34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito...
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casos práticos de
Direito Educacional
- para professores
34
34 casos práticos de direito educacional
Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
Ebook
Setembro de 2018
Escola de Direito Educacional
O Autor autoriza a reprodução desta obra, desde
que referida a fonte e resguardados os direitos
autorais.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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PARTE I: TEMAS DE DIREITO E EDUCAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL E EDUCAÇÃO
1. Acidente em aula de educação física na escola: de quem é a
responsabilidade? ............................................................................................ 7
2. Viagem ou passeio escolar e a responsabilidade legal do docente e da escola ........................................................................................................................ 10
3. Atropelamento em horário de aula e a responsabilidade da escola .............. 12
4. Aluno se machucou com bola no intervalo na escola e ficou cego. Responsabilidade de quem? ......................................................................... 15
5. Bullying na escola e a responsabilidade civil pela omissão dos professores gestores ......................................................................................................... 17
6. Expulsão de estudante configura ato ilícito? ................................................. 20
PEDAGOGIA E DIREITO
7. Regimento disciplinar não deve ser subestimado pela comunidade escolar ........................................................................................................................ 24
8. “Coxinhas, petralhas e fascistas...”. Mas e a escola com tudo isso?............. 27
9. Qual é a diferença entre ato indisciplinar e ato infracional? .......................... 30
10. O limite entre medida pedagógica e excesso em um caso de falta disciplinar de aluno que teve repercussão nacional ....................................................... 32
11. Sujar a classe de aula é indisciplina e o professor pode chamar a atenção ....................................................................................................................... 35
12. Avaliação à luz da LDB – Lei de Diretrizes e Bases (lei 9.394/1996) ........... 38
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13. ‘Escola Sem Partido’ sob o crivo jurídico e pedagógico ................................ 41
14. Multa aos pais por abandono intelectual e evasão escolar. É possível? ............................................................................................................................. 48
15. Trabalho na escola e educação face à LDB .................................................. 50
16. Proposta pedagógica e direito educacional, um diálogo promissor .............. 52
17. Atos infracionais nas escolas são reduzidos graças a projeto inovador
........................................................................................................................ 55
18. O que o docente deve saber sobre a base nacional comum curricular (BNCC)? ........................................................................................................ 57
19. Bullying na LDB: novidade da lei 13.663/18 que o professor deve saber ........................................................................................................................ 61
20. Reprovação de aluno às vésperas da formatura e sua (i)legalidade ............ 63
DIREITOS DO PROFESSOR
21. Jornada de trabalho do magistério público: 1/3 extraclasse? ....................... 65
22. Assédio moral e síndrome de burnout entre professores nas escolas
........................................................................................................................ 69
23. É lícito demissão de professor no início do ano letivo? ................................. 72
24. Atividades extraclasse contam para aposentadoria do professor? ........................................................................................................................ 74
25. Ofensa à docente em redes sociais e o dano moral? ................................... 76
26. Indenização por assédio moral no ambiente escolar: a resposta do direito ........................................................................................................................ 79
27. Agressão à professora em sala de aula: o poder público é responsável? ........................................................................................................................ 81
28. Redução do salário de professor sem motivo gera danos morais ........................................................................................................................ 84
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29. Horas extras por supervisão de estágio é direito de professora universitária ........................................................................................................................ 86
30. Rio grande do sul não implementou o direito à 1/3 extraclasse. Por quê? O que fazer? ...................................................................................................... 88
31. Compensação de aulas em razão de licença-saúde é lícito? ....................... 91
DIREITO CONSTITUCIONAL E EDUCAÇÃO
32. Porque o professor deve conhecer a Constituição Federal? Parte I ..............95
33. Por que o professor deve conhecer a Constituição Federal? – parte II ........................................................................................................................ 98
34. Escola pública próxima e o fechamento de escolas: uma flagrante ilegalidade? .................................................................................................. 107
PARTE II: JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ASPECTOS
PRÁTICOS............................................................................................................. 110
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PARTE I
TEMAS DE DIREITO E EDUCAÇÃO
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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1. ACIDENTE EM AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: DE QUEM É
A RESPONSABILIDADE?
Acidente em aula de educação física na escola pode ter maior
repercussão do que se imagina. A discussão do incidente pode chegar na esfera
jurídica por uma questão eminentemente de direito. A responsabilidade civil
envolvida deve ser conhecida pelos professores e pelos gestores educacionais para
evitar problemas. O caso analisado contribui para compreensão do tema.
Ocorreu que a família de um aluno de Escola Municipal de Ensino
Fundamental ajuizou ação de danos morais, materiais e estéticos contra o Município
de Alambari/SP. O jovem sofreu um grave acidente na aula de educação física. Uma
queda de uma goleira de futebol.
O aluno estava jogando futebol com os meninos enquanto um monitor
praticava atividades com o grupo de meninas. Em certo momento, a bola de futebol
teria ficado presa acima de um gol da quadra. Quando o referido aluno teria subido
em uma das traves para pegá-la, aconteceu o acidente.
Ao subir no gol a estrutura quebrou, e o aluno, depois de ter ficado
pendurado pela pele no gancho da goleira por alguns instantes, caiu no chão. O
indesejado acidente causou ferimentos na região pubiana que deixaram cicatrizes
no estudante, passíveis de reparação apenas com cirurgia plástica.
A pergunta que fica é: de quem é a responsabilidade por um acidente
em aula de educação física na escola?
Há que se lembrar que o acidente na aula de educação física aconteceu
em uma escola pública de um município de São Paulo. Em primeira instância, o ente
público municipal foi condenado a indenizar o aluno e a sua família. Em segunda
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instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu o valor da indenização, mas
manteve a obrigação de indenizar do município.
O órgão julgador fundamentou que é dever da instituição de ensino,
seja pública ou privada, zelar pela integridade física e moral do aluno
regularmente matriculado sempre que estiver nas suas dependências. Tratando
de ente público, a responsabilidade por acidente em aula de educação física na
escola se dá conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Assim, os desembargadores do TJSP entenderam que a escola municipal
é responsável por qualquer dano ou acidente que o aluno venha a sofrer, seja qual
for a sua natureza, nas suas dependências. O dever de guarda e incolumidade
física e moral do educando é de responsabilidade dos funcionários (monitores,
professores, diretores, etc.) nas dependências da escola.
Por isso, foi reconhecida omissão no dever de cuidado, na medida em
que ocorreu o acidente na aula de educação física. O professor responsável não
percebeu que o aluno subiu na trave para resgatar a bola de futebol presa. A
decisão considerou ainda que medidas adequadas de segurança e vigilância
poderiam ter impedido o acidente e as lesões resultantes deste evento.
O dano moral nestes casos é o chamado dano in re ipsa de
presunção absoluta. Isto é, fica dispensada a formação de qualquer prova
concreta, tendo em vista que o dano decorre do próprio fato. É a chamada
responsabilidade objetiva.
Confira o resumo da decisão judicial:
Ementa: Responsabilidade Civil do Estado – Indenização por danos
morais e materiais – Lesão sofrida pelo autor decorrente de queda em
escola municipal durante aula de educação física – Responsabilidade do
Poder Público pela integridade física e moral da criança – Caracterizada a
falha na prestação do serviço público, em razão do descumprimento do
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dever de vigilância – Configurado o dano moral passível de reparação e o
dever de fornecer a cirurgia reparadora [...]. (Apelação nº 1002088-
75.2014.8.26.0269, TJSP, 13/06/2017).
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2. VIAGEM OU PASSEIO ESCOLAR E A RESPONSABILIDADE LEGAL
DO DOCENTE E DA ESCOLA
O professor que conduz uma turma de alunos em viagem de estudos ou
lazer é responsável pela integridade de todos os estudantes. A escola também é
responsável. Entenda a diferença.
Em viagem ou passeio escolar, o professor assume os deveres de
guarda, devendo zelar pela incolumidade física de todos que estão sob sua
responsabilidade. Sua responsabilidade é subjetiva, isto é, responde culposamente
por ação ou omissão, devendo ser examinada a sua conduta sob o aspecto da
culpa.
Já a Escola que autorizou e/ou consentiu com a viagem de estudos tem
responsabilidade objetiva, isto é, a responsabilidade da Escola não depende das
ações ou omissões dos professores, diretores ou prepostos, mas ocorre ipso
facto, isto é, caracteriza-se tão somente por ter ocorrido o evento danoso,
dispensando-se a prova da culpa.
Quando estão em cena alunos e professores de escola municipal, a
responsabilidade é do município. Quando se tratam de alunos e professores de
escola estadual, a responsabilidade é do estado. Quando se tratam de alunos e
professores de estabelecimentos particulares de ensino a responsabilidade é dos
estabelecimentos particulares.
Nesses casos, que envolvem alunos e professores de escolas da rede
pública, diz-se que a responsabilidade dos entes de direito público é objetiva e o
dano é in re ipsa (da própria coisa), isto significa que o dano é presumido e emerge
tão só da consumação do fato, sendo inexigível a prova da culpa por eventual dano.
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O mesmo ocorre com os estabelecimentos particulares de ensino, sejam
eles de primeiro, segundo ou terceiro graus. Nesse sentido são as decisões judiciais
dos tribunais brasileiros, que clarificam a compreensão dessa responsabilidade,
como a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO
DURANTE EXCURSÃO ORGANIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA
DE DEFEITO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. 1. É
incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi
defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à
atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de
um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que
participava da atividade. 2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a
aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de
culpa da escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que
prevê a responsabilidade objetiva da escola. [...]. 4. Os
estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao
aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade,
dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos.
[...]. (REsp 762.075/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009).
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3. ATROPELAMENTO EM HORÁRIO DE AULA E A RESPONSABILIDADE
DA ESCOLA
A escola tem o dever de zelar pela integridade física e psíquica dos
alunos. Esse dever tem início no momento em que o aluno é entregue à instituição e
só termina no instante em que está sob a guarda de familiares e ou responsáveis.
Enquanto o estudante permanecer na escola, ou nas suas imediações na
espera de transporte autorizado pelos pais, permanece a escola com a
responsabilidade de oferecer aos alunos os cuidados indispensáveis à sua
integridade. Portanto, há responsabilidade da instituição se um aluno sofrer um
atropelamento no horário de aula.
O Tribunal de Justiça do RS assim decidiu sobre um caso de
atropelamento no horário de aula:
Apelação cível. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. ação
indenizatória. Preliminar de ofensa ao princípio do juiz natural rejeitada.
Atropelamento. Responsabilidade objetiva do município. CF/88,
ARTIGO 37, PARÁGRAFO 6º. Dever de vigilância. MESMO QUE A
CONDUTA DA VÍTIMA TENHA SIDO DETERMINANTE PARA O
EVENTO EM QUESTÃO, foi fruto da NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS
PROFESSORES E funcionários da escola, que não disponibilizaram
as CONDIÇÕES DE SEGURANÇA necessárias à aluna.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELO BEM ESTAR E
INTEGRIDADE FÍSICA DOS ALUNOS DO ENSINO PÚBLICO QUANDO
ESTES ESTIVEREM NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO OU SOB A
GUARDA DOS PROFESSORES RESPONSÁVEIS. REPARAÇÃO POR
DANO MORAL DEVIDA. DEVER DE INDENIZAR. DANO IN RE IPSA.
DESNECESSIDADE DE PROVA. [...]. (Apelação cível Nº 70042454066
2011, julgado em 1º de junho de 2011).
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Nesse julgado, paradigmático por abordar diversas situações que ocorrem
nas instituições de ensino ou em suas imediações, ou de qualquer forma
relacionadas à prestação do serviço educacional, envolvendo, ainda, atores da
municipalidade, os desembargadores condenaram o ente público ao pagamento de
verba indenizatória por atropelamento no horário de aula de aluna de seis anos, na
saída da escola.
Assim manifestou-se a douta Des.ª Katia Elenise Oliveira da Silva,
relatora:
Na hipótese dos autos trata-se de morte decorrente de atropelamento
ocorrido em frente à escola municipal, no momento em que a vítima ao
sair da aula, dirigia-se ao ônibus que realizava seu transporte, também
oferecido pela Prefeitura de Condor/RS.
Inicialmente cumpre referir que o caso em tela trata-se de típica hipótese
de responsabilidade civil objetiva.
Tal assertiva tem por base a redação dada pelo artigo 37, § 6°, da
Constituição Federal que, de maneira inquestionável, sedimentou em
nossa doutrina a responsabilidade objetiva da Administração
Pública, embasada na teoria do risco administrativo, pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, venham a provocar a terceiros.
A família da aluna, que tinha apenas seis anos, ajuizou a Ação de
Indenização contra o Município, a Empresa de Transporte Público e o motorista do
ônibus, em razão do atropelamento no horário de aula que ocasionou a morte da
filha. O fato se deu enquanto a criança esperava o ônibus na saída da aula, em
frente à escola municipal, onde estudava.
A ação foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição e a família
recorreu. Ao relatar o caso, a desembargadora registrou a responsabilidade objetiva
do Estado em caso de atropelamento no horário de aula, pelo dever de guarda e
segurança adequadas que deveria ter sido ofertado à criança, fazendo parte do
acórdão a seguinte fundamentação:
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Desta forma resta indubitável a negligência por parte dos professores e
funcionários da escola, que não ofertaram à vítima, uma criança de seis
anos de idade, as condições de segurança adequadas.
Assim, levando-se em conta que a partir do momento do embarque
no ônibus, até o momento em que devolvida ao lar estava a aluna
sob a custódia do Município, cabia ao Estado zelar pelo seu bem
estar e integridade física, restando claramente caracterizada sua
responsabilidade pelo ocorrido.
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4. ALUNO SE MACHUCOU COM BOLA NO INTERVALO NA ESCOLA E
FICOU CEGO. RESPONSABILIDADE DE QUEM?
Uma bolada no olho esquerdo de estudante no intervalo entre as aulas
deixou ele cego. O aluno se machucou na escola e ela não foi responsabilizada.
Vamos entender por quê?
A família de um aluno de escola pública ajuizou ação indenizatória contra
a escola. O aluno machucou o olho esquerdo por acidente com uma bola de futebol
durante o intervalo das aulas. Este episódio causou dor e cegueira no aluno.
O aluno disse que logo após se machucar um professor se negou a levá-
lo ao hospital. Ele passou por três cirurgias para correção do deslocamento de
retina.
Por outro lado, a escola defendeu que os danos que o estudante sofreu
decorreram do tempo que seus familiares levaram para procurar recurso médico:
sete meses depois que o aluno se machucou. Também ressaltaram que a gravidade
do caso não era aparente quando o aluno se machucou. Ainda, alegou que tomaram
as primeiras providências necessárias depois do ocorrido.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente e não
reconhecendo qualquer obrigação de indenizar. Em segunda instância, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul manteve a decisão do juiz de primeiro grau, afirmando
que o aluno se machucou em atividade alheia ao controle da escola.
O órgão julgador fundamentou que a bolada no olho ocorreu de forma
acidental e não poderia ter sido evitada pela escola, o que faz com que não
tenha havido omissão no dever de guarda e zelo pela integridade física quando
o aluno se machucou. Acrescentou que ficou comprovado que a escola prestou os
primeiros socorros devidamente e que os pais do aluno só procuraram o serviço
médico sete meses depois que ele se machucou.
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Nesse sentido, observaram que a perícia destacou que a demora foi
decisiva para o agravamento da lesão no olho do estudante. A demora dos pais
que fez com que a situação de cegueira restasse irreversível.
Assim, os desembargadores do TJRS entenderam que os primeiros
socorros foram devidamente prestados pela escola quando o aluno se machucou.
Mais ainda, a gravidade da lesão não era aparente quando do ocorrido, tanto que os
próprios pais dele demoraram sete meses para buscar recurso médico. Portanto,
concluíram que não houve omissão no dever de guarda da escola. Veja, pois, a
decisão:
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA PÚBLICA. TEORIA DA
GUARDA. ALUNO ATINGIDO NO OLHO POR BOLA DE FUTEBOL.
PERDA DA VISÃO. VIGILÂNCIA DILIGENTE DOS PROFESSORES.
ACIDENTE INERENTE À ATIVIDADE ESPORTIVA. ATENDIMENTO
POSTERIOR ADEQUADO, DENTRO DO POSSÍVEL. OBRIGAÇÃO DE
INDENIZAR NÃO CONFIGURADA. A escola pública assume o dever de
guarda do aluno que lhe é confiado, respondendo, na forma do art. 37, §
6º, da Constituição Federal, pela omissão específica que venha a causar
lesão à integridade física do mesmo. Caso em que o autor, com 16 anos
de idade, teve o olho esquerdo atingido por uma bola durante uma
partida de futebol. [...]. Prova pericial segundo a qual o retardamento
no atendimento cirúrgico agravou a lesão, pois o descolamento da
retina evoluiu para a perda da visão monocular. Esta demora,
todavia, não é atribuída à escola, pois a gravidade da lesão não era
aparente - tanto que os pais levaram o filho ao hospital sete meses
depois - e os professores adotaram as medidas que reputaram
necessárias para o momento (bolsa de gelo e repouso). [...].
(Apelação Cível Nº 70072876527, Décima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 25/05/2017).
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5. BULLYING NA ESCOLA E A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA
OMISSÃO DOS PROFESSORES GESTORES
A família de uma aluna de um grupo educacional privado ajuizou ação de
danos morais contra a instituição de ensino. A estudante foi alvo de ofensas,
perseguição e discriminação por parte de algumas colegas de sala de aula. Situação
esta que começou aos poucos e foi se agravando. Bullying.
Diante disso, os pais da aluna comunicaram ao colégio. Mesmo assim, o
bullying se agravou ao ponto de ser necessário trocar a aluna de instituição. As
ofensas, que antes eram somente em horários de aula, continuaram por meios
digitais. A intimidação sistêmica está conceituada no artigo 2º da Lei 13.185/15 – Lei
do Bullying.
