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JORNAL 57º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO TRABALHO

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JORNAL

57º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO TRABALHO

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LTr - Jornal do Congresso 3

ÍNDICE DAS TESES

PAINÉIS DO CONGRESSO

1º PAINEL As mudanças na legislação trabalhista

ALMEIDA, Ronald Silka de

O direito do trabalho em reforma ou restri-ção ao exercício de direitos ......................... 52

ALVES, Fernando Costa

As mudanças na legislação trabalhista ........ 30

BARBOSA, Alcy Richard Cavalcante

As mudanças na legislação trabalhista ........ 27

BARRO, Nara Brito

Reforma trabalhista pela via jurisdicional e legislativa .................................................... 45

CICOTOSTE, Valmir Gustavo Rossi

A dignidade da pessoa humana na relação de trabalho: a responsabilidade social da empresa e a problemática da terceirização .. 55

COSTA, Ana Paula Castelo Branco

As mudanças na legislação trabalhista ........ 27

As transformações e inovações da norma trabalhista podem ser limitadas sob a égide do princípio da dignidade humana ............. 48

Mudanças na legislação trabalhista — Acor-do coletivo .................................................. 54

DEMORI, Ingrid Barbosa

As mudanças na CLT e a hipossuficiência dos trabalhadores quanto à flexibilização do contrato de trabalho ................................... 23

DIAS, Ana Laura Pereira

Reforma trabalhista e regulamentação da terceirização ................................................ 9

DIAS JR., Ivanderson Baldanza

Trabalho intermitente — A reforma traba-lhista e a perigosa implantação do just in time nos contratos de trabalho no Brasil..... 25

DISSENHA, Leila Andressa

Reforma trabalhista e as cooperativas: Oportunidades, receios e expectativas ........ 39

FAVARIN, Poliany Crevelaro

Lei n. 13.429/2017: Não terceiriza a ativida-de-fim.......................................................... 37

FRANÇA, Robson Luiz de

O trabalhador docente e seus direitos es-pecíficos: Análise à luz da regulamentação profissional no Brasil sob a perspectiva da precarização do trabalho dos professores ... 50

KONDO, Flavia Ayumi

A reforma e a busca da modernização da Justiça do Trabalho ..................................... 31

MARTINS, Ana Luísa Mendes

Reforma trabalhista: Negociação coletiva, flexibilização e precarização de direitos ..... 10

MELEK, Marcelo Ivan

A (in)segurança jurídica da reforma traba-lhista — as mudanças na legislação trabalhista 21

MENEZES, Roberta Castro Lana

Reforma trabalhista: Flexibilização e preca-rização dos limites de duração do trabalho no Brasil ...................................................... 16

OLIVEIRA, Tonyerrison Mozart Cruz de

Mudanças na legislação trabalhista — Acor-do coletivo .................................................. 54

PAVANI, Gustavo Barby

Breve análise das alterações trazidas pela re-forma trabalhista no sistema de contribui-ção sindical e seus reflexos ......................... 33

PRESTES, Anderson

Breve análise das alterações trazidas pela re-forma trabalhista no sistema de contribui-ção sindical e seus reflexos ......................... 33

PRIGOL, Natalia Munhoz Machado

A reforma e a busca da modernização da Justiça do Trabalho ..................................... 31

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4 LTr - Jornal do Congresso

RAU, Lucas Moraes

A nova lei da terceirização no Brasil e a pre-carização do trabalhador............................. 43

RIBEIRO, Luiz Alberto Pereira

A reforma trabalhista e os impactos nos di-reitos dos trabalhadores: Precarização do trabalho assalariado .................................... 28

RIBEIRO, Regiane Braz

Reforma trabalhista e precarização de di-reitos ........................................................... 15

SILVA, Leda Maria Messias da

Lei n. 13.429/17: Não terceiriza a atividade--fim ............................................................. 37

SILVA, Marcelo Honorato da

A dignidade da pessoa humana na relação de trabalho: A responsabilidade social da empresa e a problemática da terceirização .. 55

SILVA FILHO, Jurandir Pereira da

As mudanças na legislação trabalhista — Existe um direito ao trabalho digno? Quais limites ele impõe às mudanças na legisla-ção? ............................................................. 18

SOUSA, Ranielle Batista Garcia de

As transformações e inovações da norma trabalhista podem ser limitadas sob a égide do princípio da dignidade humana? ........... 48

TERRA, Claudine Aparecido

A reforma trabalhista e os impactos nos di-reitos dos trabalhadores: Precarização do trabalho assalariado .................................... 28

TRIPOLONE, Kenia Cóva

A terceirização e as principais mudanças com a aprovação da nova lei ....................... 19

VESSELOVITZ, Fernando José

A nova lei da terceirização no Brasil e a pre-carização do trabalhador............................. 43

VIANA, André Lourenço

Reformas trabalhistas e trabalho digno: Re-flexões sobre mudanças na legislação e seus limites ......................................................... 12

VIEIRA, Bárbara Fernandes

Reforma trabalhista: Terceirização e altera-ções legislativas ........................................... 13

VILLATORE, Marco Antônio César

Reforma trabalhista e as cooperativas: Oportunidades, receios e expectativas ........ 39

ZEMPULSKI, Tatiana Lazzaretti

O direito do trabalho em reforma ou restri-ção ao exercício de direitos ......................... 52

ZWICKER, Igor de Oliveira

O direito ao trabalho digno como premissa universal e os limites impostos pela Cons-tituição da República às alterações legisla-tivas .......................................................... 46

A novel “lei da terceirização” — Lei n. 13.429/2017 — e a ordenação axiológica e teleológica do sistema jurídico ................... 35

Estudo de caso: O posicionamento do Mi-nistério Público do Trabalho no Recurso Extraordinário n. 958.252/MG ................... 41

2º PAINEL A desconsideração da personalidade jurídica

no processo do trabalho

ASSUNÇÃO, Carolina Silva Silvino

É possível compatibilizar o art. 134, § 3º do CPC com o processo do trabalho? .............. 65

BARRO, Nara Brito

A incompatibilidade da suspensão do pro-cesso trabalhista com a instauração do inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica ........................................................ 70

COSTA, Ana Paula Castelo Branco

A desconsideração da personalidade jurídi-ca no processo do trabalho ......................... 73

FIGUEIREDO, Antonio Borges de

Efeito (suspensivo ou não) do incidente da desconsideração no processo do trabalho .. 66

O incidente da desconsideração da perso-nalidade jurídica no projeto de reforma tra-balhista ....................................................... 71

FONSECA, Iuarley da Silva

A desconsideração da personalidade jurídi-ca no processo do trabalho ......................... 73

MONTI JUNIOR, Carlos Eduardo

A desconsideração da personalidade jurídi-ca e o processo do trabalho......................... 59

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LTr - Jornal do Congresso 5

OLIVEIRA, Clésio de

Efeito (suspensivo ou não) do incidente da desconsideração no processo do trabalho .. 66

O incidente da desconsideração da perso-nalidade jurídica no projeto de reforma tra-balhista ....................................................... 71

SOUZA, Fernando Furlan Ferreira de

A importância da desconsideração da perso-nalidade jurídica no processo do trabalho ... 75

WOBETO, Lucas

A desconsideração da personalidade jurídi-ca na fase de conhecimento: Critérios para demonstração dos pressupostos legais na forma do § 4º do art. 134 do CPC .............. 61

ZIPPERER, André Gonçalves

A desconsideração da personalidade jurídi-ca na fase de conhecimento: Critérios para demonstração dos pressupostos legais na forma do § 4º do art. 134 do CPC .............. 61

ZWICKER, Igor de Oliveira

A atuação ex officio do magistrado traba-lhista na instauração do incidente de des-consideração da personalidade jurídica ...... 57

A aplicação do incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica do novo CPC nos moldes da CLT ..................................... 63

A impossibilidade de suspensão do proces-so trabalhista no incidente de desconside-ração da personalidade jurídica .................. 68

3º PAINEL Aspectos controvertidos sobre o acidente do

trabalho

BAPTISTA, Janinne Araújo

Depressão e acidente de trabalho ............... 82

BOHRER, Andreia Cristhina

Dificuldades técnicas e processuais na ca-racterização do nexo de causalidade entre transtornos mentais e o trabalho ................ 87

CARNEIRO, Carla Maria Santos

O acidente do trabalho pode gerar dano existencial? ................................................. 99

DISSENHA, Leila Andressa

O combate à depressão nas cooperativas de crédito ......................................................... 95

HARTMANN, Roberto Vinícius

O alto índice de acidentes de trabalho de trabalhadores terceirizados — Reflexo do modelo de acumulação flexível ............. 91

KOBAYASHI, Neuritânia de Souza

Quando a depressão pode caracterizar aci-dente de trabalho ........................................ 105

MADUREIRA, Fernanda Clemente Antunes

Assédio moral no trabalho das bancárias: Uma investigação sobre a violência psico-lógica sofrida pelas mulheres e as doenças ocupacionais relacionadas ao estresse ........ 101

MIKOS, Nadia Regina de Carvalho

O reconhecimento do dano existencial pela ocorrência do acidente de trabalho ............ 89

MIKOS, Natalia Regina de Carvalho

O reconhecimento do dano existencial pela ocorrência do acidente de trabalho ............ 89

MONTI JUNIOR, Carlos Eduardo

Dano existencial e o acidente trabalho ....... 102

MOREIRA, Adriano Jannuzzi

Impactos do estresse no ambiente de traba-lho brasileiro ............................................... 106

OLIVEIRA, Anamália Vieira Dias de

Depressão e acidente de trabalho ............... 82

OLIVEIRA, Daniela Cristine Dias de

Responsabilidade civil e o dano existencial nos acidentes de trabalho: A importância do limite de jornada para a preservação da integridade física e psíquica do trabalhador .................................................................... 78

ORGECOVSKI, Betina Bonette

Responsabilidade civil objetiva e subjetiva em acidentes de trabalho ............................ 93

PASSOS, Larissa Rios Rossi

Acidente de trabalho e dano existencial ..... 77

QUEIROZ, Carlos Eduardo G. de

Responsabilidade civil e o dano existencial nos acidentes de trabalho: A importância do

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6 LTr - Jornal do Congresso

limite de jornada para a preservação da in-tegridade física e psíquica do trabalhador ... 78

QUEIROZ, Cristiano Puehler de

Dificuldades técnicas e processuais na ca-racterização do nexo de causalidade entre transtornos mentais e o trabalho ................ 87

Responsabilidade civil objetiva e subjetiva em acidentes de trabalho ............................ 93

RODRIGUES JUNIOR, Edison Luiz

O alto índice de acidentes de trabalho de trabalhadores terceirizados — Reflexo do modelo de acumulação flexível .................. 91

SAAD, Teresinha Lorena Pohlmann

A depressão e sua configuração como aci-dente do trabalho: Concausalidade ............ 97

VIEIRA, Raíssa Santos

Acidente de trabalho e dano existencial ..... 84

ZWICKER, Igor de Oliveira

O dano existencial gerado a partir da ocor-rência de acidente do trabalho típico ou do desenvolvimento de doença ocupacional ... 80

Tutela labor-ambiental: Quando a depres-são pode ser considerada doença do traba-lho ............................................................... 85

4º PAINEL A Justiça do Trabalho em tempos de crise

ARAÚJO, Maria Gilda de Freitas

A Justiça do Trabalho deve tratar as partes de forma equânime ou deve ser protetiva ao trabalhador? ................................................ 111

CAMARGO, Vinícius de

A Justiça do Trabalho pode contribuir para a proteção da mulher no mercado de trabalho? 110

MODELLI, Guilherme Marconatto

Relação entre as facções clandestinas e a responsabilidade da marca empregadora .... 113

MOSCHINI, Sabrina

A luta pela igualdade no ambiente do trabalho 117

ZWICKER, Igor de Oliveira

Entre as súmulas dos tribunais superiores e a independência funcional e a liberdade de convencimento do magistrado ................... 115

5º PAINEL O processo civil e o processo do trabalho

BATISTA, Rodrigo Pontes de Souza Kugler

Precedentes judiciais, coerência sistêmica e segurança jurídica — Como compatibilizar esses conceitos ............................................ 121

BATISTA JUNIOR, Ernesto Emir Kugler

Precedentes judiciais, coerência sistêmica e segurança jurídica — Como compatibilizar esses conceitos ............................................ 121

INOJOSA, Anne Helena Fischer

Questionamentos iniciais acerca do efeito preclusivo por ausência dos embargos de declaração opostos em face da sentença no processo do trabalho e o novo CPC ........... 122

MELEK, Marcelo Ivan

Transações homologadas e sua revisão na Justiça do Trabalho: Conflito normativo instaurado pelo Tribunal Superior do Tra-balho — O processo civil e o processo do trabalho ....................................................... 129

SANTOS, André Luiz Ferreira

Questionamentos iniciais acerca do efeito preclusivo por ausência dos embargos de declaração opostos em face da sentença no processo do trabalho e o novo CPC ........... 122

SILVA, Fábio Ferreira da

Transações homologadas e sua revisão na Justiça do Trabalho: Conflito normativo instaurado pelo Tribunal Superior do Tra-balho — O processo civil e o processo do trabalho ....................................................... 129

ZWICKER, Igor de Oliveira

As condições da ação no novo Código de Processo Civil ............................................. 119

Entre a common law e a civil law: A imaturi-dade do ordenamento jurídico brasileiro na vinculação aos precedentes ......................... 127

6º PAINEL Os rumos do sindicalismo brasileiro

ANJOS, Francyelle dos

Prevalência do negociado sobre o legislado: Conjecturas sobre a fundamentalidade dos direitos sociais ............................................ 138

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LTr - Jornal do Congresso 7

ASSUNÇÂO, Carolina Silva Silvino

A possibilidade da prevalência do negocia-do sobre o legislado — O sindicalismo bra-sileiro está preparado .................................. 132

BARBOSA, Magno Luiz

Os rumos do sindicalismo brasileiro — Sin-dicalismo brasileiro — Perspectivas do di-reito negociado sobre o legislado ................ 145

CASTRO JUNIOR, Nilson de

A proteção do trabalho junto à Justiça do Trabalho e o princípio da dignidade da pes-soa humana em tempos de crise ................. 144

COSTA, Ana Paula Castelo Branco

Os rumos do sindicalismo brasileiro .......... 142

LIMA, Thierry Gihachi Izuta de

A pluralidade sindical como mecanismo de flexibilização ............................................... 137

MAXIMILIANO, Ana Maria

Prevalência do negociado sobre o legislado: Conjecturas sobre a fundamentalidade dos direitos sociais ............................................ 138

MONTES, Flávia Francisca Silva

A liberdade sindical dos trabalhadores imi-grantes ........................................................ 131

A liberdade sindical dos trabalhadores imi-grantes e o PL n. 2.516/15 .......................... 147

OLIVEIRA, Luciana Aparecida Freitas de

Validade e eficácia jurídica das normas co-letivas negociadas em face das normas he-terônomas imperativas e a equivalência das partes nas relações coletivas de trabalho .... 135

OLIVEIRA, Mauryane Braga de

Os rumos do sindicalismo brasileiro .......... 142

PRÍNCIPE, Carlos Eduardo

A ultratividade das convenções e acordos coletivos é adequada com a autonomia pri-vada coletiva ............................................... 133

VILLATORE, Marco Antônio César

A pluralidade sindical como mecanismo de flexibilização ............................................... 137

ZWICKER, Igor de Oliveira

O princípio da vedação ao retrocesso e a cláusula de avanço social como limites à negociação coletiva sobre a lei .................... 140

7º PAINEL Temas atuais de Direito e Processo do

Trabalho

AZEVEDO, Paula Grazielle Inácio de

Trabalho escravo contemporâneo, como consequência do capitalismo ...................... 161

BATISTA, Bruno May

Arbitragem como alternativa no Direito do Trabalho ...................................................... 159

BENTO, Flávio

Temas atuais de processo do trabalho: Tute-la de evidência em caso de abuso do direito de defesa ou de manifesto propósito prote-latório da parte na fase recursal .................. 156

CAVALCANTI, Marcia Hiromi

Temas atuais de processo do trabalho: Tute-la de evidência em caso de abuso do direito de defesa ou de manifesto propósito prote-latório da parte na fase recursal .................. 156

CHAVES, Clarissa Valadares

A coletivização das demandas como instru-mento de efetividade: Uma análise acerca da dispensa em massa ................................. 149

COSTA, Ana Paula Castelo Branco

O princípio da proteção e a paridade de ar-mas como forma de equalização das rela-ções processuais trabalhistas ...................... 158

FERRAZ, Miriam Olivia Knopik

Relações laborais, novas tecnologias e o di-reito à desconexão ...................................... 153

FIGUEIREDO, Antonio Borges de

Recursos repetitivos e suspensão processual 154

GENSAS, Rafael Saltz

Responsabilidade pré-contratual por rom-pimento injustificado das tratativas ............ 162

MEDEIROS, Rafael Dias

A tutela provisória e o Direito Processual do Trabalho à luz do CPC/2015.................. 150

MIKOS, Nádia Regina de Carvalho

Relações laborais, novas tecnologias e o di-reito à desconexão ...................................... 153

OLIVEIRA, Clésio de

Recursos repetitivos e suspensão processual 154

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8 LTr - Jornal do Congresso

RUBIM, Larissa Campos

O princípio da proteção e a paridade de ar-mas como forma de equalização das rela-ções processuais trabalhistas ...................... 158

SANTOS, Euseli dos

A possibilidade de controle de jornada no teletrabalho ................................................. 164

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LTr - Jornal do Congresso 9

1º PAINEL

REFORMA TRABALHISTA E REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO

Ana Laura Pereira DiasAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Em tempos de crise, a corrente neoliberal influen-cia para que gastos sejam cortados. Isso na maioria das vezes implica em significativas reduções de direitos trabalhistas. Ganha destaque neste assunto a questão da terceirização, que consiste em uma intermediação de mão de obra que permite ganhos econômicos signi-ficativos para os tomadores de serviços. Apesar de ter relevância no mercado, existe grande controvérsia na doutrina a respeito da regulamentação da terceirização. Alguns autores como o professor Amauri Cesar Alves (2013) consideram que tal forma de contratação sempre enseja precarização na relação de emprego, indepen-dentemente de regulamentação. Já outros, como o pro-fessor Maurício Godinho Delgado (2016), por sua vez, considera que a Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é suficiente para regulamentar a terceiri-zação no Brasil. Diante do exposto, indaga-se a respeito da regulamentação da terceirização trabalhista e, dentre as leis existentes, quais seriam mais adequadas.

Acredita-se que a regulamentação que atende aos princípios gerais do Direito do Trabalho e permite a menor precarização da relação de emprego na hipóte-se será sempre a forma mais adequada ao se tratar da terceirização. Este artigo foi elaborado tendo por base a escassa legislação em vigor a respeito do tema, assim como jurisprudência e doutrina sobre o assunto. Tem o objetivo de estudar a terceirização da relação de em-prego, pontuando, principalmente, a flexibilização das normas trabalhistas em tal contexto.

A relação de trabalho pode acontecer de maneira direta entre empregado e empregador ou intermediada por um terceiro, observando os elementos fático-jurí-dicos(1) do art. 3º da Consolidação das leis trabalhistas (CLT), caracterizadores da relação de emprego. Quando existe uma terceira pessoa que intermedia a relação de trabalho temos o fenômeno da terceirização trabalhista.

A terceirização, em síntese, se dá na situação em que o tomador de serviços (pessoa física ou jurídica) in-teressado em contratar mão de obra, ao invés de reali-zar a contratação bilateral — empregado e empregador — contrata uma interposta (pessoa física ou jurídica) —

(1) A conceituação elementos fático-jurídicos é utilizada pelo Professor Maurício Godinho Delgado, na obra Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

terceira — por meio de um contrato civil. A interposta neste contrato tem o papel de figurar como empregado-ra celetista do empregado terceirizado. Assim ela serve apenas para intermediar mão de obra e, consequente-mente, não produz e nem acresce nada na economia no país. Esses empregados, por sua vez, são os terceiriza-dos que prestam o serviço ao tomador de serviços mas, formalmente falando, trabalham para a interposta.

Como afirma o Professor Maurício Godinho Del-gado (2016, p. 487), ao analisar o instituto da terceiriza-ção, é possível observar que “para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual dissocia a relação econômica de trabalho da relação jus trabalhista que se-ria correspondente”.

Tal forma de contratação de trabalho teve início no fim do século XX, no modelo pós-fordista de pro-dução industrial. Surgiu devido à necessidade de fle-xibilização da produção através da especialização de serviços. Ao especializar seria possível às grandes fá-bricas saírem da crise dos anos 1970, uma vez que com a existência de um mercado mais seletivo em decorrência da crise financeira, a especialização flexível permitiria reduzir custos para que as fábricas não perdessem os lucros.

Importante também em tal contexto o fenôme-no do neoliberalismo, que reduz o plano de atuação do Estado na sociedade e na economia. Característica deste fenômeno é o ataque aos princípios do Direito do Trabalho, como por exemplo o princípio da proteção(2) dos trabalhadores, pois a primeira medida tomada pelo Estado em uma crise tende a se flexibilizar os direitos trabalhistas.

Por ser uma dessas estratégias de redução de gas-tos, a terceirização acaba por ser perversa com o empre-gado, pois cria desigualdade na remuneração básica da mão de obra, permitindo a existência, em um mesmo ambiente de trabalho, de duas classes de trabalhadores: o empregado contratado diretamente pelo empregador e o trabalhador que presta serviços para o tomador sem ser dele empregado, posto que terceirizado.

(2) Visa confrontar com a desigualdade jurídica, uma desigualdade econômica que marca a relação de emprego, amparando, desse modo, o trabalhador.

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10 LTr - Jornal do Congresso

Se de um lado a terceirização permite o aumento de lucro ao “patrão”, de outro ela torna precária a mão de obra ofertada. Apesar de o terceirizado ser igual-mente empregado celetista evidencia-se uma desigual-dade remuneratória entre ele e aquele diretamente con-tratado pelo tomador dos serviços. Isso se deve ao fato de ambos pertencerem a sindicatos diferentes, porque o empregado terceirizado não é representado pelo mes-mo sindicato do empregado do tomador dos serviços, nos termos da interpretação atual da norma contida no art. 511 da CLT.

Assim, de acordo com o Professor Amauri César Alves (2013), cria-se a seguinte situação injusta:

[...] trabalhadores em igualdade de situação fá-tica, que desenvolvem seu labor no interesse direto e imediato de um mesmo favorecido, mas com tratamen-to jurídico diferenciado, dada a multiplicidade de em-pregadores interpostos na relação jurídica básica entre quem se aproveita da força produtiva (o tomador dos serviços) e o empregado terceirizado.

O Direito do Trabalho tem por máxima a proteção ao trabalhador, o que deveria obstar qualquer flexibili-zação e desigualdade entre os empregados submetidos às mesmas condições de trabalho. Tal fato, entretanto, acontecia até mesmo na terceirização “regulada” pela Súmula n. 331 do TST.

A disciplina legal da terceirização no plano priva-do se deu inicialmente pela Lei n. 6.019/1974, que então disciplinava apenas o trabalho temporário, recentemente alterada pela Lei n. 13.439/2017. A terceirização de tra-balho temporário, que deveria sempre ter sido a única possível, se dá em duas situações: para atender à necessi-dade transitória de substituição de pessoal regular e per-manente do tomador dos serviços ou em situações em que é necessário o acréscimo extraordinário de serviços.

O importante é que entre os direitos deste tipo de terceirizado estava a remuneração equivalente à perce-

bida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora, o que garantia isonomia remuneratória entre trabalhadores em situação de igualdade. Tal isonomia, de matriz constitucional, não se dá nas outras moda-lidades de terceirização, pois o empregado contratado diretamente pelo tomador de serviços possui mais di-reitos que o terceirizado, fruto da normatização autô-noma coletiva específica.

Dessa forma, fica mais evidente que aplicar a lei de trabalho temporário, em seus termos originais de 1974, é suficiente, justo e conforme a Constituição da República, pois garante igualdade entre iguais.

Referências bibliográficas

ALVES, Amauri Cesar. Análise constitucional da ter-ceirização de serviços. Jornal Estado de Minas, Ca-derno Direito e Justiça, Belo Horizonte, Edição 25.625, p. 3.

__________. Direito do Trabalho Essencial: Doutrina, Le-gislação, Exercícios. São Paulo: LTr, 2013.

__________. Neoliberalismo, “flexibilização a sangue--frio” e direito do trabalho no Brasil. Revista LTr, ano 74, outubro de 2010, São Paulo, SP, p. 1245 a 1255.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Traba-lho. São Paulo: LTr, 2009.

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao Tra-balho Digno. São Paulo: LTr, 2006.

BRASIL. Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Ur-banas, e dá outras Providências. Diário Oficial da União. Brasília, 3 de janeiro de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6019.htm> Acesso em: 10 abr. 2017.

REFORMA TRABALHISTA: NEGOCIAÇÃO COLETIVA, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DE DIREITOS

Ana Luísa Mendes MartinsAcadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

A alteração de normas legais tende a gerar impac-tos sociais positivos e negativos consideráveis, com des-taque aqui para as transformações na seara laboral, pela

relação desequilibrada e dicotômica entre o capital e o trabalho. A compreensão das consequências da Reforma Trabalhista em relação aos direitos dos trabalhadores

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LTr - Jornal do Congresso 11

necessita ser construída tendo em vista não somente a prudência terminológica quanto aos termos “precarizar” e “flexibilizar” direitos, como também em relação ao “patamar civilizatório mínimo”(1) duramente construído no Brasil ao longo dos últimos anos. Importante também considerar o reconhecimento da histórica crise da repre-sentação sindical no cenário juspolítico brasileiro.

O PL n. 6.787/2016 altera tanto a Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), dispositivo vigente desde a dé-cada de 1940, quanto a Lei n. 6.019 de 1974, que dispõe sobre Trabalho Temporário em empresas urbanas. O relator do texto na Câmara dos Deputados, Sr. Rogério Marinho (PSDB), afirma que tais alterações são “uma modernização da legislação trabalhista”(2). Não obstan-te tal afirmação é necessária cuidadosa análise social, técnica e, por óbvio, jurídica dos institutos alterados.

O presente estudo pretende enfrentar apenas o tema que desde o impeachment da Presidenta Dilma vem sendo destacado pelo patronato brasileiro, que é a sobreposição do negociado sobre o legislado. Na verdade não se trata de tema novo, mas, sim, de nova abordagem sobre proposta já antes apresentada (e não implementada) na década neoliberal, sob FHC.

O caput do novo art. 611-A(3), apresentado no Pro-jeto de Lei n. 6.787/2016 estabelece, em síntese, que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando houver negociação co-letiva sobre temas diversos e que influenciam direta-mente o contrato de emprego. Para o legislador refor-mista pouco importa se o negociado trará flexibilização ou precarização de direitos trabalhistas. Sobre o tema, Maurício Godinho Delgado ensina que:

”(...) por flexibilização trabalhista entende-se a possibilidade jurídica, estipulada por norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das normas componentes do Direito do Tra-balho, de modo a mitigar a amplitude de seus coman-dos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência. Ou seja, trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com a autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma coletiva negociada.”(4)

Nesse sentido, a flexibilização de direitos ocorre quando se amplia ou diminui o comando de normas do Direito do Trabalho. A precarização de direitos, por seu turno, pode ser dar em situações identificadas por Maurício Godinho Delgado como “desregulamentação trabalhista”, que:

“(...) consiste na retirada, por lei, do manto nor-mativo trabalhista clássico sobre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o império de outro tipo de regên-

(1) Expressão consolidada e difundida pelo Professor Maurício Godinho Delgado.

(2) Estadão Conteúdo. Reforma Trabalhista prevê mudanças em 100 pontos da CLT; veja as principais propostas. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/04/reforma-trabalhista-preve-mudancas-em-100-pontos-da-clt-veja-as-principais-propostas-9769468.html>. Acesso em: 11 abr. 2017.

(3) BRASIL. Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016>. Acesso em: 10 abr. 2016.

(4) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 67.

cia normativa. [...] A desregulamentação (...) trabalhista ocorre, regra geral, por meio de iniciativas legais, que abrem exceção ao império genérico da normatização trabalhista clássica.”(5).

Há, doravante, duplo risco na construção da nor-ma coletiva autônoma. A reforma trabalhista pretende flexibilizar direitos, mas, na prática, a força do capital poderá impor sua precarização.

A sobreposição do acordado sobre o legislado deveria revelar a importância dos Sindicatos na com-posição de normas que alavancam a construção de um patamar civilizatório mínimo de direitos trabalhistas no Brasil. No entanto é importante atentar para a li-mitação da referida construção normativa autônoma. As normas coletivas, assim como quaisquer outras normas, deveriam priorizar obediência e adequação à Constituição da República. Caso não haja respeito aos preceitos constitucionais, a norma não deveria ser con-siderada válida, tendo por critério o reconhecimento da hierarquia das fontes, em que no ápice encontra-se a Carta Magna. Para tanto, dado ao Princípio da Inércia da Jurisdição, se esperaria que aquele que se sentisse ofendido pelo não amparo de suas garantias básicas na relação de emprego, ajuizasse o ação requerendo em Juízo o respeito aos seus direitos elementares. Porém, o afastamento das garantias positivadas permite uma ex-tensão da soberania do empregador durante a formula-ção das normas coletivas, pois o sindicalismo brasileiro padece de séria crise de identidade e de representativi-dade. O enfraquecimento dos sindicatos de trabalhado-res permite, inegavelmente, acordos e convenções que infringem o art. 7º da Constituição da República, seja por flexibilização seja por precarização decorrente de seus conteúdos.

Para piorar o cenário, a Justiça do Trabalho tam-bém é sensivelmente atacada e vilipendiada pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016, em um aparente sentimento de vin-gança dos patrões contra este ramo do Poder Judiciário. Basta singela análise do disposto no § 3º do art. 8º da CLT, a ser alterada. Estabelece o legislador vingativo que “no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio ju-rídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — Código Civil, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na auto-nomia da vontade coletiva.” Ora, quer o legislador que a Justiça do Trabalho se abstenha de fazer justiça, passan-do a órgão de validação da opressão do capital sobre o trabalho, desde que respeitadas formalidades até mesmo irrelevantes do ponto de vista da construção da norma jurídica autônoma. É urgente que tal cenário de destrui-ção sofra o enfrentamento possível, de todos aqueles que são interessados na realização da justiça social.

Referências bibliográficas

BRASIL. Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016>. Acesso em: 10 abr. 2016.

(5) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 69.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

Estadão Conteúdo. Reforma Trabalhista prevê mudan-ças em 100 pontos da CLT; veja as principais pro-

postas. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/04/refor-ma-trabalhista-preve-mudancas-em-100-pontos--da-clt-veja-as-principais-propostas-9769468.html>. Acesso em: 11 abr. 2017.

REFORMAS TRABALHISTAS E TRABALHO DIGNO: REFLEXÕES SOBRE MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO E SEUS LIMITES

André Lourenço VianaAcadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Tendo completado seu 74º aniversário a CLT, bem como outros textos legais trabalhistas, passa por um momento de reforma, em que são propostas as maiores alterações desde o seu advento em 1943. O objetivo do presente artigo é verificar a adequação destas propostas ao Direito Constitucional do Trabalho(1), especificamen-te no que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Questiona-se se é possível afirmar que há um direito ao trabalho digno e se este direito implica em limitações às mudanças propostas e às já realizadas na legislação trabalhista.

Primeiro é necessário desenvolver o que seria “trabalho digno”. Em 2007, o então Diretor-geral da Or-ganização Internacional do Trabalho, Juan Somavia deu a seguinte declaração: “Trabalho decente(2) é um traba-lho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, que ofereça perspectivas para o desenvolvimento pessoal, a inclusão social e o exercício pleno da cidadania.”. Cabe destacar que o trabalho digno é o ponto de convergên-cia dos quatro objetivos estratégicos da OIT(3). A Or-ganização considera o trabalho digno a efetivação do progresso econômico em consonância com o progresso social, garantindo direitos fundamentais ao trabalha-dor. Mas é ele um direito expresso no direito brasileiro? Encontra-se no texto constitucional a referência neces-sária para tanto.

A inserção dos arts. 6º e 7º da Constituição da Re-pública no Título dos Direitos e Garantias Fundamen-

(1) Expressão extraída do livro “Curso de Direito do Trabalho”, do Dr. Maurício Godinho Delgado, em sua 15. ed., 2016, p. 64.

(2) A expressão “Trabalho decente” utilizada por Somavia, é equivalente a “trabalho digno” e é utilizada em outros países de língua portuguesa.

(3) Para melhor compreensão do tema, recomenda-se a leitura do texto “O que é trabalho decente” da OIT. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>.

tais coloca o trabalho como direito social constitucio-nal. O art. 170 da Constituição da República estabelece clara relação entre o princípio da dignidade humana e o valor trabalho, ao vincular a existência digna (para todos) com justiça social à busca do pleno emprego. A Professora Gabriela Neves Delgado lembra a noção de “patamar mínimo” para que um trabalho seja conside-rado digno, apontando três eixos para que isso ocorra: o primeiro, com base nos tratados e convenções interna-cionais; o segundo na Constituição Federal e o terceiro nas normas infraconstitucionais, como é o caso da CLT. A Profa. Gabriela Neves Delgado disserta sobre o tema:

Se o trabalho é um direito fundamental, deve pautar-se na dignidade da pessoa humana. Por isso, quando a Constituição Federal de 1988 refere-se ao di-reito ao trabalho, implicitamente já está compreendido que o trabalho valorizado pelo texto constitucional é o trabalho digno. Primeiro, devido ao nexo lógico exis-tente entre direitos fundamentais (direito fundamental ao trabalho, por exemplo) e o fundamento nuclear do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana. Segundo, porque apenas o trabalho exercido em condições dignas é que é instrumento hábil a construir a identidade social do trabalhador.

Ao se reconhecer o trabalho digno como valor e direito fundamental é também necessário torná-lo viá-vel. (DELGADO, 2006, p. 74)

Do exposto até o momento, conclui-se que há um reconhecimento do direito ao trabalho digno e que esse direito gera um dever de proteção por parte do Estado, esclarecendo a primeira das dúvidas. Naturalmente, para isso é necessário que a legislação trabalhista pos-sa se adaptar e que passe por mudanças ao longo do tempo. Entretanto, analisando os fatos, propostas e al-terações recentes na legislação trabalhista, parece ter o legislador olvidado a compreensão do que seja trabalho

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digno. Para essa análise basta verificar, exemplificati-vamente, o conteúdo da Lei n. 13.429/2017, a popular Lei da Terceirização e principalmente o Projeto de Lei n. 6.787/2016, a chamada Reforma Trabalhista.

A Lei n. 13.429/2017(4), veio alterar o texto da Lei n. 6.019/1974, que versa sobre o trabalho temporário e que, com as mudanças, abriu espaço para a regulamen-tação, flexibilização e precarização das regras legais so-bre terceirização, reduzindo ainda mais os custos com mão de obra. Já o PL n. 6.787/2016, ou “Reforma tra-balhista”, propõe alterações não só na já citada Lei n. 6.019/1974, mas também na CLT. Cabe aqui uma análise de seus pontos mais controversos, uma vez que algumas das propostas afetam as condições de trabalho digno.

Uma breve análise de um único tema previsto do PL n. 6.787/2016 permite compreender seu caráter preca-rizante e despreocupado com a noção de trabalho digno. Trabalho digno é não impor ao empregado, sem negocia-ção coletiva, uma jornada de doze horas (art. 59-B, caput, CLT, após a “reforma”) e sem remuneração diferenciada em dias feriados (art. 59-C, CLT, após a “reforma”). Tam-bém não é trabalho digno aquele que permite ao empre-gador exigir doze horas de jornada em local insalubre (art. 60, parágrafo único, CLT, após a “reforma”). Por fim não é digno, lógico ou minimamente razoável trabalhar doze horas sem intervalo para alimentação e descanso (art. 59-B, caput, CLT, após a “reforma”).

O estudo permitiu concluir que direito ao traba-lho digno sim existe, e pensando através da perspectiva

(4) Ver texto da Lei recém aprovada disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm>.

de um Estado Democrático de Direito, deveria servir como limitador de mudanças como as da reforma, pois ao contrariar esse direito, contraria a também direta-mente a Constituição Federal, vide a nota técnica do Ministério Público do Trabalho(5) sobre o tema. Infeliz-mente, na prática, a concepção de direito ao trabalho digno não tem sido suficiente para limitar a aprovação de propostas com redução de conquistas trabalhistas. A aprovação da Lei n. 13.429/2017 e a rápida tramitação do PL n. 6.787/2016 mostram que há muito a se deba-ter e rever sobre o direito ao trabalho digno e o Direito do Trabalho nacional como um todo. Como tudo isso funcionará na prática é impossível dizer, mas aponta para uma grande precarização das condições de traba-lho, após mais de meio século de conquistas firmadas pela CLT. Os próximos anos serão de grandes reflexões e muitos desafios pela defesa dos direitos trabalhistas.

Referências bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Tra-balho Digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

__________. O trabalho digno enquanto suporte de va-lor. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 49, jul./dez., 2006.

(5) O MPT se manifestou sobre diversas propostas na legislação trabalhista através de notas técnicas. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/>.

REFORMA TRABALHISTA: TERCEIRIZAÇÃO E ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

Bárbara Fernandes VieiraAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

A terceirização, conforme preceitua Maurício Go-dinho Delgado (2016), é fenômeno que enseja a sepa-ração entre a relação econômica de trabalho e a relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Tal fenôme-no foi criado pela Administração de empresas com a finalidade de especialização de mão de obra, de modo que o tomador de serviços concentraria seus esforços somente em suas atividades finalísticas. Contudo, o que

se observa com a expansão deste fenômeno é a precari-zação do Direito do trabalho como um todo, haja vista que propicia a contratação de empregados com percep-ção remuneratória muito inferior em relação aos do to-mador de serviços.

Não obstante seja a terceirização um fenômeno sociojurídico antigo e bem desenvolvido entende a melhor doutrina que não há legislação suficientemente

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abrangente para regulamentar a relação triangular no Brasil. Diante de tal ausência o TST editou sua Súmu-la n. 331, que estabelece taxativamente as situações em que é possível a terceirização e, por exclusão, aquelas em que tal relação não é permitida. Em sentido contrá-rio ao da doutrina predominante até a edição da Lei n. 13.429/2017 já não era possível aceitar o fato de que a ausência normativa deveria ser solucionada por meio de tal súmula. Sobre a incoerência da terminologia “ili-citude” no que concerne à aplicação da Súmula n. 331 do TST dispunha o Professor Amauri Cesar Alves:

(...) a doutrina e a jurisprudência caracterizam a terceirização como “lícita” ou ilícita” de acordo com sua observância ou contrariedade ao disposto na Súmula n. 331 do TST, adiante estudada em detalhes. Na verdade, melhor seria a referência à terceirização em conformi-dade ou em desconformidade com a Súmula, e não à distinção lícita x ilícita. Possível ainda a referência à ter-ceirização regular ou irregular”.(6)

Não é possível, também, aceitar o argumento de que a terceirização demandaria, hoje, construção nor-mativa nova. Já há, desde 1974, regra legal que regu-lamenta toda e qualquer situação de contratação trian-gular de trabalho. A Lei n. 6.019/1974, em seus termos originais, sempre foi a lei trabalhista sobre terceiriza-ções, sendo desnecessária e impróprio o conteúdo fixa-do pela Súmula n. 331 do TST.

A Lei n. 6.019/1974, em seus termos originais, sempre fixou o que pode ser terceirizado: acréscimo extraordinário de serviços e substituição de pessoal permanente. Sempre fixou o valor a ser pago ao tra-balhador terceirizado, nos mesmos patamares devidos aos empregados diretamente contratados pelo tomador dos serviços.

Qualquer que seja a legislação trabalhista acerca da terceirização, fruto da sanha reformadora atual, será desnecessária tendo em vista os comandos originários fixados na Lei n. 6.019/1974. Os limites da década de 1970 foram muito bem lançados pelo legislador e de-veriam ter sido suficientes desde então. Fato é que não pode haver terceirização ilimitada, como defendem muitas vozes precarizantes. Contrariamente a estas vozes dominantes as lições de Maurício Godinho Del-gado, ainda que defenda a preservação das diretrizes sumuladas pelo TST:

(6) ALVES, Amauri Cesar. Direito do Trabalho Essencial: Doutrina, Legislação, Jurisprudência, Exercícios. São Paulo: LTr, 2013.

Para a Constituição, em consequência, a tercei-rização sem peias, sem limites, não é compatível com a ordem jurídica brasileira. As fronteiras encontradas pela experiência jurisprudencial cuidadosa e equilibra-da para a prática empresarial terceirizante, mantendo esse processo disruptivo dentro de situações manifesta-mente delimitadas, atende, desse modo, o instransponí-vel do comando normativo constitucional.(7)

Dessa forma, percebe-se que não necessariamente a terceirização necessita de mais regulamentação, mas sim que o tratamento que já é contemplado aos traba-lhadores terceirizados temporários alcance as demais hipóteses de terceirização, pois essa a melhor interpre-tação do fenômeno sociojurídico. Ainda acerca do trata-mento igualitário previsto pela redação original da Lei n. 6.019/1974 dispõe Mauricio Godinho Delgado:

A terceirização — mesmo lícita — provoca, natu-ralmente, debate acerca do tratamento isonômico apli-cável ao obreiro terceirizado em face dos trabalhadores diretamente admitidos pela empresa tomadora de ser-viços terceirizados. Esse debate tem resposta na pró-pria Lei do Trabalho Temporário (Lei n. 6.019/1974, art. 12, a), a par do preceito antidiscriminatório do art. 7º, XXXII da Constituição de 1988, merecendo ainda da ju-risprudência largo desenvolvimento e aprofundamento ao longo da última década.(8)

Ademais, além da discrepância salarial hoje veri-ficada e incentivada pela nova legislação sobre a maté-ria, a terceirização promove o enfraquecimento sindi-cal, posto que, a formação de um sindicato dos traba-lhadores terceirizados, como aponta Maurício Godinho Delgado, gera enfraquecimento na medida em que tal sindicado seria formado por segmentos muito dife-rentes da economia. Dessa forma, tendo em vista que o sindicato representa os interesses dos trabalhadores que atuam em similitude de condições, o ideal é que o empregado terceirizado seja representado pelo mesmo sindicato dos trabalhadores da tomadora de serviços.

Ocorre, como visto, que a intenção dos atuais de-tentores do poder é flexibilizar ainda mais as relações triangulares, força do disposto na Lei n. 13.429/2017, no Projeto de Lei n. 4.330/2004 e no Projeto de Lei n. 6.787/2016, todos no sentido de terceirização ampla, irrestrita e sem controles civilizatórios mínimos, o que não deveria prosperar em um Estado Democrático de Direito que pretende valorizar o trabalho.

(7) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

(8) ________ Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

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O Direito do Trabalho brasileiro enfrenta hoje, novamente, medidas neoliberais advindas dos Poderes Legislativo e Executivo como estratégias de solução da crise econômica. A adoção de reformas coaduna com a ação de outros países no sentido de conter a reces-são, o desemprego e a crise fiscal que perpetua desde 2008. Para tanto, nos últimos meses foram apresentadas e aprovadas no Congresso brasileiro diversas medidas, dentre elas a reforma no teto dos gastos públicos e do ensino médio, a aprovação do projeto que terceiriza to-das as atividades de produção e em estágio de rápida tramitação encontra-se o projeto de reforma trabalhista.

A reforma trabalhista proposta pelo Governo Fe-deral compreende uma série de mudanças na Consoli-dação das Leis do Trabalho e na Lei n. 6.019/1974. As alterações são fundadas nos argumentos de necessida-de de redução de custos na contratação, modernização da legislação, possibilidade do equilíbrio fiscal, além da contenção da insegurança jurídica nas relações de tra-balho.

Desse modo, a edição do projeto de reforma tra-balhista apresenta o intuito de incentivar as negocia-ções coletivas em diversos âmbitos, como a concessão de férias, participação nos lucros e resultados, banco de horas, trabalho remoto, horas in itinere, trabalho tempo-rário, intervalo intrajornada, dentre outros.

As negociações servem para garantir direitos e deveres aos sujeitos da relação trabalhista para além dos previstos na legislação, o que aparentemente soa benéfico, uma vez que alarga direitos concedidos aos trabalhadores. Porém, a adversidade reside no fato de o Projeto de Lei n. 6.787/2016 não trazer somente altera-ções que privilegiam o trabalhador.

O projeto pretende que a Justiça do Trabalho so-mente poderá revisar questões formais das negociações firmadas, determinando, desse modo, que “será anali-sada preferencialmente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, atentando-se ao disposto no art. 104 do Código Civil”. Assim, com fundamento na intervenção mínima na autonomia da vontade co-letiva, a atuação do Poder Judiciário deverá encontrar barreiras para a invalidação de ajustes normativos co-letivos que possam prejudicar os empregados. Embora teoricamente se diga sobre igualdade formal e jurídica entre os sujeitos coletivos, na prática tal isonomia nem sempre se dá. Em diversos contextos fáticos, em que grassa o desemprego, por exemplo, a negociação tende a ser prejudicial aos interesses dos trabalhadores. A Re-forma Trabalhista parece desconhecer tal realidade ao buscar afastar a Justiça do Trabalho da apreciação do mérito do ajuste negocial coletivo.

Além do risco acima destacado a reforma traba-lhista estabelece inúmeras alterações que beneficiam o patronato em detrimento dos trabalhadores, contrarian-do convenções da Organização Internacional do Traba-lho (OIT) e a própria legislação nacional. Como exemplo a proposta de acordo para redução do intervalo intra-jornada. Os períodos de descanso compreendem lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais, ou anuais do período de labor, em que o empregador pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e polí-tica.(1) A reforma trabalhista pretende que acordos ou ne-gociações coletivas decidam sobre intervalo intermitente de no mínimo trinta minutos, o que não corresponde às necessidades elementares dos trabalhadores.

Ainda há que ser mencionado a surpreendente alteração trazida pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016 que estabelece a faculdade das partes, mediante acordo ou convenção de trabalho, estipularem que no horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis inin-terruptas de descanso poderá ser indenizado o inter-valo para alimentação e descanso. Assim, não restam dúvidas que a possibilidade de supressão completa do horário para alimentação do empregado importa prejuízos para a saúde e a segurança do trabalhador, como qualquer pessoa razoavelmente bem intenciona-da pode concluir.

Defende-se que são plausíveis alterações como forma de aprimorar a legislação vigente às novas re-lações laborais estabelecidas. Não há problema em se buscar alternativa de diálogo entre setores e a seguran-ça jurídica na relação mantida entre patrões e emprega-dos. Ocorre que diversas medidas propostas no Projeto de Lei n. 6.787/2016 são caracterizadas como verdadei-ra supressão de direitos, de medidas de saúde, seguran-ça e bem-estar do trabalhador, o que não é condizente com os ditames de um Estado Democrático de Direito.

Referências bibliográficas

ALVES, Amauri Cesar. Direito do Trabalho Essencial: dou-trina, legislação, jurisprudência, exercícios. 1. ed. São Paulo: LTr, 2013.

BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, 1º de maio de 1943. Conso-lidação das Leis do Trabalho.

(1) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015.

REFORMA TRABALHISTA E PRECARIZAÇÃO DE DIREITOS

Regiane Braz RibeiroAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

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A reforma trabalhista foi originalmente trazida pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016, que por se tratar de proposta de alteração por meio de Lei Ordinária não te-ria o poder de alterar a Constituição da República, obvia-mente. De acordo com Maurício Godinho Delgado, com a Constituição de 1988 foi possível compreender a efeti-vação do Direito Constitucional do Trabalho no Brasil:

Em primeiro lugar, a Constituição da República aprovada em 1988 estruturou uma arquitetura concei-tual matriz, que perpassa todo o Texto Magno, que é o conceito de Estado Democrático de Direito — em cujo núcleo o Direito do Trabalho cumpre papel decisivo.

O Estado Democrático de Direito concebido pela nova Constituição funda-se em um inquebrável tripé con-ceitual: a pessoa humana com sua dignidade; a sociedade po-lítica, concebida como democrática e inclusiva; e a socieda-de civil, também concebida como democrática e inclusiva. (DELGADO, 2012, p. 43).

A legislação decorrente do Projeto de Lei n. 6.787/2016 não terá o condão de alterar o Direito Cons-titucional do Trabalho, ainda que tal não pareça ser a compreensão de seus autores e defensores. Para discu-tir a reforma trabalhista é necessário diferenciar flexibi-lização, desregulamentação e precarização de direitos tra-balhistas. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:

Por flexibilização trabalhista entende-se a possibi-lidade jurídica, estipulada por norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das nor-mas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência. Ou seja, trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com a autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma negociada.

Pela flexibilização, o preceito legal trabalhista é ate-nuado em seus comandos e efeitos abstratamente es-tabelecidos, em decorrência de permissivo estipulado

em norma estatal ou integrante de instrumento coletivo negociado (convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho). Nessa medida, a flexibilização trabalhista pode ser heterônoma (oriunda de permissivo constitucional ou legal) ou autônoma (oriunda de per-missivo CCT ou ACT). (DELGADO, 2016, p. 67).

Maurício Godinho Delgado conceitua também a desregulamentação trabalhista:

A desregulamentação trabalhista consiste na retira-da, por lei, do manto normativo trabalhista clássico so-bre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o impé-rio de outro tipo de regência normativa. Em contrapon-to ao conhecido expansionismo do Direito do Trabalho, que preponderou ao longo da história desse ramo ju-rídico no Ocidente, a desregulamentação trabalhista aponta no sentido de alargar espaços para fórmulas jurídicas novas de contratação do labor na vida econô-mica e social, naturalmente menos interventivas e pro-tecionistas. (DELGADO, 2017, p. 70).

Jair Teixeira Reis, especificamente no que con-cerne à terceirização, que é um dos pontos centrais da “Reforma Trabalhista”, trata da precarização de direitos trabalhistas:

O vocábulo precarização neste ramo do Direito Social (Direito do Trabalho) se justifica quando obser-vamos três fenômenos resultantes da prática interme-diadora da mão de obra: a) a subtração de direitos fun-damentais dos trabalhadores cooptados nas espécies de trabalho flexibilizadoras; b) a fragmentação da classe trabalhadora, devido a perda do poder organizacional coletivo (sindicalização); e c) a degradação do meio am-biente de trabalho, pois os trabalhadores terceirizados trabalham em jornadas maiores, ocupam funções peri-gosas, não são capacitados para o exercício das ativida-des laborais e acabam sofrendo diversos acidentes ou doenças ocupacionais. (REIS, 2017).

__________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 5 de outubro de 1988 — Constitui-ção da República Federativa do Brasil.

Carta Capital Justificando, Impactos das reformas tra-balhistas no mundo. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/29/impactos-das-reformas-trabalhistasno-mundo/>. Acesso em: 4 abr. 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2015.

DIAP. Departamento Intersindical de Assessoria Par-lamentar, Reforma Trabalhista: quadro Compa-rativo 2 — Substitutivo x CLT. Disponível em: <file:///C:/Users/Usuario/Downloads/re-forma_trabalhista_substitutivo_clt%20(2).pdf>. Acesso em: 2 maio 2017.

REFORMA TRABALHISTA: FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DOS LIMITES DE DURAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL

Roberta Castro Lana MenezesAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto; Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

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É relativamente simples perceber no Projeto de Lei n. 6.787/2016 medidas de flexibilização, desregulamen-tação e precarização de direitos trabalhistas. Exempli-ficativamente, o art. 59, § 5º, permite o banco de horas através do acordo individual escrito caracterizando a fle-xibilização. Como desregulamentação trabalhista, o art. 457, § 2º, exclui o prêmio da incidência de encargos tra-balhistas, excluindo legalmente seu anterior caráter re-muneratório. Por fim, o art. 394-A permite que a empre-gada gestante ou lactante labore em ambiente insalubre, o que caracteriza precarização de direitos trabalhistas.

O Projeto de Lei n. 6.787/2016 traz, ainda exem-plificativamente, mudanças no contrato de trabalho em tempo parcial disposto no art. 58-A da CLT, passando das 25 (vinte e cinco) horas dispostas na Consolidação das Leis Trabalhistas para até 30 (trinta) horas semanais, trazendo a possibilidade de realização de horas extras neste tipo de contrato laboral desde que limitada a dis-ponibilidade semanal de trabalho, neste caso, a 26 horas.

O Projeto de Lei n. 6.787/2016 fere abertamente o Direito Constitucional do Trabalho no Brasil, ao permi-tir o acordo individual entre empregador e empregado para estabelecer banco de horas. A Constituição da Re-pública permite a utilização do “Banco de Horas”, que é forma de compensação de jornada, apenas mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, como dispõe seu art. 7º, XIII.

A reforma trabalhista pretende também subtrair do trabalhador o direito às horas in itinere ou horas de transporte, referentes ao deslocamento casa-trabalho--casa, direito hoje consagrado no § 2º do art. 58 da CLT. Nos termos do Projeto de Lei n. 6.787/2016 o tempo des-pendido pelo empregado até seu local de trabalho, bem como retorno, não será computado na jornada laboral, inclusive quando o empregador fornecer o transporte.

A justificativa dos autores do Projeto para a exclu-são deste direito seria que o tempo gasto pelo empre-gado até o seu local de trabalho não é tempo a dis-posição do empregador, não devendo, portanto, ser considerado para o cômputo da jornada.

Outro ponto crítico tratado na Reforma Trabalhis-ta é o parcelamento das férias anuais do trabalhador. O Projeto de Lei permite que as férias sejam parceladas em até 3 (três) vezes por ano, independente da ocorrên-cia de casos excepcionais.

De acordo com Amauri Cesar Alves:

As férias, conforme é óbvio, têm por objetivo a re-composição das forças despendidas pelo empregado em favor do empregador durante um ano de trabalho, o que se dá através da paralisação remunerada das atividades laborativas por um período mínimo de 30 dias. Tal me-dida imposta pela CLT e nos termos da Constituição da República (art. 7º, inciso XVII) tem caráter protetivo à saúde do trabalhador, pois a pessoa natural necessita de descansos regulares para que possa manter-se produti-va. Ademais, a medida tem caráter social, ao potenciali-zar a inserção familiar e comunitária do trabalhador no seu período de descanso anual. (ALVES, 2012)

Além de prejudicar a economia, o parcelamento das férias prejudicaria também a saúde a vida social do trabalhador.

A reforma trabalhista implica na precarização dos direitos dos trabalhadores e não em mera flexibilização. Os direitos laborais devem ser vistos e tratados como indisponíveis e não podem ser flexibilizados, reduzidos e precarizados nem mesmo por negociação coletiva.

Não se pode pensar em uma reforma trabalhista que retire direitos dos trabalhadores conquistados ao longo do tempo, pois seria uma proposta que não está em consonância com a Constituição da República, por suas regras e princípios, especificamente as normas que vedam o retrocesso social.

O ideal seria dar plena efetividade a todas as nor-mas consagradoras de direitos fundamentais que hoje são previstas e cotidianamente ignoradas, exemplifica-tivamente o disposto nos incisos I, XI, XX, XXII, XXIII, XXV, XXVII, XXX, XXXI, XXXII, do art. 7º da Consti-tuição da República. O Brasil ainda tem grande déficit de implementação de direitos fundamentais, não sendo razoável propor alteração na normatização trabalhista antes mesmo da concretização fática das normas consti-tucionais que protegem o trabalhador. Pior ainda é pro-por reforma trabalhista contrariamente ao disposto no Direito Constitucional do Trabalho.

Referências bibliográficas

DELGADO, Maurício Godinho. Constituição da Repú-blica, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho. In: DELGADO, M. G. e DELGADO, G. N. Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Di-reito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. (3.ed., 2015)

__________. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Pau-lo: LTr, 2016.

__________. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Pau-lo: LTr, 2017.

REIS, Jair Teixeira. Precarização das relações de trabalho no ordenamento brasileiro — Estágio de Estudan-tes. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2498&revista_caderno=25>. Acesso em: 12 abr. 2017.

ALVES, Amauri Cesar. Simples precarização trabalhista: Análise do Projeto de Lei n. 951/2011. Disponí-vel em: <http://www.direitodotrabalhoessencial.com.br/artigos/simples-precarizacao-trabalhista--analise-do-projeto-de-lei-9512011/>. Acesso em: 12 abr. 2017.

Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016>. Acesso em: 12 abr. 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

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1. Introdução

Diante de uma iminente reforma trabalhista com lastros constitucionais de trabalhos dignos deixados de lado, este pequeno artigo denota convenções inter-nacionais ratificadas pelo Brasil elaborado pela OIT e presentes na nossa Constituição; visando relembra-los sobre tais mudanças legislativas, trazendo ainda a dig-nidade laboral frente à tentativa de mudança conceitual do trabalho análogo a escravatura.

2. Histórico da proteção internacional ao trabalho digno

Antes de adentrar no tema, a autora Gabriela Ne-ves Delgado(1) trata de trabalho digno de forma plena, contudo, o artigo é baseado na obra da autora Rúbia Zanotelli de Alvarenga(2), que o trata como trabalho de-cente. Alvarenga descreve que Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT) foi elaborada pela Conferência da Paz, assinada na cidade francesa de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial por países vencedores, objeti-vando respeitar os direitos humanos no labor mundial. Mais à frente o Brasil implementou como promoção a Justiça Social. A partir disso, a OIT visou orientar as políticas legislativas para todos os países signatários, internacionalizando as disposições sobre trabalho para que os mesmos não adotassem uma ação qualquer de um regime de trabalho ‘humanitário’, consagrando as-sim o direito do Trabalho como um novo ramo da ciên-cia jurídica.

3. Existência do trabalho digno instituído pela OIT

O Desembargador e Doutor Luiz Eduardo Gun-ther(3) (2012, p. 23), também propõe uma revisão termi-nológica de trabalho digno para decente, trazendo o melhor conceito:

(1) DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2016.

(2) ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho decente: direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 201.

(3) GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2012.

O trabalho decente, segundo a OIT, deve ser con-siderado como aquele que é desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada, e que se exerce em condição de liberdade, equidade, seguridade e respeito à dignidade humana.

Diante desse conceito, começo expondo que o Brasil ratificou declarações fundamentais da organi-zação, trazendo a luz na nossa carta magna o trabalho decente em diversos pontos, por tratar-se de valores universais, ou seja, traria ao trabalhador um mínimo de proteção ao trabalho como, por exemplo, exposto nos seguintes artigos: 5º, XVII: A liberdade de associação (proteção mínima ao trabalho), 7º XXVI c) Eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, idade mínima para trabalho (conquista essa após revo-lução industrial), dentre outros, visando à proteção do trabalhador à luz das transformações sociais e econômi-cas advindas da globalização (THOME, 2014, p. 61)(4). São cunhos constitucionais que os nossos congressistas maquiadas por projetos de leis manobrarem um sub-jetivismo jurídico a dignidade humana, quando passa flexibilizar cláusulas pétreas ao empregador esquecen-do-se do preceito e conceito resguardado internacional-mente pela OIT, como já exposta.

4. Trabalho análago ao escravo — Mudanças no trabalho digno e na legislação brasileira — Convenções ns. 29, 105 da OIT

O trabalho digno sem dúvidas passa por uma transformação no nosso país, o trabalho análogo ao es-cravo, que faz parte desse lastro do trabalho digno, que foi conquistado pelo Brasil há anos, está passando por um revés pior ainda. Atualmente é disposto no CP, art. 149: Reduzir alguém a condição análogo à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empre-gador ou preposto(5). Diante do conceito apresentado,

(4) THOME, Candy. (cit. em artigo) por GOMES e FREITAS JÚNIOR em A declaração de 1998 da 0IT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho: análise do seu efeito.

(5) BRASIL. Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei n. 848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que

AS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA — EXISTE UM DIREITO AO TRABALHO DIGNO? QUAIS LIMITES ELE

IMPÕE ÀS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO?

Jurandir Pereira da Silva FilhoAdvogado; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade

Anhanguera-Uniderp; Mestrando Especial em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).

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surgiu a PL n. 3.842/2012 (apensado PL n. 5.016/2005), apresentado pela bancada congressista ruralista, reti-rando às expressões jornada exaustiva e condições degra-dantes, com argumentos que a norma ocasionaria uma insegurança jurídica e maiores dificuldades dos julga-dores penalistas — Esquecendo estes, mais uma vez às convenções fundamentais da OIT ratificado pelo Brasil como 29 de 1930 que dispõe sobre abolição do traba-lho escravo, assim como 105 de 1957, versando sobre abolição do trabalho forçado, além de ferir o princípio constitucional da vedação ao retrocesso social(6), tudo isso em nome do capitalismo desenfreado, ou melhor, ultraliberal como destaca Supiot(7) que salienta e obser-va que a justiça social deve ser suprimida frente a pro-dução de riquezas, denotadas à exclusão, à violência, ao trabalho degradante e a imensa globalização na ordem econômica.

5. Crítica

Yara Maria Pereira Gurgel(8), destaca que ratificar às principais convenções da OIT não é suficiente para

se configura condição análoga à de escravo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.htm#art149>. Acesso em: 11 maio 2017.

(6) SALDANHA, Milton. A redução do conceito de trabalho análogo ao de escravo no Brasil e o princípio da vedação ao retrocesso social. 6º Congresso de Pesquisa e Iniciação Científica e 4º Encontro de Iniciação em Desenvolvimento tecnológico e Inovação do UDF. Anais, v. III, out. 2016.

(7) SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia — A justiça Social Diante do Mercado Total. 1. ed. Sulina AImedina, 2015. p. 9 e ss.

(8) GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

implantar uma política sustentável de trabalho digno ou decente. É essencial que o legislador nacional dê efe-tividade a igualdade material essencial à justiça social, assim ressalta também Alvarenga. Ou seja, o executivo que arrecada, também tem por base a melhor distribui-ção para uma efetivação do direito material trabalhista.

6. Conclusão

Podemos concluir que o trabalho digno é um di-reito que existe muito antes de qualquer mudança na le-gislação brasileira, preconizado de forma internacional pela Organização Internacional do Trabalho e que em nenhum momento suas convenções fora lembrada so-bre tal feito congressista. O estado mínimo mostrando até que ponto poderia ir tal reforma que em tempos du-radouros foi massacrado pelo estado liberal de direito, volta à tona em uma contemporaneidade globalizada, onde o capital sobrepõe o trabalho, lembrado nos pri-mórdios do estado democrático de direito.

São muitas ratificações deixadas de lado, até che-gar ao escancaro da mudança de conceitos de trabalho escravo para ganhos em largas escalas de capital. Que-rem do país uma chinalização mascarada de flexibili-zação trabalhista. Há de se respeitar o trabalho digno, apregoado de forma constitucional em diversos pontos da nossa lei maior, esses são os verdadeiros limites na mudança da legislação que é perceptível em quem se debruça no tema. Sem os limites do trabalho decente, não poderemos sequer pensar em um futuro trabalhis-ta, esquecendo o passado de lutas e vitórias, abalando o presente, apagando assim qualquer perspectiva de direito laboral no futuro.

A TERCEIRIZAÇÃO E AS PRINCIPAIS MUDANÇAS COM A APROVAÇÃO DA NOVA LEI

Kenia Cóva TripoloneAcadêmica do 4º ano UNIVEM/SP

Para iniciarmos uma reflexão a respeito da ter-ceirização e suas mudanças se faz necessário analisar o contexto em que nasce a proteção dos direitos do traba-lhador e posteriormente o surgimento da terceirização e suas nuances.

Para isso precisamos recorrer aos fatos históricos, e retroceder a Revolução Industrial e todo seu contexto

e modelos de produção Taylorista, Fordista e Toyotis-ta. A Revolução Industrial, ocorrida no século XIX na Europa, inovou a organização industrial da época e gerou um êxodo rural para a área urbana, acarretando excesso de mão de obra operária e grande massacre da classe trabalhadora em vista dos grandes donos fabris, que detinham todo o controle daquele período, pois o

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capital versos trabalho era exacerbado. Diante desta si-tuação, a classe operária começou a ficar descontente com todo ambiente, nascendo na Europa os primeiros passos para a criação de um Direito do Trabalho, afinal, os detentores do capital não queriam grande movimen-tações, queriam lucro, por isso acabam na época ceden-do de alguma forma.

Vale ressaltar, que nasce nos Estados Unidos no pós-guerra, toda essa situação e nesse contexto a cria-ção do modelo Taylorista, que buscava dividir o traba-lho e especializar o operário, barateando os custos de produção da época, sendo extremamente viável ramo industrial do século XX, que passado o pós-primeira Guerra Mundial, somente pensava em lucro e a subor-dinação do trabalho para o capital.

Neste período também ocorre o surgimento do modelo Fordista, elaborado por Henry Ford 1903, que era uma junção do sistema Taylorista com a facilida-de das máquinas, que revolucionou todo o modelo de chão de fábrica e inclusive a sociedade americana da época. O objetivo era baratear seu produto, bem como produzi-lo em grande escala, para isso adapta a espe-cialização de cada operário, como Taylor, entretanto, implanta uma esteira que movimentava as peças na linha de produção aumentando a velocidade que os funcionários desempenhavam suas devidas tarefas, tornando o sistema muito mais vantajoso e com a capa-cidade de empregar um contingente enorme de traba-lhadores/consumidores.

Já no século XX, pós-Segunda Guerra Mundial no Japão houve a criação do modelo toyotista, que apare-ceu após o declínio do neofordismo, devido ao enorme interesse nacional no ramo automobilístico da época, mas, sem conseguir adaptar o modelo Fordista usado pelos Estados Unidos, então, o Diretor atual da fábrica da Toyota Taiichi Ohno, elabora um sistema em que os operários eram multifuncionais, que veio a ajudar eco-nomia japonesa que passava por uma crise, não era uma produção em massa como no fordismo, mas sim uma produção “cautelosa”, de acordo com o consumo, além de ser otimizado o tempo de produção, novamente uma solução para aumento de capital sobre o trabalhador.

Notável, é ressaltar que em todos esses contextos de transformações de sistemas e pós-guerra houve ma-nifestação dos trabalhadores por melhorias, inclusive o sistema toyotista teve grande ascensão por dar certas “garantias aos operários, como chances de progressão na empresa, promoção por tempo de serviço, vitalicie-dade, fidelidade e aposentadoria aos 55 anos de idade, lembrando que todos essas benesses nascem, pois havia um sindicato corporativista que não era bem aceito pe-los trabalhadores.

Os países enxergam como porta para a aquecer sua economia o livre comércio, a abertura para o mer-cado estrangeiro, aceitando todo o liberalismo, a certa precarização do trabalhador, a pouca intervenção do Estado, mudando inclusive a legislação trabalhista da época, nascendo assim no Brasil a aceitação da terceiri-zação, que anteriormente era negada.

Ao chegarmos no ponto marcante, a crise nos paí-ses da Europa e no Brasil, abertura para o liberalismo, notamos que dai surge a “necessidade” da terceirização e para entendermos melhor a respeito dela, necessita-

mos saber qual a real diferença entre a relação de em-prego tradicional e a terceirização.

A terceirização ocorre bem diferente da relação de emprego padrão, nesta situação a contratação se de uma empresa para outra empresa, em que a “mercadoria” é a mão de obra, porém, não diretamente ligada a empresa que precisa do serviço, mas numa relação triangular, em que a empresa X intermedia isso, ou seja, o empregado/terceirizado é empregado da empresa X, a empresa Y con-trato a empresa X para prestar o serviço e quem o executa é o empregado. Desta forma, a empresa Y não tem relação de emprego com o empregado, mas tem um contrato com a empresa X, que em tese a beneficia por não ter que ter relação direta entre empregado e empregador.

Para que possamos adentrar ao mundo do Direito do Trabalho e relacionarmos as diferenças do que era antes da Lei n. 13.429 e as jurisprudências a respeito do tema e as normas vigentes até então, faz-se necessário analisarmos desde 1967, ano em que surge o primei-ro Decreto-lei n. 200, publicado em 25 de fevereiro de 1967, que dispunha a respeito da terceirização de uma forma sucinta no art. 10 caput, §§ 1º e 7º, e que não era com relação ao âmbito privado, mas sim ao âmbito Ad-ministrativo Federal.

No mesmo sentido em 1970, foi publicada a Lei n. 5.645 que delimitava a respeito do Serviço Civil da União, que da mesma forma que o Decreto-Lei n. 200, autorizava no serviço público a contratação indireta por meio de contrato, ou seja, terceirização, entretanto, deixava claro que seria na atividade-meio, como trans-porte, limpeza, operação de elevadores e etc.

Já no setor privado, a primeira Decreto-Lei veio em 1969, o Decreto-lei n. 1.034 de 21 de outubro de 1969, estabelecia a respeito do serviço de segurança nos Bancos e em seu art. 4º, passava autorizar que o serviço fosse fornecido diretamente ou por meio de contrato, sendo assim, forma indireta, terceirização.

Vale ressaltar, ainda que 1967 nasce uma Consti-tuição Federal num contexto de Ditadura, que preserva as condições socioeconômicas, que tinham a intenção de diminuição da desigualdade, latente a época.

A Constituição Federal de 1988, elabora no pós--ditadura, com todo um contexto de proteção ao cida-dão, surgem princípios como o da dignidade humana, que tem ligação direta com o trabalho, bem como o princípio do valor social do trabalho e da livre-inicia-tiva, entre outros, que estabelecem total fundamento para analisarmos a terceirização e até a sua inconstitu-cionalidade perante ao texto da Carta Magna.

Ademais, é de grande monta ressaltar que juris-prudência que trata da terceirização no setor privado, tendo, certo pensamento com relação aos vigias e outra com relação aos processadores de dados, ambos tercei-rizados, todavia, o Tribunal Superior do Trabalho en-tendia que o vigia, não equiparado ao empregado ban-cário nas horas de trabalho, já no caso do processador de dados, era equiparado ao bancário (vide Súmula n. 257 e Resolução n. 129 de 2005).

Outrossim, é notável a Súmula n. 256 do Tribunal Superior do Trabalho que via como ilícita a mera inter-mediação de mão de obra, foi “regulamentada” pelo Enunciado n. 331, que como forma de amparar de algu-ma forma a terceirização acaba trazendo ilicitude a tudo.

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Por fim, a Lei n. 13.429, menciona a respeito dos serviços temporários alterando inclusive artigos da Lei n. 6.019 de 3 de janeiro de 1974, bem como do assunto central desse artigo, a terceirização.

As mudanças principais a respeito da terceiriza-ção são a respeito da diferenciação entre a atividade-fim e atividade-meio, pois anteriormente podia somente ser terceirizada a atividade-meio, a atividade-fim tinha que ser executada por um funcionário da empresa, entre-tanto, com a aprovação da nova Lei, é permitido que se terceirize as atividades-meio (aquelas que não estão ligadas inteiramente com a atividade central da empre-sa), bem como a atividade-fim, inteiramente ligada a atividade central da empresa.

Ainda há mais mudanças, alterações essas que mudam o curso das ações trabalhista em que o nexo é essa relação triangular, pois antes falávamos em uma responsabilidade solidária das empresas, tanto a toma-dora do serviço como a terceirizadora deste, porém, com a nova regra, teremos responsabilidade subsidiária da empresa tomadora, ou seja, há uma certa blindagem àquele que solicita o serviço terceirizado, primeiro será cobrado daquele que “efetivamente” contrata, para de-pois, caso tenha necessidade recorra a cobrança ao to-mador do serviço da empresa terceirizada.

É necessário ressaltar ainda, a mudança quanto o “poderá ser estendido o mesmo atendimento médico,

ambulatorial destinado aos empregados da empresa, aos trabalhadores da prestadora de serviço”, ou seja, pode, não deve, dando a possibilidade de escolha a to-madora de oferecer ou não ao terceirizado igualdade aos demais empregados.

Poderíamos discorrer a respeito das várias mu-danças da Lei da Terceirização, mas eis que essas são algumas das quais, não mais importantes, todavia, muito notáveis, é concluso o quão prejudicial é para o país e para a segurança jurídica essa Lei ter sido apro-vada, além de trazer malefícios aos terceirizados, traz instabilidade, traz mais uma vez a certeza de que a ne-cessidade de servir ao capital se sobrepõe ao bem-estar do ser, novamente para supostamente aquecermos a economia, gerando pseudos novos postos de trabalho, usamos de destorcer, alterar as leis e prejudicar o mais hipossuficiente, deixando-o sem garantia, tornando-o ainda mais frágil e explorado.

Referências bibliográficas

LEITÃO, Tabata Gomes Macedo de. A terceirização no contexto de eficácia dos direitos fundamentais. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito do Trabalho) — Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

A (IN)SEGURANÇA JURÍDICA DA REFORMA TRABALHISTA — AS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

Marcelo Ivan MelekDoutor em Direito do Trabalho. Mestre em Educação. Especialista em Direito do trabalho e processual do trabalho. Advogado Trabalhista. Bacharel em direito e em administração de empresas. Professor de

direito do trabalho e processual do trabalho da Universidade Positivo. Professor de Pós-Graduação.

1. Introdução: Das fontes materiais rumo à fonte formal da reforma trabalhista

A reforma trabalhista é, sem dúvida, um tema que dá Ibope em todo o lugar. Tema polêmico, con-troverso e que todos tem uma opinião ou algo para falar, ainda que seja fruto do senso comum. Assunto que mexe verdadeiramente com toda a sociedade. Esse tema provoca grande comoção social, porque o traba-lho com seu caráter indissociável — alimentar — move e promove a vida cotidiana do cidadão. É por meio do trabalho que se promove o poder de compra, e insere o

trabalhador como consumidor, girando e incrementan-do a roda da economia.

O trabalho possui uma dimensão que vai muito além da econômica, pois é verdadeiro meio de inserção social, que dá ao ser humano sentido a vida, sendo re-sultado da produção de sua existência.

A necessidade ou urgência em modificar a legis-lação trabalhista não é pauta nova no mundo fático e jurídico. Há várias décadas, movimento principalmen-te encampado pelo setor empresarial, precisamente in-dustrial, vêm tentando encontrar espaço nos poderes

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legislativo e executivo, mas com lobby ou força política insuficiente para atingir seus objetivos.

No entanto, no ano de 2016 com a posse do pre-sidente da República Michel Temer, substituindo a pre-sidente que sofreu impeachment, a reforma trabalhista ganhou status de prioritária, juntamente com a previ-denciária, ambas pautas que marcaram o primeiro dis-curso oficial em rede de rádio e televisão.

Após tantos anos de jejum será finalmente quebra-do com a nova realidade política e econômica posta pelo governo de Michel Temer, sendo a reforma trabalhista já uma realidade. O direito do trabalho está sim em pro-funda transformação. Prova da fome do governo foi o anúncio, em dezembro de 2016, que modificações na le-gislação trabalhista viria via “fórceps”, isto é por meio de medida provisória. No entanto, a pressão e o lobby polí-tico das centrais sindicais, bem como das entidades sin-dicais laborais, por exemplo, fizeram o governo recuar, e por sua iniciativa apresentou no dia 22 de dezembro de 2016 o projeto de Lei n 6.787/2016 (PL n. 6.787/2016).

Ainda, como símbolo da pressa do governo, o projeto de lei rapidamente seguiu os trâmites internos legislativos, inclusive em regime de urgência e foi apro-vado pela Câmara dos Deputados, em 27.04.2017, na forma do substitutivo do relator Rogério Marinho da comissão especial de reforma trabalhista.

Vale dizer que o projeto aprovado, foi drastica-mente alterado e ampliado se comparado com a pro-posta enviada pelo Governo, tendo sido incluídos te-mas de grande polêmica como o fim da contribuição sindical obrigatória, apenas para citar um exemplo.

2. A exposição dos motivos do relatório da comis-são especial da reforma trabalhista

A reforma trabalhista, sem dúvidas, atende aos desejos dos empresários e é uma reforma deles e para eles. Apesar de diversas audiências públicas terem sido realizadas durante o processo legislativo, nitidamente se observa que as mesmas foram pró-forma, isto é, ape-nas para dizer que a reforma foi resultante de um pro-cesso democrático e legal. A única parcela da sociedade ouvida efetivamente foi do setor patronal. As conside-rações feitas por advogados, professores, Ministério Público do Trabalho, Poder Judiciário, dentre outras, foram solenemente ignoradas.

As principais razões da reforma segundo os mo-tivos expostos no voto do relator, constante do relatório da comissão especial trabalhista, foi de que é preciso modernizar as leis de acordo com a nova realidade so-cial e econômica existente no século XXI; de que a CLT está desatualizada; de que existem trabalhadores que têm tudo (refere-se aos direitos trabalhistas) e os que nada tem; grande número de desempregados; legislação tra-balhista é um instrumento de exclusão; alto índice de mercado informal de trabalho; objetiva-se a ampliação do mercado de trabalho; e aumentar a segurança jurídi-ca das partes.

Apesar de ser grande a tentação de dissertar sobre cada uma dessas equivocadas razões, por limitação do objeto deste artigo com vistas à atender os requisitos de publicação, será abordada apenas a questão de se ele-var a segurança jurídica da relação capital e trabalho.

2.1. A (in) segurança jurídica a partir da reforma trabalhista nas relações capital e trabalho

As modificações legais previstas na reforma, para fins didáticos serão aqui, classificadas nas seguintes ca-tegorias: a) inovações legais de institutos e formas de contratação; b) modificações de institutos já existentes na legislação atual que promovem retrocesso social; c) súmulas e orientações jurisprudenciais (OJs) do TST transcritas exatamente de forma contrária ao seu con-teúdo; d) alterações processuais que privilegiam os em-pregadores e limitam o poder do Juiz do trabalho; e) limitam o poder do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho na elaboração de súmulas e OJs.

Especialmente no que tange a categoria de nor-mas que trazem inovações legais de institutos e formas de contratação e de modificações de institutos já exis-tentes na legislação atual e que trarão grande retrocesso social, defende-se que tais alterações serão responsá-veis em promover uma verdadeira avalanche de ações trabalhistas, as quais resultarão em grande parte em insegurança jurídica.

Isto significa dizer que apesar do empregador se-guir fielmente o contido nas normas trabalhistas pode-rá ser alvo de ações promovidas na Justiça do Trabalho, as quais terão grande chance de serem julgadas proce-dentes, o que efetivamente aumentará a insegurança jurídica e como consequência o custo da empresa ou do chamado custo trabalhista.

Afinal, como se pode afirmar que aumentará a insegurança jurídica, quando na verdade é exatamente essa uma das razões da reforma?

A resposta pode ser bem mais simples do que parece. Longe da necessidade de construir filosóficas e abstratas teses jurídicas para afastar o contido na nor-ma, mecanismos jurídicos já existentes serão mais do que suficientes para que o juiz deixe de aplicar a norma ou então aplique de forma diferente da prevista em lei.

Não se pode esquecer que vários dispositivos da CLT não serão revogados como o próprio conceito de em-pregado (art. 3º da CLT), de que serão nulos de pelo direi-to os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da Lei (art. 9º da CLT). Assim, de nada adiante a lei tentar conferir validade absoluta a rea-lidade contratual distinta da relação de emprego, se o juiz deverá aplicar os artigos supracitados, por exemplo.

Além dos exemplos de dispositivos legais que não serão revogados e que servirão de substrato legal para o afastamento de normas que colidam com a rela-ção real havida, não se pode afastar-se da fonte maior do direito do trabalho que são seus princípios. Os prin-cípios trabalhistas jamais deixarão de ser aplicados, o que garantirá a manutenção da essência do direito do trabalho, qual seja seu caráter protetivo.

Além dos preceitos legais que se manterão vigen-tes, de todo arcabouço principiológico do direito labo-ral, tem-se ainda toda a aplicação do direito constitu-cional do trabalho. O trabalho nesta ótica é entendido ao mesmo tempo como direito (fundamental e social), valor (valorização) e princípio (de dignidade e funda-mental da ordem econômica) da República.

Conclui-se que o direito do trabalho é muito mais sólido e resistente do que qualquer tentativa legislativa que vise precarizar e retroceder nos direitos sociais dos trabalhadores.

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AS MUDANÇAS NA CLT E A HIPOSSUFICIÊNCIA DOS TRABALHADORES QUANTO À FLEXIBILIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Ingrid Barbosa DemoriAcadêmica de Direito

Além da socialidade há o protecionismo, o qual reconhece que o trabalhador é a parte mais fraca dentro da relação trabalhista, que vem contribuir para enraizar esse regramento como um protetor dos direitos dos tra-balhadores de forma justa.

Neste sentido o legislador compreende que por mais que as partes discutam o contrato de trabalho, al-gumas particularidades e detalhes, elas nunca estarão no mesmo patamar, ao passo que se nota que o poder patronal é extremamente mais forte e mais influente por se tratar de uma figura que detém o poder em suas mãos, fazendo com que muitas vezes o trabalhador se sinta acuado e acabe aceitando condições precárias de trabalho.

Contribuindo para o tripé característico do direi-to do trabalho temos por fim a irrenunciabilidade, que implica em não haver a possibilidade de se renunciar aos direitos trabalhistas, ou seja, a não flexibilização destes, que é uma das principais vertentes do direito do trabalho que está sendo desvirtuada com algumas mudanças que estão sendo trazidas à CLT por meio do Projeto de Lei n. 4.962/2016 que visa alterar o art. 618 deste regramento.

Esta é de fato uma das principais características do direito do trabalho quando nos deparamos com a realidade de que a classe patronal tenta por todos os meios inviabilizar, flexibilizar e burlar os direitos e ga-rantias que possuem os trabalhadores, seja por meio da concessão errada de férias e folgas, seja por meio de fraudes em banco de horas ou até mesmo de pagamen-to de salário e seus descontos. Cabe delinear o quão discrepante é a relação entre empregador e emprega-do para que se entenda que a flexibilização é errada, é imoral, ilegal e totalmente arbitrária.

Visto isso, cabe salientar a real função do direito do trabalho que é evitar a escravidão, a mais valia e a exploração do trabalho humano para fomentar o capi-talismo. É manter o equilíbrio social, distribuindo a ri-queza e garantindo a função social do trabalho.

Em suma o direito do trabalho pode ser com-preendido de duas maneiras quanto a sua natureza jurí-dica. Alguns doutrinadores o entendem como sendo de natureza privada, uma vez que as partes dentro de uma relação de trabalho são livres para negociar os termos, desde que estes não ultrapassem os limites estabeleci-dos em leis e convenções.

O direito do trabalho é um conjunto de princípios e regras que tem por finalidade prezar pela qualidade laborativa garantindo aos trabalhadores condições mí-nimas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, a fim de que realizem suas funções de maneira digna, contribuindo para a formação da sociedade e manuten-ção do ambiente familiar.

Está regulamentado pela Constituição Federal em seu art. 7º, além de possuir regramento próprio, Conso-lidação das Leis Trabalhistas — CLT; tal instituto jurídi-co possui cunho altamente social ao passo que contém normas garantistas e protecionistas aos trabalhadores, garantindo-lhes direitos para que possam desempe-nhar suas funções, seja na modalidade que for, de for-ma segura, com deveres previamente estabelecidos, dando-lhes segurança jurídica, além de assegurá-los contra qualquer evento superveniente que decorra de suas funções laborativas.

Cabe destacar a importância que este instituto desempenha na sociedade moderna, a qual pode-se de-nominar líquida e instável, uma vez que surgem novos postos de trabalho, novas tecnologias, novos ramos e segmentos que influenciam totalmente na maneira com a qual as pessoas se relacionam. Neste intuito o direito do trabalho vem então trazer a base, o pilar para que todas essas relações, por mais que advenham de seg-mentos distintos, consigam ser pautadas de maneira a garantir direitos e deveres a ambos os lados a fim de dar segurança jurídica e propiciar maior estabilidade nesse campo.

Antes que se adentre na reflexão acerca da hipos-suficiência dos trabalhadores frente aos novos moldes que a mudança da CLT traz, cabe ressaltar as principais características de tal regramento, a fim de que se possa fazer uma análise para verificar como esse novo cenário afeta o tripé axiológico deste instituto.

Como principal característica, a qual poderíamos denominar como base para o direito do trabalho, temos a socialidade, o que implica em dizer que dentro deste regramento os direitos sociais devem prevalecer sob os individuais, de modo a garantir, portanto, um bem-es-tar coletivo, da maneira mais abrangente possível.

Este princípio é basilar uma vez que o direito do trabalho é compreendido como protecionista e garan-tista do trabalhador, garantindo-lhe segurança jurídica para que possa desempenhar suas funções de modo digno e protegido pelo Estado de Direito.

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No entanto há uma corrente de doutrinadores que entende que sua natureza é pública uma vez que as normas que regem essas relações trabalhistas são nor-mas de ordem pública.

O que nos interessa quanto a natureza jurídica do direito do trabalho é compreender que sendo ele públi-co ou privado, possui algo em comum que é a não fle-xibilização dos termos e da negociação de trabalho que supere o texto legal, que existe justamente para tentar tornar a relação empregador e trabalhador mais justa e igualitária, que almeja trazer mais segurança jurídica para o trabalhador, mais proteção, mais direitos e prin-cipalmente mais dignidade no trabalho, uma vez que é nele que se desprende a maior parte do dia.

As lutas pela conquista dos direitos trabalhistas e de todas as garantias e proteções aos trabalhadores vêm desde muitos anos atrás e com o advento da Constitui-ção Federal de 1988, surgiu um cunho social ainda maior para o direito brasileiro, tornando essa luta ainda mais forte e atuante até mesmo nas convenções trabalhistas, nas discussões sindicais e no empoderamento por par-te dos trabalhadores, conforme ressalta Bobbio (1992, p. 54) “O direito não se faz sem lutas, as quais assumem diferentes formas, tal como a denúncia, o debate, o pro-testo, a resistência. Em consequência, o direito vai sendo construído em determinado contexto social fruto das transformações da sociedade”.

Ao analisarmos as raízes dos direitos trabalhistas, seu tripé axiológico, suas normas e lutas, é possível co-meçarmos uma reflexão um pouco mais aprofundada acerca das mudanças que foram propostas no Projeto de Lei n. 4.962/2016 e o que isso implicaria para o tra-balhador, parte hipossuficiente da relação.

O Projeto de Lei em questão propôs várias mu-danças na CLT que visam tornar essa relação entre em-pregador e trabalhador um pouco mais flexível e ne-gociável, com a fundamentação de que desta maneira haveriam muito mais postos de trabalho sendo criados e que isso ajudaria na diminuição da alta taxa de de-semprego no país, contribuindo ao mesmo tempo para uma possível ajuda na crise financeira pela qual o país enfrenta nos tempos atuais.

A principal mudança sugerida pelo Projeto de Lei n. 4.962/2016 é de que os pactuados entre patrão e funcionário possam valer mais do que a própria lei, e que essa característica nova poderia ser aplicada a 12 casos: Parcelamento do gozo das férias anuais em até três vezes, com pagamento proporcional, desde que um dos períodos corresponda a pelo menos duas semanas de trabalho ininterruptas; Jornadas de trabalho diferen-tes de 8 horas por dia, desde que respeite limites de 12 horas em um dia, 44 horas por semana (ou 48 horas, com horas extras) e 220 horas mensais; Parcelar o paga-mento da PLR; Regulamentar as horas extras nos casos em que o empregado se desloca usando transporte da empresa; Intervalo de almoço, respeitando mínimo de 30 minutos; Ingresso no PSE; Dispor da ultratividade; Horas que excederem a jornada normal poderão ser convertidas em banco de horas com acréscimo de no mínimo 50%; Trabalho remoto; Remuneração por pro-dutividade; Registro da jornada de trabalho e plano de cargos e salários.

Apenas por esse primeiro tópico sugerido como mudança já é possível perceber o tamanho do retroces-

so social e jurídico que isso acarreta a toda a sociedade. O primeiro ponto a ser analisado é a capacidade de ne-gociação que existe entre a classe empregadora e classe trabalhadora, seria possível comparar a capacidade de discussão, ponderação, reflexão e análise de um contra-to de trabalho entre o detentor de patrimônios, empre-sas, riquezas e bens com a de um simples trabalhador, seja de qual área for? Claramente a resposta é não e isso não se refere à capacidade intelectual do trabalhador, mas sim da questão social que há entorno disso.

