos disso.

Na verdade, a situação em que se defrontam estratégias entre dois ou mais «jogadores» é algo de intrinsecamente ligado ao comportamento. Assim, para além de empresas num mercado, os problemas da guerra, dos partidos políticos, até dos animais em grupos, são campos de aplicação dos princípios desta muito fecunda teoria.

2.2.2.3. Teoria dos jogosNos capítulos anteriores vimos exemplos simples de mercado, onde a interacção estratégica não era influente.

2.2.2.3.1. Estratégias dominantes

empresa Bpreço normal preço baixo

5 -2

preço normal 5 2empresa A 2 0

preço baixo -2 0

O quadro apresenta os ganhos ou perdas de cada empresa (sendo os da empresa A apresentados a negro, e os da empresa B em letra normal). A situação é tal que, se uma delas escolher preço normal, ganha 5 de lucro no caso de a outra empresa também escolher preço normal.

ANÁLISE DAS ESTRATÉGIASestratégias de A:

se B escolhe preço normal => A deve escolher preço normal (5 > -2)se B escolhe preço baixo => A deve escolher preço normal (2 > 0)

estratégias de B:se A escolhe preço normal => B deve escolher preço normal (5 > -2)se A escolhe preço baixo => B deve escolher preço normal (2 > 0)

CONCLUSÃO – Neste caso diz-se que os dois jogadores têm «estratégias dominantes»: o que quer que o outro escolha, cada um deles deve escolher «preço normal». O resultado naturalmente é que as duas vão escolher preço

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normal, sendo o resultado o apresentado na primeira célula do quadro, onde as duas empresas ganham 5.

2.2.2.3.2. Equilíbrio de Nash

O caso anterior teve, realmente, pouco interesse. Embora houvesse interacção, ela era especial, pois a decisão de uma empresa, embora afectasse o resultado da outra, não a levava a mudar a sua decisão. O caso das «estratégias dominantes» é uma situação em que o jogo faz-se, mas o resultado está conhecido à partida.Vejamos uma situação semelhante, mas onde a interacção cria uma dificuldade maior, pelo que o resultado é mais interessante. Se for a B a subir o preço, perdem as duas, excepto se a A também jogar normal.

empresa Bpreço normal preço baixo

1 -3

preço normal 1 5empresa A 5 10

preço baixo -2 2

ANÁLISE DAS ESTRATÉGIASestratégias de A:

se B escolhe preço normal => A deve escolher preço normal (1 > -2)se B escolhe preço baixo => A deve escolher preço normal (5 > 2)

estratégias de B:se A escolhe preço normal => B deve escolher preço normal (1 > -3)se A escolhe preço baixo => B deve escolher preço baixo (10 > 5)

CONCLUSÃO – note-se que, agora, A tem uma estratégia dominante, que é praticar preço normal, mas B não tem estratégia dominante, dependendo do que A fizer.O que deve fazer B? A resposta, embora não directa como antes, é fácil.Assim, a solução será a primeira célula do quadro, onde os dois ganham 1 de lucro. Este é o « equilíbrio de Nash » ou «equilíbrio não cooperativo», onde cada empresa, dada a estratégia da outra, não pode fazer melhor do que estar aí. O equilíbrio de Nash é (normal, normal), com lucro de 1 para cada empresa. Refira-se que o equilíbrio dominante que vimos atrás é um caso especial de equilíbrio de Nash.Note-se, no entanto, que existe um equilíbrio cooperativo onde as duas ficam melhores do que no «equilíbrio de Nash». Essa é a célula (baixo, baixo), onde a empresa A ganha 2 e a empresa B ganha 10. Este é o equilíbrio cooperativo.É claro que, à luz da «lei da concorrência», como foi dito, a coligação é proibida. O problema estratégico desse equilíbrio

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é que, uma vez ali, o jogador A tem todo o interesse em subir o preço, pois ganha com isso, passando de 2 para 5.

2.2.2.3.3. Dilema do prisioneiro

É possível construir muitos casos deste tipo, cuja análise constitui toda a teoria dos jogos. Dois homens foram presos por um mesmo delito. Se ninguém confessar, não se prova o crime, e ambos são presos por dois anos. No entanto, se os dois confessarem, o perdão é menor, e estarão ambos presos 5 anos.

prisioneiro Bconfessa não confessa

5 anos 10 anos

confessa 5 anos 1 anoprisioneiro A 1 ano 2 anos

não confessa 10 anos 2 anos

ANÁLISE DAS ESTRATÉGIASestratégias de A:

se B confessa => A deve confessar (5 < 10)se B não confessa => A deve confessar (1 < 2)

estratégias de B:se A confessa => B deve confessar (5 < 10)se A não confessa => B deve confessar (1 < 2)

CONCLUSÃO – a situação deste jogo parece ser do primeiro tipo: os dois prisioneiros têm estratégias dominantes, que é confessar. O equilíbrio cooperativo levaria a uma estratégia diferente que a dominante, com os dois a não confessarem.Este é o caso da existência de problemas sociais devidos ao egoísmo. É o equilíbrio cooperativo. Mas, dado que todos se abstêm desse comportamento, se uma pessoa for egoísta e o praticar, esse fica melhor. Mas isso é verdade para ele e para todos.

2.2.2.3.4. Estratégias mistas

Os casos vistos atrás são muito simples, comparados com a realidade. Normalmente, defrontamo-nos na vida com «jogos» bastante mais complexos, onde nem sequer é possível determinar o que cada jogador deve seguir como estratégia. Para ilustrar este caso, referiremos um exemplo que von Neumann e Morgenstern apresentam no seu livro [ver von Neumann e Morgenstern (1944), p. 177], retirado de um conto de Sherlock Holmes [a história é «The Final Problem», publicada originalmente por A. Conan Doyle em The Strand Magazine, Dezembro de 1893, ver Doyle (1928), pp. 547-550].A situação é a seguinte: Sherlock Holmes, acompanhado pelo Dr. Watson está a ser perseguido pelo génio do crime, Professor Moriarty.

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Sherlock Holmes é confrontado pela alternativa de ir para Dôver ou sair em Cantuária, a única estação intermédia. O seu adversário – cuja inteligência é assumida como sendo adequada a visualizar estas possibilidades – tem a mesma escolha. Se, como resultado destas medidas, eles se encontrarem, no fim, na mesma plataforma, Sherlock Holmes pode com segurança esperar ser morto por Moriarty.Se Sherlock Holmes conseguir chegar a Dôver antes de Moriarty (porque este decidiu sair em Cantuária) e, portanto, escapar para França, há um prejuízo de 50 para Moriarty, pois Holmes escapou (mas só ganha 50 porque ainda pode vir a ser apanhado no futuro).

Sherlock HolmesDôver Cantuária

MoriartyDôver 100 0

Cantuária -50 100

Note-se que, neste caso, o quadro só tem um número em cada célula, pois o ganho de um jogador é a perda do outro. Este é o caso dos jogos de xadrez ou de futebol, onde ganha um e perde outro. Neste caso, os valores indicados são relativos a Moriarty, sendo o ganho de Holmes o valor negativo de Moriarty.

ANÁLISE DAS ESTRATÉGIASestratégias de Sherlock Holmes:

se Moriarty for a Dôver => Holmes deve ficar em Cantuária (0 < 100)se Moriarty fica em Cantuária => Holmes deve seguir para Dôver (-50 < 100)

estratégia de Moriarty:se Holmes for a Dôver => Moriarty deve ir para Dôver (100 > -50)se Holmes ficar em Cantuária => Moriarty deve ir a Cantuária (100 > 0)

CONCLUSÃO – não há solução.Este é o caso complexo de que falámos atrás. É preciso aprofundarmos a análise um pouco mais.Considere-se que θ é a probabilidade de Holmes ir para Dôver (sendo, consequentemente, a probabilidade de Holmes ficar em Cantuária igual a 1-θ) e que é ץ a probabilidade de Moriarty ir para Dôver. Então o ganho do jogo (G) de qualquer um dos jogadores (positivo para Moriarty, negativo para Holmes) é dado pela seguinte expressão:

G = θ [100 ץ – 50 )1ץ – )] +(1 – θ) [0 ץ +[(ץ – 1) 100

A questão agora é determinar o valor de θ e que dão o ץ maior valor de G.

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RESULTADO – Assim se vê que Holmes deve ir para Dôver em 2/5 das vezes e Cantuária em 3/5, enquanto Moriarty deve ir para Dôver 3/5 das vezes e para Cantuária em 2/5 das vezes. Estes são os valores que dão o maior valor do jogo, ou seja, as estratégias mais convenientes para cada um deles. Note-se que, como eles não fazem sempre o mesmo, trata-se não de «estratégias puras» mas de «estratégias mistas», como foi dito. As estratégias são, portanto,Moriarty = {3/5 , 2/5}S. Holmes = {2/5,3/5}É a isto que se chama «estratégias mistas», sendo a estratégia recomendada uma mistura das duas estratégias puras possíveis (sair em Dôver e sair em Cantuária). O que isto quer dizer é que, se o jogo fosse repetido e a situação se verificasse várias vezes, eles deveriam seguir cada uma destas estratégias com a frequência referida (por exemplo, Holmes deveria ir para Dôver 2 em cada 5 vezes e para Cantuária nas outras 3). Como, neste caso, a situação não se repete e apenas se verifica uma vez, então a estratégia mista pode ser seguida se cada um dos jogadores sortear a sua decisão (Holmes deita num saco três pedras pretas e duas brancas e tira uma pedra ao acaso, indo para Dôver se sair pedra branca e para Cantuária se sair preta).A solução de Conan Doyle é a melhor possível, sob as suas restrições (as estratégias puras), dado que ele atribui a cada opositor o caminho que ele achava mais provável (i.e., substitui a probabilidade 60% por certeza). É, no entanto, algo enganador que este procedimento leve à vitória completa de Sherlock Holmes, enquanto, como vimos acima, as oportunidades (i.e., o valor do jogo) são definitivamente a favor de Moriarty [o nosso resultado dá que Sherlock Holmes está morto a 48% quando o seu comboio sai de Victoria Station. Compare-se neste contexto a sugestão de Morgenstern, que toda a viagem é desnecessária porque o derrotado poderia ser determinado desde o princípio].

Colocando as percentagens na tabela, obtém-se as seguintes probabilidades de ocorrência de cada caso:

Sherlock HolmesDôver

(θ=2/5)Cantuária(1-θ=3/5)

MoriartyDôver (y=3/5) 100 (6/25) 0 (9/25)

Cantuária (1-y=2/5) -50 (4/25) 100 (6/25)

Vê-se facilmente que, como diz o texto, o valor do jogo é claramente positivo, ou seja, é favorável a Moriarty:

G = 2/5 (3/5 100 – 50 2/5) + 3/5 (100 2/5) = 1000/25 = 40

Outra forma de ver o mesmo é que, como diz o texto, Holmes está morto nas hipóteses (Dôver, Dôver) e (Cantuária, Cantuária) que, como se vê no quadro, têm as

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probabilidades 6/25 + 6/25 = 12/25 = 48%. Holmes está morto em 48% dos casos.O que o livro de von Neumann e Morgenstern não considera é a opinião de Sherlock Holmes quando, em Cantuária, vê o comboio de Moriarty perseguir o seu, agora sem ele.SH – Seria um coup de maître se ele deduzisse o que eu deduziria e actuasse em conformidade.O que leva a pensar que, para além da teoria dos jogos, há uma arte do jogador, que nunca poderá ser captada pela matemática.Em Setembro de 1903, dez anos depois de o mundo ter sido chocado com a morte do maior detective de todos os tempos, na revista Colliers era publicado o conto «The Empty House» onde se vem a saber que, afinal, Sherlock Holmes não tinha acompanhado Moriarty na queda.

2.2.2.4. Concorrência monopolísticaUm último caso que vamos considerar é conhecido pelo nome de concorrência monopolística. No seu produto particular, cada empresa é um monopólio, mas como os outros produtos satisfazem necessidades quase iguais, existe uma intensa concorrência entre eles.Mercados como o dos vinhos, das bombas de gasolina (onde a diferença está não no produto, mas na localização), remédios e apartamentos são, entre muitos outros, alguns exemplos desta situação. Claro que cada tipo de vinho ou de pasta dentífrica tem diferenças face aos seus congéneres, mas se o seu preço for muito distante do praticado pelos outros, os consumidores iriam mudar de escolha.Como no bem que produz a empresa é um monopólio, ela vai comportar-se como tal. Na situação de lucro nulo, pára a entrada de novas empresas e o mercado está em equilíbrio de longo prazo.Na verdade, a situação objectiva é igual à de um monopolista, sendo a única empresa a produzir o seu tipo de produto. O que é radicalmente diferente é o facto de existirem outras empresas que, produzindo produtos diferentes, exercem, no entanto, pressão sobre o mercado deste bem.Assim, só se está em equilíbrio de longo prazo numa situação de lucro nulo. O único ponto, numa estrutura de decisão monopolista, que dá lucro nulo é aquele em que a curva do custo médio é tangente à curva da procura. Apenas nessa situação o custo médio iguala o preço monopolista, esgotando o lucro anormal que é habitual na situação de monopólio.Este modelo notável, que incorpora efeitos do monopólio e da concorrência perfeita de uma forma engenhosa e elegante, foi apresentado em 1933 por um economista americano, Edward Chamberlin.

EDWARD CHAMBERLIN (1899-1967)Este é um caso raro de total dedicação de uma vida científica à defesa de

uma ideia. Hoje, a popularidade do engenhoso modelo de Chamberlin indicia que o seu esforço foi coroado de êxito.

Segundo alguns, um dos principais defeitos da economia de mercado é a tendência que ela mostra para criar marcas e

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variantes ligeiramente diferentes que, no fundo, representam a mesma coisa, mas que permitem criar artificialmente poder de monopólio. Esta tendência gera, segundo esses autores, uma grave ineficiência, ao criar desperdício na concepção, divulgação e distribuição de coisas diferentes que, no fundo, são as mesmas.Para um leigo, os vinhos, as pastas dentífricas ou as comidas para cães são todas iguais. É fácil, por exemplo, para um não fumador, considerar que é ineficiente e desnecessária a existência de uma enorme quantidade de marcas diferentes de tabaco; mas o fumador sabe bem distinguir as diferenças e gosta de poder escolher. O que verdadeiramente interessa não é a distinção física ou química do produto, mas económica: ou seja, a diferença de utilidade que o consumidor tira das variantes. E não há dúvida de que a diferença existe e é bem real (ou seja, há substituibilidade imperfeita entre os vários bens) porque se fosse igual, a situação seria de concorrência perfeita.

Para terminar este capítulo sobre as empresas e o mercado, tornamos a uma questão que foi levantada atrás: será que as empresas maximizam sempre os lucros? A resposta pode ser complexa, mas alguns elementos são claros.Em primeiro lugar, há que notar que as empresas têm, necessariamente, de ter a rentabilidade em conta, e ela ocupa um lugar importante nos seus objectivos. Mas esse imperativo não obriga a que apenas a rentabilidade estrita seja tomada em conta. Muitos outros aspectos influenciam o comportamento da empresa que, afinal, é uma complexa unidade de relações humanas, sociais, culturais e sistémicas, muito mais vasta do que qualquer modelo que dela façamos.Alguns elementos dessa complexidade, que não temos aqui qualquer intenção de esboçar, revestem-se de particular interesse para a nossa análise, e serão aqui referidos brevemente.Em primeiro lugar, vale a pena falar no conceito de racionalidade limitada.Um exemplo deste comportamento é o que ficou conhecido pelo nome de mark-up. Este método de fixação de preço consiste em calcular o custo médio do produto, somar-lhe uma certa taxa de lucro e assim vender o bem:

p = CM x (1+m).

É claro que tal método tem pouco a ver com qualquer dos modelos que estudámos, que implicavam regras muito mais complexas de cálculo de preço (colocando-o igual ao custo marginal, por exemplo). No entanto, é muito caro estar sempre a maximizar (custo de informação, tempo, etc.) e, por isso, regras simples são mais razoáveis.Será que estas constatações desqualificam os resultados apresentados atrás e, até, toda a teoria económica, ao desvalorizarem o conceito de racionalidade? A resposta parece ser negativa, e por várias razões.É claro que, nos modelos de comportamento de empresas que estudámos, e para simplificar, foi sempre suposto que cada agente conhecia exactamente a de transacção ou de escolha entre as várias alternativas. Por essa razão, era fácil determinar e depois escolher o melhor de entre todos os pontos.

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As curvas de custo e da procura não estão disponíveis exactamente para o decisor que apenas tem sobre elas uma impressão algo vaga e nebulosa. É portanto perfeitamente racional que, nestas condições, um agente se contente com uma decisão que, não sendo a óptima, é suficientemente próxima para não justificar mais esforço no sentido de identificar o melhor de entre os melhores.O que se perde por se estar fora do óptimo ganha-se em rapidez e simplicidade de escolha. O que interessa é garantir se essa regra está orientada para os objectivos da empresa, e vários indícios mostram ser esse o caso no comportamento das empresas concretas.Não se trata da aplicação exacta dos modelos que descrevemos, mas é claramente um comportamento que vai no sentido de obter o maior lucro e, por isso, tende para o resultado apresentado.Para que as conclusões que estudámos sejam válidas não é preciso que, no seu dia-a-dia, as empresas se situem exactamente no ponto (preço, quantidade) que definimos como óptimo. Esse não é fácil de obter devido às grandes incertezas, variações e desconhecimentos que caracterizam as situações concretas. O que sabemos, porém, é que, se uma empresa se afastar muito do ponto que lhe recomendámos, ela sentirá imediatamente os seus maus resultados (ou os concorrentes a obrigarão a senti-los) e terá que se ajustar. Uma coisa é seguir o modelo à risca, outra é ser obrigado a não o ignorar. Não é um problema de forma, mas de conteúdo.Uma outra causa de afastamento entre os nossos resultados e o comportamento real das empresas vem da constatação que estas têm outros objectivos para além do lucro. Este facto não é surpreendente, como vimos, e não se opõe ao nosso modelo desde que o lucro, mesmo não sendo o único, se mantenha como um dos principais objectivos da empresa. Entre os objectivos empresariais alternativos que têm sido observados, vale a pena referir um fenómeno particular, muito referido, e que influencia a vida de boa parte das empresas actuais.Verifica-se que, mesmo que os accionistas queiram a maximização dos lucros das empresas, que se reflectem nos dividendos que lhes são entregues, a administração das empresas tem outros objectivos. A utilidade desta está ligada às condições de trabalho (estabilidade do emprego, qualidade das instalações, pretendendo um gabinete luxuoso e um carro caro, etc.).É claro que os accionistas podem sempre despedir a administração, mas é fácil, sobretudo quando aqueles são muitos, perpetuar uma gestão ineficiente, com objectivos estranhos à vida económica da empresa. Se o sistema não promove a concorrência e conserva situações adquiridas não é de admirar que apareça a ineficiência.

Este ponto do nosso estudo é particularmente importante. Acabámos neste momento o estudo da procura e oferta, descrevendo o funcionamento global de um mercado.Podemos resumir o que vimos em duas ideias simples:— a primeira é o truque marginalista: em vez de fazer uma

pergunta grande, fazer uma pergunta simples e repeti-la várias

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vezes. O truque é olhar para a margem e perguntar: «Será que vale a pena mudar?»

— a segunda é a resposta que sempre encontrámos: o ponto óptimo é aquele em que benefício marginal = custo marginal.

Na decisão do consumidor, do produtor, dos mercados, a fórmula encontrada foi sempre deste tipo.Está realizado o centro essencial da tarefa que nos propusemos. Os resultados que já possuímos nesta altura serão a base de sustentação para a quase totalidade dos temas que se sehuem.

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2.3. Teoria monetáriaA teoria do valor, partindo das decisões dos agentes e da sua interacção nos mercados, aborda o valor de todos os bens, ou seja, de todas as realidades que são úteis ao ser humano. Apenas uma realidade escapa a esse quadro teórico da Economia: a existência de um ente que é simultaneamente um bem, apesar de não ter utilidade, e um recurso, que não tem custo. Esse ente paradoxal é a moeda.Como é fácil de ver, visto que a utilidade e a capacidade produtiva são, respectivamente, a base da teoria do consumidor e da teoria do produtor, a existência de essa entidade estranha escapa a ambas. Por isso, para compreender a moeda, temos de encetar uma nova teoria: a teoria monetária, que trata apenas deste fenómeno.

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2.3.1. MoedaPara começar é preciso ter uma noção mais clara sobre esta estranha entidade que agora analisamos. O que é a moeda? Moeda é todo o meio que serve para facilitar as trocas. A existência da moeda está estreitamente ligada às trocas. Pode ver-se a moeda como um lubrificante do sistema geral de trocas que, como vimos, é a base da economia.À primeira vista, a troca directa é o sistema mais simples de fazer transacções. Para que uma troca se realize é preciso que quem tem algo para trocar encontre alguém que quer aquilo que este tem e tenha aquilo que este quer. Esta «dupla coincidência de vontades» é difícil de conseguir.Há formas de aliviar este problema. Uma delas é não fazer uma, mas muitas trocas. O que as sociedades faziam, antes de existir moeda, era criar locais onde todos os que tinham coisas para trocar se encontravam, transaccionavam e definiam os preços.No entanto, todos estes métodos eram deficientes e reduziam o número de trocas que efectivamente se realizavam, reduzindo assim o bem-estar potencial. Por isso, desde cedo, algumas sociedades lembraram-se de um truque simples: se houvesse um bem a que todos dêem valor, todos estarão dispostos a aceitá-lo em troca do que é seu; assim, pode passar a fzer-se sempre duas transacções em vez de uma (ou em vez de muitas) para trocar.Vamos supor que esse bem é o pão, uma coisa que toda a gente quer e precisa. Claro que há alguns inconvenientes: as pessoas agora, além dos bens que produzem e consomem, têm de ter pão guardado para fazer trocas e, além disso, é preciso sempre fazer duas trocas em vez de uma, directa. Mas a grande vantagem é que não é preciso procurar a coincidência de vontades entre o comprador e o vendedor porque agora há um intermediário na troca: a moeda.Ao longo do tempo, muitos bens foram usados como moeda. Mas como o principal problema era a aceitabilidade, a ideia original era usar um bem que fosse considerado útil por toda a gente, para garantir que ele era sempre aceite. Assim, vacas, vinho, cerveja, cigarros, foram utilizados como moeda.O problema de usar um bem muito útil como moeda estava em que, exactamente porque esse bem era útil, ele tinha outros usos para além das trocas. Por isso, às vezes, havia falta de moeda para as trocas porque ele tinha sido usado.Aqui aparecia o primeiro grande problema da moeda: para garantir que o bem era aceite por todos era preciso que o bem fosse útil, e até muito útil. No entanto, isso fazia com que a quantidade de moeda que havia em circulação variasse fortemente devido ao «consumo não monetário» desse bem, o que gerava grande instabilidade na economia, sobretudo no nível geral dos preços, como veremos adiante.Note-se a grande contradição que se defronta na escolha de um bem para moeda, e que resulta do seguinte: para ter um bem que apenas sirva como moeda (não tenha procura não monetária), esse bem deve ser inútil. Se for útil, serve para muitas coisas e não apenas para moeda e o seu uso como moeda ressente-se. Mas uma forma simples de ser aceite por todos é a moeda ser um bem útil (vinho, cigarros, vaca).Se fosse possível encontrar um bem que as pessoas desejassem, mas que quase não servisse para mais nada a não ser para fazer trocas, o

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problema ficava resolvido. O paradoxo ficou resolvido com a existência de um tipo especial de bens, a que podemos chamar «bens decorativos ou de luxo», que pouco consumo tinham, mas que eram aceites por todos. As conchas, pérolas e, sobretudo, os chamados «metais preciosos» podiam ser usados como moeda, por serem aceites por todos, sem medo de que o seu montante total fosse alterado frequentemente de forma significativa pelo consumo não monetário.Vejamos quais as características mais importantes que um bem deve ter para ser uma boa moeda.

1) Divisibilidade – importante por causa dos trocos;

2) Durabilidade – a degradação do bem altera-lhe o valor e dificulta o seu uso como padrão das trocas;

3) Aceitabilidade geral – se não for reconhecida por todos, não cumpre a função de meio de troca;

4) Ter reduzida procura não monetária – para evitar flutuações no montante disponível de moeda;

5) Manter o valor – se o valor da moeda varia (o vinho antigo vale mais, mas a cerveja antiga vale menos que a nova), torna-se difícil o seu uso;

6) Ser prática de movimentar – um bem muito pesado ou volumoso torna-se difícil de usar nas trocas;

7) Dificilmente falsificável.

Como se disse, a maioria das sociedades a certa altura perceberam que os metais preciosos eram boa moeda: divisíveis, duradouros, a procura não monetária era pequena (quase só para jóias), mantêm o valor e, apesar de pesados, valiam muito por grama, pelo que podia levar-se muito valor em pouco peso, e era fácil distinguir o ouro verdadeiro do falso25. Por essa razão durante muitos séculos usou-se a moeda pesada para transacções: em cada troca, em cada loja, havia uma balança para pesar o ouro e a prata que servia na transacção.O método era pouco prático, devido ao esforço de pesagem, e aos erros que gerava. Por isso, a seguir passou-se para a moeda contada: bolinhas ou discos de ouro, com peso predeterminado (uma libra, uma onça, um talento), eram mais fáceis de usar, pois bastava contar os discos para ter o peso desejado. Para evitar que se estivesse, dia a dia, a confirmar o peso de cada peça, passava a ser necessário que uma autoridade se responsabilizasse pelo peso do disco ou que emitisse a moeda.Desta forma, rapidamente se passou para a moeda cunhada, que tinha já a forma actual, normalmente com a cara e o escudo do imperador, rei, etc.Comerciantes de muitos sítios encontravam-se nas grandes feiras que, em algumas cidades, permitiam a troca de produtos de muitas regiões. Para resolver esta questão apareceu a profissão de cambista.Os cambistas eram pessoas que tinham como função comparar e trocar

________________________________25 Um método simples de verificar a validade do ouro prende-se com o facto de ele ser um metal mole. Isto levou as pessoas a morder as moedas. Se o metal vergasse sob o dente, era verdadeiro, senão era apenas uma moeda dourada. Ainda hoje vemos esta prática... nos filmes de cowboys.

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as moedas de uma zona por outra. Normalmente esses cambistas, que tinham também o ofício de ourives, faziam outro negócio: alugavam os seus cofres para guardar em depósito a moeda dos clientes.Cada depositante tinha, como prova e contrapartida do seu depósito, um recibo. O papel não era ouro, mas valia ouro, porque representava o depósito. Quando estes recibos começaram a circular, apareceu a moeda de papel.A partir do fim do século XVII, alguns cambistas, para facilitar essas trocas, começaram a emitir recibos com um certo montante padrão, sempre igual, e a ter a expressão «ao portador». Deste modo, o valor era predefinido e evitava-se que quem tivesse um recibo em nome de outro se visse na obrigação de ir ao ourives tomar posse do seu novo ouro.Como o papel circulava, cada vez menos o levantavam porque os recibos serviam cada vez mais como moeda. Assim, os cambistas constatavam que, nos seus cofres, a maior parte do ouro não era mexida. Daí nasceu a ideia de emprestar esse ouro parado a quem dele precisasse, cobrando um juro.Nasciam assim os bancos. O cambista lançava-se no negócio do crédito, mas no crédito com dinheiro que não era seu... Este negócio era muito rentável e permitia, em vez de cobrar uma comissão aos depositantes pelo trabalho de guardar o dinheiro, pagar-lhes um juro pelo depósito.Este negócio era o negócio do crédito, e, ao fazer isto, os ourives transformaram-se em bancos. A maneira de emprestar era emitir mais recibos do que ouro havia. Era uma forma milagrosa de fazer dinheiro: o banqueiro podia comprar o que quisesse, bastando para tal assinar um recibo, sobre o ouro dos seus depositantes. Mas em breve se descobriu que havia um risco: é que se as pessoas vissem muitos recibos em circulação, podiam desconfiar e ir levantar o seu ouro. E se todos o fizessem, como havia mais recibos que ouro, não havia possibilidade de satisfazer a todos: com o negócio bancário aparecia a bancarrota. Vários casos célebres de falências mostraram como este fenómeno podia ser destrutivo, eliminando as poupanças depositadas.

JOHN LAW (1671-1729)O escocês John Law é sobretudo conhecido por um dos maiores escândalos

financeiros da História. A queda da especulação e a falências das empresas de Law, que entretanto fora nomeado ministro das Finanças, causou um desastre financeiro, a fuga do seu autor para Veneza e tornou-se um exemplo clássico de bancarrota. Mas Law é sobretudo importante pelas obras teóricas, em que Smith se inspirou, entre elas o Tratado da Moeda e do Comércio de 1706.

E quando o Estado entrou no negócio, uma nova característica foi adquirida: era possível lançar uma lei que obrigasse as pessoas a aceitar e a transaccionar em moeda de papel, sem a poderem trocar por ouro: tornar o papel inconvertível em ouro. Primeiro esta medida era tomada só em altura de crise, mas em breve se generalizou: não era preciso usar o ouro ou a prata se o papel servia igualmente. A moeda passou a ser moeda fiduciária: passava-se da moeda de papel para o papel-moeda.A partir de então, efectivamente, o papel passou a ser moeda, enquanto antes ele apenas representava moeda.Ao longo de toda esta evolução, alguns aspectos são de referir:Repare-se que inicialmente se usavam bens úteis como moeda, e hoje, usando o papel, temos uma moeda que só é moeda. Actualmente, uma nota não serve para nada a não ser para troca. É claro que a

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aceitabilidade desta moeda é garantida pela obrigatoriedade que o Estado lhe impõe, e na confiança que temos no sistema. Isso faz com que, hoje, a moeda só vale porque nós dizemos que ela vale. Mas se todos desconfiarmos da moeda e nos quisermos livrar dela não podemos fazer bancarrota no banco emissor, porque a lei obriga-nos a aceitar a moeda.Como os bens são limitados, e todos os querem, o valor das coisas sobe e o valor da moeda cai porque ninguém a quer. Este fenómeno, que equivale à bancarrota, chama-se inflação ou desvalorização da moeda.Como os bens que há para comprar são os mesmos, e há muito mais dinheiro para comprar, os preços sobem. Os casos famosos das notas emitidas na Revolução Francesa (os assignats ) e na Revolução Americana (as greenbacks ) são exemplos de moedas que perderam totalmente o seu valor devido ao excesso de emissão.A intervenção do Estado, monopolizando a emissão de moeda de papel26, impediu os bancos de participarem nesse negócio tão rentável. Mas os bancos não se renderam, e resolveram o seu problema mantendo as suas operações e criando um novo tipo de moeda. O negócio é o mesmo, mas agora a moeda que o banco emite é o cheque, chamado moeda escritural.Claro que continua a ser possível ao banco emprestar o dinheiro (notas e moedas) que fica depositado nos seus cofres, concedendo crédito. A forma de operar esse crédito quase que se manteve: o banco abre uma conta bancária em nome de quem lhe pede crédito, ou seja, em nome de quem não depositou lá dinheiro, e permite-lhe emitir cheques sobre essa conta; quando chega ao fim do prazo do empréstimo, o devedor devolve o dinheiro com juros. É claro que se mantém a possibilidade de bancarrota, agora não com ouro mas com dinheiro.Ultimamente apareceram outros tipos de dinheiro: a moeda de plástico. Os cartões de crédito, gerais ou particulares (de uma loja, etc.), com os quais se compra agora e paga depois, ou paga agora e compra depois (como no caso do passe da Carris ou as senhas de gasolina).Finalmente há novo tipo de moeda que está em grande desenvolvimento: a moeda electrónica. Cada vez mais transacções são feitas através de terminais de computador, no qual a conta bancária é movimentada directamente. Trata-se de uma situação em que a transferência financeira é feita no ponto de venda (o eft-pos effective financial transfer at the point of sale). A moeda deixa não só de ser um bem útil, mas até um bem material.

________________________________26 É claro que ainda mantemos moedas de metal na nossa circulação, mas essas são também moedas fiduciárias, porque, não sendo feitas de metal precioso, o valor do metal da moeda é menor que o valor facial.

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2.3.2. Crédito, bancos e política monetáriaQuais os bens usados como moeda e qual o montante de moeda que um país tem? Essa questão é mais difícil do que parece:i) É claro que a moeda é constituída pelas notas e moedas em

circulação que o Estado emitiu. Esta emissão é da responsabilidade do banco central (no nosso caso, o Banco de Portugal).

ii) Mas, como vimos, os cheques são moeda, para todos os efeitos. iii) Então e os outros depósitos [chamados «depósitos a prazo» (DP)]?

Esses depósitos são menos utilizáveis em transacções, pois só se podem passar cheques sobre eles em certas condições (sobretudo ao fim de certo prazo). São «menos moeda» que os depósitos à ordem, porque são mais difíceis de usar em trocas, são menos «líquidos». Como se sabe que é possível, com algumas diligências, obter esse dinheiro, ele pode ser considerado moeda em certas condições.

Os avanços tecnológicos no mercado financeiro vão criando novos tipos de activos que têm certo grau de liquidez (podem ser usados em trocas em certas condições) e dão rendimento (juro).

2.3.2.1 Multiplicador do créditoSuponhamos que há apenas um banco no país e que nesse banco as pessoas depositam 1000€ em dinheiro. O balanço27 desse banco fica:

BALANÇO

Activo Passivo

Reservas 1000€ Depósitos 1000€

Como já vimos atrás, a alma do negócio bancário está em emprestar o dinheiro que não é seu. Suponhamos que o banco guarda reservas (quer as obrigatórias ou legais, quer as voluntárias) num montante de 10% dos depósitos.Depois de fazer o empréstimo desses 900€, o banco fica na situação seguinte:

BALANÇO

Activo Passivo

ReservasCrédito

100€900€

Depósitos 1000€

Neste momento, o banco criou moeda: além dos 1000€ em depósitos, há mais 900€ em circulação.

Total de moeda = 900 (C) + 1000 (DO) = 1900

O crédito é usado por quem o pediu para gastar. E, depois de gasto, quem o recebeu decide depositar esse dinheiro (pode só depositar parte, mas para simplificar vamos supor que deposita tudo. O balanço passa a ser:

________________________________27 Balanço é um documento contabilístico de uma empresa em que se apresenta, do lado esquerdo, o valor de toda a riqueza da empresa (o seu activo) e do lado direito as suas dívidas ou responsabilidades (o seu passivo).

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BALANÇO

Activo Passivo

ReservasCrédito

1000€900€

Depósitos 1900€

Ele só queria ter de reservas 10 % de depósitos (neste caso 190 = 0,1 x 1900), mas tem 1000. Logo, pode tornar a conceder mais crédito, no valor do excedente (810 = 1000 – 190). Assim, o total de crédito concedido passa a ser 1710 = 900 + 810. O banco torna, assim, a criar moeda.

BALANÇO

Activo Passivo

ReservasCrédito

190€1710€

Depósitos 1900€

O dinheiro do crédito, depois de usado, é depositado pelas pessoas que o receberam. Assim, a situação passa a ser:

BALANÇO

Activo Passivo

ReservasCrédito

1000€1710€

Depósitos 2710€

e tudo recomeça...Repare-se que este processo de criação de moeda é um círculo vicioso, onde de cada vez se repete a mesma sequência. Desses 900 de nova moeda foi criada mais moeda: mais 810 (0,9 x 900) de moeda, com isso criada mais 729 (0,9 x 810) de moeda, e assim sucessivamente.

Quando é que semelhante processo acaba? Acaba quando o banco já não puder dar mais dinheiro em crédito. E quando é que tal acontece? Quando as reservas forem todas necessárias. Repare-se que, de cada vez, as reservas voltam sempre ao nível 1000 €; quando estes 1000 € forem exactamente 10 % do total dos depósitos, não é possível retirar essas reservas do banco. Assim, a situação final será:

BALANÇO

Activo Passivo

ReservasCrédito

1000€9000€

Depósitos 10 000€

Assim, o total de moeda é de 10 000€ em depósitos (não há qualquer moeda em circulação), que é o resultado da soma:

1000 + 900 + 810 + 729 + ... == 1000 + 1000 x (0,9) + 1000 x (0,9)2 + 1000 x (0,9)3 + ... =

= 1000/0,1 = 10 000

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Crédito

Depósito

0,9

0,1Reservas

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É assim que o sistema bancário cria moeda, num processo chamado de multiplicador monetário. O valor do multiplicador monetário é de 1/0,1, ou seja, 10.Na realidade, a vida é um pouco mais complicada do que este nosso exemplo muito simples, por várias razões:

i) As pessoas podem não querer depositar todo o dinheiro e ficam com algum em casa. Neste caso, o sistema passa a ser:

ii) Por outro lado, não há só um banco, mas muitos. Isto quer dizer que o crédito criado por um banco é depositado noutro.

Ao longo da década de 60, a eficiência bancária foi aumentando, e em 1974 o multiplicador já era de 4,5, mais do que quadriplicando a moeda inicial. A revolução de 1974 fez alterar este rácio e as coisas só se normalizam com a privatização da banca, no início dos anos 90, estando os multiplicadores em valores semelhantes aos do início da década de 70.

2.3.2.2. Bancos e juroComo vimos, o banco emite crédito para ganhar dinheiro. O que ele recebe por esse crédito, a receita do banco, que é paga por quem pediu emprestado, é o juro. Visto que cada pessoa pede um montante diferente de dinheiro, a forma mais fácil de definir o pagamento é definindo o juro como uma percentagem de crédito, através da taxa de juro. Na verdade, não há uma taxa de juro, mas muitas:

i) Uma distinção importante é entre taxa activa e taxa passiva. A taxa activa é a que os bancos recebem (é a taxa do crédito). A taxa passiva é a que eles pagam (é a taxa dos depósitos). A diferença entre a taxa activa e a passiva (o spread ) é o que fica no banco como receita.

ii) Prazo ou maturidade. Um depósito ou crédito é feito por certo tempo. Esse período é o prazo ou a maturidade desse contrato. Em regra, quanto maior o prazo, maior a taxa. A razão é simples: como o dinheiro está disponível por mais tempo, é mais vantajoso para quem o recebe e por isso ele tem de pagar mais por mês ou por ano. Aqui nasce a diferença importante entre taxa de curto e longo prazo, que revela factores importantes da evolução da economia.

iii) Liquidez. Num depósito, quanto mais fácil é movimentar o dinheiro (maior liquidez), menor é a taxa recebida pelo depósito.

iv)Risco. Quanto mais arriscado é um crédito, mais caro ele é. Na verdade, o banco só está disposto a arriscar o seu dinheiro se lhe pagarem bem.

v) Custos administrativos. Os custos administrativos de um banco são pagos a partir das receitas do banco que, como vimos, são obtidos na diferença entre a taxa activa e a passiva. Um banco que tem custos altos (porque é ineficiente) vê-se obrigado a

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Crédito

DepósitoReservas

Circulação

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subir as taxas dos seus créditos e a descer as dos depósitos. É claro que um banco destes perde clientes para a concorrência28.

Vamos agora tocar num problema que tem ocupado os economistas ao longo do tempo: por que razão é que a taxa de juro é positiva? No fundo, o crédito é passar dinheiro de hoje para amanhã. O facto de a taxa de juro ser positiva significa que quem quer ter já tem de pagar a quem só quer ter amanhã. Mas a taxa poderia ser negativa, que significaria que seria quem queria transpor dinheiro de hoje para amanhã que pagava a quem se dispõe a consumir já.