Como a conduta hostil começou no ambiente escolar e se propagou para
além do colégio, a família disse que houve sério prejuízo moral. Por isso, alegaram
ter sofrido graves danos na esfera moral a partir do bullying na escola, que não foi
devidamente solucionado.
Em primeira instância, a instituição particular de ensino foi condenada a
indenizar a aluna e a sua família pelo bullying. Em segunda instância, o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios reduziu o valor da indenização, mas manteve
a obrigação de indenizar.
Os julgadores estabeleceram que a relação entre aluna e instituição de
ensino particular é de consumo. Isso com base nos artigos 2º e 3º do Código de
Defesa do Consumidor. Para eles, o bullying sofrido pela estudante se configura em
falha na prestação de serviço por parte do colégio.
Os desembargadores entenderam ainda que restou caracterizada a
prática reiterada de bullying, fato que dá ensejo à indenização à titulo de danos
morais à aluna. Por outro lado, o Tribunal não acolheu a tese de responsabilidade
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de terceiros. Entendeu que a responsabilidade da instituição de ensino por bullying é
objetiva, conforme o artigo 14, § 1º do CDC.
Ao final, os julgadores ressaltaram que o colégio faltou com o dever de
guarda ao não proporcionar um ambiente seguro aos alunos. Os responsáveis
pela instituição não deveriam permitir que o bullying fosse praticado na
escola.
Confira o resumo da decisão judicial sobre o caso:
Ementa: CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. BULLYING. VIOLAÇÃO A
DIREITOS DA PERSONALIDADE EVIDENCIADOS. FALHA DA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE
POR ATO DE TERCEIRO. AFASTADA. DANO MORAL CONFIGURADO.
VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. 1. Segundo a Lei nº 13.185/2015 ataques físicos, insultos
pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por
quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas,
isolamento social consciente e premeditado, pilhérias (zombarias) são
alguns exemplos de atos que podem ser considerados bullying. [...] 3.
Comprovada a ocorrência de intimidações sistemáticas contra a Apelada,
patente é a violação aos seus direitos da personalidade, razão pela qual
restam configurados os danos extrapatrimoniais, os quais são, portanto,
passíveis de serem compensados. 4. O Apelante, como centro de ensino,
é incumbido do dever de guarda, devendo, assim, proporcionar um
ambiente seguro e voltado às práticas educacionais, de modo a assegurar
o saudável desenvolvimento cognitivo dos estudantes. No entanto, ao
deixar de fiscalizar e apurar de forma efetiva os fatos ocorridos em suas
dependências, permitindo-se, assim, a prática reiterada de bullying contra
a apelada, a qual não lhe restou outra alternativa a não ser mudar de
colégio, tem-se por evidenciada a conduta negligente do apelante e a
prestação de um serviço defeituoso, na medida em que o ambiente
escolar ofertado pelo apelante não ofereceu a segurança razoável que
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dele se podia esperar. [...]. (Processo nº 0011617-45.2015.8.07.0006,
TJDFT, 01/06/2016).
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6. EXPULSÃO DE ESTUDANTE CONFIGURA ATO ILÍCITO?
Com frequência recebo este questionamento ao dialogar com professores
a respeito do tema da judicialização da educação. Por isso resolvi escrever a
respeito dos fundamentos jurídicos envolvidos na expulsão de aluno. Vamos lá,
confira.
Inicialmente, adotando o correto pressuposto de que a educação é um
direito inscrito no rol dos direitos sociais. Direito este protegido pelo texto
constitucional e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, expulsão de aluno do
âmbito escolar não seria ato eivado de ilicitude, passível de reparação no Poder
Judiciário?
Assim, importa consignar que nossa compreensão de educação não se
coaduna com ‘expulsar’ ou ‘excluir’ sujeitos dos processos educativos. Uma das
tarefas da escola é promover a humanização, a vocação ontológica do ser humano
de ‘ser mais’, no sentido pugnado por Freire.
Em termos jurídicos, poderíamos entender tal vocação a partir de um dos
objetivos da educação: a promoção da cidadania. E neste ponto não há espaço para
expulsão.
À despeito desta posição pedagógica, há circunstâncias excepcionais que
autorizam a expulsão, ao passo que há situações em que expulsão de aluno é
absolutamente incompatível com o ordenamento jurídico vigente.
A partir da análise de dois casos concretos, entenderemos alguns
parâmetros que a coordenação deve observar ao avaliar a expulsão de aluno
como providência.
Expulsão de aluno constitui-se em medida excepcional. Do ponto de vista
pedagógico, importa a garantia de que a escola envidou os melhores esforços para
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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incluir o estudante no processo de formação. Do ponto de vista jurídico, veda-se a
arbitrariedade, o desrespeito ao Regimento Escolar e aos princípios elementares do
direito ao contraditório e à ampla defesa.
Há, enfim, um conjunto de protocolos e medidas imprescindíveis que os
gestores devem adotar, mormente em um cenário em que cada vez mais estas
temáticas, como expulsão de aluno, passam pelo crivo do Poder Judiciário. Veja a
seguir os dois casos de expulsão:
CASO 1 (EXPULSÃO DE ALUNO): DANOS MORAIS. “Expulsão” de
aluno. Processo conduzido em conformidade com as normas do
Regulamento Comum da unidade escolar. Ampla defesa
devidamente oportunizada. Ausência de ato ilícito por parte da
instituição de ensino. Ação julgada improcedente. Sentença mantida.
Recurso desprovido. (Apelação n. 1001870-68.2014.8.26.0068, TJSP,
10/04/2017)
CASO 2 (EXPULSÃO DE ALUNO): REEXAME NECESSÁRIO.
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À EDUCAÇÃO. EXPULSÃO DO
ALUNO DE ESCOLA MUNICIPAL. 1. Não sendo observado o disposto
no Regimento Interno Escolar, bem como não sendo oportunizado
ao adolescente e seus pais exercerem o direito de defesa, mostra-se
descabida a expulsão sumária do adolescente da instituição de
ensino. 2. É cabível o reexame de sentença pelo segundo grau de
jurisdição, pois enquadra-se o presente caso na exigência legal.
Inteligência do art. 14, §1º, da Lei nº 12.016/09. Sentença confirmada. (Nº
70060776903, TJRS, 27/08/2014)
ANÁLISE DO CASO 1 – EXPULSÃO DE ALUNO
No primeiro caso, a expulsão da escola ocorreu em razão de o aluno
ter cometido uma série de atos indisciplinares. Estas ocorrências foram objetos de
apuração pela gestão pedagógica da escola, com os devidos registros de
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desentendimentos com alunos e professores, indisciplina e agressividade,
comportamento perigoso, agressões a alunos e funcionários, dentre outros.
(Acórdão).
Em síntese, a escola comprovou que tentou dialogar com os pais,
solicitou apoio do Conselho Tutelar e fez o que julgou possível para manter o
estudante inserido nos processos de aprendizagem. Tais medidas, entretanto, foram
insuficientes e esbarraram na impossibilidade de a escola realizar um
acompanhamento e tratamento na área da saúde, imprescindível para a situação
verificada.
Por tudo isso, o desligamento do estudante não foi entendido pelo Poder
Judiciário como ato ilícito. Destaca-se que todos passos administrativos que levaram
à expulsão do aluno foram acompanhados pelos pais, que tiveram garantidos o
contraditório e a ampla defesa.
ANÁLISE DO CASO 2 – EXPULSÃO DE ALUNO
Por outra senda, no segundo caso restou claro que a escola agiu
arbitrariamente na expulsão do aluno, que sequer foi ouvido. Verificou-se que o
estudante não estava adotando comportamento compatível com o ambiente escolar.
Entretanto, a escola não demonstrou ao Juízo qualquer providência no sentido de
apurar as ocorrências identificadas.
Além disso, não observou o Regimento Escolar, que prevê uma escala
de punições disciplinares, sendo a expulsão do estudante a derradeira alternativa.
Igualmente, os gestores pedagógicos não avaliaram a necessidade de um apoio
psicológico. Tratou-se, portanto, de expulsão de aluno sumária, visto que sequer o
direito à ampla defesa e ao contraditório foi respeitado.
Expulsão de estudante constitui-se em medida excepcional. Do ponto
de vista pedagógico, importa a garantia de que a escola envidou os melhores
esforços para incluir o estudante no processo de formação. Do ponto de vista
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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jurídico, veda-se a arbitrariedade, o desrespeito ao Regimento Escolar e aos
princípios elementares do direito ao contraditório e à ampla defesa.
Há, enfim, um conjunto de protocolos e medidas imprescindíveis que
os gestores devem adotar, mormente em um cenário em que cada vez mais estas
temáticas passam pelo crivo do Poder Judiciário.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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7. REGIMENTO DISCIPLINAR NÃO DEVE SER SUBESTIMADO PELA
COMUNIDADE ESCOLAR
Percebemos no cotidiano escolar uma violência latente, física e simbólica.
Mas e qual é o papel do Regimento Disciplinar neste cenário? Entenda no texto
abaixo.
Há uma grande confusão na escola em face da violência. Há dúvidas
sobre a correção de procedimento frente a ato infracional e ato indisciplinar. A
comunidade escolar ainda subestima o regimento disciplinar. Primeiramente temos
que diferenciar ato infracional de ato indisciplinar.
Ato infracional é o ato descrito como crime ou contravenção penal,
conforme artigo 103 do ECA. Ato indisciplinar, por sua vez, consiste em ações
perpetradas por estudantes no contexto da escola que estão em desacordo com as
condutas preconizadas pela instituição no regimento disciplinar.
REGIMENTO DISCIPLINAR E ATO INDISCIPLINAR
Devemos destacar aqui a importância do Regimento Disciplinar,
verdadeiro balizador do comportamento esperado. O Regimento Disciplinar dispõe
sobre os atos indisciplinares, sua descrição e as sanções correspondentes a estes
atos.
Nele deve estar previsto, por exemplo, o horário que a direção dispõe
para conversas individuais com docentes. Ou em qual dia a equipe diretiva ou
pedagógica está à disposição dos pais.
Caras professoras, caros professores. O regimento disciplinar deve
ser público, quiçá disponível no site ou em redes sociais, pois é o balizador
das condutas dos estudantes. Tem, ainda, o condão de normatizar o
funcionamento e a organização da vida escolar, do ponto de vista institucional,
prático.
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Cada ato indisciplinar previsto no regimento disciplinar deve estar
acompanhado de uma sanção determinada. Além disso, é importante que se tenha a
previsão de uma comissão escolar responsável pela apuração do ato indisciplinar.
Com estes cuidados a escola supera a discricionariedade das punições aplicadas.
Discricionariedade significa tratar aleatoriamente, sem padrão, cada
situação. O poder discricionário é o poder arbitrário, livre de qualquer fundamento ou
justificativa anterior. Para evitá-lo, nada melhor que um regimento disciplinar
transparente que tipifique condutas indisciplinares e suas respectivas punições.
REGIMENTO DISCIPLINAR E ATO INFRACIONAL
Do ponto de vista estritamente legal, não é correta a afirmativa
reproduzida pelo senso comum de que “com adolescente não dá nada”. O ECA
contém um sistema de responsabilização juvenil cuja carga é indiscutivelmente
penal, pois versa sobre a liberdade do sujeito. No limite, um jovem de doze anos
pode sofrer uma medida socioeducativa de meio fechado e ficar até três anos preso.
Ao vislumbrar a ocorrência de ato infracional, a gestão pedagógica e os
responsáveis pela disciplina escolar devem fazer uma primeira apuração, buscando
aclarar os fatos. Estando obscura a autoria do delito, o Boletim de Ocorrência pode
ser confeccionado, mas a escola deve se abster de indicar autores, sob pena de
imputação indevida.
Em se confirmando o ato infracional, é imprescindível que existam
elementos probatórios suficientes para fazer o registro do Boletim de Ocorrência. O
restante da apuração e responsabilização, no que toca ao ato infracional, é do
sistema de justiça da infância e juventude.
Ocorre que se o ato infracional perpetrado também estiver disposto
nas condutas indisciplinares previstas no Regimento Disciplinar, a escola tem
todo o direito de adotar o procedimento frente a ato infracional disposto e
promover a sanção correspondente.
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26
A sanção disciplinar no âmbito da escola, portanto, independe da
apuração do ato infracional no sistema de justiça. Tal procedimento frente a ato
infracional tem, inclusive, mais celeridade, pois decorrente de um procedimento mais
simplificado previsto no Regimento Disciplinar.
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8. “COXINHAS, PETRALHAS E FASCISTAS...”. MAS E A ESCOLA COM
TUDO ISSO?
Coxinhas, petralhas e fascistas são expressões que revelam intolerância
e acirramento de posicionamentos políticos. E qual o papel da escola neste cenário?
Cabe aos docentes da Educação Básica fomentar a discussão, problematizando tais
questões? A solução é o diálogo plural na escola, moderado e respeitoso.
É inegável que passamos por tempos de crescente intolerância e
acirramento de posicionamentos políticos. Como norte, extraímos um caminho de
reflexão nas diretrizes do Plano Nacional de Educação. Seus princípios apontam na
direção da cidadania, promoção humanística, gestão democrática, o respeito aos
direitos humanos e à diversidade. Um diálogo plural na escola.
Pretendemos não nos estender no aspecto legal, visto que poderíamos
abordá-lo inclusive do ponto de vista constitucional. No entanto, importa sublinhar
que os preceitos normativos de direito educacional são transparentes no sentido de
uma escola democrática e dialógica. Em outras palavras, se aposta num diálogo
plural na escola para promoção da cidadania.
Neste sentido, como proceder? Acreditamos que este cenário abre
diversas oportunidades de debates, não apenas em sala de aula. Se o noticiário
recente é farto em abordar a Justiça e o Poder Judiciário, por que não aproveitar
para discutir regras de comportamento no ambiente escolar?
Nessa linha, em última análise se discute hodiernamente condutas de
agentes políticos e as sanções respectivas, oportunidade ímpar para que se discuta
um novo Regimento Escolar - RE, ao menos no que toca a condutas inadequadas e
suas respectivas sanções. Então um documento que afirme o diálogo plural na
escola pode ser uma boa ideia.
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Discussão coletiva, cujo desiderato não é simplesmente o resultado final
(uma reescrita deste capítulo do RE). Porém o exercício do debate democrático
substancial e consequente. Substancial porque os estudantes terão que discutir
temas pertinentes a seu contexto imediato. Consequente, pois tais deliberações
terão repercussão na vida escolar.
O espírito democrático e o respeito genuíno à diferença se constroem na
prática, no seu exercício cotidiano. E não há espaço mais adequado a este exercício
que as instituições educacionais. Ou seja, através de um diálogo plural na escola. Aí
reside um dos grandes equívocos do autodenominado “escola sem partido”, que
quer o silêncio diante das grandes questões contemporâneas.
Importante, pois, fazer uma ressalva: a democracia não pode servir de
blindagem para autorizar a promoção de discursos de ódio, autoritário ou
discriminatório. Ao abordar temas quentes do Brasil contemporâneo, necessário que
o docente faça uma espécie de preliminar, indicando tais restrições e moderando
ativamente qualquer troca de ideias que resvale para este caminho. A construção de
um espaço dialógico e de um diálogo plural na escola exige redobrada atenção.
Particularmente, ao tempo em que exerci a docência (seja na Educação
Básica ou no ensino superior) sempre organizei minhas aulas de modo a garantir um
“tempo para o nosso tempo”. E o fazia de duas maneiras.
A primeira, mais simples, consistia em fazer pontes entre o período
histórico estudado e a realidade. Quando não havia esta possibilidade, e o tema
realmente estava na ordem do dia, preservava alguns minutos iniciais para instaurar
o diálogo. Momento este não raras vezes extraordinário de participação discente.
Minha intervenção nestes instantes? Aclarar equívocos conceituais e históricos e
moderar os ânimos mais acalorados.
Enfim, para usar a clássica assertiva da teoria pedagógica, a escola não é
uma ilha. Os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico autorizam o debate
democrático e o diálogo plural na escola. O tão festejado pluralismo de ideias.
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Por fim, o direito educacional preconiza uma escola que aposte nos
valores da cidadania. Este sim é corolário maior do Estado Democrático e Social de
Direito instituído na Constituição de 1988, não por outra razão chamada de
constituição cidadã. Por isso insistimos que é importante o docente conhecer a
Constituição.
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9. QUAL É A DIFERENÇA ENTRE ATO INDISCIPLINAR E ATO
INFRACIONAL?
Indisciplina na escola é fato comum nas escolas do Brasil. Nem tão raro
também são os casos de infrações. Por isso, é importante para professoras e
professores entender a diferença entre ao indisciplinar e ato infracional na escola.
Aparentemente simples esta questão merece toda a atenção dos gestores
educacionais na apuração de infração ou indisciplina na escola cometida por
estudantes. Ato indisciplinar não pode ser confundido com ato infracional.
Ato indisciplinar diz respeito às condutas que ferem as normas de
comportamento escolar, ou o regimento disciplinar. Já ato infracional versa sobre
fato descrito como crime no Código Penal, conforme previsão do art. 103 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Diz o artigo que “considera-se ato infracional a
conduta descrita como crime ou contravenção penal”.
Ou seja, quando um adolescente comete dano ao patrimônio público,
quebrando vidros ou destruindo classes, à rigor não se trata apenas de indisciplina.
O aluno, na realidade, está cometendo ato infracional, pois é crime previsto no art.
163, inciso III, “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.
Neste caso, o encaminhamento devido é o registro de Boletim de
Ocorrência em Delegacia de Polícia Especializada, para formação do Inquérito
Policial. A finalidade é a apuração de autoria e materialidade. O Inquérito será
encaminhado pelo Ministério Público que fará a denúncia na respectiva Vara de
Infância e Juventude.
A condenação poderá resultar em medida socioeducativa, verdadeira
sanção de natureza penal, visto sua carga retributiva. Há acaloradas discussões
sobre a natureza das medidas socioeducativas. A nosso juízo, não temos dúvidas se
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tratar de sanção de natureza eminentemente penal, por ser compulsória e, no limite,
prever a privação de liberdade.