Temos dois participantes ímpares numa mesma relação, de um lado o empregador procurando a mão de obra que lhe dê menos custo e mais lucro, procuran-do ganhar a todo o momento, de todas as formas, visan-do o crescimento de sua empresa e seu patrimônio. De outro lado, temos o trabalhador, que se encontra numa posição social aquém a de seu empregador, que está à procura de um trabalho digno para que possa prover o próprio sustento e o de sua família. É uma situação clara e evidente de que não há paridade de armas nessa relação, não há igualdade ou equidade, portanto, como seria possível deixar ao bel prazer de que o contrato de trabalho e todas as suas normas, termos e condições fossem estabelecidas da forma que as partes assim de-cidissem?

Além do fato de que o trabalhador não tem as mesmas forças para questionar e reivindicar seus direi-tos e os termos de um contrato de trabalho, este ainda ficará sujeito a condições de trabalho que irão interferir profundamente em sua saúde mental e até mesmo físi-ca, uma vez que esta proposta de acordo e flexibilização aceita que o trabalhador passe a exercer suas funções por até 12 horas diárias, tenha seus intervalos intrajor-nadas de 30 minutos, tenha suas férias divididas em até 3 partes, ou seja, um emaranhado de propostas que fa-vorecem única e exclusivamente ao empregador, parte mais abastada da relação trabalhista e que por conse-quência, deixa de proteger ao trabalhador que por re-gra deveria ser a parte abrangida pelo protecionismo trabalhista.

A possibilidade de o pactuado ser maior do que o que fora previsto em lei, é alto que nos faz retroagir juridicamente cerca de cem anos ou mais, significa di-zer que voltamos à época em que o poder patronal de-cidia o que queria fazer com seus empregados sem que houvesse limites, sem que houvesse preocupação com a dignidade do próximo, com a saúde física e mental do trabalhador, é, portanto dizer que a CLT estaria sendo menosprezada, e toda a luta de classes que se deu para que este cenário fosse montado tenha sido em vão.

Tendo isso em vista é possível concluir que as mudanças propostas pela reforma trabalhista possuem afrontas substanciais ao direito brasileiro, uma vez que seu fundamento principal incide na questão mais im-portante deste instituto que é o protecionismo de uma classe visivelmente mais hipossuficiente na relação tra-balhista, o próprio trabalhador, que por sua vez presen-cia seus direitos conquistados ao longo da história por meio de lutas, se esvaindo sem ter participação política suficiente para poder clamar contra o que está sendo feito. Diante disso cabe fazer uma profunda análise e reflexão acerca dos prós e contras desta reforma a fim de que se possa apurar o que deve ser mantido ou não, afim de que possa-se evoluir e melhorar a CLT e não devastá-la.

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Como suposta solução à crise econômica, repenti-namente despertou a classe política nacional para a ne-cessidade do que se denominou “Reforma Trabalhista” e, neste contexto, cumpre-nos examinar as alterações pretendidas e seus previsíveis impactos na classe tra-balhadora, especificamente a nova forma de contrata-ção rotulada “trabalho intermitente” prevista no PL n. 6.787/2016.

Extraído do modelo Toyotista o Just in Time sig-nifica basicamente produção por demanda, visa exclu-sivamente à redução de custos no processo produtivo pela diminuição do estoque/matéria-prima e com isso do dinheiro “empatado”. Aplicando a sistemática à contratação de mão de obra criou-se a “escala just in time” ou contrato sob demanda com o objetivo de redu-zir custos com pessoal.

Seguindo a praxe internacional o projeto brasi-leiro ao regular a matéria permite que o empregador convoque o empregado ao trabalho apenas quando lhe interessar e assim remunere apenas as horas efetiva-mente trabalhadas, o que por óbvio será regulado pela demanda ao seu produto ou serviço.

Sob a ótica do empreendimento são inegáveis as vantagens desse modelo de contratação já que exclui por completo a mão de obra ociosa por mais momen-tânea que seja, o que poderia ser causado por fatores triviais como, por exemplo, um período chuvoso para um restaurante à beira-mar. Entretanto, na posição do empregado, a realidade é outra e se mostra a modalida-de extremamente prejudicial.

Se aprovado, o proposto para o novo art. 452-A da CLT não garante uma obrigatoriedade ou periodi-cidade mínima de convocações, evidenciando a impre-visibilidade absoluta do trabalho, da fonte de renda e prejudicando as condições de vida do trabalhador, nos seguintes aspectos:

§ 1º Permite a convocação com até três dias de an-tecedência e somente nesta ocasião obriga a fixação da jornada de trabalho, prejudicando a compatibilização com outro emprego, estudos e obrigações familiares;

§ 4º Embora se dirija as duas partes, na prática vai autorizar a desconvocação imotivada, pois lhe per-mite retirar a oferta de trabalho mediante pagamento de apenas 50% da remuneração, com prazo de 30 dias para pagar ou compensar. O projeto não faz referência

ao que seria considerado “justo motivo”, gerando enor-me insegurança;

§ 5º Ao tratar o período de inatividade considera que não se trata de tempo à disposição da empresa, o que somado à liberdade na fixação da jornada vai im-por ao empregado o ônus do intervalo em diversas hi-póteses, como a jornada diária fracionada em duas ou mais etapas inferiores a seis horas, já que o art. 71 da CLT pressupõe o trabalho contínuo;

§ 8º Trata do recolhimento do FGTS e INSS, mas não faz qualquer referência à contagem do tempo de con-tribuição para fins de aposentadoria por tempo de serviço, o que certamente vai obrigar o empregado a trabalhar mais tempo, já que somente haverá recolhi-mento para os dias efetivamente trabalhados.

§ 9º Só formalmente garante o direito ao gozo das férias, pois na prática haverá a necessidade do traba-lhador em prestar serviços a mais de um empregador e será improvável a conciliação dos períodos aquisiti-vos/concessivos;

Outra vertente nociva deste modelo de contrata-ção é ser mais um potencial agente desfragmentador da categoria profissional, já que neste cenário o traba-lhador provavelmente irá se empenhar em atividades muitas vezes distintas e que constituem diferentes cate-gorias e, ao final, não terá identificação com nenhuma delas. Soma-se isso à iminente legalização da terceiriza-ção na atividade-fim e o sindicalismo nacional terá um adversário praticamente invencível(1).

Por se tratar de uma verdadeira “importação”, cumpre avaliarmos as experiências de outros países com esse tipo de contratação, ao que trazemos à colação as constatações de Robert Reich(2) (ex Secretário do Tra-balho durante o governo de Bill Clinton), sobre a aplica-ção deste modelo nos Estados Unidos:

(...) Como quer que se chame — escala “just-in-time”, trabalho sob demanda, contratação independente ou “econo-mia compartilhada” — o resultado é o mesmo: sem previsi-bilidade não há segurança econômica. O modelo aumenta

(1) Abordamos os impactos da terceirização no sindicalismo em trabalho diverso. Disponível em: <http://www.coutodecarvalho.com/wp-content/uploads/2015/07/Jornal-55%C2%BA-Congresso-Nacional-de-Direito-do-Trabalho.pdf>.

(2) Disponível em: <http://robertreich.org/post/116924386855>.

TRABALHO INTERMITENTE — A REFORMA TRABALHISTA E A PERIGOSA IMPLANTAÇÃO DO JUST IN TIME NOS CONTRATOS

DE TRABALHO NO BRASIL

Ivanderson Baldanza Dias Jr.Advogado; Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes — RJ, em parceria com Curso Toga

Estudos Jurídicos e CBEPJUR.

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a eficiência das empresas, mas é o pesadelo das famílias de trabalhadores. Na última semana o National Employment Law Project reportou que 42% dos trabalhadores nos EUA recebem menos de $15 por hora, mas nem $20 por hora seriam suficientes de o trabalho for imprevisível e inseguro. Não só é crítico o aumento do salário mínimo como também são crí-ticas a regularidade e previsibilidade da escala de trabalho. Alguns estados exigem dos empregadores que paguem a todo empregado que se apresente para o trabalho e for mandado de volta para casa, pelo menos 4 horas de salário mínimo. Essas leis não conseguem competir com software que permite aos empregadores compor a escala “just-in-time”, e informar aos trabalhadores minutos antes que eles não serão necessários. No que pode se tornar um caso de estudo, o promotor geral de Nova York Eric Schneiderman alertou na última semana a 13 grandes lojas — incluindo Target e The Gap — que suas escalas “just-in-time” desrespeitam e lei estadual, que exige pagamento aos trabalhadores que se apresentam para o traba-lho e são dispensados.

Analisando-se as assertivas de Reich se torna minimamente curioso o fato de o parecer da comissão especial sobre o PL n. 6.787/2016 apontar exatamente a experiência norte americana para justificar a implan-tação do modelo no Brasil(3). Apoiando-se em indica-dores nem sequer especificados afirmam que o mode-lo é uma potencial forma de geração de empregos, o que conflita diretamente com sua finalidade essencial, já que se trata de uma forma de reduzir os custos de produção justamente com o corte do que se vier a con-siderar mão de obra ociosa.

Também surpreende o parecer da Comissão ao tentar vincular este tipo de contratação à hipótese trata-da na OJ n. 358 da SDI-1 do TST, pois em nada se asse-melham, já que no caso tratado pela Corte Trabalhista quando da contratação o empregado tem fixados e as-segurados os parâmetros do contrato de trabalho, como remuneração, jornada e escala de trabalho, o que não é possível na nova figura.

Outra não é a razão para as duras críticas da Ma-gistratura e Ministério Público do Trabalho sobre o tema, especialmente pela notória transferência dos ris-cos da atividade econômica ao empregado que passa a arcar com as suscetibilidades do negócio. Por todos citamos a Desembargadora do TRT 1ª Região Vólia Bomfim Cassar(4) que em recentíssimo artigo justificou a retirada da proposta do projeto nos seguintes termos:

A criação da espécie de contrato de trabalho sob a deno-minação “contrato intermitente” visa, na verdade, autorizar a jornada móvel variada e o trabalho variável, isto é, a impre-

(3) Parecer da Comissão Especial da Câmara sobre PL n. 6.787/2016, p. 50. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=92477903A46A8F575554E3660A4CB8B3.proposicoesWebExterno2?codteor=1544961&filename=Tramitacao-PL+6787/2016>

(4) Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0BxLfUqyUbMSXM2NXUThxNHhVY1lRdlBycmhxMTdTMG12RFNn/view>.

visibilidade da prestação de serviços e, portanto, apenas de-fende os interesses da classe empresarial. A imprevisibilidade é algo nefasto tanto para o patrão como para o empregado. Há mais. De acordo com os arts. 2º e 3º da CLT, é o empregador quem corre os riscos da atividade empresarial. Os dois arti-gos (art. 443 e art. 452-A) pretendem repassar ao trabalhador os riscos inerentes ao empreendimento, o que não é possível nas relações de emprego. Frise-se que o § 3º do art. 452-A determina pagamento de multa pelo não comparecimento no dia de trabalho equivalente a 50% da remuneração do perío-do, criando uma excessiva punição ao trabalhador, que fica à disposição do chamado do patrão. Por esse motivo, os dois artigos devem ser suprimidos.

São alarmantes as conclusões a que se chega ao analisar com cuidado essa que é para nós mais uma forma de transferir à classe trabalhadora o preço pela crise econômica, mostrando-se mais atuais do que nun-ca as palavras de Arnaldo Süssekind para quem “é de se estranhar que, exatamente numa conjuntura de recessão econômica, crescimento da inflação e desemprego desenfreado, surjam arautos de soluções milagrosas que pregam o fim da única Justiça Especializada nos conflitos trabalhistas, o úl-timo recurso daqueles que emprestam sua força de trabalho para a construção de um País melhor”(5).

Conclusão

Por todo o colocado, a introdução deste modelo de contratação no ordenamento jurídico nacional pre-cisa ser evitada, pois enxerga o trabalhador como mero custo de produção a ser reduzido para otimização dos lucros, trazendo impactos diretos à qualidade de vida desses empregados que irão conviver constantemente com a incerteza da fonte de renda, imprevisibilidade das escalas de trabalho, redução dos salários e, muito provavelmente, dificuldades ainda maiores na aposen-tadoria por tempo de serviço.

Referências bibliográficas

CASSAR, Vólia Bomfim. Reforma Trabalhista — Co-mentários ao Substitutivo do Projeto de Lei n. 6.787/2016.

COUTINHO, Grijalbo Fernanes. Terceirização — Máqui-na de moer gente trabalhadora. São Paulo: LTr, 2015.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014.

REICH, Robert. Como a nova economia flexível está trans-formando a vida dos trabalhadores em um Inferno.

SÜSSEKIND, Arnaldo. História e perspectivas da Justiça do Trabalho.

(5) Revista do Tribunal Superior do Trabalho. v. 67, n. 4 (out./dez. 2001). Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/handle/1939/51483>.

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AS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

Alcy Richard Cavalcante BarbosaAdvogado. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do

Trabalho pela UNINORTE Manaus.

Ana Paula Castelo Branco CostaGraduada em Direito pela USP. Mestre em Direito pela Universidade

do Estado do Amazonas/UEA. Professora Universitária

1. Introdução

Nos últimos dias temos nos deparado com inú-meros questionamentos a respeito das reformas que es-tão sendo implementadas pelo atual Governo, em espe-cial a trabalhista, que tem gerado vários debates entre legisladores e até mesmo entre os próprios juristas, pois enquanto o governo defende a tese de que a reforma irá propiciar o aumento dos postos de trabalho em con-sequência da flexibilização das normas trabalhistas, há quem acredite que a proposta representa um verdadeiro retrocesso no que tange aos direitos dos trabalhadores. Mas afinal, a reforma na legislação trabalhista implica realmente na precarização dos direitos dos trabalhado-res? No decorrer deste artigo buscaremos responder a este questionamento com base na análise da legislação vigente em comparação com texto aprovado pela Câ-mara dos Deputados.

2. Análise dos direitos dos trabalhadores frente as propostas do PL n. 6.787/2016

Criada por meio do Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e sancionada pelo presidente Getúlio Var-gas, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) com-pletou neste dia 1º de maio de 2017 seus 74 anos. Ela foi criada para unificar toda a legislação trabalhista que existia no Brasil naquele período.

A Nossa Carta Magna de 1988, que ficou conheci-da como a Constituição Cidadã, agregou direitos traba-lhistas até então inéditos nas constituições anteriores, mas já elencados pela CLT, como a proteção contra a despedida arbitrária, ou sem justa causa; piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho prestado; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias, licença-pater-nidade; irredutibilidade salarial e limitação da jornada de trabalho para 8 horas diárias e 44 semanais, dentre outros.

Direitos estes já consagrados e que protegeram os trabalhadores até os dias de hoje. No entanto, com o argumento de que devido à época em que foi cria-da (1943), a CLT encontrasse desatualizada e não re-flete a realidade do mercado de trabalho atual, o Go-verno criou um projeto de reforma trabalhista (PL n.

6.787/2016), que foi apresentado pelo relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) a Câmara dos Deputados, no qual se prentende alterar mais de 100 artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), além de regulari-zar ao menos duas modalidades de contratação a saber: o o teletrabalho e o trabalho intermitente por jornada ou hora de serviço.

Um dos pontos mais polêmicos da reforma versa sobre a possibilidade de que negociações entre traba-lhadores e empresas se sobreponham à legislação tra-balhista, o chamado “acordado sobre o legislado” ao mesmo tempo em que põe fim as contribuições sindi-cais obrigatórias, o que com toda certeza enfraquecerá a discussão e pleitos coletivos por categoria de traba-lhadores.

Assim, a lei flexibilizará, caso aprovada, para a livre negociação das partes, questões como: a) o parce-lamento das férias, que poderão ser divididas em até três períodos, sendo que um deles deve ser de no mí-nimo 14 dias corridos e nenhum poderá ser menor que cinco dias corridos. Trabalhadores com mais de 50 anos terão direito de dividir suas férias, o que atualmente é proibido. Além de que, para que não haja prejuízos aos empregados, ficará proibido que as férias comecem dois dias antes de um feriado ou fim de semana. Hoje, a CLT determina que as férias podem ser divididas ape-nas em dois períodos, sendo que nenhum deles inferior a dez dias; b) a jornada de trabalho, que poderá chegar ao limite de até 12 horas por dia e 48 horas por semana. Sendo que a jornada de 12 horas, só poderá ser realiza-da desde que seguida por 36 horas de descanso. Hoje, a CLT determina uma jornada máxima de 8 horas por dia, e 44 horas semanais; c) o banco de horas do trabalhador que, caso não seja compensado em no máximo seis me-ses, terão que ser pagas como extras, ou seja, com um adicional de 50%, como prevê a Constituição; d) a re-dução de salário, será possível que empresas reduzam salários de seus funcionários por meios de instrumen-tos como a terceirização e a pejotização (contratação de autônomos com jornada regular e subordinação) e até mesmo pela negociação direta com o trabalhador. Hoje, a Constituição Federal permite em seu art. 7º, inciso VI, desde que haja concordância e participação da catego-ria nos casos em que a empresa esteja com problemas financeiros.

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Mas ainda existem alguns pontos que são imu-táveis e não podem ser objetos de negociação, como o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), o salá-rio mínimo, o 13º e as férias proporcionais.

De acordo com a avaliação do ministro do Tri-bunal Superior do Trabalho (TST), Mauricio Godinho Delgado em entrevista concedida ao Estadão — Portal do Estado de São Paulo, “A reforma trabalhista vai re-tirar muitos direitos, mas com uma inteligência, com uma sagacidade sem par, porque será em um proces-so gradual, os direitos poderão ser retirados no dia a dia da relação de emprego”. Para o ministro, a reforma rebaixa o patamar civilizatório mínimo alcançado pela legislação brasileira. “A jornada intermitente é um con-trato de servidão voluntária. O indivíduo simples fica à disposição, na verdade, o seu tempo inteiro ao aguardo de três dias de convocação”, disse. “O contrato de jor-nada intermitente, previsto na reforma, permitirá que o funcionário só trabalhará e receberá, caso a empresa o convoque com três dias de antecedência, esse tipo de contrato não possibilitará que o trabalhador possa ter crédito bancário, porque o salário dele é absolutamente desconhecido, nem o empregador sabe, nem ele saberá”.

3. Conclusão

Com base no que foi visto, podemos concluir que, a reforma trabalhista é sim necessária, mas não nos moldes do que está sendo apresentado, pois as propos-tas apresentadas representam um verdadeiro retrocesso nas leis trabalhistas, que retirarão direitos dos trabalha-dores de forma gradual e sistemática, pois o trabalha-dor é hipossuficiente na relação de trabalho e não pos-sui voz ativa para negociar com os patrões.

Ao se enfraquecer os sindicatos com a retirada das contribuições e permitir que patrões negociem pes-soalmente com seus funcionários estar-se-á na prática, retirando-se a proteção legal e muitos outros aspectos da relação de emprego.

Não bastasse a precarização das leis trabalhistas, o Projeto de Lei ainda dificulta o acesso à justiça por parte dos trabalhadores, pois a regra prevê que os cus-tos de um processo trabalhista serão divididos entre empresa e funcionário. Se o empregado ganhar seis de dez temas, por exemplo, terá de arcar com os custos do empregador nos outros quatro, e “ingressar com ação trabalhista, se aprovada essa fórmula, torna-se um risco terrível para o pobre. Só falta isto: o pobre ainda correr risco de sair com um passivo trabalhista às avessas”, afirmou Mauricio Godinho Delgado. Ministro do Tribu-nal Superior do Trabalho (TST).

4. Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponí-vel em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 mai. 2017.

. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis Trabalhistas). Dispo-nível em http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em: 14 mai. 2017.

<https://trt-24.jusbrasil.com.br/noticias/100474551/historia-a-criacao-da-clt>. Capturado em 14 mai. 2017.

http://veja.abril.com.br/economia/entidades-dizem--que-reforma-retira-direitos-do-trabalhador/ Capturado em 14 mai. 2017.

<http://www.folhape.com.br/economia/economia/economia/2017/04/25/NWS,25292,10,550, ECONOMIA,2373-REFORMA-TRABALHISTA--PREVE-REDUCAO-SALARIAL.aspx>. Acesso em: 14 mai. 2017.

<ht tp ://economia .es tadao.com.br/not ic ias/geral,reforma-vai-tirar-direitos-afirma-ministro--do-tst,70001775411>. Acesso em: 14/ mai. 2017.

A REFORMA TRABALHISTA E OS IMPACTOS NOS DIREITOS DOS TRABALHADORES: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO ASSALARIADO

Claudine Aparecido TerraDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná — PUC/PR. Membro do Grupo de Pesquisa NEATES — Núcleo de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico da PUC/PR. Mestre em Direito pela

Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, Jacarezinho. Professor Adjunto do Curso de Direito da PUC/PR — Campus

Londrina. Advogado em Londrina (PR).

Luiz Alberto Pereira RibeiroDoutor em Direito pela PUC/PR. Membro do Grupo de Pesquisa

NEATES — Núcleo de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico da PUC/PR. Mestre em Direito pela Universidade

Estadual de Londrina. Professor Adjunto do Curso de Direito da PUC/PR — Campus Londrina e Professor Adjunto da Universidade

Estadual de Londrina. Advogado em Londrina.

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Introdução

Está em discussão no Congresso Nacional, o Pro-jeto de Lei n. 6.787/2016(1), que visa alterar dispositi-vos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sob o argumento de modernização do referido diploma legal, vigente desde 1943, reforma pautada, principal-mente, na maior produtividade e eficiência do setor produtivo.

Tal proposta se aprovada no formato atual, por certo implicará em significativas mudanças nas rela-ções empregatícias, com influência direta na jornada de trabalho, remuneração, férias, terceirização, contri-buição sindical e, em especial, na equalização de força entre os seus intervenientes, pois dará força para que acordos celebrados entre empregadores e empregados possam prevalecer inclusive sobre a própria lei, o que poderá afastar, em algumas situações, a proteção dada pela CLT aos segundos e, principalmente, em descom-passo com os princípios e fundamentos estabelecidos na Constituição de 1988 que, notadamente, trata-se de uma Constituição que prima pela proteção dos direitos e garantias individuais e sociais.

Nesse contexto, as respectivas medidas terão forte impacto nas relações sociais e, por certo, influenciarão, de forma direta, a vida de todos os trabalhadores bra-sileiros. Assim, há quem defenda o projeto sob o argu-mento de que será eficaz na luta contra o desemprego, ao permitir a criação de novos postos de trabalho; ou-tros, porém, denunciam exatamente o contrário, como um retrocesso no regramento das relações empregatí-cias, vedado pela Constituição de 1988.

Entretanto, oportuno se faz questionar se tais mu-danças não poderão significar o início do fim do traba-lho assalariado tal qual preconizado atualmente, com sua precarização.

1. Reforma trabalhista — início do fim do traba-lho assalariado

O trabalho é um elemento determinante e central dentro da sociedade, essencial ao processo de humani-zação e de socialização, bem como na consciência da classe trabalhadora, chave da história e o complexo ge-rado do pensamento humano(2).

No entanto, a crise estrutural do capitalismo oca-sionou a reestruturação e as inovações no âmbito da organização empresarial e, por conseguinte, do próprio trabalho, gerando uma “metamorfose” no mundo do trabalho e, desta forma, a discussão sobre a perda da centralidade do trabalho como instrumento de trans-formação social.

É importante ressaltar que esse processo de reestruturação da produção, assim denominada de “revolução técnico-científica”, não proporcionou uma maior produtividade, mas sim, na visão de parte da

(1) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076>. Acesso em: 1º mai. 2017.

(2) ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 37.

doutrina o fim do trabalho assalariado(3), deixando o tra-balho de ser fonte de poder e de emancipação social(4).

Não obstante, apesar de se reconhecer que a res-truturação da produção e do trabalhado teve efeitos na relação de trabalho, motivo pelo qual há necessidade da ampliação da definição da classe trabalhadora para a classe-que-vive-do-trabalho (trabalhadores informais, subempregados, temporários, trabalhadores tem par-cial, terceirizados, quarteirizados, autônomos, servido-res públicos, os desempregados etc.), não há como de-fender o fim do trabalho e muito menos do trabalhador, principalmente pelo fato de continuar a ser, o trabalho, fonte de dignidade da pessoa humana.

2. Preservação do trabalho assalariado como pre-missas para a dignidade da pessoa humana: cidadão-trabalhador

O trabalho humano é sem qualquer dúvida o principal instrumento de movimentação de riquezas, pois sua atuação nos meios de produção possibilita a potencialização do capital, agregando-lhe valor, geran-do lucro para o empregador, mesmo se deduzindo os valores pagos ao empregado (salário e demais verbas).

Com efeito o Direito do Trabalho, no formato atualmente vigente pela CLT, regula as relações empre-gador-empregado, equilibrando a balança de interes-ses, de forma a preservar os valores capitalistas (pró-prios do sistema econômico adotado no Brasil), porém sem perder de vista a necessária proteção para a parte mais fraca deste elo, no caso o trabalhador.

Assim, o trabalho humano é inegável fator indis-pensável para viabilizar conquistas sociais e econômi-cas, de um lado para gerar lucro para o dono do capital e de outro para a sobrevivência e satisfação das necessi-dades básicas do empregado. Não resta dúvida que a ri-queza produzida pelo seu trabalho, além de contribuir e propiciar para que o dono do capital (empregador) tenha lucro, também deve ter o escopo de remunerar e garantir as necessidades e anseios do trabalhador.

Dentro dessas premissas o trabalho humano não pode ser considerado mero insumo de produção ou componente do custo de um produto ou serviço, ou seja, “mercadoria”, eis que ele é dotado de um elemento in-dissociável para sua caracterização, isto é, a conduta do homem que age, pensa e sente. Neste viés está prote-gido pelo princípio maior da dignidade da pessoa hu-mana, preconizada como um dos fundamentos do Or-denamento Constitucional brasileiro, logo no primeiro artigo da Constituição.

Não resta dúvida que qualquer nova legislação que venha a reformar as relações de trabalho assala-riada, conforme preconizado no referido projeto de lei deve ter como premissa básica o respeito à dignidade do cidadão-trabalhador.

(3) SCHAFF, Adam. A sociedade informática. Trad. Carlos Eduardo Machado e Luiz A. Obejés. São Paulo: Brasiliense. 1993. p. 22.

(4) GORZ, André. Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. p. 73.

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3. Contornos constitucionais da valorização do trabalho assalariado

Na Constituição Federal, conforme expressamen-te disposto no art. 1º, inciso IV, verificam-se contornos muito precisos para a valorização do trabalho assalaria-do, cujo início se dá exatamente com o reconhecimento da dignidade humana como um de seus fundamentos, cuja observância se contrapõe as regras ditadas exclusi-vamente pelo mercado na busca exclusiva do lucro e na defesa dos interesses econômicos, ao contrário, deve-se resguardar a dignidade do trabalhador, aquele que pro-duz em prol da sociedade(5).

Por outro viés, a Constituição tratou de elencar, no seu capitulo II, de forma peremptória e direta os chamados direitos sociais, no seu art. 6º, os quais fo-ram estabelecidos, numa estrutura lógica e estratégica, imediatamente após as garantias e direitos fundamen-tais, vale dizer, o reconhecimento do valor do trabalho

(5) ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de trabalho. São Paulo: LTr., 2014. p. 457.

humano e de sua ímpar dignidade pelos direitos sociais encontra amparo nos direitos fundamentais(6).

Em síntese, a reforma em análise deverá ater-se aos dispositivos acima mencionados, vale dizer, será necessário compatibilizar as novas normas com referi-dos ditames da Constituição que protegem o cidadão--trabalhador: ser humano e detentor de direitos sociais.

4. Conclusão

Com efeito, o sistema econômico brasileiro tem matriz capitalista baseada na liberdade de iniciativa e na propriedade privada, nos termos do art. 170 da Constituição, entretanto não se pode perder de vista, a importância de se observar os ditames da função social da empresa para preservar as características e garantias do trabalho assalariado, harmonizando-o com os inte-resses do mercado, tendo como fundamento básico a dignidade humana.

(6) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo, Atlas, 2007. p. 181.

AS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

Fernando Costa AlvesAdvogado em Manaus/AM,

Pós-graduado em Direito do Trabalho — UNINORTE

Desde os primórdios o homem está em constan-tes mudanças e evoluções, ainda que estas mudanças sejam lentas e levam a uma direção de um sentido de vida melhor, o que entende que é um desenvolvimento gradual e progressivo.

A Consolidação das Leis Trabalhistas foi criada em 1943, garantindo direitos aos trabalhadores desem-penharem o seu ofício com segurança e saúde o que para época foi um salto a garantia de direitos dos obrei-ros, levando em consideração que o Brasil estava sob a ditadura militar. Em 1988 foi promulgada a Constitui-ção Federal instituindo o Estado Democrático de Direi-to o que recepcionou quase na integralidade os artigos da CLT. Não pode se negar que a CLT necessita passar por uma reforma, pois hoje com 74 anos de sua criação vivemos uma outra realidade muito diferente do que por outrora se vivia no momento da sua edição, onde houve criação de novos postos e modos de trabalhos que precisam ser legislados para atender a realidade.

Ocorre que a PL n. 6.787/2016 propõe a reforma trabalhista com a justificativa de que já não atende mais as realidades, como os contratos de trabalhos, jornada de trabalho, negociações coletivas, organização sindical e justiça do trabalho, porém a forma que está tramitan-do o Projeto de Lei, está sendo muito célere do que nor-malmente se tramita qualquer outro projeto, o que acaba não tendo a devida discussão do assunto tão relevante, ainda a massa trabalhadora a parte mais interessada não foi chamada para a discussão, ou seja, o que de-veria ser um avanço pode na verdade ser um enorme retrocesso aos direitos trabalhistas por ter alguns prin-cípios mitigados se aprovado.

A PL n. 6.787/2016 propõe o contrato de presta-ção de serviços nas atividades-fim, ou seja, a terceiri-zação. O projeto propõe que cada trabalhador seja uma empresa sendo, portanto personalidade jurídica, assim sendo, cada trabalhador arcaria com todos os riscos da atividade econômica. Ainda todos os direitos trabalhista

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que normalmente teria um trabalhador empregado, não contemplaria o trabalhador terceirizado, como dé-cimo terceiro, férias, aviso prévio, FGTS, sendo como parte obrigacional de recolhimento do INSS pelo traba-lhador terceirizado.

Na proposta da Reforma Trabalhista o trabalha-dor continuaria tendo todas as características de em-pregado, porém o que será contratado é a execução do serviço. O princípio da primazia da realidade destaca justamente que o que vale é o que acontece realmente e não o que está escrito. Neste princípio a verdade dos fatos impera sobre qualquer contrato formal, ou seja, caso haja conflito entre o que está escrito e o que ocor-re de fato, prevalece o que ocorre de fato. Tal situação afrontaria de morte o principio da primazia da realida-de, pois na prática estamos diante de um empregado, porém na teoria é uma empresa. Contrato individual do trabalho é considerado o contrato real, dispensando--se sua forma escrita, quando ocorre a “Pejotização” ou “Pejotismo”, o trabalhador como Pessoa Jurídica, pode ser aplicado o art. 9º onde “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Con-solidação”.

Tal ato reduziria o trabalhador como objeto ou coisa, sendo tal ato ofensor a dignidade da pessoa hu-mana, no art. 5º da CF/1988.

O projeto propõe que os acordos individuais te-nham prevalência sobre o legislado, tal situação seria uma excelente ideia se o trabalhador tivesse força para negociar, em prática o trabalhador que não aceitar as condições de trabalho imposta pelo empregador, sim-ples será dispensado. O Direito do Trabalho sempre considerou o trabalhador como a parte hipossuficiente, ou seja, a parte mais frágil do processo, tendo em vista tal situação foi necessário estabelecer alguns direitos ao trabalhador para que este pudesse estar equiparado com o empregador, tendo em vista que o empregador detêm o poder financeiro e de recursos.

Em um eventual conflito entre o acordo e o legis-lado, o acordo irá se sobrepor ao legislado, ainda que esse acordo seja prejudicial ao empregado. O direito trabalhista por interpretar que a parte mais fraca judi-cialmente é o trabalhador, aplica o principio do in du-bio pro operário ou in dubio pro misero, onde uma norma

venha se conflitar em um determinado assunto, contra norma é aplicado a norma mais benéfica.

O projeto de lei ainda propõe um engessamento do judiciário pois não poderiam “criar obrigações que não estejam previstos em lei” (§ 2º do art. 8º), onde a função das Súmulas dos Tribunais é o de interpretar e firmar entendimentos uniformes para a aplicação da lei.

Tal ato impediria o tribunal de examinar even-tuais ilegalidades em acordos ou convenções, ou ainda, rebaixando o valor dos danos morais, pois a jurispru-dência construiu um entendimento que o dano moral não se vincula com “salário” pois a “moral” não está relacionada com os ganhos do trabalhador mas, sim, com a capacidade econômica do ofensor e a gravidade do dano causado.

Levando em consideração que o trabalho digni-fica a pessoa e este está como um direito social, tendo em vista, que a pessoa a partir do trabalho define toda a sua vida. Os direitos sociais são aqueles que têm por objetivo garantir aos indivíduos condições materiais ti-das como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos, por isso tendem a exigir do Estado uma in-tervenção na ordem social que assegure os critérios de justiça distributiva, assim diferentemente dos direitos a liberdade, se realizam por meio de atuação estatal com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais, por isso tendem a possuir um custo excessivamente alto e a se realizar em longo prazo.

O art. 6º da Constituição Federal de 1988 se refe-re de maneira bastante genérica aos direitos sociais por excelência, como o direito a saúde, ao trabalho, ao lazer entre outros. Partindo desse pressuposto os direitos so-ciais buscam a qualidade de vida dos indivíduos, sendo portanto inconstitucional tal reforma, tendo em vista que afetaria diretamente ao direito social. O art. 60 § 4º, inciso IV, CF, diz que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e ga-rantias individuais. No entanto, exclusivamente aqui, pode sim haver emendas, desde que estas alterações se-jam em benefício destes direitos, ou seja, a emenda não pode restringir direitos, mas sim ampliá-los.

Não tem como negar que a CLT necessita de re-forma, porém é devido ter cautela e discussões sobre o assunto, para que direitos não sejam mitigados causan-do assim prejuízo a classe trabalhadora.

A REFORMA E A BUSCA DA “MODERNIZAÇÃO” DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Flavia Ayumi KondoGraduanda em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná.

Natalia Munhoz Machado PrigolAdvogada. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná — PUC/PR.

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Objetiva-se analisar brevemente alguns aspectos da reforma trabalhista — Projeto de Lei n. 6.787/2016, em especial com relação a prevalência do negociado sobre o legislado, no intuito de provocar uma reflexão a respeito das possíveis consequências da “moderniza-ção” que a nova legislação intenta.

A reforma trabalhista, protagonista de centenas de discussões no âmbito jurídico, se fundamenta em uma promessa de flexibilização da Justiça do Traba-lho, mediante a concessão de ampla liberdade às partes para estipularem as condições do contrato da maneira que melhor lhes convir, prestigiando, desta forma, o ne-gociado sobre o legislado.

Por meio desta flexibilização das relações de tra-balho, a reforma assegura gerar novos empregos, ga-rantir a manutenção dos postos de trabalho já ocupados e, auxiliar no enfrentamento da crise econômica.

No entanto, apesar de suas promessas serem ten-tadoras, é preciso analisar com cautela o projeto em trâmite, especialmente no que se refere a suposta au-tonomia individual e coletiva do trabalhador que ela concede.

O Projeto de Lei em trâmite que propõe a inser-ção do art. 611-A na Consolidação das Leis Trabalhistas, prevê a concessão de força de lei aos acordos ou con-venções coletivas quando estes disporem sobre parce-lamento de período de férias anuais em até três vezes, cumprimento da jornada de trabalho, participação nos lucros e resultados da empresa, horas in itinere, inter-valo intrajornada (respeitado o limite de trinta minu-tos), ultratividade da norma, adesão ao programa de seguro-desemprego, plano de cargos e salários, regula-mentos empresariais, banco de horas, trabalho remoto, remuneração por produtividade e, registro de jornada de trabalho.

Aparentemente, a reforma desconsidera o fato da relação de trabalho se caracterizar pela presença do elemento subordinação que, por óbvio, limita a própria autonomia da vontade do trabalhador.

É difícil se fazer crer que a presença do referido elemento — subordinação — não interfira na própria manifestação da vontade dos empregados, nos even-tuais acordos ou negociações que ele venha a celebrar com seu empregador. Hipoteticamente, se um empre-gado não aceitar as condições que o empregador im-põe com relação ao contrato que os vincula, como por exemplo suprimir em cinquenta por cento o intervalo intrajornada, evidentemente que ele não logrará êxito em discutir com o empregador tal supressão.

O evidente desiquilíbrio que existe entre o empre-gador e o empregado parece ser ignorado pela reforma e, acreditar que eles discutirão, sob o prisma da igual-dade, as condições que melhor lhes convir é, no míni-mo, ingenuidade do legislador do Projeto.

É neste sentido o entendimento de Roberto Pa-rahyba Arruda Pinto a respeito do tema, o qual afirma que “em última análise, vai acabar acontecendo por via transversa a redução dos direitos consagrados na CLT, e a CLT consagra direitos que nós chamamos de ordem pública, indisponíveis e irrenunciáveis”(1).

(1) MARTINES, Fernando. Direitos sociais trabalhistas são vistos como entrave ao desenvolvimento. Consultor Jurídico Conjur. Disponível em:

Verifica-se que a dificuldade está em se pautar um equilíbrio para atender às necessidades de mercado sem desproteger o trabalhador e, consequentemente, violar o princípio protetor(2).

É preciso, ao menos, que se imponha limites à esta autonomia, sob pena de também se violar o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é irrenunciá-vel, inalienável e inerente a todos os indivíduos, confor-me assevera Alexandre de Moraes(3):

A dignidade é um valor espiritual e moral ineren-te à pessoa, que se manifesta singularmente na autode-terminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um mínimo invulnerável que por parte do estatuto jurídico deve assegurar.

Portanto, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção devem servir de parâmetro ao menos com relação à garantia de uma existência mini-mamente digna ao empregado, balizando, assim, even-tuais restrições e/ou limitações de direitos.

Frise-se uma vez mais que, ignorar a importância e o papel de tais princípios é incorrer em um enorme retrocesso de tudo que já foi conquistado pelos traba-lhadores. Neste sentido explica Alfredo Ruprecht:

Já passou o tempo em que o trabalhado era uma mercadoria e o trabalhador uma ferramenta a mais. Sua dignidade como ser humano lhe deve ser amplamen-te reconhecida e uma das formas efetivas de o fazer é criando desigualdades em seu favor, para compensar as que influem contra ele, protegendo-o contra o possível abuso patronal(4).

Acaso o Projeto venha a ser sancionado, restará, ao menos, a esperança de que eventual convenção e/ou acordo celebrados que contrariem direitos e garantias fundamentais poderão ser anulados judicialmente, por expressa violação da Constituição de 1988.

Desta mesma ideia de se privilegiar o negociado sobre o legislado também decorre a expectativa que os adeptos da reforma depositam nela como se um antí-doto fosse para enfrentar a crise econômica que assola o país.

Não se pode ignorar o fato da crise no setor eco-nômico influir de maneira direta na Justiça do Trabalho. Em tempos de recessão econômica, a procura diminui e a oferta aumenta, por consequência, as empresas pas-sam a enfrentar dificuldades financeiras decorrentes desta carência de procura, o que corrobora na dispensa de empregados para redução do quadro de trabalhado-res, gerando desemprego em massa.

<http://www.conjur.com.br/2016-dez-18/entrevista-roberto-parahyba-presidente-abrat>. Acesso em: 10 mai. 2017.

(2) BRZEZINSKI, Denise Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César. Direitos fundamentais sociais dos trabalhadores e a constitucionalidade dos instrumentos normativos coletivos que suprimem ou reduzem o intervalo intrajornada para repouso e alimentação e que reduzem o adicional de periculosidade. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/96203/2014_brzezinski_denise_direitos_fundamentais.pdf?sequence=1>. Acesso em: 9 mai. 2017.

(3) MORAES, Alexandre. Direito constitucional 32 ed. São Paulo: Atlas, 2016.

(4) RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios de direito do trabalho. Tradução Edílson Alkmim Cunhal. São Paulo: LTr, 1995.

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Todo este cenário, inevitavelmente, desemboca no poder judiciário, tanto é que em 2016 a Justiça do Traba-lho registrou mais de três milhões de novas ações(5), sem contar o aumento dos trabalhos informais.

Ocorre que, acreditar que a alteração da legislação trabalhista ajudará o país a superar a crise econômica ao possibilitar aos empregadores que restrinjam os di-reitos de seus empregados é uma visão distorcida da realidade. Na prática, o risco de se precarizar os direitos dos trabalhadores na ânsia do empregador de dispen-der o menor valor possível com verbas trabalhistas é imenso, o que vai de encontro com o que preconiza a própria Constituição de 1988, especialmente com rela-ção aos princípios da proteção do trabalhador e da dig-nidade da pessoa humana acima expostos.

A ideia de que a reforma gerará novos empregos e auxiliará na preservação das relações de trabalho já estabelecidas é falaciosa e não se sustenta, conforme as-

(5) Congresso em foco. Justiça do trabalho fecha 2016 com mais de 3 milhões de novas ações. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/justica-do-trabalho-fecha-2016-com-mais-de-3-milhoes-de-novas-acoes-trabalhistas/>. Acesso em: 28 abr. 2017.

severa Robinson Almeida ao afirmar que “em todo país onde ocorreram mudanças semelhantes, não se verifi-cou aumento dos postos de trabalho. No México e na Espanha, por exemplo, o que se viu foi apenas perda da qualidade dos empregados e do valor dos salários, sem diminuição do desemprego”(6).

Desta forma, apesar da grande e positiva expecta-tiva que se gerou por parte da sociedade com relação ao Projeto de Lei em trâmite, se sancionado, a proteção do trabalhador tende a ser violada.

Em suma, a “modernização” da Consolidação das Leis do Trabalho, ao contrário do que defende, está longe de colocar o empregado e o empregador em uma situação de igualdade e, apesar de possuir pontos posi-tivos, como por exemplo a limitação da gratuidade da justiça, o projeto exsurge preocupações das mais diver-sas que se centralizam basicamente em uma: a efetiva proteção do trabalhador frente ao empregador.

(6) ALMEIDA, Robinson. As três mentiras da reforma trabalhista. Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/ 282819/As-tr%C3%AAs-mentiras-da-Reforma-Trabalhista.htm>. Acesso em: 10 mai. 2017.

BREVE ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA NO SISTEMA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL E SEUS

REFLEXOS

Gustavo Barby PavaniAdvogado trabalhista, Graduado em Direito pela UNICURITIBA,

Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região, Mestrando em

Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR.

Anderson Prestes Graduando em Direito pela PUC/PR.

O presente artigo tem como objetivo analisar al-guns pontos da proposta de Reforma da Legislação Tra-balhista trazida pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e ou-tras legislações afetas ao Direito do Trabalho, em espe-cial as mudanças propostas no sistema de financiamen-to sindical e na prevalência das negociações coletivas.

Historicamente durante as crises econômicas vem à tona a discussão acerca dos direitos dos trabalhado-res, buscando atribuir a tais direitos parcela de respon-

sabilidade pelo desempenho negativo da economia. Nestes momentos, são indicados como responsáveis pela falta de competitividade das empresas e por seu alto custo operacional.

Igualmente são encontradas diversas críticas ao engessamento da legislação trabalhista e à falta de fle-xibilidade nas relações de emprego. Estas críticas são muitas vezes baseadas no argumento de uma Lei su-postamente ultrapassada e que impediria um melhor desempenho e crescimento do setor produtivo.

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Também não são recentes as ofensivas à Justiça do Trabalho e seu funcionamento, atribuindo-lhe um pa-pel de vilã na relação empregado e empregador, onde o empregado sempre receberia algo além de sua rescisão contratual ao ingressar com uma ação judicial.

Antes do início da crise econômica que o País atravessa e em decorrência das políticas e visões ideo-lógicas do executivo à época, puderam ser verificadas uma série de ações governamentais visando a manu-tenção do processo produtivo e consequentemente do emprego, como a ampliação de crédito, redução do IPI para certos produtos e de forma mais recente a desone-ração da folha de pagamento.

Tais medidas somente tiveram resultado em cur-to prazo, sendo que inclusive podem ser listadas como responsáveis pelo escalonamento da atual crise, prin-cipalmente com relação à arrecadação governamental decorrente das políticas adotadas.

O alto nível de desemprego atual, a retração da economia com queda do PIB e o encolhimento no lucro de diversas empresas, quando não o fechamento total da atividade produtiva, tornaram-se grandes problemas para a sociedade e motivo de preocupações.

Inevitavelmente o debate sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas ganha maior importância na conjuntura econômica do país, que anseia por uma res-posta rápida do legislativo quando as decisões executi-vas não são o suficiente para a recuperação econômica a curto prazo.

O principal argumento dos defensores deste posicionamento, conforme leciona Amauri Mascaro Nascimento(1), é que as mudanças propostas gerariam mais empregos ou ao menos reduziriam o número de dispensas, em face a uma redução de encargos traba-lhistas. Entretanto, não há qualquer embasamento es-tatístico ou histórico recente que corrobore esse posi-cionamento.

A presente análise de forma muito simplificada busca demonstrar se algumas das recentes alterações propostas pelo PL n. 6.787/2016 tratam de flexibiliza-ção dos direitos trabalhistas ou efetiva redução destes direitos, bem como questionar acerca dos reflexos de tais medidas a médio e longo prazo.

Uma das grandes e mais significativas alterações trazidas pelo PL diz respeito ao fim da contribuição sindical obrigatória, com a modificação dos arts. 545, 578, 579, 582, 583 e 587 da CLT, prevendo que a contri-buição sindical passa a ser optativa e somente poderá ser descontada do salário do empregado mediante ex-pressa autorização.

A pretensão do legislador, conforme Relatório do Projeto de Lei n. 6.787/2016(2), é buscar a efetivi-dade da atuação sindical, ao passo que os Sindicatos deverão se aproximar dos empregados e empregado-res mostrando uma batalha ativa pelos direitos de seus representados, para justificar o financiamento de sua

(1) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 75.

(2) BRASIL. Parecer ao Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra; jsessionid=C19A00657A79E68CD47F5AED4564F9C0.proposicoesWebExterno2?codteor=1544961&filename=Tramitacao-PL+6787/2016>. Acesso em: 28 abr. 2017. p. 28

atividade por meio da contribuição sindical optativa e quiçá um aumento na filiação e associação sindical.

Ainda, há clara menção ao entendimento de que a reforma no sistema de contribuição sindical irá forta-lecer a estrutura sindical, reduzindo o número de sindi-catos sem representatividade.

A reforma parte de um pressuposto de que as en-tidades sindicais no Brasil não representam de forma efetiva os interesses das partes obrigatoriamente a elas vinculadas, sejam empregados ou empregadores, e que a justificativa pela existência de milhares de sindicatos no país é a natureza obrigatória da contribuição sindi-cal que, juntamente com o princípio constitucional da unicidade sindical, incentiva a criação de sindicatos sem interesse de efetiva representação de sua classe, mas somente dos benefícios financeiros decorrentes da contribuição obrigatória.

O que aparenta ter sido deixado fora da discus-são é o impacto que esta mudança abrupta na forma de financiamento da atividade sindical no País pode acar-retar às categorias profissionais de empregados, prin-cipalmente pela alteração na normatividade das nego-ciações coletivas, que passam a prevalecer sobre a CLT.

Não se nega a necessidade mais do que urgente de uma alteração na estrutura sindical do país, entre-tanto, conforme defendido por Mauricio Godinho Del-gado(3) a mudança desta estrutura deveria passar por uma alteração não só no sistema de financiamento com-pulsório das entidades, mas também com uma altera-ção constitucional da obrigação de unicidade sindical, buscando um sistema de efetiva representatividade dos empregados e empregadores, mais afetos aos seus inte-resses e realidades.

O que se verifica é a ampliação de autonomia na negociação coletiva, com a reforma do art. 611 da CLT e inclusão dos arts. 611-A e 611-B dando prevalência à negociação coletiva sobre a legislação infraconstitucio-nal, inclusive destacando nos novos artigos as matérias que podem ou não ser objeto de livre negociação entre as partes.

Assim, aliado ao acréscimo de abrangência das negociações coletivas, está uma mudança radical na forma de financiamento das entidades sindicais que sem uma reforma na própria estrutura do sistema, continuará limitando a liberdade sindical constitucio-nalmente prevista e deixando a negociação coletiva sob responsabilidade de uma entidade com menos recursos financeiros para defender os direitos de seus represen-tados.

Em uma primeira análise, aparenta que o que será verificado caso seja aprovada a proposta de reforma da legislação trabalhista não será uma efetiva flexibiliza-ção dos direitos de empregados, mas sim a redução destes direitos.

Justifica-se esta abordagem pelo fato de que os sindicatos de empregados logicamente se encontram em posição financeira menos favorável do que os sindi-cados dos empregadores, sendo que a contribuição sin-dical era a maior fonte de financiamento da atividade sindical.

(3) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 1.384.

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Com o fim da contribuição compulsória aliada à maior autonomia da negociação coletiva, verifica-se a já conhecida e muito discutida relação desigual entre capital e trabalho, retirando um direito concedido às entidades sindicais que auxiliam a redução destas de-sigualdades e consequentemente dando margem para que os empregadores, fundada em sua superioridade econômica, possam impor seus interesses sobre os inte-resses dos empregados.

Novamente, não se discute que em muitos casos a finalidade da contribuição sindical compulsória não é devidamente atingida, mas o relatório do Projeto de Lei deixa claro que entende como regra a ausência de des-tinação correta destes recursos e da própria representa-ção sindical. Entretanto, tal posicionamento não encon-tra nenhuma fundamentação ou justificativa plausível, tratando as exceções como regra.

O que se conclui é que a reforma proposta pelo Projeto de Lei n. 6.787/2016 ao ampliar a autonomia das negociações coletivas e, ao mesmo tempo, alterar de forma radical o sistema de financiamento sindical aumenta as desigualdades e consequentemente a força de negociação das entidades sindicais dos empregados, dando margem para negociações coletivas prejudiciais aos empregados e que efetivamente retirem direitos mí-nimos legalmente previstos na CLT.

É necessária a reforma da estrutura sindical brasileira, bem como a negociação entre as partes deve ser cada vez mais voltada para a realidade de cada categoria ou atividade econômica por meio da negociação coletiva, entretanto, entende-se que esta reforma deve ser feita de forma gradativa e assegurando um mínimo de igualdade de condições entre as partes negociantes, sob pena de prejuízo para as partes economicamente mais vulnerá-veis da relação, os trabalhadores.

A NOVEL “LEI DA TERCEIRIZAÇÃO” — LEI N. 13.429/2017 — E A ORDENAÇÃO AXIOLÓGICA E TELEOLÓGICA DO SISTEMA JURÍDICO

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

Em 31 de março de 2017, após a Câmara dos De-putados ressuscitar projeto de lei aprovado no Senado Federal em 1998(1) — motivada pela demora (e razoá-vel parcimônia) do Senado em tramitar o Projeto de Lei n. 4.330/2004, atual Projeto de Lei da Câmara n. 30/2015, outrora aprovado em regime de urgência na Câmara(2) (3) (4) —, o Presidente da República promulgou a Lei n. 13.429/2017, batizada de “Lei da Terceirização”.

(1) Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-permite-terceirizacao-irrestrita.ghtml>. Acesso em: 8 abr. 2017.

(2) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>. Acesso em: 8 abr. 2017.

(3) Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/radioagencia/507997-projeto-que-regulamenta-terceirizacao-aguarda-votacao-no-senado.html>. Acesso em: 8 abr. 2017.

(4) Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120928>. Acesso em: 8 abr. 2017.

A recém-aprovada Lei n. 13.429/2017, publicada no Diário Oficial da União de 31 de março de 2017 (edi-ção extra), alterou dispositivos da Lei n. 6.019/1974 — que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências — e dispôs sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de servi-ços a terceiros — estas últimas, atividades terceirizatórias em sentido estrito. Entrementes, as questões sobre tercei-rização foram inseridas pela novel Lei n. 13.429/2017 na própria Lei n. 6.019/1974.

Segundo art. 4º-A, caput, da Lei n. 6.019/1974 (introduzido pela Lei n. 13.429/2017), considera-se “empresa prestadora de serviços a terceiros” a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contra-tante (tomadora dos serviços) serviços “determinados e específicos”.

Nesse diapasão, segundo art. 4º-A, § 1º, a empre-sa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o

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trabalho realizado por seus trabalhadores, com a possi-bilidade, inclusive, de subcontratação de outras empre-sas para a realização desses serviços (quarteirização).

Noutro giro, a “contratante” — leia-se, a toma-dora dos serviços — é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços “determinados e específicos” (art. 5º-A, caput, da Lei n. 6.019/1974, introduzido pela Lei n. 13.429/2017).

Segundo art. 5º-A, §§ 1º e 2º, é vedada à contra-tante a utilização dos trabalhadores em atividades dis-tintas daquelas que foram objeto do contrato com a em-presa prestadora de serviços e, ainda, que os serviços contratados (terceirizados) poderão ser executados nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes.

Por óbvio, a Lei em questão tem nítido caráter pre-carizador, neoliberal, vinculado a teorias da justiça de índole liberal. Quando intencionou conferir à terceirização a prática de serviços “determinados e específicos”, cer-tamente buscou desvirtuar o que há muito se assentou na jurisprudência trabalhista nacional: a de que não é possível a terceirização na atividade-fim das empresas tomadoras dos serviços (Súmula n. 331 do Tribunal Su-perior do Trabalho).

Segundo Delgado (2017:70),

A desregulamentação trabalhista consiste na reti-rada, por lei, do manto normativo trabalhista clássico sobre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o impé-rio de outro tipo de regência normativa. Em contrapon-to ao conhecido expansionismo do Direito do Trabalho, que preponderou ao longo da história desse ramo jurídi-co no Ocidente, a desregulamentação trabalhista aponta no sentido de alargar espaços para fórmulas jurídicas novas de contratação do labor na vida econômica e so-cial, naturalmente menos interventivas e protecionistas. Nessa medida, a ideia de desregulamentação é mais ex-tremada do que a ideia de flexibilização, pretendendo afastar a incidência do Direito do Trabalho sobre certas relações socioeconômicas de prestação de labor.

A desregulamentação (ou desregulação) trabalhis-ta ocorre, regra geral, por meio de iniciativas legais, que abrem exceção ao império genérico da normatização tra-balhista clássica. É o que se passa, por exemplo, com as relações cooperativistas de trabalho, que buscam instau-rar um vasto campo de utilização do labor humano, mas com parcas proteções e garantias normativas.

Claramente, estamos diante de um caso típico de legislação que buscou a desregulamentação como fim pre-cípuo, a retirar dos empregados o manto de proteção do Direito do Trabalho. Não sejamos ingênuos: continuará a existir o vínculo de emprego entre o empregado ter-ceirizado e a empresa terceirizadora, agora nominada de “empresa prestadora de serviços a terceiros” (art. 4º-A, caput, da Lei n. 6.019/1974, introduzido pela Lei n. 13.429/2017). Porém, a precarização no seio da ter-ceirização é bem conhecida de todos: é estatística, é rei-terada, é constatada diuturnamente (ZWICKER, 2015).

Entretanto, a Lei n. 13.429/2017 incorreu em um “erro” paradoxal, diante da sua pretensa mens legis: deixou o conteúdo jurídico de serviços “determinados e específicos” ao alvedrio do Poder Judiciário, porque não o especificou (conteúdo aberto).

Isso porque foi expressa, quanto ao conceito de atividade-meio e de atividade-fim, tão somente quanto aos serviços temporários, segundo art. 9º, § 3º, da Lei n. 6.019/1974 (introduzido pela Lei n. 13.429/2017), que disse: “O contrato de trabalho temporário pode versar so-bre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços”.

Porém, esta não é uma novidade e, além de já ter expressa previsão na Lei n. 6.019/1974, antes do adven-to da Lei n. 13.429/2017, já era admitida pela própria Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

Isso porque a redação originária da Lei n. 6.019/1974 já conceituava (art. 2º) que trabalho tempo-rário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordiná-rio de serviços. Trata-se de clássica hipótese de inter-mediação de mão de obra — a única possível em nosso ordenamento jurídico até então.

Ou seja, caberá ao magistrado do trabalho, cuja formação é especializada e sensível às relações entre capital e trabalho, abraçar teorias da justiça de cunho liberal, interpretando a Lei n. 13.429/2017 como um “salvo-conduto” às empresas para terceirizarem que atividade entenderem e quiserem, incluindo no conteú-do de serviços “determinados e específicos” o conceito de atividade-fim, ou produzir sua atividade intelectual desatrelada de teorias da justiça de cunho liberal e cor-respondente a uma ordenação axiológica ou teleológi-ca — na qual o sentido teleológico não é utilizado no sentido estrito de pura conexão de meios aos fins, mas no sentido mais lato de cada realização de escopos e de valores. (TREVISO, 2012:54)((5))

Nesse diapasão, posso recorrer a regra comezinha que se extrai do princípio da proteção — a regra do in dubio pro operario:

Sobre a regra in dubio pro operario, devemos fri-sar que se trata de técnica de interpretação: quando a norma permite interpretação dúbia ou mais de uma interpretação, deve prevalecer aquela que aproveita ao trabalhador. É importante relembrar que o direito do trabalho surgiu como uma técnica de proteção ao obrei-ro que, por ser economicamente hipossuficiente, estava por ajustar condições indignas de trabalho, aviltantes para o ser humano. Em princípio, toda norma traba-lhista parte desse mesmo pressuposto e, se mais de um sentido lhe couber, é de preferir-se aquele que justifica a sua existência, ou seja, privilegia-se a exegese que se mostra apta a oferecer uma condição mais justa de tra-balho. (CARVALHO, 2016:69)

Desse modo, a exegese que se mostra apta a ofe-recer uma condição mais justa de trabalho é aquela que pensa o ordenamento a partir de regramento de justiça, de natureza valorativa, de modo que o sistema a ele (ao ordenamento) correspondente só pode ser uma orde-nação axiológica ou teleológica — na qual o sentido teleológico não é utilizado no sentido estrito de pura conexão de meios aos fins, mas no sentido mais lato de cada realização de escopos e de valores.

(5) “O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais de Direito, na qual o elemento de adequação valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológica e o da unidade interna à característica dos princípios gerais.” (CANARIS, 2008:76-78)

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Assim, o único conteúdo jurídico possível a ser-viços terceirizatórios “determinados e específicos” é aquele que se adéqua ao que já está consolidado na Sú-mula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista a experiência brasileira com a terceirização, francamente precarizatória e potencialmente desregu-lamentadora de direitos sociais fundamentais relacio-nados ao trabalho.

Referências bibliográficas

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e con-ceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian, 2008.

CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do Traba-lho: curso e discurso. São Paulo: LTr, 2016.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017.

TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. A competência da justiça do trabalho, a incapacidade laborativa do traba-lhador e o restabelecimento de benefícios previdenciá-rios. São Paulo: LTr, 2012.

ZWICKER, Igor de Oliveira. O ciclo perverso da tercei-rização brasileira e o apequenamento dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. In: Jornal do Congresso do 55º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, jun. 2015.

LEI N. 13.429/2017: NÃO TERCEIRIZA A ATIVIDADE-FIM

Leda Maria Messias da SilvaPós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Lisboa, em

Portugal; Doutora e Mestre em Direito do Trabalho, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP; Ex-professora da Universidade Cândido Mendes e da Universidade Sreder Bastos, no Rio de Janeiro-RJ;

Professora do Mestrado em Ciências Jurídicas e da Graduação em Direito do Centro Universitário de Maringá-PR; Professora da Graduação e da

Pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR; Pesquisadora do ICETI/Unicesumar e CNPQ/UEM e Unicesumar; Advogada.

Poliany Crevelaro FavarinMestranda no Programa de Ciências Jurídicas da Unicesumar; Bacharela em História pela UEM-Universidade Estadual de Maringá; Especialista

em Direito Civil e Processo Civil do Trabalho pela PUC-Pontifícia Universidade Católica do Paraná — Campus Maringá; Advogada.

Introdução

A realidade atual marcada pela crise econômica, volta-se para a crescente especialização da economia e aperfeiçoamento da produção, com redução de custos e despesas. Tal contexto promove a flexibilização dos modos de produção e das relações de trabalho, com a consequente alteração do enquadramento jurídico da forma de prestação de serviço, tendo como resultado a desregulamentação e a precarização.

Flexibilizar significa diminuir a rigidez da norma, mas não precarizar. Num contexto de subtração de di-reitos, flexibilizar o ordenamento jurídico-trabalhista promove a redução dos direitos dos trabalhadores face à exploração do capital, que para seus defensores, seria

a solução para o enfretamento da crise. Tal instituto per-mite a alteração de direitos relacionados à remuneração, à jornada, ao tempo de duração do contrato e em rela-ção às possibilidades de contratar o trabalhador. Como exemplo, contratos por prazo determinado, temporário, a tempo parcial, a terceirização, dentre outras formas.

Nesse contexto, ou seja, sob o pretexto de “flexi-bilização”, quando na realidade trata-se de “precariza-ção”, foi sancionada a Lei n. 13.429/2017, em 31 de mar-ço de 2017, versando sobre as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de pres-tação de serviços permanentes a terceiros, alterando e revogando dispositivos da Lei anterior de n. 6.019/74.

Tal previsão normativa possibilita a contratação de trabalhadores terceirizados para todas as atividades

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da empresa, de forma irrestrita e indiscriminada. Toda-via, pela interpretação dada à lei, a mesma se aproveita apenas às atividades temporárias, de modo que para as atividades terceirizadas em caráter permanente, a Lei como foi aprovada, não se refere à atividade-fim.

1. A Lei n. 13.429/2017 não terceiriza a atividade-fim

A Lei n. 13.429/2017 regulamenta o contrato tem-porário e a prestação de serviços permanentes a tercei-ros, todavia, trata-se de institutos diversos, com contra-tos de natureza jurídica desiguais, mas a mesma figura de contrato de prestação de serviços.(1)

A terceirização, como posta, se distingue do tra-balho temporário. A primeira se refere à prestação de serviços a terceiros, na execução de atividades espe-cializadas em determinados segmentos da empresa, não essenciais, que não estejam ligadas ao seu objeto social.(2) A segunda modalidade se caracteriza pelo fornecimento de mão de obra à tomadora por meio de empresa interposta, intermediadora do contrato tem-porário, nas hipóteses admitidas pelo ordenamento ju-rídico.(3) Trata-se de uma modalidade de terceirização interna, na qual o trabalhador é inserido da atividade finalística da empresa.

A Súmula n. 331 editada pelo Tribunal Superior do Trabalho, veda a terceirização permanente na atividade-fim. A mesma pode apenas ser utilizada na atividade-meio em casos “determinados e específi-cos”, desde que não haja subordinação e pessoalidade com o tomador de serviços e no caso de conservação e limpeza e serviços de vigilância. Permite, ainda, a contratação por empresa interposta na modalidade de contrato temporário, caso contrário, forma-se vínculo diretamente com o tomador de serviço uma vez que o trabalhador está inserido nas atividades finalísticas da empresa.

Diante de tal previsão normativa, considera-se que o trabalho temporário já é aplicado na atividade finalística das empresas, uma vez que está inserido no contexto empresarial, com pessoalidade e subordina-ção, substituindo pessoal permanente.

A Lei n. 13.429/2017 permite a utilização do tra-balho temporário para “atender à necessidade de subs-tituição transitória de pessoal permanente ou à deman-da complementar de serviços” (art. 2º), permitindo-o sua aplicação na atividade-meio ou atividade-fim (art. 9º, § 3º). De forma clara e específica, a legislação aplica a intermediação de mão de obra a todos os setores da empresa, sem distinção. Mas, repita-se, no serviço tem-porário.

Todavia, tal fato não ocorre em relação à prestação de serviços permanentes a terceiros. A previsão norma-tiva é genérica ao definir que “a prestadora deve prestar serviços determinados e específicos” (art. 4º-A). Ao con-

(1) NASCIMENTO, Amauri. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direto do trabalho relações individuais e coletivas de trabalho. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 623.

(2) SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do trabalho. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 207.

(3) NASCIMENTO, Amauri. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direto do trabalho relações individuais e coletivas de trabalho. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 625.

trário do trabalho temporário, a afirmação quanto à ter-ceirização permanente é genérica, não deixa clara a pos-sibilidade de aplicação da terceirização na atividade-fim.

A Lei n. 13.429/2017, não define o que entende por serviços “determinados e específicos”. Pela inter-pretação dada aos termos utilizados pelo legislador, “determinados” significa definido, estipulado, deci-dido, e “específico” significa discriminado, exclusivo. Dessa forma, quando a redação dispõe que o contra-to deve versar sobre serviços “determinados e especí-ficos”, delimita a sua atuação, de modo que o mesmo deve continuar sendo aplicado apenas nas atividades--meio, nos termos da Súmula n. 331 do TST.

Dessa forma, a Lei n. 13.429/2017, permite a ad-missão do trabalhador para execução de tarefa concer-nente à atividade principal da empresa, qualquer que seja, mediante contrato de trabalho temporário, cuja subordinação direta é materialmente inevitável. Caso contrário, deverá assumir a forma de contratação dire-ta. Interpretar que a contratação de serviços “determi-nados e específicos” se refere à atividade-fim é errônea e abrangente. Interpretar a norma dessa forma é aplicá--la in pejus ao trabalhador, o que contraria Princípios de Direito do Trabalho, especialmente, o de “Proteção na regra do ‘in dubio pro operario’”.

Nesse sentido, à luz dos Princípios do Direito do Trabalho, deve-se levar em conta para a interpretação do conceito de “determinados e específicos”, o Princí-pio da Proteção, considerando o trabalhador parte hi-possuficiente da relação contratual, devendo-se corrigir o desequilíbrio suscitado pela legislação genérica ao menos até que outra a venha substituir ou esclarecer.

Da mesma forma, ainda que outra norma venha, mas não deixe o texto bem claro, deve pautar-se no “Princípio da Proteção, na regra de aplicação da Norma mais Favorável”, de modo que se aplique a previsão normativa vigente, nos termos da Súmula n. 331 do TST, restringindo a terceirização a serviços “determi-nados e específicos”, voltados à atividade-meio.

Mister, ressalvar, ainda, pelo Princípio da isono-mia, que preza a igualdade, que é impossível que se trate desigualmente, trabalhadores que prestam servi-ços na atividade-fim do empreendimento, com as mes-mas funções e atividades.

Nesse contexto, nota-se que a Lei n. 13.429/2017, volta-se para os interesses mercantis do Capital, consi-derando que a relação jurídica existente no contrato de trabalho ocorre de forma desigual; subverte a lógica da relação contratual, sujeitando os trabalhadores, parte hipossuficiente da relação, aos interesses da classe do-minante, voltados ao lucro e à redução de custos.

O objetivo da legislação é a aplicação dos contra-tos temporários na atividade-fim, e a aplicação da ter-ceirização permanente, não poderia ser para quaisquer atividades. A previsão em relação a isso é genérica, e sua interpretação de outra forma, é prejudicial ao traba-lhador, ferindo os Princípios do direito do trabalho e a dignidade do trabalhador terceirizado.

2. Conclusões

A Lei n. 13.429/2017, tutela o trabalho temporá-rio de forma irrestrita, aplicando-o à atividade-meio e

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à atividade-fim, de forma clara e objetiva. Todavia, a previsão quanto à prestação de serviços terceirizados permanentes, não ocorre da mesma forma, uma vez que determina que a terceirização ocorra para serviços “determinados e específicos”, o que não generaliza sua aplicação a toda e qualquer atividade.

Essa interpretação está em consonância com o Princípio da Isonomia e o de Proteção, que devem ser invocados na interpretação da norma, para que seja aplicada e interpretada de modo favorável aos traba-lhadores. O objetivo do legislador foi criar insegurança jurídica em relação à aplicação da terceirização perma-

nente e não regulamentá-la, portanto, deve ser rechaça-da interpretação extensiva da citada norma, por não ter sido transparente e não trazer dignidade ao trabalhador interpretação diversa da que ora se esposa.

Referências bibliográficas

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr 2009.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do trabalho. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

REFORMA TRABALHISTA E AS COOPERATIVAS: OPORTUNIDADES, RECEIOS E EXPECTATIVAS

Leila Andressa DissenhaAdvogada Trabalhista Empresarial, Professora do Programa de

Pós-Graduação em Gestão de Cooperativas da PUC/PR (Mestrado Profissional); Doutora e Mestra em Direito pela PUC/PR.

Marco Antônio César VillatoreAdvogado trabalhista, Professor Titular da Pós-graduação em Direito

(Mestrado e Doutorado) da PUC/PR, da Graduação do UNINTER e da UFSC; Diretor cultural do Instituto dos Advogados do Paraná

Não é de hoje que as cooperativas são responsá-veis por boa parte dos empregos e da geração de ren-da no Brasil. São mais de 321 mil empregos diretos vinculados a esta forma de empreendimento.(1)

As cooperativas, que constam de nosso Ordena-mento Jurídico desde o Decreto n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, apresentam uma relevância fundamental nos desenvolvimentos econômico e social do Brasil, pois seguem princípios históricos e internacionais que pri-mam pela gestão democrática, desenvolvimento pes-soal de seus membros e sua relação com a comunidade. A axiologia do cooperativismo é essencial para elevar a qualidade de vida de mais de 5,2 milhões de brasileiros cooperados.(2)

(1) Conforme dados da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Disponível em: <http://relatorioocb2013.brasilcooperativo.coop.br/? portfolio=visao-panoramica>. Acesso em: 15 mai. 2017.

(2) Conforme dados da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Disponível em: <http://relatorioocb2013.brasilcooperativo.coop.br/? portfolio=visao-panoramica>. Acesso em: 15 mai. 2017.

Embora sejam um modelo virtuoso de empreen-dimento, as cooperativas também apresentam graves problemas jurídicos, em especial, nas suas relações de trabalho. Na década de noventa, proliferaram falsas cooperativas que, arregimentavam empregados (pseu-docooperados), a fim de burlar a aplicação da legislação trabalhista. Esta fase deu ensejo ao surgimento da Lei n. 12.690, de 19 de julho de 2012, que regulamentou (e engessou) o surgimento das cooperativas de trabalho. Contudo, resumir os problemas laborais das coopera-tivas às fraudes é algo muito simplista: há diversos ou-tros que merecem atenção.

Nas cooperativas de crédito, por exemplo, mul-tiplicam-se os casos de assédio moral, eis que sua ati-vidade operacional guarda semelhanças às agruras da atividade bancária (embora sejam institutos totalmen-te diferentes); as cooperativas agrícolas sofrem com a contratação de profissionais liberais em tempo integral, residentes nas propriedades (veterinários, agrônomos), e seus limites de jornada; as cooperativas de saúde, por

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sua vez, têm graves problemas com atividades parale-las à Medicina (auditoria, por exemplo), que são feitas por cooperados e podem gerar vínculos empregatícios destes com as cooperativas, quando tais atividades não estão previstas em Estatuto. Enfim, isso é apenas uma pequena amostra dos problemas laborais atinentes a es-tes empreendimentos.

Como pessoas jurídicas empregadoras que são, as cooperativas esperam, com ansiedade e apreensão, as alterações prometidas, na legislação trabalhista, pelo atual Governo. A primeira delas já desponta no hori-zonte: a aprovação da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, que trouxe novos parâmetros ao trabalho tem-porário e que traz duas perspectivas às cooperativas: na primeira, estão as cooperativas como tomadoras de serviços. Um caso concreto merece ser mencionado: em 2011, uma cooperativa agrícola foi condenada pela Jus-tiça do Trabalho por terceirizar sua colheita (atividade--fim).(3) Agora, pela lente da nova Lei, esta atividade, de caráter eminentemente sazonal, poderia ser objeto de trabalho temporário. Em que pese a rubrica da nova Lei referir-se às empresas urbanas, como não há ne-nhuma referência restritiva no corpo desta, já há inter-pretações para o uso na atividade rural.(4) Abre-se um leque de oportunidades que poupam empregos diretos e apresentam diversas possibilidades de contratação temporária.

Uma preocupação: cooperativas de produção e trabalho podem se multiplicar neste processo, pois diante do art. 5º da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que regulamenta as cooperativas no Brasil, qual-quer atividade pode ser objeto deste tipo societário. Vale mencionar que as cooperativas abrangem, atual-mente, treze ramos de atividade, o que significa que não faltará demanda para as terceirizadas.

Uma perspectiva menos otimista, contudo, cabe nesta análise: a proliferação de cooperativas para aten-der as novas demandas de terceirização pode dar mar-gem, novamente, às falsas cooperativas: será necessário que o Ministério Público do Trabalho e a Organização das Cooperativas do Brasil mantenham uma postura severa e presente na fiscalização de novos empreendi-mentos.

Em um segundo momento, da reforma trabalhis-ta que se espera e é prometida pelo Governo, um dos pontos mais polêmicos e relevantes é exaltação da ne-gociação. A polêmica encontra suas raízes nos princí-pios do Direito do Trabalho, em especial, no princípio da indisponibilidade. Neste País, de raízes trabalhistas

(3) BRASIL, Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, Apelação Cível n. 19294 SP 2000.61.02.019294-1; TURMA C; Relator: Juiz Convocado Silva Neto; Data de Julgamento: 30 de março de 2011. Disponível em Jus Brasil: <https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18870883/apelacao-civel-ac-19294-sp-20006102019294-1-trf3>. Acesso em: 15 mai. 2017.

(4) “A fundamental modificação se refere à utilização de mão de obra temporária na atividade-fim das empresas. Essa circunstância é de grande importância, tendo em vista as colheitas sazonais no campo. Hoje, há elevada produção de grãos — como a soja —, que demanda do produtor rural, como empresário do campo, que recorra a` mão de obra extraordinária, para o atendimento da colheita. O exemplo é marcante e deverá ser repetido em outros tipos de safras, gerando emprego e renda para os trabalhadores, ainda que temporários.” (PELLEGRINA, Maria Aparecida. Nova lei sobre terceirização beneficia o trabalho. Correio Braziliense. Disponível em: <http://www.original123.com.br/assessoria/2017/04/03/nova-lei-sobre-terceirizao-beneficia-o-trabalho/>. Acesso em: 15 mai.2017).

patriarcais, marcado por intensas crises e instabilidades econômicas, onde, paradoxalmente, o trabalhador se sente desprotegido e o empresário alega ser o excesso de obrigações trabalhistas, não era de se esperar que o princípio pelo qual o trabalhador, individualmente, não poderá renunciar direitos, fosse acolhido com vee-mência pelo Poder Judiciário.

Atualmente, não se permite imaginar um empre-gado negociando férias e jornada livremente com seu em-pregador, pois se presume que ele está sob o seu poder econômico e, portanto, não tem liberdade para expressar sua vontade. Contudo, não é de hoje que este princípio vem sendo questionado.(5)

Há aqueles que o atacam pelo fato de que a pró-pria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ter permitido que salário e jornada fossem objeto de negociação coletiva.(6) Outros, alegam a fragilidade do princípio mediante o questionamento dos acordos realizados na Justiça do Trabalho, alegando que os di-reitos são igualmente dispostos pelo trabalhador sob o auspício do Judiciário.(7)

Fato é que, se este ponto da pretendida Reforma se tornar realidade, colocar-se-á empregado e empre-gador numa condição de igualdade formal que deixa-rá margem para múltiplos questionamentos acerca da igualdade material perante nossa Justiça Especializada.

Partindo da premissa de igualdade, que justifique a negociação — e de que nossos sindicatos estarão pre-parados para esta realidade — , num mundo ideal, as cooperativas poderiam ter vários pontos de vantagem: a margem maior de negociação poderia oportunizar às cooperativas de trabalho oferecer serviços temporários, customizados, adaptados à realidade e necessidade da tomadora e, no papel de empregadoras, cooperativas agrícolas poderiam, finalmente, negociar, diretamente com seus empregados, horários flexíveis, adequados aos períodos de safra; as cooperativas de saúde pode-riam, enfim, negociar férias, intervalos e plantões de acordos com sua necessidade e, as cooperativas de cré-dito poderiam adentrar no mundo do teletrabalho sem receios. Do ponto de vista do empreendimento, da em-pregadora que é a Cooperativa, a Reforma tem diversas facilidades a oferecer.

Embora este discurso pareça fazer parte de uma realidade paralela, alternativa, tudo isso está contem-plado no projeto de reforma trabalhista apresentado pelo Presidente Michel Temer, que deverá ser votado

(5) Autores como Zoraide Amaral Souza, Iara Cordeiro Pacheco e Isabele Jacob Morgado, referências de estudo no tema da indisponibilidade de direitos trabalhistas, já questionavam, em obras das décadas de 1990 e de 2000, a relativização do princípio frente à negociação coletiva prevista constitucionalmente e a realização dos acordos judiciais com disposição de direitos pretendidos.

(6) Neste sentido, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Atualizando uma Visão Didática da Arbitragem na Área Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em: 1º mai.2017).”A indisponibilidade, com mais propriedade, deve aplicar-se a cada direitos subjetivo em particular, com relativa independência da situação em que se encontra a relação de trabalho. Assim porque se a situação é a posteriori a atribuição do benefício confere certa disponibilidade ao trabalhador, pois as limitações ou a proibição legal não é total [...]”. (BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em: <http://www.arbitragem.com.br>. Acesso em: 1º mai.2017).

(7) Neste sentido, PIVA, Paulo Cesar. Arbitragem como Eventual Solução de Problemas Trabalhistas. Síntese Trabalhista, n 145, jul. 2002. p. 29.

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em regime de urgência no Congresso e poderá ser uma iminente e real possibilidade.

Sob a ótica do trabalhador, contudo, restam mui-tas dúvidas e fundados receios: os direitos sociais são uma conquista histórica e, rígidos ou não, fazem parte do arcabouço de direitos dos brasileiros desde a década de trinta. É um referencial e a perda deste exigirá das instituições laborais, dentre elas, a Justiça do Trabalho, o enfrentamento do conceito de sujeição do trabalha-dor e ineficiência do Sindicato, requerendo uma análise mais casuística e desprendida da visão protetiva que pautou nossa legislação no último século. Se a nego-

ciação ganhar a relevância prometida nesta Reforma, a boa-fé terá que ser tomada como regra. Estamos real-mente preparados para isso?

Tudo isso é muito para ser absorvido em tão pou-co tempo: serão anos de uma cultura de litígio, positi-vista e protecionista que terão de tomar ares liberais da noite para o dia. Mesmo na realidade das cooperativas, onde a gestão democrática existe, onde o capitalismo tem sua face mais humana e o trabalho encontra seu real valor, permanece a preocupação sobre os efeitos judiciais desta nova liberdade de ação que se anuncia.

ESTUDO DE CASO: O POSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 958.252/MG

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

O que se vê da evolução da terceirização no Bra-sil, do seu histórico e do atual estágio — e do que se intenciona para o futuro, mormente com o advento da Lei n. 13.429/2017 –, é, nitidamente, um dos maiores casos de precarização das relações de trabalho e de desregulamentação da legislação trabalhista e talvez perca apenas para o fim da estabilidade decenal com o advento do FGTS, facultado pela Lei n. 5.107/1966 e imposto a partir da CRFB/1988 e da Lei n. 8.036/1990. A precarização, no seio terceirizatório, é bem conhecida de todos: é estatística, é reiterada, é constatada diutur-namente (ZWICKER, 2015).

A tendência do STF é de chancelar a prática ter-ceirizatória, como se vê, por exemplo, no recente jul-gamento do Recurso extraordinário com Agravo n. 713.211 RG/MG(1) — no qual é recorrido o Ministério Pú-blico do Trabalho —, que reconheceu repercussão geral so-bre a matéria — terceirização — à luz da liberdade de contratar e do princípio da livre-iniciativa.

(1) STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo n. 713.211/MG, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgamento: 15.5.2014, Publicação: DJe de 6.6.2014.

Segundo o Relator, Ministro Luiz Fux, a proibição genérica de terceirização, calcada em interpretação ju-risprudencial do que seria atividade-fim, pode interferir no direito fundamental da livre-iniciativa, criando, em pos-sível ofensa direta ao art. 5º, II, da CRFB por criar obriga-ção “não fundada em lei”, capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entender ser mais efi-ciente.

Em 17.6.2015, o Ministro Relator, considerando que o provimento do agravo, determinou sua conver-são em recurso extraordinário, de modo que o ARE n. 713.211/MG foi reautuado e passou a constar como Re-curso Extraordinário n. 958.252/MG.

Façamos um breve estudo deste caso, em particu-lar, a partir da manifestação((2)) produzida pelo Ministé-rio Público Federal (art. 103, § 1º, da CRFB), que conso-lida a tese jurídica sustentada pelo Ministério Público do Trabalho. Meu método de trabalho, nesta tese, foi:

(2) Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/ 2016/11/Parecer-PGR-Terceiriza%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2017.

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a partir do sumário da manifestação — de parecer de 149 páginas –, desenvolvi o assunto em quatro grandes grupos, com minhas reflexões pessoais e estudo autô-nomo. Vejamos.

1) Incompatibilidade material da terceirização de ati-vidades finalísticas de empresas com a CRFB — Segundo Delgado (2017:70), “a desregulamentação trabalhista consiste na retirada, por lei, do manto normativo tra-balhista clássico sobre determinada relação socioeconô-mica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o império de outro tipo de regência norma-tiva”. Em que pese o discurso dominante, enaltecedor de “bons propósitos”, este parece ser o fim precípuo da terceirização — a desregulamentação –, na busca de re-dução dos custos empresariais à custa do solapamento de direitos sociais fundamentais. É possível afirmar-se isto com segurança: basta ao leitor se debruçar, um dia apenas, sobre o conteúdo dos processos trabalhistas que envolvem a prática de terceirização, em tramitação nas milhares de Varas Trabalhistas brasileiras.

Em contraponto a isto, a Constituição da Repú-blica é clara em se posicionar, da leitura do art. 7º, I, da CRFB, pela manutenção da relação de emprego como con-teúdo mínimo protetivo dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros direitos que visem à melhoria da sua condição social. Delgado e Amorim (2015:42) lem-bram que o acórdão o qual deu origem à Súmula n. 331 do TST, que cuida da terceirização — em julgamento de incidente de uniformização de jurisprudência ocorrido em 1984((3)) –, esteou-se, entre outras, na seguinte pre-missa argumentativa, ainda sob a luz da CRFB/1967: “a relação jurídica mantida entre a tomadora dos serviços e a empresa contratada, nestas atividades normais, pos-sui características de arrendamento, locação ou aluguel de força de trabalho, revestindo-se de ilicitude, pois so-mente as coisas — não os homens — podem ser objeto deste tipo de ajuste”.

Nesse sentido, não é demais registrar que a De-claração de Filadélfia, anexo à Constituição da Organi-zação Internacional do Trabalho — declaração referente aos fins e objetivos da Organização, documento que ostenta posição hierárquico-normativa de supralegali-dade no ordenamento jusconstitucional brasileiro((4)) –, proclama que o trabalho não é uma mercadoria e a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral.

2) Incompatibilidade da terceirização de atividades finalísticas com o sistema de proteção ao trabalho da CRFB — Segundo item I da Súmula n. 331 do TST, a contra-tação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, exceto no caso de trabalho temporário, com arrimo na Lei n. 6.019/1974. Ainda é cedo para falar so-bre os impactos hermenêutico-jurisprudenciais da nova “Lei da Terceirização” — Lei n. 13.429/2017 –, mas já é possível vislumbrar que, mesmo após o seu adven-to (DOU de 31.3.2017, com vacatio legis de sessenta dias — art. 20 da Lei), a única hipótese de intermediação de

(3) Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, Processo RR 3442/84, Min. Marco Aurélio Mendes de Faria Mello. Cf. BARROS, Alice Monteiro de. A terceirização e a jurisprudência. Revista do TRT 3ª Região, Belo Horizonte, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, n. 22(51), jul. 1991/jun. 1992.

(4) Neste sentido, consultar os recursos extraordinários n. 349.703/RS e 466.343/SP, os habeas corpus n. 87.585/TO e 92.566/SP e o Informativo n. 531 do Supremo Tribunal Federal.

mão de obra permitida pelo ordenamento jusconstitu-cional continua a ser a do trabalho temporário, seja na redação originária do art. 2º da Lei n. 6.019/1974 — re-cepcionado pela ordem jusconstitucional —, seja na re-dação atual, modificada pela Lei n. 13.429/2017.

Embora inexista posicionamento do STF em jul-gamento posterior à promulgação da CRFB/1988 — o que permite um raciocínio a contrario sensu –, fato é que, ainda à luz da CRFB/1967, a Suprema Corte ratificou entendimento de que “a única locação de mão de obra dessa natureza admissível é a regulada pela Lei n. 6.019 e que, por-tanto, intermediação que ali não esteja prevista caracteriza fraude à legislação trabalhista”(5). No acórdão que conso-lidou a Súmula n. 331 do TST, como dito alhures, reite-rou-se tal premissa: “a possibilidade de o tomador dos serviços não assumir diretamente os ônus trabalhistas, valendo-se, para tanto, do contrato de natureza civil, só pode ser permitida excepcionalmente em caso de ser-viço transitório e não vinculado à atividade normal da tomadora” (DELGADO; AMORIM, 2015:42).

4) A necessária interpretação teleológica da CRFB — Como dito, a Constituição sustentou a primazia da re-lação de emprego (art. 7º, I, da CRFB). A par disso, é certo que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os dita-mes da justiça social (art. 170, caput, da CRFB). Segundo Canaris (2008:76-78), “o sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou teleológica de princí-pios gerais de Direito, na qual o elemento de adequa-ção valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológica e o da unidade interna à característica dos princípios gerais”.

Nesse diapasão, à luz do sistema jusconstitucio-nal que se estabeleceu em 1988, somente é possível se imaginar um direito ao trabalho digno, cuja instrumen-talização se dê para assegurar ao trabalhador uma exis-tência digna e não para colocá-lo à margem da prote-ção social — basta lembrar que, a cada dez acidentes do trabalho, por exemplo, oito deles (80% dos casos) ocorrem com trabalhadores terceirizados, segundo da-dos estatísticos coletados, em pesquisa conjunta, pela CUT — Central Única dos Trabalhadores e pelo Dieese — Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos(6).

Ante o exposto, concluo que o STF — que se auto-denomina “guardião da Constituição” –, ao admitir a re-percussão geral no ARE n. 713.211 RG/MG, reautuado como RE n. 958.252/MG, limitou-se a discorrer sobre a livre-iniciativa, sem qualquer referência aos valores sociais da livre-iniciativa, sustentando esse princípio de forma autônoma, frente à “liberdade do empreendedor”, à re-velia dos arts. 1º, IV, in fine, e 170, caput, da CRFB.

O Ministério Público do Trabalho, no exercício da sua essencialidade à função jurisdicional do Estado, na defesa de direitos sociais constitucionalmente garanti-dos (art. 127 da CRFB e 6º e 83 da Lei Complementar n. 75/1993), parece-me, bem exerceu o seu mister, ao recha-çar a possibilidade jurídica da prática terceirizatória nas

(5) Recurso extraordinário n. 97553/RS, Relator: Min. Moreira Alves, Julgamento: 20.8.1982, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJ 19.11.1982.

(6) Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/ 2015-04/cut-e-dieese-sustentam-que-80-dos-acidentes-de-trabalho-atingem-terceirizados>. Acesso em: 13 abr. 2017.

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atividades finalísticas dos tomadores de serviços tercei-rizados e garantir a higidez da dignidade humana e dos valores sociais como fundamentos da República Federa-tiva do Brasil e pilares do Estado Democrático de Direito.

Referências bibliográficas

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e con-ceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian, 2008.

DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017.

ZWICKER, Igor de Oliveira. O ciclo perverso da tercei-rização brasileira e o apequenamento dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. In: Jornal do Congresso do 55º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, jun. 2015.

A NOVA LEI DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR

Lucas Moraes RauGraduado em Direito pela UNICURITIBA. Especialista em Direito

do Trabalho pela Universidade Positivo. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR.