No fundo, a taxa de juro, o preço deste movimento de dinheiro através do tempo, tem a ver com o custo e o benefício desta transferência: o custo marginal de quem se abstém de consumir hoje, e o benefício marginal de quem tem hoje disponível dinheiro, ou para consumir (gozo adicional de ter o bem já) ou para investir (produto gerado por esse investimento). O facto de, na maioria das situações, a taxa de juro ser positiva significa que, normalmente, para as sociedades, o benefício de ter já hoje é maior do que a possibilidade de adiar para amanhã.

2.3.2.3. Política monetáriaPara além de ter o monopólio da emissão de moeda, o Estado é responsável pelo controle do sistema, através do que é chamado a política monetária. São os métodos de intervenção dessa política, normalmente da responsabilidade do Banco Central (BC) que descreveremos a seguir.A primeira responsabilidade do BC é a de emitir notas e moedas. O montante dessas notas e moedas que o Banco Central emitiu pode estar em circulação na economia (C) ou em reservas nos bancos (R). Chamamos a esse total de dinheiro criado pelo Banco Central a «base monetária» (BM = C + R).Mas, como vimos, o total de moeda que o país tem em circulação não é só a parte que depende do Banco Central, mas os bancos comerciais também a influenciam, criando créditos. Por isso, a moeda total de uma economia não é a base monetária, mas sim a soma de circulação de moeda (C) com os depósitos (D): M = C + D. Assim, através da BM, o Banco Central não tem poder de definir directamente os depósitos e os créditos, mas pode influenciá-los e, como é da sua responsabilidade orientar e controlar o sistema, é essencial que o faça. É isso a política monetária.

2.3.2.3.1. Lançar ou retirar moeda da circulação

A primeira maneira de controlar o sistema monetário é alterando directamente a base monetária. Como é que o Banco Central lança moeda ou retira moeda de circulação?i) Não é comprando ou vendendo cadeiras ou gelados que

o BC altera a quantidade de moeda. O que ele compra e________________________________28 Uma última distinção, que agora não podemos entender, mas que adiante ficará clara, tem a ver com o facto de a variação do valor da moeda, devido à inflação, alterar o valor da taxa de juro. Como veremos adiante com mais pormenor, este facto pode ou não ser levado em conta, o que gera a diferença entre as taxas de juro reais e nominais.

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vende são títulos, sobretudo obrigações do Estado. Assim a emissão de moeda é feita por operações de mercado aberto (Open Market).

ii) Outra forma de emitir moeda é emprestar aos bancos. Esta forma é diferente pois aqui é preciso convencer os bancos a pedir emprestado. A maneira de induzir os bancos a pedirem dinheiro emprestado é através do preço desse crédito, a que se chama a taxa de redesconto. Se o BC desce essa taxa, os bancos são levados a pedir dinheiro à fonte primária, para o emprestarem (a taxas maiores) e fazerem lucros. Deste modo o BC está a emitir moeda.

Esta taxa é especialmente importante porque é o preço do dinheiro para os bancos. Como a fonte do dinheiro novo é o BC, se a taxa de redesconto está baixa, isso é um incentivo para os bancos baixarem as suas taxas de crédito. Se está alta, pode levar os mesmos bancos a subirem as suas taxas.Hoje, o redesconto caiu em desuso, devido à maior eficácia do open market. No entanto, esta foi a forma corrente de fazer política monetária durante décadas, até ao fim dos anos 80.

2.3.2.3.2. Influenciar as reservas dos bancos

Como vimos atrás, a lei obriga os bancos a ter uma certa percentagem dos seus depósitos em reservas. É o BC que controla essa lei, fixando a taxa de reserva legal. Se o BC subir essa taxa, está a imobilizar mais dinheiro, que por isso não pode ser emprestado em crédito e, assim, desce o montante de moeda no país. Como as reservas são um elemento essencial do processo de crédito, esta taxa de reserva legal é uma arma muito forte, pois afecta em grande escala as fugas ao multiplicador monetário.

2.3.2.3.3. Regulação directa

A sua influência pode ir desde «dar conselhos», que os bancos só seguem se quiserem (embora seja perigoso desobedecer...) até ordenar a eliminação de um banco que se esteja a «portar mal». Algumas das regulações mais frequentes são a fixação das taxas de juro, e os limites de crédito (definindo quanto cada banco pode conceder de crédito). Estas são intervenções directas sobre o mercado bancário, ditando o preço ou a quantidade do crédito (ou as duas!).

Veremos adiante que o exterior tem grande influência neste processo. Para já devemos notar que, com a entrada de Portugal na União Monetária Europeia (processo que será descrito adiante) o mecanismo de criação de moeda mantém-se, no essencial, igual ao descrito atrás. A única diferença é que agora existe uma moeda única nos vários países europeus (naqueles países da União Europeia que aderiram à União Monetária) e um banco central único para toda essa zona da Europa, o «Banco Central Europeu» (BCE). O BCE é composto pelos vários bancos nacionais,

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pelo que o Banco de Portugal é o «sócio português» desse BCE, gerindo a emissão de euros no mercado português. O único facto novo é, portanto, que como a moeda que circula nos vários países europeus é a mesma, as quantidades de moeda que o Banco de Portugal emite entre nós não são determinadas livremente, mas têm de ser concertadas com os seus parceiros no BCE. Tudo funciona como foi dito acima, mas a política do Banco de Portugal está concertada com os seus parceiros. Mas para quê é necessário controlar a moeda?Na análise que estamos a fazer da moeda, e apesar das suas características estranhas e especiais, vamos manter a nossa estrutura geral de análise. Assim, vamos considerar a moeda dependente de um mercado, o mercado monetário, com uma procura e uma oferta. A oferta de moeda é feita pelos bancos e foi esse processo que acabámos de estudar. Segue-se agora a análise da procura de moeda.

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2.3.3. Procura de moeda e mercado financeiroDa nossa discussão anterior das características da moeda, podemos retirar uma definição das funções da moeda.Intermediário geral das trocas: como vimos, a primeira função da moeda, aquilo que ditou o seu aparecimento, foi o propósito de ser contrapartida corrente das trocas económicas. Na sociedade moderna, quase todas as trocas são feitas contra a moeda.Unidade de conta: naturalmente, a moeda torna-se no padrão comum de medida de valor. Dado que as trocas são todas feitas através da moeda, é normal que esta passe a ser usada para avaliar todas as coisas transaccionadas. É, pois, o «numerário» da economia.Reserva de valor: as trocas não são sempre feitas instantaneamente, e por isso a moeda tem de guardar valor em si, para o transferir para o futuro.Esta é, pois, uma das definições mais directas de moeda. É moeda tudo o que fizer isto eficientemente. Temos agora que relacionar a moeda com o funcionamento da economia e faremos isso perguntando-nos as razões que levam as pessoas a querer moeda, ou seja, as determinantes da procura de moeda. É claro que estas razões estão estreitamente relacionadas com as funções da moeda, e esta pergunta vai-nos permitir aprofundar mais o mecanismo monetário.

2.3.3.1. Razões da procuraComo intermediário geral das trocas, a moeda é melhor do que os outros activos, porque é mais líquida, visto que o costume e a lei obrigam a que ela seja aceite por todos. Claro que, quanto mais trocas se fazem, mais se quer moeda e o número de trocas está ligado à actividade produtiva.A procura de moeda está directamente relacionada com o nível de actividade económica, por exemplo medido pelo produto ou rendimento (Y).A forma mais antiga, e mais simples de referir esta relação é através da chamada equação das trocas ou equação de Fisher. Esta equação é uma relação muito antiga, perdendo-se na história da economia. Irving Fisher estudou-a mais tarde, no seu livro, de 1911, The Purchasing Power of Money, e a equação tomou o seu nome.

IRVING FISHER (1867-1947)Fisher foi um dos mais brilhantes economistas de todos os tempos. Os seus

trabalhos, realizados sobretudo na Universidade de Yale, são vastos, profundos e, sobretudo, clarificadores. O tratamento que fez dos números índices resolveu de uma vez por todas as questões que se levantavam ao estudo de agregados. Na economia monetária, a sua apresentação da célebre equação das trocas foi de tal modo definitiva que fez com que essa velha relação passasse a ser conhecida pelo seu nome. Embora o tumulto da revolução keynesiana tenha abafado o brilho dos trabalhos de Fisher nos últimos anos, a elegância e clareza dos seus resultados continuam hoje a ser fonte de orientação.

A ideia da equação é muito simples. Como cada troca tem sempre a moeda como contrapartida, o valor da moeda tem de ser igual ao valor das trocas.

M = PxT

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onde M é o montante da moeda em circulação e (PxT) o valor das transacções realizadas num certo período de tempo (um ano, por exemplo). Esse valor pode ser dividido em T, o número de transacções realizadas, e P, o nível geral de preços. Mas, como cada moeda faz mais que uma troca, é possível o conceito de «velocidade de circulação de moeda», o número de transacções que cada moeda faz por ano. Assim a equação fica:

MxV = PxT

e se medirmos o número de transacções pelo produto (Y), alterando correspondentemente V, temos a forma corrente da equação de Fisher:

MxV = PxY

Na verdade, ela indica-nos uma forma de relacionar os preços, a actividade produtiva e o funcionamento do sistema monetário e financeiro (corporizado em V), com esse ente estranho que é a moeda29.Enquanto intermediário geral das trocas, a moeda manifesta o seu paradoxo de fundo ao aparecer como um bem sem utilidade. Esta é uma contradição nos termos, pois atrás vimos que a definição de «bem económico» se baseava na satisfação de necessidades humanas e, portanto, na utilidade. Não há, pois, bens que não tenham utilidade, pois é a utilidade que define os bens. Mas a moeda é uma entidade que serve para trocar pelos outros bens, apesar de não ter utilidade.Mas não fica por aqui a natureza paradoxal da moeda. É que ela não é apenas um bem sem utilidade. Ela pode também ser vista de outro modo, para desempenhar uma tarefa completamente diferente, que lhe traz uma nova dimensão. Essa tarefa é a de guardar valor para o futuro, servir como «reserva de valor». Como reserva de valor, a moeda funciona como um activo, um instrumento de acumulação de riqueza. Mas é um activo especial, pois não traz nenhum rendimento. A moeda é a única que mantém sempre o seu valor. Para além de bem sem utilidade, a moeda pode ser vista como activo sem rentabilidade.Como reserva de valor, a moeda concorre com muitos outros activos, que podem ser alternativos para os agentes guardarem valor para o futuro. Acções, obrigações, ouro, terras, jóias, obras de arte, etc., são activos que podem ser comprados e guardados, com o único objectivo de serem um meio de acumular poupanças para, no futuro, serem trocadas por aquilo que se quer consumir. Assim, a moeda é um, entre muitos, meio de reserva de valor.Quais as diferenças que a moeda traz a este serviço? São, essencialmente duas:

i) A primeira grande diferença é a moeda valer sempre o que vale por lei, enquanto os outros activos sobem e descem de valor. Ou seja, através do tempo, e ao contrário dos outros activos, a moeda não tem risco.

________________________________29 Uma das mais conhecidas aplicações desta equação junta à relação as hipóteses de que a V é um valor estável e Y é determinado pelo potencial produtivo. Se estas duas hipóteses se verificarem, a moeda tem essencialmente efeitos sobre os preços. Esta tese, conhecida como a teoria quantitativa da moeda, não deve ser confundida com a equação das trocas, sendo um caso particular de uma relação que é geral.

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ii) Por outro lado, a maior parte dos outros activos dão uma remuneração, um juro, enquanto a moeda não o dá.

Um agente, ao decidir como guardar as suas poupanças (em linguagem técnica diz-se que o agente está a constituir uma «carteira de activos»), irá escolher entre os vários activos disponíveis, tomando em conta as respectivas remunerações e os seus riscos. Pela regra essencial de não pôr todos os ovos no mesmo cesto, é normal que o investidor goste de guardar alguma da sua riqueza em dinheiro, mesmo sabendo que perde o juro dos outros activos. Perante uma maior remuneração, os agentes estão dispostos a arriscar mais.Assim, a taxa de juro funciona como o custo de oportunidade de ter moeda, pois representa o ganho que se deixa de ter por guardar moeda em vez de depositar a prazo ou comprar acções.Na verdade, quando a taxa de juro sobe, os agentes desejam menos moeda e cada moeda é obrigada a fazer mais trocas:

MxV(i) = PxY

2.3.3.2. A BolsaO facto de a moeda, enquanto reserva de valor, ser concorrente e alternativa aos outros activos, torna a moeda estreitamente ligada ao mercado de activos. A taxa de juro é resultante das flutuações no mercado financeiro, que é um parente próximo do mercado monetário de que estamos a falar. Por isso, vale a pena abordar sumariamente alguns aspectos desse mercado financeiro, normalmente conhecido como a bolsa.A primeira coisa a assinalar é que se trata de um mercado. O seu preço (o preço dos títulos) sobe e desce, conforme a procura e a oferta. Esses preços estão fortemente ligados ao valor das empresas, pois os papéis trocados representam, de várias formas, o capital de empresas concretas.Mas também há movimentos globais nesse mercado. As subidas e as descidas da generalidade dos títulos cotados na bolsa são causadas pela forte interacção que existe no sistema económico.Repare-se que tudo isto se relaciona com expectativas e perspectivas fortemente subjectivas, como é natural. A apreciação das possibilidades futuras de evolução de uma empresa ou de uma economia pode ser racional mas é sempre algo de muito subjectivo e pessoal. Assim, o estado de espírito dos investidores é um determinante essencial da evolução da bolsa. Esse espírito pode ser determinantemente de optimismo ou de cepticismo quanto à evolução da economia30.Ligado a este facto podem aparecer as bolhas especulativas. Estes fenómenos são situações cumulativas onde um certo estado de espírito afecta a bolsa, e esta, por sua vez, agrava o estado de espírito, criando círculos viciosos não amortecidos, que crescem cada vez mais com a variação.Frequentemente, quando, por desenvolvimento deste processo, os preços já estão muito altos, alguns agentes, prevendo que eles não

________________________________30 Na gíria bolsista, estas atitudes são conhecidas pelos termos pitorescos de «touros» (do inglês bulls) para o optimismo e «ursos» (bears) para o pessimismo. Assim, uma bolsa, em determinado momento, pode ser dominada pelos «touros» ou pelos «ursos», o que determina a evolução geral.

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vão subir mais, tentam vender as acções com valores muito inflacionados. Se, mais uma vez, se entra em círculo vicioso, com a atitude (neste caso pessimista) a gerar actuações (vendas) que promovem a própria atitude, a descida será tão rápida e dramática como foi a subida.É a este processo que se chama «bolha especulativa», que incha e explode em pouco tempo. O mecanismo essencial, como vimos, reside no facto de a previsão (de subida ou de descida) ser autoverificada pela própria decisão (de comprar ou vender) que a previsão motivou.Embora sejam naturais e, na verdade, pouco frequentes, as bolhas especulativas têm captado a imaginação do público, pois nelas se fazem e desfazem fortunas em pouco tempo. Esta instabilidade do mercado, que, como se disse, é pouco frequente31, não invalida a aplicação a este dos princípios gerais que estudámos para os outros mercados.Uma questão muito discutida é a do tipo de agentes que intervêm na bolsa. Será que os muito ricos controlam a bolsa, ou existe um «capitalismo popular», com grande dispersão de influências por toda a economia? A situação concreta da maior parte das bolsas (devem excluir-se alguns pequenos mercados anormais) é intermédia: os ricos dominam mas os outros também têm importância. Mais uma consequência directa de, no fundo, a bolsa ser um mercado como outro qualquer.

A relação entre o preço do activo, definido pelo mercado, e a sua taxa de rentabilidade é simples: a taxa (i) é igual ao juro ou dividendo (J), dividido pelo preço do activo (P):

i = J/P

Em termos individuais, uma acção relativa a uma empresa, em dificuldades paga menos dividendos e, por isso, a sua remuneração desce. Como o investidor pretende manter uma taxa de rentabilidade (o custo de oportunidade é a taxa de rentabilidade dos outros activos), vende a acção, o que faz subir a oferta e descer o preço.Por isso, uma bolsa activa e dinâmica é sinal de um país em progresso. A razão desta opinião tem a ver com o facto de se supor que o preço das acções (P) a subir significa que a procura de acções é alta, porque a rentabilidade das empresas (J) está elevada.

Uma questão que ocupa muitos dos especuladores à volta do mercado financeiro é a busca de uma maneira de ganhar facilmente na bolsa. A visão popular é que na bolsa há segredos que podem fazer com que alguém se torne muito rico sem esforço. No entanto, a teoria que, desde há décadas, tem tido maior suporte e maior poder explicativo dos movimentos da bolsa é a chamada teoria do mercado eficiente. Segundo esta tese, o mercado incorpora toda a informação relevante no seu preço.No fundo, isso equivale a dizer que quando a uma empresa acontece algo que lhe sobe as expectativas de ganho futuro (uma

________________________________31 A Mississipi Buble foi um dos primeiros e mais dramáticos casos. O « crash de 1929» , de que adiante falaremos, pois deflagrou a «grande depressão», e o recente e relativamente inofensivo «crash de 1987» são outros casos mais falados.

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nova descoberta, apareceu petróleo na cave, ou outra coisa semelhante), a procura das acções dessa empresa sobe imediatamente e o preço sobe logo, pelo que ninguém tem garantida a possibilidade de se aproveitar dessa informação. As notícias de ontem são pré-históricas na bolsa. É claro que alguns, os primeiros a perceber isso, tiveram tempo de comprar acções ao preço antigo e vender ao novo e fizeram um ganho. Mas isso foi sorte desta vez, e certamente não têm a possibilidade de tornar a fazer outro ganho parecido. Os mais rápidos ou afortunados ganharam desta vez, mas isso foi a remuneração do esforço ou da sorte, e não era garantido à partida.Os que esperavam ganhar, comprando barato e vendendo caro, não conseguem fazê-lo de forma sistemática, porque o facto era imprevisível, e se conseguiu desta vez não consegue para a próxima.Logo, as evoluções dos preços são imprevisíveis. Os génios da finança, que a imaginação popular tanto cobiça, não existem.Mas será que esta regra do mercado errático e imprevisível como um jogo de póquer é compatível com a racionalidade? É exactamente devido à racionalidade que este facto se dá. Um mercado a funcionar bem não tem qualquer razão para alterar o preço senão devido a choques e surpresas. Se houvesse uma evolução previsível do mercado é porque não havia racionalidade na fixação do preço inicial.Mesmo no caso de grandes subidas ou descidas sistemáticas, sem qualquer choque que se veja, não é fácil ganhar. Não se sabe a razão, mas isso também é imprevisível, e por isso não se pode contar com elas. E se a subida dura muito tempo de tal modo que se torne previsível o ganho, é porque espreita a possibilidade de um enorme crash que anule todos os ganhos . O risco está sempre presente e, por isso, o almoço nunca é grátis.Só é possível ganho sistemático nos casos de burla ou mau funcionamento do mercado, os quais devem ser eliminados. Um empregado do banco que usa informação confidencial para ganhar na bolsa está a cometer uma grave ilegalidade (aí o almoço não é grátis devido à possibilidade de ir para a cadeia).Então os mais espertos e dinâmicos não ganham mais que os outros? O problema é que há muitos desses espertos em concorrência e isso anula os ganhos em média.Os especialistas, bancos e fundos de investimento dizem: «invista connosco, porque nós sabemos». Mas essa sabedoria paga-se e, por isso, o ganho adicional é para pagar o esforço de a obter. O melhor pode ser escolher carteiras diversificadas, com acções e obrigações variadas, para não ganhar muito nem perder muito. Logo, é melhor que se abstenham os amadores.Claro que quem trabalha e se dedica mais à bolsa e se esforça mais, ganha mais, mas isso é remuneração do esforço , o qual, se calhar, até seria melhor empregue noutra coisa. E quem se arrisca mais ganha mais, isso é remuneração do risco. Assim, os especialistas da bolsa são profissionais como outros quaisquer, com uma remuneração que paga o seu trabalho e investimento. Para ganhar em qualquer actividade, o segredo é o trabalho, a capacidade, a inteligência e a sorte de cada um, pelo que é igual ao resto da economia.

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2.3.3.3. Taxas reais e nominaisPodemos agora tratar uma questão que aflorámos atrás: qual é a semelhança entre esta taxa de juro (i) e a de que falámos na secção anterior (r)? O autor que resolveu esta questão foi, mais uma vez, o americano Irving Fisher, que nos dois livros de que já falámos, The Purchasing Power of Money, de 1911, e a Theory of Interest, de 1930, estabeleceu a maior parte dos resultados que temos vindo a discutir.A taxa (r) correspondia à relação entre os consumos de hoje e de amanhã; logo, era medida em unidades de bem (ou de utilidade). Esta nova taxa (i), sendo a taxa de remuneração de activos financeiros, está medida em escudos.Assim, embora conceptualmente representem o mesmo fenómeno, a diferença está na unidade de medida: (r) medida em unidades de bem e (i) medida em moeda. Mas não é a moeda uma forma de medir o valor dos bens? É verdade que é mas aqui voltamos a uma questão que atrás tratámos: a moeda é uma forma de medir o valor dos bens, mas é um metro elástico: o seu valor varia quando varia o nível geral de preços. Assim, a diferença entre (r) e (i) consiste na inflação.Esta é a taxa de juro que tem de ser paga em escudos, a taxa nominal (i):

1 + i = (1 + r) (1 + π)

Como r e π são normalmente valores pequenos, desprezamos o termo da sua multiplicação e dizemos, simplificadamente, que a taxa de juro nominal (i) é igual à taxa real (r) somada à taxa de inflação (π)

i = r + πEsta relação e a distinção entre as taxas que a suporta é o segundo grande contributo que se deve a Fisher. Para já, na nossa análise não incluímos a inflação, ou seja:

i = r

mas continuaremos a diferenciar a notação, devido à importância da distinção, que em breve será patente.

2.3.3.4. ConclusãoEm resumo, a procura de moeda depende das características do intermediário das trocas e da reserva de valor.Uma subida do montante de moeda (M), para a mesma velocidade de circulação (V), faz subir os preços (P), se o produto (Y) estiver fixo, devido a outros factores (por exemplo, a produção global da economia).Juntando a procura e oferta de moeda, podemos representar graficamente o equilíbrio do mercado monetário, no seguinte diagrama:

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P

M

Ms Md=PxY/V(i)

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A construção deste gráfico supõe claramente que o principal efeito da moeda é exercido sobre o nível geral de preços. Este facto não é de forma nenhuma inocente, visto que supõe uma determinação particular da relação. Como vimos, a nossa análise disse que a moeda está inter-relacionada com (pelo menos) três outras variáveis (P, Y, i) e não é, à partida, claro qual o grau e sentido dessas relações.No nosso caso, a questão será tratada na secção onde construiremos o modelo de equilíbrio geral. Assim, o que resta para a moeda influenciar é apenas o nível geral de preços (P)32.A subida de procura de moeda tem de ser satisfeita por uma correspondente subida da oferta de moeda. Mas como a quantidade oferecida não sobe, apenas resta uma forma de o fazer: subir o valor da moeda existente.A redução da procura é equilibrada descendo o valor da oferta, o que se consegue subindo os preços: __se i ↑ => L(Y,i) ↓, e como M/P = L (Y,i), então (M/P) ↓, como M => P ↑

Finalmente, se há mais moeda e se mantêm os valores do produto e taxa de juro, a subida da oferta é compensada por uma subida de preços, mantendo no final o valor da oferta da moeda: __ _____

se M ↑, como L, então (M/P), => P ↑

A instabilidade da velocidade, que não é, em geral, muito grande, está ligada a problemas de funcionamento do sistema financeiro.Assim terminamos o breve esquema da teoria monetária, a segunda e última parte da teoria económica, que complementa a teoria do valor.A análise, ao nível de abstracção a que foi feita, pode ser aplicada em qualquer cultura, civilização e sistema político. É claro que os exemplos e ilustrações que vimos foram retirados dos hábitos e instituições do nosso tempo, mas poderíamos, sem grandes mudanças nos conceitos e relações, analisar a realidade da Grécia e Roma antiga, da China medieval ou das tribos primitivas dos dias de hoje. Consumidores, produtores e mercadossão realidades de todos os tempos, pelo que o núcleo central da teoria do valor é válido nesses casos todos.Nas economias monetizadas, variadíssimas formas de funcionamento desse sistema foram adoptadas. E mesmo no nosso tempo, alguns dos aspectos referidos são muito recentes, e outros estão a cair em desuso. Por exemplo, a moeda electrónica só apareceu em Portugal nos fins da década de 80, e o redesconto só deixou de ser usado nos inícios da década de 90. Os problemas que trata, as relações que observa e as conclusões que estabelece são contingentes e variáveis.Esta é a última das consequências do paradoxo profundo da moeda: a moeda é a entidade que não serve para satisfazer nenhuma necessidade mas, apesar de não ter valor, representa o valor em «estado puro»; a moeda é o intermediário das trocas, que obriga a duplicar todas as trocas, para as facilitar. É possível que um dia, quando a informação for perfeita e não houver custos de transacção (se toda a gente passear um terminal de computador

________________________________32 Note-se que mesmo a diferença entre a taxa real (r) e nominal (i), sendo esta a que aparece na procura de moeda, depende dos preços, ou melhor, da variação dos preços, a inflação.

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embutido na unha do polegar, por exemplo) a moeda deixe de fazer sentido, podendo nós fazer trocas directas e guardando valor no espaço virtual.

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3. OS DOIS CONFLITOS BÁSICOSNa secção anterior analisámos a teoria essencial do comportamento dos agentes e dos mercados. Essa teoria, ao explicar o comportamento decisional e a sua interacção, deveria ser suficiente para interpretar todos os problemas que se põem à Economia e, na verdade, serve de base a todos os raciocínios da ciência. No entanto, existem algumas situações que incluem elementos que perturbam o uso desses resultados como grelha explicadora.Essas situações têm a ver com as consequências da agregação dos comportamentos individuais para o nível global da Economia. Nesse campo, aparecem problemas diferentes dos que vimos, porque afectam a totalidade da economia. A falácia da composição, de que falámos atrás, consiste exactamente no esquecimento destas diferenças, aplica ao todo o que apenas é válido nas partes.A nível global, a situação que se deve analisar é representada por um equilíbrio geral da economia, com todos os agentes (consumidores, empresas, etc.) a decidirem simultaneamente, entrando em conta com todas as interacções dessas decisões.Em termos físicos, o que existe na realidade, a única coisa que existe, são átomos. Por isso, a Física Atómica, que descreve e estuda a constituição e comportamento dos átomos, deveria bastar para resolver todos os problemas físicos. No entanto, a ciência não foi ainda capaz de o fazer. Por isso, a Física dos Materiais, que estuda as propriedades físicas dos vários tipos de substância, ainda existe como disciplina distinta. Isto deve-se apenas ao facto de não sermos capazes de, a partir da Física Atómica, explicar todos os fenómenos.Em Economia passa-se o mesmo. A única coisa que existe são agentes económicos (empresas e famílias). Por isso, uma teoria bem feita do seu comportamento deveria bastar para descrever toda a realidade económica. Infelizmente, essa teoria é ainda imperfeita e há fenómenos resultantes da interacção que não são descritíveis apenas em termos de comportamento dos agentes.Esses fenómenos podem resumir-se no conflito eficiência – equidade e no conflito desenvolvimento – estabilidade de que já falámos repetidamente. Para os compreender, é necessário construir uma análise nova que, partindo da teoria base do comportamento dos agentes e mercado, seja entendida no sentido de poder descrever e explicar os novos efeitos, nascidos da visão global.São esses problemas que iremos tratar no resto do nosso estudo. Nesta secção discutiremos as quatro questões sociais que nascem dos dois conflitos. A primeira é a magna questão da pobreza e da distribuição dos recursos.Esta secção é muito mais aplicada que as anteriores, discutindo directamente as magnas questões económicas do nosso tempo.

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3.1. Distribuição e pobrezaO primeiro problema agregado que trataremos é o da distribuição, pelos vários agentes da economia, dos frutos da actividade dessa mesma economia.A primeira conclusão que podemos referir é que o nível de satisfação das necessidades de um agente está ligado ao montante de recursos que lhe estão disponíveis para esse efeito. Esses recursos, que ele pode mobilizar no sentido de ter acesso aos bens que satisfazem as suas necessidades, e que determinam se ele será rico ou pobre, são do tipo mais variado. Valores como a saúde, a inteligência, a liberdade, a influência política, a integração ou marginalização social, entre outros, são factores tanto ou mais importantes para essa distribuição do que os elementos, mais frequentemente referidos, da riqueza monetária ou patrimonial.Um pobre não é tanto uma pessoa que não tem dinheiro, mas uma pessoa a quem faltam os meios concretos para satisfazer as suas necessidades mais básicas. Por isso, na maioria das situações, a falta de dignidade, de esperança ou de perspectivas de um projecto de vida viável são, normalmente, elementos muito mais importantes para a criação de uma situação de pobreza do que a simples falta de meios financeiros.Por outro lado, tem-se verificado que esses vários elementos estão relacionados, de forma que um baixo nível patrimonial pode gerar um acesso limitado à saúde, liberdade ou dignidade, compondo-se assim um fenómeno cumulativo que perpetua o estado de pobreza. Daí que se fale de uma cultura de pobreza, mais do que uma situação de pobreza.Por todas estas razões, a primeira coisa que devemos referir, ao abordar os problemas da distribuição, é o seu carácter complexo e globalizante. A abordagem estritamente económica apenas capta uma pequena parte de uma questão que é social, cultural, política, histórica, etc. Tendo em mente este aspecto fundamental, o tratamento que aqui será feito destes magnos problemas será, comparado com a sua vastidão, muito breve e esquemático.Adiante será tentado um esboço de abordagem aos outros elementos da questão.

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3.1.1. Mercados de factoresAo abordar o problema da distribuição dos frutos da produção pelos vários agentes é importante referir uma distinção fundamental entre duas fontes alternativas de ganhos para o agente: o rendimento e a transferência. O conceito de rendimento está intimamente ligado à actividade produtiva, visto que corresponde ao dinheiro recebido como remuneração dos factores (terra, trabalho e capital) detidos pelo agente.Desta fonte de proventos, o dinheiro de que cada agente dispõe provém da produção que resulta dos factores produtivos (terra, trabalho, capital) de que ele é dono, como se viu.Relembrando o gráfico que atrás usámos para representar o circuito económico, é fácil situar os rendimentos no funcionamento do sistema económico:

A eficiência que, como vimos atrás, apenas pode ser considerada óptima no sentido de Pareto, não garante nada relativamente aos conceitos de justiça, equidade, moralidade. Essa situação eficiente não precisa de ser justa ou «boa», em termos morais.A questão da distribuição final dos frutos da actividade económica é pois fortemente influenciada pela situação à partida de propriedade dos factores produtivos.A necessidade de garantir a justiça e equidade justificam a interferência da sociedade nesse padrão, mas tal deve ser feito com o mínimo de perturbação nas leis de mercado.Interferências no sistema de herança (por exemplo, por meio de impostos), reformas agrárias ou outros meios de difusão da propriedade, quer fundiária quer de capital, são instrumentos para melhorar a equidade na distribuição da terra e do capital.O mercado de factores produtivos, ou recursos, é um mercado como outro qualquer, com uma oferta (feita pelas famílias, que oferecem trabalho, emprestam capital ou arrendam terra) e uma procura desses factores pelas empresas33. Vamos começar por analisar a procura dos factores.A procura de factores produtivos tem muitas semelhanças com a procura de bens que estudámos atrás, mas algumas diferenças devem ser notadas. Em primeiro lugar, esta procura tem a característica de ser interdependente entre os vários sectores. Na verdade, a procura de enxadas pelas quintas está ligada à sua procura de trabalhadores. Claro que esta interdependência é uma manifestação daquela mesma que e-

________________________________33 Um erro frequente que vale a pena prevenir é o de confundir procura de emprego com a procura de trabalho. O que estamos aqui a estudar é o factor produtivo «trabalho», oferecido pelos trabalhadores e procurado pelas empresas. É apenas neste sentido que os termos serão usados. Mas no uso comum, costuma-se dizer que os trabalhadores «andam à procura de trabalho». Na verdade, eles procuram «emprego», mas isso é, economicamente, uma oferta do seu esforço produtivo.

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MERCADO DE BENS

MERCADO DE FACTORES

FAMÍLIASEMPRESAS

Bens

Rendimento

Despesa

Factores

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xiste em toda a economia (tudo tem a ver com tudo), nomeadamente na procura de bens (só se decide quanto se gasta de comida em relação ao que se gasta de vestuário). No entanto, verifica-se uma maior complementaridade entre factores que entre bens, pois, na produção, é normalmente necessária a presença de todos os factores, sem os quais não se pode, em geral, produzir nada.Mas há uma outra característica que é mais típica da procura de factores: trata-se de uma procura derivada. É a procura de bens que gera a oferta, a qual, por sua vez, gera a procura de factores.Qual é o comportamento óptimo da empresa que gera a procura de factores? A linha de raciocínio optimizador é muito semelhante aos exemplos que já estudámos, apesar de ter de ser adaptada a este caso particular.O benefício adicional de uma unidade de trabalho (L), terra (T) ou capital (K) é o valor da produtividade marginal do factor em euros, ou seja, o montante de bem adicional produzido (produtividade marginal física), multiplicado pela receita marginal (no mercado competitivo, o preço) desse montante adicional de bem. Como sempre, o óptimo dá-se quando existir igualdade entre os dois lados, ou seja, preço do factor, por exemplo o salário (w), preço do trabalho, for igual ao produto da receita marginal (Rm) pela produtividade marginal física do trabalho (PmL). É, mais uma vez, o truque marginalista, de olhar só para a última unidade. E o resultado é do mesmo tipo dos atrás referidos:

w = PmL x Rm

Repare-se que esta regra já é conhecida.É fácil de ver que estas condições são equivalentes à igualdade

PmL/w = PmK/r = PmT/t = I/p.

Nesta forma é patente a grande semelhança com algumas fórmulas anteriores, todas elas resultantes da segunda lei de Gossen. A linha optimizadora de mais este problema de afectação era semelhante às anteriores e por isso não espanta que os resultados sejam concordantes. Mais uma vez se vê que a economia reside só em alguns princípios, muito simples, sempre os mesmos, que devem ser aplicados sempre.Se a regra de óptimo para a procura de trabalho é p x PmL = w, então a curva da produtividade marginal (medida em dinheiro: p x PmL) é a própria curva de procura de trabalho.Ou seja, a regra óptima de distribuição, a regra que garante a eficiência, consiste em igualar o preço do factor à sua produtividade marginal. Como a produtividade marginal é decrescente, pela lei atrás referida, as curvas da procura dos factores são decrescentes.Encontradas as condições que determinam a procura dos factores, passemos ao estudo da oferta de factores produtivos.

3.1.1.1. TerraComeçamos pela terra. No factor terra, a Economia engloba todos os recursos que são dados directamente pela Natureza.A terra tem a característica de, em boa medida, a sua oferta ser fixa. A disponibilidade de recursos naturais é, geralmente, limitada a uma quantidade definida, sem possibilidade de ser alargada. Este era o ponto central da teoria de Malthus, como vimos. Por essa razão, qualquer que seja a remuneração dada à terra, a

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quantidade oferecida é a mesma: a curva da oferta de terra é uma recta vertical.Deste facto resulta uma característica interessante: enquanto a quantidade de equilíbrio transaccionada no mercado da terra (T*) é definida pela oferta, a renda de equilíbrio (t*) é definida apenas pela procura; a oferta não consegue influenciar em nada a renda.Repare-se que isto acontece em todos os recursos ou bens em que a oferta é perfeitamente rígida. Nesses casos, quem vende está completamente à mercê da procura para definir o preço. À remuneração destes bens chama-se renda económica pura. É uma renda porque se todos os compradores combinarem entre si, podem descer até zero o preço, e a oferta nada pode fazer senão continuar a oferecer a mesma quantidade.Este aspecto foi percebido pela primeira vez por David Ricardo, no seu livro de 1817, no meio da discussão de um problema prático. Na altura, o alto preço do pão era uma preocupação geral. Ricardo afirmou, numa das conclusões mais famosas e brilhantes da história da Economia, que era errada a ideia comum de que o preço do milho era alto porque a terra era cara. Na verdade, o que se passava era o contrário: a renda era alta porque o preço do milho (que determinava a procura de milho e, por isso, a procura de terra) era alto: (t = Pm x Pmilho). Este resultado teve enorme impacto político porque, na Inglaterra do início do século XIX, o preço do milho era alto por causa de uma lei (as Corn Laws) que impedia a importação de cereais.Dado que a renda da terra tem estas características, ela, para a empresa, é sempre um custo fixo e, por isso, não é relevante para a decisão de produzir no curto prazo (que apenas liga ao custo marginal).Alguns começaram a dizer que, como a renda é determinada pela procura, ela não interessa para a produção, e até poderia ser anulada. Um dos mais famosos defensores desta ideia foi o americano Henry George (1839-1897) que em 1887 publicou um livro, Progress and Poverty, em que defendia a eliminação de todos os impostos e a criação do imposto único sobre a terra, que retirasse toda a renda aos proprietários. Apesar de nunca ter sido aplicada, ainda hoje existem discípulos de George que propõem esta mudança radical.Mas há que ter cuidado com a falácia da composição: a terra só é fixa no global. É claro que a terra usada numa quinta, ou na produção de milho, pode variar. Nesse sentido, e por isso, a renda passa a ser, ao nível da empresa, custo variável, mesmo que só no longo prazo.

