34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito...

120

Upload: others

Post on 13-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

      casos práticos de

Direito Educacional

- para professores

34

Page 2: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

34 casos práticos de direito educacional

Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul

Ebook

Setembro de 2018

Escola de Direito Educacional

O Autor autoriza a reprodução desta obra, desde

que referida a fonte e resguardados os direitos

autorais.

Page 3: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

3

PARTE I: TEMAS DE DIREITO E EDUCAÇÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL E EDUCAÇÃO

1. Acidente em aula de educação física na escola: de quem é a

responsabilidade? ............................................................................................ 7

2. Viagem ou passeio escolar e a responsabilidade legal do docente e da escola ........................................................................................................................ 10

3. Atropelamento em horário de aula e a responsabilidade da escola .............. 12

4. Aluno se machucou com bola no intervalo na escola e ficou cego. Responsabilidade de quem? ......................................................................... 15

5. Bullying na escola e a responsabilidade civil pela omissão dos professores gestores ......................................................................................................... 17

6. Expulsão de estudante configura ato ilícito? ................................................. 20

PEDAGOGIA E DIREITO

7. Regimento disciplinar não deve ser subestimado pela comunidade escolar ........................................................................................................................ 24

8. “Coxinhas, petralhas e fascistas...”. Mas e a escola com tudo isso?............. 27

9. Qual é a diferença entre ato indisciplinar e ato infracional? .......................... 30

10. O limite entre medida pedagógica e excesso em um caso de falta disciplinar de aluno que teve repercussão nacional ....................................................... 32

11. Sujar a classe de aula é indisciplina e o professor pode chamar a atenção ....................................................................................................................... 35

12. Avaliação à luz da LDB – Lei de Diretrizes e Bases (lei 9.394/1996) ........... 38

Page 4: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

4

13. ‘Escola Sem Partido’ sob o crivo jurídico e pedagógico ................................ 41

14. Multa aos pais por abandono intelectual e evasão escolar. É possível? ............................................................................................................................. 48

15. Trabalho na escola e educação face à LDB .................................................. 50

16. Proposta pedagógica e direito educacional, um diálogo promissor .............. 52

17. Atos infracionais nas escolas são reduzidos graças a projeto inovador

........................................................................................................................ 55

18. O que o docente deve saber sobre a base nacional comum curricular (BNCC)? ........................................................................................................ 57

19. Bullying na LDB: novidade da lei 13.663/18 que o professor deve saber ........................................................................................................................ 61

20. Reprovação de aluno às vésperas da formatura e sua (i)legalidade ............ 63

DIREITOS DO PROFESSOR

21. Jornada de trabalho do magistério público: 1/3 extraclasse? ....................... 65

22. Assédio moral e síndrome de burnout entre professores nas escolas

........................................................................................................................ 69

23. É lícito demissão de professor no início do ano letivo? ................................. 72

24. Atividades extraclasse contam para aposentadoria do professor? ........................................................................................................................ 74

25. Ofensa à docente em redes sociais e o dano moral? ................................... 76

26. Indenização por assédio moral no ambiente escolar: a resposta do direito ........................................................................................................................ 79

27. Agressão à professora em sala de aula: o poder público é responsável? ........................................................................................................................ 81

28. Redução do salário de professor sem motivo gera danos morais ........................................................................................................................ 84

Page 5: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

5

29. Horas extras por supervisão de estágio é direito de professora universitária ........................................................................................................................ 86

30. Rio grande do sul não implementou o direito à 1/3 extraclasse. Por quê? O que fazer? ...................................................................................................... 88

31. Compensação de aulas em razão de licença-saúde é lícito? ....................... 91

DIREITO CONSTITUCIONAL E EDUCAÇÃO

32. Porque o professor deve conhecer a Constituição Federal? Parte I ..............95

33. Por que o professor deve conhecer a Constituição Federal? – parte II ........................................................................................................................ 98

34. Escola pública próxima e o fechamento de escolas: uma flagrante ilegalidade? .................................................................................................. 107

PARTE II: JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ASPECTOS

PRÁTICOS............................................................................................................. 110

Page 6: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

6

PARTE I

TEMAS DE DIREITO E EDUCAÇÃO

Page 7: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

7

1. ACIDENTE EM AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: DE QUEM É

A RESPONSABILIDADE?

Acidente em aula de educação física na escola pode ter maior

repercussão do que se imagina. A discussão do incidente pode chegar na esfera

jurídica por uma questão eminentemente de direito. A responsabilidade civil

envolvida deve ser conhecida pelos professores e pelos gestores educacionais para

evitar problemas. O caso analisado contribui para compreensão do tema.

Ocorreu que a família de um aluno de Escola Municipal de Ensino

Fundamental ajuizou ação de danos morais, materiais e estéticos contra o Município

de Alambari/SP. O jovem sofreu um grave acidente na aula de educação física. Uma

queda de uma goleira de futebol.

O aluno estava jogando futebol com os meninos enquanto um monitor

praticava atividades com o grupo de meninas. Em certo momento, a bola de futebol

teria ficado presa acima de um gol da quadra. Quando o referido aluno teria subido

em uma das traves para pegá-la, aconteceu o acidente.

Ao subir no gol a estrutura quebrou, e o aluno, depois de ter ficado

pendurado pela pele no gancho da goleira por alguns instantes, caiu no chão. O

indesejado acidente causou ferimentos na região pubiana que deixaram cicatrizes

no estudante, passíveis de reparação apenas com cirurgia plástica.

A pergunta que fica é: de quem é a responsabilidade por um acidente

em aula de educação física na escola?

Há que se lembrar que o acidente na aula de educação física aconteceu

em uma escola pública de um município de São Paulo. Em primeira instância, o ente

público municipal foi condenado a indenizar o aluno e a sua família. Em segunda

Page 8: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

8

instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu o valor da indenização, mas

manteve a obrigação de indenizar do município.

O órgão julgador fundamentou que é dever da instituição de ensino,

seja pública ou privada, zelar pela integridade física e moral do aluno

regularmente matriculado sempre que estiver nas suas dependências. Tratando

de ente público, a responsabilidade por acidente em aula de educação física na

escola se dá conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Assim, os desembargadores do TJSP entenderam que a escola municipal

é responsável por qualquer dano ou acidente que o aluno venha a sofrer, seja qual

for a sua natureza, nas suas dependências. O dever de guarda e incolumidade

física e moral do educando é de responsabilidade dos funcionários (monitores,

professores, diretores, etc.) nas dependências da escola.

Por isso, foi reconhecida omissão no dever de cuidado, na medida em

que ocorreu o acidente na aula de educação física. O professor responsável não

percebeu que o aluno subiu na trave para resgatar a bola de futebol presa. A

decisão considerou ainda que medidas adequadas de segurança e vigilância

poderiam ter impedido o acidente e as lesões resultantes deste evento.

O dano moral nestes casos é o chamado dano in re ipsa de

presunção absoluta. Isto é, fica dispensada a formação de qualquer prova

concreta, tendo em vista que o dano decorre do próprio fato. É a chamada

responsabilidade objetiva.

Confira o resumo da decisão judicial:

Ementa: Responsabilidade Civil do Estado – Indenização por danos

morais e materiais – Lesão sofrida pelo autor decorrente de queda em

escola municipal durante aula de educação física – Responsabilidade do

Poder Público pela integridade física e moral da criança – Caracterizada a

falha na prestação do serviço público, em razão do descumprimento do

Page 9: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

9

dever de vigilância – Configurado o dano moral passível de reparação e o

dever de fornecer a cirurgia reparadora [...]. (Apelação nº 1002088-

75.2014.8.26.0269, TJSP, 13/06/2017).

Page 10: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

10

2. VIAGEM OU PASSEIO ESCOLAR E A RESPONSABILIDADE LEGAL

DO DOCENTE E DA ESCOLA

O professor que conduz uma turma de alunos em viagem de estudos ou

lazer é responsável pela integridade de todos os estudantes. A escola também é

responsável. Entenda a diferença.

Em viagem ou passeio escolar, o professor assume os deveres de

guarda, devendo zelar pela incolumidade física de todos que estão sob sua

responsabilidade. Sua responsabilidade é subjetiva, isto é, responde culposamente

por ação ou omissão, devendo ser examinada a sua conduta sob o aspecto da

culpa.

Já a Escola que autorizou e/ou consentiu com a viagem de estudos tem

responsabilidade objetiva, isto é, a responsabilidade da Escola não depende das

ações ou omissões dos professores, diretores ou prepostos, mas ocorre ipso

facto, isto é, caracteriza-se tão somente por ter ocorrido o evento danoso,

dispensando-se a prova da culpa.

Quando estão em cena alunos e professores de escola municipal, a

responsabilidade é do município. Quando se tratam de alunos e professores de

escola estadual, a responsabilidade é do estado. Quando se tratam de alunos e

professores de estabelecimentos particulares de ensino a responsabilidade é dos

estabelecimentos particulares.

Nesses casos, que envolvem alunos e professores de escolas da rede

pública, diz-se que a responsabilidade dos entes de direito público é objetiva e o

dano é in re ipsa (da própria coisa), isto significa que o dano é presumido e emerge

tão só da consumação do fato, sendo inexigível a prova da culpa por eventual dano.

Page 11: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

11

O mesmo ocorre com os estabelecimentos particulares de ensino, sejam

eles de primeiro, segundo ou terceiro graus. Nesse sentido são as decisões judiciais

dos tribunais brasileiros, que clarificam a compreensão dessa responsabilidade,

como a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO

DURANTE EXCURSÃO ORGANIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA

DE DEFEITO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. 1. É

incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi

defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à

atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de

um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que

participava da atividade. 2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a

aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de

culpa da escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que

prevê a responsabilidade objetiva da escola. [...]. 4. Os

estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao

aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade,

dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos.

[...]. (REsp 762.075/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA

TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009).

Page 12: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

12

3. ATROPELAMENTO EM HORÁRIO DE AULA E A RESPONSABILIDADE

DA ESCOLA

A escola tem o dever de zelar pela integridade física e psíquica dos

alunos. Esse dever tem início no momento em que o aluno é entregue à instituição e

só termina no instante em que está sob a guarda de familiares e ou responsáveis.

Enquanto o estudante permanecer na escola, ou nas suas imediações na

espera de transporte autorizado pelos pais, permanece a escola com a

responsabilidade de oferecer aos alunos os cuidados indispensáveis à sua

integridade. Portanto, há responsabilidade da instituição se um aluno sofrer um

atropelamento no horário de aula.

O Tribunal de Justiça do RS assim decidiu sobre um caso de

atropelamento no horário de aula:

Apelação cível. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. ação

indenizatória. Preliminar de ofensa ao princípio do juiz natural rejeitada.

Atropelamento. Responsabilidade objetiva do município. CF/88,

ARTIGO 37, PARÁGRAFO 6º. Dever de vigilância. MESMO QUE A

CONDUTA DA VÍTIMA TENHA SIDO DETERMINANTE PARA O

EVENTO EM QUESTÃO, foi fruto da NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS

PROFESSORES E funcionários da escola, que não disponibilizaram

as CONDIÇÕES DE SEGURANÇA necessárias à aluna.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELO BEM ESTAR E

INTEGRIDADE FÍSICA DOS ALUNOS DO ENSINO PÚBLICO QUANDO

ESTES ESTIVEREM NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO OU SOB A

GUARDA DOS PROFESSORES RESPONSÁVEIS. REPARAÇÃO POR

DANO MORAL DEVIDA. DEVER DE INDENIZAR. DANO IN RE IPSA.

DESNECESSIDADE DE PROVA. [...]. (Apelação cível Nº 70042454066

2011, julgado em 1º de junho de 2011).

Page 13: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

13

Nesse julgado, paradigmático por abordar diversas situações que ocorrem

nas instituições de ensino ou em suas imediações, ou de qualquer forma

relacionadas à prestação do serviço educacional, envolvendo, ainda, atores da

municipalidade, os desembargadores condenaram o ente público ao pagamento de

verba indenizatória por atropelamento no horário de aula de aluna de seis anos, na

saída da escola.

Assim manifestou-se a douta Des.ª Katia Elenise Oliveira da Silva,

relatora:

Na hipótese dos autos trata-se de morte decorrente de atropelamento

ocorrido em frente à escola municipal, no momento em que a vítima ao

sair da aula, dirigia-se ao ônibus que realizava seu transporte, também

oferecido pela Prefeitura de Condor/RS.

Inicialmente cumpre referir que o caso em tela trata-se de típica hipótese

de responsabilidade civil objetiva.

Tal assertiva tem por base a redação dada pelo artigo 37, § 6°, da

Constituição Federal que, de maneira inquestionável, sedimentou em

nossa doutrina a responsabilidade objetiva da Administração

Pública, embasada na teoria do risco administrativo, pelos danos

que seus agentes, nessa qualidade, venham a provocar a terceiros.

A família da aluna, que tinha apenas seis anos, ajuizou a Ação de

Indenização contra o Município, a Empresa de Transporte Público e o motorista do

ônibus, em razão do atropelamento no horário de aula que ocasionou a morte da

filha. O fato se deu enquanto a criança esperava o ônibus na saída da aula, em

frente à escola municipal, onde estudava.

A ação foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição e a família

recorreu. Ao relatar o caso, a desembargadora registrou a responsabilidade objetiva

do Estado em caso de atropelamento no horário de aula, pelo dever de guarda e

segurança adequadas que deveria ter sido ofertado à criança, fazendo parte do

acórdão a seguinte fundamentação:

Page 14: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

14

Desta forma resta indubitável a negligência por parte dos professores e

funcionários da escola, que não ofertaram à vítima, uma criança de seis

anos de idade, as condições de segurança adequadas.

Assim, levando-se em conta que a partir do momento do embarque

no ônibus, até o momento em que devolvida ao lar estava a aluna

sob a custódia do Município, cabia ao Estado zelar pelo seu bem

estar e integridade física, restando claramente caracterizada sua

responsabilidade pelo ocorrido.

Page 15: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

15

4. ALUNO SE MACHUCOU COM BOLA NO INTERVALO NA ESCOLA E

FICOU CEGO. RESPONSABILIDADE DE QUEM?

Uma bolada no olho esquerdo de estudante no intervalo entre as aulas

deixou ele cego. O aluno se machucou na escola e ela não foi responsabilizada.

Vamos entender por quê?

A família de um aluno de escola pública ajuizou ação indenizatória contra

a escola. O aluno machucou o olho esquerdo por acidente com uma bola de futebol

durante o intervalo das aulas. Este episódio causou dor e cegueira no aluno.

O aluno disse que logo após se machucar um professor se negou a levá-

lo ao hospital. Ele passou por três cirurgias para correção do deslocamento de

retina.

Por outro lado, a escola defendeu que os danos que o estudante sofreu

decorreram do tempo que seus familiares levaram para procurar recurso médico:

sete meses depois que o aluno se machucou. Também ressaltaram que a gravidade

do caso não era aparente quando o aluno se machucou. Ainda, alegou que tomaram

as primeiras providências necessárias depois do ocorrido.

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente e não

reconhecendo qualquer obrigação de indenizar. Em segunda instância, o Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul manteve a decisão do juiz de primeiro grau, afirmando

que o aluno se machucou em atividade alheia ao controle da escola.

O órgão julgador fundamentou que a bolada no olho ocorreu de forma

acidental e não poderia ter sido evitada pela escola, o que faz com que não

tenha havido omissão no dever de guarda e zelo pela integridade física quando

o aluno se machucou. Acrescentou que ficou comprovado que a escola prestou os

primeiros socorros devidamente e que os pais do aluno só procuraram o serviço

médico sete meses depois que ele se machucou.

Page 16: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

16

Nesse sentido, observaram que a perícia destacou que a demora foi

decisiva para o agravamento da lesão no olho do estudante. A demora dos pais

que fez com que a situação de cegueira restasse irreversível.

Assim, os desembargadores do TJRS entenderam que os primeiros

socorros foram devidamente prestados pela escola quando o aluno se machucou.

Mais ainda, a gravidade da lesão não era aparente quando do ocorrido, tanto que os

próprios pais dele demoraram sete meses para buscar recurso médico. Portanto,

concluíram que não houve omissão no dever de guarda da escola. Veja, pois, a

decisão:

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA PÚBLICA. TEORIA DA

GUARDA. ALUNO ATINGIDO NO OLHO POR BOLA DE FUTEBOL.

PERDA DA VISÃO. VIGILÂNCIA DILIGENTE DOS PROFESSORES.

ACIDENTE INERENTE À ATIVIDADE ESPORTIVA. ATENDIMENTO

POSTERIOR ADEQUADO, DENTRO DO POSSÍVEL. OBRIGAÇÃO DE

INDENIZAR NÃO CONFIGURADA. A escola pública assume o dever de

guarda do aluno que lhe é confiado, respondendo, na forma do art. 37, §

6º, da Constituição Federal, pela omissão específica que venha a causar

lesão à integridade física do mesmo. Caso em que o autor, com 16 anos

de idade, teve o olho esquerdo atingido por uma bola durante uma

partida de futebol. [...]. Prova pericial segundo a qual o retardamento

no atendimento cirúrgico agravou a lesão, pois o descolamento da

retina evoluiu para a perda da visão monocular. Esta demora,

todavia, não é atribuída à escola, pois a gravidade da lesão não era

aparente - tanto que os pais levaram o filho ao hospital sete meses

depois - e os professores adotaram as medidas que reputaram

necessárias para o momento (bolsa de gelo e repouso). [...].

(Apelação Cível Nº 70072876527, Décima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 25/05/2017).

Page 17: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

17

5. BULLYING NA ESCOLA E A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA

OMISSÃO DOS PROFESSORES GESTORES

A família de uma aluna de um grupo educacional privado ajuizou ação de

danos morais contra a instituição de ensino. A estudante foi alvo de ofensas,

perseguição e discriminação por parte de algumas colegas de sala de aula. Situação

esta que começou aos poucos e foi se agravando. Bullying.

Diante disso, os pais da aluna comunicaram ao colégio. Mesmo assim, o

bullying se agravou ao ponto de ser necessário trocar a aluna de instituição. As

ofensas, que antes eram somente em horários de aula, continuaram por meios

digitais. A intimidação sistêmica está conceituada no artigo 2º da Lei 13.185/15 – Lei

do Bullying.

Como a conduta hostil começou no ambiente escolar e se propagou para

além do colégio, a família disse que houve sério prejuízo moral. Por isso, alegaram

ter sofrido graves danos na esfera moral a partir do bullying na escola, que não foi

devidamente solucionado.