Fernando José VesselovitzGraduando em Direito pela PUC/PR.

O Direito do Trabalho, como direito social e direi-to fundamental garantidos pela Constituição pátria, é o ramo do Direito mais flexibilizado ao longo dos últimos anos. Todavia, diferentemente de outros ramos, flexibi-lizar garantias laborais é sinônimo de precarização do direito e consequentemente do seu objeto de tutela jurí-dica, qual seja, a incolumidade do trabalhador.

Em âmbito nacional, sobretudo com a promulga-ção da nova Lei n. 13.429/2017, vivenciamos uma forte pressão política e empresarial para a terceirização ilimi-tada e irrestrita, sob o anseio de que com isto retomare-mos o crescimento econômico.

Pelas novas regras, as atividade-fim de uma em-presa podem ser terceirizadas, seja no setor público ou privado. Extingue-se assim a discussão trazida com a Súmula n. 331 do TST a respeito do que seriam ativida-de-fim e atividade-meio, permitindo-se a terceirização de qualquer atividade empresarial, tanto no ramo pú-blico como no privado.

O óbice da questão se encontra nos resultados que a nova Lei trará. Sustenta-se que a nova Lei busca mo-dernizar as relações trabalhistas, ampliando o número de vagas de empregos e flexibilizando as formas de contratação.

Não se pode olvidar que a precarização dos direi-tos trabalhistas, sobretudo sob a égide da nova Lei da Terceirização, é uma clara violação aos princípios tra-balhistas pátrios, a dignidade humana, a Constituição de 1988 e as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.

Quando se fala em precarização, antes de mais nada é preciso definir o que seja o trabalho decente. Para José Cláudio Brito Filho, o conjunto mínimo de di-reitos do trabalhador seriam: a existência de trabalho; liberdade de trabalho; igualdade no trabalho; trabalho em condições justas; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais. (BRITO FILHO, 2004, p. 61)

Logo, podemos apreender que a precarização do trabalho seria toda forma de supressão de direitos que reduzam as condições de trabalho a este mínimo de-cente, uma vez que qualquer agravamento destas con-dições estaríamos diante de um trabalho degradante (análogo à escravidão, infantil etc.).

Todavia, sintetizar os direitos do trabalhador a condições mínimas atenta contra o princípio da digni-dade humana, qualidade intrínseca e distintiva do ser humano (SARLET, 2002, p. 62), própria essência dos direitos humanos fundamentais (GARCIA, 2008, p. 26), que se substancia em diferentes textos jurídicos.

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Neste sentido, podemos asseverar que o trabalho decente abarca todo o rol de princípios e normas posi-tivadas pela legislação brasileira. Logo, precarizar este rol de direitos é precarizar não só a eficácia dos direitos fundamentais, mas a condição do trabalhador.

Portanto, quando falamos em terceirização, não há como se abster da discussão a respeito não só da re-dução dos direitos trabalhistas, mas também da incons-titucionalidade em torno da reforma legislativa.

Em um primeiro lugar, pode-se afirmar que a Lei n. 13.429/2017 viola o princípio da vedação ao retro-cesso social, uma vez que como não há nenhum estudo que comprove os benefícios trazidos com a terceiriza-ção ampla e irrestrita, entende-se que a flexibilização de direitos viola os direitos sociais.

Outrossim, vale lembrar que os direitos sociais elencados nos arts. 6º e 7º da Constituição Federal são elevados a condição de cláusulas pétreas, por se trata-rem de verdadeiros direitos individuais, conforme de-cisão do STF na ADIn n. 939-7/DF. A própria CLT, no seu art. 9º, veda atos que busquem desvirtuar preceitos presentes na sua Consolidação.

Para ilustrar, dados do Boletim de Conjuntura n. 10/2017, do DIEESE, atestam que o empregado tercei-rizado recebe salário, em média, 24,7% menor do que o contratado direto. Como se nota, há clara violação ao princípio da igualdade elencado preâmbulo, art. 3º, III e caput do art. 5º da Constituição de 1988.

Cabe ainda apontar as violações perpetradas con-tra as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil. Conti-nuando com a questão salarial, esta desigualdade viola a Convenção n. 111 da OIT que assevera ser discrimina-tório qualquer tipo de distinção, exclusão ou preferên-cia que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de empre-go ou profissão.

Assinala-se também que a Recomendação n. 198 da OIT deixa claro que se deve combater qualquer for-ma de burla aos princípios protetores do trabalho, e quando se trata de terceirização se vislumbra claramen-te a intenção flexibilizadora das normas trabalhistas.

Poderíamos elencar uma infindável série de pre-ceitos normativos violados pela terceirização. Não obs-tante, faz-se mais producente verificarmos como a ter-ceirização realizada em outros países minou ainda mais os direitos trabalhistas.

Perfazendo uma análise pela história, os anos 1950 do século passado, foram um período de rápida expansão econômica e tecnológica vivenciada a partir do Pós-Guerra, em que foi necessário produzir mais com menos mão de obra (HOBSBWAN, 2009, p. 262). Após a crise do petróleo em 1973, por sua vez, o modelo econômico keynesianista e do welfare state perde força frente às fortes tendências neoliberais que ampliaram as já utilizadas estratégias de gestão, como a toyotista, que flexibilizaram os meios de produção às tendências de mercado, fazendo da terceirização e do trabalho temporário intermediado suas grandes marcas.

Diante disto, contata-se na Espanha, que presen-ciou a partir da década de 1980 uma reforma flexibi-lizadora dos direitos trabalhistas, com forte ampliação do trabalho eventual (ROMITA, 2008, p. 47), uma das maiores taxas de desemprego da Europa, conforme da-

dos do INE (Estatuto Nacional de Estatística)(1), atingin-do em 2013 o assombroso índice de 27% da população economicamente ativa.

A Rússia, por seu lado, possuía desde o fim do regime socialista uma legislação que permitia a tercei-rização irrestritiva. Em meados de 2015, após cerca de mais de 20 anos de aplicação o país do Leste Europeu a revogou, uma vez que segundo especialistas do país, ela não aumentou a oferta de emprego, reduziu a arre-cadação de impostos e diminuiu os salários e as garan-tias trabalhistas(2).

Tratando-se de exemplos ainda mais emblemáti-cos temos os Estados Unidos e a China, ambos países que permitem a terceirização irrestrita. Contempla--se aqui uma situação extremamente antagônica, uma vez que segundo o informativo anual da OIT de 2015, os Estados Unidos possuem apenas 13% de contratos não permanentes, enquanto a China atinge a marca de 90%(3).

Em um primeiro momento, os Estados Unidos, forte mercado tecnológico, amplo detentor de know--how, demonstra que apesar de possuir uma legislação liberal, a possibilidade de terceirização em larga escala não se mostra uma alternativa para o crescimento eco-nômico.

Em um segundo momento, a China, país de larga população, de economia de escala, com uma diminuta legislação trabalhista e com um regime autoritário que vem enfrentando dificuldades de crescimento devido a recessão mundial não pode e nem deve ser um modelo econômico e social a ser seguido, principalmente aos moldes do nosso protecionismo econômico e regime democrático, que ainda preza pelos direitos humanos em maior escala.

Para concluir, é lastimável verificar que, neste mesmo informativo da OIT, o Brasil já possua 66,9% dos seus contratos de trabalho regidos pelo regime temporário e amplamente terceirizado. Já vivenciamos, portanto, um quadro empregatício precarizado, pelas já não tão novas flexibilizações da CLT e não presen-ciarmos uma economia mais forte e geradora de empre-gos, mas ao contrário, presenciarmos uma das maiores crises econômicas e empregatícias da nossa história re-cente e que nem os exemplos mais recentes reverterão este quadro de precarização inconsequente dos direitos trabalhistas.

Referências bibliográficas

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Trabalho Decente: Análise Jurídica da exploração do trabalho — tra-balho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004.

(1) Globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-na-espanha-alcanca-187-no-primeiro-trimestre.ghtml>. Acesso em: 27 abr. 2017.

(2) Fórum. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/2017/ 03/27/na-russia-terceirizacao-nao-gerou-mais-emprego-e-reduziu-salarios2>. Acesso em: 27 abr. 2017.

(3) Estadão. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/ noticias/geral,para-oit-terceirizacao-ameaca-direito-de-trabalhadores, 1689646>. Acesso em: 26 abr. 2017.

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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Direitos fundamentais e relação de emprego. São Paulo: Gen, 2008.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: O breve século XX. São Paulo: Cia. Das Letras, 2009.

ROMITA, Arion Sayão. Flexisegurança: A reforma do mercado de trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002.

REFORMA TRABALHISTA PELA VIA JURISDICIONAL E LEGISLATIVA

Nara Brito BarroAdvogada atuante na comarca de Ituiutaba-MG. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidad de Buenos Aires — UBA.

A iniciada reforma trabalhista entabulada pelo legislativo tem entre os seus fundamentos os pesados custos que incidem sobre a folha de pagamento dos funcionários, e justificam a redução ou flexibilização dos benefícios dos trabalhadores como uma forma de facilitar a criação de mais empregos. As empresas vêm buscando regimes alternativos de contratação de pes-soal. O trabalho em casa (home office), a prestação de serviços por meio de pessoa jurídica e a terceirização de atividades são estratégias comumente adotadas, mas alguns especialistas acreditam que só se tornarão mais eficazes se houver flexibilização das regras trabalhistas.

Pode-se afirmar que a reforma trabalhista pelo legislativo tem ocorrido de forma pontual, sendo uma delas, a aprovação da Lei n. 13.352/2016 que permite que cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, depiladores e maquiadores sejam empreendedores individuais. Assim, eles podem firmar contratos de parceria com salões de beleza, sem a caracterização de relação de emprego ou assinatura da carteira de trabalho. A meta da Lei do Salão Parceiro, como ficou conhecida, é regularizar uma prática informal que já acontece com frequência no setor de beleza. A lei teve origem no PLC n. 133/2015, de autoria do deputado Ricardo Izar (PP-SP).

Em março/2017, a Câmara dos Deputados desar-quivou o PL n. 4.302/98, aprovando-o. Referido proje-to de lei, ora convertido na Lei n. 13.429/17, promove alterações na Lei n. 6.019/74 — que trata do trabalho temporário — e, com a introdução dos arts. 4º-A, 4º-B, 5º-A, 5º-B, 19-A e 19-B à mencionada norma, discipli-na a terceirização de forma parcial, diferenciando-a da prestação de trabalho temporário, inclusive quanto a características das empresas autorizadas a prestar estas modalidades de serviços.

Quanto à formação da relação jurídica de trabalho triangular, com a inserção de um terceiro entre o toma-

dor e o prestador de serviços — terceirização –, o PL n. 4.302/98 estabelece (art. 4º-A) que o objeto da pres-tação refere-se a serviços específicos e determinados. Não especifica, porém, como o fez quanto ao trabalho temporário (art. 9º, § 3º), se esta prestação de serviços pode ser feita apenas nas atividades-meio ou se alcança as atividades-fim da tomadora. Permite a subcontrata-ção desta terceirização, o que a doutrina denomina de “quarteirização” (art. 4º-A, § 1º). Diante dessa impreci-são legal, caberá à jurisprudência definir se tal diploma permitiu, ou não, a terceirização de todas as atividades da tomadora, o que incluiria a atividade-fim.

Há quem aponte haver, em tal projeto de lei, pos-sível violação ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88), pois estabelece direitos ao trabalhador tempo-rário — como é o caso do atendimento médico, ambu-latorial e de refeição (art. 9º, § 2º) — que não são igual-mente assegurados ao terceirizado que venha a prestar idêntico serviço à mesma tomadora (art. 5º-A, § 4). Ou-tra inovação é previsão positivada de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto às obriga-ções trabalhistas devidas pela empresa prestadora de serviços a terceiros (art. 10, § 7º).

Por esses motivos, dentre outros, parcela signifi-cativa dos operadores do Direito do Trabalho expres-sam preocupação com a possível precarização das rela-ções de trabalho e com as consequências desta alteração legislativa quanto ao enquadramento sindical dos ter-ceirizados. Isto porque sua categoria profissional não mais estaria correlacionada com a categoria econômica preponderante do tomador de seus serviços, o que pode lhes causar a perda de sua identidade como categoria.

Com relação ao “negociado sobre o legislado”, este representa a tentativa neoliberal de eliminar a pro-teção das normas fundamentais trabalhistas. Esteve em alta no governo Fernando Henrique Cardoso, com a proposta de alteração do art. 618 da CLT, que acabou ar-

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quivado por pressão social. Agora, retorna à cena com a proposta de reforma trabalhista — PLC n. 38/17, pois é tratado como uma forma para a sua obtenção. Contudo, na presente crise econômica vivenciada pelo país, e a transição de governo após o impeachment, o Poder Judi-ciário vem direcionando as suas decisões no sentido de antecipar a referida reforma.

As recentes decisões do STF apontam uma maior flexibilização de direitos dos trabalhadores, o que muitos consideram como a prova da “reforma trabalhista pelo Judiciário”, pois os Tribunais Superiores firmam um pre-cedente sobre determinada matéria que passa a vincular a atuação dos demais órgãos julgadores que só poderão deixar de aplicar a tese firmada nas hipóteses de distin-guishing e overruling (art. 489, VI, CPC). As decisões da Corte Suprema, reformando decisões do TST que eram baseadas em jurisprudência consolidada de sua corte, que considerava diversos aspectos que equilibravam a negociação coletiva, como a contrapartida de direitos no caso de negociação de direitos trabalhistas pelos entes coletivos, é uma prova do novo cenário do judiciário.

Isso demonstra que o judiciário tem exercido o papel de “legislador indireto” ao fixar tais preceden-tes, como se verificou, recentemente, na decisão do STF acerca da possibilidade de modificação da natureza jurí-dica das horas in itinere por meio de norma coletiva, por exemplo, adotando-se a “ratio” do julgado havido em recurso extraordinário em que se discutiu a possibilida-de de prevalência do negociado sobre o legislado. Ao criar um precedente que não decorre da interpretação de normas, o Tribunal Superior inova o ordenamento e suplanta a competência conferida pela Carta Magna ao Poder Legislativo, fato que acaba por esvaziar projetos de lei sobre os temas decididos pela via judicial, e confe-re ao órgão uniformizador da jurisprudência o papel de legislador, fato que fere a cláusula pétrea da separação dos poderes (art. 2º c/c art. 60, § 4º, CF).

É o caso relativo à terceirização que, apesar da existência de projeto de lei regulando a matéria — PLC n. 38/2017 que prevê a terceirização irrestrita —, é as-sunto que consta na pauta de julgamento do E. STF e terá os contornos definidos pelo Judiciário (Recurso Extraordinário 958.252). Ainda cabe ao STF a definição

de terceirização lícita e ilícita e questionamentos quanto à inconstitucionalidade da Súmula n. 331 do TST, pois conforme já mencionado, a Lei n. 13.429/2017 que pro-moveu alterações na Lei n. 6.019/74 não tratou do tema de forma satisfatória. Caso o STF decida no sentido de eliminar qualquer restrição à terceirização e considerar inconstitucional a súmula do TST, isso pode vir enfra-quecer a discussão do tema de forma democrática por parte da população, pois anteciparia a intenção de per-mitir seu uso irrestrito, e ainda retardaria sua regula-mentação.

Recentemente, os servidores públicos federais, de-tentores de garantia de emprego e devidamente repre-sentados pelo sindicato, foram compelidos a dar fim ao movimento paredista, após a notícia de que teriam seus salários cortados em decisão do STF. Outras decisões do STF comprovam a flexibilização dos direitos dos traba-lhadores por parte da corte: o PDV com quitação geral; Permissão para contratação de OSs na administração pública; Prescrição quinquenal de FGTS; Precarização da Justiça do Trabalho com a validação do corte de seu orçamento; e Cancelamento de Súmula n. 277.

São situações em que o judiciário é chamado a agir, não lhe sendo permitida a omissão (princípio do non liquet), mas que também requer a necessária caute-la, para que não haja violação do princípio da separa-ção dos poderes. Não pode o Poder Judiciário deixar-se influenciar pelos anseios momentâneos em cenário de crise para alterar sua jurisprudência, pois cabe ao le-gislador, verdadeiro representante do povo, efetivar as alterações que entender necessárias.

Contudo, antes de existir uma reforma trabalhista tanto pelo âmbito legislativo (e porque não falar a do ju-diciário), como medida de aumentar a segurança jurídi-ca e ajudar a economia a se recuperar mais rapidamente, deveria ser precedida de uma reforma sindical, capaz de tornar as entidades mais representativas. Coloca-se muito peso na reforma trabalhista, mas ela em si não vai gerar impulso econômico. O que vai gerar empregos é a demanda e a retomada do crescimento econômico. Le-vando em consideração a esses aspectos, o trabalhador não vivenciaria um retrocesso social em seus direitos en-campado pelo próprio Judiciário e Legislativo.

O DIREITO AO TRABALHO DIGNO COMO PREMISSA UNIVERSAL E OS LIMITES IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ÀS

ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

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A importância do elemento trabalho — e sua ne-cessidade de valorização, proteção e salvaguarda — é premissa universal. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos — maior documento histórico do pós-guerra —, “todo ser humano tem direito ao tra-balho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desempre-go” (artigo XXIII, item 1).

A Constituição da Organização Internacional do Trabalho na Declaração de Filadélfia, reafirma que o trabalho não é uma mercadoria, que a penúria, seja onde for, constitui um perigo à prosperidade geral e que a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia e a partir de de-cisões que privilegiem o bem comum.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n. 591/1992), que ostenta posição hierárquico-normativa de supralegalidade em nosso ordenamento jurídico, traz a ideia de progressi-vidade dos direitos sociais. Neste sentido, “a vedação do retrocesso, como um vetor dinâmico e unidirecional positivo”, “impede a redução do patamar de tutela já conferido à pessoa humana” (BONNA, 2008:60).

Na perspectiva humana, a Constituição da Repú-blica foi revolucionária(1) e, diferentemente das anterio-res, fez uma opção e quis mostrar, já no início do texto, ideais e valores supremos que delineiam a concepção jurídica de Estado Democrático de Direito, “não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo pró-prio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social” (STRECK; MORAIS, 2013:113).

A Carta Cidadã, já no Título I, traz aqueles que serão seus princípios fundamentais. Deste conteúdo ju-rídico, colhemos premissas norteadoras de toda a pre-missa constitucional pensada pelo Estado Democrático de Direito: a cidadania (art. 1º, II), a dignidade humana (art. 1º, III)(2), os valores sociais do trabalho e da livre--iniciativa (art. 1º, IV), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a erradicação da pobre-za e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), a promoção do bem de todos (art. 3º, IV) e o reconhecimento, de alcance global, da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e do dever de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX).

Os direitos sociais têm relevo no art. 6º e seguintes da CRFB — com o registro de que, por fazerem parte do Capítulo II do Título I, são considerados, tal qual os di-

(1) Revolucionária, mas tardia, como é a tradição brasileira. Basta lembrar que Georg Jellinek (1851-1911), ao comentar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), em compasso com outros atos constitucionais da época, disse o seguinte: “Em todas essas Constituições, a declaração de direitos ocupa o primeiro lugar. Somente em segundo lugar vem juntar-se o plano ou o quadro de governo.” (JELLINEK, 2015:95).

(2) “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” (SARLET, 2001:60)

reitos e deveres individuais e coletivos, direitos e garan-tias fundamentais de aplicação imediata, consoante art. 5º, § 1º, da CRFB, “de tal sorte que todas as categorias de direitos fundamentais estão sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídico” (SARLET, 2013:514-515). Observa Balera (1989:17) que “o constituinte coloca, pois, a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a própria Lei Maior”.

Tal proteção tem relevo no princípio da vedação ao retrocesso social, bem explicitado na cabeça do art. 7º da CRFB, “a coibir medidas de cunho retrocessivo” que “venham a desconstituir ou afetar gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direi-to fundamental (e social), o que equivaleria a uma violação à própria Constituição” (SARLET, 2013:542-543). Nas pa-lavras da Suprema Corte, “o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquis-tas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive”.(3)

Entretanto, diante da necessidade premente da vida de se caminhar para frente, evoluir, agir e tornar efetiva a promessa constitucional de uma sociedade li-vre, justa e solidária, a Constituição não apenas veda o retrocesso social, mas propõe uma cláusula de avanço social (ZWICKER, 2015:152), quando elenca, no art. 7º, direitos mínimos “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.

A ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim as-segurar a todos existência digna, conforme ditames de justiça social, e tem por princípios, entre outros, a fun-ção social da propriedade — nela incluída o conceito de empresa e da pessoa jurídica do empregador —, a defesa do meio ambiente — nele compreendido o do trabalho —, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego (art. 170, caput e III, VI, VII e VIII, c/c art. 200, VIII).

A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar social e a justi-ça social (art. 193). Por fim, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nele compreen-dido o do trabalho, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225 c/c art. 200, VIII).

Nesse diapasão, o trabalho — e o direito ao trabalho digno — é um direito social fundamental consagrado no art. 6º da Constituição da República, cujo objeto final, para o trabalhador, é a paga, o salário que recebe pela for-ça de trabalho que coloca à disposição do empregador.

Muito mais do que isso: observe-se que os outros direitos sociais fundamentais expressos no art. 6º, em sua maioria absoluta, dependem, primariamente, do trabalho humano e do fruto do labor, que é o salário; em que pese o dever de prestação positiva estatal, a educa-ção, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer e a previdência social estão contidos no conteúdo

(3) STF, Recurso Extraordinário com Agravo n. 639.337 AgR/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23.8.2011; no mesmo sentido, STF, Recurso Extraordinário n. 581.352 AgR/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 29.10.2013.

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jurídico-constitucional do salário, que deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e da sua família com o dispêndio desses direitos sociais fundamentais (art. 7º, IV, da CRFB).

Com relação à previdência social, o fruto do tra-balho adquire maior relevo, tendo em vista que os ga-nhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição pre-videnciária e consequente repercussão em benefícios (art. 201, § 11, da CRFB).

Na esteira do que foi exposto, reconheço, sem sombra de dúvidas, a existência de um autêntico direito ao trabalho digno, não apenas como parte integrante do bloco de constitucionalidade material do ordenamento jurídico brasileiro (art. 5º, § 2º, da CRFB), mas, princi-palmente, como integrante do bloco formal de constitu-cionalidade, na medida em que a Constituição da Repú-blica reconhece tal direito como um direito social funda-mental, em todo o seu texto, com destaque à literalidade do art. 6º constitucional e sua leitura sistemática.

Dito isso, inevitável reconhecer neste direito um limite às mudanças na legislação, seja no arcabouço inter-nacional e nos tratados internacionais de direitos huma-nos, seja na própria imperatividade da Constituição da República, que materializa este limite na vedação ao re-trocesso social. Assim, qualquer estratagema que se mos-tre apto e eficaz a promover o retrocesso social ou a de-gradar direitos já conquistados em benefício do trabalho digno deve ser rechaçado pela ordem jusconstitucional.

Referências bibliográficas

BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

BONNA, Aline Paula. A vedação do retrocesso social como limite à flexibilização das normas trabalhis-tas brasileiras. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, n. 77, p. 51-66, jan./jun. 2008.

JELLINEK, Georg. A declaração dos direitos do homem e do cidadão: contribuição para a história do direito constitucional moderno [trad. Emerson Garcia]. São Paulo: Atlas, 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comen-tários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

AS TRANSFORMAÇÕES E INOVAÇÕES DA NORMA TRABALHISTA PODEM SER LIMITADAS SOB A ÉGIDE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

HUMANA?

Ranielle Batista Garcia de SousaAdvogada. Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário do Norte — UNINORTE

MANAUS.

Ana Paula Castelo Branco CostaGraduada em Direito pela USP. Mestre em Direito pela Universidade

do Estado do Amazonas/UEA. Professora Universitária.

O presente artigo é um estudo breve sobre tema amplamente difundido, de indiscutível relevância e afeta às relações de emprego atuais e futuras, provinda da absoluta necessidade de se compreender o alcance e a sua essencialidade, ponderado pela conjectura do Direito Trabalhista diante da iminência de substancial mudança legislativa.

Pondera o ministro Barroso (2010, p. 04) sobre a Dignidade da Pessoa Humana: “[...] Convertida em um conceito jurídico, a dificuldade presente está em dar a ela um conteúdo mínimo, que a torne uma categoria operacional e útil, tanto na prática doméstica de cada país quanto no discurso transnacional”. Logo se vê a complexidade em se compreender e, além do mero al-

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cance da interpretação teleológica sobre o tema, tornar factível a aplicação sem que quaisquer revezes compro-metam este direito estrutural na edificação do Estado Moderno e da Democracia.

A Dignidade da Pessoa Humana é apresentada pela Constituição de 1988 como princípio arraigador do Estado Democrático de Direito, garantindo-lhe o status de figura fundamental e, em via de consequência, pres-suposto para sua existência ou, diante da sua ausência ou aplicabilidade incauta, a instabilidade ou falência do Regime Democrático. É universal, transindividual e com alcance muito além do campo cultural e moral.

Nesta linha, Piovesan (2000, p. 54) diz: “A digni-dade da pessoa humana, (...) está erigida como princí-pio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garan-tias Fundamentais, como cânone constitucional que in-corpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro”. Também, a autora, em outra obra, segue no mesmo sentido Piovesan (2004, p. 92): “É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de par-tida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e o Interno”.

Ainda, a definição de Sarlet (2001, p. 60) sobre dignidade da pessoa humana: “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um com-plexo de direitos e deveres fundamentais que assegu-rem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudá-vel, além de propiciar e promover sua participação ati-va e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”

Nesse contexto, insere-se claramente a evolução e a natureza histórica que resultou no que atualmente conhecemos como Direito do Trabalho, ramo do direito concebido no afã de guerras civis, revoluções e extrema desconsideração do próprio caráter humano do traba-lhador, visto, tão somente, como força braçal utilizada para manutenção da opulência jactada por uma mino-ria abastada.

Apenas em meados do Século XVIII e XIX, após anos de perpetuação de um sistema escravocrata, servil e, manifestamente, exploratório, que propagava a des-floração e desumanização do trabalhador, germinaram--se os precípuos iniciais dos direitos ao trabalhador.

Na conjuntura transnacional, foi na Declaração Universal dos Direitos dos Homens (1948) que, em ter-mos gerais, difundiram-se amplamente a defesa de di-reitos, outrora impensados, a toda massa trabalhadora, atribuindo-lhe um caráter dignificante, que nunca antes se havia permitido, garantindo-lhe limitação de jorna-da, repouso, lazer, férias periódicas, etc.

No cenário nacional, desde a Constituição de 1934 esculpem-se no texto constitucional normas trabalhis-tas, todavia, foi na Magna Carta de 1988 que se deu ao trabalho a notoriedade que lhe é devida, inclusive, como fundamento do Estado Democrático de Direito, enquanto direito social (art. 1º; IV; art. 6º); fundamento da Ordem Econômica (art. 170) e base da Ordem Social (art. 193).

Sobre o tema, assevera Delgado (2011, p. 34): “O universo social, econômico e cultural dos Direitos Hu-manos passa, de modo lógico e necessário, pelo ramo jurídico trabalhista, à medida que este regula a princi-pal modalidade de inserção dos indivíduos no sistema socioeconômico capitalista, cumprindo o papel de lhes assegurar um patamar civilizado de direitos e garantias jurídicas, que, regra geral, por sua própria força ou ha-bilidade isolada não alcançariam. A conquista e afirma-ção da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade intangibilidade física e psí-quica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural, o que se faz, de maneira geral, considerando o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, me-diante o trabalho e, particularmente, o emprego, nor-matizado pelo Direito do Trabalho”.

Desta forma, vê-se que o conceito e aplicabilidade da dignidade, em sua natureza jurídica, é, indubitavel-mente, inerente ao caráter humano e dignificador do Direito do trabalho. Sendo assim, reformar, flexibilizar, reduzir são ações que demandam imensa probidade e circunspeção. Garantir a efetividade dos direitos fun-damentais do trabalhador, é garantir a vitalidade do próprio Estado Democrático, relevando-se, para tanto, o caráter valorativo atribuído à Justiça Social através da defesa do trabalho, que é ferramenta de acesso aos direitos sociais assegurados pela Lei Maior desta Repú-blica, dentre eles, à Dignidade Humana.

Referências bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Apli-cação. Versão provisória para debate público. Mi-meografado, dezembro de 2010.

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Curso de direito constitucio-nal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 537.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. São Paulo: LTr, 2011.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitu-cional internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limo-nad, 2000.

Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2001.

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O TRABALHADOR DOCENTE E SEUS DIREITOS ESPECÍFICOS: ANÁLISE À LUZ DA REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL SOB A

PERSPECTIVA DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFESSORES

Robson Luiz de FrançaProfessor da Universidade Federal de Uberlândia. Pós- Doutor em Política Educacional pela Universidade Federal da Paraíba (2010) e Universidade da Madeira, Funchal, Portugal. Doutor em Educação — UNESP/Araraquara (2002). Mestre em Educação — UFU (1997).

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Educacional (2010). Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia. Docente

do Programa de Pós-Graduação em Educação — Linha de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação — TSE. Membro do Grupo de Pesquisa em Trabalho, Educação e Formação Humana. Pesquisador do Centro de

Investigação da Universidade da Madeira — Funchal- Portugal.

Este trabalho é parte de pesquisa articulada com o Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Formação Humana no contexto da Linha de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Educação da Universidade Federal de Uberlândia — MG. Parte-se do pressuposto das princi-pais mudanças que ocorridas no mundo do trabalho a partir do início dos anos 1990 e seguintes e considera o campo de estudo a região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Dentre as categorias que integram esse elemento humano se destaca a figura do professor ou docente, objeto deste estudo. Com razão, Vítor Henrique Paro, ao tratar da qualidade da força de trabalho na área da educação, afirmou ser o corpo docente o “elemento mais importante que a escola pode oferecer na realização do traba-lho de efetiva qualidade [...]” (1996, p. 215). Essa citada im-portância do elemento humano está expressa no texto da Constituição Federal vigente. A Lei Maior, na parte que trata da educação, estabelece, como um dos princí-pios que devem reger as atividades de ensino, a valori-zação dos diversos profissionais da área da educação. Estabelece a Constituição, em seu art. 206, inciso V, que: “O ensino será ministrado com base nos seguintes prin-cípios: [...] V — valorização dos profissionais da educação escolar, (...); [Redação dada pela Emenda Constitucional n. 53, de 2006] [...] (BRASIL, 2008a, grifo nosso).

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-cional, de n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu art. 67, também estabelece a valorização dos profissio-nais da educação, destacando o direito desses profissio-nais a possuírem condições adequadas de trabalho.

No entanto, no Brasil atualmente segundo o Ins-tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 2014, possui mais de dois mi-lhões de professores e desses 60% possuem seu contra-to de trabalho estabelecido sob a égide da Consolida-ção das Leis de Trabalho — CLT.

Segundo a CLT nos arts. 317 à 323, o trabalho do professor possui tratamento especial, portanto lá

está definido as garantias especiais para o professor. Dentre as garantias está a previsão de remuneração diferenciada, carga horária diária, férias e recesso es-colar, descanso semanal remunerado que por sua vez é calculado a parte e deve ser discriminado no contra-cheque.

No entanto, atualmente a sombra da terceiriza-ção que parece criar corpo e forma nas novas altera-ções do texto celetista, vige ainda, mesmo que de for-ma já com prenuncio de extinção, no texto legal, que os docentes devem ser contratados sem intermediação de mão de obra e com registro direto da contratante.

A realidade, entretanto, tem apresentado um qua-dro geral diferente dessa finalidade de bem-estar do professor e de valorização dos profissionais de ensino, tanto na esfera pública como na privada. A “precarie-dade das condições objetivas de trabalho na escola”, a desqualificação do trabalho do professor, o aviltamento do salário (PARO, 1996, p. 215), o desrespeito aos direi-tos e vantagens trabalhistas básicos do professor em-pregado são, infelizmente, situações comuns em nosso país. Essas situações são, inclusive, indicadas como um dos principais fatores da ineficiência do ensino no Bra-sil (BARRETO, 1991, p. 11). Nesta linha é que Oliveira (1996), afirma que a educação por ser útil a uma con-cepção de homem, contribui para uma prática educati-va crítica, no entanto, parece que todo o desenrolar da vida escolar, práticas pedagógicas, organização do ensi-no, currículo, relações de trabalho reforçam na verdade o poder do capitalismo e, portanto revelam uma rela-ção social mascarada por uma pseudo-humanização do homem, porém efetivamente o que ocorre é o reforço aos interesses dominantes capitalistas. Desta maneira nos parece que nestas interconexões de relação de po-der: poder público, normatizações, leis, convenções de trabalho, ou seja, todo um constructo normativo com o intuito de “garantir a qualidade do trabalho docente”, porém e, no entanto servem apenas para precarizar o trabalho docente.

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Desta feita o trabalho enquanto força motriz para o desenvolvimento do homem e da sociedade é visto no contexto capitalista apenas como forma de aumento de capital potencializado por meio da exploração dos trabalhadores. Essa exploração é legitimada nos Esta-dos democráticos por meio de leis que se apresentam como forma de garantir os contratos entre as partes escamoteando uma relação perversa de legitimação da exploração do trabalho e do trabalhador, tudo é cons-truído a partir dos discursos, portanto pode-se afirmar que o processo de trabalho no contexto do capitalismo se assenta basicamente na exploração e opressão legiti-mada pelo estabelecimento de contratos e no caso em tela de contrato de trabalho, leis, convenções, etc. Para Marx, “A única força que os une e põe em contato é a força do seu egoísmo, do seu proveito pessoal, de seu interesse pri-vado. Precisamente por isso, porque cada um cuida apenas de si e ninguém vela pelos outros, graças a uma harmonia pré-estabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma provi-dência omniastuta, a realizar a obra do seu proveito mútuo, de sua conveniência coletiva, de seu interesse social”. (Marx, 1972: 128-129)

Portanto, no contexto do capitalismo, quando o trabalhador vai em busca de um trabalho e se oferece como um possuidor da força de trabalho e é essa força que é vendida como se mercadoria fosse. Nesta venda da força de trabalho e na compra pelo capital resta uma relação de trabalho pautada por aspectos jurídicos e na-turalmente políticos, ou melhor, se estabelece um con-trato de obrigações das partes e de direitos das partes. Até aqui tudo parece correto: o empregador contrata o empregado mediante um salário e o trabalhador vende sua força de trabalho mediante um pagamento, tudo parece justo e adequado, travestido de dignidade. Po-rém questões como relação de trabalho, condições do exercício do labor do trabalhador, valor do salário, tem-po livre, jornada de trabalho, relações de exploração da mão de obra, assédio moral, apropriação da subjetivi-dade do trabalhador etc., ficam escondidas na relação jurídica estabelecida em quem vende sua força de tra-balho e quem paga por essa força de trabalho.

Urge salientar que a regulamentação de algumas profissões de forma particularizada não se delimita ape-nas ao Título III da CLT, encontrando-se, portanto no ordenamento jurídico uma abundante legislação sobre o tema. Utilizando do escol de J. Mesquita de Carvalho (1952: 858), professor é conceituado como “s.m. Lat. pro-fessor. Aquele que professa, que ensina uma arte, uma ciência, uma língua; mestre, lente. Fig. Indivíduo perito, adestrado. O que professa ou confessa publicamente as verdades religiosas”. Docentes são, assim, os profissio-nais incumbidos de ensinar e transmitir conhecimentos através do exercício habitual e pessoal do magistério.

A legislação trabalhista vigente não conceitua a figura do professor, apenas se refere ao exercício do magistério. A Consolidação das Leis do Trabalho, no título das normas especiais de tutela do trabalho, pre-vê regras específicas para os professores. O art. 317 da Consolidação, em sua atual redação, estabelece que “o exercício remunerado do magistério, em estabelecimen-tos particulares de ensino, exigirá apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação” (BRASIL, 2008c). Verifica-se que a legislação somente reconhece como professor o trabalhador que atenda a dois requi-

sitos legais específicos: a) que possua habilitação legal e, b) que tenha registro no Ministério da Educação.

Contudo, na seara celetista, apenas encontra-se regulamentada as normas relativas à proteção do docente enquanto empregado, ou seja, enquanto “prestar servi-ços de natureza não eventual a empregador, sob a de-pendência deste e mediante salário” (art. 3º da CLT). Desta feita, necessário que o professor realize sua la-buta de forma habitual, intuitu personae, mediante uma contraprestação (remuneração) e sob as determinações e dependência jurídica do empregador para que se ca-racterize a relação empregatícia e, por consequência, possibilite a aplicabilidade das normas previstas na CLT.

Ressalta-se que, juntamente com professores que mantém vínculo empregatício, inúmeras vezes a escola apresenta profissionais autônomos, isto é, sem qualquer vínculo empregatício. Geralmente estes tra-balhadores são convidados a ministrar algumas aulas esporadicamente. A estes, diferentemente dos primei-ros, aplicam-se as leis provenientes de outros ramos do direito (normalmente o Código Civil) por se tratar de simples prestação de serviço. A CLT também não tem aplicabilidade aos professores do setor público quan-do contratados sob o regime estatutário. Estes docentes encontram-se sob a égide do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da respectiva Administração Pública e, neste caso, seus direitos serão apenas os previstos no respectivo estatuto do ente contratante, seja ele, fede-ral, estadual ou municipal; isso não impede, todavia, a contratação destes profissionais pela Administração Pública sob o regime celetista.

Desta feita, tem-se que os nossos estudos apon-tam basicamente para as condições de trabalho em re-lação a aspectos de intensificação do trabalho docente, doenças ocupacionais, produtivismo docente, relações precárias de contrato de trabalho, regulamentação do trabalho docente e sua não efetividade o que por sua vez produz na verdade desprestigio social e intensifica-ção da exploração desse trabalhador nas relações efeti-vas de trabalho reduzindo essa categoria profissional à uma sub categoria.

Referências bibliográficas

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CARVALHO, J. Mesquita de. Dicionário prático da língua nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1952. Verbe-te “professor”, p. 858.

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52 LTr - Jornal do Congresso

BARRETO, Angela Maria Rabelo Ferreira. Professores do ensino de primeiro grau: quem são, onde estão e quanto ganham. Estudos em avaliação educacio-nal, São Paulo, n. 3, p. 11-43, jan./jun. 1991.

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O DIREITO DO TRABALHO EM REFORMA OU RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DE DIREITOS

Ronald Silka de AlmeidaAdvogado e Mestre em Direito do Trabalho. Professor do Curso

de Especialização em Direito Previdenciário e do Trabalho da Universidade Estácio, da PUC/PR, FACET, UNINTER e de graduação

em Direito do Centro Universitário Internacional — UNINTER.

Tatiana Lazzaretti ZempulskiAdvogada e Mestre em Direito do Trabalho. Professora do Curso de

Especialização em Direito Previdenciário do Centro Universitário Curitiba — UNICURITIBA, e de graduação em Direito da Organização

Paranaense de Ensino Técnico — OPET e do Centro Universitário Internacional — UNINTER.

O Direito do Trabalho, como se conhece até o pre-sente momento é o resultado final de empenho e esforço empregado, com o desejo de se construir um conjunto de preceitos, que por um lado proteja o empregado da força econômica de mercado (lei da oferta e da procura) ou seja decorre do desejo de ver o interesse da pessoa humana em sobreviver de uma forma digna e não ser subjugado ao poder econômico e da força política. E, de outro lado resulta por parte destas mesmas forças econômicas e políticas a concessão de direitos e deveres para com os trabalhadores.

Neste compasso em nosso sistema deveria se ter aqui o Estado, como instrumento de mediação, como mecanismo destinatário de interesses sociais, mormen-te estar sendo regido por uma Carta Constitucional de cunho eminentemente social.

Entretanto, não se demonstra tal visão do Estado em relação ao cidadão, quando através do Chefe do Executivo, sob os seguintes argumentos, primeiro em razão de grave crise econômica que assola o país, em se-gundo sob a alegação de que todos os direitos trabalhis-tas estão assegurados: “a nova lei garante os direitos

não só para os empregos diretos, mas também para os temporários e terceirizados, ainda complementa “todos com carteira assinada, portanto, concede direitos àque-les trabalhadores que antes não tinham”, e, em terceiro que a partir da reforma “os empresários e trabalhado-res vão poder negociar os acordos coletivos de maneira livre e soberana”(1), na realidade fomenta e incentiva de forma “selvagem” a execução de uma reforma tra-balhista sob o argumento de flexibilização de normas.

O que se observa em verdade é que o Estado, está seguindo a verdadeira cartilha do “neoliberalismo”, em corrente adepta por Milton Friedmann e Friedrich von Hayek, também denominada Escola de Chicago e que prega os padrões do Estado Neoliberal, quais sejam: “a) Estado mínimo; b) a sobreposição da lei de mercado à aplicação da lei estatal; c) o predomínio do econômico em relação ao social; d) ataque ao sindicalismo de com-bate pelo predomínio do sindicalismo de resultado”.

(1) Trechos extraídos do discurso proferido pelo Presidente Michel Temer no dia do trabalho 1º de maio de 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Q9m0pqsuLFI>. Acesso em: 11 mai. 2017.

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Antes de se refutar referidos argumentos se deve deixar claro que quando se trata de flexibilização, os direitos e garantias dos trabalhadores antes firmados, passam a ser negociados. E a negociação será feita en-tre partes desiguais, o empregador detentor do Poder Econômico e o empregado a parte cuja dependência econômica é decorrente de uma relação de trabalho ou de emprego.

Desta forma, observa-se que na doutrina clássica a prevalência do princípio da proteção ao trabalhador será completamente suprimida, diante da proposta de equidade no tratamento legal entre empregadores e empregados.

No projeto por meio dos artigos propostos, como exemplo o art. 477-A. “As dispensas imotivadas indivi-duais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

O referido artigo produz uma insegurança para o trabalhador, pois, poderá a empresa pagar da forma que melhor lhe convier, dando abertura para fraudes no pagamento da rescisão, pois, nem todos os empregados tem conhecimento dos direitos que lhe são atribuídos na hora da rescisão, além disso os cálculos na rescisão são complexos, pois, envolvem pagamento de férias simples, vencidas ou proporcionais, médias de outras verbas e saldos de salários, direito a participação de lu-cros e resultados e comissões.

Portanto, a maioria dos trabalhadores não tem condições de elaborar um memorial de cálculos para ter certeza de que sua rescisão estará correta e de acordo com a lei.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração, nos casos de adesão do empregado ao plano de demis-são voluntária coletiva ou individual, dispõe o art. 477-B que: “Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decor-rentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes”.

Ou seja, o empregado ao efetuar uma quitação sem a assistência do sindicato estará vulnerável a possí-veis coações e supressões de créditos que deveria rece-ber na sua rescisão.

Quem garantirá ao empregado o recebimento de suas verbas rescisórias corretas? Se o próprio legislador traz a inovação de que tal termo de quitação plena e irrevogável, sendo restringido o direito constitucional de amplo acesso à Justiça, trazendo flagrante violação ao art. 5º, inc. XXXIV, a, da CF/88.

Ao restringir o amplo acesso à justiça, o legislador está infringindo direitos e garantias fundamentais pre-vistas no texto constitucional e que não podem ser mo-dificadas por meio de lei ordinária, nem emenda consti-tucional, conforme texto expresso do art. 60, § 4º, inc. IV.

Percebe-se a supressão de direitos indisponíveis por parte do legislador com o discurso da necessidade de modernização de normas trabalhistas para que o Brasil se torne um país competitivo e na vanguarda das normas internacionais aplicadas pelo mercado interna-cional.

Porém verifica-se que num país em que a carga tributária está entre as maiores do mundo em compa-ração aos países com maior índice de desenvolvimento econômico e social, percebe-se que a contribuição social foi aumentada como no exemplo da Lei n. 13.419/2017, a qual foi aprovada no intuito de regulamentar a situa-ção do empregado que recebe gorjetas, na realidade o foi para definir formas de retenção de contribuição sobre o recebimento da parcela salarial denominada gorjeta.

Além disso, analisando a aprovação da Lei n. 13.419/2017 em 13 de março de 2017, que altera a Con-solidação das Leis do Trabalho (CLT), para disciplinar o rateio, entre empregados, da cobrança adicional so-bre as despesas em bares, restaurantes, hotéis, motéis e estabelecimentos similares, faz remissão no art. 457, § 6º, dispositivos que aumentam a carga tributária das empresas e das contribuições dos empregados.

O mesmo ocorre na Lei n. 13.429/2017, aprova-da no dia 31 de março de 2017, a qual regulamenta a terceirização da atividade-fim, fomentando a criação de pessoas jurídicas com o intuito de flexibilizar os direitos trabalhistas.

E no presente projeto, percebe-se a clara remis-são aos artigos das leis anteriormente citadas as quais foram aprovadas em meio a escândalos de corrupção, para que a população não tenha informação nem co-nhecimento de que os direitos trabalhistas já foram fle-xibilizados e o projeto irá apenas piorar e retirar a pos-sibilidade dos trabalhadores reclamarem judicialmente seus direitos suprimidos.

Desta forma observa-se uma ingerência escanda-losa por parte do Executivo e Legislativo, na elaboração das normas e pasmem inclusive na forma de julgar por parte do Judiciário, pois, estabelecem no art. 8º, §§ 2º e 3º, regras de interpretação das decisões judiciais.

Conclui-se que efetivamente a conta será paga pelo trabalhador que terá além de uma sobrecarga em sua remuneração a retirada de garantias mínimas de direitos individuais previstos no texto Constitucional.

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MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA — ACORDO COLETIVO

Tonyerrison Mozart Cruz de OliveiraPós-graduando em Direito do Trabalho no Centro Universitário do Norte/UNINORTE/Manaus. Advogado. Engenheiro de Produção.

Especialista em Segurança do Trabalho e Ergonomia.

Ana Paula Castelo Branco CostaMestre em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas/UEA.

Professora Universitária.

1. Introdução

A presente tese busca respostas à seguinte per-gunta: Quais os rumos a serem seguidos com as mu-danças trabalhistas no que diz respeito aos acordos co-letivos de trabalho?

As mudanças trabalhistas surgem em um mo-mento de forte turbulência política, e trazem à tona a imensidão de prejuízos aos trabalhadores. De certo é fato que a legislação trabalhista está ultrapassada, con-tudo reformar a legislação sobrepujando os direitos trabalhistas conquistados no passado é retroceder de forma não exitosa ao progresso laboral do trabalhador.

Diante de diversas discussões, devemos ter como base para a garantia dos direitos trabalhistas a obser-vância ao Princípio da proteção, onde remete-se a igua-lar as partes no que tangem a relação de emprego e suas peculiaridades, de modo que os direitos pertinentes a empregados e empregadores sejam economicamente e legalmente respeitados.

Os acordos coletivos surgem como condições de trabalho aplicáveis, no âmbito da empresa ou empresas acordantes, às respectivas de trabalho, sendo faculta-tivamente celebrados pelos sindicatos representativos das categorias profissionais, de acordo com o art. 611, § 1º da CLT.

Neste sentido, os acordos coletivos se tornam instrumentos válidos para a validade dos direitos tra-balhistas quando acordados de forma protetiva e iso-nômica nas relações de emprego, dando como garantia um resultado satisfatório ao desenvolvimento laboral e econômico, como a seguir será analisado.

2. O acordo coletivo de trabalho

O acordo coletivo de trabalho está preconizado no § 1º do art. 611 da Consolidação das Leis do Traba-lho a qual norteia a um ato jurídico celebrado entre uma entidade sindical laboral de certa categoria profissional e uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, estabelecendo normas ou regras próprias no que diz respeito às relações de trabalho lastreada en-tre empregados e empregadores (empresa).

O acordo coletivo de trabalho se difere das con-venções coletivas de trabalho, pois se limita exclusiva-

mente às empresas acordantes e seus respectivos em-pregados. No que se refere às convenções a abrangência é de toda a categoria representada. A razão da existência dos acordos coletivos de fato remete-se a existência de normas do direito do trabalho, em regra, impositivas, não permitindo a deliberação diretamente em contrário entre o empregador e o empregado.

O acordo coletivo de trabalho terá validade quan-do houver uma negociação coletiva entre empresa, em-pregados e sindicato, tendo como intuito a aprovação de regras, elencando os interesses das partes, através de uma Assembleia Geral de Trabalhadores.

Ocorrida a anuência dos interessados é promovi-do uma celebração de acordo, devendo ser feita uma minuta registrando as regras e/ou normas que serão validadas, ficando em posse dos interessados, bem como uma cópia deve ser destinada a Superintendência Regional do Trabalho para que seja submetida à devida análise e devida fiscalização.

Contudo, para a eficácia dos acordos coletivos deverão ser observados se os mesmos não se confron-tam com os princípios dos direitos trabalhistas. Cita-se como exemplo a obediência ao princípio da condição mais benéfica, onde este versa sobre direitos mais van-tajosos adquiridos pelos empregados no transcorrer das negociações anteriormente já solucionadas, isto quer dizer que se existe um contrato entre empregador e empregado que informa que o empregado tem certos benefícios e surgem normas ou regras supervenientes que tratam deste assunto, mas, reduzem os direitos ad-quiridos por este empregado em face ao seu contrato assinado anteriormente ele não irá sofrer a menos que haja anuência, pois temos este princípio preconizado no direito trabalhista brasileiro buscando exclusivamente proteger os direitos adquiridos pelos empregados.

No entanto, com os acordos coletivos é possível a redução salarial, em razão da exceção no Princípio da inalterabilidade contratual lesiva, cuja previsão é las-treada no art. 7º. da CF, onde esta redução só é possível por meio de negociação coletiva (aquela realizada por sindicatos), sendo esta pautada exclusivamente para gerar garantias de salvaguardar a empregabilidade dos trabalhadores em momentos de crise econômica.

Na atual conjuntura legal brasileira os acordos coletivos possuem condão normativo de validade nas

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relações de trabalho, sendo este instrumento inclusive reforçado no atual projeto de reforma trabalhista a qual garante que as negociações firmadas em acordos cole-tivos entre trabalhadores e empregadores, além de ser instrumentos válidos das leis trabalhistas, devem agora ter força de lei, tendo como objetivo a segurança jurí-dica aos contratos evitando futuros processos judiciais.

3. Conclusão

Diante disto, é importante destacar que os acor-dos coletivos com força de lei reforçarão os pactos celebrados pelos sindicatos e empregadores, sempre resguardando os direitos conquistados anteriormente aos trabalhadores. De fato, alguns direitos serão nego-ciados, mas desde que estas negociações não resultem prejuízos aos trabalhadores, terão condão de validade jurídica nas esferas das relações de emprego em casos de ajuizamento judicial.

A previsão legal do art. 7º, XXVI da CF e art. 611, § 1º da CLT destaca a possibilidade do acordo coletivo, dando maior prisma a que estes sejam formatados a for-ça de lei, pois constitucionalmente somente serão váli-

dos desde que não venham a ferir as diversidades dos direitos e garantias trabalhistas conquistados historica-mente pelos trabalhadores, inclusive não lhes gerando quaisquer formas de prejuízo.

4. Referências bibliográficas

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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA RELAÇÃO DE TRABALHO: A RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA E A PROBLEMÁTICA DA

TERCEIRIZAÇÃO

Valmir Gustavo Rossi Cicotosto Marcelo Honorato da Silva

Alunos do 7º Termo do curso de Diretio. Eurípedis Soares da Rocha — UNIVEM — Marília/SP.

O presente estudo busca trazer à tona algumas das consequências do processo de terceirização traba-lhista sob a ótica do princípio da responsabilidade so-cial da empresa. O instituto da terceirização teve seu surgimento na segunda metade do século XX, com a necessidade da indústria bélica de, em meio à Segunda Guerra Mundial, aumentar sua produção, e para tanto as empresas começaram a delegar as atividades secun-dárias a terceiros para concentrar o foco na produção de material bélico.

A partir da década de 1970, com o advento do mo-delo toyotista e a ideia de horizontalização da empresa, a terceirização se consolidou com uma maneira de auxi-liar a elevação da produtividade e de gerar uma maior adaptabilidade aos contextos de alta competitividade. Conforme ensina Maurício Godinho Delgado

(...) o toyotismo propõe a subcontratação de em-presas, a fim de delegar a estas tarefas instrumentais ao produto final da empresa polo. Passa-se a defender, então, a ideia de empresa enxuta, disposta a concentrar em si apenas as atividades essenciais a seu objetivo principal, repassando para as empresas menores, suas subcontratadas, o cumprimento das demais ativida-des necessárias à obtenção do produto final almejado. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. op. cit. p. 48.)

A terceirização em si se constitui em uma flexibili-zação da relação de emprego que possibilita à empresa a contratação de uma prestadora de serviços para a rea-lização de suas atividades. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, a terceirização é o

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(...) fenômeno pelo qual se dissocia a relação eco-nômica de trabalho da relação jus trabalhista que lhe se-ria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o traba-lhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços jus trabalhistas, que se preservam fixados com uma atividade interveniente. (DELGADO, 2007. p. 430)

Sendo assim, a empresa beneficiária delega a realização das atividades típicas ou periféricas à pres-tadora de serviços, que por sua vez fica encarregada da contratação e manutenção direta do trabalhador e responsável pelos encargos trabalhistas, ficando a em-presa tomadora apenas como contratante, sem que se configure vínculo empregatício entre ela e os trabalha-dores da prestadora de serviços ou os sócios desta.

A legislação reguladora da terceirização no Bra-sil se fazia bastante deficitária, sendo que o norteador para a resolução de conflitos referentes à prática da ter-ceirização se restringia à Súmula n. 331 do TST, vedan-do a prática da terceirização, exceto para as chamadas atividades-meio. A partir daí se encarregava a doutrina de diferenciar as atividades-meio, para as quais se per-mitia a contratação de empresa prestadora de serviços para a execução, das atividades-fim, as quais não pode-riam ser terceirizadas.

Com o advento da Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, a principal mudança percebida foi devido à di-ferenciação das atividades exercidas pela empresa não ser mais necessária, pois pelo texto da lei não há veda-ções quanto ao tipo de atividade quando do contrato de prestação de serviços entre tomadora e prestadora. Sen-do assim, tanto as chamadas atividades-meio quanto as atividades-fim das empresas poderão ser terceirizadas.

Ao ponderarmos as vantagens e desvantagens da terceirização, podemos observar o quanto ela se apre-senta sedutora e vantajosa no âmbito da empresa, com promessas de diminuição de custos e aumento da pro-dutividade. Nesse sentido, ressalta Luiz Carlos Amo-rim Robortella que um dos aspectos mais atraentes da terceirização vem da possibilidade de transformar custos fixos em variáveis, eliminar boa parte das operações não essenciais e liberar o capital para a aplicação na melhoria do processo produtivo, em novas tecnologias e em novos produtos. (ROBORTELLA, 1994. p. 938.)

Além de se mostrar como uma forma de con-centrar a atividade da empresa em melhorias, novos procedimentos e investimentos voltados ao produto comercializado, a terceirização também traz uma pro-messa de aumento da qualidade das tarefas em virtude da especialização da mão de obra e, principalmente, do aumento de postos de emprego em virtude do cresci-mento do número de empresas prestadoras que serviço que para sua gestão própria precisarão de trabalhado-res, como afirma Rubens Ferreira de Castro, que

A aplicação desta técnica de administração gera o crescimento do número de empresas dentro da eco-nomia nacional, sendo que essas aumentam o número de postos de trabalho, com vantagens refletidas na área social. (CASTRO, 2000. p. 80.)

Porém, apesar de se mostrar sedutora na ótica do empresário, a terceirização em muito prejudica a condição do trabalhador. Por mais que teoricamente se espere um aumento da lucratividade da empresa com a diminuição dos custos e maior foco da empresa no desenvolvimento de sua atividade essencial, a precari-zação da relação de emprego decorrente da terceiriza-ção, além de prejudicar o trabalhador em si, pode vir a afetar a própria produção empresarial.

Primeiramente, a teoria da diminuição dos custos para o empresário em função da delegação das ativida-des da empresa resulta em encargo para o trabalhador. O fato de um funcionário terceirizado custar menos para a empresa contratante não faz com que seu custo real seja diminuído, mas apenas repassado à prestado-ra de serviços que terá todos os encargos com relação à contratação, treinamento, direitos trabalhista, entre outros, além da própria lucratividade. Então, para ofe-recer um funcionário mais barato que um funcionário diretamente contratado, a prestadora de serviços recor-re à oferta de menores salários aos trabalhadores. Em nota técnica publicada pelo Departamento Intersindi-cal de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de número 172 em março de 2017, foi divulgada análise comparativa entre a remuneração nominal média das atividades tipicamente terceirizadas e as atividades ti-picamente contratantes, sendo que de 2007 a 2014, tal diferença se mostrou, em média entre 23% e 27%. Além da diminuição salarial, a terceirização traz grande ro-tatividade de mão de obra, “causando insegurança no emprego e insuflando sentimentos de individualização nas relações de trabalho”. O Dieese também aponta, na mesma nota técnica de março de 2017 que nas ativida-des tipicamente contratantes, de cada 100 vínculos ati-vos, pouco mais de 40 foram rompidos; já nos setores tipicamente terceirizados, a relação é de 100 vínculos ativos para 80 rompidos. Vale salientar também a rea-lidade dos índices de acidente de trabalho verificados com a terceirização trabalhista é um número extrema-mente preocupante. O Brasil, segundo a OIT (Organi-zação Internacional do Trabalho), é o 4º colocado no ranking mundial de mortes por acidentes de trabalho, ficando atrás somente da China, EUA e Rússia.

Desta forma conforme todo o exposto quanto em um estudo comparativo divulgado na nota técnica da Dieese de março de 2017, a partir de dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), verifica-se que a partir da faixa salarial de até 1,3 salário mínimo, a participação dos afastamentos por acidentes de trabalho típicos é mais elevada nas atividades tipicamente terceirizadas do que nas tipicamente contratantes, chegando a ser duas vezes mais alta, em alguns casos. Desta feita, apesar de se mostrar teoricamente vantajosa ao empresário, a prática da terceirização traz como grande consequência a precarização da relação laboral, surtindo feitos consideráveis para classe trabalhadora, que compõe grande massa consumidora do país, deixando a dignidade da pessoa humana totalmente vulnerável à riscos de invalidez total a até mesmo a morte.

LTr - Jornal do Congresso 97

O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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2º PAINEL

A ATUAÇÃO EX OFFICIO DO MAGISTRADO TRABALHISTA NA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO

DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A Resolução n. 203, de 15 de março de 2016, oriunda do Tribunal Pleno do TST, editou a Instrução Normativa n. 39, que dispôs sobre as normas do CPC de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao processo do traba-lho, de forma não exaustiva.

Na cabeça do art. 6º, disse o TST que se aplica ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado nos arts. 133 a 137 do NCPC, “assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878)”. Na visão do TST, na fase de conhecimento impera o princípio da inércia da jurisdição, sendo este um impeditivo à atua-ção de ofício do magistrado neste momento processual.

O entendimento, a meu ver, está incorreto quanto à fase de conhecimento e correto quanto à fase da exe-cução trabalhista.

Uma das características basilares do direito pro-cessual do trabalho é a de que ele próprio reconheceu sua incompletude, tanto que o art. 769 da CLT previu a aplicação subsidiária do direito processual comum e o art. 889 da CLT previu que, aos trâmites e incidentes do processo da execução, serão aplicáveis os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal (Lei n. 6.830/1980). O art. 15 do NCPC reconhece a aplica-ção supletiva e subsidiária do processo comum ao pro-cesso do trabalho.

Porém, desde sempre — desde a decretação da CLT, em 1943 —, impôs-se uma cláusula de barreira ao direito alienígena, cabendo a sua aplicação somente se não contravir o espírito que anima o processo do traba-lho, de celeridade, informalidade e gratuidade.

Dito isso, é de concluir — e neste ponto me filio ao entendimento do TST — pela clara aplicabilidade do art. 878 da CLT, que é claro ao dispor que “a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex

officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal com-petente”. Aqui, não há sequer uma “omissão” da Con-solidação, cabendo não a aplicação subsidiária (pela inexistência de omissão), mas supletiva do NCPC(1), com o afastamento do regramento que demanda a atua-ção da parte, a permitir a atuação ex officio, pelo juiz do trabalho, na instauração do incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica na fase de execução.

Quanto à fase de conhecimento, a jurisprudência do TST sempre admitiu, majoritariamente, a inclusão do sócio, em razão da teoria da desconsideração da per-sonalidade jurídica, mas sempre por iniciativa da parte e não do juiz(2). Nesse ponto, inclusive, não há mais uma

(1) “É importante observar, isto sim, que a adoção supletiva de normas do processo civil não pode acarretar alteração do sistema (procedimento) do processo do trabalho, que é a espinha dorsal deste, pois se sabe que essa adoção só se justifica como providência necessária para atribuir maior eficácia ao sobredito sistema e não, para modificar-lhe a estrutura em que se apoia.” (TRT 15ª Região, AP 0000794-93.2012.5.15.0119, Ac. 1. T., 1. C., Rel. Des. Olga Aida Joaquim Gomieri)

(2) “(...) Responsabilidade dos Sócios. Fase de Conhe cimento. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Possibilidade. I — Cinge-se a controvérsia à possibilidade de inclusão dos sócios no polo passivo da demanda na fase cognitiva do processo, declarando sua responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas eventualmente inadimplidos pela empresa reclamada. II — Pois bem, sabe-se que a persecução executória dos créditos trabalhistas pode ser redirecionada aos sócios da empresa inadimplente, na esteira da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. III — Quanto ao debate posto nos autos, esta Corte Superior já sufragou o entendimento de que é possível a inclusão dos sócios no polo passivo da lide ainda na fase de conhecimento, desde que reconhecida a sua responsabilidade meramente subsidiária, ou seja, somente responderá na hipótese de restar configurada a ausência de patrimônio na empresa suficiente a saldar a dívida trabalhista. É o que se verifica na decisão recorrida. IV — Com efeito, na fase cognitiva os sócios podem exercer em conjunto com a empresa seu direito ao contraditório de modo bem mais amplo do que na hipótese de inclusão direta na fase executória, pelo que não se reputa configurado qualquer prejuízo ante a decretação de sua responsabilidade subsidiária nessa fase processual. Precedentes. V — Estando a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta Corte, ilesos os dispositivos legais supostamente violados e superada a tese do aresto colacionado, não logrando processamento o apelo, na

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discussão válida, a meu ver, em razão da clareza do art. 134, § 2º, do NCPC(3).

Se é permitido que, na fase de execução, possa o sócio ser incluído na lide para fins de responsabiliza-ção pela dívida apurada, com muito mais razão deve--se aceitar sua presença na lide desde a fase de conhe-cimento, em que poderá se valer mais amplamente do direito ao contraditório.(4)

Entretanto, para o TST, à exceção da iniciativa da parte, não é possível ao magistrado agir de ofício, dian-te das amarras do princípio da inércia. Será?

O princípio da inércia tem previsão expressa no art. 2º do NCPC, que diz: “O processo começa por ini-ciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, sal-vo as exceções previstas em lei”. Assim, “resguardando o interesse individual das partes, a regra dispõe no sen-tido de que a estas cabe a iniciativa de provocar a ju-risdição, movendo a ação. Por outro lado, em nome do interesse público, o processo caminha rumo a seu des-fecho por impulso oficial.” (WAMBIER et al., 2015:57).

Nesse diapasão, entendo que o próprio conteúdo jurídico desenvolvido pelo art. 2º do NCPC é permissi-vo da inclusão do sócio pelo magistrado, de ofício, com arrimo na teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Isso porque o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não visa incluir quem quer que seja no polo passivo da execução. “A desconsideração da personalidade jurídica servirá para tornar solidaria-mente responsáveis pela reparação as pessoas naturais que compõem a entidade” (MATIELLO, 2017:50), mas as pessoas naturais não passarão a figurar, propriamen-te, no polo passivo da reclamação trabalhista, como partes, de modo que permanece hígida a inércia da ju-risdição.

Com efeito, se o reclamante opta por indicar ape-nas a pessoa jurídica na petição inicial, o magistrado, ao aplicar ex officio a teoria da desconsideração da per-sonalidade jurídica, na fase de conhecimento, com a in-clusão dos sócios da pessoa jurídica, não afronta nem contradiz o interesse da parte. Como dito, a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é unica-mente “relativizar a autonomia patrimonial decorrente da atribuição da personalidade jurídica a sociedades empresariais” (BASTOS, 2012:302).

A premissa é a distinção entre débito e responsabilida-de patrimonial. Nesta perspectiva, transparece claro que se se quer obter, no processo, a responsabilidade patri-monial de terceiro por dívida de outrem (...) Em outras palavras, se o que se busca é alcançar o patrimônio

esteira do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula n. 333/TST. (...)” (TST-RR-416-08.2015.5.05.0121, Relator Ministro: Antonio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 14.12.2016, 5. T., Data de Publicação: DEJT 19.12.2016) (negritei)

(3) Art. 134, § 2º, do NCPC: “Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”.

(4) Trecho da ementa do acórdão n. TST-RR-125640-94.2007.5.05.0004, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 30.03.2011, 6. T., Data de Publicação: DEJT 19.04.2011.

de uma pessoa que não é devedora, (...) (DALAZEN, 2017:135) (grifei)

Desse modo, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é aplicável, de ofício, na fase de cognição, porque não viola o princípio da inércia da ju-risdição. Mas há outro motivo. Se afronta à inércia da jurisdição não há, “em nome do interesse público, o proces-so caminha rumo a seu desfecho por impulso oficial” (WAMBIER et al, 2015:57), nos mesmos moldes do pró-prio art. 2º do NCPC, cabendo ao magistrado, respeitado o ajuizamento da reclamação trabalhista, dar efetividade a eventual futura execução com máxima efetividade aos princípios do contraditório e da ampla defesa, de assento constitucional (art. 5º, LV, da CRFB), promovendo a in-clusão dos sócios desde a fase de cognição, com o intuito exclusivo de responsabilizá-los por eventual inadimple-mento de eventual condenação trabalhista.

Nesse sentido, a atuação ex officio tem amparo — em nome do interesse público, repita-se — no poder ge-ral de cautela conferido ao magistrado que se extrai do novel art. 297 do NCPC(5).

Nesse sentido, merece destaque a possibilidade de o juiz do trabalho conceder as tutelas provisórias de ofí-cio, uma vez preenchidos seus pressupostos de direito. É sabido que parte relevante da doutrina rechaçava essa hipótese, fundada, de um lado, no princípio dispositivo, próprio do processo comum e, de outro, na dicção do art. 273 do CPC/73. Nunca nos convencemos dessa im-possibilidade, a uma porque fazemos uma leitura distin-ta do princípio dispositivo; a duas porque defendemos uma análise sistêmica e não literal do texto legal. De qualquer forma, na análise em confronto do regramento dos dois Códigos — arts. 273 do CPC/73 e 303, 305 e 311 do CPC/2015 — denota que não aparece, no novo tex-to, qualquer referência à necessidade de ‘requerimento da parte’ para que se possa deferir a tutela provisória. Do contrário, em todos os dispositivos aparece apenas a autorização legal ao magistrado, sem condicioná-la a qualquer pedido da parte. (DIAS, 2016:103-104)

A Constituição incumbiu ao magistrado traba-lhista decidir sobre conflitos e questões jurídicas que envolvem direitos sociais fundamentais, de caráter ali-mentar (art. 100 da CRFB) e superprivilegiado (art. 186, caput, do CTN), o que impõe ao juiz o poder/dever de fomentar um processo “realmente capaz de mudar as condições socioeconômicas de nosso país” (MARINO-NI; ARENHART; MITIDIERO, 2016:11).

Referências bibliográficas

BASTOS, Bianca. Grupos de empresa e o contrato de tra-balho: sucessão trabalhista e disregard doctrine. In: DELBONI, Denise Poiani; JOÃO, Paulo Sérgio. Direito, gestão e prática: direito empresarial do tra-balho. São Paulo: Saraiva, 2012.

DALAZEN, João Oreste. Do incidente de desconside-ração da personalidade jurídica no processo do

(5) Art. 297 do NCPC: O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

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trabalho. In: Revista LTr. São Paulo, ano 81, n. 2, fev. 2017, p. 135-145.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil: atuali-zado com a Lei n. 13.256/2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comenta-do: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comen-tários ao novo Código de Processo Civil artigo por arti-go. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PROCESSO DO TRABALHO

Carlos Eduardo Monti JuniorAcadêmico do 4º ano da Faculdade de Direito de Sorocaba — FADI.

1. Introdução

O incidente da desconsideração da personalidade jurídica é um procedimento excepcional nas relações ci-vis, consumeristas e trabalhistas — haja vista que, ordi-nariamente, a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus sócios, considerando a separação patrimonial existente entre eles.

É cediço que o referido instituto tem aplicação ao processo do trabalho. Contudo, a novel regulamenta-ção do procedimento da desconsideração da persona-lidade jurídica trazida com o advento do CPC/2015 gerou algumas questões controvertidas no que con-cerne à forma de aplicação do citado instituto ao pro-cesso trabalhista. O presente artigo estruturar-se-á do seguinte modo: (a) aplicação do referido procedimento ao processo do trabalho, (b) a teoria adotada na referida seara processual e, por fim, (c) os efeitos do incidente no deslinde da demanda trabalhista, principalmente no que tange à suspensão (ou não) do processo.

1.1. Brevíssimos apontamentos sobre a desconside-ração da personalidade jurídica

Pois bem. Como se referiu no proêmio, a normali-dade está na diferenciação da pessoa jurídica da socie-dade empresarial em relação aos sócios que a compõe. O que vale dizer, nas palavras de Rubens Requião(1):

“A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, pos-suidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade. Seu patrimônio, no ter-reno obrigacional, assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos de sua propriedade, constituem a garantia dos credores, como ocorre com os de qualquer pessoa natural”.

(1) REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 373.

Todavia, o que num primeiro instante é a garan-tia da liberdade dos sócios, pode se tornar instrumen-to para o cometimento de irregularidades em relação, sobretudo, aos credores. Quando ocorre tal situação, considerando que o ordenamento jurídico não deve compactuar com situações de uso da liberdade sem a responsabilidade devida, a proteção pode deixar de existir e, então, a personalidade jurídica da sociedade passa a ser desconsiderada.

2. Aplicação da desconsideração ao processo do trabalho

A teoria da desconsideração da personalidade ju-rídica — “disregard doctrine” — é aplicada nas relações civis por força do art. 50 do Código Civil, do art. 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor e do art. 135 do Código Tributário Nacional.

No âmbito das relações de trabalho, o parágrafo único do art. 8º e o art. 769 consolidados são as brechas que viabilizam a aplicação do incidente da desconside-ração da personalidade jurídica. Além disso, há com-patibilidade do referido instituto com o Processo do Trabalho, porquanto permite ao credor de verbas de natureza alimentar garantir o seu crédito com maior segurança.

Ademais, impede-se que os riscos do negócio se-jam transmitidos aos trabalhadores, pois se o patrimô-nio dos sócios (beneficiários da atividade econômica) restasse sempre protegido, poderia ocorrer de o traba-lhador deixar de receber as verbas advindas da relação de trabalho enquanto que os sócios continuariam com o patrimônio intacto — hipótese na qual, evidentemente, o trabalhador arcaria com os riscos da atividade econô-mica, contrariando o disposto no art. 2º da CLT.

Dessa forma, o pedido de instauração do inciden-te é cabível em todas as fases do processo de conhe-cimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, conforme o art. 134 do CPC/2015; se a desconsideração for arguida

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logo na Inicial, dispensa-se a instauração do incidente, pois a oportunidade para a apresentação da defesa dos sócios e administradores será na Contestação, junta-mente com os demais pontos da reclamação trabalhista, o que se extrai do § 2º do art. 134 do mesmo diploma processual.

2.1. A teoria aplicada ao processo do trabalho

Há duas teorias acerca da “disregard doctrine”(2): (a) a maior, quando o juiz despreza a autonomia patri-monial da pessoa jurídica, refreando-se práticas frau-dulentas e abusivas; (b) a menor, em que a simples insolvência já permite o afastamento da autonomia pa-trimonial da pessoa jurídica. Evidente que as referidas teorias foram tratadas de modo lacônico e rudimentar, apenas com intuito de invocá-las à estrutura do presen-te artigo, sem a pretensão de esgotar ou aprofundar a reflexão sobre elas.

Tendo em vista o princípio da simplicidade, a natureza das verbas perseguidas (no mais das vezes de natureza alimentar) e a proximidade da condição contratual dos trabalhadores com a verificada na dos consumidores (tópico exemplo de parte vulnerável na relação contratual), utiliza-se, prevalentemente, a teoria menor, não se exigindo, portanto, que o credor traba-lhista demonstre a culpa do sócio ou do ex-sócio na ad-ministração patrimonial da pessoa jurídica.

Entendimento esse que encontra severas críticas doutrinárias, em razão do desrespeito desmedido à auto-nomia patrimonial, conforme aduz Gustavo Tepedino(3):

“Em alguns setores da magistratura, assiste-se à generalização desmedida da desconsideração da per-sonalidade jurídica, fazendo tábua rasa da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Esta seria, a julgar por certos julgados, um entrave formal e de somenos con-tra a justiça substancial. Em consequência, os limites da responsabilidade patrimonial das empresas, estipu-lados por lei e em contratos sociais, são desprezados, bastando que o autor seja considerado menos poderoso do que o réu.”

De todo modo, a fim de não descarrilhar o anda-mento do presente artigo do tema proposto, considerar--se-á a aplicação da referida teoria menor (objetiva) ao Processo do Trabalho.

3. O incidente de desconsideração da personalida-de jurídica suspende o processo trabalhista?

Um dos grandes debates acerca do incidente da desconsideração no processo do trabalho está na análi-se da compatibilidade do § 3º do art. 134 do Novo CPC, o qual estipula a suspensão do processo quando há a arguição do incidente após a formação da relação pro-cessual.

A razão para a suspensão do processo no proces-so civil é a garantia da ampla defesa e do contraditório

(2) COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 45-49.

(3) TEPEDINO, Gustavo. Editorial: Perigos da desconsideração imprudente da personalidade jurídica. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, 2007. v. 38, p. 3.

— art. 5º, LV, da Constituição Federal. Considerando que nas relações civis prevalece a teoria maior da des-consideração, como aduz o art. 50 do Código Civil, a arguição da desconsideração envolve necessariamente alegações pertinentes aos atos fraudulentos e/ou abusi-vos por parte dos sócios, ex-sócios ou administradores. Inviável seria a manutenção do andamento processual frente às questões que exigem a defesa específica do réu no que tange à existência de fraudes e abusos.

Contudo, como declinado alhures, a teoria aplica-da ao processo do trabalho, em regra, é a teoria menor, a qual se refere tão somente à constatação da insolvência. Neste ínterim, questiona-se: haveria ofensa ao contradi-tório e à ampla defesa na hipótese de prosseguimento do processo frente à arguição pela desconsideração? De outro lado, pergunta-se: a eventual suspensão do pro-cesso é compatível com os princípios da celeridade e da concentração dos atos processuais?

Para incrementar as controvérsias acerca do tema, o Colendo TST ao editar a Instrução Normativa n. 39/2016, no art. 6º, § 2º, afirmou que a instauração do incidente deverá suspender o processo.

Sustenta Fredie Didier Junior(4), ao analisar a de-fesa dos sócios na hipótese de desconsideração da per-sonalidade jurídica, que: “A garantia do contraditório é um direito fundamental e, nessa condição, qualquer questão que envolva a possibilidade de sua mitigação ou eliminação deve ser vista com muita reserva.”

Acerca da magnitude do contraditório no proces-so, Estêvão Mallet(5) assevera:

“Quer dizer, o processo não é apenas forma de so-lução de conflitos. É forma intrínseca e ontologicamente bilateral de solução de conflitos, com garantia de parti-cipação das partes na formação do convencimento do julgador.”

Como se nota, independentemente da teoria ado-tada, a maior ou a menor, o incidente de desconside-ração no curso do processo repercute de modo signi-ficativo, fato que, por certo, deve permitir o direito da parte de se manifestar especificamente sobre tal feito. Impossibilitar, ou mesmo dificultar, o exercício de defe-sa em nome da celeridade desenha um cenário proces-sual deveras arbitrário, o qual não pode ser admitido à luz do devido processo legal.

Há um aparente conflito principiológico na aná-lise da suspensão do processo frente ao incidente da desconsideração. De um lado figuram os princípios do processo do trabalho pela celeridade (também abraça-do pelo CPC/2015) e da concentração dos atos proces-suais, os quais tornam inviável a suspensão do proces-so. De outro enfoque, existe a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, princípios basilares do devido processo legal, os quais tornam certo e infalível o direito de se manifestar, de produzir provas, de pro-testar, enfim, de exercer a proteção sobre toda lesão ou possibilidade de lesão que se possa vir a sofrer.

(4) DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/aspectos-processuais-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica/>. Acesso em: 01 mar. 2017.

(5) MALLET, Estêvão. Notas sobre o problema da chamada “decisão-surpresa”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 109, p. 390, jan./dez. 2014.

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Desse modo, respondendo ao primeiro questiona-mento retromencionado, certamente há ofensa à ampla defesa e ao contraditório na hipótese da não suspensão do processo em que se tenha arguido o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Acerca do segundo questionamento, a compatibi-lidade não deve ser prontamente descartada. Isso pela razão de ser conciliável, em especial o princípio da cele-ridade, e a suspensão advinda da desconsideração, bas-tando para tanto, a concessão de prazos equilibrados e razoáveis, os quais permitam o exercício da defesa, mas também possibilitem o retorno do andamento pro-cessual de modo exíguo. Outrossim, considerando o princípio do impulso oficial, cabe ao magistrado medir e equilibrar os prazos de forma a atender o direito ao contraditório e o célere andamento processual.

Ademais, conforme destacam Leonardo de Moura Landulfo Jorge e Fernanda Antunes Marques Junqueira(6):

“Cumpre registrar que este dispositivo deve ser interpretado à luz do princípio da razoável duração

(6) LANDULFO JORGE, Leonardo de Moura; JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicabilidade no âmbito da processualística do trabalho: uma breve incursão a respeito das teorias subjetiva e objetiva. Revista de Direito do Trabalho. v. 171, p. 35-56, set./out. 2016, DTR, 2016, 23845.

do processo, de modo que os atos processuais da ação principal só devem ser suspensos em face dos sócios, não havendo justificativa para se sobrestar a marcha processual em face das partes que não serão diretamen-te atingidas pela decisão a ser proferida no incidente.”

Compreende-se, portanto, que há plena compati-bilidade do incidente de desconsideração com os prin-cípios específicos do Processo do Trabalho.

4. Considerações finais

Buscou-se neste artigo analisar a aplicabilidade da suspensão do processo quando do incidente de des-consideração da personalidade jurídica, considerando para tanto o aparente conflito entre princípios de ordem processual. Conclui-se, desse modo, asseverando que para a guarda do devido processo legal, a suspensão é imprescindível, pois garante o exercício da ampla defe-sa e do contraditório sem mitigações. Contudo, caberá ao juiz trabalhista também garantir a celeridade do an-damento processual e, por corolário, a efetividade da prestação jurisdicional, casuisticamente, de forma que a garantia ao exercício da defesa não se torne um meio para entravar o prosseguimento da demanda ou impe-dir a execução trabalhista.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA FASE DE CONHECIMENTO: CRITÉRIOS PARA

DEMONSTRAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS NA FORMA DO § 4º DO ART. 134 DO CPC

André Gonçalves ZippererDoutorando em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR no Brasil, sendo bolsista da CAPES. Mestre em Direito Empresarial pelo

Centro Universitário Curitiba. Advogado.

Lucas WobetoAcadêmico de Direito na PUC/PR.

Prima Facie, para estabelecer a aplicabilidade das normas advindas do Código de Processo Civil ao pro-cesso trabalhista, se deve analisar o art. 769 da CLT, no qual o legislador expressamente demanda que a norma processualista civil seja compatível com as regras do processo do trabalho com a assertiva de que será fon-te subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Desta forma, mesmo com o advento do art. 15 do Novo CPC, o critério científico da compatibilidade per-manece presente para definição da aplicabilidade do CPC,

conforme palavras de Mauro Schiavi(1), as normas exara-das pelo diploma legal em questão serão aplicadas de for-ma “[...] supletiva e subsidiariamente, nas omissões da le-gislação processual trabalhista, desde que compatível com os princípios e singularidade do processo trabalhista”.

A questão foi resolvida também de forma admi-nistrava-jurisprudencial através do art. 6º, da Instru-

(1) SCHIAVI, Mauro. A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Elisson Miessa. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 56.

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ção Normativa n. 39 do Tribunal Superior do Trabalho segundo o que aplica-se ao Processo do Trabalho o in-cidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil, assegurada a ini-ciativa também do juiz do trabalho na fase de execução.

O novo CPC, em seu art. 134, § 4º, traz como requi-sito para o incidente de desconsideração da pessoa jurí-dica, a demonstração, pela parte requerente, dos pressu-postos legais para a desconsideração da personalidade jurídica. Segundo este artigo é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial sendo que o requerimento deve demonstrar o preenchi-mento dos pressupostos legais específicos para desconsidera-ção da personalidade jurídica.

Para o processo civil, tal requisito consiste em uma necessidade de demonstração, por parte do re-querente, dos pressupostos materiais necessários para a desconsideração, ou seja, deverá comprovar, em seu requerimento o preenchimento dos requisitos previstos na lei material sobre a matéria.

Atualmente, como regra geral, a desconsideração da personalidade jurídica está prevista no art. 50 do Có-digo Civil, que expressamente estabelece que esta pode ser declarada em caso de abuso da personalidade jurí-dica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.(1)

O legislador de 2002 acolheu a denominada “teo-ria maior” da desconsideração, também conhecida como teoria subjetiva, sustentada no Brasil por Rubens Requião com base nos estudos de Rolf Serick, que con-diciona a desconsideração com a ocorrência de critérios subjetivos como a fraude ou abuso de direito. Requião, um dos primeiros juristas a tratar sobre a então teoria da desconsideração da personalidade jurídica em clás-sico artigo escrito em 1969(2).

De fato, anteriormente a esta norma, já havia a possibilidade de se desconsiderar a personalidade por previsão do art. 28 do Código de Defesa do Consumi-dor (Lei n. 8.078/1990), assim como em razão da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994 (art. 18). Também admi-te a desconsideração a Lei n. 9.695, de 12 de fevereiro de 1998, regulamentada pelo Decreto n. 3.179, de 21 de setembro de 1999, que dispõe sobre a tutela do meio ambiente, em seu art. 4º.

Somente a partir do Código de Defesa do Consu-midor é que o fenômeno da desconsideração da perso-nalidade jurídica tomou corpo e passou a ser o ponto de referência normativo, aplicado supletivamente no processo do trabalho por força dos arts. 8º e 769, ambos da CLT.

O caput do art. 28, do CDC, adotou a “teoria maior” da desconsideração, enquanto o § 5º do mesmo artigo realmente adotou a “teoria menor”, ou “objeti-va”. Segundo este último poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

A compatibilidade do dispositivo do CDC com o Processo do Trabalho decorre a aplicação da chamada

(2) REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, dez. 1969. v. 410, p. 12-24.

“teoria objetiva” da desconsideração, segundo a qual não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular, sendo indiferente ter havido ou não abuso de forma. Tal determinação se adequa perfeitamente aos princípios e diretrizes do direito laboral, que, preza pelo tratamento dos desiguais na medida da sua desi-gualdade, oferecendo ao trabalhador a prerrogativa de uma simples demonstração de insuficiência patrimo-nial da empresa para que sejam comprometidos os bens pessoais dos sócios, a fim de garantir a dívida por eles assumida.(3)

Desta forma, deve o art. 134, § 4º, do CPC adotar os critérios do § 5º, do art. 28 do CDC, pois respeita-do o pilar do direito trabalhista, o princípio da prote-ção, seguindo, inclusive o entendimento da doutrina basta a insolvência da sociedade devedora para que se promova a desconsideração de sua personalidade jurídica.(4)

Cabe, portanto, definir em qual momento está configurada a insolvência devedora, lembrando que a desconsideração da personalidade em fase de conhe-cimento deverá servir apenas para definir a responsa-bilização subsidiária(5) do sócio sendo mantido intacta, portanto, a necessidade de demonstração, mesmo nesta fase, que a personalidade é obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados.

Sendo assim, a personalidade jurídica somente pode ser desconsiderada após exauridos todas as possi-bilidade existentes de execução contra essa e as demais pessoas jurídicas responsáveis solidárias, e ainda de-monstrada a inidoneidade financeira da mesma confor-me prevê, por exemplo, a Orientação Jurisprudencial da Seção Especializada de n. 40 do Tribunal Regional do Paraná.(6)

Deverá, portanto, o autor, em petição na qual re-quer a desconsideração em fase de conhecimento, de-monstrar de forma inequívoca a ausência de bens da empresa executada bastantes ao cumprimento de suas obrigações, para que se proceda o redirecionamento da execução contra os bens pessoais dos sócios, sendo uma forma de fazê-lo a juntada de cópia de outros au-tos em fase de execução adiantada no qual o fato ficou demonstrado.

(3) CLAUS, Ben-Hur Silveira. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC 2015 e o direito processual do trabalho. Revista eletrônica: acórdãos, sentenças, ementas, artigos e informações /Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Porto Alegre, RS, v. 12, n. 10, jun. 2016. Edição especial, p. 35-64.

(4) Temas polêmicos no novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho. In: Os impactos do novo CPC no Processo do Trabalho. Carlos Eduardo Oliveira Dias e outros. Escola Judicial. Tribunal Regional da 15ª Região, 2015. p. 59-60.

(5) Que justifica, por exemplo, pela existência do benefício de ordem (beneficium excussionis) que pode ser alegado pelo sócio na hipótese legal, conforme prevê o art. 795, § 1º, do NCPC que cita expressamente no § 4º, a desconsideração da personalidade jurídica.

(6) OJ EX SE — 40: Responsabilidade por Verbas Trabalhistas na Fase de OJ EX SE — 40: Responsabilidade por Verbas Trabalhistas na Fase de Execução. (RA/SE/001/2011, DEJT divulgado em: 07.06.2011)III — Pessoas jurídicas. Responsabilidade. Execução imediata dos sócios. Impossibilidade. Frustrada a execução em face da devedora principal, a responsabilidade pelo adimplemento passa a ser do responsável subsidiário, que tem o ônus de apontar a existência de bens desembaraçados se alegar o benefício de ordem. Somente depois de inviabilizada a execução em face das pessoas jurídicas poderá ser direcionada a execução contra as pessoas dos sócios.

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O art. 769 da CLT é autêntica cláusula de barreira da aplicação do processo comum no processo do trabalho e “teve histórica e ideologicamente a finalidade de esta-belecer uma cláusula de barreira com escopo de impe-dir a invasão dos complexos regramentos do processo comum” e de proteger o sistema processual trabalhista “da contaminação formalística das regras processuais comuns” (BEBBER, 2013:382).

A cabeça do art. 133 do NCPC, ao prever que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Pú-blico, quando lhe couber intervir no processo, é inapli-cável ao processo do trabalho — nesse ponto, discordo do entendimento do TST, fixado na Instrução Normati-va n. 39/2016(1), no sentido de se aplicar a instauração do incidente, ex officio, apenas na execução, pois na fase de cognição prevalece o princípio da inércia da jurisdi-ção, previsto no art. 2º do NCPC.

Entrementes, é certo que incidente e princípio não se confundem, pois o primeiro não visa incluir quem quer que seja no polo passivo da execução. “A desconsideração da personalidade jurídica servirá para tornar solidariamente responsáveis pela reparação as pessoas naturais que compõem a entidade” (MATIEL-LO, 2017:50), mas as pessoas naturais não passarão a figurar, propriamente, no polo passivo da reclamação trabalhista, como partes, de modo que permanece hígi-da a inércia da jurisdição. A finalidade da desconside-ração da personalidade jurídica é unicamente “relativi-zar a autonomia patrimonial decorrente da atribuição da personalidade jurídica a sociedades empresariais” (BASTOS, 2012:302), razão pela qual o incidente é apli-cável, de ofício, na fase de cognição, diante do poder geral de cautela conferido ao magistrado, que se extrai do novel art. 297 do NCPC(2), e na fase da execução, à obviedade do art. 878 da CLT.

(1) A Instrução Normativa n. 39/2016, do TST, “dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva”.

(2) “Nesse sentido, merece destaque a possibilidade de o juiz do trabalho conceder as tutelas provisórias de ofício, uma vez preenchidos seus pressupostos de direito. É sabido que parte relevante da doutrina rechaçava essa hipótese, fundada, de um lado, no princípio dispositivo, próprio do processo comum e, de outro, na dicção do art.

O art. 133, § 1º, do NCPC ao dizer que “o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observa-rá os pressupostos previstos em lei”, traz questão inte-ressante, considerando que o ordenamento jurídico nos coloca à disposição o art. 50 do Código Civil e o art. 28 do CDC e, em especial, a “teoria menor” da desconside-ração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), com respaldo na doutrina(3)) e na jurisprudência, inclu-sive do STJ(4).

273 do CPC/73. Nunca nos convencemos dessa impossibilidade, a uma porque fazemos uma leitura distinta do princípio dispositivo; a duas porque defendemos uma análise sistêmica e não literal do texto legal. De qualquer forma, na análise em confronto do regramento dos dois Códigos — arts. 273 do CPC/73 e 303, 305 e 311 do CPC/2015 — denota que não aparece, no novo texto, qualquer referência à necessidade de ‘requerimento da parte’ para que se possa deferir a tutela provisória. Do contrário, em todos os dispositivos aparece apenas a autorização legal ao magistrado, sem condicioná-la a qualquer pedido da parte.” (DIAS, 2016:103-104)

(3) “Como regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria maior da desconsideração (Código Civil, art. 50). Isso significa que, de modo geral, para ser aplicada a teoria, é preciso que haja desvio de finalidade caracterizado pelo uso abusivo fraudulento (teoria maior subjetiva). Também será aplicada a teoria se houver confusão patrimonial, isto é, se inexistir, no campo dos fatos, separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos seus sócios (teoria maior objetiva). Nesse contexto, ‘a teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova da insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração)’. A teoria menor não exige prova da fraude ou do abuso de direito. Nem é necessária a prova da confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física. Basta, nesse sentido, que o credor (consumidor, no caso) demonstre a inexistência de bens da pessoa jurídica, aptos a saldar a dívida. É uma teoria mais ampla, mais benéfica, certamente, ao consumidor. E foi ela a adotada pelo CDC, no art. 28, § 5º.” (BRAGA NETTO, 2017:316-317) (grifei)

(4) “A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso orde-namento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência deste dispositivo não se subordina

A APLICAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO NOVO CPC NOS MOLDES DA CLT

Igor de Oliveira Zwicker Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e

Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela

Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

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É assente que o art. 28, § 5º, do CDC trata de exe-gese autônoma. No processo do trabalho, aplica-se a “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, mormente porque no Direito do Trabalho, as-sim como no Direito do Consumidor e no Direito Am-biental, o risco empresarial normal às atividades eco-nômicas não pode ser suportado pelo empregado, mas pelos sócios e/ou administradores do ente empresarial empregador, ainda que este demonstre conduta admi-nistrativa proba (basta uma leitura sistemática do siste-ma jurídico e um olhar atento ao art. 2º, caput, da CLT, que tem, como característica, a alteridade trabalhista — isto é, o empregador assume os riscos da atividade econômica).

Neste sentido, o empregado hipossuficiente de-tém as mesmas características jurídicas do consumi-dor vulnerável: o Direito do Trabalho não comporta, materialmente, relações “paritárias”, devendo, portanto, absorver a mesma carga protetiva que foi pensada aos consu-midores pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse pon-to, penso ser inaceitável que uma teoria se pacifique em prol do consumidor (vulnerável) e deixe à deriva o em-pregado (hipossuficiente), considerando que o proces-so do trabalho lida com créditos de natureza alimentar (art. 100 da CRFB) e superprivilegiada (art. 186, caput, do CTN).(5)

O art. 134, § 2º, do NCPC trouxe regra interessan-te, ao dizer: “Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for reque-rida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”. Na Justiça do Trabalho, em-bora existisse certa tendência em se reconhecer a ilegiti-midade passiva do sócio (art. 485, VI, do NCPC), inclu-sive sob o fundamento de que a discussão sobre a des-consideração da personalidade jurídica seria “assunto reservado à fase de execução”, fato é que sempre houve razoável entendimento pela possibilidade — mesmo antes do advento do novo CPC — de inclusão do sócio na petição inicial, diante da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo esta a tese tradicional-mente mais aceita no âmbito do TST(6). Pacifica-se o as-sunto com o novo CPC.

à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (STJ, REsp 279.273, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3. T., DJ de 29.03.2004) (negritei)

(5) No direito material, um dos pressupostos da relação de emprego é a onerosidade, materializada no salário, que é voltado às necessidades vitais básicas do indivíduo e sua família e é recurso para a concretização da maioria dos direitos sociais fundamentais, consoante leitura combinada dos arts. 6º e 7º, IV, da CRFB.

(6) “Na esfera trabalhista, entende-se que os bens particulares dos sócios das empresas executadas devem responder pela satisfação dos débitos trabalhistas. Trata-se da aplicação do disposto no art. 592, II, do CPC [de 1973, correlato do art. 790, II, do NCPC] e da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, esta derivada diretamente do caput do art. 2º da CLT (empregador como ente empresarial ao invés de pessoa) e do princípio justrabalhista especial da despersonalização da figura jurídica do empregador. (...) Assim, se é permitido que, na fase de execução, possa o sócio ser incluído na lide para fins de responsabilização pela dívida apurada, com muito mais razão deve-se aceitar sua presença na lide desde a fase de conhecimento, em que poderá se valer mais amplamente do direito ao contraditório.” (TST-RR-125640-94.2007.5.05.0004, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 30.03.2011, 6. T., Data de Publicação: DEJT 19.04.2011) (grifei)

O art. 135 do NCPC prevê o regramento da ci-tação prévia, a meu ver completamente dissonante da sistemática trabalhista e, portanto, inaplicável, ante a cláusula de barreira. A regra trará ineficiência à instru-mentalidade do processo, pois a ideia do bloqueio de numerário é justamente a de surpreender o devedor e não de avisá-lo previamente da constrição, possibi-litando a blindagem do patrimônio. Nesse diapasão, discordo por completo do entendimento firmado pelo TST na Instrução Normativa n. 39/2016, ao permitir a aplicação da citação prévia no processo do trabalho(7).

O próprio TST reconheceu, na Instrução Norma-tiva n. 39/2016 (em um dos considerandos), que o con-teúdo da garantia do contraditório prévio “há que se compatibilizar com os princípios da celeridade, da ora-lidade e da concentração de atos processuais no Proces-so do Trabalho, visto que este, por suas especificidades e pela natureza alimentar das pretensões nele deduzi-das, foi concebido e estruturado para a outorga rápida e impostergável da tutela jurisdicional”. E citou, ao fim do considerando, o próprio art. 769 da CLT (cláusula de barreira).

Este é motivo suficiente para o completo rechaço do regramento da citação prévia, cabendo sustentar, no processo do trabalho, o contraditório diferido (posteci-pado) e a citação somente após o efetivo bloqueio de numerário. Compactuar com a inefetividade do proces-so é, a contrario sensu, reconhecer que o Estado-Juiz não possui meios para prestar adequadamente a jurisdição e que, portanto, não somos capazes de instituir um Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e a justiça como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social(8).

Referências bibliográficas

BASTOS, Bianca. Grupos de empresa e o contrato de trabalho: sucessão trabalhista e disregard doctrine. In: DELBONI, Denise Poiani; JOÃO, Paulo Sérgio. Direito, gestão e prática: direito empresarial do tra-balho. São Paulo: Saraiva, 2012.

BEBBER, Júlio César. Interpretação do art. 769 da CLT. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Orgs.). Novidades em direito e pro-cesso do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013.

(7) Nesse sentido: Enunciado n. 2 da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho: “Poder Geral de Cautela. Constrição Cautelar e de Ofício de Patrimônio do Sócio da Empresa Executada, Imediata à Desconsideração da Personalidade Jurídica desta. Cabimento. Desconsiderada a personalidade jurídica da executada para atingir o patrimônio dos sócios, em se constatando a insuficiência de patrimônio da empresa, cabe a imediata constrição cautelar de ofício do patrimônio dos sócios, com fulcro no art. 798 do Código do Processo Civil (CPC), inclusive por meio dos convênios BacenJud e RenaJud, antes do ato de citação do sócio a ser incluído no polo passivo, a fim de assegurar-se a efetividade do processo.” Enunciado n. 36 da II Jornada de Execução do TRT-8: “Responsabilidade dos Sócios da Pessoa Jurídica. Ato Ordinatório. Execução Simultânea. Inexistência de Benefício de Ordem não cumprida espontaneamente a obrigação contida no título executivo trabalhista, a execução se processará simultaneamente contra a pessoa jurídica e os sócios desta, independentemente de nova decisão ou despacho.”

(8) Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil.

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BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ: de acor-do com os projetos de lei que atualizam o CDC e com o Decreto n. 7.962/2013, que dispõe sobre o comércio eletrônico. 12. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2017.

DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. As tutelas provisórias no processo do trabalho. Revista do TST, Brasília, v. 82, n. 2, abr./jun. 2016. p. 83-111.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comen-tado: Lei n. 10.406, de 10.1.2002. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017.

É POSSÍVEL COMPATIBILIZAR O ART. 134, § 3º DO CPC COM O PROCESSO DO TRABALHO?

Carolina Silva Silvino AssunçãoEspecialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela

Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-graduanda em Direito do Trabalho pela FGV. Membro do Grupo de Estudos em Processo do

Trabalho da FDMC. Advogada.

A criação do instituto civilista da personalidade jurídica foi essencial para o desenvolvimento econô-mico do país, uma vez que possibilitou conferir auto-nomia patrimonial aos bens empregados na atividade econômica, passando esses a responder de maneira in-dependente pelas obrigações contraídas pela empresa. Ocorre que, com o passar do tempo, verificou-se o des-virtuamento do uso do instituto por alguns indivíduos, que passaram a agir com abuso de direito com o claro intuito de fraudar credores.

Assim, necessário se fez a criação da desconside-ração da personalidade jurídica, prevista nos arts. 50 do CC e 28 do CDC, que visa desconsiderar a personalida-de das sociedades em certas ocasiões para que seja pos-sível se atingir os bens dos sócios. O Código Civil ado-tou a chamada Teoria Subjetiva ou Maior, que admite o levantamento do véu da pessoa jurídica apenas quando demonstrado o desvio de finalidade na administração financeira da empresa ou a confusão patrimonial en-tre propriedade dos sócios e da sociedade. Em razão de regulamentar relações jurídicas caracterizadas pela hipossuficiência de uma das partes, o Código de Defe-sa do Consumidor adotou a Teoria Objetiva ou Menor, que desconsidera a personalidade jurídica pelo simples indicativo de insolvência da empresa devedora ou pelo simples descumprimento das obrigações a ela imputa-da. Em virtude da natureza do crédito trabalhista e da similitude de desigualdade da relação jurídica tutelada, o Direito do Trabalho, consoante majoritária jurispru-dência e doutrina, adota a teoria encampada pelo CDC.

Apesar de existir no ordenamento jurídico bra-sileiro, desde 1990, direito material sobre o tema, o Novo Código de Processo Civil é a primeira legislação pátria que trata processualmente do instituto da des-consideração da personalidade jurídica. O procedimen-to — regulado nos arts. 133 e seguintes do CPC — foi claramente articulado para dar aplicabilidade à descon-sideração prevista no art. 50 do CC/02, que requer a

comprovação em juízo dos requisitos de abuso de fi-nalidade e confusão patrimonial para que seja permi-tido o acesso aos bens dos sócios da pessoa jurídica. A celeuma surge, portanto, em tentar amoldar o incidente às hipóteses de aplicação da Teoria Objetiva ou Menor.

O art. 134, § 3º do CPC, ao prever a suspensão do processo em razão do incidente, traz apenas como exce-ção à regra a hipótese de se requerer a desconsideração na petição inicial. Ocorre que o processo trabalhista é regido pelo princípio da concentração dos atos, dispon-do o art. 893, § 1º da CLT que as decisões interlocutórias não são recorríveis de imediato. Ademais, em razão da natureza alimentar do crédito trabalhista (art. 100, § 1º da CF e art. 186 do CTN), a suspensão do processo é a exceção, sendo admitida apenas nas hipóteses de exce-ção de suspeição ou incompetência (art. 799 CLT).

Assim, em uma primeira análise, observa-se a in-compatibilidade do art. 134, § 3º CPC com os preceitos que regem o processo trabalhista, o que, via de conse-quência, impede sua aplicação subsidiária em razão da ausência de compatibilidade (art. 15 CPC c/c art. 769 CLT). É preciso salientar, no entanto, que, ao editar a IN n. 39, o c. TST dispôs, no art. 6º, ser aplicável ao pro-cesso do trabalho a suspensão prevista na norma pro-cessual comum tanto na fase de conhecimento quanto na execução, não descartando, contudo, a possibilidade de concessão de tutela de urgência de natureza cautelar para obstar os efeitos da suspensão processual.

É certo que a referida Instrução Normativa é ob-jeto de ADI que questiona sua constitucionalidade. To-davia, não se pode olvidar que a discussão na ADI gira em torno de questões formais e materiais, tais como a independência dos magistrados, a competência do TST para legislar acerca de direito processual e a separação dos poderes. Assim, ainda que a referida Instrução Nor-mativa seja considerada inconstitucional, não se pode deixar de considerar que o seu conteúdo demonstra que a corte superior trabalhista entende ser o art. 134,

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§ 2º do CPC compatível com o processo do trabalho. O entendimento do c. TST ganha maior relevância com o advento do NCPC, tendo em vista que, uma vez aplica-do o referido entendimento em julgamento de recurso repetitivo, tem a decisão efeito vinculante em relação aos demais tribunais e juízes (art. 927, III CPC).

Ressalte-se, no entanto, que, por não serem reali-zados atos expropriatórios ao longo da fase de conheci-mento, desde que não iniciada a execução, definitiva ou provisória, não se vislumbra às partes litigantes, nesse momento processual, prejuízo pela não suspensão do processo para análise e julgamento do incidente de des-consideração da personalidade jurídica (art. 794 CLT). Nesse sentido, ainda que se sedimente a interpretação da necessidade de aplicação dos arts. 133 e seguintes ao processo do trabalho, a ausência de instauração do incidente não maculará de nulidade o processo ante a aplicação da teoria das nulidades processuais trabalhis-tas (art. 794 da CLT).

Lado outro, o mesmo raciocínio não pode ser uti-lizado caso o incidente seja instaurado na fase expro-priatória do processo. Assim, caso seja aplicado o art. 134, § 2º do CPC ao processo do trabalho, necessário perquirir acerca do alcance da suspensão, especialmen-te no que diz respeito à possibilidade de levantamento do depósito judicial e a sua abrangência quanto aos de-vedores subsidiários.

Apesar de, em um primeiro momento, observar que a suspensão paralisa a marcha processual e impede a prática de qualquer ato, salvo a realização de atos ur-gentes a fim de evitar danos irreparáveis (art. 314 CPC), observa-se que a finalidade da norma é preservar o pa-trimônio dos sócios até que o incidente seja julgado e o redirecionamento da execução seja legítimo. Assim, em razão de o depósito recursal já estar nos autos, não se evidencia prejuízo ao sócios, razão pela qual não atinge a suspensão a faculdade de levantamento de tais valo-res pelo empregado.

Por fim, necessário observar que o incidente de desconsideração, por afetar apenas a organização e ad-ministração da empresa principal, não tem o condão de suspender o processo em face dos devedores que não sofrerão prejuízo advindos do levantamento do véu da pessoa jurídica. Assim, apesar de existir corrente em sentido contrário, que defende ocorrer a suspensão total do processo, filio-me àquela que entende que, na execução, em razão da instrumentalidade das formas, do dever de promover a dignidade da pessoa huma-na e da aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (art. 8º CPC), deve o processo ser suspenso apenas em relação ao devedor principal, não aproveitando a suspensão aos devedores subsidiários, porquanto o benefício de ordem desses devedores é oponível apenas em relação ao devedor principal e não aos seus sócios.

EFEITO (SUSPENSIVO OU NÃO) DO INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO

Antonio Borges de FigueiredoMestre em Direito (Unesp/Franca). Professor (CUML/Ribeirão Preto).

Advogado.

Clésio de OliveiraPós-graduando (ESA). Advogado Trabalhista.

Consta da Exposição de Motivos do vigente Có-digo de Processo Civil — CPC (Lei n. 13.105/2015), que muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produ-ção de provas, prévio à decisão que desconsidera a pessoa jurídica de direito privado, em sua versão tradicional, ou às avessas (desconsideração inversa).

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica constitui inovação processual, disciplinada pe-los arts. 133 a 137 do CPC, como modalidade típica de intervenção de terceiros, cujo objetivo é incluir o sócio (desconsideração tradicional) ou a sociedade (desconsi-deração inversa) no polo passivo da ação de cognição,

do cumprimento de decisão judicial, ou da execução fundada em título executivo extrajudicial.

Em breve síntese, o capítulo do CPC sobre o in-cidente em foco, assim disciplina o respectivo proce-dimento: a) deve ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público quando intervier no processo; b) deve observar os pressupostos legais; c) é cabível em todas as fases processuais; d) a instauração deve ser comunicada ao distribuidor para as devidas anota-ções; e) dispensa-se a instauração do incidente, quan-do requerida na petição inicial, mediante litisconsór-cio facultativo; f) a instauração suspende o processo, salvo quando requerida na própria petição inicial; g) o requerente deve demonstrar o preenchimento dos

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pressupostos legais específicos para a desconsidera-ção(1); h) o sócio ou a pessoa jurídica de direito priva-do, a ser incluído no polo passivo, deve ser citado para se manifestar e produzir provas, no prazo de quinze dias; i) concluída a instrução processual, quando ne-cessária, o incidente deve ser resolvido por decisão interlocutória, da qual cabe agravo de instrumento (se proferida em primeiro grau), ou agravo interno (se proferida por relator); j) a alienação ou a oneração de bens havidas em fraude de execução torna-se ineficaz em relação ao requerente, uma vez acolhido o pedido de desconsideração.

Cabe à parte interessada promover o processo de execução, mas o Juiz Presidente ou o Tribunal compe-tente pode promover de ofício a execução trabalhista fundada em título executivo judicial (art. 878 da CLT). A propósito, sendo ilíquido o título executivo exequen-do, a conta de liquidação também pode ser apresentada pelas partes ou determinada de ofício pelo magistrado trabalhista, pois quem pode o mais pode o menos (cf. o art. 879, §§ 2º, 3º e 6º, da CLT).

É correta a inclusão de ofício os sócios da pessoa jurídica de direito privado, com ou sem fins lucrativos, quando frustrada a execução trabalhista, pois os bens dos responsáveis podem ser penhorados quando frus-trada a execução fiscal, conforme dispõe a parte final do art. 4º, § 3º, parte final, da Lei n. 6.830/1980(2): “Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execu-ção, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.”

Com efeito, estão sujeitos à execução os bens do sócio, nos termos da lei, bem como do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica (art. 790, II e VII, do CPC, aplicável subsidiariamente à execução fiscal ou trabalhista).

A Justiça do Trabalho tem aplicado a teoria me-nor (objetiva) da desconsideração da personalidade ju-rídica (prevista no art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor), por simples falta ou insuficiência de bens suficientes para solver a dívida social, em razão da hipossuficiência do trabalhador, a constatação de que seria difícil (ou impossível) a produção de provas pelo obreiro, bem como pela natureza alimentícia do crédito trabalhista (SOARES, 2015, p. 58). A minoritária corren-te da teoria maior (subjetiva), adotada no art. 50 do Códi-go Civil, tem como pressuposto o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela con-fusão patrimonial.

Tem razão quem advoga a tese da responsabi-lidade dos bens de sócios ou de ex-sócios quando a sociedade de direito privado, por falta de bens sufi-cientes para honrar as obrigações trabalhistas, com o

(1) Confira o art. 28 da Lei n. 8.078/1990 (CDC), o art. 4º da Lei n. 9.605/1998 (Crimes Ambientais), o art. 50 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002), o art. 34 da Lei n. 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência — SBDC), o art. 14 da Lei n. 12.846/2013 (Anticorrupção) etc.

(2) As normas sobre execução fiscal (disciplinadas pela Lei n. 6.830/1980) aplicam-se subsidiariamente ao processo de execução trabalhista (art. 889 da CLT), sem prejuízo da aplicação subsidiária ou complementar do processo civil ao processo do trabalho (art. 15 do CPC e art. 769 da CLT).

fito de impedir fraudes, abusos e transferências dos riscos do empreendimento ao empregado (BARROS, 2006, p. 282).

A desconsideração da personalidade jurídica, em caso de frustração da execução do título executivo tra-balhista, deriva das próprias características impessoais [arts. 2º, 10 e 448 da CLT] do empregador na relação de emprego (DELGADO, 2015, p. 461).

Nas relações consumeristas, admite-se a descon-sideração da pessoa jurídica sempre que a sua perso-nalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (art. 28, § 5º, do CDC), re-gra que deve ser aplicada subsidiariamente ao processo trabalhista.

Consideramos que o art. 6º da Instrução Norma-tiva n. 39/2016(3) está incompleto ou insatisfatório. Se-gundo o referido dispositivo, aplica-se ao processo do trabalho o incidente da personalidade jurídica, regula-do pelos arts. 133 a 137 do CPC, mas é assegurada a ini-ciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (art. 878 da CLT). Da decisão interlocutória acolhendo ou rejeitando o incidente, não cabe recurso de imediato na fase de cognição (art. 893, § 1º, da CLT), cabe agravo de petição na fase de execução, independentemente de garantia, e cabe agravo interno quando proferida pelo Relator em feito de competência originária do Tribunal (art. 932, inciso VI, do CPC). A instauração do incidente suspende o processo, sem prejuízo da concessão de tutela de urgência cautelar de que trata o art. 301 do CPC (art. 6º, § 2º, da referida IN n. 39/2016).

A despeito da falta de clareza da referida ins-trução, consideramos que o deferimento de ofício da desconsideração não deve ter efeito suspensivo e não depende de prévia manifestação da pessoa física ou ju-rídica a ser incluída no polo passivo da ação, inclusive para evitar a ocultação de bens.

Por outro lado, consideramos que o incidente suscitado pelo credor ou pelo Ministério Público não deve suspender o andamento do processo, a critério do juiz, pois não justifica um retardamento incompatível com o direito à razoável duração do feito (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, acrescentado pela EC n. 45/2004).

Convém observarmos que está prevista a suspen-são do processo civil em decorrência da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídi-ca, a requerimento da parte ou do Ministério Público, salvo quando pedida na própria petição inicial (art. 134, § 3º, do CPC). Logo, não precisa ser suspenso o proces-so quando a desconsideração é pedida na inicial, nem, logicamente, quando deferida de ofício no processo de execução trabalhista.

Em caso de suspensão do processo e de prévia manifestação da pessoa física (na desconsideração tra-dicional) ou jurídica (se inversa a desconsideração), aumenta-se o risco desta ocultar seus bens de molde a tentar frustrar a execução, o que deve ser examinado

(3) A IN n. 39/2016 dispõe sobre as normas do CPC de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.

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criteriosamente pelo juiz em cada caso concreto, para impedir abusos.

A propósito, o deferimento de ofício da des-consideração da personalidade jurídica, com base na prova documental já constante dos autos ou requisi-tada (até mesmo de ofício) pode tornar desnecessária (ou até mesmo) prejudicada a instauração do inci-dente a requerimento do interessado ou do Ministé-rio Público.

Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

SOARES, Alexandre de Oliveira. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e efetividade da tutela execu-tiva trabalhista. São Paulo: LTr, 2015.

A IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO TRABALHISTA NO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

De início, parta-se da premissa de que processo é processo, seja qual natureza for. É instrumento. No mo-mento em que se torna um fim em si mesmo, não é mais processo. Seu objetivo, inexoravelmente, é a consagra-ção do direito material.

No âmbito do direito material, o contrato de tra-balho se qualifica “em função de sua utilidade existen-cial”, que equivale ao grau de imprescindibilidade da utilização pessoal, pelo empregado, do objeto contra-tual — o salário — “para a conservação de um padrão mínimo de dignidade” (NEGREIROS, 2006:463). O pro-cesso do trabalho serve de instrumento de consagra-ção desses direitos, de natureza alimentar (art. 100 da CRFB) e superprivilegiada (art. 186, caput, do CTN). É a partir desta ótica que investigo a aplicabilidade da sus-pensão do processo do trabalho na instauração do in-cidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O art. 769 da CLT, autêntica cláusula de barreira da aplicação do processo comum no processo do trabalho, “teve histórica e ideologicamente a finalidade de esta-belecer uma cláusula de barreira com escopo de impe-dir a invasão dos complexos regramentos do processo comum” e de proteger o sistema processual trabalhista “da contaminação formalística das regras processuais comuns” (BEBBER, 2013:382).

A cabeça do art. 134 do CPC diz que “O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do pro-cesso de conhecimento, no cumprimento de sentença e

na execução fundada em título executivo extrajudicial”. O art. 134, § 2º, dispensa a instauração do incidente “se a desconsideração da personalidade jurídica for reque-rida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”. Caso contrário, a instauração do incidente suspenderá o processo (art. 134, § 3º).

Em 15 de março de 2016, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Resolução n. 203, que aprovou a Ins-trução Normativa n. 39, que “dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inapli-cáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exausti-va”. Na cabeça do art. 6º da Instrução Normativa, o TST admite a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho; no art. 6º, § 2º, dispõe que “a instauração do incidente suspen-derá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC”.

Tal entendimento — sustentado pelo Tribunal Su-perior do Trabalho — resulta em afronta direta e literal ao próprio art. 769 da CLT e induz coalisão com toda a sistemática que permeia o processo do trabalho. Os juízes do trabalho, em especial, devem ter alto grau de formação humanística e sensibilidade na condução dos processos, porque irão decidir em questões marcante-mente assimétricas, em ajustes onde o objeto contratual (o salário) é questão de sobrevivência para uma das partes (o empregado).

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O próprio Tribunal Superior do Trabalho, aliás, traz no bojo da Instrução Normativa n. 39 — contra-ditoriamente — razões para a inaplicabilidade do art. 134, § 3º, do CPC no processo do trabalho, não apenas ao reconhecer que as normas dos arts. 769 e 889 da CLT não foram revogadas pelo art. 15 do CPC de 2015, em face do que estatui o art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, mas ao registrar, expres-samente, o seguinte:

(...) há que se compatibilizar com os princípios da celeridade, da oralidade e da concentração de atos processuais no Processo do Trabalho, visto que este, por suas especificidades e pela natureza alimentar das pretensões nele deduzidas, foi concebido e estruturado para a outorga rápida e impostergável da tutela jurisdi-cional (CLT, art. 769).

A Consolidação das Leis do Trabalho, quando decretada em 1943, fez constar, no texto originário (ao prever o regime das exceções), que “nas causas da juris-dição da Justiça do Trabalho, somente podem ser opos-tas, com suspensão do processo, as exceções de suspei-ção ou incompetência” (art. 799 da CLT). Tal regime é claramente excepcional, o que demonstra a intenção da Consolidação em tornar regra, em abundância, a não suspensão do processo do trabalho.

Para o rito sumariíssimo, a Consolidação diz que “serão decididos, de plano, todos os incidentes e exceções que possam interferir no prosseguimento da audiência e do processo” e que “as demais questões serão decididas na sentença” (art. 852-G da CLT). No art. 765, a CLT prevê que “os Juízos e Tribunais do Tra-balho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclare-cimento delas”.

Ou seja, diante da marcante característica de sim-plicidade do processo do trabalho, que reclama urgência, a fim de salvaguardar conteúdo alimentar e superprivi-legiado, como dito alhures, não se pode abraçar um con-teúdo meramente incidental como se procedimento autônomo fosse. O próprio nome já diz: é um incidente, “que tem caráter acessório, secundário” (HOUAISS, 2009:1063), é “circunstância acidental” (DINIZ, 2005:934).

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica produz uma decisão meramente interlocutória (arts. 893, § 1º, e 897, § 2º, da CLT e 203, § 2º, do CPC), incidental, seja em que fase do processo for; como bem reconhece o Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula n. 214 da jurisprudência uniforme, na Justiça do Tra-balho as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato.

O princípio da irrecorribilidade das interlocutó-rias é a garantia de eficácia do princípio da celeridade do Processo do Trabalho. De nada adiantaria afirmar a celeridade em função da natureza alimentar do salário, se a parte pudesse recorrer a cada decisão interlocutó-ria. Para que a parte possa recorrer no momento opor-tuno, deverá lançar o protesto antipreclusivo na primei-ra oportunidade que tiver para se manifestar nos autos. (ARAÚJO, 2017:27)

Aliás, aproveitando-me da expressão que utilizei acima — “seja em que fase do processo for” —, é de se registrar que impera no processo do trabalho o princípio

da oralidade, subdividido em outros cinco princípios, co-rolários deste; dentre eles, destacam-se a concentração dos atos processuais em audiência e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

Pelo subprincípio da concentração dos atos proces-suais em audiência, “os atos do procedimento devem-se desenvolver num único ato, máxime a instrução pro-batória que deve ser realizada em audiência única” (SCHIAVI, 2017:111).

Quanto ao subprincípio da irrecorribilidade das de-cisões interlocutórias:

(...) esta característica do princípio da oralidade tem por objetivo imprimir maior celeridade ao processo e prestigiar a autoridade do juiz na condução do pro-cesso, impedindo que as decisões interlocutórias, quais sejam, as que decidem questões incidentes, sem encer-rar o processo, sejam irrecorríveis de imediato, poden-do ser questionadas quando do recurso cabível em face da decisão definitiva. (SCHIAVI, 2017:112).

Ou seja, por onde se vê, a suspensão do processo do trabalho, em razão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é impertinente, é medida bu-rocratizadora e traduz em irrazoável duração do pro-cesso, o que é absolutamente incompatível com a prin-cipiologia processual trabalhista.

O processo do trabalho é o instrumento da con-sagração do direito material negado ao indivíduo, por quem quer que seja: outro indivíduo (pessoa natural), pessoa jurídica de direito privado (relação horizontal ou diagonal) ou pessoa jurídica de direito público in-terno (relação vertical). Equivale dizer que se espera do Estado — mormente do Estado-Juiz, que detém competência exclusiva para exercer a jurisdição — um tratamento adequado ao processo, que deve refletir não um fim em si mesmo, não elemento burocrático, mas um instrumento de efetividade na entrega do bem da vida.

Compactuar com a inefetividade do processo — o que me parece ter feito o Tribunal Superior do Traba-lho no art. 6º, § 2º, da Instrução Normativa n. 39 — é, a contrario sensu, reconhecer que o Estado-Juiz não possui meios para prestar adequadamente a jurisdição e que, portanto, não somos capazes de instituir um Estado De-mocrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e a justiça como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social(1).

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Francisco Rossal de. O novo CPC e o processo do trabalho: a Instrução Normativa n. 39/2016 — TST — referências legais, jurisprudenciais e co-mentários. São Paulo: LTr, 2017.

BEBBER, Júlio César. Interpretação do art. 769 da CLT. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Orgs.). Novidades em direito e pro-cesso do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013.

(1) Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil.

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DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 2, D-I.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRAN-CO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradig-mas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Traba-lho de acordo com o novo CPC. 12. ed. São Paulo: LTr, 2017.

A INCOMPATIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO PROCESSO TRABALHISTA COM A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Nara Brito BarroAdvogada atuante na comarca de Ituiutaba-MG. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidad de Buenos Aires — UBA.

A especialidade do subsistema jurídico trabalhis-ta exige que se lhe confira um tratamento metodológico diferenciado, que preserve a sua própria fisionomia, de modo que a heterointegração seja realizada com a ob-servância dos princípios do direito material que lhe são inerentes e que afetam diretamente a prática jurisdicio-nal trabalhista.(1)

O critério científico da compatibilidade subsiste ao advento do novo CPC — art. 15, permanecendo in-dispensável ao processo hermenêutico de avaliação da aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho. Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC de 2015 subme-te-se ao crivo da compatibilidade previsto nos arts. 769 e 889 da CLT, quando se trata de enfrentar a questão da aplicabilidade do incidente ao subsistema jurídico laboral.

A aplicabilidade da técnica da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho traz efetividade à jurisdição trabalhista. Na verdade, mais do que a utilidade da providência, a adoção dessa técni-ca jurídica é medida indispensável à satisfação de inú-meras execuções nas quais se revela a insuficiência do patrimônio da sociedade executada, mormente em se tratando de verbas com caráter alimentar (art. 100, § 1º da CF e art. 186 do CTN).

Trata-se de situação ordinária na jurisdição traba-lhista que exige então o redirecionamento da execução trabalhista aos bens da pessoa natural dos sócios da empresa executada. Previsto nos arts. 133 e seguintes do CPC de 2015, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica instituído pelo novo Código de Processo Civil revela-se em parte incompatível com os princípios do Direito Processual do Trabalho, a teor dos arts. 769 e 889 da CLT.

(1) DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Teoria e prática da sentença trabalhista. 5. ed., 2015. p. 18.

A incompatibilidade se dá diante da circunstância de que o incidente previsto no novo CPC provoca au-tomática suspensão do processo quando a desconside-ração da personalidade jurídica da sociedade é reque-rida na fase de conhecimento — exceto se requerida na petição inicial — e de execução (NCPC, art. 134, § 3º), suspensão processual que contraria tanto o princípio da concentração de atos quanto o princípio da celeridade processual, com evidente prejuízo à garantia da efetivi-dade da jurisdição.

A suspensão em voga visa proteger os bens do sócio de eventual penhora antes da decisão acerca da matéria, para que o incidente não perca o objeto ao lon-go de sua instrução e decisão. É justamente por esse motivo que o próprio CPC trouxe a previsão de que tal incidente não suspenderá a lide quando requerido com a peça inicial, já que não serão praticados atos expro-priatórios durante essa fase, em regra.

No subsistema procedimental trabalhista, a re-gra é a não suspensão do processo, privilegiando-se a celeridade processual, com vistas à efetividade proces-sual. A originária vocação do processo do trabalho para constituir-se como processo de resultado conduziu o legislador a estabelecer um procedimento — concen-trado — no qual a suspensão do processo do trabalho foi concebida como hipótese excepcional. Em regra, as exceções não suspendem o andamento do processo trabalhista, diretriz legislativa destinada a promover a realização do direito material objeto da causa de forma célere, em prestígio à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF).(2)

A regra no processo do trabalho é a resolução das exceções e incidentes sem a suspensão da tramitação

(2) CLAUS, Ben-Hur Silveira. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica Previsto no CPC 2015 e o Direito Processual do Trabalho. Revista Direito UNIFACS — Debate Virtual, Salvador, n. 186, 2015.

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do processo, mediante decisão interlocutória (art. 799, § 1º e 852-G da CLT). A exceção fica por conta do caput do art. 799 da CLT, no caso das exceções de suspeição ou incompetência. Assim, se mostra incompatível a previsão de suspensão do processo quando da instau-ração do incidente de desconsideração tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução trabalhista, nesta, tanto para a devedora principal quanto para a subsidiária, pois esta não possui benefício de ordem entre os sócios da devedora principal e a devedora sub-sidiária. Portanto, a falta de bens da devedora principal já autoriza o redirecionamento da execução para a sub-sidiária, que pode ser concomitante à desconsideração da personalidade da devedora principal.

Porém, vale ressaltar que o C.TST entende que o incidente suspende o processo nas referidas fases pro-cessuais, conforme previsão no art. 6º, § 2º da Instrução Normativa n. 39/2016, com a ressalva de que não so-frerá prejuízo quanto à concessão de tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC. A referida instrução normativa estabeleceu ainda, que da decisão em incidente de desconsideração de personali-dade jurídica, em sede de execução em primeiro grau, é cabível agravo de petição independentemente de ga-rantia de Juízo. Já quanto o incidente for instaurado originariamente em segundo grau, será cabível agravo interno.

Ambos os recursos, defende-se, não possuem o condão de manter a suspensão processual, quando se tratar de execução definitiva, sendo possível o imediato levantamento dos depósitos. A teor do art. 893, § 1º, da CLT, tem cabimento o recurso de agravo de petição con-tra a sentença — decisão definitiva — que julga os em-bargos à execução e que reexaminará a decisão interlo-cutória que determinara a desconsideração da persona-lidade jurídica, que é anterior à sentença de embargos e não estará, por conseguinte, sujeita a recurso imediato

por se constituir em decisão interlocutória cujo mere-cimento somente pode ser apreciado na sentença que julga os embargos à execução. É dessa última decisão — sentença — que cabe o recurso de agravo de petição para submeter ao Tribunal Regional do Trabalho o exa-me do merecimento da decisão interlocutória que de-terminara a desconsideração da personalidade jurídica.

Eventual agravo de petição acerca dessa matéria não impediria o levantamento de depósito judicial, pois a finalidade deste é garantir a efetividade da execução. Não havendo discussão sobre o valor depositado no referido recurso, a discussão sobre a responsabilidade pode ser dirimida posteriormente ao levantamento do valor, diante do caráter alimentar do crédito trabalhista (art. 100 da CF e 186 do CTN).

Assim, a simples interposição de recurso não re-tirará o caráter definitivo da execução. Ademais, caso haja algum motivo válido e razoável que justifique a manutenção da suspensão, poderá o magistrado (a quo ou ad quem), com fulcro no poder geral de cautela, de-terminá-la.

Desta forma, verifica-se que o incidente de des-consideração da personalidade jurídica deve ser aplica-do de forma adaptada ao processo do trabalho, diante das particularidades desta especializada, em consonân-cia com os princípios da celeridade e efetividade, caben-do ao aplicador da norma compreender seus fins, sem a suspensão do processo, para que não haja prejuízo severo à efetividade da jurisdição e à própria realização dos direitos fundamentais sociais previstos na Cons-tituição Federal e na legislação trabalhista. Ademais, existe um interesse institucional do Estado em efetivar a tutela jurisdicional, elemento que atrai a necessidade de atuação mais firme e oficiosa do magistrado(3).

(3) BRUXEL, Charles da Costa. Novo CPC (art. 139, IV): revolução na execução trabalhista?, 2016.

O INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROJETO DE REFORMA TRABALHISTA

Antonio Borges de FigueiredoMestre em Direito (Unesp/Franca). Professor (CUML/Ribeirão Preto).

Advogado.

Clésio de OliveiraPós-graduando (ESA). Advogado Trabalhista.

1. Introdução

O Projeto de Lei n. 6.787/2016, conhecido sob a vaga denominação Reforma Trabalhista, tinha apenas seis páginas e era pouco abrangente, mas foi substituí-do pelo Projeto de Lei n. 6.787-B de 2016, contendo cin-

quenta e quatro páginas, cuja Redação Final foi apro-vada pela Câmara Federal em 26 de abril de 2017, cujo Relator foi o Deputado Rogério Marinho.

Apesar do intenso debate que o tema suscita, a reforma depende da tramitação perante o Senado Fede-ral e, em caso de aprovação perante esse órgão, de pro-

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mulgação, deverá entrar em vigor cento e vinte dias de-pois da necessária publicação oficial (art. 6º do Projeto). Ressalte-se que a “contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far--se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral” (art. 8º, § 1º, da Lei Comple-mentar n. 95/1998, incluído pela LC n. 107/2001).

Este projeto prevê alterações no direito processual e do trabalho, mas o objeto da presente tese é o Inci-dente de Desconsideração da Personalidade Jurídica a ser disciplinado pelo art. 855-A da CLT (na Seção IV do Capítulo IV do Título X), se for aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional e promulgado.

2. O projetado incidente da desconsideração

Consoante o caput do projetado art. 855-A da CLT, que não prevê (nem proíbe) a iniciativa de ofício do juiz do trabalho, aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil — CPC.

Prevê-se que, em razão das peculiaridades recur-sais trabalhistas, da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I — na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1º do art. 893 da CLT; II — na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente da garantia do juízo; III — cabe agravo interno se proferida pelo relator em inciden-te instaurado originariamente no tribunal (art. 855-A, § 1º). Está previsto também que a instauração do inci-dente suspenderá o processo, sem prejuízo de conces-são da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC (art. 855-A, § 2º).

É curial destacar que o art. 6º, caput e §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa n. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho tem redação análoga à do projetado art. 855-A, mas este não contém a ressalva sobre a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução.

O caput do art. 6º da IN n. 39/2016 assim dispõe: “Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de des-consideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 131 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execu-ção (CLT, art. 878)”.

Logo, a aplicação gramatical do projetado art. 855-A e do art. 6º da IN n. 39/2016 sugere que as dis-posições contidas nos arts. 133 a 137 do CPC permitem sustentar a aplicação ao processo do trabalho do inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica, nos mesmos moldes do processo civil, talvez com reser-vas em sede de execução.

Segundo a tradicional redação do art. 878 da CLT, a execução fundada em título executivo judicial pode ser promovida por qualquer interessado, ou de ofício pelo próprio Juiz ou Presidente do Tribunal que tiver julgado originariamente o dissídio, nos termos do art. 877. O poder de promover de ofício a execução implica também o de promover de ofício a liquidação e a des-consideração da personalidade jurídica, sem afastar a legitimidade ativa do credor.

Também está projetada nova redação ao art. 878 da CLT, cuja nova redação poderá ser a seguinte: “A execução será promovida pelas partes, permitida a exe-cução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem repre-sentadas por advogado”.

Combinando-se arts. 855-A e 878 da CLT, com as inovações previstas na reforma trabalhista, provavel-mente predominará o entendimento de que a instau-ração do incidente de desconsideração da personali-dade jurídica dependerá de pedido expresso da parte interessada, com demonstração do preenchimento dos pressupostos necessários (previstos no art. 28 do Códi-go de Defesa do Consumidor ou no art. 50 do Código Civil), mas também poderá ser determinada de ofício apenas nos casos em que a execução puder ser realizada de ofício.

3. O procedimento da desconsideração no proces-so trabalhista

Depreende-se do disposto nos arts. 133 a 137 do CPC que, inclusive no âmbito do processo trabalhista, o incidente de desconsideração da personalidade jurídi-ca dependerá de provocação do interessado, mediante demonstração do preenchimento dos requisitos perti-nentes, em qualquer fase do processo de conhecimento ou de execução fundada em título executivo judicial ou extrajudicial.

Suscitado o incidente, está prevista a suspensão do processo, salvo quanto à tutela provisória cautelar de que trata o art. 301 do CPC. Esse tratamento é com-patível com o processo trabalhista, mas dependendo das peculiaridades de cada caso consideramos que a suspensão processual não deve ser uma regra absoluta, sob pena de contrariar a garantia constitucional da ra-zoável duração do processo e da celeridade.

Instaurado o incidente no âmbito trabalhista, o suscitado deverá ser citado para oferecer defesa em até quinze dias e produzir provas, seguindo-se decisão interlocutória, observando-se o disposto no art. 855-A, § 1º, da CLT quanto a recursos.

Da decisão interlocutória que acolhe ou rejeita o incidente, na fase de cognição, não cabe recurso de ime-diato, na forma do § 1º do art. 893 da CLT, sem prejuízo de impugnação da matéria no âmbito do recurso inter-posto contra a sentença, no efeito meramente devolu-tivo. O agravo de petição ou o agravo interno contra o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica (art. 855-A, § 1º, II e III), deve ser recebido no efeito meramente devolutivo, a exemplo do que ocorre com os recursos trabalhistas, salvo exceções legais, nos termos do art. 899 da CLT.

Existe a alternativa de se pedir a desconsideração da personalidade jurídica na própria petição inicial da reclamação trabalhista, mediante litisconsórcio passivo facultativo e cumulação de pedidos (sem necessidade de instauração do incidente), hipótese em que todos os réus devem ser citados para apresentação de defesa, com relação a quaisquer dos fatos e dos pedidos.

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Quando a execução trabalhista pode ser promo-vida de ofício (art. 878 da CLT), a desconsideração da personalidade jurídica pode ser suscitada mediante provocação do interessado e também de ofício pelo ma-gistrado. Não está claro se o magistrado precisa ensejar a prévia manifestação do terceiro, nos termos do art. 9º

do CPC, ou se pode aplicar de plano a desconsideração quando a determina de ofício, a título de exceções como as previstas no parágrafo único do art. 9º do CPC e de modo a evitar desvios ou atos fraudulentos. Neste caso também seria desnecessária a instauração do incidente, mas não há previsão legal clara sobre isso.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO

Iuarley da Silva FonsecaPós-graduando em Direito do Trabalho no Centro Universitário do

Norte/UNINORTE/Manaus. Advogado.

Ana Paula Castelo Branco CostaMestre em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas/UEA.

Professora Universitária.

A desconsideração da personalidade jurídica é um assunto de suma importância ao processo do tra-balho, uma vez que, se a pessoa jurídica for insolvente, os sócios deverão responder com os seus bens pelas dí-vidas contraídas por ela, dando assim a eficácia neces-sária às decisões judiciais, garantindo assim os créditos trabalhistas.

Desconsideração da personalidade jurídica é a medida processual em que o juízo determina a inclu-são dos sócios da pessoa jurídica no polo passivo da demanda, respondendo estes com seu patrimônio pes-soal pelas dívidas da empresa em caso de insolvência. Em caso de sociedade anônima é necessário demons-trar gestão fraudulenta ou temerária por parte de seus sócios para que seja possível a aplicação da desconside-ração da personalidade jurídica.

Existem duas maneiras para se formular a teo-ria da desconsideração da personalidade jurídica: a) a maior: quando o juiz deixa de lado a autonomia pa-trimonial da pessoa jurídica, coibindo-se a prática de fraudes e abusos; b) a menor: em que o simples prejuízo já autoriza o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Antes, o Juízo poderia a pedido do credor ou até mesmo de ofício, instaurar o incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica, sendo que após o deferi-mento os sócios são incluídos no polo passivo da Ação Trabalhista e intimados a quitar a dívida, sob pena de execução.

Após a entrada em vigor do Novo Código de Pro-cesso Civil (Lei n. 13.105/2015) o incidente de descon-sideração da personalidade jurídica ficou estabelecido nos arts. 133 a 137 da referida lei, um capítulo inteiro

sobre este tema, trazendo inovações quanto ao procedi-mento. Abaixo algumas disposições importantes sobre o assunto:

Art. 133. O incidente de desconsideração da per-sonalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. [...]

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabí-vel em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. [...]

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pes-soa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. [...]

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Com o advento da nova Lei, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa n. 39, dis-pondo sobre as normas do Novo Código de Processo Civil que são aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, esta instrução estabeleceu no art. 6º que o in-cidente de desconsideração da personalidade jurídica se aplica ao Processo do Trabalho.

Art. 6º Aplica-se ao Processo do Trabalho o in-cidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137),

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assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878).

O incidente será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (art. 133 do NCPC). Sendo obrigatória a obser-vância dos pressupostos previstos em lei. No processo trabalhista, o incidente pode também ser instaurado de ofício, na medida em que a execução pode ser processa-da por ato do magistrado (art. 878 da CLT).

No processo do trabalho, quando comprovada a existência de relação de emprego, os juízes tem optado pela aplicação, por analogia, do art. 28 § 5º do CDC. O fundamento para esta opção consiste no Princípio da Igualdade Substancial, base, tanto na CLT, quanto do CDC, aplicando-se uma norma jurídica protetiva a uma parte, em função de sua hipossuficiência existente no plano dos fatos, uma vez que o empregado é hipossu-ficiente perante o empregador e o consumidor perante o fornecedor.

Parte da doutrina e jurisprudência apontam a existência de uma teoria própria do direito do trabalho o que possibilita a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se da Teoria do Risco da Atividade Eco-nômica, disposta no art. 2º da CLT.

Art. 2º Considera-se empregador a empresa, in-dividual ou coletiva, que, assumindo os riscos da ativi-dade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

No caso de insolvência, se não houvesse a descon-sideração da personalidade jurídica, o empregador te-ria o seu patrimônio pessoal protegido. Já o empregado teria a diminuição do seu patrimônio pessoal diante do não pagamento da contraprestação pelo seu trabalho, ocorrendo, portanto, uma inversão da Teoria do Risco da Atividade Econômica, já que o empregado é quem suportaria os riscos da atividade.

Por este entendimento, sendo caracterizada a in-solvência da empresa, aplica-se a teoria da desconside-ração da personalidade jurídica, mesmo que não haja desvio de finalidade.

O pedido é cabível em todas as fases do proces-so de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. No processo trabalhista, o juiz de ofício ou a requerimento do credor pode determinar as medidas cautelares ne-cessárias para se assegurar a futura execução.

Em regra, a desconsideração deve atingir o patri-mônio dos sócios ou administradores que praticaram o ato irregular que ensejou a insolvência, porém, se as condutas não puderem ser individualizadas, a descon-sideração deve atingir o patrimônio de todos. A medida não promove a extinção, dissolução, liquidação ou anu-lação da pessoa jurídica, a desconsideração de pessoas jurídicas sem fins lucrativos é possível e atingirá, em regra, o patrimônio de seus administradores.

Com o advento do Novo CPC, trouxe de maneira expressa a desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133 § 2º do NCPC), que anteriormente era aplicada com fundamento na interpretação do art. 50 do Código Civil de 2002, ante a omissão legislativa.

Com a desconsideração inversa da personalidade jurídica afasta-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para que essa seja responsabilizada por obri-gação pessoal do sócio, ou seja, pode-se utilizar do in-cidente para responsabilizar a pessoa jurídica por obri-gação pessoal gerada pelo sócio, visando coibir fraudes perpetradas através do uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Apesar de ainda não haver entendimento con-solidado quanto a esta característica, considerando o Princípio da Proteção Processual existente no Direito Processual do Trabalho, poderá haver a decretação de ofício, com base no CDC, já que este entendimento é mais benéfico ao empregado. E em sendo assim, o sócio demandado pelo pagamento da dívida poderá executar o devedor nos autos do mesmo processo, com base nos arts. 596 § 2º e 795 § 3º do NCPC.

Referências bibliográficas

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Os dados divulgados anualmente pelo TST, indi-cam que sempre foi e continua corriqueiro a execução frustada por falta de bens da pessoa jurídica, sendo a classe dos credores trabalhistas uma das mais atingi-das, ou seja, aqueles que trabalharam dignamente e são titulares de direitos adquiridos, assim como suas famílias, que de forma indireta são atingidas, pois aca-bam sucumbindo diante do não acesso aos recursos que lhes permitiria melhores condições de terem uma vida digna.

Nesse sentido, em razão da espantosa dificuldade de satisfazer a execução e dar cumprimento ao julgado surgiu a “teoria da desconsideração da pessoa jurídi-ca” ou disregard of legal entity, podendo ser entendida de uma forma breve como a possiblidade de chegar aos bens dos sócios daquela empresa inadimplente, atin-gindo-os e forçando-os a quitar o que é devido, desde que constatada a insuficiência do patrimônio societário, fraude, falência e violação à lei.

Tratando-se de pessoas jurídicas, ou seja, em-presas que tem autonomia, direitos e deveres, existem alguns tipos societários que adotam o regime de res-ponsabilidade ilimitada, nos quais se enquadram as sociedades em nome coletivo e as sociedades de fato. Nesses casos, os sócios respondem por todas as dívidas relativas ao inadimplemento das obrigações assumidas pela sociedade, sem qualquer limitação.

A responsabilidade ilimitada, contudo, não cons-titui regra absoluta, admite-se que seja excepcionada nos casos expressamente previstos em lei, situações em que a responsabilidade passa a ser limitada. Sendo assim, em tais casos, a responsabilidade dos sócios faz com que seus bens particulares sejam atingidos, satisfa-zendo os créditos devidos pela sociedade.

Todavia, existem tipos societários em que os só-cios estão sujeitos à responsabilidade limitada, sendo as sociedades limitadas e as sociedades anônimas. A limi-tação se dá pela quantidade com a qual contribuíram à sociedade, podendo, no entanto, ser responsabilizados solidariamente pela integralização do capital social. Nas sociedades anônimas, por outro lado, a responsa-bilidade dos sócios também fica limitada pela sua con-tribuição à formação do capital social.

Em razão da utilização dessas sociedades muitas vezes de forma abusiva e como meio de fraude à exe-cução judicial, a autonomia da personalidade jurídica, que antes era considerada de caráter absoluto, passou a ser relativizada, em determinados casos, com o advento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Existem alguns entendimentos sobre este insti-tuto, sendo abordado primeiramnte a “teoria maior da desconsideração”, na qual não basta apenas a insufi-ciência do patrimônio societário, devendo ser compro-vado um real motivo para que seja determinada a apli-cação da desconsideração da pessoa jurídica. Por outro lado, na “teoria menor da desconsideração” basta o não adimplemento da obrigação para que seja configurada e aplicada a desconsideração da sua pessoalidade.

A mais utilizada é a teoria menor da desconside-ração, razão pela qual seria árduo para o trabalhador comprovar em juízo os requisitos estabelecidos pela Lei para caracterizar e permitir a desconsideração da pes-soa jurídica.

Porém, uma parcela da jurisprudência e doutri-na traz a possibilidade de uma teoria peculiar do Di-reito do Trabalho que proporciona a desconsideração da personalidade jurídica, chamada de teoria do risco da atividade econômica. De acordo com ela, se é o empre-gador, proprietário da empresa que assume o risco da atividade econômica, se beneficia com os resultados da empresa, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço (art. 2º, CLT) não deve ser o empregado, par-te hipossuficiente e mais fraca da relação, o atingido.

A desconsideração da pessoa jurídica é aplicada ao processo do trabalho subsidiariamente como previs-to nos arts. 8º e 769 da CLT, com amparo do art. 28 caput e § 5º do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e do art. 50 do Codigo Civil, além do previsto no art. 133 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, o qual trouxe algumas mudanças no sentido de garantir o contraditório.

Esse instituto pode ser decretado pelo juiz de ofí-cio (art. 878 CLT), ou a requerimento do credor. Além disso, a aplicação do mesmo não promove a extinção da pessoa jurídica, apenas afasta provisoriamente sua personalidade própria, abrindo uma possiblidade de garantir a satisfação do crédito trabalhista, tendo como premissa a efetividade da execução e celeridade pro-cessual.

É importante salientar que, antes da decretação desse instituto, os sócios são citados para que esses indiquem os bens da pessoa jurídica executada, sendo resguardado os direitos dos mesmos, e somente quan-do exauridas todas as possibilidades é que será atingi-do seus bens particulares.

O único patrimônio do trabalhador é seu salário, ou seja, aquelas verbas que decorrem do contrato de tra-

A IMPORTÂNCIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO

Fernando Furlan Ferreira de SouzaDiscente da 51ª Tuma de Direito da UNIVEM — Centro Universitário

Eurípedes de Marília.

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balho. Sendo assim, não faria sentido, em caso de insol-vência da empresa, os sócios conseguirem proteger seu patrimônio, e a parte hipossuficiente sair prejudicada. Outrossim, é pacífica na doutrina e na jurisprudência que, falida a personalidade jurídica, os sócios respon-dem com seus bens pelas dívidas por ela contraídas.

Sendo assim, vejamos: se houve um benefício por parte do empregador da mão de obra do traba-lhador, gerando algum benefício a empresa, porém o sócio desviou todo esse patrimônio adquirido em nome próprio, também caracterizaria um exemplo de possibilidade da aplicação da desconsideração da per-sonalidade jurídica.

Assim sendo, além das teorias, existem também algumas espécies desse instituto, quais sejam: a des-consideração inversa, indireta e expansiva, sendo o primeiro, aquele que ocorre quando a empresa respon-de com seu patrimônio por dívidas personalíssimas de seus sócios. Isso ocorre mais no Direito de Família, normalmente quando ocorre fraude por parte do sócio que transmite seus bens que fariam parte da comunhão matrimonial para a pessoa jurídica. Nesse caso, o sócio

esconde seus bens de credores pessoais e não dos cre-dores da empresa.

No que tange a desconsideração indireta, ocorre quando existe um “véu” cobrindo uma empresa con-trolada, a qual comete fraudes e abusos que na verdade quem o faz é uma empresa controladora. Nesse caso, é possível desconsiderar indiretamente e atingir o patri-mônio da empresada controladora, verdadeira comete-dora de fraudes.

Por fim, na desconsideração expansiva o comete-dor de fraudes e abusos para não ser responsabiliza-do se esconde atrás de um terceiro. Nesse caso, o sócio oculto pode também ser encontrado e desconsiderando então, atráves desse terceiro, sua pessoalidade, atingin-do consequentemente os seus bens.

Conclui-se então que, diante de todo o exposto anteriormente, mister se faz ressaltar a importância desse instituto nos dias de hoje, segundo o qual, atra-vés de seus requisitos, permite a satisfação de diversos créditos inclusive os trabalhistas (mais importantes, pelo caráter alimentar), resolvendo por variadas vezes as pretensões, não permitindo que os devedores frau-dulentos saiam impunes e ilesos.

LTr - Jornal do Congresso 97

O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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3º PAINEL

ACIDENTE DE TRABALHO E DANO EXISTENCIAL

Larissa Rios Rossi PassosAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho da UFOP.

Conceito originário do Direito Italiano e resultado do aprimoramento da teoria da responsabilidade ci-vil, o conceito de dano existencial é recente no direito brasileiro. Visando à proteção de aspectos da vida do ofendido, que vão além dos limites tradicionalmente apresentados pelas noções de dano moral e material, o dano existencial, em uma nova perspectiva, ultrapassa a visão costumeira por não dizer respeito apenas aos aspecto íntimos e morais do lesado, mas sim à frustra-ção e ao insucesso pessoal pela perda de um projeto de vida.

Em Direito do Trabalho, o dano existencial resta configurado quando o ato ou omissão do empregador gera prejuízo aos aspectos básicos da vida do emprega-do, como constituir e manter de forma harmoniosa nú-cleo familiar, disponibilidade para lazer, vida afetiva e desenvolvimento de sua cidadania e demais atividades que considere prioridade em sua vida.

Usualmente surge de uma situação de abuso de direito, ou seja, quando o empregador ultrapassa os li-mites impostos pelo ordenamento constitucional-traba-lhista para exercer seu poder empregatício.

Assim, se por vários anos o empregado prestou trabalho em sobrejornada, exemplificativamente, e, ao chegar à idade senil percebe não ter tido disponibili-dade para desenvolvimento de outras atividades de cunho social, afetivo e cívico, seu direito constitucional foi violado, tendo o empregador agido em claro abu-so de direito, haja vista que a prestação laboral em so-brejornada é exceção no ordenamento brasileiro, e não deve ser exigida pelo empregador com habitualidade. Apesar da relação de emprego se apresentar formal-mente perfeita, esta fere o direito material e a própria existência do trabalhador, sendo uma grave limitação ao seu âmago, ao seu desenvolvimento pessoal.

Não é raro que o empregador demande de seu empregado por anos a fio a prestação laboral sem a concessão de férias, em clara violação ao direito fun-damental elencado no art. 7º, XVII da Constituição e arts. 129 e 130 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ora, tais normas não podem ser mera referência, nem deve ser opção do empregador aplicá-las, uma vez que sua observância é obrigatória. Quando e como poderá o trabalhador desfrutar de seu lazer, de seus momentos afetivos e cívicos, se, por causa do trabalho, não possui disponibilidade para tanto? Além da prestação em so-brejornada e da supressão indevida de descanso anual,

o acidente de trabalho também pode vir a frustrar pro-jeto de vida do trabalhador, como será aqui destacado.

Para melhor análise o presente estudo parte de um caso hipotético, cujo trabalhador, paralelamente ao emprego de operador de máquinas, tenha como projeto pessoal ser reconhecido como músico. Considere que tal trabalhador tenha sofrido acidente no local de traba-lho que lhe acarretou a perda, por amputação, de parte de seu corpo essencial à atividade musical. Pelo Princí-pio da Alteridade, quem suporta os riscos da atividade econômica é o empregador. Por ser a parte mais forte na relação de trabalho o empregador deve responder pelos eventuais prejuízos causados ao empregado.

Observada frustração de projeto de vida, deve ser aplicada a interpretação mais favorável ao trabalhador em relação ao ordenamento jurídico pátro como um todo, de modo a tentar reparar obstáculo irreversível à plena realização da pessoa.

Sobre a responsabilidade do empregador predo-mina, atualmente, a tese de que responde, indepen-dentemente de culpa, por dano causado ao empregado decorrente de acidente de trabalho, em se tratando de atividade de risco, nos termos da melhor interpreta-ção do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Isto porque vigora, no Direito do Trabalho, o Princípio da Proteção, de modo que, se uma norma infraconstitucio-nal, como é o caso do dispositivo civilista, beneficiar o empregado, ela será aplicada, mesmo que uma norma constitucional disponha em sentido diverso. Assim, se o trabalhador não precisa comprovar em juízo o ele-mento culpa do empregador, seu direito à reparação do dano será mais facilmente atendido. No entanto, tal teo-ria não foi totalmente aceita no que tange à incidência do dano existencial decorrente do acidente de trabalho. Como o tema ainda é recente, a jurisprudência não é pa-cífica quanto à necessidade probatória do efeitvo dano a projeto de vida ou “vida de relação”. Há quem diga que a vítima deve realizar prova do abortamento da sua realização pessoal, demonstrando a conduta ilícita do empregador, a ocorrência do dano e o nexo de causa-lidade entre o infortúnio e a frustração percebida. Em contrapartida e de forma mais protetiva ao trabalhador, outra parte da doutrina considera ser o dano existencial presumível, suficientemente configurado a partir da conduta ilícita do empregador.

O reconhecimento do dano existencial nos Tribu-nais encontra óbices também decorrentes de equívocos

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na conceituação do instituto, uma vez que muitos ma-gistrados entendem ser uma espécie de dano moral. Exemplificativamente:

Acidente do trabalho. Danos morais deferidos em processo anterior. Dano existencial. Bis in idem. O dano existencial, como frustração ao projeto de vida, trata--se, em realidade, de uma espécie do dano moral, o qual se mostra mais amplo, abarcando também outras ofensas aos direitos personalíssimos do indivíduo. As-sim, ao receber indenização pelos danos morais decor-rentes do acidente de trabalho sofrido, o Autor já foi indenizado pelo possível dano existencial decorrente da amputação da perna ocorrida posteriormente. Neste contexto, in casu, o agravamento da situação não gera direito à nova indenização por dano imaterial con-substanciado no mesmo fato gerador. (TRT-23 — RO: 00001907420145230076, Relator: Juliano Pedro Girardel-lo, 1ª Turma-PJe, Data de Publicação: 10.02.2015)

Vários são os obstáculos à aplicação, nos casos concretos, do instituto do dano existencial, seja no caso da prestação laboral excessiva exigida pelo emprega-dor, seja no âmbito do acidente de trabalho.

Amenizar a dor e o insucesso pessoal do trabalha-dor, ainda que seja insuficiente aferir economicamente tal frustração, é a única forma de tutelar seu direito ma-terial, bem como de garantir a sua dignidade.

Referências bibliográficas

<https://trt-23. jusbrasil .com.br/jurispruden-cia/426236994/recurso-ordinario-trabalhista--ro-1907420145230076>.

<https://rafaelsilveiradesouza.jusbrasil.com.br/ar-tigos/151317103/dano-existencial-na-relacao--laboral>.

<http://www.trt18.jus.br/portal/bases-juridicas/jurisprudencia/jurisprudencia-tematica/1-2--direitosfundamentais/2-dano-existencial/>.

<http://www.lex.com.br/doutrina_24160224_O_DANO_EXISTENCIAL_E_O_DIREITO_DO_TRABALHO.aspx>.

<https://murilorosario. jusbrasil .com.br/arti-gos/113028683/do-dano-existencial-no-direito--do-trabalho>.

RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO EXISTENCIAL NOS ACIDENTES DE TRABALHO: A IMPORTÂNCIA DO LIMITE

DE JORNADA PARA A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DO TRABALHADOR

Carlos Eduardo G. de QueirozAcadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Daniela Cristine Dias de OliveiraAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

No Brasil, segundo dados do Anuário Estatístico do então Ministério da Previdência Social (MPS) houve, em 2013, cerca de 559.000 acidentes de trabalho notificados através de Comunicado de Acidentes de Trabalho (CAT), sendo aproximadamente 452.000 caracterizados como aci-dentes típicos, 112.000 como acidentes de trajeto, 15.000 registros de doenças ocupacionais e 2.800 mortes.(1)

O IBGE evidencia o problema dos acidentes de trabalho no Brasil ainda de forma mais grave, ao apre-sentar as informações da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2013, que demonstra que cerca de

(1) BRASIL. DIEESE. Nota Técnica nº 162 de setembro de 2016. A saúde dos índices de saúde do trabalhador. Disponível em: <www.dieese.org.br/notatecnica/2016/notaTec162Saude.pdf>.

5 milhões de pessoas com 18 anos ou mais sofreram acidente de trabalho nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa. Apesar de alarmantes, estes dados não retra-tam a realidade brasileira considerando as subnotifica-ções, subregistros e principalmente a invisibilidade dos trabalhadores informais.

As informações e estatísticas, para além de contri-buírem significativamente para o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção dos acidentes de traba-lho e doenças ocupacionais, evidenciam os impactos e os danos que decorrem de nenhuma ou pouca atenção ao trabalhador que se expõe a cargas horárias excessi-vas de trabalho, o que na maioria das vezes é fator pre-ponderante para ocasionar os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais.

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Os empregadores, conhecedores da frágil inter-pretação dos Tribunais do Trabalho acerca da respon-sabilidade civil e em especial da comprovação de dano existencial, aliados a falta de fiscalização governamen-tal e dos órgãos competentes para verificar as irregu-laridades, os abusos e explorações que ocorrem nos ambientes de trabalho, contribuem significativamente para a violação dos preceitos constitucionais de prote-ção e saúde do trabalhador.

No Brasil o desrespeito a direitos fundamentais é prática corriqueira. Há sensação, ou melhor, certeza de impunidade. Há ainda o argumento no sentido de que determinadas normas constitucionais são meramente programáticas, a serem aplicadas somente no futuro, o que colabora com o desrespeito a direitos básicos do trabalhador.

O professor Amauri Cesar Alves(2), no seu artigo “Limite constitucional de jornada, dano existencial e trabalho escravo” expõe tal argumento ao afirmar que a norma constitucional, “não obstante sua centralidade e supremacia, parece apenas um programa, uma pro-posta, um projeto a ser aplicado apenas futuramente. O futuro, mais de 25 anos depois da promulgação da Constituição Cidadã parece sempre distante (...)”.

A pouca importância com que são tratados os princípios constitucionais fica ainda mais latente quan-do o assunto é relativo à jornada de trabalho, que é defi-nida pelo professor Maurício Godinho Delgado(3) como “lapso temporal diário em que o trabalhador presta serviços ou se coloca à disposição total ou parcial do empregador incluindo ainda nesse lapso os chamados intervalos remunerados.” Esse lapso temporal em que o trabalhador se coloca à disposição do empregador é limitado em oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais pela Constituição Federal de 1988. Essa limi-tação foi uma conquista dos trabalhadores brasileiros após anos de luta. A interpretação equivocada do art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho vem contribuin-do de forma bastante incisiva com esta precariedade da incidência do preceito contido no inciso XIII do art. 7º da Carta Magna. O art. 59 da CLT traz em seu texto que a duração da jornada de trabalho mediante acordo escrito poderá ser acrescida em duas horas suplemen-tares. Diante de tal texto não é incomum para alguns operadores do Direito Obreiro a interpretação de que a jornada limite de trabalho no Brasil é de dez horas diá-rias e não de oito horas, nos termos claramente fixados pela Constituição da República. Sobre a necessidade de interpretação da citada regra constitucional como limite as lições do professor Amauri Cesar Alves3:

(...) o empregador pagará salário sem acréscimo até a 8ª hora, pagando o adicional de horas extras na 9ª e 10ª sem se preocupar com a ideia de limite. Aqui o que há, então, é uma mera referência para pagamento ordinário ou extraor-dinário, sendo pouco relevantes os conteúdos normativos constitucionais (...)

Diante dessa hermenêutica equivocada dos ope-radores do direito obreiro no Brasil, a sobrejornada,

(2) ALVES, Amauri Cesar. Limite constitucional de jornada, dano existencial e trabalho escravo. Revista da Faculdade do Sul de Minas. Pouso Alegre, v. 31, n. 2, p. 153-156, jul./dez. 2015.

(3) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

que deveria ser algo extraordinário, passa a ser algo comum, corriqueiro, ordinário.

Normas que limitam a jornada de trabalho visam à saúde e segurança do trabalhador uma vez que uma jornada excessiva, além de causar sérios danos à saú-de do obreiro, são geradoras de acidentes de trabalho, moléstias ocupacionais, acarretam contingenciamento da liberdade do trabalhador durante o período de des-canso, afetando a sua inserção familiar, comunitária, política e religiosa, o que pode ensejar, também dano existencial.

O dano existencial, segundo Giuseppe Cassano citado por Amaro Alves de Almeida Neto(4), “se enten-de por qualquer dano que o indivíduo venha a sofrer nas suas atividades realizadoras”. Flaviane Rampazzo Soares(5), por sua vez, considera que o dano existencial “abrange todo acontecimento que incide, negativamen-te, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo sus-cetível de repercutir-se, de maneira consistente — tem-porária ou permanentemente — sobre a sua existência”.

Os acidentes de trabalho e as doenças ocupacio-nais, a depender do nível de sequelas e incapacidades instauradas, podem ser geradores de danos imateriais que afetam diretamente a autoestima, a imagem e a identidade social do trabalhador no mundo e na socie-dade, acarretando sentimentos de inutilidade, já que a sociedade capitalista apenas valoriza aquele que tem capacidade de vender sua força de trabalho e que em decorrência disso pode “consumir”.

As expectativas, os sonhos, a autonomia, os pa-péis sociais e familiares, após um acidente de trabalho necessitam ser ressignificados, sua existência é total-mente afetada, há uma inversão completa do papel do trabalhador, que deixa de ser o provedor, o chefe de família, e passa a ser o doente, o incapaz.

A perda do papel profissional acaba por determi-nar um certo afastamento da sociedade, o que muitas vezes pode gerar quadros depressivos graves, chegan-do ao nível da morte social.

Neste sentido, o acidente de trabalho e a doen-ça ocupacional acabam por ensejar a responsabilidade civil do empregador em relação ao dano existencial, já que há violações não somente na esfera patrimonial e moral do trabalhador, mas implica também na afetação no seu convívio social e interpessoal com outros seres humanos, e principalmente nas suas expectativas e pro-jetos de vida e de realizações.

Um dos princípios basilares do Estado Demo-crático de Direito é a proteção dos direitos e garantias fundamentais, no qual a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida de forma ampla e sistêmica, tu-telando também o direito à felicidade do cidadão. Neste contexto, a Constituição da República prevê o instituto da Responsabilidade Civil quando há violações de di-reitos que necessitam ser reparados, tutelando não so-mente os danos materiais, mas, também, os imateriais.

Quando o empregador desrespeita as normas tra-balhistas e fere a integridade, a saúde ou a vida do tra-

(4) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, n. 24, out./dez. 2005. p. 48.

(5) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44.

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balhador afeta de maneira direta a dignidade humana, impedindo o indivíduo de realizar o direito de ser feliz, sendo que a busca pela felicidade é a essência da vida humana. Neste sentido, a função precípua da Respon-sabilidade Civil não é apenas reparar o dano do ofendi-do, mas também buscar a responsabilização do ofensor de modo a coibir os abusos e garantir minimamente que os direitos e garantias fundamentais do trabalha-dor sejam respeitados.

Referências bibliográficas

ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, n. 24, out./dez. 2005.

ALVES, Amauri Cesar. Limite constitucional de jorna-da, dano existencial e trabalho escravo. Revista da Faculdade do Sul de Minas. Pouso Alegre, v. 31, n. 2, jul./dez. 2015.

BRASIL. DIEESE. Nota Técnica n. 162 de setembro de 2016. A saúde dos índices de saúde do trabalha-dor. Disponível em: <www.dieese.org.br/nota-tecnica/2016/notaTec162Saude.pdf>. Acesso em: 13. abr. 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do traba-lho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2009.

O DANO EXISTENCIAL GERADO A PARTIR DA OCORRÊNCIA DE ACIDENTE DO TRABALHO TÍPICO OU DO DESENVOLVIMENTO DE

DOENÇA OCUPACIONAL

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como arcabouço principiológico fundamental a dignidade humana, na forma do art. 1º, III, da CRFB. Dworkin (2006:9-10), ao tratar da dignidade humana, percebeu sua compreen-são a partir de duas dimensões (the two dimensions of human dignity) — uma primeira dimensão, que reco-nheço como objetiva, e outra de cunho subjetivo.

A dimensão objetiva da dignidade humana é desenvolvida a partir do princípio do valor intrínseco (principle of intrinsic value), ligado ao ideal de equi-dade, de onde extraímos a premissa de que cada um de nós tem dignidade intrínseca pelo simples fato de existir; por essa razão, temos direito de receber igual consideração e respeito em qualquer situação, seja diante do Estado (eficácia vertical dos direitos funda-mentais), seja diante dos demais concidadãos (eficácia horizontal) ou, em uma relação de emprego, se em-pregado, diante do empregador (eficácia diagonal). Segundo Delgado e Delgado (2015:42), “o conceito de Estado Democrático de Direito funda-se em um inovador tripé conceitual: pessoa humana, com sua

dignidade; sociedade política, concebida como demo-crática e inclusiva; sociedade civil, também concebida como democrática e inclusiva”.

Nesse contexto, a dimensão objetiva da dignida-de humana encontra paridade com a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, maior autoridade do-cumental neste assunto, após o holocausto, segundo a qual, já no art. I, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

A dimensão subjetiva da dignidade humana é desenvolvida a partir do princípio da responsabilidade pessoal (principle of personal responsability), ligado ao ideal de liberdade, de onde extraímos a premissa de que cada um de nós tem dignidade suficiente para exercer juízo pessoal quanto às escolhas individuais e à própria vida, definindo para si o que lhe traz fe-licidade e êxito pessoais. A fim de obter integridade, deve-se “aceitar as diferenças e, na decisão, aplicar o princípio da dignidade humana preservando essas di-ferenças e assegurando a liberdade e, assim, a leitura

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do direito como integridade de princípios” (PEDUZ-ZI, 2009:105).(1)

Pois bem. Segundo art. 5º, X, da CRFB, são invio-láveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, ainda que exclusivamente moral (CC, arts. 186, 187 e 927); a indenização se mede pela ex-tensão do dano (CC, art. 944), de modo que deve abarcar, por corolário lógico, toda a extensão do dano exclusivamen-te moral, dito em sentido lato (gênero) e onde se inclui, entre as espécies reconhecidas pela doutrina e a juris-prudência, o dano moral existencial.

Segundo escólio de Franco Filho (2017:272),

Quando os projetos de vida do trabalhador são violados, quando restam impossíveis de serem alcança-dos, e isso representa reflexos graves ao seu bem-estar psicológico estamos diante do que se chamada dano existencial, ligado ao dano psicológico. [...] Evidente que, em casos dessa natureza, o prejuízo ao trabalhador é subjetivo, lhe está sendo negado o direito à felicidade [...] e, por corolário, a usufruir de alguns dos direitos contemplados no art. 6º da Constituição de 1988. É praticamente unâ-nime o entendimento de que a caracterização do dano existencial está ligada, na sua essência, à frustração de um projeto de vida do trabalhador.

Interessante constatar, a partir do escólio do ilus-tre doutrinador, que o dano existencial se liga, essen-cialmente, ao direito à felicidade, ou seja, a ocorrência do dano tem o condão de gerar infelicidade e desesta-bilizar e afetar, justamente, a base principiológica que sustenta os direitos sociais fundamentais previstos no art. 6º da CRFB.

Quanto a isto, lembro que já existiu Proposta de Emenda à Constituição — PEC n. 19/2010, chamada “PEC da Felicidade” — que pretendeu alterar a redação do art. 6º da CRFB. Segundo ementa, a PEC “altera[ria] o art. 6º da Constituição Federal para incluir o direito à bus-ca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria socieda-de das adequadas condições de exercício desse direito”, posteriormente modificada pela Emenda n. 1, passando a constar que a PEC “altera[ria] o art. 6º da Constituição Federal para direcionar os direitos sociais à realização da felicidade individual e coletiva”.(2)

A redação proposta seria a seguinte: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saú-de, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a se-gurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Segundo justificação(3), todos os direitos previstos na Constituição, sobretudo os funda-mentais, “convergem para a felicidade da sociedade”,

(1) Ou, nas antológicas palavras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza, daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou que reproduza as desigualdades”.

(2) Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4555127&disposition=inline>. Acesso em: 13 abr. 2017.

(3) Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=1411977&disposition=inline>. Acesso em: 13 abr. 2017.

de modo que o direito a uma vida digna, ao fim e ao cabo, é instrumento para que a pessoa atinja esse nível de felicidade.

A matéria foi arquivada ao final da legislatura. Entrementes, como vimos, o direito à felicidade está plenamente inserido, implicitamente, no princípio da dignidade humana, especialmente se considerarmos, a partir desse conteúdo jurídico, as dimensões objetiva (valor intrínseco) e subjetiva (responsabilidade pessoal) da dignidade humana.

Nesse diapasão, a Lei n. 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, define, no art. 19, caput, o conceito de acidente do trabalho, chamado de acidente típico — ou acidente-tipo —, na clássica visão de acidente como um evento violento e súbito; no art. 20, traz os acidentes ditos por equiparação, consubstanciados nas doenças ocupacionais, subdivididas em doenças profissionais e do trabalho.

O acidente do trabalho pode gerar dano existen-cial? A resposta é positiva:

Então, quando são afetadas as atividades realiza-doras do trabalhador, em virtude do dano à sua saúde física ou mental, que se deu pelo excesso de trabalho, poderá haver a fixação de forma cumulada tanto do dano moral quanto do dano existencial. Essa cumula-ção acontece não só pelo prejuízo ocasionado aos pra-zeres de vida e ao desenvolvimento dos hábitos de vida diária do empregado — pessoal, social e profissional, mas também pelo dano à sua saúde, mesmo que a se-quela oriunda do acidente do trabalho não seja respon-sável pela redução da sua capacidade para o trabalho. (ALVARENGA; BOUCINHAS FILHO, 2013:187)

Os acidentes do trabalho, sejam os típicos, sejam os ditos por equiparação (as doenças ocupacionais), ao provocarem lesão corporal ou perturbação funcional suficiente para afetar a capacidade para o trabalho, se tiverem força suficiente para afetar projetos de vida do trabalhador, “por configurar manifesto comprometi-mento do tempo útil de disponibilidade que todo indi-víduo livre, inclusive o empregado, ostenta para usu-fruir de suas atividades pessoais, familiares e sociais” (principle of personal responsability), têm o condão de ge-rar o dano existencial.(4)

Outrossim, em que pese os arts. 19, caput, in fine, e 20, § 1º, c, da Lei n. 8.213/1991 exigirem, para a configu-ração do acidente e da doença do trabalho, a incapaci-dade laborativa, é possível sustentar o dano existencial ainda na inexistência dessa incapacidade, pois a Lei n. 8.213/1991 se refere, exclusivamente, à relação entre os beneficiários do Regime Geral (segurados e dependen-tes) e a Previdência Social (arts. 1º, 9º, I e § 1º, e 10 da Lei n. 8.213/1991). Essa relação não afeta o conteúdo do contrato de trabalho, de cunho civil-trabalhista, dada a autonomia do Direito do Trabalho em relação ao Direito Previdenciário(5) (isto ficou expressamente reconhecido,

(4) O trecho entre aspas foi extraído do acórdão n. TST-RR-1625-41.2012.5.04.0801, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 05.04.2017, 3. T., Data de Publicação: DEJT 11.04.2017.

(5) “(...) restou incontroverso que a patologia adquirida pelo empregado (tendinopatia do supraespinhoso/síndrome do impacto) teve origem na atividade desempenhada para a empresa reclamada (desossa na área de dianteiro e traseiro), sendo irrelevante, para a configuração do dano

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por exemplo, nas ADIs n. 1721/DF e 1770/DF, julgadas pelo STF).

Assim, ainda que inexista incapacidade laborati-va, se persistir o comprometimento do tempo útil de disponibilidade do empregado para usufruir de suas atividades pessoais, familiares e sociais, em razão do infortúnio, afetando seus projetos de vida (principle of personal responsability), o empregado deve ser indeniza-do, igualmente, pelo dano existencial.

moral, o fato de a doença adquirida não ter causado incapacidade laborativa para as funções exercidas. A responsabilidade civil do empregador por dano moral em casos de doença deve resultar da análise independente entre a legislação civil e a previdenciária. Segundo o art. 186 do Código Civil, aquele que por conduta ativa, omissiva, negligente ou imprudente viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e, por conseguinte, tem o dever de indenizar. Assim, a despeito do art. 20 da Lei n. 8.213/1991 equiparar as moléstias profissionais ao acidente de trabalho apenas quando houver incapacidade laborativa, tal conclusão não afasta a caracterização do dano moral, pois patente a lesão à saúde do empregado advinda do exercício da atividade profissional. (...) TST-E-ED-RR-641-74.2012.5.24.0001, SDI-1, red. p/ acórdão Min. José Roberto Freire Pimenta, 23.03.2017. (Informativo n. 155 do TST) (negritei)

Referências bibliográficas

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; BOUCINHAS FI-LHO, Jorge Cavalcanti. O dano existencial no di-reito do trabalho. In: ALVARENGA, Rúbia Zano-telli de; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Orgs.). No-vidades em direito e processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2013.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos funda-mentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015.

DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here? Princi-ples for a new political debate. Princeton: Prince-ton University, 2006.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017.

PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. O princípio da digni-dade da pessoa humana na perspectiva do direito como integridade. São Paulo: LTr, 2009.

DEPRESSÃO E ACIDENTE DE TRABALHO

Anamália Vieira Dias de OliveiraAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Janinne Araújo BaptistaAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Muito se tem discutido, recentemente, acerca da depressão. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é a segunda maior causa de incapacidade no trabalho, perdendo apenas para as Lesões por Esforço Repetitivo (LER). Segundo um es-tudo de projeção realizado pelo órgão, a previsão é de que até 2020 a patologia ocupe o topo dessa lista. Além disso, uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) revela que 48,8% dos trabalhado-res que se afastam por mais de 15 dias do trabalho so-frem com algum transtorno mental, sendo a depressão o principal deles.

Em face a essa realidade, faz-se necessária uma análise acerca da problemática: o que é a depressão? Existem grandes dificuldades com um conceito para a depressão na literatura médica. Conforme destaca Fer-nanda Moreira de Abreu:

É uníssono, entretanto, apesar das eternas discus-sões que existem sobre a definição de depressão, que

o transtorno depressivo é semelhante à tristeza, um dos sentimentos humanos mais dolorosos, distinta da comum por sua intensidade, duração, irracionalidade evidente e por seus efeitos na vida dos indivíduos aco-metidos por ela. (ABREU, 2005, p. 28).

É importante destacar que tristeza e depressão não se confundem, apesar de suas semelhanças. Con-soante Fernanda Moreira de Abreu, os episódios de-pressivos caracterizam-se por:

Uma tristeza profunda e duradoura, perda do interesse e prazer nas atividades cotidianas, sendo comum uma sensação de fadiga aumentada. O pa-ciente encontra dificuldade de concentração, apre-sentando baixa autoestima e reduzida autoconfiança, desesperança, ideias de culpa e inutilidade, visões isoladas e pessimistas do futuro, ideias ou atos sui-cidas. A frequência de ocorrência destes sintomas e suas combinações são infinitamente variáveis. (ABREU, 2005, p. 28).

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É de conhecimento geral que inúmeros elemen-tos podem desencadear ou agravar a depressão, dentre eles, o trabalho. Logo, para que a depressão seja consi-derada acidente do trabalho é mister que esse seja com-preendido. Em conformidade com o art. 19 da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991, o significado de acidente do trabalho restringe-se ao seu sentido estrito, chamado acidente típico, e é tido como “o que ocorre pelo exercí-cio do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocan-do lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporá-ria, da capacidade para o trabalho.”

As outras hipóteses que também causam incapa-cidade para a prestação de serviços, o legislador optou por denominá-las de acidentes do trabalho por equipa-ração legal, nos termos do art. 20, inciso II, da Lei n. 8.213/1991, ou segundo Sebastião Geraldo de Oliveira (1996, p. 172) como acidentes do trabalho atípicos, que incluem as doenças ocupacionais:

As doenças ocupacionais, que são equiparadas a acidente de trabalho, subdividem-se em doenças profis-sionais e doenças do trabalho. Nas primeiras, a doença está ligada à profissão do trabalhador, tanto que a pre-sunção imediata é de que a sua origem esteja vincula-da ao trabalho. (...) As doenças do trabalho, entretanto, aparecem em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado, havendo necessidade, como já mencionado, da prova do nexo causal para a sua ca-racterização.

Embora a depressão não tenha previsão expressa em lei como doença do trabalho, ela pode ser conside-rada como tal, visto que se assemelha a outros preceitos existentes no Grupo V da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que expõe acerca dos transtor-nos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho. Dentro deste grupo, pode-se observar, entre outras, os episódios depressivos, o estado de stress pós-traumático, assim como a sensação de estar acaba-do (Síndrome de Burnout e Síndrome de esgotamento profissional), esta gerada pelo estresse profissional re-sultado da grande pressão e quantidade de tarefas rea-lizadas pelo trabalhador.

Sendo assim, a depressão enquadra-se como uma doença do trabalho na medida que pode ser tanto ori-ginada quanto agravada pelas condições específicas de trabalho a que o trabalhador está submetido, como os fatores físicos, químicos e biológicos presentes na pres-tação do serviço, como também em virtude da estru-

tura funcional ao qual está inserido, como as posições hierárquicas, divisões das tarefas, ritmo e intensidade do trabalho, e etc. Em síntese, a depressão pode ser desencadeada ou agravada pelo trabalho através de vários fatores genéticos, biológicos e psicossociais, que intervêm, precisamente, na seara da saúde mental do trabalhador.

Para que a depressão seja indenizável como um acidente do trabalho, mais especificamente como uma doença do trabalho, é necessário que haja prova da cau-salidade entre ela e o trabalho. Dessa forma, o instituto da responsabilidade civil (vide arts. 186 e 927 do Códi-go Civil de 2002) pressupõe três requisitos básicos para sua configuração e por consequência o dever de indeni-zar: um dano injusto, a culpa do causador do dano e o nexo causal entre o dano e o agente causador.

Portanto, para estabelecer esse nexo de causalida-de entre a depressão e o trabalho é importante que se faça uma análise aprofundada da estrutura laborativa em que o trabalhador está inserido. Necessária a análise das condições do ambiente de trabalho, não só na pers-pectiva do espaço físico, mas, também, das condições psicológicas para a execução das tarefas. Também im-portante a análise do ritmo de trabalho imposto a cada trabalhador, bem como do respeito aos seus períodos de descanso, exemplificativamente. A averiguação do nexo causal relacionado aos acidentes do trabalho é fei-ta por um especialista no âmbito da Medicina do Tra-balho, que deve verificar todos os elementos possíveis causadores ou agravantes dessa enfermidade, confor-me instruído pela Resolução n. 1.488/1998 do Conselho Federal de Medicina.

Desse modo, sempre que for comprovada a exis-tência de elementos prejudiciais ao trabalhador no am-biente laboral que ocasionem ou acentuem a depressão, deve ser reconhecido o nexo de causalidade entre ela e o trabalho. Por fim e não menos importante, na dú-vida quanto à identificação do nexo causal, esta deve ser afastada em proveito do trabalhador, devido à sua posição hipossuficiente na relação de trabalho.

Referências bibliográficas

ABREU, F. M. Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas. São Paulo: LTr, 2005.

OLIVEIRA, S. G. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 1996.