3.1.1.2. TrabalhoPassemos à análise de outro factor produtivo: o trabalho. A sua primeira característica é que, ao contrário da terra e capital, que são compostos por «coisas», o trabalho é constituído por pessoas. A Economia, como ciência humana, está, como vimos, orientada para a pessoa humana.Em primeiro lugar, deve haver cuidados particulares com o trabalho, justificando um estudo mais pormenorizado, a consideração de factores não económicos, etc. Por exemplo, se há remunerações diferentes para trabalhadores diferentes (médicos e

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mineiros), as consequências são muito mais importantes para a sociedade, do que quando se trata de outro factor. O mesmo se diga do desemprego: economicamente, o desemprego de trabalho é igual ao de outro factor, mas socialmente não. Esquecer este aspecto é uma das manifestações do erro chamado «economicismo».Alfred Marshall expressou bem esta importância ao dizer: «a actividade pela qual uma pessoa ganha a vida enche geralmente os seus pensamentos durante, de longe, a maior parte das horas nas quais a sua mente está no seu melhor; durante esse tempo, o seu carácter vai sendo formado pela maneira como usa as suas faculdades no trabalho, pelos pensamentos e sentimentos que ele sugere e pelas suas relações com os seus associados no trabalho, seus empregadores ou empregados».No fundo, o problema é igual ao das leis físicas. Usemos um exemplo a que já se fez referência atrás: se eu atirar pela janela uma pessoa, as consequências psicológicas, sociais, culturais e jurídicas são muito mais graves do que se atirar uma cadeira. Mas, em termos físicos, a pessoa e a cadeira obedecem igualmente, na queda, à lei da gravitação universal. Assim, em Economia, por exemplo, se o preço de trabalho sobe, tal como o de outro bem, é de esperar redução da procura.Factores como a taxa de nascimentos e mortes, as migrações, o serviço militar, determinam o número de pessoas que existe em certo momento num país disponível para trabalhar.Mas se este é o número potencial de trabalhadores, o montante de trabalho realmente prestado numa economia depende da participação dessa população activa no processo de produção.Este segundo problema, analisado do lado da oferta de trabalho, pode ser visto como uma escolha do trabalhador entre dois bens: dinheiro e descanso. Cada trabalhador deve determinar o equilíbrio que mais lhe convém entre o número de horas de descanso (que é considerado um bem em si) e de trabalho (cuja utilidade reside na remuneração). Esta escolha não é intrinsecamente diferente das que analisámos na teoria do consumidor: um recurso escasso (o tempo) a distribuir por dois bens.Ao aumentar a remuneração de uma hora de trabalho, o agente estará disposto a sacrificar mais descanso ou lazer, pois o ganho do trabalho é agora mais atraente:

Sobretudo para salários altos, aparecem por vezes situações em que um aumento de salários reduz a quantidade oferecida de trabalho.Também aqui voltamos a encontrar princípios que atrás estudámos, pois neste problema trata-se de um caso em que o efeito substituição é dominado pelo efeito rendimento. Se no

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caso normal se verifica o raciocínio citado acima (salário maior torna o descanso mais caro, pois deixa-se de ganhar mais dinheiro por descansar), que incorpora um efeito substituição, por vezes o efeito rendimento é suficientemente forte para inverter o sentido da relação. Nesse caso, o raciocínio passa a ser: «já estou a ganhar tanto, que já chega; vou é gozá-lo, trabalhando menos».Por exemplo, as críticas dos mais velhos à nova geração, dizendo que esta não gosta de trabalhar, pois aos níveis actuais de ordenado trabalham menos que os seus pais, aparece aqui verdadeiramente enquadrado; na verdade, o nível superior de salário não é, necessariamente, um incentivo para mais trabalho.É claro que um médico especialista em doenças raras, um trapezista ou um varredor da rua não levam em conta, para definir a sua oferta de trabalho, apenas o esforço contido na sua tarefa. Outro efeito importante são os dotes ou qualidades especiais das pessoas.Outros problemas importantes que afectam a oferta de trabalho têm a ver com situações de discriminação (sexo, raça, etc.), onde o trabalho não é avaliado em termos estritamente produtivos, mas inclui julgamentos de valor externos.Finalmente, deve ser referido que, nos tempos modernos, a estrutura do mercado de trabalho se tem alterado, no sentido de diminuir o grau de concorrência. Na verdade, o aparecimento de sindicatos e associações patronais e o uso de instrumentos como greves e negociação colectiva, tem cartelizado e monopolizado o mercado de trabalho, permitindo, por outro lado, satisfazer alguns dos objectivos de natureza social e pessoal que estão ligados à prestação do trabalho.

3.1.1.3. CapitalPassemos, finalmente, ao estudo da oferta de capital. Este terceiro factor primário de produção é, talvez, o mais estranho e complexo dos três. Trata-se de um recurso especial, pois é um factor de produção produzido. Nesse sentido, existe alguma dificuldade em usar o termo «factor primário», como para a terra ou o trabalho, visto que ele é, claramente, derivado de uma produção. No entanto, o capital usado num certo processo produtivo é primário em relação a esse processo. O papel e a natureza do capital são, como se vê claramente, bastante diferentes do das matérias-primas e produtos intermédios.A principal razão da importância dada ao capital reside no facto de se ter verificado que os métodos indirectos de produção são extremamente mais produtivos que os directos. A diferença de resultados entre apanhar peixes à mão (o método directo de produção, só com trabalho e «terra») e fazê-lo indirectamente através de uma cana de pesca é muito grande. É esta a produtividade marginal do capital, que determina a procura de capital, como vimos. Esta constatação é de tal maneira importante que se chamou ao sistema moderno sistema capitalista, visto que é a hegemonia deste factor que define a diferença face aos sistemas anteriores.O que é o capital? É uma fábrica, uma árvore, dinheiro num banco, uma acção de uma empresa? Tudo isso é ou representa

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capital. Podemos perceber melhor o que é capital se distinguirmos dois tipos de capital: o capital físico e o capital financeiro.• O capital físico consiste no factor produtivo propriamente dito:

todos os instrumentos de produção que são utilizados no processo. Correntemente distinguem-se três tipos de capital físico:1.º as estruturas, que se podem exemplificar pelos edifícios

onde se faz a produção, os sistemas de abastecimento de água ou energia, etc.;

2.º o equipamento, constituído pelas máquinas e outros instrumentos de produção e,

3.º os stocks, que são formados pelo armazenamento de matérias-primas ou produtos acabados, para uso futuro.

• O capital financeiro não é directamente um factor produtivo, mas representa a posse do capital físico e facilita a sua transacção. Visto que é difícil transaccionar directamente a propriedade de uma fábrica ou de uma máquina, existe um papel que representa essa fábrica e que é transaccionado. Há vários tipos de capital financeiro:1.º as acções, que representam a posse directa de capital;2.º as obrigações e letras, que constituem dívidas desse

capital; e3.º os depósitos, que se baseiam na entrega de dinheiro a um

intermediário, que depois o transformará em capital.O que há de comum nestas formas de capital? Todas têm em comum o facto de exigirem sacrifício de consumo hoje (parar de produzir à velha maneira, poupar dinheiro), para investir e, assim, ter mais amanhã. É por esta razão que uma pessoa compra uma acção, ou um empresário compra uma fábrica. Este ponto é o essencial da oferta de capital.A oferta de capital é a poupança, as famílias que sacrificam consumo e põem os seus ganhos à disposição de quem os quiser: oferecem capital. A razão da poupança é o consumo, mas o consumo futuro. A escolha aqui é entre consumo hoje e consumo amanhã. O poupador apenas decide qual o pagamento a mais (a que se chama juro) que exige para adiar o seu consumo de hoje para amanhã.Não é necessário que o poupador esteja disposto a ser ele a investir esse dinheiro que poupou. Ele pode investir directamente, comprando um pouco de capital físico (se comprar uma máquina ou, o que é o mesmo, se comprar uma acção de uma empresa, que representa o capital físico dessa empresa), mas também pode emprestá-lo a alguém (comprando uma obrigação, uma letra ou depositando num banco), permitindo que esse invista em capital físico. O facto de o investimento ser feito por pessoa diferente do aforrador justifica o aparecimento do sistema financeiro, que apoia essas transacções, como atrás já vimos.Assim, um bem de capital (prédio, árvore, acção, depósito, etc.) tem como característica essencial o facto de custar um valor hoje e fornecer, em troca, uma sequência de ganhos no futuro:— Uma máquina dá lucros da venda da sua produção.— Uma acção dá dividendos (lucros da empresa distribuídos aos

accionistas).— Um depósito ou obrigação dá os juros.

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Utilizou-se a ideia de usar o método de comparação percentual, que é universal. O rendimento anual de um tipo de capital, dividido pelo custo desse capital, dá a taxa (percentual) de rentabilidade do capital, que se pode facilmente comparar com as outras aplicações.Assim, a oferta de capital , que representa a vontade de poupar das famílias, será tanto maior quanto maior for a remuneração futura desse sacrifício presente. Como poupar representa um sacrifício, é preciso pagá-lo, e por isso quanto maior a remuneração maior a poupança.Além deste aspecto, há outros que têm de ser tomados em conta, e que têm essencialmente a ver com o facto de o capital, mais que os outros factores, ter a ver com o tempo. A decisão de investir tem a ver com um custo hoje, para ter ganhos esperados no futuro.Em primeiro lugar, o risco tem um lugar primordial em toda a decisão de fluxo futuro e os riscos inerentes a uma inovação são elementos fundamentais. Um outro aspecto resulta do facto de que as alterações tecnológicas estão muito ligadas ao capital. Há melhorias técnicas no uso da terra e do trabalho, mas boa parte delas estão, de uma forma ou outra, ligadas a equipamento. Finalmente, a passagem do tempo pode trazer alterações no valor do meio em que se fazem as transacções – a moeda –, como veremos, ligadas à inflação.

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3.1.2. Pobreza e equidadeO mecanismo do mercado de factores dá uma distribuição de rendimento, mas essa distribuição (que é Pareto eficiente se o mercado for competitivo) não é, como vimos, necessariamente justa. A justiça da distribuição, visto que a equidade não está entre os critérios garantidos pelo mercado, depende, em primeiro lugar, da situação inicial da riqueza, ou seja, da posse dos factores produtivos. O rendimento é apenas o fluxo anual de um stock de factores produtivos, numa relação semelhante à de um rio face ao lago de onde sai. Se o stock estiver mal distribuído, o resultado é mal distribuído.A estrutura da propriedade dos factores é, normalmente, relacionada com a riqueza material, ligada à terra e ao capital. Os ricos são os que possuem grandes quantidades de recursos naturais ou que dominam capital físico ou financeiro. Neste sentido, os problemas relativos à herança, à riqueza da região, às leis relativas à preservação e tributação da propriedade material são essenciais para determinar a sua distribuição.Mas é bom não esquecer o outro factor, o trabalho. Os problemas da discriminação, da educação, das capacidades pessoais, da influência político-social dos agentes, etc., são hoje tanto ou mais importantes quanto a riqueza material de cada um para determinar o seu nível de satisfação das necessidades.Da má distribuição nasce a pobreza, ou seja, uma situação em que o acesso aos bens necessários para satisfazer as necessidades está abaixo de um certo nível considerado normal. A pobreza é, naturalmente, a principal questão dentre os problemas de distribuição.A pobreza constitui um conjunto de problemas dos mais complexos na Economia actual. Para o analisar são necessárias considerações prévias, algumas das quais são esquematizadas adiante.Podemos dividir a pobreza em quatro tipos distintos:— Um primeiro tipo de pobreza resulta do facto de o total da produção

da economia, o bolo global, ser demasiado pequeno para dar uma quantidade satisfatória a todos, mesmo que fosse bem distribuída. Esta situação, a que alguns chamam «subdesenvolvimento», foi a que prevaleceu durante séculos, e hoje prevalece em boa parte do mundo (nos países pobres, conhecidos por «terceiro mundo»). Trata-se de um problema estrutural que só se resolve pelo aumento do bolo total, ou seja, pelo desenvolvimento económico, tema que trataremos numa secção posterior.

— Um segundo tipo de pobreza resulta de choques e perturbações que a economia sofre, e que, afectando certos estratos da economia menos favorecidos, podem fazê-los cair numa situação de pobreza. Estes problemas de flutuação económica , eminentemente transitórios, são os causadores do aumento da pobreza verificado em períodos de crise e depressão, que adiante analisaremos.

— Um terceiro tipo, talvez o mais popularmente referido, resulta de uma má distribuição do bolo global, que, se fosse repartido de forma mais equitativa, daria o suficiente para todos. Aqui é que o problema da pobreza se liga ao da equidade.

— Deve ser referido um quarto tipo de pobreza, que aparece mesmo quando uma sociedade resolveu, em boa medida, os seus problemas de desenvolvimento, estabilidade e distribuição. Estes novos tipos de pobreza têm causas muito mais profundas e estão ligados aos

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elementos mais essenciais da estrutura do indivíduo e da sociedade. São situações de pobreza, marginalização e isolamento que resultam de «doenças», pessoais e sociais, e que só podem ser resolvidas por um processo que leve a pessoa e a sociedade a defrontarem-se consigo próprias.

Para além da distinção destes vários tipos de pobreza, com diferentes naturezas, causas e remédios, é importante notar um outro aspecto, essencial para a compreensão da pobreza. Trata-se da constatação de que a pobreza tem características cumulativas de círculo vicioso. As várias causas de um certo estado de pobreza tendem a agir e reagir entre si, criando uma interacção de motivações que constituem uma verdadeira armadilha de pobreza. É claro que essa armadilha pode e deve ser quebrada, mas as suas características sistémicas e cumulativas devem ser entendidas.Uma realização desta interacção pode ser notada no facto de, na maior parte das situações concretas de pobreza, se poder encontrar, simultaneamente, vários dos tipos de pobreza acima referidos, embora um possa ser dominante.Mas a cumulatividade causal da pobreza é algo sempre presente no estado de pobreza, que pertence à sua própria definição. A interacção dos factores objectivos e subjectivos de uma situação de pobreza estão sempre presentes, criando a cultura de pobreza, de que atrás se falou, mas até entre os factores objectivos existe essa interacção. Um pobre, desempregado, devido à sua situação de carência, tem tendência a ter fome e problemas de saúde. Sendo pobre, é marginalizado, sem formação, o que aumenta as suas dificuldades em melhorar a sua situação. No fundo, na expressão de um analista destes problemas, um pobre é pobre porque é pobre.Esboçados os contornos dos problemas de equidade, pobreza e distribuição, podemos tratar, muito esquematicamente, alguns problemas relativos a estratégias de solução para estas questões. Essas estratégias serão descritas muito brevemente, apontando-se as suas principais características, vantagens e deficiências.A distribuição de transferências directas (esmolas, programas directos de combate à pobreza) para os mais pobres foi o grande falhanço nas estratégias contra a pobreza. Por isso, normalmente, a ajuda acaba antes da pobreza ter sido erradicada, ficando no final a situação igual à inicial.Por isso, estes programas só se verificam para casos e situações especiais, onde a pobreza ou é de natureza transitória, eliminando-se por si, ou não tem solução, sendo a assistência a única forma de a abordar.Mas é essencial que essa ajuda seja bem delimitada e restrita no tempo, sob pena de tornar inoperantes os resultados das estratégias que acompanham.A redistribuição directa dos factores produtivos é uma estratégia que actua sobre as causas do terceiro tipo de pobreza atrás referido. A má distribuição da terra e do capital está normalmente na origem da desigualdade e, consequentemente, da pobreza. Assim, as políticas de redistribuição de activos (reforma agrária, confiscação e nacionalização do capital) parecem ser o modo mais natural e economicamente mais directo de resolver o problema.Esta constatação deve ser acompanhada pela clarificação das dificuldades que lhe são inerentes. As redistribuições bem sucedidas estão normalmente ligadas a grandes convulsões políticas, onde se

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aproveita a alteração do quadro sociopolítico para redifinir a distribuição da riqueza. No entanto, nas sociedades onde esta desigualdade é muito acentuada, não há alternativa fácil a esta redistribuição fundamental.O acesso à educação, a criação de condições básicas de vida indispensáveis à realização da actividade produtiva e a eliminação de discriminações são algumas das formas mais eficientes de combater as desigualdades neste campo, embora existam alguns elementos (dotes pessoais, inteligência, etc.) que não podem ser redistribuídos facilmente.Para além destas estratégias, os esforços de estabilização e desenvolvimento, que serão tratados em secções posteriores, são meios importantes de combate à pobreza.A complexidade das várias situações de pobreza faz com que as várias estratégias referidas tenham de ser combinadas para conseguir uma abordagem eficiente. O Banco Mundial, num documento de 1990, apresentou uma estratégia mista, orientada sobretudo para os países subdesenvolvidos. Nesta estratégia existem essencialmente duas linhas de actuação:— orientação do processo de crescimento económico no sentido de

favorecer o trabalho não especializado, factor produtivo que é detido, sobretudo, pelos mais pobres;

— fornecimento de serviços públicos nos campos da saúde, educação, assistência, etc., que permitam aos pobres aproveitar das oportunidades de desenvolvimento que a primeira componente lhes traz.

O ponto mais importante da estratégia reside no facto de as suas duas partes serem interdependentes.Esta estratégia, acompanhada da assistência necessária a casos especiais, é um exemplo de políticas compostas e multifacetadas que podem ter sucesso em situações concretas de pobreza.Quem mais sabe de pobreza são os pobres. Por outro lado, ninguém pode ser «desenvolvido» por outros, tem de se desenvolver a si próprio. Assim, a única forma de conhecer e eliminar a situação de pobreza é quando isso é feito pelo próprio pobre. Só o pobre, se estiverem criadas as condições, o pode fazer.

Mas existe uma outra abordagem ao problema da pobreza, que sublinha o chamado conceito relativo e subjectivo da pobreza. Este problema está ligado à diferente percepção do que pode ser considerado como «satisfação mínima das necessidades». Ou seja, quando o nível geral de satisfação sobe, o nível de pobreza também sobe. Este conceito consiste na inclusão de considerações de igualdade na definição de pobreza.Mas o que é igualdade? Há pelo menos três definições do conceito que têm sido utilizadas pelos seus defensores:— Igualdade de direitos políticos, que consiste na eliminação das

discriminações. Esta igualdade realiza-se na sociedade democrática.— Igualdade de direitos económicos , que consiste na necessidade de

toda a gente partir da mesma situação com iguais regras de jogo. As sociedades modernas têm lutado por ela, mas não foi atingida na generalidade dos casos.

— Igualdade de resultados económicos, que se atinge quando toda a gente se encontra sempre na mesma situação económica. Este resultado apenas se conseguiu em certas utopias.

A principal questão relacionada com a busca da igualdade prende-se com o efeito que a redistribuição pode ter sobre a eficiência produtiva. Aqui, a maior parte dos autores fala do nosso já conhecido conflito entre

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a eficiência e a equidade. Tem-se verificado que se o bolo é mais bem distribuído, ele fica mais pequeno. É mais uma manifestação da lei de que «não há almoços grátis».Mas este conflito, se o mercado funcionar bem, é muito pequeno. Considere-se que uma pessoa é a dona de todos os factores. Se é racional, vai afectar cada factor de forma a que o benefício marginal do uso de cada factor em cada produto seja igual em todos os produtos. Se agora os factores produtivos não forem propriedade de uma única pessoa mas sim distribuídos por muitos e não houver custos de negociação entre as pessoas, como todos são racionais, a afectação final de factores vai ser exactamente igual à anterior. Esta ideia é uma aplicação do célebre teorema de Coase, da autoria do economista Ronald Coase.

RONALD COASE (n. 1910)A sua ideia básica é que, se houver um mercado a funcionar bem, as pessoas vão

negociar de tal forma que, qualquer que seja a distribuição dos direitos o resultado produtivo seja o mais eficiente. A sua intervenção criou várias disciplinas, como a Economia do Direito ou Economia da Propriedade, que são ainda hoje muito dinâmicas.

É claro que, dado que na realidade há custos de negociação, a redistribuição pode ter efeitos na afectação de factores. É daí que nasce o conflito eficiência-equidade, que incorpora os custos, por vezes elevados, que a política de redistribuição levanta em termos de eficiência. Esses custos são dos tipos mais variados.Em primeiro lugar devem referir-se os custos administrativos do aparelho de redistribuição. Ao afectar terra, trabalho e capital à tarefa de redistribuição, esses factores são desviados das tarefas directamente produtivas.Por outro lado, existe o custo relacionado com a perda de incentivos. Os ricos pensam que não vale a pena esforçar-se (investir, trabalhar, produzir), se depois lhes tiram o produto desse esforço, enquanto os pobres pensam que, dado que recebem o mesmo sem esforço, este não é necessário.O Estado tem apresentado vários programas para promover a equidade: os impostos progressivos, a segurança social, etc. O debate tem sido muito forte entre defensores e atacantes (que confiam no mercado) da intervenção do Estado.Ultimamente têm sido apresentadas algumas alternativas que minimizam o custo de eficiência.A questão central do conflito eficiência-equidade reside no facto de os custos em eficiência representarem o que a sociedade paga para ter a equidade, que é um benefício para si. Por outro lado, um bom programa deve ter somo principal finalidade quebrar o círculo vicioso da pobreza, melhorando a sua situação de educação, saúde, integração na sociedade, etc. Trata-se, na verdade, de um investimento da sociedade. Por isso, o custo actual não é uma perda, mas sim um investimento.Estes problemas não são fáceis e exigem um intenso e contínuo estudo e atenção. Podemos afirmar que eles estiveram no centro das preocupações da Economia. Em resumo, diremos, como o Prof. Gerald Meier, que o economista é, simultaneamente, «guardião da racionalidade e procurador dos pobres».Estas duas dimensões acompanharam a Economia ao longo de toda a sua história, e se a primeira, a busca da racionalidade, é a mais difundida e mais enquadrada na noção popular do economista, a

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segunda está, talvez, ainda mais enraizada. Esta última afirmação pode ser exemplificada por uma história do grande Alfred Marshall. Este patriarca da Economia tinha colocado, junto à sua mesa de trabalho, um pequeno quadro representando um jovem pobre. O declarado objectivo dessa figura era recordar ao grande mestre que a finalidade principal da sua ciência residia na erradicação da pobreza. Também neste ponto, os economistas de sempre devem ser discípulos de Marshall.

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3.2. Ciclos económicosNesta secção e nas seguintes discutiremos os problemas relativos ao conflito estabilidade-desenvolvimento. A razão essencial deste conflito é fácil de identificar, como o fizemos atrás: o desenvolvimento económico consiste no aparecimento das novas ideias, que desafiam as estabelecidas. Uma economia muito dinâmica não pode ser estável.Mas a estabilidade é um valor em si. Problemas de desemprego, inflação, insegurança de investimentos, risco nas transacções, estão estreitamente ligados à instabilidade.Só é possível conseguir a estabilidade sacrificando o desenvolvimento, e o desenvolvimento sacrificando a estabilidade34. Este conflitoestá subjacente a quase todas as considerações que faremos no resto da nossa análise.A diferença entre a análise que vamos fazer adiante e a que fizemos nas secções anteriores é fácil de descrever. Nessa altura não discutimos a questão essencial: de onde vêem os preços? Agora, na análise global, vamos inverter a ordem da análise: em vez de darmos preços para determinar o comportamento, vamos introduzir o comportamento (funções utilidade e produção) e obter os preços.Antes de avançarmos com o estudo destas questões devemos porém discutir um pouco melhor os verdadeiros contornos do conflito estabilidade-desenvolvimento que aqui nos ocupa. Em primeiro lugar é necessário ter em conta que este é essencialmente um fenómeno de curto prazo. Quando aparece uma ideia nova, o efeito imediato é desestabilizante. O efeito imediato é de perturbar o equilíbrio em que a economia se encontrava.O desemprego é, talvez, o exemplo mais claro deste tipo de conflito. Podemos representar o desenvolvimento pelo aparecimento de camionetas numa aldeia que apenas tinha carroças. No curto prazo, o seu impacte pode ser muito doloroso. A maior parte dos trabalhadores empregados no sector do transporte vai perder o seu emprego, com todas as consequências dramáticas que isso traz. Esse desemprego é claramente devido à mudança introduzida.Assim vemos que, para obter os enormes ganhos futuros provenientes da inovação, é preciso incorrer imediatamente num custo que se consubstancia nesta insegurança em que toda a actividade económica está mergulhada. Pode-se mesmo dizer que o conflito estabilidade-desenvolvimento consiste numa manifestação dinâmica do conflito eficiência-equidade. Trata-se, no fundo, do mesmo conflito anterior, mas introduzindo o elemento tempo. O desenvolvimento consiste na eficiência ao longo do tempo, enquanto a estabilidade está ligada à equidade ao longo do tempo.A forma como normalmente esse conflito se manifesta é através da existência de ciclos económicos. Ao longo dos tempos tem-se verificado que a evolução da economia de mercado não é harmónica e ordenada, mas está sujeita a flutuações, alternando períodos de expansão com recessões e crises.A explicação do fenómeno, já o sabemos, reside no facto de o mercado ser continuamente perturbado pelo aparecimento de novas ideias, novos produtos, etc. Deste modo, o estudo dos ciclos económicos exige o tratamento das questões mais complexas da economia: a interdependência económica e as perturbações dinâmicas que geram o desenvolvimento.Algumas das dimensões dessa complexidade devem ser desde já explicitadas,

________________________________34 Mais uma vez se refere que a estabilidade que se está a tratar é a estabilidade económica, normalmente ligada a questões como a segurança no emprego, no investimento e aplicação de poupança. Ao contrário desta, a instabilidade político-social não só é conflituante com o desenvolvimento, como lhe é claramente prejudicial. Nesse sentido, a promoção da estabilidade social vai de mãos dadas com a promoção do desenvolvimento.

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na forma de «convidados especiais», que vão aparecer muito mais nos capítulos que se seguem do que até agora.

O primeiro convidado é o Estado. Falámos já muito do Estado e da sua intervenção na economia, mas a partir de agora a sua presença vai ser contínua. A actuação dos vários organismos do Estado, do Ministério das Finanças ao Banco Central, será continuamente referida, juntamente com o efeito de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Comunidade Económica Europeia (CEE, desde Janeiro de 1993 a União Europeia), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (conhecida pela sigla inglesa GATT, General Agreement on Tariffs and Trade e substituído a partir de Janeiro de 1995 pela Organização Mundial do Comércio – OMC –, em inglês a World Trade Organization WTO) etc.As acções do Estado, chamadas políticas, terão lugar central nas discussões que se seguem. Mas, para as várias políticas, seja de definição do quadro legal geral ou de promoção da equidade e estabilidade, é necessário que o Estado gaste recursos.Nesta linha, será discutida frequentemente a questão do sistema geral da Economia. Talvez o problema que mais vezes vamos referir no resto do nosso estudo seja a questão de qual o lugar relativo do Estado e do mercado como métodos para a solução do problema económico.

Um segundo «convidado» serão as estatísticas. Nesta segunda parte do nosso estudo, como os problemas são agregados, é mais fácil ter uma visão quantitativa dos seus contornos.

Um terceiro «convidado» será o espaço. O Mundo, com toda a sua diversidade geográfica, cultural e histórica, será objecto da nossa análise. Vamos conhecê-lo e ver como as coisas são diferentes em zonas diferentes.

Também o tempo será elemento presente nas nossas discussões. O tempo será essencial para a nossa discussão.

Finalmente também tomaremos em conta a discordância. É importante desde já notar que nos temas que vamos tratar há um elemento que era muito menos intenso nos problemas que até agora nos ocuparam: o debate. O quadro teórico que até aqui nos ocupou era, em boa medida, consensual. Embora muitos dos resultados sejam claros, algumas conclusões têm sido campo de uma intensa discussão, de onde nem sempre tem saído a luz...

Para além destes «convidados especiais», teremos sempre presentes dois arreliantes problemas que nos irão perseguir em toda a análise. O primeiro é o problema da agregação. Este problema vai aparecer muitas vezes: uma variação de preços relativos não consegue ser tratada num estudo de um agregado como o produto nacional global.

A segunda dificuldade é a nossa conhecida interdependência. Se esta questão era importante ao nível individual, é central ao nível agregado. Aqui, a interdependência vai ser a questão mais referida e a maior parte das construções teóricas que estudaremos têm como objecto imediato o seu tratamento.

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3.2.1. Abordagens ao problema A grande descoberta da Economia, como vimos, é o funcionamento do mercado. Vimos que o alcançar o maior bem-estar social estava ligado à racionalidade, à troca e que, mesmo para Adam Smith, só se dava entre pessoas civilizadas, e no quadro institucional adequado. O Estado tinha um papel fundamental. Smith dava-lhe o lugar de promotor da defesa, da justiça, e fornecedor de certos serviços que eram esenciais.Mas os trabalhos de Smith, de Ricardo e dos seus seguidores não perdiam muito tempo com as questões globais da Economia. E a razão era uma ideia simples, conhecida pelo nome de lei de Say ou lei dos mercados, que dizia, em poucas palavras, que se a economia individual funcionasse bem, não haveria problemas globais.

JEAN-BAPTISTE SAY (1776-1832)Say é um dos casos de fama para além das suas capacidades. Amigo de Ricardo e

de Malthus, Say foi um dos economistas que mais fez para divulgar e vulgarizar em França (e daí para o resto do continente) os ensinamentos de Smith, Ricardo e Malthus, sobretudo na sua principal obra, o Tratado de Economia Política de 1803. Say não é responsável pelo aproveitamento que Keynes fez de um princípio geral da escola clássica. Gestor de uma fábrica de algodão, agente de seguros e jornalista, Say chegou a ser alto funcionário debaixo de Napoleão. Depois da queda do imperador, dedicou-se ao ensino, sendo o primeiro professor da cadeira de Economia Política no Collège de France, em Paris, em 1830.

A Economia modificou-se radicalmente com a descoberta do marginalismo, nos finais do século XIX. Esta ideia, em que baseámos o nosso tratamento da Teoria Económica, permitia um tratamento da interdependência económica muito mais rigoroso, e esse trabalho começou imediatamente com o francês Léon Walras, de quem já falámos. Para além de ser um dos pioneiros do marginalismo, ele construiu o primeiro sistema integrado global do fenómeno económico: o sistema de equilíbrio geral. Tratava-se de uma primeira tentativa, ainda muito rudimentar, mas brilhante, de captar a complexidade da Economia. E fazia-o com base nas duas hipóteses fundamentais da Economia que estudámos: os agentes racionais e os mercados equilibrados.No entanto, este sistema não conseguia estudar todo o problema, devido à existência de um fenómeno estranho, que se manifesta sobretudo a nível global. Trata-se de um ente económico que tem certas características especiais, pois é um bem que não tem utilidade por si, logo não pode ser estudado pela teoria dos bens, e é um activo que não dá rendimento, logo não pode ser estudado pela teoria dos recursos. Este ente é a moeda que, como vimos, é estudado pela teoria monetária.Podemos dizer que, embora a nossa apresentação seja bastante mais avançada que os trabalhos dos autores originais – Walras, Marshall, Fisher e Wicksell –, o essencial do nosso raciocínio estava já presente nos seus estudos.Em 1936, na sequência de graves perturbações económicas (a Grande Depressão de que adiante falaremos), que, segundo alguns, tinham mostrado o falhanço da economia de Walras-Fisher, John Maynard Keynes, um outro dos grandes economistas do século XX, apresenta uma visão alternativa. Diz ele que, ao partir do comportamento dos agentes individuais, é muito difícil chegar à análise global. Segundo Keynes, a economia agregada está em desequilíbrio.

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JOHN MAYNARD KEYNES (1883-1946)Keynes é, sem dúvida, das personalidades mais ricas e fascinantes da história da

Economia.

Segundo Keynes, a existência de ciclos económicos é a demonstração de que o mercado funciona mal e, por isso, constrói uma nova teoria baseada nas seguintes ideias:i) não parte de princípios simples (racionalidade, equilíbrio) para

descrever os fenómenos, mas sim de hipóteses directas sobre certos tipos de comportamento;

ii) por outro lado, parte da ideia de que a Economia deixada a si própria já não atinge o equilíbrio óptimo, e, por isso, é preciso a intervenção do Estado, a política de estabilização. A finalidade passa a ser encontrar a política mais conveniente à situação concreta.

Assim, muito brevemente, podemos resumir os vários problemas que a abordagem global foi defrontando.1.º a solução trivial fornecida pela lei de Say;2.º o mais completo modelo de Walras;3.º o estudo dos efeitos do tempo, da moeda e do Estado; e4.º a revolta de Keynes.

________________________________O PROBLEMA DO DESEMPREGO NA ILHA

Esta história situa-se numa ilha, onde vivem apenas três pessoas, que fundaram entre si uma comunidade feliz: Robinson Crusoé, Sexta-Feira e Adam Smith. Os três agentes são simultaneamente produtores e consumidores, e transaccionam entre si três bens: pão, produzido pelo Robinson, bananas, da plantação do Sexta-Feira, e explicações de Economia, de Adam Smith.

A) SITUAÇÃO INICIALQUADRO 1 – Procuras diárias dos três bens pelos três agentes

R. Crusoé S.-Feira A.-Smith Total

Pão 2 8 6 16

Bananas 4 2 12 18

Exp. Economia 2 8 0 10

Para conseguir fazer cálculos globais, o problema que se defronta – que é, aliás, o primeiro problema defrontado pela economia agregada é o da agregação entre mercados, a agregação de bens distintos: como somar pães com bananas e explicações?A única forma de o fazer, como Smith o explicou numa das suas aulas, é operar na mesma unidade, numa unidade que represente o que há de comum entre estes bens: o valor. Um exemplo é o uso do pão como numerário35. Escolhida a unidade, apenas é preciso procurar a forma de medir o valor dos outros bens nesta unidade, ou seja obter os preços das bananas e das explicações em termos de pão. Vários preços são possíveis, mas os únicos que interessavam aos nossos amigos eram os preços de equilíbrio dos mercados.Cada mercado da economia só estará em equilíbrio se a procura for igual à oferta. Mas por que razão os agentes produzirão exactamente a

________________________________35 Aqui, foi preciso discutir muito com Adam Smith, que queria medir tudo noutro numerário: o trabalho. No entanto, os seus colegas da ilha opuseram-se, e convenceram-no a usar o pão, com o argumento de que a «Teoria do Valor-Trabalho» de Adam Smith já não se usa desde o fim do século XIX. Smith, como era muito liberal e gostava de fazer a vontade aos alunos, aceitou.

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quantidade que seja igual à procura? O único motivo que leva os produtores a produzirem é a vontade de consumir. Só há oferta porque há procura. Este é o teorema mais importante da economia agregada. Mas, sendo racional, só quer produzir um valor igual ao do seu consumo, para poder consumir tudo o que pretende, mas não desperdiçar. A oferta é sempre expressão de uma procura.Assim, a oferta de cada mercado tem de ser, em valor (medido em pães), igual à procura de bens de consumo que o produtor faz.No mercado dos pães, a procura total é de 16 pães (não necessita de conversão, pois já está medida em pães). A oferta de pães deve ser igual, em valor, à procura de bens de Robinson, o produtor de pão.Assim, e representando por Pb e Pe os preços, em pão, das bananas e das explicações respectivamente, o equilíbrio no mercado do pão pode ser escrito da seguinte forma:

MERCADO DE PÃO: 16 = 2 + 4 x Pb + 2 x Pe

Do mesmo modo, é possível escrever, sempre medindo em pães, o equilíbrio dos outros mercados, igualando o valor das procuras respectivas ao valor das ofertas, o qual, como se viu, tem de ser considerado igual ao valor das procuras dos seus produtores. Assim, para o mercado das bananas, o equilíbrio é dado pela equação:

MARCADO DAS BANANAS: 18 x Pb = 8 + 2 x Pb + 8 x Pe

e no mercado das explicações:

MERCADO DAS EXPLICAÇÕES: 10xPe = 6 + 12xPb

Felizmente, por construção, uma das equações é linearmente dependente das outras, e por isso foi possível escolher qualquer par de equações e resolvê-lo para obter os preços. Qualquer que seja o par de equações escolhido, o resultado é sempre: Pb=2; Pe=3.Sabendo os preços, é possível reescrever o quadro 1, mas agora medindo todas as procuras em termos de pão, o que é feito no quadro 2.

QUADRO 2 – Procuras diárias dos bens, medidas no numerário (pão)

R. Crusoé S.-Feira A.-Smith Total

Pão 2 8 6 16

Bananas 8 4 24 36

Exp. Economia 6 24 0 30

Total 16 36 30 82

O quadro 2 é equivalente ao quadro 1, mas as quantidades, em vez de estarem medidas nas suas unidades físicas, estão avaliadas aos seus preços em pão. Assim sendo, é finalmente possível fazer cálculos agregados.

Como era de esperar, a oferta em cada mercado é igual à procura do mercado, visto que os preços utilizados foram os de equilíbrio de mercado.

Visto que todos os valores estão medidos na mesma unidade, é agora possível obter o total global das procuras e ofertas, grandezas agregadas, correspondente à despesa e produto nacional desta economia. O valor, comum às duas, é, como se vê, igual a 82 pães. É natural que, se cada mercado está em equilíbrio, o global da economia

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também o esteja. Assim, a economia está também em equilíbrio agregado.

B) A CHEGADA DE J. B. SAY

Estando em equilíbrio, todos estavam contentes nesta ilha tão pacífica. Na verdade, com pão, bananas, e a estudar Economia, qualquer homem é absolutamente feliz. No entanto, um dia chegou à ilha uma jangada. Lá dentro vinha um francês (o que, logo à partida, perturbou os dois britânicos da ilha), que se apresentou como Jean Baptiste Say (1776-1832).Say, apesar das suas excentricidades gaulesas, era um economista que, portanto, sabia dar explicações. Assim sendo, a ilha passou a apresentar a situação económica referida no quadro seguinte: (3).

QUADRO 3 – Situação económica, em numerário (pão), após a chegada de Say

R. Crusoé S.-Feira A.-Smith J. B. Say Total

Pão 2 8 6 6 22

Bananas 8 4 24 24 60

Exp. Economia 6 24 0 0 30

Total 16 36 30 30 112

Na verdade, os habitantes, reunidos numa aula de Smith para discutir o problema – Say foi convidado especial nessa aula –, ao calcularem as procuras e ofertas de cada mercado (sempre medidas em pão) verificaram imediatamente que havia algo muito errado. Todos os mercados estavam desequilibrados e existia mesmo desemprego no mercado das explicações, com um excesso de oferta de 30 unidades.

QUADRO 4 – Procuras e ofertas de cada mercado

Ofertas Procuras Exc. oferta (líq.)

Pão 16 22 -6

Bananas 36 60 -24

Exp. Economia 60 30 30

Total 112 112 0

Mas, embora fosse assim, Say não deixou de notar que, embora todos os mercados estivessem desequilibrados, a economia global estava em perfeito equilíbrio, com a oferta global (112 pães) igual à procura global (112 pães). O excesso de oferta de trabalho num mercado era resultado do excesso de procura de trabalho nos demais.Se Say mudasse a sua produção, passando a produzir os pães e bananas que deseja, em vez de explicações, continuaria a produzir 30 unidades, mas os mercados passariam a estar equilibrados.Aliás – Say fazia muita força neste ponto –, este excesso de oferta global nunca poderia verificar-se, pois, como vimos atrás, só se verifica oferta porque alguém quer procurar. É porque pretende consumir que o agente oferece a sua produção. Por outras palavras, «a oferta cria a sua própria procura». É este o sentido da lei de Say , que Say e os seus amigos clássicos utilizavam.Os verdadeiros problemas eram dos mercados individuais, e uma vez resolvidos estes não havia mais razões para percalços.Sabendo disto, Say, depois de ter prestado homenagem a Smith e deixado uma cópia do seu livro Traité d'Économie Politique de 1803, saiu

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da ilha para procurar outro lugar onde os seus talentos tivessem mais procura.

C) A INTRODUÇÃO DA MOEDA

Na ilha, de novo em equilíbrio paradisíaco na situação do quadro 2, apenas se verificava um pequeno inconveniente algo irritante: como todas as transacções se verificavam por troca directa, Smith dava sempre as suas explicações com o estômago vazio, pois só no fim das aulas podia ter acesso ao pagamento, em géneros, dessas aulas.Assim, Smith pegou numas canas, cortou-as às fatias, fazendo pequenas rodelas de madeira, às quais, numa inspiração momentânea, chamou «moedas». Estas moedas, conforme se estabeleceu num tratado entre os três, passariam a ser tomadas como medida geral de valor. Smith, depois de alguns cálculos, decidiu que o valor de cada bem em termos de moeda seria o seguinte:• preço do pão = meia moeda;• preço da banana = uma moeda;• preço da explicação = uma moeda e meia.

A situação económica da ilha, medida em moedas, está representada no quadro 5, a que se chamou o nouveau tableau economique36.

QUADRO 5 – Procuras diárias dos bens, medidas em moeda

R. Crusoé S.-Feira A.-Smith Total

Pão - 4 3 7

Bananas 4 - 12 16

Exp. Economia 3 12 - 15

Total 7 16 15 38

O funcionamento dos mercados, a partir do stock inicial de moeda que cada um tinha, e que Smith definira, passou a ser o seguinte: de manhã, todos iam à padaria e, assim, Sexta-Feira e Smith entregavam a Robinson a verba correspondente.