Ato indisciplinar, por sua vez, geralmente não é um fato cujo apuramento
sai da alçada da instituição. Por outro lado, quando um adolescente comete ato
indisciplinar, o correto procedimento é a sua apuração por uma comissão que
desempenhe esta atribuição por certo período. Esta comissão deve ser subsidiada
pelo regimento disciplinar, que deve conter sanções a respectivos comportamentos
descritos como indisciplina na escola.
Evidentemente, o aluno autor do ato de indisciplina na escola deve ser
ouvido pela comissão, que apresentará um breve relato seguido (ou não) de sanção.
Com o regimento disciplinar, a comissão de apuração acima descrita e a oitiva do
acusado, protege-se a legalidade das eventuais sanções e a instituição de ensino se
afasta da arbitrariedade no enfrentamento da questão.
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10. O LIMITE ENTRE MEDIDA PEDAGÓGICA E EXCESSO EM UM CASO
DE FALTA DISCIPLINAR DE ALUNO QUE TEVE REPERCUSSÃO
NACIONAL
Professoras e professores diariamente têm dúvidas acerca de qual é a
medida pedagógica correta para cada situação. O medo da responsabilização por
excesso pode frear atitudes dos docentes. O texto a seguir resume um caso de
repercussão nacional.
A família de um aluno de Escola Estadual de Ensino Médio ajuizou ação
de danos morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. O aluno, segundo os pais,
teria sido humilhado pela professora em frente aos colegas. Para eles, a atitude da
professora teria ultrapassado os limites de uma medida pedagógica.
No processo, foi comprovado que o adolescente pichou o seu apelido em
uma parede da escola. Isso ocorreu logo após uma ampla mobilização da
comunidade para revitalização da instituição através da pintura das paredes das
salas de aula. Diante deste fato, a vice-diretora solicitou ao aluno que pintasse
novamente a parede, em frente a seus colegas.
Neste momento, o aluno teria ironizado a situação, ao tempo em que a
professora teria lhe chamado a atenção para levar a situação a sério. Inconformada
com o claro desrespeito, a professora teria chamado o jovem de “bobo da corte” no
contexto dos atos praticados.
O evento foi filmado por outro aluno com o celular e ganhou repercussão
na internet e na mídia com o questionamento da medida pedagógica. Por isso, a
família disse que o aluno ficou muito abalado, envergonhado e sem ir à aula por
algum tempo.
No juízo de primeiro grau, o ente público foi condenado a indenizar o
aluno e a sua família. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
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Sul, reformou a decisão, concluindo que a atitude se tratou de medida pedagógica
enérgica no contexto dos fatos.
Após ponderarem a situação sob aspectos do direito educacional e
fazerem uma análise do caso concreto, os julgadores desobrigaram o Estado a
pagar indenização. Concluíram que a resposta da professora não excedeu os limites
de uma medida pedagógica.
Os Desembargadores entenderam que restou demonstrada a intenção
disciplinar da docente. Reconheceram que não houve qualquer intenção de humilhar
o aluno, mas de lhe aplicar uma medida pedagógica adequada à transgressão
cometida.
O Tribunal lembrou que pichação se constitui em dano ao patrimônio
público, com previsão no Código Penal. Portanto, o adolescente poderia ser
responsabilizado pelo cometimento de ato infracional, sujeito à aplicação de medida
socioeducativa. O que, geralmente, é mais forte que uma medida pedagógica.
O julgador relator da decisão lembrou que tanto o aluno quanto seus pais
não participaram do mutirão para revitalização da escola. Observou ainda que a
repercussão pública do caso decorreu da “tentativa dos pais do educando de tirar
proveito da situação”.
O Tribunal pontuou, ao final, que a conduta reprovável do estudante
se deve à omissão dos pais, destacando que a medida pedagógica da
professora não causou danos efetivos ao aluno. A extensa decisão abordou a
situação sob o ponto de vista do direito e da cidadania.
Confira o resumo da decisão judicial:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALTA
DISCIPLINAR PRATICADA POR ALUNO DE ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL. APLICAÇÃO DE MEDIDA PEDAGÓGICA POR
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PROFESSORA. REPARAÇÃO INDEVIDA. [...] Realizada a pintura em
toda escola, o autor pichou uma das paredes com o seu apelido, atitude
deveras reprovável, especialmente diante do contexto dos fatos. Em
razão disso, a então Vice-Diretora lhe aplicou uma medida pedagógica
determinando que realizasse a pintura do espaço que havia pichado e
também que a ajudasse a realizar outras pinturas pequenas em demais
locais da escola, assim como os demais colegas tinham realizado no dia
anterior. In casu, muito embora a professora possa ter sido indelicada na
forma como aplicou a medida pedagógica, restou evidenciado que sua
atitude não foi de constranger o aluno. [...]. (Apelação Cível nº
70070165360, TJRS, 09/11/2016).
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11. SUJAR A CLASSE DE AULA É INDISCIPLINA E O PROFESSOR PODE
CHAMAR A ATENÇÃO
A família de um aluno de escola particular ajuizou ação de danos morais
contra a instituição de ensino e um professor de geografia que nela trabalha. O
aluno disse que se sentiu humilhado quando o professor lhe chamou a atenção por
estar sujando a classe de aula.
O episódio aconteceu durante uma aula de geografia. O docente pediu
que o aluno limpasse a classe que riscou com “errorex”. Este episódio, segundo o
que disse a família em juízo, teria causado danos e prejuízos de relacionamento ao
aluno.
O aluno afirmou que o professor foi ofensivo lhe acusando injustamente
na frente da turma de sujar a classe. O estudante disse que o “errorex” respingou no
seu material quando ele foi abri-lo e acabou por sujar a classe.
Os pais do referido aluno exigiram a demissão do professor para manter o
seu filho na escola. Eles disseram que o docente humilhou seu filho em frente aos
colegas ao chamar a atenção do jovem por sujar a classe de aula.
Por outro lado, o colégio e o professor defenderam que o aluno estava
escrevendo o seu nome na mesa propositalmente. Alegaram que, mesmo assim,
apenas lhe foi chamada atenção pelo comportamento inadequado de forma
respeitosa.
O colégio também ressaltou que o referido professor é muito querido
pelos alunos, devido ao seu tratamento afetuoso e digno. Além disso, alguns
colegas confirmaram que viram o referido aluno sujar a classe.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente e não reconheceu
qualquer obrigação de indenizar. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio
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Grande do Sul manteve a decisão do juiz de primeiro grau entendendo que sujar a
classe de aula não é uma conduta adequada, nem esperada, de um estudante.
O órgão julgador fundamentou que as testemunhas ouvidas não
deixaram dúvidas de que a versão do aluno era inverídica. Por outro lado, se
comprovou que o aluno riscou a classe.
Os julgadores acrescentaram que o aluno não chamou qualquer colega
que tenha presenciado o episódio para testemunhar, mesmo que tenha mantido
amizade com vários. Em sentido contrário, concluiu que as testemunhas foram
coerentes ao dizerem que o colega estava riscando a mesa com “errorex” e o
professor lhe chamou atenção educadamente.
Assim, os desembargadores do TJRS entenderam que não há qualquer
ato ilícito que enseje o dever de indenizar. Igualmente, com base no pensamento
de filósofos contemporâneos (como Zygmunt Bauman, Leandro Carnal e Mario
Sérgio Cortella) dissertaram que sujar a classe de aula é conduta
completamente inadequada.
O Tribunal referiu que o processo foi o produto de uma verdadeira
inversão de valores. Ainda, que este problema assola a sociedade moderna,
onde passou a se confundir autoridade com autoritarismo. Em que fazer e
ensinar o certo (não sujar a classe) passou a ser considerado abusivo.
Nesse sentido, concluíram que o professor buscou educar o aluno ao
constatar o fato. Inclusive foi procurada ajuda dos pais que, por outro lado, se
voltaram contra o colégio e o educador.
Confira o resumo da decisão judicial, que ressaltou o caráter disciplinar da
atitude do professor:
Ementa: APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO.
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ALEGADO TRATAMENTO DESRESPEITOSO DE PROFESSOR EM
FACE DE ALUNO. PROVA ROBUSTA EM SENTIDO CONTRÁRIO.
PRETENSÃO QUE BEIRA A MÁ-FÉ. [...]. O docente apenas se limitou a
ordenar que o aluno limpasse a classe escolar que havia rabiscado, o que
fez em tom apropriado e com a firmeza que a situação exigia. Não se
pode confundir autoridade com autoritarismo. Ensinar um jovem a assumir
a responsabilidade de seus atos e consertar o dano cometido é tarefa
primeira dos pais, tendo a escola função supletiva/complementar. Nesse
contexto, a ordem para que o autor limpasse a sujeira feita não teve
qualquer viés de humilhação, mas objetivou apenas educá-lo,
transformando-o num cidadão consciente de seus deveres e limites,
ciente das conseqüências de seus atos. [...]. (Apelação Cível Nº
70073219685, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Eugênio Facchini Neto, Julgado em 24/05/2017).
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12. AVALIAÇÃO À LUZ DA LDB – LEI DE DIRETRIZES E BASES (LEI
9.394/1996)
É consenso que a avaliação de aluno cumpre função de relevo nos
processos educativos escolares. Na realidade, cotidianamente constitui-se em
argumento central do docente para atenção em sala de aula, ou para que sejam
realizadas as tarefas escolares. Qual professor nunca utilizou a expressão ‘prestem
atenção, porque vai cair na prova’?
Há, ainda, uma miríade de teorias pedagógicas: a compreensão advinda
da tradição, em que avaliação confunde-se com provas pontuais, cumulativas e
classificatórias; a leitura de que a avaliação deve ser processual e diversificada,
abarcando atividades extraclasse, trabalhos de pesquisa, comunicação de
resultados; ou de que ela é o verdadeiro coração do processo de aprendizagem.
Pois aí reside o poder docente. Pode-se ainda referir a percepção de que
a avaliação é o mecanismo de disciplinamento da criança ou do adolescente, o que
desautorizaria seu manejo.
Nesta cena, o que a legislação educacional dispõe sobre a avaliação de
aluno? Vejamos o inciso V do art. 24 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será
organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
(...)
V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes
critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com
prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos
resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
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b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso
escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação
do aprendizado;
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos
ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem
disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;
Da leitura deste dispositivo é possível concluir que a avaliação de aluno
como tradicionalmente é concebida não se alinha aos valores dispostos na
legislação. A ideia contida na LDB é que a avaliação seja feita processualmente (ao
contrário de pontualmente). Veja a alínea “a”, em que o legislador tem o cuidado de
expressamente afastar as provas finais.
Depreende-se também o descompasso com a legislação na
reprovação de ano em razão da insuficiência em uma ou duas disciplinas, conforme
a dicção da alínea “d”, “aproveitamento dos estudos concluídos com êxito”. Assim, o
sujeito reprovado em matemática ou história não deve, em respeito ao dispositivo
em comento, repetir todas as disciplinas, visto que os outros componentes, a rigor,
foram concluídos com êxito.
Na perspectiva legal, a avaliação é parte de um plano de trabalho. Isso
na medida em que propicia ao docente fazer um diagnóstico das dificuldades da
turma a respeito do conteúdo ministrado, dos avanços e das dificuldades
enfrentadas pelos estudantes. Uma espécie de termômetro.
Neste sentido, a avaliação é ferramenta indispensável para o bom
desenvolvimento das atividades escolares, visto que a partir de um bom diagnóstico
é possível ao docente planejar (e replanejar...) as atividades de sala de aula. Vejam,
nenhuma menção à classificação de estudantes. Foco dirigido aos processos de
aprendizagem. Melhor, foco na qualificação dos processos de aprendizagem.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Na realidade, o escopo da LDB, no que toca à avaliação, é incluí-la no
bojo de um projeto pedagógico inclusivo e democrático, sem descuidar da qualidade
dos processos de aprendizagem. Para tanto, a avaliação é entendida como um
processo permanente, contínuo, em que a aprendizagem não é verificada no fim do
percurso, mas no curso de toda a caminhada.
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13. ‘ESCOLA SEM PARTIDO’ SOB O CRIVO JURÍDICO E PEDAGÓGICO
Pretendemos analisar sob o prisma jurídico e o debate pedagógico as
propostas articuladas em torno do movimento (?) ‘Escola Sem Partido’ (ESP). É
legítimo do ponto de vista jurídico? É correto do ponto de vista pedagógico? Vejam o
que a Escola de Direito Educacional entende a respeito do movimento.
Em um primeiro momento, definiremos o tema, utilizando-nos das
palavras de seus protagonistas. Sujeitos cujo lócus de trabalho é o direito e a
política.1 Na sequência, pretende-se abordá-lo a partir do direito educacional. Área
jurídica que toma corpo nos últimos anos.
Além disso, faremos uma análise preliminar dos propósitos do movimento
Escola Sem Partido. Neste ponto tendo por pano de fundo o complexo debate
pedagógico contemporâneo, em que várias tendências se complementam e se
opõem, em um mosaico desprovido de verdades inquestionáveis.
Segundo artigo publicado pelo ‘El País’,2 o movimento Escola Sem
Partido iniciou em decorrência de um episódio em São Paulo, no qual um professor
teria comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Tal analogia foi
compreendida como doutrinação ideológica de esquerda, motivando críticas, em
meados de 2003. Em 2004 foi criado o movimento Escola Sem partido com 3
objetivos definidos pelos seus idealizadores.3
Um, a descontaminação e desmonopolização política e ideológica das
escolas. Dois, o respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes. Três, o
1 Note-se que aqui não se faz qualquer juízo de valor. É fato. O pioneiro deste movimento é o Dr.
Miguel Nagib, advogado paulista e articulador do ESP, na medida em que criou uma associação para fins de multiplicação de suas ideias. Outrossim, tais ideias tem sido repercutidas eminentemente por vereadores e deputados alinhados ao Dem e ao PP, inexistindo notícia de que instituições de pesquisa acadêmica a corroboram. 2 Artigo: Movimento Escola Sem Partido foi criado a partir da indignação de um pai com um professor.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html 3 Consulta ao site http://www.escolasempartido.org/objetivos em 28 de março de 2017.
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respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral que esteja de
acordo com suas próprias convicções.
Para levar a cabo tais objetivos, o Escola Sem Partido propõe uma
estratégia eminentemente jurídica. Assim destacando no seu site um modelo de
notificação extrajudicial. Além disso, indica um “dia nacional de luta contra a
doutrinação política e ideológica nas escolas”.
ESCOLA SEM PARTIDO E O PRISMA JURÍDICO
Particularmente, admito que subestimei o Escola Sem Partido. Há cerca
de dois anos, provocado por colega de longa data, resumi-o apontando sua flagrante
inconstitucionalidade. Esta foi reconhecida recentemente pelo Ministro Luís Roberto
Barroso, do STF. Nessa linha, deferindo liminar para suspender Lei promulgada pelo
Estado de Alagoas cujo teor alinha-se ao Escola Sem Partido, Barroso foi enfático.
Disse ele: “A norma [lei inspirada no Escola Sem Partido] é, assim,
evidentemente inadequada para alcançar a suposta finalidade a que se destina: a
promoção de educação sem ‘doutrinação’ de qualquer ordem. É tão vaga e
genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a
perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e
valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover
outros direitos de igual hierarquia.”4
Deste modo, tais considerações dariam conta de encerrar o tema. Ocorre
que os sucessivos embates criados pelo Escola Sem Partido faz crescer a
preocupação dos professores que exercem diariamente seu ofício. Pretende o
Escola Sem Partido que o ensino seja ministrado com neutralidade. Ainda, que os
docentes se abstenham de compartilhar qualquer opinião que diga respeito a credo,
ideologia e gênero.
4 Site do Supremo Tribunal Federal:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=338884
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43
Ademais, aos militantes do Escola Sem Partido propõe-se que
primeiramente notifiquem os docentes e as escolas que diretamente ou por omissão
deixem que tal ocorra.5 Acompanhado por Barroso, reconhecido constitucionalista e
Ministro do STF, entendo que os objetivos do Escola Sem Partido são ilegais e
inconstitucionais. Isso porque pretendem cercear a liberdade do docente no
exercício de seu trabalho, nos exatos limites do componente curricular do qual é
titular.
De igual modo, a Constituição Federal não autoriza a censura. Ao
contrário, aposta na liberdade de expressão, condição para o pleno exercício do
magistério. Tal direito constitui-se em garantia fundamental. Veja-se, pois, o teor do
artigo 5º, IV e IX, da CF, por exemplo:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV: É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
IX: é livre a expressão artística, científica e de comunicação,
independente de censura ou licença.
Sobre a questão educacional, vejamos o que dispõe o texto
constitucional:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino;
5 Diga-se de passagem que esta notificação, a nosso juízo, contém inequívoco intento intimidatório.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Forçoso concluir, portanto, não haver espaço para censura no ambiente
escolar. Educação é sinônimo de liberdade, diálogo, pluralismo de ideias e
concepções pedagógicas. De antemão, sujeitos que não detém formação acadêmica
na área da educação, não participaram dos inúmeros colegiados legítimos que
debatem e deliberam sobre a temática educacional Brasil afora, estabelecer o que
pode ser dito em uma aula consiste, sem sombra de dúvidas, em censura.
Assim, o Escola Sem Partido não se consegue se legitimar sequer nos
seus próprios fundamentos. Seguindo este itinerário, a LDB, inspirada pela
Constituição Federal, apresenta a seguinte principiologia:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
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Diante do exposto, inolvidável concluir que as proposições do Escola Sem
Partido revestem-se de manifesta inconstitucionalidade. Igualmente de notória
ilegalidade. Por esta razão os docentes e escolas eventualmente notificados podem
se utilizar destes fundamentos e encaminhar uma contra notificação, já que é nesta
seara que o embate está se realizando.