__________. Indenizações por acidente do trabalho ou doen-ça ocupacional. 8. ed. São Paulo: LTr, 2014.

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ACIDENTE DE TRABALHO E DANO EXISTENCIAL

Raíssa Santos VieiraAcadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro

Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

O acidente de trabalho é tema e situação recorren-te nas relações laborais. Embora definido em lei, muitas questões que orbitam o acidente de trabalho estão além da legislação vigente.

Ao acidentar-se o trabalhador pode se ver priva-do de usufruir de uma parcela importante de suas ativi-dades habituais, passando a não mais se inserir em suas relações pessoais e sociais como sempre fez. Esse tipo de dano desdobra na interferência de como o empre-gado se coloca na sociedade, transbordando com isso o conceito de dano moral, passando agora a motivar tam-bém um dano existencial

O presente trabalho tem por escopo discutir a relação existente entre a responsabilização civil do em-pregador frente ao acontecimento de um acidente de trabalho que ensejará o dano existencial. Para tanto, buscar-se-á definir juridicamente o conceito de acidente de trabalho e de dano existencial, relacionando-os de forma a entender esse fenômeno no mundo jurídico.

Primeiramente, cumpre aqui entender o que é aci-dente de trabalho e como tal situação laboral está alo-cada no ordenamento jurídico. O acidente de trabalho é definido na legislação pela Lei n. 8.213 de 1991, que diz dos Planos da Previdência Social, em seu art. 19.

A melhor doutrina entende por acidente de tra-balho a perturbação física ou psicológica que influencia permanente ou temporariamente a capacidade laboral do trabalhador. Muito bem define Antônio Lago Júnior:

... acidente do trabalho é aquele acontecimento mórbido, relacionado diretamente com o trabalho, ca-paz de determinar a morte do obreiro ou a perda total ou parcial, seja por um determinado período de tem-po, seja definitiva, da capacidade para o trabalho. Inte-gram, pois, o conceito jurídico de acidente do trabalho: a) a perda ou redução da capacidade laborativa; b) o fato lesivo à saúde, seja física ou mental do trabalhador; c) o nexo etiológico entre o trabalho desenvolvido e o acidente, e entre este último e a perda ou redução da capacidade laborativa.(1)

Uma vez definido o acidente de trabalho é neces-sário entender as características da responsabilização civil do dano existencial. Nascido na Itália, partindo de um entendimento constitucional da responsabilida-de civil em que se tem a dignidade da pessoa humana como estandarte da legislação vigente, o dano existen-cial é uma espécie de dano imaterial que se relaciona com a forma como o indivíduo aloca-se na sociedade,

(1) LAGO JÚNIOR, Antonio. A responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga (Coords.). Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 54-5.

vivendo sua vida de forma plural e buscando satisfazer projetos e objetivos de vida. Sendo assim, como mui-to bem define Amaro Alves de Almeida Neto, o dano existencial se relaciona diretamente com a frustração de projetos de vida,

O dano existencial, ou seja, o dano à existência da pessoa, portanto, consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, pres-cindindo de qualquer repercussão financeira ou econô-mica que do fato da lesão possa decorrer.(2)

Faz-se agora, ante ao exposto, necessária a discus-são sobre como o acidente de trabalho e o dano existen-cial se relacionam, buscando entender se o primeiro de fato é ensejador do segundo.

Partindo do pressuposto de que o acidente de trabalho causa, sim, uma perturbação física ou psico-lógica, temporária ou permanente, ao trabalhador e que influencia sua capacidade laboral, pode-se desde já inferir que tal perturbação não ficará limitada à seara trabalhista da vida deste obreiro, podendo extrapolar e influir também em sua vida pessoal e social.

Ao acidentar-se, seja no período de recuperação ou pelas sequelas que este acidente pode ocasionar, o trabalhador pode não mais conseguir exercer ativida-des normais do seu cotidiano, para além da atividade laboral, passando a estar impedido, por exemplo, de estudar, praticar esportes ou atividades de lazer, estar junto à sua família e usufruir do seu convívio social. Isto tem grande influência em como este trabalhador se insere em seu meio social, bem como na forma de dar continuidade aos seus projetos de vida.

Como bem diz Amaro Alves de Almeida Neto

O homem necessita de se relacionar em socieda-de, de praticar atividades recreativas para suportar as pressões externas do cotidiano. São essas atividades que propiciam o bem-estar físico e psíquico da pessoa, favorecendo a sua capacidade não somente de conti-nuar exercendo seu trabalho, sua profissão, como au-mentando suas chances de crescer, de ascender melho-res postos e, com isso, aumentar seus rendimentos(3)

(2) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano Existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana, 2005. Disponível em: <http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2005/dano_existencial_.doc>. Acesso em: 06 abr. 2017.

(3) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano Existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana, 2005. Disponível em: <http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2005/dano_existencial_.doc>. Acesso em: 06 abr. 2017.

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Sendo assim, a depender o grau de influência na capacidade física e psicológica do trabalhador, os danos causados pelo acidente de trabalho podem sim frustrar projetos de vida, o que poderá ensejar dano existencial. Tal frustação, como já dito, pode ferir diretamente di-reitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade, intimidade entre outros.

Há ainda de se dizer que a responsabilização na seara trabalhista se dá de modo um tanto distinto em relação às demais formas de responsabilização civil. Como muito bem expõe Pablo Stolze Gagliano, em regra geral a responsabilização do empresário, aqui empregador, é objetiva, haja vista que um dos requi-sitos para exercer a atividade empresária é justamente assunção de risco. Entretanto, em um contrassenso do legislador constitucional, por força do art. 7º, XXVIII da Constituição da República, para que o empregador tenha o dever de indenizar dada a ocorrência de aci-dente de trabalho deve haver a comprovação de dolo ou culpa, nos termos da jurisprudência majoritária dos Tribunais Trabalhistas.

Por fim, conclui-se que deve ser reconhecido o fato de que se o acidente de trabalho influir no livre gozo da vida do trabalhador, impactando projeto de vida que ele traçou e pretendia desenvolver ou manter, deve sim ser reconhecido o dano existencial, de forma a

ensejar responsabilização do empregador causador do prejuízo e a consequente indenização justa.

Referências bibliográficas

ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano Existencial: A tutela da dignidade da pessoa humana, 2005. Dis-ponível em: <http://www.apmp.com.br/juridi-co/artigos/docs/2005/dano_existencial_.doc>. Acesso em: 06 abr. 2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Ro-dolfo. Novo curso de direito civil. v. 3: responsabi-lidade civil. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.

LAGO JÚNIOR, Antônio. A Responsabilidade Civil Decorrente do Acidente de Trabalho. In: LEÃO, Adroaldo e PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga (Coords.). Responsabilidade Civil. Rio de Ja-neiro: Forense, 2001.

RIGONI, Carliana Luiza; GOLDSCHMIDT, Dr. Ro-drigo. A responsabilidade civil pelo dano existencial no acidente de trabalho. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod= 19c787a60b260763>. Acesso em: 05 abr. 2017.

TUTELA LABOR-AMBIENTAL: QUANDO A DEPRESSÃO PODE SER CONSIDERADA DOENÇA DO TRABALHO

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

No plano internacional, faz relevo a previsão constante no preâmbulo da Constituição da Organiza-ção Mundial de Saúde, em considerar “saúde” não como uma mera ausência de doença ou enfermidade e sim como um completo estado de bem-estar físico, mental e social. Isto se dá em conta do processo de transição do paradigma biomédico para o biopsicossocial, “espe-cialmente suas ênfases na subjetividade” e “na relevân-cia da emocionalidade para os processos de desenvol-vimento humano” (PEREIRA; BARROS; AUGUSTO, 2011:532).

A atenção à saúde pode concorrer para a geração de mais bem-estar na medida em que valorize a inter-

subjetividade, criando novas possibilidades de aproxi-mação das pessoas, de suas vivências, interpretações e potenciais, abrindo-se de fato a suas necessidades mediante relações personalizadas e estimuladoras de uma participação mais ativa e autônoma. (MANDU, 2004:674).

Na ordem jusconstitucional brasileira, encontra-mos ápice no art. 7º, XXII, da CRFB(1), que consagra os

(1) Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII — redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

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princípios do risco mínimo regressivo e da retenção do risco na fonte. Pelo primeiro, temos que “a exposição aos agentes nocivos deverá ser a mínima possível e, mesmo assim, com o passar do tempo deverá reduzir progressivamente em direção ao risco zero”; o segun-do “indica que o risco deve ser controlado desde a sua origem, evitando que o agente nocivo possa propagar a ponto de atingir a integridade do trabalhador” (OLI-VEIRA, 2017:95).

Não se olvide que tais “agentes nocivos” têm conteúdo jurídico amplo, em razão do paradigma biopsicossocial, sendo reconhecidamente “nocivos” aqueles que afrontem a higidez física, mental ou social dos trabalhadores. Nesse sentido, o próprio art. 225, caput, da CRFB, combinado com o art. 200, VIII, con-fere a todos o direito a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A depressão (e suas variáveis) tem registro for-mal na CID — Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, em dezenas de códigos(2). A depender do nível depressivo (leve, moderado ou grave), a doença pode acarretar desde quadros de estresse e baixo-astral a sintomas in-tensos que põem em risco a própria vida do indivíduo (ABREU, 2005:29). São sintomas comuns à doença: iso-lamento do convívio familiar; desinteresse pelas ativi-dades normais; perda da autoestima; concentração di-minuída; inquietação e hostilidade; perda do interesse pelo trabalho; alteração do apetite, inclusive o sexual; cansaço; insônia; ideia de suicídio (ABREU, 2005:30-32).

A doença pode se relacionar ao trabalho nas mais variadas hipóteses. A gênese desta inter-relação — de-pressão X doença ocupacional — tem origem na rees-truturação produtiva do trabalho e no próprio modus operandi do capitalismo, que busca e visa, mutatis mu-tandis, o lucro (e que impõe, não raro, retrocesso ao pro-cesso civilizatório).

Nesse diapasão, são percucientes as reflexões de Ferreira, Borges e Mendes (2002:13), que alertam para o “caráter excludente do modelo de sociedade que ins-pira suas transformações e determina o modo de con-ceber o trabalho humano e, em consequência, orienta o funcionamento atual de muitas organizações”. A essên-cia disto “consiste em secundarizar o papel dos princi-pais protagonistas do mundo do trabalho, abrigando--os sob a rubrica de recursos ou de capital humano”, a ponto de impactar “inexoravelmente na deterioração das condições de saúde daqueles que efetivamente são os produtores das riquezas e dos serviços essenciais” (FERREIRA; BORGES; MENDES, 2002:13).

Dito isso, cabe-nos a análise da Lei n. 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdên-cia Social e dá outras providências (sintetizarei na sigla LB — Lei de Benefícios). A cabeça do art. 19 da LB(3)

(2) Posso citar, por amostragem: F32 — episódios depressivos; F33 — transtorno depressivo recorrente; F92.0 — transtorno depressivo de conduta; F41.2 — transtorno misto ansioso e depressivo; F31 — transtorno afetivo bipolar; F32.8 — outros episódios depressivos; F33.9 — transtorno depressivo recorrente sem especificação etc.

(3) Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo

traz o conceito de acidente do trabalho, chamado de acidente típico — ou acidente-tipo —, na clássica visão de “acidente”, como um evento violento e súbito. O art. 20 da LB(4) traz os acidentes do trabalho por equipara-ção, consubstanciados em doenças ocupacionais, que se subdividem em duas: doença profissional e doença do trabalho. Para as doenças ocupacionais, a LB faz ex-pressa referência à necessidade de a doença constar “da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Traba-lho e da Previdência Social”(5).

Daí se pergunta: a depressão consta da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho ou da Previdên-cia Social? Respondo: quanto às doenças profissionais, há uma única passagem: o desenvolvimento de “de-pressão melancólica” em decorrência do uso do brome-to de metilo(6); quanto às doenças do trabalho, não há nenhuma previsão expressa(7).

Então, a conclusão mais fácil seria: há impossibili-dade jurídica de reconhecimento da depressão enquan-to doença do trabalho, sendo possível reconhecê-la ape-nas como uma doença profissional — isso se a doença se relacionar ao uso do brometo de metilo. Porém, tal afirmação está, a meu ver, fragorosamente incorreta.

Isso porque, da análise sistemática da LB, há per-missivo dentro do próprio art. 20, em um dos seus pa-rágrafos (as disposições normativas são redigidas com observância da ordem lógica, obtida por meio de pa-rágrafos que trazem aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo ou as exceções à regra por este estabelecida, na forma do art. 11, III, c, da Lei Com-plementar n. 95/1998).

Com efeito, o art. 20, § 2º, da LB abraça todas as possibilidades de doenças, tendo em vista que diz, li-teralmente, o seguinte: “Em caso excepcional, consta-tando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do tra-balho”. A LB, nesse sentido, foi clara em utilizar o ver-bo “dever”, verbo que já indica, pela própria natureza, uma obrigação, um poder-dever.

É neste sentido que se assenta a iterativa, atual e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Tra-balho(8).

exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

(4) Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I — doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II — doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

(5) Atualmente, existem, de forma autônoma, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência Social, consoante arts. 27, XIX, e 31, IX, da Lei n. 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios e dá outras providências.

(6) Disponível em: <http://www.seg-social.pt/documents/10152/ 156134/lista_doencas_profissionais>. Acesso em: 20 mar. 2017.

(7) Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho_2ed_p1.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.

(8) INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE DOENÇA EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO —

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Ante o exposto, concluo que se a depressão aco-metida pelo trabalhador resultar de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente (art. 20, § 2º, da LB) e, concomitantemente, produzir incapacidade laborativa (a contrario sensu do art. 20, § 1º, c, da LB)(9), deve ser considerada acidente do tra-balho, por equiparação — isto é, uma doença ocupacio-nal (gênero), espécie doença do trabalho (art. 20, II, da LB). Outrossim, se o trabalhador desenvolver depressão não relacionada com o trabalho, mas tiver o quadro clínico agra-vado pelas condições de trabalho, a doença será considerada igualmente acidente do trabalho, em razão da concausali-dade prevista no art. 21, I, da LB(10).

DEPRESSÃO. ASSÉDIO MORAL. EXISTÊNCIA DE CULPA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA RECLAMADA. (...) o juiz registrou que “a prova pericial comprova a existência de nexo causal entre o inapropriado tratamento no ambiente de trabalho e a moléstia desenvolvida durante o contrato, sendo evidentes os danos morais decorrentes da doença equiparada a acidente do trabalho”. O Tribunal a quo, instância exauriente para análise de fatos e provas, com base em laudo pericial que diagnosticou quadro depressivo moderado e na prova oral colhida, assentou que “a doença ocupacional tem como concausa o ambiente laboral excessivamente humilhante, estressante, prejudicial à saúde”. (...)” (TST-RR-37600-85.2007.5.04.0030, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15.04.2015, 2. T., Data de Publicação: DEJT 24.04.2015)

(9) Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I — o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

(10) § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: (...) c) a que não produza incapacidade laborativa;

Referências bibliográficas

ABREU, Fernanda Moreira de. Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas. São Paulo: LTr, 2005.

FERREIRA, Mário César; BORGES, Lívia de Oliveira; MENDES, Ana Magnólia. Múltiplos enfoques da inter-relação trabalho e saúde psíquica. In: MEN-DES, Ana Magnólia; BORGES, Lívia de Oliveira; FERREIRA, Mário César (Orgs.). Trabalho em tran-sição, saúde em risco. Brasília: Universidade de Bra-sília, 2002.

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PEREIRA, Thaís Thomé Seni Oliveira; BARROS, Mo-nalisa Nascimento dos Santos; AUGUSTO, Maria Cecília Nobrega de Almeida. O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental, Barbacena, v. 9, n. 17, p. 523-536, dez. 2011.

DIFICULDADES TÉCNICAS E PROCESSUAIS NA CARACTERIZAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE

TRANSTORNOS MENTAIS E O TRABALHO

Cristiano Puehler de QueirozMestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR.

Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho. Advogado.

Andreia Cristhina BohrerGraduanda em Direito pela PUC/PR. Membro do Grupo de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico, sob orientação

do Professor Dr. Marco Antônio César Villatore.

1. Introdução

É crescente o número de reclamações de ex-em-pregados reportando, além de questões tipicamente sa-lariais, prejuízos imateriais decorrentes de danos à saú-de psicológica, todavia é complexa a operacionalização de direitos eventualmente afetados. O presente estudo analítico expositivo discorre sobre as dificuldades de se

reconhecer a depressão, ou outras patologias psiquiá-tricas, como doença laboral. Igualmente abordará a pro-teção legal à saúde do trabalhador e a dificuldade de empatia pelos profissionais envolvidos. Conforme art. 20 da Lei n. 8.213/1991, doenças do trabalho se equi-param a acidentes, para fins previdenciários. Partindo deste pressuposto, tratará acerca da realidade enfren-tada pelo trabalhador ao buscar seus direitos junto aos órgãos competentes.

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2. Realidades vividas por empregados com psico-patia ao buscar tratamento médico, previdência social e tribunais

Apesar da implementação de modelos taylorista ou fordista nas empresas ter se iniciado há mais de cem anos e, nesse intervalo de tempo, terem surgido “novas formas” de organização do trabalho, verifica-se que a fi-losofia daquelas ainda é utilizada nos ambientes indus-triais(1). A busca centralizada no aumento da produtivi-dade e intensificação da qualidade dos serviços eviden-cia que o empregado sofre transformações no seu ritmo de trabalho, muitas vezes pressões psicológicas, metas excessivas, trabalho alienado e polivalência funcional.

O boletim da Secretaria de Previdência do Minis-tério da Fazenda em parceria com a Secretaria de Inspe-ção do Trabalho do Ministério do Trabalho, traz um pa-norama da concessão dos benefícios por incapacidade temporária (auxílio-doença) e definitiva (aposentadoria por invalidez) para o trabalho, motivada por adoeci-mento mental, relacionado ou não à atividade laboral:

“… concessão de benefícios por incapacidade re-lacionados a transtornos mentais e comportamentais a empregados entre 2012 e 2016, no âmbito do RGPS. No Brasil, os transtornos mentais e comportamentais foram a terceira causa de incapacidade para o trabalho, totalizando 668.927 casos, cerca de 9% do total de auxí-lios-doença e aposentadorias por invalidez concedidos nesses cinco anos de análise. Um aspecto que o estudo considera é a resistência no reconhecimento da relação do trabalho com a doença mental. Em muitos casos, a empresa não reconhece que sua atividade tem sido dis-funcional e levado os trabalhadores a desenvolverem agravos psíquicos. Embora o estudo tenha mostrado uma frequência de concessão maior de benefícios por incapacidade temporária (auxílio-doença) para o sexo feminino (56,98%), a concessão por incapacidade defi-nitiva (aposentadoria por invalidez) é mais significativa para o sexo masculino. O tempo de duração médio do benefício é maior para o sexo masculino na concessão de todos os benefícios analisados, o que parece indicar que o adoecimento masculino relacionado a transtor-nos mentais é mais grave entre os homens. De acordo com a OIT, além dos reflexos que a atual configuração do mercado de trabalho global pode trazer à saúde da mulher, apresentando taxa de participação feminina cerca 26% menor do que a masculina e remuneração, em média, 20% menor para a mulher, riscos psicosso-ciais específicos tornariam o sexo feminino mais vulne-rável ao estresse relacionado ao trabalho.(2)

(1) GUIMARÃES, Valeska Nahas. Novas tecnologias de produção de base microeletrônica e democracia industrial: estudo comparativo de casos na indústria mecânica de Santa Catarina. 1995. 467f. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção) — Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995, p. 38. Disponível em: <file:///C:/Users/loja/Downloads/100715.pdf>. Acesso em: 09 maio 2017.

(2) MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/2017/04/saude-e-seguranca-estudo-apresenta-analise-sobre-beneficios-por-incapacidade>. Acesso em: 28 abr. 2017.

Sebastião Geraldo de Oliveira assevera que o “Mi-nistério do Trabalho adotou o conceito ultrapassado de saúde, porquanto se limitou a regulamentar o adicional de insalubridade para os danos do corpo físico do traba-lhador, quando o conceito de saúde adotado pela OMS abrange o completo bem-estar físico, mental e social. Não alcançou, assim, a ‘insalubridade psíquica’, cujos efeitos danosos não podem ser ignorados”(3). Constata--se, portanto, que a legislação não tratou das doenças psiquiátricas trabalhistas com a devida importância.

Ao entrevistar o psiquiatra L. A.(4), que preferiu se manter anônimo e referido apenas pela sigla acima, este relatou que “a maioria dos médicos públicos e pri-vados desconsideram o Código de Ética Médica, que preceitua (…) absoluto respeito pelo ser humano e (…) melhor adequação do trabalho ao ser humano, pela eli-minação e pelo controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais”. O entrevistado L. A. também afir-mou que os médicos negam atestados, laudos psiquiá-tricos especificando a origem ou desencadeamento da doença e o tempo que o paciente deve ficar afastado de suas atividades laborais, porque muitos se encontram em descrédito em relação ao aumento exacerbado de pessoas com depressão, por exemplo. Para evitar confli-to com as empresas, considerando que muitos médicos são credenciados pelos mais diversos planos de saúde, temem se confrontar com médicos peritos do INSS e dos Tribunais.

Segundo L. A., estas são situações apontadas por jornais, revistas, televisão e principalmente pelos pacien-tes que chegam ao consultório relatando a insensibilida-de e descaso de outros médicos psiquiatras. Além das imensuráveis negativas de pedido de benefício do auxí-lio-doença, pela maioria dos médicos peritos que despre-zam os laudos, exames e atestados fornecidos por médi-cos habilitados. Outrossim, não cumprem com a legisla-ção previdenciária no que se refere a habilitação e reabi-litação profissional. A íntegra da referida entrevista fica anexada ao artigo resultante da presente pesquisa (Anexo I, arquivo). Constata-se, assim, dentre as dificuldades na caracterização da doença psiquiátrica trabalhista, a falta de empatia de profissionais técnicos envolvidos.

Ensina Gustavo Felipe Barbosa Garcia que “a sín-drome do esgotamento profissional, também conhecida como burnout pode ser entendida como decorrente de elevada carga de stress no ambiente de trabalho, imposta ao trabalhador, levando-o a um sério quadro patológico, caracterizado, entre outros, pela perda de motivação, de interesse e de expectativas, irritação, cansaço e desânimo extremos; exaustão física, psíquica e emocional”(5). O se-guinte julgado também ilustra a questão:

TST — RECURSO DE REVISTA: RR 959332011 5090026 “é passível de reparação por dano moral a exi-

(3) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 157.

(4) L. A., médico psiquiatra, mestre em Saúde e Gestão do Trabalho, entrevista realizada dia 22 de abril de 2017, arquivo.

(5) GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Meio Ambiente do Trabalho: direito, segurança, e medicina do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 136.

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gência excessiva de metas de produtividade, isso por-que o sentimento de inutilidade e fracasso causado pela pressão psicológica extrema do empregador não gera apenas desconforto, é potencial desencadeador de psi-copatologias, e diversos outros transtornos mentais, o que representa prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível, mesmo com tratamento psiquiátri-co adequado.(6)

Os bens jurídicos resguardados pelo Direito do Trabalho, a vida, a saúde, o bem-estar e a dignidade humana, precisam de fato ser respeitados não apenas pelos empregadores, mas pela sociedade em geral. O direito à saúde está previsto como direito fundamental no art. 7º, inciso XXII da Constituição de 1988.

Na relação empregatícia pressupõe-se que o tra-balhador é a parte mais frágil, merecendo maior prote-ção na tentativa de estabelecer um equilíbrio na relação de trabalho. Outrossim, a Lei n. 8.080/1990(7), em seu art. 6º, § 3º, inciso I, garante a assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho. O parágrafo único do art. 3º da mesma lei inclui, entre as ações que dizem respeito à saúde, de acordo com o disposto no caput, aquelas que têm por objetivo “garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”. Gusta-vo Filipe Barbosa Garcia afirma que “desde o final do século XX, a depressão vem se tornando uma ‘doença de época’. Expõe que vários fatores podem originá-la, inclusive fatores químicos, biológicos e genéticos”(8).

(6) Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/186850950/recurso-de-revista-rr-9593320115090026?ref=juris-tabs#!>. Acesso em: 08 maio 2017.

(7) BRASIL. Lei nº 8.080/1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 maio 2017.

(8) GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Meio Ambiente do Trabalho: direito, segurança, e medicina do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 136.

De acordo com o art. 5º da Convenção n. 155 da OIT, “deverão ser considerados os agentes químicos, biológicos, físicos, as operações e processos, a organi-zação do trabalho, equipamentos, ferramentas, capaci-dades físicas e mentais dos trabalhadores, dentre outros fatores que possam afetar a saúde”(9).

3. Considerações finais

Um grande número de trabalhadores reportam adoecimento psicológico, muitos deles, porém, não lo-gram comprovação do nexo de causalidade nas esferas previdenciária e judicial trabalhista. No que concerne aos profissionais da medicina, especialmente a psiquia-tria, no âmbito previdenciário e trabalhista, e nos con-sultórios particulares, é mister aperfeiçoar a compreen-são em reação às mudanças que as situações sociais, po-líticas e econômicas têm retratado, tentando, durante o atendimento, transcender a simples observação clínica, para observar os infortúnios dos pacientes. Ao verificar a existência ou a inexistência de doenças mentais no tra-balhador, poderiam considerar os fatores dispostos na Resolução n. 1.488/1998 do Conselho Federal de Me-dicina, não se retendo ao exame clínico (físico e men-tal), mas contextualizando as circunstâncias concretas, contribuindo mais para aferição do nexo causal entre os transtornos mentais e o ambiente de trabalho. O mesmo vale aos operadores do direito e, sobretudo, magistra-dos, antes de proferirem suas sentenças, considerar a possibilidade dessa relação dos Transtornos Mentais no ambiente de trabalho, uma vez diagnosticada pelo médico psiquiatra do paciente, também, em concordân-cia com a legislação brasileira e peculiaridades do caso concreto.

(9) OIT — Organização Internacional do Trabalho. Convenção n. 155. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 29 abr. 2017.

O RECONHECIMENTO DO DANO EXISTENCIAL PELA OCORRÊNCIA DO

ACIDENTE DE TRABALHO

Natalia Regina de Carvalho MikosAluna do Curso de Especialização em Direito Constitucional, na

Academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Advogada.

Nadia Regina de Carvalho MikosDoutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná,

Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do NEATES — Núcleo

de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico. Professora. Advogada.

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Nas relações de trabalho, tem-se percebido atual-mente a ocorrência de uma nova modalidade de dano imaterial: o dano existencial, que é aquele decorrente de uma conduta do empregador que visa a impossibilitar a convivência do empregado em seu meio social, com o desenvolvimento de atividades que lhe tragam bem--estar e possibilitem a concretização de seu projeto de vida(1). Há, por assim dizer, o impedimento do usufruto da vida de relações do empregado como resultado da conduta lesiva do empregador. E é com a realização des-tas atividades (ou a possibilidade de realizá-las), que o ser humano encontra a felicidade, a razão de ser de sua existência(2). A ocorrência do dano existencial fere os di-reitos de personalidade do trabalhador, representados pelos atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções morais. Fere, também, os direitos fundamentais do indivíduo, assim considerados todos aqueles integrantes do conjunto de níveis máximos de proteção, autonomia e dignidade dos indivíduos(3). E o dano existencial fere o princípio da dignidade humana na medida em que impede o desenvolvimento cultu-ral, pessoal e social do trabalhador, prejudicando sua qualidade de vida, “o resguardo de sua incolumidade física, intimidade e privacidade fora do ambiente do trabalho”.(4)

O acidente de trabalho é evento que causa lesão corporal, perda ou redução da capacidade laborativa, incluindo-se, portanto, não só os eventos de que decor-rem o óbito como também as doenças profissionais. Na atualidade, encontram-se abrangidos por este conceito qualquer transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou a síndrome da evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, independentemente do tempo de latência.(5) Para que se configure o acidente de trabalho, é necessária a presença de certos e deter-minados elementos: i) que o evento danoso seja decor-rente do exercício do trabalho a serviço da empresa; ii) que provoque lesão corporal ou perturbação funcional, total ou parcial; iii) que dele derive morte ou a perda da capacidade para o trabalho, temporária ou definiti-vamente; iv) deve o evento ser inesperado, contrário às forças do empregado; v) não haver qualquer participa-ção voluntária do empregado; vi) que impossibilite o empregado de continuar prestando serviços ao empre-gador naquelas mesmas condições ambientais laborais; e, vii) o evento deve ocorrer em virtude do contrato de trabalho (sendo esse o nexo de causalidade). Tratam-se, pois, de “gravames pessoais sofridos em decorrência de fatores que desequilibram o desempenho normal do trabalho e constituem anomalia em face das relações de trabalho.”(6)

(1) BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial): breves considerações. Revista LTr. São Paulo, v. 73, n. 1, jan. 2009. p. 28.

(2) SOARES, Flavia Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 37.

(3) BEBBER, 2009. p. 16.

(4) BATISTA, Márcio Oliveira. A regulação do direito ao lazer no resgate da dignidade humana do trabalhador e sua formação social. In: ALMEIDA, Roberto Ribeiro de; CRUZ, Priscila Aparecida Silva; ALVES, Marianny (Orgs.). Direitos humanos em um contexto de desigualdades. São Paulo: Boreal, 2012. p. 182.

(5) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2008. p. 45.

(6) DAL COL, Helder Martinez. A prescrição nas ações indenizatórias. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves

Sob essa análise, é plausível o reconhecimento da ocorrência do dano existencial em decorrência do aci-dente de trabalho, uma vez que esse evento pode gerar a incapacidade para a vida laborativa, com efeitos que se estenderão à vida pessoal do trabalhador, impedin-do-o de realizar suas atividades pessoais e a sua vida de relações.

Em tempos de modernidade líquida, de incre-mento da vulnerabilidade das relações sociais, é cediço que os indivíduos estão mais sujeitos às ocorrências de lesões aos seus direitos. É para estes casos que os recen-tes estudos voltados para o reconhecimento do dano existencial decorrente do acidente de trabalho integram uma busca cuidadosa de alternativas para suprir a au-sência de instrumentos legislativos. Não sendo possível impedir que os danos sejam causados, algumas formas de prevenção da ocorrência do dano precisam ser bus-cadas, com vistas a atingir de modo mais pleno a resti-tuição integral pela lesão sofrida.

São também essas as premissas que se extraem de López Ahumada(7), quando afirma: “El deber de pre-vención de riesgos laborales del empresario se muestra como un aspecto inescindible del contrato de trabajo y se configura como un elemento protector del trabajador”.

Nesse sentido, à ocorrência do dano existencial em decorrência do acidente do trabalho torna-se im-perioso ao empregador tomar medidas que visem não só o ressarcimento indenizatório decorrente de sua responsabilidade, mas principalmente a busca por me-didas que possam impedir ou minorar sua ocorrência, porque afronta os direitos de personalidade do traba-lhador, que busca na atividade laboral o caminho para o exercício pleno de sua cidadania.

Referencias bibliográficas

ALMEIDA, Roberto Ribeiro de; CRUZ, Priscila Apare-cida Silva; ALVES, Marianny (Orgs.). Direitos hu-manos em um contexto de desigualdades. São Paulo: Boreal, 2012.

BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial): breves considerações. Re-vista LTr. São Paulo, v. 73, n. 1, jan. 2009.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves (Orgs.). Direito do Trabalho e Direito da Segu-ridade Social: fundamentos constitucionais e teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012 (Coleção Doutrinas Essenciais; v. I).

LÓPES AHUMADA, José Eduardo. Responsabilidad Em-presarial y Protección de la Salud Laboral. Análisis Jurídico Interdisciplinar. Lisboa: Juruá, 2013. p. 58.

SOARES, Flavia Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2009.

(Orgs.). Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social: fundamentos constitucionais e teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012 (Coleção Doutrinas Essenciais; v. I). p. 1372.

(7) LÓPES AHUMADA, José Eduardo. Responsabilidad Empresarial y Protección de la Salud Laboral. Análisis Jurídico Interdisciplinar. Lisboa: Juruá, 2013. p. 58. Em tradução livre: “O dever de prevenção dos riscos laborais do empresário é mostrada uma parte inseparável do contrato de trabalho e é configurado como um elemento protetor do trabalhador”.

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O ALTO ÍNDICE DE ACIDENTES DE TRABALHO DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS — REFLEXO DO MODELO DE

ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

Roberto Vinícius HartmannAdvogado trabalhista, Graduado em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Rede

de Ensino Luiz Flávio Gomes. Mestrando no Programa de Pós-Graduação (Mestrado em Direito Econômico e Desenvolvimento)

pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Edison Luiz Rodrigues JuniorGraduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do

Paraná (PUC/PR).

rização restrita para atividades-meio das empresas to-madoras, representavam aproximadamente 26,8% do mercado formal (12,7 milhões)(2), este número tende a aumentar com a formalização do novo regramento, o que traz enorme angústia e preocupação quanto à saú-de e segurança destes empregados.

Os dados apresentados em um estudo realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Depar-tamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioe-conômicos (DIEESE), demonstra que em dezembro de 2013 a remuneração dos empregados terceirizados foi 24,7% menor que a dos demais empregados formais. Ademais, empregados terceirizados trabalham sema-nalmente 03 horas a mais e tem a duração do contra-to de trabalho 53,5 menor (média de 2,7 anos em rela-ção aos 5,8 anos dos demais empregados tipicamente contratados)(3).

Uma das maiores preocupações quanto à tercei-rização é que o índice de acidentes de empregados ter-ceirizados é elevadíssimo, sendo que por exemplo, no setor elétrico, em 2011, entre os 79 acidentes de trabalho com resultado morte, 61 envolveram empregados de empresas terceirizadas(4).

O estudo mencionado apresenta o exemplo real ocorrido na Petrobrás, que no período entre 2005 e 2012 teve um aumento no número de empregados terceiriza-dos de 2,3 vezes e uma consequente elevação nos casos de acidente de trabalho de 12,9 vezes, sendo que das

(2) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: / dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos / Secretaria Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014. p. 13.

(3) Op. Cit., p. 13-15.

(4) CARVALHO, Igor. Terceirização: o algoz dos acidentes de trabalho. 2015. Disponível em: <http://www.cut.org.br/noticias/terceirizacao-o-algoz-dos-acidentes-de-trabalho-925b/>. Acesso em: 25 abr. 2017.

A terceirização pode ser um assunto bastan-te emergente por conta da promulgação da Lei n. 13.429/2017, ocorrida em 31 de março de 2017, que agora permite a terceirização de forma irrestrita, con-tudo seus efeitos já são muito bem conhecidos e dis-seminados, isso porque ela é só mais um reflexo do modelo capitalista de acumulação flexível, que visa, acima de tudo, o aumento da lucratividade e a explo-ração de mão de obra barata.

Sob o espírito do toyotismo, a acumulação flexí-vel pode ser afirmada como uma maneira de controlar e explorar a força de trabalho, por meio da intensificação da cobrança por produtividade, eficiência e qualidade, fazendo com que a classe trabalhadora se adeque às no-vas exigências do capital, a fim de preservar, acima de tudo, o lucro das organizações.

Certo é que essa nova forma de acumulação se baseia na flexibilização das relações de trabalho, “[...] compreendida como sendo a plena capacidade de o ca-pital tornar domável, complacente e submissa a força de trabalho”(1). Dentre as manifestações dessa ideologia flexibilizadora, encontra-se a terceirização. Vislumbra--se, dessa forma, que tal fenômeno é apenas uma pe-quena parcela da grande reorganização capitalista, mas que pode trazer consequências severas ao Direito do Trabalho brasileiro.

Pela experiência adquirida a partir dos modelos legais de terceirização, já se percebe que empregados terceirizados trabalham muito mais e ganham muito menos do que os empregados não terceirizados, têm dificuldades com a representação sindical, têm seus di-reitos trabalhistas negligenciados e possuem um índice muito alto de acidentes de trabalho, ou seja, estão mais desprotegidos do que os demais trabalhadores.

Muito embora se visualize que os empregados terceirizados, já no modelo anterior vigente de tercei-

(1) ALVES, Giovanni. Trabalho e mundialização do capital — a nova degradação do trabalho na era da globalização. 2. ed. Londrina: Praxis, 1999. p. 89.

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99 mortes ocorridas no período referido, 85 foram de empregados terceirizados(5).

Considerando a alta rotatividade nos contratos de trabalho, a ausência da devida proteção jurisdicional, os baixos salários e as altas jornadas não é surpreenden-te que o setor terceirizado possua um índice elevado de acidentes de trabalho, isso é, quando há uma superex-ploração da força trabalhadora, uma das consequências aparentes é o desgaste máximo do empregado, causan-do, assim, os acidentes de trabalho.

Além disso, Cláudio Cordeiro Queiroga Gadelha afirma que aproximadamente “80% dos acidentes de trabalho com morte no Brasil atinge trabalhadores ter-ceirizados”, o que se deve a um descaso das tomadoras de serviços quanto a proteção dos terceirizados(6).

O que se destaca a partir da novel legislação é que os argumentos utilizados para embasarem a sua pro-mulgação, quais sejam, de modernização das relações de trabalho, de geração de empregos e de melhoria da economia são falaciosos, o que se comprova pelos da-dos já apresentados.

Nesta toada, importante consignar que “se a jor-nada dos trabalhadores em setores tipicamente tercei-rizados fosse igual à jornada de trabalho daqueles con-tratados diretamente, seriam criadas 882.959 vagas de trabalho a mais”(7). Assim, possibilitar a terceirização de maneira irrestrita não enseja a criação de mais postos de trabalho, como se tem propalado pela grande mí-dia, podendo inclusive ter uma diminuição nas vagas de emprego, já que terceirizados trabalham recebendo menos e em jornadas mais extenuantes.

A falsidade dos argumentos ainda se comprova quando se verifica que numa pesquisa realizada pela própria Confederação Nacional das Indústrias (CNI), o fim precípuo da terceirização é a redução de custos para as empresas, já que o estudo indicou que “[...] 91% das empresas que terceirizam consideram a alternativa

(5) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: / dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos / Secretaria. Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014. p. 25.

(6) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA PARAÍBA. Tercei-rizados sofrem mais acidentes no trabalho. Disponível em: <http://www.prt13.mpt.mp.br/2-uncategorised/139-terceirizados-sofrem-mais-acidentes-no-trabalho>. Acesso em: 28 abr. 2017.

(7) Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: / dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos / Secretaria. Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014. p. 15.

importante para reduzir custos”(8), ou seja, fica muito claro que as empresas não tem uma preocupação com a saúde e segurança do trabalhador, sendo que o interes-se único e exclusivo é o aumento de receitas financeiras.

Não poderíamos deixar de mencionar que, além de todos os prejuízos aos trabalhadores decorrentes da terceirização, o novo regramento alterou a redação do art. 4º-A da Lei n. 6.019, estabelecendo de forma absolu-ta no § 2º, que “Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas pres-tadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”(9). Tal situação só acarreta maiores prejuízos aos empregados de empresas terceirizadas, que anteriormente já enfrentavam enorme dificuldade para o recebimento de suas verbas trabalhistas quando postuladas na Justiça do Trabalho, por conta de tercei-rizadas sem condições patrimoniais para arcarem com os haveres trabalhistas e, que agora tende a se agravar.

Portanto, o que se evidencia é que discutir a ter-ceirização não é apenas olhar para a Lei n. 13.429/2017, recentemente sancionada, não é apenas olhar para as novas ameaças de precarização, mas sim analisar toda uma estrutura capitalista que estabelece as relações de trabalho, é questionar o modelo de produção, que ex-plora e mata a classe trabalhadora.

Diante de todo o exposto, percebe-se que o índice elevado de acidentes de trabalho de empregados tercei-rizados é apenas mais uma consequência de uma forma de produção que valoriza o capital sem preservar os de-vidos direitos trabalhistas e proporcionar um patamar mínimo civilizatório nas relações de trabalho.

Não poderíamos deixar de consignar os ensina-mentos de Jorge Luiz Souto Maior quando afirma que “a terceirização é um mal em si porque representa, na essência, a mercantilização da condição humana e porque tenta se justificar, exatamente, pela situação de extrema necessidade e dependência a que o próprio sistema econômico conduz o trabalhador”(10). Portanto, quem ganha com tudo isso são apenas as empresas, que munidas do poderio econômico tendem a se aproveitar da fragilidade da mão de obra terceirizada.

(8) CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Terceirização aumenta competitividade da indústria. Disponível em: <http://admin.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C0012730E4313D07DA.htm>. Acesso em: 28 abr. 2017.

(9) BRASIL. Lei nº. 13.429, de 31 de março de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm>. Acesso em: 28 abr. 2017.

(10) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4.330/04: maldade explícita e ilusão. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/06/pl-4-33094-maldade-explicita-e-ilusao>. Acesso em: 28 abr. 2017, p. 4.

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RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA EM ACIDENTES DE TRABALHO

Cristiano Puehler de QueirozMestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR.

Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho. Advogado.

Betina Bonette OrgecovskiGraduanda em Direito pela PUC/PR. Membro do Grupo de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico, sob orientação

do Professor Dr. Marco Antônio César Villatore.

1. Introdução

A responsabilidade civil do empregador nos aci-dentes de trabalho, nos termos da Constituição de 1988, em seu art. 7º, inciso XXVIII, ocorre, via de regra, quan-do o mesmo incorrer em culpa, restando caracterizada a conduta e o nexo causal. Importante ressaltar que a culpa no Direito Civil é lato sensu, ou seja, subdivide-se em dolo, caracterizado pela vontade livre e consciente de produzir os resultados, e culpa stricto sensu, aque-la proveniente dos casos de negligência, imperícia ou imprudência, ou seja, inobservância geral do dever de cuidado. Esta norma constitucional caracteriza a cha-mada responsabilidade civil subjetiva de indenizar, à que está obrigado o empregador, sendo esta a teoria de maior incidência atualmente por parte dos defensores patronais.

Em contrapartida, a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código Civil de 2002 trazem, excepcional-mente, a responsabilidade objetiva como uma norma mais favorável ao trabalhador, a qual prescinde do ele-mento culpa para que haja dever de indenizar, exigindo apenas os pressupostos do dano, conduta; seja ela co-missiva ou omissiva; e nexo, evoluindo quanto à prote-ção da parte mais fragilizada da relação de trabalho, e vindo a complementar a Constituição Federal na parte em que se referiu aos “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição”, sendo de fato um instituto legítimo que visa a melhoria da condição dos trabalhadores, norma mais benéfica.

Este breve ensaio não aborda as excludentes de responsabilidade em acidentes de trabalho, mas sim analisa diferentes correntes relativamente à responsa-bilização civil objetiva ou subjetiva do empregador e, ponderando as respectivas fundamentações, preconiza soluções úteis para casos práticos.

2. Responsabilidade objetiva ou subjetiva em aci-dentes laborais

O instituto da responsabilidade civil objetiva, apesar das controvérsias jurisprudenciais e doutriná-rias a respeito do tema, torna possível que a regra geral de que há responsabilidade civil pela ocorrência de aci-

dente de trabalho apenas nas hipóteses de incidência de culpa ou de dolo do empregador seja flexibilizada, atra-vés de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico como um todo, e dos princípios que permeiam o Direito do Trabalho, tornando possível a responsabi-lização do empregador e o devido pagamento de inde-nização por acidente de trabalho apenas pelo fato de colocar o empregado em situação de risco na atividade à qual está submetido a exercer, independentemente da caracterização de dolo ou culpa, é claro, desde que haja o nexo causal.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia(1) assevera, acer-ca da responsabilidade civil subjetiva, que “a regra geral da exigência de culpa para a responsabilização do empregador por danos decorrentes de acidente do trabalho seria apenas um patamar mínimo (art. 7º, inci-so XXVIII, parte final da CRFB/1988), o qual pode (e deve) ser ampliado e aperfeiçoado em benefício dos trabalha-dores e da melhoria de sua condição social (art. 7º, caput, da CRFB/1988), por meio de outras disposições, ainda que infraconstitucionais, estabelecendo a incidência da res-ponsabilidade objetiva”. Por outro lado, Hertz Jacinto Costa(2) conceitua responsabilidade civil objetiva como sendo uma “teoria da responsabilidade pelo fato das coisas, em função da qual o empregador responde pe-los danos provocados pela coisa, que tenham risco ou vício, na medida em que o titular seja o guardião das mesmas. É a teoria do risco criado”.

Importante ressaltar que no caso das relações de emprego, o ordenamento jurídico fornece elementos que permitem inferir que a responsabilidade é objetiva, ou seja, em regra dependerá apenas da existência do dano, conduta e nexo. Nesse contexto, a Consolidação das Leis do Trabalho define o empregador como sendo aquele que, assumindo os riscos da atividade econô-mica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Logo, se o risco da atividade é do empregador, significa que este deve ser responsabilizado por even-

(1) GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do trabalho — doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 83.

(2) COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho — abordagem inédita do interesse judicial do empregador nos benefícios dos empregados. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 46.

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tuais ocorrências de acidentes que causem lesão ao pa-trimônio material ou imaterial do empregado, ou seja, quando restar caracterizado o dano. Por conseguinte, a ocorrência de dano ao empregado, se estiver ligada à atividade, ou seja, observado o nexo causal entre dano e conduta, deve ser indenizada, independentemente da comprovação de dolo ou culpa lato sensu do emprega-dor — responsabilização objetiva.

Pois bem, quando então seria o caso de aplicar a responsabilização civil subjetiva do empregador pelos danos causados ao trabalhador decorrentes da ativida-de laborativa? Neste contexto há que se destacar o pon-to nevrálgico desta abordagem. A responsabilização civil subjetiva deve se aplicar quando o acontecimen-to não tiver relação imediata e direta com a atividade econômica do empregador, afinal o risco assumido pelo empregador não é qualquer e todo risco, mas sim aque-le inerente à específica atividade econômica por ele ex-plorada.

Nesse sentido, Hertz Jacinto Costa(3) explica:

(…) a doutrina do risco profissional protege o ris-co específico (direto ou indireto) e não o risco genérico. Portanto, a preocupação da teoria é com a pessoa do trabalhador, ao passo que as doutrinas que amparam a responsabilidade subjetiva negam esse objetivo, exi-gindo prova da culpa do empresário ou que a própria vítima não se houve culposamente. O fundamento da teoria, como se disse, não se escora na culpa e tampou-co nas relações contratuais, mas exclusivamente na ati-vidade do empresário que, por si só, constitui o risco, independentemente do fato de ter tomado medidas protetivas à realização do trabalho. O acidente do tra-balho, em suma, seria resultante do risco profissional.

Pode-se ilustrar este contexto dando como um exemplo a atividade de uma indústria, a qual possui riscos indissociáveis a acidentes com máquinas de pro-dução e linha de montagem. Logo, se o empregado dessa indústria tiver danos decorrentes de acidente na operação de tais máquinas, deve ser indenizado inde-pendentemente de aferição de culpa do empregador. Todavia, será necessária a comprovação de culpa, por-tanto sob responsabilização subjetiva, se neste mesmo caso o prejuízo decorrer de um acidente de trânsito em percurso, ou dano causado por crime de furto pratica-do por terceiro, situações estas totalmente dissociadas da atividade econômica explorada pelo empregador industrial.

(3) COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho — abordagem inédita do interesse judicial do empregador nos benefícios dos empregados. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 50.

Diante das ponderações feitas, é válido destacar a pertinência do pós-positivismo jurídico, cada vez mais presente no Direito do Trabalho, como uma forma de flexibilização da interpretação jurídica, no sentido de atribuir mais eficácia às decisões, e solução a eventuais problemas nos casos concretos. Sob esta perspectiva, Danilo Pereira Lima(4) aduz que “para construir uma teoria da decisão judicial, compatível com a nova rea-lidade constitucional, faz-se necessário superar o pen-samento positivista (normativista), enfrentando alguns problemas ocultados por esta corrente: como a interpre-tação e a discricionariedade judicial. (...) Desse modo, diante do deslocamento da esfera de tensão, até então apoiada nos procedimentos políticos, para os procedi-mentos judiciais, o Constitucionalismo Contemporâneo passou a exigir uma postura mais intervencionista do Poder Judiciário, como condição de possibilidade para superar a postura absenteísta do juiz como “boca inani-mada da lei”, predominante no modelo liberal-indivi-dualista do positivismo exegético”.

Enfrentado o problema da interpretação total-mente positivista do ordenamento jurídico, e a atua-ção arbitrária e tendenciosa do magistrado, é fato que se houver uma ponderação de valores e interpretação mais dinâmica das normas, será possível uma maior adequação das decisões com o contexto social, e uma consequente efetivação do conceito de justiça, trazendo para o âmbito da responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho uma relativização entre as teorias objetiva e subjetiva nos casos concretos.

3. Conclusão

A responsabilização civil do empregador deve ser, via de regra, objetiva, mas excepcionalmente subjetiva, sendo essencial para a efetivação da justiça a interpre-tação sistemática do ordenamento(5). Para muito além do positivismo jurídico e da interpretação limitada da lei, as decisões pós-positivistas no âmbito do direito do trabalho devem prevalecer no sentido de proporcionar, àquele que postula seus direitos, aquilo que realmente lhe cabe, com enfoque na vítima do dano comprovado. Nesse sentido, não se está a sugerir subjetividade, que seria de fato muito arriscado e traria insegurança jurí-dica, mas sim preconiza-se uma ponderação racional sobre a teoria do risco na resolução dos casos concretos.

(4) LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-positivismo. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 102, n. 938, p. [365]-389, dez. 2013.

(5) BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília, 1997. p. 71-114.

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O COMBATE À DEPRESSÃO NAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO

Leila Andressa DissenhaProfessora do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Cooperativas da PUC/PR (Mestrado Profissional). Doutora e Mestra em Direito pela

PUC/PR. Advogada Trabalhista Empresarial.

O universo laboral atual tem, como suas marcas características, a pressão e o estresse. Alguns atribuem essa tensão diária à competitividade do próprio meio das relações negociais e trabalhistas(1); outros, porém, atribuem aos altos índices de desemprego e ao esfor-ço necessário para manter-se no contrato de trabalho.(2) Fato notório, contudo, é que algumas atividades labo-rais, por sua própria natureza, maximizam essas carac-terísticas em seu exercício: é o caso de paramédicos, controladores de voos e bancários, por exemplo.

A questão dos bancários e a pressão psicológica que vivenciam no cumprimento de metas e no exercício de tarefas cotidianas já rendeu a publicação de artigos, livros, e a organização de congressos e a proposição de inúmeras ações judiciais. O caso é tão grave, que há es-tatísticas específicas de casos de suicídios vinculados ao exercício de tal atividade. (3)

Por se tratar de atividade com semelhante nível de cobrança e pressão de um trabalhador bancário, a situação dos trabalhadores em cooperativas de crédi-to tem despertado interesse. Embora não se trate, em absoluto, de um banco, fato é que as cooperativas de crédito também trabalham com o dinheiro alheio e as mesmas preocupações no zelo destes valores e nos resultados almejados para seu trato podem gerar im-pactos na vida pessoal e profissional daqueles que se dedicam a tal atividade.

Em recente pesquisa feita junto ao Programa de Pós-Graduação em Gestão de Cooperativas da PUC/PR, descobriu-se que o dano moral e o assédio moral es-tão entre os pedidos mais comuns presentes nas recla-matórias trabalhistas ajuizadas contra cooperativas de crédito.(4)

(1) Neste sentido, MINHOTO, Antonio Celso Baeta. Globalização e direito: o impacto da ordem mundial sobre o direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 34 e 43.

(2) Neste sentido, MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto da Silva. Estresse, crise financeira, desemprego, ansiedade... Informação médica aos pacientes. Disponível em: <http://impmedicor.blogspot.com.br/2012/09/estresse-crise-financeira-desemprego.html>. Acesso em: 15 maio 2017.

(3) “Pesquisa inédita da UnB revela que, entre 1996 e 2005, 181 bancários cometeram suicídio. Uma média de um suicídio a cada 20 dias, segundo informações reunidas pelo Ministério da Saúde.” (SINDBAN. Pesquisa revela expressiva taxa de suicídio entre bancários. SINDBAN. Disponível em: <http://www.bancariosdepiracicaba.com.br/pesquisa+revela+expressiva+taxa+de+suicidio+entre+bancarios.aspx>. Acesso em: 15 maio 2017).

(4) PIZZI, Patrícia Portella; DISSENHA, Leila Andressa. Principais questões trabalhistas nas cooperativas de crédito e a resolução destas por meio da mediação. Revista de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito da Seguridade Social. Disponível em: <http://laborjuris.com.br/artigo/view/63>. Acesso em: 15 maio 2015.

Não é difícil identificar os motivos da presença destes pedidos: o transporte de valores feito, em alguns casos, pelo empregado, sem qualquer segurança; altos graus de exigência quanto ao exercício das tarefas diá-ria; cumprimento de metas; desgaste pessoal no trato com o público e reengenharias frequentes são alguns fatores que descrevem as atividades de um trabalhador que labora com valores alheios.

Tal qual a atividade bancária, o cotidiano dos em-pregados de cooperativas de crédito pode desencadear ou agravar transtornos como depressão, ansiedade e síndrome de burnout, por exemplo.(5) Os danos à saúde mental que, como acidentes de trabalho são considera-dos, causam prejuízos pessoais e institucionais bastante graves.

Sob a ótica do empregado, tais enfermidades po-dem levar à incapacidade parcial ou total para o traba-lho; podem comprometer sua vida pessoal e até condu-zir a atitudes extremas, como o suicídio. Não há valores capazes de indenizar verdadeiramente este trabalhador e sua família, embora seja da Justiça do Trabalho a di-fícil tarefa de quantificar financeiramente estes danos.

O empregador, por outro lado, também perde e muito: perde produtividade; perde valores expressivos em indenização; perde em multas por eventuais denún-cias de práticas abusivas perante o Ministério Público do Trabalho; tem desgastes expressivos em sua imagem perante clientes, associados, parceiros de negócios e, igualmente, tem sua conduta arranhada diante da pró-pria força de trabalho.

Há perdas também para a sociedade: um traba-lhador que adoece pelo estresse do ambiente de traba-lho, impacta sua família, seus amigos, sua comunidade; impacta o Estado porque depende de benefícios previ-denciários e tratamento médico e, não podendo mais trabalhar, deixar de consumir e adquirir renda que ge-ram tributos; impacta a Justiça do Trabalho que terá que

(5) “Dados apresentados na tarde desta sexta-feira (18) no Seminário Trabalho e Saúde Mental da Categoria Bancária, promovido pelo SindBancários apontaram um alto índice de profissionais com problemas de transtorno mental comum (TMC), que tem, entre outros sintomas depressão e ansiedade. A pesquisa, realizada em parceria entre o SindBancários e a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), coletou dados, por meio de uma ferramenta online, de 1.117 bancários em todo o Estado, com idades entre 20 e 66 anos. Desse número, 53% eram mulheres, e 47%, homens. Do total de pesquisados, 90,2% responderam que percebem que o trabalho interfere negativamente nos outros segmentos de sua vida, e 50% já se afastaram do emprego por problemas de saúde.” (SILVEIRA, Jaqueline. Pesquisa aponta alto índice de depressão e ansiedade entre bancários. Sul 21. Disponível em: <http://www.sul21.com.br/jornal/pesquisa-aponta-alto-indice-de-depressao-e-ansiedade-entre-bancarios-no-rs/>. Acesso em: 03 maio 2017.

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averiguar o nexo de causalidade e a extensão do dano, quantificar uma indenização e, não raro, executá-la.

Vale destacar, contudo, diante deste cenário, que uma cooperativa de crédito, de forma alguma, é um banco e que, verdadeiramente, ela não é um empreen-dimento comum. Isso pode fazer toda a diferença na forma de tratar este problema de tamanha gravidade.

As cooperativas são empreendimentos pautados em princípios centenários que evocam a solidariedade, a preocupação com a comunidade e o bem-estar dos envolvidos em suas atividades. Seja por sua própria forma de existir, seja por exigência de parceiros inter-nacionais, poucas instituições apresentam tanto empe-nho no exercício de sua responsabilidade social como as cooperativas. Portanto, se há um cenário propício ao implemento de práticas que preservem a saúde dos tra-balhadores, trata-se de uma cooperativa.

As cooperativas de crédito brasileiras tiveram seu início com imigrantes que acompanhavam, desde 1844, o desenvolvimento primoroso destes empreendimen-tos na Europa: eles trouxeram os princípios e valores cooperativistas e incorporaram à realidade dos agricul-tores do Sul do Brasil, estendendo seus benefícios para todo o País.(6)

Atualmente, o Brasil conta com mais de 1000 ins-tituições financeiras de cooperativas que administram ativos de totais de 296 bilhões de reais.(7)

Atentas à qualidade de vida de seus emprega-dos e colaboradores, as cooperativas têm multiplica-do ações preventivas de valorização de seus recursos humanos e prevenção de práticas que possam levar a desgastes emocionais.

Treinamentos, palestras e cursos em geral são fer-ramentas fundamentais para esclarecer os empregados acerca da busca por uma melhor qualidade de vida no ambiente laboral; investimentos em segurança e servi-ços especializados em transporte de valores também são outra forma de prevenção de riscos e eventuais con-sequências pós-traumáticas; pesquisas de clima, para avaliar a satisfação do empregado em relação ao modus operandi da empregadora, também são importantes ini-ciativas.

Neste brevíssimo estudo, optou-se por exemplifi-car as práticas preventivas adotadas pelas cooperativas a

(6) A primeira cooperativa de crédito do Brasil foi formada por Theodor Amstad, padre suíço, que, vendo as dificuldades dos agricultores do Rio Grande do Sul, propôs o empreendimento que se tornou a primeira cooperativa de crédito da América Latina — SICREDI Pioneira, em Nova Petrópolis, RS, em 1902. Conforme Portal do Cooperativismo Financeiro. Disponível em: <http://cooperativismodecredito.coop.br/2012/01/a-primeira-cooperativa-de-credito-da-america-latina-completara-110-anos-de-atividades-em-2012/>. Acesso em: 15 maio 2017.

(7) Dados de dezembro de 2016. Conforme Portal do Cooperativismo Financeiro. Disponível em: <http://cooperativismodecredito.coop.br/cenario-mundial/cenario-brasileiro/dados-consolidados-dos-sistemas-cooperativos/>. Acesso em: 15 maio 2017.

partir das informações de dois dos principais sistema re-presentantes do cooperativismo de crédito brasileiro: O sistema SICREDI, em seu Relatório de Sustentabilidade de 2016, informa que a pesquisa interna de satisfação dos empregados indicou 82% de favorabilidade. Políticas de compliance e a implementação de um código de conduta aos empregados são também uma forma de aproximá--los dos valores cooperativistas; um canal de comuni-cação existe para facilitar o acesso dos cooperados às formas de denunciar problema vivenciados no âmbito laboral e uma linha 24h foi disponibilizada aos emprega-dos para assuntos de caráter psicológico e demais temas relevantes de orientação (Programa Sempre Bem).(8)

A rede SICOOB, por sua vez, no plano de ação de sua Política de Responsabilidade Socioambiental, prevê o desenvolvimento de ouvidorias e pesquisa de satisfa-ção dos empregados.(9)

Em diversos sistemas cooperativistas, o principal pilar das condutas de prevenção aos danos à saúde men-tal do trabalhador está na informação: treinamentos e canais de comunicação que permitam uma aproximação maior do empregado com a cooperativa e seus princí-pios. Tais práticas estão em plena consonância com as recomendações a Organização Mundial de Saúde.(10)

Não é novidade que, na Jurisprudência, a depres-são tem sido considerada como acidente de trabalho quando identificado o nexo de causalidade. O Tribunal Superior do Trabalho publicou, em abril de 2017, uma reportagem especial sobre a depressão no trabalho, confirmando este entendimento.(11) O problema, portan-to, parece muito mais gerencial que jurídico, uma vez que está nas mãos do empregador zelar pelo ambiente de trabalho sadio.

As cooperativas, ao longo da história e até nos-sos dias, sempre foram um referencial de valorização do trabalho humano. Esperamos que sua atitude e seus princípios sejam uma inspiração para o seu próprio aperfeiçoamento e para a atividade bancária na busca de superação quanto às formas de preservação da saú-de mental do trabalhador.

(8) Relatório de Sustentabilidade 2016. SICREDI. Disponível em: <https://www.sicredi.com.br/html/conheca-o-sicredi/relatorios/arquivos/relatorio_de_sustentabilidade_2016.pdf>. Acesso em: 15 maio 2017.

(9) Política de Responsabilidade Socioambiental. SICOOB. Disponível em: <http://www.sicoobunicoob.com.br/wp-content/uploads/2015/06/ Pol%C3%ADtica-Institucional-de-Responsabilidade-Socioambiental.pdf>. Acesso em: 15 maio 2017.

(10) “Let’s talk” é o lema da campanha da OMS para o Dia Mundial da Saúde que tem como tema principal o combate à depressão. Nações Unidas. Depressão é tema de campanha da OMS para o dia mundial da saúde 2017. Nações Unidas no Brasil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/depressao-e-tema-de-campanha-da-oms-para-dia-mundial-da-saude-de-2017/>. Acesso em: 15 maio 2017.

(11) Tribunal Superior do Trabalho. Reportagem especial sobre depressão no trabalho. TST. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/trabalhoseguro/programa/-/asset_publisher/0SUp/content/reportagem-especial-sobre-depressao-no-trabalho?inheritRedirect=false>. Acesso em: 15 maio 2017.

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A DEPRESSÃO E SUA CONFIGURAÇÃO COMO ACIDENTE DO TRABALHO: CONCAUSALIDADE

Nossa tarefa é transformar os mistérios em problemas porque os problemas têm solução

CHOMSKI

Teresinha Lorena Pohlmann SaadProfª aposentada da UFSM-RS. Autora dos livros: Acidentes do

trabalho: estudos doutrinários e pesquisa de campo: jurisprudência. São Paulo: LTr, 1988 ( esgotado), Responsabilidade civil na empresa

nos acidentes do trabalho: compatibilidade da indenização acidentária com a de direito comum, CF/88, art. 7º, XXIII, 3. ed. São Paulo: LTr,

1999 (esgotado).

De plano quadra recordar que a depressão é reco-nhecida por todos no campo da saúde mental. A despeito desta evidência, a observação é impositiva, uma vez que tal patologia, mesmo sendo antiga, (com uma história longitudinal de quase dois mil anos de reconhecimento como uma síndrome mental), os estudos médicos sobre sua natureza, classificação e etiologia são inconclusivos.

Dessas incertezas da medicina, infere-se, de per si, a aprofundada relevância que tem para o julgador na seara do direito infortunístico, a disciplina própria da concausalidade das doenças ocupacionais, como ins-trumento inarredável da hermenêutica jurídica.

Por seu turno, a Carta Magna (art. 7º, XXII) ga-rante à redução dos riscos do trabalho, como direito e garantia fundamental, a título de direito social e a partir dela, sobressaem normas gerais e especiais com o mes-mo escopo.

Aqui se indaga: a depressão pode caracterizar acidente do trabalho? Não hesito em afirmar que sim. Por duas razões simples: não há certeza na comunidade científica sobre a gênese deste mal, e ainda que houves-se, pela teoria das concausas, aceita na legislação pátria, o exercício do trabalho não precisa ser a causa única do evento, pois a lei admite a concausalidade de causas. A concausa, não decorre da causa laboral, simplesmente com ela concorre, podendo, ademais ser: preexistente, concomitante e superveniente. Nada obstante, para se efetivar a defesa da possibilidade jurídica da depressão categorizar infortúnio do trabalho, é preciso ter em men-te que as causas da depressão, mesmo indefinidas, po-dem decorrer de múltiplos fatores. Realce-se, as causas, genéticas, bioquímicas, psicológicas, entre as quais as do ambiente do trabalho, tais como: falta de planejamento, pressão por maior produtividade, jornadas de trabalho excessivas, enxugamento de pessoal, medo de demis-sões, ambientes físicos inadequados ( ruído, iluminação, intoxicações, etc.,). Tudo isso relacionando-se com orga-nismos humanos, marcadamente, desiguais. Valendo re-cordar a sempre atual observação de Fláminio Fávaro(1),

(1) Apud RIBEIRO, Pontes. Acidentes do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1960. p. 33.

quando assevera: ‘’não existir identidade absoluta de orga-nismo humano.’’

Por ser complexa e, no mais das vezes, árdua a identificação da causa primeira, cedo a legislação aci-dentária entendeu despropositado engessar o conceito de acidente do trabalho numa causa única e exclusiva decorrente de seu labor, como já averbado, em linhas gerais.

Esse momento normativo ocorreu, em 1944 pela Lei de infortunística n. 7.036/1944 que acolheu a men-cionada teoria das concausas. Art. 3º, verbis: “Consi-dera-se caracterizado o acidente do trabalho, ainda quando não seja ele a causa única e exclusiva da morte ou perda ou redução da capacidade do empregado, bastando que entre o evento e a morte ou incapacidade haja uma relação de causa e efeito.’’

De acordo com Oswaldo Opitz:(2) “Esta norma apresenta com clareza aceitação a experiência longa da aplicação da teoria do risco, na infortunística do traba-lho. Entendeu de acolher as poucas condições, próxi-mas do evento, que o determinam, dispensando uma profunda pesquisa da causa primeira ou única, que tornaria inútil, muitas vezes, o benefício legal. Apenas, exige o acidente ligado ao labor”.

De outra parte, não é sem importância lembrar, que tudo na depressão tem a marca da complexida-de humana, a começar, pela etiologia imprecisa. Seu diagnóstico emerge apenas e somente do caso clínico, a partir da análise sobre a subjetividade de cada pes-soa, onde sua feição se delineia ensejando, no caso dos trabalhadores, à luz das variáveis concausais concretas, o reconhecimento ou não, do liame causal entre a doen-ça e o trabalho, na forma do § 2º, do art. 20 da Lei n. 8.213/1991.

Não por acaso, Eric Kandel — Prêmio Nobel de Medicina 2002 — em erudita entrevista, intitulada “A psiquiatria está em crise por falta de provas científicas”, à

(2) OPITZ, Oswaldo & OPITZ, Silvia. Acidentes do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 23.

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Folha de São Paulo, de 12.11.2011, afirmou: “Não temos ‘marcadores biológicos’ à disposição. Nós psiquiatras, ainda temos que recorrer à história clínica do paciente.”

Nesse diapasão, torna-se imperioso que o perito leve em consideração a história clínica e ocupacional do trabalhador, detalhando o ambiente do trabalho e as medidas preventivas da empresa. Extrair com acuida-de, tudo que o obreiro carrega no campo emocional — sua vulnerabilidade. A matriz das preocupações, tudo isso, pode oferecer subsídios para o reconhecimento das vertentes do esfacelamento mental do trabalhador. A clarificação da exposição a riscos, químicos, físicos, bio-lógicos, mecânicos é, por igual, importante, dada a sua manifesta influência na patologia em estudo. Realce-se a Resolução n. 1.488 — art. 2º), do Conselho Federal de Medicina que, recomenda ao profissional identificar os fatores estressantes do exercício do trabalho. Dentre numerosas e importantes decisões dos nossos Tribunais acolhendo o nexo causal, destaco o elucidativo acórdão do TRT-3ª Reg. — Proc. n. 0066-2008-068-03-009-RO. (DOENÇA PSIQÚICA — ACIDENTE DO TRABALHO — CONCAUSA — DANO MORAL.)(3)

O assunto é tanto ou mais relevante, quando estudos realizados pela Escola de Saúde Pública de Harvard, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apontam que o tormentoso agravo ocupa o primeiro lugar em termos de impactos econômicos em países de renda alta e média, perdendo, apenas, para as doenças cardíacas e aids, podendo, ademais, ser a segunda cau-sa de incapacidade funcional até 2020, segundo dados da OMS. Tamanha inquietude é por igual, destacada pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva(4) quando aduz: “depressão estão aumentando, com sintomas mais graves e duração mais alargada, atingindo cada vez mais jovens. Reafirmando, a já pontuada realida-de: “No campo dos estudos sobre depressão o conhecimento é vasto, enquanto as verdades absolutas são raras”.

Em que pese os impactos econômicos, frequen-temente acentuados, a verdadeira questão é o dano pessoal, a integridade física e mental da pessoa huma-na, aniquilada pelo efeito lesivo da doença. Segundo Kline(5), “a depressão tem causado mais sofrimento humano do que qualquer outra das doenças que afetam a humanida-

(3) Optou-se por não reproduzir a EMENTA, pela justa limitação de espaço para publicação da tese.

(4) SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes depressivas: as três dimensões da doença do século. 1. ed. São Paulo: Pricipium, 2016. p. 23 e 67.

(5) Apud. AARON T, Beck; BRAND A. Alford. Depressão: causas e tratamento. Tradução de Daniel Bueno. Revisão técnica de Elisabeth Meyer. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 14.

de”. São dores difusas que deixam rastro em todas as facetas da vida humana.

Resumido o exposto passa-se a questão da repa-ração do dano. Conforme pontuei no livro — Respon-sabilidade civil da empresa — Acidentes do trabalho —, a reparação infortunística decorre da teoria do risco amparada pelo seguro social, a cargo da Previdência Social, enquanto a responsabilidade civil tem como su-pedâneo a culpa lato sensu do patrão ou do seu prepos-to. Ambas as reparações podem ser cumulativas, sem compensação, porque a responsabilidade civil autono-miza-se da reparação acidentária, pelos fundamentos distintos das duas ações. Para além destas duas formas de responsabilidades, há a responsabilidade objetiva consubstanciada na 2ª parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil vigente para as hipóteses de ris-cos potencializados pela própria natureza da atividade, (riscos atípicos ou excepcionais), que pela substância hierarquicamente diferenciada de perigo, atrelou maior rigor atinente à reparação.

Conclusões

Esta breve exposição permite concluir que, mes-mo que a depressão não conste da relação do anexo II do Decreto n. 3.048/1999, dado o carácter exemplicati-vo deste Decreto, basta a perícia médica reconhecer o nexo etiológico da eclosão ou agravamento doença com o trabalho. Uma única causa vinculada ao exercício do trabalho, concorrente com outras tantas estranhas à ati-vidade laboral, revela-se suficiente para que esta cor-rosiva doença seja indenizável como acidente laborial. Sublinhe-se que, apesar da alta complexidade que gras-sa em torno do reconhecimento ou não da depressão, como infortúnio trabalhista, face as incertezas médicas aduzidas, a jurisprudência, claro está, considerando todas as circunstâncias do caso concreto, no mais das vezes, reconhece o fecundo conceito das concausas — clássica no direito pátrio — Assim, ante a concepção de que a depressão pode incidir ou agravar na prestação do trabalho, avulta, de grande valia, o agasalhamento do presente tema no 57º Congresso de Direito do Traba-lho, promovido pela prestigiosa LTr.

Por fim, registre-se as seguintes lições sobre o nexo causal: Em 1935 dizia Araújo Castro(6), (...) “Nos ca-sos duvidosos, sim, fica-lhe reservada a faculdade de dar uma interpretação menos restricta, mais justa e mais humana, de accordo com as novas exigências sociais”.

(6) CASTRO, Araujo. Accidentes do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1935. p. 41.

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O ACIDENTE DO TRABALHO PODE GERAR DANO EXISTENCIAL?

Carla Maria Santos CarneiroAdvogada Trabalhista. Bacharel em Direito pela Universidade Federal

de Goiás, 1987. Especialização em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas,

2001. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2014. Doutoranda em Psicologia com ênfase em Psicodinâmica do Trabalho pela Pontifícia

Universidade Católica de Goiás, 2016.

1. Introdução

Almeida Neto (2012) afirma que o surgimento da figura jurídica do dano existencial danno esistenziale no Direito Italiano, ocorreu a partir das sentenças 500/99 e 7.713/2000 da Corte de Cassação Italiana (ALMEIDA NETO, 2012).

Segundo Neitsch (2012), o caso de maior reper-cussão por dano existencial na Itália foi o de Daniele Barillà que permaneceu preso injustamente durante sete anos por tráfico de drogas e fez jus ao recebimento de uma indenização no valor de 3.947.995 Euros. Dessa quantia, um milhão foi destinado à reparação do dano existencial pelo fato de ter deixado de conviver com a família e a noiva, além de não ter assistido ao funeral de seu pai (NEITSCH, 2012).

Por esse motivo, conceituou-se dano existencial como sendo aquele que causa prejuízo ao indivíduo em suas relações com terceiros. Não obstante tal fato, Neitsch (2012) afirma que foi um julgado da Corte In-teramericana de Direitos Humanos o responsável pela ampliação desse conceito. Trata-se do Caso Benavides versus Peru (Dezembro de 2001), onde Luis Alberto Cantoral Benavides, por ter sido preso de forma ile-gal e arbitrária pela Polícia Antiterrorista do Peru, deixou de cursar Biologia na universidade, razão pela qual a República do Peru foi condenada a conceder ao sujeito lesado uma bolsa de estudo custeando todo o período de graduação, configurando dessa forma, o dano existencial em face do prejuízo ao projeto de vida (NEITSCH, 2012).

Já no âmbito do Direito do Trabalho, Boucinhas Filho e Alvarenga (2013) afirmam que o dano existen-cial ocorre quando, a partir de uma conduta ilícita, o empregador impede que o empregado se relacione e conviva em sociedade “por meio de atividades recreati-vas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade” (BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA, 2013, p. 36).

E que o dano é igualmente configurável quan-do o empregado é impedido de executar e prosseguir projetos de vida que seriam responsáveis pelo seu cres-cimento e “realização profissional, social e pessoal” (BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA, 2013, p. 37).

Afirmam ainda, com muita propriedade, que o dano em questão pode ser causado por um único ato do empregador. Por exemplo, o empregador que exige o cumprimento de determinada tarefa num dia especí-fico, quando poderia ser terminada no dia seguinte e, que por causa dessa exigência, o empregado perde, por exemplo, a solenidade de formatura de um filho ou a primeira eucaristia de um de seus filhos (BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA, 2013, p. 39).

Verificar a hipótese do acidente do trabalho tam-bém poder vir a ser causa do dano existencial é o pro-pósito do presente estudo.

2. Acidentes do trabalho

Pois bem, segundo o art. 19 da Lei n. 8.213/1991, o acidente do trabalho típico é aquele que ocorre, dentre outros, pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o tra-balho (BRASIL, 1991).

Ao lado dessa conceituação e segundo o art. 20 da Lei n. 8.213/1991, também a doença profissional assim considerada como aquela que é produzida ou desenca-deada pelo exercício do trabalho e a doença do trabalho assim compreendida como aquela que é adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que o trabalho é realizado, podem ser consideradas aci-dente do trabalho (BRASIL, 1991).

O art. 21 da referida lei, por sua vez, enumera uma série de incidentes e acidentes que podem ser equipa-rados ao acidente do trabalho, dentre eles o acidente ocorrido em consequência de ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho (art. 21, II, b, da Lei n. 8.213/1991) e o ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho (art. 21, II, c da Lei n. 8.213/1991).

3. Caso concreto

Assim e para que se possa melhor analisar a pos-sibilidade do acidente do trabalho gerar o dano existen-cial, faz-se necessário trazer a lume um caso concreto. Trata-se de uma Técnica de Segurança do Trabalho que

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já atuava numa indústria de embalagens com 300 (tre-zentos) empregados há mais de três anos.

Até então, a ordem e disciplina eram rigorosa-mente observadas. As instruções dadas à referida pro-fissional era que deveria atuar em todas as situações quando o empregado, por indisciplina, negligência ou imprudência não estivesse usando equipamento indivi-dual de segurança. Portanto, quando se deparasse com tal situação, deveria convidar o empregado a fazer uso do equipamento negligenciado e, na hipótese de recu-sa, estaria automaticamente autorizada a advertir e até suspender o empregado negligente.

Dessa forma, tendo sido avisada por seu estagiá-rio que um chefe de setor estava trabalhando sem o uso do equipamento de segurança, foi ao encontro do mesmo e solicitou que fizesse uso do mesmo e não foi atendida, razão pela qual calou-se e estava voltando se-renamente para sua sala de trabalho, quando teve o seu braço fortemente puxado por trás, foi violentamente ba-lançada e questionada aos gritos na frente de todos os demais empregados: “Você não vai falar comigo, não?”

A agressão física e moral gerou forte abalo emo-cional na profissional que, não obstante o fato ocorrido e testemunhado, esperava encontrar em seus superiores, sócios proprietários da empresa, a confirmação pela cor-reta condução de suas atitudes meramente profissionais e a punição devida ao empregado faltoso e violento.

Ocorre que os mesmos recusaram-se a puni-lo, aplicaram uma suspensão fraudulenta, posto que ape-sar de ter havido um comunicado escrito o agressor continuou a trabalhar, hostilizaram a Técnica de Segu-rança do Trabalho por ter feito um Boletim de Ocorrên-cia e, ao cabo de alguns meses, demitiram-na sem justa causa, apesar de terem conhecimento de que a mesma encontrava-se em tratamento psiquiátrico em face da violenta agressão sofrida.

Observa-se no caso concreto, que para a referida profissional, a violência sofrida teve um alcance excep-cional. É que, para confirmar-se como única Técnica de Segurança (mulher) numa empresa com mais de 300 empregados e ser respeitada como tal, a profissional precisou conquistar a confiança, obediência e respeito de todos os empregados e contar com o valioso e inesti-mável apoio de seus superiores.

Assim, num único minuto e pelo ato de irraciona-lidade, machismo, violência e ira daquele Chefe de Se-tor, cuja obrigação era não só usar o equipamento de se-gurança, mas principalmente dar exemplo aos demais, aquela profissional viu desabar os dois maiores pilares que a sustentavam naquela função, o respeito diante dos colegas e a confirmação dos empregadores. Isso foi

suficiente para que sofresse uma forte crise emocional, seguida de períodos depressivos, os quais somente fo-ram contornados a partir do uso de medicação contro-lada e afastamento do trabalho, com posterior rescisão contratual.

O trauma foi tão significativo que atingiu a refe-rida Técnica em todas as esferas de sua vida: profissio-nal (nunca mais conseguirá trabalhar novamente nessa profissão); pessoal/familiar (sofre com uma separação de fato) e econômico (haja vista o estado de penúria em momento de grave crise econômica nacional).

Nesse sentido, é importante registrar que a ação reclamatória trabalhista interposta encontra-se em fase de instrução, sendo que a perícia de saúde mental constatou que a profissional é vítima de transtorno de ajustamento o qual guarda nexo ocupacional e que os revezes traumáticos são causa do adoecimento havido, conforme documento juntado aos autos do processo de número 0012036-11.2015.5.18.0006 em 23.09.2016 19:40:00 e assinado por Melissa Ribeiro Nunes Duarte.

4. Conclusão

Por tudo isso, vê-se que o acidente do trabalho pode gerar o dano existencial, o qual no caso concreto é constatado em duas vertentes, notadamente, dano à relação com terceiros (prejuízo ao convívio social e fa-miliar), bem como ao projeto de vida (desconstituição da família em face da separação de fato e mudança de profissão em face do trauma).

5. Referências bibliográficas

ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano Existencial. A Tutela da Dignidade da Pessoa Humana. Revis-ta dos Tribunais. São Paulo, v. 6, n. 24, out./dez, 2005.

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanoteli de. O dano existencial e o direito do trabalho. São Paulo: Lex Magister, 22012.012.

BRASIL. Ministério do Trabalho. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de Benefí-cios da Previdência Social e dá outras providên-cias. Brasília, 1991. Disponível em: <www.planal-to.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 17 fev. 2017.

NEITSCH, Joana. Dano Existencial tenta reparar tem-po perdido. Gazeta do Povo, Curitiba, 2012. Dis-ponível em: <www.gazetadopovo.com.br/.../dano-existencial-tenta-reparar-tempo-perdido--1xwnb1 2012>.

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ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO DAS BANCÁRIAS: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA SOFRIDA

PELAS MULHERES E AS DOENÇAS OCUPACIONAIS RELACIONADAS AO ESTRESSE

Fernanda Clemente Antunes MadureiraAluna do 4º ano de Direito da Fundação de Marília

“Eurípedes de Marília” — UNIVEM.

Na sociedade atual, a enorme relevância e in-fluência que as instituições financeiras possuem são facilmente notadas, já que as mesmas são as responsá-veis pelo financiamento da economia, com sua atuação na concessão de crédito impactando diretamente na política econômica do Estado e nos resultados por ela obtidos.

É nesse contexto de economia globalizada em que lucro e resultados econômicos satisfatórios são sempre uma meta a ser alcançada a qualquer custo, que se de-senvolve o trabalho dos bancários brasileiros.

A partir da década de 1990, com a ascensão dos ideais liberalistas e do capitalismo, houve a promoção do enfraquecimento dos bancos públicos através do congelamento de salários de seus funcionários e priva-tizações, com a consequente abertura do caminho para o surgimento de grandes conglomerados econômicos e para a entrada do capital estrangeiro.

Desde então, vem ocorrendo uma transformação radical nas condições de trabalho da categoria bancária, marcada, principalmente, pelo grande avanço tecnológico que se traduz em grave ameaça a manutenção dos em-pregos e pelo surgimento da figura do bancário vendedor.

Em decorrência dessas mudanças, todos esses anos, os bancos têm obtido como resultado lucros exor-bitantes. Já em relação aos bancários, o que se observa é o cada vez mais elevado sentimento de desvalorização profissional e a incidência do assédio moral, do qual de-corre uma série de doenças ocupacionais, em sua maio-ria os transtornos psicológicos associados ao estresse, merecendo destaque a chamada Síndrome de Burnout ou do Esgotamento Profissional.

O Brasil ainda não possui uma legislação especí-fica a respeito desse tema, porém, é possível constatar que tem sido cada vez mais frequente a chegada dos casos de assédio moral, nas suas mais variadas formas, às portas da Justiça do Trabalho.

Diante deste contexto e para compreendermos me-lhor esse fenômeno de espantosa incidência, devemos primeiro, buscar a definição de assédio moral, tanto para a área jurídica como para a psiquiatria e psicologia.

Para o doutrinador Sebastião Geraldo de Olivei-ra(1), “considera-se, portanto, assédio moral o compor-

(1) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2001. p. 235.

tamento do empregador, seus prepostos ou colegas de trabalho, que exponha o empregado a reiteradas situações constrangedoras, humilhantes ou abusivas, fora dos limites normais do poder diretivo, causando degradação do ambiente laboral, aviltamento à digni-dade da pessoa humana ou adoecimento de natureza ocupacional”.

Já para o Professor e Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado(2), o assédio moral “consiste na exa-cerbação desarrazoada e desproporcional do poder diretivo, fiscalizatório ou disciplinar pelo empregador de modo a produzir injusta e intensa pressão sobre o empregado, ferindo-lhe o respeito e a dignidade.”

Por outro lado, temos a definição elaborada pela psiquiatra e vitimóloga francesa Marie-France Hirigo-yen(3), considerada a grande divulgadora do assédio mo-ral no mundo a partir de 1998, para quem o assédio moral no trabalho caracteriza-se por “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignida-de ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.”

Segundo dados disponíveis no site da ISMA Brasil (International Stress Management Association), cerca de 30% dos profissionais brasileiros sofrem de es-tresse como consequência de um cenário de constantes cobranças e alta competitividade.

Nesse contexto, destaca-se a chamada Síndrome de Burnout, assim batizada na década de 1970, a par-tir dos estudos do psiquiatra nova-iorquino Herbert Freudenberg e definida como uma doença ocupacional que se não for tratada, pode levar o portador a desen-volver várias doenças e, num estágio mais avançado, até mesmo a cometer suicídio. Acomete principalmente os profissionais que exercem seu trabalho sob constan-te estresse, tal como ocorre com as bancárias objeto do presente estudo. O termo burnout, que traduzido do inglês significa “queimar até a exaustão”, traduz perfei-tamente as consequências da síndrome na vida de seus portadores.

(2) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1156.

(3) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 17.

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Os principais sintomas da Síndrome de Burnout podem ser, então, resumidos em: depressão, esgo-tamento físico, cansaço mental intenso, isolamento, alterações evidentes de comportamento, despersona-lização, vazio interior, desesperança, dores de cabeça frequentes, tonturas, tremores, falta de ar, oscilações de humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e problemas digestivos, acompanhados por um senti-mento de inutilidade e inadequação com a realidade, de incompetência e de fracasso.

Os reflexos da Síndrome na vida profissional, fa-miliar, social e afetiva da pessoa caracterizam-se pelo empobrecimento dos vínculos e, principalmente pela ideia de incapacidade generalizada. Tais reflexos de-pendem diretamente da constituição biológica e cul-tural do indivíduo que, quando favoráveis, fazem com que o mesmo resista mais tempo aos efeitos do ambien-te e vice-versa.

Após essa breve análise e definição do tema, é possível verificar a importância central dos estudos aqui propostos, no que tange a sua relevância para que seja possível conhecer de forma mais aprofundada, a rotina de trabalho das bancárias e o impacto das polí-ticas de cobrança de resultados e alcance de metas em suas vidas, nos aspectos profissional e pessoal.

A existência desse estudo sobre o assunto confi-gura-se, portanto, como uma tentativa de entendimento do problema e de suas consequências nefastas à saúde das bancárias, principalmente as relacionadas às doen-ças ocupacionais ocasionadas pelo estresse aqui expla-nadas, como a depressão e a Síndrome de Burnout, que têm sua incidência aumentada de forma significativa a cada ano.

Ademais, os resultados dessa pesquisa poderão contribuir para que as instituições financeiras e as tra-

balhadoras revejam seus conceitos sobre como alcançar o cumprimento de metas com respeito a um objetivo maior, que deve ser a promoção da saúde física e mental das bancárias o que, trará como consequência natural, os lucros, que são fundamentais para a sobrevivência dessas instituições, para a manutenção de milhares de empregos e para a economia nacional, levando sempre em consideração os preceitos constitucionais de prote-ção à saúde e à dignidade do trabalhador em todos os aspectos de sua vida.

Vale destacar também os custos gerados pela in-cidência dessas doenças ocupacionais para os empre-gadores e para a sociedade, seja com as despesas do tratamento médico e psicológico, seja com a baixa de produtividade e com o suicídio.

Portanto, após a análise de todos esses aspectos, pode-se concluir que a discussão sobre as doenças ocu-pacionais psicológicas é de extrema importância não só para o Direito do Trabalho, mas também para a própria vida em sociedade, já que as mesmas produzem refle-xos em todos os campos da existência do trabalhador, deixando-o vulnerável e causando não só o seu adoe-cimento, mas, também o seu sofrimento pessoal e o de seus familiares, caracterizando-se como uma verdadei-ra questão de saúde pública no Brasil.

Chega-se, então, à conclusão de que não basta apenas oferecer tratamento adequado às bancárias aco-metidas por essas doenças, mas também se faz neces-sária a concretização de medidas para cessar a prática de comportamentos nocivos causadores de estresse, devendo tanto o Estado como as instituições financei-ras, atuarem de forma efetiva na prevenção das doenças ocupacionais relacionadas à violência psicológica, pro-porcionando assim, o equilíbrio necessário à realização do trabalho das bancárias e ao seu pleno convívio em sociedade.

DANO EXISTENCIAL E O ACIDENTE DE TRABALHO

Carlos Eduardo Monti JuniorAcadêmico do 4º ano da Faculdade de Direito

de Sorocaba — FADI.

1. Notas introdutórias

Nas relações laborais, poucas questões conse-guem agregar esforços em torno da busca de um re-sultado comum tal qual o acidente de trabalho é capaz. Trabalhadores e Empregadores, Sindicatos e Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, enfim, todos os entes e instituições, mesmo com as suas peculiaridades e modo próprio de operar o Direito do Trabalho, parecem convergir no intento de

eliminar as ocorrências de sinistros relacionados ao tra-balho. Até mesmo os maus empregadores (entendidos aqui como os que não possuem consciência da função social da empresa e do trabalho), talvez com o argu-mento pouco louvável de evitar gastos com as repara-ções advindas do evento danoso, não almejam ocorrência de acidentes do trabalho.

Tal união de interesses em relações essencialmen-te conflitantes, como são as relações de trabalho, não se dá por acaso. Funda-se na capacidade danosa que o

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acidente de trabalho apresenta, haja vista que todos os atores referidos alhures são atingidos, direta ou indire-tamente.