QUADRO 6 – Transacções diárias, com evolução dos stocks monetários de cada agente

Stock inicialde moeda

Mercado do pão

Stockmoeda

Mercado bananas

Stockmoeda

Mercado explic.

Stock final

Robinson 7 +4+3 14 10 7

S.-Feira 16 12 +4+12 28 16

A. Smith 15 12 0 +3+12 15

As principais lições que Smith quis que os seus alunos tirassem da introdução da moeda eram:— por um lado, o facto de que as funções da moeda eram duas:

«unidade de conta», servindo de padrão de medições do valor, e «intermediário geral das trocas»;

— por outro lado, a constatação de que a introdução da moeda não re-

________________________________36 Smith decidiu eliminar desse quadro as transacções que cada um fazia consigo próprio, pois a introdução da moeda tornou claras as diferenças entre o consumo que cada um fazia do bem que produzia e a produção para troca.

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presenta, em si, nenhuma alteração de fundo à economia37. E deforma-a porque, se antes se mediam as coisas em termos de um padrão que era útil em si, o pão, agora tudo se media em moeda, um bem que, em si, para nada servia.

D) O DESEMPREGO ATACA

A questão aparecera de maneira tão simples e inesperada que o choque psicológico foi enorme. A história do drama é fácil de contar.Dado que no dia seguinte havia festa na ilha, para celebrar o aniversário de Sexta-Feira, os seus amigos decidiram poupar dinheiro para lhe comprarem presentes.Deste modo, as procuras apresentadas no mercado, nesse dia, foram as que figuram no quadro 7.

QUADRO 7 – Procuras dos bens nas vésperas do aniversário

R. Crusoé S.-Feira A.-Smith Total

Pão - 4 1 5

Bananas 1 - 10 11

Exp. Economia 3 12 - 15

Total 4 16 11

Assim sendo, as procuras e ofertas na economia passaram a ser as seguintes:

QUADRO 8 – Procuras e ofertas de cada mercado após as perturbações

Ofertas Procuras Exc. oferta (líq.)

Pão 7 5 2

Bananas 16 11 5

Exp. Economia 15 15 0

Total 38 31 7

Aliás, a situação não se encontra ainda definida, visto que, incapazes de obter na venda dos seus bens o dinheiro a que estavam habituados, os produtores ver-se-ão obrigados a rever os seus planos, de forma que é impossível prever. O equilíbrio final está ainda longe.Se a lei de Say não tem validade, será que se pode dizer algo acerca da globalidade da economia? A resposta a este facto foi dada por um visitante à ilha, um outro francês, amigo de Say, Léon Walras (1834-1910), que apareceu de improviso para a festa. Convidado a expor as suas ideias em mais uma aula de Smith, o que ele disse consubstancia-se na proposição chamada «lei de Walras». Esta lei afirma que, numa economia, a soma de todas as ofertas é sempre igual, em valor, à soma de todas as procuras.Só que, ao referir-se a «todas», esta lei quer mesmo dizer todas, ou seja, incluindo também a moeda. E, na verdade, se a situação acima for analisada com cuidado, nota-se que existe uma procura excedentária de moeda, no valor de 7 unidades, para os presentes, exactamente igual ao

________________________________37 Esta constatação era muito importante, porquanto a divisão das moedas entre os habitantes não se fizera sem problemas. Robinson, que só recebera 7 moedas, baseou-se num livro que andava a ler [escrito por um alemão, Karl Marx (1818-1883), e chamou «lacaio do capitalismo» a Adam Smith, enquanto Sexta-Feira, sentindo-se rico, começara já a cavar uma piscina à porta da sua gruta. No entanto, em termos de utilidade real que cada um recebia, a situação era a mesma de sempre.

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excesso de oferta total no mercado dos bens; portanto a lei de Walras verifica-se.O problema nasce do facto de, para produzir moeda, não ser necessário o emprego de factores de produção.

E) CONCLUSÃO

Desta pequena história saem quatro ensinamentos essenciais:1.º A constatação da existência do problema da agregação, a questão

rpimordial que se levanta aos estudos da globalidade da economia.2.º Viu-se a lei de Say, que afirma que «a oferta cria a sua própria

procura». Esta lei é simplesmente o resultado do facto de um produtor apenas colocar oferta com o objectivo de obter meios para satisfazer a sua procura. Por isso, o total das ofertas é sempre igual ao total das procuras.

3.º Viram-se as três funções da moeda:— unidade de conta;— intermediário geral das trocas;— «reserva de valor»Esta última apareceu claramente no problema do aniversário: a melhor forma de guardar valor de um dia para o outro é através da moeda, até porque os outros bens se estragam.

4.º Vimos que a lei de Say devia entrar em conta com a moeda como bem, para ser verdadeira. A única lei que verdadeiramente se verifica é a lei de Walras, que determina que o total das ofertas seja igual ao total das procuras, incluindo a moeda entre os bens.

Numa economia mais complexa, como a portuguesa, os problemas são da mesma natureza, mas de maior complexidade. As questões do crescimento do produto nacional, do desemprego, da evolução do nível geral de preços, equivalem aos conceitos que vimos, mas com uma maior quantidade de elementos constituintes.Para resolver estas questões, teremos de lançar mão de vários resultados:i) Em primeiro lugar, o funcionamento da economia segundo a teoria

que já estudámos atrás. Essa teoria tomará um aspecto distinto quando for considerada nos seus aspectos agregados, mas no essencial mantém-se igual à que vimos.

ii) A moeda é o bem-recurso especial, que facilita muito as trocas, mas que tem características que escapam à nossa análise anterior do consumidor e do produtor. Os problemas monetários e financeiros, relacionados com a moeda, deverão ser estudados para explicar parte destas questões.

iii) O Estado é o único agente que actua a nível agregado. O seu comportamento é especial, pelo que teremos de o estudar por si.

Mas estas questões não são pacíficas. Suscitaram várias visões alternativas, de que a revolta de Keynes é a mais conhecida. Muitos defendem que o Estado não deve intervir na economia porque a sua acção ainda piora a situação, e que mais vale estar quieto.Neste sentido, podemos resumir as abordagens aos problemas de conjuntura económica nas respostas às seguintes questões, que se prendem com os problemas referidos:— Será que a situação de desequilíbrio (caso keynesiano) é comum ou

rara? Estabilidade da economia.— Será que, mesmo comum, leva muito tempo a ser corrigida? Tempo

de ajustamento.

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— Será que, para corrigir, se pode conhecer a situação e a política a tempo? Desfasamentos.

— Será que o político ou o burocrata querem ajustar? Comportamento do Estado (public choice).

— Será que o Estado convence as pessoas? Credibilidade das políticas.

Estas questões estarão sempre presentes na discussão que faremos adiante.

3.2.1.1. Medição económicaComo se disse, iremos estudar a economia agregada.Os números, para poderem ser adicionados, devem estar definidos nas mesmas unidades. Ora o que se pede ao calcular os agregados económicos é, exactamente, que se somem as bananas, as laranjas e todas as outras frutas, com os produtos metalúrgicos, bancários e artísticos.Devemos não esquecer que o que pretendemos medir é a utilidade total retirada por todas as pessoas da economia a partir do consumo de todos os bens. Essa utilidade estará toda medida na mesma unidade (unidade de utilidade que, para já, vamos supor que existe, embora já tenhamos visto as suas dificuldades atrás). Se oudéssemos medir a utilidade, seria fácil calcular a utilidade total. Bastava saber a utilidade média de cada produto, multiplicar pela quantidade consumida desse produto e somar para todos os produtos (podia-se somar porque estava tudo na mesma unidade de utilidade). O produto da utilidade média pela quantidade, por definição, seria igual à utilidade total. A soma que se obteria para os vários bens (aqui representados pelos números 1, 2, 3,... ) seria:

U = UM1 x q1 + UM2 x q2 + UM3 x q3 + ... + Umn x qn

É claro que as dificuldades seriam enormes.O preço é medido numa unidade clara: a moeda , que, aliás, foi criada exactamente para ser medida de valor. Por outro lado, o preço toda a gente o sabe, pois é divulgado pelo mercado. E, para além disso, o preço, embora não seja igual à utilidade média, está relacionado com ela. Ele é uma aproximação daquela, mas uma má aproximação. Na verdade:— O preço , no mercado concorrencial, é uma aproximação da

utilidade marginal e não da utilidade média. O produto do preço pela quantidade (o rectângulo no gráfico) não capta a utilidade total (a área abaixo da curva da procura), escapando-lhe exactamente o excedente do consumidor. Para bens como a água (que, como vimos atrás, tem um enorme excedente do consumidor) a nossa aproximação pode ser muito má.

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p

p*

qq*

Unidade total do consumo de q* (medido em escudos)

Valor da despesa

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— Por outro lado, o preço só é aproximação da utilidade marginal se os mercados funcionarem bem, sem externalidade, intervenções estatais, monopólios, etc. Na verdade, os preços de mercado são um mau indicador da utilidade marginal. Muitos preços são bastante diferentes da utilidade marginal, por perturbações mais variadas da concorrência.

Por estas duas razões, os indicadores agregados (e. g. produto nacional) são um mau indicador da utilidade. Com efeito:— Não englobam bens como o ar que respiramos, uma paisagem,

etc., cuja utilidade média é alta, mas a marginal é nula (bens livres ou não escassos), ou os bens de utilidade marginal (e preço) baixa face à média, como a água canalizada ou a electricidade.

— Por outro lado, não mede adequadamente o valor dos bens que não são transaccionados no mercado e por isso não têm preço, como o amor ou a amizade. Também o valor dos bens que não são transaccionados em mercados competitivos, devido a intervenção do Estado (como os serviços de saúde ou de construção de estradas) ou por mau funcionamento do mercado (externalidades como a poluição, monopólios, etc.) está mal referenciado no PIB, pois nesse o preço é má medida da utilidade marginal, por falhanços de mercado.

Mas apesar de maus, os agregados, usando os preços como medida do valor, são a melhor forma prática de medir a utilidade, pois não está disponível uma função utilidade que nos meça a utilidade média.Deste modo, a nossa abordagem ao agregado passa a ser a seguinte:

Y = p1 x q1 + p2 x q2 + p3 x q3 +...+ pn x qn,

onde cada preço multiplica a quantidade do bem.A compreensão de que a única forma de analisar os problemas agregados era usando preços como ponderadores (a soma simples das quantidades não tem sentido) foi algo que dificilmente entrou na análise económica. A principal razão foi o facto de se levantar logo um problema: se os preços variam, o agregado varia. Será que essa variaçãoé justificada? Mas existe uma distinção importante, no tipo de variação de preços:

i) Se os preços variarem todos proporcionalmente, a composição do produto não varia. Este fenómeno, a que chamamos inflação, significa que não se verificou nenhuma alteração no valor das coisas. O que se passou é que a unidade de medida, o valor da moeda, modificou-se.Um exemplo pode ajudar a clarificar o problema: o produto nacional português em 1971 foi de 198 585 mil contos, e em 1972 de 231 244 mil contos. Quer isto dizer que o produto produzido em Portugal aumentou de cerca de 16 % (=231 244/198 585) num ano?Não, isso foi o que aumentou em valor ou seja, o que aumentou o volume dos bens mais o que aumentaram os preços (a inflação).Quem resolveu esta questão foi o génio de Irving Fisher, já nosso conhecido, na sequência de vários trabalhos de outros autores. Percebendo correctamente que o que se tratava era

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de agregados, ponderados pelos preços (coisa que até então pouca gente tinha percebido), em 1922, no seu livro The Making of Index Numbers, Fisher apresenta uma maneira de resolver esta questão: medir o agregado sempre com os mesmos preços.Assim, os valores que demos atrás (o produto nacional em 1971 e 1972) podem ser representados pelo produto dos preços pelas quantidades de todos os bens (bens que continuamos a representar pelos números 1, 2, 3,... n, ...), mas agora indicando entre parênteses o ano a que cada valor corresponde:

Y(71) = p1(71) x q1(71) + p2(71) x q2(71) +...+ pn(71) x qn(71)Y(72) = p1(72) x q1(72) + p2(72) x q2(72) +...+ pn(72) x qn(72)

Chamamos a este exercício «calcular o valor do agregado a preços constantes».Agora, a única coisa que varia são as quantidades, visto que o «metro» usado é o mesmo. Esta é a diferença entre produto real e produto nominal: os mesmos produtos, calculados a preços do próprio ano (preços correntes) dão o valor do «produto corrente ou nominal», Y(71), Y(72); se usarmos os mesmos preços, apenas variam as quantidades, o «produto real», Yr(71), Yr(72).No nosso exemplo, o valor do produto nacional português em 1972, a preços de 1971, foi de 214 503. Assim, temos:

Produto Nacional Português

Preços de 1971 Preços de 1972

Quantidades de 71 198 585 ---------

Quantidades de 72 214 503 231 244

Logo, o volume aumentou de 8 % (214 503/198 585), e os preços (a inflação) aumentaram também de 8 % (231 244/214 503). A esta variação dos preços chamamos variação do deflator ou deflacionador do produto, pois é aquela variação que devemos tirar à variação total para termos a variação real.

ii) O segundo tipo de variação de preços dá-se quando os preços relativos variam. Este problema é muito mais difícil. Repare-se que o problema dos preços relativos é o que mais nos ocupou na primeira parte da matéria, mas agora escapa-se-nos completamente.Repare-se que esta questão é muito grave no longo prazo. Os preços relativos das coisas em 1913 são completamente diferentes dos de 1950 ou 1980. Mesmo procurando corrigir, o agregado fica com muito pouco sentido. Mas, mais uma vez, não há outra forma de o fazer, e esta é a mais adequada, embora claramente errónea. No entanto, podemos dizer que a variação do produto causada por alteração dos preços relativos é justificada.

Vistos estes problemas, voltemos a clarificar o nosso objectivo. O que queremos medir é o circuito económico.Como vimos atrás, trata-se de um fluxo. Um fluxo, tal como um rio, pode ser medido durante certo período de tempo. Na verdade,

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num instante de tempo, a água do rio está parada, e por isso o fluxo é nulo.Tal como a água num rio, um fluxo pode ser medido em vários sítios. Assim acontece com as medições económicas: vamos encontrar agregados diferentes que, por serem medições do mesmo fluxo, têm montantes semelhantes.

3.2.1.1.1. Produto

Verificando o fluxo à saída das empresas, medimos o montante de bens produzidos, a que chamamos produto nacional, a soma dos bens realizados e comprados:

Produto=bens agrícolas + bens industriais + serviços

Não podemos somar o valor de todos os bens produzidos por todas as empresas. Porque existe um problema de dupla contagem: no valor do pão está incluído o valor da farinha. Assim, a soma do valor total das vendas das empresas todas (a sua produção) é muito superior ao valor realmente produzido no país (o produto), pois o valor das vendas de uma empresa não representa o que ela produziu, mas o valor que ela produziu e comprou produzido.A forma de resolver esta questão está em contar, nas vendas de cada empresa, apenas aquilo que é valor acrescentado. O valor acrescentado é aquilo que o produto vale, no momento da venda, a mais do que valiam as suas partes componentes que a empresa comprou já produzidas. O resto é valor que as matérias-primas já traziam quando chegaram à empresa, e por isso são valores acrescentados por outras empresas anteriormente.Por exemplo, no caso do pão, se o moinho comprou trigo por 5 € e vendeu a farinha por 12 € à padaria, que fez o pão e o vendeu por 20 €, é claro que o produto destas empresas não é 5 €+12 €+20 €=37 €. O que se passa é que a empresa agrícola que produziu o trigo produziu valor no montante de 5 €, o moinho acrescentou-lhe 7 € (para dar os 12 € do valor da farinha) e a padaria acrescentou-lhe 8 € (para dar os 20 € do valor do pão). O valor produzido é de 20 € (o valor do bem final, pão), constituído pelos valores acrescentados 5 €+7 €+8 €.Deste modo, o produto nacional é composto pela soma dos valores acrescentados nas várias empresas da economia, que podemos dividir nos sectores agrícola (a), industrial (I) e de serviços (s):

Y=VA a+VA i+VA s

3.2.1.1.2. Despesa

Outra forma de medir o mesmo fluxo é procurá-lo à porta de casa dos utilizadores dos bens. Nesse caso estamos a medir as compras com outro agregado chamado a despesa nacional. Repare-se que o valor é igual ao do produto, tal como no exemplo anterior o valor do pão era igual ao valor da soma dos valores acrescentados das empresas.

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Claro que a grande diferença entre esta forma de ver e a anterior é que agora identificamos os sítios para onde vão os produtos e não de onde vêm. Normalmente, separamos a despesa por tipo de utilização: consumo ou investimento (I), e dentro do consumo, se o consumo é do Governo ou das famílias [consumo público (G) e consumo privado (C)]. Se existem relações com o estrangeiro, o que eles compram, as exportações (E), vem a somar (pois é uma despesa feita em produtos nossos), e o que eles nos vendem, as importações (Im), vem a subtrair (pois é uma parte do nosso consumo ou investimento que não foi produzida por nós). Assim, a despesa pode ser representada por:

D=C+G+I+E-Im

3.2.1.1.3. Rendimento

A terceira forma de medir o mesmo fluxo é fazê-lo no lado do mercado dos factores. Aí medimos os rendimentos. Claro que, como o produto foi acrescentado pelos factores primários (terra, trabalho e capital), o que estes recebem tem valor igual ao do produto. O rendimento nacional vem dividido em vários tipos de pagamentos, conforme o factor que é remunerado: salários (W) para o trabalho, rendas (Re) para a terra, juros (J) e lucros (L) para o capital:

R=W+Re+J+L

É importante referir que o produto , a despesa e o rendimento são conceitos diferentes, mas, porque estamos a medir o mesmo fluxo, o seu valor de agregados é igual.

Comecemos pelas questões levantadas pelo produto. Para não haver dupla contagem, retirou-se o valor do que foi gasto para a produção dos bens (matérias-primas, produtos intermédios, etc.). Mas houve uma coisa que foi gasta para produzir os bens e que não foi considerada: o gasto das máquinas. Logo, em cada ano devíamos calcular o valor que gastámos do capital neste ano: a chamada amortização, depreciação ou reposição do capital.Outra forma de analisar esta questão é olhar para o investimento. Um investimento é, em princípio, um aumento da capacidade produtiva. Mas parte desse investimento vai servir para repor a capacidade que já existia, mas que foi gasta (depreciação). À parte do investimento que é realmente aumento da capacidade chamamos investimento líquido, enquanto o total investido, a soma entre esse investimento líquido e as amortizações, dá o investimento bruto. Ao passarmos para o produto, temos que o total produzido é o produto bruto, enquanto se retirarmos o que foi produzido para repor o capital gasto, dá o produto líquido (devido à dificuldade em medir as amortizações, normalmente não existem estimativas do produto líquido).Uma outra questão relativa ao produto tem a ver com uma distinção fundamental: no produto português, uma coisa é o que se produz em Portugal, e outra é o que é produzido por portugueses. Ao que se produziu nas empresas em Portugal chamamos produto interno. Se somarmos aquilo que os portugueses produziram lá fora (medido pelos seus rendimentos) e subtrairmos

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o que os estrangeiros produziram cá (ou seja, o que nós pagámos a estrangeiros) temos o produto nacional, o produto produzido por portugueses.

Passemos agora aos problemas relativos ao rendimento. Como sabemos, os rendimentos são aquilo que paga, que remunera os factores produtivos. Mas quando os rendimentos são entregues aos que os ganharam (e até antes) há logo perturbações. São as transferências, de que já falámos.A alteração que as transferências fazem no montante que cada agente recebe é que vai determinar realmente quanto dinheiro cada um tem para gastar. Por isso temos de, sobre o rendimento nacional, estudar as alterações que as transferências ocasionam.Quem recebe o rendimento são as famílias (trabalham, têm terras, emprestam dinheiro), o Estado (pode ter terras ou dinheiro emprestado) e até as empresas (se os seus donos deixarem lá ficar o dinheiro). Se ao rendimento recebido pelas famílias somarmos as transferências que elas recebem (do Estado, do exterior, etc.)38, temos o rendimento pessoal (que não se devia chamar «rendimento», pois contém transferências). Se ao rendimento pessoal tirarmos os impostos pagos pelas famílias, temos o rendimento disponível das famílias, que é o que as famílias têm para gastar.É este o conceito de rendimento disponível que é importante para as decisões económicas dos consumidores. É este o montante que cada consumidor pode consumir ou poupar.Um outro reparo importante é a distinção entre rendimento e riqueza. Rendimento é um fluxo, enquanto riqueza é um stock, acumulação de tudo aquilo que o país foi juntando por sucessivas poupanças, e é composto pela moeda, pela propriedade (terras, quadros, máquinas) e os títulos financeiros (acções, obrigações, etc., que representam outras máquinas, fábricas, etc.). Para além dos agregados (produto, despesa, rendimento, consumo, investimento, etc.), existem outras medidas económicas. Algumas das mais importantes têm a ver com os preços. Vimos atrás uma maneira de calcular os preços, através do deflator do produto: o rácio de dois valores do produto, um a preços correntes e o outro a preços do ano anterior.Mas, para medirmos a subida de preços que foi suportada pelas famílias, não interessam todos os bens do PIB (por exemplo, não interessam as chapas de ferro, ou o sulfato de manganés). Por isso, normalmente, é calculado também o índice de preços do consumidor (IPC) . As variações de valor desse cabaz de bens serão devidas às variações de preços dos vários bens ao longo do tempo e desta forma se avalia a intensidade da inflação.A taxa de inflação pode ser medida de várias formas. Como o IPC é calculado todos os meses, a variação desse índice é a taxa mensal de crescimento. O crescimento que o índice teve ao longo

________________________________38 É claro que as transferências que as famílias fazem entre si não interessa para este cálculo pois, como é uma família que dá e a outra que recebe, quando se agrega, a transferência cancela e não afecta o total. Mas se a família está no estrangeiro e manda dinheiros para cá (as célebres remessas de emigrantes e os fundos estruturais da União Europeia), ou vice-versa, isso afecta o cálculo, porque é uma transferência que vem do exterior. Note-se que só aqui é que têm reflexo estes dois elementos – remessas de emigrantes e fundos estruturais, que apesar de tão falados entre nós, não afectam os agregados nacionais.

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do ano (por exemplo, de Março de 91 a Março de 92, ou de Dezembro de 90 a Dezembro de 91) chama-se taxa homóloga. Mas esta taxa é muito variável e, além disso, esconde realidades muito diferentes. Por exemplo, uma taxa de 8 % pode ser o resultado de uma subida lenta ao longo do ano, ou de uma manutenção do índice com uma subida brusca no fim, ou de uma subida seguida de descida parcial. Por isso, calcula-se uma outra taxa: a taxa média. Esta taxa é a variação percentual da média do índice nos últimos 12 meses em relação à média dos 12 meses anteriores.

3.2.1.2. Cuidados com as estatísticasTodos estes conceitos que temos vindo a tratar são casos de medições numéricas da realidade, mais conhecidas por estatísticas. À primeira vista, as estatísticas, porque são números, parecem fornecer informações exactas, rigorosas, sobre a realidade. No entanto, embora um número seja sempre uma indicação precisa, isso não quer dizer que a informação que esse número quer veicular o seja, nem sequer que haja a segurança de que tal informação seja real.Toda a estatística se baseia num olhar para a realidade, que terá sempre de ser selectivo. Por exemplo, nas medições do produto, despesa e rendimento, de que acima falámos, o cálculo das estatísticas é feito apenas para as transacções que passam pelo mercado. Assim, se alguém produz e vende, as estatísticas contam essa transacção, mas se alguém produz para si próprio (a pessoa que faz bricolage em casa, quem cultiva couves no quintal, etc.), essa actividade já não é contada. Por essa razão se diz que, se um homem casa com a cozinheira, o produto nacional fica mais pequeno, pois, embora ela possa continuar a fazer o mesmo, agora não é paga por isso.

3.2.1.2.1. Amostragem

Relacionado com este aspecto está um dos truques mais frequentemente usados para obter dados: a amostragem. Como é impossível atender a todas as situações, medem-se algumas e depois usam-se métodos especiais que nos permitem avaliar todas as situações. É assim que se fazem as previsões eleitorais, os ensaios de medicamentos ou os testes de qualidade nas fábricas: escolhe-se uma amostra, analisa-se o problema nesse campo e depois a conclusão é extrapolada (de forma científica) para o universo. Mesmo quando se mede tudo (por exemplo quando se faz um censo geral da população), na realidade isso é uma amostra, pois deduz-se que a análise feita nesse momento se mantém válida durante uns anos, para poder tirar conclusões. Assim, mede-se algo que não é o que queremos.A forma de extrapolar da amostra para o universo baseia-se numa ciência chamada «teoria estatística», a qual exige que a amostra seja «aleatória», isto é, perfeitamente ao acaso, sem enviesamentos internos. Para isso, os elementos da amostra devem ser escolhidos ao acaso, aleatoriamente.

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Numa das primeiras sondagens eleitorais feitas no mundo, em 1936 nos EUA, foi decidido perguntar as preferências eleitorais a um número de pessoas escolhidas ao acaso. Para isso usou-se a lista telefónica e, com a ajuda de dados de jogo, escolhia-se de forma neutra a quem se ia telefonar. O resultado da sondagem disse que o candidato republicano (Landon) ia ganhar. Depois da vitória do presidente Roosevelt, democrata, percebeu-se qual havia sido o erro da amostragem: apenas se consultaram pessoas que tinham telefone, que, nessa altura, eram apenas os mais ricos. Esse facto foi suficiente para enviesar o resultado.Por todas estas razões, na maior parte dos países desenvolvidos, incluindo Portugal, por lei, as sondagens de opinião e outros estudos estatísticos têm de indicar qual a amostra, como foi recolhida e quais os cuidados que foram tomados para evitar enviesamentos. Mesmo assim, toda a cautela é pouca.

3.2.1.2.2. Medidas de localização

Mas mesmo a informação reduzida de uma amostra é de mais para nós. Uma vez obtida a amostra, queremos ter informação mais concreta, sobre «à volta de quanto anda este fenómeno» (a altura dos Portugueses é mais ou menos quanto?, as notas deste aluno andam à volta de quanto?, etc.). Para isso, a teoria estatística utiliza as medidas de localização. Estas são essencialmente três:— A média , a mais usada, mas que é uma construção

aritmética feita sobre os valores da distribuição (um aluno que tem média de 12,6 pode nunca ter tido nenhuma nota 12,6).

— A moda, que representa o valor mais vezes observado (a nota que o aluno mais vezes teve).

— A mediana , que é a observação do meio, aquela que tem tantos valores observados acima como abaixo (aquela nota que o aluno teve e que ele superou tantas vezes quantas as que teve abaixo dela).

Estas medidas são três alternativas que nos permitem ter uma ideia de localização do problema. As três são boas, mas o essencial é notar que são diferentes. Nem sempre é equivalente usar qualquer uma das três.Uma fábrica de sapatos, ao lançar o seu produto num novo mercado, decidiu contratar uma empresa de estudos de mercado para lhe dizer qual o tamanho do pé das pessoas dessa região. O estudo, depois de feito, disse que a dimensão média do pé das pessoas era de tamanho 40. Lançando muitos sapatos de tamanho 40, a empresa teve um grande prejuízo e a razão foi simples: o tamanho do pé dos homens era 41, das mulheres era 39; a média dava 40, mas quase não havia pessoas com pé n.º 40. Ou seja, a medida que se deveria ter usado não era a média, mas sim a moda. O erro foi grave.A distribuição, conhecida pelo nome de «distribuição de Gauss» ou «normal», representa o caso mais comum: um valor normal, à volta do qual está a maioria dos casos, e

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depois alguns casos estranhos, fora do normal, que são poucos e que são tantos os situados acima como os abaixo. Nesta distribuição, a moda, a média e a mediana têm o mesmo valor, o que está a meio, logo não faz diferença qual das três medidas usar. Mas há muitos casos em que a distribuição não é normal (como o exemplo dos sapatos), e nesses é importante ter em atenção qual a medida de localização a usar.

3.2.1.2.3. Medidas de dispersão

É fundamental ter também ideia de qual o grau de confiança que se pode ter nessa informação. Dois alunos com média de 12 podem ser completamente diferentes, se um deles tem todas as notas muito perto do 12 e se o outro é muito irregular, com notas muito altas e muito baixas. Para o primeiro, a média (o 12) é uma informação relevante, é um bom indicador do seu valor.Uma possível informação relevante é o tamanho da amostra. Se, por exemplo, alguém me diz que 50 % dos seus amigos jogam ténis, é importante saber quantos amigos ele tem, para ter uma ideia sobre a relevância do problema. Se ele tem só dois amigos, então apenas uma pessoa joga ténis, e isso pode ser um acaso; se ele tem 40 amigos então, com 20 tenistas, já pode criar um clube.Outro dado que pode ser relevante é a frequência do acontecimento. Num estudo sobre uma vacina para a poliomielite, foi escolhida uma amostra de duzentas crianças. A vacina foi administrada a cem crianças, enquanto as outras cem não eram vacinadas. O resultado foi um sucesso: nenhuma das cem crianças vacinadas teve a doença! Mas... por acaso, nenhuma das outras cem também teve a doença, porque esta é uma doença rara.Daqui nasce o problema de, muitas vezes, diferenças entre medidas de localização não serem significativas. Não há dois anos em que a média da precipitação de chuva seja exactamente igual, mas não é por isso que os anos deixam de ter o mesmo clima.

3.2.1.2.4. Informação errónea

Um dos erros (ou manipulação) mais frequentes na interpretação das estatísticas, e um dos mais difíceis de evitar, dá-se quando a informação que se fornece é verdadeira, está relacionada com a conclusão, mas não é a informação relevante para a conclusão. Por exemplo, é verdade que morreu mais gente em desastres de aviação o ano passado do que em 1910. É claro que parece, portanto, que os aviões são menos seguros hoje do que em 1910, o que é ridículo. O truque está em que, como o ano passado andou muito mais gente de avião do que em 1910, é normal que morresse mais gente. O indicador correcto aqui deveria ser não um valor absoluto, mas uma percentagem (percentagem de passageiros que morreram em desastres). Aqui temos um exemplo de uma afirmação exacta,

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relacionada com o problema, mas suficientemente afastada para ser errónea.É claro que um país maior tem de ter mais produto, só porque tem mais gente. O que deve ser utilizado na comparação é o produto per capita , ou seja, o produto total a dividir pela população. Por exemplo, a Índia tem um produto que é mais de seis vezes superior ao português; mas, como a população da Índia é muito maior que a de Portugal (mais de oitenta vezes), em média cada português tem acesso a mais de 12 vezes o produto que um indiano tem.É claro que os sindicatos escolhem sempre como referência o ano em que os salários estiveram mais altos, para mostrarem como se desceu ou cresceu pouco desde então até agora, enquanto os patrões escolhem o ano da crise, para demonstrarem que hoje se está muito melhor. A oposição centra-se no último período de expansão e o Governo escolhe o fundo da última crise, para que o momento actual pareça pior ou melhor do que é.

3.2.1.2.5. Correlação errónea

Outro erro deste tipo aparece na falácia post hoc, de que já falámos. Uma correlação não implica uma causalidade, e pode até ser coincidência. A identificação de uma correlação estatística entre dois fenómenos não implica necessariamente a conclusão teórica de um nexo de causalidade entre eles. O facto de os dados indicarem que há alguma relação entre os fumadores e os doentes de cancro pode ser informação relevante para apoiar uma teoria médica que, por razões teóricas particulares, tem essa conclusão. Pode ser uma coincidência sem sentido ou, ser um facto originado por uma terceira causa, que motiva a verificação simultânea dos dois factos.Algumas hipóteses implícitas podem causar conclusões bastante enviesadas. Por exemplo, quando uma conclusão tirada num momento do tempo é extrapolada para o futuro. É tentador pensar que os países pobres amanhã serão os ricos de hoje. Dizer que Moçambique será daqui a vinte anos como o Chile, daqui a quarenta como a Espanha e daqui a cem como os Estados Unidos não tem qualquer sentido, mas equivale a tomar a escala que hoje existe como indicador para a evolução futura de um dos pontos. Este erro é mais frequente do que se imagina.Outro erro semelhante se comete ao supor que a evolução futura será igual à do passado, ou que ela seguirá uma linha proporcional à verificada. É claro que se a população mundial ou a poluição continuarem a aumentar à mesma taxa que cresceram nos últimos cem anos, em breve não haverá possibilidade de vivermos no Planeta. Mas também é claro que exactamente porque se cresceu tão rápido nos últimos tempos é natural esperar que a situação actual seja diferente da de há cem anos, pelo que o crescimento futuro não deva ser igual ao que então se verificou. Fugir a um estudo directo do problema, refugiando-se em truques expeditos, é sempre errado.

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3.2.1.2.6. Representação errónea

Um dos meios mais fáceis de dar uma ideia errada de um número é representá-lo num gráfico. Um gráfico é uma das formas mais simples de sugerir uma interpretação errada das estatísticas.Por exemplo, um gráfico a que faltam escalas nos eixos dá sempre uma ideia indefinida (e, normalmente, enganadora), enquanto que, se há escala, mas falta a origem, é fácil que o gráfico apareça com um aspecto muito diferente do real.

3.2.1.2.7. Conclusões

É essencial ter muita atenção quando um número é invocado para suportar um argumento. A maior parte das pessoas, quando uma estatística é invocada como justificação, confia instintivamente. Pelo contrário, a atitude correcta é a de aguçar as cautelas, pois a possibilidade de engano sobe quando uma estatística aparece.Perante um número, Darrel Huff (autor inglês de cujo livro foram retirados boa parte dos exemplos anteriores) afirma que é bom fazer as seguintes perguntas:i) Quem diz?— A informação vem de um estudo sério ou de um palpite

sem fundamento? Qual a fonte de certa informação?ii) Como é que ele sabe?— Qual a amostra em que se baseou? Como foi recolhida e

qual o método (medida de localização, etc.) usado para obter a afirmação?

iii) O que é que falta?— Será que está indicado, de forma correcta e suficiente, a

confiança que se pode ter nesse número? Estão presentes os indicadores necessários para ter uma noção dessa confiança?

iv)Será que alguém mudou o assunto?— O número referido mede aquilo que queríamos medir?

Não haverá ligeiras mudanças que transformem completamente o sentido?

v) E sobretudo... será que faz sentido?— Não há estatística que substitua o bom senso e o estudo

aturado do problema. Se uma estatística não faz sentido, é provável que haja, algures, um erro que invalide esse número.

Se toda a análise de números for feita com estes cuidados, teremos uma boa hipótese de não sermos enganados.

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3.2.2. O equilíbrio económico globalEste equilíbrio parte, naturalmente, do trabalho feito atrás, onde as componentes deste equilíbrio foram desenvolvidas. A tarefa que nos espera é, agora, de natureza diferente. Deste modo, neste capítulo serão sucessivamente acrescentadas partes a um conjunto que, no final do capítulo, estará completo.Esta é a única parte do nosso estudo em que esta dinâmica de «construção» será utilizada. O estudo deverá, pois, ser diferente do habitual, exigindo-se uma maior visão de conjunto que nos outros capítulos.

3.2.2.1. O equilíbrio geral walrasianoO ponto de partida da nossa análise é o comportamento dos agentes como o definimos na primeira parte da matéria. Para obter uma agregação temos de considerar que essa agregação é feita a partir de agentes que funcionam como nós analisámos.Consideremos os consumidores. São muitos na economia, mas vamos supor que tomam a decisão global em conjunto. Qual é a sua decisão?Repare-se que, quando se analisou este problema no consumidor, foi dito que ele estava disposto a trocar x por y à taxa TMSx,y, e que o mercado trocava à taxa px/py. Mas esses preços eram decididos fora e, ao analisar o problema do consumidor, não é possível influenciá-los.Repare-se que esta dedução usou as duas hipóteses essenciais:1.º a racionalidade dos agentes, que se encontram nas

equações w = PMLxp e r = PMKxp;2.º a condição do equilíbrio dos mercados, que faz com que w e

r sejam iguais para as empresas, o que significa que os mercados de trabalho e de capital estão em equilíbrio.

O resultado da dedução é que, para cada factor (K ou L), o rácio das produtividades desse factor nas duas produções tem de ser igual ao rácio dos preços.Chamaremos a este rácio de produtividades marginais taxa marginal de transformação (TMT). A taxa marginal de transformação significa o que se ganha de y, se sacrificar uma unidade de x ao transferir recursos de x para y. É a forma como na produção se troca, se transforma, x em y.

A passagem de A para B foi feita ao longo da curva de possibilidades de produção, enquanto a passagem de A para C foi feita ao longo de uma recta de mercado. E é uma recta porque, como os preços são dados, o mercado troca sempre 1 de x por 4

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y

3

4

C

B

A

1x

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de y, e daí que a inclinação da linha de mercado seja constante (uma recta).Note-se que o ponto A não é de equilíbrio: TMT = Pmy/Pmx = 3; px/py = 4. À medida que aumenta o L e o K de x, a sua produtividade marginal vai descer (pela lei dos rendimentos marginais decrescentes) e aumenta em y, pois está a descer o K e L em y. Já conhecemos muito bem este jogo. Ele é, mais uma vez, a aplicação do princípio marginalista. Até que chega ao ponto de equilíbrio, que tem de ser TMTx,y = px/py. Esse ponto é aquele em que a linha de mercado é tangente à curva de possibilidade de produção.Esta inversão dos termos deve-se ao facto de se a produtividade de K e L no bem y for maior que a de x, então o preço de y tem de ser menor que o de x.Vale a pena recordar que este raciocínio é muito parecido com o que fizemos atrás, na teoria do consumidor, para obter a condição TMSx,y = px/py. Mas repare-se que, mais uma vez, fizemos o truque do costume: foram dados preços, sem explicar de onde vieram.Descobrimos, finalmente, de onde vêm os preços. Eles são o valor que iguala TMS e TMT. A história que contámos antes (cada agente enfrenta preços e decide baseado nesses preços) é que faz sentido. Os preços são um intermediário, que junta a procura (curva de indiferença) com a oferta (curva de possibilidades de produção), que podem nunca se encontrar na realidade, mas é como se se encontrassem através dos mecanismos de mercado.Repare-se na semelhança entre este equilíbrio e o da intercepção das curvas da procura e da oferta, que vimos na teoria dos mercados. A diferença está em que, nesse caso, estávamos a analisar só um bem, e agora analisamos todos os bens da economia (dois a dois). Temos assim, e pela primeira vez, um equilíbrio geral. O preço não é determinado nem pelos consumidores nem pelos produtores, mas pelos dois. Ele é a inclinação da curva de indiferença e da fronteira de possibilidades de produção e para determinar isto tivemos de entrar em conta com tudo: com os mercados de x e y, com os mercados de K e L, com tudo. É a interdependência : em Economia tudo tem a ver com tudo.As análises que fizemos até agora eram de equilíbrio parcial (discutíamos um consumidor ou um produtor, como se as suas escolhas não afectassem os preços; discutíamos um mercado como se o que se passava no outro não o afectasse). O truque estava em dizer que o agente que analisávamos (o consumidor, a empresa, o mercado) era muito pequeno, pelo que não afectava quase nada. Mas afecta sempre, porque tudo tem a ver com tudo.Quando entramos na análise global, já não podemos fazer isso, e temos o equilíbrio geral walrasiano: determinar simultaneamente o vector de preços (de todos os bens e de todos os factores) que equilibram todos os mercados. E repare-se que se um mercado está em desequilíbrio, a sua influência sobre os outros vai fazer com que os outros mercados, possivelmente, também fiquem em

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desequilíbrio39.Como dissemos atrás, o primeiro homem a conseguir esta análise global foi Léon Walras, no seu livro de 1874 Élements d'Economie Politique Pure.

3.2.2.2. Economia de Robinson CrusoéEle, no fundo, só tem um problema económico: escolher descansar ou trabalhar. Mas esta escolha muito simples tem uma semelhança com o equilíbrio geral que nenhum dos outros problemas que vimos até agora (na análise dos mercados individuais) tinha: o problema é simultaneamente de consumo e de produção.

A inclinação desta curva de indiferença é a taxa marginal de substituição de descanso por cocos.O tempo em que ele não está a descansar está a apanhar cocos (para comer, para beber, para fazer bolos de coco, para fazer copos, para decorar as paredes, etc.). A função de produção (só com trabalho variável, dado que os outros factores produtivos são constantes) é:

A inclinação desta curva é a produtividade marginal do trabalho. Repare-se que, nesta economia muito simples, a produtividade marginal do trabalho equivale à taxa marginal de transformação. Na verdade, a TMT deveria ser PMLc/PMLd, mas o lazer tem a produtividade marginal unitária, pois custa sempre uma hora de trabalho produzir uma hora de lazer. Logo, se trocarmos uma unidade de um bem (lazer) pelo outro, o que conseguimos em termos de cocos é a produtividade marginal do trabalho nos cocos. O preço relativo do descanso face aos cocos é a produtividade marginal do trabalho.Podemos juntar os dois gráficos num:Determinamos assim o ponto de equilíbrio que é aquele em que TMS = PML. Nesta economia muito simples, a PML é a TMT. É a forma como se transforma lazer em cocos. Repare-se que a incli-

________________________________39 Se há desemprego (o mercado de trabalho não equilibrou), isso vai fazer com que as pessoas não tenham dinheiro para comprar o que pretendiam. Isso fará com que as empresas vendam menos do que julgavam vender, o que terá efeitos sobre os mercados de bens, sobre o mercado de capitais e sobre o mercado de trabalho, e assim por diante.

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c

d

c

l

f(l)

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nação da curva representa o preço relativo dos cocos e do descanso: quantos cocos está disposto a sacrificar por uma unidade de descanso.Note-se que a curva de indiferença mudou a inclinação porque em vez do bem descanso (d), o eixo da abcissas apresenta o «mal económico» que lhe é complementar, o trabalho (l=24-d).Note-se que, se o Robinson trabalhar uma hora, ele obtém um montante de cocos igual à sua produtividade marginal, e cada coco para ele vale a sua utilidade marginal. Assim, o benefício de trabalhar mais uma hora é: PML.Umc. Se, em vez de trabalhar essa hora, ele descansar, o benefício é a utilidade marginal do descanso, Umd.

3.2.2.3. A economia descentralizadaA nossa economia, muito simples, só com uma pessoa, pode ser aplicada a uma situação mais complicada. Suponhamos que, em vez de cocos, o que se estava a analisar era o produto nacional.— As famílias querem maximizar a sua utilidade, sujeita a

pxc = w(T-d)+A

onde p é o nível geral de preços, c é o conjunto de todos os bens consumidos, T o período de tempo (24 horas se é um dia), d o descanso, w o salário e A os lucros.

Note-se que nem todos os pontos da recta podem ser atingidos, pois não se pode descansar mais de um dia por dia. Matematicamente, porém, pode ser concebível comprar «tempo» de descanso com os lucros, o que se passa na recta a partir de d = T. Este é um dos casos em que a matemática não ajuda a economia.— As empresas querem maximizar os seus lucros (A)

A = pxy - wxl

Note-se que y (o produto) é o mesmo que c (o consumo), mas visto de lados diferentes, sujeitos à função de produção. De outra forma

c = A/p + (w/p)xl

174

c

l d 24

c

T T+(A/w )

(w T+A)/p

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onde se vê claramente que a inclinação da recta é o salário real (w/p).

Repare-se que aqui temos várias rectas que dão cada uma o seu nível de lucro. A que dá o lucro máximo possível é a que é tangente à função de produção, ou seja aquela em que PML = w/p: produtividade marginal iguala o salário real.Somando as restrições de todas as famílias, temos:

p(c1+c2+...)=w(l1+l2+...)+A1+A2...

que é igual a:

pxC = wxL+ A

e nas empresas

A1+A2+...=p(y1+y2+...)-w(l1+l2+...)A = pxY – wxL

Mas, no fundo, a economia é equivalente à de Robinson:

O equilíbrio dá-se quando a TMSd,c = w/p = TMTd,c (=PML).

No fundo, o que estamos a fazer é a aplicar o «teorema da mão invisível» que vimos atrás. Determinamos o ponto óptimo da economia e sabemos, por esse teorema, que ele é igual ao ponto que resulta do mercado competitivo.Temos de estar alerta para alguns efeitos interessantes que se passam a nível agregado e que não se davam ao nível individual. As restrições orçamentais que analisamos são a soma das restrições orçamentais de todos os agentes.Repare-se que o que a equação diz é que a despesa total (pxc, aqui só há consumo) é igual ao produto (pxY) , que é igual ao rendimento (A + wxL). Nesta economia simples, esta condição constitui a lei de Walras.Suponhamos agora que acontece um choque nesta economia, caindo a função de produção. Na economia do Robinson seria como se os cocos se tornassem mais difíceis de apanhar (mau tempo, ou os macacos roubavam mais). Na economia descentralizada seria um choque do petróleo ou um mau ano agrícola. O que isso quer dizer é que há aqui uma descida da função de produção (porque é que o choque de petróleo é um

175

l

y

A/p+(w /p). l

C

L D T

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choque na produção? Se Portugal exportasse petróleo seria o efeito de uma subida nos preços de petróleo?)

Esta descida da função de produção, que trouxe o novo ponto de óptimo de A para B, pode ser decomposta em dois tipos de efeitos: o efeito substituição e o efeito rendimento.O efeito substituição tem a ver com a alteração das escolhas entre produto (cocos) e lazer: passa a obter menos produto por unidade de lazer que sacrifica. O problema aqui é que a descida reduziu a produtividade marginal do trabalho. Logo, como o produto é mais caro, consome menos produto e mais descanso.O efeito rendimento significa que, agora, mesmo que a produtividade marginal do trabalho não tenha descido, a produção desceu (uma descida paralela da curva não altera a produtividade marginal do trabalho, mas faz descer o produto para cada unidade de trabalho). Logo desce simultaneamente o consumo de produto e de descanso.Logo, na soma dos dois efeitos, não há dúvida de que desce o consumo de produto, mas não se sabe o que acontece ao lazer (trabalho).Note-se que o que fizemos, no nosso modelo, foi criar uma recessão. Mas essa forma não nos deve fazer esquecer que o que está em causa são falências, despedimentos e miséria. O choque que o modelo tratou é apenas um tipo de choque, dos muitos possíveis. Mas trata-se de um choque produtivo, do tipo daquele que, como vimos, Schumpeter diz estar na base do desenvolvimento. O tema do capítulo são os ciclos económicos, e o nosso modelo já está a gerar ciclos.Repare-se que antes os efeitos rendimentos e substituição estavam relacionados só com variações de preço, e estudámo-los só no consumidor (e no produtor, mas como consumidor de factores produtivos). Mas agora estamos a ligar tudo. Os preços que eram dados de fora ao consumidor, são agora resultado do funcionamento global da economia. Este modelo, apesar de ser muito simples, é qualitativamente muito superior a qualquer coisa que analisámos atrás, pois aqui estão a ser considerados consumidores e produtores em dois bens ao mesmo tempo (produto e lazer).

3.2.2.4. A economia com créditoPara termos uma visão completa da análise agregada, falta introduzir o tempo. Vamos agora supor que existem, não um, mas dois períodos de tempo, 1 e 2 (hoje e amanhã). Em cada período, o problema é igual ao da economia atrás, produzindo-se e consumindo-se.

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C

L

f 1(L)

f 2(L)

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Ao introduzir dois períodos de tempo, o aspecto essencial passa a ser que todas as grandezas económicas têm agora de ter um índice temporal. A razão deste facto é que, agora, bens iguais, em períodos diferentes, são diferentes. Batatas hoje são diferentes de batatas amanhã.Mas, se fosse só assim, os dois períodos estariam desligados. Vamos supor que o bem «apodrece» se não for consumido. Como transportar consumo então? Para isso cria-se um título, um papelinho que se compra hoje por 1 unidade e que amanhã rende 1 unidade mais um juro (r). Vamos chamar a r a taxa de juro.O título é a única coisa que passa de um período de tempo para o outro.É claro que quem compra o título está a transportar consumo de hoje (que deixa de fazer, para comprar o título) para amanhã (onde poderá consumir 1+r), ou seja, está a poupar. Visto que agora existe tempo, aparece o interesse em transportar valor ao longo do tempo. É isso que este mercado permite.O preço dessa transacção é a taxa de juro. Por isso é que se tem de pagar para consumir já e se recebe se se estiver a adiar. A taxa de juro é o preço do tempo, ou o ganho da poupança.Assim sendo, e olhando para uma família, a restrição orçamental já não é

pxc = wxl + A

ou (chamando rendimento = p x R = w x l + A)

pxc = pxR

mas sim

(1+r)xb0 + pxR1 = pxc1 + b1

ou seja, a equação agora diz que o dinheiro que ele tem [o que produziu este período (pxR1) mais o que guardou do período anterior (1+r)xb0, que, neste caso, é a riqueza que ele tinha ao nascer40] é igual ao que ele vai gastar neste período [consumindo (pxc1) ou poupando (b1). Note-se que agora é preciso entrar em conta com o período de tempo em que as acções (consumo, rendimento, compra de títulos) são realizadas.Repare-se que esta condição, se for agregada, funciona para toda a economia. Quando consideramos a economia global, aparecem alguns factores interessantes que não apareciam no nível individual (esquecer isto é a falácia da composição). Somando a restrição acima para todas as pessoas, temos:

(1+r)xB0/p + Y1 = C1 + B1/p

Note-se que B0/p e Y1 são a oferta, respectivamente de títulos e bens, enquanto a procura vem B1/p e C1, em cada um dos mercados:

(1+r)xBs0/p + Ys

1 = Cd1 + Bd

1/p

Olhando para esta equação vemos que a situação de um mercado (de bens ou de títulos) não é independente da do outro. Os merca-

________________________________40 Note-se que, como a riqueza foi dada no período anterior, neste período ela vale o que valia, mais o juro r. Como foi riqueza transferida do período anterior para o presente, aumentou o valor do juro.

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dos estão interdependentes, devido a esta condição totalizante. Se um deles está em desequilíbrio (S< >D), o outro tem de estar em desequilíbrio contrário. Basta que um deles esteja em equilíbrio, para que o outro também o esteja. Esta é uma manifestação da lei de Walras de que atrás falámos41.

Outros aspectos que nascem da economia global são as condições de consistência agregativa. Trata-se de factos que se revelam por estarmos agora a tratar o todo:— Repare-se que, para toda a economia, o total de títulos

disponíveis é zero. Para cada pessoa que empresta há uma que pede emprestado. A nível individual, o b é diferente de zero, pois cada pessoa tem títulos (ou, b<0, tem dívidas).

— Por outro lado, como não se podem guardar bens para o ano seguinte42, produzindo hoje e consumindo amanhã, então, Y1 = C1. Mais uma vez, a nível individual, esta situação não se verifica. Neste nível, é possível que R < > c, pois o consumidor individual pode emprestar ou pedir emprestado.

Voltemos ao nosso agente. Assim, ele defronta a restrição:

(1+r)xb0/p + R1 = c1 + b1/p

No período seguinte, vai encontrar-se na mesma situação:

(1+r)xb1/p + R2 = c2 + b2/p

(onde agora, como só há dois períodos de tempo de vida, b2 é a herança que ele deixa aos filhos).Assim, na restrição, todas as unidades referentes ao período 0 estão multiplicadas por (1+r), todas as unidades referentes ao período 1 não estão alteradas, e todas as referentes ao período 2 estão divididas por (1+r). Isso quer dizer que as grandezas estão todas medidas no período 1 (o que implica «capitalizar» as do período 1 e «descontar» as do período 2).Repare-se que tinha de ser assim, pois disse-se que coisas em períodos diferentes são diferentes. Nesse caso, é impossível comparar ou adicionar dinheiro ou bens referentes a períodos diferentes. A única forma de o fazer é convertê-los a um mesmo período, e isso é feito pelo termo (1+r).Vamos supor agora que o dinheiro que ele tem para gastar, a riqueza (chama-se riqueza pois inclui o rendimento e a poupança), que é igual a R1 + R2/(1+r) + (1+r)xb0/p – b2/px(1+r), é uma constante W. A restrição passa a ser

W = c1 + c2/(1+r)

Pode parecer que, se se consumir tudo amanhã [como se tem (1+r)xW], se consome mais do que se se consumir tudo hoje (pois só temos W). Isso é um erro, pois implica comparar dinheiro referido a momentos diferentes do tempo. A única forma de o fazer correctamente é converter tudo ao mesmo momento [multiplicando o valor de hoje por (1+r) ou dividindo o de amanhã por (1+r)], e se fizermos isso vemos que os dois valores são iguais.

________________________________41 Note-se que a lei de Walras nada tem a ver com o equilíbrio de mercados. Ela verifica-se sempre, mesmo que os dois mercados estejam desequilibrados. O que ela exige é que a soma algébrica dos desequilíbrios seja nula.42 A possibilidade de guardar bens de um período para o outro significa a existência de capital.

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Como o costume, vamos juntar a isto a escolha do consumidor. O ponto escolhido será aquele em que a curva de indiferença toca a recta do rendimento.A função utilidade do agente é U(c1, c2, l1, l2). A curva de indiferença que nos interessa aqui é uma particularização desta função, relativamente a c1 e c2.Nesse ponto é onde a taxa marginal de substituição intertemporal = TMSI = Um1/Um2 = 1+r, ou seja, vai transferir consumo de hoje para amanhã, até que a última unidade hoje valha (1+r) unidades consumidas amanhã [Um1 = Um2x(1+r)]. Se valesse mais, valia a pena pedir emprestado, aumentando o consumo hoje e diminuindo amanhã. Se valesse menos, era o contrário.

Vamos supor que os b são zero e que duas pessoas são iguais em tudo menos no padrão temporal do rendimento (recebem a mesma riqueza mas em períodos de tempo diferentes). Então, vemos que W = R1+R2/(1+r), e o total (W) é igual para os dois.Assim, se uma pessoa tiver de rendimento R'1 e R'2, o seu consumo de equilíbrio pode ser c1 e c2, mas isso implica que ele peça emprestado no primeiro período (c1 – R'1) e pague no segundo [R'2 – c2 = (c1 – R'1)(1+r)].Devido à existência de um mercado de crédito, qualquer que seja a distribuição temporal dos rendimentos, o ponto de consumo é sempre o mesmo para as mesmas preferências e riqueza, pois a condição TMSI = 1+r é igual para os dois. Este resultado é o teorema da separabilidade de Fisher, apresentado por Irving Fisher, o autor americano de quem já falámos.

Agregando as decisões individuais nesta economia podemos ter perturbações do tipo que vimos atrás:— Uma descida de W equivale a um efeito rendimento (ou, como

se chama agora, efeito riqueza, pois inclui não só o rendimento do período, mas também o que poupámos ou pedimos emprestado, que, como vimos, se chama riqueza), e descem os consumos nos dois períodos.

— Uma alteração na taxa de juro (r) tem um efeito de substituição intertemporal. Este efeito é novo, mas muito parecido com o antigo. Além disso, a variação de r tem também um efeito riqueza, e aqui, tal como na teoria do consumidor, levanta-se o problema de saber qual dos dois efeitos domina.

Este facto altera o equilíbrio, aumentando o consumo amanhã e descendo o de hoje.

Vamos agora voltar a supor que a riqueza é variável:

Y1 + Y2/(1+r) + (1+r)xB0/p – B2/[(1+r)p] = C1 + C2/(1+r)

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C2

(1+r)x W

W C1

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É claro que este rendimento, no equilíbrio, é igual à produção, ou seja:

f(L1) + f(L2)/(1+r) + (1+r)xB0/p – B2/[(1+r)p] = C1 + C2/(1+r)

onde f(L) é a função de produção. Assim:— Uma descida na função de produção tem um efeito riqueza e,

além de descerem os consumos nos dois períodos, descem os descansos (aumenta o trabalho) nos dois períodos.

— Uma alteração na taxa de juro (r) tem um efeito de substituição intertemporal.

Vamos voltar a ver o efeito de uma descida na função de produção. O efeito, como sabemos, é:— desce o consumo pelo efeito rendimento e substituição;— quanto ao trabalho (lazer) não sabemos, pois o efeito

rendimento vai no sentido de descer o lazer (aumentar o trabalho) e o efeito substituição vai no sentido de o subir (descer o trabalho), mas o normal é que domine o efeito substituição.

Mas agora temos de introduzir mais um efeito: saber se a diminuição na produção é permanente (acontece nos dois períodos), como um choque do petróleo (o preço sobe e fica alto), ou temporária (só acontece num período), como um mau ano agrícola (o clima só é mau este ano). Esta distinção é muito importante, porque o seu efeito sobre os ciclos económicos é muito diferente.

3.2.2.4.1. Choque temporário

Suponhamos que é uma descida temporária (mau ano agrícola). Nesse caso, a descida é só neste ano:

Repare-se que para se situar no novo ponto, só é possível alterando a inclinação da nova recta do rendimento, ou seja, mudando a taxa de juro. Assim, além do efeito rendimento e substituição do período 1, e de um efeito riqueza negativo, temos um efeito de substituição intertemporal.Porque é que há uma subida da taxa de juro? É impossível que toda a gente consiga pedir emprestado, pois há mais quem queira pedir emprestado do que emprestar. Logo, é impossível aumentar globalmente o montante de títulos em circulação, e a subida da oferta de títulos apenas se reflecte na subida da taxa de juro.

Resultado final do mau ano agrícola:— Consumo: Desce o consumo hoje, mantém-se o de

amanhã.— Trabalho (e lazer): O efeito sobre o trabalho hoje

(descanso) é duvidoso, mas deve dominar o efeito

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C1

L1

C2

L2

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substituição, descendo o emprego (subindo o lazer). Amanhã não há efeitos.

— Produto: A diminuição do emprego agrava a descida inicial da produção, logo o produto hoje desce. Amanhã não há efeitos.

— Taxa de juro: A taxa de juro sobe.— Salário: O salário (igual à produtividade marginal do

trabalho) tem um movimento indefinido. Por um lado, a descida da função de produção foi acompanhada por uma descida (para o mesmo nível de trabalho) da produtividade. Mas a descida do trabalho aumentou a produtividade, compensando (total ou parcialmente) essa descida. No entanto, ao analisar o efeito substituição, vê-se que a inclinação desceu, pelo que o salário real desceu.

3.2.2.4.2. Choque permanente

Suponhamos que é uma descida permanente (choque do petróleo). Nesse caso, a descida é nos dois anos:

Neste caso, não há razão para supor que a inclinação da nova recta do rendimento, quer dizer a taxa de juro, seja modificada. Há apenas um efeito riqueza, muito mais forte que bo primeiro caso porque varia Y1 e Y2.

Resultado final do choque do petróleo:— Consumo: Desce o consumo hoje e no futuro.— Trabalho (e lazer): O efeito sobre o trabalho (e lazer)

hoje e no futuro é duvidoso, mas deve dominar o efeito substituição, descendo o emprego (subindo o lazer).

— Produto: A descida do trabalho agrava o efeito da descida inicial, logo o produto desce nos dois períodos.

— Taxa de juro: A taxa de juro mantém-se.— Salário: A descida da produtividade (para o mesmo nível

de trabalho) foi compensada pela descida do trabalho, que aumentou a produtividade, mas o salário (igual à produtividade marginal do trabalho) desceu, como se vê no efeito de substituição.

Estes efeitos a nível individual vão-se repercutir a nível global na economia, logo os efeitos individuais são iguais aos totais e, para além de sabermos os efeitos, temos também a razão da sua verificação. Este é o modelo básico da economia global, onde a teoria se baseia exactamente nos msmos fenómenos que se verificavam a nível individual.

181

C1

L1

C2

L2

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3.2.2.5. A Economia com moedaO passo seguinte é o de introduzir a moeda, cuja teoria analisámos atrás. Podemos resumir a questão no gráfico que se segue que define o equilíbrio no mercado monetário.

Como vimos no estudo da teoria monetária, se houver alterações na estratégia do Banco Central ou na actuação dos bancos de forma a modificar o montante de moeda em circulação (moedas, notas, depósitos, etc.), altera-se a oferta de moeda. Se variar o produto (Y), os preços (P) ou a taxa de juro nominal (i=r+π)43, varia a procura de moeda.Vamos agora tratar de um dos problemas mais complexos e difíceis da Economia: a ligação entre o mundo monetário e o resto da Economia. É um tema muito profundo, no qual há ainda muito poucas certezas.A restrição orçamental do agente fica:

(1+r) x b0 + m0 + pR1 = p.c1 + b1 + m1

ou onde agora a riqueza que ele tem é o que produziu este período (p x R1) mais o que guardou do período anterior [(1+r) xb0+m0].Agora, ao agregar fica:

(1+r) x B0/p + M0/p + Y1 = C1 + B1/p + M1/p

onde B0/p, M0/p e Y1 são a oferta respectivamente de títulos, moeda e bens, enquanto a procura vem B1/p + M1/p + C1, em cada um dos mercados.As condições de consistência agregativa são agora três:— O total de títulos disponíveis é zero (para cada pessoa que

empresta há uma que pede emprestado): B=0.— No mercado dos bens, como antes, Y1 = C1. Não se podem

guardar bens para o ano seguinte e só se pode comer o que existe.

— E agora, como a moeda não cai do céu, temos de supor que M0=M1. Claro que cada pessoa pode aumentar o seu stock de moeda de um período para o seguinte, mas o total de moeda mantém-se constante44.

Portanto, a lei de Walras fica:

(C1d – Y1

s) + (B1d/p – (1+r)B0

s/p) + (M1d/p – M0

s/p) = 0

Nós sabemos que cada um dos parênteses tem de ser zero, pois assim o exigem as condições de consistência agregativa, mas o-

________________________________43 Nesta análise, e para simplificar, vamos admitir que a inflação é nula, pelo que i = r.44 Claro que o Estado pode aumentar o stock de moeda. Não consideramos esse caso aqui, mas mesmo então isso implica, como vimos, diminuição no stock de títulos, que compensa e mantém a lei de Walras.

182

PMs

Md=PxY/V(i)

M

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lhando para esta equação vemos que basta que dois desses parênteses sejam nulos, para que o terceiro seja também nulo.Assim, introduzindo a moeda no nosso modelo, temos incluídos os dois primeiros aspectos essenciais da economia: o funcionamento do mercado dos bens (lado real) e o funcionamento do mercado monetário (lado monetário).

3.2.2.5.1. Choque na produção

Relembrando os casos que estudámos atrás (choque do petróleo e mau ano agrícola), cada perturbação pode ser decomposta em efeitos substituição e efeito rendimento em cada período. No caso do choque temporário, verifica-se ainda efeito riqueza e efeitos substituição intertemporal.

Pela descida do produto (e, no caso do choque temporário, da subida da taxa de juro) isso tem o efeito de descer a procura de moeda. No gráfico vê-se que isso dá o resultado final de uma subida de preços.Essa é a história dos choques de petróleo, ligados à inflação.

3.2.2.5.2. Choque na oferta de moeda

Se o Banco Central aumentasse a moeda, o efeito, como se pode ver no gráfico, seria um aumento proporcional dos preços. M = PxY/V(i).

Um aumento da moeda vai fazer com que as pessoas tenham mais dinheiro do que queriam. Como não querem guardar esse dinheiro tentam gastá-lo. Mas como não há variação na produção, o único efeito é a subida do preço.

3.2.2.5.3. Choque na procura de moeda

Se subir a procura de moeda, ou seja, se descer a velocidade, vemos que isso vai fazer descer os preços, pelo gráfico do costume:

M = PxY/V(i)

3.2.2.6. A Economia com EstadoAté agora considerámos que a procura total era feita pelos consumidores. Vamos agora considerar que há Estado. O Estado não é igual às outras entidades (supor isso seria cair na falácia da composição). Então como é a restrição orçamental do Estado ? Se não trabalha, obtém o dinheiro para o seu consumo (G, gastos públicos) de três formas diferentes:— pode ter uma dívida;— pode cobrar impostos;

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P

M

MsM2d

M1d

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— pode emitir moeda.Assim, a restrição do Estado pode ser escrita do seguinte modo:

G = T + dB/p + dBM/p

onde G representa o consumo do Estado, T o nível de impostos, B a dívida pública (logo dB/p é a variação real do nível da dívida) e BM, a base monetária (dBM/P representa a variação real do montante de moeda emitida pelo Banco Central).Ao aumentar os gastos (política expansionista) é preciso saber como eles foram pagos. Assim, não há almoços grátis, nem para o Estado. Uma despesa tem de ser paga de qualquer forma. Este facto, que foi já discutido com detalhe levanta algumas questões importantes. Como vimos nessa altura, as três formas de financiamento do Estado são sempre formas de retirar meios do sector privado (empresas e famílias), ou seja, são sempre formas de tributação.O total de recursos que a sociedade dispõe antes e depois dos impostos é igual. Mesmo que o dinheiro seja desperdiçado ou gasto em corrupção, ele continua a circular na economia e não chega a sair da sociedade.No entanto, o controlo desse dinheiro é retirado às pessoas e às empresas, para ser entregue ao Estado. É a reacção das empresas e das pessoas que gera a flutuação económica que queremos estudar.Mas não se deverá entrar em conta com a utilidade que as pessoas tiram dos gastos do Estado na nossa análise? A resposta é, simplesmente, não. O que nos interessa aqui, como dissemos, é estudar o ciclo económico, ou seja, a reacção da economia aos choques que vai sofrendo. Quando o Estado tira dinheiro à sociedade, ela vai reagir, pois agora tem menos dinheiro do que antes. É essa reacção que nos interessa estudar.O Estado pode usar o dinheiro em coisas muito úteis (escolas, estradas, hospitais, etc.) ou em coisas inúteis (luxos, excesso de armas, etc.). É claro que o bem-estar social será muito diferente em ambos os casos. Assim, para a evolução da actividade económica, o que interessa é que a sociedade tem menos dinheiro.Se as despesas do Estado forem gastas em subsídios ou outras transferências para a sociedade, o dinheiro passa de umas mãos na economia (do contribuinte), para outras mãos (a de quem recebe o subsídio), mas a sociedade como um todo fica com o mesmo montante de dinheiro para gastar. É claro que haverá efeitos sobre a economia, mas meramente distributivos, o que não é visível a este nível global a que estamos a fazer a análise.Isso quer dizer que as despesas do Estado em bens e serviços é que têm os efeitos que vamos estudar. No consumo de bens e serviços (que deve incluir o investimento público), o Estado desvia produto para um uso próprio. Só essas despesas é que nos interessam nesta análise, porque as outras despesas limitam-se a tirar dinheiro a uns cidadãos e a entregá-lo a ourtros.Vamos, portanto, analisar o efeito sobre o equilíbrio económico de uma subida nos gastos públicos, financiada por várias formas. Apesar de elas serem sempre impostos, têm impactes distintos.

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3.2.2.6.1. Choque nos gastos com financiamento com impostos

Os gastos públicos, mesmo que sejam para bem dos consumidores, não são controláveis pelos consumidores; por isso, na prática, o efeito que conta é apenas o dos impostos. E os impostos são como que uma subtracção ao produto (descida paralela da função de produção). O que é produzido é o mesmo que antes, mas agora uma parte é retirada, e vai para o Estado (o facto de tirar dinheiro a uns para com isso comprar a outros é o mesmo que tirar directamente os bens à economia). Vamos ver:A)Consideremos um aumento temporário da despesa,

paga por impostos.Como o aumento dos gastos é temporário, só há impostos hoje. Isso quer dizer que hoje verifica-se uma descida do produto disponível para os consumidores, mas no futuro é tudo igual à situação antes do choque. O efeito hoje é um efeito rendimento, que reduz o consumo, diminui o lazer e aumenta o trabalho. Repare-se que é possível determinar agora o efeito sobre o salário real . Em equilíbrio, este é igual à produtividade marginal do trabalho (inclinação da função de produção) que neste caso desce (pois a produtividade mantinha-se se o número de trabalhadores se tivesse mantido, mas ele subiu).A descida no consumo hoje e a manutenção do consumo amanhã vai causar um aumento da taxa de juro (todos procuram pedir emprestado sobre o dia de amanhã que é melhor, e isso faz subir a taxa de juro real). A subida da taxa de juro e o aumento do produto têm um efeito contrário sobre a procura de moeda (o Y sobe mas a velocidade também) e, consequentemente, sobre os preços o efeito é duvidoso.

B)Consideremos um aumento permanente da despesa, paga por impostos.Como sabemos, o efeito é igual ao anterior, com a diferença de que não há agora variação na taxa de juro (logo, a velocidade não varia e os preços descem de certeza).

3.2.2.6.2. Choque nos gastos com financiamento com dívida

Como o Estado não produz nada, dívida são impostos adiados. Na prática, o que se verifica é que o Estado hoje tira às pessoas, prometendo pagar no futuro, mas no futuro, para pagar o que deve a uns vai tirar a outros. Assim, os efeitos são iguais ao do imposto45.Há a possibilidade de existir dívida externa usada para importar bens (embora não tenhamos analisado ainda as relações externas da economia, podemos desde já falar nis-

________________________________45 É claro que não é possível financiar um aumento persistente de gastos com dívida, porque ela tem de ser paga em algum momento.

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so). Nesse caso, hoje os gastos são financiados de borla para o país (o equilíbrio hoje não se altera). Mas no futuro é preciso pagá-la ao exterior, com impostos amanhã, e logo isso significa uma descida do consumo. Isso vai descer a taxa de juro e descer os preços hoje.Note-se que todo este exercício é meramente ilustrativo pois, no rigor das coisas, o nosso modelo não pode analisar efeitos vindos do exterior. Além disso este caso é o de um empréstimo externo para comprar bens no estrangeiro. Não podia pedir emprestado para comprar bens em Portugal? Esse caso não tem interesse, pois, pedindo emprestado lá fora, recebe moeda estrangeira. Tem de a converter em moeda interna (o que iria aumentar o stock de moeda nacional, que tem os efeitos que veremos a seguir), enquanto a moeda externa ficava guardada no banco e, no período seguinte, era paga ao exterior (os juros eram pagos, mas a moeda podia ter sido entretanto emprestada, o que rendia juros). Portanto, este tipo de empréstimo externo teria os mesmos efeitos de um financiamento com nova moeda.

3.2.2.6.3. Choque nos gastos com financiamento com moeda

No que toca às escolhas dos consumidores é igual aos casos anteriores. Mas como é que se processa essa subtracção? É que o aumento de moeda não desejado vai criar inflação, e a inflação é um imposto pois significa que o dinheiro que as pessoas têm no bolso fica menos valioso. As pessoas ficam sem o dinheiro, embora pareça que estão na mesma. Inflação é um imposto. Logo é tudo igual, menos no mercado monetário: aí, além de aumentar o produto (e de subir a taxa de juro no caso de aumento temporário), sobe a oferta de moeda, o que sobe os preços.Por que razão é que, no exemplo que antes vimos de um aumentop simples do stock de moeda, não havia este efeito de imposto, que reduz o consumo? Nesse exemplo tratava-se de um caso em que o dinheiro era dado às pessoas sem lhes pedir nada em troca (este caso é conhecido como a «experiência do helicóptero», pois equivale a despejar dinheiro sobre as pessoas de forma gratuita). Nesse caso, os preços sobem, e o dinheiro que veio a mais foi compensado pela subida dos preços, pelo que as pessoas ficam na mesma. Agora, o dinheiro é dado às pessoas para comprar bens. As pessoas ficam sem os bens e, como os preços sobem, o dinheiro que foi recebido em troca perde o valor.Trata-se de um modelo muito simples, onde apenas é possível analisar um pequeno número de efeitos. Muitos outros aspectos poderiam ser considerados, como extensões, nesta estrutura base46, mas como «introdução» o

________________________________46 Talvez o aspecto mais importante que ficou esquecido desta análise tenha sido o fenómeno do investimento. Como atrás foi referido, o investimento relaciona-se com a possibilidade de «guardar» bens de um período para o seguinte, o que foi vedado, por hipótese, na nossa análise. A principal razão prende-se com a grande complexidade da «teoria do capital», que tem preocupado muitos autores ao longo da análise económica. Estando muito ligado ao fenómeno do desenvolvimento, o investimento voltará a ser referido quando esse fenómeno for estudado adiante.

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modelo serviu perfeitamente os seus objectivos.

Podemos resumir as principais ideias que obtivemos neste longo capítulo, quer quanto ao funcionamento da economia global, quer acerca do fenómeno dos ciclos económicos:

i) equilíbrio geralRelativamente ao equilíbrio geral, vimos que ele, numa economia perfeitamente competitiva, é obtido através da consideração simultânea de todas as condições marginalistas dos vários problemas individuais. Esta simultaneidade é muito importante, visto que mostra que nenhuma decisão individual está em equilíbrio enquanto não estiverem todas em equilíbrio. A fórmula de que resultam os preços relativos entre dois bens é a seguinte:

Umi

=pi

=Pm

j

Umj pj Pm

i

Taxa marginal de substituição social = Preços relativos = Taxa marginal de transformação social

Esta forma de olhar para o problema do equilíbrio geral só é possível pela utilização do «teorema da mão invisível» que vimos atrás e que afirma que a solução óptima social no sentido de Pareto é equivalente ao equilíbrio de uma economia competitiva. Consequentemente, este modelo walrasiano de equilíbrio geral só existe numa economia em concorrência perfeita.Além disso, verificámos a existência de uma condição totalizante no sistema económico, a lei de Walras, que afirma que a totalidade das procuras é igual, sempre, à totalidade das ofertas. Isso implica que, se todos os mercados menos um estiverem equilibrados, então o último também tem de estar em equilíbrio.Este modelo, apesar de muito simples, inclui já todos os elementos essenciais, nomeadamente, em resposta a um choque,verificam-se:— efeito substituição intratemporal— efeito rendimento intratemporal— efeito riqueza— efeito substituição intertemporal— efeito juro e efeito rendimento na procura de moeda.

É através destes efeitos que é possível estudar a reacção da economia a choques, que geram a evolução cíclica da economia.

ii) ciclos económicosO fenómeno dos ciclos é causado pela contínua perturbação a que o sistema está sujeito. Os resultados que o nosso modelo gerou para essas reacções são semelhantes ao comportamento de recessões e expansões a que assistimos na economia.Foram considerados três tipos principais de choques.— choques sobre o aparelho produtivo – este tipo de choque

é aquele que gera um tipo de evolução económico mais parecido com as flutuações cíclicas, de expansão e recessão, que estamos habituados a ver na economia. O efeito no salário é duvidoso e os movimentos na taxa de juro só se verificam em choques temporários, e são contrários aos do produto (chamados, por isso, «efeitos contracíclicos», subindo

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a taxa de juro se o produto desce e vice-versa). O impacto no nível geral de preços é também contracíclico.

— choques sobre a quantidade de moeda – o nosso modelo deduziu que alterações na quantidade de moeda apenas têm impactos proporcionais no nível de preços, não afectando as variáveis reais. Assim, no nosso modelo, a moeda é considerada «neutra».

— choques nas despesas públicas – a variação dos gastos do Estado cria um efeito de variação semelhante sobre o produto, mas inverso sobre o consumo e sobre os salários reais. O efeito na taxa de juro só se verifica se o choque for temporário, e é no mesmo sentido da variação dos gastos, e existe efeito duvidoso sobre os preços, excepto no caso de financiamento monetário, onde os preços aumentam com a moeda.

Este modelo, como foi dito, é muito elementar, apenas captando aspectos muito simples. A grande omissão a notar, além das relações externas, é, como foi dito, a do investimento, que é uma componente essencial da actividade económica, mas que tornaria muito mais complexas as relações.

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3.2.3. Desemprego e inflaçãoAlguns dos principais problemas têm a ver com a questão da estabilidade da Economia, ou seja, com os ciclos económicos. Em particular, as questões do desemprego e inflação encontram-se entre os mais citados temas de reflexão na economia global. Mas o que são estes problemas, e como é que o nosso modelo pode enquadrá-los?O desemprego é normalmente visto como a situação de quem quer trabalhar e não pode, pois não encontra emprego. Logo, à primeira vista, o desemprego não pode ser analisado no nosso modelo, pois todas as subidas e descidas de emprego têm, na nossa análise, apenas a ver com escolhas voluntárias dos agentes. O mercado de trabalho , que analisámos está sempre em equilíbrio.Inflação define-se como uma subida sustentada do nível de preços; é uma contínua variação de preços. Por isso, o uso da palavra «inflação» nas páginas anteriores foi abusivo, visto que se referia apenas a subidas pontuais de preços. Relembre-se que há dois tipos de variações de preços: as variações de preços relativos e variações do nível geral de preços. Nunca nos apareceu no modelo uma situação de inflação. No entanto, é fácil alterar a forma particular que temos usado no nosso modelo para incorporar estes efeitos.

3.2.3.1. DesempregoA primeira coisa que deve ser referida é que não existe um, mas vários tipos de desemprego.

3.2.3.1.1. Desemprego voluntário

Este tipo de desemprego é composto pelas pessoas que, ao nível de salário verificado, não querem trabalhar. Uma pessoa que decide trabalhar em part-time , para poder descansar ou estudar, está nesta situação, tal como um licenciado em Medicina que se mantém desempregado por não ter lugar como médico.

O nível (Po) representa o total da população activa, enquanto o equilíbrio de mercado é definido pelas curvas de oferta e procura de trabalho, ao nível (L*). A diferença (Po-L*) representa o nível de desemprego voluntário. Essas pessoas só estariam dispostas a trabalhar se o nível de salário fosse muito mais alto.O nível de desemprego voluntário é afectado por muitas variáveis, mas as relativas ao funcionamento do mercado de trabalho são determinantes. Em particular, as instituições como o subsídio de desemprego (que é um gasto do Estado) vai fazer com que as pessoas (que ganham sem

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W

L* Po L

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trabalhar) estejam dispostas a esperar mais tempo por um emprego que realmente lhes agrade.

3.2.3.1.2. Desemprego friccional

O segundo tipo de desemprego é causado por dificuldades de equilíbrio de mercado. Qualquer pessoa que deixa um emprego, mesmo que queira continuar a trabalhar e haja lugar para ela na economia, é normal que leve algum tempo a encontrá-lo. Assim, em cada momento, existe sempre um certo número de pessoas nesta situação: querem trabalhar (por isso não estão desempregadas voluntariamente) e há emprego para elas, mas ainda não o encontraram.Mas, embora o nosso modelo não entre explicitamente em conta com este elemento, é fácil supor que o ponto de equilíbrio final leva algum tempo a atingir e que, entretanto, a economia se encontra numa região próxima, sendo a diferença para o equilíbrio exactamente o nível de desemprego friccional.O gráfico anterior pode representar essa situação desde que se assuma que o ponto de equilíbrio não foi atingido logo, estando a economia num ponto muito perto e a caminho dele. O nível de equilíbrio L* não é imediatamente atingido, por imperfeições e lentidão no ajustamento de mercado, encontrando-se a sociedade na situação L'. A diferença L*-L' é constituída por pessoas que querem trabalhar e para quem há emprego, mas quando, devido a essas imperfeições, o emprego e o candidato ainda não se encontraram: é o desemprego friccional.

Maus sistemas de informação, dificuldades de transportes e comunicações são as razões mais frequentes deste desajustamento.É claro que perante uma descida do produto das empresas (por exemplo porque houve um choque na economia, como uma subida do preço do petróleo ou um mau ano agrícola), reduz-se o total dos postos de trabalho. Se há menos emprego, é mais difícil encontrar um do que quando há muitos. O trabalhador quer mesmo trabalhar e, a esses preços, há emprego para ele (a procura é igual à oferta de trabalho), mas é mais difícil encontrá-lo.

3.2.3.1.3. Desemprego involuntário

Ao salário do mercado as pessoas estão dispostas a trabalhar e não trabalham porque não encontram emprego, e não encontram emprego PORQUE NÃO HÁ!

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W

L* Po LL'

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É claro que isso só se passaria se houvesse algo que impedisse o mercado de ajustar. Só há DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO se o mercado de trabalho (ou outro qualquer) não ajustar. Na nossa análise, tal situação é inconcebível. O mercado pode levar algum tempo a ajustar, mas, dentro da hipótese básica de todo o nosso estudo de que os «mercados equilibram», não é possível compreender uma situação em que um mercado se mantém, de forma sistemática e continuada, fora do equilíbrio.Algumas instituições do mercado do trabalho, como imposição de salários mínimos excessivamente altos, leis que impeçam o despedimento, ou contratos colectivos de trabalho distorcidos, impedem o mercado de ajustar e aparece o desemprego involuntário.O caso aqui representado é um dos mais simples e repete um gráfico anterior: a fixação de um nível de salário (w') acima do equilíbrio leva a que a quantidade oferecida de trabalho (Ls) seja superior à quantidade procurada (Ld). A diferença (Ls-Ld) representa exactamente a existência de pessoas que, estando dispostas a trabalhar à remuneração (w'), não encontram emprego:

Esta situação, porém, não pode deixar de ser estranha e anormal num modelo que sublinha fortemente a posição de equilíbrio. Adiante, na única secção em que, neste livro, serão abandonadas as hipóteses-base da racionalidade e equilíbrio, será apresentado o modelo keynesiano que, admitindo como normal a situação de desequilíbrio, incorpora o resultado do desemprego involuntário como componente do funcionamento corrente do modelo.Assim, segundo o nosso modelo, as únicas razões por que alguém pode estar desempregado são: ou porque não está disposto a trabalhar por esse salário ou porque, estando disposto, ainda não encontrou o lugar que existe vago para si. Será que o desemprego é um problema menor, visto que ou é desejado ou é apenas temporário?É importante notar algo de fundamental e que já foi referido atrás: o facto de um mercado estar em equilíbrio não quer dizer que os agentes estejam necessariamente felizes e satisfeitos.A situação final, com muito menos empregados a ganhar muito menos, é claramente muito mais dramática que a inicial.

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W

LLd

W'

Ls

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Não é preciso criarmos uma situação de desequilíbrio e de desemprego involuntário para encontrarmos as características terríveis de uma situação de grave desemprego. O estado de revolta e miséria destas pessoas não é menor por o mercado estar em equilíbrio.

3.2.3.2. InflaçãoA inflação, como se sublinhou atrás, é radicalmente diferente de qualquer situação de subida de preços estudada por nós até agora. Uma subida de preços só pode ser caracterizada como inflação se ela for continuada e permanente e se, simultaneamente, for um fenómeno verificado na maior parte dos produtos.A forma de medir essa subida de preços é, como vimos atrás, um índice de preços que capte uma realização do nível geral de preços.Na nossa estrutura de análise, apenas resta uma explicação para uma situação sustentada de inflação: a subida sistemática do stock de moeda. No nosso modelo, a inflação no longo prazo é um fenómeno monetário. É o fluxo contínuo de nova moeda na economia que gera e mantém o processo inflacionista. Todos estes problemas da inflação advêm, pois, do facto de a moeda ser uma má medida do valor. As chamadas «moedas fortes» são aquelas que geralmente mantêm o seu valor. O dólar e o euro são casos dessas moedas, enquanto a moeda brasileira tem sido exemplo de má medida de valor, com grandes perdas do seu valor.Os choques no mercado dos bens podem ter um efeito temporário, aumentando ou diminuindo a taxa de inflação. Vendo a curto prazo observamos que nem sempre a coincidência é perfeita.Por outro lado, alguns autores falam da inflação inercial. A inflação inercial é o facto, frequente, de em economias que sofreram fortes e longos processos de inflação, mesmo quando se reduz ou elimina o fluxo de nova moeda na economia, esta se manter durante algum tempo. Este fenómeno deve-se apenas ao facto de as pessoas e instituições, habituadas à situação de crescimento continuado de preços, terem dificuldade em se adaptar à nova situação de estabilidade de preços. Alguns chamam a esta atitude a dificuldade em controlar as expectativas de inflação. No entanto, desde que a moeda se mantenha sob controle, é difícil que um processo inflacionista se mantenha quando seja apenas provocado por expectativas de subida de preços.E qual é o problema da inflação? Como vimos, a inflação é apenas um outro tipo de imposto. As pessoas que têm dinheiro no bolso, sem darem por isso, ficam com esse dinheiro a valer menos, e quem ganha é o Estado, que emitiu mais moeda e criou dinheiro

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W

LL2 L1

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sem custos. Logo, a inflação deve ser vista como um simples imposto, que recai sobre todos os que têm moeda. Vimos, aliás, nessa secção que a inflação e a emissão excessiva de moeda que a causou estão frequentemente ligadas a essa grande tentação que o Estado tem de poder criar dinheiro sem custos aparentes.Além desse aspecto, como já referimos, existem vários custos da inflação, que se manifestam devido ao facto de, na maior parte das situações, a inflação não ser perfeitamente previsível e neutra. Na verdade, a inflação não afecta toda a gente de forma igual. Se afectasse, então a inflação seria exactamente igual a um imposto, claro e nítido para toda a gente, com os mesmos custos políticos dos outros impostos, por não poder ser já escondida.Por outro lado, como não é perfeitamente previsível, cria instabilidade, falsificando o mecanismo de preços, sobretudo os preços futuros, criando ineficiências, desperdiçando recursos e reduzindo o crescimento.Como se vê, trata-se de situações que podem perfeitamente ser tratadas no quadro do nosso modelo de equilíbrio geral.Antes de terminarmos esta análise, será interessante falar de uma relação entre inflação e desemprego que, durante algum tempo, gozou de popularidade entre os teóricos da Economia: a curva de Phillips.Supunha essa curva que existia uma relação inversa entre o nível de desemprego (u) e a taxa de inflação (π). Segundo ela, níveis altos de inflação estavam ligados a baixo desemprego, e vice-versa: π

No auge da sua popularidade, a curva de Phillips chegou mesmo a ser considerada como representativa das opções de política.Na verdade, a relação mostrou ser incapaz de incorporar qualquer generalidade. Por exemplo, um aumento de gastos públicos financiado por moeda aumenta o emprego e o produto (desce o desemprego) e aumenta a inflação, mas, se o choque for na produção (um choque do petróleo), sobem os preços, mas desce o produto e o emprego.Como se disse a ideia nasceu de uma análise empírica e realista, e até pareceu verificar-se nos anos 60, mas, a partir dos anos 70, a ideia foi completamente invalidada.Vimos a análise dos problemas agregados da economia, baseada nos princípios básicos da economia. No fundo, embora de forma muito simples, estudámos o modelo de equilíbrio geral walrasiano, completando o estudo do comportamento dos agentes com a análise das suas inter-relações. Mas esta análise não é de todo pacífica. Como se disse, estamos aqui num dos temas mais polémicos da teoria económica e vamos ver algumas das discussões que ele gera.

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u

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3.2.4. O debate na economia agregada3.2.4.1. A economia keynesianaA teoria económica estava dividida em duas partes, existindo a teoria do valor, que tratava do comportamento dos produtores, consumidores e mercados (o mercado dos bens) e a teoria monetária, que tratava dos problemas relativos à moeda (velocidade, taxa nominal de juro, etc.).Keynes vem dizer que para analisar os problemas globais da Economia a curto prazo (conjuntura económica) era preciso uma teoria totalmente nova. A essa abordagem nova chamou-se macroeconomia. Esta nova análise era muito diferente da aplicação das teorias do valor e monetária aos problemas globais. Ao resto da teoria, que continuou na linha anterior e que incluía o equilíbrio geral, chamava-se, por oposição, microeconomia.Esta posição, herética nos quadros dessa época, tomou uma influência tal que, poucos anos após a sua apresentação, era já ortodoxia. A divisão entre micro e macroeconomia passou a ser usada livremente e ela é corrente, ainda hoje, em muitas universidades, livros e apresentações da teoria.Aqui, a Economia é vista como uma só, integrada, usando os mesmos princípios para os fenómenos individuais ou globais. Por isso, no quadro da nossa visão, a alternativa de Keynes é vista não como uma parte da teoria mas como uma visão diferente de um problema; uma explicação alternativa para os fenómenos que acabámos de explicar dentro do nosso modelo.O centro da ideia de Keynes é que os mercados não equilibram, pelo menos no curto prazo. Aliás, mesmo que venham a equilibrar no futuro, tal facto é irrelevante porque, na célebre expressão deste autor, «a longo prazo estamos todos mortos». Aliás, basta um mercado não equilibrar para que os outros tenham dificuldades em fazê-lo, pois, pela lei de Walras, sabemos que se há um mercado desequilibrado, há pelo menos outro que também o está para compensar. E essa lentidão de ajustamento é particularmente grave porque a economia está sempre a ser perturbada pois ela é intrinsecamente instável.Quanto aos agentes, eles estão dominados por estados de espírito alteráveis, euforias, medos, ânsias, etc., a que Keynes chamava animal spirits, que causam contínuos choques, os quais se mantêm devido ao mau ajustamento. Assim, também se pode dizer que, para Keynes, os agentes não são racionais.Repare-se que, deste modo, se violaram as duas hipóteses-base da Economia: os mercados (pelo menos em parte) não equilibram, e os agentes (pelo menos em certas situações) são irracionais. Se os agentes são irracionais e os mercados não equilibram, então toda a análise feita até agora não é válida, porque foi esse o nosso ponto de partida.A principal conclusão prática de Keynes é que, neste meio em que os agentes são nervosos e o processo negocial demora tempo a ajustar, já não são válidos os resultados de eficiência que atrás deduzimos: o mercado já não é óptimo, nem sequer no sentido de Pareto. Por isso, existe um ganho potencial se alguém manipular o sistema, para o melhorar. Esse alguém é claramente o Estado, que

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pode calcular, através de modelos, qual o choque que a economia sofreu e qual a política correcta para o corrigir.É importante descrever agora o ambiente em que estas ideias foram apresentadas. A chamada Grande Depressão de 1929-1933, de grande desemprego e deflação (queda dos preços) deu a alguns a ideia de que, dado que a teoria económica existente não podia explicar a situação, a teoria teria de ser mudada. Esta convicção extremamente forte explica a popularidade instantânea e duradoura das ideias de Keynes, que foram apresentadas na altura certa.Hoje, a nossa visão desse problema é algo diferente. A teoria da época não conseguia explicar a Grande Depressão porque tal não era possível. Uma queda geral da confiança na moeda repercutiu-se no mercado dos bens, pois os bancos e o sector financeiro faliram e as empresas foram forçadas a pagar as suas dívidas ou falir.Todos sabemos que no meio de um tremor de terra não funciona a maior parte das regras sociais. Mas isso não é razão para as abandonar na vida corrente. Como o afirmou Schumpeter, o grande erro de Keynes foi ter chamado «geral» à sua teoria.Repare-se que, sendo um modelo que se baseia na situação de desequilíbrio, a dificuldade da tarefa é, logo, muito maior. A situação de equilíbrio tem a grande vantagem de ser uma situação bem definida: um ponto claro e concreto. Tudo o resto é desequilíbrio.O génio de Keynes está exactamente em ter criado ordem no meio do caos, criando uma abordagem simples e clara de uma realidade complexa e intrincada.A análise keynesiana do sistema monetário, embora diferente, mantém o essencial do estudo que fizemos atrás. É pois no mercado dos bens que ele faz as principais alterações.

3.2.4.1.1. Lado da procura

O modelo está dividido, no mercado dos bens, em duas partes: a procura e a oferta. No lado da procura, o consumo das famílias é a parte mais importante da despesa da sociedade, representando cerca de 70% a 80% do seu valor. Para estudar o consumo, Keynes inventou o conceito de função consumo, que define as principais determinantes do nível de consumo em certo momento.Na visão keynesiana dessa função existem dois conceitos importantes: a propensão marginal ao consumo (PmC), definida como o acréscimo de consumo feito por mais uma unidade de rendimento; e propensão média ao consumo (PMC), o peso médio do consumo no produto. No caso simples da função consumo ser uma recta, esses parâmetros são fáceis de calcular:

C = a + b x Y

Neste caso, a propensão marginal ao consumo é dada por

PmC = dC/dY = b,

e a propensão média a consumir é dada por

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PMC = C/Y = b + a/Y

Outra componente da procura, também em consumo, é o consumo público do Estado: a despesa pública, que é uma componente da despesa total. Assim, os gastos públicos são uma componente autónoma: ___

G = G

3.2.4.1.2. Lado da oferta

O lado da oferta , para Keynes, era muito simples. A economia encontrava-se abaixo da curva de possibilidade de produção, num uso deficiente dos recursos disponíveis: havia desemprego. Esta é claramente a situação de falha geral do sistema, tal como na Grande Depressão. Dado este facto, é possível aumentar a produção sem quaisquer custos adicionais, ou seja, com custos marginais nulos. O salário não sobe se aumentar a procura, porque os desempregados são muitos e estão todos dispostos a trabalhar. Repare-se que isso quer dizer: como estamos abaixo da função de produção, no modelo keynesiano há almoços grátis.Essa função oferta pode ser representada muito simplesmente dizendo que a produção realizada é inferior ao máximo que seria produzível com certos recursos, o produto potencial (Yp).

Assim, com um certo número de trabalhadores (L*) na economia, seria possível obter um montante de produção (Yp). O que sabemos é que, na situação de desequilíbrio do modelo keynesiano, a produção efectivamente realizada nessa economia (Y) é inferior a esse máximo possível, existindo desemprego. É esta, pois, a oferta do modelo:

Y < Yp

E, embora tenhamos ainda apenas uma pequena parte, podemos já começar a analisar o problema que nos preocupa: será que é possível que uma economia esteja, de forma permanente, numa situação de desemprego? Será que é possível uma situação de equilíbrio de subemprego?

3.2.4.1.3. Equilíbrio keynesiano

Vamos supor que a propensão marginal a consumir, b<1, ou seja, por cada euro recebido, o consumo é menor que esse euro. Este aspecto é importante, pois, nesse caso, só há um ponto de igualdade entre a procura e a oferta. Keynes, nesta

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Y

Yp

L* L

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estrutura geral de desequilíbrio, chama a esse ponto o ponto de equilíbrio.

É claro que este «equilíbrio keynesiano», que nasce numa estrutura que é de desequilíbrio e de irracionalidade, tem um significado muito diferente de qualquer equilíbrio que tenhamos estudado até agora. «Equilíbrio», neste caso, apenas significa que, nesse ponto, a procura total (causada por esse nível de rendimento) é igual à oferta total, ou seja:

Y = D = a + bxY + G

Graficamente, esse ponto obtem-se pela intercepção entre a curva da procura e uma linha com inclinação de 45º, ou seja, a linha na qual as ordenadas (D) são iguais às abcissas (Y). É claro que este equilíbrio não tem nada a ver com o que analisámos atrás. Ele apenas significa que a procura e a oferta, definidas deste modo porque estamos numa situação de desequilíbrio, são iguais. O ambiente é todo de desequilíbrio mas, o facto de, nesse ambiente, D = Y, gera uma situação parecida com a de equilíbrio.Determinado o ponto de «equilíbrio», resta saber se haverá algum mecanismo de ajustamento que leve a economia a esse ponto. Sim, na verdade, se a oferta for maior que Y*, as empresas não conseguem vender e vão acumulando stock de bens invendáveis. O que elas vão ser obrigadas a fazer é a reduzir a produção. Se a produção for pouca, haverá excesso de pressão sobre os stocks, e as empresas são levadas a produzir mais. Assim se tende para o ponto de equilíbrio.Algebricamente, a resolução do modelo, determinando o ponto de equilíbrio keynesiano, é muito simples:

Y = C + G <=> Y = a + b Y + G <=> Yx(1-b) = a + G <=>Y* = (a+G) / (1-b)

O aspecto fundamental é que, embora o ponto Y* seja o ponto de equilíbrio, nada obriga a que este ponto seja o ponto de pleno emprego (Yp) . E assim, respondendo à nossa pergunta inicial, a economia pode manter-se durante muito tempo, de forma estável e sustentada, numa situação de desemprego.Por que razão a economia está aqui? Repare-se que as empresas não produzem mais porque não têm procura, e não há procura porque o rendimento é baixo, e este é baixo porque a produção é baixa. As empresas não contratam trabalhadores porque ninguém procura os seus bens, e os trabalhadores não procuram os bens porque estão

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D

__a+G

YYp

D = a + bxY + G

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desempregados. Há um círculo vicioso que prende a economia nesta situação.Se os trabalhadores fossem pagos em bens, isso criaria a própria procura dos bens da empresa. A lei de Walras diz exactamente que os bens só são produzidos porque alguém os procura, e a procura é igual à oferta. Mas como o salário é pago em dinheiro, e a empresa não sabe como esse dinheiro será gasto, se vai fazer procura dos seus bens, a empresa não arrisca, não contrata trabalhadores, e por isso não lhes dá dinheiro, o que confirma os seus temores. É este mal-entendido, que não era possível no nosso modelo anterior de equilíbrio geral, que causa todo o processo.Mas será que o Estado pode alterar a situação? É claro que o círculo vicioso descrito é, naturalmente, muito instável e, se for perturbado, pode mudar radicalmente de posição. Vejamos o que sucede se houver um aumento dos gastos, qual o resultado? Será que o rendimento aumenta?

3.2.4.1.4. Multiplicador

O aumento dos gastos causa imediatamente um aumento de rendimento igual a si próprio, mas desencadeia enormes quantidades de aumentos futuros, devidos ao consumo. Este é o chamado efeito multiplicador.Será que o rendimento continuará a aumentar para sempre? Nâo, como se pode ver pelo modelo:

Y = a + bxY + G

O aumento do consumo é menor que o do rendimento [devido à propensão marginal ao consumo (b) ser menor que 1].No fim do processo, a variação total do produto é a soma de todos os dY

dYT = dY1+dY2+... = (1+b+b2+ ... + bn+ ...)xdG

Como b<1, cada parcela é menor que a anterior. A soma desta série infinita de termos (soma de uma progressão geométrica) é:

dY = dG/(1-b)

Outra forma de ver o mesmo resultado pode ser olhando para o ponto de equilíbrio que determinámos atrás:

Y* = (a+G) / (1-b)

Graficamente, a variação é fácil de observar. O aumento de G é representado por uma subida paralela da curva da procura. É fácil de ver que, devido à inclinação relativa das curvas, o aumento do produto (variação em Y*) é maior que o aumento inicial da procura (aumento de G).

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D

Y

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Este é o modo como Keynes pretende acabar com o desemprego: a razão do desemprego é a falta de procura.Os exemplos que Keynes tornou famosos são os de o Estado gastar dinheiro, mesmo em actividades directamente produtivas, como construir pirâmides ou catedrais como no passado ou, até, pagar aos trabalhadores para simplesmente abrir e tapar buracos na terra.O que interessa é gastar dinheiro, sabendo-se que esse aumento inicial da procura cria muito mais procura pelo mecanismo multuiplicador e supre a necessidade em que a economia se encontra: a falta de procura.Curiosamente, antes mesmo da teoria de Keynes ter sido proposta, foi este o modo utilizado pelos países para saírem da Grande Depressão nos anos 30. O caso mais espectacular foi o da Alemanha. O Governo alemão nos anos 30 encontrou uma coisa em que gastar dinheiro que, embora não fosse nada produtiva, ocupava as pessoas: fabrico de armas. Hitler tinha chegado ao Poder em 1933 e estava muito atarefado em reconstruir as forças armadas alemãs, para objectivos muito seus.O que nos interessa aqui é que esta despesa do Governo, mesmo sem efeitos produtivos de aumento da capacidade, serviu para dar emprego a muita gente. Essas pessoas, como agora estavam a ganhar dinheiro, começaram a gastá-lo e isso aumentou a procura às empresas. Este efeito multiplicador explica o grande sucesso que, sem o saber, Hitler estava a ter na economia alemã, tirando-a da depressão, aumentando-lhe o potencial (que depois lhe permitiu suportar os custos de se lançar na II Guerra Mundial) e dando grande popularidade ao líder.Na mesma altura, os Americanos, com a política de gastos públicos do presidente Roosevelt (o New Deal), os Franceses e os Ingleses também estavam a sair da crise, através de políticas semelhantes, embora em menor grau.Repare-se que o mecanismo multiplicador, que funciona na subida, também funciona na descida. Foi assim que, em 1936, Keynes explicou a Grande Depressão após o crash da bolsa de 1929. Quando, numa situação destas, o Estado tem o cuidado de se acautelar, para compensar a descida e não deixar funcionar o multiplicador na descida, não há problemas. Foi por isso que, após recentes crashes das bolsas internacionais de 1987 e 1989, não houve depressão.Mas quando se atinge o rendimento potencial, o multiplicador deixa de funcionar. Mais procura não pode ser satisfeita, porque não há recursos para produzir mais, e o único efeito dessa pressão da procura é sobre os preços, subindo-os. Procurar resolver o problema do desemprego patente e estável é uma coisa, procurar estar sempre sobre o nível de pleno emprego é outra muito diferente. Normalmente, o resultado desta última tentativa é a inflação . O multiplicador só funciona bem quando a economia está num estado de depressão.Existem muitos exemplos disto, nos casos de inflação verificados nos países que se lançam em despesas públicas quando o país não está em depressão.

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É esta a grande lição deste modelo. Ele é, como vimos, um modelo de desequilíbrio. Pode não funcionar bem em todas as situações de desequilíbrio, mas o que ele não pode nunca é funcionar bem em situações de equilíbrio. O modelo de Keynes é um modelo de depressão, que explica o funcionamento da economia nessas situações extremas. Usá-lo noutro ambiente é causar erros graves.

3.2.4.1.5. Extensões do modelo

Embora nos tenha servido para obter muitos resultados, o modelo que vimos até agora é muito simples.

3.2.4.1.5.1. Impostos

É fácil de compreender que o total do consumo não deve ser determinado pelo rendimento, mas pelo rendimento disponível. O dinheiro pago em impostos, em princípio, é considerado perdido pelos agentes, e não afecta as decisões de consumo. Logo, estas só são afectadas pelo que fica depois de pagos os impostos ao Estado (T).

3.2.4.1.5.2. Mercado monetário

O mercado monetário keynesiano é muito parecido com o que vimos atrás.É impossível que o resultado deste mercado seja semelhante ao que já vimos porque, no modelo de Keynes, os preços são considerados constantes.Se os preços são fixos e o rendimento é determinado pelo mercado de bens (tal como no nosso modelo de equilíbrio, embora de forma diferente) só resta um elemento para ser determinado pelo mercado monetário: a taxa de juro . A taxa de juro fica livre de influências do consumo e pode ser determinada pelo mercado monetário. Logo, neste modelo, o mercado monetário, em vez de determinar o nível geral de preços, determina a taxa de juro.Repare-se que o mesmo modelo monetário que usámos no modelo básico tem aqui, no modelo keynesiano, consequências muito diferentes. A razão está no problema crucial que atrás referimos: a relação entre o lado monetário e o lado real da economia. Embora o lado monetário seja o mesmo, ele encaixa de forma muito diferente na parte real.Olhando para as relações do mercado monetário, vemos facilmente quais os termos em que elas devem agora ser tomadas, em termos da taxa de juro e não dos preços. A oferta de moeda continua a ser independente e a procura é agora decrescente com a taxa de juro (visto que esta é o custo de oportunidade de ter moeda, aumentando a velocidade de circulação quando sobe e, assim, diminuindo a procura de moeda).

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3.2.4.1.5.3. Efeito da taxa de juro na procura

Não temos explicitamente decisões intertemporais como se viu, mas isso é substituído, na visão keynesiana, pelas decisões de investimento e de consumo duradouro47.Visto que a taxa de juro pode ser tomada como o preço ou, mais exactamente, o custo de oportunidade de um investimento, ao subir a taxa de juro desce o investimento e o consumo.Este raciocínio reside na hipótese de que a taxa de juro é o custo do empréstimo que quem quer investir tem de fazer (ou se não tem, é o que deixa de ganhar por usar o seu dinheiro no investimento).É claro que esta ideia só capta parte da questão, porque esquece o benefício dessas decisões, que também está relacionado com a taxa de juro. O juro é o custo para quem investe ou compra a crédito, mas é o ganho para quem poupa e empresta. A taxa de juro é um preço como qualquer outro e, por isso, na sua determinação, tem de se ter em conta a procura e oferta. Além disso, e apenas no caso da taxa de juro, ela é um preço dinâmico, que mede o valor ao longo do tempo, o que lhe traz uma dificuldade acrescida.Deste modo, e tomando agora o investimento como parte da procura global, podemos escrever:

D = C + I + G

e, como é óbvio, o investimento (e o consumo duradouro que, para simplificar, incluímos no consumo normal) passa a ser incluído no efeito multiplicador, com um papel semelhante ao dos gastos públicos.

3.2.4.1.6. Choques na economia

A situação da economia (ou, segundo os keynesianos, a forma de a encarar) é diferente da desse outro modelo, pelo que os mecanismos, influências e resultados serão necessariamente diferentes. Mas a principal diferença é de um tipo mais profundo. Nesse caso, os ciclos eram causados pelas reacções dessa economia a funcionar bem, em relação a choques que a vinham perturbar. No modelo keynesiano, pelo contrário, a economia funciona mal. Os agentes são irracionais e os mercados são rígidos. É essa a razão de ser dos ciclos económicos, não as perturbações externas. Esta diferença de atitude é essencial para compreender as diferenças dos dois modelos.Além disso, há outras distinções secundárias que devem ser referidas. Uma das diferenças imediatas é que, dado que não há consideração das escolhas intertemporais do consumidor, aqui não há distinção entre efeitos permanentes e transitóri-

________________________________47 O consumo duradouro tem a ver com bens cujo consumo se desenrola ao longo do tempo. Casas, automóveis, frigoríficos e televisões são exemplo destes tipos de bens que, tal como os bens de investimento (máquinas produtivas, fábricas e armazenagem de produtos), dão utilidade ao longo de vários períodos.

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os, pois só há um período em consideração.

3.2.4.1.6.1. Choques na produção

Dado que existe excesso de capacidade e estamos abaixo da função de produção, alterações nessa função não têm impacto no ponto de equilíbrio.Se a descida da função de produção for tal que influencie o ponto de equilíbrio keynesiano, deixamos de estar numa situação de depressão. Então, o modelo keynesiano deixa de ser válido e caímos no modelo de pleno emprego, isto é, no nosso modelo básico.

3.2.4.1.6.2. Política monetária

Como a procura se mantém, as pessoas vão à bolsa comprar títulos, para se livrarem da moeda que não querem. Isso faz aumentar a procura de títulos, sobe-lhes o preço e cai a taxa de juro. O impacto no investimento repercute-se na economia através do multiplicador.

A subida do produto, devida ao efeito multiplicador, vai aumentar a procura de moeda, o que faz subir um pouco a taxa de juro, descendo o investimento e compensando, em parte, o efeito inicial.Este efeito de refluxo foi muito importante no debate económico. Este efeito ficou conhecido como «crowding out».A situação final é de aumento do produto, do consumo e do investimento e descida da taxa de juro. Este efeito é muito diferente do obtido no modelo de equilíbrio geral, onde o aumento da oferta da moeda tinha apenas um efeito inflacionista sobre os preços.

3.2.4.1.6.3. Aumento dos gastos financiado por dívida

Nesta perturbação, o resultado é mais parecido com o do modelo de equilíbrio, embora o mecanismo que gera esse resultado seja muito diferente. O impacto imediato da subida dos gastos é uma subida da despesa nacional que, depois, vai aumentar ainda mais, devido ao efeito multiplicador.Simultaneamente, como o produto sobe, sobe a procura de moeda, o que, como a oferta é a mesma, faz subir a taxa de juro, para repor a procura igual à oferta.Este é o efeito do aumento dos gastos.

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3.2.4.1.6.4. Aumento dos gastos financiado por impostos

Prova-se que o efeito líquido da subida dos gastos e dos impostos sobre a despesa é dominado pelo primeiro efeito.Como o produto sobe, sobe a procura de moeda, o que, como a oferta é a mesma, faz subir a taxa de juro mas menos que no caso anterior.

3.2.4.1.6.5. Aumento dos gastos financiado por emissão de moeda

A parte inicial do efeito deste choque é muito parecida com a dos dois casos anteriores: a subida dos gastos faz subir a despesa, o que aumenta o produto pelo multiplicador.Simultaneamente, como o produto sobe, sobe a procura de moeda, o que, se a oferta fosse a mesma, faria subir a taxa de juro. O efeito destas duas componentes deve fazer cair a taxa de juro. O impacto no investimento repercute-se na economia através do multiplicador.

Este modelo pode ser muito complicado introduzindo o exterior, etc., mas o essencial do mecanismo foi já apresentado. O ponto mais interessante, no que toca aos efeitos pragmáticos, é que, dado que a economia não se encontra numa situação de equilíbrio, mas sim num estado de depressão, o Governo pode usar os seus gastos ou os impostos para manipular a situação económica. Chama-se a isto a política orçamental.Segundo esta visão, a economia tem de ser continuamente acompanhada por uma política de estabilização onde, através de alterações do G e do T, se controla a procura agregada.

A análise global foi considerada como independente das decisões dos agentes económicos e do equilíbrio dos mercados. O aparecimento dos grandes computadores e o aperfeiçoamento das técnicas estatísticas permitiram a criação de grandes modelos numéricos, onde estas equações eram generalizadas, complicadas.Mas os modelos foram incapazes de prever, e a política de conjuntura incapaz de dominar a inflação do fim dos anos 60; e os choques da oferta dos anos 70 perturbaram este comportamento.Nesta altura, tomaram força os que defendiam a antiga teoria do equilíbrio e que tinham sido esquecidos durante décadas pela hegemonia keynesiana.A história deste debate, entre keynesianos e clássicos, foi muito longa. A grande abordagem deste tipo que, numa linguagem keynesiana, procurava defender a redução da intervenção do Estado foi o monetarismo, do qual o principal autor foi Milton Friedman.

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MILTON FRIEDMAN (n. 1912)Friedman tornou-se um incansável defensor de uma política económica

liberal, limitada ao controle do stock de moeda , o qual, pela equação das trocas, deveria ser alinhado pelo crescimento do produto, para evitar a inflação.

Uma nova escola de pensamento, conhecida por escola novo-clássica, procura, usando os avanços da técnica de análise económica, compreender a evolução da economia global a partir do comportamento dos agentes.

ROBERT E. LUCAS Jr. (n. 1937)Lucas, também da Universidade de Chicago, é, sem dúvida, o grande

expoente da escola novo-clássica e um dos maiores economistas de todos os tempos. O seu ataque ao modelo keynesiano é essencialmente metodológico. Os múltiplos trabalhos de Lucas têm construído e inspirado toda uma reconversão da análise da economia global, com influência não só no campo clássico, mas também no lado keynesiano, que está a reconverter muito da sua análise, sob a influência de Lucas.

E no centro do debate está a questão do papel do Estado na Economia.

3.2.4.2. O papel do EstadoNa segunda metade do século XX, a questão fundamental da política económica é, sem dúvida, a determinação de qual o papel do Estado? A nível global, a polémica é particularmente aguda. Em todos os níveis, essa discordância é tal que as posições extremas têm sido apresentadas e defendidas:

a) no funcionamento dos mercados,— os defensores do mercado livre, da mão invisível, são contra

o Estado, que se limita a ser o polícia dos contratos;— os defensores do socialismo extremo e do comunismo dão ao

Estado o papel de dirigir toda a economia;b) na gestão da conjuntura global do país;— os neoclássicos extremos defendem que a economia deve ser

deixada a si própria, e até que a única coisa que o Estado não pode deixar de fazer, a emissão de moeda, deve ser restringida por regras gerais;

— os keynesianos extremos pretendem que o Estado esteja sempre atento à economia, intervindo sempre que seja necessário;

c) no desenvolvimento económico, como veremos, há debate entre— os que defendem o planeamento estatal dos projectos de

desenvolvimento;— e os que querem liberdade de investimento e orientação de

mercado.

A atitude dos países que têm tido maior sucesso de política é intermédia: a economia mista.Na verdade, na maior parte das economias modernas, o Estado tem enormes responsabilidades económicas, tais como:— definir o quadro legal de funcionamento da economia, através

de leis, regulamentos, códigos de conduta, etc.;

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— intervir na afectação dos bens e recursos, sobretudo quando se verificam falhas na concorrência, existências de externalidades e discriminação, etc.;

— tomar um papel activo na redistribuição da riqueza e combate à pobreza;

— influenciar a conjuntura económica, quer pelo controle do sistema monetário e financeiro, quer pelo efeito que o orçamento de receitas e despesas estatais têm na economia;

— influenciar as empresas e os sectores nas suas decisões de investimento e inovação, na linha do desenvolvimento.

Esse papel não pode deixar de ser assumido directamente pelo Governo de qualquer país, quer se lhe chame ou não política orçamental, industrial, de conjuntura, de desenvolvimento, etc.Um problema essencial da evolução da economia e do efeito que o Estado pode ter na conjuntura, e que tem ocupado muitos autores recentemente, relaciona-se com as expectativas dos agentes. Vimos atrás que uma perturbação na economia tem efeitos, essencialmente, pela forma como é percebida pelos agentes. Se a generalidade dos agentes pensar que irá aparecer um choque do petróleo, tal pode ser suficiente para que se verifiquem os seus efeitos, mesmo que ele nunca chegue a realizar-se. Na verdade, aquilo a que atrás chamamos de «choques» ou «perturbações» é essencialmente uma perspectiva de alteração sobre a situação que se esperava iria acontecer.Assim sendo, é essencial, como Marshall e Keynes já tinham referido, perceber como os agentes «formam as suas expectativas», ou seja, como pensam que as coisas se vão passar. Um aspecto particular deste tema é o da credibilidade da política estatal. Um esforço de redução de inflação, por exemplo, que não seja percebido ou acreditado pelos agentes, está votado ao insucesso. Daí que o estudo das expectativas seja essencial.Uma outra linha teórica que tem grande interesse nestas questões é o estudo da escolha pública. Mas a influência do Estado torna a tomada pública de decisões tão importante como a privada. No fundo, o processo é parecido com o da economia privada, mas o que se transacciona não são bens e utilidade, mas influência e poder.Nestes termos, uma ditadura é tomada como uma situação de monopólio, enquanto uma democracia é um sistema concorrencial, onde os vários agentes participam com os seus interesses, quer através da influência no governo (jornais, manifestações, etc.), quer, sobretudo, pelo voto e pela negociação parlamentar.Todas estas complexas questões constituem a análise do problema económico global. E, se elas tornam necessária a presença do Estado na economia, complicam os problemas, pois o debate continua a existir a cada passo entre os que pedem intervenção do Estado e os que querem liberdade de acção. Mas nos últimos tempos, depois dos fiascos de excessos de regulação, de política de conjuntura e de planeamento, o pêndulo caiu para o lado da liberdade de mercado. Mas os excessos de intervenção já tinham sido motivados pelos falhanços ligados aos excessos de liberalismo do século XIX e início do XX. O pêndulo é provável que acabe por virar.Muito se tem dito, mas as regras básicas, centradas no equilíbrio e no bom senso, são:

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— Constatação clara do facto de que a política económica influencia a economia, para o bem ou para o mal;

— Os Governos têm outros interesses e influências a tomar em conta, para além das económicas, e por isso não se devem absolutizar estes aspectos;

— É preciso consciência, porém, de que todas as vezes que os Governos seguem essas outras preocupações sacrificam a economia (eficiência, estabilidade, crescimento, etc.); deve assegurar-se se vale a pena sofrer esse custo para conseguir esse outro fim

— Para atingir os objectivos económicos, o Estado tem de estar sempre atento (mas não necessariamente interveniente), seguindo de perto a evolução económica; assim, para abordar estas questões, o essencial é a prudência para evitar as situações extremas e profundamente desequilibradas, evitando as tentações paralelas do descuido e do perfeccionismo; na condução da política, como noutras situações, aplica-se a frase do economista argentino, Carlos Diaz-Alejandro, dirigida ao problema da taxa de câmbio, mas com alto grau de generalidade:

Tal como a taxa real de juro, a correcta taxa de câmbio real não é fácil de definir, de calcular exactamente, mas taxas reais de câmbio grosseiramente sobre ou subvalorizadas, tal como as girafas, não são assim tão difíceis de reconhecer à vista.

Definir «regras de jogo» claras, pondo todos os «jogadores», tanto quanto possível, em igualdade de circunstâncias, libertar os mercados, orientando-os mas evitando distorcê-los, e manter sob controle os orçamentos e as pressões inflacionistas, parece ser a melhor forma de conseguir uma economia a funcionar correctamente. Procurar ajustar perfeitamente o sistema é impossível, mas os grandes erros e problemas, tal como as girafas, saltam logo à vista.

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3.3. Interdependência mundialNeste capítulo serão tratados os problemas relativos às relações económicas internacionais. A maior parte das sociedades de hoje são economias abertas, ou seja, são economias que têm relações com o resto do Mundo. E que relações são estas? Como sabemos desde o início, todo o tipo de relações interessam à economia, pois toda a realidade pode ser analisada por meio desta metodologia.Por que razão se discutem de forma especial os problemas gerados pelo facto de a economia estar aberta? Não são eles iguais aos outros problemas? Por que razão o comércio internacional é diferente do nacional, ou a mobilidade internacional de capitais é diferente da interna? É verdade que geográfica, cultural e politicamente pode haver grandes diferenças entre os países. Na verdade, as trocas e movimentos de bens entre o Minho e o Alentejo não são, em si, diferentes das que se verificam entre o Alentejo e a Andaluzia.Em primeiro lugar, as regras do jogo – os quadros legais em que se desenrola a actividade económica – são diferentes entre países. Por outro lado, a moeda é diferente, o que cria não só obstáculos importantes como gera fenómenos novos que têm de ser estudados. Finalmente, o próprio comportamento do Estado na actividade económica é diferente. Os gastos públicos e os impostos, as dívidas interna e externa, o montante emitido de moeda, são diferentes de país para país. A tudo isto junta-se a segurança que o Estado cria para as transacções internas e que falta nas internacionais, bem como os normais obstáculos culturais, geográficos, etc.Para um português, é mais fácil e seguro vender para Braga do que para Sevilha, mesmo que esta última esteja mais perto, e é mais fácil emigrar para Lisboa que para Paris. Por isso, a fronteira política pode ser, de facto, uma certa barreira económica. A fronteira entre Portugal e Espanha é, em termos económicos, muito mais importante que a que existe entre o Alentejo e o Ribatejo, ou até entre os Açores e o Continente.A necessidade de estudar, isoladamente, as relações internacionais e o efeito de abrir a economia ao contacto com outras economias tem dois efeitos:

• por um lado, têm de ser estudados, de novo, movimentos económicos equivalentes aos que se faziam internamente, mas que agora se fazem passando por cima da fronteira;

• além disso é necessário estudar os impactos que a economia externa tem sobre o comportamento da economia interna.