ESCOLA SEM PARTIDO E O PRISMA PEDAGÓGICO
Acerca das questões pedagógicas, os fundamentos epistemológicos do
Escola Sem Partido remontam o medievo. Seguramente, seus proponentes não
estudaram o acervo pedagógico produzido ao longo do século XX. Confundem, pois,
formar cidadãos com doutrinação (!!). Atacam Paulo Freire, afirmando estarem nesta
pedagogia as causas dos problemas educacionais brasileiros.
Poderíamos escrever muito sobre a pedagogia freireana. Sobre a
compreensão dos processos de aprendizagem que Freire, a partir de uma longa
caminhada que combinou teoria e prática, exemplarmente elaborou. Poderíamos
nos estender ao descrever a trajetória admirável deste teórico, reconhecido
mundialmente como um dos grandes teóricos da educação do século XX e
vilipendiado por estultices como as observadas no site do Escola Sem Partido. Em
razão dos limites deste artigo, limitaremo-nos a apontar duas inconsistências
teóricas do Escola Sem Partido.
Então, deixemos as outras para outro momento. O último lócus em que se
propõe a resoluta neutralidade no mundo do conhecimento é o Escola Sem Partido.
A neutralidade, no âmbito científico, notavelmente nas ciências humanas, é uma
quimera.6 Ao abordar um fenômeno histórico, por exemplo, é humanamente
impossível restringir assepticamente o conteúdo, de modo que se possa atingi-lo
com neutralidade.
6 Boaventura de Sousa Santos alerta para a impossibilidade da neutralidade também nas chamadas
ciências duras.
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46
Imaginemos, caros leitores já enfastiados com a extensão deste artigo,
uma aula sobre o nazismo, a Revolução Francesa ou a chamada Era Vargas. O
historiador, para ministrá-la, seguramente estudou tais processos. Carrega leituras,
impressões, eventualmente pré-conceitos, de sorte que resta impossível neutralizá-
los. Nessa linha, impor a neutralidade é impor o silêncio.
Olvida, assim, o Escola Sem Partido que o ambiente escolar agrega uma
profusão de atores que carregam suas convicções ideológicas, morais e éticas. Este
movimento (movimento?) ignora que a vida pulsante da comunidade escolar decorre
exatamente das diferenças que a constituem. A alteridade educa, e é no bojo das
diferenças que o processo educativo acontece. Observando os objetivos do Escola
Sem Partido, constata-se uma desconexão com esta realidade.
Deste modo, não há razões para “descontaminação política e ideológica”
porque não há pensamento único institucionalizado. A sabedoria popular já ensinou
que quando João fala mal de Pedro, sabemos mais de João do que de Pedro.
Certamente os protagonistas do Escola Sem Partido não conhecem o dia a dia
escolar. Assim, reduzem a um debate vergonhosamente simplório um cenário
extremamente complexo e variado, multifacetado, em que não há lugar para
determinismos oriundos da guerra fria.
Por outra senda, o conceito que o Escola Sem Partido tem dos
estudantes em seus escritos é anacrônico, remontando o século XIX. Os estudantes
não são – na realidade nunca foram... – marionetes manipuláveis que assimilam
passiva e voluntariamente o que lhes é imposto por “espertos e ardilosos”
professores, de esquerda ou de direita.
Ao contrário, o sujeito da educação contemporânea está em posição de
diálogo. Mais que isso, é protagonista de seu processo formativo. E vejam bem, tais
considerações são consensuais no ambiente da pesquisa acadêmica. Qualquer
manual de pedagogia editado no século XXI explica isso.
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47
Por derradeiro, constato o que muitos colegas já apontam. O Escola Sem
Partido é pura e simplesmente um movimento político. Por isso, deve ser enfrentado
pelo conjunto dos docentes que hoje estão desafortunadamente sendo por ele
atacados na esfera do debate político.
Jurídica e pedagogicamente, é anacrônico, inconsistente e, no limite,
inconstitucional. Melhor seria que estes militantes se ocupassem substancialmente
com a melhoria da educação brasileira, apoiando, por exemplo, a legítima demanda
por uma remuneração justa dos professores, respeitando-os e, quem sabe,
estudando um pouco.
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48
14. MULTA AOS PAIS POR ABANDONO INTELECTUAL E EVASÃO
ESCOLAR. É POSSÍVEL?
Abandono intelectual de aluno que não frequentava escola resulta em
condenação dos pais ao pagamento de multa. A responsabilidade pela evasão
escolar recaiu sobre os genitores, com base na Lei 8.069/1990, que instituiu o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Ministério Público do Espírito Santo ajuizou ação de apuração de
infração administrativa às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. O
objetivo era investigar suposto abandono intelectual de aluno. Os pais do aluno
foram condenados ao pagamento de multa de 3 salários mínimos em razão da
evasão escolar do filho.
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo manteve a
decisão do juiz de primeiro grau. Os julgadores ressaltaram que, mesmo quando
chamados ao processo judicial, os pais não tomaram nenhuma providência em
relação à evasão escolar de seu filho.
O Direito Educacional é claro em casos como este. O Estatuto da Criança
e do Adolescente, Lei 8.069/90, estabelece como dever dos pais de crianças e
adolescentes zelar pela sua educação. O artigo 249 do ECA, que prevê multa
administrativa de três a vinte salários mínimos, dispõe: “Descumprir, dolosa ou
culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrentes de tutela
ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar”.
Confiram abaixo a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Espírito Santo:
Ementa: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI
13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERDA DE UMA
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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CHANCE. PROFESSORA. DISPENSA NO INÍCIO DO ANO LETIVO. De
acordo com a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance,
o prejuízo material indenizável é aquele decorrente de uma probabilidade
séria e real de obtenção de um resultado positivo legitimamente esperado
pela vítima que é obstado por ato ilícito praticado pelo ofensor. A
despedida de empregado sem justa causa encontra-se dentro do poder
potestativo do empregador, não caracterizando, por si só, ato ilícito ou
abuso de direito. No presente caso, todavia, conforme se depreende do
acórdão do Tribunal Regional, restou demonstrado o uso abusivo do
exercício do direito de rescisão contratual por parte do reclamado. Com
efeito, a dispensa da reclamante no início do ano letivo, quando ela
já tinha a expectativa justa e real de continuar como professora da
instituição de ensino reclamada e auferir daí os ganhos
correspondentes, evidencia o abuso do poder diretivo do
empregador de dispensa, notadamente pela dificuldade que a
reclamante teria em lograr vaga em outra instituição de ensino, tendo
em vista o início das aulas. Recurso de revista não conhecido. (Recurso
de Revista nº 246-65.2013.5.04.0531, Segunda Turma do TST, Relatora:
Álvaro Manoel RosindoBourguignon, Julgado em 30/01/2018)
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15. TRABALHO NA ESCOLA E EDUCAÇÃO FACE À LDB
Tema controvertido é a questão do trabalho na escola. Este texto tem o
objetivo de apontar os fundamentos jurídicos da questão traçando um paralelo com
o conceito de educação contido na LDB.
A legislação educacional autoriza os estudantes a exercerem tarefas
afetas ao mundo do trabalho na escola? Não restam dúvidas que a resposta é
positiva, na forma do §2º do art. 1º da Lei 9394/96 (LDB): “A educação escolar
deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.
O próprio texto constitucional aborda o trabalho na escola como elemento
fundamental. Assim dispõe o art. 205 da Constituição: “A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Entretanto, não é qualquer trabalho que deve estar presente no cotidiano
pedagógico. Evidentemente, veda-se a exploração (comercial/industrial/agrária) do
trabalho da criança e do adolescente, visto que o objetivo do legislador foi eleger o
trabalho como um dos princípios educativos que devem informar o currículo escolar.
Note-se que uma das finalidades do Ensino Médio previstas na LDB é a
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35, IV).
Salvo raras exceções, sabemos que o trabalho na escola não é percebido
como elemento relevante de formação humana. Ao bem da verdade, a origem desta
dissociação entre o mundo da escola e o mundo do trabalho remonta há pelo menos
dois séculos, quando as instituições escolares foram progressivamente se afastando
do mundo da vida e as salas de aula passaram a ser percebidas como o lugar por
excelência dos processos de aprendizagem.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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À despeito de hegemônica, esta concepção sobre trabalho na escola tem
sido verdadeiramente bombardeada por um muitos docentes e teóricos. Note-se
também que os sujeitos da educação são outros, crianças e jovens hiperconectados,
nascidos no século XXI. A tríade sala de aula, quadro negro e monólogo docente
cada vez mais cede espaço a aulas interativas, recheadas com pesquisas,
apresentações, experimentos e comunicação.
Neste cenário, a dimensão do trabalho na escola como elemento
constituinte do currículo pode oferecer excelentes possibilidades de aprendizagem.
Não nos referimos à formação técnica de nível médio (outro segmento previsto na
LDB), mas de oportunidades de aprendizagem de conhecimentos científicos a partir
de processos produtivos reais, concretos. O inciso XI do art. 3º da LDB aponta a
vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais como um dos
princípios do ensino.
O desafio da gestão pedagógica, em diálogo com os docentes das
disciplinas ou áreas de conhecimento, é viabilizar estratégias pedagógicas que
contemplem o mundo do trabalho. Tal providência, indubitavelmente, trará mais vida
à escola, abrindo novos horizontes para a juventude.
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16. PROPOSTA PEDAGÓGICA E DIREITO EDUCACIONAL, UM DIÁLOGO
PROMISSOR
Este texto inaugura uma questão que será recorrentemente abordada
pela Escola de Direito Educacional. Proposta pedagógica e direito, o que um tem a
dizer para o outro? Tal pergunta abre janelas para um sem número de
questionamentos.
Há um leque de abordagens verdadeiramente inesgotável, pois os
preceitos normativos de Direito Educacional iluminam a vida escolar. Por isso,
fizemos um recorte de algumas dimensões que julgamos mais pertinentes sobre
proposta pedagógica e direito. Vamos lá!
Seguidamente somos questionados sobre as responsabilidades do
professor no que toca à elaboração da proposta pedagógica. Cabe ao docente de
uma determinada área do conhecimento redigir o PPP ou estudar pedagogia? A
resposta exige que se conceitue proposta pedagógica.
Em apartada síntese, e desde logo pedindo escusas aos estudiosos de
tão relevante assunto, proposta pedagógica diz respeito ao perfil de ser humano que
a instituição educacional pretende formar e o modo pelo qual pretende fazê-lo.
Neste sentido, o PPP contém um conjunto de valores, conhecimentos,
habilidades e competências que a escola elencou como importantes para a vida do
estudante. Igualmente, prevêem-se neste documento estratégias pedagógicas com
o potencial para atingi-los.
Se aceitarmos esta incipiente definição de proposta pedagógica, não
restam dúvidas que é imprescindível a participação do docente na sua elaboração.
Ao menos, é necessário que este se aproprie do PPP.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Como uma professora levará à cabo uma proposta que desconhece?
Imaginemos que o PPP preconize a interdisciplinaridade. Um docente que não se
engajou nesta elaboração terá imensas dificuldades de trabalhar a partir deste
paradigma.
Por tudo isso que o legislador assim dispôs na LDB, visando a adequação
entre proposta pedagógica e direito, a respeito das responsabilidades do docente:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento
de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino;
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento;
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao
desenvolvimento profissional;
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade.
Este dispositivo indica expressamente quais as responsabilidades legais
do docente na relação entre proposta pedagógica e direito. Ocupando lugar de proa
(inciso I) está o dever de participar da elaboração da proposta pedagógica. Mais que
isso, os outros incisos, direta ou indiretamente, remetem ao PPP. Por exemplo, certo
que uma proposta escolar adequada aos ditames democráticos prevê a participação
da comunidade em seu seio (inciso VI), ou mesmo sobre avaliação.
Enfim, caras e caros, ante o exposto não restam dúvidas que o conjunto
dos professores deve se aproximar de leituras pedagógicas a fim de contribuir na
elaboração e na implementação do PPP. Acertadamente, a legislação é clara neste
aspecto ao ligar proposta pedagógica e direito. Vale registrar que sua inobservância
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
54
implica na diminuição expressiva do potencial da educação na promoção e
desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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17. ATOS INFRACIONAIS NAS ESCOLAS SÃO REDUZIDOS GRAÇAS A
PROJETO INOVADOR
Atos infracionais nas escolas do nosso país são diários e o grande
desafio está em reduzir a sua ocorrência. De olho na diminuição de violências físicas
e psíquicas, por exemplo, um município da região metropolitana de Belo Horizonte
(MG) foi pioneiro ao apresentar um projeto inovador em parceria entre escolas e o
Poder Judiciário para reduzir atos infracionais. Entenda no texto como funciona a
proposta.
O projeto é fruto da constatação da realidade de violência nas escolas
brasileiras. As taxas de evasão escolar e de envolvimento com drogas, por exemplo,
são fatores que aumentam a ocorrência de atos infracionais nas escolas. A partir
disso, no final de 2017, a 2ª Vara Criminal da Infância e da juventude do município
de Ribeirão das Neves (MG), juntamente com as escolas do município, lançaram um
projeto visando reduzir a recorrência de atos infracionais no ambiente escolar
praticados por alunos entre o 6º e o 9º anos do ensino fundamental.
Abordando temas como o uso de drogas e a trajetória infracional à luz do
Estatuto da Criança e do Adolescente, este projeto, ainda embrionário, pretende
promover a cidadania e prevenir a violência nas escolas. Nessa linha, um grupo de
profissionais com amplo conhecimento é responsável por conversar com a
comunidade escolar sobre os direitos fundamentais, a importância da participação
dos pais na educação dos filhos, a problemática das drogas e as medidas
socioeducativas previstas no ECA em resposta a atos infracionais.
Os alunos também participam de audiências simuladas, nas quais os
próprios estudantes são os atores e interpretam as pessoas envolvidas numa
audiência judicial (juiz, promotor, defensor, menor infrator e testemunhas). O objetivo
é fazer com que eles reflitam e se coloquem do outro lado, bem como compreendam
que o estudo e o trabalho têm papel fundamental nas suas vidas. A intenção dos
idealizadores é se aproximar de crianças e adolescentes para prevenir atos
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
56
infracionais no ambiente escolar, ao invés de simplesmente puni-los. Os criadores
do projeto acreditam que o conhecimento dos sistemas de justiça é decisivo para
que os alunos se sintam mais responsáveis pelos seus atos.
A EDE aposta na promoção do diálogo entre os diversos atores da
sociedade, com a franca abordagem de temas polêmicos, estimulando um ambiente
plural e criando condições para o engajamento dos estudantes no sentido do bom
convívio, com respeito à alteridade e visando, em última análise, a qualificação dos
processos educativos.
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18. O QUE O DOCENTE DEVE SABER SOBRE A BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR (BNCC)?
Vigente desde dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular
pretende dispor daquilo que os estudantes devem aprender na Educação Básica, o
que inclui tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los,
apresentando o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos
os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. (BNCC, p.12 e p.5)
Causa espanto um país continental como o Brasil ainda não dispor de um
rol de conhecimentos básicos a serem aprendidos pelos estudantes da educação
básica. A Base Nacional Comum Curricular pretende suprir esta lacuna, indicando
um conjunto de aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas no âmbito escolar.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo
que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de
aprendizagem e desenvolvimento. (BNCC, p. 8)
A Base Nacional Comum Curricular contempla competências relativas à
educação infantil e ensino fundamental (está em fase de finalização a Base Nacional
Comum Curricular do Ensino Médio). Tendo em vista que pretende ser uma
referência para construção e adequação do currículo e das propostas pedagógicas
das escolas públicas e privadas, é necessário que os professores e os gestores se
apropriem de seu conteúdo, desenhando suas práticas educativas tendo por
parâmetro suas disposições.
Na prática, deverá ser feito um realinhamento do currículo vigente aos
preceitos da Base Nacional Comum Curricular, o que implica em debruçar-se sobre
as disposições da BNCC no tocante à sua área de trabalho. Por exemplo, as
professoras responsáveis pela alfabetização, em regra dos primeiros anos, deverão
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
58
se apropriar do que dispõe a Base Nacional Comum Curricular para reordenar seu
trabalho pedagógico.
O mesmo raciocínio se pode fazer para o professor de História, cuja
tarefa será observar o que a Base Nacional Comum Curricular pretende para esta
disciplina, alinhando seu quefazer docente à BNCC. Por esta razão não há dúvidas
de que a Base Nacional Comum Curricular impactará fortemente na reescrita de
livros didáticos.
Particularmente, cremos que a Base Nacional Comum Curricular será
reinventada pelas escolas. Em matéria de educação não existe a transposição de
conteúdos e práticas. Não obstante, impõe-se o estudo, sublinhando que, ao menos
em uma leitura preliminar, os conteúdos da Base Nacional Comum Curricular não
são alheios às práticas concretas. Ao contrário, eles em boa medida emergiram
dessas práticas. Compreendemos que o esforço maior contido na BNCC é o de
unificação de conhecimentos/aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas nos
quatro cantos do Brasil.
Nesta construção de uma espécie de denominador comum para as
escolas de Norte a Sul do país vislumbra-se a qualificação dos processos
educativos, segundo a Base Nacional Comum Curricular. Porém, sabemos que
mudanças curriculares não são capazes de impactar na qualidade da educação. A
melhoria substantiva da escola passa por um reordenamento do desenho
pedagógico combinada com a robusta valorização dos atores da educação, com
destaque aos professores e à gestão pedagógica.
Enfim, a Base Nacional Comum Curricular é uma realidade e veio para
ficar, e o desafio das redes e escolas é a sua apropriação, visto que estamos
tratando do documento balizador de conteúdos da educação infantil e fundamental.
Por derradeiro, ingressando propriamente no conteúdo da BNCC, optou-se por sua
articulação a partir de competências. Nos termos da Base Nacional Comum
Curricular, as aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem concorrer para
assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
59
consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e
desenvolvimento. (BNCC, p. 9)
Compartilhamos abaixo as dez competências gerais contidas na BNCC.
Sua leitura permite concluir o que mencionamos: a Base Nacional Comum Curricular
não é uma ruptura com o que está sendo feito no cotidiano escolar.
COMPETÊNCIAS GERAIS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)
1) Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o
mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva.
2) Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das
ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a
criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e
resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas.
3) Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-
cultural.
4) Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5) Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e
comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar
informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer
protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
6) Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender asrelações próprias
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
60
do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao
seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade.
7) Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para
formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que
respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o
consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento
ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8) Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as
dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9) Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais,
seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de
qualquer natureza.
10) Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
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19. BULLYING NA LDB: NOVIDADE DA LEI 13.663/18 QUE O PROFESSOR
DEVE SABER
A Lei 13.663/18, que altera a LDB, foi sancionada em 14/05/2018
incluindo um tema especialmente pertinente à infância e juventude: bullying.
Na forma da Lei, as escolas deverão incluir em suas propostas
pedagógicas estratégias de prevenção e combate ao bullying, visando à promoção
de uma ‘cultura de paz’.
A Lei 13.663/18 altera o art. 12 da LDB, incluindo a promoção de medidas
de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a
promoção da cultura de paz entre as incumbências dos estabelecimentos de
ensino. [Ementa da Lei sancionada]
Entretanto, desde 2015 está vigente a Lei 13.185, que instituiu
o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território
nacional. A diferença em relação à Lei 13.185 é que com a nova Lei de 14/05/2018 a
promoção de uma cultura de paz ingressará no rol das incumbências dos
estabelecimentos de ensino. A disposição reforça a responsabilidade da escola e
dos professores.
A nosso juízo, a intenção do legislador foi sublinhar a necessidade de a
escola estar atenta à realidade de crescente violência e agressividade. Tal
conclusão decorre do fato de que não há novidades legais sobre bullying na LDB,
visto que a Lei 13.185/2015 já dispõe sobre a necessidade de programas de
enfrentamento à violência e à intimidação sistemática, conforme o artigo 4º.
Confiram:
Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º:
I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em
toda a sociedade;
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II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das
ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
III – implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização
e informação;
IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e
responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;
V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos
agressores;
VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a
sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e
forma de preveni-lo e combatê-lo;
VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a
terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;
VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores,
privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a
efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;
A leitura dos dispositivos supracitados torna evidente que já existem
preceitos normativos suficientes para amparar propostas pedagógicas condizentes
com o cenário educacional contemporâneo, ao menos no que diz sobre a questão
da violência. Ou seja, a disposição de combate ao bullying na LDB reforça estas
propostas.
Por isso, entendemos que pouco adianta produção legislativa sem
correspondência em políticas públicas que as cumpram (e financiamento, diga-se!).
Neste caso, temos uma legislação recente, datada de 2015, que preconiza a
capacitação de docentes e equipes pedagógicas, a assistência psicológica, social e
jurídica às vítimas, dentre outras pretensões alvissareiras, e, salvo raríssimas
exceções, nenhuma implementação. Esperamos que a previsão do bullying na LDB,
como programa de combate, sirva para impulsionar a implementação de tais
práticas.
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20. REPROVAÇÃO DE ALUNO ÀS VÉSPERAS DA FORMATURA E SUA
(I)LEGALIDADE
A reprovação de um aluno foi às vésperas da sua formatura no ensino
médio. O estudante foi aprovado no vestibular e mesmo assim a justiça não
considerou a reprovação do aluno ilegal. Por quê?
Um estudante, representado por sua mãe, ajuizou ação de indenização
contra uma instituição de ensino por ter sido reprovado. A reprovação do aluno do
ocorreu logo antes da sua formatura. O estudante alegou que sofreu
constrangimento pela comunicação da reprovação às vésperas da colação de grau
do ensino médio. A mãe disse, ainda, que o filho foi aprovado no vestibular, caso em
que, segundo ela, a reprovação teria sido irregular.
A reprovação do aluno, conforme o colégio, ocorreu porque ele não
obteve notas mínimas durante o ano letivo. Demonstrou que as notas em história e
em sociologia, que resultaram na reprovação do aluno, foram inferiores a 5 (cinco).
Referiu, ainda, que nestes casos a reprovação do aluno está prevista no Regimento.
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou
correta a reprovação do aluno. Assim, reformou a decisão do juiz de primeiro grau.
Os Desembargadores ressaltaram que, mesmo a reprovação tendo sido comunicada
às vésperas da colação de grau, este fato por si só não configura dano indenizável.
O Tribunal concluiu que o desempenho escolar do estudante não era
satisfatório. Por isso entendeu que a reprovação do aluno era previsível e provável.
Para os julgadores a aprovação no vestibular ou a data da comunicação não tornam
a reprovação do aluno ilícita. Eles acrescentaram que o colégio não impediu que o
aluno reprovado participasse da cerimônia para evitar situação desconfortável.
Confiram abaixo a ementa do Acórdão proferido pelo TJRJ:
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Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS. [...]. AUTOR, ALUNO DA 3ª SERIE DO ENSINO
DO MÉDIO DO COLÉGIO APELANTE, QUE ALEGA TER SUPORTADO
DANOS MATERIAIS E MORAIS EM RAZÃO DA NOTÍCIA DE SUA
REPROVAÇÃO DADA PELO RÉU, ÀS VESPERAS DE SUA COLAÇÃO
DE GRAU. ELEMENTOS PROBATÓRIOS CARREADOS AOS AUTOS
QUE DEMONSTRAM A CORREÇÃO DO PROCEDIMENTO DE
REPROVAÇÃO ADOTADO. REPROVAÇÃO QUE SE FAZIA
PREVISÍVEL PELO AUTOR. COMUNICAÇÃO DA REPROVAÇÃO ÀS
VÉSPERAS DE SUA COLAÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO TEM O
CONDÃO DE CONFIGURAR ATO ILÍCITO POR PARTE DO RÉU.
AUTOR QUE NÃO FOI IMPEDIDO DE PARTICIPAR DA CERIMÔNIA DE
COLAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELO AUTOR,
NESSES AUTOS, DE QUE TENHA SOFRIDO CONSTRANGIMENTOS
NA ALUDIDA CERIMÔNIA. PROVIMENTO DO RECURSO. (Apelação
Cível nº 0078405-28.2012.8.19.0001, TJRJ, 23ª Câmara Cível, Relatora:
MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO)
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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21. JORNADA DE TRABALHO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO: 1/3
EXTRACLASSE?
É consenso nacional que a remuneração dos docentes integrantes das
redes públicas da educação básica é baixa. Deveria estar em um patamar
substancialmente mais elevado. Pesquisas apontam que professores recebem, em
média, 39% menos que profissionais com igual escolaridade.7
Face a este quadro foi aprovada em 2008 a Lei 11.738, que instituiu o
piso salarial profissional para os profissionais do magistério público da educação
básica. A lei prevê, entre outros direitos, atividades na razão de 1/3 extraclasse na
jornada de trabalho.
Conhecida no meio educacional como a ‘Lei do Piso’, seu objetivo foi
implementar, gradativamente, uma valorização salarial condizente com as
demandas pela melhoria da educação pública brasileira. Instituiu-se um piso salarial,
base sobre o qual incide os planos de carreira do magistério.
Esta questão foi - e ainda é - objeto de ampla divulgação, desde os meios
de comunicação, passando por mobilizações e greves. Pouco discutido é o direito ao
chamado 1/3 extraclasse nas atividades. Sobre o trabalho do professor da rede
pública, vejamos o §4º do artigo 2º da referida lei:
§4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo
de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades
de interação com os educandos.
7 Professor recebe até 39% menos que profissional com igual escolaridade.
(http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1832095-professor-recebe-ate-39-menos-que-profissional-com-igual-escolaridade.shtml)
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66
Tal dispositivo é de uma clareza solar quando a necessidade de se
resguardar 1/3 do tempo para atividades extraclasse na jornada de trabalho. Ciente
de que o trabalho docente não começa nem termina na sala de aula, o legislador
pretendeu oferecer condições para sua boa realização reservando 1/3 extraclasse.
Na realidade, bem se sabe que o direito à 1/3 extraclasse na jornada de
trabalho é insuficiente para todos os compromissos fora da sala de aula. Preparação
de aulas e organização de atividades, leituras, correção de provas, orientação de
trabalhos, participação de reuniões pedagógicas e de formação, etc.
Mesmo estando previsto na lei, este direito tem sido tema de controvérsia
em âmbito judicial. Alguns estados insistem em descumprir o direito do professor da
rede pública de cumprir suas atividades na razão de 1/3 extraclasse.
É o caso do Rio Grande do Sul, em que o Tribunal de Justiça não
reconhece o direito de 1/3 extraclasse na jornada quando provocado pelos
professores. O entendimento é que a legislação padece de inconstitucionalidade,
visto que versa sobre regulamentação de carga horária cuja competência é do
próprio estado ou do município, conforme o caso. Segue o exemplo de decisão:
RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA
FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BAGÉ. SERVIDOR PÚBLICO
MUNICIPAL. MAGISTÉRIO. HORA ATIVIDADE. ART. 2º, §4º, DA LEI
11.738/08. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DO
TJRS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.[...]3. O egrégio
TJRS, através do Órgão Especial, julgou de forma incidental a
inconstitucionalidade do artigo 2º, § 4º da Lei Federal nº 11.738/2008
(70059092486), o qual continha a reserva de 1/3 da jornada dos
professores para as atividades extraclasse, por invadir a esfera de
competência dos demais entes federados, nos termos do disposto
no ADCT- artigo 60, inciso III, alínea “e”. [...] (Recurso Cível Nº
71007049372, Primeira Turma Recursal Provisória Fazenda Pública,
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
67
Turmas Recursais, Relator: Marialice Camargo Bianchi, Julgado em
30/11/2017).
Entretanto, compreendemos que este não é o melhor entendimento
sobre o 1/3 de atividades extraclasse na jornada do magistério público. Tanto do
ponto de vista pedagógico quanto do ponto de vista jurídico.
Sobre o primeiro, cremos não haver dissonância sobre a necessidade de
tempo fora de sala de aula para que os professores bem exerçam seu trabalho. Do
ponto de vista jurídico, tal posição parece-nos igualmente frágil, pois olvida do
essencial: é imprescindível que tenhamos condições de apostar na qualidade de
nossos processos educativos.
Consigne-se que a garantia de padrão de qualidade inscreve-se na
principiologia do Direito Educacional, na forma do inciso VII do art. 206 da
Constituição Federal. E parece-nos imprescindível tempo de preparação para um
trabalho de qualidade. Ou seja, o direito de 1/3 extraclasse na jornada de trabalho
do magistério público deve ser respeitado.
Nessa linha, os Tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais já
reconheceram o direito de 1/3 extraclasse. Assim, obrigaram as das redes estaduais
e municipais a se adequar à jornada de trabalho conforme o disposto na Lei 11.738.
Vejam estas duas decisões:
AÇÃO ORDINÁRIA – Professora Municipal – Jornada de trabalho
admitida pela Lei nº 11.738/08, com dedicação de 2/3 em interação
com o aluno, e 1/3 em atividades exclasse – Mantida a obrigação de
fazer concernente à adequação da jornada de trabalho – Pleito de
indenização ou recebimento de horas extraordinárias que não se
sustentam no sistema jurídico vigente – Legislação Municipal que
regulamentou a matéria (Lei Complementar Municipal nº 52/13 e Decreto
Municipal nº 3.074/13) – [...]. (TJSP; Apelação 0008656-
50.2014.8.26.0229; Relator (a): Rebouças de Carvalho; Órgão Julgador:
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
68
9ª Câmara de Direito Público; Foro de Hortolândia - 2ª Vara Judicial; Data
do Julgamento: 09/03/2017; Data de Registro: 09/03/2017).
APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - PISO NACIONAL DO
MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA - LEI FEDERAL N.
11.738/2008 - CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF - ADI
N. 4.167 - CÁLCULO SOBRE A REMUNERAÇÃO - EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO - MODULAÇÃO DOS EFEITOS - CÁLCULO SOBRE O
VENCIMENTO BÁSICO A PARTIR DE 27 DE ABRIL DE 2011 - LEI
ESTADUAL N. 18.975/2010 - INSTITUIÇÃO DO SUBSÍDIO - PARCELA
ÚNICA - PAGAMENTO ABAIXO DO PISO DE JULHO A DEZEMBRO DE
2011 - DIFERENÇAS DEVIDAS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO -
JORNADA DE TRABALHO EM DESACORDO COM A LEI 11.738/08 -
ATIVIDADES INTRA E EXTRA CLASSE NÃO ADEQUADAS PELA LEI
MUNICIPAL - HORAS EXTRAS NÃO COMPROVADAS. [...] O §4º, do
art. 2º, da Lei Federal nº 11.738/08 determina que na composição da
jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois
terços) da carga horária para o desempenho das atividades de
interação com os educandos. [...] (TJMG, Apelação nº 0005989-
95.2015.8.13.0398, 8ª CÂMARA CÍVEL, Des.(a) Ângela de Lourdes
Rodrigues, julgado em: 28/11/2017).
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
69
22. ASSÉDIO MORAL E SÍNDROME DE BURNOUT ENTRE PROFESSORES
NAS ESCOLAS
Atualmente, uma parte significativa dos docentes da educação básica
brasileira passa ou já passou por transtornos mentais ou emocionais. A combinação
de assédio moral e síndrome de Burnout agravam isto. A intensa rotina somada às
condições de trabalho não raras vezes precária criam as condições para que muitos
professores não aguentem a pressão.
Basta dizer que em 2016 a Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo concedeu 128.178 licenças médicas. A principal causa de afastamento foi de
ordem psíquica, responsável por 27,8% dos casos.8 Aqui começam a aparecer
indícios da relação entre assédio moral e síndrome de Burnout nas escolas.
Neste contexto, há que se aventar a hipótese de ocorrência de assédio
moral nas instituições de ensino. Por outro lado, há pesquisas que revelam a
prevalência da síndrome de Burnout, ou do esgotamento, dentre docentes.
Aparentemente dissociados, assédio moral e síndrome de Burnout dizem respeito ao
ambiente de trabalho, ao espaço e às relações ali estabelecidas.
Ramos e Gália (2015) assim definem assédio moral: “Trata-se de uma
psicologia do terror, ou simplesmente, psicoterror, comumente denominado, o qual
se manifesta no ambiente de trabalho por uma comunicação hostil direcionada a um
indivíduo ou mais.” Na sequência, aludem os autores que “... o assédio moral
deflagra uma verdadeira guerra psicológica no local do trabalho, agregando dois
fenômenos: o abuso de poder, o qual é rapidamente desmascarado e não é aceito
necessariamente pelos empregados, bem como a manipulação perversa, instalando-
se de forma insidiosa, mas não menos devastadora que o abuso de poder”.9
8 Fonte: http://educacao.estadao.com.br/blogs/de-olho-na-educacao/como-vai-a-saude-dos-nossos-
professores/ 9 Ramos, Luis Leandro Gomes; Galia, Rodrigo Wasem. Assédio Moral no Trabalho. 2ª Ed. Livraria do
Advogado.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
70
O desrespeito reiterado ao trabalho docente, a agressividade no trato, o
abuso de poder e as cobranças excessivas estão no bojo da relação entre assédio
moral e síndrome de Burnout. Trata-se, sobretudo, da violação da dignidade do
professor. A ocorrência de eventos desta natureza não pode “ser colocada embaixo
do tapete”. O silêncio em face do assédio moral, inclusive, pode ser um dos fatores
desencadeadores da síndrome de Burnout.
Conforme a psicóloga Nádia Maria B. Leite, a síndrome de Burnout
consiste em “um estado de sofrimento que acomete o trabalhador quando este sente
que já não consegue fazer frente aos estressores presentes no seu cotidiano de
trabalho. Diferentemente do estresse, que se caracteriza pela luta do organismo no
sentido de recobrar o equilíbrio físico e mental, a síndrome de Burnout compreende
a desistência dessa luta. Por isso se diz que Burnout é a síndrome da desistência
simbólica, pois embora não se ausente fisicamente do seu trabalho, o profissional
não consegue se envolver emocionalmente com o que faz.”10
Tratamos aqui de exaustão emocional, decorrente da corrosão de um
comprometimento com o trabalho docente. Esta corrosão tem a ver com as
frustrações vivenciadas e os conflitos que marcam um percentual elevado de nossas
escolas.
Acreditamos que é imprescindível compreender a relação entre assédio
moral e síndrome de Burnout para construir estratégias coletivas e individuais de
superação e enfrentamento. Ambiente de trabalho que respeite à dignidade humana
é direito de todos. Assédio Moral diz respeito à abuso de poder, e como tal deve ser
abordado pelos professores. Síndrome de Burnout deve ser conhecida pelo
esgotamento emocional, dores e angústias.
Encaminhamento de situações vivenciadas ao sindicato, consulta a
advogados ou denúncia no Ministério Público do Trabalho são medidas a serem
consideradas, caso a caso.
10
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/conteudoJornal.html?idConteudo=38
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
71
Nestes espaços, também se constroem alternativas reflexivas e de ação
para contornar questões de assédio moral e síndrome de Burnout. Segundo Nádia
Maria Leite, “esse suporte social no trabalho é grande aliado na redução dos níveis
de Burnout”. Quem sabe não residam aí alguns itinerários interessantes para
educadores reduzirem a ocorrência de assédio moral e síndrome de Burnout nas
suas escolas?
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
72
23. É LÍCITO DEMISSÃO DE PROFESSOR NO INÍCIO DO ANO LETIVO?
Demissão de professor no início do ano letivo caracteriza ato ilícito pelo
empregador passível de indenização. No caso, a professora ficou sem emprego e
sem tempo de conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. A professora
demitida ajuizou ação trabalhista por danos morais contra um Centro de Ensino. Ela
disse ter sido prejudicada na rescisão do contrato de trabalho no início do ano letivo.
A docente alegou, com razão conforme o tribunal, que foi demitida neste
período para evitar nova colocação no mercado. A demissão de professor a esta
altura é não é correta porque as instituições de ensino já estão com o seu quadro
docente fechado.
Em Brasília, o Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão do
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). Os julgadores ressaltaram que,
pelo período de início do ano letivo, a demissão de professor se caracteriza uso
abusivo do direito de rescisão contratual de trabalho.