No aspecto do trabalhador, os danos são múl-tiplos. Danos materiais — compreendidos em dano emergente e lucro cessante; danos imateriais — danos morais, danos estéticos e danos existenciais.

Essa última modalidade — danos existenciais — é de aplicação recente na Justiça do Trabalho, razão pela qual este artigo se desenrolará no sentido de responder ao seguinte questionamento: “O acidente do trabalho pode gerar dano existencial?”

2. O dano existencial

Na doutrina de Flaviana Rampazzo Soares(1), a definição de dano existencial é a seguinte:

“O dano existencial é a lesão ao complexo de rela-ções que auxiliam no desenvolvimento normal da per-sonalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou par-cial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidia-no e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina.”

Compreende-se, assim, que as marcas fundamen-tais da referida espécie de dano imaterial é a alteração substancial nas atividades costumeiras da vítima. A existência do indivíduo, nas coisas mais simples e quo-tidianas, é consideravelmente afetada de modo tal a di-minuir a sua qualidade de vida(2).

A doutrina elenca dois elementos específicos do dano existencial, além da tríade habitual da responsabi-lidade civil — ato ilícito, dano e nexo causal: (a) o proje-to de vida; e (b) a vida de relações(3).

Acerca do projeto de vida, Jorge Cavalcanti Bou-cinhas Filho e Rúbia Zanotelli Alvarenga(4) dizem que:

“(...) o direito ao projeto de vida somente é efetiva-mente exercido quando o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, direcionando sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto es-paço-temporal em que se insere, às metas, aos objetivos e às ideias que dão sentido à sua existência.”(5)

(1) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44.

(2) Nesse sentido: O Proyecto de Código Civil (LGL\2002\400) y Comercial argentino, Dec. n. 191/2011, em seu art. 1738, ao tratar da indenização, prevê consequências na violação dos direitos personalíssimos da vítima, de sua integridade pessoal, de sua saúde psicofísica, de suas afeições espirituais legítimas e naquelas que resultam da interferência em seu projeto de vida.

(3) FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista Ciência Jurídica. Belo Horizonte, v. 24, 2010, p. 275.

(4) BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Disponível em: <http://www.lex.com.br/doutrina_24160224_O_DANO_EXISTENCIAL_E_O_DIREITO_DO_TRABALHO.aspx>. Acesso em: 26 abr. 2017 às 16:45.

(5) FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista Ciência Jurídica. Belo Horizonte, v. 24, 2010, p. 276.

No que concerne ao dano à vida de relações, Ama-ro Alves de Almeida Neto, citado por Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli Alvarenga(6), diz:

“(...) indica a ofensa física ou psíquica a uma pes-soa que determina uma dificuldade ou mesmo a impos-sibilidade do seu relacionamento com terceiros, o que causa uma alteração indireta na sua capacidade de ob-ter rendimentos.”(7)

Diante da breve apresentação do dano existen-cial, analisar-se-á a sua aplicação no âmbito da Justiça do Trabalho.

3. A aplicação do dano existencial na Justiça do Trabalho

Os tribunais trabalhistas estão, de modo tímido ainda, reconhecendo a figura do dano existencial nas relações de trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, em decisão relatada pelo De-sembargador Federal do Trabalho José Felipe Ledur, estabeleceu o pagamento de indenização à trabalha-dora que fora vítima de dano existencial, por ter traba-lhado sobre jornada excedente ao limite de tolerância, veja-se:

Dano Existencial. Jornada Extra Excedente do Limite Legal de Tolerância. Direitos Fundamentais. O dano exis-tencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas pra-ticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direi-tos fundamentais do trabalho que integram decisão ju-rídico-objetiva adotada pela Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, nele integrado o direito ao desenvolvimen-to profissional, o que exige condições dignas de traba-lho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido.(8)

O Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo RR 523-56.2012.5.04.0292, absolveu a RBS — Zero Hora Editora Jornalística S.A. da condenação ao pagamento de indenização por dano existencial a um entregador de jornal que trabalhava em sobrejornada, com o argumento de que o obreiro não demonstrou efi-cazmente o dano existencial, no sentido de que seu pro-jeto de vida foi prejudicado pela obrigação de trabalhar em jornada excessiva.

(6) BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Disponível em: <http://www.lex.com.br/doutrina_24160224_O_DANO_EXISTENCIAL_E_O_DIREITO_DO_TRABALHO.aspx>. Acesso em: 26 abr. 2017 às 16:45.

(7) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, n. 24, out./dez., 2005. p. 52.

(8) Rio Grande do Sul, TRT, RO 105-14.2011.5.04.0241. Relator Des. José Felipe Ledur, 1ª Turma, Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Porto Alegre, 3 jun. 2011.

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Em ambos os casos trazidos, a discussão referente ao dano existencial se baseou no excesso da jornada de trabalho. Salienta-se que não há, até o momento, notí-cia de aplicação de condenação ao pagamento de dano existencial decorrentes de acidente de trabalho.

4. Distinções entre dano moral e dano existencial

É de suma importância discernir o conceito do dano moral e do dano existencial, a fim de não recair na possibilidade de misturar e confundir o alcance das referidas modalidades de danos imateriais.

Em comum, eles têm a característica de serem, como já referido, danos imateriais. Ou seja, danos que não atingem a seara patrimonial/material, mas ferem a dimensão extrapatrimonial, consistente nos direitos da personalidade — a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, dentre outros(9).

Diferem, no entanto, acerca do objeto específico. Dano moral afeta, basicamente, a personalidade do in-dividuo, seu bem-estar e seu íntimo. Dano existencial influi no projeto de vida e nas relações interpessoais, como já declinado alhures. Esse último se reveste de maior objetividade se comparado com aquele.

Como se referem a objetos diferentes, tais espécies de danos devem ser consideradas de modo autônomo. Autonomia essa necessária no momento da quantifica-ção dos danos, para que não se recaia em dupla punição decorrente de um mesmo dano — tal hipótese caracteri-zaria, mutatis mutandis, bis in idem dos danos imateriais.

5. Acidente de trabalho como fator gerador do dano existencial

Conforme dispõe o art. 19 da Lei n. 8.213/1991, “acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do tra-balho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o tra-balho”.

Quando o sinistro laboral causar modificações relevantes no projeto de vida do trabalhador, impedin-do-o de prosseguir na profissão que sempre exerceu, obstando-o de cultivar os mesmos hábitos e hobbies, é cabível a reparação do dano existencial. Como exem-plos, um cozinheiro que no acidente de trabalho vem a perder os movimentos das mãos, um trabalhador que nas horas vagas praticava atividades esportivas e no acidente de trabalho tem de amputar algum membro que o impeça de praticar as mesmas atividades, dentre outras situações.

(9) Cf. Art. 5, inciso X, da Constituição Federal de 1988.

Da mesma forma, quando o fatídico vier a influir consideravelmente nas relações pessoais do trabalha-dor, prejudicando a convivência familiar e os demais vínculos interpessoais, é certo que a pretensão pela reparação dos danos existenciais é admissível. Como exemplos, um pai que perde a visão em decorrência do acidente de trabalho e é impedido de ver a for-matura de faculdade de sua filha, a mulher que fica paraplégica por conta do acidente do trabalho e tem o exercício da maternidade prejudicado, dentre outros casos.

Os exemplos formulados acima são graves e trá-gicos, mas foram utilizados com a intenção de melhor demonstrar o preenchimento dos requisitos próprios da modalidade de dano em estudo. Deverá também existir provas concretas da existência do dano.

Se não ocorrer prejuízos efetivos sobre o projeto de vida e sobre a vida de relações, não há que se fa-lar em reparação dos danos existenciais. Considerar a mera possibilidade futura de lesão como fator hábil a ensejar a reparação pela referida modalidade de dano imaterial, seria transformar o dano existencial em repa-ração pela perda de uma chance na seara extrapatrimo-nial — deturpando-o, portanto.

Casuisticamente, o julgador deverá analisar a extensão e a gravidade do dano. Deverá também cui-dar de distinguir o dano existencial do dano moral, e quantificar ambos, se existentes, de modo razoável e proporcional.

A distinção entre o dano moral e o existencial deve acarretar impactos não só no plano teórico, mas também no plano prático, em especial nas condenações judiciais. Isso pela razão de muitas vezes o dano moral abarcar o dano existencial no exame da extensão dos danos. Com o advento da aplicação dos danos existen-ciais, a ponderação deverá ser exercida com maior pre-cisão nas decisões judiciais.

6. Conclusão

Demonstrou-se a possibilidade de aplicação dos danos existenciais decorrentes do acidente de trabalho, desde que preenchidos os requisitos próprios da referi-da modalidade de dano imaterial — projeto de vida e vida de relações. Destacou-se, também, a importância de distinguir o dano existencial como uma modalida-de independente das outras, inclusive no momento da quantificação dos danos, a fim de que a aplicação do dano existencial na Justiça do Trabalho não seja banali-zada e transformada em simples meio para a obtenção de ganhos sem justa razão, mas, que seja sim a aplica-ção coerente, razoável e proporcional da justiça, favo-recendo a reparação integral nos casos de acidente de trabalho.

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QUANDO A DEPRESSÃO PODE CARACTERIZAR ACIDENTE DE TRABALHO

Neuritânia de Souza KobayashiAcadêmica do 4º ano de Direito no Centro Universitário

Eurípedes de Marília — UNIVEM.

O presente estudo tem como objetivo, a concei-tuação de acidente de trabalho e de depressão, bem como, quando a depressão pode ser caracterizada como acidente de trabalho, e, sendo caracterizada, qual a res-ponsabilidade jurídica acarretada.

A palavra “depressão” vem do latim depressio, de deprimere que significa: “abatido”, “aterrado”.

Para a medicina e a psicologia, a depressão é uma síndrome ou um conjunto de sintomas que afetam prin-cipalmente a área afetiva/emocional de uma pessoa. Isto posto, a tristeza patológica, o estado de fraqueza, a irritabilidade e as alterações de humor podem causar uma diminuição no rendimento profissional ou uma limitação na respectiva vida social. Seus sintomas se manifestam de muitas formas, seja de humor, quando a pessoa se apresenta triste, seja sintomas motores onde esta fica mais curvada, pode também aparecer sintomas fisiológicos como a insônia ou o excesso de sono, dentre tantos outros sintomas.

Popularmente a depressão é conhecida como um distúrbio mental que geralmente, na sua fase inicial, mais leve, vem acompanhada de sintomas como triste-za, mau humor, baixa autoestima etc., mas que em sua fase grave, não havendo seu devido tratamento pode levar a pessoa à morte, seja pelo suicídio, ou por dei-xar de cuidar de si, quando acometido por uma outra doença.

Apesar de a depressão já existir há muito tempo ou quem sabe sempre tenha existido, ela só foi caracte-rizada como doença em 1995, um transtorno afetivo ou de humor.

O início da depressão pode estar ligado a fatores genéticos, psicológicos e ambientais ou pela combi-nação destes fatores. Doutrinariamente, a depressão é classificada como endógena, ou seja, que surge de fa-tores internos, como por exemplo baixo nível de neu-rotransmissores, ou exógena, esta é derivada de fatores externos como exposição a conflitos, estresse, dentre outros. Portanto, geralmente, a que caracteriza acidente de trabalho é a exógena.

Para a Organização Mundial da Saúde, a depres-são é uma das principais causas de incapacidade no mundo, sendo que o suicídio associado à depressão faz cerca de 850.000 vítimas anualmente.

Conforme dispõe o art. 19 da Lei n. 8.213/1991, “acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do tra-

balho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o tra-balho”.

Na doutrina, são muitos os conceitos de acidente de trabalho. Martins, Sérgio Pinto (2002, p. 422), concei-tua acidente do trabalho como:

“A contingência que ocorre pelo exercício de tra-balho a serviço do empregador ou pelo exercício de trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Ao lado da conceituação acima, de acidente de trabalho típico, por expressa determinação legal, as doenças profissionais e/ou ocupacionais equiparam-se a acidentes de trabalho, conforme disposição contida nos incisos do art. 20 da Lei n. 8.213/1991.

No tocante à caracterização da depressão como acidente de trabalho, antes de fazer qualquer menção à tal caracterização, se faz necessária a invocação da res-ponsabilidade civil objetiva, e afunilando ainda mais, a responsabilidade objetiva do empregador.

O Código Civil de 2002 trata a responsabilidade objetiva da seguinte forma:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão vo-luntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Pois bem, em se tratando de depressão que teve origem no ambiente de trabalho, enquadra no artigo supramencionado, portanto o dano deve ser reparado, assim sendo, não há motivo para enquadrá-la, equipa-rá-la ao acidente de trabalho.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos espe-cificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua na-tureza, risco para os direitos de outrem”.

O parágrafo único deste artigo não deixa dúvidas, quanto à responsabilidade do empregador. De acordo com a Teoria do risco, aquele que tira proveito da ati-

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vidade que desenvolve, também é responsável objeti-vamente, se em razão desta atividade alguém venha sofrer algum dano. Desta forma não há motivos para o não enquadramento da depressão, que teve origem no ambiente de trabalho, como acidente de trabalho, já que há danos sofridos pela vítima.

Desta forma, se o empregado adquiriu uma doen-ça no ambiente de trabalho, neste caso a depressão, de-vido o empregador não proporcionar um ambiente de trabalho saudável, adotando todas as medidas necessá-rias para tal, este deve ser responsabilizado.

Tupinambá do Nascimento, afirma que:

“Nas doenças profissionais a relação com o tra-balho é presumida juris et de jure, inadmitindo prova em sentido contrário. Basta comprovar a prestação do serviço na atividade e o acometimento da doença pro-fissional”.

Desta forma, havendo a prestação de serviço e a existência da doença já se comprova o nexo de causa-lidade. Ainda que a depressão não esteja elencada no rol de doenças ocupacionais elaborado pelo Ministé-rio do Trabalho e pela Previdência Social (Decreto n. 3.048/1999), o art. 20, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, não deixa dúvidas que o referido rol é meramente exempli-ficativo e, em casos excepcionais, a doença não incluída

nessa relação pode ser considerada como acidente do trabalho. Por se tratar de caso excepcional, é necessá-rio que a prova dos autos, mormente a pericial, reforce a existência do nexo causal/concausal entre a doença apresentada pela Reclamante e o seu trabalho na Re-clamada.

Portanto, não há como negar tal caracterização, uma vez que há diversos julgados neste sentido, onde houve o enquadramento da depressão, como acidente de trabalho, assim como a responsabilização das em-presas reclamadas.

Neste contexto a depressão está sendo caracteri-zada como acidente de trabalho, no âmbito da respon-sabilidade, todas as consequências do acidente de tra-balho típico devem ter os mesmos efeitos em caso de depressão.

Desta forma, pode se concluir que a depressão, ficando provado que teve origem no ambiente de tra-balho, seja por traumas físicos ou psicológicos, por um ambiente de trabalho que não proporciona a saú-de física e mental de seu funcionário, é sim caracteri-zada um acidente de trabalho atípico, fazendo jus a vítima, de todas as indenizações típicas de acidente de trabalho.

IMPACTOS DO ESTRESSE NO AMBIENTE DE TRABALHO BRASILEIRO

Adriano Jannuzzi MoreiraGraduado em Direito pela UFMG. Mestre em Direito Empresarial pela

Faculdade de Direito Milton campos. MBA em Gestão de Nagócios pela FEAD/MG.

1. Introdução

Nove em cada dez brasileiros no mercado de trabalho apresentam sintomas de ansiedade, do grau mais leve ao incapacitante. Metade (47%) sofre de al-gum nível de depressão, recorrente em 14% dos casos. Os dados são da última pesquisa da Isma-BR, repre-sentante local da International Stress Management As-sociation, organização sem fins lucrativos dedicada ao tema(1).

Os transtornos mentais e emocionais são a segun-da causa de afastamento do serviço. Nos últimos dez anos, a concessão de auxílio-doença acidentário devido

(1) Disponível em: <http://ismabr.blogspot.com.br/2014/06/stress-no-ambiente-de-trabalho.html>.

a tais males aumentou em quase em 20 vezes, segundo o Ministério da Previdência Social(2).

A Organização Mundial da Saúde alerta(3) que uma em cada quatro pessoas sofrerá com um transtor-no da mente ao longo da vida.

Torna-se imperioso avaliar os riscos existentes em todas e em cada uma das situações do trabalho. Nisto deve estar incluso a avaliação dos riscos de caráter psi-cossocial.

(2) Disponível em: <http://www.mtps.gov.br/dados-abertos/dados-da-previdencia/estatistica-saude-e-seguranca-do-trabalhador/estatistica-beneficios-previdenciarios>.

(3) Disponível em: <http://www.paho.org/bra/index.php?option= com_content&id=5087>.

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2. Dados da Previdência Social

O relatório anual da Previdência Social do ano de 2016(4) aponta que entre os meses de janeiro a março

(4) Disponível em: <http://www.mtps.gov.br/dados-abertos/dados-da-previdencia/estatistica-saude-e-seguranca-do-trabalhador/

foram contabilizados mais de 1500 afastamentos pelos problemas indicados pelos CID-10, F40 a F48, como pode se ver abaixo:

estatistica-beneficios-previdenciarios/item/download/6544_590e9f5ae21bf09274b0c4c9b8c79709>.

Figura 1: Auxílios-doença concedidos no 1º Trimestre 2016

Em relação aos benefícios pagos, isto significa um aumento de mais de 46% somente no primeiro trimestre deste ano em comparação com o ano anterior:

Figura 2: Auxílios-Doença pagos no 1º Trimestre de 2016

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Apesar das lesões somarem a maior quantidade de benefícios concedidos e pagos, o crescimento de tan-tos afastamentos apenas em três meses se mostra dema-siadamente preocupante.

O ISMA em 2012 já havia constatado que o Brasil era o segundo país com maior nível de stress no mun-do(5). Desde então o assunto tornou-se foco de discus-sões no país e iniciando o diálogo para a devida pre-venção.

3. Riscos psicossociais

Exemplos de riscos psicossociais no que diz res-peito ao conteúdo do trabalho seriam o desenho das tarefas (trabalho mal definido, alto grau de incerteza no trabalho, trabalho fragmentado ou sem significado, desperdício de talentos/habilidades, exposição contí-nua a clientes ou a grupos de consumidores), a carga de trabalho ou o ritmo de trabalho em termos quanti-tativos (pouco trabalho ou carga de trabalho excessiva, intenso ritmo/pressão e falta de controle sobre o ritmo de trabalho) e, ainda, o cronograma de trabalho (mu-danças de turno, escala de trabalho inflexível, horários de trabalho imprevisíveis, horário de trabalho muito extenso, horário de trabalho antissocial, como é o caso de pessoas que trabalham durante a madrugada).

A expressão “Síndrome Loco-Neurótica” está sendo proposta, então, para designar um conjunto de sintomas, atitudes e reações identificadas de forma di-fusa, mas restritas a determinado espaço físico e social, comuns aos sujeitos do coletivo (que não as apresentam em outros espaços sociais), cujas manifestações se asse-melham às formas neuróticas de reagir às situações e aos problemas do cotidiano.

O direito à saúde e segurança compreende as condições básicas necessárias à existência digna do obreiro, com especial respeito à sua integridade física e psíquica, por meio de um ambiente de trabalho que lhe garanta um “patamar civilizatório mínimo”, como define o mestre do Direito Trabalhista Brasileiro, Mau-rício Delgado(6).

Neste sentido o art. 196 da CR/88, que considera a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Para garantir este patamar mínimo existencial ao trabalhador devem existir, e ter prioridade, no âmbito empresarial, medidas que assegurem e conscientizem da necessidade de redução dos riscos no ambiente de trabalho, que exponham ou comprometam a saúde físi-ca e mental do obreiro.

(5) Disponível em: <http://noticias.r7.com/saude/brasil-e-segundo-pais-com-maior-nivel-de-estresse-do-mundo-mostra-pesquisa-04102012>.

(6) DELGADO, 2008.

4. Conclusão

O emprego, regulado e protegido por normas ju-rídicas, desponta, desse modo, como o principal veícu-lo de inserção do trabalhador na arena socioeconômica capitalista, visando a propiciar-lhe um patamar consis-tente de afirmação individual, familiar, social, econômi-ca e, até mesmo, ética(7).

O princípio do valor social do trabalho efetiva-se na medida em que este propicia melhores condições de vida ao obreiro e esta ideia vai ao encontro da neces-sidade de se prevenir acidentes do trabalho e doenças ocupacionais.

Neste contexto, percebe-se que a prevenção da in-fortunística laboral é uma das formas de conferir efeti-vidade aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho constitucionalmente ga-rantidos.

Os direitos sociais têm como objeto a proteção do indivíduo, atribuindo-lhe o poder de exigir do Estado o cumprimento de prestações positivas. O Estado Social tem o dever de agir para promover o efetivo acesso do homem a direitos como educação, saúde, previdência, trabalho e lazer, que se realizam por meio de programas de ação do governo.

Para englobar todo este posicionamento, é possí-vel perceber que o respeito à dignidade dos trabalhado-res passa não apenas pela reparação, mas também pela prevenção da violação de direitos trabalhistas relativos à saúde e ao meio ambiente de trabalho saudável.

Assim, sobreleva-se a importância de um meio ambiente de trabalho digno, de modo a efetivar os di-reitos fundamentais garantidos constitucionalmente ao empregado, na perspectiva da indivisibilidade destes, bem como evitar que o empregador se responsabilize civilmente por ações e omissões evitáveis, que ensejam na desproteção do trabalhador.

Com o desenvolvimento da comunicação e a perseverança em manter o meio ambiente de trabalho saudável com os níveis de stress indicados para o de-senvolvimento sadio das atividades é possível alterar o paradigma brasileiro e rumar para o exemplo em recu-peração de meio ambiente de trabalho para o desenvol-vimento regular das atividades.

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ENRIQUEZ, Eugène; CASTILHO, Pedro Teixeira. Acerca da psicologia social, da análise institucional, da psicos-sociologia e da esquizoanálise. Psicol. rev. (Belo Hori-

(7) DELGADO, 2004. p. 36.

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MAEDA, Fabíola Mioto. Prestação de Serviço por Meio de Pessoa Jurídica: dignidade e fraude nas relações de trabalho. Disponível em: <www.teses.usp.br/te-ses/disponiveis/2/2138/.../Dissertacao_Fabio-la_Miotto_Maeda.pdf>. 2013.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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4º PAINEL

A JUSTIÇA DO TRABALHO PODE CONTRIBUIR PARA A PROTEÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO?

Vinícius de CamargoGraduando do 5º ano em Direito pela UNIVEM.

A Justiça do Trabalho sempre foi vista como um exemplo de promover a justiça, tanto para as partes envolvidas quanto para a sociedade. É a partir desse raciocínio que é possível visualizar:

“A Justiça do Trabalho, porém, tem peculiaridades que não devem ser esquecidas no texto constitucional, precisamente por serem peculiaridades. Praticamente ela ficará ineficiente e se tornaria inoperante para julgar os dissídios coletivos se não se lhe desse a competência normativa. E esta a lei ordinária não poderá dar, assim o entendo, se antes não o houver feito de modo expres-so a Constituição que estamos elaborando”. (MORAES FILHO, 1989, p. 184).

Evaristo de Moraes Filho, abordando a presente questão, defende que a Justiça do Trabalho seria inefi-ciente se a Constituição Federal não concedesse a compe-tência para julgar dissídios coletivos, não seria possível as decisões serem estendidas para uma mesma categoria profissional, e também, para beneficiar toda a sociedade.

É possível visualizar a Justiça do Trabalho como forma de contribuir para a proteção da mulher no mer-cado de trabalho. Logo, é necessário citar Ives Gandra da Silva Martins Filho, no que tange a Justiça do Trabalho:

“Nos dias atuais, a Justiça do Trabalho tem sido chamada a resolver problemas que ultrapassem os mo-delos tradicionais, uma vez que a realidade social se transformou profundamente neste final de século e de milênio, mormente em decorrência da chamada globa-lização da economia.” (FILHO, 1998, p. 216).

A Justiça do Trabalho foi chamada há muito tem-po para resolver diversos conflitos da esfera trabalhista, sendo assim, é importante trazer os órgãos que a com-põem, e buscar promover a proteção da mulher dentro do mercado de trabalho, uma vez que a cada novo dia, mais pessoas ficam desempregadas, e no caso da mulher, acaba infelizmente aceitando trabalhar na mesma função dos homens, no mesmo cargo, porém, com remuneração menor que a dos homens, como a pesquisa sugere:

“O rendimento de trabalho das mulheres, em 2015, estimado em R$ 1.927, continua sendo inferior ao dos homens, estimado em R$ 2.555. Comparando a mé-dia anual dos rendimentos dos homens e das mulheres, verificou-se que, em média, as mulheres ganham em torno de 75,4% do rendimento recebido pelos homens,

um avanço de 1,2 ponto percentual em relação a 2014, sendo, portanto, a maior variação anual de toda série. A tabela 137 mostra que este resultado retoma os avanços que ocorreram a partir de 2008. Em 2003 esse percen-tual era 70,8%.” (IBGE, 2015, p. 288)

Para buscar a melhoria na igualdade salarial da mulher, é imprescindível abordar a equiparação sala-rial que possui sua previsão na Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, inciso XXX e no art. 461 da CLT, onde o preceito para haver esse instituto é a identidade funcional. Uma forma de contribuir para a proteção da mulher, é abordar a equiparação salarial. Segundo Or-lando Gomes (citado por MARQUES, 2002, p. 56), “o fundamento do direito à equiparação salarial, previsto no art. 461 da CLT, é a identidade funcional”. O estu-do da identidade de função principia pela análise do conceito da expressão ‘função’, porque a lei menciona ‘identidade de funções’ e não de cargos. Com a presen-te oportunidade, a Justiça do Trabalho pode contribuir para a proteção da mulher, logo, é clara a importância expressa na Súmula n. 6 do TST, e um exemplo foi a decisão do TST:

“Recurso de Revista. Equiparação Salarial “Em Ca-deia”. Requisitos do art. 461 da CLT. Súmula n. 6, VI, do TST. Nova Redação. Res. n. 185/2012 1. De conformidade com a atual redação do item VI da Súmula n. 6 do TST, para o acolhimento de pedido de equiparação salarial em cadeia, incumbe ao reclamante o ônus de provar a identidade de função no tocante ao paradigma indi-cado na petição inicial, e não ao paradigma matriz. A seu turno, incumbe ao empregador demandado o ônus de produzir prova do fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial relativa-mente ao paradigma apontado na petição inicial. 2. De-monstrada a identidade de função, harmoniza-se com a Súmula n. 6, VI, do TST acórdão regional que acolhe o pedido de diferenças salariais, mormente quando o empregador reclamado não logra desvencilhar-se do ônus de provar o que lhe cabe. 3. Recurso de revista não conhecido. (TST — RR: 1025006820075030139, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 04.03.2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13.03.2015).”

Portanto se comprovados os requisitos do art. 461 da CLT, deve ser promovida a equiparação salarial, vis-to que nessa nobre causa, a proteção da mulher no mer-

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cado de trabalho, inicia-se com a busca do que é dela por direito, são através de pesquisas de que seus rendi-mentos são menores, porém, se comprovados os requi-sitos, e estando na mesma função de um homem, faz jus a ser remunerada igualmente como o paradigma.

Além da Justiça do Trabalho, o Princípio da Dig-nidade da Pessoa Humana está totalmente relacionado à busca pela proteção da mulher, e intrinsecamente, a decisão proferida pelo juiz deve conter essa fórmula como base. Esse princípio tem como fundamento da Constituição do Brasil de 1988, sob a perspectiva de Alexandre de Moraes:

“Concede unidade aos direitos e garantias fun-damentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta as ideias de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se mani-festa singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo--se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcional-mente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas en-quanto seres humanos” (MORAES, 2003, p. 75).

Toda pessoa faz jus a um mínimo invulnerável e possui garantias para viver bem, e sem ser perseguida ou discriminada por suas peculiaridades, sendo previsto na própria Constituição da República Federativa do Bra-sil de 1988, mais conhecida como a Constituição Cidadã.

Uma forma de buscar a proteção da mulher é por meio da equiparação salarial, pois a sociedade somente conseguirá melhorar esse grave problema, se conseguir visualizar cada vez mais, que as reclamações trabalhis-tas estão tendo reflexo na vida das mulheres, não ape-nas para garantir seus direitos, mas também, revelar que a sua proteção é resguardada por este grandioso âmbito trabalhista.

Referências bibliográficas

BERNARDES, Hugo Gueiros. Processo do Trabalho — Es-tudos em Memória de Coqueijo Costa. São Paulo: LTr, 1989.

BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. (Série Legislação Brasileira).

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Direito de Todos e para Todos. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

IBGE. Principais destaques da evolução do mercado de trabalho nas regiões metropolitanas abrangi-das pela pesquisa. 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicado-res/trabalhoerendimento/pme_nova/retrospec-tiva2003_2015.pdf>. Acesso em: 9 maio 2017.

FERRARI, Irany. História do trabalho, do direito e da justiça do trabalho. Irany Ferrari, Amauri Mascaro Nasci-mento, Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 1998.

MARQUES, Fabíola. Equiparação salarial por identidade no direito do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2002.

TST — RR: 1025006820075030139, Relator: João Ores-te Dalazen, Data de Julgamento: 04.03.2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13.03.2015. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/173815352/recurso-de-revista--rr-1025006820075030139>. Acesso em: 13 maio 2017.

A JUSTIÇA DO TRABALHO DEVE TRATAR AS PARTES DE FORMA EQUÂNIME OU DEVE SER PROTETIVA AO TRABALHADOR?

Maria Gilda de Freitas AraújoAnalista Judiciária-TRT-6ª Região. Profa. Universidade de

Pernambuco.

Embora possa parecer simplória a análise dos fa-tos que dão início ao presente texto, compulsando-se o contexto social presente e o pretérito, isto é, dos idos dos anos quarenta do séc. XX, quando foram criadas a CLT e a Justiça do Trabalho, podemos destacar dis-torções que são um convite ao diálogo com os novos

paradigmas contratuais trazidos a lume pelo CC/02: a função social do contrato, art. 421; a boa-fé objetiva, art. 422; a equalização material das partes, art. 413.

Com efeito, quando da criação da justiça do tra-balho no Brasil, havia por certo uma pirâmide social

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menos complexa, isto é, os denominados proprietários dos meios de produção constituíam uma classe cujos integrantes eram menos escalonados. Assim, a relação entre o capital e o trabalho tendia a ser mais vertica-lizada, de modo a ensejar a aplicação do princípio da proteção, vetor que desde então nortearia o legislador, a doutrina e a jurisprudência, tanto no reconhecimento de direitos ao trabalhador quanto na solução dos confli-tos oriundos dos contratos de trabalho.

É desarrazoado supor que o titular de uma bo-degazinha, sobrevivente da modalidade de crédito chamada “fiado”, ao permitir que um parente ou um conhecido o auxilie por dias seguidos, vindo a ser afo-rado, seja tido como empregador, sujeitando-se à mes-ma carga de responsabilidade que se atribui ao titular de um supermercado.

Paralelamente ao contexto acima descrito, que é recorrente, há aquele gerado pela crise econômica que severamente atinge o Brasil. Assim, quem transita pelas ruas dos centros comerciais, depara-se com um quadro deveras desolador, o sucessivo fechamento de estabe-lecimentos, geralmente microempresas e empresas in-dividuais — EIRELI, acarretando como consequência, enorme elevação no número de demandas trabalhistas.

Deve-se atentar para o fato de que os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, insertos nos incisos III e IV da CF/88, assim como a função social da proprie-dade, inciso III, art. 170, da CF/88, são indistintamente aplicáveis a todos que integram a relação obrigacional.

É de ver-se, por outro lado, que se torna imperioso afirmar que o contrato de trabalho não deve mais recep-cionar de modo inconteste os tradicionais paradigmas, a exemplo do princípio da proteção, segundo o qual:

“(...) o Direito do Trabalho estrutura em seu inte-rior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia — o obreiro — visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”. (DELGADO, 2014, p. 196)

Se os paradigmas tradicionais devem ser relativi-zados, um novo tipo de julgador será exigido, desta fei-ta não apenas o que interpreta a legislação e a aplica ao caso concreto, mas aquele que é capaz de valorar o caso sub judice para interpretá-lo à luz das cláusulas gerais. Cláusulas Gerais são normas orientadas sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando--o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para deci-dir (...) são formulações contidas na lei, de caráter signi-ficativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz. (NERY, 2003, p. 143 apud MAIA, 2007, p. 59-60)

Com efeito, são exemplos de cláusula geral o art. 421, CC/02, o qual dispõe que: “A liberdade de con-tratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O Conselho da Justiça Federal edi-tou a Súmula n. 21, na qual diz que: “A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio

da relatividade dos efeitos do contrato em relação a ter-ceiros, implicando a tutela externa do crédito”: “Pela vanguarda dessa nova visão, os contratos devem ser in-terpretados de acordo com a concepção do meio social em que estão inseridos, não trazendo onerosidade ex-cessiva ou situações de injustiça às partes contratantes sobre a do outro”. (TARTUCE, 2007, p. 239-240).

O art. 422, CC/02, estabelece que: “Os contra-tantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. O Enunciado n. 25, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002, diz que: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. (SILVA, 2013, p. 428). “O princípio da boa-fé pressupõe que todos devem comportar-se de acordo com um pa-drão ético, moral, de confiança e lealdade que se espera de um homem comum”. (CASSAR, 2010, p. 2340)

Por fim, a equalização material das partes, para a presente abordagem, tem previsão no art. 413, CC/02, segundo o qual: “A penalidade deve ser reduzida equi-tativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. Trata-se de:

“(...) um princípio que procura manter a justiça contratual, objetivamente considerada, em todas as fa-ses da contratação, independentemente da natureza do contrato e sempre com base na eticidade, lealdade, con-fiança, socialidade, proporcionalidade e razoabilidade nas prestações” (BRITO, 2007, p. 74).

Para finalizar a presente abordagem, a seguir será colacionada a EMENTA de um Acordão, que contem-pla os paradigmas retro analisados:

“Execução — Cláusula Penal — Art. 413 do Código Civil — Aplicabilidade. Diante do caso concreto pode o juiz reduzir equitativamente a multa moratória estipu-lada pelas partes quando se apresentar extremamente desproporcional à natureza e finalidade da própria conciliação homologada judicialmente, na forma do art. 413 do Código Civil, de aplicação subsidiária ao direito do trabalho. Agravo de Petição não provido, por unanimidade.” TRT-24-AP:3490018200852472MS34900-18.2008.5.24.72.

Referências bibliográficas

BRITO, Rodrigo Toscano de. Equivalência Material dos Contratos-civis, empresariais e de consumo. São Paulo: Saraiva, 2007.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4. ed. Nite-rói: Impetus, 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014.

MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos Paradigmas do Direito Civil. Curitiba: Juruá, 2007.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Coord.). Código Civil Comentado. Vários autores. São Paulo: Saraiva, 2013.

TARTUCE, Flávio. Função Social dos Contratos: do Códi-go de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007.

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RELAÇÃO ENTRE AS FACÇÕES CLANDESTINAS E A RESPONSABILIDADE DA MARCA EMPREGADORA

Guilherme Marconatto ModelliAcadêmico de Direito na Instituição de Ensino Eurípedes Soares da

Rocha (UNIVEM).

1. Introdução

À luz de uma análise histórica, verifica-se que a instituição da Constituição Federal de 1988 trouxe de forma ampla as garantias pertinentes às relações de tra-balho e emprego. Estas passaram a ser compreendidas sob o rol de direitos e garantias constitucionalmente previstas, tratando todo e qualquer ser humano como real detentor de sua dignidade pessoal, recebendo am-paro e previsão legal em uma maior diversidade de direitos, e inclusive nos pertinentes aos direitos sociais--trabalhistas.

No Brasil, facção é o nome dado às indústrias de confecções e vestuário que fazem seus serviços exclu-sivamente para outras empresas de confecções, seja indústria ou comércio. Em outras palavras, uma con-fecção que não possui marca própria, estilistas, dese-nhistas, lojas.

O objeto do contrato entre estas empresas é a com-pra e venda de produtos fabricados pela facção, que são confeccionadas no âmbito da própria empresa, por seus empregados, sem qualquer tipo de controle por parte da contratante, justamente por serem as empresas de fac-ção dotadas de autonomia econômica e administrativa.

Com efeito, nessa modalidade de relação jurídica uma empresa contrata outra, não para o fornecimento de mão de obra, mas sim de produtos acabados, ou seja, para uma etapa específica do processo produtivo.

Diante desta inovação, aderiu-se ao modelo o contrato cujo o nome se deu de “Contrato de Facção”, que consiste basicamente na contratação das menciona-das empresas.

Como forma de baratear o produto, abriu-se di-versas “facções clandestinas”, que consistem no mesmo modelo da tradicional, porém, seus donos contratam imigrantes de países com população abaixo do nível da pobreza, oferecendo trabalho e, quando aqui chegam são presos e trabalham em condições análogas à de escravo.

Neste sentido, este artigo tem por objetivo identi-ficar se a empresa contratante de uma facção clandesti-na poderá ser responsabilizada em caso de uma even-tual contratação destas.

2. Desenvolvimento

A terceirização é a transferência de certas ativida-des (periféricas) do tomador de serviços, passando a ser exercidas por empresas distintas e especializadas(1).

(1) Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 357.

Como consequência, embora o trabalhador indi-retamente preste serviço à empresa que o terceirizou, esta não responderá frente a ele, haja vista o seu toma-dor principal ser a própria empresa terceirizada, pres-tadora de serviço.

O contrato de trabalho é mantido, assim, entre o empregado e o empregador, que, no caso, é uma empre-sa prestadora de serviços (art. 442, caput, da CLT).

Diante disto, fica impossibilitado da empresa to-madora de serviços ser responsabilizada por ilícitos co-metidos dentro da relação entre funcionário contratado e empresa contratante.

Sabe-se que a responsabilidade do tomador é sub-sidiária quando da terceirização, respondendo apenas quando esta estiver no evento danoso, tomemos como exemplo se uma empresa de engenharia terceiriza al-gum setor na construção de uma obra, e, o funcionário é hostilizado por outros servidores, caso aquele lesado venha ingressar com uma ação, a empresa tomadora responde de forma igual nestes autos.

Entretanto, conforme já discutido, caso haja um ilícito apenas no âmbito da relação entre o trabalhador e a empresa terceirizada, a tomadora não responderá.

Em uma análise um tanto quanto mais crítica, este pode ser um dos fatores do aumento quantitativo das facções clandestinas.

Ora, veja bem, se a empresa de grande porte pode contratar outra que, como forma de baratear o preço da produção,venha a explorar de seus funcionários condi-ções análoga à de escravos, e não responderá por isso, por que assim não fazer? Afinal, os lucros serão maiores.

Como se pode notar a rigor, realizar tais contratos com estas empresas clandestinas é um prato cheio para as marcas.

Neste ínterim, deve-se aumentar a responsabili-dade das empresas contratantes no que concerne à fis-calização das condições de trabalho para com as facções que contratam.

Ainda assim, é válido invocar a teoria da cegueira deliberada.

A teoria da Cegueira Deliberada, ou Teoria das Instruções do Avestruz como também é conhecida, é proveniente dos Estados Unidos e que foi criada para as situações em que um agente finge não enxergar a ili-citude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens.

Sendo assim, o agente age como um avestruz que enfia a cabeça na terra para não ter conhecimento do que está acontecendo, em outras palavras, o sujeito fin-

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gi não ver o ilícito para poder obter determinada vanta-gem de alguma situação.

No caso em comento, tal teoria é extremamente eficaz para possíveis condenações.

Afinal, é possível imaginar que não é assegura-do os direitos trabalhistas, bem como salários dignos dos trabalhadores que ali exercem sua função, quando nestas facções se adquiri uma peça de roupa totalmente pronta por preços muito abaixo do normal.

3. Conclusão

A Constituição Federal de 1988 consagrou uma ampla gama de direitos individuais, ampliando garan-tias já existentes e criando outras novas, relativamente ao mundo trabalhista.

O trabalho, portanto, passa a integrar fundamen-tos de extrema importância previstos na Constituição, como por exemplo, a proteção a dignidade humana, ressalta-se ainda que as normas referentes à proteção do trabalhador, individualmente considerado, e tam-bém aquelas referentes à representação sindical, à ne-gociação coletiva e ao direito de greve encontram-se no Título II da Constituição de 1988, que cuida dos Direi-tos e Garantias Fundamentais.

De acordo com o observado no trabalho realizado nas facções clandestinas, é indiscutível a falta de direi-tos trabalhistas, sendo as condições de trabalho precá-rias, tornando-se análoga a de escravo.

Vale aqui mencionar, que similar um trabalhador a um vassalo configura crime, previsto no art. 149 do Código Penal brasileiro, com pena de 2 (dois) a 8 (anos) e multa.(2)

Através de toda discussão do presente trabalho, apesar de não esgotado o tema, leva a conclusão que a empresa tomadora de serviços, ou seja, a marca contra-

(2) Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)I — cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)II — mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003) I — contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)II — por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei n. 10.803, de 11.12.2003)

tante das facções clandestinas deve ser totalmente res-ponsabilizada quando constatado que contratou, seja com culpa ou não, uma facção clandestina.

Tal responsabilidade geraria benefícios de extre-ma importância, imputando a empresa tomadora de serviço o ônus de fiscalizar a facção contratada, garan-tindo assim os direitos trabalhistas aos que ali exercem suas funções, prevenindo o acréscimo da admissão de funcionários com condições análogas à de escravos, e ainda geraria melhor qualidade do vestuário, afetando indiretamente o consumidor.

No que diz respeito às decisões jurisprudenciais, bem como posições doutrinárias, há certa precariedade na resolução do tema, haja vista a falta de julgamentos.

Entretanto, há recentemente um famoso caso em que a empresa M5 Indústria e Comércio Ltda., que pro-duz, industrializa e comercializa produtos da marca M. Officer., foi condenada em diversas obrigações por manter trabalho com condições análoga à de escravo em sua produção, entretanto, como mencionado, man-tinha estes funcionários em sua própria produção, e não contratados como facção clandestinas.

Por fim, é válido esclarecer que não há nenhum posicionamento em súmulas ou textos legais a respeito do tema em discussão, o que há é posicionamento acer-ca da responsabilidade nos contratos de terceirização, que o Tribunal Superior do Trabalho já decidiu não con-fundir com os contratos de facções.

4. Referências Bibliográficas

. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2002.

.BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 abr. 2017.

Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

. Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Códi-go Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 dez. 1940.

. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 331.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Contrato de Facção e Responsabilidade por Terceirização de Serviços. 2015, publicado em <www.genjuridico.com.br>.

LINZMEYER, Camila. Não Responsabilidade Subsidiária da Empresa Contratante de Facção. 2013, publicado em <www.phmp.com.br>.

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ENTRE AS SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A LIBERDADE DE

CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A Resolução n. 106, do CNJ, “dispõe sobre os critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau”. No art. 5º, e, diz que “Na avaliação da qualidade das decisões proferidas serão levados em consideração: (...) o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores”.

No art. 10, caput, diz que “Na avaliação do mere-cimento não serão utilizados critérios que venham atentar contra a independência funcional e a liberdade de conven-cimento do magistrado, tais como índices de reforma de decisões”, mas ato contínuo, contraditoriamente, diz no parágrafo único do art. 10 que “A disciplina judiciária do magistrado, aplicando a jurisprudência sumulada do Supre-mo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com registro de eventual ressalva de entendimento, constitui elemento a ser valorizado para efeito de merecimento, nos termos do princípio da responsabilidade institucional, insculpido no Código Ibero-Americano de Ética Judicial (2006)”.

No Recurso Especial n. 1.163.267 (j. 19.9.2013), o STJ alcunhou a decisão proferida no processo de “sen-tença rebelde”. Artigo publicado no sítio da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)(1) constatou a aber-tura de processos administrativos disciplinares, “com certa frequência”, “onde se discute e questiona, pura e simplesmente, o mérito de decisões judiciais”, seja nas Corregedorias, Tribunais, Conselhos Superiores ou no CNJ, “tanto por representação quanto de ofício”.

É neste quadro distorcido do sistema jurídico que o art. 489, § 1º, VI, do NCPC diz que “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlo-cutória, sentença ou acórdão, que: (...) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

A contrario sensu, o que quis dizer tal dispositivo? Que exceto nas hipóteses de distinguishing (existência de distinção no caso em julgamento) e de overruling (superação do entendimento), o magistrado não pode

(1) Disponível em: <http://www.amb.com.br/mod/1/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=1835>. Acesso em: 22 mar. 2017.

deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente.

De início, registre-se que é equivocada a leitura que o CNJ fez do Código Ibero-Americano de Ética Judicial, textualmente, no art. 10, parágrafo único, da Resolução n. 106.

Na Parte I do Código Ibero-Americano, que tra-ta dos “Princípios da Ética Judicial Ibero-Americana”, temos o Capítulo VI, intitulado “Responsabilidade Ins-titucional” (arts. 41 a 47). Segundo o art. 42, “O Juiz ins-titucionalmente responsável é o que, além de cumprir as suas obrigações específicas de caráter individual, assume um compromisso ativo no bom funcionamento de todo o sistema judicial”.

Não me parece que tal compromisso esteja ligado a qualquer pretensão do Código em fazê-lo seguir de-cisões de instâncias superiores, especialmente porque, da leitura sistemática do Código, encontramos dispo-sitivos muito mais específicos, já no primeiro capítulo — que trata da independência do magistrado —, e que dizem, categoricamente:

Art. 3º O Juiz, com as suas atitudes e comporta-mentos, deve deixar evidente que não recebe influên-cias — diretas ou indiretas — de nenhum outro poder público ou privado, quer seja externa ou interna à or-dem judicial.

Art. 5º O Juiz poderá reivindicar que se reconhe-çam os seus direitos e sejam fornecidos os meios que possibilitem ou facilitem a sua independência.

Art. 6º O Juiz tem o direito e o dever de denunciar qualquer tentativa de perturbação da sua independência.

Art. 7º Não só se exige que o juiz eticamente seja independente, mas também que não interfira na inde-pendência de outros colegas.

De fato, como já bem ressalta o art. 1º do Código, as instituições que, no âmbito do Estado Constitucional, garantem a independência judicial, não estão dirigidas a situar o juiz numa posição de privilégio; sua razão de ser é a de garantir aos cidadãos o direito de serem jul-gados com parâmetros jurídicos, como forma de evitar

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a arbitrariedade e de realizar os valores constitucionais e salvaguardar os direitos fundamentais.

Tal principiologia é reiterada no Código de Ética da Magistratura Nacional:

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamen-te independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em res-peito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desem-penho de suas atividades sem receber indevidas influên-cias externas e estranhas à justa convicção que deve for-mar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qual-quer interferência que vise a limitar sua independência.

Isso fica muito claro quando percebemos que a Constituição, ao instituir um Estado Democrático de Di-reito destinado a assegurar o exercício dos direitos so-ciais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprome-tida, na ordem interna e internacional, com a solução pa-cífica das controvérsias, reconheceu como garantia fun-damental do cidadão, dentro do bloco de constituciona-lidade formal e material, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (arts. 5º, XXXV e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF), garantindo ao Estado-Juiz o monopólio da jurisdição.

O art. 93, IX, da CRFB exige apenas que as deci-sões judiciais sejam fundamentadas. O art. 765 da CLT confere aos juízes ampla liberdade na direção do pro-cesso, ideia a que se alinhou o art. 370 do NCPC. O art. 371 do NCPC consagra o princípio da persuasão racio-nal ou do livre convencimento motivado (o juiz aprecia-rá a prova e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento).

Na ADIn n. 1055 MC/DF, julgada em 16.6.1994, o STF suspendeu, em sede cautelar, dispositivos da Lei n. 8.866/1994 por serem violadores de princípios e garan-tias constitucionais:

(...) c) do inciso XXXV do art. 5º da CF, que não permite se exclua da apreciação do Poder Judiciário a alegação de lesão ou ameaça de direito; d) o da inde-pendência do Poder Judiciário, como instituição (art. 2º da CF) e do Juiz, como órgão de sua expressão, obrigado a fundamentar suas decisões, (...) (inciso IX do art. 93 da CF), não apenas com base no que a lei permite, mas no seu livre convencimento jurídico, inclusive de ordem constitucio-nal. (...) (grifei)

Por ora, o ordenamento jusconstitucional brasilei-ro prevê eficácia erga omnes e efeito vinculante apenas às decisões proferidas pelo STF em seus processos obje-tivos (art. 102, § 2º, da CRFB) e às súmulas vinculantes (art. 103-A da CRFB).

A própria Lei Complementar n. 35/1979 (Lei Or-gânica da Magistratura Nacional), sancionada em plena ditadura militar, dispõe no art. 40 que a atividade censó-ria de Tribunais e Conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado e, nos termos do art. 41, salvo casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser pu-nido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

Nesse contexto de ideias, concluo que o ordena-mento jusconstitucional brasileiro atual não permite o reconhecimento da constitucionalidade do art. 489, § 1º, VI, do NCPC(2) ou de qualquer estratagema que procure fazer prevalecer a iterativa, atual e notória jurisprudên-cia dos tribunais superiores sobre a independência fun-cional e a liberdade de convencimento do magistrado.

Tais regras apequenam a ciência jurídica e limi-tam as instâncias ordinárias, que exercem papel funda-mental na renovação do Direito, mormente em tempos de crise; limitam o livre convencimento do magistrado e, em última análise, sua própria independência para jul-gar, o que não tem guarida no Estado Democrático de Direito consagrado na Constituição. A garantia de inde-pendência do juiz é uma prerrogativa reconhecida mun-dialmente; não se concebe, em nenhum lugar do mundo, um juiz despido da sua independência funcional.

Em tempos de crise, corremos o risco de instâncias judiciais superiores decidirem atreladas a teorias da jus-tiça de cunho liberal. É o que se vislumbra, por exemplo, na atuação do STF em matéria de Direito do Trabalho, com prestígio à flexibilização, à desregulamentação e à precarização de direitos sociais. Exemplos não faltam. Por amostragem, posso citar o caso da prescrição do FGTS(3) e da terceirização(4), entre muitos outros.

É neste momento que a magistratura exerce seu maior papel na democracia, ao permitir outras vozes sobre um mesmo assunto e eventual enfrentamento de ideias. No nosso caso, muito mais, pois permite à própria Justiça do Trabalho fazer frente a ideais neoli-berais desenvolvidos no âmbito da Suprema Corte, e desconstruí-los (o que não é possível com o engessa-mento do sistema jurídico).

Lembremos que a Constituição foi sábia em re-conhecer nos conflitos entre o capital e o trabalho uma matéria especializada e em outorgar a juízes especiali-zados a competência material para julgá-los (art. 114 da CRFB). A Justiça do Trabalho — muito mais que o pró-prio STF — é quem detém a expertise para decidir sobre conflitos entre o capital e o trabalho, onde se relacionam direitos sociais fundamentais em sentido estrito e onde se percebe no objeto dessas relações (o salário) o meio de vida e sobrevivência de uma das partes.

(2) Neste sentido, diz o Enunciado n. 31 do TRT-10: “Requisitos extravagantes de fundamentação. Ofensa ao princípio da proporcionalidade. Incompatibilidade com a simplicidade do processo do trabalho. Não se aplica ao processo do trabalho o disposto nos incisos I, IV, V e VI do § 1º do art. 489 do CPC, por afronta ao princípio da proporcionalidade (exigência desnecessária e inadequada pela incompatibilidade com a simplicidade do processo do trabalho (CLT, art. 769) e, no caso do inciso VI, ainda por afrontar o princípio da independência do juiz.”

(3) Nada mais razoável entender e identificar, no regramento infraconstitucional que amplia o prazo prescricional previsto no art. 7º, XXIX, da CRFB, de quinquenal para trintenário (art. 23, § 5º, da Lei n. 8.036/1990 e art. 55 do Decreto n. 99.684/1990), uma regra que atue na melhoria da condição social dos trabalhadores. O entendimento mantido no ARE n. 709.212/DF, de inconstitucionalidade da prescrição trintenária, desconstrói não apenas o que a Justiça do Trabalho vem remansosamente entendendo, mas vai de encontro à própria jurisprudência do STF.

(4) O STF, ao reconhecer a repercussão geral ARE n. 713.211/MG, registrou o seguinte: “A proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade-fim pode interferir no direito fundamental de livre-iniciativa, criando, em possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente” (reautuado como Recurso Extraordinário n. 958.252/MG, em razão do provimento do agravo e sua conversão em recurso extraordinário).

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A LUTA PELA IGUALDADE NO AMBIENTE DO TRABALHO

Sabrina MoschiniMestre em Direito — Positivação e Concretização Jurídica dos Direitos Humanos pelo Centro Universitário FIEO — UNIFIEO. Especialista em

Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Docente na Universidade São Francisco. Advogada.

Introdução

Quando tratamos do termo igualdade em direito logo nos remetemos ao princípio do Estado de Direito e associamos ao regime político da democracia.

No dicionário Aurélio(1) a definição desta palavra aparece como: ”qualidade ou estado de igual”.

Entretanto, é possível verificar que a igualdade possui um conceito mais relacionado à ideia de substi-tuição, trazida por Leibniz, assim nos esclarece Nicola Abbagnano(2):

Relação entre dois termos, em que um pode subs-tituir o outro. A noção de igualdade assim generaliza-da (como possibilidade de substituição) presta-se tanto para as relações puramente formais de equivalência ou de equipolência quanto às relações políticas, morais e jurídicas que se denominam de igualdade.

É possível verificar que a igualdade dos cidadãos é prevista pela lei e esta será aplicada sem que mude o procedimento, com base em determinado contexto, substituindo-se a quem se aplica em condições equivalentes.

Cumpre destacar que a Constituição Federal asse-gura no caput do art. 5º, no título que trata dos direitos e garantias fundamentais que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (grifos nossos)

A história do direito do trabalho nos aponta que o Estado desde o surgimento da máquina a vapor pre-cisou intervir nas relações do trabalho, dados os abusos cometidos, de modo geral, pelos empregadores e que a partir do término da Primeira Guerra Mundial surge o constitucionalismo social, onde é feita a inclusão de preceitos relativos à defesa social da pessoa, garantias de direitos fundamentais, incluindo o direito do Traba-lho nas constituições.

O trabalhador sabe que goza do direito de igual-dade, mas sente amiúde as condições que lhe são im-postas no ambiente de trabalho e somente a partir de uma situação extrema de desrespeito ou ofensa na sua vida ele busca um impulso para resistência social esta-

(1) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 334.

(2) ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 623.

belecendo a luta por sua individualidade, mesmo que o movimento seja coletivo.

Analisamos se é possível o trabalhador se insur-gir diante da organização capitalista do trabalho, carac-terizada cada vez mais pela desigualdade e precarieda-de das relações no ambiente do trabalho.

2. A igualdade e o ambiente do trabalho

A igualdade é regra constitucional é só a Consti-tuição pode validamente criar exceções, e como princí-pio não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento e atendendo ao conceito justiça permite o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, ou seja, as distinções poderão ocor-rer com critérios objetivos e racionais(3).

O enunciado geral de igualdade é questionado, pois exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos é bastante questionável, nesse sentido escla-rece Robert Alexy(4):

A igualdade de todos em relação a todas as po-sições jurídicas não produziria apenas normas incom-patíveis com sua finalidade, sem sentido e injustas; ela também eliminaria as condições para o exercício de competências. (...) a igualização de todos, em todos os aspectos, seria, mesmo que possível, indesejável. A igualização de todos, em todos os aspectos, faria com que todos quisessem fazer sempre a mesma coisa. Mas, se todos fazem a mesma coisa, somente é possível atin-gir um nível intelectual, cultural e econômico muito limitado.

Os direitos dos trabalhadores previstos na Carta Constitucional no capítulo que trata dos direitos sociais lhe atribuem reconhecimento de direitos fundamentais o que importa numa posição privilegiada desses di-reitos no ordenamento jurídico, cabendo proteção das ações dos poderes públicos e a materialização por meio de ações positivas, de modo que alcancem a máxima efetividade.

Vislumbramos assim, o ambiente do trabalho que pode ser definido como o local onde as pessoas desem-penham suas atividades laborais, ele deve ser salubre e seguro, destacamos o entendimento do jurista José

(3) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 242-243.

(4) ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 396 e 397.

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Afonso da Silva(5): “local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente”.

Por passarem grande parte da vida nesse am-biente laboral, há um questionamento dos trabalhado-res sobre a distribuição dos rendimentos oriundos do trabalho, das condições insalubres e inseguras, afinal a desigualdade é crescente entre empregados e emprega-dores e a insatisfação é permanente.

Observa-se, primordial a proteção dos direitos fundamentais no âmbito das empresas, nas relações en-tre trabalhadores e empregadores, na estrutura do con-trato de trabalho, pois nesse tipo de pacto o trabalhador cede ao empregador sua força de trabalho.

A legalização da proteção ao meio ambiente do trabalho inicia o processo de cidadania ao trabalhador, pois ao assegurar em seu art. 7º, inciso XXII, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, a relação amplia o campo do direito privado e busca a proteção do Estado.

O trabalhador quando desperta para o conheci-mento do direito que possui de um ambiente ecologica-mente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida passa a visualizar a essência desse direito fundamental e passa a exigi-lo.

Conclusão

O trabalho é visto como uma ferramenta que deve proporcionar condições de vida aos seres humanos de forma digna e igualitária, tanto que em nossa Consti-tuição Federal a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são tidos como Fundamento do Esta-do Democrático de Direito.

(5) SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 5.

O capitalismo tão exacerbado hoje em dia consi-dera o trabalhador como objeto e não sujeito de direito e nesse contexto a cultura das empresas não privile-giam a prevenção e neutralização dos danos à saúde do trabalhador, por vezes acreditam ser vantajoso negociar seus direitos mais basilares, assim como seus danos fí-sicos e morais.

A dignidade só pode ser alcançada entre iguais que estejam em condições de igualdade, assim é preciso que haja criação de políticas sociais, econômicas e cul-turais, com propósito real de efetividade da valorização do trabalho e da dignidade humana positivados no tex-to constitucional.

Referências bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

ALMEIDA, Guilherme Assis de; BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

ARENDT, Hannah; tradução Roberto Raposo. A condi-ção humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Univer-sitária, 2010.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicio-nário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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5º PAINEL

AS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

Segundo Liebman, “se a ação se refere a uma si-tuação determinada e individualizada, deve o direito de agir estar condicionado a alguns requisitos que preci-sam ser examinados, como preliminares do julgamento da pretensão” (SCHIAVI, 2017:74). Diferentemente dos pressupostos processuais, que são “todos os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do procedimento” (DIDIER JR., 2016:312), as condições da ação são “questões relacionadas a um dos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir)” e estão “em uma zona intermediária entre as questões de mérito e as questões de admissibilidade” (DIDIER JR., 2016:306).

O art. 3º do CPC/1973 previa que, para propor ou contestar ação, seria necessário ter interesse e legiti-midade. O art. 267, VI, dizia que se extinguia o proces-so, sem resolução do mérito, quando não concorresse qualquer das condições da ação, “como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse proces-sual”. O NCPC lança um outro olhar.

O art. 17 do NCPC diz que, para postular em juízo, é necessário ter interesse e legitimidade; neste ponto, a redação é semelhante à redação anterior (do art. 3º do CPC/1973), não havendo modificações substanciais no texto atualmente em vigor. Porém, diferentemente do anterior, o NCPC se limita, no art. 337, XI, a dizer que incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar “a ausência de legitimidade ou de interesse proces-sual”, além do art. 485, VI, para o qual o juiz não resolve-rá o mérito quando “verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”, não havendo nenhuma refe-rência expressa à “possibilidade jurídica do pedido” ou às “condições da ação” ou à “carência da ação”.

Assim, primeiramente, indaga-se se houve no NCPC, quanto à possibilidade jurídica do pedido, uma omissão ou um autêntico silêncio eloquente(1). O enten-

(1) Em teoria geral do direito, o conceito jurídico de silêncio eloquente equivale ao “beredtes Schweigen, que no direito alemão caracteriza-se pela opção do legislador em excluir, intencionalmente, certo fato do comando legal” (DINIZ, 2005:406).

dimento majoritário — que eu acompanho — é de que houve um silêncio eloquente, isto é, o NCPC delibera-damente não tratou desta figura jurídica, porque não quis, seguindo linha amplamente desenvolvida pela doutrina e sustentada pela jurisprudência remansosa dos tribunais pátrios.

Com efeito, dentro do processo, há três caminhos possíveis, quando o magistrado subsome o fato à lei: (i) a norma jurídica prevê o fato e reconhece o direito postulado; (ii) a norma jurídica prevê o fato, mas rejeita o direito postulado; (iii) não existe norma jurídica pre-vendo o fato. Assim, eventual alegação de antijuridici-dade, motivada pela segunda e terceira hipóteses nar-radas, deve ser enfrentada no mérito propriamente dito (art. 487, I, do NCPC).

Dinamarco (2009:309) registrou que Liebman, após imaginar certas condições ao exercício da ação — e ao admitir o requisito da possibilidade jurídica do pedido —, rejeitou-o posteriormente, motivado pela al-teração do ordenamento jurídico italiano, que passou a prever a figura do divórcio (sendo que o divórcio, até então, era o maior exemplo da “impossibilidade jurídi-ca do pedido” defendido por Liebman).

Isso se confirma da leitura do anteprojeto do NCPC(2).

Porém, ainda subsiste controvérsia, tendo em vis-ta que o NCPC, diferentemente do anterior, não utili-za mais os termos “condições da ação” e “carência da ação”. Assim, a legitimidade e o interesse permanecem condições da ação? Há quem defenda que sim; há quem defenda que não, que tais requisitos deixaram de ser “condições da ação” e passaram a figurar como pres-supostos processuais; há, enfim, quem defenda que tais

(2) “Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e, atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia.” (g.n.)

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matérias, agora, devem ser enfrentadas somente no mé-rito, não sendo mais preliminares a este.

Matérias preliminares ainda são, indiscutivelmen-te. Em que pese o NCPC sustentar — acertadamente — a primazia da decisão de mérito (arts. 4º e 6º, entre ou-tros), fato é que prevê, expressamente, análise da legiti-midade e do interesse anterior ao mérito (arts. 337, XI, e 485, VI). Quanto a permanecerem condições da ação, é o que defende a Câmara(3), pois, “sendo a ação e o pro-cesso institutos distintos, cada um tem seus próprios requisitos, não sendo possível confundir as condições da ação com os pressupostos processuais”.

Didier (2016:308-309), por sua vez, entende que a única razão que justificava a existência da figura das “condições da ação” seria tão somente a sua consagra-ção em texto legislativo, o que não existe mais. Segundo entende, a legitimidade e o interesse “passarão, então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos pro-cessuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo intrínseco; a legitimidade, como pres-suposto de validade subjetivo relativo às partes”.

É o que parece ter quisto o NCPC, o que se vis-lumbra da leitura do anteprojeto, quando se abordam “os principais aspectos abordados pelos oradores” e se registra, expressamente, a intenção de “extinção de todas as condições da ação”.

Eu, particularmente, adiro à defesa de Didier e trago às suas razões um olhar que, acredito, seja o mais correto para o processo do trabalho.

Com efeito, a dimensão do princípio da razoável duração do processo ultrapassa, e muito, a noção de celeridade (ambas de assento constitucional, consoante art. 5º, LXXVIII, da CRFB). Diferentemente da celeri-dade, que tem dimensão objetiva-quantitativa e se revela com a simples passagem do tempo, o princípio da razoável duração do processo tem dimensão subjetiva-qualitativa e se concretiza na entrega da ordem jurídica justa(4).

O princípio da razoável duração do processo não se satisfaz apenas com a passagem do tempo ou com a entrega do bem da vida em menor tempo possível; é necessário que a entrega da prestação jurisdicional seja de modo completo, eficiente, eficaz — e rápido, por que não?

O NCPC bem intuiu a diferença, ao garantir às partes o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º),

(3) Disponível em: <http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/sera-o-fim-da-categoria-condicoes-da-acao-uma-intromissao-no-debate-travado-entre-fredie-didier-jr-e-alexandre-freitas-camara/>. Acesso em: 22 mar. 2017.

(4) Imaginemos juiz do trabalho que se depara com ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho onde se discutem graves violações a direitos da personalidade dos trabalhadores e a normas de higiene, saúde, segurança e medicina do trabalho — de caráter cogente e imperativo. Se o juiz, em tempo curto, profere sentença sem resolver o mérito (art. 485 do CPC), verifica-se a presença apenas da celeridade; se profere sentença, em tempo curto, com a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 487 do CPC), verificamos a presença da celeridade e da razoável duração do processo.

reiterada no art. 6º, que exige a cooperação dos atores processuais para a obtenção, em tempo razoável, de decisão de mérito justa e efetiva.

A par disso, o processo do trabalho, especifica-mente, serve de instrumento para a salvaguarda de ver-bas e haveres, na grande maioria, de natureza alimentar (art. 100 do CRFB) e superprivilegiada (art. 186, caput, do CTN), que encontram ápice no valor salário — um dos pressupostos objetivos para a configuração da rela-ção de emprego (onerosidade)(5).

Nesses termos, não me animam discussões, em Di-reito Processual, que deem ensejo à não resolução do mérito ou abram portas a filigranas que em nada contri-buam para a razoável duração do processo (dimensão subjetiva-qualitativa). Assim, além de reconhecer a ex-tinção da figura da “possibilidade jurídica do pedido”, entendo que deve ser prestigiada a vontade legislativa (mens legislatoris) de abolir as condições da ação (con-forme anteprojeto do NCPC), transportando a legitimi-dade e o interesse para um rol único existente, agora, de pressupostos processuais. Quanto mais reduzida for a análise anterior ao mérito, melhor será; quanto me-nos discussões e etapas existirem, neste sentido, melhor será.

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016:11) lançam um olhar certeiro: que as discussões sobre o processo possam “contribuir de fato para a compreensão do pro-cesso civil como meio para tutela dos direitos — e, as-sim, fomente um processo civil realmente capaz de mudar as condições socioeconômicas de nosso país”.

Referências bibliográficas

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: in-trodução ao Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 1.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. v. II.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 4, Q-Z.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil: atualizado com a Lei n. 13.256/2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Traba-lho de acordo com o novo CPC. 12. ed. São Paulo: LTr, 2017.

(5) Os direitos sociais fundamentais expressos no art. 6º da CRFB, em sua maioria, dependem, primariamente, do trabalho humano e do fruto do labor, que é o salário (conferir, neste sentido, o art. 7º, IV, da CRFB); com relação à previdência social, os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios (art. 201, § 11, da CRFB).

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PRECEDENTES JUDICIAIS, COERÊNCIA SISTÊMICA E SEGURANÇA JURÍDICA — COMO

COMPATIBILIZAR ESSES CONCEITOS?

Ernesto Emir Kugler Batista JuniorAdvogado, especialista em direito previdenciário pela UNIBRASIL/

ESMAFE.

Rodrigo Pontes de Souza Kugler BatistaAdvogado, especialista em direito previdenciário pela UNIBRASIL/

ESMAFE, especializando em direito do trabalho e processo do trabalho pela Universidade Positivo.

Tema recorrente em processo do trabalho e pro-cesso civil é a segurança jurídica. Apesar de poucos ju-ristas a considerarem um direito fundamental, a segu-rança é pressuposto para a vida em sociedade.

Da constatação de que as transformações sociais são muito mais rápidas que as legislativas, superou-se o modelo do positivismo jurídico, em que normas do tipo regras eram prioridade, surgindo como alterna-tiva, então, a utilização, pelo constituinte e legislador ordinário, de normas abertas, também denominadas cláusulas gerais.

Nesse contexto de oxigenação sistêmica, em que grande parte das normas de direito constitucional do trabalho e infraconstitucionais se consubstanciam em cláusulas abertas ou gerais, o papel do judiciário ga-nhou destaque, pois a ele foi relegado o papel de in-térprete da norma e concretizador do direito — poucos são os casos de direito a priori; a norma somente poderá ser desvendada quando associada a um caso concreto.

De se destacar, que o próprio legislador, ao editar normas com textura aberta, transferiu ao magistrado o poder de criar o direito — ou norma — do caso con-creto, judicializando a política, pois a escolha do conse-quente normativo, que antes cabia ao legislador, passou ao juiz.

Tal técnica legislativa permite que a justiça do caso particular seja a mais perfeita possível.

Contudo, diversas são as demandas que se repe-tem na vida e no judiciário, razão pela qual a discussão de precedentes ganha notoriedade. Qual seria a razão de decidir de forma distinta dois casos iguais? Há coe-rência em duas decisões distintas para casos iguais?

Obviamente, o judiciário, como um sistema que é, precisa guardar coerência interna, sob pena de descré-dito e enfraquecimento, julgando de forma igual dois ou mais casos iguais.

Quando percebe-se que o direito e a norma deve-rão ser criados pelo judiciário que se depara com cláu-sulas abertas, aproximam-se os sistemas de common law e civil law. Ao decidir um caso concreto aplicando uma

cláusula aberta, verifica-se a criação de uma norma es-pecífica, que pode ser abstraída e em processo inverso reaplicada a outro caso. Portanto, aplica-se a um prece-dente a indução-abstração-dedução.

A doutrina dos precedentes defende que o res-peito às decisões anteriores se deve por duas questões principiológicas: a coerência e a igualdade.

Ao respeitar-se a coerência do sistema e a igualda-de material entre os jurisdicionados, podemos vislum-brar a segurança jurídica. No direito brasileiro são pou-cas as normas que obrigam o respeito aos precedentes. Percebe-se, de igual sorte, que nos países de tradição common law isso também não é algo escrito, mas é cultu-ralmente aceito e obrigatório. Há um senso e consenso sobre a questão, o que tem força superior a qualquer norma jurídica escrita, fazendo parte da própria razão de ser do Estado-juiz.

Quando fala-se em respeito aos precedentes para guardar-se uma coerência sistêmica e atingir-se uma se-gurança jurídica, pois os casos subsequentes serão jul-gados tais quais os antecedentes, para que isso seja uma realidade algumas tarefas das partes e dos magistrados são necessárias: (i) é preciso que as partes processuais conheçam decisões anteriores; (ii) é preciso que das de-cisões anteriores sejam extraídas a ratio decidendi, orbiter dictum e os fatos materiais preponderantes que levaram àquela decisão.

Se as partes e o juiz pretendem que o novo caso em julgamento siga a sorte do anterior, invocado, de-vem conseguir demonstrar a similitude fático-jurídica entre eles. Devem, ainda, buscar na decisão paradigma a “força gravitacional”, ou seja, a norma que se extrai dela, que pode ser abstraída, generalizada e, após, espe-cificada para o caso sob julgamento. Portanto, as partes e o magistrado devem lograr êxito em induzir-abstrair--deduzir-concretizar.

A grande dificuldade da justiça baseada em pre-cedentes é justamente o respeito a todas essas premis-sas. Extrair os fatos materiais, a racio decidendi e a nor-ma criada naquele caso anterior é tarefa extremamente complexa — muito mais trabalhosa do que a simples

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subsunção de fato à norma, regra mecanicista e simples. Portanto, “emprestar” a força de um precedente é tarefa muito mais complexa do que simplesmente citar uma ementa de um julgado ou declarar que o caso se encai-xa a demandas repetitivas. A simples citação de uma ementa não pode ser considerada a aplicação de um precedente, mas tão somente uma técnica argumentati-va de reforço de uma tese baseada em outros elementos e dispositivos.

Seguir um precedente não é algo que deva ser expresso em algum diploma legal para ser obrigatório. É algo que culturalmente deve ser enraizado na comu-nidade jurídica, pois através disso pode-se vislumbrar segurança jurídica e coerência sistêmica.

O julgador deve seguir os seus próprios prece-dentes e aqueles das cortes a que esteja vinculado ver-ticalmente. Se a tendência do sistema jurídico é a utili-zação cada vez maior de cláusulas abertas, a discussão sobre os precedentes e como é a operacionalidade de sua utilização passa a ser tema de destaque, sob pena de chancelar-se a barbárie, autoritarismo e caos gene-ralizado pela ocorrência de decisões diametralmente opostas em relação a casos idênticos, ou de decisões idênticas para casos substantivamente diversos.

Vale destacar que em muitos países em que ao judiciário é transferido o papel de “fazedor da norma concreta” já se fala em direito à distinção (distingui-shing), ou seja, a parte tem o direito de comprovar e discutir por qual razão um precedente se aplica ou não ao caso em análise. Ainda, os precedentes podem ser superados (overruling), desde que haja fundamentação suficientemente robusta para demonstrar que a norma posta está ultrapassada.

De todo modo, a aplicação de precedentes se compatibiliza com a ideia de segurança jurídica e coe-rência sistêmica, mas se percebe que sua utilização não é simples e que ainda há muito espaço para aperfeiçoa-mento das técnicas relacionadas ao seu uso no direito brasileiro, ainda mais porque dos órgãos de jurisdição colegiado muitas vezes é impossível se extrair a ratio de-cidendi, até mesmo porque cada julgador emite um voto distinto, com razões distintas, para se chegar a uma mesma conclusão — a discussão entre eles precisaria ser alargada, para que a voz do Tribunal fosse uníssona.

Referências bibliográficas

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes ju-diciais e segurança jurídica: fundamentos e possibi-lidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Cláusulas gerais processuais. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/clausulas-gerais-processuais/>. Acesso em: 28 abr. 2017.

NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: uma breve introdução. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/37614097/APLICACAO_DE_PRECEDENTES_E_DISTIN-GUISHING_NO_CPC_2015.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=-1493412745&Signature=uDqosDXhtTa6nN4Hbvv2EC873CA%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DAPLICACAO_DE_PRECEDENTES_E_DISTINGUISHIN.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017.

QUESTIONAMENTOS INICIAIS ACERCA DO EFEITO PRECLUSIVO POR AUSÊNCIA DOS EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO OPOSTOS EM FACE DA SENTENÇA NO PROCESSO DO TRABALHO E O NOVO CPC

André Luiz Ferreira SantosAnalista Judiciário — Área judiciária no TRT19. Assistente em

Gabinete de Desembargadora do Trabalho/TRT19. Foi Escrivão de Justiça TJ/AL e Assessor Jurídico da PGF/AGU. Especialista

em Direito pela UFAL. Graduando em Ciências Sociais pela UFAL. Mestrando em Direito pela UFAL.

Anne Helena Fischer InojosaDesembargadora no Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região.

Doutoranda em Ciências Jurídicas/Universidade Autônoma de Lisboa, Portugal. Mestre em Direitos Sociais pela Universidade de

Castilla-La Mancha, Espanha. Especialista em Direito do Trabalho/UFPE e em Direito Público/ESMAPE.

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1. Introdução

Os operadores do direito veem o sistema recursal como algo complexo e formal(1). Rapidez e celeridade são interesses reais de toda a classe jurídica, talvez o novo CPC obtenha sucesso em alguns aspectos na bus-ca deste intento que foi elevado a nível constitucional em 2004. Neste caminho os embargos de declaração so-freram mutação, como veremos.

Grande celeuma é esperado na justiça do traba-lho em face das novas disposições que cercam os em-bargos de declaração e o efeito devolutivo em profun-didade do Recurso Ordinário (a apelação do processo do trabalho).

2. Da preclusão quando não forem(eram) opostos embargos declaratórios

Era vigente o princípio de que as omissões nas sentenças ou nos acórdãos somente poderiam ser corri-gidas através de embargos de declaração. O TST enten-dia que não utilizados os embargos declaratórios, a par-te não poderia afastar a omissão por meio de recurso de embargos ou de revista (Assim o Enunciado n. 184 até 2003). A Súmula n. 356 do Supremo coincide com este entendimento (O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento).

Ao comentar a Súmula n. 184, Raymundo An-tonio Carneiro Pinto, cotejando-a com o art. 515 do CPC/73, afirmava que dentro da matéria efetivamente julgada pelo juízo a quo, aspectos omitidos na decisão podiam ser levantados, porém não se apreciavam ale-gações sobre pontos que a sentença ou o acórdão não houvesse tratado.(2)

3. Os embargos como mera faculdade para fins de efeito devolutivo em profundidade. Novo CPC

O novo art. 1.013, § 1º, CPC, parece conflitar com o art. 1.022 do mesmo diploma. O primeiro trata do efeito devolutivo, onde o recurso transfere ao Tribunal a matéria impugnada e o segundo trata dos embargos de declaração, essencialmente, como no antigo Código, ou seja, para esclarecer obscuridades, eliminar contra-

(1) Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais. Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na comunidade jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade do sistema recursal existente na lei revogada. (...) O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo. A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa. [Código de Processo Civil: anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil — Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

(2) PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST Comentadas. 9. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 174.

dições, suprir omissões de pontos ou questão(3) sobre os quais o juiz deixou de se pronunciar e para a correção de erro material.

Importa registrar que o código é expresso ao di-zer que se considera omissa a decisão que: I — deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de com-petência aplicável ao caso sob julgamento; II — incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º (4). A necessidade de uma fundamentação exaustiva é um grande impasse entre os processualistas civis e os traba-lhistas(5), questão que será resolvida com o avançar do processo e o entendimento dos Tribunais.

Pois bem, fixemos este artigo quanto ao efeito de-volutivo e a necessidade de embargos de declaração, analisemos como divergem grandes nomes do processo.

4. Os processualistas do trabalho

Sérgio Pinto Martins, Desembargador no TRT2, em obra de 2010(6), ao escrever sobre a Súmula n. 393 do TST dizia que “se o pedido não foi apreciado pela sentença, não existe o efeito devolutivo em profundida-de, pois violaria a regra dos arts. 128 e 460 do CPC, no sentido de que o juiz não pode decidir fora do pedido.”

Mauro Schiavi, juiz no TRT2 afirma:

“Como sustentávamos na edição anterior: em que pesem as opiniões em sentido contrário, somente se aplica o contraditório prévio nos embargos de de-claração com efeito modificativo quando eles forem opostos nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tri-bunal Superior do Trabalho, pois, no primeiro grau, ou seja, quando os embargos forem opostos nas Varas do Trabalho, o contraditório pode ser exercido a posteriori, quando da interposição do recurso ordinário, não ha-vendo qualquer prejuízo às partes (art. 794 e seguintes da CLT), uma vez que o efeito devolutivo do recurso transfere ao Tribunal toda a matéria impugnada, nos termos do § 1º do art. 1.013 do CPC. (Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2016, p. 986).”

(3) Suprir “Questão” não aparece no CPC/1973. O código novo é expresso quanto ao uso dos embargos para corrigir erro material (inciso III do art. 1.022).

(4) [Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I — se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II — empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III — invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV — não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V — se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI — deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.]

(5) Diversos Regionais Trabalhistas promovem grupos de estudos de adequação do CPC, por exemplo, o TRT10 (DF e TO) entende que apenas os incisos II e III do § 1º, do art. 489 do NCPC se aplicam ao processo do trabalho (EJUD10 — Enunciado 14 — necessidade de fundamentação das decisões) e refuta a aplicabilidade ao juízo laboral da fundamentação analítica, chamando-a de “extravagante” por ofender o princípio da proporcionalidade (EJUD10 — Enunciado 15).

(6) MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários às Súmulas do TST. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 297.

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A despeito de não enfrentar a prescindibilidade dos embargos para fins de efeito expansivo do recurso ordinário, o autor acima deixa claro que o efeito devo-lutivo tudo transfere ao Tribunal, colocando o juiz de segundo grau no mesmo patamar do primeiro.

Manoel Antônio Teixeira Filho, em seu novíssimo livro Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: Editora LTr, mantém visão conservadora acerca da indispensabili-dade dos embargos declaratórios em caso de omissão no julgado, o professor insiste no efeito antipreclusivo inerente aos embargos aclaratórios:

“[...] Inciso III. Verificar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo. A hi-pótese é esta (considerando-se o processo do trabalho): o empregado formula os pedidos A, B, C, D, E e a sen-tença somente examina A, B, C, D, omitindo-se quanto a E. Diante disso, o empregado interpõe recurso ordi-nário, ao qual o Tribunal dá provimento, para acrescer à condenação o pedido E. Data venia, se a sentença era omissa quanto ao pedido E, incumbia ao empregado oferecer embargos de declaração, com a finalidade de suprir essa lacuna. Se ele não fez uso dos referidos em-bargos, formou-se, contra ele, a preclusão, de tal ma-neira a impedi-lo de manter esse pedido (E) na mesma relação processual. Como a sentença não havia se mani-festado a respeito de E, torna-se evidente que não hou-ve prestação jurisdicional a esse respeito, permitindo, com isso, ao empregado voltar a formular, novamente, o mesmo pedido, em outro processo. A prevalecer a re-gra do inciso III, do art. 1.013, do CPC, haveria supres-são de um grau jurisdicional. [...]”(7)

Aparentemente, Carlos Henrique Bezerra Leite defendia igual corrente a de Manoel Antonio Teixeira Filho.(8)

O procurador do Trabalho, Élisson Miessa(9), ti-nha entendimento similar ao professor Manoel Antônio quanto ao efeito preclusivo dos embargos de declara-ção no caso de devolutividade do apelo ordinário:

“[...] Assim, o efeito devolutivo, em extensão, nada mais é do que a quantidade de matéria impugna-da, decorrendo sempre da própria vontade do recorren-te. Disso resulta que o recurso busca transferir ao juízo ad quem o conhecimento das matérias que estiveram sob o âmbito de julgamento do juízo a quo. A contrario sen-su significa que não se pode transferir o objeto que não estava na decisão recorrida, ou seja, o recurso não pode ser maior que a decisão recorrida, exceto no caso dos embargos de declaração que é o recurso próprio para esta hipótese [...] Súmulas e OJs do TST comentadas e organizadas por assunto. Salvador: Juspodivm, 5. ed., 2015, p. 1036.”

Certo que o comentário acima, acerca da Súmula n. 393, foi feito antes da edição da Lei n. 13.105, de 2015, que instituiu o novo CPC.

(7) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2015. p. 1284.

(8) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, p. 758.

(9) MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique. Súmulas e OJs do TST comentadas e organizadas por assunto. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 1036.

Na última edição de sua obra (7ª edição, 2016) os Procuradores Élisson Miessa e Henrique Correia mu-daram o entendimento a fim de ajustar ao comando do CPC/2015, deixam claro que a profundidade do efeito devolutivo transfere ao juízo ad quem todas alegações, fundamentos e questões, independentemente de ma-nifestação. Ou seja, o novo Código coloca em idêntica situação o juízo a quo e o juízo ad quem no momento do julgamento, o órgão julgador pode se utilizar de tudo o que foi deduzido em juízo.

A alteração do item II da Súmula n. 393 que dei-xou de consignar expressamente “os casos de pedidos não apreciados na sentença” é o maior sinal da guina-da de entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, ampliando as hipóteses possíveis de supressão de ins-tância (desnecessidade de retorno dos autos à origem).

Como escrevem os referidos doutrinadores e membros do MPT: “Portanto, com o advento do NCPC, ainda que haja omissão na decisão, o Tribunal poderá analisar o pedido e julgá-lo imediatamente, desde que esteja em condições de julgamento, não havendo que se falar em nulidade por supressão de instância”(10).

5. Os processualistas civis

Daniel Assumpção ao analisar a recorribilidade da sentença citra petita (aquela em que houve omissão por não enfrentar um pedido, causa de pedir ou fun-damento de defesa da parte derrotada ou, ainda, dei-xou de decidir sobre algum dos sujeitos processuais), afirma que o vício é “enfrentado por meio dos embar-gos de declaração, mas, como tal recurso não tem efeito preclusivo, é possível alegação da omissão da sentença também em sede de apelação” (n.g.). Manual de Direi-to Processual Civil, Daniel Amorim Assumpção, 2015, p. 653.

Para o professor: “Estando o processo pronto para imediato julgamento do pedido não analisado, deve ser aplicado por analogia o art. 515, § 3º, do CPC”, de já há muito adotado pela jurisprudência do TST [Proces-so: ED-RR-120400-16.2003.5.10.0008. Data de Julgamento: 15.09.2004, Relator Ministro: Antônio José de Barros Le-venhagen, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 01.10.2004].

O processualista mineiro vai além: Como o art. 1.010, § 3º, III, do novo CPC prevê expressamente que o pedido não decidido por órgão inferior poderá ser de-cidido originariamente pelo tribunal no julgamento do recurso, o mesmo raciocínio de não se anular a parte da decisão que efetivamente decidiu pedidos pode ser estendido por analogia após o trânsito em julgado de decisão omissa quanto à decisão de um ou alguns dos pedidos. Dessa forma, não será mais cabível a ação res-cisória, mas sim a propositura de uma nova ação veicu-lando o pedido que nunca foi objeto de decisão. Nesse sentido o Enunciado n. 07 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O pedido, quando omi-tido em decisão judicial transitada em julgado, pode ser objeto de ação autônoma” (p. 655). Para ele, o dispositi-vo consagra seu entendimento doutrinário, que sempre lhe pareceu mais adequado.

(10) Súmulas e OJS comentadas e organizadas por assuntos. 7. ed. Editora Juspodivm, 2016. Nota de atualização.

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6. Comissão de ministros do TST

Uma comissão de ministros do TST debruçou-se sobre as disposições do novo código, disto resultou a alteração de diversos enunciados processuais e a edição das Instruções Normativas ns. 39 e 40/2016.

A Súmula n. 393 foi alterada, a nova edição não retira do efeito devolutivo na dimensão vertical, em profundidade, a exceção anterior (“Não se aplica, toda-via ao caso de pedido não apreciado na sentença, salvo a hipótese contida no § 3º do art. 515 do CPC/73”).

É esta a atual redação:

“Súmula n. 393. Recurso Ordinário. Efeito Devolutivo em Profundidade.

Art. 1.013, § 1º, do CPC de 2015. Art. 515, § 1º, do CPC de 1973 — (nova redação em decorrência do CPC de 2015) — Res. n. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016.

I — O efeito devolutivo em profundidade do re-curso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 1.013 do CPC de 2015 (art. 515, § 1º, do CPC de 1973), transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões, desde que relativos ao capítulo impugnado.

II — Se o processo estiver em condições, o tribu-nal, ao julgar o recurso ordinário, deverá decidir desde logo o mérito da causa, nos termos do § 3º do art. 1.013 do CPC de 2015, inclusive quando constatar a omissão da sentença no exame de um dos pedidos.”

O Ministro João Oreste Dalazen, em aula disponi-bilizada para os assessores do Tribunal Superior do Tra-balho(11), comenta que a extensão do efeito devolutivo exigiu a revisão parcial da Súmula n. 393, de modo que o Tribunal Regional poderá julgar diretamente um pe-dido não examinado na sentença, nos moldes do novo art. 1.013, § 1º, III, do CPC.

7. O Fórum Nacional de Processo do Trabalho(12)

No Fórum Nacional de Processo do Trabalho, o grupo Recursos formulou enunciado (n. 59) que observa a ampliação de hipóteses de complementação do ato de-cisório, abrangendo os casos em que não foram interpos-tos os embargos de declaração (art. 1.013, § 3º, inciso III):

“59) CLT, ART. 769 E NCPC, ART. 1.013, § 3º, I A IV, E § 4º. RECURSO. CAUSA MADURA. É compatível com o processo do trabalho a ampliação das hipóteses de cabimento da complementação do ato decisório pe-los Tribunais em razão da causa madura (art. 1.013, § 3º, I a IV, e § 4º, NCPC).

Resultado: aprovado por unanimidade.”

(11) Curso de Formação Continuada — O novo CPC na perspectiva das Instruções Normativas nº 39 e nº 40/2016 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível na página da ENAMAT no youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=8s-nhehxy-Q&list=PLSGm1ujJ4LYShhZC3fWwRnlXLrLdHmSIo>.

(12) O Fórum Nacional de Processo do Trabalho visa a criação de Enunciados pelos profissionais da Justiça do Trabalho com objetivo de deliberarem pela autonomia do Processo do Trabalho diante o ensejo e atuação do atual Código Processual Civil. O primeiro ocorreu em Curitiba em fevereiro de 2016 e o segundo em Belo Horizonte, em agosto do mesmo ano.

8. O fórum permanente de processualistas civis(13)

Os processualistas civis reunidos em São Paulo deixam claro que não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação.(14)

A base para o Enunciado n. 100 do Fórum são os §§ 1º e 3º, III, do art. 1.013, CPC, onde cabe ao Tribunal apreciar as questões suscitadas e discutidas no processo ainda que não tenham sido sentenciadas, o que ocorre diante de um recurso total [aquele que devolve ao Tri-bunal o capítulo impugnado ainda que não decidido na sentença].

Fredie Didier Jr. Ensina que a questão somen-te deve ser remetida ao juízo a quo, para que decida o pedido não examinado, se não for possível ao próprio tribunal julgá-la. O professor segue de forma mais es-clarecedora dizendo: “Trata-se de um juízo de fato do colegiado, que constata a ausência de solução de um pedido.”(15)

9. Conclusão

Assim, atualmente, para o TST, a despeito de di-vergência de grandes doutrinadores (professor Manoel Antonio Teixeira Filho, por todos), nas hipóteses de causas maduras é prescindível a interposição de embar-gos declaratórios que deixa de ter efeito preclusivo para os casos de recurso ordinário. Observe-se que o coman-do do item II da Súmula n. 393 é imperativo “deverá”, não sendo, ao que parece, uma faculdade do julgador (colegiado) no órgão ad quem.

O coautor deste artigo está com a posição de Fre-die Didier Jr., que assim resume a mudança: “Percebe--se, então, que a não oposição dos embargos de decla-ração contra uma decisão omissa não gera qualquer preclusão, permitindo a correção da omissão pelo tri-bunal”.

A coautora deste trabalho, apesar de considerar os entendimentos expressados dos demais doutrinado-res e mesmo considerada opiniões ultrapassadas à luz do novo CPC, entende que Sérgio Pinto Martins assim como Carlos Bezerra Leite (aparentemente) e Manoel Antônio Teixeira têm razão ao considerarem precluso o direito das partes de postularem em Recurso Ordinário matéria não apreciada na sentença quanto à omissão relativa a algum pleito formulado. Tal pensar deve-se ao fato de que os embargos de declaração não terem a mesma natureza jurídica de um Recurso Ordinário e assim não serem considerados, a despeito do que ficou estipulado no rol do art. 1.022, IV do NCPC. Os em-bargos de declaração são um instituto que visa ao apri-

(13) O Fórum Permanente de Processualistas Civis é um evento fechado que reúne processualistas de todo o país. Na última edição em São Paulo, em maio de 2016, o evento reuniu 687 processualistas e foi coordenado por Fredie Didier Jr. (coordenação geral), Heitor Sica, Adriano Caldeira, André Pagani, Ricardo Aprigliano e Fabiano Carvalho (coordenação local).

(14) Enunciado n. 100. Fórum Permanente de Processualistas Civis. São Paulo: 18, 19 e 20 de março de 2016.

(15) DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: Juspodivm, 2015. p. 371.

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moramento da sentença e acórdão quando surgirem as hipóteses previstas no art. 1.022 do NCPC, sendo a sua finalidade a de aclarar a sentença e corrigir alguma falha de expressão formal daquele pronunciamento vi-sando a captura da realidade intentada pelo julgador mesmo que em ocasiões haja um acréscimo na decisão face à omissão havida mas que, na realidade, não mo-difica a mesma, apenas preenche um lapso havido, es-pecialmente no processo trabalhista que, diversamente do processo civil, traz em uma reclamação inúmeros pedidos. O efeito modificativo previsto nos arts. 1.023, § 2º e 1.024, § 4º assim como a Súmula n. 278 do TST não modifica a finalidade dos embargos de declaração, mas é uma consequência do preenchimento da falha sentencial e não uma mudança, uma reforma da sen-tença. Outro argumento a ser analisado quanto à natu-reza jurídica dos embargos declaratórios é o fato de que são interpostos perante o prolator da decisão além de não ter a obrigatoriedade de recolhimento de depósito recursal e custas.

Os embargos aclaratórios são importantes pois ao não se saber por certo o que diz a sentença, levaria para a execução falhas danosas para o processo como um todo além de que, em caso de omissão, traria uma frustação ao direito das partes para a obtenção de um pronunciamento formalmente correto.

Ademais. Observa-se que foi mantida quase a in-tegralidade da previsão do artigo do CPC/73, no art. 1.022 do CPC/2015 à exceção do acréscimo no item II do referido artigo: “ suprir omissão de ponto ou ques-tão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”, sem trazer nenhuma exceção quanto à obrigatoriedade de oposição sob pena de preclusão, não se podendo considerar, portanto, que seria uma opção para o caso de sentença de primeiro grau, de-volvendo ao Tribunal toda a matéria inclusive item não julgado na sentença, com base no art. 1.013 NCPC. É juridicamente possível concluir-se que, a princípio, a não utilização dos embargos declaratórios nos casos em que eram cabíveis (melhor, exigíveis) tem efeito preclusivo de sorte a obstar a possibilidade da parte vir a arguir a imperfeição formal do julgado em suas razões de recurso. Ressalte-se ainda que, tal entendi-mento traz uma supressão de instância além de que prejudicará uma das partes pois não lhe restará opção de ver modificada a decisão do Tribunal pois matéria fática, decidida ali não poderá ser matéria de recurso de revista, ocasionando insegurança jurídica item tão discutido hoje em dia.

Saliente-se também que, com base no princípio protetivo do Direito do Trabalho, o empregado não restará prejudicado pois, havendo omissão da senten-

ça e preclusão do seu direito, não haverá coisa julgada quanto ao item omisso e portanto, poderá ser postulado posteriormente. O tão decantado princípio da celerida-de processual do NCPC também não será confrontado. Por tal, precluso o direito de se postular item omisso em Recurso Ordinário, não podendo se devolver ao Tribu-nal pleito formulado e não analisado pelo juízo.

O tema ainda é objeto de grande divergência doutrinária, e há de se ter em conta que a Instrução Normativa n. 39 do TST que trata da repercussão do CPC na Justiça do Trabalho não tem efeito vinculante, sendo, inclusive, objeto de ADI quanto a sua constitu-cionalidade.

Certo é que em se considerando a ausência do efeito preclusivo pela não apresentação dos embargos, ocorrerá uma ampliação imensa do efeito devolutivo do recurso ordinário [apelação], acompanhada de uma sobrecarga de trabalho aos Tribunais, que podem con-fundir esta ampliação de competência como poder.

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ENTRE A COMMON LAW E A CIVIL LAW: A IMATURIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

NA VINCULAÇÃO AOS PRECEDENTES

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

O Ministro Victor Nunes Leal (1914-1985), do Su-premo Tribunal Federal, teve “destacada atuação na Comissão de Jurisprudência com a implantação da sú-mula da jurisprudência predominante”(1); para muitos, é considerado o “pai das súmulas”.

No Recurso Extraordinário n. 54.190/CE, julgava--se a aplicação da Súmula n. 303 em um caso concreto(2). A insurgência maior — vinda justamente do “pai das súmulas” — residiu no simples fato da possibilidade de se interpretar o verbete a contrario sensu(3).

Na sessão de julgamento, ocorrida em 11.5.1964, o Ministro Victor Nunes Leal registrou o seguinte:

“Se tivermos de interpretar a súmula com todos os recursos de hermenêutica, como interpretamos as leis, parece-me que a súmula perderá a sua principal vantagem. Muitas vezes, será apenas uma nova com-plicação sobre as complicações já existentes. A súmula deve ser entendida pelo que ela exprime claramente, e não a ‘contrario sensu’, com entrelinhas, ampliações ou restrições. Ela pretende pôr termo a dúvidas de inter-pretação e não gerar outras dúvidas.”

E prosseguiu Sua Excelência:

“A súmula foi criada para pôr termo a dúvidas. Se ela própria puder ser objeto de interpretação laborio-sa, de modo que tenhamos que interpretar, com novas dúvidas, o sentido da súmula, então ela perderá a sua razão de ser. A súmula não deve ser interpretada como um texto de lei, não me parece que assim deva ser.”

Em que pese o brilhantismo — indiscutível — do Ministro Victor Nunes Leal, é de se registrar a resposta dada a ele pelo Ministro Pedro Chaves, de forma profé-

(1) Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinis tro.asp?periodo=stf&id=108>. Acesso em: 29 mar. 2017.

(2) Súmula n. 303 do STF: “Não é devido o imposto federal de selo em contrato firmado com autarquia anteriormente à vigência da Emenda Constitucional n. 5, de 21.11.1961.”

(3) Ou seja, se a Súmula diz que não é devido o imposto federal de selo em contrato firmado com autarquia anteriormente à vigência da Emenda Constitucional n. 5/1961, a contrario sensu ele — o imposto — seria devido em contratos firmados em momento posterior ao advento da citada Emenda Constitucional.

tica, naquela sessão de julgamento: “O que é lamentável é que V. Exa. esteja destruindo a sua grande obra, que é a confecção da súmula”.

Tais palavras têm gigantesco fundo de verdade, não especificamente quanto àquele julgamento em si ou quanto ao “pai das súmulas”, mas ao que fez e tem feito o Poder Judiciário, quanto aos precedentes, ao longo de mais de cinquenta anos. Mutatis mutandis, o entendi-mento manifestado pelo Ministro Victor Nunes Leal foi a opção adotada pelo Código de Processo Civil, con-soante art. 926, § 2º, para o qual, “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas [ratio decidendi] dos precedentes que motivaram sua criação”. Nós, os brasileiros, ao adaptarmos os sis-temas do Common Law e Civil Law à nossa maneira, er-ramos.

Canaris pensou o ordenamento a partir de regra-mento de justiça, de natureza valorativa, de modo que o sistema a ele (ao ordenamento) correspondente só pode ser uma ordenação axiológica ou teleológica — na qual o sentido teleológico não é utilizado no sentido es-trito de pura conexão de meios aos fins, mas no sentido mais lato de cada realização de escopos e de valores; o pensamento sistemático radica, de fato, imediatamente, na ideia de Direito, como um conjunto dos valores jurí-dicos mais elevados. O papel do conceito de sistema é o de traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica. (CANARIS, 2008:71)

Considerando que o fundamento de validade da ordem normativa reside na norma fundamental, cuja autoridade moral é a centralidade na dignidade huma-na, e que o poder das súmulas vinculantes, por exem-plo, é instituído e conferido pela norma fundamental, não há como desconsiderar o caráter normativo das sú-mulas, cuja edição, pelo Poder Judiciário, confere aos enunciados o seu sentido consuetudinário. Daí porque as súmulas de caráter vinculante têm natureza de normas consuetudinárias primárias e as demais súmulas, não vinculantes, são normas consuetudinárias secundárias, compondo a bimembridade da jurisprudência.

“(...) quando, então, o direito brasileiro admite a norma positiva (lei em stricto sensu) e a norma consue-

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tudinária (lei lato sensu — súmula vinculante — direito consuetudinário sumulado), incorpora um conjunto de preceitos para a realização da sociabilidade ou desen-volvimento humano.” (MORAIS, 2015:65)

“(...) assim, as fontes legal, consuetudinária, juris-dicional e negocial justificam-se como do direito, já que correspondem às facetas do poder normativo atribuído pelo próprio ordenamento jurídico, via reconhecimento ou delegação, aos órgãos estatais (especialmente ao Po-der Legislativo), ao Poder Judiciário, ao poder social e aos próprios indivíduos.” (MESQUITA, 2012:101)

Daí dizer Silva (1979:201): “toda vez que haja uma manifestação de vontade em sentido normativo que seja acolhida pelo Estado, há criação de uma norma jurídica e defronta-se assim com o conceito de fonte”. Nesse sentido, “o magistrado não é longa manus do le-gislador” (Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, do STJ); “jamais houve controvérsia mais estéril do que a con-cernente à questão de se o juiz é criador do direito, é óbvio que é, como poderia não sê-lo?” (Lord of Appeal in Ordinary, Judge Cyril Radcliffe).

Com os precedentes não é diferente: os recursos especiais repetitivos (arts. 105, III, da CRFB e 1.036 do CPC), de competência do STJ, à semelhança dos recur-sos extraordinários, têm efeito vinculativo nas instân-cias inferiores, na forma do art. 1.040 do CPC. Os re-cursos repetitivos, na seara trabalhista (multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito), têm o mesmo efeito, aplicando-se ao recurso de revista, no que couber, as normas relativas ao julga-mento dos recursos extraordinário e especial repetiti-vos (arts. 896-B e 896-C da CLT).

Muito mais do que isso: o Código de Processo Civil chega ao ponto de não considerar fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acór-dão, que deixe de seguir enunciado de súmula, jurispru-dência ou precedente invocado pela parte sem demons-trar a existência de distinção no caso em julgamento (distinguishing) ou a superação do entendimento (over-ruling) — art. 489, § 1º, VI, do CPC.

Está aí a prova maior da nossa imaturidade na vin-culação aos precedentes. E o caso mais emblemático e exemplificativo do que ora defendo, nesta tese, é a Sú-mula Vinculante n. 53, cujo único precedente que lhe deu ensejo limita a execução das contribuições previ-denciárias, na Justiça do Trabalho, às parcelas objeto da condenação ou do acordo homologado, relegando à Justiça Federal Comum a competência para a execu-ção das contribuições previdenciárias decorrentes do pacto laboral.

Nesse sentido, essa norma consuetudinária de caráter vinculante, ao desconsiderar o sistema jurídi-co onde se inserem as contribuições sociais, retirou da Justiça do Trabalho uma de suas competências — regra meramente burocrática, pois a jurisdição é una — e op-tou pela solução que se mostrará, certamente, no futu-ro, a solução mais injusta(4).

(4) A Súmula Vinculante desconsidera a opção constitucional de reservar à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais (art. 114, VIII, da CRFB). Essa interpretação sistemática acolhe o art. 195, I, “a”, e II, da CRFB (incidência sobre os rendimentos do trabalho humano, com ou sem vínculo empregatício), art. 832, § 3º, da CLT (limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento

Quando, por fim, o juiz tenha à escolha dois julga-mentos igualmente plausíveis, é evidente que ele toma a opção mediante uma antevisão do resultado que de cada julgamento decorre, ou seja, da resolução do caso que dessa opção resulte. Uma vez que o juiz quer resol-ver o caso, tanto quanto possível, “justamente”, a jus-tiça da resolução do caso é um desiderato legítimo da jurisprudência dos tribunais, é legítima a antevisão da resolução do caso vista como justa pelo juiz. (LARENZ, 1997:414-415)

A integridade do sistema, portanto, somente é possível com a adoção da tese de que os preceden-tes, assim como as súmulas, têm natureza de normas consuetudinárias, a fim de possibilitar ao intérprete — mormente o magistrado do trabalho, que é um juiz especializado — garantir a higidez constitucional cen-trada na dignidade humana e nos valores sociais do tra-balho e da livre iniciativa.

“(...) uma lei, logo que seja aplicada, irradia uma ação que lhe é peculiar, que transcende aquilo que o le-gislador tinha intentado. A lei intervém em relações da vida diversas e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido, e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio. Adqui-re, com o decurso do tempo, cada vez mais como que uma vida própria e afasta-se, deste modo, das ideias dos seus autores.” (LARENZ, 2009:446)

Isso se mostra ainda mais relevante em momentos atuais, em que, diante da crise que se instaurou no país, o Supremo Tribunal Federal, que se diz “guardião da Carta Cidadã”, tem promovido verdadeiro desmonte de direitos trabalhistas, a ponto de sinalizar, por exem-plo, o reconhecimento da viabilidade jurídica da tercei-rização irrestrita, como se vê, por exemplo, no ARE n. 713.211 RG/MG(5), que reconheceu repercussão geral sobre a matéria terceirização à luz da liberdade de con-tratar e do princípio da livre iniciativa.(6)

Referências bibliográficas

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e con-ceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian, 2008.

da contribuição previdenciária), o art. 876, parágrafo único, da CLT (que determina a execução de ofício das contribuições, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido), o art. 879, § 1º-A, da CLT (inclui na fase de liquidação o cálculo das contribuições previdenciárias), a cabeça do art. 43 da Lei n. 8.212/1991 (imposição ao juiz de determinar o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social, sob pena de responsabilidade) e o art. 276, § 7º, do Decreto n. 3.048/1999 (deverão ser exigidas as contribuições para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenham sido reclamadas).

(5) STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo n. 713.211/MG, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgamento: 15.05.2014, Publicação: DJe de 06.06.2014. Reautuado como Recurso Extraordinário n. 958.252/MG, em razão do provimento do agravo e sua conversão em recurso extraordinário.

(6) “A proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade-fim pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa, criando, em possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente.” (Min. Luiz Fux, Relator)

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SILVA, Antônio Álvares da. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: Forense, 1979.

TRANSAÇÕES HOMOLOGADAS E SUA REVISÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: CONFLITO NORMATIVO INSTAURADO

PELO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO — O PROCESSO CIVIL E O PROCESSO DO TRABALHO

Fábio Ferreira da SilvaBacharel em Direito pela Unibrasil. Pós-graduado em Direito

Processual Civil Contemporâneo e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Advogado.

Marcelo Ivan MelekDoutor em Direito. Mestre em Educação. Especialista em direito do trabalho e processual do trabalho. Advogado trabalhista. Bacharel

em Direito e em Administração de Empresas. Professor de direito do trabalho e processual do trabalho da Universidade Positivo. Professor

de Pós-Graduação.

Como princípio fundamental e fundante do direi-to processual do trabalho, coloca-se a conciliação. A Jus-tiça do Trabalho em sua origem busca sempre o ideário da conciliação, isto é, mínima intervenção do Estado--juiz nas relações de trabalho.

Nos termos do art. 764 da CLT, os conflitos apre-sentados à apreciação da Justiça do Trabalho, serão sempre submetidos à tentativa de conciliação, podendo as partes celebrarem acordo mesmo depois de encerra-do o juízo conciliatório, conforme § 3º do mesmo artigo.

É evidente o interesse da legislação trabalhista em oferecer aos litigantes várias oportunidades de transi-gir, encerrando o mais breve possível o litígio instau-rado. Exemplos claros são os arts. 846 e 850 da CLT, em que determinam que o Juiz ao iniciar a audiência de jul-gamento irá propor a conciliação e ao término da mes-ma renovará tal proposta. A própria previsão legal de obrigatoriedade de designação de audiência exclusiva destinada à conciliação é prova suficiente para demons-trar a busca pela conciliação.

No entanto, há casos em que as partes buscam por meio da transação o objetivo de fraudar a legislação ou terceiros, para atendimento de fins ilícitos.

Assim, detectada a homologação de acordos vi-ciados, surge a justificativa de atacá-los com o correto mecanismo processual, objeto de estudo desta tese. O problema de pesquisa refere-se precisamente se utiliza-

-se a ação rescisória, segundo praxe forense, CLT e sú-mulas do TST, ou por ação anulatória conforme recente instrução normativa do próprio TST.

Em que pese a autonomia como um ramo do di-reito, o Direito Processual do Trabalho se vale do pro-cesso comum. É o que traz expressamente a CLT, no art. 796, quando diz que: “Nos casos omissos, o direito pro-cessual comum será fonte subsidiária do direito proces-sual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatí-vel com as normas deste Título”.

Assim, a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2016 causou muitas dúvidas aos aplicadores do direito, visto que a nova legislação processual causaria enorme impacto dentro do Processo do Trabalho.

Diante das incertezas da aplicação do CPC ao processo do trabalho, o TST publicou da Instrução Normativa n. 39 visando estipular o que se aplica e o que não ao processo do trabalho e dentro disso, limita a abordagem com relação à transação, prevista no art. 966, § 4º do NCPC.

Instrução Normativa n. 39 e o novo Código de Processo Civil

A Instrução Normativa categorizou três espécies de normas do novo Código de Processo Civil, que po-demos classificar como aplicáveis, não aplicáveis e com

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adaptações. Apesar do presente trabalho não ter como objetivo detalhar toda Instrução Normativa n. 39, é vá-lido apontar alguns detalhes, senão vejamos: a) O art. 2º da Instrução Normativa traz expressamente os artigos que não se aplicam ao Processo do Trabalho, como por exemplo o art. 219 do CPC/15, que determina a conta-gem de prazos em dias úteis.; e b) o art. 3º, a Instrução Normativa elenca os artigos, sem prejuízo de outros, que se aplicam ao Processo do Trabalho. Aqui destaca--se o inciso XXVI do referido artigo, o qual recepciona o art. 966 do CPC/15 para o Processo do Trabalho.

Apesar de não ser um rol taxativo, como se extrai do corpo da própria Instrução Normativa, o art. 966 do NCPC já está recepcionado e é o foco principal do pre-sente artigo, uma vez que afronta diretamente súmula do próprio TST, como veremos a seguir.

Recepção do art. 966 do NCPC em confronto com o pacífico entendimento do TST sobre ação res-cisória e transações homologadas na Justiça do Trabalho

Extrai-se do corpo do referido artigo as situações para o ajuizamento de Ação Rescisória, ou seja, o art. 966 do NCPC traz os vícios de rescindibilidade para fundamentar o ataque contra o trânsito em julgado de determinado caso. Ocorre, que é nesse momento que se percebe a contradição criada pelo TST.

Os vícios de rescindibilidade do antigo código es-tavam todos expressos no art. 485, e a transação era con-siderada expressamente um vício de rescindibilidade e deveria ser atacada por Ação Rescisória, sem margem para questionamentos.

Já o art. 966 do NCPC em seu § 4º é claro ao afir-mar que a mesma hipótese deve-se utilizar ação anu-latória. Assim, as transações judiciais homologadas, devem ser atacadas por ação anulatória, assim como sentença fundada em confissão e desistência, uma vez que todas elas estão abrangidas pelo § 4º do art. 966 do NCPC e não são consideradas vícios de rescindibilida-de pelo novo código.

A confusão instaurou-se uma vez que, tanto a Sú-mula n. 100, V e principalmente a Súmula n. 259, ambas do TST, não foram canceladas, contrariando assim o teor da Instrução Normativa n. 39/2016, que objetivava explicitar o posicionamento da Suprema Corte Traba-lhista sobre os principais aspectos do novo Código de Processo Civil no âmbito trabalhista.

Diante da manutenção da Súmula n. 259, mesmo após a publicação da Instrução Normativa n. 39, possi-bilitou duas alternativas para o mesmo fim. Ação Res-cisória e Ação Anulatória, ambas indicadas pelo Tribu-nal Superior do Trabalho. Entretanto, acredita-se que o

mecanismo que não levantaria qualquer margem para erro seria a Ação Rescisória, porém assim como alguns doutrinadores aqui mencionados, tal Súmula deve ser no mínimo reanalisada, uma vez que a transação não está no rol dos vícios de rescindibilidade do novo CPC, recepcionado pelo TST, eivando assim a ação rescisória de pressupostos legais.

Ainda, a ausência de jurisdição quando da tran-sação entre as partes, dependendo de uma sentença meramente homologatória, fortalece a justificativa de cancelamento da Súmula n. 259 do TST.

Com a exposição da presente problemática, a co-munidade jurídica necessita de uma imediata manifes-tação da Suprema Corte Trabalhista, pois ela própria quem trouxe à pratica forense, uma grande contradição que pode influenciar diretamente os aplicadores do di-reito na luta por justiça.

Referências bibliográficas

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TST. Instrução Normativa n. 39 — 2016.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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6º PAINEL

A LIBERDADE SINDICAL DOS TRABALHADORES IMIGRANTES

Flávia Francisca Silva MontesPós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/PR.

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba. Licenciada em Letras — Inglês — pela Universidad de Panamá. Extensão em Gênero

e Migração pela Universidad de Panamá e OIM. Advogada trabalhista.

1. Introdução

O princípio da liberdade sindical representa um dos postulados de máxima importância ligado ao direi-to fundamental de todos os cidadãos, sejam eles nacio-nais ou estrangeiros, presente na Declaração da OIT. A nível internacional algumas convenções, pactos e decla-rações foram celebrados visando possibilitar uma am-pla participação dos trabalhadores imigrantes, sejam eles regulares ou irregulares, na associação, inclusive sindical.

Há que analisar-se o processo de incorporação dos tratados internacionais de Direitos Humanos, a partir da EC n. 45/2004, no ordenamento jurídico brasi-leiro, e assim definir o seu status hieráquico, seja ele de supralegalidade ou de emenda constitucional.

Atualmente discute-se no Senado Federal o Proje-to de Lei n. 2.516/2015 que institui a Lei de Migrações. Caso o projeto de lei seja aprovado haverá a revogação do Estatuto do Estrangeiro de 1980. No documento, ga-rante-se o direito de associação, inclusive sindical, aos trabalhadores imigrantes regulares desde que com fins lícitos, de acordo com o art. 4º, caput, VII.

2. Instrumentos jurídicos internacionais de pro-teção à liberdade sindical dos trabalhadores imigrantes

Os instrumentos jurídicos internacionais que vi-sam assegurar a liberdade sindical dos trabalhadores imigrantes são: Convenção n. 98 da OIT referente ao direito de sindicalização e de negociação coletiva; Con-venção n. 87 da OIT referente à liberdade sindical e pro-teção ao direito de sindicalização, não ratificada pelo Brasil; Convenção n. 97 da OIT sobre os trabalhadores migrantes; Convenção n. 143 da OIT sobre a promo-ção da igualdade de oportunidade e tratamento entre os trabalhadores migrantes, não ratificada pelo Brasil; Declaração da Filadélfia, anexa ao preâmbulo da Cons-tituição da OIT, defende a aplicação de princípios fun-damentais como a liberdade de associação; Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 de conteúdo idealista por tratar da ampliação dos direitos políticos, civis e das liberdades públicas; Pacto Internacional de Direito Civil e Político; Pacto Internacional de Direito

Econômico Social e Cultural; Convenção internacional da ONU sobre o direito dos trabalhadores migrantes e de suas famílias ainda não ratificada pelo Brasil, dentre outros instrumentos jurídicos internacionais.

3. Fenômeno da internacionalização dos tratados no Brasil

Apesar da Constituição Federal prever em seu art. 5º, § 1º que as normas que definem direitos e ga-rantias fundamentais dos cidadãos têm aplicabilidade imediata, o Brasil, como Estado soberano, estabeleceu as suas normas internas para aplicação dos tratados in-ternacionais de Direitos Humanos; consequentemente, deve haver uma manifestação do Poder Legislativo e do Executivo para que os tratados possam produzir os seus efeitos internos.

O entendimento majoritário pela jurisprudência do STF, desde 2008, é o de que os tratados de direitos humanos são supralegais, com exceção daqueles rati-ficados de acordo com o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, que equivalem às emendas consti-tucionais, como a Convenção de Nova Iorque para a proteção de pessoas com deficiência e o seu respectivo protocolo adicional. Há críticas por parte de estudiosos do direito com relação a esse tema pois, dessa forma, haveria tratados com status de supralegalidade e, por outro lado, tratados com status de emenda constitucio-nal, como se observa nas lições de Peixer(1): “a tese da supralegalidade acabou por regular assuntos iguais de maneira totalmente diferente (ou seja, desigualou os iguais)”.

4. Proposta de mudança legislativa no Congresso Nacional: PL n. 2.516/2015

Em 1980 foi consolidada a Lei n. 6.815, denomina-da Estatuto dos Estrangeiros, de caráter restritivo aos trabalhadores imigrantes, já que esse dispositivo enxer-

(1) PEIXER, Janaína Freiberger Benkendorf. A posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. In: ALTHAUS, Ingrid Giachini; BERNARDO, Leandro Ferreira. O Brasil e o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Iglu, 2011. p. 43-72. p.68.

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ga o imigrante como uma questão de segurança nacio-nal e como sendo uma ameaça ao país.

Em 2015 foi criado o Projeto de Lei que trata da Lei das Migrações visando afastar o tratamento discri-minatório sofrido por imigrantes no Brasil já que esses trabalhadores contribuem com o seu labor para o de-senvolvimento econômico do país e, por isso, merecem um tratamento igualitário com relação aos trabalhado-res nacionais. Com a aprovação do projeto, o Estatuto do Estrangeiro de 1980 será revogado juntamente com a Lei da Nacionalidade n. 818/1949.

No projeto de lei há uma distinção no art. 4º, § 5º, com relação aos imigrantes irregulares que, caso não sejam feitas alterações, esses trabalhadores sofrerão res-trições quanto ao direito de associação, inclusive sindi-cal, para fins lícitos, dentre outros. Por isso, a sociedade, o Ministério Público do Trabalho, ONGs e pastorais es-peram mudanças no texto do projeto visando a inclusão

da garantia das liberdades sindicais aos trabalhadores imigrantes irregulares uma vez que esses merecem ter os seus direitos fundamentais sociais assegurados, e os seus direitos humanos, com o objetivo de garantir-se o princípio da dignidade humana e da isonomia.

5. Considerações finais

O objetivo do presente trabalho foi discutir a ques-tão da liberdade sindical dos trabalhadores imigrantes, regulares e irregulares, a partir do marco de garantia dos direitos fundamentais sociais e humanos inerente a todos os cidadãos nacionais e estrangeiros visando as-segurar o princípio da isonomia e da dignidade huma-na, insculpido como um dos objetivos fundamentais de nosso Estado no art. 1º, III, da Carta Cidadã. O projeto de lei de Migrações, PL n. 2.516/2015, se aprovado no Senado, representará um grande avanço na política mi-gratória do Brasil.

A POSSIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO — O SINDICALISMO BRASILEIRO ESTÁ PREPARADO?

Carolina Silva Silvino AssunçãoEspecialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela

Faculdade de Direito Milton Campos. Membro do Grupo de Estudos em Processo do Trabalho da FDMC. Advogada.

Em razão da complexidade e da existência de múltiplas relações de trabalho, o Direito Laboral Bra-sileiro tem como fonte normas heterônomas (lei em sentido amplo) e normas autônomas, que derivam do exercício da autonomia coletiva dos entes sindicais. A liberdade e a autonomia dos sindicatos foi prestigiada tanto no âmbito internacional (Convenções ns. 98 e 154, OIT, sendo um dos princípios fundamentais da institui-ção) quanto no nacional, haja vista o disposto no art. 7º, XXVI da CR/88.

A negociação coletiva representa importante ins-trumento de desenvolvimento social e de democratiza-ção pois, além de adequar as normas à realidade local, o que permite a concessão de benefícios a ambas as partes, permite que os próprios destinatários da nor-ma atuem na sua elaboração. Necessário ressaltar, no entanto, que o exercício da criatividade coletiva não é amplo e irrestrito, vez que encontra limites constitucio-nais. É certo que os interesses de um grupo não podem prevalecer frente aos interesses da sociedade. Nesse contexto, a posição do c. TST é no sentido de que as negociações coletivas devem respeitar o princípio da adequação setorial negociada, não podendo transigir sobre direitos de indisponibilidade absoluta, que têm status de norma de ordem pública.

Ocorre que, em razão do atual cenário econômico do país, ganham força discursos que clamam por refor-mas trabalhistas que pretendem dar à negociação cole-tiva a possibilidade de transacionar patamares abaixo dos estabelecidos por lei. A prevalência ampla e irrestri-ta do negociado sobre o legislado pode trazer sérios re-trocessos sociais ao país em razão da notória fragilidade dos atuais sindicatos profissionais brasileiros que, mes-mo após vinte e oito anos da promulgação da Consti-tuição da República de 1988, não conseguiram alcançar a verdadeira equivalência entre as partes contratantes.

A falta de representatividade efetiva dos entes coletivos, aliada aos graves casos de corrupção nessas entidades, traz incertezas quanto à melhoria, de fato, das condições de vida e de trabalho dos empregados, via negociações. Nesse contexto, visando dar ampla efetividade ao comando constitucional (art. 7º, XXVI), sem se olvidar dos problemas atuais do direito sindical, o projeto de lei denominado Acordo com Propósito Es-pecífico — ACE — visa dar prevalência ao negociado sobre o legislado desde que o sindicato represente ao menos 60% dos trabalhadores que terão seus contratos regulados pelo acordo. A referida proposta legislativa é salutar, pois visa solucionar um dos principais pro-blemas das negociações coletivas, qual seja, a falta de representatividade, que, via de consequência, dá ensejo

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a normas coletivas que não representam a real vontade dos trabalhadores.

No entanto, é necessário ressaltar que, ainda que seja aprovado o projeto, as partes contratantes não te-rão irrestrito poder de criação de normas jurídicas, porquanto acordos coletivos devem observar direitos fundamentais indisponíveis dos trabalhadores. Assim, observa-se que as normas coletivas somente poderão prevalecer sobre a norma heterônoma quando imple-mentarem direitos que melhorem a condição social dos trabalhadores (art. 7º, CR/88) ou quando transaciona-rem pontualmente direitos de indisponibilidade relati-va. No último caso, no entanto, deve ser oferecido aos trabalhadores justa contrapartida pela disposição do direito previsto pela normatização estatal.

Ocorre que, hodiernamente, mesmo com os notó-rios problemas vividos pelo sindicalismo brasileiro, o Supremo Tribunal Federal demonstra nítida tendência de prestigiar, sem quaisquer parâmetros bem defini-dos, a prevalência das normas coletivas negociadas em face da legislação trabalhista estatal, sob o fundamento de que há isonomia entre as partes contratantes e que, portanto, estaria a hipossuficiência do trabalhador mi-tigada. Nesse sentido foi a recente decisão do STF, no RE895759-PE, ao julgar a possibilidade de supressão do pagamento de horas in itinere, com a alteração da natu-reza salarial da parcela, sob o fundamento de que havia sido oferecido aos trabalhadores contraprestações ra-zoáveis ajustadas pelo próprio sindicato profissional(1).

O referido entendimento traz preocupações, pois, no caso em análise, observa-se verdadeira renúncia de parcelas diretamente relacionadas à duração do tra-

(1) DELGADO, Maurício Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e negociação coletiva trabalhista. Revista LTr, n. 80. São Paulo. LTr. p. 1415.

balho — norma de segurança e saúde — que refletem no cálculo das contribuições fiscais e previdenciárias — que são de interesse de toda a sociedade — pela ex-pectativa de receber modestos benefícios, tais como, fornecimento de repositor energético, cesta básica ape-nas durante o período da entressafra, complementação do seguro de vida obrigatório, complementação do salário-família e pagamento do abono anual aos traba-lhadores com ganho mensal superior a dois salários mí-nimos. Situações como a narrada evidenciam a notória disparidade de forças entre os sindicatos profissionais e os representantes da categoria econômica.

Além disso, imperioso destacar que a interpreta-ção do art. 7º, XXVI da CR/88 não pode ser feita em dissonância das demais normas constitucionais. Os direitos difusos, tais como saúde e meio ambiente de trabalho, e direitos sociais, tais como lazer, saúde e edu-cação, devem prevalecer frente aos interesses coletivos de uma classe. Dessa forma, não se pode conceber que negociações coletivas que regulam interesses de uma categoria aniquilem direitos difusos de interesse de toda uma sociedade. É certo que a limitação de jorna-da e o pagamento do extralabor são normas de ordem pública, que visam assegurar a saúde do trabalhador e garantir que ele tenha tempo livre que possibilite seu acesso a outros bens sociais, tais como lazer, educação e cultura.

Nesse contexto, é necessário que se busquem meios de elevação da qualidade das negociações coleti-vas, tais como aumento da representatividade das cate-gorias envolvidas e concessão de justas contrapartidas nas transações. Ademais, deve-se ter em mente que os interesses difusos devem sempre prevalecer frente aos interesses de uma categoria. Apenas observando tais requisitos será possível aceitar que o negociado prevaleça sobre o legislado.

A ULTRATIVIDADE DAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS É ADEQUADA COM A AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA?

Carlos Eduardo PríncipeDoutorando e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado, em nível de Especialização Lato sensu, em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo.

Advogado e consultor trabalhista sindical.

A indagação, a nosso ver, mostra-se pertinente mormente nos dias atuais em que nos deparamos com uma postura mais protetora da Justiça do Trabalho, em especial, o Tribunal Superior do Trabalho, no tocante ao equacionamento dos conflitos coletivos, exemplificati-vamente, a alteração redacional da Súmula n. 277.

Desde 1988 referida súmula em seu inciso I ratifi-cava a limitação do conteúdo de sentenças normativas, convenções ou acordos coletivos, em consonância com o disposto nos arts. 614, § 3º, e 868, parágrafo único, da CLT.

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Assim estabelecia a Súmula n. 277, I, in verbis:

“N. 277 Sentença normativa. Convenção ou acor-do coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho

I — As condições de trabalho alcançadas por for-ça de sentença normativa, convenção ou acordos cole-tivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.” (Grifamos)

Ocorre que, em sessão plenária de 14 de setembro de 2012, o TST alterou drasticamente o entendimento até então em vigor para estabelecer a integração tem-porária das cláusulas normativas aos contratos indivi-duais de trabalho, in verbis:

“Súm. 277 — Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho. Eficácia. Ultratividade (Re-dação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) — Res. n. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou supri-midas mediante negociação coletiva de trabalho.” (Gri-famos)

Ora, é de se indagar qual teria sido o fundamento legal ou os precedentes jurisprudenciais que conduzi-ram a tão radical modificação?

De qualquer modo, indiscutível que a Carta Mag-na efetivamente valorizou o processo de negociação coletiva, conforme se infere da redação insculpida no art. 7º, incisos VI, XIV, XXVI, e principalmente do art. 8º, incisos I, III, e VI, destacando-se a eliminação da interferência do Ministério do Trabalho e Emprego na administração e controle dos entes sindicais;

Ademais, o processo negocial ao culminar na ce-lebração de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho necessariamente pressupõe a observância dos princípios da boa-fé, da lealdade e da transparência, sem se olvidar do princípio da autonomia sindical, o qual ga-rante a equiparação de forças entre os entes sindicais;

Portanto, se os atores sociais consensualmente estipulam o prazo de vigência do instrumento normati-vo, limitado a até 2 anos, conforme autorizado expres-samente no art. 614, § 3º, da CLT, a priori, a redação atual da Súmula n. 277 representa um retrocesso no campo da negociação coletiva, na medida em que impõe ônus a uma das partes, sem que tenha havido prévia concor-dância com a extensão dos benefícios eventualmente estipulados.

Ao assim agir, com a devida vênia, o TST simples-mente ignorou o primado constitucional de que nin-guém é obrigado a fazer algo se não em virtude de lei, sem se cogitar obviamente dos próprios dispositivos celetistas, destarte, fazendo tabula rasa de toda cons-trução legal e jurisprudencial a respeito do tema, como se os atores sociais não tivessem autonomia e conheci-mento suficiente para estabelecer regras negociais.

A nosso ver, o TST tem demonstrado razoável resistência na consecução dos princípios constitucio-nais que regem a matéria de negociação coletiva, pois ao mesmo tempo em que, de forma equivocada, tenta “proteger” os sindicatos laborais, estimula maior resis-

tência dos entes patronais na concessão de benefícios além do que a lei estipula.

Como reflexo deste posicionamento, recentemen-te o Supremo Tribunal Federal por meio de seu ministro Gilmar Mendes(1), relator na medida cautelar na argui-ção de descumprimento de preceito fundamental 323, sendo requerente a Confederação Nacional dos Estabe-lecimento de Ensino — CONFENEN, determinou con-cernente à vigência da Súmula n. 277: “(...) ad referendum do Pleno, a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas (...)”.

E em suas razões de decidir, assim se posicionou o Ministro Gilmar Mendes:

“Ao avocar para si a função legiferante, a Corte trabalhista afastou o debate público e todos os trâmites e as garantias típicas do processo legislativo, passando, por conta própria, a ditar não apenas norma, mas os li-mites da alteração que criou. Tomou para si o poder de ponderação acerca de eventuais consequências desas-trosas e, mais, ao aplicar entendimento que ela mesma estabeleceu, também o poder de arbitrariamente sele-cionar quem por ela seria atingido.”

Diante do exposto, nesta apertada síntese, temos que não se mostra adequado e muito menos legal a ul-tratividade das convenções e acordos coletivos que, an-tes de tudo, desrespeitam a autonomia privada coletiva dos entes sindicais ao relegá-los a uma pseudo condi-ção de dependência, como se não tivessem autonomia e capacidade jurídica para negociar benefícios e delimitar a respectiva vigência em nome dos seus representados.

Em conclusão, é importante o debate de ideias, mas, mais do que isto, o respeito à dignidade dos entes sindicais, enquanto agentes providos de autorização constitucional para negociação independente, sem in-terferência indevida do Poder Judiciário.

Ademais, nos dias atuais em que se verifica con-flito acentuado entre os poderes constituídos de nossa República, com forte patrulhamento de ideias, mostra--se importante não se olvidar das palavras do grande pensador Bertold Brecht:

“Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei

Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo.”

(1) Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 12 maio 2017.

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VALIDADE E EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS COLETIVAS NEGOCIADAS EM FACE DAS NORMAS HETERÔNOMAS

IMPERATIVAS E A EQUIVALÊNCIA DAS PARTES NAS RELAÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO

Luciana Aparecida Freitas de OliveiraAdvogada no Estado do Paraná.

1 Introdução

O cenário contemporâneo brasileiro é de mudan-ças sociais, políticas e econômicas que, inevitavelmen-te, repercutem de forma substancial nas relações de trabalho. A influência de tais mudanças gera conflitos específicos que necessitam ser tutelados pelo direito do trabalho garantindo os direitos do trabalhador frente às novas formas de trabalho.

No âmbito do direito coletivo do trabalho, a ne-gociação coletiva, por meio de acordos e convenções coletivas, apresenta-se como forma de solução de con-flitos, de modo a adequar as relações de trabalho às circunstancias que envolvem determinada categoria profissional.

Contudo, os limites da autonomia privada coleti-va são objeto de diferentes entendimentos e interpreta-ções contraditórias que implicam em relevantes reper-cussões sociais para os trabalhadores, considerando o reconhecimento das negociações coletivas, a liberdade sindical e aplicação dos princípios norteadores do di-reito do trabalho.

2. Direito coletivo do trabalho

A relação entre seres coletivos trabalhistas, es-pecificamente, instituições coletivas de empregados e empregadores, é regulada pelo direito coletivo do tra-balho, ramo do direito que se ocupa das relações sócio--jurídicas nas quais estão envolvidos os interessados, atuando na resolução de conflitos das relações coletivas de trabalho.

A união dos trabalhadores a fim de defender seus interesses perante o poder econômico é tratada pelo autor mexicano Néstor de Buen, que destaca a impor-tância do direito individual do trabalho e da legislação protetora, considerando que, se o empregado enfrenta o empregador individualmente seria perversamente tratado, contudo, se os trabalhadores se unirem podem equilibrar as forças utilizando-se dos instrumentos co-letivos de classe (tradução nossa).(1)

(1) DE BUEN, Nestor. Derecho Del Trabajo. 22. ed. México: Porrúa, 2010. p. 572.“El Derecho individual del trabajo, que es creación fundamental del Estado, intenta llevar al trabajador, individualmente considerado, el beneficio de una legislación protectora que impida la explotación

Mesmo se tratando de segmentos diferenciados, o direito coletivo do trabalho possui relevante influência no direito individual do trabalho, uma vez que poderá modificar as regras jurídicas das relações individuais através de seus instrumentos normativos.

Esta forma de solução de conflitos baseada na au-tonomia privada se dá por meio de um complexo de normas autônomas criadas por meio da atividade ne-gocial dos particulares interessados, capaz, inclusive, de alterar o conteúdo do direito individual do trabalho.

3. Negociação coletiva de trabalho

A negociação coletiva, tida como instrumento indispensável nas relações de trabalho na atualidade, é tratada como direito fundamental pela Organização Internacional do Trabalho. A Declaração de 1998 men-ciona o compromisso dos Membros, ainda que não te-nham ratificado as Convenções, de respeitar, promover e tornar realidade, os princípios relativos aos direitos fundamentais objeto das Convenções, elencando dentre eles “a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva”.(2)

Observa-se, nesse contexto, que o organismo in-ternacional, cuja missão é promover o acesso ao traba-lho decente, confere especial importância à negociação coletiva.

A Constituição Federal da República prestigia as relações coletivas de trabalho e resguarda o direito dos trabalhadores, reconhecendo os acordos e convenções coletivas de trabalho que são os diplomas negociais co-letivos no Brasil.

patronal. De outra suerte, sin el trabajador enfrentara al patrón sus escasas fuerzas individuales, sería inícuamente tratado. Podríamos decir, com certa intención, que el Derecho individual se integra para evitar que una insuficiente conciencia de clase por parte Del trabajador, permita su explotación. Por el contrario, eltrabajador que conocelarealidad de suposición social adquiere una plena conciencia de clase y crea, por ellomismo, los instrumentos que Le permitirán a través de la unión proletaria, equilibrar sus fuerzas com las Del patrón y aún superar las de este. Em esa medida los instrumentos colectivos: coalición, asociación profesional, sindicato y huelga, son claramente instrumentos de classe.”

(2) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/international_labour_standards/pub/declaracao_direitos_fundamentais_294.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2017.

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4. A negociação coletiva como instrumento para alterar condições de trabalho

O direito do trabalho busca harmonizar as rela-ções de trabalho, almejando sempre o equilíbrio destas. A negociação coletiva, como importante meio de solu-ção de conflitos e parte fundamental deste ramo do di-reito, atua como instrumento importante na busca pela paz social. Entretanto, considerável controvérsia se es-tabelece em torno da limitação da autonomia privada coletiva, sob os mais variados argumentos.

Para o Ministro Mauricio Godinho Delgado deve haver limites quanto à adequação efetivada pela nego-ciação coletiva, uma vez que, muito embora caiba ao direito coletivo certa função de adequação setorial, é necessário preservar a harmonia entre os planos indi-vidual e coletivo do direito do trabalho, considerando a função principal do direito do trabalho de melhorar as condições de trabalho, função esta que comparece ao direito coletivo. Dessa forma, não há particulari-dade que permita ignorar esta função, sob pena de se romper com o núcleo basilar de princípios do direito do trabalho.(3)

Uma visão menos restritiva é manifestada pelo autor Sergio Pinto Martins, que defende a possibilida-de de alteração das condições de trabalho por meio de norma coletiva, inclusive instituindo regras menos fa-voráveis aos trabalhadores.(4)

A autora Alice Monteiro de Barros vincula os li-mites da negociação coletiva ao interesse público, des-tacando a prevalência deste sobre os interesses da clas-se, resguardadas a saúde do trabalhador, os preceitos relativos à higiene e segurança do trabalho e os que se referem à integridade moral.(5)

É possível analisar as limitações à autonomia coletiva sob diferentes entendimentos, variando des-de previsões legais até aplicação de princípio especial do direito coletivo. A ausência de critérios específicos possibilita interpretações diversas, pautadas nos mais variados argumentos.

Em uma análise da doutrina trabalhista é possível observar variados entendimentos acerca dos limites da autonomia coletiva. A mesma divergência pode ser ve-rificada no âmbito das decisões judiciais, onde a preva-lência ou não das normas coletivas sobre as normas he-terônomas trabalhistas é recorrentemente debatida. Em alguns casos são validadas todas as convenções feitas mediante negociação coletiva, resguardando a ampla

(3) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 1.312.

(4) MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 932.

(5) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr. p. 990.

autonomia privada coletiva, em outros, contudo, é esta-belecido um limite, sendo considerados válidos aqueles ajustes para os quais exista normativa explícita auto-rizando a negociação e redução de direitos. Há ainda, outra concepção, mais limitada, por meio da qual serão consideradas válidas somente as negociações coletivas que estipulem condições mais benéficas ao trabalhador, negando qualquer ajuste que venha a reduzir direitos.

5. Considerações finais

As diversas interpretações dão origem a enten-dimentos antagônicos, pautando-se as controvérsias nos limites da autonomia privada coletiva, analisada no contexto dos direitos sociais e em harmonia com os princípios norteadores do direito do trabalho.

Para os que entendem não haver limites para a autonomia privada coletiva, a negociação coletiva pode tratar de forma ampla das relações de trabalho, encon-trando barreiras somente no “mínimo ético social”, com base na autonomia determinada na Constituição Fede-ral de 1988.

Já os posicionamentos contrários defendem que as normas autônomas somente prevalecerão sobre as normas heterônomas quando estabelecerem um padrão de direitos superior, considerando inadmissível que se-jam retirados direitos dos trabalhadores e que a nego-ciação coletiva passe a ser forma de precarizar direitos sociais, na medida em que as normas relacionadas à temática trabalhista, devem ater-se a uma interpretação coesa com os princípios do direito do trabalho, consis-tindo assim, verdadeiro instrumento de efetivação do Estado Democrático de Direito.

Em linhas gerais, apesar da controvérsia que se instaura sobre o tema, os aplicadores do direito buscam soluções que viabilizem a efetiva tutela dos direitos tra-balhistas das mais diversas formas, analisando os inte-resses das partes envolvidas nas relações de trabalho.

Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do traba-lho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012.

DE BUEN, Nestor. Derecho Del Trabajo. 22. ed. México: Porrúa, 2010.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Fomento à Negociação Coletiva. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/node/503>. Acesso em: 10 abr. 2017.

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A PLURALIDADE SINDICAL COMO MECANISMO DE FLEXIBILIZAÇÃO

Thierry Gihachi Izuta de LimaBacharel em Direito pela Faculdade Dom Bosco de Curitiba.

Advogado, cursando especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Marco Antônio César VillatoreAdvogado trabalhista. Professor Titular da Pós-graduação em Direito

(Mestrado e Doutorado) da PUC/PR, da Graduação do UNINTER e da UFSC. Diretor cultural do Instituto dos Advogados do Paraná.

1 Introdução — Sindicato

O sindicalismo surgiu, a partir dos conflitos nas relações de trabalho, entre capital versus trabalho e da consciência de que sozinho o trabalhador não pos-suía força suficiente para barganhar e saciar os seus interesses individuais, somente com o entendimento de que quanto mais pessoas (empregados) lutarem por seus interesses individuais juntos, teriam mais chances de equilibrar a balança dessa relação, criando um interesse coletivo deste grupo de trabalhadores.

O atual modelo sindical brasileiro vem desde a Constituição de 1937, com características de centraliza-ção do poder, fazendo com que o sindicato se tornas-se um braço do Estado, conforme Süssekind(1). Com o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, que teve que reproduzir as normas do ordena-mento sindical vigente nesta Constituição.

Com a Constituição de 1988, houve a manutenção deste modelo de estrutura sindical, bem como, o modo que o sindicato é visto perante o Estado, afetando a sua autonomia sindical, com a conservação da unicidade sindical, do imposto sindical e o intervencionismo es-tatal frustrando os anseios de liberdade sindical plena, sendo necessária a revisão deste modelo de representa-ção, principalmente em relação com a globalização da economia e a flexibilização de direitos.

2 Flexibilização

A partir do surgimento da globalização e a crise econômica em alguns países, houve a necessidade de constantes inovações, sob pretexto que o desenvolvi-mento humano e na busca de melhores produtos e, com a crescente ascensão tecnológica de seus modelos de produção, ocorreu o surgimento da flexibilização das normas trabalhistas, criando novos tipos de contrata-ção, diante da ineficiência de se normatizar por parte

(1) SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 372.

do Estado o avanço dessas relações trabalhistas, de acordo com a professora Cassar(2).

Onde se criou uma fenda, com a “adequação das normas trabalhistas às exigências econômicas do mun-do”, desencadeando uma precarização da relação for-mal de emprego, conforme Ferraz(3) e transformando os sindicatos nos atores principais na intermediação do conflito entre capital versus trabalho, de acordo com Martins(4).

No Brasil, de acordo com o posicionamento das empresas, as atuais leis são consideradas defasadas, im-pedindo a competitividade em um mundo globalizado e que, a CLT não teve nenhuma profunda atualização desde sua criação. Com a flexibilização, surgiram algu-mas formas de precarização dos contratos, seja através de subcontratos (terceirização), excesso de carga horá-ria (banco de horas), baixa remuneração (contratos tem-porários, estagiários), fazendo com que a desregula-mentação prevaleça, retirando ou reduzindo o cobertor protetivo do Direito do Trabalho, conforme Cassar(5).

Tendo em vista, que a flexibilização é um subpro-duto da globalização da economia e que, os desdobra-mentos deste instituto são devastadores para os sindi-catos e para os trabalhadores.

3 Pluralidade sindical como mecanismo de flexi-bilização

A Constituição de 1988 preconiza a unicidade sindical e permite a possibilidade de flexibilização, com isso, criou-se um problema, principalmente por-que a maioria dos empresários buscam maiores lucros

(2) CASSAR, Volia Bomfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Niterói, RJ: Impetus, 2010. p. 38.

(3) FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e demais formas de flexibilização do trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 18.

(4) MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 585.

(5) CASSAR, Volia Bomfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Niterói, RJ: Impetus, 2010. p. 42.

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e rentabilidade, utilizando do referido instituto para melhorar a empresa, acarretando em uma precariza-ção do trabalho. Tal instituto faz com que se estimule a negociação coletiva, sendo que para isso é necessário a mudança de modelo de representação, fortalecendo-o, aprimorando para chegar mais próximo da realidade do trabalhador.

Ocorre que, o Direito do Trabalho deve acompa-nhar a evolução da realidade, se adaptando e evoluin-do para poder servir melhor o trabalhador, conforme ensina Romita(6). Tendo em vista que, no Brasil e no mundo, a economia evoluiu e se tornou globalizada, as instituições do Direito também devem acompanhar essa evolução, pois, a CLT e o atual modelo sindical são da década de 1940.

Desta maneira, entende-se que a flexibilização tem por escopo, a negociação coletiva e a disputa de valores pecuniários, tornando muito danosa ao traba-lhador, considerando que os sindicatos atuais não são fortes os suficientes para defender seus interesses, con-tra os interesses do empresário, essa força é imprescin-dível para que não haja uma precarização dos direitos, podendo haver um retrocesso social.

Entende-se que, com a evolução/mudança de modelo sindical para a pluralidade faz com que haja uma disputa de qual sindicato é mais representativo, pois, se o trabalhador não estiver contente com sindi-cato que está filiado, poderá ir para outro que acredite que o represente melhor. Criando uma conscientização de unidade de representação para enfrentar os desafios de economia globalizada e dos novos modelos de con-tratação que a flexibilização precarizante traz.

Assim, deve ser revista a aplicação da unicidade no Brasil, principalmente em decorrência do instituto da flexibilização, onde há novas modalidades de con-tratação e regulamentação, haja vista que grande parte dos sindicatos não possuem força suficiente para bar-ganhar ou negocia mal. Para responder esse impasse, a pluralidade com a unidade de representação é um ins-

(6) ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 4. ed., rev. e aum. São Paulo: LTr, 2012. p. 193.

trumento importante e plenamente viável para evitar que haja uma flexibilização precarizante.

4 Conclusão

A flexibilização dos direitos trabalhistas trouxe uma série de problemas, pois neste instituto há uma derrogação dos direitos adquiridos pelo trabalhador, reduzindo-se o nível de efetividade de direitos funda-mentais previstos pela Constituição de 1988, acarretan-do uma desvalorização social, precarizando o trabalho, além de ocasionar um retrocesso social e, reduzindo a efetividade das ações sindicais, já que no Brasil existem poucos sindicatos fortes e de representatividade, pois o modelo sindical atual vigente no país, encontra-se em desacordo com as necessidades da sociedade e que, deve-se alterar a Constituição de 1988, para que seja efetivada a liberdade sindical plena.

Ademais, os sindicatos estão limitados pela unici-dade sindical imposta pelo constituinte, sendo que não é melhor organismo coletivo para atender os anseios da sociedade e enfrentar a flexibilização que se torna precari-zante com a fragilidade destes mesmos sindicatos únicos.

A única forma de aprimorar este modelo é a inter-nalização em nosso ordenamento jurídico da Convenção n. 87 da OIT, para que possamos ter a liberdade sindical plena, pois, um dos filhos da liberdade sindical é a plu-ralidade. Somente será possível esta mudança de para-digma se o legislador entender que o capital não deve se sobrepor ao trabalho. Devendo-se alterar a Constituição de 1988, principalmente no art. 8º, incisos II e IV, para que seja efetivada a liberdade sindical plena.

Isto posto, entende-se a necessidade de evolução do modelo sindical brasileiro, para atender as necessi-dades das novas relações de trabalho decorrentes da flexibilização, evoluindo para a pluralidade sindical, consequentemente criando uma unidade de represen-tação sindical. Assim, a pluralidade e até a unidade sin-dical teriam forças suficientes para que o trabalhador não sofra com a flexibilização dos direitos trabalhistas, para que não sejam precarizados até os direitos funda-mentais e evitando um retrocesso social.

PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO: CONJECTURAS SOBRE A FUNDAMENTALIDADE

DOS DIREITOS SOCIAIS

Ana Maria MaximilianoMestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Pós-Graduada em Direito Administrativo, Direito e Processo do Trabalho e Direito Constitucional. Graduada pela PUC/PR.

Procuradora do Município de Curitiba.

Francyelle dos AnjosMestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR.

Graduada pela PUC/PR. Advogada.

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O debate político atual é ofuscado pela defesa de interesses relacionados aos anseios individuais e ideo-logias. Amartya Sen denomina isolamento posicional o fato de vermos o mundo a partir de nossas experiências e de nossa inserção nele. Segundo esse autor “a liber-tação do isolamento posicional pode nem sempre ser fácil, mas é um desafio que o pensamento ético, político e jurídico tem de incorporar”(1).

A percepção restritiva que temos do mundo deve ser vencida. Para tanto, é preciso exercitar a neutralida-de e a alteridade. Por meio do método dedutivo, esse artigo tem a pretensão de analisar objetivamente a re-forma que propõe a prevalência do negociado sobre o legislado.

Essa análise demanda uma digressão histórica. Importante destacar que muitos artigos relacionados ao tema começam com esse retorno às origens do Direito do Trabalho. Esse percurso lógico não se deve ao acaso ou à falta de originalidade de quem o escreve, mas sim a importância jurídica do embate entre Direito Civil e Direito do Trabalho.

Na França liberal a relação entre trabalhador e empregador era tido como de natureza civil. A histó-ria mostra que a regulação civil da relação de trabalho foi devastadora. Houve abuso do poder econômico, a autonomia individual ficou restrita ao plano formal, re-dundando em indignidades e sucessivas revoltas. O Di-reito do Trabalho nasce desse contexto de conflito entre empregador e trabalhador e se funda na lógica do de-sequilíbrio negocial entre as partes envolvidas. Assim, por meio da proteção oriunda do Direito do Trabalho “compensa-se a desigualdade econômica com proteção jurídica”(2).

Reforçando a autonomia, a CLT, desde sua ori-gem, inseriu no parágrafo único do art. 8º a previsão de aplicação subsidiária do Direito Comum — leia-se Direito Civil — naquilo que não for incompatível com os princípios do Direito do Trabalho (CLT)(3).

Essa autonomia está ameaçada na medida em que o Projeto de Lei n. 6.787/2016 cria o art. 611-A da CLT, conferindo às negociações coletivas força de lei e determinando em seu parágrafo primeiro, que o Po-der Judiciário interprete a validade da norma coletiva a partir de Código Civil, “balizando sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da von-tade coletiva”(4).

Essa alteração denota patente primazia da auto-nomia da vontade, apenas substituindo a manifestação individual pela coletiva. Essa substituição ganha im-

(1) SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 187.

(2) TRINDADE, Rodrigo. Reforma trabalhista — 10 (novos) princípios do direito empresarial do trabalho. Disponível em: <http://www.amatra4.org.br/79-uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-novos-principios-do-direito-empresarial-do-trabalho>. Acesso em: 10 maio 2017.

(3) PLANALTO. Consolidação das Leis de Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

(4) CÂMARA. Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6AB2BDCDE8608363BFA4E7F645C6552C.proposicoesWebExterno2?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016>. Acesso em: 08 maio 2017.

portância se considerar-se que a crise de representativi-dade dos sindicatos é notória no Brasil.

Não há dúvidas que a Constituição de 1988 legiti-ma convenções coletivas restritivas de direito, basta ve-rificar os incisos IV, XIII, XIV do art. 7º, que estabelecem a possibilidade, via negociação coletiva, de redução de salário, compensação e redução da jornada de trabalho e turnos ininterruptos de revezamento(5). Atualmente acordos e convenções somente são válidos se melhora-rem as condições de trabalho. Por dedução lógica, a re-forma visa permitir flexibilização maior que as exceções previstas na Constituição e autorizadas na jurisprudên-cia brasileira, não fosse isso a reforma seria redundante.

Não se pode deixar de admirar a arquitetura da mudança. Com a alteração de apenas um dispositivo inverte-se a norma protetiva, reaproxima-se a relação de trabalho ao Direito Civil, privilegiando aspectos contratuais como a pretensa autonomia da vontade em detrimento ao arcabouço valorativo que é característico do Direito Laboral.

A previsão constitucional de negociação coleti-va restritiva não encerra a celeuma inaugurada pela proposta de reforma. A validade de uma alteração tão profunda deve ser analisada sopesando o conteúdo dos direitos sociais.

Segundo Daniel Wunder Hachem, a Constituição de 1988 elevou os direitos sociais a direitos fundamen-tais. Essa fundamentalidade atrai a incidência de um regime jurídico especial de proteção pela aplicação dos §§ 1º do art. 5º e 4º, IV do art. 60, ambos da Constituição de 1988. Assim, além da supralegalidade inerente ao status constitucional, essas normas gozam de aplicabili-dade imediata e da proteção contra reformas tendentes a abolir direitos(6).

Tamanha relevância se deve ao fato de que direi-tos sociais se relacionam diretamente com a qualidade de vida na sociedade. Além de fonte de realização pes-soal, o trabalho é meio de distribuição de renda, de produção de riquezas e de redução de desigualdades sociais. A Organização Internacional do Trabalho de-fende que trabalho decente, “dotado de condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade, é condição fundamental para a superação da pobreza e o desenvol-vimento sustentável”(7).

A primazia da negociação pode obstar o desen-volvimento social e econômico. A negociação pode efe-tivamente reduzir os custos de produção, gerando um efeito em cadeia no qual somente sobreviverá empresas que também reduzirem os custos sociais de sua ativi-dade(8).

(5) PLANALTO. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 12 mar. 2017.

(6) HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) — Programa de Pós- -graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. p. 80-86.

(7) Organização Internacional do Trabalho. OIT lança campanha para trabalho decente. 21 ago. 2012. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/node/888>. Acesso em: 09 set. 2015.

(8) TRINDADE, Rodrigo. Reforma trabalhista — 10 (novos) princípios do direito empresarial do trabalho. Disponível em: <http://www.amatra4.org.br/79-uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-novos-principios-do-direito-empresarial-do-trabalho>. Acesso em: 10 maio 2017.

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Se não bastasse o Direito do Trabalho ontologi-camente restringir tamanha atribuição de valor à auto-nomia da vontade, a ponderação entre a fundamenta-lidade dos direitos sociais e a validade da negociação coletiva impõe um limite valorativo ao que se pode ne-gociar. A fundamentalidade dos direitos sociais impõe um dever de realização progressiva dos direitos. Posto de outra forma, há uma vedação à restrição de direitos e garantias conquistados, amplamente conhecido como princípio da proibição do retrocesso social, segundo o qual não são passíveis de rebaixamento os níveis sociais já conquistados e protegidos pela ordem jurídica.

Por todo o exposto, a reforma pretendida, mor-mente nos pontos brevemente aqui apontados, repre-senta um retrocesso histórico. Subverte a essência do Direito do Trabalho para retornar à valorização do for-malismo contratual, privilegiando sobremaneira a von-tade emitida em detrimento à proteção de direitos. Mo-dernizar as relações de trabalho é uma demanda justa e necessária, desnaturar o próprio Direito do Trabalho não. Há que se encontrar outros meios para a geração de emprego que não a precarização. A Constituição de 1988 incumbiu ao Estado tal tarefa.

Referências bibliográficas

CÂMARA. Projeto de Lei n. 6.787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6AB2BDCDE8608363BFA4E7F645C6552C.proposicoesWebExtern

o2?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016>. Acesso em: 08 maio 2017.

HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma imple-mentação espontânea, integral e igualitária. Curi-tiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) — Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. p. 80-86.

SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

TRINDADE, Rodrigo. Reforma trabalhista — 10 (novos) princípios do direito empresarial do trabalho. Dis-ponível em: <http://www.amatra4.org.br/79--uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-no-vos-principios-do-direito-empresarial-do-traba-lho>. Acesso em: 10 maio 2017.

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PLANALTO. Consolidação das Leis de Trabalho. Dis-ponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABA-LHO. OIT lança campanha para trabalho decente. 21 ago. 2012. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/node/888>. Acesso em: 9 set. 2015.

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO E A CLÁUSULA DE AVANÇO SOCIAL COMO LIMITES À

NEGOCIAÇÃO COLETIVA SOBRE A LEI

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

O caput do art. 59 da CRFB inaugura o chamado processo legislativo no seio da Constituição da República, que compreende a elaboração de emendas à Constitui-ção, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. No parágrafo único do artigo, diz-se que “lei comple-mentar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”.

Em cumprimento a este ditame constitucional, foi promulgada a Lei Complementar n. 95/1998, que “dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”.

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No caput do art. 11, diz-se que as disposições nor-mativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem ló-gica. Segundo o inciso III, para a obtenção da ordem lógica, serão observados critérios objetivos, dentre os quais a restrição do conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio (alínea b), a expressão, por meio de parágrafos, dos aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida (alínea c) e a promoção de discrimina-ções e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens (alínea d).

O caput do art. 7º da CRFB elenca direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, com uma ressalva logo em seguida: “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. A expressão “além de outros” já demonstra, ab initio, que se trata de um rol mínimo, me-ramente exemplificativo, cabendo, portanto, o seu alar-gamento. Mas não é só.

Os direitos sociais têm relevo, em sua essência, no art. 6º e seguintes da CRFB — o art. 7º se insere dentro deste contexto —, com registro de que, por fazerem parte do Capítulo II do Título I, são consi-derados, tal qual os direitos e deveres individuais e coletivos, direitos e garantias fundamentais, de aplicação imediata, na forma do art. 5º, § 1º, da CRFB, que faz referência ao texto expresso no Título I — e não àque-le expresso no Capítulo I —, “de tal sorte que todas as categorias de direitos fundamentais estão sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídico” (SARLET, 2013:514-515).

Sobre a qualidade do direito social como um di-reito eminentemente humano, a demandar proteção do Estado, observa Balera (1989:17) que “o Constituinte coloca, pois, a proteção social como um dos direitos hu-manos cuja garantia é a própria Lei Maior”.

Ainda quanto à sua proteção, os direitos sociais têm em seu favor o princípio da vedação ao retrocesso so-cial, bem explicitado na cabeça do art. 7º da CRFB — que consagra direitos mínimos, como visto —, “a coibir medidas de cunho retrocessivo” que “venham a des-constituir ou afetar gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental (e so-cial), o que equivaleria a uma violação à própria Cons-tituição Federal” (SARLET, 2013:542-543).

Porém, a simples vedação ao retrocesso social não satisfaz a Carta Cidadã, considerada a necessidade pre-mente da vida, de se caminhar para frente, de evoluir, de agir, de tornar efetiva a promessa constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido, a Constituição consagra autêntica cláusula de avanço social (ZWICKER, 2015:152), quando elenca, no art. 7º, direi-tos mínimos além de outros que visem à melhoria da condi-ção social dos trabalhadores.

Essa é, igualmente, a ideologia consagrada no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n. 591/1992), que ostenta posição hierárquico-normativa de supralegalidade no ordena-mento jurídico brasileiro(1) e traz a ideia de progressi-

(1) Ostenta posição hierárquico-normativa de supralegalidade por ser tratado internacional de direitos humanos, mas sem ter sido aprovado

vidade dos direitos sociais. Neste sentido, se extrai, da vedação ao retrocesso, “um vetor dinâmico e unidi-recional positivo, que impede a redução do patamar de tutela já conferido à pessoa humana” (BONNA, 2008:60).

É o que reconhece o próprio Supremo Tribunal Federal, intérprete último da Constituição da Repú-blica: “O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcança-das pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive”.(2)

Nesse contexto, temos o inciso XXVI do art. 7º da CRFB, que prevê o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”, relacionados no art. 611 da CLT. Porém, quais são os limites às negociações co-letivas? Até onde podem ir as convenções e os acordos coletivos de trabalho? Qual a margem conferida pela Constituição da República a esses instrumentos norma-tivos autônomos?

A resposta está na cabeça do art. 7º da CRFB.

Como dito, para a obtenção da ordem lógica, tomemos duas premissas fundamentais: a primeira, é que o art. 7º se restringe a um único assunto ou prin-cípio (art. 11, III, b, da Lei Complementar n. 95/1998) e a segunda é que o inciso XXVI não pode trazer uma regra autônoma ou que contradiga o caput do artigo, limitando-se à promoção de discriminações e enu-merações (art. 11, III, c e d, da Lei Complementar n. 95/1998).

Assim, é seguro afirmar que o Poder Constituinte originário pretendeu reconhecer validade às conven-ções e acordos coletivos de trabalho — diante da pró-pria técnica legislativa — apenas e tão somente se: (i) não promoverem retrocesso social (status negativo); (ii) promoverem avanço social (status positivo).

Quanto à forma de análise do instrumento, é jus-to e razoável que este seja analisado no todo (de for-ma analógica à teoria do conglobamento, amplamente aceita pela iterativa, atual e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho), cabendo ao intérprete ponderar e perquirir se com o instrumento de negocia-ção das partes (que inclui ganhos e perdas e pressupõe consenso entre ambas) não representa, em seu todo, um retrocesso social e, ainda, que representa, no todo, um ganho efetivo e melhoria na condição social dos traba-lhadores.

Estes são os limites — negativo e positivo, ambos de as-sento constitucional — às negociações coletivas, em con-traponto à legislação nacional e o que esta representa às conquistas sociais já alcançadas e ao patamar de tutela já conferido à dignidade humana.

pelo quórum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da CRFB — neste sentido, consultar os recursos extraordinários ns. 349.703/RS e 466.343/SP, os habeas corpus ns. 87.585/TO e 92.566/SP e o Informativo n. 531 do Supremo Tribunal Federal.

(2) Nesse sentido, conferir, por exemplo: ARE 639.337 AgR/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23.08.2011; RE 581.352 AgR/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 29.10.2013.

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Referências bibliográficas

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BONNA, Aline Paula. A vedação do retrocesso social como limite à flexibilização das normas trabalhis-tas brasileiras. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v. 47, n. 77, p. 51-66, jan./jun. 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. In: CANOTILHO, José Joa-quim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo/Portugal: Saraiva/Almedina, 2013.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

OS RUMOS DO SINDICALISMO BRASILEIRO

Mauryane Braga de OliveiraAdvogada, pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processual do

Trabalho pela UNINORTE Manaus.

Ana Paula Castelo Branco CostaGraduada em Direito pela USP. Mestre em Direito pela Universidade

do Estado do Amazonas/UEA. Professora Universitária.

A presente pesquisa buscará encontrar respostas à seguinte questão: O modelo sindical brasileiro é ade-quado?

Nesse sentido viu-se que em 1978, no filme Braços cruzados, máquinas paradas, de Sérgio Toledo Segall, fa-lou-se que a estrutura sindical estava começando a cair.

A estrutura sindical ora retratada no filme fazia referência ao mínimo de representatividade que ocor-ria em face dos trabalhadores. Via-se claramente que as negociações eram pautadas em agradar aos emprega-dores e que não favoreciam em nada aos trabalhadores.

Afirmava-se, entretanto, que não era a estrutura sindical que impedia o respeito e o atendimento aos anseios dos trabalhadores e sim, as más diretorias. Fal-tava uma diretoria que combatesse as irregularidades. Contudo, essa visão era contestada por trabalhadores que viam sim na estrutura sindical um estorvo. É sabi-do que o sindicato e o trabalhador deveriam andar lado a lado visando a plena satisfação da classe operária, o que na prática não acontecia e ainda não ocorre na con-temporaneidade.

A era Vargas deixou um legado de cunho fascista em solo pátrio, mesmo que o presidente à época tenha tentado cultivar a imagem de pai dos trabalhadores brasileiros, sendo essa estrutura sindical o óbice à plena satisfação do movimento operário brasileiro.

É sabido que os sindicatos recebem do Estado uma esfera pública que os caracteriza corporativistas, para a representatividade e defesa dos interesses de uma determinada na categoria tanto na seara judicial quanto na extrajudicial. Finda o corporativismo por ser

uma alternativa ao pluralismo, conectando interesses. As características institucionais presentes no sistema sindical e os canais institucionalizados de acesso ao sis-tema político decisório constituem elementos do poder sindical.

Se confrontados, o sistema sindical presente no filme retro mencionado com o atual sistema sindical, constata-se que o trabalhador ainda não vislumbra na figura do sindicato uma fonte de representatividade, pois os líderes dos sindicatos se unem aos empregado-res e tentam a todo custo fazer com que a classe dos trabalhadores abdique de seus direitos fundamentais para que o grupo capitalista continue a ter lucro em de-trimento de melhores condições de vida daqueles que diariamente têm seus direitos renegados.

Na década de 1980, houve mudanças no modelo sindical preexistente, que viriam a ser consagradas no Texto Maior de 1988. A liberdade da democracia pas-sou a ser respeitada, houve a restrição da intervenção do poder público no funcionamento sindical e possi-bilitou-se a legalização das centrais sindicais, além da consolidação do direito de greve.

A liberdade sindical estrutura o direito coletivo de trabalho no Estado Democrático de Direito, com ên-fase na democracia e pluralismo das relações sindicais. Ademais, a Constituição Federal de 1988 assegurou a liberdade de associação em seus arts. 5º, inciso XVII e 8º, inciso I, respectivamente.

Cumpre salientar que no Brasil exige-se contri-buição sindical obrigatória do empregado, filiado ou não. Essa exigência de contribuição obrigatória, que é

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anual e impõe-se sobre o salário do empregado é cer-tamente um dos maiores questionamentos da classe operária que não enxerga no sindicato um apoio. Como cooperar com a entidade sindical se não há a apetecida representatividade?

A contribuição compulsória finda por ser um ins-trumento para as irresponsabilidades das más direções, embora seja uma contribuição utilizada para o financia-mento dos sindicatos.

Entretanto, cooperar com um sindicato não é o su-ficiente para o trabalhador que tem por vezes sua vida condicionada a situações desfavoráveis, com baixos sa-lários, jornadas exaustivas e ambientes que cooperam para o aumento de estresse e doenças ocupacionais.

Dificilmente um trabalhador se negará a contri-buir se sentir representado, se verificar que há um esco-po de atendimento às necessidades de sua classe.

Neste diapasão, poder-se-ia argumentar que no momento em que os sindicatos utilizam as contribui-ções sindicais para diversos fins que não a melhoria da condição social da classe dos trabalhadores que repre-senta, há um incontestável desvio de finalidade que deve ser combatido através de todos os instrumentos legais disponíveis como forma de coibir a tentativa por outros sindicatos de atuação de má-fé e anda como for-ma de garantia da reprimenda estatal, pois o interesse particular não pode se sobrepor à garantia da harmoni-zação das relações de trabalho.

Todas as relações entre sindicatos e trabalhadores devem ser pautadas em negociações consubstanciadas na boa-fé, pois dessa forma serão alcançados benefícios recíprocos. Caso contrário, estar-se-á diante o fenôme-no do desvio de finalidade culminando-se em um enri-quecimento ilícito que é danoso para o processo nego-cial, que a princípio deve ser eficaz e transparente.

No mais, a organização dos sindicatos no Brasil está fundada em uma divisão entre sindicatos e enti-dades de grau superior conhecida por federações e confederações, que por sua vez constituem um sistema confederativo.

Prevalece na legislação brasileira o princípio da unicidade sindical, que veda a existência de mais de um sindicato profissional ou sindicato de categoria econômica na mesma base territorial, sendo pertinente mencionar que a Convenção Internacional n. º 87 da Or-ganização Internacional do Trabalho não foi ratificada pelo Brasil. Esta Convenção garante críticas ao Brasil no cenário internacional, pois ela por seu turno, adota o

princípio da pluralidade sindical, que possibilita a exis-tência de mais de um sindicato representante da mesma categoria na base territorial.

Diante da aplicação no território brasileiro do princípio da unicidade sindical, há a necessidade de registro do sindicato no Ministério do Trabalho e Em-prego para que a fiscalização legal. O registro no MTE é que conferirá ao sindicato natureza sindical e conse-quentemente, sua legitimidade para a defesa da catego-ria ao qual ele se destina a defender.

Desta feita, concluída a análise acerca dos sindica-tos no território brasileiro, verifica-se a necessidade de uma aproximação entre sindicatos e empregadores de forma que haja uma troca recíproca para o devido fim a que o sindicato se destina. É preciso ir além para que se concretizem os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A interpretação da Lei deve visar sempre o bem--estar comum e não a plena satisfação de uma minoria. No momento em que se tem diversos interesses como é o caso do direito coletivo a ser assegurado, deve-se fazer uso da transparência, da boa-fé e da lealdade. No mais, os direitos indisponíveis devem ser plenamente assegurados, bem como se faz necessária a utilização de suporte jurídico pelos sindicatos e empregados na busca pela consagração do Texto Constitucional, em prol da concretização dos princípios da participação popular, das organizações dos trabalhadores no proces-so legislativo e na administração pública.

Referências bibliográficas

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A PROTEÇÃO DO TRABALHO JUNTO À JUSTIÇA DO TRABALHO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA EM TEMPOS DE CRISE

Nilson de Castro JuniorEstudante de Direito do 5º ano — UNIVEM — Marília/SP.

O direito do trabalho consolidou-se, ao longo de sua história, com o manifesto objetivo de tutelar uma das partes na relação jurídica de que cuida, qual seja, o trabalhador e sua proteção assegurada pela legislação, que, devido ao seu estado de hipossuficiência econô-mica, quando contrastado com o empregador, necessita de um arcabouço de normas e princípios que protejam sua dignidade perante a parte mais forte. Ocorre que tal ramo da ciência jurídica vem sofrendo profundas trans-formações. No estágio atual, em que a globalização nos vende a ideia de que vivemos numa aldeia planetária, as pautas econômicas proclamam a necessidade, im-posta por um ente voluntarioso chamado “mercado”, de que as empresas sejam ágeis, eficientes, pouco one-rosas, enfim, contenham um sem-fim de predicados para que possam ser reconhecidas e, portanto, lograrem ser competitivas. Aliás, competitividade tornou-se ex-pressão sacrossanta na ordem vigente, pois atualmente vivemos momentos de crise que tendem só a aumentar em nosso país.

Deste modo, aportada pela ciência jurídica, que confere doses relevantes de proteção aos profissionais empregados, preservando-lhes a Dignidade da Pessoa Humana. Isto não pode ser desconsiderado, sob pena de aprofundar-se ainda mais as desigualdades. Dian-te desse paradoxo, tanto a sociedade civil organizada, como as instituições têm papéis distintos a desempe-nhar. A Justiça do Trabalho, particularmente, não pode alijar-se do debate, tanto em razão da contribuição que tem dado, desde a sua criação, para a solução dos con-flitos nas relações de trabalho, bem como em razão do panorama que se anuncia, diante dos desafios impostos para um mundo em crise econômica em nosso país e no mundo nos dias atuais, onde o trabalho humano é igual e permanentemente posto em questão, a ponto de falar--se, já há algum tempo, em direito do trabalho em crise.

A missão encomendada não é simples, na medi-da em que estão em jogo questões de poder político e econômico que, quando associadas, produzem efeitos sobre a sociedade brasileira e, em última análise, sobre vidas humanas. Sobre a conjugação desses elementos socioeconômicos, frente aos postulados da sociedade democrática de direito buscada por nossa Carta Magna.

Necessário apontar, desde já, que a Dignidade da Pessoa Humana, como expressão máxima do valor humano, no ordenamento jurídico pátrio não foi cria-da pela Constituição Federal de 1988, contudo pode-se afirmar, que a norma constitucional a reconheceu como um atributo inerente a todo ser humano, conforme sa-lienta a doutrina:

“(...) a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, não poderá ser ela própria concedida pelo ordenamento jurídico. (...) Assim, quando se fala — no nosso sentir equivocadamente em direito à digni-dade, se está, em verdade, a considerar o direito a reco-nhecimento, respeito, proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade, podendo inclusive falar-se de um direito a uma existência digna, sem pre-juízo de outro sentido que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade como concessão — efetivamente poder-se-á sustentar que a dignidade da pessoa humana não é nem poderá ser, ela própria, um direito fundamental”. (SARLET, 2001, p. 71)

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve assegurar uma condição de vida que seja digna, a sobrevivência e manutenção para todos os cidadãos, sem distinção entre raças, povos, cultura etc., pois é de-ver do Estado garantir condições mínimas à sociedade, sendo que para tanto a Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, inciso III reconhece como princípios funda-mentais do Brasil, tal Dignidade da Pessoa Humana.

Neste âmbito ao tratar da dimensão da dignidade da pessoa humana como uma conquista da razão ético--jurídica, o doutrinador Sarlet em sua obra aduz que:

“A dependência do elemento distintivo da razão fundamenta-se justamente na proteção daqueles que, por motivo de doença física ou deficiência mental, sur-gem como especialmente carecedores de proteção. E finalmente: se atribui como objeto da dignidade aquilo que precede qualquer reconhecimento, subtrai-se dela, na procura da “vida humana pura”, a dimensão social, para adquirir-se, por meio disso, a indisponibilidade da dignidade.” (SARLET, 2005, p. 45-46).

Portanto, pode-se afirmar que hoje a crise finan-ceira em que vivemos infelizmente inflige o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que tanto a socie-dade lutou e buscou para conquistar vez que a flexi-bilização das normas trabalhistas em meio de crise econômica mundial diante da globalização econômica, como não poderia ser diferente, reflete nas relações do trabalho. Os limites impostos pelo ordenamento pátrio trabalhista, bem como as tendências de nossa legisla-ção à frente da flexibilização das normas de proteção ao trabalhador.

A redução dos direitos trabalhistas vem sendo apontada como uma das saídas do empregador para solução da crise laboral, o que não pode prevalecer pois o trabalhador necessita de ganhos salariais para sua mantença e sobrevivência. Em linhas gerais, conforme

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aduz o doutrinador Júlio Assunção Malhadas, esta re-dução é definida como:

“A possibilidade das partes, trabalhador e em-presa estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões. Todavia, o tema flexi-bilização põe em confronto a sobrevivência econômica das empresas e o respeito às garantias mínimas indis-pensáveis à dignidade humana.” (MALHADAS, 1991).

Desta feita, conforme todo exposto temos como conclusão que a crise econômica atual em nosso país e mundialmente, se aplicada às relações de trabalho en-tre empregado e empregador, virá a infligir um Direito Fundamental assegurado ao trabalhador qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana, pois o empregado ne-cessita de seu trabalho para sobreviver, pois de seu tra-balho tira seus ganhos econômicos para poder manter sua prole familiar, pois hoje em razão da crise econômi-ca, já esta muito difícil de sobreviver até mesmo o tra-balhador assalariado, quiçá se chegar ao desemprego. Portanto, soluções relevantes para empresas em meio a crise seria fazer planejamentos, seria valorizar seus empregados analisando que sem a mão de obra dos mesmos a crise se tornaria ainda pior para a empresa

em modo geral, fazer análises de mercado, buscando sempre um espelho na tentativa de sobressair não só no nosso país mas em relação ao mundo etc.

Deste modo, as empresas protegeriam seus em-pregados bem como, asseguraria o Direito Fundamen-tal estabelecido em nossa Constituição Federal, garan-tindo a Dignidade da Pessoa Humana ao trabalhador que tanto se esforça para se manter financeiramente e até mesmo manter sua empresa através da mão de obra ofertada.

A Justiça do Trabalho tem como dever garantir a eficácia dos direitos de cada cidadão, ou seja, que a lei em vigor seja aplicada corretamente visando o assegu-ramento e cumprimento dos Direitos Fundamentais, para que não haja em nossa sociedade a desigualdade entre as partes e, que todos tenham seus direitos res-guardados e aplicados de forma correta, cumprindo o seu papel, quando: a) aplica contenciosamente a lei aos casos concretos; b) controla os demais poderes; c) realiza seu autogoverno; d) concretiza os direitos fun-damentais e; e) garante o Estado Constitucional De-mocrático de Direito. Tais funções estão relacionadas à construção de um modelo democrático e independente de Poder Judiciário com aplicação nos moldes de nossa Carta Magna.

OS RUMOS DO SINDICALISMO BRASILEIRO — SINDICALISMO BRASILEIRO — PERSPECTIVAS DO DIREITO

NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

Magno Luiz BarbosaDoutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo — PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais pela Universidade de Franca (2005) —

UNIFRAN. Especialista em Direito Civil (1999) e Direito Processual Civil (1998), pela Universidade Federal de Uberlândia — UFU.

Graduado em Direito no ano de 1997. Sócio do Escritório Barbosa e Araújo Advogados Associados. Professor de Direito do Trabalho

e Direito Processual do Trabalho da Universidade Federal de Uberlândia/MG — UFU.

A intervenção estatal foi fundamental para ga-rantir direitos básicos ao trabalhador empregado, visto que a Revolução Industrial do século XVIII colocou a classe proletária em grande desvantagem, em relação aos detentores do capital, que impunham as suas regras explorando homens, mulheres e crianças, com salários miseráveis e extenuante duração do trabalho.

Por outro lado, é importante que a intervenção es-tatal tenha limites, vez que a partir de certo ponto deve garantir a possibilidade da negociação coletiva, um instrumento muito importante no Direito do Trabalho, visando à adequação em cada realidade de trabalho.

Países que tiveram como fundamento exclusivo o modelo da autoridade estatal, em que o Estado bus-ca normatizar as relações entre particulares de modo a não dar margem a desdobramentos autônomos, como no caso de Itália e Alemanha no início do século XX, demonstraram que a opressão à atuação dos sindica-tos dos operários é maléfica para a sociedade em geral, podendo culminar no caos social, em razão desse auto-ritarismo.

Delgado (2011) elenca dois modelos trabalhistas democráticos essenciais, a Normatização Autônoma e Pri-vatística e a Normatização Privatística Subordinada.

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O primeiro modelo delineado retrata uma situa-ção em que as partes envolvidas na relação, represen-tantes de empregados e empregadores, precisam ter maturidade suficiente para normatizar o que efetiva-mente seja melhor para os representados e para a socie-dade e, assim, alcançar a justiça e a paz social.

O outro modelo apresentado por Delgado de-monstra menor liberdade para as partes, em que o pa-pel legiferante ainda é exercido, em grande parte, pelo Estado, justamente para que se garanta que a interven-ção das partes seja limitada, a fim de resguardar direi-tos básicos da classe operária.

No Brasil a Carta Magna de 1988 dispõe no art. 22, inciso I, que compete privativamente à União legislar sobre o Direito do Trabalho, o que demonstra uma for-te intervenção Estatal na construção do direito laboral. Entretanto, a Constituição expressa inúmeras possibi-lidades de negociação coletiva, para determinar regras sobre o Direito do Trabalho, garantindo no art. 7º, inci-so XXVI, inclusive o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, instrumentos normativos entre particulares.

Entre as possibilidades expressas de negociação coletiva há que se destacar, no art. 7º da Carta Soberana, a permissão de redução do salário, conforme inciso VI, bem como no inciso XIII a “compensação de horários e a redução da jornada”.

No Brasil, percebe-se que vigora o modelo de nor-matização privatística subordinada, em que o Estado garante direitos básicos e irrenunciáveis aos emprega-dos da iniciativa privada, porém permite a negociação coletiva em situações específicas, que não versem sobre normas cogentes ou de ordem pública, como no caso de questões de saúde e segurança do trabalhador, res-salvadas as exceções do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da Constituição Federal.

Nota-se, paralelamente, na seara trabalhista a for-ça do direito legislado, em relação às normas cogentes ou de ordem pública, não passíveis de negociação entre as partes, e a possibilidade do direito negociado, desde que beneficie o empregado, ou em situações específi-cas, que visem antes preservar o emprego e a paz social, quando, por exemplo, se reduz salário em tempos de crise econômica, a fim de evitar demissões.