Dado que as diferenças entre países são do tipo mais variado, teremos de centrar a nossa atenção em certos casos especiais. Um deles, o mais importante para nós, é o caso dos países que se esforçam por se unir, esbatendo as diferenças e juntando os seus sistemas económicos, aumentando a sua dimensão pela junção. O caso mais extraordinário de integração económica é a União Europeia, que hoje nos interessa muito e que frequentemente referiremos.

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3.3.1. A balança de pagamentosA balança de pagamentos é o registo de todos os fluxos económicos que se fazem através da fronteira, ou seja, das relações económicas da sociedade com o exterior. A «regra das partidas dobradas» exige que, para evitar erros, cada transacção seja registada duas vezes, mas com sinais contrários.Por exemplo, uma exportação, na qual enviamos bens para o exterior e recebemos dinheiro em pagamento, é registada na balança de pagamentos lançando num local a saída dos bens e noutro a entrada do dinheiro.A balança de pagamentos está dividida em contas ou balanças, cada uma referente a um tipo de transacção. Em cada conta, para além de se referenciar o tipo de transacção, indica-se a forma como ela é registada.— A balança de mercadorias (BM) regista as exportações, ou vendas

(+, crédito) e importações ou compras (–, débito) de bens (mercadorias).

— Segue-se a balança de serviços, com as exportações ou vendas ao estrangeiro (+, crédito) e importações, compras (–, débito) de serviços, ou seja, de transportes, turismo, etc. A soma algébrica destas duas balanças chama-se balança comercial.

— Depois vem a balança de rendimentos, onde se registam os pagamentos de salários, juros, rendas que os nossos trabalhadores e investidores recebem do estrangeiro (+) e os nossos pagamentos a trabalhadores e investidores estrangeiros (–).

— A seguir temos a balança de transferências unilaterais (Btranf), com as ofertas de dinheiro feitas por eles a nós (+), e por nós a eles (–).

— O total (algébrico) destas quatro balanças chama-se balança corrente (BC), porque trata de transacções (de bens, serviços e remuneração de factores e transferências) realizadas neste período e com efeitos também neste período.

— A balança de capitais (BK) regista as entradas de dinheiro no nosso país (investimentos em Portugal feitos por estrangeiros, compra de acções de portugueses por estrangeiros, empréstimos a portugueses feitos por estrangeiros, letras passadas a estrangeiros por nacionais) como crédito (+) e as saídas de dinheiro como débito (–) (operações inversas)48.

Normalmente a balança de capitais divide-se em balança de capitais a médio e longo prazo (Bkmlp) (investimentos, compra de acções, empréstimos a mais de um ano) e a curto prazo (empréstimos a menos de um ano, letras), devido ao diferente impacte económico destas operações49.Para além disso, o registo dos movimentos de capitais é repartido em duas balanças principais, a chamada balança de capitais propriamente

________________________________48 Não se deve esquecer que o pagamento de juros desses empréstimos aparece atrás, na balança de rendimentos. Actualmente, a balança de pagamentos distingue nos movimentos de capitais uma «balança de capitais» e uma «balança financeira». Esta última regista os movimentos de capital financeiro (acções, obrigações, etc.). Esta distinção não é muito importante para o nosso tipo de análise.49 Na balança de capitais a curto prazo são normalmente incluídos os erros e omissões do cálculo estatístico. Algumas imperfeições de medida e transacções não registadas (por exemplo, as ilegais, como o contrabando) manifestam-se num local da balança (por exemplo ao nível das reservas, pois o dinheiro sai ou entra), mas sem contrapartida identificável. Assim, coloca-se aqui esta parcela (nem sempre pequena) para compensar.

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dita, que regista as transferências de capital, e a balança financeira, que se ocupa das transacções de títulos financeiros. Esta última balança é muito diversificada, pois como vimos existem muitos tipos e formas de capital. A distinção mais frequente é feita entre as balanças de Investimento directo, Investimento de carteira, Derivados financeiros e Outro investimento.O total (algébrico) da BC com a BK dá a balança de operações não monetárias (BONM), ou variação dos activos de reservas. Esta balança regista pois o efeito líquido de todas as transacções entre a economia e o exterior. E se esse efeito líquido não é zero, significa que o país, nesse período tem de pagar ou receber dinheiro. A BONM, se é positiva, significa que devido a todos os tipos de operações feitas, entrou mais dinheiro do que saíu. Se é negativa, quer dizer o inverso.— As operações monetárias ou variação de reservas são o último tipo

de transacção. Como são uma compensação, se aumentaram as reservas, regista-se a subtrair (débito), e inversamente se diminuírem.

Deste modo, o saldo da balança de operações monetárias tem de ser igual e de sinal contrário ao da balança de operações não monetárias. A soma algébrica das duas é, portanto, zero. Este facto não pode ser uma surpresa, pois, como cada movimento foi sempre registado duas vezes com sinais contrários, a soma de todos os registos tinha de ser nula. É este o truque das «partidas dobradas».

Balança comercialBalança de RendimentosBalança de TransferênciasBALANÇA CORRENTE (BC)Balança de capitalBalança financeira

Investimento directo Investimento de carteira

Derivados financeiros Outro investimento

Activos de reserva (BONM)BALANÇA DE PAGAMENTOS = 0

+Exportaçõesdo exteriordo exterior

Entradas KEntradas K

Diminuições

-Importaçõespara o exteriorpara o exterior

Saídas de KSaídas de K

Aumentos

Como actualmente Portugal participa da União Monetária Europeia, as nossas liquidações oficiais são feitas no quadro do Banco Central Europeu pelo que a BLO deixou de ter valor significativo.Uma exportação é crédito da BC, e o débito será:— na balança de reservas se o pagamento foi em dinheiro;— se foi recebida uma letra (ficou a dever) é débito da balança Bkcp

(Balança Financeira, Outro Investimento).Uma importação, naturalmente, é o registo inverso (débito na BC e crédito na correspondente).Uma remessa de emigrantes é um crédito da Btranf e débito nas reservas de bancos.Um investimento de Portugal no estrangeiro é débito da Bkmlp (Balança Financeira; investimento directo) e crédito nas reservas dos bancos.Note-se que, visto o saldo da balança de pagamentos ser sempre nulo, ou seja, a soma da BONM e das variações de reservas dos bancos (balança de operações monetárias) dá zero, não se deve falar em saldo da balança de pagamentos. Quando se usa essa expressão, o que se

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pretende dizer é, normalmente, o saldo de uma das balanças parciais. As mais usadas são a BM, BC ou BONM. Deve notar-se que cada uma delas regista transacções diferentes (a BONM é mais geral que a BC, a qual é mais geral que a BM). Por isso, a escolha tem a ver com o problema particular que se está a estudar. Pode-se usar a que se quiser, desde que se tenha consciência do que se está a medir com ela.Uma outra distinção importante tem a ver com a separação entre as operações autónomas, que são as que os agentes fazem por si, e as não autónomas, que são as que o Estado é levado a fazer, para compensar as autónomas. Para compensar o défice ou excedente, o Estado é obrigado a intervir, perturbando os saldos.Por exemplo, um investimento directo de uma empresa estrangeira é um crédito autónomo na Bkmlp, mas um empréstimo em moeda estrangeira que o Estado tem de fazer para financiar a dívida externa acumulada, embora seja também um crédito na Bkmlp, tem uma natureza diferente.Normalmente, o Estado, se tem um défice (um excedente é o contrário), tem duas alternativas: ou o financia, endividando-se, pedindo emprestado e provocando entradas de capitais que o compensam (BK); ou o liquida, pagando em divisas, reduzindo as reservas (BLO).Uns acham que a BM ou BC são as melhores, pois não têm movimentos de capitais, muitos dos quais se devem à gestão da dívida externa por parte do Estado, logo não autónomas. Outros dizem que a BONM é a balança que mais se aproxima da medição do saldo da totalidade dos movimentos autónomos.

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3.3.2. O comércio internacionalA primeira relação que apareceu entre povos diferentes foi, sem dúvida, a do comércio de bens. Por que razão se troca? Porque as pessoas (os países) não são iguais, e ganham em bam-estar e utilidade se trocarem. Como vimos atrás, numa troca, os dois lados ganham. No campo internacional, essas diferenças manifestam-se em duas linhas:

— Os países podem ter diferenças na capacidade de produção. Certos tipos de características físicas (clima, recursos naturais, etc.) ou aptidões (cultura, tradições, características psicológicas) são diferentes.

— Mas mesmo que todos os países produzissem o mesmo, poderia haver razões para o comércio. Basta que, para isso, haja diferenças de gostos. Se dois países produzissem chá e café, mas cada um deles gostasse de uma das bebidas, diferente da do vizinho, o comércio seria muito intenso.

— Finalmente, mesmo que os países fossem exactamente iguais em gostos e produções, poderia ainda haver razão para a troca, se houvessem rendimentos de escala crescentes. Se um país produzir 20 custando menos que produzir 10, há razão para o país produzir para todos e os outros comprarem-lhe.

A forma como esse comércio funciona é muito simples. Se as diferenças forem significativas, o preço interno de cada país será diferente.

Se dois países (1 e 2) apresentarem preços diferentes para o mesmo bem (p1 e p2), então é possível encontrar um preço intermédio (p*), para o qual o excesso de oferta de um (igual a E, no país 1) é igual ao excesso de procura do outro (1, no país 2). Então, esse excesso de oferta do país 1 (E) pode ser exportado para o país 2, que o importa. Esse preço p*, que é o preço de equilíbrio internacional, pode ser visto como um preço de equilíbrio interno em cada país, se adicionar a procura externa de exportações ao país 1 (Dx) e a oferta externa de importações ao país 2 (Sm) nos respectivos locais, como o indica o gráfico seguinte:

Neste caso, como é normal, o bem é exportado pelo país que tem o preço interno mais barato e importado pelo que tem o preço mais elevado. A quantidade exportada será o excesso de oferta ao preço

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pp2

p1p*

p

q q

SS

DD

E I

PAÍS 1 PAÍS 2

pp2

p1p*

p

D1

q q

D2

S1

S2

D1'=D1+Dx

S2'=S2+Sm

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internacional (E) e a quantidade importada o excesso de procura no país importador (I).Mas o caso mais normal é que o país se abra ao comércio com o mundo, e não possa escolher o preço, pois é demasiado pequeno para alterar o preço do bem. É claro que ser pequeno, neste sentido económico, não se refere à dimensão do país, mas significa que a procura e oferta desse bem no país é insignificante face à produção e consumo mundiais do bem. Deste modo, Portugal, país pequeno em dimensão, pode ser grande na produção de alguns bens, como a cortiça ou o azeite.Assim, o país exporta ou importa se o preço interno está abaixo ou acima do preço internacional, o qual é determinado pela procura e oferta mundiais.Uma das questões mais debatidas no comércio internacional é: quem ganha e quem perde com o comércio? Esta questão está ligada ao facto de muitos países terem criado impedimentos ou barreiras ao comércio com os outros países, sobretudo às entradas de bens estrangeiros.No fundo, a questão de ganhos e perdas na troca (qualquer troca) é muito simples de avaliar. Neste caso, a situação é a seguinte:— no país que exporta, ganham os produtores (que produzem mais e

mais caro) e perdem os consumidores (que têm menos quantidade e mais cara para consumir);

— no país que importa, ganham os consumidores (que têm mais e mais barato para consumir) e perdem os produtores (que produzem menos e mais barato).

É claro que não se pode dizer à partida qual o saldo em cada sociedade, pois isso significaria fazer juízos de valor sobre a utilidade das pessoas, o que não é função da ciência mas da ideologia. Pode ser que os que percam sejam mais simpáticos, mais bonitos ou mais úteis do que os que ganham. No entanto, em termos de análise estritamente de eficiência, podemos dizer o seguinte:— no país que exporta, os consumidores (que perdem) são

economicamente menos importantes (foi por gostar pouco do bem, no país, que o preço desceu e ele foi exportado) e os produtores do bem (que ganham)são os que pesam mais (é por se produzir muito do bem que ele é exportado); logo, em termos líquidos, o país ganha;

— no país que importa, os produtores (que perdem) são menos importantes (foi por se produzir pouco do bem que ele foi importado) e os consumidores do bem (que ganham) são os que pesam mais (é por se gostar mais do bem que ele é importado); logo, em termos líquidos, o país ganha.

Em cada país, a troca faz com que haja mais ganho que perda e, por isso, é sempre possível que os que ganham indemnizem os que perdem, ainda lhes sobrando alguma coisa dos seus ganhos. Mais uma vez se vê que numa troca os dois lados ganham. Se isso for feito, ninguém fica pior e há alguns que ficam melhor, ou seja, houve uma melhoria de Pareto.Mas há um problema, no caso (normal) em que esta transferência não é feita: os que ganham estão felizes, mas os que perdem protestam. No caso do país exportador, os que perdem são os consumidores, mas cada um deles perde pouco (pois o peso de cada pessoa no consumo desse bem é necessariamente pequeno). E como os que ganham, mesmo que sejam poucos, ganham muito (pois a produção desse bem é o seu modo de vida), eles têm grande interesse em forçar o seu ganho.

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Mas, no caso do país importador, os que perdem são os produtores (que são poucos), mas cada um deles perde muito, logo têm grande interesse em impedir a sua perda. E como os que ganham (os consumidores) são muitos, mas cada um ganha pouco (mais uma vez porque aquele bem tem pouco peso para aquele consumidor), têm pouca motivação e interesse em forçar o seu ganho, pelo que, aqui, vai aparecer a motivação anticomercial: os produtores do bem no país importador vão tentar impedir a importação.Mas não será verdade, de qualquer maneira, que a existência de troca internacional sugere sempre a ideia de que o país poderoso vende tudo, fica rico e os pequenos países, pobres, que não lhe conseguem vender nada, compram-lhe tudo e ficam expoliados? Não será melhor os países pequenos e pobres protegerem-se e produzirem internamente o que consomem?Esta ideia mantém-se como um dos erros mais antigos e teimosos que a Economia defrontou na sua história. No entanto, ele foi resolvido logo nos inícios da teoria económica, em 1817, por um dos pioneiros, já nosso conhecido: o grande David Ricardo. Nesse livro, ele apresentou um dos teoremas mais elegantes da Economia, a ideia da vantagem comparativa. O resultado desse teorema é que, mesmo que um país fosse mais eficiente que os outros em todas as produções, teria ainda interesse em trocar com os outros, tal como um país que fosse menos eficiente em tudo.A maneira mais fácil de perceber esta ideia é com a história do doutor que é, simultaneamente, o melhor médico e o melhor dactilógrafo da zona. Será que, embora ele seja muito melhor, não terá vantagem em contratar um dactilógrafo? É claro que, embora ele faça bem tudo, ele não tem tempo para tudo, e por isso deve especializar-se naquilo em que ele seja relativamente melhor. Embora ele seja melhor médico e melhor dactilógrafo que o jovem dactilógrafo, a sua vantagem como médico, em relação a ele, é muito superior à sua vantagem como dactilógrafo (na verdade o rapaz pode dactilografar mas não poderia tratar ninguém). Assim, embora os relatórios fiquem pior dactilografados do que se fosse o médico a fazê-lo, toda a gente fica melhor, porque cada um especializou-se naquilo em que era, relativamente, melhor.O exemplo que Ricardo usou, quer na sua argumentação na Câmara dos Comuns, quer, depois, no célebre capítulo 7 do seu livro Princípios de Economia Política e Tributação [Ricardo (1817)], foi centrado no comércio de vinho e tecidos, entre Portugal e a Inglaterra. Ricardo disse que, em ambas as produções, Portugal era mais eficiente que a Inglaterra, pois usava menos horas de trabalho para produzir uma unidade de cada produto.

Horas de trabalhopor unidade produzida

Preço relativoconsequente

InglaterraPortugal

Tecido100 90

Vinho120 80

Pv/Pt1,200,88

Partindo do princípio que os produtos são apenas produzidos com trabalho (e que a oferta determina o preço), o que Ricardo fez, para simplificar, foi determinar o preço de cada produto com base no número de horas de trabalho na produção.Assim, em Inglaterra, como o vinho leva 120 horas a produzir, contra 100 horas do tecido, o preço do vinho deve ser maior que o do tecido, nessa

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proporção (preço do vinho, em relação ao do tecido 120/100 = 1,2). Em Portugal, ambos os valores de horas são mais pequenos do que os valores dos ingleses, como vimos. Mas o do vinho é, relativamente, ainda mais pequeno que o do tecido, em relação à Inglaterra. Na verdade, em Portugal é mais fácil produzir vinho (80 horas) que tecidos (90 horas). Aliás, o rácio das horas, que dá o preço relativo do vinho face ao do tecido, é muito menor que na Inglaterra (80/90 = 0,88).Assim, o preço relativo de uma unidade de vinho é de 1,2 unidades de tecido em Inglaterra e de 0,88 unidades de tecido em Portugal. Logo, embora Portugal seja mais eficiente absolutamente nas duas produções, ele, entre as duas, é mais eficiente relativamente na produção de vinho. Portugal tem vantagem comparativa no vinho. Se o preço relativo do vinho for fixado entre 1,2 e 0,88, é melhor que Portugal só produza vinho e que a Inglaterra só produza tecido, e que troquem, pois os dois países ficam melhor do que em qualquer outra alternativa. Assim se mostra que todos ganham com o comércio.Antes de Ricardo, já Smith sabia que não havia comércio quando as diferenças de custos eram iguais (Vp/Vi = Tp/Ti). E pensava que só havia comércio quando havia uma diferença absoluta (ou seja, quando um país é melhor que o outro numa produção e o segundo é melhor que o primeiro na outra; no nosso exemplo seria se Vp/Vi<1<Tp/Ti). Ricardo, com o teorema da vantagem comparativa, demonstrou que, para haver comércio, não era preciso que houvesse vantagem absoluta mas quando há diferenças de custo relativas (Vp/Vi≠Tp/ti).

3.3.2.1. Política comercialApesar de os economistas sempre terem dito, baseados nas ideias de Ricardo, que o comércio é vantajoso para todos, houve sempre quem defendesse que o país se devia proteger da concorrência estrangeira. Aliás, esta foi uma das principais razões para os países instituírem fronteiras, que facilitam o controle dos movimentos externos. Ao longo dos tempos, apareceram muitos meios de «proteger» o país contra a invasão de produtos externos:

— cobrança de tarifas ou direitos aduaneiros impostos sobre os produtos importados, que por isso lhes sobem o preço, tornando-os menos apetecíveis ao consumidor. Em épocas mais recuadas, este era o meio mais utilizado para o Estado obter receitas;

— colocação de quotas ou contingentes que fixam quantidades máximas de importação;

— outros meios, como leis de protecção ao consumidor, que são, na realidade, proibições de importação, etc.

A análise do efeito de uma tarifa é fácil de fazer: trata-se de um imposto sobre o preço internacional.A quota é igual, só que em vez de se fixar um imposto sobre o preço, fixa-se a quantidade que se pode importar. Há uma outra diferença importante. É que, além disso, não há receita para o Estado, como na tarifa. O ganho, neste caso, é para os poucos que têm acesso às licenças de importação, que compram barato e vendem caro (preço da procura a essa quantidade).Assim, a tarifa equivale a uma quota, mas a quota, reduzindo ou eliminando a possibilidade de troca, é pior porque distorce mais,

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forçando o equilíbrio e fazendo reverter para alguns o benefício da distorção.Quem ganha e quem perde com o proteccionismo (tarifas e quotas)? Ou seja, por que razão as barreiras são colocadas? Quem ganha são os produtores e trabalhadores nacionais do produto que era importado, e que agora já não pode ser sem sofrer custos adicionais. Estão protegidos da concorrência externa e as suas ineficiências não são atacadas pelo mercado.Quem perde é todo o resto da sociedade, sobretudo os consumidores do bem, que pagam as ineficiências dos produtores nacionais. Mas é claro que como os consumidores nacionais pagam mais pelo mesmo produto têm menos dinheiro para comprar as outras coisas. Trata-se de mais uma manifestação da interdependência económica. Alguns gostam de sublinhar o caso de o produto protegido ser uma matéria-prima, pois aí os consumidores são empresas e a sua perda vem registada nas suas contas. Mas em todos os casos o custo é igual, mesmo que não apareça na contabilidade.O saldo destes ganhos de alguns e de perdas de outros é como vimos, negativo, porque estamos a criar e a manter uma ineficiência. Era melhor que se importasse e até, se fosse preciso, que se deixasse de produzir esse bem, dedicando-se o país a outro sector em que tivesse vantagem comparativa.No fundo, as barreiras alfandegárias equivalem a estradas com buracos, ou outros tipos de custos adicionais de troca.Mas, embora o saldo seja negativo, há, nas sociedades de hoje, muitas barreiras ao comércio. Porque este é um dos casos em que a democracia funciona mal : quando poucos ganham muito, e todos perdem pouco, os que ganham têm motivo para tentar influenciar a decisão que lhes dá o ganho, até conseguirem o que querem, enquanto os que perdem não têm razão suficiente para resistir.O facto de as barreiras serem muito frequentes, e não terem justificação económica válida, levou, ao longo dos tempos, ao aparecimento de muitos argumentos para a justificar. Vale a pena avaliarmos, brevemente, as principais razões invocadas como justificação para o proteccionismo.

3.3.2.1.1. Motivos não económicos

Segundo esta linha de raciocínio, é preciso colocar barreiras para proteger esta indústria devido a razões não económicas (defesa, cultura nacional, etc.), que se sobrepõem à eficiência. Pode tratar-se de justificação válida, pois, como dissemos atrás, a eficiência não é o único critério de decisão. Mas devem ter-se algumas cautelas nesta linha de raciocínio:i) confirmar se é mesmo isso que a sociedade quer, ou se

não será um motivo económico (ganhos para a indústria a proteger) disfarçado de interesse nacional;

ii) em particular, é importante saber se a sociedade está disposta a pagar os custos de ineficiência que resultam dessa barreira, para ter o tal benefício não económico;

iii) mesmo que o motivo seja válido, é normalmente melhor usar subsídios, e não cobrar tarifas ou quotas; se o governo e o povo querem manter essa produção, devem

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pagá-lo directamente, de forma visível e aberta à discussão (em subsídios) e não reflectir o custo disfarçadamente sobre os consumidores do bem.

3.3.2.1.2. Motivos económicos inválidos

Vários motivos têm sido apresentados ao longo dos anos, como justificação para o proteccionismo:i) Produzir e comprar internamente é bom porque acumula

reservas e poupa moeda estrangeira (divisas). – Esta é a ideia mercantilista de uma corrente doutrinal do século XVIII. O seu erro baseia-se no facto de a acumulação de reservas (na altura de ouro, hoje de divisas) ser vista como um bem em si.

ii) Temos de proteger os produtores nacionais deste sector da concorrência externa. – Trata-se de uma justificação económica que vai directamente à questão central.

iii) Temos de evitar a concorrência do trabalho estrangeiro barato. – Alguns reparos têm de ser feitos a este raciocínio. Em primeiro lugar, não interessa o trabalho ser barato ou não, mas sim ser barato face à sua produtividade (o médico, apesar de o seu trabalho ser caro, não tem medo da concorrência do mineiro). Se um país é pouco produtivo, mesmo que pague pouco aos trabalhadores, não consegue vender mais barato.

Mas, mesmo se, para trabalho igual, o custo interno é maior, então temos um caso de vantagem comparativa: o país deve largar as produções em que não é tão eficiente, para se especializar naquelas em que é mais competitivo. E sabemos que essa indústria em que se é competitivo, existe pela vantagem comparativa.É claro que pode acontecer que os salários internos estejam muito altos para a sua competitividade; nesse caso os salários devem descer, pois assim o país não é produtivo.Finalmente, se existe uma situação em que o país nosso concorrente, de forma artificial, reduz o preço dos seus produtos ao pagar salários demasiadamente baixos, alterando assim a vantagem comparativa, é claro que tal situação não é sustentável. Mas, enquanto dura, a questão que se põe é: se o trabalho externo é barato, os consumidores internos devem poder aproveitar-se disso50.iv)Retaliação: Nós somos pelo comércio livre, e se os outros

o praticassem nós eliminaríamos as nossas barreiras, mas como os outros países se protegem, é justo que nós o façamos.

Mas se os outros fazem asneiras não é razão para nós as fazermos. Porque um país vizinho tem as estradas esburacadas, não é razão para fazermos buracos nas nossas estradas.A única justificação válida que daqui ressalta é dizer que a ameaça de criarmos barreiras à importação dos produtos estrangeiros pode induzir os outros países a reduzir as suas

________________________________50 Pode dizer-se que não se devem comprar produtos desses países, por solidariedade com os trabalhadores aí explorados, mas isso cai dentro dos motivos não económicos, aplicando-se o que acima se disse.

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barreiras, ficando todos a ganhar. Trata-se de um argumento semelhante à dissuasão nuclear. Pode funcionar, mas é igualmente perigoso se gerar uma escalada proteccionista, como a primeira gerou a corrida aos armamentos.Outras justificações deste tipo são baseadas na constatação de que os outros países têm práticas de concorrência pouco correctas (subsídios do governo à produção, práticas de dumping51, etc.). A resposta é a mesma e, quando muito, pode haver justificação para subsidiar a empresa (ou, por exemplo, para ajudar a sua reconversão tecnológica), mas não para pôr barreiras.

3.3.2.1.3. Motivos económicos dinâmicos

i) Tarifa óptima – Se um país tem grau de monopólio (ou seja, é um «país grande» relativamente a certo mercado), a distorção que o monopólio introduz pode justificar uma nova distorção, que é a tarifa. A tarifa, ao reduzir a nossa procura de bens importados, faz descer os preços mundiais desse bem (embora faça subir o preço interno desses bens), pois o país é um grande cliente. Ao descer os preços dos bens que importamos relativamente aos de exportação, faz subir os termos de troca. Isto só se passa nos países grandes, e é devido à ineficiência do monopólio. Se se conseguisse eliminar todas as ineficiências (monopólio e barreiras) era muito melhor, mas se não se consegue, pode ser melhor pôr a barreira.

ii) Indústria nascente – Este é um dos mais antigos argumentos: pôr a barreira para proteger e ajudar uma indústria que acabou de se fundar e que, por isso, tem dificuldades em concorrer com as empresas estrangeiras, mais experientes. Em primeiro lugar é preciso ver mesmo se a nova empresa precisa de ajuda. A invocação da semelhança com um bebé desprotegido pode ser muito errónea no mercado.Depois, se se verifica a necessidade de haver ajuda, a sociedade pode estar disposta a sacrificar-se já agora para, no futuro, ter a empresa a funcionar, mas é preciso que esse ganho futuro volte à sociedade. Assim, é importante que seja definido o prazo da ajuda e que, após esse período, a empresa devolva à sociedade o que dela recebeu. Se não for assim, os ganhos são menores que os benefícios, e não deve haver ajuda. Por fim, é normalmente melhor dar subsídios que pôr tarifas, pois tudo fica mais claro, e pode-se dirigir o custo sobre quem deve ou quer pagar.

iii) Redução de desemprego – Outro raciocínio possível consiste em dizer que, dado que a economia se encontra distorcida e há desemprego, a nova distorção das barreiras pode melhorar a situação. Outros são mais simplistas no raciocínio: proteger a indústria é uma manei-

________________________________51 Chama-se dumping à prática de vender, com prejuízo, abaixo do custo para eliminar a concorrência e depois ficar monopolista.

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ra de reduzir o desemprego, pois faz subir as exportações e reduzir as importações.Só quando o país está numa situação de depressão (caso keynesiano) é que o desemprego involuntário é uma distorção. Pôr barreiras como resposta a um problema interno é uma forma de ainda prejudicar mais o mercado e esportar o desemprego, distorcendo a economia dos parceiros (conhecida por política de empobrecimento do vizinho, beggar-thy-neighbour). Reduzir o bem-estar dos outros países, para ter um alívio artificial e, quando muito, temporário do nosso desemprego, com custos elevados, não parece ser muito boa ideia.

Todos estes argumentos continuam a ser invocados, sobretudo pelas indústrias interessadas na barreira, mas nas últimas décadas tem-se assistido, apesar de vários recuos importantes, a uma descida geral do proteccionismo, graças a uma maior compreensão da importância da redução de barreiras.O GATT (General Agreement on Trade and Tariffs) é um acordo que proíbe certas práticas (subsídios à exportação, etc.), e que promove negociações para reduzir as barreiras dos países. Usa três regras essenciais.1.º A regra da reciprocidade: se um país desce as barreiras

em relação a outro, o outro deve responder da mesma forma52.

2.º A regra da não discriminação ou nação mais favorecida: um país deve aplicar a todos os outros países do GATT a barreira mais baixa que aplique a qualquer deles.

3.º A regra da transparência: as tarifas (barreiras claras e transparentes) devem sempre ser preferidas às barreiras quantitativas.

Deste modo, a protecção passa a ser definida em tarifas e, depois, uma descida de barreiras repercute-se por todos os outros países e gera mais descidas.Outra consequência da compreensão da importância da descida das barreiras é o aparecimento de «uniões aduaneiras» ou «comunidades económicas», um pouco por todo o mundo. É o caso da CEE e do projecto de 1992, do «espaço económico europeu» e da União Económica e Monetária, mas também de muitos outros acordos de comércio livre, por todo o mundo.É sempre difícil de resistir ao sentimento, artificial e enganador, de protecção e segurança que a barreira alfandegária dá.

________________________________52 Note-se que, em termos económicos, a regra da reciprocidade não faz sentido, pois quem sofre com as nossas barreiras somos, sobretudo, nós, e devemos baixá-las mesmo que os outros não as baixem. No entanto, esta regra tem sido muito útil para, politicamente, justificar as descidas das barreiras.

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3.3.3. Os movimentos de capitaisO raciocínio aqui é muito parecido com o anterior, pois aquilo que se passa no mercado dos bens também se passa no mercado financeiro.As quantidades importadas ou exportadas de capitais (pedidos ou oferecimentos de empréstimos) são determinados pelos excessos de procura ou oferta interna de capitais, à taxa intermédia.Se o país for pequeno, sem influência na taxa de juro mundial, ele terá tendência para se aproximar dessa taxa de juro internacional, tendo uma balança de capitais negativa ou positiva conforme a sua taxa de juro interna esteja abaixo ou acima da internacional.Aliás, existe uma maior ambiguidade, pois, na visão popular, parece ser bom que os estrangeiros venham investir cá (importações de capitais), mas depois também se diz que eles vêm cá comprar o que é nosso, e que devemos proteger-nos da invasão de capital estrangeiro. Mais uma vez, a liberdade de mercado geral, excepto em situações anormais, é a situação mais eficiente.Cada vez mais, os investidores lançam os seus fundos na melhor alternativa, mesmo que tal seja no exterior. As bolsas dos grandes centros, Nova Iorque, Londres e Tóquio, entre outras mais pequenas, estão cada vez mais ligadas, constituindo hoje quase mercados mundiais de capitais.

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3.3.4. Problemas monetários internacionaisEstes problemas nascem de um facto algo insólito, mas corrente no dia-a-dia: cada país usa um bem diferente como moeda. São todos bens muito parecidos (moedas de metal, notas, moeda escritural ou informática), mas, de forma artificial (chamando nomes diferentes a coisas quase iguais), cada país tenta manter a independência da sua moeda. Por isso, a barreira de conversão do valor entre moedas é mais um obstáculo às relações internacionais.A moeda estrangeira é um bem como outro qualquer, cujo preço (a taxa de câmbio) é determinado pelo mercado. Existe uma procura de moeda estrangeira por parte de todos que querem importar, que querem enviar transferências, rendimentos e capitais lá para fora, etc., o que só podem fazê-lo na moeda externa. Existe uma oferta de moeda estrangeira, por parte de todos os que exportaram, que receberam transferências, rendimentos e capitais lá de fora, etc., e que querem converter a moeda estrangeira na nacional, para poderem fazer compras cá.O equilíbrio entre estas duas curvas determina a taxa de câmbio, ou seja, quantas unidades da nossa moeda temos de dar pela moeda deles.Se Portugal, por qualquer razão, tem um aumento no desejo de produtos ou capitais americanos, e aumenta as importações, a procura de moeda estrangeira aumenta. Isso quer dizer que, com a antiga taxa de câmbio, temos um excesso de procura de moeda estrangeira, que se revela num défice na balança de operações não monetárias. Se o preço da moeda estrangeira subir (que é uma valorização do dólar face ao escudo, ou seja, uma desvalorização do escudo face ao dólar) para o novo equilíbrio, a balança torna a equilibrar.Daqui sai uma conclusão imediata: só há saldos na balança (positivos ou negativos) se a taxa de câmbio não se puder ajustar (for fixa ou, pelo menos, não perfeitamente flexível). Se a taxa for perfeitamente flexível, como qualquer outro preço, a oferta é igual à procura e a balança está sempre equilibrada.A taxa de câmbio, tal como a taxa de juro, é um dos principais preços da economia. A forma como o governo olha para a taxa de câmbio varia de país para país, criando vários regimes de taxa de câmbio ou de políticas cambiais. Os mais importantes são os seguintes:1) taxa de câmbio perfeitamente flexível ou flutuante. Assim, como

vimos, o mercado cambial está sempre em equilíbrio e a balança de operações não monetárias está sempre equilibrada.

2) o extremo oposto é o de taxa de câmbio perfeitamente fixa. Assim, o mercado cambial está normalmente desequilibrado.Neste regime, o governo tem perfeito controlo sobre a taxa de câmbio, mas perde o controlo sobre as reservas, que são o que se pretende.Antes de continuarmos, é bom ver duas variantes do regime de câmbios fixos que têm alguma importância na realidade.1. O primeiro caso é uma perversão frequente deste regime de

câmbios fixos. Trata-se do caso em que o nível a que a taxa de câmbio é fixada por lei é muito diferente do nível onde se costuma dar o equilíbrio.Nesse caso, não é possível que o equilíbrio umas vezes se dê acima e outras abaixo, compensando-se as saídas de reservas com as entradas de reservas. Trata-se do caso de «câmbios fixados a níveis irrealistas». Nessa situação, a balança de

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operações não monetárias está em défice permanente, o que implicaria uma saída permanente de reservas. Como é óbvio, se houvesse liberdade de saída de reservas, rapidamente se esgotariam as reservas do país. E, por isso, estes sistemas são normalmente acompanhados por proibições ou limites nas transacções, sobretudo de capitais.O resultado habitual nestas situações é a existência de um «mercado negro», onde se transacciona moeda estrangeira à taxa próxima da realidade do equilíbrio. Entretanto, as poucas reservas do país (note-se que à taxa legal artificial, ainda há alguma oferta de moeda estrangeira) são vendidas a alguns privilegiados (normalmente amigos do poder) ao preço legal muito mais vantajoso.

2. O segundo caso de câmbios fixos que vale a pena referir é o de câmbios fixos mas não constantes. Alguns países querem ter algum controlo sobre a sua taxa de câmbio, mas prevêem que haverá um crescimento da procura de moeda estrangeira no futuro, pelo que qualquer taxa que seja hoje fixada em breve se tornará irrealista. Uma das razões mais frequentes para essa previsão é o facto de a inflação interna ser superior à externa, o que levará os produtos externos a serem sucessivamente mais baratos, a não ser que a moeda se desvalorize para compensar. Nesse caso, e para não se cair nos câmbios flutuantes, que são imprevisíveis, então o governo fixa a taxa de câmbio, mas numa trajectória ascendente e não num valor.Este regime cambial, conhecido por «crawling peg» ou «desvalorização deslizante» é muito engenhoso mas muito difícil de aplicar, visto que é preciso que a trajectória traçada na lei acerte perto dos equilíbrios de mercado nos próximos anos, para evitar desequilíbrios excessivos.A única razão porque se refere aqui este regime é que em Portugal, o regime funcionou bem de 1977 a 1990. Apesar de alguns ajustamentos, a fixação deslizante do câmbio do escudo foi um sucesso de mais de 13 anos. Foi este talvez o único caso de bom funcionamento de «crawling peg» em todo o mundo.

3) Quando, no início dos anos 90 Portugal abandonou o «crawling-peg», passou a adoptar o regime de flutuação controlada, aquele em que actualmente se encontra a maioria dos países desenvolvidos. Os casos extremos de câmbios flutuantes e fixos estão tendencialmente a ser substituídos por um regime intermédio a que se chama «flutuação controlada». Trata-se de um regime em que a taxa de câmbio é livremente determinada pelo mercado, tal como nos câmbios flutuantes.Como é que o Estado consegue a influência? Através das reservas. Assim, se houver um aumento de procura de moeda estrangeira igual ao que se referiu, em vez de deixar desvalorizar o escudo ou criar um défice que fizesse sair rservas, o que o banco central português faz é aumentar a oferta de dólares. Ao vender dólares livremente no mercado, o Banco de Portugal coloca a oferta de dólares de tal forma que a taxa de câmbio de equilíbrio é muito semelhante à que era antes do choque de aumento das importações.

Este último regime é hoje o mais frequente, sobretudo nas grandes economias, pois combina as vantagens (e os inconvenientes) dos câmbios fixos e flexíveis. Se o Estado não gosta do sentido em que a

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taxa está a evoluir, pode contrariar essa tendência, mas só através do mercado.O Estado intervém através das suas reservas de divisas. Se o banco central compra moeda estrangeira, aumenta as reservas, mas emite moeda [pois troca moeda interna (nova) por moeda externa]. Logo o aumento de reservas é aumento de moeda e a venda de reservas o contrário. É claro que o Estado, que lançou moeda nova para comprar as reservas (não se esqueça que toda a moeda que sai do Banco central é moeda nova) pode compensar isso, retirando moeda por outro lado. A esta operação chama-se esterilização.É verdade que o banco central é o maior interveniente no mercado de uma moeda e as reservas de um país são muito maiores do que o dinheiro de qualquer dos particulares, por mais ricos que sejam. Mas o banco central, sendo maior que cada agente, é muito menor do que a totalidade dos agentes. O banco central é o maior do mercado, mas é muito menor do que o mercado.Como foi dito atrás, no regime de flutuação controlada, o banco central não pode garantir exactamente o nível da taxa de câmbio, devido ao facto de se comprometer a respeitar as regras do mercado, e nesse mercado ele não ter uma posição dominante.Os bancos centrais da União Europeia, incluindo o português, juntando as suas forças, criaram o « mecanismo de taxa de câmbio » do SME (Sistema Monetário Europeu), que era uma garantia de estabilidade para as suas moedas. Assim, era fixada para cada moeda uma «taxa central» e os bancos centrais europeus garantiam que, sem violar as regras de mercado, essa moeda não se afastaria mais do que uma certa percentagem desse nível central.Assim, as moedas viviam livremente dentro de uma «banda de flutuação», fixando o seu equilíbrio sem que os governos se preocupassem com isso (até 1993 existiam duas bandas, cada uma aplicável a um grupo de países: a chamada «banda estreita» permitia uma flutuação até 2.25% acima ou abaixo da taxa central, enquanto a «banda larga» (que incluía o escudo) era de mais ou menos 6% à volta da taxa central).No entanto, é claro que a dimensão do banco central estava limitada pela dimensão das suas reservas (ou, no caso do SME, também pela dimensão das reservas que os bancos centrais dos outros membros decidiam colocar à sua disposição). Assim, a garantia nunca podia ser plena.É exactamente por isso que apareceu o fenómeno da especulação. Um especulador é apenas uma pessoa que encontra uma oportunidade de ganho a partir de uma atitude algo irracional de alguém.No caso, por exemplo, em que o mercado leva uma moeda a aproximar-se do limite superior da banda (máxima de desvalorização permitido), o especulador limita-se a apostar que o limite não vai ser cumprido e será ultrapassado.O banco central, para evitar que se rompa a banda, é forçado a vender libras das suas reservas (ou dos bancos centrais dos parceiros que lhe emprestem libras), comprando escudos. Isso faz aumentar a oferta de libras, e leva a taxa de câmbio do escudo a descer, afastando-se para baixo do limite superior da banda. O «jogo» continua, como um braço-de-ferro entre os bancos centrais, por um lado, e os especuladores (que, afinal, são o mercado) por outro.Se os bancos centrais tiverem muitas reservas, a certo momento os especuladores esgotam o seu crédito, deixam de poder pedir mais

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escudos emprestados e desistem. O banco central conseguiu manter o seu compromisso e o prejuízo do especulador é grande.Mas se as reservas dos bancos centrais não forem suficientes para aguentar a pressão dos especuladores (o que só se pode dar quando os especuladores forem muitos, ou seja quando a maioria do mercado achar que o compromisso vai ser rompido), então o banco central esgota as reservas e tem de desistir.Foi este processo que, em 1992 e 1993, atacou o SME. A consequência foi que as bandas de flutuação do «mecanismo de taxas de câmbio» foram alargadas para 15% de cada lado, ficando bandas larguíssimas. Com bandas tão largas, o grau de garantia da estabilidade cambial a que os bancos centrais se comprometem é quase insignificante. Mas o que é curioso é que, uma vez alargadas as bandas de flutuação, a flutuação efectiva reduziu-se. A razão deste facto é fácil de explicar.Como não havia compromisso (a não ser quando se chegava aos 15%), se alguém quisesse especular, o banco central deixava.Toda esta movimentação no SME, deu-se quando a Europa já se preparava para um projecto cambial muito mais audacioso: a criação de uma moeda única que circule nos países europeus (ou parte deles) unificando assim os mercados monetários dentro da União. Uma moeda única deve ser vista como uma banda de largura nula, ou seja uma fixação perfeita e definitiva da taxa de câmbio entre as moedas.A aproximação de leis, regulamentos e práticas comerciais é hoje uma realidade na União Europeia. Mas um dos campos que mais interesse tem suscitado nessa aproximação é, naturalmente, o campo monetário. Se, como vimos, a moeda é o suporte das transacções, não faz sentido, a partir de certa dimensão de integração, manter moedas diferentes. Os inconvenientes de manter, na mesma zona económica, medidas diferentes de valor é tão confuso como usar, no mesmo país, metros e jardas para medir o comprimento.Fazer transacções entre moedas diferentes inclui custos, demoras e incertezas adicionais, que poderiam ser eliminadas se todos usassem a mesma unidade de valor. Além disso, sobretudo nos países que têm moedas fracas e instáveis, há o grande benefício de passarem a usar como medida de valor, reserva e intermediário das trocas uma moeda que é sólida e respeitada. O marco alemão tinha a tradição de ser uma das moedas mais estáveis da História. Por isso, uma das razões que mais atraiu as empresas à moeda única era a hipótese de passarem a usar uma moeda que, no seu comportamento, fosse tão sólida quanto o marco.É importante nunca esquecer que a razão porque se avançou para a moeda única foi eminentemente económica. Quem pressionou essa solução foram as empresas, não foram os políticos. Para os políticos, a moeda única é uma maçada, que aumenta imenso as dificuldades da sua tarefa.Além destes problemas internos, há as questões do sistema monetário internacional. Quem garante que um país não altera de repente o valor da sua moeda, fazendo com que as nossas reservas nessa moeda percam valor, ou os preços dos produtos que compramos passem a ser muito mais altos?Assim, para nos entendermos quanto às relações internacionais é preciso montar um conjunto de regras, um sistema monetário para as relações internacionais, equivalente ao nacional.Desde que as trocas internacionais se vulgarizaram e durante muito tempo, até ao fim da I Guerra Mundial, a maneira como se procedia era

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usando uma moeda mundial: o ouro. Todos os países aceitavam o ouro em pagamento dos seus produtos e, por consequência, ele era o único usado nas reservas dos bancos. Estava-se no padrão-ouro.Na altura em que as moedas eram feitas de ouro, o ouro era a própria moeda. Logo, pagar em ouro era pagar em moeda. O sistema era bom porque havia um mecanismo que resolvia os problemas. Este mecanismo foi explicado por David Hume (1711-1776), um filósofo e economista escocês, grande amigo de Adam Smith, em 1752, num discurso intitulado On Money.

DAVID HUME (1711-1776)Conhecido, sobretudo, como filósofo e historiador, David Hume contribui com alguns

excelentes trabalhos de análise económica, sendo um dos autores mais importantes anteriores a Adam Smith. Os seus principais trabalhos de Economia foram recolhidos no volume de Political Discourses de 1752. A sua contribuição mais interessante é o price-specie mechanism.

O mecanismo que ele explicou ficou conhecido como o price-specie mechanism, mecanismo preço-espécie (ouro). O funcionamento era simples: se um país tinha défice, pagava-o em ouro, ou seja, saía moeda do país.Repare-se que este mecanismo evitava que um país tivesse muitos défices seguidos, criando uma «crise da dívida», além do que, como tudo funcionava sem ser preciso mexer na taxa de câmbio, esta (o valor da moeda em ouro) mantinha-se constante.No período pós-guerra, o crescimento do comércio foi tanto que fez com que não houvesse ouro que chegasse para as muitas trocas que se faziam. Passou-se ao padrão-ouro-divisas.Finalmente, após a II Guerra Mundial, houve um acordo entre muitos países, em Bretton Woods, que fixava novas regras53:

— o ouro não chegava para as trocas, por isso fazia-se com que o dólar (a moeda da economia mais poderosa) fosse como ouro;

— para isso, o dólar era fixo ao ouro (35 US$ = 1 onça) e o Governo americano estava disponível para dar a qualquer país ouro em troca dos dólares das reservas desse país. Mas isso não seria possível porque essa garantia bastava para se poder usar o dólar como se fosse ouro;

— todos os países tinham taxa de câmbio fixa face ao dólar (e logo, face umas às outras) e só as podiam mudar em casos extremos;

— como o dólar era como ouro, o mecanismo de Hume funcionava, com as saídas de dólares para pagar défices;

— além disso, para ajudar os países que tivessem grandes défices e não possuíssem dólares para os pagar, foram criados dois «polícias», que emprestavam dólares aos países em dificuldades, desde que eles prometessem reduzir os seus défices: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM).

Mas o centro da ideia era o dólar ser forte e não precisar de se desvalorizar. Isso era fácil logo após a II Guerra Mundial, com o mundo todo destruído e os EUA fortes.

________________________________53 Lord Keynes, que esteve em Bretton Woods, fez a proposta de um sistema mundial igual ao que funciona em cada país: um banco mundial, onde são depositadas as reservas dos vários países, e que emite uma moeda mundial. Cada país tem as reservas nessa moeda (pode ter a sua moeda nacional) e paga as contas externas com essa moeda. Se está com problemas, pode pedir um empréstimo ao Banco Mundial. Esta proposta, sensata em termos económicos, não foi avante porque os EUA, o país mais poderoso nessa altura, não queriam dar o seu poder a um banco supranacional.

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A CEE começou por implantar a serpente monetária em 1972, fazendo com que as moedas deslizassem em conjunto, dentro de uma «banda».No mundo em geral não tem havido grandes problemas neste «não-sistema», porque o FMI, o BM e os grandes bancos internacionais têm servido de árbitros, e toda a gente obedece a essas regras não escritas porque senão seria pior para eles54. Mas vários problemas recentes, como a questão da dívida do terceiro mundo, são em parte causados por não existir um sistema monetário internacional que discipline as trocas.

________________________________54 Alguns países que, não ligando às regras do FMI, tentaram continuar a seguir a sua linha, perceberam que ninguém estava disposto a emprestar a quem não era «bem comportado». E a falta de crédito obrigou-os a reconsiderar.

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3.3.5. Implicações da abertura na EconomiaMuitos casos podiam ser estudados. Aqui vamos analisar um caso particular que é o de uma economia que se integra com outras, fixando a taxa de câmbio )o que é equivalente a usar uma moeda única).Vimos que a ligação internacional tendia a igualar os preços (pelo comércio internacional) e a taxa de juro.

π = π* + êi = i* + ê

Estas equações dizem que, numa situação de mercado sem barreiras, a taxa de inflação interna (π, a taxa de variação dos preços) e externa (π*) são iguais, a menos de uma desvalorização (ê, a taxa de variação da taxa de câmbio).Repare-se que, se a taxa de câmbio for fixa (ê = 0 sempre), as equações ficam:

π = π*i = i*

e o país tem de se adaptar perfeitamente à taxa de juro e de inflação externa, ou toda a gente vai comprar e pedir emprestado lá fora (com grande défice externo) ou vice-versa.Neste último caso (que é o dos países da CEE após a UEM), a política monetária fica sem efeito (pois o preço do dinheiro deixa de ser controlado pelo país) e a política orçamental não pode criar situações que ultrapassem a taxa de inflação externa, ou então há punição pelo défice nas contas externas.Mas se isso tem esses efeitos de perca de independência monetária, qual a vantagem da união? Os benefícios desta união são, naturalmente, de eficiência de mercado.Assim, o país pode continuar a manipular a moeda interna, mas os impactos dessas políticas recaem sobre a taxa de câmbio.

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3.4. Desenvolvimento EconómicoToda a realidade económica que vimos ao longo deste livro está, nos dias de hoje, mergulhada num processo profundo e intenso de transformação a que chamamos «desenvolvimento». Nas páginas anteriores, por várias vezes, vimo-nos forçados a referir esse fenómeno, de tal maneira ele é determinante. Mas só nesta secção nos é possível abordar de frente a sua complexidade.A multiplicidade de influências, causas, efeitos e relações que estão incluídas no desenvolvimento impedem-nos de o considerar como uma realidade meramente económica. Trata-se de um magno processo global, que apenas poderemos esquematizar muito brevemente, partindo das categorias económicas que nos estão disponíveis. Mas ninguém pode dizer, nos dias de hoje, que realmente compreende o que se está a passar.

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3.4.1. A situação actual do mundoÉ importante descrever, de forma breve e esquemática, a situação presente no mundo, como pano de fundo e de chegada de uma trajectória que ainda não acabou.No entanto, como aqui apenas se pretende uma ideia geral, é possível, tomando as devidas cautelas, dividir o mundo económico actual em quatro grandes grupos de países.O primeiro grupo é constituído pelas economias abastadas.Um segundo grupo é composto por economias semidesenvolvidas ou ainda muito pobres, mas que demonstram elevado potencial dinâmico e vêm garantindo o seu crescimento sem grandes disparidades na distribuição dos seus frutos pelas várias classes da população.Outra classe é constituída pelos países que, tendo atingido um nível intermédio de desenvolvimento, esbarraram com dificuldades graves. Não sofrendo de situações de subdesenvolvimento agudo, este grupo de economias é aquele para onde as atenções do mundo mais se dirigem.No quarto e último grupo encontram-se as economias muito pobres, com baixo crescimento ou mesmo estagnação, e com grave desigualdade de distribuição. A Ásia do Sul e, sobretudo, a África Subsariana representam o grande drama económico do mundo actual, que frequentemente é esquecido.A disparidade de dimensão da população é patente no facto de quatro países constituírem quase metade da população mundial. Em termos da distribuição do produto, essa disparidade é ainda maior, pois bastam três países para deter metade do produto mundial.É claro que, se um país se começa a desenvolver, é normal que tal comece a propagar-se à zona vizinha, criando blocos de desenvolvimento. Mas este facto é também um indicador de fortes influências culturais, civilizacionais, humanas e espirituais sobre o desenvolvimento.O desenvolvimento é uma realidade global, que afecta todos os aspectos da vida humana. Por isso, reduzir o desenvolvimento a um mero aumento do produto nacional, é fazer uma simplificação ridícula e sem significado.Apesar dos ganhos, a situação de África é ainda muito preocupante, e é necessário continuar na trajectória de ganhos nos próximos tempos.Outra realidade ligada à situação actual e ao processo de desenvolvimento é a situação de pobreza generalizada que muitos países vivem.A má distribuição do bolo produzido é certamente uma outra forma de manifestar esta situação, tal como a ordenação dos produtos per capita (total do produto dividido pela população).

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3.4.2. A história do desenvolvimentoPode dizer-se, simplificando a realidade, que desde o início dos tempos até aos meados do século XVIII o Planeta não experimentara qualquer processo sustentado de crescimento económico.O ensaio de novas formas de produção – que incluíam a concentração dos trabalhadores num mesmo local, a que se haveria de chamar fábrica, e o intenso uso de maquinaria moderna – foi o detonador de um processo que viria a mudar a face deste nosso planeta: o processo de desenvolvimento económico.O impacto quantitativo do desenvolvimento durante estes 200 anos é fácil de resumir. O primeiro efeito foi um aumento espantoso da população mundial. Tendo mais recursos à sua disposição, o primeiro resultado que foi obtido foi reduzir a taxa de mortalidade. Assim, a população mundial que era de cerca de 600 milhões de pessoas em 1700, começou a acelerar, atingindo quase 1000 milhões no início do século XX e quase 6000 milhões hoje. Mas não foi apenas um aumento da população que foi conseguido. Também o nível de vida médio dessas pessoas aumentou rapidamente.Durante todo o período desde a revolução do Neolítico, o produto médio per capita mundial deve ter flutuado à volta dos 600 a 700 dólares (medidos a preços de 1985). Era esse o valor que se verificava por volta de 1700. Com o desenvolvimento, e apesar das disparidades mundiais, o nível médio do produto per capita do planeta foi aumentando de forma crescentemente acelerada. No início do século XX o produto que, em média, cada pessoa do globo tinha à sua disposição era já de quase 1000 dólares actuais.O essencial desta nova experiência foi «a adopção do sistema industrial, um termo que representa a aplicação generalizada da ciência empírica ao problema da produção económica».Também nas zonas ultramarinas para onde a sociedade britânica fora transplantada (América do Norte, Austrália), o desenvolvimento propagou-se.Com técnicas que não exigiam ainda investimentos maciços, era relativamente fácil implantar uma exploração «moderna» em qualquer domínio. O processo mostrou-se contagioso e auto-sustentado.No resto do Mundo, porém, a história foi algo diferente. A sua maior parte esteve debaixo do domínio colonial até ao fim da II Guerra Mundial. A sua participação no novo processo de crescimento foi de certo modo lateral.A) América latina foi talvez a zona extra-europeia – para além das

extensões ultramarinas britânicas já citadas – onde a expansão do desenvolvimento teve maior impacto inicial.

B) Na Ásia, a relação colonial revelou o máximo da variedade do seu espectro. Os sucessos da Índia e da China neste campo não são comparáveis aos do Japão e dos baby-tigers do Extremo Oriente (Hong Kong, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul), mas não são, à sua escala, menos notáveis. Este grupo de gigantes, onde a própria ex-União Soviética pode ser incluída, enfrentam um conjunto de problemas algo diferentes dos do resto do Planeta, tendo registado avanços muito significativos na sua resolução.

C) Finalmente, a África teria talvez a mais desanimante das experiências. Com fortes características particulares, que dificultavam especialmente as comunicações e contactos entre os

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povos, e com civilizações mais fechadas e diferentes da ocidental, o continente africano seria o que maiores obstáculos apresentaria à penetração do fenómeno do desenvolvimento. Após a sua independência, o desenvolvimento tem sido devorado no furor da guerra, da instabilidade ou da burocracia dominante.

No fim da I Guerra Mundial, o quadro político-económico encontrava-se extremamente instável.O crash de 1929 determinou a maior deflação moderna da economia mundial e iniciou um dos períodos mais confusos e dolorosos da história recente. Na tentativa de exportar o desemprego resultante da depressão, a maior parte dos países lançou-se em políticas «Beggar-thy-Neighbour» («empobrece o teu vizinho»), num processo de desvalorizações cumulativas e de subida em cadeia das barreiras alfandegárias.A recuperação da crise foi lenta, ajudada por políticas de despesa pública, como o «New Deal» do Presidente Roosevelt dos EUA.Entretanto, a Revolução Russa começara com o comunismo de guerra, que juntava as ideias marxistas com as necessidades da guerra civil. Mas o problema, numa economia eminentemente rural, era sempre o de convencer os camponeses a vender barato os seus produtos às cidades. Esta questão foi resolvida por Lenine, após a guerra, com a NEP – nova política económica – que, na prática, era um recuo face às ideias marxistas e implantava o mercado quase livre dos produtos agrícolas. A morte de Lenine em 1924, e a vitória de Estaline, levam ao fim da NEP, à colectivização forçada dos camponeses e, no fim da década, ao aparecimento do plano quinquenal, concebido no Gosplan (o departamento central de planeamento da URSS), que é o auge da economia centralizada.Como vimos atrás, o New Deal americano de F. D. Roosevelt, as despesas «keynesianas» do rearmamento alemão e italiano e o «comunismo num só país» estalinista vão resolvendo as sequelas da depressão e preparando o financiamento da maior destruição colectiva do Planeta.O horror da instabilidade da década de 30 motivou os países a procurarem fortemente a estabilidade. Os acordos de Bretton Woods e o GATT (após o falhanço da carta de Havana), são o resultado desse esforço.Apesar de o mundo estar partido em dois blocos, a hegemonia da única potência com aparelho produtivo incólume da guerra e o isolamento da União Soviética determinaram que as décadas de 50 e 60 fossem as da Pax Americana. A calma internacional (apesar da guerra fria e das escaramuças locais), a necessidade de reconstrução depois do conflito, um intenso comércio internacional (sob a orientação do GATT) e o empurrão do Plano Marshall presidiram os anos de desenvolvimento que, historicamente, não têm par. Com todas estas disparidades, o ritmo desta nova era de expansão do pós-guerra não foi comparável a qualquer período anterior.O Plano Schuman, de 1950, e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1952, são preparações para o Tratado de Roma, de 1957, que cria a Comunidade, centrada na França, Alemanha e Itália.Na China, a revolução triunfara em 1949, depois de décadas de confusão decorridas após a degradação da dinastia Qing verificada no fim do século XIX. Os programas de desenvolvimento, como o grande salto em frente, lançado em 1958, e a revolução cultural, em 1966, são grandes fiascos.

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Entretanto, as independências criavam uma nova força política: o Terceiro Mundo. Este começa a organizar-se em 1955 em Bandung, onde, sob a liderança de Nasser, Nehru e Chu-En-Lai, se cria um movimento que acaba por se tornar conhecido por Movimento dos Países não Alinhados.Nos EUA, a luta pelos direitos civis das minorias e contra a guerra do Vietname; na Europa, o Maio de 68, eram acompanhados, no lado soviético, pela «Primavera de Praga». O prestígio e confiança das várias zonas do mundo estava abalado.No lado económico, a situação não era melhor. A meio da década de 60 o período de calma económica começava a ser perturbado por ameaças que se iam amontoando no horizonte. O gigantismo produtivo americano reduzia-se a olhos vistos, perante a rápida recuperação e crescimento das outras economias. Este facto era especialmente grave pois minava a hegemonia do dólar no sistema monetário internacional e preanunciava a sua morte, por via de um défice externo americano insanável.Por outro lado, o despertar, nos novos países independentes, da consciência da sua força fomentava o aparecimento de conflitos, sobretudo em pontos em que a injustiça da dominação dos países ricos fosse mais evidente. O monopólio das «sete irmãs» no mercado internacional do petróleo era um dos mais escandalosos. Estava preparado o palco para a crise, que viria inevitavelmente.Os choques não se fizeram esperar, com o salto abrupto dos preços do petróleo de 1973 (o preço era $3.45 em 1973, subiu para $5 pelo choque; não parou de subir e em 1976 já ia nos $12.17), acompanhando uma subida generalizada dos preços dos produtos primários.O fantasma da crise de 1929 levou a adoptar, na maioria dos países, medidas keynesianas antidepressivas, descurando as tendências inflacionistas evidentes. Mas o choque fora na esfera produtiva e não podia ser resolvido por expansão na procura, como em 1929. Num ambiente de complexa política cambial, este facto eliminou com certa rapidez os efeitos restritivos da crise e sustentou o crescimento em valores elevados, mas evitou uma eficaz eliminação dos desequilíbrios latentes, gerando um fenómeno novo, incompreensível para a visão keynesiana da altura: a estagflação, coincidência de estagnação, desemprego e inflação.Perante a crise, que se pode resumir no facto de os países do petróleo terem levado riqueza aos outros e, por isso, estarmos hoje mais pobres, há várias atitudes:• os EUA e a Europa não assumem essa descida de bem-estar e

tentam, artificialmente, por meio de gastos do Estado, manter o nível de vida, sofrendo consequentemente desemprego, inflação e estagnação;

• o Extremo Oriente assume o choque, «aperta o cinto» e trabalha mais, saindo melhor das dificuldades;

• a América Latina continua o crescimento, mas à custa de endividamento, que era fácil pelo desajustamento financeiro que o choque causou; finalmente

• a África e outros países pobres caem sob o choque e perdem o que ganharam nos anos 50 e 60.

O excesso de liquidez e a necessidade de reciclar e aplicar essa liquidez perturbaram o sistema de pagamentos mundial. Assim, muitos países em estado intermédio de desenvolvimento mantiveram o seu ritmo de crescimento, apesar da crise, à custa de endividamento junto

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dos bancos comerciais, os quais tomam um papel novo no financiamento dos défices comerciais.Mas a inflação da década de 70, devida ao erro de ajustamento da crise de 73, teve outro efeito indesejado: como os preços de todos os produtos subiram, os preços do petróleo deixaram de estar acima dos outros. Em termos reais, o petróleo estava de novo barato. Daqui resultou o segundo choque do petróleo, que levou os preços do petróleo de $12.7, em 1978, até $32, em 1980. Mas agora, conscientes do erro de interpretação do choque sofrido em 1973 (era uma descida da oferta e não da procura, como em 1929), a atitude geral dos países seria muito diferente.A opção de travar a procura, que se repercutiu nos países pobres, sofrendo pela queda das importações dos ricos, deflagrou a crise da dívida (reunião do México em 1982).No final da década de 80, a Grã-Bretanha era um país muito mais produtivo. A reaganomics, se lançou o crescimento americano, veio criar um enorme défice no orçamento do Estado e, consequentemente, na sua balança externa.Os países da América Latina, a braços com a dívida externa, tinham também hiperinflação, e fazem planos para o seu controle.Entretanto, na União Soviética, à morte de Brejnev (Novembro de 1982) segue-se um período indefinido (morte de Andropov, em Fevereiro de 1984, morte de Tchernenko, em Março de 1985) até que, em 1985, Gorbatchev inicia uma política de abertura, Glasnost, e de reformas, Perestroika, com poucos efeitos económicos, mas que liberta os países do Leste da Europa, em 1989, e desagrega a URSS, em 1991. Mas a liberdade política na URSS não foi acompanhada pela aposta clara numa economia de mercado.Curiosamente, a China tem processo simétrico. Aí foram as reformas económicas bem sucedidas de Deng-Xiau Ping que não tiveram paralelo na esfera política, em que a rigidez do partido continuou a dominar. Quando a liberdade económica tentou conseguir cedências políticas, esta é esmagada em Tiananmen, em Junho de 1989.A viragem do milénio foi marcado por uma abertura económica mundial sem precedentes.

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3.4.3. A teoria do desenvolvimentoA nossa habituação a este processo é tal que não temos consciência de algumas disparidades resultantes da comparação da nossa situação com a anterior ao desenvolvimento. Assim, um poderoso monarca ou uma rica princesa da Idade Média tinham um nível de vida que, pelos nossos cânones, podia ser considerada bem pobre. Na verdade, sem acesso a alguns dos bens hoje considerados essenciais – tais como vidros na janela, aspirinas, duche, transportes rápidos, torneiras, chapéus-de-chuva, entre muitos outros –, a sua situação seria, em muitos aspectos, comparável à de um pobre actual.O nível de vida que, nos Estados Unidos da América, por exemplo, define oficialmente um pobre seria considerado na Índia como um rendimento opulento.O que é o desenvolvimento? O desenvolvimento, na sua essência, traz consigo um alargar de leque das escolhas. Isso quer dizer que, numa sociedade desenvolvida, é possível fazer mais coisas que antes do desenvolvimento. É possível fazer coisas muito melhores que antes, mas também é possível fazer coisas muito piores que antes.O desenvolvimento trouxe, simultaneamente, uma melhoria das condições de vida e um aumento de risco. Estes dois aspectos são inseparáveis, como as duas faces da mesma moeda. A consciencialização deste facto é essencial para uma correcta apreciação do desenvolvimento.Os que descuram a existência do risco no processo de desenvolvimento tornam-se «fanáticos» desse processo, apenas reconhecendo as suas vantagens potenciais e esquecendo os problemas potenciais.

ATITUDES FACE AO DESENVOLVIMENTO

Melhoria das condições de vida

Conscientes Inconscientes

RISCO

Consc. Visãocorrecta Bucólicos

Incons. Fanáticos Retrógrados

Por outro lado, muitos, absolutamente conscientes dos riscos do progresso, mas esquecendo que é a esse mesmo progresso que se devem as grandes vantagens da vida moderna, cometem o erro contrário.A única visão correcta é a que compreende que as duas características do desenvolvimento são inseparáveis, e que só há progresso se se aceitar correr os riscos inerentes. A forma como a sociedade moderna lidou com esta questão foi a de aceitar o automóvel, mas impor condições para o seu uso, por exemplo, a carta de condução. Ou seja, exigindo maior responsabilidade.Como dinâmica, o desenvolvimento tem três características fundamentais:

i) O processo de desenvolvimento é um processo civilizacional completo. Na verdade, as vantagens do progresso são muito profundas e têm vantagens sobre a totalidade dos aspectos

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sociais. A industrialização, a urbanização, as profundas alterações do estilo de vida profissional, familiar e comunitário, a intensificação e globalização dos contactos entre as várias zonas da sociedade e do mundo, todos estes factos são fortemente transformadores de todas as dimensões da vida humana.A compreensão de que o que está em jogo neste processo é o «desenvolvimento integral do homem» e «solidário da humanidade» [Paulo VI (1967)] é, pois, essencial para entender o núcleo do problema.

ii) O processo de desenvolvimento é muito caro, quer em termos económicos, quer em termos sociais. As obras de Dickens, Zola, entre outras, são testemunho desse sofrimento em sociedades concretas.É verdade que, nas últimas décadas, o desenvolvimento tem vindo a tornar-se menos caro. Assim, aquilo que há duzentos anos levou cerca de um século a conseguir, na Grã-Bretanha e no Centro da Europa, hoje é atingido em poucas décadas, por países de desenvolvimento tardio.No entanto, é importante notar que, ao contrário do que é frequentemente apregoado, não há «milagres de desenvolvimento». O progresso é sempre o resultado de um esforço intenso de uma sociedade empenhada em consegui-lo. Pode em casos especiais ser mais fácil, e certas condições podem criar-lhe um ambiente propício, mas o esforço e o empenho têm de estar sempre presentes.

iii) O processo de desenvolvimento, devido às enormes transformações referidas e ao seu elevado custo, gera sérios conflitos na sociedade. Por outro lado, a questão central de como partilhar socialmente os frutos do desenvolvimento exige uma resposta que é sempre difícil de dar.Por tudo isto, o processo de desenvolvimento é sempre acompanhado por uma forte tensão social que, por vezes, deflagra mesmo em confrontos sangrentos. Em muitos destes, por exemplo na América Latina, tal violência social foi suficiente para congelar, e até destruir, muitos dos resultados do desenvolvimento anterior.Assim, a existência de flexibilidade social, capaz de acomodar e resolver no seu interior os conflitos do desenvolvimento, é essencial para o sucesso da dinâmica. O papel da cultura, das Igrejas e de outras instituições sociais, neste ponto, é por demais evidente.

Só uma sociedade unida, em todas as suas dimensões, empenhada em enfrentar os custos do progresso, flexível, para ultrapassar os conflitos que dele nascem, e consciente das vantagens e dos riscos do desenvolvimento pode conseguir desenvolver-se.Muitas falácias e incompreensões têm sido apresentadas, confundindo e baralhando a realidade. Esses erros podem, muito simplesmente, ser resumidos em quatro: dois mitos e duas burlas. Os mitos são resultado de falácias profundas, que amadureceram lentamente na opinião pública, até resultarem em «verdades incontestáveis». Por seu lado, as burlas foram conscientemente apregoadas por muitos e «justificadas» com profusão de argumentos.O primeiro grande mito, a que podemos chamar «mito de Robin Hood», centra-se na ideia de que o fim da pobreza se obtém «roubando aos

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ricos para dar aos pobres». Como corolário, resulta que os pobres são pobres porque há ricos. Esta ideia, como se viu, é errada. A solução para a pobreza não é a melhor distribuição do bolo, mas sim o aumento do bolo a distribuir: o desenvolvimento. Claro que, em certas situações – como em países do terceiro grupo já referido –, existem problemas de distribuição que impedem a solução de pobreza, mas este não é o caso geral.O segundo mito, a que chamaremos «mito de James Bond», assume que, tal como nos filmes de 007, existe uma pessoa ou um grupo de pessoas que se reúnem (misteriosamente) e controlam a economia mundial. Mas a economia mundial é muito grande para ser controlada por alguns países ou grupos. Os países ricos, que supostamente controlam a economia mundial, estão doentes, com défices e outros problemas. O Mundo é demasiado grande para ser controlado pelo homem.Quanto às burlas, já antigas, começam também agora a revelar-se falaciosas. A primeira é a burla do Terceiro Mundo: a ideia de que seria possível juntar os países pobres num «terceiro Estado» que liderasse a revolução mundial. A crise mundial da década de 70 mostrou claramente que os países pobres são muito diferentes, com interesses por vezes antagónicos e, por isso, são incapazes de acção concertada.A outra burla é a da «terceira via». Muitos iluminados tentaram apregoar a existência de uma via alternativa entre o capitalismo e o socialismo.Hoje sabemos como se desenvolve um país, com as condições referidas na secção anterior, mas essa lição não veio de nenhum pensador, nem de nenhum político activo. Veio da experiência económica das sociedades concretas, que aprenderam com os seus erros e, como é óbvio, aproveitaram dos seus sucessos. Representa uma amálgama de todos eles, de capitalismo e socialismo, de cooperação internacional e de liderança de blocos, de distribuição e desenvolvimento que, embora imprevisível pelos teóricos, soube ser aproveitada pelos agentes económicos que, no fundo, fazem o desenvolvimento.

i) A primeira lição tinha de ser de Adam Smith. Já a vimos atrás:Pouco mais é necessário para levar um Estado do mais ínfimo barbarismo ao mais elevado grau de opulência, do que paz, impostos leves e uma administração razoável da justiça. [Manuscrito das Lições de 1755 (citado por Stewart, vide Smith (1776), I, 43).]O esforço natural de cada indivíduo para melhorar a sua própria condição, quando lhe é permitido exercê-lo com liberdade e segurança, é um princípio tão poderoso que, só por si e sem qualquer outro contributo, é não só capaz de criar a riqueza e prosperidade de uma sociedade como ainda de vencer um grande número de obstáculos com que a insensatez das leis humanas tantas vezes cumula as suas acções; não obstante, o resultado festas obstruções é sempre, mais ou menos, ou o desrespeito da sua liberdade ou a diminuição da sua segurança. [Smith (1776), II, 68.]

ii) A visão deste processo foi desenvolvida e explicada por Joseph Schumpeter (1883-1950), em 1911, com a publicação do livro Teoria do Desenvolvimento Económico (Schumpeter, 1911).Neste livro, Schumpeter parte do Fluxo Circular da Vida Económica, que é a economia de equilíbrio geral walrasiana, para estudar o desenvolvimento. Este é um processo diferente da simples expansão das quantidades, o crescimento. O desenvolvimento «é uma mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo, perturbação

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do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente».

O que são inovações? A inovação é uma nova combinação. Engloba cinco casos:• introdução de um novo bem;• introdução de um novo método de produção;• abertura de um novo mercado;• conquista de uma nova fonte de matérias-primas; e• estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria.Quem faz as inovações é o empresário. O empresário não é o capitalista, o inventor, o administrador. O empresário é aquele que pega em capital que não é seu, em trabalho que não é seu, em ideias que não são suas e faz uma coisa nova. Esta personalidade é o centro do processo capitalista. As dificuldades são muitas:• a tarefa tem de ser bem conhecida;• inovar custa em si;• o meio ambiente reage.O empresário, no fundo, é o líder.Os seus motivos não são os do lucro. «Os empresários típicos retiram-se apenas quando e porque a sua força está gasta e não se sentem mais à altura da sua tarefa... Hedonisticamente, portanto, a conduta que geralmente observamos em indivíduos do nosso exemplo seria irracional». Os motivos são «o sonho e o desejo de fundar um reino privado, e normalmente, embora não necessariamente, também uma dinastia... há o desejo de conquistar, o impulso para lutar, para se provar superior aos outros, de ter sucesso em nome, não dos seus frutos, mas do próprio sucesso... Finalmente há a alegria de criar, de fazer coisas ou simplesmente de exercitar a energia e a engenhosidade».Para Schumpeter, o crédito só se entende como a forma de o empresário ter acesso ao capital, que só tem sentido com relação ao desenvolvimento. O lucro é a remuneração do empresário e, assim, se distingue do juro, que é a remuneração do capitalista.

Destas várias considerações, é possível agora identificar alguns dos principais elementos da teoria económica para uma estratégia eficaz de desenvolvimento.

i) O aspecto mais referido nessa estratégia é a acumulação de capital. O capital, aumentando a produtividade da economia, tem estado de tal forma ligado, desde a Revolução Industrial, ao fenómeno do crescimento, que o sistema é chamado de «capitalista». A obtenção de mais capital está ligada à «parcimónia»; o acautelar o futuro por meio da poupança e do investimento é referido desde o início pela teoria económica como essencial ao desenvolvimento.

ii) A organização da sociedade , em particular a liberdade de mercado e a abertura às relações económicas com o exterior, são também elementos fundamentais para o desenvolvimento. Só com liberdade e concorrência é possível a existência de uma saudável criatividade dos empresários que, pelo lançamento das inovações, vão transformando a economia. A dimensão do mercado tem aqui grande importância, pois permite os ganhos de especialização e as economias de escala, tão importantes para a eficiência do desenvolvimento. Daí que o mercado mundial, o maior de todos, seja um grande motor de desenvolvimento, e a abertura comercial financeira às relações

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internacionais constitua um passo quase obrigatório para um processo de desenvolvimento bem sucedido.

iii) A Revolução Industrial e todo o progresso económico que desde então se verificou baseou-se na aplicação de conhecimentos científicos à actividade produtiva. A técnica foi, e continua a ser, o grande motor do desenvolvimento. Como vimos, John Stuart Mill caracterizava o desenvolvimento como uma corrida entre o progresso tecnológico e os rendimentos decrescentes, o que põe em destaque que o progresso é uma luta constante entre o saber do homem e a Natureza. O apoio à investigação científica pura e aplicada continua, pois, a ser um importante elemento da política de desenvolvimento de qualquer país.

iv)Mas o principal motor do desenvolvimento não são as máquinas, o dinheiro, a terra ou a técnica. O elemento fundamental de qualquer processo de desenvolvimento é o ser humano. Já dissemos que uma sociedade pacífica, empenhada, flexível e organizada é o maior trunfo para qualquer processo de desenvolvimento.

Esta ideia está ligada à consciência de que o ser humano é, para a Economia, não só o objectivo do desenvolvimento, mas, curiosamente, também o seu grande motor. A riqueza humana de um povo é o principal «capital» com que essa sociedade pode contar para conseguir desenvolver-se.Deste modo, sobretudo nas últimas décadas, as propostas políticas dos economistas para o desenvolvimento vão no sentido de promover essa riqueza humana, dando especial atenção às condições de vida das populações (saúde, educação, habitação, etc.), em alternativa aos grandes projectos de investimento em capital físico (barragens, estradas, etc.), cuja produtividade era baixa se utilizados por pessoas sem as condições mínimas de vida, que lhes permitam tirar desses recursos o devido resultado.O desenvolvimento não é, à partida, nem garantido nem impossível. A análise do equilíbrio de pobreza mostra claramente este facto, tal como o vimos atrás.O equilíbrio de pobreza define-se como «uma constelação circular de forças que tendem a agir e a reagir umas sobre as outras de forma a manter um país pobre num estado de pobreza». Por isso, «um país é pobre porque é pobre». Graficamente, a ideia pode verificar-se do seguinte modo:

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Recursos subdesenvolvidos

Imperfeições de m ercado

População atrasada

Baixa produtividade

Baixo rendimento real

Poupança reduzida

Procura reduzida

Baixo investimento

Insuficiência de capital

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Este é o fascinante fenómeno do desenvolvimento económico, na sua multifacetada realidade. O optimismo que resulta dos sucessos extraordinários tem de ser temperado pelo muito que ainda falta fazer e pelos obstáculos que se defrontam a essa tarefa.

3.4.3.1. As tendências do crescimentoO desenvolvimento começou no mundo há duzentos anos, e esse é, em termos históricos, um período muito pequeno para se poder dominar bem os contornos de um fenómeno desta magnitude.No entanto, alguns pontos podem ser já apresentados como bem fundamentados. Entre estas estão as linhas de evolução global de algumas variáveis económicas. No meio da enorme diversidade de experiências, é possível isolar certas constantes que caracterizam, em geral, o processo de desenvolvimento moderno.Estas constantes só são visíveis ao longo de um largo período de tempo. Mas, se observarmos a economia durante várias décadas, é possível constatar que, para além do ciclo, verifica-se uma evolução de fundo, que mantém certas características.Muita investigação foi aplicada na busca destas tendências do crescimento.A formulação mais conhecida e aplicada destas ideias é a dos «seis factos estilizados» que Nicholas Kaldor, um economista húngaro da Universidade de Cambridge, apresentou em 1958. São eles:— o produto real por trabalhador cresce a uma taxa

aproximadamente constante;— o stock de capital por trabalhador cresce a uma taxa

aproximadamente constante;— o ratio capital-produto tem uma tendência horizontal;— a taxa de lucro tem tendência horizontal, enquanto a taxa de

salário cresce a uma taxa mais ou menos constante;— as remunerações totais do trabalho e do capital repartem o

produto total em partes mais ou menos fixas;— existe uma grande variabilidade nas taxas de crescimento do

produto por trabalhador entre países.Estes são os principais factos estilizados da evolução quantitativa da economia. É com esta realidade dinâmica que, ao longo do tempo, a Teoria Económica se foi defrontando. E foi ela que, em parte, causou a sua própria dinâmica.

FIM

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