O Direito é claro em casos como este. A teoria da responsabilidade civil
pela perda de uma chance é evidenciada pela falta de boa-fé na demissão no início
do ano letivo. Isto porque a professora tinha a justa expectativa de um resultado
positivo, ou seja, estar empregada. Motivo pelo qual a demissão não pode ser vista
como mero ato administrativo da instituição. Por não ser mais possível iniciar o
trabalho em outra escola, houve prejuízo material indenizável.
Confiram abaixo a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal Superior do
Trabalho sobre o caso:
Ementa: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI
13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERDA DE UMA
CHANCE. PROFESSORA. DISPENSA NO INÍCIO DO ANO LETIVO. De
acordo com a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance,
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
73
o prejuízo material indenizável é aquele decorrente de uma probabilidade
séria e real de obtenção de um resultado positivo legitimamente esperado
pela vítima que é obstado por ato ilícito praticado pelo ofensor. A
despedida de empregado sem justa causa encontra-se dentro do poder
potestativo do empregador, não caracterizando, por si só, ato ilícito ou
abuso de direito. No presente caso, todavia, conforme se depreende do
acórdão do Tribunal Regional, restou demonstrado o uso abusivo do
exercício do direito de rescisão contratual por parte do reclamado. Com
efeito, a dispensa da reclamante no início do ano letivo, quando ela
já tinha a expectativa justa e real de continuar como professora da
instituição de ensino reclamada e auferir daí os ganhos
correspondentes, evidencia o abuso do poder diretivo do
empregador de dispensa, notadamente pela dificuldade que a
reclamante teria em lograr vaga em outra instituição de ensino, tendo
em vista o início das aulas. Recurso de revista não conhecido. (Recurso
de Revista nº 246-65.2013.5.04.0531, Segunda Turma do TST, Relatora:
Ministra Delaíde Miranda Arantes, Julgado em 04/10/2017)
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
74
24. ATIVIDADES EXTRACLASSE CONTAM PARA APOSENTADORIA DO
PROFESSOR?
Sabemos que o exercício do magistério é especialmente desgastante,
face a outras atividades profissionais. O dia de trabalho exige atenção permanente,
visto que cabe ao professor ministrar conteúdos ou coordenar atividades de
aprendizagem a grupos grandes de crianças e jovens. Por esta razão,
prudentemente o texto constitucional previu tempo de aposentadoria do professor
reduzido.
O art. 40, parágrafo 5º, da Constituição Federal, dispõe acerca da
aposentadoria do professor. Diz que “Os requisitos de idade e de tempo de
contribuição serão reduzidos em 5 (cinco) anos, em relação ao disposto no §1º, III,
a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das
funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.
Questão controversa é quando o professor exerceu a docência em sala
de aula um tempo e em atividades extraclasse em outro período. O que é bastante
comum entre docentes, diga-se. Sendo assim, como fica a sua aposentadoria?
Tal controvérsia fazia sentido, pois o texto legal remete à exclusivamente
tempo de exercício das funções de magistério. Tal questão, objeto de embates nos
Tribunais de Justiça Brasil afora, obteve manifestação do Supremo Tribunal Federal
em fins de 2017.
Resumidamente, afirmou a corte suprema que o tempo de serviço
prestado pelo docente em atividades extraclasse, em funções relacionadas ao
magistério, deve ser computado para a concessão da aposentadoria. E isto na
forma especial prevista no parágrafo 5º do art. 40 da Constituição Federal.
Em síntese, o STF reafirmou o seu entendimento sobre a aposentadoria
do professor. Esta deve ser na forma especial constitucionalmente prevista. O caso
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
75
que deu origem à decisão é de uma professora da rede pública de Santa Catarina.
Ela requereu aposentadoria especial após ter exercido, entre 1985 e 2012, as
funções de professora regente de classe, auxiliar de direção, responsável por
secretaria de escola, assessora de direção e responsável por turno.
O INSS não concedeu a aposentadoria do professor na forma especial. A
decisão do juiz de primeira instância, contudo, determinou a concessão da
aposentadoria a partir de janeiro de 2013 à professora devido às atividades
extraclasse. Ao julgar o recurso do estado, o Tribunal de Justiça de SC apenas
retirou do cômputo da aposentadoria especial o período em que a professora
trabalhou como responsável por secretaria de escola. No STF, foi reafirmado o
entendimento, válido em todo país, sobre a aposentadoria da professora.
A corte suprema compreende que atividades meramente administrativas
não podem ser consideradas como magistério. Na interpretação do órgão judiciário
sobre a LDB, além da docência, atividades de direção de unidade escolar,
coordenação e assessoramento pedagógico, desde que exercidas por professores
em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis, contam para
efeito de aposentadoria de modo especial.
Resumindo, as atividades que se abrigam no conceito de magistério
contam para aposentadoria do professor. Assim, foi fixada pelo STF a seguinte tese
de repercussão geral: “Para a concessão da aposentadoria especial de que trata o
artigo 40, parágrafo 5º, da Constituição, conta-se o tempo de efetivo exercício, pelo
professor, da docência e das atividades de direção de unidade escolar e de
coordenação e assessoramento pedagógico, desde que em estabelecimentos de
educação infantil ou de ensino fundamental e médio”.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
76
25. OFENSA À DOCENTE EM REDES SOCIAIS E O DANO MORAL?
Ofensa à docente em redes sociais é uma questão bastante sensível hoje
em dia. A grande maioria das pessoas se relaciona com outras na internet. Assim,
tudo que é compartilhado em redes sociais tem o potencial de atingir enormes
proporções.
Nessa linha manifestou-se o uma turma recursal do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, ao analisar uma ofensa à docente em redes sociais proferida
pela mãe de um estudante:
As palavras registradas em rede social não têm barreiras, o alcance delas
transcende a esfera restrita de quem escreve e compartilha mensagens e fotos. Não
raro as notícias veiculadas em comunidade virtual geram consequências mais
nefastas e gravosas do que o fato debatido, incitando ainda mais violência, por isso,
há que se ter cautela no uso dessa ferramenta de comunicação tão poderosa. (Nº
71007158827, CNJ 0058239-11.2017.8.21.9000)
Ninguém questiona o fato de que as redes sociais são uma das esferas
de sociabilidade mais importantes destes nossos tempos. Colegas do milênio
passado lembram que houve uma época em que a internet e suas plataformas não
compunham a tessitura da vida cotidiana, em que caixas de emails não existiam e,
quando criadas, eram verificadas poucas vezes na semana. Ah, e o número 138 era
o que havia de mais próximo a conversas coletivas (mais sobre o 138, pergunte aos
seus pais ou avós).
Ocorre que desde meados do século XXI as redes sociais crescem em
proporção geométrica. Vivemos em tempos de hiperconexão. O sujeito
contemporâneo constitui sua identidade a partir das redes sociais. Parte significativa
da percepção de si mesmo constrói nas relações estabelecidas nas plataformas de
relacionamento.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
77
Deste modo, cada vez mais as redes sociais carregam um potencial de
repercussão incomparável com as outras mídias, e postagens inadvertidamente
feitas tem um alcance muito grande.
Abordadas sob o prisma da educação, tais assertivas exigem redobrada
atenção. A escola é um espaço que congrega a diversidade, em todas as suas
variantes. A convivência entre os diferentes deve ser pauta permanente da proposta
pedagógica.
Do contrário, estamos a produzir um verdadeiro barril de pólvora, pois os
estudantes carregam preconceitos, violências reprimidas, diferenças entre si,
agressividade, revolta; enfim, facetas da espécie humana por vezes potencializada
pelos hormônios da adolescência.
Do ponto de vista docente, há que se ter a percepção de que a identidade
docente também se constitui em redes sociais, e a defesa de sua imagem
profissional é questão que se impõe quando afrontada. Ofensas feitas por alunos ou
pais direcionadas a professores, devem prontamente receber respostas
contundentes, eventualmente com o registro de ocorrência por calúnia, injúria ou
difamação, conforme a tipificação no Código Penal, e ingresso de ação indenizatória
por danos morais.
No caso anteriormente mencionado, uma professora foi ofendida por
comentários francamente desabonadores pela mãe de uma criança, insatisfeita com
o modo como seu filho teria sido tratado. Ao invés de ir à escola e conversar com a
docente ou os responsáveis pedagógicos, a mãe optou por “desabafar” em redes
sociais. Tais comentários, que diziam respeito à esfera particular dos envolvidos,
teve eco em toda comunidade, com evidentes reflexos na esfera moral da
professora.
Por essa razão, a genitora foi condenada ao pagamento de indenização a
titulo de danos morais. Abaixo, destacamos o resumo de decisão do TJRS:
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
78
Ementa: RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS
MORAIS CONFIGURADOS. COMENTÁRIOS DESABONATÓRIOS
CONTRA PROFESSORA EM REDE SOCIAL VIRTUAL (FACEBOOK).
FATOS COMPROVADOS MEDIANTE PROVA DOCUMENTAL. Ainda
que a ré não tenha citado o nome da autora nos comentários realizados
em rede social virtual, a menção de que o filho fora agredido pela
professora permite a sua identificação por todos que integram o núcleo
social escolar, notadamente os pais de outras crianças com seus filhos na
mesma escola. O fórum adequado para esclarecimento dos fatos ou para
alcançar punição administrativa/judicial da professora não é a rede social.
Ao narrar o que ouviu do filho, uma criança de cinco anos, na rede social,
a autora deu eco a fatos que não deveriam desbordar da esfera particular
dos envolvidos. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
(Recurso Cível Nº 71007158827, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas
Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em
11/10/2017)
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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26. INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE ESCOLAR: A
RESPOSTA DO DIREITO
A indenização por assédio moral na escola é certa quando o direito é
chamado a resolver a questão. Sejam quais forem os envolvidos, o judiciário está
atento a esta questão. Entenda a seguir como funciona a indenização por assédio
moral sob a ótica do direito em um caso prático.
Trata-se de uma professora que, após candidatura a diretora da escola,
passou a sofrer uma série de perseguições por parte da docente que vencera no
pleito. A partir desta disputa, a diretora passou a perseguir a professora, boicotando-
a no conjunto das atividades escolares. As testemunhas foram praticamente
unânimes em afirmar a existência de assédio moral.
Algumas atitudes caracterizam casos semelhantes e que são passíveis de
indenização por assédio moral. Tais como: importunar, perseguir, ofender, agredir,
difamar ou humilhar, por exemplo. Chamar de “louca” ou “maluca” também implica
em condenação a pagar indenização.
O dever de pagar indenização por assédio moral depende da
configuração da responsabilidade civil. Esta compreende os seguintes elementos
essenciais: ação ou omissão + dano + nexo de causalidade + elemento subjetivo.
O primeiro elemento diz respeito à ação ou omissão do agente cujo
resultado deu causa ao ato ilícito. O segundo fala por si: o dano provocado, no caso
o abalo moral, o sofrimento. O terceiro diz sobre o vínculo fático entre o ato e o
dano.
O último elemento constituinte da responsabilidade civil é a intenção do
sujeito em praticar a ação ou omissão. No caso de responsabilidade civil e
consequente condenação de escola pública em indenização por assédio moral
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
80
praticado por funcionário, este último elemento é desnecessário, conforme artigo 43
do Código Civil.
Portanto, podemos listar quatro requisitos que caracterizam assédio moral
na escola. Primeiro, o conflito acontece no ambiente escolar. Segundo, as ofensas
ocorrem por um certo tempo. Terceiro, a vítima se encontra em constante posição de
inferioridade. Quarto, a intenção de perseguição do ofensor. Sendo assim, para o
direito fica claro o dano à dignidade e o dever de indenização.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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27. AGRESSÃO À PROFESSORA EM SALA DE AULA: O PODER PÚBLICO
É RESPONSÁVEL?
A violência é uma das principais preocupações de professoras e
professores Brasil afora. A EDE recebe diariamente dezenas de mensagens e
emails solicitando apoio e orientação para tomada de providências imediatas, diante
de um quadro que vem se agravando nos últimos anos. Agressão à professora em
sala de aula é um tema sério e assim deve ser tratado.
Pretendemos aqui compartilhar com as professoras e professores uma
decisão emblemática do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que
deu ganho de causa a uma professora que ingressou em juízo requerendo
indenização por danos morais em razão de agressões que sofreu dentro da
escola pública em que trabalhava.
A agressão física e moralmente ocorreu enquanto estava em sala de aula,
em período letivo. A sala em que estava foi invadida por um sujeito estranho à
escola, que a agrediu violentamente. Em razão disso, a professora sofreu grave
abalo emocional, vindo a desenvolver síndrome do pânico. Na instrução do
processo, foram comprovadas as alegações de agressão à professora.
Estes episódios foram levados ao Poder Judiciário, que atendeu aos
reclamos da cidadania. Condenou o ente público ao pagamento de indenização a
título de danos morais e materiais no importe de R$ 25.000,00. E o que
fundamentou esta decisão? O substrato jurídico que embasou o acórdão é que o
Poder Público tem o dever de “proteção e garantir a integridade física dos agentes
durante a prestação do serviço público”.
A Constituição Federal estabelece que o Estado deve responder,
objetivamente, pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade (art. 37,
§6º). Vale transcrever o fragmento do voto da relatora, Desembargadora Fátima
Rafael:
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
82
Dessa forma, é necessário comprovar ação ou omissão da
Administração Pública, ligado por nexo de causalidade a um
resultado danoso. Ou seja, para a caracterização do dever de o
Estado indenizar em casos de omissão, deve a parte ofendida
demonstrar que a conduta culposa ou dolosa que ensejou o dano
tem como causa o desatendimento dos padrões de empenho de
serviços legalmente exigíveis.
No caso, após detida análise das provas acostadas aos autos, é
possível concluir que houve omissão do Distrito Federal, na medida
em que não garantiu a adequada segurança do estabelecimento de
ensino, nem do corpo discente, nem do docente.
De nossa parte, louvamos decisões judiciais que reconhecem os direitos
da classe docente. Neste caso de agressão à professora, chamamos a atenção que
o processo foi bem instruído. A decisão do TJDFT indica com clareza as provas
trazidas ao feito: vídeos em que se percebe a entrada na escola do agressor; laudos
médicos que atestam peremptoriamente os danos sofridos pela professora; prova
testemunhal revelando detalhes da lamentável agressão.
Colacionamos a ementa do Acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. DIREITO
CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DISTRITO FEDERAL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
INVASÃO E AGRESSÃO DE PROFESSOR EM ESCOLA PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO NO SERVIÇO DE
PROTEÇÃO E SEGURANÇA. NEXO CAUSAL EXISTENTE. APELAÇÃO
DO RÉU NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE
PROVIDA. 1. Para que surja o dever de o Estado indenizar em casos de
omissão, deve a parte ofendida demonstrar que o dano tem como causa o
desatendimento dos padrões de empenho exigíveis no caso. 2. É
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
83
necessário comprovar o nexo de causalidade entre a omissão e os danos,
impondo-se a demonstração de que o dano é consequência direta da
omissão dos agentes públicos ou do mau funcionamento de serviço afeto
à Administração Pública. 3. Há nexo causal entre os danos sofridos
por professora de escola pública decorrentes de agressões
perpetradas por estranho invasor e a omissão de o Distrito Federal
dar proteção e garantir a integridade física dos agentes durante a
prestação do serviço público. [...]. (Processo nº 20150110793414APC,
TJDFT)
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
84
28. REDUÇÃO DO SALÁRIO DE PROFESSOR SEM MOTIVO GERA DANOS
MORAIS
Diminuição do número de alunos não é motivo razoável para redução do
salário de professor. Esta medida é ilegal e gera danos morais. Entenda a seguir.
Uma professora universitária teve seu salário reduzido pela instituição por
alegada diminuição do número de alunos. Por isso, ingressou com ação contra a
instituição de ensino superior pedindo, entre outros direitos, pagamento de danos
morais.
A professora afirmou que a redução do seu salário ocorreu no segundo
semestre de 2006, perdurando até o final do seu contrato de trabalho. Ou seja, até
agosto de 2008. A universidade alegou que a diminuição no número de alunos foi
responsável pela redução salarial da docente.
A primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho não reconheceram
o direito da professora. Na instância superior, por outro lado, o Tribunal Superior do
Trabalho condenou a faculdade a indenizar a professora. Os Ministros entenderam
que a redução do salário não teve razão suficiente. Além disso, reconheceram que a
situação vivenciada pela docente dá ensejo à indenização por danos morais,
estando em consonância com os artigos 186 e 927 do Código Civil.
A Relatora, Ministra Kátia Arruda, referiu: “A redução salarial, por longo
período, sem motivação, provoca inequívoco abalo moral, pois foi claramente lesiva
à trabalhadora, a qual se viu privada da sua remuneração no patamar em que vinha
recebendo”.
Confira o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. ANTERIOR À LEI Nº 13.015/2014, À
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST E À LEI Nº 13.467/2017.
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RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...]. 2 –
Contudo, é devida a indenização por danos morais decorrentes da
redução salarial. A empresa, estabelecimento de ensino superior,
reduziu o salário da reclamante, professora, do segundo semestre de
2006 até o término do contrato em 07/08/2008, sem que tenha
provado o motivo alegado: suposta diminuição do número de
alunos. A redução salarial, por longo período, sem motivação, provoca o
inequívoco abalo moral, pois a redução salarial foi claramente lesiva à
recorrente, a qual se viu privada da sua remuneração no patamar em que
vinha recebendo. [...]. (TST, 6ª Turma, Relatora: Ministra Kátia Magalhães
Arruda, RR-94700-50.2009.5.06.0017, 09/02/2018).
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29. HORAS EXTRAS POR SUPERVISÃO DE ESTÁGIO É DIREITO DE
PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Professora universitária conseguiu reconhecimento na justiça de
supervisão de estágio como parte da jornada. Isto implica em pagamento de horas
extras. Entenda o caso.