Destarte, pela considerável influência estatal na normatização trabalhista, quanto às relações entre par-ticulares, bem como pelo fato de que as convenções e acordos coletivos em regra não podem dispor em de-trimento de direitos previstos em lei, considera-se que no Brasil o direito legislado, no qual a lei tem predo-minância sobre acordos e convenções coletivas, vigo-rando a norma sobre o direito negociado, quando há a prevalência da concepção autotutelar do Direito do Trabalho, em que a intervenção estatal na normatização é mínima.

Em 2001, o Governo Federal apresentou no Con-gresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.483, cuja premissa seria alterar o art. 618 da CLT, garantindo prevalência do direito negociado sobre o legislado, no que tange à legislação infraconstitucional, sendo que o mesmo foi arquivado em 16.06.2004.

A questão é extremamente polêmica, pelos pontos positivos e negativos, conforme delineado por Nasci-

mento (2011), que discorre, essencialmente, sobre duas vantagens do modelo negociado:

“A primeira é de natureza estrutural, na medida em que permite a edificação de um sistema de relações de trabalho fruto da livre concepção dos próprios inte-grantes deste, com um mínimo de interferência estatal refletindo-se sobre as formas de representação dos gru-pos e os tipos de instrumentos jurídicos utilizados para compor as suas relações.

É um modelo democrático, pluralista, compatível com o Estado de Direito, que nele encontra uma forma adequada de realização.

A segunda é de eficácia do sistema, uma vez que o que é consentido conta com a probabilidade de ser cumprido de modo heterônomo. De nada adiantaria o ordenamento jurídico repleto de leis elaboradas pelo Es-tado e vazio de conteúdo efetivo, com elevados índices de descumprimento das leis e de trabalho informal, pro-vocando um volume de processos judiciais que, pela sua quantidade, não pode ser solucionado com brevidade e só muito tempo depois da ocorrência do conflito”(1).

É inegável que há vantagens no modelo negocia-do, principalmente pelo fato de que se torna possível se estabelecerem regras mais específicas para cada região de abrangência dos sindicatos representantes dos em-pregados e empregadores, resultando maior eficácia do direito a ser aplicado. Afinal, em um país com a exten-são territorial do Brasil, as patentes diferenças culturais, econômicas e sociais, vislumbradas dentro de um único ente federativo, já são motivo suficiente para uma nor-matização regionalizada.

Por outro lado, Nascimento (2011) também elenca os efeitos maléficos da mencionada alteração:

“É a sacralização do dogma da autonomia da von-tade com suas sequelas, isto é, a faculdade das partes de fixar, por si próprias, o conteúdo das relações indivi-duais de trabalho com a abstenção do Estado mesmo onde possa haver situações de desequilíbrio de forças que, sendo soltas para livre composição segundo as exi-gências do mercado, podem não resolver as questões trabalhistas de forma justa e equitativa.

Outra crítica é a exposição do trabalhador ao po-der do empregador e a precarização do trabalho faci-litada pela omissão do poder público. Quando o Esta-do defende a parte fraca da questão social e promove a elevação social e econômica dos menos favorecidos, atende a imperativos de justiça social mais necessária nos países de economia menos desenvolvida”(2).

Aliado a essas observações, há ainda que se res-saltar a necessidade de maturidade dos gestores das organizações sindicais, no sentido de primarem o bem comum, em detrimento de interesses particulares, tal como busca fazer o Estado, em nome de seu povo.

A proteção que se defende ao trabalhador, por meio da superioridade jurídica face à superioridade econômica do empregador, não pode ser elidida em eventual alteração de modelo a ser aplicado.

Sem dúvida, haverá que se trabalhar para um novo paradigma coletivo, moderno e dinâmico, com

(1) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 53.

(2) Ibidem, p. 53-54.

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propostas para agregar os trabalhadores, isolados pe-los novos modelos de trabalho. Há que se pensar, por exemplo, que em muitos casos, as assembleias sindicais que atualmente ocorrem com a reunião pessoal dos trabalhadores, passem a acontecer por meio virtual, ou seja, nos moldes das teleconferências nas empresas.

Esses avanços são imprescindíveis para a evolu-ção do Direito Negociado e sua prevalência; afinal, as propostas de alterações na legislação trabalhista visan-do o Direito Negociado sobre o Legislado não podem simplesmente desconstruir um modelo que apesar de suas falhas, tem garantido um mínimo de dignidade ao trabalhador.

Em países como o Brasil, que enfrentam altos índices de desemprego, não se pode correr o risco de que trabalhadores desprotegidos legalmente passem a ter que se submeter a formas de trabalhos que não lhe garantam uma subsistência digna, em um cenário que o negociado predomine face ao legislado.

Referências bibliográficas

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2007.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do traba-lho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.

LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. Tradução de J. Teixeira Coelho. 2. ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2000.

MASI, Domenico de. O futuro do trabalho. Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadyr A. Figueiredo. 8. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

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OLIVEIRA, Christiana D’arc Damasceno. (O) Direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

SURET-CANALE, Jean. O livro negro do capitalismo. Gil-les Perrault (Org.). Tradução de Ana Maria Duar-te... [et al.]. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

__________ et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000.

A LIBERDADE SINDICAL DOS TRABALHADORES IMIGRANTES E O PL N. 2.516/2015

Flávia Francisca Silva MontesPós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/PR;

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba; Licenciada em Letras- Inglês- pela Universidad de Panamá; Extensão em Gênero e

Migração pela Universidad de Panamá e OIM. Advogada trabalhista.

Um dos princípios de máxima importância con-tido no art. 2º da Declaração da OIT, é o de que os trabalhadores imigrantes contam com a garantia da liberdade sindical e o reconhecimento da negociação coletiva. Mesmo que alguns Estados-membros não ra-tifiquem determinadas Convenções da OIT é salutar que eles respeitem os princípios relativos aos direitos fundamentais do trabalho ínsitos nessa declaração. Outros dispositivos asseguram a mesma proteção à liberdade sindical como: as Convenções da OIT, os Pactos Internacionais, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Quanto ao fenômeno da internacionalização dos tratados no Brasil, de acordo com o entendimen-to majoritário do STF de 2008, os mesmos são supra-legais, com exceção daqueles que foram ratificados de acordo com o art. 5º, § 3º, da CF/88, equivalendo às emendas constitucionais. Há autores, como Pei-

xer(1), que defendem que ao criarem diferentes cate-gorias para os tratados “ a tese da supralegalidade acabou por regular assuntos iguais de maneira total-mente diferente (ou seja desigualou os iguais)”.

De acordo com o art. 5º da CF/1988 todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-reza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros que residem no país direitos como a vida, liberdade, igualdade, segurança e à propriedade. Quanto aos direitos individuais e sociais a Constituição assegura aos estrangeiros os mesmos direitos que os brasileiros conforme o art. 5º, da CF/1988. Com relação a esse dis-positivo, menciona-se as lições de José Afonso da Sil-

(1) PEIXER, Janaína Freiberger Benkendorf. A posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. In: ALTHAUS, Ingrid Giachini; BERNARDO, Leandro Ferreira. O Brasil e o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Iglu, 2011. p. 43-72.55.

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segurança nacional e como sendo uma potencial amea-ça ao país. O projeto de lei assegura uma série de direi-tos aos trabalhadores imigrantes, em especial quanto a garantia do direito a associação, inclusive sindical, para fins lícitos, de acordo com o art. 4º, VII. Contudo, essa garantia será veiculada aos trabalhadores imigrantes com status de regularidade como se observa no art. 4º, § 5º, onde é feita uma distinção entre os trabalhadores imigrantes regulares e irregulares. Atualmente o PL encontra-se no Senado Federal e posteriormente será sancionado pelo Presidente da República.(7)

A sociedade, o Ministério Público do Trabalho, ONGs e pastorais aguardam alterações visando a inclu-são de direitos aos trabalhadores imigrantes irregula-res, vez que esses são sujeitos de direito social funda-mental e humano e, além disso, contribuem com o seu trabalho para o desenvolvimento econômico do Brasil. Ademais, a inclusão afastaria a discriminação e a explo-ração desses trabalhadores.

Sabe-se que o não reconhecimento dos direitos à liberdade sindical e à negociação coletiva aumenta a vulnerabilidade social dos trabalhadores imigrantes, es-pecialmente àquele grupo que se encontra em situação de irregularidade, pois podem ser explorados em seu labor sem que haja punição. Dentre os princípios e as garantias do PL n. 2.516/2015, tem-se no art. 3º, inciso X, que deve haver uma inclusão laboral, social e produtiva do imigrante por meio de políticas públicas. Nas lições de Piovesan(8), o que importa é: “avançar na luta pela defe-sa e proteção dos direitos humanos dos migrantes sob a ótica emancipatória dos direitos humanos.”

Portanto, com a aprovação e sanção do projeto de Lei n. 2.516/2015, o Estado deverá harmonizar as suas políticas públicas visando enfrentar o fluxo migratório e o direito dos imigrantes contido no referido projeto de lei, e desta forma o rumo do sindicalismo brasileiro contemplará adicionalmente essa classe de trabalhado-res dentro do marco das garantias dos direitos funda-mentais sociais e humanos.

(7) No fechamento deste Jornal o PL n. 2.516/2015 foi sancionado pelo Presidente da República sob Lei n. 13.445, de 24.5.2017, DOU 25.5.2017.

(8) PIOVESAN, Flávia. Migrantes sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista Diversitas, São Paulo, n. 1, p. 138-146, july 2013. ISSN 2318-2016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/diversitas/article/view/58380>. Acesso em: 28 abr. 2017.

va(2): “(...) o texto do art. 5º não é bom, porque abrange menos do que a Constituição dá.” E ainda quanto aos direitos sociais, Silva(3), preconiza que: “não diz aí que assegura direitos sociais, mas, em verdade, ela não restringe o gozo destes apenas aos brasileiros.”

Em razão desse artigo não deve haver distinção e/ou discriminação com relação aos trabalhadores imi-grantes visto que eles possuem direitos sociais e huma-nos de segunda geração, em que deve haver uma pres-tação positiva por parte do Estado, como corrobora a professora Cassar(4) em suas lições: “(...) seja porque são direitos fundamentais e humanos, seja porque expres-são direitos e garantias individuais deve ser interpreta-da de forma ampliativa e não reducionista.” Os direitos sociais têm a característica de serem autoaplicáveis no Estado Democrático de Direito, e esse é o entendimento de Saladini(5): “assegurados a todos os integrantes da população, independentemente de nacionalidade ou status jurídico.”

Por outro lado, o caput do art. 8º, da Constituição Federal de 1988, assegura a livre associação profissional ou sindical de todos os trabalhadores visando a defesa de seus direitos laborais sem ao menos mencionar qual-quer restrição à nacionalidade. Quanto ao tema da in-terpretação da liberdade de associação, Sarlet(6) defen-de que essa deve ter “(...) sentido extensivo, podendo, em princípio, ser atribuída até mesmo, forte no prin-cípio da universalidade, ao estrangeiro não residente, sem prejuízo de eventuais limitações compatíveis com a Constituição”.

Em 2015 foi criada uma proposta de mudança legislativa no Congresso Nacional denominada PL n. 2.516, que trata da Lei de Migrações. Esse projeto de lei tem como objetivo substituir o Estatuto do Estrangeiro de 1980 que enxerga o imigrante como uma questão de

(2) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36. ed. Malheiros: São Paulo, 2013. p. 342.

(3) Idem, p. 342.

(4) CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 82.

(5) SALADINI, Ana Paula Sefrin. Trabalho e Imigração. São Paulo: LTr, 2012. p. 213.

(6) SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais em espécie. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. In: Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 398-728. p. 551.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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7º PAINEL

A COLETIVIZAÇÃO DAS DEMANDAS COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE: UMA ANÁLISE ACERCA DA DISPENSA EM MASSA

Clarissa Valadares Chaves Advogada. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho

pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro do Grupo de Estudos em Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito Milton Campos. Graduada pela Faculdade Mineira de Educação e

Cultura — Universidade FUMEC.

O fenômeno das dispensas em massa, também co-nhecido como lay-off, é realidade enfrentada no cenário atual e, como fato social(1) que é, indissociável sua aná-lise sob o prisma do Direito(2).

Inicialmente, é necessário notar que não se trata de episódios esparsos de dispensa, decorrentes da ne-cessidade de redução de custos frente à situação de cri-se econômica vivida pela empresa. A dispensa em mas-sa possui natureza essencialmente metaindividual(3), transcendendo a esfera de interesses particulares de cada trabalhador — embora dessa não desvinculada.

As contendas acerca dos mecanismos que legi-timariam a prática da resilição unilateral patronal do contrato de trabalho de número expressivo de empre-gados, concomitantemente, à exemplo do paradigmáti-co “caso Embraer”, enfrentado pelo TST em 2009, tem reclamado posição ativa do Poder Judiciário.

À mingua de disposições legais específicas no or-denamento jurídico pátrio acerca do tema, a doutrina e jurisprudência, sob influência da hermenêutica pós--positivista, tem traçado certos requisitos e limites, con-siderando, principalmente, o conteúdo do direito mate-rial envolvido.

(1) “A dispensa coletiva, embora não esteja tipificada explícita e minuciosamente em lei, corresponde a fato econômico, social e jurídico diverso da despedida individual, pela acentuação da lesão provocada e pelo alargamento de seus efeitos, que deixam de ser restritos a alguns trabalhadores e suas famílias, atingindo, além das pessoas envolvidas, toda a comunidade empresarial, trabalhista, citadina e até mesmo regional, abalando, ainda, o mercado econômico interno (TST — RODC- 309/2009-000-15-00.4).”

(2) Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida (2016, p. 55), se valendo das lições de André-Jen Arnaud e María José Fariñas, enaltece que “o direito atua em favor do equilíbrio do sistema social, controlando, integrando ou arrefecendo os conflitos sociais e os desequilíbrios, razão pela qual é a ele conferida a tarefa de gerar e de exercer os meios de controle social pelos quais se comunicam aos usuários do sistema as regras de comportamento.”

(3) Nesse sentido: “O caráter marcadamente publicista do processo de dissídio coletivo de natureza jurídica ou econômica, dada a relevância das matérias que trazem às portas do Poder Judiciário não pode ser visto nem receber igual tratamento que os procedimentos que tenham por objeto direitos individuais. (TST-RODC-309/2009-000-15-00).”

É certo que os direitos sociais, notadamente aque-les previstos no art. 7º da CR/88, são direitos funda-mentais, protegidos pela inalterabilidade consagrada no art. 60, § 4º da CR/88. Além da ordem constitucional interna, outros são os diplomas internacionais que cor-roboram a adoção de certas diretrizes quanto à flexibili-zação de direitos sociais, como a Declaração do Direitos do Homem e as Convenções ns. 11, 98, 135, 141, 151 e 158 da OIT.

Nesse sentido, tem-se entendido(4) que a dispen-sa coletiva imposta unilateralmente pela empresa viola frontalmente o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CR/88), a valorização do trabalho e do emprego (arts. 1º, IV, 6º e 170, VIII, CR/88), a subor-dinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5º, XXIII e 170, inciso III, CR/88) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8º, inci-sos III e VI, CR/88).

Com relação ao meio procedimental adequado para enfrentamento da questão, entretanto, o consen-so apresenta-se um pouco mais distante. Em que pese haver a tendência de se valorizar a utilização dos meios coletivos de tutela em detrimento das demandas indi-viduais, em razão dos próprios reflexos multidimensio-nais que surgem da dispensa em massa — além de sua inegável efetividade(5) —, ainda há desconcerto acerca do meio coletivo mais apropriado.

Há quem entenda(6) que para que seja considera-da válida, a dispensa em massa deve preceder o ajuiza-mento de dissídio coletivo. Para essa parcela da doutri-na, trata-se de instrumento colaborativo por excelência,

(4) Entendimento que pode ser vislumbrado majoritariamente no TST, desde 2009, quando o Tribunal enfrentou o caso “Embraer” — no momento encontra-se em sede de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, desde 30.01.2017.

(5) “A efetividade qualificada, numa perspectiva dinâmica, implica, em primeiro lugar, o direito da parte à possibilidade séria e real de obter do juiz uma decisão de mérito, adaptada a natureza das situações jurídicas tuteláveis (...) levando em conta as peculiaridades das crises sofridas pelo direito material e as exigências do caso concreto”. (OLIVEIRA, 2009)

(6) Como, por exemplo, Marcos Scarlercio (2016).

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possibilitando a participação das partes no processo, de modo que influam eficazmente na produção da senten-ça normativa.(7)

O caráter democrático do dissídio coletivo seria, de fato, muito salutar na tratativa do tema, se não fosse a existência de um sensível aspecto: o sistema sindical brasileiro atual.

O enfraquecimento dos sindicatos desde os anos 90, marcado, dentre outros fatores, pela diminuição da influência das entidades sindicais no plano político, ins-titucional e empresarial, e pela pulverização das entida-des de trabalhadores, em face da tendência de fraciona-mento de categorias (DELGADO, 2008, p. 119), prejudi-ca frontalmente a representatividade dos interesses dos empregados substituídos em sede de dissídio.

Visando solucionar a problemática da represen-tatividade, há os que defendem(8), por outro lado, ser o processo coletivo, por meio da Ação Civil Pública, o mecanismo mais adequado, invocando, também, as nuances específicas da sistemática coletiva no aspecto.

Instituída pela Lei n. 7.347/1985 e ampliada pela Lei n. 8.078/1990(9), a ACP, cujo manejo na Justiça Laboral é feito preponderantemente pelos Sindicatos e pelo MPT, trata-se de histórico instrumento de pro-teção e efetivação dos interesses e direitos metaindi-viduais.

A representatividade adequada dos interesses dos trabalhadores substituídos, notadamente pelo MPT, é aspecto fundamental para que se equalize as forças entre os litigantes, principalmente em situação de flagrante desequilíbrio, como o é com a dispensa em massa.

A paridade de armas é um direito processual com estatura de direito humano (ALMEIDA, 2016, p. 360). Consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Huma-nos, em seu art. 10, o princípio da paridade de armas, vaticina que “toda pessoa tem o direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com

(7) Indo ao encontro da máxima colaborativa instituída pelo CPC/2015, em seu art. 6º.

(8) Como, por exemplo, Ives Gandra Martins Filho (SCARLERCIO, 2016).

(9) As quais compõem o chamado microssistema processual de direito metaindividual.

justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para exa-me de qualquer acusação contra ela em matéria penal”.

A natureza mandamental das decisões por meio da determinação de obrigações de fazer e não fazer, a atuação proativa do juiz na condução do processo, a exemplo da fixação de multas(10) de ofício, a possibili-dade de fixação de dano moral coletivo, assim como a abrangência dos efeitos da coisa julgada em perspecti-va ultra partes ou erga omnes, reforçam, de mais a mais, a efetividade do provimento jurisdicional final obtido por meio do processo coletivo.

Assegurada a representatividade adequada das partes, as singularidades instrumentais para se garantir a efetidade da decisão final e o alcance da coisa julgada, parece ser a via da Ação Civil Pública a mais adequada para o enfretamento da questão das dispensas em massa.

Visando ainda maior efetividade de alcance das diretrizes fixadas no provimento final na demanda co-letiva, insta salientar, por fim, a perfeita compatibilida-de entre o processo coletivo e o instituto da uniformiza-ção de teses em sede de demandas repetitivas, inserido na seara laboral pela a Lei n. 13.015/2014 e ampliado pela Lei n. 13.105/2015 (CPC).

Referências bibliográficas

ALMEIDA, W. G. R. D. Direito Processual Metaindividual do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2016.

DELGADO, M. G. Direito Coletivo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

OLIVEIRA, C. A. A. Os direitos fundamentais à efetivi-dade e à segurança em perspectiva dinâmica. In: SALLES, C. A. As grandes transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao professor Kazuo Wa-tanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 40-41.

SCARLERCIO, M. Os Trabalhistas, 19 agosto 2016. Dis-ponível em: <http://ostrabalhistas.com.br/pre-tensao-de-nulidade-da-despedida-coletiva-contro-versia-em-torno-das-vias-processuais-adequadas--marcos-scalercio/#_ftnref6>. Acesso em: 07 maio 2017.

(10) Como, por exemplo, astreintes.

A TUTELA PROVISÓRIA E O DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO À LUZ DO CPC/15

Rafael Dias MedeirosGraduado pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista

em Direito Material do Trabalho pela UCAM. Membro do Grupo de Estudos do Novo CPC e o Processo do Trabalho da Faculdade de

Direito Milton Campos, coordenado pelo professor Luiz Ronan Neres Koury. Advogado.

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O Código de Processo Civil de 2015, formulado sob a égide da ordem constitucional de 1988, trouxe re-levantes alterações ao direito processual brasileiro.

O novo sistema processual recebeu influxo dire-to das normas constitucionais, buscando materializar a observância não apenas dos princípios constitucionais processuais (ampla defesa, contraditório, celeridade, boa-fé objetiva, cooperação, razoável duração do pro-cesso, entre outros), como, também, a matriz axiológica do Estado Democrático de Direito (dignidade da pessoa humana; art. 1, III, CF).

O CPC/15, aplicável ao Processo do Trabalho sempre que com ele compatível (art. 15 NCPC c/c art. 769 CLT), provocou inúmeras mudanças nos requisitos estruturais das tutelas provisórias.

De início, cumpre destacar que o instituto da tu-tela provisória decorre do fundamento constitucional à tutela efetiva (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88), sendo certo que o direito fundamental consagrado no dispositivo garante ao jurisdicionado não apenas o direito de pro-mover o ajuizamento da ação, mas, também, assegura o direito a uma tutela adequada e concreta.

O NCPC, utilizando-se da técnica de distribuição do ônus do tempo do processo, norteado pela efetivi-dade dos direitos fundamentais, introduziu no sistema processual vigente novos elementos para concessão de tutela provisória. A novidade legislativa não é apenas porque unificou o tratamento das tutelas cautelares e antecipadas, mas, também, por ter inserido nova moda-lidade de tutela provisória que não exige a observância do requisito periculum in mora (tutela de evidência).

Neste aspecto, pode-se dizer que a tutela provisó-ria é proferida mediante cognição sumária, isto é, o juiz, ao concedê-la, ainda não possui acesso a todos os ele-mentos de convicção a respeito da controvérsia jurídica. Já a tutela definitiva é aquela obtida através de um juízo de cognição exauriente, ou seja, leva em consideração o debate acerca das teses expendidas pelas partes, obser-vado o devido processo legal, contraditório e a ampla defesa.

A denominada Tutela Provisória está prevista no livro V da Parte Geral do novo Código, estabelecendo tratamento diferenciado para a tutela de urgência e tutela de evidência. Para as tutelas de evidência (art. 311, NCPC), mais ajustadas com o princípio da razoável duração do processo e o princípio da boa-fé objetiva, não é neces-sário aferir a ocorrência de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, requisitos estabelecidos para as tutelas de urgência (art. 300, NCPC).

Ressalvadas algumas pontuais alterações legisla-tivas, o Processo do Trabalho conserva basicamente sua estrutura legislativa primitiva. É importante destacar que durante um bom tempo esse ramo da ciência pro-cessual serviu de inspiração aos movimentos de refor-ma do Processo Civil.

Não pode se negar a atual dificuldade política de se avançar em temas afetos à efetividade da prestação ju-risdicional trabalhista no âmbito do Congresso Nacional.

Mesmo sendo possível a discussão acadêmica acerca da autonomia científica do Processo do Traba-

lho em cotejo com o Processo Civil, parece inquestio-nável que não se cuida de ramos jurídicos estáticos. Pelo contrário, diante das lacunas na legislação laboral, é possível vislumbrar a utilização da técnica da subsi-diariedade e complementariedade(1), devendo o magis-trado prestigiar o modelo normativo mais adequado às exigências do mundo contemporâneo e as complexas demandas jurídicas(2).

Neste sentido, é seguramente no Processo do Tra-balho, instrumento que serve para tutelar direitos so-ciais dos trabalhadores, em que a demora na entrega da prestação jurisdicional representa ameaça à efetividade, dano que atinge reflexamente toda sociedade. Por essa razão é possível concluir que o instituto da tutela pro-visória é remédio processual perfeitamente compatível com a seara laboral, que tanto precisa de provimentos rápidos e satisfativos.

Essa é a posição do autor, Carlos Henrique Bezer-ra Leite, em recente artigo publicado, in verbis:

“Aliás, é seguramente no processo do trabalho, dado o seu escopo social de tornar realizável o direito material do trabalho, que permite o instituto da tutela provisória se torna instrumento não apenas útil, mas, sobretudo, indispensável. Com efeito, os pedidos vei-culados nas iniciais trabalhistas são, via de regra, rela-tivos a salários, ou seja, parcelas com nítida natureza alimentícia. De tal arte, cremos ser perfeitamente apli-cável a tutela provisória nos domínios do processo do trabalho, seja por omissão da CLT quanto ao aspecto genérico aqui enfocado, seja pela ausência de incompa-tibilidade com a principiologia que informa este setor especializado do direito processual (CLT, art. 769).”

Neste sentido, também, é a diretriz sinalizada pela Instrução Normativa n. 39, editada pelo Tribunal Superior do Trabalho que expressamente reconheceu o cabimento das tutelas de urgência no processo do tra-balho (art. 3º, VI, e § 2º do art. 6º).

Por fim, é possível extrair que a nova sistemática processual vai ao encontro da essência do processo la-boral, marcado pela celeridade e simplicidade, sendo necessário que as normas de direito do trabalho tenham instrumental apto a fornecer uma prestação célere e efi-caz, razão pela qual, a tutela provisória, com escopo de garantir e efetivar direitos sociais deve ser amplamente aplicada na seara laboral.

Verifica-se assim que, a nova roupagem legal das Tutelas Provisórias veio suprir importante lacuna, sen-do que a eliminação da autonomia da ação cautelar e sua conjugação com a disciplina da tutela antecipada vão ao encontro das diretrizes da instrumentalidade, preconi-zadas pela nova ordem jurídica processual, seguindo a mesma carga axiológica que norteia o processo laboral.

É possível observar que o legislador utilizou-se da técnica de antecipação de tutela, distribuindo de ma-neira equilibrada o ônus da demora do processo e, con-sequentemente, conferiu maior efetividade à jurisdição.

(1) Arts. 15, do NCPC e 769, da CLT.

(2) Respeitável autor defende pela inaplicabilidade do NCPC ao Processo do Trabalho. Jorge Luiz Souto Maior, p. 51/53; O conflito entre o novo CPC e o processo do trabalho.

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Considerando a omissão da CLT quanto ao tema das tutelas provisórias, há de ser reconhecido, de um modo geral, como aplicável ao processo do trabalho, as disposições do novo Código no tocante à tutela de ur-gência e evidência.

É impossível imaginar o direito processual do tra-balho, que serve de instrumento para aplicação do direito laboral, não utilizando dos substratos normativos do novo CPC para conceder a tutela de urgência ou não incorporando dos novos mecanismos da tutela de evi-dência.

Urge registrar que é necessário por parte dos ope-radores do direito, especialmente os advogados, pro-funda reflexão acerca do mencionado instituto, tendo em vista que há incontáveis situações no cotidiano da Justiça Especializada a justificar a formulação do reque-rimento de tutela provisória,

À guia de exemplos, é possível extrair que a dis-ciplina relativa à tutela de evidência é figura compatí-vel com o processo do trabalho, inclusive em situações muito recorrentes, tais como pedidos de entrega de alvarás para requerimento do Seguro-Desemprego ou levantamento dos depósitos do FGTS.

Neste sentido, tem-se recente decisão proferida pelo Tribunal Regional da 15ª Região, deferindo, inclu-sive de ofício, a tutela de evidência:

“Tutela de Evidência. Concessão de Ofício. Cerceamen-to de Defesa. Inteligência do Art. 311, IV do NCPC. A jun-tada, na petição inicial, de documentos suficientemente robustos, não contrapostos pela reclamada de forma a gerar dúvida razoável, enseja a concessão de tutela de evidência, inclusive pelo Tribunal (inciso IV do art. 311 do NCPC, subsidiariamente aplicável ao processo do trabalho — art. 769 da CLT e art. 3º, VI, da Reso-lução n. 203/16 do C. TST). Acresça-se que, diante de um quadro de evidência razoavelmente amparada em documentos sólidos, postergar para o final o pensiona-mento em favor da viúva e dos órfãos, que precisam sobrevier até lá sem os cuidados do “de cujus”, seria tornar letra morta a garantia do acesso efetivo à jurisdi-ção, tornando o resultado inútil em razão do tempo. Tal medida pode ser concedida de ofício. Se no processo do trabalho o Juiz deve iniciar a execução de ofício, seria um contrassenso impedir a concessão de antecipação de uma tutela de evidência, especialmente diante de direitos alimentares, que não exigem sequer a prestação de caução (art. 521, I, NCPC). Como se não bastasse, o

NCPC pode ser aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, mas sob o filtro do princípio da proteção, o que também abre espaço para a concessão da tutela de ofício. Tal providência também deve ser tomada pela Câmara do TRT, pois os recursos trabalhistas têm efei-to meramente devolutivo (art. 899, CLT), o que em boa hora foi adotado pelo NCPC (art. 520).Todavia, mesmo diante da hipótese de uma tutela de evidência, a recla-mada tem o direito à produção de provas relevantes e pertinentes, sob pena de cerceamento de defesa. Anu-lação decretada, em decorrência do cerceamento de de-fesa, sem prejuízo da concessão de ofício da tutela de evidência, a fim de que as reclamadas, no prazo de dez dias após a publicação do acórdão, passem a pagar pen-são aos autores. Processo n. 001141319.2014.5.15.0085; Data da publicação: 20.09.2016. Órgão julgado: Órgão Especial. Relator: Samuel Hugo Lima.”

Por fim, após analisar as novas modalidades de tutela provisória do NCPC, é possível vislumbrar, con-siderando a omissão do texto celetista e que o proces-so do trabalho necessita de mecanismos que imprima maior efetividade à jurisdição especializada pela apli-cabilidade destes institutos na seara laboral.

Referências bibliográficas

SILVA, Otávio Pinto e. Tutela antecipada no novo CPC: Repercussões no processo do trabalho. In: MAR-TINS, Sérgio Pinto (Org.). Novo CPC e o processo do trabalho: estudo em homenagem ao ministro Walmir Oliveira da Costa. São Paulo: Atlas, 2016.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Ci-vil anotado. São Paulo: Saraiva, 2016.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Salvador: Jus-podivm, 2016.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho de acordo com novo CPC. São Paulo: LTr, 2016.

OLIVEIRA, Daniel Natividade Rodrigues de. Anteci-pação de tutela no processo do trabalho. Análise sob o prisma do novo CPC. In: DALLEGRAVE NETO, José Afonso; GOULART, Rodrigo Fortu-nato (Coords.). Novo CPC e o processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2016.

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RELAÇÕES LABORAIS, NOVAS TECNOLOGIAS E O DIREITO À DESCONEXÃO

Miriam Olivia Knopik FerrazMestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR e

Graduada em Direito pela PUC/PR. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano e do Núcleo

de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico. Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PR. Advogada.

Nádia Regina de Carvalho MikosDoutora em Direito pela PUC/PR. Mestre em Direito pelo Centro

Universitário Curitiba. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa NEATES — Núcleo de Estudos

Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico da PUC/PR. Coordenadora Adjunta do Curso de Especialização em Direito e

Processo do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Paraná — PUC/PR (2013/2016). Professora. Advogada. Orientadora de

monografias de conclusão de curso de Especialização na Escola da Magistratura do Trabalho no Paraná e do Curso de Especialização em

Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da PUC/PR.

O avanço tecnológico que contorna as relações so-ciais tem impacto considerável sobre o trabalho, nele introduzindo novas técnicas de operacionalização e no-vos conceitos reflexivos sobre o contrato laboral. Há in-fluências que precisam ser sopesadas, mormente quan-do entra em pauta a questão do tempo à disposição do empregador e o meio ambiente de trabalho, com foco específico na saúde e segurança do trabalhador. Nesse passo, o direito à desconexão vem sendo lançado como resposta à constante disponibilidade do trabalhador ao empregador, quando aquele deixa de exercer seu direi-to ao descanso. O principal reflexo deste direito é a des-vinculação do (ao) trabalho, para o reestabelecimento das energias e necessidades biológicas e fisiológicas.(1)

As novas tecnologias trouxeram ao arcabouço la-boral novos modelos de operacionalização do trabalho, como, por exemplo, o teletrabalho, que, por sua natu-reza, pode exigir do trabalhador uma disponibilidade maior aos interesses do empregador, subjugando, as-sim, seu direito à desconexão.

Villatore e Dutra apontam como questão de maior relevância quando se trata de tecnologia, informação, informática, internet e tantos outros meios tecnológi-cos, que estes devem ser utilizados em benefício do tra-balhador, principalmente para amenizar o esforço físico e mental deste, e não, com o propósito de desvirtuar todos esses “aparatos tecnológicos para sobrecarregar a força humana laboral em busca de maiores resultados e lucros infindáveis”.(2)

O reconhecimento ao trabalhador de direitos e ga-rantias que lhe propiciem o exercício pleno da cidada-

(1) DUTRA, Silvia Regina Bandeira; VILLATORE, Marco Antônio César. Teletrabalho e o direito à desconexão. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. v. 3, n. 33. set./2014. p. 142-149. ISSN: 238-6114.

(2) DUTRA, Silvia Regina Bandeira; VILLATORE, Marco Antônio César. Teletrabalho e o direito à desconexão. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. v. 3, n. 33. set./2014. p. 142-149. ISSN: 238-6114.

nia vê-se fragilizado pela arrogante e pungente corrida em busca de lucros, pelos empregadores, olvidando-se estes da prioridade que deve ser imposta às condições de trabalho seguro e digno, aliados que estão (ou pre-midos) pela acirrada concorrência de mercados, cada vez mais alargados pela globalização e pela mundiali-zação do capital.

De outro passo, teorias sobre os reflexos de um mundo interconectado para as relações laborais, obser-vando a renovação de conceitos como espaço, tempo e continuidade temporal, podem talvez contribuir para uma melhor atuação da defesa do direito do trabalha-dor ao descanso e à desconexão, a partir das novéis condicionantes conceituais de meio ambiente, saúde e segurança do trabalhador.

É possível que um bom ponto de partida seja estabelecer em que categoria se enquadra o direito à desconexão. Essa importante análise se revela ina-fastável, à medida em que, antes mesmo de ser possí-vel estabelecer parâmetros menos absonantes para o exercício (e o impedimento ao exercício) do direito de desconexão, antes mesmo de a legislação laboral ser capaz de absorver toda a sistemática casuística, sendo hábil e eficiente para desencadear dispositivos prote-tivos, a Reforma Trabalhista(3) já apresenta a possibi-lidade do trabalho intermitente(4), o que, pelo menos de modo aparente, vai redundar numa disponibilida-de full time do empregado ao empregador, mormente em momentos de crise econômica e dos altos níveis de desemprego.

(3) Projeto de Lei n. 6.787-B, ainda em apreciação e discussão no Senado Federal. Disponível em: <https://goo.gl/Vb1Y7b>. Acesso em: 08 maio 2017.

(4) Conceituado no Projeto como aquele em que “a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses.” (p. 16 da Redação Final do Projeto). Disponível em: <https://goo.gl/Vb1Y7b>. Acesso em: 08 maio 2017.

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Significa afirmar que, como sói acontecer, a di-nâmica social atropela os caminhos legislativos e, com relação ao direito de desconexão, nem mesmo o arca-bouço jurisprudencial foi eficiente para enraizar os cor-retos entendimentos acerca do alcance, da eficácia, da proteção que contornavam o direito à desconexão.

Sarlet(5) propõe a análise da diferença de aborda-gem entre os direitos fundamentais e os direitos hu-manos, teoria sobre a qual repousa a eficiente lição de Oliveira Neto, que retrata o direito à desconexão como integrante da categoria de direito de personalidade.(6)

Souto Maior elenca as contradições que marcam o “mundo do trabalho” e apresentam-se como um pa-radoxo do mundo moderno e tecnológico, quais sejam: 1. A primeira contradição está na própria preocupação com o “não trabalho” inserido e diante de um mundo que possui altos índices de desemprego e a própria ro-tatividade de postos. 2. A segunda, diz respeito ao ideal propagado de que é o avanço tecnológico “que está rou-bando o trabalho do homem”, e em paralelo defende-se que em realidade a tecnologia cada vez mais toma a po-sição de escravizar o homem ao trabalho. 3. Em terceiro plano, trata-se do paralelo de contradição: a tecnologia traz como uma das suas características a possibilidade de proporcionar ao homem um rol infinito de informa-ção sobre os mais diversos temas, e atualizações sobre o tempo e espaço em que vive; por outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, coloca o homem em posição de escravo dos meios de informação, já que este deixa de ter a informação como prazer e passa a ter a ne-cessidade de se manter informado, como um requisito para não perder espaço no mercado de trabalho.(7)

(5) SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 115-119.

(6) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente às novas tecnologias no âmbito das relações de emprego. Disponível em: <https://goo.gl/fg7Dg5>. Acesso em: 08 abr. 2017.

(7) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003. Disponível em: <http://trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev23Art17.pdf.>

O direito à desconexão, embora não acolhido de modo expresso na Carta Constitucional, traz em seu bojo um amplo espectro de outros direitos, considera-dos fundamentais (direito à liberdade, direito ao lazer, direito à saúde), e mais especificamente guardados sob a égide dos direitos de personalidade (direito ao des-canso, direito à privacidade, direito ao lazer, direito à convivência familiar).

Desta forma, denota-se que o direito à desconexão possui sua jusfundamentalidade pautada em outros di-reitos constitucionalmente previstos e contemplados, entretanto, reveste-se de categoria própria diante da realidade. O direito à desconexão se mostra necessário pois reflete uma necessidade de proteção do trabalha-dor diante de uma realidade específica: as relações la-borais e as novas tecnologias.

Referências bibliográficas

BRASIL. Projeto de Lei n. 6.787-B, ainda em apreciação e discussão no Senado Federal. Disponível em: <htt-ps://goo.gl/Vb1Y7b>. Acesso em: 08 abr. 2017.

DUTRA, Silvia Regina Bandeira; VILLATORE, Marco Antônio César. Teletrabalho e o direito à desconexão. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. v. 3, n. 33. set./2014. p. 142-149. ISSN: 238-6114.

OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente às novas tecnologias no âmbito das relações de emprego. Disponível em: <https://goo.gl/fg7Dg5>. Acesso em: 08 abr. 2017.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fun-damentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 115-119.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Traba-lho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003. Dispo-nível em: <http://trt15.gov.br/escola_da_magis-tratura/Rev23Art17.pdf>.

RECURSOS REPETITIVOS E SUSPENSÃO PROCESSUAL

Antonio Borges de FigueiredoMestre em Direito (Unesp/Franca). Professor (CUML/Ribeirão Preto).

Advogado.

Clésio de OliveiraPós-graduando (ESA). Advogado Trabalhista.

1. A resolução de demandas repetitivas no cível

Os arts. 976 a 987 do NCPC tratam do incidente de resolução de demandas repetitivas [perante qual-quer tribunal], em caso de efetiva repetição de proces-sos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e de risco de ofensa à isonomia e

à segurança jurídica (art. 976). O incidente deve ser ins-truído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos respectivos pressupostos.

Não é cabível o incidente de resolução de deman-das repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questões de direito mate-

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rial ou processual repetitiva (art. 976, § 4º, do NCPC e art. 8º da Instrução Normativa n. 39/2016 do TST).

Admitido o incidente, o relator suspenderá os pro-cessos pendentes, individuais ou coletivos, em tramita-ção no Estado ou na região; poderá requisitar informa-ções a órgãos em cujo juízo se discute o objeto do in-cidente; intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se; e ouvirá as partes e os demais interessa-dos, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interes-se na controvérsia; poderá designar audiência pública, para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que ver-sem sobre idêntica questão de direito, em andamento na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive nos juizados especiais, e nos casos futuros que ver-sem idêntica questão de direito e que venham a tra-mitar no território de competência do tribunal, salvo revisão do mesmo tribunal em novo incidente (arts. 985 e 986 do NCPC).

Do julgamento do mérito do incidente caberá re-curso extraordinário ou especial, conforme o caso, com efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente discutida. Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacio-nal a todos os processos individuais ou coletivos sobre idêntica questão de direito (art. 987 do NCPC). Em caso de inobservância da tese adotada no incidente, caberá reclamação (art. 985, § 1º, do NCPC).

2. Uniformização de jurisprudência pelo TRT

Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização da sua jurisprudên-cia, nos termos do CPC (art. 896, § 3º, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.015/2014), respeitadas as regras processuais civis sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do NCPC), as quais são compatíveis com a uniformização preconiza-da (art. 8º da IN n. 39/2016 do TST).

Cabe ao Regimento Interno de cada TRT dispor sobre a Súmula da respectiva jurisprudência dominan-te e sobre o incidente de uniformização, inclusive sobre as leis estaduais e normas coletivas (art. 14 da Lei n. 7.701/1988), por maioria simples (art. 672, § 2º, da CLT).

Dispõe o NCPC que, admitido o incidente, o rela-tor suspenderá os processos pendentes, individuais ou cole-tivos, em tramitação no Estado ou na Região, conforme o caso (art. 982, I), devendo o incidente ser julgado no prazo de um ano, cessando a suspensão quando supera-do tal prazo (art. 980, caput e parágrafo único).

Após o julgamento do incidente de uniformiza-ção de jurisprudência, unicamente a súmula regional ou a tese jurídica prevalecente no TRT, não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, ser-virá como paradigma para viabilizar o conhecimento do recurso de revista por divergência (art. 896, § 6º, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.015/2014).

Julgado o incidente, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem idêntica questão de direito, na área de juris-dição do respectivo tribunal estadual ou regional (art. 985 do NCPC). Admite-se a revisão da tese jurídica fir-mada no incidente, pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública [E a entidade sindical?].

3. Retorno ao TRT para fins de incidente de uni-formização

No processo trabalhista, ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do MPT, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo TRT sobre o tema objeto de recur-so de revista, o TST determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda a uniformização da jurisprudência (art. 896, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.015/2014).

Ante a relevância da matéria, por iniciativa de algum membro da SDI do TST, aprovada pela maio-ria dos seus integrantes, o julgamento a que se refere o § 3º poderá ser afeto ao Tribunal Pleno (art. 896, § 13, da CLT, incluído pela Lei n. 13.015/2014).

Trata-se de uma inovação que poderá retardar demasiadamente o julgamento do recurso de revista, pois não fixa prazo para retorno dos autos ao TRT de origem, nem fixa o prazo em que o recorrido poderá provocar o retorno. Para evitar protelação, deverá ser suscitado pela parte por ocasião da apresentação das contrarrazões de recurso, salvo situações excepcionais como a divergência ser posterior, mas o incidente pode-rá ser provocado ou decidido até a sessão de julgamen-to do recurso de revista, o que causará demora exagera-da no julgamento do recurso de revista.

Não há previsão legal expressa de que o TRT, ao uniformizar sua jurisprudência, poderá ou não alterar o acórdão recorrido. Se não pudesse alterá-lo, o retorno dos autos para a uniformização da jurisprudência, em vários casos concretos, serviria apenas para retardar o julgamento do recurso de revista.

Consideramos que está implícita a possibilidade de o TRT alterar o acórdão recorrido se a uniformização resultar em aprovação de tese diversa, ante a previsão expressa de que os recursos de revista repetitivos so-brestados, também poderão ser revistos pelo TRT, se o TST aprovar tese distinta, sem prejuízo da segurança jurídica e da possibilidade de modulação (art. 896-C, § 17, da CLT), como exceção à regra de que o órgão da Justiça do Trabalho não deve conhecer de questões já decididas (art. 836 da CLT).

Tendo em vista o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 896 da CLT, persistindo decisão conflitante com a juris-prudência uniformizada na origem, os autos “deverão retornar à instância a quo para sua adequação à súmula regional ou à tese jurídica prevalecente” no TRT, “des-de que não conflitante com súmula ou orientação ju-risprudencial” do TST (art. 3º do Ato n. 491/SEGJUD.GP/2014).

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Se o TRT, em razão do resultado da uniformiza-ção de jurisprudência, alterar (adaptar) o acórdão recor-rido, será reaberto prazo para interpor à parte vencida interpor recurso de revista, bem como para quem ha-via recorrido complementar ou alterar suas razões (por analogia com § 4º do art. 1.024 do NCPC), mas nada disso está claro na CLT.

4. O incidente perante o TST

Havendo multiplicidade de recursos de revis-ta fundados em idêntica questão de direito, a questão pode ser afetada à Seção Especializada em Dissídios In-dividuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples, sob o rito de processos repetitivos, por força do disposto nos arts. 896-B e 896-C da CLT, acrescentados pela Lei n. 13.015/2014.

O Presidente do TRT de origem também tem competência para admitir um ou mais recursos repre-sentativos da controvérsia, os quais devem ser encami-nhados ao TST, ficando suspensos os demais recursos de revista até o pronunciamento definitivo deste (art. 896-C, § 4º, da CLT).

Não obstante a regra geral de que os recursos tra-balhistas têm efeito meramente devolutivo, o relator no TST poderá determinar a suspensão dos recursos de revista ou de embargos tendo como objeto controvérsia idên-tica ao do recurso afetado como repetitivo (art. 896-C,

§ 5º da CLT). O Presidente do TST também poderá oficiar para que TRTs, Turmas e Seção Especializada suspen-dam os processos idênticos aos selecionados como re-cursos repetitivos, até o seu pronunciamento definitivo (art. 896-C, § 15, da CLT).

A decisão firmada em recurso repetitivo não deve ser aplicada aos casos cuja situação de fato ou de direi-to seja distinta das presentes no processo julgado sob o rito dos recursos repetitivos (art. 896-C, § 16, da CLT).

5. Suspensão dos feitos pendentes

Dificilmente a causa trabalhista tem como objeto uma única matéria de direito, pois é comum a multipli-cidade de pedidos em cada causa, por razões de fato e/ou de direito, aspectos que devem ser observados em cada caso concreto.

Os processos afetados sob o rito dos processos repetitivos são compatíveis com os princípios da isono-mia, da economia processual e da eficiência, justifican-do-se a suspensão de outros processos, mas não deve ocorrer a suspensão no tocante as demais matérias não repetitivas de cada causa ou que dependam da instru-ção processual, mormente porque atualmente, admite--se o julgamento parcial do mérito em caso por falta de controvérsia quando um ou mais dos pedidos formula-dos (arts. 355 e 356 do NCPC).

TEMAS ATUAIS DE PROCESSO DO TRABALHO: TUTELA DE EVIDÊNCIA EM CASO DE ABUSO DO

DIREITO DE DEFESA OU DE MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO DA PARTE NA FASE RECURSAL

Flávio BentoUniversidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Cornélio

Procópio. Mestre em Direito. Doutor em Educação.

Marcia Hiromi CavalcantiUniversidade Estadual de Londrina. Especialista em

Filosofia Política e Jurídica.

O novo CPC disciplinou a tutela de evidência, que se caracteriza quando ocorrer uma das hipóteses previstas no art. 311, destacando-se o inciso I que se refere ao “abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”.

O abuso do direito está previsto no art. 187 do Código Civil que estabelece que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifes-tamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Sob a ótica processual, o “abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte” possui relação com os deveres de lealdade e boa-fé pro-cessual, conforme as regras previstas nos arts. 5º, 77 e 80 do CPC.

A tutela de evidência, com sua configuração e prática ainda em construção na doutrina e na jurispru-dência, também pode ser requerida e concedida na fase de recurso. No contexto recursal podemos afirmar que é dever da parte “não formular pretensão”, “quando cientes de que são destituídas de fundamento” [CPC,

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77, I]; e “não criar embaraços” ao cumprimento das “decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou fi-nal”, inclusive apresentando recurso desprovido de qualquer possibilidade de provimento [CPC, 77, IV].

A parte litiga com má-fé quando “interpuser recur-so com intuito manifestamente protelatório” [CPC, 80, VII]. Protelar, como é sabido, representa “adiar”, “delon-gar”, “postegar”, “procrastinar”, isto é, fazer o possível para que o andamento do processo demore mais tempo.

O ônus para quem desrespeita os deveres de leal-dade e boa-fé processual e litiga com má-fé é “pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indeni-zar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou” [CPC, 81]. Quando a parte não observar os deveres de “cumprir com exatidão as de-cisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação” [CPC, 77, IV] e de “não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso” [CPC, 77, VI], está sujeita à “multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta” [CPC, 77, § 2º].

É muito comum nos processos a repetição de teses e argumentos recursais já rebatidos mais de uma vez pelo Juízo. Assim já decidiu o Colendo Tribunal Supe-rior do Trabalho:

“Recurso. Fundamentação. Lide Temerária. Procrasti-nação do Feito. Multa. Indenização. Incorre em lide teme-rária quem pela quarta vez seguida apresenta razões recursais idênticas, sem sequer combater os fundamen-tos de cada uma das decisões recorridas, em manifesta procrastinação injustificada do andamento do proces-so. Também incorre no pecado da protelação, a parte que, ao opor embargos de declaração, foge ao escopo dos arts. 897-A da CLT e 535 do CPC. Embargos de De-claração com imposição das penalidades previstas nos arts. 538, parágrafo único, 17 e 18 do CPC. [Processo TST-ED-E-AIRR-807.434/2001.3, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DJ 23.04.2004]”

A tutela de evidência, em conjunto com a exigên-cia dos deveres de lealdade e boa-fé processual, deve ser utilizada para dar efetividade ao direito reconheci-do na sentença e coibir a prática dos recursos com intui-to manifestamente protelatório.

Recorde-se, ainda, que o “abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte” ofende os princípios da razoável duração do processo e da celeridade, e as normas processuais modernas que reforçam o direito à razoável duração do processo.

Clarissa Vencato Rosa da Silva, no estudo Consi-derações sobre a tutela de evidência do novo Código de Pro-cesso Civil, observou que “a sistemática do CPC/73 já se mostrava insuficiente e excessivamente burocrática, porquanto permitia a perpetuação de processos em ins-tância recursal, indo de encontro aos ditames da razoá-vel duração do processo e da celeridade”. E acrescentou

que “com o advento do novo Código, foram expurga-dos recursos e expedientes de pouca utilidade prática, conferindo nova roupagem ao sistema recursal, deses-timulando recursos protelatórios e criando mecanis-mos que visam acelerar o acesso da parte vencedora ao direito judicialmente reconhecido. Assim, a Tutela de Evidência cumpre importante papel também em grau recursal. [...]”.

O Ministro Luiz Fux, ao tratar da tutela dos di-reitos evidentes, observou que “satisfaz-se, ordena-se e realiza-se o direito evidente do vencedor através dos meios executivos e se necessário da contempt of court nacionalizada. A natureza ‘ordenatória’ da tutela ante-cipada permite se considere ‘atentado à dignidade da justiça’ ou desprezo pelo tribunal, o descumprimento de nossas injunctions”. E complementa que “essa ime-diatidade da realização do provimento indica que esta-mos no plano da execução, da satisfação com base em decisão ainda passível de recurso. Ora, essa satisfativi-dade afina-se com a ideia de execução definitiva, aquela que no plano prático confere in natura o que o exequen-te obteria se a obrigação tivesse cumprimento integral”.

Por fim, Andre Vasconcelos Roque, no texto Uma tutela nada evidente: a tutela da evidência recursal entende que “o maior campo para a tutela da evidência recursal, em definitivo, encontra-se no art. 311, IV: trata-se dos casos em que há prova documental suficiente do direito invocado pelo recorrente, não tendo o réu apresentado prova capaz de gerar dúvida razoável. Nesta hipótese, ao contrário do art. 311, II ou dos casos de julgamento monocrático previstos no art. 932, V do CPC-2015, não se exige o enquadramento em tese firmada em julga-mento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. É suficiente, para que seja concedida a tutela da evi-dência, que a prova documental seja robusta o bastante para afastar qualquer dúvida razoável do direito do re-corrente”. Mas observa que “como se trata de hipótese de tutela da evidência amparada em exercício ineficaz da defesa, não é possível a sua concessão liminar, antes que seja exercido o contraditório (arts. 9º e 311, parágra-fo único). Assim, a tutela da evidência recursal ampa-rada no art. 311, IV somente poderá ser concedida após oportunizadas as contrarrazões”.

A tutela de evidência deve ser aplicada na fase re-cursal, em caso de manifestado intuito protelatório do recorrente, e existindo prova documental satisfatória do direito invocado pelo recorrente.

O grande desafio será diferenciar o legítimo di-reito de recorrer, do manifesto propósito protelatório, o que não pode ser feito sem que o Poder Judiciário ana-lise, em profundidade, o caso concreto.

Referência bibliográfica

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/ 894/A_Tutela_Dos_Direitos_Evidentes.pdf>.

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O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO E A PARIDADE DE ARMAS COMO FORMA DE EQUALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES

PROCESSUAIS TRABALHISTAS

Larissa Campos RubimAdvogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do

Amazonas (UFAM). Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário do Norte — Uninorte Laureate

Manaus.

Ana Paula Castelo Branco CostaGraduada em Direito pela USP. Mestre em Direito pela Universidade

do Estado do Amazonas/UEA. Professora Universitária.

O Princípio da Proteção ao trabalhador, ampla-mente citado no Direito Material do Trabalho, possui também seu viés processual ao se valer de mecanismos legais de proteção da parte hipossuficiente da relação jurídica laboral: o obreiro. No entanto, questiona-se: A proteção conferida ao trabalhador seria um impedi-mento à equalização das relações no âmbito das lides na Justiça do Trabalho?

Inicialmente, há de se ressaltar que a Constitui-ção da República em seu art. 5º, caput, traz a igualda-de formal como direito fundamental a toda e qualquer pessoa. Esta garantia é aplicada, em se tratando da inafastabilidade do controle jurisdicional (CR/88, art. 5º, XXXV), através dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CR/88, art. 5º, LV).

O art. 7º do Código de Processo Civil é claro ao dispor que “é assegurada às partes paridade de trata-mento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deve-res e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Os arts. 9º e 10 também preveem a impossibilidade do juiz proferir decisão sem que tenha sido garantido o contraditório, ainda que se trate de matéria sobre a qual este deva de-cidir de ofício.

Embora não se difira do processo civil, a relação jurídica processual trabalhista possui algumas peculia-ridades, visto que no conflito apresentado à Justiça do Trabalho as partes envolvidas são empregador e empre-gado, ou seja, de um lado há o detentor dos meios de produção, que assume os riscos da atividade econômica (CLT, art. 2º, caput) e de outro aquele que vende sua for-ça de trabalho mediante salário (CLT, art. 3º).

Assim, destaca-se que o empregado, ainda que vivencie o trabalho, não tem como dispor de documen-tos de admissão e demissão, registros de ponto, imagens de sistema de câmara e outros necessários a provar sua pretensão, justamente por não possuir o ônus gerencial da empresa.

Da referida afirmação é notório que a dispari-dade aparente pregada se baseia em quem tem maior facilidade de acesso aos mecanismos necessários como

meios de prova em um processo e não em um privilégio processual do trabalhador. O fundamento principioló-gico está na Proteção do Trabalhador, o qual é o núcleo essencial de todos os demais princípios aplicados na seara trabalhista.

Segundo Delgado (2016, p. 201), “informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e pre-sunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossu-ficiente na relação empregatícia — o obreiro —, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fálico do contrato de trabalho”.

Não há óbice legal, quanto à aplicação deste prin-cípio às relações processuais trabalhistas, pelo contrá-rio, a própria legislação prevê mecanismos que garan-tem a aplicação deste, como forma de igualar o empre-gado e o empregador no processo. Dentre os principais instrumentos legalmente previstos com o ventilado intuito estão:

a) o jus postulandi da parte, com fulcro no art. 791 da CLT, o qual reveste o empregado e o empregador da capacidade postulatória para ajuizar ações perante a Justiça do Trabalho;

b) os benefícios da gratuidade da Justiça, pre-vistos nos arts. 790, § 3º da CLT, art. 14, § 1º da Lei n. 5.584/1970 e art. 98 do novo Código de Processo Civil;

c) o arquivamento da reclamação trabalhista em caso de ausência do reclamante, conforme art. 844 da CLT;

d) o local da prestação do serviço como foro para propositura da reclamatória trabalhista, nos termos do art. 651 da CLT;

e) a declaração de nulidade de atos somente quando os atos questionados ensejarem em manifesto prejuízo às partes, com base no art. 794 da CLT;

f) a admissão de recurso somente mediante o pa-gamento do montante correspondente ao depósito re-cursal, conforme art. 899, § 1º da CLT;

g) execução trabalhista de ofício, consubstanciado no art. 878 da CLT; e

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h) a inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 769 da CLT cumulado ao art. 373 do Código de Processo Civil e à Resolução n. 203/2016 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Acerca deste último instrumento processual, im-pinge tecer comentários diante de sua problematização na doutrina face ao subprincípio ligado à proteção ao trabalhador: In dubio pro misero ou In dubio pro operario. Este princípio fundamenta-se na interpretação mais be-néfica ao trabalhador, no caso de dúvida da interpreta-ção normativa diante de um caso in concreto.

Sobre o ônus probatório, urge mencionar que de-vido à amplitude do art. 818 da CLT, o qual dispõe que “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”, utiliza-se subsidiariamente, nos termos do art. 769 da CLT, as disposições do art. 373 do CPC, em seus inci-sos I e II, os quais prelecionam que “o ônus da prova incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

A exceção está prevista no § 1º do supracitado artigo, cuja redação indica a possibilidade de distribui-ção dinâmica do ônus probatório no caso in concreto. In verbis:

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiari-dades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, po-derá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (grifado)

Diante da clareza legislativa, afirma-se que ainda que a obreiro-reclamante esteja no patamar de hipossu-ficiente na relação processual, deve haver a justificativa

ao juízo da impossibilidade de produzir a prova ou da excessiva dificuldade de cumprir com os encargos do seu direito de ação, a fim de inverter o ônus da prova.

Ainda sobre esta temática, Delgado (2016, p. 217) preleciona que “[...] havendo dúvida do juiz em face do conjunto probatório existente e das presunções aplicá-veis, ele deverá decidir em desfavor da parte que tenha o ônus da prova naquele tópico duvidoso, e não segun-do a diretriz genérica in dubio pro operario”.

Ante o exposto, conclui-se que embora a legisla-ção processual trabalhista preveja mecanismos de pro-teção ao trabalhador, os quais comumente são vistos como privilégios, a Justiça do Trabalho garante a isono-mia entre as partes envolvidas ao possibilitar a inversão do ônus probatório no processo, conferindo aos litigan-tes a segurança processual, a efetividade das decisões e a tão sonhada justiça.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-tituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

__________. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis Trabalhistas). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decre-to-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

__________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

ARBITRAGEM COMO ALTERNATIVA NO DIREITO DO TRABALHO

Bruno May BatistaGraduando em Direito pela UNIVEM.

O relatório analítico(1) produzido pelo TST, em 2015 indica que somente nas Varas do Trabalho foram recebidos 2.615.299 casos novos, um aumento de 5% em relação ao ano de 2014 e para cada 100.000 habitantes, 1.279 ingressam com ação, também na primeira instân-cia. Estes números correspondem à 883 novos casos para cada magistrado somente em um ano, excluindo

(1) Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST. Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/10157/0d949cde-0712-456a-a2e9-2601814cea41>.

os 1.716 processos esperando julgamento. Todos estes números correspondem em um prazo de 7 meses e 9 dias desde o ajuizamento até a sentença e chegando a 3 anos, 7 meses e 9 dias para o encerramento da execução.

Os demonstrativos indicam que a Justiça do Tra-balho está sobrecarregada, com um número crescente de novas demandas anualmente, prejudicando a atua-ção do judiciário e o aumento constante da estrutura. Neste cenário urge a necessidade da análise de outras formas para solucionar estes conflitos.

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A CLT prevê mais de uma tentativa de conciliação entre as partes no decorrer do processo, como uma for-ma de encerrar o conflito de forma célere, no entanto, apesar do índice de conciliações chegar a 38,9%, não é suficiente para diminuir a relação de processos aguar-dando julgamento.

Assim se faz necessário um estudo sobre outras formas mais ativas para solucionar estes conflitos, sen-do a arbitragem uma alternativa.

A arbitragem é regulamentada pela Lei n. 9.307 de 23 de setembro de 1996 e prevê em seu art. 1º quem pode valer-se dela:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer--se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos pa-trimoniais disponíveis.

No Direito do Trabalho abre-se a discussão se os salários percebidos pelos trabalhadores seriam disponí-veis ou não. Sobre direitos disponíveis, Cláudio Vianna de Lima(2) diz que:

“(...) são patrimoniais os direitos relativos a bens que podem ser apreciados economicamente, quantifica-dos em moeda. Disponíveis são os direitos que se refe-rem a bens apropriáveis, alienáveis, que se encontram no comércio jurídico.”

Conforme este entendimento, os direitos traba-lhistas são plenamente disponíveis, portanto passíveis de arbitragem.

E este é um ponto em que os contrários à arbitra-gem(3) no Direito do Trabalho utilizam, argumentando que as normas trabalhistas são de direito público, irre-nunciáveis e indisponíveis, portanto a arbitragem não é aplicável.

No entanto, a Justiça do Trabalho utiliza forte-mente o instituto da conciliação para resolver os confli-tos, como disposto no art. 764 da CLT, sendo esta uma forma indireta do trabalhador dispor de seus direitos pleiteados em sua reclamação.

Outra questão para a não aplicabilidade da arbi-tragem seria a escolha do árbitro, surge aqui a preocu-pação de que o trabalhador, por ser a parte frágil juridi-camente da lide, seja forçado a se submeter às condições da empregadora e precarizar sua pretensão originária.

Porém a Lei da Arbitragem dispõe de diversas regulamentações para resguardar ambas as partes. É o caso do art. 13, que diz: “Pode ser árbitro qualquer pes-soa capaz e que tenha a confiança das partes”, e tam-bém em seu § 1º, as partes poderão nomear mais de um árbitro, de forma que ambos tenham um julgador de sua escolha para a resolução do conflito, além da impar-cialidade do árbitro, assim como no Poder Judiciário.

Diferente das Comissões de Conciliação Prévia, instituída pela Lei n. 9.958 de 12 de janeiro de 2000 e ao qual o STF suspendeu suas atividades, em que o tra-balhador era obrigado a comparecer antes de acionar o judiciário e coagido a assinar o termo de conciliação

(2) LIMA, Cláudio Vianna de. A Lei de Arbitragem e o art. 23, XV, da Lei de Concessões. Revista de Direito Administrativo, v. 209, p. 92, jul./set. 1997.

(3) PEREIRA, Ana Lúcia. Se bem feita, a arbitragem trabalhista é juridicamente segura. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-abr-25/arbitragem_trabalhista_juridicamente_segura>.

com eficácia liberatória geral, o que impedia de acio-nar o judiciário posteriormente, a arbitragem funciona como órgão julgador e não conciliador, de forma que os direitos do trabalhador serão resguardados, bem como a análise de provas do pretendido por ele.

Além disso, não há o que se falar em hipossufi-ciência jurídica do trabalhador, tendo em vista que as-sim como ocorre na Justiça do Trabalho, está assistido por advogado, de modo que esta hipossuficiência está suprida, igualando a situação dele em relação ao em-pregador.

Para evitar que a arbitragem no direito do traba-lho seja utilizada para fraudar as relações de trabalho, pode-se recorrer aos sindicatos como colégio arbitral, assim como dispõe a Constituição Federal no art. 8º, III:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, ob-servado o seguinte:

III — ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

Ora, a função do sindicato é justamente a defesa dos direitos e interesses do trabalhador, estando dire-tamente a par das condições laborais do trabalhador em relação ao empregador, o que muitas vezes o Poder Judiciário desconhece, por se tratar de um órgão que julga causas em geral, não sendo o mais indicado para determinadas áreas, diferente dos sindicatos.

Dessa forma, poderá o sindicato, em conjunto com o sindicato patronal escolher o colégio arbitral para julgar a demanda, como anteriormente menciona-do, alcançando a melhor solução para o caso concreto.

Também será o sindicato competente para deter-minar o tipo de arbitragem, de direito ou de equidade, conforme art. 2º da Lei de Arbitragem.

A primeira é aquela que o litígio será decidido conforme os preceitos legais, podendo valer-se aqui além da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho, os acordos e convenções coletivas, respeitando as normas de processo existentes. A se-gunda é aquela em que o árbitro decidirá conforme seu entendimento de justo, devendo neste caso ser expres-samente autorizado pelas partes.

Após a escolha dos árbitros e da forma de arbi-tragem a ser utilizada, caso não haja prazo estipulado pelas partes, será de seis meses o prazo para ser profe-rida a sentença, de acordo com o art. 23 da Lei de Ar-bitragem.

Ou seja, do ingresso da lide arbitral até a senten-ça, terá decorrido seis meses, frente aos pouco mais de 7 meses da Justiça do Trabalho, ao ser proferida a sen-tença arbitral condenatória constitui título executivo, resultando na satisfação da sentença em um período muito inferior, em relação aos mais de 3 anos naquela.

Além disso, a sentença arbitral não é passível de recurso quanto ao mérito, o que encurta a fase executó-ria em relação aos processos trabalhistas onde muitas vezes por conta de recursos a instâncias superiores pas-sam-se vários anos até a execução propriamente dita. Posto isto, é evidente que arbitragem na Justiça do Tra-balho é benéfica, não constituindo prejuízos para os in-teresses dos trabalhadores, visto como hipossuficiente, sendo uma forma alternativa para que estes interesses

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sejam satisfeitos de forma mais célere pelos fundamen-tos da Lei da Arbitragem.

É fato que a Justiça do Trabalho não mais conse-gue dar a devida atenção ao trabalhador, visto a quanti-dade de novos processos todos os anos e a quantidade de processos por magistrados, o que acaba por não sa-tisfazer aos interesses do trabalhador e do empregado, tendo que ficar à espera da solução de seus conflitos, além dos longos períodos para análise e julgamento dos recursos nas instâncias superiores.

Não se busca aqui a substituição da Justiça do Trabalho, órgão constitucionalmente competente para resolução de conflitos trabalhistas, mas sim um meio alternativo e célere para alcançar os anseios do trabalhador e também uma forma de auxiliar o ju-diciário, que contabiliza milhares de processos, em números sempre crescentes, para que consiga dessa forma alcançar sua função social a qual foi instituída de forma adequada, ao dar a devida atenção para os litígios.

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO, COMO CONSEQUÊNCIA DO CAPITALISMO

Paula Grazielle Inácio de AzevedoGraduanda em Direito pela UNIVEM.

A presente tese tem como intuito chamar a aten-ção para um problema histórico social muito grave, que mesmo com o passar dos séculos e com a evolução da sociedade não foi totalmente erradicado, pois em pleno século XXI o problema do trabalho forçado ainda conti-nua a assombrar a humanidade. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) existem hoje aproximadamente 21 milhões de pessoas em todo mun-do, que são submetidas ao trabalho análogo ao escravo.

Engana-se quem pensa que a escravidão foi aboli-da com a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, na verdade essa lei apenas extinguiu o direito de uma pessoa ter posse sobre outra, mas a relação de servidão não foi er-radicada com a nova legislação e pior, persiste ainda nos dias de hoje.

A busca desenfreada do capitalismo pelo aumen-to de lucro fez com que a escravidão virasse um bom negócio no mundo todo, pois afinal paga-se muito pouco ou quase nada para um trabalho que vai render muito e fazer com que os tomadores dos serviços dos escravos aumentem seus lucros.

É papel dos aliciadores fazerem a capitação da mão de obra, e para isso fazem inúmeras promessas aos trabalhadores, como bons salários e condições dignas de emprego, dizem poder proporcionar uma vida bem melhor para o trabalhador e sua família, e esses traba-lhadores que se encontram em uma situação de extre-ma vulnerabilidade, normalmente desempregados e sem nenhuma expectativa de recolocação no mercado de trabalho normal, acabam por ver nessa proposta de trabalho sua última esperança, e é com esse sentimento de esperança, de poder ter e também poder propiciar uma vida melhor para sua família que partem ao seu destino.

Apenas ao chegar ao seu destino, que normal-mente são em lugares isolados e de difícil acesso que se dão conta de sua nova realidade, passaram de status de desempregado ao de “escravo”, e é nesse momento que esse ser humano passa a ser reduzido a “coisa”, que apenas serve para aumentar o lucro de seus senhores.

Mas é importante ressaltar que não é qualquer condição de trabalho que se equipara à condição aná-loga a escravo, é necessário de fato coisificar a pessoa humana, fazer dela apenas instrumento de obtenção de lucro e riqueza, tratando o trabalhador sem nenhum respeito, e retirando de si todo direito ou dignidade.

Condições análogas a escravos se caracteriza quando as pessoas tem, acima de tudo, sua liberdade cerceada, seus documentos confiscados, ficando refém da situação, sendo em muitas vezes ameaçadas de mor-te e/ou sofrendo maus tratos de seus “feitores”, traba-lham sem nenhuma ou quase nenhuma remuneração, são submetidos a jornadas mais do que exaustivas, e seus alojamentos não oferecem nenhum conforto, higie-ne e limpeza, ficando expostos a fome, sede e esgoto a céu aberto.

O perfil do trabalhador que fica exposto a essa situação de trabalho análogo a escravo são aquelas pes-soas analfabetas, semianalfabetas ou ainda analfabetas funcionais, que não conseguem uma boa colocação no mercado de trabalho, pois cada vez mais o sistema ca-pitalista para se manter precisa reduzir a mão de obra normal, aderindo a novas tecnologias que acabam por extinguir de uma vez só centenas e centenas de postos de trabalho, e para poder se manter no mercado de tra-balho é necessário cada vez mais conhecimento, cada vez mais preparo, estudo, oportunidade que essas pes-soas não tiveram em suas vidas desde a infância.

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Porém o problema da escravidão contemporânea é muito mais complexo do que apenas a recolocação dessas pessoas no mercado de trabalho normal por fal-ta de estudo e conhecimento técnico, vai muito além da educação, é um problema que acompanha a sociedade desde os seus primórdios.

Por isso pode se dizer que o problema da escra-vidão contemporânea não se resolve apenas com o resgaste desses trabalhadores expostos a essa situação, mais sim com uma mudança de pensamento de todo o mundo, não a busca apenas pelo lucro e poder, mas a busca por uma sociedade mais igualitária e justa, soli-dária uma com as outras.

Existem vários dispositivos normativos no Brasil e no mundo que buscam a erradicação do trabalho aná-logo a escravo, um esforço da OIT com vários países para combater esse problema social e proporcionar uma condição de trabalho mais digna.

Em nosso país o combate ao trabalho análogo a escravo começou com o reconhecimento do mesmo, no ano de 1995, onde firmamos parceria com a OIT para o enfrentamento dessas práticas. Em nossa Constituição Federal o art. 5º assegura a dignidade da pessoa huma-na, que quando colocada à prova nessas situações é to-talmente desrespeitada.

Submeter alguém ao trabalho à condição análoga a escravo é considerado crime em nosso ordenamento jurídico, o código penal prevê em seu art. 149 que a pes-soa que aliciar outra e submeter ela a trabalhar nessas condições irá responder penalmente e poderá sofrer com pena restritiva de liberdade.

Também temos vários artigos em nossa CLT que regula as condições de trabalho, que visa assegurar o mínimo de dignidade para o trabalhador, garantir uma condição de trabalho melhor, o problema é que mesmo com todos esses dispositivos normativos encontra-se muita dificuldade para combater essa prática.

Por isso é necessário a intensificação das fiscaliza-ções nos ambientes de trabalho que submetem os traba-lhadores a essas condições análogas a escravo, para as-sim resgatarem essas pessoas e devolverem sua liberda-

de. Mais do que intensificar as fiscalizações é necessária atenção especial ao resgaste desses trabalhadores, para que eles não caiam no ciclo vicioso do trabalho análogo a escravo, é preciso fazer uma reintegração desses tra-balhadores ao mercado de trabalho e assim fazer com que eles de fato tenham uma vida melhor.

Outro ponto de suma importância no comba-te do trabalho análogo ao escravo é a punição desses empregadores que submetem os trabalhadores a essas condições, deve ser uma punição muito rigorosa, com o intuito de coibir de uma vez por todas essa prática, mostrar que a punição vai ser demasiadamente maior do que o lucro que eles conseguem.

Ainda é importante mais investimento dos órgãos públicos no combate ao trabalho em situação análoga a escravo, com políticas públicas que integrem e cons-cientizem a solidariedade de toda população em de-nunciar, coibir e ressocializar esses trabalhadores que tanto sofrem.

Referências bibliográficas

BEMERGUI, Vilhena Camila. O Ministério do Trabalho e Emprego na erradicação do trabalho escravo, o caso da exploração do carvão vegetal. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.

Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <www.oit.org.br OIT>.

ONG Repórter Brasil. Disponível em: <www.reporter-brasil.org.br>.

Relatório OIT 1. Trabalho Escravo no Brasil do século XXI.

Relatório OIT 2. Situação Atual do Trabalho Escravo no Brasil.

RODRIGUES, Camargo Thais. O tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual e a questão do consentimento. Dissertação de Mestrado. Facul-dade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL POR ROMPIMENTO INJUSTIFICADO DAS TRATATIVAS

Rafael Saltz GensasGraduando em Direito pela UFRGS – 9º Semestre

Em períodos de crise econômica como a que vi-vemos atualmente, há muitos postos de trabalho sendo fechados e poucos sendo abertos. Assim, há um núme-ro cada vez maior de desempregados, ao mesmo tempo em que muitas pessoas empregadas sofrem com o gra-dual esvaziamento dos seus direitos.

Desse modo, muitos trabalhadores estão sem emprego e buscando quase que desesperadamente uma nova posição no mercado. Simultaneamente, aqueles com emprego estão intensamente à procura de outro melhor ou com perspectivas mais resplan-decentes. Por consequência, a vulnerabilidade nego-

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cial dos trabalhadores se acentua, dada a maior com-petição por vagas.

Assim, o que acontece quando um candidato, em um processo seletivo para vaga de emprego, com base na conduta do empregador, desenvolve uma legítima expectativa de que será contratado? E se ele se demi-te do emprego anterior porque tem convicção de que a nova empresa irá lhe contratar? Ou, mais especifica-mente, se lhe foi dito que será contratado? Se tudo isso ocorre e, ao fim, o suposto empregador lhe diz, com ou sem pedido de desculpas, que “a vaga fechou”, ou que “outra pessoa foi contratada para aquele posto”? Tería-mos aqui, sob o prisma da boa-fé, um caso de responsa-bilidade pré-contratual da empresa?

São exemplos de atitudes que criam tal expectati-va legítima no candidato: a requisição, por parte do em-pregador, da realização de exames médicos admissio-nais e da abertura de conta-salário; a retenção da Car-teira de Trabalho; a entrega de uniformes da empresa, dentre outros(4). Nesse sentido, as ações do empregador no período negocial são relevantes para o Direito e de-vem seguir os ditames da boa-fé objetiva, como leciona Judith Martins-Costa:

“Ainda não há, nessa fase preliminar, relação con-tratual, pois as negociações preliminares configuram tratos, e ainda não contratos, nem negócios jurídicos. Porém, é preciso atenção: a fase formativa não é desti-tuída de relevância jurídica. Aí já há a tutela do direito que impõe deveres de correção no comportamento dos negociadores.”(5)

No mesmo sentido explica Enéas Costa Garcia:

“O ‘estar em tratativas’ cria expectativas e uma confiança na parte contrária. Daí a necessidade das partes agirem com lealdade, de maneira honesta, pre-servando esta confiança surgida do contato negocial. A boa-fé, portanto, desempenha um papel relevante na determinação do conteúdo desta relação pré-negocial. Pela amplitude do conceito, a boa-fé permite identificar qual o comportamento probo, leal, esperado no caso concreto”(6).

Ao divulgar uma vaga, a empresa deve estar ciente de que interagirá com os sentimentos de diver-sas pessoas que buscam um emprego. As informações solicitadas e prestadas ao longo das tratativas devem refletir uma perspectiva real do processo, ou seja, a em-presa não deve dar indicativos que gerem uma expec-tativa positiva irreal ao candidato. Isso inclui o silêncio que, muitas vezes, representa uma verdadeira mani-festação de vontade, como dispõem Chaves de Farias e Rosenvald:

“Em princípio, o silêncio puro não detém valor declarativo. (...) Porém, quando as circunstâncias e os

(4) Nesse sentido, decisões do TST, exemplificativamente: RR 0001987-50.2013.5.09.0128; Quarta Turma; Rel. Min. João Oreste Dalazen; DEJT 19/12/2016; Pág. 5130; AIRR — 807-19.2012.5.18.0181, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 22/05/2015; RR-122000-14.2008.5.09.0303, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 1º/3/2013. Acórdãos extraídos do DVD Magíster, Ed. 71 — Jan/Dez 2017.

(5) MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 1. ed: São Paulo, 2015. p. 383.

(6) GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé. 1 ed. São Paulo: Juarez Oliveira, 2003. p. 62.

usos autorizarem, o silêncio possuirá significado social relevante, como forma de aceitação e declaração nego-cial, produzindo efeitos positivos”(7).

É evidente que, em geral, a companhia possui o direito de contratar aquele que considerar mais apto. Ainda, possui autonomia negocial para romper as tra-tativas, havendo justo motivo. Porém, a partir do mo-mento em que, por sua própria conduta, gera no candi-dato uma legítima confiança de que será contratado, ela passa a ser responsável pelos gastos decorrentes dessa expectativa. Não pode a companhia falsamente dar a crer que a vaga será preenchida pelo possível emprega-do, ou fazê-lo crer que está em posição melhor do que de fato está e, posteriormente, romper imotivadamente as tratativas. O íntimo do trabalhador, sua legítima ex-pectativa e sua personalidade são tutelados pelo Direi-to, não podendo ser alvo de verdadeiros descasos por parte do empreendedor. Nesse sentido, Regis Fichtner explica que:

“Para que surja a responsabilidade do contraente pela não-realização do negócio, é preciso que ele tenha praticado algum ato que suprima naquela situação es-pecífica a sua faculdade de não realizar sem qualquer justificativa o contrato negociado”(8).

O desrespeito à legítima expectativa do candi-dato, concretizado pelo rompimento injustificado das negociações preliminares, configura, pois, violação à boa-fé objetiva. Ademais, quanto mais complexas e profundas forem as negociações, bem como quanto mais pessoalizado for o contato, maior envolvimento das partes haverá. Com isso, maiores gastos e, eviden-temente, maior confiança no fechamento do negócio. Ou, ao menos, maior confiança na boa-fé alheia e na condução justa e honesta do processo negocial.

Temos aqui um claro caso de aplicação da proibi-ção ao venire contra factum proprium. As ações da empre-sa que indicam ao candidato a sua virtual contratação são um fato, e o rompimento das tratativas sem justo motivo constitui uma ilegal contradição de conduta pa-tronal. Como explica Fichtner:

“Tem razão essa corrente em vislumbrar na proi-bição do venire contra factum proprium o fundamento mais concreto da responsabilidade pela interrupção das negociações contratuais”(9).

Deve a empresa, portanto, reparar o dano causa-do ao trabalhador pela quebra da expectativa de con-tratação. Tal dano abarca o abalo moral in re ipsa, bem como o ressarcimento dos gastos efetivamente des-pendidos em virtude da promessa de emprego(10). Em havendo recusa a uma proposta de terceiro no período das negociações, configura-se a perda de uma chance, a qual também deve ser indenizada(11).

(7) FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 68.

(8) PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 339.

(9) PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 300.

(10) COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade Civil Pré- -contratual em Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 131.

(11) Nesse sentido, TRT4 — RO 0000138-31.2015.5.04.0801, julgado em 27/08/2015. Relator Des. Ricardo Martins-Costa. Disponível no DVD Magíster, Ed. 71 — Jan/Dez 2017)

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A POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA NO TELETRABALHO

Euseli dos SantosAdvogado trabalhista militante em Uberaba (MG). Especialista em Direito do Trabalho. Mestrando em Direito pela Universidade de

Ribeirão Preto (UNAERP).

O direito do trabalho tem passado por profundas mudanças desde o seu surgimento. As normas de pro-teção ao trabalho subordinado foram incorporadas aos princípios estruturantes do Estado social, passando por uma intensa positivação legal e constitucional.

As inovações tecnológicas advindas da terceira revolução industrial alteraram de forma drástica a re-lação de trabalho clássica, sendo responsáveis por no-vos tipos de atividades descentralizadas, que reúnem a informação cumulada com novas formas de comuni-cação.

Dessa forma, assim como as outras ciências tive-ram de se adaptar às inovações sociais e econômicas, o direito do trabalho foi obrigado a acompanhar os no-vos ditames da globalização, de forma a impedir que as novas atividades e profissões que surgiram no decorrer dos últimos anos pudessem prejudicar os direitos dos trabalhadores.

De origem grega, o radical tele significa distância. O teletrabalho é uma modalidade especial de trabalho à distância que surgiu com a onda revolucionária que teve início na década de 1970, e que vem sendo utiliza-do por várias empresas no Brasil e no exterior.

Em razão do distanciamento físico entre o empre-gado e o empregador, passou-se a questionar, dentro dessa perspectiva de mudança de paradigma nas rela-ções de trabalho, sobre a existência de alguma subordi-nação jurídica entre a empresa e o trabalhador.

Nesse contexto, demonstrou a necessidade de reestruturação empresarial. Os fundamentos que sus-tentaram o nascimento do teletrabalho, não podem per-der de vista a proteção dos direitos, pois, o controle de jornada fará com que o teletrabalhador tenha direitos oriundos da fiscalização do horário.

O surgimento do teletrabalho como consequência da revolução tecnológica

A globalização trouxe nova realidade nas relações de trabalho. Atividades nunca antes imaginadas come-çaram a tomar corpo. Dentre elas, o teletrabalho.

Assim como as mudanças tecnológicas conduzem a novas técnicas de produção, com grandes modifica-ções nas estruturas empresariais clássicas, ressalta Var-gas e Fraga (2005, p. 137), que o direito do trabalho teve de se adaptar a essa realidade para evitar que, sob essas novas formas, se cerceiem direitos dos trabalhadores, e que se aprofunde o que se tem sido chamado de fuga ao direito do trabalho.

As empresas passam a perceber que, em determi-nadas funções, não é economicamente lucrativo manter o trabalhador exercendo suas atividades dentro dos es-tabelecimentos empresariais. Os avanços tecnológicos na área da informática e da telecomunicação permitiu a descentralização geográfica da empresa, facilitando uma maior especialização, uma redução dos custos fi-xos e de benefícios tributários — nasce então o teletra-balho.

Afirmam alguns autores que o teletrabalho con-siste no “renascimento do trabalho a domicílio”, mas, a rigor, ele é fruto da moderna terminologia e começa a difundir-se na década de oitenta, embora em meados de 1970 já se falasse no assunto. O teletrabalho distin-gue-se do trabalho a domicílio tradicional não só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais comple-xas do que as manuais, mas também porque abrange setores diversos como: tratamento, transmissão, e acu-mulação de informação; atividade de investigação; se-cretariado; consultoria; assistência técnica e auditora, gestão de recursos, vendas e operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição, contabilidade, tradução, além da utilização de novas tecnologias, com a informática e telecomunicações, afe-tas ao setor terciário (BARROS, 2012, p. 461).

Apesar de teletrabalho ser o termo habitualmente mais usado, outros como teledeslocamentos (teleconmu-ting), trabalho na rede (networking), trabalho em casa (homeworking) e trabalho flexível também têm sido utili-zados (VARGAS; FRAGA, 2005, p. 139).

O teletrabalho é realizado longe do lugar onde o resultado é esperado, à distância do empregador, ape-sar de nem todo trabalho à distância poder ser consi-derado como tal, pois este requer o uso intensivo de técnicas de informática ou telecomunicação.

Dessa forma, pode ser conceituado como aquelas atividades ou ocupações retribuídas, exercidas longe da sede da empresa e, necessariamente, por meio de métodos de comunicação tecnológica, notadamente a internet, entre o trabalhador e a empresa. É a informa-ção que se desloca ao lugar do trabalhador (VARGAS; FRAGA, 2005, p. 139).

A utilização do teletrabalho, segundo a doutrina, apresenta, portanto, várias vantagens para o empre-gador, entre as quais a redução do espaço imobiliário, com diminuição de custos inerentes à aquisição de lo-cais, aluguéis, manutenção, transporte etc. A par dessas vantagens, propicia uma atenção melhor aos clientes mediante a conexão informática/telemática; gera maior produtividade pelo empregado, em face do desapare-

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cimento do absenteísmo, da eliminação de tempo per-dido, sobretudo no trânsito, na maior motivação e da satisfação do exercício da atividade. Além desses aspec-tos, a empresa se vê livre das greves de transporte, dos acidentes no trajeto do trabalho, dos fenômenos meteo-rológicos, dentre outros (LOS COBOS, ARANDA, apud BARROS, 2012, p. 461).

Em contraste, o teletrabalho gera a necessi dade de investimento em tecnologia e manutenção para equipamentos que se tornam obsoletos cada vez mais rapidamente. Além disso, encontram paralelamen-te alguns problemas no controle dos trabalhadores e no vazamento de informações confidenciais, dentre outros.

Em favor do trabalhador, a principal vantagem apontada pela doutrina é a flexibilidade de horários, capaz de conciliar-se com outras atividades profissio-nais e encargos familiares e melhorando a qualidade de vida. Outras questões consistem na possibilidade de o teletrabalho se estender a um contingente de indiví-duos que ostentavam vínculos irregulares de emprego (BARROS, 2012, p. 462).

O controle de jornada no teletrabalho

A jornada de trabalho é um tema interessante, e sempre teve atenção especial do Direito do Trabalho, por conta (dentre outras) de estar atrelado à condição de salubridade do trabalhador. Sabe-se que o horário de trabalho é o tempo à disposição do empregado em face do empregador.

A Constituição da República garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais, o direito à remuneração de 50% a mais sobre as horas extras.

A legislação trabalhista prevê que a duração nor-mal do trabalho, será oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, no máximo, salvo exceções.

O art. 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, assim prevê: “A duração normal do tra-balho, para os empregados em qualquer atividade pri-vada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite”.

O teletrabalho não neutraliza o controle de horá-rio, pois a própria natureza da atividade, faz com que haja a efetiva fiscalização. Importante salientar ainda que a Lei n. 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o art. 6º da CLT, prevê: “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle de supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica aos meios pessoais e diretos de comando, controle e super-visão do trabalho alheio.”

Deve ser ressaltado que não é o local da presta-ção de serviço que irá distinguir se configura ou não o controle de jornada, mas sim, a identificação de uma maior ou menor subordinação jurídica que justifique a fiscalização do horário.

Considerações finais

Por todo o exposto, pode-se concluir que não é a distância entre o teletrabalhador e o empregador que define o controle de jornada mas, sim, a comprovação dos requisitos básicos do dito controle, em especial a subordinação jurídica.

Cumpre salientar ainda que, o controle de jorna-da implica em tempo à disposição do empregador e, com isso, sujeito aos consectários legais.

Dessa forma, nota-se que os meios de telecomu-nicação e a evolução da tecnologia da informática per-mitem que, dentre outros métodos de controle e dire-ção da atividade laboral, a utilização de um software especialmente desenvolvido pela empresa monitore o teletrabalhador, o que, ademais, já evidencia o controle de jornada.

Conclui-se também que o simples fornecimento do programa já é uma forma de controle e direção do teletrabalhador, uma vez que nele já estão inseridos os procedimentos admitidos pela empresa, e as ações a se-rem tomadas em situações específicas, estando a subor-dinação já implícita no próprio instrumento de trabalho.

Por essa razão, o teletrabalhador subordinado merece a proteção do direito do trabalho. Como no Bra-sil não há uma legislação específica que regulamente a prestação desse serviço em especial, são plenamente aplicáveis as normas da Consolidação das Leis do Tra-balho e as da Constituição Federal, no tocante ao contro-le de jornada, pois por conta das particularidades da ati-vidade, é perfeitamente cabível a fiscalização de horário.

Referências bibliográficas

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