Em primeira instância, a instituição particular de ensino foi condenada a

indenizar a aluna e a sua família pelo bullying. Em segunda instância, o Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e Territórios reduziu o valor da indenização, mas manteve

a obrigação de indenizar.

Os julgadores estabeleceram que a relação entre aluna e instituição de

ensino particular é de consumo. Isso com base nos artigos 2º e 3º do Código de

Defesa do Consumidor. Para eles, o bullying sofrido pela estudante se configura em

falha na prestação de serviço por parte do colégio.

Os desembargadores entenderam ainda que restou caracterizada a

prática reiterada de bullying, fato que dá ensejo à indenização à titulo de danos

morais à aluna. Por outro lado, o Tribunal não acolheu a tese de responsabilidade

Page 18: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

18

de terceiros. Entendeu que a responsabilidade da instituição de ensino por bullying é

objetiva, conforme o artigo 14, § 1º do CDC.

Ao final, os julgadores ressaltaram que o colégio faltou com o dever de

guarda ao não proporcionar um ambiente seguro aos alunos. Os responsáveis

pela instituição não deveriam permitir que o bullying fosse praticado na

escola.

Confira o resumo da decisão judicial sobre o caso:

Ementa: CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. BULLYING. VIOLAÇÃO A

DIREITOS DA PERSONALIDADE EVIDENCIADOS. FALHA DA

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE

POR ATO DE TERCEIRO. AFASTADA. DANO MORAL CONFIGURADO.

VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE

REFORMADA. 1. Segundo a Lei nº 13.185/2015 ataques físicos, insultos

pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por

quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas,

isolamento social consciente e premeditado, pilhérias (zombarias) são

alguns exemplos de atos que podem ser considerados bullying. [...] 3.

Comprovada a ocorrência de intimidações sistemáticas contra a Apelada,

patente é a violação aos seus direitos da personalidade, razão pela qual

restam configurados os danos extrapatrimoniais, os quais são, portanto,

passíveis de serem compensados. 4. O Apelante, como centro de ensino,

é incumbido do dever de guarda, devendo, assim, proporcionar um

ambiente seguro e voltado às práticas educacionais, de modo a assegurar

o saudável desenvolvimento cognitivo dos estudantes. No entanto, ao

deixar de fiscalizar e apurar de forma efetiva os fatos ocorridos em suas

dependências, permitindo-se, assim, a prática reiterada de bullying contra

a apelada, a qual não lhe restou outra alternativa a não ser mudar de

colégio, tem-se por evidenciada a conduta negligente do apelante e a

prestação de um serviço defeituoso, na medida em que o ambiente

escolar ofertado pelo apelante não ofereceu a segurança razoável que

Page 19: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

19

dele se podia esperar. [...]. (Processo nº 0011617-45.2015.8.07.0006,

TJDFT, 01/06/2016).

Page 20: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

20

6. EXPULSÃO DE ESTUDANTE CONFIGURA ATO ILÍCITO?

Com frequência recebo este questionamento ao dialogar com professores

a respeito do tema da judicialização da educação. Por isso resolvi escrever a

respeito dos fundamentos jurídicos envolvidos na expulsão de aluno. Vamos lá,

confira.

Inicialmente, adotando o correto pressuposto de que a educação é um

direito inscrito no rol dos direitos sociais. Direito este protegido pelo texto

constitucional e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, expulsão de aluno do

âmbito escolar não seria ato eivado de ilicitude, passível de reparação no Poder

Judiciário?

Assim, importa consignar que nossa compreensão de educação não se

coaduna com ‘expulsar’ ou ‘excluir’ sujeitos dos processos educativos. Uma das

tarefas da escola é promover a humanização, a vocação ontológica do ser humano

de ‘ser mais’, no sentido pugnado por Freire.

Em termos jurídicos, poderíamos entender tal vocação a partir de um dos

objetivos da educação: a promoção da cidadania. E neste ponto não há espaço para

expulsão.

À despeito desta posição pedagógica, há circunstâncias excepcionais que

autorizam a expulsão, ao passo que há situações em que expulsão de aluno é

absolutamente incompatível com o ordenamento jurídico vigente.

A partir da análise de dois casos concretos, entenderemos alguns

parâmetros que a coordenação deve observar ao avaliar a expulsão de aluno

como providência.

Expulsão de aluno constitui-se em medida excepcional. Do ponto de vista

pedagógico, importa a garantia de que a escola envidou os melhores esforços para

Page 21: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

21

incluir o estudante no processo de formação. Do ponto de vista jurídico, veda-se a

arbitrariedade, o desrespeito ao Regimento Escolar e aos princípios elementares do

direito ao contraditório e à ampla defesa.

Há, enfim, um conjunto de protocolos e medidas imprescindíveis que os

gestores devem adotar, mormente em um cenário em que cada vez mais estas

temáticas, como expulsão de aluno, passam pelo crivo do Poder Judiciário. Veja a

seguir os dois casos de expulsão:

CASO 1 (EXPULSÃO DE ALUNO): DANOS MORAIS. “Expulsão” de

aluno. Processo conduzido em conformidade com as normas do

Regulamento Comum da unidade escolar. Ampla defesa

devidamente oportunizada. Ausência de ato ilícito por parte da

instituição de ensino. Ação julgada improcedente. Sentença mantida.

Recurso desprovido. (Apelação n. 1001870-68.2014.8.26.0068, TJSP,

10/04/2017)

CASO 2 (EXPULSÃO DE ALUNO): REEXAME NECESSÁRIO.

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À EDUCAÇÃO. EXPULSÃO DO

ALUNO DE ESCOLA MUNICIPAL. 1. Não sendo observado o disposto

no Regimento Interno Escolar, bem como não sendo oportunizado

ao adolescente e seus pais exercerem o direito de defesa, mostra-se

descabida a expulsão sumária do adolescente da instituição de

ensino. 2. É cabível o reexame de sentença pelo segundo grau de

jurisdição, pois enquadra-se o presente caso na exigência legal.

Inteligência do art. 14, §1º, da Lei nº 12.016/09. Sentença confirmada. (Nº

70060776903, TJRS, 27/08/2014)

ANÁLISE DO CASO 1 – EXPULSÃO DE ALUNO

No primeiro caso, a expulsão da escola ocorreu em razão de o aluno

ter cometido uma série de atos indisciplinares. Estas ocorrências foram objetos de

apuração pela gestão pedagógica da escola, com os devidos registros de

Page 22: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

22

desentendimentos com alunos e professores, indisciplina e agressividade,

comportamento perigoso, agressões a alunos e funcionários, dentre outros.

(Acórdão).

Em síntese, a escola comprovou que tentou dialogar com os pais,

solicitou apoio do Conselho Tutelar e fez o que julgou possível para manter o

estudante inserido nos processos de aprendizagem. Tais medidas, entretanto, foram

insuficientes e esbarraram na impossibilidade de a escola realizar um

acompanhamento e tratamento na área da saúde, imprescindível para a situação

verificada.

Por tudo isso, o desligamento do estudante não foi entendido pelo Poder

Judiciário como ato ilícito. Destaca-se que todos passos administrativos que levaram

à expulsão do aluno foram acompanhados pelos pais, que tiveram garantidos o

contraditório e a ampla defesa.

ANÁLISE DO CASO 2 – EXPULSÃO DE ALUNO

Por outra senda, no segundo caso restou claro que a escola agiu

arbitrariamente na expulsão do aluno, que sequer foi ouvido. Verificou-se que o

estudante não estava adotando comportamento compatível com o ambiente escolar.

Entretanto, a escola não demonstrou ao Juízo qualquer providência no sentido de

apurar as ocorrências identificadas.

Além disso, não observou o Regimento Escolar, que prevê uma escala

de punições disciplinares, sendo a expulsão do estudante a derradeira alternativa.

Igualmente, os gestores pedagógicos não avaliaram a necessidade de um apoio

psicológico. Tratou-se, portanto, de expulsão de aluno sumária, visto que sequer o

direito à ampla defesa e ao contraditório foi respeitado.

Expulsão de estudante constitui-se em medida excepcional. Do ponto

de vista pedagógico, importa a garantia de que a escola envidou os melhores

esforços para incluir o estudante no processo de formação. Do ponto de vista

Page 23: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

23

jurídico, veda-se a arbitrariedade, o desrespeito ao Regimento Escolar e aos

princípios elementares do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Há, enfim, um conjunto de protocolos e medidas imprescindíveis que

os gestores devem adotar, mormente em um cenário em que cada vez mais estas

temáticas passam pelo crivo do Poder Judiciário.

Page 24: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

24

7. REGIMENTO DISCIPLINAR NÃO DEVE SER SUBESTIMADO PELA

COMUNIDADE ESCOLAR

Percebemos no cotidiano escolar uma violência latente, física e simbólica.

Mas e qual é o papel do Regimento Disciplinar neste cenário? Entenda no texto

abaixo.

Há uma grande confusão na escola em face da violência. Há dúvidas

sobre a correção de procedimento frente a ato infracional e ato indisciplinar. A

comunidade escolar ainda subestima o regimento disciplinar. Primeiramente temos

que diferenciar ato infracional de ato indisciplinar.

Ato infracional é o ato descrito como crime ou contravenção penal,

conforme artigo 103 do ECA. Ato indisciplinar, por sua vez, consiste em ações

perpetradas por estudantes no contexto da escola que estão em desacordo com as

condutas preconizadas pela instituição no regimento disciplinar.

REGIMENTO DISCIPLINAR E ATO INDISCIPLINAR

Devemos destacar aqui a importância do Regimento Disciplinar,

verdadeiro balizador do comportamento esperado. O Regimento Disciplinar dispõe

sobre os atos indisciplinares, sua descrição e as sanções correspondentes a estes

atos.

Nele deve estar previsto, por exemplo, o horário que a direção dispõe

para conversas individuais com docentes. Ou em qual dia a equipe diretiva ou

pedagógica está à disposição dos pais.

Caras professoras, caros professores. O regimento disciplinar deve

ser público, quiçá disponível no site ou em redes sociais, pois é o balizador

das condutas dos estudantes. Tem, ainda, o condão de normatizar o

funcionamento e a organização da vida escolar, do ponto de vista institucional,

prático.

Page 25: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

25

Cada ato indisciplinar previsto no regimento disciplinar deve estar

acompanhado de uma sanção determinada. Além disso, é importante que se tenha a

previsão de uma comissão escolar responsável pela apuração do ato indisciplinar.

Com estes cuidados a escola supera a discricionariedade das punições aplicadas.

Discricionariedade significa tratar aleatoriamente, sem padrão, cada

situação. O poder discricionário é o poder arbitrário, livre de qualquer fundamento ou

justificativa anterior. Para evitá-lo, nada melhor que um regimento disciplinar

transparente que tipifique condutas indisciplinares e suas respectivas punições.

REGIMENTO DISCIPLINAR E ATO INFRACIONAL

Do ponto de vista estritamente legal, não é correta a afirmativa

reproduzida pelo senso comum de que “com adolescente não dá nada”. O ECA

contém um sistema de responsabilização juvenil cuja carga é indiscutivelmente

penal, pois versa sobre a liberdade do sujeito. No limite, um jovem de doze anos

pode sofrer uma medida socioeducativa de meio fechado e ficar até três anos preso.

Ao vislumbrar a ocorrência de ato infracional, a gestão pedagógica e os

responsáveis pela disciplina escolar devem fazer uma primeira apuração, buscando

aclarar os fatos. Estando obscura a autoria do delito, o Boletim de Ocorrência pode

ser confeccionado, mas a escola deve se abster de indicar autores, sob pena de

imputação indevida.

Em se confirmando o ato infracional, é imprescindível que existam

elementos probatórios suficientes para fazer o registro do Boletim de Ocorrência. O

restante da apuração e responsabilização, no que toca ao ato infracional, é do

sistema de justiça da infância e juventude.

Ocorre que se o ato infracional perpetrado também estiver disposto

nas condutas indisciplinares previstas no Regimento Disciplinar, a escola tem

todo o direito de adotar o procedimento frente a ato infracional disposto e

promover a sanção correspondente.

Page 26: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

26

A sanção disciplinar no âmbito da escola, portanto, independe da

apuração do ato infracional no sistema de justiça. Tal procedimento frente a ato

infracional tem, inclusive, mais celeridade, pois decorrente de um procedimento mais

simplificado previsto no Regimento Disciplinar.

Page 27: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

27

8. “COXINHAS, PETRALHAS E FASCISTAS...”. MAS E A ESCOLA COM

TUDO ISSO?

Coxinhas, petralhas e fascistas são expressões que revelam intolerância

e acirramento de posicionamentos políticos. E qual o papel da escola neste cenário?

Cabe aos docentes da Educação Básica fomentar a discussão, problematizando tais

questões? A solução é o diálogo plural na escola, moderado e respeitoso.

É inegável que passamos por tempos de crescente intolerância e

acirramento de posicionamentos políticos. Como norte, extraímos um caminho de

reflexão nas diretrizes do Plano Nacional de Educação. Seus princípios apontam na

direção da cidadania, promoção humanística, gestão democrática, o respeito aos

direitos humanos e à diversidade. Um diálogo plural na escola.

Pretendemos não nos estender no aspecto legal, visto que poderíamos

abordá-lo inclusive do ponto de vista constitucional. No entanto, importa sublinhar

que os preceitos normativos de direito educacional são transparentes no sentido de

uma escola democrática e dialógica. Em outras palavras, se aposta num diálogo

plural na escola para promoção da cidadania.

Neste sentido, como proceder? Acreditamos que este cenário abre

diversas oportunidades de debates, não apenas em sala de aula. Se o noticiário

recente é farto em abordar a Justiça e o Poder Judiciário, por que não aproveitar

para discutir regras de comportamento no ambiente escolar?

Nessa linha, em última análise se discute hodiernamente condutas de

agentes políticos e as sanções respectivas, oportunidade ímpar para que se discuta

um novo Regimento Escolar - RE, ao menos no que toca a condutas inadequadas e

suas respectivas sanções. Então um documento que afirme o diálogo plural na

escola pode ser uma boa ideia.

Page 28: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

28

Discussão coletiva, cujo desiderato não é simplesmente o resultado final

(uma reescrita deste capítulo do RE). Porém o exercício do debate democrático

substancial e consequente. Substancial porque os estudantes terão que discutir

temas pertinentes a seu contexto imediato. Consequente, pois tais deliberações

terão repercussão na vida escolar.

O espírito democrático e o respeito genuíno à diferença se constroem na

prática, no seu exercício cotidiano. E não há espaço mais adequado a este exercício

que as instituições educacionais. Ou seja, através de um diálogo plural na escola. Aí

reside um dos grandes equívocos do autodenominado “escola sem partido”, que

quer o silêncio diante das grandes questões contemporâneas.

Importante, pois, fazer uma ressalva: a democracia não pode servir de

blindagem para autorizar a promoção de discursos de ódio, autoritário ou

discriminatório. Ao abordar temas quentes do Brasil contemporâneo, necessário que

o docente faça uma espécie de preliminar, indicando tais restrições e moderando

ativamente qualquer troca de ideias que resvale para este caminho. A construção de

um espaço dialógico e de um diálogo plural na escola exige redobrada atenção.

Particularmente, ao tempo em que exerci a docência (seja na Educação

Básica ou no ensino superior) sempre organizei minhas aulas de modo a garantir um

“tempo para o nosso tempo”. E o fazia de duas maneiras.

A primeira, mais simples, consistia em fazer pontes entre o período

histórico estudado e a realidade. Quando não havia esta possibilidade, e o tema

realmente estava na ordem do dia, preservava alguns minutos iniciais para instaurar

o diálogo. Momento este não raras vezes extraordinário de participação discente.

Minha intervenção nestes instantes? Aclarar equívocos conceituais e históricos e

moderar os ânimos mais acalorados.

Enfim, para usar a clássica assertiva da teoria pedagógica, a escola não é

uma ilha. Os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico autorizam o debate

democrático e o diálogo plural na escola. O tão festejado pluralismo de ideias.

Page 29: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

29

Por fim, o direito educacional preconiza uma escola que aposte nos

valores da cidadania. Este sim é corolário maior do Estado Democrático e Social de

Direito instituído na Constituição de 1988, não por outra razão chamada de

constituição cidadã. Por isso insistimos que é importante o docente conhecer a

Constituição.

Page 30: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

30

9. QUAL É A DIFERENÇA ENTRE ATO INDISCIPLINAR E ATO

INFRACIONAL?

Indisciplina na escola é fato comum nas escolas do Brasil. Nem tão raro

também são os casos de infrações. Por isso, é importante para professoras e

professores entender a diferença entre ao indisciplinar e ato infracional na escola.

Aparentemente simples esta questão merece toda a atenção dos gestores

educacionais na apuração de infração ou indisciplina na escola cometida por

estudantes. Ato indisciplinar não pode ser confundido com ato infracional.

Ato indisciplinar diz respeito às condutas que ferem as normas de

comportamento escolar, ou o regimento disciplinar. Já ato infracional versa sobre

fato descrito como crime no Código Penal, conforme previsão do art. 103 do Estatuto

da Criança e do Adolescente. Diz o artigo que “considera-se ato infracional a

conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Ou seja, quando um adolescente comete dano ao patrimônio público,

quebrando vidros ou destruindo classes, à rigor não se trata apenas de indisciplina.

O aluno, na realidade, está cometendo ato infracional, pois é crime previsto no art.

163, inciso III, “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.

Neste caso, o encaminhamento devido é o registro de Boletim de

Ocorrência em Delegacia de Polícia Especializada, para formação do Inquérito

Policial. A finalidade é a apuração de autoria e materialidade. O Inquérito será

encaminhado pelo Ministério Público que fará a denúncia na respectiva Vara de

Infância e Juventude.

A condenação poderá resultar em medida socioeducativa, verdadeira

sanção de natureza penal, visto sua carga retributiva. Há acaloradas discussões

sobre a natureza das medidas socioeducativas. A nosso juízo, não temos dúvidas se

Page 31: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

31

tratar de sanção de natureza eminentemente penal, por ser compulsória e, no limite,

prever a privação de liberdade.

Ato indisciplinar, por sua vez, geralmente não é um fato cujo apuramento

sai da alçada da instituição. Por outro lado, quando um adolescente comete ato

indisciplinar, o correto procedimento é a sua apuração por uma comissão que

desempenhe esta atribuição por certo período. Esta comissão deve ser subsidiada

pelo regimento disciplinar, que deve conter sanções a respectivos comportamentos

descritos como indisciplina na escola.