Uma professora universitária de enfermagem lecionava no curso e
realizava supervisão de estágio de alunos em unidades de saúde. A professora
alegou que deixou de receber pela supervisão de estágio de alunos. Por isso,
ingressou com ação contra a instituição de ensino superior pedindo, entre outros
direitos, pagamento de horas extras.
A professora afirmou que foi admitida pela jornada de trabalho do artigo
318 da CLT. Referiu que a jornada máxima no mesmo estabelecimento de ensino de
4h aulas consecutivas ou 6h intercaladas não foi respeitada. O pedido de horas
extras não foi suficientemente contestado pela instituição. A universidade não negou
que a professora realizava supervisão de estágio, mas apenas que recebia por
atividades extraclasse. O que, diga-se, não é igual às horas extras.
A primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho não reconheceram
o direito da professora às horas extras. Na instância superior, por outro lado, o
Tribunal Superior do Trabalho condenou a universidade a pagar horas extras. Os
Ministros entenderam que a supervisão de estágio não pode ser considerada
atividade extraclasse inerente à função de professor, como correção de provas ou
preparação das aulas.
A Relatora, Ministra Maria de Assis Calsing, condenou a universidade ao
pagamento de horas extras pela supervisão de estágio. Assim, ela concluiu que “as
atividades de supervisão de estágios, de forma concomitante com a ministração de
aulas, estavam inseridas na jornada laboral do professor, e estão, portanto, sujeitas
à observância da jornada específica da categoria prevista no artigo 318 da CLT”.
Confira o acórdão:
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RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO
NOVO CPC. PROFESSOR. HORAS EXTRAS. ATIVIDADES DE
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO. A Lei n.º 11.788/2008 que trata da
obrigatoriedade do estágio supervisionado como parte integrante da
grade curricular, além de estabelecer que este faz parte do projeto
pedagógico do curso, integrando o itinerário formativo do educando,
dispõe expressamente sobre a necessidade de que a sua supervisão
seja, no âmbito da instituição de ensino, realizada por professor
orientador, sendo irregular o estágio quando não observada tal instrução,
de sorte que, regra geral, o valor da hora-aula pago deve corresponder ao
valor da hora-aula normal do professor. [...]. Desse modo, considerando
que o Regional esclareceu que a Reclamante exercia, de forma
concomitante com a ministração de aulas, a supervisão das atividades de
estágio, o que também se insere no exercício da docência, são devidos
as horas extras e reflexos postulados, com base na jornada de trabalho
dessa categoria, prevista no art. 318 da CLT. [...]. (TST, 4ª Turma,
Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing, RR-1393-16.2014.5.09.0091,
03/03/2017).
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30. RIO GRANDE DO SUL NÃO IMPLEMENTOU O DIREITO À 1/3
EXTRACLASSE. POR QUÊ? O QUE FAZER?
O estado do RS não implementou o direito à 1/3 em atividades
extraclasse na atividade do docente. Este direito não é reconhecido pelo Poder
Público aos professores gaúchos. Neste cenário, o que fazer?
Sabemos que a remuneração dos docentes integrantes das redes
públicas da educação básica é baixa. Deveria estar em um patamar
substancialmente mais elevado. Pesquisas apontam que professores recebem,
em média, 39% menos que profissionais com igual escolaridade.
Diante deste quadro foi aprovada em 2008 a Lei 11.738, mais
conhecida como Lei do Piso. A lei prevê, entre outros direitos, que os profissionais
da educação básica pública exerçam sua jornada de trabalho preservando 1/3 de
suas cargas horárias em atividades extraclasse, conforme § 4º do artigo 2º:
§ 4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite
máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das
atividades de interação com os educandos.
Ocorre que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que tal
previsão é inconstitucional em razão de invadir a esfera de competência dos entes
federados. O TJRS entende que incumbe ao estado criar tal lei. Veja decisão do
Tribunal:
RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA
FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BAGÉ. SERVIDOR PÚBLICO
MUNICIPAL. MAGISTÉRIO. HORA ATIVIDADE. ART. 2º, §4º, DA LEI
11.738/08. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DO
TJRS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. […] 3. O egrégio
TJRS, através do Órgão Especial, julgou de forma incidental a
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inconstitucionalidade do artigo 2º, § 4º da Lei Federal nº 11.738/2008
(70059092486), o qual continha a reserva de 1/3 da jornada dos
professores para as atividades extraclasse, por invadir a esfera de
competência dos demais entes federados, nos termos do disposto no
ADCT- artigo 60, inciso III, alínea “e”. […] (Recurso Cível Nº
71007049372, Primeira Turma Recursal Provisória Fazenda Pública,
Turmas Recursais, Relator: Marialice Camargo Bianchi, Julgado em
30/11/2017)
Portanto, no Rio Grande do Sul os professores que ingressaram em juízo
requerendo a implementação da jornada de trabalho conforme o §4º do art. 2º da Lei
do Piso não tem obtido êxito em razão deste entendimento. O RS não implementou
1/3 extraclasse em lei estadual e, para o TJRS, a lei federal não pode ser aplicada.
Apenas para mencionar, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e São
Paulo entendem de forma diversa, conforme abordamos em outro artigo. Na
contramão, o RS não implementou 1/3 nem o judiciário aplica a lei federal.
DIANTE DESTE QUADRO NO QUAL O RS NÃO IMPLEMENTOU 1/3, O QUE
FAZER?
Em primeiro lugar, é importante lembrar que 1/3 das atividades
extraclasse é o mínimo para o exercício do trabalho docente digno. Sim, trata-se de
dignidade! Por essa razão o legislador incluiu este tópico na Lei do Piso. Soa
absurda a previsão de um piso salarial sem qualquer disposição sobre a jornada de
trabalho.
Por tudo isso, a discussão deve ser feita com o Poder Legislativo. É
imprescindível a mobilização dos deputados estaduais e das câmaras municipais
para transformar este direito previsto na lei federal 11.738/2008 em lei
estadual/municipal. Esta é a alternativa à decisão do Tribunal de Justiça gaúcho,
cujos fundamentos dizem respeito à invasão de competência.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Digno de nota que a valorização da educação, ao menos na retórica, é
um dos raros temas de consenso no debate político. Mobilizar deputados e
vereadores para a implementação desta alteração legislativa nos parece tarefa
imediata para vermos a jornada de trabalho docente efetivamente digna.
Sabemos que não é tarefa simples. Entretanto, sobram argumentos a
nosso favor. Inclusive legislação federal, cujo escopo foi o de criar condições para o
bom exercício do trabalho docente.
Se você concorda com essa proposta, passe-a adiante. Encaminhe a
colegas, aos seus representantes no legislativo municipal e na Assembleia
Legislativa. Vamos começar agora?
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31. COMPENSAÇÃO DE AULAS EM RAZÃO DE LICENÇA-SAÚDE É
LÍCITO?
Uma professora em licença-saúde deve compensar as aulas que deixou
de ministrar em razão da doença? Esta questão, aparentemente comezinha, na
verdade é muito pertinente quando observamos o dia a dia escolar. Entenda o direito
envolvido na compensação de aulas no texto abaixo.
Antes respondê-la vale a pena fazermos algumas analogias. Você já viu
algum servidor público da Secretaria da Fazenda compensar dias não trabalhados
em razão de licença-saúde? Você consegue imaginar um médico concursado,
integrante do serviço público, compensar dias não trabalhados por causa de licença-
saúde? Ou um auditor fiscal? Ou um técnico do Poder Judiciário? Intuitivamente,
nos vem à mente que estes profissionais não compensam... E é isso mesmo,
estamos certos.
Não há que se falar em compensação de aulas porque não existe
previsão legal para isso. Registre-se que fazemos esta análise a partir da Lei
8.112/1990, que dispôs sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da
União, autarquias e fundações públicas federais. É certo que os servidores públicos
estaduais e municipais têm legislação própria que dispõe sobre seu regime jurídico,
mas é certo também que estas legislações têm precisamente na Lei 8.112 sua
primeira inspiração.
Nesta lei estão claras as condições da licença-saúde, e não há sequer
menção à possibilidade de compensação de aulas ou horário. Apenas para bem
ilustrar o tema, é possível compensar, por exemplo, quando tratarmos de faltas
justificadas, decorrentes de caso fortuito ou força maior, ou mesmo licença por
motivo de doença em pessoa da família ou afastamento do cargo para participação
em Programa de Pós-Graduação.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Deve-se analisar o espírito da falta, que pode ou não dar ensejo a
compensação de aulas. O escopo da licença-saúde é o tratamento do servidor,
acometido de moléstia que impede o exercício do seu trabalho. Tanto é assim que,
em regra, tal licença submete-se à rigoroso regime de inspeção médica (art. 130,
§1º), excepcionada quando a licença é inferior à 15 dias, na forma do art. 204 da lei
8.112/1990.
Art. 204. A licença para tratamento de saúde inferior a 15 (quinze) dias,
dentro de 1 (um) ano, poderá ser dispensada de perícia oficial, na forma
definida em regulamento.
Argumenta-se ainda que a compensação de aulas e da carga horária
docente tem fundamento na LDB, que dispõe sobre o mínimo de 200 dias/aula.
Equívoco. Não há que se confundir o direito (e dever) do estudante de ter 200
dias/aula com a obrigação do docente de assim proceder. A obrigação de oferecer
estas aulas é do Poder Público. Aliás, é para isso existe a figura do professor
substituto.
Ante o exposto, conclui-se que o regime jurídico do servidor público não
prevê quaisquer compensações quando da necessidade do docente usufruir da
licença-saúde. A exigência de compensação de aulas implica em clara ilegalidade. A
licença para tratamentos de saúde está disposta nos artigos 202 e seguintes da Lei
8.112/90 que, em nenhum momento, fala em compensação de aulas.
Lei.8.112/1990
Da Licença para Tratamento de Saúde
Art. 202. Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a
pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a
que fizer jus.
Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base
em perícia oficial.
§ 1o Sempre que necessário, a inspeção médica será realizada na residência
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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do servidor ou no estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.
§ 2o Inexistindo médico no órgão ou entidade no local onde se encontra ou
tenha exercício em caráter permanente o servidor, e não se configurando as
hipóteses previstas nos parágrafos do art. 230, será aceito atestado passado por
médico particular.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, o atestado somente produzirá efeitos depois
de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.
§ 4o A licença que exceder o prazo de 120 (cento e vinte) dias no período de
12 (doze) meses a contar do primeiro dia de afastamento será concedida mediante
avaliação por junta médica oficial.
§ 5o A perícia oficial para concessão da licença de que trata o caput deste
artigo, bem como nos demais casos de perícia oficial previstos nesta Lei, será
efetuada por cirurgiões-dentistas, nas hipóteses em que abranger o campo de
atuação da odontologia.
Art. 204. A licença para tratamento de saúde inferior a 15 (quinze) dias, dentro
de 1 (um) ano, poderá ser dispensada de perícia oficial, na forma definida em
regulamento.
Art. 205. O atestado e o laudo da junta médica não se referirão ao nome ou
natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidente em
serviço, doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no art. 186,
§ 1o.
Art. 206. O servidor que apresentar indícios de lesões orgânicas ou funcionais
será submetido a inspeção médica.
Art. 206-A. O servidor será submetido a exames médicos periódicos, nos
termos e condições definidos em regulamento.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, a União e suas entidades
autárquicas e fundacionais poderão:
I - prestar os exames médicos periódicos diretamente pelo órgão ou entidade à
qual se encontra vinculado o servidor;
II - celebrar convênio ou instrumento de cooperação ou parceria com os órgãos
e entidades da administração direta, suas autarquias e fundações;
III - celebrar convênios com operadoras de plano de assistência à saúde,
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organizadas na modalidade de autogestão, que possuam autorização de
funcionamento do órgão regulador, na forma do art. 230; ou
IV - prestar os exames médicos periódicos mediante contrato administrativo,
observado o disposto na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e demais normas
pertinentes.
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32. PORQUE O PROFESSOR DEVE CONHECER A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL? PARTE I
Conhecer a Constituição Federal é um dever inerente a cidadania. Para
professoras e professores, conhecer a Constituição é dominar os fundamentos
jurídicos do seu trabalho. Entenda o porquê.
Quando abordamos direito educacional, imediatamente questões relativas
à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou ao Plano Nacional de
Educação nos vêm à mente. Intuitivamente, professoras e professores
compreendem a interface entre direito e educação a partir das normas que o
legislador produziu precipuamente para escolas. Esta intuição não está equivocada,
mas pode deixar de lado o fundamento maior do ordenamento jurídico brasileiro: a
Constituição Federal.
Um parêntese. Lembro como se fosse ontem o momento em que decidi
iniciar a graduação em Direito. Em 2007, eu coordenava um curso de magistério
(Curso Normal de Nível Médio) quando uma estudante grávida teve negado o direito
à assistência médica no hospital público. Aquele verdadeiro martírio não deveria
estar correto. Todos têm direito à saúde, não? E onde encontramos este direito
estampado em letras garrafais? Quais as providências para efetivá-lo? Foi neste
contexto que decidi estudar e conhecer a Constituição. Logo depois, o curso de
direito.
A Constituição Federal ocupa lugar de proa na ordem jurídica. Os
dispositivos constitucionais repercutem em absolutamente toda legislação vigente.
Dito em outros termos, a norma legal que não estiver em consonância, que for
contrária à Constituição padece de inconstitucionalidade. Por outro lado, a nossa “lei
maior” contém um projeto de sociedade a ser construído, razão pela qual estudiosos
do direito afirmam tratar-se de uma constituição programática (visto conter um
verdadeiro desenho de sociedade). Essa é a maior razão de se conhecer a
Constituição.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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E o que isso tem a ver com a educação? Tudo. Caras e caros, tudo
mesmo. A proposta pedagógica e o regimento escolar, por exemplo, podem – e
devem – beber nas águas da Constituição. O respeito à dignidade deve ser o
corolário das relações sociais estabelecidas entre os diversos atores da cena
escolar, visto a dignidade da pessoa humana constituir-se em fundamento do Estado
brasileiro.
Vale mencionar que os processos administrativos devem respeitar o
contraditório e a ampla defesa, sob pena de nulidade. À guisa de exemplo, há pouco
fomos procurados por uma professora aposentada já há um ano que havia sido
convocada para retornar à docência em razão de uma revisão administrativa feita
pela Secretaria de Educação no cômputo de sua aposentadoria. O processo
administrativo teve curso sem a docente ter ciência. Em razão da ausência do
contraditório, o processo foi anulado. Este desfecho denota porque conhecer a
Constituição nos dá certa ideia de como funcionam os casos de direitos diários.
Vejam bem, caras professoras e caros professores, inscrevem-se como
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no art. 3º da CF:I -
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sinceramente, é
crível este projeto civilizatório sem o protagonismo da educação? Com o perdão de
ser repetitivo, convido-os a partir deste texto, a conhecer a Constituição.
A EDE pretende explorar ainda mais os preceitos constitucionais que
informam o cotidiano escolar. Por ora, sublinhamos um princípio caro ao magistério
(e à sociedade!), insculpido no inciso V, do artigo 206, que elenca os princípios do
ensino: valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Tal dispositivo foi incluído no texto constitucional apenas dezembro de
2006. Sua efetivação está a depender da mobilização de todos nós: docentes e
sociedade civil organizada. Então, vamos conhecer a Constituição Federal? A EDE
se propõe a guiá-los nesta jornada.
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33. POR QUE O PROFESSOR DEVE CONHECER A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL? – PARTE II
Direito educacional e Constituição Federal caminham no mesmo sentido.
A educação é um direito fundamental constitucionalmente previsto. Assim, na
essência, qual é a relação entre direito educacional e Constituição?
Conforme abordamos na primeira parte, a análise dos preceitos
normativos de direito educacional deve partir do texto constitucional. As luzes da
Constituição Federal iluminam o conjunto do ordenamento jurídico brasileiro. Por
esta razão qualquer portaria, norma, regra, lei, súmula deve estar em consonância
com a CF. Diante deste pressuposto, como desconhecê-la?
Não estamos a advogar o estudo detalhado das normas constitucionais.
Até porque o constituinte de 1988, embalado pelos ventos da liberdade e da
redemocratização, produziu uma Constituição relativamente detalhista, extensa, que
repele o não iniciado nas letras jurídicas. A relação teórica entre direito educacional
e Constituição fica para os livros de doutrina.
Por outro lado, pretendemos compartilhar com os colegas alguns
dispositivos e capítulos do texto constitucional que julgamos especialmente
pertinentes para a promoção da cidadania no âmbito dos processos educativos. Sob
este prisma, imprescindível a leitura do art. 5º (que inaugura o Título II – Dos Direitos
e Garantias Fundamentais), cujos incisos detalham o projeto de sociedade plural e
democrática preconizada pela chamada Constituição Cidadã.
Em última análise, o art. 5º constitui-se em verdadeira salvaguarda
cidadania, infelizmente pouco discutida na seara pedagógica, tanto pelos docentes
quanto nas salas de aula da Educação Básica. Bom, vou parar por aqui... Confiram
abaixo mais sobre direito educacional e Constituição!
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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Em tempo, porque não fazer a leitura pensando em futuras atividades de
estudo e discussão com os estudantes? Minha aposta é que eles irão gostar! Direito
educacional e Constituição caminham lado a lado.
TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos
ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de
caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter
suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro
caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado;
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XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de
débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os
meios de financiar o seu desenvolvimento;
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação
ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que
a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades
desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que
criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros
signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do País;
XXX - é garantido o direito de herança;
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será
regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de
cujus";
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de
taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de
direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada;
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe
der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
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XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los,
se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser,
nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas,
até o limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam
permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
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envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma
da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de
opinião;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação
criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não
for intentada no prazo legal;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando
a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado;
LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão
ou por seu interrogatório policial;
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária;
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
105
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir
a liberdade provisória, com ou sem fiança;
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido
e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou associados;
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania;
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou administrativo;
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
106
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos;
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como
o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da
lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;
LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na
forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação.