Evidentemente, o aluno autor do ato de indisciplina na escola deve ser

ouvido pela comissão, que apresentará um breve relato seguido (ou não) de sanção.

Com o regimento disciplinar, a comissão de apuração acima descrita e a oitiva do

acusado, protege-se a legalidade das eventuais sanções e a instituição de ensino se

afasta da arbitrariedade no enfrentamento da questão.

Page 32: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

32

10. O LIMITE ENTRE MEDIDA PEDAGÓGICA E EXCESSO EM UM CASO

DE FALTA DISCIPLINAR DE ALUNO QUE TEVE REPERCUSSÃO

NACIONAL

Professoras e professores diariamente têm dúvidas acerca de qual é a

medida pedagógica correta para cada situação. O medo da responsabilização por

excesso pode frear atitudes dos docentes. O texto a seguir resume um caso de

repercussão nacional.

A família de um aluno de Escola Estadual de Ensino Médio ajuizou ação

de danos morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. O aluno, segundo os pais,

teria sido humilhado pela professora em frente aos colegas. Para eles, a atitude da

professora teria ultrapassado os limites de uma medida pedagógica.

No processo, foi comprovado que o adolescente pichou o seu apelido em

uma parede da escola. Isso ocorreu logo após uma ampla mobilização da

comunidade para revitalização da instituição através da pintura das paredes das

salas de aula. Diante deste fato, a vice-diretora solicitou ao aluno que pintasse

novamente a parede, em frente a seus colegas.

Neste momento, o aluno teria ironizado a situação, ao tempo em que a

professora teria lhe chamado a atenção para levar a situação a sério. Inconformada

com o claro desrespeito, a professora teria chamado o jovem de “bobo da corte” no

contexto dos atos praticados.

O evento foi filmado por outro aluno com o celular e ganhou repercussão

na internet e na mídia com o questionamento da medida pedagógica. Por isso, a

família disse que o aluno ficou muito abalado, envergonhado e sem ir à aula por

algum tempo.

No juízo de primeiro grau, o ente público foi condenado a indenizar o

aluno e a sua família. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Page 33: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

33

Sul, reformou a decisão, concluindo que a atitude se tratou de medida pedagógica

enérgica no contexto dos fatos.

Após ponderarem a situação sob aspectos do direito educacional e

fazerem uma análise do caso concreto, os julgadores desobrigaram o Estado a

pagar indenização. Concluíram que a resposta da professora não excedeu os limites

de uma medida pedagógica.

Os Desembargadores entenderam que restou demonstrada a intenção

disciplinar da docente. Reconheceram que não houve qualquer intenção de humilhar

o aluno, mas de lhe aplicar uma medida pedagógica adequada à transgressão

cometida.

O Tribunal lembrou que pichação se constitui em dano ao patrimônio

público, com previsão no Código Penal. Portanto, o adolescente poderia ser

responsabilizado pelo cometimento de ato infracional, sujeito à aplicação de medida

socioeducativa. O que, geralmente, é mais forte que uma medida pedagógica.

O julgador relator da decisão lembrou que tanto o aluno quanto seus pais

não participaram do mutirão para revitalização da escola. Observou ainda que a

repercussão pública do caso decorreu da “tentativa dos pais do educando de tirar

proveito da situação”.

O Tribunal pontuou, ao final, que a conduta reprovável do estudante

se deve à omissão dos pais, destacando que a medida pedagógica da

professora não causou danos efetivos ao aluno. A extensa decisão abordou a

situação sob o ponto de vista do direito e da cidadania.

Confira o resumo da decisão judicial:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALTA

DISCIPLINAR PRATICADA POR ALUNO DE ESCOLA PÚBLICA

ESTADUAL. APLICAÇÃO DE MEDIDA PEDAGÓGICA POR

Page 34: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

34

PROFESSORA. REPARAÇÃO INDEVIDA. [...] Realizada a pintura em

toda escola, o autor pichou uma das paredes com o seu apelido, atitude

deveras reprovável, especialmente diante do contexto dos fatos. Em

razão disso, a então Vice-Diretora lhe aplicou uma medida pedagógica

determinando que realizasse a pintura do espaço que havia pichado e

também que a ajudasse a realizar outras pinturas pequenas em demais

locais da escola, assim como os demais colegas tinham realizado no dia

anterior. In casu, muito embora a professora possa ter sido indelicada na

forma como aplicou a medida pedagógica, restou evidenciado que sua

atitude não foi de constranger o aluno. [...]. (Apelação Cível nº

70070165360, TJRS, 09/11/2016).

Page 35: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

35

11. SUJAR A CLASSE DE AULA É INDISCIPLINA E O PROFESSOR PODE

CHAMAR A ATENÇÃO

A família de um aluno de escola particular ajuizou ação de danos morais

contra a instituição de ensino e um professor de geografia que nela trabalha. O

aluno disse que se sentiu humilhado quando o professor lhe chamou a atenção por

estar sujando a classe de aula.

O episódio aconteceu durante uma aula de geografia. O docente pediu

que o aluno limpasse a classe que riscou com “errorex”. Este episódio, segundo o

que disse a família em juízo, teria causado danos e prejuízos de relacionamento ao

aluno.

O aluno afirmou que o professor foi ofensivo lhe acusando injustamente

na frente da turma de sujar a classe. O estudante disse que o “errorex” respingou no

seu material quando ele foi abri-lo e acabou por sujar a classe.

Os pais do referido aluno exigiram a demissão do professor para manter o

seu filho na escola. Eles disseram que o docente humilhou seu filho em frente aos

colegas ao chamar a atenção do jovem por sujar a classe de aula.

Por outro lado, o colégio e o professor defenderam que o aluno estava

escrevendo o seu nome na mesa propositalmente. Alegaram que, mesmo assim,

apenas lhe foi chamada atenção pelo comportamento inadequado de forma

respeitosa.

O colégio também ressaltou que o referido professor é muito querido

pelos alunos, devido ao seu tratamento afetuoso e digno. Além disso, alguns

colegas confirmaram que viram o referido aluno sujar a classe.

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente e não reconheceu

qualquer obrigação de indenizar. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio

Page 36: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

36

Grande do Sul manteve a decisão do juiz de primeiro grau entendendo que sujar a

classe de aula não é uma conduta adequada, nem esperada, de um estudante.

O órgão julgador fundamentou que as testemunhas ouvidas não

deixaram dúvidas de que a versão do aluno era inverídica. Por outro lado, se

comprovou que o aluno riscou a classe.

Os julgadores acrescentaram que o aluno não chamou qualquer colega

que tenha presenciado o episódio para testemunhar, mesmo que tenha mantido

amizade com vários. Em sentido contrário, concluiu que as testemunhas foram

coerentes ao dizerem que o colega estava riscando a mesa com “errorex” e o

professor lhe chamou atenção educadamente.

Assim, os desembargadores do TJRS entenderam que não há qualquer

ato ilícito que enseje o dever de indenizar. Igualmente, com base no pensamento

de filósofos contemporâneos (como Zygmunt Bauman, Leandro Carnal e Mario

Sérgio Cortella) dissertaram que sujar a classe de aula é conduta

completamente inadequada.

O Tribunal referiu que o processo foi o produto de uma verdadeira

inversão de valores. Ainda, que este problema assola a sociedade moderna,

onde passou a se confundir autoridade com autoritarismo. Em que fazer e

ensinar o certo (não sujar a classe) passou a ser considerado abusivo.

Nesse sentido, concluíram que o professor buscou educar o aluno ao

constatar o fato. Inclusive foi procurada ajuda dos pais que, por outro lado, se

voltaram contra o colégio e o educador.

Confira o resumo da decisão judicial, que ressaltou o caráter disciplinar da

atitude do professor:

Ementa: APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO.

Page 37: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

37

ALEGADO TRATAMENTO DESRESPEITOSO DE PROFESSOR EM

FACE DE ALUNO. PROVA ROBUSTA EM SENTIDO CONTRÁRIO.

PRETENSÃO QUE BEIRA A MÁ-FÉ. [...]. O docente apenas se limitou a

ordenar que o aluno limpasse a classe escolar que havia rabiscado, o que

fez em tom apropriado e com a firmeza que a situação exigia. Não se

pode confundir autoridade com autoritarismo. Ensinar um jovem a assumir

a responsabilidade de seus atos e consertar o dano cometido é tarefa

primeira dos pais, tendo a escola função supletiva/complementar. Nesse

contexto, a ordem para que o autor limpasse a sujeira feita não teve

qualquer viés de humilhação, mas objetivou apenas educá-lo,

transformando-o num cidadão consciente de seus deveres e limites,

ciente das conseqüências de seus atos. [...]. (Apelação Cível Nº

70073219685, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Eugênio Facchini Neto, Julgado em 24/05/2017).

Page 38: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

38

12. AVALIAÇÃO À LUZ DA LDB – LEI DE DIRETRIZES E BASES (LEI

9.394/1996)

É consenso que a avaliação de aluno cumpre função de relevo nos

processos educativos escolares. Na realidade, cotidianamente constitui-se em

argumento central do docente para atenção em sala de aula, ou para que sejam

realizadas as tarefas escolares. Qual professor nunca utilizou a expressão ‘prestem

atenção, porque vai cair na prova’?

Há, ainda, uma miríade de teorias pedagógicas: a compreensão advinda

da tradição, em que avaliação confunde-se com provas pontuais, cumulativas e

classificatórias; a leitura de que a avaliação deve ser processual e diversificada,

abarcando atividades extraclasse, trabalhos de pesquisa, comunicação de

resultados; ou de que ela é o verdadeiro coração do processo de aprendizagem.

Pois aí reside o poder docente. Pode-se ainda referir a percepção de que

a avaliação é o mecanismo de disciplinamento da criança ou do adolescente, o que

desautorizaria seu manejo.

Nesta cena, o que a legislação educacional dispõe sobre a avaliação de

aluno? Vejamos o inciso V do art. 24 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional:

Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será

organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

(...)

V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes

critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com

prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos

resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

Page 39: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

39

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso

escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação

do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos

ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem

disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;

Da leitura deste dispositivo é possível concluir que a avaliação de aluno

como tradicionalmente é concebida não se alinha aos valores dispostos na

legislação. A ideia contida na LDB é que a avaliação seja feita processualmente (ao

contrário de pontualmente). Veja a alínea “a”, em que o legislador tem o cuidado de

expressamente afastar as provas finais.

Depreende-se também o descompasso com a legislação na

reprovação de ano em razão da insuficiência em uma ou duas disciplinas, conforme

a dicção da alínea “d”, “aproveitamento dos estudos concluídos com êxito”. Assim, o

sujeito reprovado em matemática ou história não deve, em respeito ao dispositivo

em comento, repetir todas as disciplinas, visto que os outros componentes, a rigor,

foram concluídos com êxito.

Na perspectiva legal, a avaliação é parte de um plano de trabalho. Isso

na medida em que propicia ao docente fazer um diagnóstico das dificuldades da

turma a respeito do conteúdo ministrado, dos avanços e das dificuldades

enfrentadas pelos estudantes. Uma espécie de termômetro.

Neste sentido, a avaliação é ferramenta indispensável para o bom

desenvolvimento das atividades escolares, visto que a partir de um bom diagnóstico

é possível ao docente planejar (e replanejar...) as atividades de sala de aula. Vejam,

nenhuma menção à classificação de estudantes. Foco dirigido aos processos de

aprendizagem. Melhor, foco na qualificação dos processos de aprendizagem.

Page 40: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

40

Na realidade, o escopo da LDB, no que toca à avaliação, é incluí-la no

bojo de um projeto pedagógico inclusivo e democrático, sem descuidar da qualidade

dos processos de aprendizagem. Para tanto, a avaliação é entendida como um

processo permanente, contínuo, em que a aprendizagem não é verificada no fim do

percurso, mas no curso de toda a caminhada.

Page 41: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

41

13. ‘ESCOLA SEM PARTIDO’ SOB O CRIVO JURÍDICO E PEDAGÓGICO

Pretendemos analisar sob o prisma jurídico e o debate pedagógico as

propostas articuladas em torno do movimento (?) ‘Escola Sem Partido’ (ESP). É

legítimo do ponto de vista jurídico? É correto do ponto de vista pedagógico? Vejam o

que a Escola de Direito Educacional entende a respeito do movimento.

Em um primeiro momento, definiremos o tema, utilizando-nos das

palavras de seus protagonistas. Sujeitos cujo lócus de trabalho é o direito e a

política.1 Na sequência, pretende-se abordá-lo a partir do direito educacional. Área

jurídica que toma corpo nos últimos anos.

Além disso, faremos uma análise preliminar dos propósitos do movimento

Escola Sem Partido. Neste ponto tendo por pano de fundo o complexo debate

pedagógico contemporâneo, em que várias tendências se complementam e se

opõem, em um mosaico desprovido de verdades inquestionáveis.

Segundo artigo publicado pelo ‘El País’,2 o movimento Escola Sem

Partido iniciou em decorrência de um episódio em São Paulo, no qual um professor

teria comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Tal analogia foi

compreendida como doutrinação ideológica de esquerda, motivando críticas, em

meados de 2003. Em 2004 foi criado o movimento Escola Sem partido com 3

objetivos definidos pelos seus idealizadores.3

Um, a descontaminação e desmonopolização política e ideológica das

escolas. Dois, o respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes. Três, o

1 Note-se que aqui não se faz qualquer juízo de valor. É fato. O pioneiro deste movimento é o Dr.

Miguel Nagib, advogado paulista e articulador do ESP, na medida em que criou uma associação para fins de multiplicação de suas ideias. Outrossim, tais ideias tem sido repercutidas eminentemente por vereadores e deputados alinhados ao Dem e ao PP, inexistindo notícia de que instituições de pesquisa acadêmica a corroboram. 2 Artigo: Movimento Escola Sem Partido foi criado a partir da indignação de um pai com um professor.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html 3 Consulta ao site http://www.escolasempartido.org/objetivos em 28 de março de 2017.

Page 42: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

42

respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral que esteja de

acordo com suas próprias convicções.

Para levar a cabo tais objetivos, o Escola Sem Partido propõe uma

estratégia eminentemente jurídica. Assim destacando no seu site um modelo de

notificação extrajudicial. Além disso, indica um “dia nacional de luta contra a

doutrinação política e ideológica nas escolas”.

ESCOLA SEM PARTIDO E O PRISMA JURÍDICO

Particularmente, admito que subestimei o Escola Sem Partido. Há cerca

de dois anos, provocado por colega de longa data, resumi-o apontando sua flagrante

inconstitucionalidade. Esta foi reconhecida recentemente pelo Ministro Luís Roberto

Barroso, do STF. Nessa linha, deferindo liminar para suspender Lei promulgada pelo

Estado de Alagoas cujo teor alinha-se ao Escola Sem Partido, Barroso foi enfático.

Disse ele: “A norma [lei inspirada no Escola Sem Partido] é, assim,

evidentemente inadequada para alcançar a suposta finalidade a que se destina: a

promoção de educação sem ‘doutrinação’ de qualquer ordem. É tão vaga e

genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a

perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e

valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover

outros direitos de igual hierarquia.”4

Deste modo, tais considerações dariam conta de encerrar o tema. Ocorre

que os sucessivos embates criados pelo Escola Sem Partido faz crescer a

preocupação dos professores que exercem diariamente seu ofício. Pretende o

Escola Sem Partido que o ensino seja ministrado com neutralidade. Ainda, que os

docentes se abstenham de compartilhar qualquer opinião que diga respeito a credo,

ideologia e gênero.

4 Site do Supremo Tribunal Federal:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=338884

Page 43: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

43

Ademais, aos militantes do Escola Sem Partido propõe-se que

primeiramente notifiquem os docentes e as escolas que diretamente ou por omissão

deixem que tal ocorra.5 Acompanhado por Barroso, reconhecido constitucionalista e

Ministro do STF, entendo que os objetivos do Escola Sem Partido são ilegais e

inconstitucionais. Isso porque pretendem cercear a liberdade do docente no

exercício de seu trabalho, nos exatos limites do componente curricular do qual é

titular.

De igual modo, a Constituição Federal não autoriza a censura. Ao

contrário, aposta na liberdade de expressão, condição para o pleno exercício do

magistério. Tal direito constitui-se em garantia fundamental. Veja-se, pois, o teor do

artigo 5º, IV e IX, da CF, por exemplo:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IV: É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato;

IX: é livre a expressão artística, científica e de comunicação,

independente de censura ou licença.

Sobre a questão educacional, vejamos o que dispõe o texto

constitucional:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o

pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e coexistência

de instituições públicas e privadas de ensino;

5 Diga-se de passagem que esta notificação, a nosso juízo, contém inequívoco intento intimidatório.

Page 44: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

44

Forçoso concluir, portanto, não haver espaço para censura no ambiente

escolar. Educação é sinônimo de liberdade, diálogo, pluralismo de ideias e

concepções pedagógicas. De antemão, sujeitos que não detém formação acadêmica

na área da educação, não participaram dos inúmeros colegiados legítimos que

debatem e deliberam sobre a temática educacional Brasil afora, estabelecer o que

pode ser dito em uma aula consiste, sem sombra de dúvidas, em censura.

Assim, o Escola Sem Partido não se consegue se legitimar sequer nos

seus próprios fundamentos. Seguindo este itinerário, a LDB, inspirada pela

Constituição Federal, apresenta a seguinte principiologia:

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos

princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem

por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da

legislação dos sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

XII - consideração com a diversidade étnico-racial.

Page 45: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

45

Diante do exposto, inolvidável concluir que as proposições do Escola Sem

Partido revestem-se de manifesta inconstitucionalidade. Igualmente de notória

ilegalidade. Por esta razão os docentes e escolas eventualmente notificados podem

se utilizar destes fundamentos e encaminhar uma contra notificação, já que é nesta

seara que o embate está se realizando.

ESCOLA SEM PARTIDO E O PRISMA PEDAGÓGICO

Acerca das questões pedagógicas, os fundamentos epistemológicos do

Escola Sem Partido remontam o medievo. Seguramente, seus proponentes não

estudaram o acervo pedagógico produzido ao longo do século XX. Confundem, pois,

formar cidadãos com doutrinação (!!). Atacam Paulo Freire, afirmando estarem nesta

pedagogia as causas dos problemas educacionais brasileiros.

Poderíamos escrever muito sobre a pedagogia freireana. Sobre a

compreensão dos processos de aprendizagem que Freire, a partir de uma longa

caminhada que combinou teoria e prática, exemplarmente elaborou. Poderíamos

nos estender ao descrever a trajetória admirável deste teórico, reconhecido

mundialmente como um dos grandes teóricos da educação do século XX e

vilipendiado por estultices como as observadas no site do Escola Sem Partido. Em

razão dos limites deste artigo, limitaremo-nos a apontar duas inconsistências

teóricas do Escola Sem Partido.

Então, deixemos as outras para outro momento. O último lócus em que se

propõe a resoluta neutralidade no mundo do conhecimento é o Escola Sem Partido.

A neutralidade, no âmbito científico, notavelmente nas ciências humanas, é uma

quimera.6 Ao abordar um fenômeno histórico, por exemplo, é humanamente

impossível restringir assepticamente o conteúdo, de modo que se possa atingi-lo

com neutralidade.

6 Boaventura de Sousa Santos alerta para a impossibilidade da neutralidade também nas chamadas

ciências duras.

Page 46: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

46

Imaginemos, caros leitores já enfastiados com a extensão deste artigo,

uma aula sobre o nazismo, a Revolução Francesa ou a chamada Era Vargas. O

historiador, para ministrá-la, seguramente estudou tais processos. Carrega leituras,

impressões, eventualmente pré-conceitos, de sorte que resta impossível neutralizá-

los. Nessa linha, impor a neutralidade é impor o silêncio.

Olvida, assim, o Escola Sem Partido que o ambiente escolar agrega uma

profusão de atores que carregam suas convicções ideológicas, morais e éticas. Este

movimento (movimento?) ignora que a vida pulsante da comunidade escolar decorre

exatamente das diferenças que a constituem. A alteridade educa, e é no bojo das

diferenças que o processo educativo acontece. Observando os objetivos do Escola

Sem Partido, constata-se uma desconexão com esta realidade.

Deste modo, não há razões para “descontaminação política e ideológica”

porque não há pensamento único institucionalizado. A sabedoria popular já ensinou

que quando João fala mal de Pedro, sabemos mais de João do que de Pedro.

Certamente os protagonistas do Escola Sem Partido não conhecem o dia a dia

escolar. Assim, reduzem a um debate vergonhosamente simplório um cenário

extremamente complexo e variado, multifacetado, em que não há lugar para

determinismos oriundos da guerra fria.

Por outra senda, o conceito que o Escola Sem Partido tem dos

estudantes em seus escritos é anacrônico, remontando o século XIX. Os estudantes

não são – na realidade nunca foram... – marionetes manipuláveis que assimilam

passiva e voluntariamente o que lhes é imposto por “espertos e ardilosos”

professores, de esquerda ou de direita.

Ao contrário, o sujeito da educação contemporânea está em posição de

diálogo. Mais que isso, é protagonista de seu processo formativo. E vejam bem, tais

considerações são consensuais no ambiente da pesquisa acadêmica. Qualquer

manual de pedagogia editado no século XXI explica isso.

Page 47: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

47

Por derradeiro, constato o que muitos colegas já apontam. O Escola Sem

Partido é pura e simplesmente um movimento político. Por isso, deve ser enfrentado

pelo conjunto dos docentes que hoje estão desafortunadamente sendo por ele

atacados na esfera do debate político.

Jurídica e pedagogicamente, é anacrônico, inconsistente e, no limite,

inconstitucional. Melhor seria que estes militantes se ocupassem substancialmente

com a melhoria da educação brasileira, apoiando, por exemplo, a legítima demanda

por uma remuneração justa dos professores, respeitando-os e, quem sabe,

estudando um pouco.

Page 48: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

48

14. MULTA AOS PAIS POR ABANDONO INTELECTUAL E EVASÃO

ESCOLAR. É POSSÍVEL?

Abandono intelectual de aluno que não frequentava escola resulta em

condenação dos pais ao pagamento de multa. A responsabilidade pela evasão

escolar recaiu sobre os genitores, com base na Lei 8.069/1990, que instituiu o

Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Ministério Público do Espírito Santo ajuizou ação de apuração de

infração administrativa às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. O

objetivo era investigar suposto abandono intelectual de aluno. Os pais do aluno

foram condenados ao pagamento de multa de 3 salários mínimos em razão da

evasão escolar do filho.

Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo manteve a

decisão do juiz de primeiro grau. Os julgadores ressaltaram que, mesmo quando

chamados ao processo judicial, os pais não tomaram nenhuma providência em

relação à evasão escolar de seu filho.

O Direito Educacional é claro em casos como este. O Estatuto da Criança

e do Adolescente, Lei 8.069/90, estabelece como dever dos pais de crianças e

adolescentes zelar pela sua educação. O artigo 249 do ECA, que prevê multa

administrativa de três a vinte salários mínimos, dispõe: “Descumprir, dolosa ou

culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrentes de tutela

ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho

Tutelar”.

Confiram abaixo a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça

do Espírito Santo:

Ementa: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI

13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERDA DE UMA

Page 49: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

49

CHANCE. PROFESSORA. DISPENSA NO INÍCIO DO ANO LETIVO. De

acordo com a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance,

o prejuízo material indenizável é aquele decorrente de uma probabilidade

séria e real de obtenção de um resultado positivo legitimamente esperado

pela vítima que é obstado por ato ilícito praticado pelo ofensor. A

despedida de empregado sem justa causa encontra-se dentro do poder

potestativo do empregador, não caracterizando, por si só, ato ilícito ou

abuso de direito. No presente caso, todavia, conforme se depreende do

acórdão do Tribunal Regional, restou demonstrado o uso abusivo do

exercício do direito de rescisão contratual por parte do reclamado. Com

efeito, a dispensa da reclamante no início do ano letivo, quando ela

já tinha a expectativa justa e real de continuar como professora da

instituição de ensino reclamada e auferir daí os ganhos

correspondentes, evidencia o abuso do poder diretivo do

empregador de dispensa, notadamente pela dificuldade que a

reclamante teria em lograr vaga em outra instituição de ensino, tendo

em vista o início das aulas. Recurso de revista não conhecido. (Recurso

de Revista nº 246-65.2013.5.04.0531, Segunda Turma do TST, Relatora:

Álvaro Manoel RosindoBourguignon, Julgado em 30/01/2018)

Page 50: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

50

15. TRABALHO NA ESCOLA E EDUCAÇÃO FACE À LDB

Tema controvertido é a questão do trabalho na escola. Este texto tem o

objetivo de apontar os fundamentos jurídicos da questão traçando um paralelo com

o conceito de educação contido na LDB.

A legislação educacional autoriza os estudantes a exercerem tarefas

afetas ao mundo do trabalho na escola? Não restam dúvidas que a resposta é

positiva, na forma do §2º do art. 1º da Lei 9394/96 (LDB): “A educação escolar

deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.

O próprio texto constitucional aborda o trabalho na escola como elemento

fundamental. Assim dispõe o art. 205 da Constituição: “A educação, direito de todos

e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Entretanto, não é qualquer trabalho que deve estar presente no cotidiano

pedagógico. Evidentemente, veda-se a exploração (comercial/industrial/agrária) do

trabalho da criança e do adolescente, visto que o objetivo do legislador foi eleger o

trabalho como um dos princípios educativos que devem informar o currículo escolar.

Note-se que uma das finalidades do Ensino Médio previstas na LDB é a

compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,

relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35, IV).

Salvo raras exceções, sabemos que o trabalho na escola não é percebido

como elemento relevante de formação humana. Ao bem da verdade, a origem desta

dissociação entre o mundo da escola e o mundo do trabalho remonta há pelo menos

dois séculos, quando as instituições escolares foram progressivamente se afastando

do mundo da vida e as salas de aula passaram a ser percebidas como o lugar por

excelência dos processos de aprendizagem.

Page 51: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

51

À despeito de hegemônica, esta concepção sobre trabalho na escola tem

sido verdadeiramente bombardeada por um muitos docentes e teóricos. Note-se

também que os sujeitos da educação são outros, crianças e jovens hiperconectados,

nascidos no século XXI. A tríade sala de aula, quadro negro e monólogo docente

cada vez mais cede espaço a aulas interativas, recheadas com pesquisas,

apresentações, experimentos e comunicação.

Neste cenário, a dimensão do trabalho na escola como elemento

constituinte do currículo pode oferecer excelentes possibilidades de aprendizagem.

Não nos referimos à formação técnica de nível médio (outro segmento previsto na

LDB), mas de oportunidades de aprendizagem de conhecimentos científicos a partir

de processos produtivos reais, concretos. O inciso XI do art. 3º da LDB aponta a

vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais como um dos

princípios do ensino.

O desafio da gestão pedagógica, em diálogo com os docentes das

disciplinas ou áreas de conhecimento, é viabilizar estratégias pedagógicas que

contemplem o mundo do trabalho. Tal providência, indubitavelmente, trará mais vida

à escola, abrindo novos horizontes para a juventude.

Page 52: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

52

16. PROPOSTA PEDAGÓGICA E DIREITO EDUCACIONAL, UM DIÁLOGO

PROMISSOR

Este texto inaugura uma questão que será recorrentemente abordada

pela Escola de Direito Educacional. Proposta pedagógica e direito, o que um tem a

dizer para o outro? Tal pergunta abre janelas para um sem número de

questionamentos.

Há um leque de abordagens verdadeiramente inesgotável, pois os

preceitos normativos de Direito Educacional iluminam a vida escolar. Por isso,

fizemos um recorte de algumas dimensões que julgamos mais pertinentes sobre

proposta pedagógica e direito. Vamos lá!

Seguidamente somos questionados sobre as responsabilidades do

professor no que toca à elaboração da proposta pedagógica. Cabe ao docente de

uma determinada área do conhecimento redigir o PPP ou estudar pedagogia? A

resposta exige que se conceitue proposta pedagógica.

Em apartada síntese, e desde logo pedindo escusas aos estudiosos de

tão relevante assunto, proposta pedagógica diz respeito ao perfil de ser humano que

a instituição educacional pretende formar e o modo pelo qual pretende fazê-lo.

Neste sentido, o PPP contém um conjunto de valores, conhecimentos,

habilidades e competências que a escola elencou como importantes para a vida do

estudante. Igualmente, prevêem-se neste documento estratégias pedagógicas com

o potencial para atingi-los.

Se aceitarmos esta incipiente definição de proposta pedagógica, não

restam dúvidas que é imprescindível a participação do docente na sua elaboração.

Ao menos, é necessário que este se aproprie do PPP.

Page 53: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

53

Como uma professora levará à cabo uma proposta que desconhece?

Imaginemos que o PPP preconize a interdisciplinaridade. Um docente que não se

engajou nesta elaboração terá imensas dificuldades de trabalhar a partir deste

paradigma.

Por tudo isso que o legislador assim dispôs na LDB, visando a adequação

entre proposta pedagógica e direito, a respeito das responsabilidades do docente:

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento

de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica

do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor

rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar

integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao

desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias

e a comunidade.

Este dispositivo indica expressamente quais as responsabilidades legais

do docente na relação entre proposta pedagógica e direito. Ocupando lugar de proa

(inciso I) está o dever de participar da elaboração da proposta pedagógica. Mais que

isso, os outros incisos, direta ou indiretamente, remetem ao PPP. Por exemplo, certo

que uma proposta escolar adequada aos ditames democráticos prevê a participação

da comunidade em seu seio (inciso VI), ou mesmo sobre avaliação.

Enfim, caras e caros, ante o exposto não restam dúvidas que o conjunto

dos professores deve se aproximar de leituras pedagógicas a fim de contribuir na

elaboração e na implementação do PPP. Acertadamente, a legislação é clara neste

aspecto ao ligar proposta pedagógica e direito. Vale registrar que sua inobservância

Page 54: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

54

implica na diminuição expressiva do potencial da educação na promoção e

desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

Page 55: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

55

17. ATOS INFRACIONAIS NAS ESCOLAS SÃO REDUZIDOS GRAÇAS A

PROJETO INOVADOR

Atos infracionais nas escolas do nosso país são diários e o grande

desafio está em reduzir a sua ocorrência. De olho na diminuição de violências físicas

e psíquicas, por exemplo, um município da região metropolitana de Belo Horizonte

(MG) foi pioneiro ao apresentar um projeto inovador em parceria entre escolas e o

Poder Judiciário para reduzir atos infracionais. Entenda no texto como funciona a

proposta.

O projeto é fruto da constatação da realidade de violência nas escolas

brasileiras. As taxas de evasão escolar e de envolvimento com drogas, por exemplo,

são fatores que aumentam a ocorrência de atos infracionais nas escolas. A partir

disso, no final de 2017, a 2ª Vara Criminal da Infância e da juventude do município

de Ribeirão das Neves (MG), juntamente com as escolas do município, lançaram um

projeto visando reduzir a recorrência de atos infracionais no ambiente escolar

praticados por alunos entre o 6º e o 9º anos do ensino fundamental.

Abordando temas como o uso de drogas e a trajetória infracional à luz do

Estatuto da Criança e do Adolescente, este projeto, ainda embrionário, pretende

promover a cidadania e prevenir a violência nas escolas. Nessa linha, um grupo de

profissionais com amplo conhecimento é responsável por conversar com a

comunidade escolar sobre os direitos fundamentais, a importância da participação

dos pais na educação dos filhos, a problemática das drogas e as medidas

socioeducativas previstas no ECA em resposta a atos infracionais.

Os alunos também participam de audiências simuladas, nas quais os

próprios estudantes são os atores e interpretam as pessoas envolvidas numa

audiência judicial (juiz, promotor, defensor, menor infrator e testemunhas). O objetivo

é fazer com que eles reflitam e se coloquem do outro lado, bem como compreendam

que o estudo e o trabalho têm papel fundamental nas suas vidas. A intenção dos

idealizadores é se aproximar de crianças e adolescentes para prevenir atos

Page 56: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

56

infracionais no ambiente escolar, ao invés de simplesmente puni-los. Os criadores

do projeto acreditam que o conhecimento dos sistemas de justiça é decisivo para

que os alunos se sintam mais responsáveis pelos seus atos.

A EDE aposta na promoção do diálogo entre os diversos atores da

sociedade, com a franca abordagem de temas polêmicos, estimulando um ambiente

plural e criando condições para o engajamento dos estudantes no sentido do bom

convívio, com respeito à alteridade e visando, em última análise, a qualificação dos

processos educativos.

Page 57: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

57

18. O QUE O DOCENTE DEVE SABER SOBRE A BASE NACIONAL

COMUM CURRICULAR (BNCC)?

Vigente desde dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular

pretende dispor daquilo que os estudantes devem aprender na Educação Básica, o

que inclui tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los,

apresentando o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos

os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. (BNCC, p.12 e p.5)

Causa espanto um país continental como o Brasil ainda não dispor de um

rol de conhecimentos básicos a serem aprendidos pelos estudantes da educação

básica. A Base Nacional Comum Curricular pretende suprir esta lacuna, indicando

um conjunto de aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas no âmbito escolar.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo

que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que

todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da

Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de

aprendizagem e desenvolvimento. (BNCC, p. 8)

A Base Nacional Comum Curricular contempla competências relativas à

educação infantil e ensino fundamental (está em fase de finalização a Base Nacional

Comum Curricular do Ensino Médio). Tendo em vista que pretende ser uma

referência para construção e adequação do currículo e das propostas pedagógicas

das escolas públicas e privadas, é necessário que os professores e os gestores se

apropriem de seu conteúdo, desenhando suas práticas educativas tendo por

parâmetro suas disposições.

Na prática, deverá ser feito um realinhamento do currículo vigente aos

preceitos da Base Nacional Comum Curricular, o que implica em debruçar-se sobre

as disposições da BNCC no tocante à sua área de trabalho. Por exemplo, as

professoras responsáveis pela alfabetização, em regra dos primeiros anos, deverão

Page 58: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

58

se apropriar do que dispõe a Base Nacional Comum Curricular para reordenar seu

trabalho pedagógico.

O mesmo raciocínio se pode fazer para o professor de História, cuja

tarefa será observar o que a Base Nacional Comum Curricular pretende para esta

disciplina, alinhando seu quefazer docente à BNCC. Por esta razão não há dúvidas

de que a Base Nacional Comum Curricular impactará fortemente na reescrita de

livros didáticos.

Particularmente, cremos que a Base Nacional Comum Curricular será

reinventada pelas escolas. Em matéria de educação não existe a transposição de

conteúdos e práticas. Não obstante, impõe-se o estudo, sublinhando que, ao menos

em uma leitura preliminar, os conteúdos da Base Nacional Comum Curricular não

são alheios às práticas concretas. Ao contrário, eles em boa medida emergiram

dessas práticas. Compreendemos que o esforço maior contido na BNCC é o de

unificação de conhecimentos/aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas nos

quatro cantos do Brasil.

Nesta construção de uma espécie de denominador comum para as

escolas de Norte a Sul do país vislumbra-se a qualificação dos processos

educativos, segundo a Base Nacional Comum Curricular. Porém, sabemos que

mudanças curriculares não são capazes de impactar na qualidade da educação. A

melhoria substantiva da escola passa por um reordenamento do desenho

pedagógico combinada com a robusta valorização dos atores da educação, com

destaque aos professores e à gestão pedagógica.

Enfim, a Base Nacional Comum Curricular é uma realidade e veio para

ficar, e o desafio das redes e escolas é a sua apropriação, visto que estamos

tratando do documento balizador de conteúdos da educação infantil e fundamental.

Por derradeiro, ingressando propriamente no conteúdo da BNCC, optou-se por sua

articulação a partir de competências. Nos termos da Base Nacional Comum

Curricular, as aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem concorrer para

assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que

Page 59: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

59

consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e

desenvolvimento. (BNCC, p. 9)

Compartilhamos abaixo as dez competências gerais contidas na BNCC.

Sua leitura permite concluir o que mencionamos: a Base Nacional Comum Curricular

não é uma ruptura com o que está sendo feito no cotidiano escolar.

COMPETÊNCIAS GERAIS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)

1) Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o

mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,

continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,

democrática e inclusiva.

2) Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das

ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a

criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e

resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos

conhecimentos das diferentes áreas.

3) Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às

mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-

cultural.

4) Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e

escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das

linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar

informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e

produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5) Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e

comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas

sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar

informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer

protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

6) Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de

conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender asrelações próprias

Page 60: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

60

do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao

seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e

responsabilidade.

7) Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para

formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que

respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o

consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento

ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8) Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,

compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as

dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9) Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,

fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,

com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais,

seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de

qualquer natureza.

10) Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,

resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,

democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Page 61: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

61

19. BULLYING NA LDB: NOVIDADE DA LEI 13.663/18 QUE O PROFESSOR

DEVE SABER

A Lei 13.663/18, que altera a LDB, foi sancionada em 14/05/2018

incluindo um tema especialmente pertinente à infância e juventude: bullying.

Na forma da Lei, as escolas deverão incluir em suas propostas

pedagógicas estratégias de prevenção e combate ao bullying, visando à promoção

de uma ‘cultura de paz’.

A Lei 13.663/18 altera o art. 12 da LDB, incluindo a promoção de medidas

de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a

promoção da cultura de paz entre as incumbências dos estabelecimentos de

ensino. [Ementa da Lei sancionada]

Entretanto, desde 2015 está vigente a Lei 13.185, que instituiu

o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território

nacional. A diferença em relação à Lei 13.185 é que com a nova Lei de 14/05/2018 a

promoção de uma cultura de paz ingressará no rol das incumbências dos

estabelecimentos de ensino. A disposição reforça a responsabilidade da escola e

dos professores.

A nosso juízo, a intenção do legislador foi sublinhar a necessidade de a

escola estar atenta à realidade de crescente violência e agressividade. Tal

conclusão decorre do fato de que não há novidades legais sobre bullying na LDB,

visto que a Lei 13.185/2015 já dispõe sobre a necessidade de programas de

enfrentamento à violência e à intimidação sistemática, conforme o artigo 4º.

Confiram:

Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º:

I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em

toda a sociedade;

Page 62: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

62

II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das

ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;

III – implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização

e informação;

IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e

responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;

V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos

agressores;

VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a

sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e

forma de preveni-lo e combatê-lo;

VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a

terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;

VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores,

privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a

efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;

A leitura dos dispositivos supracitados torna evidente que já existem

preceitos normativos suficientes para amparar propostas pedagógicas condizentes

com o cenário educacional contemporâneo, ao menos no que diz sobre a questão

da violência. Ou seja, a disposição de combate ao bullying na LDB reforça estas

propostas.

Por isso, entendemos que pouco adianta produção legislativa sem

correspondência em políticas públicas que as cumpram (e financiamento, diga-se!).

Neste caso, temos uma legislação recente, datada de 2015, que preconiza a

capacitação de docentes e equipes pedagógicas, a assistência psicológica, social e

jurídica às vítimas, dentre outras pretensões alvissareiras, e, salvo raríssimas

exceções, nenhuma implementação. Esperamos que a previsão do bullying na LDB,

como programa de combate, sirva para impulsionar a implementação de tais

práticas.

Page 63: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

63

20. REPROVAÇÃO DE ALUNO ÀS VÉSPERAS DA FORMATURA E SUA

(I)LEGALIDADE

A reprovação de um aluno foi às vésperas da sua formatura no ensino

médio. O estudante foi aprovado no vestibular e mesmo assim a justiça não

considerou a reprovação do aluno ilegal. Por quê?

Um estudante, representado por sua mãe, ajuizou ação de indenização

contra uma instituição de ensino por ter sido reprovado. A reprovação do aluno do

ocorreu logo antes da sua formatura. O estudante alegou que sofreu

constrangimento pela comunicação da reprovação às vésperas da colação de grau

do ensino médio. A mãe disse, ainda, que o filho foi aprovado no vestibular, caso em

que, segundo ela, a reprovação teria sido irregular.

A reprovação do aluno, conforme o colégio, ocorreu porque ele não

obteve notas mínimas durante o ano letivo. Demonstrou que as notas em história e

em sociologia, que resultaram na reprovação do aluno, foram inferiores a 5 (cinco).

Referiu, ainda, que nestes casos a reprovação do aluno está prevista no Regimento.

Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou

correta a reprovação do aluno. Assim, reformou a decisão do juiz de primeiro grau.

Os Desembargadores ressaltaram que, mesmo a reprovação tendo sido comunicada

às vésperas da colação de grau, este fato por si só não configura dano indenizável.

O Tribunal concluiu que o desempenho escolar do estudante não era

satisfatório. Por isso entendeu que a reprovação do aluno era previsível e provável.

Para os julgadores a aprovação no vestibular ou a data da comunicação não tornam

a reprovação do aluno ilícita. Eles acrescentaram que o colégio não impediu que o

aluno reprovado participasse da cerimônia para evitar situação desconfortável.

Confiram abaixo a ementa do Acórdão proferido pelo TJRJ:

Page 64: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

64

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO

DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS

MATERIAIS E MORAIS. [...]. AUTOR, ALUNO DA 3ª SERIE DO ENSINO

DO MÉDIO DO COLÉGIO APELANTE, QUE ALEGA TER SUPORTADO

DANOS MATERIAIS E MORAIS EM RAZÃO DA NOTÍCIA DE SUA

REPROVAÇÃO DADA PELO RÉU, ÀS VESPERAS DE SUA COLAÇÃO

DE GRAU. ELEMENTOS PROBATÓRIOS CARREADOS AOS AUTOS

QUE DEMONSTRAM A CORREÇÃO DO PROCEDIMENTO DE

REPROVAÇÃO ADOTADO. REPROVAÇÃO QUE SE FAZIA

PREVISÍVEL PELO AUTOR. COMUNICAÇÃO DA REPROVAÇÃO ÀS

VÉSPERAS DE SUA COLAÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO TEM O

CONDÃO DE CONFIGURAR ATO ILÍCITO POR PARTE DO RÉU.

AUTOR QUE NÃO FOI IMPEDIDO DE PARTICIPAR DA CERIMÔNIA DE

COLAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELO AUTOR,

NESSES AUTOS, DE QUE TENHA SOFRIDO CONSTRANGIMENTOS

NA ALUDIDA CERIMÔNIA. PROVIMENTO DO RECURSO. (Apelação

Cível nº 0078405-28.2012.8.19.0001, TJRJ, 23ª Câmara Cível, Relatora:

MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO)

Page 65: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

65

21. JORNADA DE TRABALHO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO: 1/3

EXTRACLASSE?

É consenso nacional que a remuneração dos docentes integrantes das

redes públicas da educação básica é baixa. Deveria estar em um patamar

substancialmente mais elevado. Pesquisas apontam que professores recebem, em

média, 39% menos que profissionais com igual escolaridade.7

Face a este quadro foi aprovada em 2008 a Lei 11.738, que instituiu o

piso salarial profissional para os profissionais do magistério público da educação

básica. A lei prevê, entre outros direitos, atividades na razão de 1/3 extraclasse na

jornada de trabalho.

Conhecida no meio educacional como a ‘Lei do Piso’, seu objetivo foi

implementar, gradativamente, uma valorização salarial condizente com as

demandas pela melhoria da educação pública brasileira. Instituiu-se um piso salarial,

base sobre o qual incide os planos de carreira do magistério.

Esta questão foi - e ainda é - objeto de ampla divulgação, desde os meios

de comunicação, passando por mobilizações e greves. Pouco discutido é o direito ao

chamado 1/3 extraclasse nas atividades. Sobre o trabalho do professor da rede

pública, vejamos o §4º do artigo 2º da referida lei:

§4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo

de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades

de interação com os educandos.

7 Professor recebe até 39% menos que profissional com igual escolaridade.

(http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1832095-professor-recebe-ate-39-menos-que-profissional-com-igual-escolaridade.shtml)

Page 66: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

66

Tal dispositivo é de uma clareza solar quando a necessidade de se

resguardar 1/3 do tempo para atividades extraclasse na jornada de trabalho. Ciente

de que o trabalho docente não começa nem termina na sala de aula, o legislador

pretendeu oferecer condições para sua boa realização reservando 1/3 extraclasse.

Na realidade, bem se sabe que o direito à 1/3 extraclasse na jornada de

trabalho é insuficiente para todos os compromissos fora da sala de aula. Preparação

de aulas e organização de atividades, leituras, correção de provas, orientação de

trabalhos, participação de reuniões pedagógicas e de formação, etc.

Mesmo estando previsto na lei, este direito tem sido tema de controvérsia

em âmbito judicial. Alguns estados insistem em descumprir o direito do professor da

rede pública de cumprir suas atividades na razão de 1/3 extraclasse.

É o caso do Rio Grande do Sul, em que o Tribunal de Justiça não

reconhece o direito de 1/3 extraclasse na jornada quando provocado pelos

professores. O entendimento é que a legislação padece de inconstitucionalidade,

visto que versa sobre regulamentação de carga horária cuja competência é do

próprio estado ou do município, conforme o caso. Segue o exemplo de decisão:

RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA

FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BAGÉ. SERVIDOR PÚBLICO

MUNICIPAL. MAGISTÉRIO. HORA ATIVIDADE. ART. 2º, §4º, DA LEI

11.738/08. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DO

TJRS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.[...]3. O egrégio

TJRS, através do Órgão Especial, julgou de forma incidental a

inconstitucionalidade do artigo 2º, § 4º da Lei Federal nº 11.738/2008

(70059092486), o qual continha a reserva de 1/3 da jornada dos

professores para as atividades extraclasse, por invadir a esfera de

competência dos demais entes federados, nos termos do disposto

no ADCT- artigo 60, inciso III, alínea “e”. [...] (Recurso Cível Nº

71007049372, Primeira Turma Recursal Provisória Fazenda Pública,

Page 67: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

67

Turmas Recursais, Relator: Marialice Camargo Bianchi, Julgado em

30/11/2017).

Entretanto, compreendemos que este não é o melhor entendimento

sobre o 1/3 de atividades extraclasse na jornada do magistério público. Tanto do

ponto de vista pedagógico quanto do ponto de vista jurídico.

Sobre o primeiro, cremos não haver dissonância sobre a necessidade de

tempo fora de sala de aula para que os professores bem exerçam seu trabalho. Do

ponto de vista jurídico, tal posição parece-nos igualmente frágil, pois olvida do

essencial: é imprescindível que tenhamos condições de apostar na qualidade de

nossos processos educativos.

Consigne-se que a garantia de padrão de qualidade inscreve-se na

principiologia do Direito Educacional, na forma do inciso VII do art. 206 da

Constituição Federal. E parece-nos imprescindível tempo de preparação para um

trabalho de qualidade. Ou seja, o direito de 1/3 extraclasse na jornada de trabalho

do magistério público deve ser respeitado.

Nessa linha, os Tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais já

reconheceram o direito de 1/3 extraclasse. Assim, obrigaram as das redes estaduais

e municipais a se adequar à jornada de trabalho conforme o disposto na Lei 11.738.

Vejam estas duas decisões:

AÇÃO ORDINÁRIA – Professora Municipal – Jornada de trabalho

admitida pela Lei nº 11.738/08, com dedicação de 2/3 em interação

com o aluno, e 1/3 em atividades exclasse – Mantida a obrigação de

fazer concernente à adequação da jornada de trabalho – Pleito de

indenização ou recebimento de horas extraordinárias que não se

sustentam no sistema jurídico vigente – Legislação Municipal que

regulamentou a matéria (Lei Complementar Municipal nº 52/13 e Decreto

Municipal nº 3.074/13) – [...]. (TJSP; Apelação 0008656-

50.2014.8.26.0229; Relator (a): Rebouças de Carvalho; Órgão Julgador:

Page 68: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

68

9ª Câmara de Direito Público; Foro de Hortolândia - 2ª Vara Judicial; Data

do Julgamento: 09/03/2017; Data de Registro: 09/03/2017).

APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - PISO NACIONAL DO

MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA - LEI FEDERAL N.

11.738/2008 - CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF - ADI

N. 4.167 - CÁLCULO SOBRE A REMUNERAÇÃO - EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO - MODULAÇÃO DOS EFEITOS - CÁLCULO SOBRE O

VENCIMENTO BÁSICO A PARTIR DE 27 DE ABRIL DE 2011 - LEI

ESTADUAL N. 18.975/2010 - INSTITUIÇÃO DO SUBSÍDIO - PARCELA

ÚNICA - PAGAMENTO ABAIXO DO PISO DE JULHO A DEZEMBRO DE

2011 - DIFERENÇAS DEVIDAS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO -

JORNADA DE TRABALHO EM DESACORDO COM A LEI 11.738/08 -

ATIVIDADES INTRA E EXTRA CLASSE NÃO ADEQUADAS PELA LEI

MUNICIPAL - HORAS EXTRAS NÃO COMPROVADAS. [...] O §4º, do

art. 2º, da Lei Federal nº 11.738/08 determina que na composição da

jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois

terços) da carga horária para o desempenho das atividades de

interação com os educandos. [...] (TJMG, Apelação nº 0005989-

95.2015.8.13.0398, 8ª CÂMARA CÍVEL, Des.(a) Ângela de Lourdes

Rodrigues, julgado em: 28/11/2017).

Page 69: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

69

22. ASSÉDIO MORAL E SÍNDROME DE BURNOUT ENTRE PROFESSORES

NAS ESCOLAS

Atualmente, uma parte significativa dos docentes da educação básica

brasileira passa ou já passou por transtornos mentais ou emocionais. A combinação

de assédio moral e síndrome de Burnout agravam isto. A intensa rotina somada às

condições de trabalho não raras vezes precária criam as condições para que muitos

professores não aguentem a pressão.

Basta dizer que em 2016 a Secretaria de Educação do Estado de São

Paulo concedeu 128.178 licenças médicas. A principal causa de afastamento foi de

ordem psíquica, responsável por 27,8% dos casos.8 Aqui começam a aparecer

indícios da relação entre assédio moral e síndrome de Burnout nas escolas.

Neste contexto, há que se aventar a hipótese de ocorrência de assédio

moral nas instituições de ensino. Por outro lado, há pesquisas que revelam a

prevalência da síndrome de Burnout, ou do esgotamento, dentre docentes.

Aparentemente dissociados, assédio moral e síndrome de Burnout dizem respeito ao

ambiente de trabalho, ao espaço e às relações ali estabelecidas.

Ramos e Gália (2015) assim definem assédio moral: “Trata-se de uma

psicologia do terror, ou simplesmente, psicoterror, comumente denominado, o qual

se manifesta no ambiente de trabalho por uma comunicação hostil direcionada a um

indivíduo ou mais.” Na sequência, aludem os autores que “... o assédio moral

deflagra uma verdadeira guerra psicológica no local do trabalho, agregando dois

fenômenos: o abuso de poder, o qual é rapidamente desmascarado e não é aceito

necessariamente pelos empregados, bem como a manipulação perversa, instalando-

se de forma insidiosa, mas não menos devastadora que o abuso de poder”.9

8 Fonte: http://educacao.estadao.com.br/blogs/de-olho-na-educacao/como-vai-a-saude-dos-nossos-

professores/ 9 Ramos, Luis Leandro Gomes; Galia, Rodrigo Wasem. Assédio Moral no Trabalho. 2ª Ed. Livraria do

Advogado.

Page 70: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

70

O desrespeito reiterado ao trabalho docente, a agressividade no trato, o

abuso de poder e as cobranças excessivas estão no bojo da relação entre assédio

moral e síndrome de Burnout. Trata-se, sobretudo, da violação da dignidade do

professor. A ocorrência de eventos desta natureza não pode “ser colocada embaixo

do tapete”. O silêncio em face do assédio moral, inclusive, pode ser um dos fatores

desencadeadores da síndrome de Burnout.

Conforme a psicóloga Nádia Maria B. Leite, a síndrome de Burnout

consiste em “um estado de sofrimento que acomete o trabalhador quando este sente

que já não consegue fazer frente aos estressores presentes no seu cotidiano de

trabalho. Diferentemente do estresse, que se caracteriza pela luta do organismo no

sentido de recobrar o equilíbrio físico e mental, a síndrome de Burnout compreende

a desistência dessa luta. Por isso se diz que Burnout é a síndrome da desistência

simbólica, pois embora não se ausente fisicamente do seu trabalho, o profissional

não consegue se envolver emocionalmente com o que faz.”10

Tratamos aqui de exaustão emocional, decorrente da corrosão de um

comprometimento com o trabalho docente. Esta corrosão tem a ver com as

frustrações vivenciadas e os conflitos que marcam um percentual elevado de nossas

escolas.

Acreditamos que é imprescindível compreender a relação entre assédio

moral e síndrome de Burnout para construir estratégias coletivas e individuais de

superação e enfrentamento. Ambiente de trabalho que respeite à dignidade humana

é direito de todos. Assédio Moral diz respeito à abuso de poder, e como tal deve ser

abordado pelos professores. Síndrome de Burnout deve ser conhecida pelo

esgotamento emocional, dores e angústias.

Encaminhamento de situações vivenciadas ao sindicato, consulta a

advogados ou denúncia no Ministério Público do Trabalho são medidas a serem

consideradas, caso a caso.

10

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/conteudoJornal.html?idConteudo=38

Page 71: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

71

Nestes espaços, também se constroem alternativas reflexivas e de ação

para contornar questões de assédio moral e síndrome de Burnout. Segundo Nádia

Maria Leite, “esse suporte social no trabalho é grande aliado na redução dos níveis

de Burnout”. Quem sabe não residam aí alguns itinerários interessantes para

educadores reduzirem a ocorrência de assédio moral e síndrome de Burnout nas

suas escolas?

Page 72: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

72

23. É LÍCITO DEMISSÃO DE PROFESSOR NO INÍCIO DO ANO LETIVO?

Demissão de professor no início do ano letivo caracteriza ato ilícito pelo

empregador passível de indenização. No caso, a professora ficou sem emprego e

sem tempo de conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. A professora

demitida ajuizou ação trabalhista por danos morais contra um Centro de Ensino. Ela

disse ter sido prejudicada na rescisão do contrato de trabalho no início do ano letivo.

A docente alegou, com razão conforme o tribunal, que foi demitida neste

período para evitar nova colocação no mercado. A demissão de professor a esta

altura é não é correta porque as instituições de ensino já estão com o seu quadro

docente fechado.

Em Brasília, o Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão do

Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). Os julgadores ressaltaram que,

pelo período de início do ano letivo, a demissão de professor se caracteriza uso

abusivo do direito de rescisão contratual de trabalho.

O Direito é claro em casos como este. A teoria da responsabilidade civil

pela perda de uma chance é evidenciada pela falta de boa-fé na demissão no início

do ano letivo. Isto porque a professora tinha a justa expectativa de um resultado

positivo, ou seja, estar empregada. Motivo pelo qual a demissão não pode ser vista

como mero ato administrativo da instituição. Por não ser mais possível iniciar o

trabalho em outra escola, houve prejuízo material indenizável.

Confiram abaixo a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal Superior do

Trabalho sobre o caso:

Ementa: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI

13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERDA DE UMA

CHANCE. PROFESSORA. DISPENSA NO INÍCIO DO ANO LETIVO. De

acordo com a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance,

Page 73: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

73

o prejuízo material indenizável é aquele decorrente de uma probabilidade

séria e real de obtenção de um resultado positivo legitimamente esperado

pela vítima que é obstado por ato ilícito praticado pelo ofensor. A

despedida de empregado sem justa causa encontra-se dentro do poder

potestativo do empregador, não caracterizando, por si só, ato ilícito ou

abuso de direito. No presente caso, todavia, conforme se depreende do

acórdão do Tribunal Regional, restou demonstrado o uso abusivo do

exercício do direito de rescisão contratual por parte do reclamado. Com

efeito, a dispensa da reclamante no início do ano letivo, quando ela

já tinha a expectativa justa e real de continuar como professora da

instituição de ensino reclamada e auferir daí os ganhos

correspondentes, evidencia o abuso do poder diretivo do

empregador de dispensa, notadamente pela dificuldade que a

reclamante teria em lograr vaga em outra instituição de ensino, tendo

em vista o início das aulas. Recurso de revista não conhecido. (Recurso

de Revista nº 246-65.2013.5.04.0531, Segunda Turma do TST, Relatora:

Ministra Delaíde Miranda Arantes, Julgado em 04/10/2017)

Page 74: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

74

24. ATIVIDADES EXTRACLASSE CONTAM PARA APOSENTADORIA DO

PROFESSOR?

Sabemos que o exercício do magistério é especialmente desgastante,

face a outras atividades profissionais. O dia de trabalho exige atenção permanente,

visto que cabe ao professor ministrar conteúdos ou coordenar atividades de

aprendizagem a grupos grandes de crianças e jovens. Por esta razão,

prudentemente o texto constitucional previu tempo de aposentadoria do professor

reduzido.

O art. 40, parágrafo 5º, da Constituição Federal, dispõe acerca da

aposentadoria do professor. Diz que “Os requisitos de idade e de tempo de

contribuição serão reduzidos em 5 (cinco) anos, em relação ao disposto no §1º, III,

a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das

funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.

Questão controversa é quando o professor exerceu a docência em sala

de aula um tempo e em atividades extraclasse em outro período. O que é bastante

comum entre docentes, diga-se. Sendo assim, como fica a sua aposentadoria?

Tal controvérsia fazia sentido, pois o texto legal remete à exclusivamente

tempo de exercício das funções de magistério. Tal questão, objeto de embates nos

Tribunais de Justiça Brasil afora, obteve manifestação do Supremo Tribunal Federal

em fins de 2017.

Resumidamente, afirmou a corte suprema que o tempo de serviço

prestado pelo docente em atividades extraclasse, em funções relacionadas ao

magistério, deve ser computado para a concessão da aposentadoria. E isto na

forma especial prevista no parágrafo 5º do art. 40 da Constituição Federal.

Em síntese, o STF reafirmou o seu entendimento sobre a aposentadoria

do professor. Esta deve ser na forma especial constitucionalmente prevista. O caso

Page 75: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

75

que deu origem à decisão é de uma professora da rede pública de Santa Catarina.

Ela requereu aposentadoria especial após ter exercido, entre 1985 e 2012, as

funções de professora regente de classe, auxiliar de direção, responsável por

secretaria de escola, assessora de direção e responsável por turno.

O INSS não concedeu a aposentadoria do professor na forma especial. A

decisão do juiz de primeira instância, contudo, determinou a concessão da

aposentadoria a partir de janeiro de 2013 à professora devido às atividades

extraclasse. Ao julgar o recurso do estado, o Tribunal de Justiça de SC apenas

retirou do cômputo da aposentadoria especial o período em que a professora

trabalhou como responsável por secretaria de escola. No STF, foi reafirmado o

entendimento, válido em todo país, sobre a aposentadoria da professora.

A corte suprema compreende que atividades meramente administrativas

não podem ser consideradas como magistério. Na interpretação do órgão judiciário

sobre a LDB, além da docência, atividades de direção de unidade escolar,

coordenação e assessoramento pedagógico, desde que exercidas por professores

em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis, contam para

efeito de aposentadoria de modo especial.

Resumindo, as atividades que se abrigam no conceito de magistério

contam para aposentadoria do professor. Assim, foi fixada pelo STF a seguinte tese

de repercussão geral: “Para a concessão da aposentadoria especial de que trata o

artigo 40, parágrafo 5º, da Constituição, conta-se o tempo de efetivo exercício, pelo

professor, da docência e das atividades de direção de unidade escolar e de

coordenação e assessoramento pedagógico, desde que em estabelecimentos de

educação infantil ou de ensino fundamental e médio”.

Page 76: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

76

25. OFENSA À DOCENTE EM REDES SOCIAIS E O DANO MORAL?

Ofensa à docente em redes sociais é uma questão bastante sensível hoje

em dia. A grande maioria das pessoas se relaciona com outras na internet. Assim,

tudo que é compartilhado em redes sociais tem o potencial de atingir enormes

proporções.

Nessa linha manifestou-se o uma turma recursal do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul, ao analisar uma ofensa à docente em redes sociais proferida

pela mãe de um estudante:

As palavras registradas em rede social não têm barreiras, o alcance delas

transcende a esfera restrita de quem escreve e compartilha mensagens e fotos. Não

raro as notícias veiculadas em comunidade virtual geram consequências mais

nefastas e gravosas do que o fato debatido, incitando ainda mais violência, por isso,

há que se ter cautela no uso dessa ferramenta de comunicação tão poderosa. (Nº

71007158827, CNJ 0058239-11.2017.8.21.9000)

Ninguém questiona o fato de que as redes sociais são uma das esferas

de sociabilidade mais importantes destes nossos tempos. Colegas do milênio

passado lembram que houve uma época em que a internet e suas plataformas não

compunham a tessitura da vida cotidiana, em que caixas de emails não existiam e,

quando criadas, eram verificadas poucas vezes na semana. Ah, e o número 138 era

o que havia de mais próximo a conversas coletivas (mais sobre o 138, pergunte aos

seus pais ou avós).

Ocorre que desde meados do século XXI as redes sociais crescem em

proporção geométrica. Vivemos em tempos de hiperconexão. O sujeito

contemporâneo constitui sua identidade a partir das redes sociais. Parte significativa

da percepção de si mesmo constrói nas relações estabelecidas nas plataformas de

relacionamento.

Page 77: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

77

Deste modo, cada vez mais as redes sociais carregam um potencial de

repercussão incomparável com as outras mídias, e postagens inadvertidamente

feitas tem um alcance muito grande.

Abordadas sob o prisma da educação, tais assertivas exigem redobrada

atenção. A escola é um espaço que congrega a diversidade, em todas as suas

variantes. A convivência entre os diferentes deve ser pauta permanente da proposta

pedagógica.

Do contrário, estamos a produzir um verdadeiro barril de pólvora, pois os

estudantes carregam preconceitos, violências reprimidas, diferenças entre si,

agressividade, revolta; enfim, facetas da espécie humana por vezes potencializada

pelos hormônios da adolescência.

Do ponto de vista docente, há que se ter a percepção de que a identidade

docente também se constitui em redes sociais, e a defesa de sua imagem

profissional é questão que se impõe quando afrontada. Ofensas feitas por alunos ou

pais direcionadas a professores, devem prontamente receber respostas

contundentes, eventualmente com o registro de ocorrência por calúnia, injúria ou

difamação, conforme a tipificação no Código Penal, e ingresso de ação indenizatória

por danos morais.

No caso anteriormente mencionado, uma professora foi ofendida por

comentários francamente desabonadores pela mãe de uma criança, insatisfeita com

o modo como seu filho teria sido tratado. Ao invés de ir à escola e conversar com a

docente ou os responsáveis pedagógicos, a mãe optou por “desabafar” em redes

sociais. Tais comentários, que diziam respeito à esfera particular dos envolvidos,

teve eco em toda comunidade, com evidentes reflexos na esfera moral da

professora.

Por essa razão, a genitora foi condenada ao pagamento de indenização a

titulo de danos morais. Abaixo, destacamos o resumo de decisão do TJRS:

Page 78: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

78

Ementa: RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS

MORAIS CONFIGURADOS. COMENTÁRIOS DESABONATÓRIOS

CONTRA PROFESSORA EM REDE SOCIAL VIRTUAL (FACEBOOK).

FATOS COMPROVADOS MEDIANTE PROVA DOCUMENTAL. Ainda

que a ré não tenha citado o nome da autora nos comentários realizados

em rede social virtual, a menção de que o filho fora agredido pela

professora permite a sua identificação por todos que integram o núcleo

social escolar, notadamente os pais de outras crianças com seus filhos na

mesma escola. O fórum adequado para esclarecimento dos fatos ou para

alcançar punição administrativa/judicial da professora não é a rede social.

Ao narrar o que ouviu do filho, uma criança de cinco anos, na rede social,

a autora deu eco a fatos que não deveriam desbordar da esfera particular

dos envolvidos. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

(Recurso Cível Nº 71007158827, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas

Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em

11/10/2017)

Page 79: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

79

26. INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE ESCOLAR: A

RESPOSTA DO DIREITO

A indenização por assédio moral na escola é certa quando o direito é

chamado a resolver a questão. Sejam quais forem os envolvidos, o judiciário está

atento a esta questão. Entenda a seguir como funciona a indenização por assédio

moral sob a ótica do direito em um caso prático.

Trata-se de uma professora que, após candidatura a diretora da escola,

passou a sofrer uma série de perseguições por parte da docente que vencera no

pleito. A partir desta disputa, a diretora passou a perseguir a professora, boicotando-

a no conjunto das atividades escolares. As testemunhas foram praticamente

unânimes em afirmar a existência de assédio moral.

Algumas atitudes caracterizam casos semelhantes e que são passíveis de

indenização por assédio moral. Tais como: importunar, perseguir, ofender, agredir,

difamar ou humilhar, por exemplo. Chamar de “louca” ou “maluca” também implica

em condenação a pagar indenização.

O dever de pagar indenização por assédio moral depende da

configuração da responsabilidade civil. Esta compreende os seguintes elementos

essenciais: ação ou omissão + dano + nexo de causalidade + elemento subjetivo.

O primeiro elemento diz respeito à ação ou omissão do agente cujo

resultado deu causa ao ato ilícito. O segundo fala por si: o dano provocado, no caso

o abalo moral, o sofrimento. O terceiro diz sobre o vínculo fático entre o ato e o

dano.

O último elemento constituinte da responsabilidade civil é a intenção do

sujeito em praticar a ação ou omissão. No caso de responsabilidade civil e

consequente condenação de escola pública em indenização por assédio moral

Page 80: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

80

praticado por funcionário, este último elemento é desnecessário, conforme artigo 43

do Código Civil.

Portanto, podemos listar quatro requisitos que caracterizam assédio moral

na escola. Primeiro, o conflito acontece no ambiente escolar. Segundo, as ofensas

ocorrem por um certo tempo. Terceiro, a vítima se encontra em constante posição de

inferioridade. Quarto, a intenção de perseguição do ofensor. Sendo assim, para o

direito fica claro o dano à dignidade e o dever de indenização.

Page 81: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

81

27. AGRESSÃO À PROFESSORA EM SALA DE AULA: O PODER PÚBLICO

É RESPONSÁVEL?

A violência é uma das principais preocupações de professoras e

professores Brasil afora. A EDE recebe diariamente dezenas de mensagens e

emails solicitando apoio e orientação para tomada de providências imediatas, diante

de um quadro que vem se agravando nos últimos anos. Agressão à professora em

sala de aula é um tema sério e assim deve ser tratado.

Pretendemos aqui compartilhar com as professoras e professores uma

decisão emblemática do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que

deu ganho de causa a uma professora que ingressou em juízo requerendo

indenização por danos morais em razão de agressões que sofreu dentro da

escola pública em que trabalhava.

A agressão física e moralmente ocorreu enquanto estava em sala de aula,

em período letivo. A sala em que estava foi invadida por um sujeito estranho à

escola, que a agrediu violentamente. Em razão disso, a professora sofreu grave

abalo emocional, vindo a desenvolver síndrome do pânico. Na instrução do

processo, foram comprovadas as alegações de agressão à professora.

Estes episódios foram levados ao Poder Judiciário, que atendeu aos

reclamos da cidadania. Condenou o ente público ao pagamento de indenização a

título de danos morais e materiais no importe de R$ 25.000,00. E o que

fundamentou esta decisão? O substrato jurídico que embasou o acórdão é que o

Poder Público tem o dever de “proteção e garantir a integridade física dos agentes

durante a prestação do serviço público”.

A Constituição Federal estabelece que o Estado deve responder,

objetivamente, pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade (art. 37,

§6º). Vale transcrever o fragmento do voto da relatora, Desembargadora Fátima

Rafael:

Page 82: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

82

Dessa forma, é necessário comprovar ação ou omissão da

Administração Pública, ligado por nexo de causalidade a um

resultado danoso. Ou seja, para a caracterização do dever de o

Estado indenizar em casos de omissão, deve a parte ofendida

demonstrar que a conduta culposa ou dolosa que ensejou o dano

tem como causa o desatendimento dos padrões de empenho de

serviços legalmente exigíveis.

No caso, após detida análise das provas acostadas aos autos, é

possível concluir que houve omissão do Distrito Federal, na medida

em que não garantiu a adequada segurança do estabelecimento de

ensino, nem do corpo discente, nem do docente.

De nossa parte, louvamos decisões judiciais que reconhecem os direitos

da classe docente. Neste caso de agressão à professora, chamamos a atenção que

o processo foi bem instruído. A decisão do TJDFT indica com clareza as provas

trazidas ao feito: vídeos em que se percebe a entrada na escola do agressor; laudos

médicos que atestam peremptoriamente os danos sofridos pela professora; prova

testemunhal revelando detalhes da lamentável agressão.

Colacionamos a ementa do Acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. DIREITO

CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DISTRITO FEDERAL.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.

INVASÃO E AGRESSÃO DE PROFESSOR EM ESCOLA PÚBLICA.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO NO SERVIÇO DE

PROTEÇÃO E SEGURANÇA. NEXO CAUSAL EXISTENTE. APELAÇÃO

DO RÉU NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE

PROVIDA. 1. Para que surja o dever de o Estado indenizar em casos de

omissão, deve a parte ofendida demonstrar que o dano tem como causa o

desatendimento dos padrões de empenho exigíveis no caso. 2. É

Page 83: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

83

necessário comprovar o nexo de causalidade entre a omissão e os danos,

impondo-se a demonstração de que o dano é consequência direta da

omissão dos agentes públicos ou do mau funcionamento de serviço afeto

à Administração Pública. 3. Há nexo causal entre os danos sofridos

por professora de escola pública decorrentes de agressões

perpetradas por estranho invasor e a omissão de o Distrito Federal

dar proteção e garantir a integridade física dos agentes durante a

prestação do serviço público. [...]. (Processo nº 20150110793414APC,

TJDFT)

Page 84: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

84

28. REDUÇÃO DO SALÁRIO DE PROFESSOR SEM MOTIVO GERA DANOS

MORAIS

Diminuição do número de alunos não é motivo razoável para redução do

salário de professor. Esta medida é ilegal e gera danos morais. Entenda a seguir.

Uma professora universitária teve seu salário reduzido pela instituição por

alegada diminuição do número de alunos. Por isso, ingressou com ação contra a

instituição de ensino superior pedindo, entre outros direitos, pagamento de danos

morais.

A professora afirmou que a redução do seu salário ocorreu no segundo

semestre de 2006, perdurando até o final do seu contrato de trabalho. Ou seja, até

agosto de 2008. A universidade alegou que a diminuição no número de alunos foi

responsável pela redução salarial da docente.

A primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho não reconheceram

o direito da professora. Na instância superior, por outro lado, o Tribunal Superior do

Trabalho condenou a faculdade a indenizar a professora. Os Ministros entenderam

que a redução do salário não teve razão suficiente. Além disso, reconheceram que a

situação vivenciada pela docente dá ensejo à indenização por danos morais,

estando em consonância com os artigos 186 e 927 do Código Civil.

A Relatora, Ministra Kátia Arruda, referiu: “A redução salarial, por longo

período, sem motivação, provoca inequívoco abalo moral, pois foi claramente lesiva

à trabalhadora, a qual se viu privada da sua remuneração no patamar em que vinha

recebendo”.

Confira o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA. ANTERIOR À LEI Nº 13.015/2014, À

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST E À LEI Nº 13.467/2017.

Page 85: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

85

RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...]. 2 –

Contudo, é devida a indenização por danos morais decorrentes da

redução salarial. A empresa, estabelecimento de ensino superior,

reduziu o salário da reclamante, professora, do segundo semestre de

2006 até o término do contrato em 07/08/2008, sem que tenha

provado o motivo alegado: suposta diminuição do número de

alunos. A redução salarial, por longo período, sem motivação, provoca o

inequívoco abalo moral, pois a redução salarial foi claramente lesiva à

recorrente, a qual se viu privada da sua remuneração no patamar em que

vinha recebendo. [...]. (TST, 6ª Turma, Relatora: Ministra Kátia Magalhães

Arruda, RR-94700-50.2009.5.06.0017, 09/02/2018).

Page 86: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

86

29. HORAS EXTRAS POR SUPERVISÃO DE ESTÁGIO É DIREITO DE

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Professora universitária conseguiu reconhecimento na justiça de

supervisão de estágio como parte da jornada. Isto implica em pagamento de horas

extras. Entenda o caso.

Uma professora universitária de enfermagem lecionava no curso e

realizava supervisão de estágio de alunos em unidades de saúde. A professora

alegou que deixou de receber pela supervisão de estágio de alunos. Por isso,

ingressou com ação contra a instituição de ensino superior pedindo, entre outros

direitos, pagamento de horas extras.

A professora afirmou que foi admitida pela jornada de trabalho do artigo

318 da CLT. Referiu que a jornada máxima no mesmo estabelecimento de ensino de

4h aulas consecutivas ou 6h intercaladas não foi respeitada. O pedido de horas

extras não foi suficientemente contestado pela instituição. A universidade não negou

que a professora realizava supervisão de estágio, mas apenas que recebia por

atividades extraclasse. O que, diga-se, não é igual às horas extras.

A primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho não reconheceram

o direito da professora às horas extras. Na instância superior, por outro lado, o

Tribunal Superior do Trabalho condenou a universidade a pagar horas extras. Os

Ministros entenderam que a supervisão de estágio não pode ser considerada

atividade extraclasse inerente à função de professor, como correção de provas ou

preparação das aulas.

A Relatora, Ministra Maria de Assis Calsing, condenou a universidade ao

pagamento de horas extras pela supervisão de estágio. Assim, ela concluiu que “as

atividades de supervisão de estágios, de forma concomitante com a ministração de

aulas, estavam inseridas na jornada laboral do professor, e estão, portanto, sujeitas

à observância da jornada específica da categoria prevista no artigo 318 da CLT”.

Confira o acórdão:

Page 87: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

87

RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO

NOVO CPC. PROFESSOR. HORAS EXTRAS. ATIVIDADES DE

SUPERVISÃO DE ESTÁGIO. A Lei n.º 11.788/2008 que trata da

obrigatoriedade do estágio supervisionado como parte integrante da

grade curricular, além de estabelecer que este faz parte do projeto

pedagógico do curso, integrando o itinerário formativo do educando,

dispõe expressamente sobre a necessidade de que a sua supervisão

seja, no âmbito da instituição de ensino, realizada por professor

orientador, sendo irregular o estágio quando não observada tal instrução,

de sorte que, regra geral, o valor da hora-aula pago deve corresponder ao

valor da hora-aula normal do professor. [...]. Desse modo, considerando

que o Regional esclareceu que a Reclamante exercia, de forma

concomitante com a ministração de aulas, a supervisão das atividades de

estágio, o que também se insere no exercício da docência, são devidos

as horas extras e reflexos postulados, com base na jornada de trabalho

dessa categoria, prevista no art. 318 da CLT. [...]. (TST, 4ª Turma,

Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing, RR-1393-16.2014.5.09.0091,

03/03/2017).

Page 88: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

88

30. RIO GRANDE DO SUL NÃO IMPLEMENTOU O DIREITO À 1/3

EXTRACLASSE. POR QUÊ? O QUE FAZER?

O estado do RS não implementou o direito à 1/3 em atividades

extraclasse na atividade do docente. Este direito não é reconhecido pelo Poder

Público aos professores gaúchos. Neste cenário, o que fazer?

Sabemos que a remuneração dos docentes integrantes das redes

públicas da educação básica é baixa. Deveria estar em um patamar

substancialmente mais elevado. Pesquisas apontam que professores recebem,

em média, 39% menos que profissionais com igual escolaridade.

Diante deste quadro foi aprovada em 2008 a Lei 11.738, mais

conhecida como Lei do Piso. A lei prevê, entre outros direitos, que os profissionais

da educação básica pública exerçam sua jornada de trabalho preservando 1/3 de

suas cargas horárias em atividades extraclasse, conforme § 4º do artigo 2º:

§ 4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite

máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das

atividades de interação com os educandos.

Ocorre que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que tal

previsão é inconstitucional em razão de invadir a esfera de competência dos entes

federados. O TJRS entende que incumbe ao estado criar tal lei. Veja decisão do

Tribunal:

RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA

FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BAGÉ. SERVIDOR PÚBLICO

MUNICIPAL. MAGISTÉRIO. HORA ATIVIDADE. ART. 2º, §4º, DA LEI

11.738/08. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DO

TJRS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. […] 3. O egrégio

TJRS, através do Órgão Especial, julgou de forma incidental a

Page 89: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

89

inconstitucionalidade do artigo 2º, § 4º da Lei Federal nº 11.738/2008

(70059092486), o qual continha a reserva de 1/3 da jornada dos

professores para as atividades extraclasse, por invadir a esfera de

competência dos demais entes federados, nos termos do disposto no

ADCT- artigo 60, inciso III, alínea “e”. […] (Recurso Cível Nº

71007049372, Primeira Turma Recursal Provisória Fazenda Pública,

Turmas Recursais, Relator: Marialice Camargo Bianchi, Julgado em

30/11/2017)

Portanto, no Rio Grande do Sul os professores que ingressaram em juízo

requerendo a implementação da jornada de trabalho conforme o §4º do art. 2º da Lei

do Piso não tem obtido êxito em razão deste entendimento. O RS não implementou

1/3 extraclasse em lei estadual e, para o TJRS, a lei federal não pode ser aplicada.

Apenas para mencionar, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e São

Paulo entendem de forma diversa, conforme abordamos em outro artigo. Na

contramão, o RS não implementou 1/3 nem o judiciário aplica a lei federal.

DIANTE DESTE QUADRO NO QUAL O RS NÃO IMPLEMENTOU 1/3, O QUE

FAZER?

Em primeiro lugar, é importante lembrar que 1/3 das atividades

extraclasse é o mínimo para o exercício do trabalho docente digno. Sim, trata-se de

dignidade! Por essa razão o legislador incluiu este tópico na Lei do Piso. Soa

absurda a previsão de um piso salarial sem qualquer disposição sobre a jornada de

trabalho.

Por tudo isso, a discussão deve ser feita com o Poder Legislativo. É

imprescindível a mobilização dos deputados estaduais e das câmaras municipais

para transformar este direito previsto na lei federal 11.738/2008 em lei

estadual/municipal. Esta é a alternativa à decisão do Tribunal de Justiça gaúcho,

cujos fundamentos dizem respeito à invasão de competência.

Page 90: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

90

Digno de nota que a valorização da educação, ao menos na retórica, é

um dos raros temas de consenso no debate político. Mobilizar deputados e

vereadores para a implementação desta alteração legislativa nos parece tarefa

imediata para vermos a jornada de trabalho docente efetivamente digna.

Sabemos que não é tarefa simples. Entretanto, sobram argumentos a

nosso favor. Inclusive legislação federal, cujo escopo foi o de criar condições para o

bom exercício do trabalho docente.

Se você concorda com essa proposta, passe-a adiante. Encaminhe a

colegas, aos seus representantes no legislativo municipal e na Assembleia

Legislativa. Vamos começar agora?

Page 91: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

91

31. COMPENSAÇÃO DE AULAS EM RAZÃO DE LICENÇA-SAÚDE É

LÍCITO?

Uma professora em licença-saúde deve compensar as aulas que deixou

de ministrar em razão da doença? Esta questão, aparentemente comezinha, na

verdade é muito pertinente quando observamos o dia a dia escolar. Entenda o direito

envolvido na compensação de aulas no texto abaixo.

Antes respondê-la vale a pena fazermos algumas analogias. Você já viu

algum servidor público da Secretaria da Fazenda compensar dias não trabalhados

em razão de licença-saúde? Você consegue imaginar um médico concursado,

integrante do serviço público, compensar dias não trabalhados por causa de licença-

saúde? Ou um auditor fiscal? Ou um técnico do Poder Judiciário? Intuitivamente,

nos vem à mente que estes profissionais não compensam... E é isso mesmo,

estamos certos.

Não há que se falar em compensação de aulas porque não existe

previsão legal para isso. Registre-se que fazemos esta análise a partir da Lei

8.112/1990, que dispôs sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da

União, autarquias e fundações públicas federais. É certo que os servidores públicos

estaduais e municipais têm legislação própria que dispõe sobre seu regime jurídico,

mas é certo também que estas legislações têm precisamente na Lei 8.112 sua

primeira inspiração.

Nesta lei estão claras as condições da licença-saúde, e não há sequer

menção à possibilidade de compensação de aulas ou horário. Apenas para bem

ilustrar o tema, é possível compensar, por exemplo, quando tratarmos de faltas

justificadas, decorrentes de caso fortuito ou força maior, ou mesmo licença por

motivo de doença em pessoa da família ou afastamento do cargo para participação

em Programa de Pós-Graduação.

Page 92: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

92

Deve-se analisar o espírito da falta, que pode ou não dar ensejo a

compensação de aulas. O escopo da licença-saúde é o tratamento do servidor,

acometido de moléstia que impede o exercício do seu trabalho. Tanto é assim que,

em regra, tal licença submete-se à rigoroso regime de inspeção médica (art. 130,

§1º), excepcionada quando a licença é inferior à 15 dias, na forma do art. 204 da lei

8.112/1990.

Art. 204. A licença para tratamento de saúde inferior a 15 (quinze) dias,

dentro de 1 (um) ano, poderá ser dispensada de perícia oficial, na forma

definida em regulamento.

Argumenta-se ainda que a compensação de aulas e da carga horária

docente tem fundamento na LDB, que dispõe sobre o mínimo de 200 dias/aula.

Equívoco. Não há que se confundir o direito (e dever) do estudante de ter 200

dias/aula com a obrigação do docente de assim proceder. A obrigação de oferecer

estas aulas é do Poder Público. Aliás, é para isso existe a figura do professor

substituto.

Ante o exposto, conclui-se que o regime jurídico do servidor público não

prevê quaisquer compensações quando da necessidade do docente usufruir da

licença-saúde. A exigência de compensação de aulas implica em clara ilegalidade. A

licença para tratamentos de saúde está disposta nos artigos 202 e seguintes da Lei

8.112/90 que, em nenhum momento, fala em compensação de aulas.

Lei.8.112/1990

Da Licença para Tratamento de Saúde

Art. 202. Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a

pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a

que fizer jus.

Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base

em perícia oficial.

§ 1o Sempre que necessário, a inspeção médica será realizada na residência

Page 93: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

93

do servidor ou no estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.

§ 2o Inexistindo médico no órgão ou entidade no local onde se encontra ou

tenha exercício em caráter permanente o servidor, e não se configurando as

hipóteses previstas nos parágrafos do art. 230, será aceito atestado passado por

médico particular.

§ 3o No caso do § 2o deste artigo, o atestado somente produzirá efeitos depois

de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.

§ 4o A licença que exceder o prazo de 120 (cento e vinte) dias no período de

12 (doze) meses a contar do primeiro dia de afastamento será concedida mediante

avaliação por junta médica oficial.

§ 5o A perícia oficial para concessão da licença de que trata o caput deste

artigo, bem como nos demais casos de perícia oficial previstos nesta Lei, será

efetuada por cirurgiões-dentistas, nas hipóteses em que abranger o campo de

atuação da odontologia.

Art. 204. A licença para tratamento de saúde inferior a 15 (quinze) dias, dentro

de 1 (um) ano, poderá ser dispensada de perícia oficial, na forma definida em

regulamento.

Art. 205. O atestado e o laudo da junta médica não se referirão ao nome ou

natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidente em

serviço, doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no art. 186,

§ 1o.

Art. 206. O servidor que apresentar indícios de lesões orgânicas ou funcionais

será submetido a inspeção médica.

Art. 206-A. O servidor será submetido a exames médicos periódicos, nos

termos e condições definidos em regulamento.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, a União e suas entidades

autárquicas e fundacionais poderão:

I - prestar os exames médicos periódicos diretamente pelo órgão ou entidade à

qual se encontra vinculado o servidor;

II - celebrar convênio ou instrumento de cooperação ou parceria com os órgãos

e entidades da administração direta, suas autarquias e fundações;

III - celebrar convênios com operadoras de plano de assistência à saúde,

Page 94: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

94

organizadas na modalidade de autogestão, que possuam autorização de

funcionamento do órgão regulador, na forma do art. 230; ou

IV - prestar os exames médicos periódicos mediante contrato administrativo,

observado o disposto na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e demais normas

pertinentes.

Page 95: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

95

32. PORQUE O PROFESSOR DEVE CONHECER A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL? PARTE I

Conhecer a Constituição Federal é um dever inerente a cidadania. Para

professoras e professores, conhecer a Constituição é dominar os fundamentos

jurídicos do seu trabalho. Entenda o porquê.

Quando abordamos direito educacional, imediatamente questões relativas

à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou ao Plano Nacional de

Educação nos vêm à mente. Intuitivamente, professoras e professores

compreendem a interface entre direito e educação a partir das normas que o

legislador produziu precipuamente para escolas. Esta intuição não está equivocada,

mas pode deixar de lado o fundamento maior do ordenamento jurídico brasileiro: a

Constituição Federal.

Um parêntese. Lembro como se fosse ontem o momento em que decidi

iniciar a graduação em Direito. Em 2007, eu coordenava um curso de magistério

(Curso Normal de Nível Médio) quando uma estudante grávida teve negado o direito

à assistência médica no hospital público. Aquele verdadeiro martírio não deveria

estar correto. Todos têm direito à saúde, não? E onde encontramos este direito

estampado em letras garrafais? Quais as providências para efetivá-lo? Foi neste

contexto que decidi estudar e conhecer a Constituição. Logo depois, o curso de

direito.

A Constituição Federal ocupa lugar de proa na ordem jurídica. Os

dispositivos constitucionais repercutem em absolutamente toda legislação vigente.

Dito em outros termos, a norma legal que não estiver em consonância, que for

contrária à Constituição padece de inconstitucionalidade. Por outro lado, a nossa “lei

maior” contém um projeto de sociedade a ser construído, razão pela qual estudiosos

do direito afirmam tratar-se de uma constituição programática (visto conter um

verdadeiro desenho de sociedade). Essa é a maior razão de se conhecer a

Constituição.

Page 96: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

96

E o que isso tem a ver com a educação? Tudo. Caras e caros, tudo

mesmo. A proposta pedagógica e o regimento escolar, por exemplo, podem – e

devem – beber nas águas da Constituição. O respeito à dignidade deve ser o

corolário das relações sociais estabelecidas entre os diversos atores da cena

escolar, visto a dignidade da pessoa humana constituir-se em fundamento do Estado

brasileiro.

Vale mencionar que os processos administrativos devem respeitar o

contraditório e a ampla defesa, sob pena de nulidade. À guisa de exemplo, há pouco

fomos procurados por uma professora aposentada já há um ano que havia sido

convocada para retornar à docência em razão de uma revisão administrativa feita

pela Secretaria de Educação no cômputo de sua aposentadoria. O processo

administrativo teve curso sem a docente ter ciência. Em razão da ausência do

contraditório, o processo foi anulado. Este desfecho denota porque conhecer a

Constituição nos dá certa ideia de como funcionam os casos de direitos diários.

Vejam bem, caras professoras e caros professores, inscrevem-se como

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no art. 3º da CF:I -

construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento

nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sinceramente, é

crível este projeto civilizatório sem o protagonismo da educação? Com o perdão de

ser repetitivo, convido-os a partir deste texto, a conhecer a Constituição.

A EDE pretende explorar ainda mais os preceitos constitucionais que

informam o cotidiano escolar. Por ora, sublinhamos um princípio caro ao magistério

(e à sociedade!), insculpido no inciso V, do artigo 206, que elenca os princípios do

ensino: valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na

forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso

público de provas e títulos, aos das redes públicas.

Page 97: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

97

Tal dispositivo foi incluído no texto constitucional apenas dezembro de

2006. Sua efetivação está a depender da mobilização de todos nós: docentes e

sociedade civil organizada. Então, vamos conhecer a Constituição Federal? A EDE

se propõe a guiá-los nesta jornada.

Page 98: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

98

33. POR QUE O PROFESSOR DEVE CONHECER A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL? – PARTE II

Direito educacional e Constituição Federal caminham no mesmo sentido.

A educação é um direito fundamental constitucionalmente previsto. Assim, na

essência, qual é a relação entre direito educacional e Constituição?

Conforme abordamos na primeira parte, a análise dos preceitos

normativos de direito educacional deve partir do texto constitucional. As luzes da

Constituição Federal iluminam o conjunto do ordenamento jurídico brasileiro. Por

esta razão qualquer portaria, norma, regra, lei, súmula deve estar em consonância

com a CF. Diante deste pressuposto, como desconhecê-la?

Não estamos a advogar o estudo detalhado das normas constitucionais.

Até porque o constituinte de 1988, embalado pelos ventos da liberdade e da

redemocratização, produziu uma Constituição relativamente detalhista, extensa, que

repele o não iniciado nas letras jurídicas. A relação teórica entre direito educacional

e Constituição fica para os livros de doutrina.

Por outro lado, pretendemos compartilhar com os colegas alguns

dispositivos e capítulos do texto constitucional que julgamos especialmente

pertinentes para a promoção da cidadania no âmbito dos processos educativos. Sob

este prisma, imprescindível a leitura do art. 5º (que inaugura o Título II – Dos Direitos

e Garantias Fundamentais), cujos incisos detalham o projeto de sociedade plural e

democrática preconizada pela chamada Constituição Cidadã.

Em última análise, o art. 5º constitui-se em verdadeira salvaguarda

cidadania, infelizmente pouco discutida na seara pedagógica, tanto pelos docentes

quanto nas salas de aula da Educação Básica. Bom, vou parar por aqui... Confiram

abaixo mais sobre direito educacional e Constituição!

Page 99: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

99

Em tempo, porque não fazer a leitura pensando em futuras atividades de

estudo e discussão com os estudantes? Minha aposta é que eles irão gostar! Direito

educacional e Constituição caminham lado a lado.

TÍTULO II

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da

lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa

nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou

de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de

obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença;

Page 100: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

100

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar

sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou

desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação

judicial;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo

da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo

qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair

com seus bens;

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos

ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem

outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo

apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de

caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas

independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu

funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter

suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro

caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer

associado;

Page 101: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

101

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm

legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e

prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta

Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente

poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário

indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que

trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de

débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os

meios de financiar o seu desenvolvimento;

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação

ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que

a lei fixar;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à

reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades

desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que

criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às

respectivas representações sindicais e associativas;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio

temporário para sua utilização, bem como proteção às criações

industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros

signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento

tecnológico e econômico do País;

XXX - é garantido o direito de herança;

XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será

regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos

Page 102: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

102

brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de

cujus";

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de

seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão

prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas

aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do

Estado;

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de

taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou

contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de

direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada;

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe

der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Page 103: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

103

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou

anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles

respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los,

se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos

armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a

obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser,

nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas,

até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as

seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,

XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo

com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam

permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de

crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado

Page 104: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

104

envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma

da lei;

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de

opinião;

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade

competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios

e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória;

LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação

criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não

for intentada no prazo legal;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando

a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de

transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão

comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à

pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de

advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão

ou por seu interrogatório policial;

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade

judiciária;

Page 105: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

105

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir

a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo

inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do

depositário infiel;

LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se

achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de

locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido

e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o

responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou

agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos

interesses de seus membros ou associados;

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania

e à cidadania;

LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do

impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades

governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por

processo sigiloso, judicial ou administrativo;

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que

vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o

Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao

patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,

isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Page 106: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

106

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que

comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como

o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da

lei:

a) o registro civil de nascimento;

b) a certidão de óbito;

LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na

forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de

sua tramitação.

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,

por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes

às emendas constitucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a

cuja criação tenha manifestado adesão.

Page 107: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

107

34. ESCOLA PÚBLICA PRÓXIMA E O FECHAMENTO DE ESCOLAS: UMA

FLAGRANTE ILEGALIDADE?

Lamentavelmente, o fechamento de escolas tem sido uma realidade

vivenciada em vários municípios e estados brasileiros. E questão da escola pública

próxima dos alunos, como se apresenta?

A diminuição do número de alunos e a crise econômica são os principais

argumentos utilizados pelos agentes públicos para o fechamento de escolas. Antes

disso, uma escola pública próxima da residência do aluno já é um direito básico. Em

flagrante desrespeito aos preceitos normativos da Lei 8.069/1990, o fechamento de

escolas afronta o direito à educação. Vejamos as disposições do artigo 53:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao

pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da

cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às

instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

O inciso V é transparente quanto à necessidade de uma escola pública

próxima à residência. Caros docentes, vejam bem, não estamos a tratar de um

conforto ou privilégio. Por outro lado, abordamos sim as possibilidades de efetivação

de uma educação de qualidade. Isto na perspectiva do seu destinatário final. A

criança e o adolescente têm direito à educação e a uma escola pública próxima de

sua casa.

Tratamos aqui, pois, de um direito fundamental, cujo escopo, nas palavras

de Rossato, Lépore e Sanches, é “facilitar o acesso ao ensino, de modo que as

Page 108: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

108

crianças e adolescentes não precisem deslocar-se desnecessariamente quando

existente estabelecimento de ensino nas proximidades de sua residência. Adotou-se

o critério de georreferenciamento.”11

Preconizar uma escola pública próxima implica em pensar as políticas

públicas educacionais a partir de seus destinatários. Isto é exatamente o oposto do

que temos acompanhado em várias regiões do Brasil. Em uma capital, por exemplo,

uma escola distante impõe à família a preocupações hodiernas. Com o transporte

público e a violência, por exemplo.

Outra consequência da inexistência de escola pública próxima de especial

gravidade é o afastamento da família. A interlocução e a presença constante dos

pais no cotidiano escolar contribuem sobremaneira para a promoção de um

ambiente escolar saudável e comunitário.

Por sua vez, os projetos de Escola Aberta dão certo exatamente porque

são imbuídos pelo espírito de trazer as atividades comunitárias (reuniões,

festividades, esportes...) ao espaço escolar. Tais projetos ganham relevo quando

observamos a progressiva diminuição dos espaços públicos nas grandes

metrópoles.

Se este é o quadro urbano, no campo o fechamento das escolas é uma

verdadeira tragédia para as crianças e a comunidade. Além do descolamento

precário, regra no transporte público escolar, o prejuízo é imenso porque as escolas

do campo constituem-se em referência também do ponto de vista cultural.

Contribuem para a promoção dos valores, da identidade dos sujeitos que vivem no

campo.

Neste sentido, seu fechamento tem o condão de abortar uma das esferas

de sociabilidade mais relevantes da comunidade, sobremaneira para as crianças e

adolescentes. Nesta região, há maior dificuldade geográfica de se implantar uma

11

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 3ª edição, p.252.

Page 109: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

109

escola pública próxima aos alunos e justamente por isso o seu fechamento é um

retrocesso.

Do ponto de vista da aprendizagem, é intuitivo que o deslocamento de

uma ou duas horas repercute negativamente. Aqui reside a importância da

manutenção de escola pública próxima na área rural. O cansaço e o estresse de ter

de acordar às cinco horas da manhã para chegar à escola trazem evidentes

prejuízos à construção do conhecimento.

Caras professoras, caros professores, por estas razões o legislador,

acertadamente, dispôs no rol dos direitos da criança e do adolescente o acesso à

escola pública próxima a sua residência. Quando o fez, não incluiu qualquer

ressalva.

Cabe, portanto, aos atores da educação e à comunidade tomar ciência

deste direito e reivindicá-lo aos órgãos competentes. E à administração pública seu

mais estrito cumprimento no sentido da implementação e manutenção de pelo

menos uma escola pública próxima em todas as áreas do território.

Page 110: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

110

PARTE II

JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO:

ASPECTOS PRÁTICOS

Page 111: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

111

JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ASPECTOS PRÁTICOS

Pode-se afirmar que nos últimos dez anos o número de ações

judiciais envolvendo escola aumentou exponencialmente no Brasil. A atenção

crescente dedicada pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelo

Conselho Tutelar comprovam o que os profissionais envolvidos com o

cotidiano escolar percebem na prática: há cada vez mais demandas judiciais

envolvendo controvérsias ligadas à educação.

Face a esta realidade, este artigo tem por escopo

caracterizar o fenômeno da judicialização da educação. Em seguida,

indicaremos alguns caminhos interessantes que as instituições

escolares podem adotar para melhor transitar neste novo contexto.

Vamos lá!

1. Conceituação

O entendimento deste fenômeno exige a compreensão da

Constituição Federal de 1988, pois esta estabeleceu um verdadeiro rol de

direitos ligados à educação. Foi com o advento da “Constituição cidadã”,

acompanhado de uma construção teórica, acadêmica, doutrinária e

Page 112: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

112

jurisprudencial de direito constitucional, que emergiram as bases sobre as

quais se sustenta a judicialização da educação.

Portanto, os direitos preconizados pelo texto constitucional e

afrontados em razão de uma miríade de fatores deram azo, recentemente, ao

que, sem qualquer exagero, pode ser chamado de avalanche de ações

judiciais envolvendo o contexto escolar.

Questões como inclusão de crianças portadoras de

necessidades especiais, acesso ao transporte público e creches,

responsabilidade civil da escola e dos docentes, bullying e cyberbullying, ato

infracional e indisciplina, agressão a docentes, ‘Lei do Piso’, assédio moral,

abandono escolar, são alguns temas reiteradamente levados ao Poder

Judiciário.

Nesta perspectiva, a judicialização da educação pode ser

entendida, de acordo com Cury12, como “a intervenção do Poder Judiciário nas

questões educacionais em vista da proteção desse direito [Constitucional] até

mesmo para cumprirem-se as funções constitucionais do Ministério Público e

outras instituições legitimadas.”

Chrispino13 entende a judicialização das relações escolares

“como aquela ação da Justiça no universo da escola e das relações escolares,

resultando em condenações das mais variadas”. Para a autora,

12 CURY, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. A judicialização da educação.

Revista CEI, Brasília, Ano XIII, abr/jun 2009, p. 32. 13

CHRISPINO, Raquel S. P.; CHRISPINO, Alvaro. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores.

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.16

Page 113: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

113

A judicialização das relações escolares precisa ser percebida como um sinal de que as

decisões em educação estão fugindo do controle de seus atores principais. Este fato deve ser

bastante forte a fim de promover reflexões e mudanças na prática cotidiana da escola, desde

a formação/capacitação de seus agentes até o estabelecimento de rotinas e de processos de

tomada de decisão. E ainda, move-nos a convicção de que os atores educacionais podem e

devem voltar a ser os protagonistas deste universo chamado Escola.

Na realidade, a judicialização da educação é um fenômeno que

se inscreve no contexto maior de afirmação do Estado de Direito insculpido

pela Constituição Federal de 1988.

Neste cenário, também fazem parte a judicialização da política

e da saúde, estes objetos de maior repercussão nos veículos de comunicação.

Os gestores de políticas públicas na área de saúde sabem que parte relevante

de seu orçamento está comprometida com o Poder Judiciário, diante das

demandas a ele legitimamente dirigidas.

Pode-se afirmar algo similar quanto à judicialização da

política, ambiente em que cada vez mais intervém o Poder Judiciário, o

Ministério Público e o Tribunal de Contas. Basta vermos o caso do Estado do

Rio de Janeiro, em que os últimos três governadores estão, neste momento,

com prisões decretadas.

Podemos considerar que a judicialização da política e da saúde

tratam, em última análise, de planos fáticos abertamente contrários aos

dispositivos legais e constitucionais. Salta aos olhos a ilicitude constatada com

a ausência ou morosidade no tratamento de um tumor, por exemplo.

Igualmente, políticos do alto escalão da república brasileira recebendo

grandes empresários nos subterrâneos do Palácio do Planalto, ou correndo

Page 114: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

114

com malas de dinheiro, parecem-nos indicar que algo de ilícito está em

andamento.

Na seara educacional, à primeira vista a ilicitude não nos

parece tão ostensiva. Aparentemente, a rotina escolar desenvolve-se

normalmente, prescindindo do suporte de questões jurídicas. Tal crença é

equivocada, vejamos.

Quantas reportagens nós acompanhamos semanalmente que

abordam as ilicitudes verificadas em instituições de ensino? Por outro lado, os

docentes sabem quais as suas responsabilidades legais quando acompanham

uma excursão? Ou há apropriação docente da diferença de ato infracional e

ato indisciplinar, observando seus reflexos nas responsabilizações de

adolescentes no contexto de uma situação de conflito? Quem de nós conhece

os princípios constitucionais que subsidiam a educação? Sua apropriação

permitiria dialogar tanto com mantenedoras de ensino que pretendem “impor”

mudanças de projeto político-pedagógico de cima para baixo quanto com

oportunistas políticos que falseiam o debate pedagógico com simplificações

grosseiras.

Prezadas professoras e prezados professores, queremos

chamar a atenção que a judicialização da educação é um fenômeno inexorável

também por outra razão: na medida em que se consolida a democracia, a

cidadania é fortalecida e, com ela, a irresignação frente ao que está fora do

esquadro do direito. Neste contexto, imprescindível que a instituição escolar e

seus protagonistas dominem os fundamentos jurídicos que lhes dizem

respeito.

Page 115: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

115

O número de ações judiciais envolvendo o cotidiano escolar

explica-se em razão do baixo nível de apropriação por parte dos docentes da

intrincada legislação que informa o universo pedagógico.

Ao longo dos últimos anos tive a satisfação de ministrar mais

de 40 palestras em escolas públicas, privadas e em Coordenadorias Regionais

de Educação abordando este tema. Em inúmeras destas atividades questionei

os docentes sobre o domínio dos fundamentos jurídicos do seu trabalho, e as

respostas – regra geral – davam conta de que são raras as professoras e os

professores que conhecem aspectos essenciais da Constituição Federal,

conhecem a Lei 9394/1990 (que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases) e

compreendem a interface entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o

Projeto Político e Pedagógico.

Pode-se acrescentar, ainda, o rotundo desconhecimento da Lei

nº 11.738/2008, que instituiu a Lei do Piso, legislação que outorga direitos

absolutamente relevantes às professoras e aos professores da rede pública e

que, lamentavelmente, ainda está por ser integralmente implementada. Não

temos dúvidas de que a morosidade em sua plena efetivação tem explicação

no amplo desconhecimento por parte dos diretamente interessados.

Muito se fala da premente necessidade de implementação do

piso nacional (piso no sentido estrito, sobre o qual incide o conjunto de

benefícios ligados à carreira profissional, conforme plano de carreira de cada

ente federativo), previsto no caput do art. 2º da referida norma, mas não se

percebe maior discussão sobre o § 4º do mesmo dispositivo, que prevê um

limite na composição da jornada de trabalho, na forma que segue: na

composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3

Page 116: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

116

(dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação

com os educandos.

Caras professoras e caros professores, tal disposição é clara e

direta. Requerer sua regulamentação ao ente público ao qual está vinculado é

um direito de todo docente. Tais requerimentos não são confeccionados,

entretanto, em razão do desconhecimento jurídico que impera em boa parte

da rede escolar, salvo raras exceções.

Ao bem da verdade, os profissionais que atuam na Educação

Básica visitam panoramicamente a legislação do edital do concurso que

pretendem prestar e, em seguida, dirigem sua atenção aos conteúdos

específicos de sua área de atuação. Compreensível postura. De acordo com

Paulo Freire somos seres inacabados, em constante construção. Entretanto,

deixar de lado os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico, na cena

atual, não nos parece boa opção.

Certo é que o desconhecimento desta normatização que ora

chamamos Direito Educacional, compreendida pela Constituição Federal, LDB,

Estatuto da Criança do Adolescente, aspectos relevantes de responsabilidade

civil e do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 11.738/2008 (Lei do Piso),

Lei nº 13.185/2015 (Bullying) e Plano Nacional de Educação contribuem

sobremaneira para o agravamento da judicialização das questões

educacionais.

A Constituição Federal é o ponto de partida de um conjunto

normativo complexo, e a compreensão geral, panorâmica, deste conjunto

parece-nos o melhor antídoto à judicialização da educação.

Page 117: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

117

2. Atores deste processo

Trilhando outra direção, percebida enquanto fenômeno

histórico, a judicialização da educação compreende também um conjunto de

atores e instituições que há pouco mais de quinze anos não se debruçavam

sobre questões escolares.

Referimo-nos ao Ministério Público, que recentemente tem

dedicado energias no sentido de qualificação dos processos educativos. A

título de exemplo, o MP do Rio Grande do Sul criou em 2010 uma área

especializada voltada para Educação, designando integrantes para atuação

exclusiva nesta seara.

O Conselho Tutelar também tem progressivamente pautado as

questões escolares, de natureza pedagógica. Até fins dos anos 90, a

preocupação deste órgão restringia-se à matrícula. Atualmente, não são raros

os conselheiros tutelares ocupados com o Projeto Político Pedagógico, as

formas de resolução de conflitos adotadas pela instituição de ensino, a

avaliação...

3. Estratégias diante deste cenário

A seguir pretendemos indicar objetivamente algumas questões

legais que os docentes devem se apropriar.

Page 118: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

118

1. A responsabilidade civil da instituição escolar é

objetiva. Ocorrendo dano com estudante dentro da escola, ou em uma

atividade proposta por ela e sob sua condução, em regra o ente escolar é

responsável pela sua reparação, seja dano material ou moral.

A responsabilidade objetiva decorre do dever de guarda e

proteção conferidos à escola. Colacionamos abaixo fragmentos de decisões

judiciais que explicam este tema:

As escolas públicas têm o dever de guarda e preservação da incolumidade dos alunos, respondendo pelos

danos a eles causados, independentemente de culpa, conforme o art. 37, § 6º da Constituição Federal.

Verificada omissão da instituição de ensino por permitir a pratica de esporte em local inadequado, capaz de

causar dano à integridade física dos alunos sem observar os deveres de cautela necessários apara evitar

acidentes. Além disso, a prova produzida leva à conclusão de que a responsável pela atividade realizada pela

vítima no momento do acidente falhou no seu dever de cuidado e vigilância. (Apelação Cível Nº 70072059942,

TJRS, 27/07/2017)

Caso concreto em que a autora, menor de 8 anos, sofreu queda durante o período de recreio, tendo

machucado o cotovelo. Levada à sala da direção, a professora de educação física a avaliou e entendeu que não

era caso grave, colocando gelo sobre a lesão. Vendo frustrada a tentativa de contato com a genitora da aluna,

a escola dispensou a menor no fim da aula para ir sozinha para casa. Posterior diagnóstico de fratura, com

realização de internação e cirurgia. Hipótese em que a escola, que possui dever de guarda sobre os alunos

matriculados, deveria buscar diagnóstico adequado junto ao SAMU, que possui competência técnica para

tanto. (Apelação Cível Nº 70074710393, TJRS, 11/10/2017)

2. Devemos distinguir ato infracional de ato

indisciplinar. Ato indisciplinar deve estar previsto no regimento escolar, ou

regimento disciplinar. Este, por sua vez, deve ser de conhecimento de todos

(professores, estudantes e pais), estar disponível ao público e de fácil acesso.

É a infração a essas normas, devidamente apuradas, que dá ensejo a

reprimendas disciplinares. Tanto as infrações quanto as respectivas

reprimendas devem estar previstas neste documento (regimento disciplinar).

Page 119: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

119

O que se pretende evitar é o tratamento discricionário, aleatório, quando

estamos diante de fatos similares.

Ato infracional tem previsão legal (Art. 103 do Estatuto da

Criança e do Adolescente: considera-se ato infracional a conduta descrita

como crime ou contravenção penal). Em outras palavras, ato infracional é ato

descrito como crime na lei penal. No ordenamento jurídico brasileiro

adolescente é responsabilizado conforme sua peculiar condição de

desenvolvimento.

Bom, a despeito das controvérsias que tal tema abre, importa

dizer que o tratamento dispensado ao adolescente autor de ato infracional

deve ser absolutamente distinto do dirigido ao adolescente que cometeu ato

indisciplinar. Ato infracional é matéria de direito, cabendo aos responsáveis

legais da escola o devido registro de Boletim de Ocorrência em Delegacia de

Polícia Especializada. Esta confusão, aparentemente desimportante, traz

inúmeras consequências nefastas quando tratamos sobre situações de

violência no seio escolar.

3. O estudante tem direito de organizar um grêmio

estudantil, de saber quais os critérios de sua avaliação e de ter respeitada a

sua dignidade e integridade física, tudo na forma da Lei 8.069/1990, que

instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. As ações judiciais exigindo

indenização a título de danos morais em razão do bullying estão

fundamentadas exatamente no direito à dignidade. As escolas que não tem

uma estratégia pedagógica inscrita em seu PPP para enfrentamento do

bullying estão à mercê de um processo judicial.

Page 120: 34 casos práticos de direito educacional · 2018-12-10 · 34 casos práticos de direito educacional Autor: Marcelo de Faria Corrêa Andreatta, Advogado e Mestre em Educação pelo

Faça do direito o melhor aliado da prática docente

120

4. Enfim, a Lei 13.005/2014 instituiu o Plano Nacional

de Educação – PNE. Nele está contido um verdadeiro desenho pedagógico de

escola inclusiva e diversa, em uma aposta alvissareira de valorização da

qualidade dos processos educativos. Compreendê-lo é tarefa de todas as

professoras e de todos os professores.

Uma última questão deve ser anotada sobre esta aproximação

entre o mundo da educação e do direito. Há um desenho de escola contido no

conjunto normativo de Direito Educacional.

Este desenho é colorido pela valorização docente, pelo

respeito à integridade de todos os atores da cena escolar, pela liberdade e

pelo pluralismo de ideias pedagógicas, dentre outros valores. Não temos

dúvidas de que conhecer este desenho também contribuirá para a melhoria da

qualidade dos processos de formação humana escolares.

Enfim, caras professoras e caros professores, a judicialização da

educação é uma realidade que veio para ficar. Neste cenário, impõe-se

compreender os fundamentos jurídicos do trabalho pedagógico.