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a
cuja criação tenha manifestado adesão.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
107
34. ESCOLA PÚBLICA PRÓXIMA E O FECHAMENTO DE ESCOLAS: UMA
FLAGRANTE ILEGALIDADE?
Lamentavelmente, o fechamento de escolas tem sido uma realidade
vivenciada em vários municípios e estados brasileiros. E questão da escola pública
próxima dos alunos, como se apresenta?
A diminuição do número de alunos e a crise econômica são os principais
argumentos utilizados pelos agentes públicos para o fechamento de escolas. Antes
disso, uma escola pública próxima da residência do aluno já é um direito básico. Em
flagrante desrespeito aos preceitos normativos da Lei 8.069/1990, o fechamento de
escolas afronta o direito à educação. Vejamos as disposições do artigo 53:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao
pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da
cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às
instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
O inciso V é transparente quanto à necessidade de uma escola pública
próxima à residência. Caros docentes, vejam bem, não estamos a tratar de um
conforto ou privilégio. Por outro lado, abordamos sim as possibilidades de efetivação
de uma educação de qualidade. Isto na perspectiva do seu destinatário final. A
criança e o adolescente têm direito à educação e a uma escola pública próxima de
sua casa.
Tratamos aqui, pois, de um direito fundamental, cujo escopo, nas palavras
de Rossato, Lépore e Sanches, é “facilitar o acesso ao ensino, de modo que as
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
108
crianças e adolescentes não precisem deslocar-se desnecessariamente quando
existente estabelecimento de ensino nas proximidades de sua residência. Adotou-se
o critério de georreferenciamento.”11
Preconizar uma escola pública próxima implica em pensar as políticas
públicas educacionais a partir de seus destinatários. Isto é exatamente o oposto do
que temos acompanhado em várias regiões do Brasil. Em uma capital, por exemplo,
uma escola distante impõe à família a preocupações hodiernas. Com o transporte
público e a violência, por exemplo.
Outra consequência da inexistência de escola pública próxima de especial
gravidade é o afastamento da família. A interlocução e a presença constante dos
pais no cotidiano escolar contribuem sobremaneira para a promoção de um
ambiente escolar saudável e comunitário.
Por sua vez, os projetos de Escola Aberta dão certo exatamente porque
são imbuídos pelo espírito de trazer as atividades comunitárias (reuniões,
festividades, esportes...) ao espaço escolar. Tais projetos ganham relevo quando
observamos a progressiva diminuição dos espaços públicos nas grandes
metrópoles.
Se este é o quadro urbano, no campo o fechamento das escolas é uma
verdadeira tragédia para as crianças e a comunidade. Além do descolamento
precário, regra no transporte público escolar, o prejuízo é imenso porque as escolas
do campo constituem-se em referência também do ponto de vista cultural.
Contribuem para a promoção dos valores, da identidade dos sujeitos que vivem no
campo.
Neste sentido, seu fechamento tem o condão de abortar uma das esferas
de sociabilidade mais relevantes da comunidade, sobremaneira para as crianças e
adolescentes. Nesta região, há maior dificuldade geográfica de se implantar uma
11
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 3ª edição, p.252.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
109
escola pública próxima aos alunos e justamente por isso o seu fechamento é um
retrocesso.
Do ponto de vista da aprendizagem, é intuitivo que o deslocamento de
uma ou duas horas repercute negativamente. Aqui reside a importância da
manutenção de escola pública próxima na área rural. O cansaço e o estresse de ter
de acordar às cinco horas da manhã para chegar à escola trazem evidentes
prejuízos à construção do conhecimento.
Caras professoras, caros professores, por estas razões o legislador,
acertadamente, dispôs no rol dos direitos da criança e do adolescente o acesso à
escola pública próxima a sua residência. Quando o fez, não incluiu qualquer
ressalva.
Cabe, portanto, aos atores da educação e à comunidade tomar ciência
deste direito e reivindicá-lo aos órgãos competentes. E à administração pública seu
mais estrito cumprimento no sentido da implementação e manutenção de pelo
menos uma escola pública próxima em todas as áreas do território.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
110
PARTE II
JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO:
ASPECTOS PRÁTICOS
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
111
JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ASPECTOS PRÁTICOS
Pode-se afirmar que nos últimos dez anos o número de ações
judiciais envolvendo escola aumentou exponencialmente no Brasil. A atenção
crescente dedicada pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelo
Conselho Tutelar comprovam o que os profissionais envolvidos com o
cotidiano escolar percebem na prática: há cada vez mais demandas judiciais
envolvendo controvérsias ligadas à educação.
Face a esta realidade, este artigo tem por escopo
caracterizar o fenômeno da judicialização da educação. Em seguida,
indicaremos alguns caminhos interessantes que as instituições
escolares podem adotar para melhor transitar neste novo contexto.
Vamos lá!
1. Conceituação
O entendimento deste fenômeno exige a compreensão da
Constituição Federal de 1988, pois esta estabeleceu um verdadeiro rol de
direitos ligados à educação. Foi com o advento da “Constituição cidadã”,
acompanhado de uma construção teórica, acadêmica, doutrinária e
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
112
jurisprudencial de direito constitucional, que emergiram as bases sobre as
quais se sustenta a judicialização da educação.
Portanto, os direitos preconizados pelo texto constitucional e
afrontados em razão de uma miríade de fatores deram azo, recentemente, ao
que, sem qualquer exagero, pode ser chamado de avalanche de ações
judiciais envolvendo o contexto escolar.
Questões como inclusão de crianças portadoras de
necessidades especiais, acesso ao transporte público e creches,
responsabilidade civil da escola e dos docentes, bullying e cyberbullying, ato
infracional e indisciplina, agressão a docentes, ‘Lei do Piso’, assédio moral,
abandono escolar, são alguns temas reiteradamente levados ao Poder
Judiciário.
Nesta perspectiva, a judicialização da educação pode ser
entendida, de acordo com Cury12, como “a intervenção do Poder Judiciário nas
questões educacionais em vista da proteção desse direito [Constitucional] até
mesmo para cumprirem-se as funções constitucionais do Ministério Público e
outras instituições legitimadas.”
Chrispino13 entende a judicialização das relações escolares
“como aquela ação da Justiça no universo da escola e das relações escolares,
resultando em condenações das mais variadas”. Para a autora,
12 CURY, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. A judicialização da educação.
Revista CEI, Brasília, Ano XIII, abr/jun 2009, p. 32. 13
CHRISPINO, Raquel S. P.; CHRISPINO, Alvaro. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores.
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.16
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
113
A judicialização das relações escolares precisa ser percebida como um sinal de que as
decisões em educação estão fugindo do controle de seus atores principais. Este fato deve ser
bastante forte a fim de promover reflexões e mudanças na prática cotidiana da escola, desde
a formação/capacitação de seus agentes até o estabelecimento de rotinas e de processos de
tomada de decisão. E ainda, move-nos a convicção de que os atores educacionais podem e
devem voltar a ser os protagonistas deste universo chamado Escola.
Na realidade, a judicialização da educação é um fenômeno que
se inscreve no contexto maior de afirmação do Estado de Direito insculpido
pela Constituição Federal de 1988.
Neste cenário, também fazem parte a judicialização da política
e da saúde, estes objetos de maior repercussão nos veículos de comunicação.
Os gestores de políticas públicas na área de saúde sabem que parte relevante
de seu orçamento está comprometida com o Poder Judiciário, diante das
demandas a ele legitimamente dirigidas.
Pode-se afirmar algo similar quanto à judicialização da
política, ambiente em que cada vez mais intervém o Poder Judiciário, o
Ministério Público e o Tribunal de Contas. Basta vermos o caso do Estado do
Rio de Janeiro, em que os últimos três governadores estão, neste momento,
com prisões decretadas.
Podemos considerar que a judicialização da política e da saúde
tratam, em última análise, de planos fáticos abertamente contrários aos
dispositivos legais e constitucionais. Salta aos olhos a ilicitude constatada com
a ausência ou morosidade no tratamento de um tumor, por exemplo.
Igualmente, políticos do alto escalão da república brasileira recebendo
grandes empresários nos subterrâneos do Palácio do Planalto, ou correndo
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
114
com malas de dinheiro, parecem-nos indicar que algo de ilícito está em
andamento.
Na seara educacional, à primeira vista a ilicitude não nos
parece tão ostensiva. Aparentemente, a rotina escolar desenvolve-se
normalmente, prescindindo do suporte de questões jurídicas. Tal crença é
equivocada, vejamos.
Quantas reportagens nós acompanhamos semanalmente que
abordam as ilicitudes verificadas em instituições de ensino? Por outro lado, os
docentes sabem quais as suas responsabilidades legais quando acompanham
uma excursão? Ou há apropriação docente da diferença de ato infracional e
ato indisciplinar, observando seus reflexos nas responsabilizações de
adolescentes no contexto de uma situação de conflito? Quem de nós conhece
os princípios constitucionais que subsidiam a educação? Sua apropriação
permitiria dialogar tanto com mantenedoras de ensino que pretendem “impor”
mudanças de projeto político-pedagógico de cima para baixo quanto com
oportunistas políticos que falseiam o debate pedagógico com simplificações
grosseiras.
Prezadas professoras e prezados professores, queremos
chamar a atenção que a judicialização da educação é um fenômeno inexorável
também por outra razão: na medida em que se consolida a democracia, a
cidadania é fortalecida e, com ela, a irresignação frente ao que está fora do
esquadro do direito. Neste contexto, imprescindível que a instituição escolar e
seus protagonistas dominem os fundamentos jurídicos que lhes dizem
respeito.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
115
O número de ações judiciais envolvendo o cotidiano escolar
explica-se em razão do baixo nível de apropriação por parte dos docentes da
intrincada legislação que informa o universo pedagógico.
Ao longo dos últimos anos tive a satisfação de ministrar mais
de 40 palestras em escolas públicas, privadas e em Coordenadorias Regionais
de Educação abordando este tema. Em inúmeras destas atividades questionei
os docentes sobre o domínio dos fundamentos jurídicos do seu trabalho, e as
respostas – regra geral – davam conta de que são raras as professoras e os
professores que conhecem aspectos essenciais da Constituição Federal,
conhecem a Lei 9394/1990 (que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases) e
compreendem a interface entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o
Projeto Político e Pedagógico.
Pode-se acrescentar, ainda, o rotundo desconhecimento da Lei
nº 11.738/2008, que instituiu a Lei do Piso, legislação que outorga direitos
absolutamente relevantes às professoras e aos professores da rede pública e
que, lamentavelmente, ainda está por ser integralmente implementada. Não
temos dúvidas de que a morosidade em sua plena efetivação tem explicação
no amplo desconhecimento por parte dos diretamente interessados.
Muito se fala da premente necessidade de implementação do
piso nacional (piso no sentido estrito, sobre o qual incide o conjunto de
benefícios ligados à carreira profissional, conforme plano de carreira de cada
ente federativo), previsto no caput do art. 2º da referida norma, mas não se
percebe maior discussão sobre o § 4º do mesmo dispositivo, que prevê um
limite na composição da jornada de trabalho, na forma que segue: na
composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
116
(dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação
com os educandos.
Caras professoras e caros professores, tal disposição é clara e
direta. Requerer sua regulamentação ao ente público ao qual está vinculado é
um direito de todo docente. Tais requerimentos não são confeccionados,
entretanto, em razão do desconhecimento jurídico que impera em boa parte
da rede escolar, salvo raras exceções.
Ao bem da verdade, os profissionais que atuam na Educação
Básica visitam panoramicamente a legislação do edital do concurso que
pretendem prestar e, em seguida, dirigem sua atenção aos conteúdos
específicos de sua área de atuação. Compreensível postura. De acordo com
Paulo Freire somos seres inacabados, em constante construção. Entretanto,
deixar de lado os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico, na cena
atual, não nos parece boa opção.
Certo é que o desconhecimento desta normatização que ora
chamamos Direito Educacional, compreendida pela Constituição Federal, LDB,
Estatuto da Criança do Adolescente, aspectos relevantes de responsabilidade
civil e do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 11.738/2008 (Lei do Piso),
Lei nº 13.185/2015 (Bullying) e Plano Nacional de Educação contribuem
sobremaneira para o agravamento da judicialização das questões
educacionais.
A Constituição Federal é o ponto de partida de um conjunto
normativo complexo, e a compreensão geral, panorâmica, deste conjunto
parece-nos o melhor antídoto à judicialização da educação.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
117
2. Atores deste processo
Trilhando outra direção, percebida enquanto fenômeno
histórico, a judicialização da educação compreende também um conjunto de
atores e instituições que há pouco mais de quinze anos não se debruçavam
sobre questões escolares.
Referimo-nos ao Ministério Público, que recentemente tem
dedicado energias no sentido de qualificação dos processos educativos. A
título de exemplo, o MP do Rio Grande do Sul criou em 2010 uma área
especializada voltada para Educação, designando integrantes para atuação
exclusiva nesta seara.
O Conselho Tutelar também tem progressivamente pautado as
questões escolares, de natureza pedagógica. Até fins dos anos 90, a
preocupação deste órgão restringia-se à matrícula. Atualmente, não são raros
os conselheiros tutelares ocupados com o Projeto Político Pedagógico, as
formas de resolução de conflitos adotadas pela instituição de ensino, a
avaliação...
3. Estratégias diante deste cenário
A seguir pretendemos indicar objetivamente algumas questões
legais que os docentes devem se apropriar.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
118
1. A responsabilidade civil da instituição escolar é
objetiva. Ocorrendo dano com estudante dentro da escola, ou em uma
atividade proposta por ela e sob sua condução, em regra o ente escolar é
responsável pela sua reparação, seja dano material ou moral.
A responsabilidade objetiva decorre do dever de guarda e
proteção conferidos à escola. Colacionamos abaixo fragmentos de decisões
judiciais que explicam este tema:
As escolas públicas têm o dever de guarda e preservação da incolumidade dos alunos, respondendo pelos
danos a eles causados, independentemente de culpa, conforme o art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Verificada omissão da instituição de ensino por permitir a pratica de esporte em local inadequado, capaz de
causar dano à integridade física dos alunos sem observar os deveres de cautela necessários apara evitar
acidentes. Além disso, a prova produzida leva à conclusão de que a responsável pela atividade realizada pela
vítima no momento do acidente falhou no seu dever de cuidado e vigilância. (Apelação Cível Nº 70072059942,
TJRS, 27/07/2017)
Caso concreto em que a autora, menor de 8 anos, sofreu queda durante o período de recreio, tendo
machucado o cotovelo. Levada à sala da direção, a professora de educação física a avaliou e entendeu que não
era caso grave, colocando gelo sobre a lesão. Vendo frustrada a tentativa de contato com a genitora da aluna,
a escola dispensou a menor no fim da aula para ir sozinha para casa. Posterior diagnóstico de fratura, com
realização de internação e cirurgia. Hipótese em que a escola, que possui dever de guarda sobre os alunos
matriculados, deveria buscar diagnóstico adequado junto ao SAMU, que possui competência técnica para
tanto. (Apelação Cível Nº 70074710393, TJRS, 11/10/2017)
2. Devemos distinguir ato infracional de ato
indisciplinar. Ato indisciplinar deve estar previsto no regimento escolar, ou
regimento disciplinar. Este, por sua vez, deve ser de conhecimento de todos
(professores, estudantes e pais), estar disponível ao público e de fácil acesso.
É a infração a essas normas, devidamente apuradas, que dá ensejo a
reprimendas disciplinares. Tanto as infrações quanto as respectivas
reprimendas devem estar previstas neste documento (regimento disciplinar).
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
119
O que se pretende evitar é o tratamento discricionário, aleatório, quando
estamos diante de fatos similares.
Ato infracional tem previsão legal (Art. 103 do Estatuto da
Criança e do Adolescente: considera-se ato infracional a conduta descrita
como crime ou contravenção penal). Em outras palavras, ato infracional é ato
descrito como crime na lei penal. No ordenamento jurídico brasileiro
adolescente é responsabilizado conforme sua peculiar condição de
desenvolvimento.
Bom, a despeito das controvérsias que tal tema abre, importa
dizer que o tratamento dispensado ao adolescente autor de ato infracional
deve ser absolutamente distinto do dirigido ao adolescente que cometeu ato
indisciplinar. Ato infracional é matéria de direito, cabendo aos responsáveis
legais da escola o devido registro de Boletim de Ocorrência em Delegacia de
Polícia Especializada. Esta confusão, aparentemente desimportante, traz
inúmeras consequências nefastas quando tratamos sobre situações de
violência no seio escolar.
3. O estudante tem direito de organizar um grêmio
estudantil, de saber quais os critérios de sua avaliação e de ter respeitada a
sua dignidade e integridade física, tudo na forma da Lei 8.069/1990, que
instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. As ações judiciais exigindo
indenização a título de danos morais em razão do bullying estão
fundamentadas exatamente no direito à dignidade. As escolas que não tem
uma estratégia pedagógica inscrita em seu PPP para enfrentamento do
bullying estão à mercê de um processo judicial.
Faça do direito o melhor aliado da prática docente
120
4. Enfim, a Lei 13.005/2014 instituiu o Plano Nacional
de Educação – PNE. Nele está contido um verdadeiro desenho pedagógico de
escola inclusiva e diversa, em uma aposta alvissareira de valorização da
qualidade dos processos educativos. Compreendê-lo é tarefa de todas as
professoras e de todos os professores.
Uma última questão deve ser anotada sobre esta aproximação
entre o mundo da educação e do direito. Há um desenho de escola contido no
conjunto normativo de Direito Educacional.
Este desenho é colorido pela valorização docente, pelo
respeito à integridade de todos os atores da cena escolar, pela liberdade e
pelo pluralismo de ideias pedagógicas, dentre outros valores. Não temos
dúvidas de que conhecer este desenho também contribuirá para a melhoria da
qualidade dos processos de formação humana escolares.
Enfim, caras professoras e caros professores, a judicialização da
educação é uma realidade que veio para ficar. Neste cenário, impõe-se
compreender os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico.