processo penal - casos práticos

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 1 PARTE I I Questionário 1. Como se explica a distinção entre fases preliminares e julgamento em processo penal? As FASES PRELIMINARES (inquérito e instrução) visam aferir se existem indicios suficientes para a submissão do arguido a julgamento. Havendo indicios da prática do crime por aquele agente (entretanto constituído arguido) haverá lugar à FASE DO JULGAMENTO. O arguido só será condenado se for feita prova suficiente para o condenar. 2. O que é o inquérito? Nos termos do art. 262º/1 consagra-se o âmbito e a finalidade do inquérito: ÂMBITO DO INQUÉRITO: o inquérito é constituido por actos de investigação para esclarecer a notícia do crime de recolha de prova dos factos apurados pela investigação. Perante uma notícia da eventual prática de um crime, cumpre averiguar se se confirmará e em que termos, quem foi o seu agente e a sua responsabilidade e ainda recolher as provas que hão-de permitir reconstruir os factos e fundamentar a decisão sobre a acusação ou o arquivamento. FINALIDADE DO INQUÉRITO: o fim expresso do inquérito é a decisão sobre a acusação, sendo que se esta não tiver lugar o arquivamento. Em suma: o inquérito visa averiguar se existiu ou não a prática de um crime, sendo que a recolha e/ou a produção de prova deverá ser realizada pelo MP, devendo este descobrir quem foi o agente do crime. Poder-se-á afirmar que o inquérito visa solucionar três questões: i. Saber se houve ou não crime? ii. Saber se o agente praticou o crime ou não? iii. Saber se há prova suficiente ou não? AULAS PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL – PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO 2012/2013

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Page 1: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 1

PARTE I

I

Questionário

1. Como se explica a distinção entre fases preliminares e julgamento em

processo penal?

As FASES PRELIMINARES (inquérito e instrução) visam aferir se existem

indicios suficientes para a submissão do arguido a julgamento.

Havendo indicios da prática do crime por aquele agente (entretanto constituído

arguido) haverá lugar à FASE DO JULGAMENTO. O arguido só será condenado se for

feita prova suficiente para o condenar.

2. O que é o inquérito?

Nos termos do art. 262º/1 consagra-se o âmbito e a finalidade do inquérito:

ÂMBITO DO INQUÉRITO: o inquérito é constituido por actos de investigação

para esclarecer a notícia do crime de recolha de prova dos factos apurados

pela investigação. Perante uma notícia da eventual prática de um crime,

cumpre averiguar se se confirmará e em que termos, quem foi o seu agente e

a sua responsabilidade e ainda recolher as provas que hão-de permitir

reconstruir os factos e fundamentar a decisão sobre a acusação ou o

arquivamento.

FINALIDADE DO INQUÉRITO: o fim expresso do inquérito é a decisão sobre a

acusação, sendo que se esta não tiver lugar o arquivamento.

Em suma: o inquérito visa averiguar se existiu ou não a prática de um crime, sendo que

a recolha e/ou a produção de prova deverá ser realizada pelo MP, devendo este

descobrir quem foi o agente do crime.

Poder-se-á afirmar que o inquérito visa solucionar três questões:

i. Saber se houve ou não crime?

ii. Saber se o agente praticou o crime ou não?

iii. Saber se há prova suficiente ou não?

AULAS PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL – PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO

2012/2013

2012/2013

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3. A quem compete?

O inquérito é da competência do MP a quem cabe exclusivamente a sua direcção,

mas as diligências que nele têm lugar podem ser realizadas pelo MP, pelo juíz de

instrução ou por órgãos de polícia criminal. O CPP estipula que certos actos do

inquérito só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução e outros

apenas pelo MP (art. 268º a 270º). Note-se que ressalvados estes casos expressamente

reservados por lei, todas as diligências de investigação relativas ao inquérito podem

ser delegadas nos órgãos de polícia criminal – art. 270º/1.

Nos termos do art. 270º/1, com a ressalva das disposições expressas na lei, parece que

o MP pode delegar tudo o que entender nos órgãos de polícia criminal para a prática

de diligências e investigações relativas ao inquérito. Contudo, tal pode colidir com os

seus poderes (leia-se do MP) reservados de dirigir o inquérito e donde pode resultar, na

prática, a policização integral da investigação pré acusatória. Mas assim o é: sem

prejuízo da direcção que lhe é reservada, o MP pode incumbir os órgãos de policia

criminal de praticarem todos os actos de inquérito, ou seja, o inquérito, enquanto

conjunto de diligências de investigação e recolha de provas, que por lei não sejam

reservados ao juíz ou ao MP.

Na opinião do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA quando o art. 53º/2 se refere a

certas matérias que competem em especial ao MP, as três primeiras alineas (al. a), b)

e c)) tais actos não são delegáveis, constituindo o cerne da acção penal que pela

CRP é atribuida ao MP.

Deste modo, considera-se que compete exclusivamente ao MP apreciar se a notícia é

ou não uma notícia de crime e em caso afirmativo tal conduzirá à abertura do

inquérito (art. 262º/2), dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustentá-la nas fases

posteriores do procedimento.

Competindo a direcção do inquérito ao MP, não é adequado que o juiz possa

intrometer-se na actividade de investigação e de recolha de provas, salvo se se tratar

de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais.

A direcção do inquérito cabe ao MP e só a ele compete decidir quais os actos que

entende dever levar a cabo para realizar as finalidades do inquérito: para a prática

de algum desses actos pode necessitar da intervenção do juiz, quer para os consentir

quer mesmo para os praticar, mas só por sua promoção podem ter lugar, a menos

que se trate de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais dos

requerentes.

Não obstante, os actos de inquérito, em sentido estrito, que a lei reserva à

competência do juiz de instrução, não lhe cabe apenas apreciar a admissibilidade

desses actos, mas também da sua oportunidade e conveniência. É reservada à

competência do juiz de instrução a prática dos actos de investigação, ainda que na

fase processual do inquérito, que se prendam com os direitos fundamentais.

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A lei não indica quais os actos de inquérito que devem ser praticados na primeira fase

do processo, o que, aliás, seria impossivel, deixando ao MP a escolha de tais actos

necessários à realização da finalidade do inquérito. Contudo, é obrigatório o

interrogatório do arguido nos termos do art. 272º.

Tendo em consideração que a lei confia ao MP a direcção da investigação,

permitindo-lhe dispor quais os actos que entenda necessários à realização da

finalidade do inquérito, não seria compreensivel que depois submetesse a actividade

desenvolvida a fiscalização judicial: o que fica sujeito a fiscalização judicial é a

decisão do MP no termo do inquérito.

4. O Juiz de instrução intervém no inquérito?

O CPP estipula que certos actos do inquérito só podem ser praticados ou autorizados

pelo juiz de instrução e outros apenas pelo MP (art. 268º a 270º).

ACTOS QUE DURANTE O INQUÉRITO SÃO RESERVADOS AO JUÍZ DE INSTRUÇÃO –

DISTINÇÃO:

Diligências de investigação e recolha de provas: apenas poderão ser

praticados ou autorizados pelo juiz de instrução quando requeridos pelo MP ou

pela autoridade de polícia criminal em caso de urgência, ou requeridos pelo

arguido ou assistente e se trate de actos necessários à salvaguarda dos seus

direitos fundamentais – art. 268º/2.

Actos da competência do juiz a praticar no decurso do inquérito, mas não são

actos do inquérito: estes actos poderão ser promovidos ou requeridos pelo MP,

pelo arguido ou pelo assistente.

Em suma, quanto ao juiz de instrução é necessário atender a duas normas essenciais:

art. 268º (actos a praticar obrigatoriamente pelo juiz de instrução) e art. 269º (actos

que têm de ser ordenados ou autorizados.

Ao juiz de instrução cabe a prática de actos que afectam direitos fundamentais do

arguido por imposição da norma constitucional consagrada no art. 32º/4 CRP.

5. Qual é o conteúdo do inquérito?

Da conjugação do art. 267º com o art. 262º resulta que o MP poderá adoptar as

diligências que considerar necessárias para a realização da finalidade do inquérito

(acusação ou arquivamento). O único acto obrigatório da fase do inquérito é o

primeiro interrogatório nos termos do art. 272º, sob pena de se não o realizar estarmos

face a uma nulidade dependente de arguição nos termos do art. 120º/2 al. d) primeira

parte. Quando se realiza este interrogatório é ‘’obrigatório interrogá-la como

arguido’’. O interrogatório visa que o arguido possa exercer o seu direito de defesa.

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6. Como termina?

FORMAS DE TERMINAR O INQUÉRITO

i. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO – ART. 277º Nº1 (não houve crime) e Nº2 (não há

provas suficientes): a decisão de arquivamento ocorre porque ou não há

crime, ou porque não é aquele o agente do crime, ou por causas processuais

ou, ainda, nos casos em que há crime mas não foi recolhida prova suficiente.

ii. DEDUÇÃO DE ACUSAÇÃO – ART. 283º

Existem alternativas à acusação..

a. REQUERIMENTO PARA JULGAMENTO DO ARGUIDO EM PROCESSO

SUMARÍSSIMO: tal sucede em casos pouco graves – art. 292º - nomeadamente

em casos de multa. É o MP que apresenta este requerimento (verdadeira

aquisição): pretende-se que a pena seja acordada entre o MP, o juiz e o

arguido, mas não existe negociação – quem faz a proposta é o MP. Se o juiz

não aceitar, o processo é remtido para a forma comum – o arguido não pode

voltar a fazer outra oferta. O MP tem de propor a sanção concreta. O arguido,

para aceitar, tem de saber o que está a aceitar.

b. SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO – ART. 281º: pretende-se que

dentro do prazo o arguido cumpra as injunções e regras de conduta que lhe

forem aplicadas. Se cumpre, o processo é arquivado. É necessário um acordo:

o MP toma a iniciativa e o juiz e o arguido tem de concordar.

c. ARQUIVAMENTO EM CASO DE DISPENSA DE PENA – ART. 280º: o processo

é logo arquivado. Nem se exige o consentimento do arguido. Isto é discutivel

nos casos em que o arguido seja inocente e não se contente com a falta de

indicios. O arguido não cumpre nada. Há acordo entre o juiz e o MP.

Nestes três casos existem indicios suficientes da prática do crime, mas há que fazer um

juízo de prognose: estes meios são suficientes, como meio de prevenção preventiva?

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7. Quando o Ministério Público arquiva um inquérito, este fica sempre logo por ali?

O assistente poderá requerer a abertura da instrução nos termos do art. 287º,

nomeadamente no prazo consagrado no nº1 (20 dias a contar da notificação da

acusação ou do arquivamento), sendo que tal consubstancia uma fase de natureza

impugnatória e não uma fase de natureza oficiosa.

Nos termos do art. 278º, o assistente poderá ainda solicitar a intervenção do seu

superior hierarquico.

Contudo, a médio prazo podem surgir novos factos que invalidem o arquivamento do

processo: nesse caso poder-se-á requerer a reabertura nos termos do art. 279º, sendo

de salientar que tal só vale para os casos em que oa rquivamento tenha sido proferido

nos termos do art. 277º.

8. O que é a instrução?

Nos termos do art. 286º, a instrução visa impugnar a decisão proferida no fim do

inquérito, ou seja visa-se uma decisão diversa daquela que fora decidida pelo MP.

9. Tem sempre lugar?

Nos termos do art. 286º/2, a instrução tem caracter facultativo e apenas poderá ser

utilizada em casos de processo comum (art. 286º/3).

Se a instrução não for requerida, se o MP no fim do inquérito tiver deduzido acusação

passa-se para a fase de julgamento; se o MP tiver arquivado o processo este assim

permanece a não ser que seja pedida a sua reabertura nos termos do art. 279º ou

exista suspensão provisória do processo.

10. A quem compete?

A fase da instrução cabe ao juiz de instrução: nem fazia sentido que fosse o MP a

impugnar a sua própria decisão, tomada de acordo de critérios de objectividade.

11. Qual é o seu conteúdo?

O conteúdo da instrução encontra-se consagrado no art. 289º, havendo que distinguir:

i. ACTOS INTRUTÓRIOS: não são obrigatórios; depende do pedido do requerente

e, ainda, assim, o juiz pode deferir ou não. Se não pedir pode querer apenas a

reapreciação da prova (ex: testemunhas; prova pericial; requerimento de

junção de documentos, etc.) ou pode levantar só questões de Direito (ex:

prescrição; natureza semipública e não houve apresentação de queixa, etc.)

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ii. DEBATE INSTRUTÓRIO: é obrigatório; é como se fossem as alegações finais; diz-se

ao juiz se já ou não indicios suficientes da pratica do crime a fim de levar a

causa a julgamento.

12. Como termina?

Nos termos do art. 308º/1 termina com um despacho de pronúncia (o processo vai a

julgamento) ou de não pronuncia (o processo é arquivado). Note-se que quando se

profere um despacho de pronúncia o facto de se ir a julgamento apenas indica se há

indicios suficientes: esta decisão nunca diz se o arguido é culpado ou inocente.

13. A fase de julgamento corresponde à fase de discussão e julgamento?

Não: corresponde às fases preliminares de audiência e julgamento. Na fase de

julgamento (engloba quase tudo) existe o saneamento do processo – art. 311º -, existe

contestação. Toda a prova tem de ser feita na audiência do julgamento.

14. Como decorre uma audiência de julgamento?

Atendendo ao art. 339º..

i. EXPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS: para que os sujeitos processuais digam o que se

propoem provar (normalmente prescindem)

ii. PRODUÇÃO DE PROVA: primeiro inicia-se pelas declarações do arguido, que

tem de ser identificado: é obrigado a responder com verdade a isto. Quanto

aos factos o arguido não é obrigado a responder, tendo direito ao silêncio,

sendo que se mentir tal não consubstancia um direito, mas quase que uma

clausula de exclusão de culpa não sendo a sua mentira punida. Já quanto às

testemunhas não é assim: têm de responder com verdade, sob pena de serem

punidas. A confissão do arguido tem valor probatório – art- 344º - sendo que se

for livre, o processo termina logo com as alegações finais.

II

Faça um comentário crítico ao Acórdão doTC nº 84/2010, tendo em contaoDecreto-Lei

nº 194/2012, de 23 de Agosto.

Houve um primeiro diplima que aprovou a figura da ASAE, diploma esse onde se

regulou as competências e atribuições desta autoridade. A questão colocou-se

aquando de um segundo diploma que veio expandir as competências da ASAE e

atribuir à mesma competência de polícia criminal. Será constitucional ou não

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conforme tenha havido ou não autorização da AR para o Governo legislador, visto

que o regime das forças de segurança está submetido a reserva relativa de lei. A

questão que se colocava era a de saber se esta entidade era ou não uma força de

segurança e se exercia funções de segurança interna ou se, pelo contrário, não era

uma entidade que s epudesse reocnduzir à utilização de forças de segurança para o

qual era necessário autorização legislativa. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu

uma sentença no sentido da inconstitucionalide orgânica do diploma que tambem

atribuia estes poderes à ASAE.

Contudo, o Tribunal Constitucional decidiu pela sua constitucionalidade. Isto era

importante, porque era preciso saber se a ASAE, assim criada tinha poderes para

prender uma senhora o que consubstancia uma restrição da liberdade. Além d

eterem autorização para usarem armas sem necessidade de licença (algo que o

Tribunal Constitucional não aceita como argumento porque há outras entidades (ex:

magistrados) que também têm. A ASAE não constava de lei aprovada pela AR acerca

das forças de segurança: pressupõe que a lista é taxativa. Argumento: o que deve

estar no 164 é o regime geral e não a expecificação das competências ou como se

trata de qualificação não se coloca esta questão? O Tribunal Constitucional afirma

que como a ASAE não tem como funções prosseguir a segurança pública, logo, não é

polícia. Mas o que interessa como qualificação de forças criminais são os actos e não

a qualificação orgânica.

III

Notificado do despacho que designa dia para a audiência, o arguido Etelvino não

apresenta qualquer contestação (cfr. art. 315º do CPP). No início da audiência de

julgamento, o advogado do assistente (que também deduzira pedido de

indemnização) alega que, por aplicação do artigo 490º do Código de Processo Civil,

tanto para efeitos civis como para efeitos penais, se devem considerar os factos como

admitidos por acordo. Terá razão?

TEMA: INTEGRAÇÃO

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

INTEGRAÇÃO: nos termos do art. 4º do CPP dispõem-se que (1) nos casos omissos (2)

quando as disposições do CPP não puderem aplicar-se por analogia (3) observam-

se as normas de Processo Civil que se harmonizam com o Processo Penal (é necessário

que exista analogia entre os casos (o caso omisso no processo penal e o caso previsto

no processo civil) e que as normas do processo civil se harmnizem com o processo

penal) (4) na falta destas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal (~ art.

10º cc)

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DUPLA FUNÇÃO DOS PRÍNCIPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

i. Função negativa ou de controlo do recurso ao processo civil;

ii. Função positiva e directamente integradora

É preciso ter muito cuidado em matéria de integração analógica: só há lugar a

integração quando exista lacuna e esta só exista quando haja uma situação que é

necessário regular e o não é, isto é, para a qual a lei não dê directamente solução.

PREENCHIMENTO DE LACUNAS NO PROCESSO PENAL – art. 4º

i. ANALOGIA

No direito penal substantivo (art. 1º/3) não há analogia para qualificar o

facto como crime – PRINCÍPIO DA TIPICIDADE. O Direito Penal é a

Magna Carta do criminoso, não podendo existir crimes desconhecidos.

Admite-se a analogia no processo penal, porque este não tem

permissão para definir quais os factos que são crimes. Este serve para

regulamentar a forma como o Direito Penal vai ser aplicado ao caso

concreto. A notícia do crime é uma dúvida. Há que perguntar se

realmente houve crime e, se houve, quem o praticou. Tem-se em vista a

descoberta da verdade material, mas sempre com respeito pelos

direitos do arguido.

Apesar das diferenças entre o Direito Penal e o Processo Penal existe

uma grande identidade entre elas que assenta no facto se só ser

aplicado através das sentenças proferidas pelo tribunal. O contrário

sucede na relação entre o Processo Civil e o Direito Civil: na grande

maioria dos casos o Direito Civil aplica-se sem recorrer ao tribunal,

apenas atraves da vontade das partes.

ii. NORMAS DE PROCESSO CIVIL: sempre que estejam em harmonia com o

Processo Penal

iii. PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

Antes o CPP era um conjunto de regras especiais que afastavam as regras do

processo civil. Actualmente, não se pode dizer que o CPP é um código imperfeito: os

princípios fundamentais do processo penal podem não se adequar com as soluções

consagras no processo civil, ao contrário do que sucede por exemplo no Contencioso

Administrativo em que o CPTA remete directamente para o CPC.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

No Processo Penal não existe qualquer ónus de impugnação especificada, sendo que

para proteger o arguido o facto não se dá por confessado. Mesmo que o arguido

tivesse confessado todos os factos na contestação, tal não teria valor, pois todos os

factos têm de ser provados em audiência de julgamento.

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No caso não existe qualuqer lacuna: o arguido não tem de tomar posição sobre todos

os factos, tendo direito ao silêncio e não existindo auto incriminação.Não se poderiam

considerar provados os factos para o pedido de indemnização: é por isso que as

indemnizações civis são conhecidas no processo criminal, ou seja visa-se que não

existam contradições – PRINCÍPIO DA ADESÃO (art. 71º): existem duas acções, uma

penal e uma civil, sendo ambas julgadas no mesmo processo (o pedido de

indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal

respectivo, só podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos

previstos na lei)

Por exemplo, no famoso caso americano O.J. Simpson, o arguido não foi condenado

por matar uma vez que tal se deu como não provado. Ele foi condenado a pagar

uma indemnização, porque se deu como provado que tinha morto a ex mulher.

IV

Duarte é condenado a 5 anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada.

Inconformado com a sentença, invocando que a prova testemunhal produzida no

julgamento demonstra claramente a sua inocência, ao contrário do decidido pelo

tribunal. Sucede que, nos termos do Código de Processo Civil, quando o recurso tem

por objecto a prova gravada acrescem dez dias ao prazo respectivo, mas no Código

de Processo Penal nada se diz a este respeito. Poderá Duarte beneficiar do acréscimo

do prazo, por aplicação subsidiária do preceito respectivo do Código de Processo

Civil?

(Acórdão do S.T.J. n.º 9/2005)

A situação no caso assenta em Duarte exigir que lhe seja aplicado um prazo extrea de

10 dias, como é feito no Processo Civil, quando se trata de recurso tendo como

objecto prova gravada. Este prazo de + 10 dias no Processo Civil justifica-se pelo

tempo que será gasto a transcrever-se a gravação. No CPP nada nos é dito quando a

esta situação.Quando exista uma lacuna, o que é diferente de uma situação de

silêncio da lei, só se poderá recorrer às normas de Processo Civil havendo uma

verdadeira lacuna. Não se pode aplicar subsidiariamente o Processo Civil.

Antes da Reforma de 98 não existia recurso tendo como objecto a reapreciação da

prova gravada. O STJ recusou a pretensão de Duarte e o recurso não foi apreciado.

Em 2007, no art. 411º/4 o prazo regra era de 30 dias (igual ao que sucedia em Processo

Civil) e retirou-se o acréscimo de 10 dias. Esta norma, actualmente, encontra-se

revogada.

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O Processo Penal é autónomo e completo: já não faz sentido falar na aplicação

subsidiária do Processo Civil.

V

Suponha que entra hoje em vigor a Lei nº 345-A/2012, de 12 de Dezembro, que

estabelece, além do mais, que:

1) O art. 92º, nº 1 do CPP passa a ter a seguinte redacção: «Nos actos processuais,

tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade,

salvo se se tratar de processo contra cidadão britânico, caso em que se utiliza,

também sob pena de nulidade, a língua inglesa». Suponha que corre neste

momento um processo por crime de corrupção activa contra o cidadão

britânico, no qual David Brown foi acusado de corrupção activa. Que

consequências tem a nova lei nesse processo?

TEMA: VALIDADE TEMPORAL DA LEI PROCESSUAL PENAL

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

PRINCÍPIOS GERAIS

REGRA GERAL: art. 12º do CC – a lei só dispõe para o futuro, ou seja para

depois da sua entrada em vigor, sendo que só ela que dispõe pelo que é de

aplicação imediata. A regra é a que a lei processual se aplica imediatamente

aos processos a instaurar e aos actos a praticar nos processos pendentes: não

se aplica nunca aos actos já praticados anteriormente, cuja valkidade deve

ser julgada de harmonia com a lei revogada.

EXCEPÇÃO: art. 5º/2 CPP (nº1 – corresponde à regra geral do art. 12º/1 CC).

NOTA: excepção da al. a) pode justificar-se por (1) aplicação do princípio jurídico

constitucional da legalidade em matéria penal – art. 29º/1 CRP; (2) aplicação do art.

32º/1 CRP quando da aplicação imediata da nova lei resultar, no caso concreto,

diminuição do direito de defesa do arguido, frustando as expectativas da defesa

relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados

pela aplicação imediata da nova lei.

No Direito Penal Substantivo vigora o Princípio da Irretroactividade. No Direito

Processual Penal, nos termos do art. 5º/1, o Princípio é o da Aplicação Imediata da

nova lei, ocorrendo neste caso a aplicação retroactiva da lei a processos pendentes.

Tal deve-se ao facto que se a nova lei piorar a situação do arguido tal não se irá

aplicar devido à excepção constante no art. 5º/2 al. a). O Princípio da Segurança

Jurídica faz sentido no Direito Penal Substantivo, mas como o Processo Penal não tem

como missão qualificar um facto como crime já não se entende que este princípio

aqui vigore. Em ambos os casos entende-se que as novas leis são mais perfeitas, mas

no caso do Direito Penal Substantivo o Princípio da Segurança Jurídica sobrepõe-se-

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lhe. Em Processo Penal como se entende que as novas leis são mais perfeitas, devem-

se aplicar o mais rapidamente possível.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

i. ACTOS JÁ PRATICADOS EM PROCESSO PENDENTE: aplica-se a lei anterior, não

sendo necessário ir às ressalvas constantes no art. 5º/2, uma vez que tal resulta

do art. 5º/1 in fine.

ii. NOVOS ACTOS: aos actos praticados desde a entrada da nova lei irá-se aplicar

a nova lei.

2) Diminuiu para metade os prazos estabelecidos no artigo 215º do CPP. Que

consequências tem esse facto na situação de Diogo Vaz, que, de acordo com

a antiga lei só teria de ser libertado dentro de 6 meses, muito embora, de

acordo com a nova lei, devesse ser libertado hoje?

O art. 215º respeita a uma norma processual material? Tendo em consideração que as

normas de direito material têm d einterferir na qualificação de um facto como crime,

assim sendo o art. 215º não o é, sendo portanto uma norma processual, mas que

afecta direitos fundamentais. O critério entre normas processuais e normas materiais

assenta em saber se interferem na qualificação de um facto como crime.

No caso seria aplicável o art. 5º/1, ou seja aplica-se imediatamente a nova lei pelo

que Diogo Vaz deveria ser libertado hoje.

VI

A revisão do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de

Agosto, introduziu, entre outras, as seguintes alterações … A que processos se aplicam

estas alterações?

1) O princípio da publicidade foi estendido à fase de inquérito (arts. 86º ss.);

Na redacção inicial do Código do Processo Penal, o segredo de justiça era

obrigatório, sem excepções, durante a fase do inquérito. O segredo de justiça visava

garantir a eficácia da própria investigação e recolha de prova.

Tal significou que os arguidos passaram a poder consultar o processo – art. 89º/1- ,

porque se aplicava a nova lei? Tendo em consideração a regra geral do art. 5º/1 –

Aplicação Imediata da Nova Lei – na situação em quase seria necessário atender à

excepção constante no art. 5º/2 al. b) e a nova lei não seria aplicada.

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O problema não foi grande, porque como é exigido requerimento, nos termos do art.

89º/1, o MP pode deferir se o processo estará ou não sujeito a segredo de justiça.

O art. 7º/1 I parte consubstancia uma norma de Direito Penal Transitório, podendo o

MP escolher quando a norma entra em vigor. Tal difere do que sucede no Direito Penal

em que quando as novas leis são mais favoráveis ao arguido têm mesmo de se

aplicar.

2) A prisão preventiva, salvo em caso de criminalidade violenta ou altamente

organizada, passou a só poder ser decretada em caso de existirem fortes

indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão de

máximo superior a 5 anos, e não 3 anos como era antes (art. 202º);

Neste caso ocorre a aplicação da regra geral constante do art. 5º/1 e a nova lei é

aplicada imediatamente.

VII

Na sequência de uma denúncia apresentada por António, por crime de furto

qualificado, é instaurado o competente inquérito, no dia 5 de Setembro de 1998.

Iniciadas as investigações surgem indícios de que o agente do crime será Bento.

1. Será obrigatório o interrogatório de Bento durante o inquérito, sabendo-se que

na redacção do C.P.P. anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, não existia

qualquer preceito com o mesmo conteúdo do art. 272.º do mesmo diploma, na

redacção introduzida pela mesma Lei?

TEMA: VALIDADE PROCESSUAL DA LEI PROCESSUAL PENAL

Em primeiro lugar será necessário atender ao momento em que a Lei nº59/98 entrou

em vigor, sendo para tal necessário recorrer ao seu art. 10º.

Artigo 10.º

1 - O presente diploma entra em vigor em 1 de Janeiro de 1999.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os artigos 57.º, 58.º, 59.º, 61.º, 62.º,

64.º, 66.º, 75.º, 76.º, 77.º, 82.º-A, 196.º, 254.º, 272.º, 312.º, 332.º, 333.º, 334.º, 335.º, 336.º,

337.º, 380.º-A, 381.º, 382.º, 386.º, 387.º, 389.º e 390.º do Código de Processo Penal, na

redacção introduzida pelo presente diploma, bem como o artigo 6.º, n.º 3, do

presente diploma, os quais entram em vigor no dia 15 de Setembro de 1998.

Page 13: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 13

Note-se que nos termos do art. 6º/1 da Lei 59/98, de 25 de Agosto consagra-se que ‘’As

alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pelo presente diploma são

aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.’’

No caso é nos dito que o inquérito foi instaurado a 5 de Setembro de 1998, sendo que

o interrogatório do arguido passa a ser obrigatório a partir de 15 de Setembro de 1998

nos termos da disposição transitória consagrada no art. 10º/2 (excepção ao nº1) da Lei

59/98, de 25 de Agosto.

Antes da entrada em vigor desta lei não era obrigatório proceder ao interrogatório do

arguido, possuindo o MP a faculdade de indicar se o considerava necessário ou não.

Com a entrada em vigor da nova lei, o interrogatório passa a ser obrigatório, quando

haja suspeita fundada, sob pena de nulidade nos termos do art. 120º/2 al. d).

Coloca-se a questão de saber se a nova lei é de aplicação imediata (princípio

constante do art. 5º/1) ou se se insere nalguma das excepções constantes no art. 5º/2.

Poder-se-ia equacionar a inserção desta questão na al. a) do art. 5º/2, ou seja o facto

de o interrogatório passar a ser obrigatório consubstancia ‘’um agravamento sensível

e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação

do seu direito à defesa’’? Embora exista sempre o perigo de o arguido ‘’dizer mais do

que aquilo que deve’’ tal não é um risco jurídico. Quando exista uma suspeita

fundada chama-se o arguido a interrogatório com vista a assegurar uma ocasião de

defesa daquele, o que também se relaciona com a presunção de inocência de que

goza. Além disso, o arguido tem sempre o direito ao silêncio (art. 61º/1 al. d). Em termos

jurícos o interrogatório não consubstancia um agravamento, embora em termos

facticos possa acontecer o oposto. Deste modo, não se inserindo a obrigação de

interrogatório em nenhuma das excepções previstas no art. 5º/2 conclui-se pela

aplicação imediata da nova lei.

2. Suponha agora que o processo foi instaurado em 1996 e que Bento é

condenado. Inconformado, o defensor de Bento interpõe recurso da sentença

no dia 15 de Dezembro de 1998. São aplicáveis ao julgamento do recurso as

alterações introduzidas ao C.P.P. pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto?

No caso estamos perante a temática dos actos novos em processos pendentes. Ao

contrário do que sucede em Direito Penal, em que as normas de direito transitório ou

são nulas ou se limitam a repetir a solução consagrada pela CRP, no Direito Processual

Penal é necessário, em primeiro lugar, analisar se existem disposições de direito

transitório.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 14

Atendendo ao art. 6º/2 da Lei 59/98, de 25 de Agosto tal consubstância uma norma

de direito transitório e determina que os processos em que tenha sido interposto

recurso continuam-se a reger pelas disposições anteriores à entrada em vigor desta

nova lei, pelo que não são aplicáveis ao julgamento de recuso as alterações

introduzidas por esta lei. A opção por esta solução relaciona-se com a harmonia e

unidade do sistema processual e, mesmo que não existisse esta norma de direito

transitório, estas alterações não seriam na mesma de aplicação imediata, uma vez

que tal situação enquadra-se na al. b) do art. 5º/2, excepção à regra geral de

aplicação imediata constante no art. 5º/1.

VIII

Na sequência da apresentação de denúncia contra Carlos, em que lhe é imputada a

prática de um crime de furto qualificado (art. 204.º, n.º 1, do C.P.), o M.P. instaura o

competente inquérito no dia 2 de Julho de 2012. Obtida fundada suspeita da prática

deste crime, Carlos é interrogado na qualidade de arguido pelo M.P. no dia 4 de

Março de 2013 e confessa todos os factos que lhe foram imputados. Responda às

seguintes questões:

1. Se Carlos não comparecer na audiência de julgamento as suas declarações

podem ser lidas, nos termos do art. 357.º, n.º 1, al. b), do CPP?

Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: entra em vigor a 21 de Março de 2013 – art. 4º

A questão sobre que incide o caso assenta em saber se as declarações proferidas

pelo arguido tem valor de prova em audiência de julgamento.

ARTIGO 6º (Lei 59/98, de 25 de Agosto)

1 - As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pelo presente diploma são

aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os processos em que tenha sido interposto

recurso da sentença, nos termos do artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, os quais

continuarão a reger-se pelas disposições anteriormente vigentes.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 15

Ou seja, prestando o arguido as suas declarações no dia 4 de arço de 2013 estas, o

que disser perante o MP pode ser usado contra ele no julgamento? A nova redacção

do art. 357º/1 al. b) é aplicável ao processo em que o interrogatório do arguido tenha

ocorrido a 4 de Março, sendo que a nova lei/redacção só entra em vigor a 21 de

Março?

Antas da entrada em vigor da nova redacção/lei, nomeadamente do art. 357º/1 al.

b), o arguido não é advertido de que tais declarações poderão ser usadas em

julgamento, sendo que tem sempre o direito ao silêncio. As declarações do arguido só

podem ser reproduzidas ou lidas em julgamento se ele assim concordar ou se tiver sido

prestadas perante o juiz e existirem contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas

em audiência. Ou seja, se o arguido confessou na fase de inquérito e no julgamento

nada diz, tais declarações não podem ser lidas. Tais declarações podem ser lidas, mas

a sua leitura não serve como meio de prova, podendo apenas o juiz utilizá-las para

fazer a critica das declarações, ou seja com base no que o arguido afirmou na fase

de inquérito desvalorizar o que ele disse no julgamento. Ou seja, o juiz não pode usar a

confissão (feita no inquérito) como meio de prova, apenas servindo para fazer a

crítica na audiência (art. 355º/1).

A nova lei de 20/2013, de 21 de Fevereiro procede à alteração do art. 357º,

nomeadamente, no que interessa ao caso, o nº1 al. b), passou a consagrar que as

declarações do arguido face a autoridade judiciária (juíz, juíz de instrução e MP – art. 1

al. b)), com assistência de defensor, desde que o arguido seja advertido, poderão ser

usadas e livremente apreciadas, podendo tais declarações ser utilizadas como meio

de prova nos termos do art. 141º/4 al. b).

No caso não se poderia aplicar a regra geral da aplicação imediata da nova lei,

constante no art. 5º/1, uma vez que tal se insere na excepção prevista na al. b) do art.

5º/2: existe uma quebra da harmonia dos actos processuais, sendo que o arguido não

foi advertido no momento em que prestou as declarações que tais podiam ser usadas

como meio de prova no julgamento o que consubstancia igualmente um

agravamento (excepção da al. a) do art. 5º/2), na medida em que se deixa no

momento do julgamento as hipoteses de defesa condicionadas pela lei anterior.

Importa ainda referir que nos termos do art. 4º/2 da Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro

consagra-se que ‘’Aos processos pendentes à data da entrada em vigor da presente

lei em que o arguido já tenha sido interrogado continua a aplicar-se o disposto no art.

357º do CPP’’.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 16

2. Suponha agora que o interrogatório de Carlos só tem lugar no dia 1 de Abril de

2013. A sua resposta é a mesma?

O art. 4º/2 da Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro consagra que se aplica a redacção

anterior do art. 357º apenas se o arguido já tiver sido interrogado, algo que não

sucece nesta hipotese.

Nos termos do art. 272º consagram-se os termos em que decorre o primeiro

interrogatório do arguido, sendo que nestes casos existe uma fundada suspeita da

prática do crime por uma dada pessoa, sendo que é neste momento, em princípio,

que tal pessoa é constituida como arguida (art. 58º/1 al. a)), oferecendo-lhe a

hipotese de defesa através do interrogatório.

O novo regime traduz um agravamento sensível e ainda evitável da situação

processual do arguido? Ou seja o novo regime, aplicando ao caso, é susceptível de se

enquadrar na excepção prevista no art. 5º/2 al. b)? O que o arguido declarar na fase

de inquérito, naquele interrogatório, fica adquirido no processo diminuindo as opções

que ele teria de outra forma na audência de julgamento.

O problema assenta no facto de que Carlos ainda não fora interrogado pelo que

ainda não foi constituido arguido e o art. 5º/2 al. a) refere-se expressamente a arguido.

Neste caso existe uma questão duvidosa no sentido de que o art. 5º parece

consubstanciar uma prioria do estatuto que ele já possui (arguido). Deste modo,

aplica-se mesmo assim a norma transitória constante no art. 4º e aplica-se a nova lei.

Note-se que o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO admite que neste caso faz sentido aplicar

a norma transitório, uma vez que ele ainda não foi constituído arguido pelo que não se

poderia enquadrar na excepção constante no art. 5º/2 al. a).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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3. Supondo que Carlos vem a ser absolvido pela 1.ª instância e condenado pela

Relação, na sequência de recurso interposto pelo M.P., a uma pena de 2 anos

de prisão, será este acórdão susceptível de recurso para o S.T.J., sabendo-se

que este recurso deixou de ser admissível em virtude das alterações

introduzidas ao art. 400.º do C.P.P. pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro?

(Acórdão do STJ nº 4/2009,D.R., I.ªSérie-A, de 19/03/2009)

O acórdão do STJ é um acórdão de fixação de jurisprudência, dado que tinham

existido dois acórdãos com soluções contraditórias. A antiga lei permitia o recurso da

Relação para o Supremo, algo que a nova lei restringe.

Houve uma divergência entre a decisão do acórdão e a dos votos vencidos: para os

primeiros, as garantias de defesa do arguido fazem sentido quando a sentença é

proferida (é nesse momento que o arguido vai decidir se vai recorrer ou não); para os

segundos as garantias de defesa do arguido fazem sentido logo.

No caso, para a maioria, a lei nova não se aplicava porque já tinha proferida a

decisão final, já se teria constituído o direito ao recurso. Se o arguido está a ser julgado

hoje e já tendo a nova lei saído quando é proferida a sentença, para o STJ aplicar-se-

ia a nova lei porque não não se constitui na esfera do arguido o direito ao recurso. O

que conta é o momento em que a decisão de 1º instância é proferida. É verdade que

tal limita as garantias de defesa, mas não para o STJ. As garantias de defesa só surgem

com a sentença proferida em 1º Instância. É necessário interpretar o art. 5º/2.

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: o direito de recorrer só existe quando a decisão é

proferida, mas o estatuto do arguido faz parte esta expectativa/direito à possibilidade

de recorrer em dois graus quando adquire o estatuto de arguido (art. 61º/1 al. i)).

Desde que adquiriu o estatuto de arguido, tudo o que seja no sentido de lhe retirar o

possível estatuto é um agravamento sensível dos seus direitos de defesa/estatuto

pessoal. O que o STJ faz é que a posição processual do arguido não seha lida no

global, mas sim em cada momento do processo.

PROF. HENRIQUE SALINAS: concorda com a posição minoritária, isto é, o que está em

causa é a situação processual do arguido. Tal deve ser apurado no seu todo. Há que

comparar qual oferece mais garantias, se de acordo com a nova lei, se de acordo

com a lei antiga. Portanto, de acordo com esta posição, aplicar-se-ia a lei antiga.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 18

IX

O Ministério Público deduziu acusação contra José Leal, imputando-lhe a prática de

um crime de falsificação de documentos, em concurso efectivo com um crime de

burla qualificada, por factos praticados em 1998. Quando os autos são remetidos para

julgamento está já em vigor a nova redacção do C.P.P., introduzida pelo Decreto-Lei

n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro. O arguido presta termo de identidade e

residência nos termos da redacção do art. 196.º do C.P.P. introduzida por este diploma

e é notificado do despacho que designa o dia para a audiência de julgamento.

Na primeira data designada para a audiência de julgamento o arguido não

comparece, e o tribunal considera que a sua presença no início da audiência não é

indispensável para a descoberta da verdade.

Pode a audiência de julgamento ter lugar na ausência do arguido, nos termos do

disposto no art. 333.º da redacção em vigor do C.P.P., à data da audiência, sendo

certo que, de acordo com a redacção vigente na data da prática dos factos, nesta

situação a audiência era obrigatoriamente adiada?

(Acórdão do S.T.J. de 24/03/2004, C.J., 2004, t. I, pp. 232 e segs.)

Se o tribunal considerar que a presença do arguido não é indispensável para a

descoberta da verdade material, pode decidir logo na primeira instância, sem prejuizo

de o arguido vir a prestar a declarações (isto de acordo com a nova lei).

De acordo com a lei antiga, aquele julgamento nunca se teria realizado sem a

presença do arguido: isto permitir-lhe-ia confessar e assim ter uma atenuação da

pena.

Não existia norma de direito transitório, esquecendo-se o legislador do art. 5º/2,

pensando apenas na regra geral do art. 5º/1. Os tribunais tentaram a seguinte

solução: a lei nova aplica-se aos processos pendentes se os arguidos prestarem novo

termo de identidade e residência (quando isto faz é-lhes dito quais as situações em

que se popde realizar a audiência de julgamento sem o arguido).

Deste modo, deveria ter sido aplicada a lei antiga. Tal consubstância uma nulidade

insável nos termos do art. 119º al. c).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 19

X

Em determinado processo, que corre termos contra Fernando Oliveira, pela eventual

prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, e se encontra em fase de

julgamento, o juiz profere o seguinte despacho:

«Quando os presentes autos tiveram início, o crime de emissão de cheque sem

provisão era um crime público, nos termos do Decreto-Lei n.º 454/91. Hoje, em virtude

do disposto no art. 11.º-A do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo

Decreto-Lei n.º 316/97, o procedimento criminal por este crime depende de queixa.

Acontece que, analisados os autos, conclui-se que não foi apresentada queixa. Ora, o

art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, determina que, em casos de sucessão de leis, deve

aplicar-se ao agente o regime que, concretamente, se mostrar mais favorável. Assim,

sendo claramente mais favorável o actual regime (que subordinou o exercício da

acção penal à existência de queixa) e concluindo-se que não foi exercido tal direito

de queixa nos seis meses posteriores à entrada em vigor da nova lei, impõe-se julgar

extinto o procedimento criminal contra o arguido, relativamente a estes factos, por

falta de legitimidade do Ministério Público em prosseguir a acção penal (arts. 29.º, n.º 4

da Constituição da República Portuguesa)».

O juiz decidiu bem?

(«Assento» n.º 4/99, D.R., I.ªSérie-A, de 30/03/99 e Acórdão do S.T.J. de 05/04/2001, C.J.,

2001, t. II, pp. 176 e segs.)

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

LEIS PROCESSUAIS PENAIS MATERIAIS

Segundo o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA tendo a lei efeitos sobre a

penalidade concreta aplicável ao arguido, ela deve ser considerada de natureza

material, ainda que o seja também de natureza processual, ou seja, de natureza mista

penal- processual.

Quanto às normas sobre prescrição do procedimento criminal entende-se, hoje

pacificamente, tais têm natureza material e por isso são de aplicação retroactiva

quando mais favoráveis ao arguido. As normas sobre prescrição afectam a

delimitação da infracção, necessariamente afectada pela extinção do direito de

acção penal, constituem causa de afastamento da punição, condicionam a

efectivação da responsabilidade penal.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Quanto às normas sobre condições de procedibilidade existem divergências na

doutrina e na jurisprudência. Que a norma que transforma o crime particular ou

semipúblico em crime público ou o crime público em crime particular ou semipúblico e

aquelas que respeitam à disciplina da queixa ou da acusação particular condicionam

a responsabilidade penal e têm por isso tambem natureza substantiva não parece ser

controverso. As duvidas assentam na sua aplicaçao pratica. Em termos gerais é de

aplicar a lei que concretamente se mostre mais favoravel ao arguido e recusar a

aplicaçao retroactiva da lei mais gravosa.

Qual o momento a partir do qual se há-de contar o prazo para apresentação de

queixa quando a lei nova exige queixa e a anterior não o exigia?

PROF. TAIPA DE CARVALHO E JURISPRUDÊNCIA – solução que parece impor-se pelo

direito constitucional de acesso aos tribunais e de protecção contra a vitimização

secundária (art. 20º/1 e 32º/9 CRP)

i. LEI NOVA CONVERTE O CRIME PÚBLICO EM SEMIPÚBLICO: no caso de o titular do

direito já conhecer o facto e os seus autores, o prazo conta-se a partir do

momento em que entrou em vigor a nova lei;

ii. LEI NOVA ENCURTA O PRAZO: aplicar-se-á a lei nova, se o tempo que ainda

faltar decorrer para preencher o prazo da lei antiga for superior ao prazo da lei

nova; caso contrário continuará a aplicar-se a lei antiga.

CASO EM QUE NOVA LEI CONVERTE O CRIME PÚBLICO EM SEMIPÚBLICO OU PARTICULAR

(O PROCEDIMENTO PASSA A FICAR DEPENDENTE DE QUEIXA) ESTANDO O PROCESSO JÁ

INSTAURADO - JURISPRUDÊNCIA: tendo a queixa natureza processual as respectivas

normas são de aplicação imediata, mas não retroactiva, ou seja, o processo mantém-

se válido. Nenhuma nova lei processual pode afectar a validade dos actos

processuais validamente praticados segundo a lei da época em que o foram.

PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA: esta situação não se resolve pela simples

qualificação da queixa como condição de procedibilidade e natureza processual,

pois quando as leis processuais tenham efeitos substantivos é o regime destas leis que

se deve aplicar, no que favorece ao arguido. É necessário distinguir a fase em que o

processo se encontra:

i. FASE DO INQUÉRITO: o MP não poderá deduzir acusação sem prévia queixa,

uma vez que a legitimidade não é imutável, havendo de se aferir a cada

momento do processo, em relação a cada acto que se vá praticando, em

função das disposições legais aplicáveis.

ii. FASE DA INSTRUÇÃO OU DO JULGAMENTO: passando o crime público a ser

semipúblico ou particular, tal alteração não tem efeitos no que respeita à

validade da acusação, mas a nova natureza do crime tem implicações,

nomeadamente no que respeita ao direito de extinção do procedimento pela

via da desistência da queixa (melhor, de renúncia ao procedimento)

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 21

2. RESOLUÇÃO DO CASO

No caso existe num processo que corre contra Fernando pela prática de um crime

que, de acordo com a lei antiga, era um crime público. Quando entrou em vigor a

nova lei, o procedimento criminal já tinha tido inicio, pelo que para continuar o

procedimento criminal não seria necessário uma queixa: era uma questão de

procedibilidade.

PROF. TAIPA DE CARVALHO: não se trata de uma questão de legitimidade, uma vez

que no momento em que o inquérito é instaurado o MP tinha legitimidade; trata-se,

sim, de uma questão de procedibilidade.

No entanto, por efeito da nova lei, o arguido passaria a beneficiar, no caso de o

ofendido querer desistir da queixa: aplicar-se-ia a lei nova por ser a mais favorável ao

arguido.

A ideia das normas processuais materiais (como a queixa) é a de as subtrair à

aplicação do art. 5º aplicando deste modo o art. 2º/4. Nestas normas processuais

materiais, em que rege sempre o que art. 2º/4 - neste caso não é grave, mas nos casos

de prazos de prescrição já o é – esta não se pode aplicar retroactivamente.

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: defende que se deve aplicar o art. 5º/1. Aplica-se

imediatamente a nova lei, mas os actos já praticados mantém-se (exemplo: lei

descriminalizadora: se já cumpriu pena tal não produz qualquer vantagem).

SOBRE A POSIÇÃO DO PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E DO PROF. TAIPA

DE CARVALHO: dizem que aplicam o art. 2º/4 quando na verdade estão a

aplicar o art. 5º/1. O processo começa sem queixa do ofendido, pelo que o MP

tem legitimidade para iniciar o processo. Não fazia sentido neste caso aplicar a

lei retroactivamente: o que está bem praticado assim permance, sendo que a

partir deste momento é que o crime passa a ser tratado como semi público.

Uma aplicação retroactiva da lei faria e faz com que o ofendido pudesse

desistir da queixa.

Na SOLUÇÃO o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO encontra-se de acordo com a

posição do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E DO PROF. TAIPA DE

CARVALHO; a divergência assenta no FUNDAMENTO: para o PROF. JOSÉ LOBO

MOUTINHO não existe qualquer retractividade, sendo que os actos praticados

na vigência da lei anterior são válidos, não existindo qualquer anulação;

aplicação imediatamente a nova lei aos processos pendentes.

Em qualquer dos casos passa a existir a possibilidade de desistência de queiza (passa

a ser relevante), pelo que a solução era idêntica quer aplicassemos um ou outro

preceito. O processo mantém-se.

O tribunal de 1º Instância foi mais longe e afirmou que seria necessária queixa, apesar

de o procedimento já ter sido iniciado. A solução não é compatível com o art. 5º

porque os efeitos da nova lei só se produzem para o futuro. Do ponto de vista formal,a

instância tem alguma razão, porque se é aplicável retroactivamente, então, tem de

ser necessária a apresentação de queixa.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 22

O que aconteceria se ainda estivessemos no inquerito e se transformasse o crime

publico em crime particular?

Ocorrendo a transformação do crime público em particular seria necessário a

acusação particular, o que por sua vez seria mais favorável ao arguido, condicionado

o exercício da acção penal. Os actos praticados enquanto o crime era público não

são anulados. Se ainda se estiver na fase do inquérito é necessário a dedução de

acusação particular. Caso já não se esteja na fase do inquérito não é necessário

acusação particular, mas poderá ocorrer a desistência da queixa.

Se o processo ainda não tivesse sido instaurado, o prazo de 6 meses para a

apresentação da queixa conta-se a partir do momento da prática do facto ou da

entrada em vigor da nova lei? Na opinião do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA

ocorria a aplicação imediata da nova lei, contando-se o prazo de 6 meses a partir do

momento da prática do facto; por sua vez tanto o PROF. TAIPA DE CARVALHO COMO

O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO defendem que o prazo de 6 meses conta-se a partir

da entrada em vigor da nova lei.

PARTE II

XI

O Ministério Público deduz acusação contra António, imputando-lhe a prática de um

crime de furto simples. Recebidos os autos pelo tribunal de julgamento, o juiz profere

despacho pelo qual considera inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 4, da

Constituição, o art. 263.º do Código de Processo Penal (CPP), na medida em que

atribui ao Ministério Público a direcção do inquérito. Em consequência, declara

juridicamente inexistentes todos os actos praticados no processo. Em recurso, o

Tribunal da Relação revoga a decisão baseado em que a instrução, a que se refere

aquela disposição constitucional, de acordo com o CPP compete a um juiz. Quid Iuris?

(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87)

O Acórdão do TC 7/87 procedeu à fiscalização preventiva do art. 32º/4 da CRP.

Segundo esta norma constitucional toda a instrução é da competência do juíz. As

diligências processuais que cabem no art- 263º são materialmente instrutórias e, no

entanto, o TC decidiu pela constitucionalidade da norma.

PROF. FIGUEIREDO DIAS: actualmente, onde se diz instrução preparatória chama-se

inquérito. Mudou-se o nome, mas o resto manteve-se. Este professor considera que é

constitucional, porque essa fase deve caber ao MP, por isso não existe violação do art.

32º/4.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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PROF. VITAL MOREIRA: considera que toda a instrução é da competência do juiz e o

que se está a fazer é dividir a instrução em duas fases, chamando-se inquérito à

primeira, sendo ela materialmente instrução.

A instrução prepatória não existe actualmente no nosso código, mas anteriormente

existia e ao actual inquéria correspondia a instrução preparatória e a actual instrução

corresponde à antiga instrução contraditória. Assim, o legislador constitucional ao

elaborar o art. 32º/4 tinha como intenção que toda a instrução fosse da competência

do juiz e pretendeu-se jurisdicionalizar integralmente a instrução, sem prejuizo de esta

ser a unica e a melhor solução.

Pretendeu-se, com isso, retirar ao MP esses poderes, porque no regime anterior o MO

era controlado pelo Estado (Novo). Pretendia-se blindar todo o processo criminal ao

Governo.

Quanto entrou em vigor a CRP, o MP já era completamente independente, pelo que

já se poderia entregar o inquérito aquele, mas ainda assim essa não foi a opção do

legislador. Até, porque, na prática, quem investiga são os órgãos de polícia criminal.

Assim sendo, isto nunca vigorou. Mesmo na altura, foi criado um inquérito preliminar

atribuido ao MP visando esvaziar a instrução preparatória. Era completamente

impraticável atribuir a direcção de todos os processos a um juiz. O juiz nao se deve

imiscuir na investigação para salvaguardar a sua independencia. Alem de que não

salvaguardava a estrutura acusatória do processo.

Em vez de ter alterado a CRP, deu-se outro nome ao inquerito para se furtar à

declaração de inconstitucionalidade. A solução correcta é a que hoje temos, mas

dever-se-ia ter alterado a CRP segundo o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA.

O que mais nos interessa é aferir qual o conteúdo útil que podemos retirar do art. 32º/4.

Este artigo tambem tem influencia nao apenas na fase de instruçao, mas tambem na

fase de inquerito, pois ha determinados actos que mesmo no inquerito tem

necessariamente de ser praticados pelo juiz, nomeadamente os actos que colocam

em causa direitos fundamentais. Se mesmo na fase de instruçao, os actos que possam

afectar os direitos fundamentais tem de ser praticados pelo juiz, então, por maioria de

razão, numa fase que não é dirigida ao juiz esses actos instrutorios tambem terão de

ser praticados por ele. O art. 32º/4 pretendia abranger tanto a instrução como o

inquérito.

Page 24: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 24

XII

Faça um comentário crítico à seguinte notícia:

«Reclamados mais juízes para o Tribunal Central

Carlos Alexandre tem os processos mais mediáticos porque é o único titular

2010-01-19

CLARA VASCONCELOS

O juiz Carlos Alexandre é o homem do momento. O superjuiz. Aquele que tem

em mãos os processos judiciais mais mediáticos. Mas porquê ele e só ele?

Porque é o único juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal. Um

exclusividade com que a maioria discorda.

Criado em 1999, o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) prevê, no seu

quadro, a existência de um único juiz. Uma situação com que a juíza Fátima

Mata-Mouros, a primeira a ocupar o cargo, sempre discordou. Mas de que

também discordam o presidente do Sindicato dos Juízes Portugueses, António

Martins, e o próprio Conselho Superior da Magistratura (CSM).

No "ticão", como é conhecido o TCIC, são apreciados todos os casos de

criminalidade grave e complexa e que, simultaneamente, abranjam vários

distritos judiciais. São processos necessariamente complexos. Algumas das

questões ali apreciadas nunca foram pensadas ou julgadas. É um tribunal de

dimensão nacional, tal como o Supremo, mas de competência específica.

Tudo isto é demasiado sério para ficar nas mãos de um único juiz. António

Martins, da ASJP, defende que "os tribunais não devem ter como característica

a perspectiva de órgão unipessoal". No seu entender, o que os cidadãos

procuram nos tribunais "é que haja aliatoriedade na distribuição do serviço"

("escolhe-se o médico, não se escolhe o juiz"). Não é positivo que saiba, à

partida, "que é este, com esta maneira de ser e esta maneira de interpretar a

jurisprudência". Para além da "manipulação" que este conhecimento prévio

possa estimular, como diz Mata-Mouros (ver entrevista), é a própria

jurisprudência que, existindo uma única perspectiva, "sai empobrecida", diz

Martins.

O próprio CSM, embora sublinhando não existirem pendências naquele

tribunal, "reconhece que só um juiz é insuficiente face à complexidade dos

casos e à sua urgência".

Fátima Mata-Mouros, que ocupou o cargo desde o seu início até 2004, sempre

defendeu, em relatórios enviados ao CSM, o alargamento do quadro. Tal nunca

sucedeu. Porque o legislador, a quem compete a elaboração da Lei da

Organização dos Tribunais, não o quis. Ao CSM, resta nomear juízes auxiliares,

mas só a pedido do juiz titular.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 25

Mata-Mouros requereu-o, no final do "mandato", quando também se

encontrava no final de uma gravidez. Foi destacado Carlos Alexandre. Em

2005, Ivo Rosa ganhou o lugar de juiz titular e Ana Peres foi nomeada juíza

auxiliar, mas nunca ocupou o cargo, uma vez que se encontrava, em

exclusivo, no processo Casa Pia. Carlos Alexandre assumiu o Tribunal em 2006,

mas nunca solicitou ao CSM um auxiliar.

"É demasiado poder para um só juiz"

[Fátima Mata-Mouros, Juíza desembargadora]

Sempre defendeu a existência de mais juízes no Tribunal Central de Instrução

Criminal (TCIC), porquê?

O TCIC é um tribunal com características muito especiais, com dimensão

nacional, com competência para os crimes mais graves do país e que

atravessam as fronteiras geográficas. Um tribunal onde necessariamente

recaem todas as atenções. Só isto já chegaria para justificar um quadro mais

alargado. Nenhum tribunal deve ficar dependente da jurisprudência de um só

juiz. As questões que caem no Tribunal Central são muito específicas, muitas

delas nunca foram pensadas. É muita responsabilidade para uma só pessoa e,

acima de tudo, é muito poder.

Sentiu solidão quando esteve à frente do TCIC?

Claro. Senti essa solidão e essa responsabilidade, que corresponde a um

tremendo poder e que é demasiado para uma cabeça só.

É um juiz que se torna muito conhecido da opinião pública...

E não só. Também se torna muito conhecido das polícias e dos arguidos. E isso

pode dar azo a manipulações. É fácil defender que um crime ocorreu em dois

distritos para que seja decidido no TCIC. Ou o contrário. É fácil perceber qual o

estilo do juiz, como decidiu em casos semelhantes,etc, e agir em

conformidade. Se não se soubesse à partida a que juiz calharia o processo,

essa manipulação seria mais dificultada. Essa é mais uma razão a justificar um

quadro de mais juízes.

O facto de ser um único juiz torna-o um alvo mais fácil?

Torna-se alvo das atenções e isso nunca é bom nem para a segurança, nem

para a tranquilidade decisória.

O juiz do TCIC devia ter segurança?

É lamentável ser necessário existir uma ameaça para que um juiz tenha direito

a segurança.»

(http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1473146 )

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 26

TEMA: PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Nos termos do art art. 32º/9 CRP nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja

competência esteja fixada em lei anterior: PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL OU LEGAL.

Visa-se evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um caso

determinado.

Não é admissível que a norma autorize a determinação discricionária do tribunal ou

tribunais que hão-de intervir no processo: as normas, tanto orgânicas como

processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de

intervir em cada caso em atenção a critérios objectivos.

É necessário conjugar o art. 32º/9 com o art. 209º/4 que proíbe a existência de tribunais

com competência exclusiva para julgar certas categorias de crimes, com excepção

feita para os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra – art. 213º.

A orgem histórica do princípio do juiz natural parece ser a lei francesa de Agosto de

1790 sobre a organização judiciária, que teve como finalidade impedir a ingerência

do rei nos assusntos judicias, garantindo aos cidadãos tribunais imparciais, e na sua

formulação mais morderna a Constituição italiana de 1947 e a alemã de 1949. O

princípio foi também acolhido na Carta Constitucional de 1826 e em textos

internacionais sobre direitos fundamentais (DUDH, Convenção Europeia dos Direitos do

Homem e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – necessidade de tribunal

independente, imparcial e competente, estabelecido por lei).

É necessário atender à doutrina italiana quanto à interpretação que esta faz sobre juíz

pré constituído por lei: a doutrina e jurisprudência italianas começaram por interpretar

a norma da sua constituição como querendo garantir, para além da proibição de

tribunais extraordinários, a determinação do tribunal competente com relação ao

facto abstracto realizável no futuro e não a posteriori, ou seja, uma competência

fixada imediatemnte e exclusivamente por lei, excluindo a possibilidade de uma

alternativa entre um juiz e outro, prevista pela lei, mas resolúvel a posteriori mediante

um procedimento singular. Esta orientação consagrava uma reserva absoluta da lei

em matéria de competência jurisdicional.

Numa corrente doutrinal mais recente, o princípio do juíz natural pré constituido por lei

vem a ser interpretado como sendo aquele que é racionalmente idóneo para garantir

a objectividade e imaparcialidade do julgamento a ratio do art. 25º/1 da Constituição

italiana seria então a de garantir a imparcialidade do juiz.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 27

A competencia do juiz deverá ser fixada na base de criterios gerais fixados

previamente e não depois da prática do crime e em vista ao seu julgamento de modo

a assegurar a sua efectiva imparcialidade.

Garantida a exclusividade da jurisdição em matéria criminal dos tribunais judiciais (art.

211º) e a sua independência (art. 203º) é necessário assegurar a imparcialidade dos

juizes o que se alcança pela previa fixação por lei de criterios objectivos gerais de

repartição da competência, concretizando-se tal:

i. Em só a lei poder instituir o juiz e fixar-lhe a competência

ii. Em a fixação do juiz e a sua competência ter de ser feita por lei anterior à

prática do facto que será objecto do processo.

PROF. GERMANO MARQUES DA SILA: em ordem a assegurar a imaprcialidade

dos juízes e tribunais, o que importa essencialmente não é a competência

individualizada de um determinado tribunal para o caso concreto, proibindo-se que a

causa venha a ser submetida a tribunais diferentes dos que para ela eram

competentes ao tempo da prática do facto que constitui o objecto do processo, mas

apenas em razão daquela causa ou de categorias de causas a que ela pertence

sejam criados post factum tribunais de excepção, ou a definição individual da

competência, ou do desaforamento descricionário de uma certa causa, ou por

qualquer outra forma descricionária que ponha em perigo o direito dos cidadãos a

uma justiça penal independente e imparcial.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

Quanto ao Tribunal Central de Instrução Criminal o critério é de que o crime tenha

ocorrido em vários distritos, sendo competente, nesse caso, aquele único juiz. A lei

estabece critérios gerais para a competência deste tribunal. O problema é que como

só existe um juiz, isto aumenta as tentativas de manipulação.

Uma solução a esta situação poderia passar pela criar de um tribunal para crimes

económicos e financeiros, mas o art. 209º/4 não permite tal: existe a proibição de

criação de tribunais especificos, a fim de evitar que se criem tribunais para crimes

políticos, como no Estado Novo.

No Processo Casa Pia provou-se que houve manipulação quanto à escolha do juiz de

instrução. A importância de um juíz de instrução assenta no facto de ele proceder ao

primeiro interrogatório do arguido e de poder aplicar medidas cautelares,

nomeadamente a prisão colectiva.

Page 28: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 28

XIII

Eduardo é acusado pelo Ministério Público pela prática de um crime de homicídio a

pedido da vítima (art. 134.º do C.P.). Inconformado, requer a abertura da instrução.

Terminada a instrução, o juiz entende que a matéria da acusação está, mais do que

indiciada, verdadeiramente provada pelo que profere, desde logo, sentença

condenatória, invocando razões de celeridade e economia processuais.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A COMPETÊNCIA FUNCIONAL E MATERIAL

O CPP trata da competência material e funcional nos arts. 10º a 18º e da

competência territorial nos arts. 19º a 23º. Não autonomiza a disciplina da

competência material relativamente à funcional, assimilando-as, quer nos efeitos, quer

na oportunidade para conhecer da incompetência correlativa.

COMPETÊNCIA MATERIAL: delimita a jurisdição penal dos diversos tribunais em razão da

natureza dos processos ou da qualidade dos arguidos. Todos os tribunais com

jurisdição penal que podem intervir num dado processo têm competência

relativamente à matéria objecto do processo.

Relativamente a um processo por crime punível com pena de prisão até 5

anos, têm, em regra, competência material o juiz de instrução criminal, o

tribunal singular da comarca, o tribunal da Relação, o tribunal de execução de

penas, mas são materialmente incompetentes o tribunal colectivo e o tribunal

de júri.

Quanto a crimes em que seja arguido um juiz de direito são competentes o

tribunal da relação, o STJ e o tribunal de execução de penas, mas são

materialmente incompetentes os juízes de instrução e os tribunais de comarca.

Tradicionalmente, a competência material é analisada em função da repartição dos

feitos penais pelas diferentes espécies de tribunais penais de 1ª instância e a

competência funcional em atenção ao desenvolvimento do processo nas suas

diferentes fases ou à competência de diferentes órgãos judiciais dentro da mesma

fase.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 29

Não distinguindo a lei, parece dever entender-se que os diferentes nºs e alíneas dos

arts. 11º a 17º delimitam simultaneamente a competência material e funcional dos

respectivos tribunais.

COMPETÊNCIA FUNCIONAL: delimita a jurisdição dos diferentes tribunais materialmente

competentes dentro do mesmo processo e segundo as suas fases ou graus e para a

prática de determinados actos dentro de cada fase ou grau de jurisdição.

Relativamente ao exemplo indicado, o juiz de instrução criminal tem

competência funcional para proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia

e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (art. 17º); o tribunal

singular tem competência funcional para julgar o processo em 1ª instância (art.

16º/1, c)) e as secções do tribunal da Relação têm competência para os

recursos.

Quanto ao segundo exemplo, as secções criminais das relações são

funcionalmente competentes para os actos jurisdicionais relativos ao inquérito,

para a instrução e julgamento (art. 12º/2, a) e b)) e as secções criminais do STJ

competentes para os recursos (art. 11º/3, b)).

A competência funcional abarca a competência em função da hierarquia (art. 23º

LOFTJ) e a distribuição da competência entre tribunais do mesmo grau nas diferentes

fas CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL COMPETENTE EM 1º INSTÂNCIA –

COMPETÊNCIA MATERIAL

A competência material, sobretudo para o julgamento em 1ª instância, determina-se

geralmente em função da natureza ou da gravidade do crime.

Critério quantitativo: atende à gravidade da pena aplicável ao crime;

Critério qualitativo:atende à espécie do crime ou à natureza de algum dos seus

elementos

Arts. 14º e 16º CPP: aplicam os 2 critérios.

Arts.14º/1 e 2, a) + 16º/2, a): critério qualitativo.

Arts. 14º/2, b) + 16º/2, b): critério quantitativo.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 30

GRAVIDADE DA PENA APLICÁVEL PARA EFEITO DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

O critério quantitativo para delimitação da competência material dos tribunais atende

à gravidade da pena aplicável ao crime. Nos termos do art. 15ºpara efeito da

delimitação da competência material em razão da gravidade da pena aplicável são

levadas em conta todas as circunstâncias que possam elevar o máximo legal da pena

a aplicar no processo. Deste modo, só se deve atender às circunstâncias que possam

elevar o máximo da pena a aplicar no processo, às circunstâncias modificativas

agravantes (art. 78º CP: concurso; ART. 83º CP: delinquência por tendência; alcoólicos

e equiparados: art. 86º CP).

Na delimitação da competência entre o tribunal singular, o tribunal colectivo e o

tribunal de júri, a lei atende à gravidade da pena aplicável (arts. 13º/2, 14º/2, b); 16º/2,

b)). O tribunal do júri é competente para o julgamento de crimes cuja pena máxima

aplicável for superior a 8 anos de prisão, o tribunal colectivo para o julgamento dos

crimes cuja pena máxima aplicável for superior a 5 anos de prisão e o tribunal singular

para os crimes cuja pena máxima aplicável for igual ou superior a 5 anos de prisão. Em

função do critério quantitativo da pena a aplicar, o tribunal singular não pode aplicar

penas quantitativamente superior a 5 anos de prisão e os tribunais colectivos e do júri

só deverão intervir nos processos em que seja aplicável uma pena superior a 5 e 8

anos de prisão, respectivamente. É, portanto, a pena máxima abstractamente

aplicável que serve de critério para delimitar quantitativamente a competência

material dos diferentes tribunais.

O tribunal pode vir a julgar que a circunstância invocada não se verificou e que então

deveria ser julgado incompetente por excesso de competência. Porém, há a regra de

que quem pode o mais pode o menos e por isso, se o tribunal colectivo podia aplicar

pena de prisão superior a 5 anos pode também aplicar pena inferior. Presume-se que

quanto mais solene é o tribunal maiores são as garantias de defesa, donde que não

haveria dano para o arguido por ser julgado por tribunal mais solene.

Há circunstâncias que fazem parte do tipo de crime (art. 72º/2 CP) e essas, sejam

agravantes ou atenuantes, são já consideradas na fixação legal da penalidade. O

que importa considerar para efeito de interpretação do art.15º, são as circunstâncias

que não fazendo parte do tipo do crime alteram a pena aplicável.

Nos termos do art. 15º só devem ser consideradas para efeitos de determinação da

pena aplicável as circunstâncias modificativas agravantes comuns.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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A lei não prevê circunstâncias que tenham por efeito a agravação judicial da pena

para além dos limites da pena aplicável ao tipo de crime, mas prevê circunstâncias

atenuantes que têm por efeito a atenuação judicial especial da pena e estas ficam

excluídas porque dependem da apreciação concreta do tribunal (o MP pode sempre

ter em conta as circunstâncias atenuantes, usando da faculdade que lhe é

concedida pelo art.16º/3).

O art.15º manda atender ao máximo legal da pena a aplicar no processo. Não há

que atender apenas ao máximo legal da pena a aplicar ao crime, mas ao máximo

legal da pena que pode ser aplicada ao arguido no processo. O mesmo processo

pode ter por objecto vários crimes e do concurso resultar que a pena a aplicar ao

arguido seja superior à aplicável por cada um dos crimes em concurso. Nestes casos,

a pena a aplicar há-de ter como limite máximo a soma das penas concretamente

aplicadas a cada um dos crimes em concurso, nos termos do art. 78º/2 CP – solução

consagrada no art. 14º/2, b).

COMPETÊNCIA MATERIAL E FUNCIONAL DOS DIFERENTES TRIBUNAIS

COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO TRIBUNAL E COMPETÊNCIA DOS JUÍZES QUE

COMPÕEM O TRIBUNAL

Os arts. 10º e 18º CPP disciplinam apenas a competência material e funcional dos

tribunais, mas não tratam da competência funcional de cada um dos juízes que

integram o órgão jurisdicional quando de composição plural – tribunal colectivo ou do

júri.

Assim, as normas dos arts. 301º, 312º, 322º, 345º, 372º/1, 372º/2 respeitam à

competência funcional dos juízes e jurados que compõem o tribunal. A competência

é primariamente do tribunal, mas tratando-se de órgão de composição plural importa

também a competência de cada um dos membros do tribunal.

A LOFTJ dispõe sobre a competência do Presidente, dos Vice-Presidentes e Presidentes

das secções do STJ (arts. 52º e 55º) e das relações (arts. 69º, 70º e 71º) e o art. 139º

sobre a competência do presidente do tribunal colectivo.

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL/JUÍZ DE INTRUÇÃO

Os tribunais de instrução criminal são tribunais de 1ª instância de competência

especializada e singulares. Porque singulares é indiferente que se refiram a tribunais ou

a juízes: a LOFTJ refere-se aos juízos de instrução criminal (art. 111º a 113º) e o CPP a juiz

de instrução (art. 17º).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 32

Compete ao tribunal de instrução criminal (ou ao juiz de instrução): proceder à

instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao

inquérito (art. 17º CPP e art. 111º LOFTJ).

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SINGULAR

O tribunal singular tanto pode ser tribunal de competência genérica (tribunal de

comarca) como tribunal de competência especializada (juízos de media e pequena

instância) - arts. 132º e 133º LOFTJ.

Os tribunais singulares de competência genérica e os juízos de média e pequena

instância têm a mesma competência em matéria criminal, competindo-lhes nos

termos do art.16º CPP, julgar os processos que respeitem a crimes:

a) Que não couberem na competência de tribunais de outra espécie (critério

meramente residual; cabem na competência do tribunal singular todos os

crimes que não caibam na competência de tribunais de outras espécies);

b) Previstos no capítulo II do título V, do livro II do CP (adopta-se o critério

qualitativo, em atenção a que apreensão da prova não oferece grande

dificuldade, é um critério perigoso, pois não é possível estabelecer a priori quais

os crimes relativamente aos quais a apreensão de prova não oferece grande

dificuldade; os crimes contra a autoridade pública que podem ser puníveis

isoladamente com penas de máximo superior a 5 anos e em concurso com

penas até 25 anos)

c) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for igual ou inferior a 5 anos de

prisão;

d) Que devam ser julgados em processo sumário

e) Os crimes de competência normal do tribunal colectivo ou do júri, em razão da

pena aplicável, quando o MP entender que não deve ser aplicada, em

concreto, mesmo em caso de concurso, pena de prisão superior a 5 anos.

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL COLECTIVO

O tribunal colectivo de 1ª instância tanto pode ser tribunal de competência genérica

(tribunal de comarca) como tribunal de competência especializada (tribunal criminal)

e de competência específica (varas criminais). Competem-lhe julgar os processos que

(art. 14º):

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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1. Não devendo ser julgados pelo tribunal do júri, respeitarem a crimes contra a

paz e a humanidade (arts. 239º a 246º CP) e contra a segurança do Estado

(arts. 308º a 346º CP)

2. Não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes:

a) Dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte

de uma pessoa e não devam ser julgados em processo sumário;

b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 5 anos de

prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o

limite máximo correspondente a cada crime e não devam ser julgados em

processo sumário.

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

O tribunal do júri só intervém quando a sua intervenção for requerida pelo MP, pelo

assistente ou pelo arguido (art. 13º).

O requerimento para intervenção do tribunal do júri é irretratável (art. 13º/5) e deve ter

lugar no prazo para a dedução da acusação, quando for do MP ou do assistente, e

no prazo para requerimento da instrução, quando for do arguido. Havendo instrução,

o requerimento do assistente que não tenha deduzido acusação e do arguido devem

ter lugar no prazo de 8 dias a contar da notificação da pronúncia (art. 13º/3).

Compete ao tribunal do júri julgar os processos que respeitem a crimes:

a) Contra a paz e a humanidade, contra a segurança do Estado e previstos na Lei

Penal Relativa à Violação do Direito Internacional Humanitário (art. 13º/1);

b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 8 anos de prisão,

desde que não devam ser julgados pelo tribunal singular (art. 13º/2).

Exceptuam-se da competência do tribunal de júri os crimes de terrorismo e os que se

refiram a criminalidade altamente organizada – art. 111º LOFTJ

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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A ressalva do art. 13º/2 – não devendo ser julgados pelo tribunal singular – respeita à

possibilidade que o art. 16º/3 confere ao MP de atribuir competência ao tribunal

singular relativamente a alguns crimes que, atendendo à pena aplicável em

abstracto, seriam da competência do tribunal colectivo e aos crimes previstos na

alínea a) do nº 2 do art. 16º, mesmo que puníveis com pena máxima superior a 5 anos

(art. 141º LOFTJ e art. 207º/1 CRP).

COMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL

Os juízos de pequena instância criminal são tribunais de competência especializada

que têm por competência preparar e julgar as causas a que corresponda a forma de

processo sumário, abreviado e sumaríssimo.

COMPETÊNCIA DAS RELAÇÕES

O plenário das Relações (art. 12º/1) tem a competência que lhe é atribuída por lei (art.

55º LOFTJ). É necessário analisar cuidadosamente o art. 12º.

COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O plenário do STJ (art. 11º/1) tem a competência que lhe é atribuída por lei (art. 41º

LOFTJ): julgar os recursos de decisões proferidas pelo pleno das secções e exercer as

demais competências conferidas por lei. É ncessário analisar cuidadosamente o art.

11º.

FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELO MÉTODO DA DETERMINAÇÃO CONCRETA – ART. 16º/3

Nos termos do art. 16º/3 o MP pode sujeitar a julgamento em tribunal singular os

arguidos em processo a que corresponderia, em abstracto, pena máxima superior a 5

anos de prisão, mesmo em caso de concurso de infracções (art. 14º/2, b)), se entender

que não deve ser aplicada em concreto pena de prisão superior a 5 anos.

No projecto, o número correspondente ao actual nº4 do art. 16 º previa que se o

tribunal obtivesse, em qualquer momento, a convicção fundada de que, no caso,

devia ser aplicada pena superior à prevista no nº3 (3anos), assim o declararia em

despacho fundamento, ordenando a remessa dos autos ao tribunal colectivo

competente para o julgamento. A lei nº43/86 estabeleceu a possibilidade de fazr

julgar pelo tribunal singular os crimes que não fossem, na óptima do MP, passíveis em

concreto de pena de prisão ou medida de segurança de duracção superior à

estabelecida no art. 16º/3 e o Governo interpretou esta autorização no sentido de

conceder ao MP a possibilidade de fixar definitivamente a competência do tribunal

singular quando na sua óptica não deva ser aplicada, em concreto, pena de prisão

superior a 5 anos.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 35

Parece, porém, que uma norma que foi inicialmente pensada como simples regra de

fixação da competência pelo método da determinação concreta ditada por razões

de mera simplificação processual, acaba naquela interpretação, por ter um conteúdo

que ultrapassa em muito a mera fixação precária da competência, para além disso e

por via indirecta, limitar os poderes do tribunal de determinação da medida da pena

no caso.

Parece resultar do art. 16º que o MP pode fixar definitivamente a competência do

tribunal, pois o art. 16º atribui efectivamente ao tribunal singular a competência

naquela hipotese e se a norma do art. 16º/4 do projecto alerava o sentido do nº2,

mostrando que o que se pretendia era uma mera fixação precária da competencia

do tribunal singular, a sua omissão no CPP não deixa de alterar o sentido que então

claramente era pretendido.

O art. 16º/3 tem sido objecto de larga polémica, quer no que respeita à sua

interpretação, quer quanto à sua constitucionalidade, mas a jurisprudência constante

do TC tem sido no sentido da sua conformidade com a CRP. No entanto, tem-se

argumentado que esta norma viola os princípios do juiz natural, da jurisdição, da

legalidade e da igualdade.

De simples critério de fixação de competência pelo método da determinação

concreta, o art. 16º/3 e 4, acaba por ser uma importante manifestação do princípio

da oportunidade, ao permitir ao MP decidir, sem possibilidade de controlo judicial, que

a pena a aplicar num caso concreto há-de ser inferior à que é abstractamente

prevista na lei. O MP só pode recorrer a esta faculdade no caso de crimes previstos no

art. 14º/2, b). se não respeitar o pressuposto para o uso da faculdade o tribunal há-de

declarar-se incompetente.

1) O juiz de instrução agiu bem ao condenar Eduardo? O que pode ou deve fazer

o arguido para impugnar a decisão proferida?

TEMA: COMPETÊNCIA FUNCIONAL

COMPETÊNCIA: compete aos tribunais o exercício do poder jurisdicional (um dos

poderes soberanos do Estado).

Havendo vários tribunais, a lei atribui a cada um uma parcela de jurisdição.

A instrução, sendo uma fase facultativa, tem apenas lugar se for requerida pelo

arguido ou pelo assistente.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 36

A competência é distribuida tendo em consideração três critérios: matéria, natureza e

função. De seguida procede-se à distribuição da competência em função da

matéria:

Natureza (critério quantitativo; critério qualitativo) e Gravidade do Crime

Objecto do Processo

Qualidade do Arguido

A competência territorial respeita à àrea de jurisdição.

No processo civil não se coloca qualquer problema de competência funcional,

porque até à sentença, é sempre o mesmo juiz que decide, mas no processo penal

não é assim: como há várias fases, pode haver diferentes tribunais competentes para

cada uma das fases, nos termos do art. 17º (ex: o juiz que profere o despacho de

pronúncia não pode julgar o resto do processo – visa-se a imparcialidade).

Imaginando que está em causa um crime praticado pelo Presidente da República,

directamente relacionado com as suas funções, o tribunal competente para julgar é o

STJ, nos termos do art. 11º/3 al. a), mas o tribunal competente na fase da instrução e o

seu funcionamento encontra-se consagrado no art. 11º/7. A competência funcional

varia em função do crime.

No caso em análise, o juiz de instrução, quando condena, viola as regras de

competência funcional, porque está a exercer uma função que não lhe compete.

Neste caso, estamos face a uma nulidade insanável (nulidade que não depende de

arguição – art. 119º al. c). Os efeitos da declação de incompetência encontram-se

consagrados no art. 33º/1. A competência do juiz de instrução encontra-se

consagrada no art. 17º, não podendo ele proferir decisões condenatórias.

Note-se que a expressão ‘’nulidades insanáveis’’ não é correcta, uma vez que elas

sanam-se com o trânsito em julgado da sentença. No caso, o processo irá seguir para

julgamento.

NOTA: Quando se fala em tribunais competentes para recursos tal refere-se à

competência funcional (é recurso), mas se se trata de saber se o recurso é para o

Tribunal da Relação ou para o STJ já estamos face a competência em razão da

matéria.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 37

2) Suponha agora que Eduardo não requer a abertura da instrução. Qual o

tribunal materialmente competente para o julgamento?

TEMA: COMPETÊNCIA MATERIAL

O que está em causa no caso é a distribuição da competência material, ou seja, se é

competente o tribunal de júri, tribunal colectivo ou o tribunal singular.

Para distribuir a competência material, o legislador atende à gravidade do crime e,

para aferir dessa gravidade, utilizou dois critérios:

i. Critério Quantitativo – no caso, pelo art. 16º/2 al. b) será competente o tribunal

singular;

ii. Critério Qualitativo – no caso, pelo art. 14º/2 al. a) será competente o tribunal

colectivo

Qual dos critérios deve prevalecer o quantitativo ou o qualitativo? O único campo de

aplicação do art. 14º/2 al. a) é para os homicidios dolosos com pena inferior a 5 anos,

porque para os outros casos já temos o art. 14º/2 al. b); portanto a al. b) trata de

penas iguais ou superiores a 5 anos. Caso contrário a al. a) não teria qualquer

utilidade.

Note-se que a ressalva do art. 16º/2 respeita às situações em que há conflito de

competências, apenas por aplicação do critério qualitativo, nesse caso, devendo

prevalecer o tribunal singular.

Sendo a vida o bem supremo seria competente o tribunal colectivo.

Em suma: a instrução, nos termos do art. 286º e 287º/1 al. a) e b), tem de ser requerida;

se não o for vai-se directamente a julgamento. Na prática a instrução carece de

utilidade prática: a taxa de pronúncia é gigante face ao despacho de não

pronúncia. Há certos tipos de arguidos que, independentemente das escolhas

estratégicas, preferem sempre requer a instrução.

No caso estamos face a um crime que se encontra previsto no art. 134º CP em que do

seu elemento objectivo faz parte a morte e do elemento subjectivo é doloso ou

agravado pelo resultado.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 38

Nos termos do art. 134º o crime é punido até três anos, pelo que de acordo com o

critério quantitativo a competência seria do tribunal singular (art. 16º/2 al. b)) e pelo

critério qualitativo a competência seria do tribunal colectivo (art. 14º/2 al. a)).

No caso irá-se aplicar o critério quantitativo, atendendo-se à medida da pena, pelo

que será competente o tribunal colectivo.

3) E se o agente tiver sido detido em flagrante?

PASSOS A REALIZAR

1. Competêntica Qualitativa: cabe no art. 13º/1 ou no art. 14º/1?

2. Processo Sumário?

3. Competência Quantitativa?

No caso, a detenção em flagrante delito não cabia no art. 14º/1 nem no art. 13º/1, tal

como também não cabia nas excepções do art. 381º/2. Deste modo aplica-se o

processo sumário e o caso é julgado em tribunal singular.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 39

XIV

Encerrado o inquérito que correu termos contra António, pela prática de um crime de

furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, o Ministério Público deduziu

acusação. Porém, considerando a modesta condição social e económica do arguido,

a juventude do mesmo, a confissão, ainda que parcial, dos factos, logo propôs,

naquela acusação, que a pena a aplicar, em concreto, não fosse superior a cinco

anos de prisão, e, do mesmo passo, e invocando o disposto no art. 16.º, n.º 3, do

Código de Processo Penal, requereu ainda que o mesmo fosse julgado em tribunal

singular. Recebidos os autos no tribunal de julgamento, o juiz proferiu despacho pelo

qual julgou inconstitucionais as normas do art. 16.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo

Penal, por violação dos princípios constitucionais da independência do tribunal, da

reserva da junção jurisdicional, do juiz natural e da igualdade. Em consequência,

considerou-se incompetente para o conhecimento do processo, ordenando a remessa

dos autos ao tribunal colectivo. Quid Iuris?

(Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 455/89 e 281/91)

ACÓRDÃO TC nº 455/89: considera o art. 16º/3 constitucional.

Quanto ao método de determinação concreta da competência: no caso concreto

fica logo definido qual o tribunal competente. Ele só pode dizer que não é

competente se a lei o previr. Só o pode nos casos do art. 14º/2 al. b).

Ou seja, na altura questionava-se se existia inconstitucionalidade orgânica, uma vez

que não se encontrava previsto na lei da organização legislativa o que o tribunal

podia fazer quando recebesse os autos e não considerasse as soluções correctas.

Procede-se a uma análise do art. 16º/3 numa perspestiva material devido ao Princípio

do Juiz Natural, da Reserva de Jurisdição, de Independência e Obediência à Lei. Não

é inconstitucional porque se encontrava em jogo a determinação concreta da pena

e tal está regulado no CP.

Inconstitucionalidade orgânica na altura <- não estava prevista na lei da organizaçao

legislativa o q o tribunal podia fazer quando recebesse os autos e não consideressa

aquilo correcto

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 40

XV

Surge a notícia de que Idalécio, homem de larga experiência, em Junho de 2011,

furtou do interior de um automóvel estacionado em Lisboa um computador portátil e

em Agosto do mesmo ano, furtou do interior de um automóvel estacionado em

Portimão uma câmara digital.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A COMPETÊNCIA TERRITORIAL E A COMPETÊNCIA

POR CONEXÃO

COMPETÊNCIA TERRITORIAL

A competência territorial delimita a jurisdição dos tribunais da mesma espécie

segundo a sua localização no território. O critério geral para a determinação da

competência territorial é o elemento de ligação do objecto do processo com o

território em que cada tribunal exerce a jurisdição.

CRITÉRIOS LEGAIS PARA DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

i. REGRAS GERAIS

LUGAR DA CONSUMAÇÃO DO FACTO

A regra geral para a determinação da competência do tribunal territorialmente

competente para conhecer de um crime é o da área onde se tiver verificado a

consumação - art. 19º/1.

A razão tradicionalmente apresentada é a da mais fácil recolha de prova e da

exemplaridade que se consegue pela reafirmação do direito no próprio lugar em que

se verificou a lesão do bem jurídico tutelado. Sucede, porém, que frequentemente a

consumação do crime ocorre em lugar muito diverso e distante do local em que os

actos de execução foram praticados (ex: num crime de homicidio a vitima vem a

morrer no hospital situado em lugar distante daquele onde os actos de execução

foram praticados)

Se o conceito de consumação implica a realização do facto incriminado, nem

sempre esse momento corresponde ao da realização do resultado da acção do

agente, donde a distinção clássica entre crimes formais e crimes materiais: a

competência será definida, para os crimes materiais, no lugar em que ocorreu o

comportamento típico, e para os segundos no lugar em que ocorreu o evento.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Nos termos do art. 19º/2 tratando-se de crime que compreende como elemento do

tipo a morte de uma pessoa, é competente o tribunal em cuja área o agente actuou

ou, em caso de omissão, deveria ter actuado.

Se o crime se consuma por um só acto que se prolonga no tempo é competente o

tribunal onde tiver cessado a consumação – art. 19º/3. Trata-se dos denominados

crimes permanentes em que a execução e consumação perduram enquanto não for

posto termo à violação permanente do interesse penalmente tutelado. A execução

de tais crimes é composta por acção e omissão, e a execução como consumação só

cessam mediante a acção devida que ponha termo à omissão do agente do crime.

Ex: crime que se consuma por um só acto e que se prolonga no tempo é o crime de

sequestro.

Se o crime se consuma por actos sucessivos ou reiterados é competente o tribunal em

cuja área se tiver praticado o ultimo acto, art. 19º/3. Exemplos: crimes de

favorecimento pessoal e lenocínio – arts. 368º e 170º CP.

Tratando-se de crime continuado, o lugar determinante da competência territorial é o

do último crime que integra a continuação. Para efeitos processuais deve considerar-

se o crime continuado como um crime que se consuma por actos sucessivos, sendo,

por isso, aplicável directamente o art. 19º/3.

LUGAR DO ÚLTIMO ACTO DE EXECUÇÃO PREPARATÓRIO

Se o crime não tiver chegado a consumar-se, é competente para dele conhecer o

tribunal em cuja área se tiver praticado o ultimo acto de execução, ou, em caso de

punibilidade dos actos preparatórios, o ultimo acto de preparação - art. 19º/4

Não chega a consumar-se o crime quando, sendo punível a forma de tentativa, foram

praticados actos de execução do crime; neste caso, para a determinação da

competência territorial atende-se ao último acto de execução.

Se nem foram praticados actos de execução, mas actos preparatórios puníveis (art.

21º CP), o tribunal territorialmente competente é o da área onde o último preparatório

foi praticado.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 42

ii. REGRAS SUBSIDIÁRIAS

Crime cometido a bordo de aeronave ou navio – art.4º b) CP e 20º CPP

Crime de localização duvidosa ou desconhecida: no caso de

desconhecimento da área em que se localiza o elemento relevante, a

lei prevê 2 hipóteses para determinação do tribunal territorialmente

competente (art. 21º):

Se pode determinar-se que o elemento relevante se localize em

2 ou mais circunscrições territoriais, mas não se sabe em qual

delas, é competente o tribunal de qualquer dessas

circunscrições onde primeiro tiver havido notícia do crime

Se é totalmente desconhecida a localização do elemento

relevante, é competente o tribunal onde primeiro tiver havido

notícia do crime

Crime cometido no estrangeiro – art. 5º CP e art. 22º CPP, sendo que

deste resulta que:

Em regra, é competente o tribunal da área onde o agente tiver sido

encontrado em Portugal;

Se o agente não tiver sido encontrado em Portugal, é competente o

tribunal da área do seu domicílio;

Se ainda assim não for possível determinar a competência, é

competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do

crime (deve ser conjugado com o art. 21º).

Crime cometido parte em Portugal e parte no estrangeiro: é

competente para dele conhecer o tribunal português da área onde tiver sido

praticado o ultimo acto relevante, art. 23º/2. Do art. 7º CP, resulta que um facto

cuja execução se tenha verificado totalmente no estrangeiro, mas que se

tenha consumado em Portugal, se deve considerar praticado em Portugal

para efeitos da lei penal portuguesa, art.4º, b) CP. O tribunal territorialmente

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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competente é, nos termos do art.19º/1 o da área onde se tiver verificado a

consumação. Se, porém, o crime não se consumou em Portugal, mas é mesmo

assim punível pela lei portuguesa, então valem as regras as regras dos arts.

19º/3 e 4 e 19º/2. Note-se que nos termos do art. 7º o crime em que só actos

preparatórios tenham sido praticados em Portugal não deve ser considerado

como praticado em Portugal, já assim não será se os actos preparatórios

praticados em Portugal forem puníveis como tais; neste caso é aplicável art.

19º/4

Processo respeitante a magistrados: Os juízes de direito, procuradores da República e

procuradores-adjuntos são julgados pelas relações (art. 12º/3), sendo aplicáveis, para

a determinação do tribunal da Relação competente as regras sobre competência

territorial constantes dos arts. 19º a 22º. Os magistrados que exerçam funções nos

tribunais da Relação e do STJ ou equiparados são julgados pelo STJ (art. 11º/4). Note-se

que o art. 23º estabelece um desvio às regras normais para determinação da

competência territorial se no processo for odendido, pessoa com a faculdade de se

constituir assistente ou parte civil um magistrado e para o processo devesse ter

competência, por força das normas gerais, o tribunal onde o magistrado exerce

funções. Neste caso, há um desvio de competência territorial, sendo competente o

tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima, salvo tratando-se do

STJ.

COMPETÊNCIA POR CONEXÃO

O Princípio Geral assenta a que a cada crime corresponde um processo para o qual é

competente o tribunal definido em função das regras da competência material,

funcional e territorial.

A lei permite, porém, que se organize um só processo para uma pluralidade de crimes,

desde que entre eles existe uma ligação que torne conveniente para a melhor

realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. A esta ligação

entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde

um processo e às regras da competência material funcional e territorial, a lei chama

conexão.

A conexão de processos é determinada por conveniência de Justiça. Ou porque há

entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será

mais fácil ou mais completo quando processados conjuntamente, evitando-se

possíveis confusões de julgados e realizando-se melhor justiça ou porque o mesmo

agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 44

processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes

(art. 77º CP).

CASOS DE CONEXÃO

Nos termos do art. 24º e 25º existem três formas de conexão:

i. Vários crimes perpetrados pelo mesmo agente – conexão subjectiva;

ii. Vários agentes terem participado no mesmo crime;

iii. Vários crimes que mantenham entre si uma especial conexão – conexão

objectiva.

I - CONEXÃO SUBJECTIVA – art. 24º/1 al. a) e b) e art. 25º

Art. 24º/1, a) e b) – casos em que o mesmo agente tenha cometido vários crimes e se

verifique alguma das seguintes condições:

a) Forem todos cometidos através da mesma acção ou omissão – alínea

a);

b) Forem todos cometidos na mesma ocasião ou lugar – alínea b);

c) Sendo uns causa ou efeito de outros – alínea b);

d) Destinarem-se uns a continuar ou ocultar outros – alínea b).

Nas hipóteses de conexão previstas nas alíneas a) e b) do art. 24º não basta que os

vários crimes sejam cometidos pelo mesmo agente; é necessário que entre eles exista

uma conexão estreita de molde a que o processamento facilite a apreciação de

todos. A justificação da conexão é a possibilidade de melhor apreensão da prova e

uma motivação de economia processual, já que é de admitir que existindo entre os

crimes uma tal ligação, a prova de um deles é relevante também para os demais

Também quando os crimes estão numa relação de causa e efeito ou se destinem uns

a ocultar os outros a especial ligação entre eles justifica que todos sejam conhecidos

conjuntamente. Para além da melhor apreensão da prova, podem verificar-se

situações de mero concurso de normas que a apreciação conjunta de todos os factos

melhor permite esclarecer.

Art.25º – hipótese de o mesmo agente ter cometido vários crimes cujo conhecimento

seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.O art. 25º prevê a

hipótese de concurso de crimes perpetrados pelo mesmo agente e se todos os crimes

forem da competência de tribunais com sede na mesma comarca. Neste caso

devem ser todos conhecidos pelo mesmo processo. A razão é a economia processual

e a vantagem de o agente ser julgado conjuntamente pelos vários crimespara efeitos

de aplicação de pena única em razão do concurso de crimes (art. 77º CP).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 45

II - CONCURSO DE CRIMES

Nos termos do art. 77º CP manda-se condenar numa única pena o agente que tiver

praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer

deles (ver art. 78º CP). A lei penal não impõe que todos os crimes sejam julgados no

mesmo processo, nem considera tratar-se de caso de conexão de processos, mas

impõe que a final seja proferida numa única sentença condenatória.

PROF. CAVALEIRO FERREIRA: o art. 78º CP deve interpretar-se no sentido, não de que é

anulada a sentença transitada em julgado, para proferir uma nova sentença, mas de

que, no julgamento de novo crime, o tribunal, tomando em conta a pena aplicada na

sentença transitada em julgado, procederá à formação da pena total nos termos do

art. 77º CP.

O tribunal competente para o ultimo julgamento dos crimes em concurso deve

proceder ao cúmulo (art. 77º CP). Pode ser que o concurso seja conhecido apenas

depois de terem sido julgados todos os crimes com sentenças transitadas em julgado.

Deve ser proferida nova sentença para aplicar a pena única – art. 78º.

O tribunal territorialmente competente para proferir a sentença é o territorialmente

competente para o último julgamento, podendo ser materialmente o mesmo ou não.

O mero concurso de crimes não determina a conexão e, por isso, as regras sobre

competência não se alteram em função do concurso. É necessário é que a final seja

proferida uma única sentença, que poderá ser uma nova. O tribunal a julgar o último

crime, se tiver competência material para fazer o cúmulo, fá-lo-á, se não tiver proferirá

a sentença pelo crime que julgou e remeterá o processo ao tribunal materialmente

competente da mesma comarca.

III – CONEXÃO OBJECTIVA – art. 24º al. c), d) e e)

ANÁLISE DO ART. 24º

c) o mesmo crime tiver sido praticado por vários agentes em

comparticipação – abrange a autoria e a cumplicidade no mesmo

crime.

d) vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação,

na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito de outros, ou

destinando-se uns a ocultar outros. Não basta a prática de vários

crimes, cada um praticado em comparticipação. É ainda necessário

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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que relativamente a algum dos comparticipantes nos vários crimes

exista conexão subjectiva relativamente aos diversos crimes em causa

(conexão mista). Isso inclui crimes cometidos por diversos agentes na

mesma ocasião ou lugar; crimes cometidos por diversos agentes causa

ou efeito uns dos outros; crimes destinarem-se uns a continuar ou ocultar

os outros.

e) vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na

mesma ocasião ou lugar – são aqueles em que o ofendido de um crime

é por sua vez o agente do crime em que o agente do primeiro toma

nele a posição de ofendido. Não basta a reciprocidade: é necessário

ainda para haver conexão que os crimes cometidos reciprocamente o

sejam na mesma ocasião ou lugar.

LIMITES À CONEXÃO E SEPARAÇÃO DE PROCESSOS

i. LIMITES À CONEXÃO

Mesmo que preenchidos os pressupostos dos arts. 24º/1 e 25º, a conexão não opera

entre processos que sejam e processos que não sejam da competência de tribunais

menores (art. 26º). Existem também na legislação extravagante outros casos em que a

conexão não opera. A conexão também só opera relativamente aos processos que se

encontrem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento, art.

24º/2, por razões de celeridade processual.

ii. SEPARAÇÃO DE PODERES

Para todos os crimes determinantes de conexão processual, se já tiverem sido

instaurados processos distintos, procede-se à apensação de todos àquele que respeite

ao crime determinante de competência por conexão – art. 29º

Não obstante a existência de conexão e ainda que tenha sido organizado já um só

processo, o tribunal faz cessar a conexão dos processos e ordena a separação de

algum ou alguns, sempre que - art. 30º/1:

a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer

arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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b) Conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do

Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos

arguidos

d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de

um ou alguns arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação

de processos.

Compreendem-se as razões para a separação de processos: se cada crime mantém a

autonomia, se da junção resultar maior dano que beneficio, cada processo deve

seguir em separado.

Determinada a competência do tribunal em razão da conexão, a separação de

processos não faz cessar a competência do tribunal competente em razão da

conexão (art. 31º, b)). Afasta-se o risco da discricionariedade da escolha do tribunal e

a eventual violação do juiz natural.

Pode ainda ter lugar a separação dos processos conexos quando algum ou alguns

dos arguidos tiverem requerido a intervenção do tribunal de júri, desde que a

separação seja requerida por outro ou outros arguidos nos 8 dias posteriores à

notificação do despacho que tiver admitido a intervenção do tribunal de júri (art.

30º/2 e 3).

A razão de ser da possibilidade de separação reside em a intervenção do tribunal do

júri só ter lugar a requerimento do MP, do assistente e do arguido (art. 13º) pelo que

quando essa intervenção é requerida apenas por algum ou alguns dos co-arguidos,

seria algum ou alguns dos co-arguidos a impor aos demais a intervenção daquele

tribunal.

Seria de colocar a questão de saber se isto também acontece quando é o assistente

a requerer a intervenção do tribunal de júri, relativamente apenas a um dos processos

em conexão, aquele relativamente ao crime para o qual o assistente tem legitimidade

para se constituir assistente. No entanto, parece-nos que os casos em que é admitida

a separação de processos é taxativa.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 48

COMPETÊNCIA DETERMINADA PELA CONEXÃO

i. COMPETÊNCIA MATERIAL E FUNCIONAL DETERMINADA PELA CONEXÃO

Nos termos do art. 27º dispõe-se que se os processos conexos devessem ser da

competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é competente para

todos, o tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada.

A mais elevada espécie de tribunal define-se em função da sua estrutura e que em

regra se reflecte na competência em razão da pena aplicável ao crime. Assim, deve

entender-se que o tribunal colectivo e o tribunal de júri são de espécie mais elevada

do que o tribunal singular, mas já entre o tribunal colectivo e o tribunal de júri, embora

de espécie diferente, são paritários, não há entre eles qualquer grau de elevação.

Assim, se os processos conexos devessem ser da competência uns do tribunal

colectivo e uns do tribunal de júri, é competente o tribunal de júri, não por força do

disposto no art. 27º mas do art. 30º/2.

ii. COMPETÊNCIA TERRITORIAL E REGRAS SUBSIDIÁRIAS

Se as regras sobre competência por conexão estabelecidas no art. 27º não forem

suficientes para determinar a competência de tribunais com jurisdição em diferentes

áreas ou com sede na mesma comarca, é competente para conhecer de todos os

processos:

a) O tribunal competente para conhecer do crime a que couber pena mais

grave;

b) Em caso de crimes de igual gravidade, o tribunal a cuja ordem o arguido

estiver preso ou, havendo vários arguidos presos, àquele à ordem do qual

estiver preso o maior número;

c) Se não houver arguidos presos ou se o número for igual, o tribunal da área

onde primeiro tiver havido noticia de qualquer dos crimes.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Nos termos do art. 31º a competência determinada pela conexão mantém-se

a) Mesmo que, relativamente ao crime ou crimes determinantes da competência

por conexão, o tribunal profira uma absolvição ou a responsabilidade criminal

se extinga antes do julgamento;

b) Para conhecer dos processos separados, art. 30º/1.

Definido o tribunal competente em razão da conexão, ainda que a responsabilidade

por algum dos crimes em conexão venha a ser resolvida independentemente e antes

dos demais, a competência definida anteriormente mantém-se. Do mesmo modo

quando o tribunal procede à separação de processos, nos termos do art. 30º/1.

Tratando-se de separação de processos por força do art. 30º/2, o tribunal competente

não pode ser o mesmo, pois a razão de ser da separação é precisamente a atribuição

de algum ou alguns processos inicialmente conexos ao tribunal de júri. Parece-nos que

o tribunal competente será agora o tribunal colectivo que integra o júri.

A conexão determina a competência de um determinado tribunal, que será o

material, funcional e territorialmente competente. Como no processo podem intervir

diversos tribunais, a regra do art. 31º refere-se apenas a cada um dos tribunais

determinados competentes em razão da conexão. A regra do art. 31º aplica-se a

cada fase do processo, na qual o tribunal seria competente, ainda que se verifica

alguma das situações previstas naquele artigo.

Assim, se por efeito da conexão for fixada a competência de um determinado tribunal

de instrução criminal será este o competente para todos os crimes até ao fim da fase

de instrução, mas a competência do tribunal de instrução não determina por si a

competência do tribunal do julgamento.

1) Qual o tribunal ou tribunais competentes para o conhecimento destes crimes?

Está em causa mais do que um crime. No processo penal a regra é a de que em cada

processo deve ser conhecido apenas um crime. Contudo, sucede que, por razões de

economia e conveniência processual, muitas vezes, é justificavel o conhecimento de

vários crimes no mesmo processo.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 50

Tal não é uma matéria que o legislador deixe ao livre arbitrio do interprete. A lei tenta

limitar as conexões que levam ao agrupamento de vários crimes no mesmo processo,

com medo que se formem processos monstruosos que levam muito tempo a serem

julgados. Quais as ligações relevantes que podem determinar o conhecimento de

vários crimes no processo? É necessário atender ao art. 24º e 25º.

CONEXÃO SUBJECTIVA: existem três normas diferentes que permitem o conhecimento

de vários crimes no mesmo processo (art. 24º al a) – concurso efectivo ideal de crimes,

ou seja o agente pratica uma conduta para praticar varios crimes (ex: o agente, com

uma única acção, pratica vários crimes - e b) – concurso efectivo real de crimes, ou

seja o agente +pratica varias condutas para praticar varios crimes - e art. 25º).

São casos em que o processo tem um objecto complexo e isso implica especificidades

quanto à competência, porque tem de haver regras que determinem o tribunal

competente para ambos os crimes: competência por conexão.

Os tribunais materialmente competentes para o julgamento são o tribunal colectivo,

singular ou de juri. Temos de fazer intervir, tambem, a competencia territorial. Em

primeiro lugar, temos de ver qual é o tribunal competente para conhecer dos dois

crimes simultaneamente. Nos termos do art. 24º e 27º havendo varios tribunais

competentes, o tribunal competente será o de especie mais elevado.

Note-se que o tribunal de juri tem de ser requerido e é composto por um colectivo de

tres juizes e por um juri composto por quatro juradados efectivos e 4 jurados suplentes.

A ideia que esta subjacente ao tribunal de juri é a de que é o povo que julga o povo.

Este tribunal apenas julga materia de facto, ou seka, só se diz se determinado facto se

considera provado ou nao. Este tipo de tribunal é muitas vezes requerido apenas por

estrategia processual.

No caso em análise temos um caso de conexão subjectiva. Nos os casos de concurso

efectivo real só haverá conexão nos casos abrangidos pelo art. 24º al. b) ou nos casos

do art. 25º: quem toma a decisão sobre a conveniência ou não da apreciação

conjunta dos processos é a lei.

Como na hipotese nada nos era dito quanto à existencia de qualquer uma destas

conexões, não podemos julgar todos os crimes no mesmo processo. Sendo dois furtos

simples, os tribunais competentes seriam os juizes criminais (de média instancia) de

Portimão e Lisboa. Cada crime terá de ser conhecido no seu processo.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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NOTA:

JUÍZES DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL: competência para processos

especiais

JUÍZES DE MÉDIA INSTÂNCIA OU JUIZES CRIMINAIS: competência para processos

que caibam a tribunais singulares

VARAS OU JUÍZOS DE GRANDE INSTÂNCIA: tem competencia para processos

que caibam a tribunais colectivos ou tribunais de juri.

2) Suponha agora que os dois automóveis se encontravam estacionados em

Lisboa. A sua resposta é a mesma?

Neste caso haveria tambem conexão subjectiva, mas aplicava-se antes o art. 25º,

pelo que os crimes poderiam ser julgados pelo mesmo tribunal no mesmo processo,

sendo o tribunal competente o juizo criminal de Lisboa. São conhecidos em conjunto.

Existindo dois crimes de furto qualificado – art. 204º CP – a soma do limite máximo da

pena em abstracto é de 10 anos e, nesse caso, de acordo com o art. 14º/2 al. b) será

competente o tribunal colectivo. Assim sendo, para efeitos de determinação

abstracta da competência temos em conta o limite máximo das penas aplicáveis,

mas nestes casos o MP pode utilizar da faculdade do art. 16º/3.

Existindo dois crimes de furto simples – tendo em atenção cada crime em separado –

a competência é do tribunal singular (pena inferior a 3anos).

Na pior das hipoteses (art. 77º CP) ser-lhe-á aplicada uma pena de 6 anos: a pena é

unica e o limite minimo é de 3 anos e o maximo é de 6anos. Mas a competencia do

tribunal singular é até 5anos. Contudo, considerando a pena em abstracto e, mesmo

já agora em concreto, ultrapassa-se esse limite (art. 14º/2 al. b)): soma-se o limite

máximo das penas aplicadas para determinar a competência. seria competente o

tribunal colectivo de lisboa (LOFTJ – varas criminais de Lisboa): usa-se o metodo de

calculo da pena concreta.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 52

XVI

João envolve-se numa discussão com Luís, em Sintra, acabando por atingi-lo com dois

tiros, que lhe provocam morte imediata. Durante o inquérito João, que se encontra em

prisão preventiva, pede a Manuel, segurança de uma empresa contratada, a prestar

serviço nas instalações da Polícia Judiciária em Lisboa, que destrua as provas do

crime, o que este faz, dentro das referidas instalações (art. 367.º do Código Penal).

1) Qual o tribunal ou tribunais competentes para o conhecimento destes crimes?

TEMA: CONEXÃO OBJECTIVA

No presente caso temos dois crimes: crime de homicidio cometido por João e o crime

de favorecimento pessoal cometido por Manuel. Poderiamos levantar a questão de

saber se este segundo crime tambem poderia ser imputado a João, na medida em

que este pede ao Manuel para destruir as provas e, nesse sentido, o João tambem

seria instigador, mas a lei afasta a punibilidade da conduta de João, nos termos do

art. 367º/5 al. a), uma vez que ninguém pode ser obrigado a contribuir para a sua

propria incriminação.

Tudo isto é relevante para dizer que existem dois crimes praticados por duas pessoas

diferentes, pelo que já não temos um caso de conexão subjectiva, mas sim um caso

de conexão objectiva, uma vez que há uma ligação entre os objectos do processo.

A conexão objectiva tem relevancia por motivos de economia processual, mas

tambem para se evitarem decisões contraditorias. Os casos de conexão objectiva

(que levam a que dois crimes sejam conhecidos no mesmo processo) encontram-se

previstos no art. 24º na al. d) e e). Quando à al. d) deverá ser interpretada no sentido

em que já conexão objectiva quando os diversos crimes tiverem sido cometidos por

vários agentes (comparticipação; na mesma ocasião ou lugar; sendo uns causa e

efeitos dos outros; destinando-se uns a continuar ou ocutar os outros alternativas).

O caso em análise enquadrasse no art. 24º al. d) na parte em que se refere ao facto

de os crimes, cometidos por vários agentes, ser um destinado a continuar por outro.

Assim sendo, nos termos do art. 29º/2 irá ocorrer apensação dos processos, salvo se os

crimes estiverem em fases processuais diferentes – art. 24º/2. Como no caso nada é

quanto à fase processual em que cada processo se encontra vamos presumir que

estão na mesma fase e que, poprtanto, pode operar a conexão objectiva e a

consequente apensação dos processos. Temos de ver qual o tribunal competente

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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(competência material) para cada um dos crimes. Para o crime de homicidio

praticado por João será competente, de acordo com o critério qualitativo que

prevalece sobre o critério quantitativo o tribunal colectivo nos termos do art. 14º/2 al.

a); quanto à competência territorial nos termos do art. 19º/1 será competente o

tribunal colectivo de Sintra de juizo de grande instância criminal (LOFTJ). Quanto ao

crime de favorecimento, sendo a pena inferior a 5 anos, nos termos do art. 16º e do

art. 19º/1 será competente o tribunal singular, juizo criminal/media instancia criminal,

de Lisboa.

Para conhecer dos dois crimes no mesmo processo nos termos do art. 27º

(competência material) e do art. 28º (competência territorial) será da competência

do tribunal colectivo de sintra – juizo de grande instancia criminal.

2) Suponha que, recebidos os autos para julgamento, o juiz constata não é

possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência

de julgamento e que este se encontra ausente em parte incerta, vindo a ser

declarado contumaz. O que deve decidir o juiz?

CONTUMÁCIA: instituto jurídico que visa obrigar o arguido a apresentar-se em juizo.

Tem como consequencia a sepração dos processos. Efeito: suspende-se o prazo de

prescrição.

Ñeste caso pode haver separação de processos, nos termos do art. 30º/1 al. d). O

processo regra ao tribunal normalmente competente ou permanece no mesmo?

Imaginando que o arguido contumaz é o Manuel. É julgado o João. Se Manuel volta

cessa a declaração de contumácia. Em que tribunal será julgado? Em principio seria

competente para julgar o tirbunal singular de Lisboa. Com a conexão passou a ser

competente o tribunal colectivo de sintra. A soluçao prevista no art. 31º al b) é a de

que é competente o tribunal colectivo de sintra, apesar da sepração de processo –

há uma prorrogação da competência.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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PARTE III

XVII

António, funcionário de um estabelecimento comercial, denuncia Bento, seu colega

de trabalho, junto de Carlos, agente da G.N.R., pelo furto de vários equipamentos, no

valor de € 7.500.

a) Pode o Ministério Público dar início ao inquérito?

TEMA: LEGITIMIDADE DO MP

No presente caso estamos face a um caso de furto de vários equipamentos no valor

de 7.500 euros. O art. 203º CP respeita ao furto simples e o art. 204º/2 al. a) CP ao furto

qualificado (furto de valor elevado – art. 202 al. a) refere-se a 5.100 euros, pelo que o

valor elevado no caso respeita a 2.400 euros). No presente caso, tendo em

consideração que a unidade de conta é 102 euros actualmente (valor definido por

portaria), o furto seria qualificado sem portanto um crime público (ao contrário do que

sucedia se fosse um furto simples – crime semi público art. 203º/3).

Deste modo, nos termos do art. 48º o MP tem legitimidade para promover o processo

penal, uma vez que não se trata de um procedimento dependente de queixa ou de

acusação particular (art. 49º a 52º).

Quando no tipo legal de crime nada se diz cai-se na regra geral do art. 48º, sendo o

crime público. Não se pode aplicar analogicamente o art. 203º/3, uma vez que a

dependência de queixa é uma excepção ao princípio geral constante no art. 48º.

Note-se que o dono da loja pode sempre constituir-se como assistente.

b) Suponha agora que o valor da coisa furtada é de € 2.500. A sua resposta é a

mesma?

Neste caso já estamos face a um caso de furto simples, pelo que nos termos do art.

203º/3 é um crime semi público e depende de queixa! Nos termos do art. 49º o MP não

tem legitimidade para dar inicio ao processo sem ter uma queixa (declaração de

ciência e declaração de vontade). Nos termos do art. 113º/5 CP é ao ofendido a

quem cabe a legitimidade para apresentar queixa, sendo no crime de furto, o

ofendido o proprietário.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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XVIII

Tendo chegado ao conhecimento do Ministério Público várias “denúncias” de

professores e funcionários da escola que imputam a António, de 17 anos, a prática

reiterada de crimes de ofensa à integridade física pouco graves contra a sua colega

Beatriz de 15 anos (art. 143.º, n.º 1, do Código Penal), o Ministério Público pergunta-se

se poderá dar, sem mais, início ao processo penal.

Nos termos do art. 143º/1 CP consagra-se o crime de ofensa à integridade física

simples, sendo que o nº2 consagra que o procedimento de tal é dependente de

queixa – art. 49º/1 e 3. O MP não pode dar, sem mais, inicio ao procedimento criminal.

Só a Beatriz, a ofendida, através de queixa, pode. Contudo, a vítima tem 15 anos de

idade: sendo a queixa uma declaração de vontade (vontade livre e esclarecida),

tanto no Direito Civil como no Processo Penal só se pode apresentar queixa a partir

dos 16 anos. Até lá só os representantes legais, normalmente os pais, podem – art.

113º/4 CP.

Nos termos do art. 113º/5 consagra-se ainda a possibilidade de o MP poder dar inicio

ao procedimento, apesar de o crime ter natureza semi pública, desde que o faça no

prazo de 6 meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos

seus autores, exista interesse do ofendido e o ofendido seja menor.

Coloca-se a questão de saber se a aplicação do art. 113º/5 está dependente da não

aplicação do art. 113º/4? No nº5 a lei não diz que não pode existir uma desistência de

queixa posterior, pelo que parece que o MP poderá sempre dar inicio ao processo. A

norma do art. 113º/5 fica a meio caminho entre o crime público e o crime semi

público: para vencer a inércia dos pais ou para passar por cima deles?

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: deve-se fazer uma interpretação literal do art. 113º/5; o

MP pode iniciar o processo, mas o crime não se transforma em público. Os familiares

tem possibilidade de desistência da queixa. Não há forma de saber que o juizo do MP

é melhor que os pais, familiares próximos. Trata-se do melhro juizo sobre o interesse do

menor. Note-se que Beatriz quando fizesse 16 anos podia desistir da queixa: art. 116º/3.

Devido ao disposto no art. 116º/4 coloca-se a questão de saber se esta disposição não

serve para demonstrar que não é aos pais que cabe desistir da queixa, ‘’andando’’ o

processo até que o menor faça 16 anos. O facto de existir o art. 116º parece

demonstrar que não cabe aos pais o direito de desistir da queixa.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 56

XIX

António profere várias frases insultuosas dirigidas a Bento, na sua presença (art. 180.º

do Código Penal).

a) O que deve fazer Bento para que António venha a ser julgado pelos factos que

praticou?

(Acórdãos do S.T.J. n.º 1/2011)

No presente caso não estamos face a um crime de difamação (art. 180º), mas sim de

injúria nos termos do art. 181º, sendo este um crime particular. Nos termos do art. 188º

CP o procedimento criminal depende de acusação particular: a legitimidade do MP

está condicionada pela apresentenção de acusação particular do ofendido, neste

caso, por parte de Bento – art. 50º/1: pressupostos de admissibilidade do processo que

constituem limitações ao princípio da promoção oficiosa do processo penal:

Queixa por parte de Bento – art. 50º e 246º/4

Bento tem de se constituir assistente – art. 68º/1 al. b) (realiza-se no fim do

inquérito)

Bento terá de deduzir acusação particular – art. 285º (deduzida no fim do

inquérito)

A exigência de queixa e de acusação particular nos crimes particulares deve-se

fundamentalmente a duas razões:

Diminuta gravidade da infracção (certas infracções atenta a sua pequena

gravidade não violam bens juridicos fundamentais da comunidade de modo

directo e imediato de forma a merecer por parte deste uma reacção

automática)

Atenta a especial natureza dos valores em causa, uma vez que certos crimes

atingem valores em relação aos quais se impoe especial discrição (crimes

sexuais), a promoção processual, sem ou contra a vontade do ofendido

poderia ser inconveniente para interesses seus, dignos de protecção legal.

Chegado ao fim do inquérito, se o MP achar que não há indicios suficientes da pratica

do crime é necessário atender ao art. 285º/2. Em qualquer dos casos, deve fazer a

notificação. Nestes crimes, a posição do MP é subalterna. O MP não pode arquivar,

tem de dar a palavra ao assistente.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 57

Note-se que nos crimes semi públicos, ao contrário do que sucede nos crimes

particulares, segue-se o regime dos crimes públicos, portanto o MP ou arquiva ou

acusa. Tem total liberdade, sem contar com a possibilidade de desistência da queixa

(o que retiraria legitimidade ao MP: pode haver desistência até à primeira sentença

da 1º instância)

Note-se que os crimes de furto nos supermercados de valor inferior a 102 euros são

agora crimes particulares e já não semi públicos: nestes é preciso que o assistente

esteja no processo e isto acarreta certos custos (a taxa de justiça é superior a 102

euros) o que consubstancia um obstaculo para que o processo não chegue a tribunal.

Se o queixoso não requeresse a constituição de assistente no prazo de 10 dias referido

pelo art. 246º/4 tal consubstância um prazo peremptório ou meramente ordenador? O

STJ fixou jurisprudência adoptando a posição de ser um prazo peremptório.

O queixoso pode ter atenção de ao fazer passar o prazo de 10 dias apresentar nova

queixa, contudo segundo o STJ tal não é possível. Se o queixoso não se constitui

assistente e o MP arquivou então terminou.

b) Suponha agora que António agrediu Bento, dominado por compreensível

emoção violenta (arts. 146.º do Código Penal). Carlos, que assistiu a tudo,

dirige-se à esquadra mais próxima e relata o sucedido. Pode o Ministério

Público instaurar o competente inquérito?

Nos termos do art. 146º nada se diz sobre a natureza do crime. Contudo é necessário

atender às suas alineas e ver a remissão das suas normas. O art. 146º al. a) remete para

o art. 143º que nos termos do nº2 é um crime dependente de queixa; o art. 146º al. b)

remete para o art. 144º sendo que este nada diz pelo que o crime é público.

Deste modo se estivermos face a uma situação em que o art. 146º al. b) em que se

remete para o art. 144º nos termos do art. 48º CPP o MP tinha legitimidade para

instaurar o inquérito; se se tratar do caso do art. 146º al. a) que remete para o art. 143º

sendo o crime semi público nos termos do art. 49º a legitimidade do MP encontrava-se

condicionada pela apresentação de queixa por parte de Bento. Note-se que neste

último caso e nos termos do art. 113º CP a queixa teria de ser apresentada por Bento

que é o ofendido, não o podendo ser por Carlos.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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XX

Maria apresenta queixa contra Marta, imputando-lhe a prática de um crime de dano

no veículo de matrícula 01-VA-02 (art. 212º, n.º 1, do Código Penal). Em requerimento

junto aos autos após o seu interrogatório como arguida, Marta junta aos autos

documentação que demonstra que a proprietária do automóvel é a CARLEASING, SA,

e não a queixosa.Quid juris?

(Acórdão do S.T.J. n.º 7/2011)

Atendendo ao art. 113º CP quem tem legitimidade para apresentar a queixa é o

ofendido – o titular do interesse que a lei quis proteger.

Por exemplo, numa sociedade quem é que pode apresentar queixa? Quem tem o

interesse mediato, reflexo e indirecto? A propria sociedade atraves dos seus orgaos de

gestao e administração.

Quando se aluga um carro em regime de leasing ou ALD, havendo um crime de dano

contra o veículo quem é que pode apresentar queixa? O locatário ou a sociedade

que é a proprietária? O STJ no acórdão nº7/2011 afirmou que quem tem o direito de

gozo da coisa tambem pode apresentar queixa. No acórdão confronta-se a

legitimidade de prejuizos (que pode justificar a participação no processo como parte

civil) e a legitimidade para apresentar queixa. Neste acórdão defende-se que o

locatário sofre danos, mas parece, e no seguimento do que se tinha vindo a decidir,

não chegar para ter legitimidade para apresentar queixa. O que pode determinar

este entendimento pode ser o facto de se entender que o locatário vinha, muitas

vezes, apresentar queixa sem falar com a sociedade.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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PARTE IV

XXI

António apresenta queixa contra Bento, imputando-lhe a prática de um crime de

injúria. Reunidas as condições para o efeito, o Ministério Público determina a abertura

do competente inquérito. Ainda antes de serem realizadas quaisquer diligência de

provas Bento é convocado para prestar declarações na P.S.P. No início do

interrogatório é sugerido a Bento que conte a sua versão dos factos, para que se apure

se a mesma coincide ou não com a do queixoso. Bento responde que não sabe

porque está ali, uma vez que nunca insultou António e solicita que lhe sejam

comunicados os factos que lhe são imputados. O agente da P.S.P. que realiza a

diligência responde que não tem nada a comunicar, porque Bento sabe muito bem o

que está em causa. Bento decide então não responder, mas o agente da P.S.P. insiste,

alegando que ainda não foi constituído arguido.

1. Deveria Bento ter sido constituído arguido? Em que momento?

Atendendo ao art. 58º/1 al. a) exige-se que exista fundada suspeita para que o

individuo possa ser constituido como arguido. Ora no caso não foram realizadas

quaisuqe diligências de prova, pelo que não existe fundada suspeita da prática do

crime, não podendo Bento ser constituido arguido.

2. Pode Bento recusar responder às perguntas que lhe foram feitas?

Se Bento fosse testemunha encontrava-se adstrito à verdade, tendo de responder. Se

fosse arguido nos termos do art. 61º/1 al. d) tinha o direito ao silêncio. Contudo, Bento

ainda não foi constituido arguido pelo que seria um mero suspeito (art. 1º al. e)).

Na redacção anterior do CPP o denunciado (aquele que ainda não foi constituido

arguido), com ou sem suspeita, devia ser logo constituido como arguido. Nao havia a

exigencia de fundada suspeita: para ser ouvido tinha logo que ser constituido arguido

com termo de identidade e residência, podendo mesmo não existir provas contra si no

processo. Bastava ser denunciado.

O legislador, em 2007, foi sensivel a esta situaçao passando agora a ser necessário que

haja fundada suspeita para se ser constituido como arguido. É preciso fazer uma

distinção entre denunciados, com ou sem suspeita, para se saber como se vai ser

ouvido.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Contudo, o legislador não estabeleceu qual o regime do denunciado que não é

suspeito. Neste caso deve-se aplicar o regime das testemunhas, encontrando-se

obrigado a responder às perguntas que lhe são feitas com verdade. Ou seja o suspeito

é ouvido como testemunha e tem os direitos e deveres destas. Na opinião do PROF.

GERMANO MARQUES DA SILVA deve-se fazer uma aplicação analógica aos suspeitos

dos dereitos e deveres do arguido. Ainda para este professor, ao interrogatório das

testemunhas assistidas deverão ser aplicadas analogicamente as regras do

interrogatório do arguido.

3. O agente da P.S.P. devia ter comunicado a Bento os factos que lhe são

imputados na queixa? Com que grau de concretização?

(Acórdão do TC n.º 416/2003)

Acórdão nº 416/2003: julgou inconstitucional a norma do art. 141º quando o

interpretado na forma de perguntas gerais e abstractas no interrogatório do arguido.

Daqui resulta a exigência de se formular as perguntas num determinado âmbito

espácio temporal. O grau de concretização das perguntas deve ser concretizado de

modo a que o arguido possa, em cada momento, defender-se ou optar pelo direito

ao silêncio.

4. A P.S.P. é competente para proceder ao primeiro interrogatório de Bento?

Atendendo ao art. 144º (primeiro interrogatório do arguido em liberdade),

nomeadamente ao nº2, tal terá de ser realizado pelo MP, sendo que o PROF. JOSÉ

LOBO MOUTINHO equaciona que mesmo neste caso também deveria poder ser

realizado pelo juíz de instrução na medida em que se encontram em casusa direitos

fundamentais (direito de defesa). O interrogatório do arguido é um único acto

obrigatórico do inquérito e consta do art. 272º.

Atendendo ao art. 144º/2, a PSP poderá proceder ao primeiro interrogatório do

arguido, mas as suas declarações não poderão ser usadas nos termos do art. 141º/4 al.

b)

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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XXII

Duarte apresenta denúncia contra Eduardo, imputando-lhe a prática de um crime de

falsificação de documentos (art. 256.º, n.º 1, do Código Penal), que lhe causou um

prejuízo no valor de € 10.000. Terminado o inquérito o Ministério Publico profere

despacho de arquivamento, por considerar não existirem indícios suficientes da

responsabilidade criminal de Eduardo. Inconformado, Duarte requer a sua constituição

como assistente, deduzindo ainda requerimento de abertura de instrução. O juiz de

instrução rejeita a pretensão de Duarte, por considerar que o bem jurídico tutelado

pelo crime de falsificação de documentos gira em torno da fé pública, da verdade da

prova, da segurança, da credibilidade do tráfego jurídico probatório, ou seja, à volta

do interesse público e nunca do prejuízo sofrido pelos particulares. Acrescenta ainda

que a qualidade de ofendido depende da titularidade dos interesses que a lei penal

quis especialmente proteger com a incriminação, não bastando, para o efeito, a

invocação da existência de prejuízos decorrentes da prática do crime.Concorda com

a decisão do juiz?

(Acórdãos do S.T.J. n.º 1/2003, n.º 8/2006 e 10/2010)

A constituição de asistente encontra-se consagrada no art. 68º e tem de ser realizada

pelo ofendido na medida em que é a ele que cabe a titularidade do direito de

queixa, ou seja é o titular dos direitos que a lei visa proteger. Tem de existir um interesse

de que seja titular um particular; se for um interesse colectivo não pode. O estado, por

exemplo, nunca se pode constituir como assistente (é representado pelo MP). Num

crime de traição à pátria ninguem se pode constituir como assistente.

No crime de falsificação de documentos pretende-se proteger a fé pública, não

existindo qualquer interesse susceptivel de ser concretizado no portador. Contudo é

necessário atender ao art. 256º da CP que se refere à intenção de causar prejuizo: se

for a uma pessoa particular este poder-se-á constituir como assistente. O interesse do

particular é protegido ao mesmo nível.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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XXIII

A Câmara Municipal de Vila Nova das Beiras apresenta denúncia contra Eduardo pela

prática de um crime de desobediência, em virtude de não ter acatado um embargo

municipal de uma obra que estava em construção. Concluído o inquérito o Ministério

Público profere despacho de arquivamento. Pode o Município constituir-se assistente

no processo, para posteriormente requerer a abertura da instrução?

(Ac. da Rel. de Évora, de 25/01/05, C.J., t. 1, pp. 263 e segs. Acórdão do S.T.J. n.º

2/2005)

Acórdão de 2003: este acórdão refere-se à legitimidade para se ser constituido como

assistente em particular nos crimes em que o interesse a ser tutelado é supra estadual.

Em regra, um particular não se pode constituir como assistente. Contudo é necessário

atender ao critério que este acórdão prevé tendo sido posteriormente reproduzido nos

acórdãos 8/2006 e no 10/2010: saber se a norma, ao memso nivel que preve a tutela

de bens colectivos tambem visa a tutela de bens jurdicos particulares.

Acórdão 8/2006: estava em causa o art. 365º CP, sendo o crime contra a justiça. Tal

refere-se a interesses colectivos e ao interesse particular que assenta no bom nome da

pessoa caluniada (interesse ao mesmo nível). A pessa caluniada pode-se constituir

como assistente.

Acórdão 10/2010: estava em causa o crime de desobediência e visava proteger o

bem jurídico supra estadual. No caso tratava-se de uma providência cautelar pedida

por uma pessoa. O STJ admitiu a constituição desta pessoa como assistente, porque os

seus interesses estavam a ser protegidos ao mesmo nivel.

No caso coloca-se a questão de saber se o MP poder-se-ia constituir como assistente

nos termos do art. 68º. Qual o bem jurídico que se pretendia tutelar no crime de

desobediência? Note-se que o lesado pode não ser necessariamente o ofendido

(exemplo: A empresa o carro a B que atropela um peão e este estraga o vidro do

carro).

No caso a Camara não é concreta titular de um interesse juridico tutelado ao mesmo

nivel? O estado já é representado no processo pelo MP. Trata-se-se aqui de uma

pessoa colectiva. Não há vários órgãos do estado a serem titulares de determinados

interesses: o titular é o estado (por exemplo, o ministro das finanças não se poderia

constituir como assistente num crime de fraude).

Cabe ao MP representar o Estado num processo criminal, sendo que as pessoas

públicas não podem constituir-se como assistentes. A opinião do presidente da

camara é irrelevante.

Em suma: se é verdade que a Camara Municipal tem a tutela de tais interesses,

verdade é também que ela não é titular dos interesses que visa proteger. Contudo,

quando é património da camara ela já e poderá constituir como assistente.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 63

XXIV

Luís apresenta queixa crime conta Manuel, imputando-lhe a prática de um crime de

emissão de cheque sem provisão. Notificado durante o inquérito nos termos e para os

efeitos previstos no art. 75.º do C.P.P., Luís manifesta o desejo de deduzir pedido cível

contra Manuel, pois pretende ser ressarcido do valor do constante do mesmo cheque,

€ 20.000,00, que Manuel lhe deve e ainda não pagou.

1. Em que prazo deverá Luís deduzir pedido cível contra Manuel?

O caso respeita ao crime de emissão de cheques sem provisão. Antes, quando não

havia outros meios de pagamento era obrigatório aceitar cheques. Hoje já não é

assim.

No caso Luís é o ofendido, pelo que estando em causa o crime de cheques sem

provisão tal consubstancia um crime semi público, peloq ue ele poderá apresentar

queixa e declarar que se quer constituir como assistente. Neste caso não seria

necessário a constituição de Luís como assistente uma vez que o MP defenderá os seus

interesses e se ele se constituisse ainda teria de pagar as custas e constituir-se como

mandatário. Nos crimes particulares, ao contrário do que sucede nos crimes semi

públicos, é obrigatória a constituição do ofendido como assistente. No caso, tratando-

se de um crime semi público só lhe convem constituir-se como assistente se o MP optar

por arquivar o processo.

Para se saber qual é o prazo para Luís pedir a indemnização civil é necessário atender

ao art. 77º/2, sendo desde já salientar que no nº1 da referida norma deve-se atender

ao prazo em que a acusação deverá ser formulada, ou seja 10 dias nos termos do art.

284º, no nº2 respeita a situações em que o lesado não se constituiu como assistente,

sendo o prazo de 20 dias a contar do despacho de acusação para requerer

indemnizaçãoe constituir-se como assistente.

No caso iremos aplicar o art. 77º/2 uma vez que Luis nao se constituiu como assistente

e, porque, ao longo do processo foi informado de acordo com o art. 75º e pediu

indemnização civil.

Page 64: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 64

Se Luís não pedisse indemnização civil caducava o direito? Aqui o prazo passa a ser de

20 dias da notificação do despacho de acusação ao arguido. Ao abrigo do art. 75º,

quando se é notificado, deve-se dizer logo que se pretende pedir indemnização, para

não deixar passar o prazo. Tal deve-se ao facto de se não o fizer a lei presume que não

se tem interesse em faze-lo.

Não havendo notificação porque não se sabe quem é o dono do pc furtado como se

resolve a questão? Nos EUA decorre em separado, ou seja existe autonomia. Em

Portugal trata-se numa só acção: evitam-se contradiçções de julgamento e economia

processual. No caso em que não se sabe quem é o dono do pc não se perde o direito

podendo ser deduzido em separado o que consubstancia uma excepção ao princípio

da adesão – art. 7º/1 I parte.

Sendo notificado e já sendo assistente nos termos do art. 284º e 285º o prazo é de 10

dias.

2. Suponha que Manuel, notificado do pedido cível deduzido por Luís, não

apresenta contestação. Qual a consequência?

Nos termos do art. 78º/3 só se dão como provados os factos provados em audiência

de julgamento, não fazendo sentido que se tenham como provados factos para uma

coisa e não para outra.

3. No início da audiência de julgamento o juiz decide declarar extinto o

procedimento criminal, por prescrição. Deve o processo continuar para

conhecimento do pedido cível?

(Acórdão do S.T.J. n.º 3/2002, D.R., I.ª Série-A, de 5 de Março)

Antigamento no CPP consagrava-se que o tribunal podia condenar na indemnização

civil apenas se o arguido fosse condenado. Com uma reforma de 29 isto foi alterado:

art. 377º. Já em 89 chegou-se a conclusão que mesmo que se absolvesse o arguido

poderia haver mesmo assim direito a indemnização. Por vezes vezes há

responsabilidade civil e não há responsabilidade criminal.

Este problema levanta-se quando o procedimento criminal se encontrava prescrito.

Do art. 72º/1 al. b) resulta que se o procedimento se extinguri antes do julgamento a

indemnização é pedida fora; depois do julgamento o processo pode continuar para

conhecimento da questão meramente civil.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 65

No acórdão afirmava-se que extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois

de proferido o despacho a que se refere o art. 311º mas antes de realizado o

julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil

prossegue para a fase de conhecimento deste. Tal visa a protecção da vítima.

4. Neste último caso, pode o tribunal remeter as partes para os tribunais civis, nos

termos do art. 82.º, n.º 3, do C.P.P.?

(Ac. Rel. Porto de 27/1/2004, C.J., t. 1, pp. 203 e segs.)

O acórdão obriga a que o procedimento criminal prossiga, em casos de extinção por

prescrição, para que se conhecesse da questão de indemnização civil. Portanto, o

processo teria de prosseguir só para que esta fosse conhecida. Os tribunais criminais

não podem remeter para os tribunais civis ao abrigo do art. 82º/3, apenas o podendo

fazer em situações em que o conhecimento da indemnização civil venha atrasar

intoleravelmente o procedimento criminal.

5. Suponha agora que o juiz não declarou extinto o procedimento criminal.

Realizado o julgamento, o juiz decide absolver Manuel da prática do crime, por

considerar que não actuou dolosamente. Porém, no que respeita ao valor do

cheque, não há dúvidas de que Manuel o deve a Luís. Pode Manuel ser

condenado no pagamento da quantia respectiva?

(Assento do S.T.J. n.º 7/99, D.R., I.ª Série-A, de 3 de Agosto)

No Assento consagra-se que se em processo penal for deduzido pedido civil, tendo o

mesmo por fundamento um facto ilicito criminal, verificando-se o caso previsto no art.

377º/1, ou seja a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em

indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra contratual ou

aquiliana, com exlusão da responsabilidade contratual.

Os casos de responsabilidade aquiliana são casos em que existe responsabilidade civil

e não existe responsabilidade penal, uma vez que o direito penal é um ramo de direito

subsidiário. Na responsabilidade contratual também não poderá tal sucede porque é

preciso que essa responsabilidade se deva a um ilicito criminal e isso, seria,

ncessariamente, responsabilidade extra contratual.

Contudo, é dificil separar entre responsabilidade contratual e responsabilidade extra

contratual. O STJ deveria ter afirmado que tal dependia da natureza dos crimes.

Quando se redige um pedido de indemnização civil deve-se faze-lo do ponto de vista

da responsabilidad extra contratual.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 66

6. Se Luís não deduzir pedido cível pode o tribunal, em qualquer caso, condenar

Manuel a reparar os prejuízos que lhe causou?

Nos termos do art. 82º-A só se pode nos casos em que haja particulares exigências de

protecção da vítima. No CPP anterior – arbitramento oficioso da indemnização –

apercebendo-se o tribunal de que a vitima tinha sofrido prejuizos decorrentes do

crime, condenava logo ao pagamento desta a indemnização civil.

O novo CPP veio prever uma situação diferente. Pretende-se aproximar a

indemnização civil do princípio do dispositivo. Ou seja, o tribunal não condena no

pagamento da indemnização sem que haja pedido: Princípio do Pedido. Pretendia-se

aproximar dos princípios civilisticos. Cotudo, como havia muitas pessoas que

ignoravam esta nova solução, em 89 veio-se prever o arbitramento oficioso da

indemnização, ou seja o tribunal conhece oficiosamente quando a vitima já se

encontrava ou passou a encontrar-se em condições financeiras dificeis.

PARTE V

XXV

Na sequência da instauração de um processo por suspeitas de que António poderá ter

praticado os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais este é notificado

para prestar declarações na qualidade de arguido. O seu defensor pretende consultar

o processo para melhor preparar a sua inquirição.

1 – Pode fazê-lo? O que deve fazer para o efeito?Pode o M.P. evitar que o defensor de

António consulte o processo? De que modo e com que fundamentos?

Em termos gerais, o arguido pode consultar o processo se este for público. Em princípio

é publico. Mas se houver perigo para a protecçao do bem nome do arguido ou para

a produçao de prova pode existir segredo de justiça. Quem decide se existe ou não

segredo de justiça é o MP: é ele que dirige o inquérito e é ele que conhece as

investigações. Mas esta decisão não é só dele, mas tambem do juiz de instrução o que

pode levantar certas questões: por um lado, estamos na fase de inquerito (a direcção

é do MP) e por outro pode estar em causa um direito fundamental.

Para consultar o processo é necessário elaborar um requerimento dirigido ao

magistrado do MP que dirige o processo, sendo que ele vai ponderar todos os factos

para determinar se se deve sujeitar o processo ao segredo de justiça. Se ninguem

quiser consultar o processo, se ninguem o requerer, o problema nem se coloca.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 67

Por exemplo, em caso de busca que possa ser posta em causa pelo arguido não há

qualquer problema que o assistente consulte o processo, mas o magistrado do MP tem

de fazer uma apreciação global: não pode permitir a consulta ao assistente e logo a

seguir proibir a mesma ao arguido.

Nos termos do art. 86º/4, se não houver mais justificação para se manter o segredo de

justiça ele deverá ser levantado.

2 – Suponha agora que, ultrapassados os prazos máximos de vigência do segredo de

justiça, o M.P. requer a prorrogação do prazo por mais 3 meses, pretensão que o J.I.C.

defere. Terminado este último prazo o M.P. conclui que é necessário requerer nova

prorrogação do prazo. Pode fazê-lo? Qual o limite máximo de tempo pelo qual o

acesso aos autos pode ser impedido?

(Acórdão do S.T.J. n.º 5/2010)

O acórdão procede à analise do art. 89º/6, sendo que o tribunal considera que se

deve adoptar um prazo objectivo, ou seja tem de ser um prazo concreto e

determinável. Assumindo que o primeiro prazo indicado na norma em análise é um

adiamento e o segundo uma prorrogação ter-se-ia de analisar qual o tempo

objectivamente necessário.

PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: o segredo dever-

se-ia limitar à fase de inquérito, não devendo existir prazos alargados sendo

fundamental para as garantias de defesa do arguido.

XXVI

Durante uma audiência de julgamento o defensor do arguido requer a inquirição de

uma testemunha não arrolada nem pela defesa, nem pela acusação, ao abrigo do

disposto no art. 340.º, do C.P.P., invocando que o seu depoimento é fundamental para

a descoberta da verdade, uma vez que assistiu a todos os factos objecto do processo.

O juiz profere o seguinte despacho: «Indeferido».

1 - Este despacho sofre de algum vício? Como deve ser invocado? Qual a

consequência?

O despacho não é fundamentado quando o deveria ser nos termos do art. 97º/3. A

fundamentação visa conferir uma maior confiança na justiça, para auto fiscalização

da justiça e para efeitos de recurso (o requerente precisa desta fundamentação para

fundamentar o seu recurso).

O art. 97º/3 não estabelece as consequencias da sua violação, pelo que não

havendo nenhuma regra geral é necessário recorrer ao regime geral das invalidades.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Uma vez que não se encontra previsto a consequência da nulidade para esta

situação a regra geral nos termos do art. 118º é a irregularidade, sendo necessário

ainda atender ao art. 123º. Note-se que o regime da irregularidade é o regime regra

das invalidades uma vez que é o regime mais restritivo quanto à sua invocação (art.

123º/1) e permite o aproveitamento dos actos.

2 - Suponha agora que o julgamento chega ao fim e que o arguido é condenado. O

seu defensor constata, porém, que da sentença não consta a enumeração dos factos

provados. Esta sentença sofre de algum vício? Como deve ser invocado? Qual a

consequência?

Neste caso é necessário atender ao art. 374º/2: não se encontra verificado o requisito

do exame crítico das provas, pelo que nos termos do art. 379º/2 tal consubstância uma

nulidade que deverá ser arguida ou então conhecida em recurso (normalmente são

invocadas face a um juíz de primeira instância).

Note-se que o regime da sentença é um regime especial, uma vez que esta

consubstancia um momento muito importante na fase declarativa do processo, pelo

que a lei acha de maior gravida a falta de fundamentação da sentença do que

outros actos considerados irregulares.

XXVII

Maria, finalista de Direito, ficou deveras surpreendida ao ter ido assistir a uma

audiência de julgamento e ter verificado que, depois dos cumprimentos entre

magistrados e advogados, a Juiz iniciou directamente a audiência pelas declarações

do Arguido...

Regressa a casa perguntando aos Pais, ambos advogados, como é possível que o que

está claramente estabelecido na lei seja sobranceiramente ignorado e se esta

omissão pode ter por consequência a anulação do julgamento.

No caso faltaram as disposições introdutórias, isto é, deveria ter ocorrido a exposição

sumária dos factos em julgamento. Nos termos do art. 118º/1 e 2 uma vez que a lei não

consagra para esta situação o acto ilegal seria irregular, pelo que nos termos do art.

123º/1 a irregularidade deveria ter sido invocada no próprio acto.

Page 69: Processo Penal - Casos Práticos

HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 69

XXVIII

António apresenta queixa contra Bento, imputando-lhe a prática de um crime de furto

simples. Como já passaram 2 anos sem que tenha sido proferida decisão de

encerramento do inquérito pelo Ministério Público, António constitui-se assistente e

deduz acusação, ao abrigo do art. 284.º do C.P.P. Aproveitando a iniciativa de

António, o Ministério Público adere à acusação do assistente. Bento pretende saber:

1 – Se a circunstância de não ter sido ouvido no inquérito tem alguma consequência.

(Acórdão do S.T.J. n.º 1/2006)

Antigamente a redacção do art. 120º/2 al. d) consagrava que constituia nulidade

dependete de arguição a insuficiência do inquérito e da instrução e a omissão

posterior de diligências que puessem reputar-se essenciais para a descoberta da

verdade. Ou seja, na primeira parte da norma, quanto ao inquérito e à instrução, não

falava em qualquer actos legalmente obrigatórios.

Posteriormente sugiu o art. 272º/1 que consagra como (único) acto obrigatório do

inquérito o primeiro interrogatório do arguido. A doutrina divergia neste ponto:

Uma parte da doutrina entendia que quando se omitia o interrogatório previsto

no art. 272º tal consubstanciava uma insuficiência do inquérito. O interrogatório

era importtante para a defesa do arguido. Quando o arguido não vai ao

processo a prova não é suficiente uma vez que existe a falha do exercicio do

seu direito de defesa. Estavamos face a uma nulidade insanável nos termos do

art. 119º al. c) (ausência do arguido)

Outra parte da doutrina defendia que quando o art. 120º/2 al. d) se referia à

insuficiência do inquérito e da instrução, não fazendo qualquer referência aos

actos legalmente obrigatórios, só tais actos poderia, gerar a sua insuficiência –

o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA já considerava que só os actos

legalmente obrigatórios é que poderiam gerar a insuficiência de tais. Em

princípio nos termos do art. 267º cabia ao MP indicar quais os actos que eram

obrigatórios. O STJ acabou por dar razão ao professor e consagrou que só

existiria a insuficiência na falta de realização dos actos legalmente obrigatórios.

Acórdão do STJ: ‘’a falta de interrogatório como arguido no inquérito (…) constitui a

nulidade prevista no art. 120º/2 al. d)’’

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 70

2 – Se o assistente poderia ter acusado previamente ao M.P e qual a consequência daí

resultante. (Assento n.º 1/2000)

Segundo o Assento não era possível a acusação prévia à do MP, consubstanciando

tal uma nulidade insanável (e não uma irregularidade), uma vez que existe uma

ordem legal imperativa consagrada no art. 284º/1. Por sua vez, havia quem

defendesse que efectivamente era possível nos crimes particulares ser realizada uma

acusação prévia à do MP.

No caso estamos face a uma situação em que existe um furto simples o que

consubstância um crime semi público. O assistente deduziu acusação e

posteriormente o MP aderiu. Tal é possível? Não: a acusação teria de ser deduzida

pelo MP nos termos do art. 283º, sendo que somente depois desta é que o assistente

poderia deduzir acusação nos termos do art. 284º ou então requerer a abertura da

instrução nos termos do art. 287º.

A situação estaria correcta se em vez de um crime semi público estivessemos face a

um crime particular, pois nestes casos, nos termos do art. 285º, é o MP que tem de

notificar o particular para deduzir acusação.

NOTA: o que é uma adesão? – art. 284º

Requisitos da Acusação: a acusação do assistente deve conter os requisitos

constantes no art. 283º/3 e 7, mas com certas modificações:

a) Quando a acusação do assistente se limite à mera adesão à acusação

do MP será algo como ‘’venho por este meio aderir à acusação

deduzida pelo MP’’

b) Não se indica novamente o rol de testemunhas anteriormente indicado

pelo MP

No caso, o MP adere à acusação do assistente, sendo que caindo esta por falta de

legitimidade (crime semi público) a adesão do MP também iria cair. Se em vez do MP

ter consagrado que aderia tivesse deduzido uma acusação cópia do assistente

aplicar-se-ia a teoria do acórdão (aplica-se a casos de adesão).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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HIPÓTESE PRÁTICA EXTRA COLECTANEA I

Suponha que, notificado da acusação, o arguido Carmim Soares, requer instrução

alegando antes de mais que ‘’Não tendo havido qualquer intervenção do MP nos

autos, nem mesmo relativamente à sua constituição como arguido, ao seu

interrogatório ou à perícia financeira que se mostra ter sido realizada, todo o inquérito

é nulo por força do art. 119º al. d) CPP’’

Antigamente, era muito frequente chegar-se aos autos e a primeira intervenção do

MP ser a acusação. A partir de 98’ começou a acontecer menos. Mas pode haver um

inquérito em que a primeira intervenção do MP é a acusação? Não. O MP pode

delegar, uma vez que à partida a competência é dele.

Competência do MP no Inquérito: uma vez que o inquérito visa averiguar se existem

indícios da pratica do crime ou seja para arquivar ou para acusar a competência

para o inquérito (competência/decisão dele), regra geral, compete ao MP. Contudo,

há actos que são da competência do juiz de instrução (aqueles que se prendem com

direitos fundamentais – 268º) podendo ainda alguns serem delegados (art. 270º).

Mas há actos que não podem ser delegados, nomeadamente os que constam do art.

270º/2.

ANÁLISE DE CADA ACTO

Perícia financeira: art. 270º/2 al. b) e art. 154º este acto não podia pelo MP

ser delegado, pelo que tinha de ser por ele realizado. Se o caso desse indícios

nesse sentido poder-se-ia pensar na aplicabilidade do art. 270º/3

Constituição de arguido: art. 58º/3. Nota: o art. 270º/2 al. e) (não é uma

enumeração taxativa, sendo que a lei fala em quaisquer outros actos

cuidado que da lei pode resultar que a competência é do MP ou da

autoridade judiciaria e nesse caso também não pode ser delegável, porque é

a lei que diz a quem compete tal acto. Autoridade judiciaria: art. 1º al. b). A

validação da constituição de arguido é um acto indelegável.

Interrogatório do Arguido: art. 272º (regra equivoca que da a entender que o

MP é o órgão competente para interrogar); art. 141º (primeiro interrogatório de

arguido detido); art. 143º (primeiro interrogatório não judicial de arguido

detido) e art. 144º. Tendo em consideração o nº1 do art. 144º, se não existisse o

nº2, a competência quando ao interrogatório seria do MP sendo tal

indelegável por força do art. 270º/2 al. e). O art. 141º foi alterado para que as

declarações do arguido pudessem ser utilizadas como meio de prova (art.

141º/4 al. b) neste caso não se admite a delegação tendo de ser feitas por

autoridade judiciária (por remissão do art 144º/2). O MP pode delegar mas

sendo praticados pelos órgãos de policia criminal não pode ser usado como

meio de prova na audiência de prova.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 72

Nos termos do art. 53º/2 al. b) compete ao MP dirigir o inquérito, não sendo tal uma

competência delegável pois tal poderia colocar em causa o disposto no art. 219º CRP.

Formalmente, nos termos do art. 270º/2 al. e) fala-se em actos indelegáveis, sendo-o

por constituírem os momentos fundamentais de prática de actos que competem

constitucionalmente ao MP. O que é que o art. 53º e o art. 219º impõe como mínimo à

intervenção do MP? Direcção do inquérito, nomeadamente a abertura do inquérito e

a decisão final. Da competência para a acção penal na própria CRP derivada como

primeiro momento o facto de ter de ser o MP a decidir a abertura do inquérito.

Quando a lei fala em direcção do inquérito basicamente assenta em o MP é ser

dominador/servidor do inquérito: o MP tem de manter a direcção efectiva, a

orientação do inquérito. Muitas vezes, em casos como o nosso, o MP não teve

qualquer intervenção no inquérito. Mas na prática dos processos nem sempre é fácil

demonstrar que o MP não dirigiu. Ao MP compete abrir o processo, e mesmo que

delegue algumas tarefas, deve manter o conhecimento, fiscalização e poderes de

orientação que lhe permitam ser ele a terminar as linhas com que se cozem a

investigação. A investigação criminal no processo penal no inquérito tem como fim

tomar uma decisão jurídica: arquivar ou acusar (o fim não é tanto o da verdade

material!).

HIPÓTESE PRÁTICA EXTRA COLECTANEA II

Suponha que apesar de o arguido ter invocado que actuou em legítima defesa, o juiz,

na sentença, não se pronuncia sobre os factos respectivos invocados na contestação.

Por outro lado, limita-se a fundamentar a decisão sobre matéria de facto afirmando

que: ‘’os factos acima indicados resultaram respectivamente provados e não

provados com base no depoimento das três testemunhas ouvidas em audiência’’

1. Estará correcta tal decisão?

Existe uma cláusula geral de obrigação de pronúncia que nos termos gerais leva a

que caso não se verifique à nulidade da sentença nos termos do art. 379º/1 al. a) que

remete para o art. 374º/2: o juiz omitiu os factos de que resultaram a legítima defesa e

o exame crítico da prova.

O juiz deveria ter elencado quais os factos provados e não provados e num deles

incluir a legítima defesa (o facto pode estar provado ou não, mas em qualquer das

situações tem de constar da sentença). De seguida, o juiz deveria ter sinteticamente

indicado o que foi afirmado pelas testemunhas e fundamentado a sua decisão.

2. Como se pode reagir contra ela?

Aplicação do art. 379º/2: as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas

em recurso.

3. E se em tal situação ocorresse na instrução quanto ao despacho de (não)

pronúncia?

Todas as decisões do processo penal têm de ser fundamentadas: art. 97º. Só será uma

nulidade se tal estiver previsto na lei. Uma vez que a lei nada diz quanto a esta

situação seria uma irregularidade.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 73

4. Suponha agora que se pode ler na sentença ‘’Ao alegar estes factos na sua

contestação invocou o arguido uma factualidade que a provar-se poderia

constituir legítima defesa ou pelo menos uma circunstância de determinação

de atenuação especial da pena’’. No entanto, não logrou trazer ao processo

qualquer meio de prova que pudesse demonstrar tal circunstancialismo, pelo

que não pode o mesmo dar-se como demonstrado. Assim, pese embora o

alegado pelo arguido consideramos que se lhe terá de imputar a

responsabilidade pela prática dos factos ilicitos em causa na acusação.

Em principio o juiz não se podia colocar nesta situação passiva, mas pode suceder

que no caso concreto não existissem mais meios de prova. Note-se que do facto do

juiz ir contra o princípio da investigação e não ordenar a produção dos meios de

prova pode fazer daqui derivar o vício da nulidade nos termos do art. 120º/2 al. d) II

parte. Só há uma violação deste poder dever se existissem outros meios de prova.

Neste caso, existe uma postura erronea (ele não pode adoptar uma posição passiva),

mas tal só consubstancia uma nulidade se existissem mais meios de prova. Do caso

quase que resulta um ónus de prova subjectivo ‘’ele não logrou trazer ao processo’’.

Na opinião do PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO, a presunção de inocência não precisa

de casos destes para se aplicar, podendo ser aplicada em casos em que de facto

exista dúvida. Não é necessário dar como positivamente provada que não existiu

nenhuma causa de exclusão da ilicitude. O juiz não pode fazer a sua sentença com

base numa duvida que não é razoavel. Olhando para os meios de prova nada

apontou naquele sentido, ou seja de que existiu legitima defesa. A dúvida que está

aqui não é criada pela mera posição na contestação, tem de ser uma duvida

razoavel para a qual existam razoes probatórias, isto é, tem de existir meios de prova

não bastado a simples alegação na contestação sem qualquer meio de prova isto

não é uma duvida (razoavel), mas apenas uma possibilidade teorico abstracta. Para

haver uma duvida tem que haver uma base razoavel.

XXIX

Eduardo, arguido em determinado processo, comparece na audiência de julgamento

e decide prestar declarações, confessando a prática de todos os factos que lhe são

imputados na acusação.

1 - Pode o tribunal não considerar os factos confessados como provados, por suspeitar

da veracidade da confissão e, em consequência, ordenar a produção de toda a

restante prova?

(Acórdão do S.T.J., de 9/10/91, B.M.J., n.º 410, p. 591 e segs. )

A confissão encontra-se consagrada no art. 344º, sendo necessário atender ao nº3 al.

b) e ao nº4. Ou seja, o tribunal nunca está inteiramente vinculado, podendo sempre,

em sua livre convicção, duvidar da veracidade dos factos e não os dar como

provado. Esta disposição não tras consigo uma excepção à livre apreciação da

prova, não estando o juiz vinculado à confissão, podendo dispensar ou não a ulterior

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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produção de prova. O art. 344º tem como função util permitir que em caso de

confissão do arguido o juiz possa decidir conforme se encontra consagrado no seu nº4,

ou seja se e em que medida vai ser necessária a produção de prova.

2 - Suponha agora que Eduardo não está presente na audiência de julgamento e que

o juiz decide que a sua presença não é essencial para a descoberta da verdade

material, pelo que determina que o julgamento se inicie na sua ausência (art. 333.º, n.º

1, do C.P.P.). O M.P. requer que se proceda à leitura das declarações prestadas pelo

arguido em inquérito perante o J.I.C. Como deve decidir o juiz? Se for possível a leitura,

qual o valor probatório destas declarações?

É necessário atender ao art. 357º/1 al. b) que determinaa que a reprodução ou leitura

de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida quando realizada

perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido

informado nos termos do art. 141º/4 al. b).

Nos termos do art. 141º/4 al. b) quando se proceder ao interrogatório do arguido, o juiz

irá informá-lo de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar

poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência (…), estando

sujeitas à livre apreciação da prova.

Deste modo, não estando Eduardo presente na audiência de julgamento mas tendo

prestado as suas declarações perante o JIC, tais poderão ser reproduzidas e

encontram-se sujeitas à livre apreciação de prova por parte do juíz.

XXX

Luís, assistente num processo que corre contra Manuel, pela eventual prática de um

crime de abuso de confiança, pretende juntar aos autos uma escritura pública de

compra e venda, da qual consta que Manuel declarou perante o notário ter recebido

o preço que lhe foi entregue pelo comprador, na qualidade de procurador de Luís,

para que fique provado no processo crime que Manuel recebeu efectivamente a

quantia respectiva. Tem razão?

No presente caso estamos no âmbito da prova documental que se encontra

consagrada no art. 164º e ss.

Conjugando o art. 165º/1 com o art. 169º, Luís tem razão: prova-se a autentecidade do

documento e a sua veracidade.

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CONJUGAÇÃO DO ART. 169º COM O ART. 127º QUE CONSAGRA A LIVRE APRECIAÇÃO

DA PROVA: não se trata de dispensar outros meios de prova, mas enquanto o juíz não

tiver fundamentos que contrariem tal os factos são dados como provados. Basta que

a veracidade do conteúdo seja fundadamente colocada em causa para os factos

não sejam ou deixem de ser dados como provados.

Note-se que quando se diz que ‘’Manuel recebeu efectiviamente a quantia

respectiva’’ o que fica provado é que ele declarou que recebeu a quantia e não que

ele efectivamente recebeu a quantia. Ou seja, só fica provado que ele declarou que

recebeu a quantia, sendo que o valor probatório funda-se na fé que merece o

notário. A Base material da força probatoria do documento funda-se na pessoa que o

exara. Acredita-se à partida no que ele testou: mas o notáro não pode provar que ele

pagou, apenas pode declarar que ele declarou.

XXXI

António e Bento são revistados, quando chegam ao aeroporto das Lajes, em

cumprimento de mandado judicial, nada tendo sido encontrado na sua posse directa

que pudesse indiciar a prática de um crime. Contudo, como certos objectos que

detinham eram susceptíveis de indiciar que António e Bento tinham enviado

estupefacientes pelo correio, os agentes da G.N.R. que procederam à revista

dirigiram-se à estação dos correios onde encontraram duas encomendas expedidas

por António e Bento para pessoa residente na Ilha Terceira. Os agentes da G.N.R.

decidem então retirar da estação dos correios as mesmas encomendas, que levaram

ao aeroporto para serem passadas no RX das bagagens, tendo-se então constatado

que, com quase toda a certeza, continham cada uma um sabonete de haxixe. Esta

convicção ficou reforçada quando as embalagens foram dadas a cheirar a cães

treinados para identificar estupefacientes pelo olfacto, tendo tal teste resultado

positivo. Os agentes da G.N.R. regressaram então aos correios e devolveram as

mesmas encomendas postais. No dia seguinte, quando as encomendas foram

entregues ao seu destinatário, foram apreendidas pelos agentes da G.N.R., levadas ao

juiz de instrução e abertas na sua presença. O juiz determinou então a sua apreensão.

Já durante a audiência de julgamento o defensor dos arguidos vem invocar que

aquela prova foi obtida por modo proibido, pelo que não pode ser valorada pelo

tribunal, como também não podem ser valoradas todas as provas obtidas que

dependam materialmente daquela apreensão. O Ministério Público responde,

invocando que não ocorreu qualquer violação das regras sobre a obtenção da prova

e ainda que, mesmo que tal tivesse ocorrido, qualquer invalidade estaria sanada, não

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só porque não foi arguida em tempo, mas também porque foi sanada com a

apreensão posterior, ordenada pelo juiz. Quem tem razão?

(Ac. da Rel. de Lisboa, de 23/06/04, C.J., t. 3, pp. 149 e segs.)

No caso o meio de prova são estupefaciente, mas o meio de obtenção de prova

assenta na apreensão de correspondência que encontra-se consagrada no art. 179º.

Nos termos desta disposição legal a realização de apreensões de correspondência

realiza-se através de um despacho que terá de ser autorizado ou ordenado por um

juíz, sob pena de nulidade.

O primeiro problema que o caso suscita é que primeiro foi realizada a apreensão e só

depois é que o juíz ordenou tal, o que nos termos do art. 179º/1 consubstância uma

nulidade.

O segundo problema assenta em saber se o conteúdo da correspondência podia ser

visualizado como se encontra descrito no caso. Ora, atendendo ao art. 179º/3 a

primeira pessoa a tomar conteúdo da corresponência apreendida terá de ser o juiz

que tiver autorizado ou ordenado a diligência. Deste modo, como não foi o caso

estamos face a uma violação de correspondência que consubstância um crime nos

termos do art. 194º/1 CP.

No caso não estamos face a uma medida cautelar, uma vez que a questão não se

insere no âmbito do art. 252º: a actuação descrita no caso não seria lícita nem pelas

regras normas quanto à corresponência nem pelas medidas cautelares que exigissem

urgência.

ARGUMENTOS INVOCADOS PELO MP QUANTO À SANAÇÃO:

QUANTO AO TEMPO (‘’NÃO FOI ARGUIDA A TEMPO’’): invalido porque não se

pode considerar como nulidade. O art. 118º/3 diz que tal se encontra fora do

regime normal das nulidades. É uma nulidade de prova que se comporta

basicamente como uma nulidade insanavel. É necessario procurar nas normas

que consagram as provas o que eles dizem. Nos termos do art. 126º consagra-

se que são nulas e que não podem ser utilizadas as provas obtidas nos termos

descritos na referida disposição legal, ou seja nem sequer se fala em qualquer

elemento temporal. Depois do transito em julgado estas nulidade ainda são

invocaveis nos termos do art. 449º al e) (nulidade mais grave que as gerais).

Discute-se se o art. 449º/1 al. e) aplica-se a todas as provas ou apenas as

constantes no art. 126º/1 e 3.

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‘’APREENSÃO POSTERIOR ORDENADA PELO JUÍZ: se é proibida a utilizaçao da

prova é porque é proibida a utilizaçao da prova; não é nulidade insanavel ate

que venha o juiz a validar. O problema no fundo não é bem o da

convalidaçao, mas sim da contamiçao ou seja dos efeitos envenenados/à

distancia. Eles chegaram a estaçao do correios e apreenderam sem a

autorizaçao; depois colocaram la novamente e fizeram um requerimento ao

juiz que depois apreendeu.

O problema é que existe aqui uma apreensao e uma interferencia na

correspondecia que depois tiveram na base um acto que não há razao para

dizer que é ilegal. O problema é de contaminaçao: ate que ponto aquela

inicial proibiçao/nulidade da prova se contamina a actos que considerados

sozinhos eram legais. Segundo o acórdão 198/2004 segundo a teoria da arvore

venenosa, a inicial nulidade da prova evenena a arvore e todos os frutos estao

envenenados. A nulidade expande-se aos actos subsequentes. Segundo o

acordao tal assume-se isto como principio de solução enquadrando no art.

122º/1 esta disposiçao tem um pensamento que pode ser transposto para as

nulidades de prova e que vai dar o mesmo. A nulidade inicial abrange os actos

subsequentes. Mas admitem-se excepções e limitaçoes, nomeadamente o da

fonte independente: se o meio de prova em causa, ainda que tivesse existido

uma violação no inicio, viesse a ser praticado por um acto legal independente

tal seria possível. O tribunal alude a esta excepção, dizendo que tal não

consubstanciava um fruto envenenado. Deve-se colocar na situação em que

se estaria se não tivesse ocorrido a invalidade do meio de prova.

XXXII

António e Bento, agentes da P.S.P., que actuavam à paisana, perguntam a Carlos se

este tem disponível algum haxixe para venda. Carlos responde negativamente, mas

António e Bento insistem, dizendo que também pode ser heroína. Carlos afirma então

que conhece alguém que lhes pode arranjar a droga. Dirigem-se então os três a casa

de Eduardo, que confirma que lhes pode vender a heroína. Para a obter, Eduardo

dirige-se a casa de Francisco, onde a adquire. Encontram-se todos em casa de Carlos,

onde Eduardo entrega a droga a António e Bento. António e Bento detêm, de

imediato, Eduardo.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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António e Bento actuaram correctamente? Pode o seu depoimento ser utilizado no

processo entretanto instaurado a Eduardo, pela prática de um crime de tráfico de

estupefacientes?

(Acórdão do T.E.D.H, caso Teixeira de Castro v. Portugal)

Atendendo ao art. 32º/1 CRP o princípio do processo equitativo consubstância uma

cláusula aberta. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem utilizando a Convenção

Europeia afirmou que no caso Teixeira de Castro v. Portugal existia uma violação do

processo equitativo.

CRITÉRIO DOMINANTE E SEGUIDO NO ACÓRDÃO: a decisao ou a opçao que se impos

foi entre pessoas que tem uma funçao puramete informativa e aquelas que tem uma

funçao formativa da vontade de delinquir. Dai que normalemnte os agentes

provocadores são tambem tratados na doutrina da tentativa (praticam actos

preparatorios e de execuçao mas não com a vontade de consumir o crime). Pelo

menos ele esta a instigar ao crime o que levanta o problema da punibilidade dele e

levanta um problema processual. A doutrina indica que se ele esteve na origem da

vontade de praticar o acto criminoso a prova não pode ser utilizada. O acordao, o

caso, deu suficiente base para se dizer que a decisao criminosa não estava formada,

não havia mesmos razoes para acreditar que ela tinha sido pensado naqueles

contornos sem agentes da policia. Se foram agentes provocadores não pode ser

produzida prova. Hoje em dia tal esta previsto na lei portuguesa – existe uma lei sobre

acçoes encobertas (lei 101/2001, de 25 de agosto). Nos termos do art. 6º/1 da lei em

questão eles não podem ter uma intervenção decisiva. Isto é um meio de obtençao

de prova enganoso, existe uma quebra de igualdade – o PROF. GERMANO MARQUES

DA SILVA discorda com isto e escreveu um artigo sobre os ‘’bufos’’!! Segundo o PROF.

GERMANO MARQUES DA SILVA está se face a uma concepçao anti democratica de

processo: existem alvos faceis, sendo este genero de investigaçao feita relativamente

pessoas que tem um determinado problema que as torna susceptiveis a este tipo de

problemas. O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO CONCORDA COM O PROF. GERMANO

MARQUES DA SILVA, A ideia a reter é que o agente encoberto envolve sempre a

utilizaçao de um modo enganoso de proceder, pelo que a lei incluiu isto num meio

muito parecido com os meios de obtençao de prova, tendo em consideraçao os

direitos fundamentais que se encontram em causa. Esta complemante excluida a

provocaçao do crime sob pena de nulidade. Mas é nula porque? A violaçao da lei

101/2001 conduz a que e com base em que? É qualificada nos termos do art. 126º/2

al. a) (‘’enganosos’’), sendo de salientar que a clausula de ofensa a integridade fisica

é aberta e não se esgota nas alienas.

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XXXIII

Gonçalo e Hugo, agentes da P.J., detêm João, pela prática, em flagrante delito, de um

crime de furto qualificado. João mostra-se colaborante com aqueles agentes da P.J.,

dizendo-lhes que tinha combinado, para o mesmo dia, uma aquisição de notas falsas

a Luís, nas bombas de gasolina junto ao estádio do S.C.P. Combinaram então que

todos se dirigiam, como acordado entre João e Luís, para aquele local. Aí chegados, o

Luís dirige-se ao João e, quando se encontrava a poucos metros de distância deste, é

detido pelos agentes da P.S.P. Realizada uma revista a Luís, foram encontradas na sua

posse 500 notas falsas de € 50.

1 - A revista de Luís é legal?

Atendendo ao art. 174º/5 al. c) a revista era legal. Além desta norma, poder-se-ia

ainda atender ao art. 251º al. a) que nem exigia que a detenção fosse realizada em

flagrante delito.

2 - Gonçalo e Hugo actuaram correctamente? Pode o seu depoimento ser utilizado no

processo entretanto instaurado a Luís, pela prática de um crime de passagem de

moeda falsa, na forma tentada?

(Ac. do S.T.J., de 06/05/04, C.J., t. 2, pp. 188 e segs.)

A questao esta em saber se esta diferença face ao caso anterior é ou não relevante?

No caso os agentes não tiveram qualquer influência na decisão, pelo que a prova

poderá ser utilizada.

No acordao havia uma nuance: ele mostrava-se colaborante e disse ‘’nos temos

combinado uma entrega mas ainda não fixamos o dia e a hora’’ e o policia é que

disse para marcar. Mesmo assim o STJ disse que já estava decidida a entrega, pelo

que o negocio estava mais do que decidido. Tal interferencia não se tornou uma

provocaçao. De facto na pratica as vezes não é facil.

NOTA: não se encontra consagrada no art. 133º a possibilidade de os órgãos de

polícia criminal poderem depor como testemunhas. Entende-se por testemunha quem

tem um conhecimento directo sobre um determinado facto, ou seja, viu os factos.

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XXXIV

Durante um inquérito que tem por objecto a investigação do homicídio de António,

são descobertas provas que indiciam que o mesmo terá sido cometido por Bento. O

Ministério Público emite um mandado de detenção de Bento, para que este seja

presente ao juiz de instrução, a fim de lhe ser aplicada uma medida de coacção. No

interrogatório o juiz apenas formula ao arguido perguntas gerais e abstractas, sem

concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os

factos que integram a prática do crime objecto do inquérito. Por outro lado, não dá a

conhecer ao arguido os elementos de prova que sustentam aquela imputação, sem

proceder a uma apreciação, em concreto, da existência de inconveniente grave

naquela concretização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em

causa. Terminado o interrogatório, o juiz profere o seguinte despacho: «Tendo em

conta a gravidade do crime imputado ao arguido, deve presumir-se a existência, em

concreto, de perigo de fuga, pelo que determino que o arguido aguarde os termos

subsequentes do processo em prisão preventiva».

1 - Foram cumpridas neste interrogatório as formalidades previstas na lei? O que deve

fazer o arguido e quais as consequências de a sua alegação vir a ser considerada

procedente?

(Acórdãos do T.C. n.º 121/97 e 416/03, Ac. Tribunal Relação Porto, de 24/01/2001)

As perguntas tem de ser feitas de forma clara e inequivoca. O art. 194º remete para o

art. 141º/4. Quanto a factos a lei estabeleceu um dever de informação geral (factos

concretos para que um arguido inocente possa defender-se), mas quanto ao direito à

informação em relação a elementos de prova só se tal não colocar em causa meios

de prova. Uma solução paralela é dada em matéria de consulta dos autos

relativamente à aplicação de medidas de coacção. Nos termos do art. 194º/6 e ss

existe a limitação quanto à conveniência: o tribunal pode não mostrar ao arguido,

não o deixar consultar, os elementos de prova desde que haja perigo para a

investigação.

O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO acha isto inconstitucional: nos acórdãos o argumento

é preservar o direito de recurso ao arguido; enquanto vigorou um certo entendimento

marxilista do segredo de justiça (até 97’) o tribunal constitucional disse que se não se

deixar o arguido ir aos autos ver os meios de prova qual é a sua base de recurso?

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Por exemplo, para prisão preventiva além dos requisitos constantes no art. 204º e 202º é

ainda necessários fortes indicios da prática de crime doloso: se não se tiver acesso aos

autos o que se discute no recurso? Deste modo, no caso para existir esta restrição de

acesso tal teria de ser devidamente fundamentado. Quando ao acórdão da Relação

consagra-se neste que tem de existir um acesso ainda que limitado aos autos. Caso

contrário, impedindo-se o completo acesso aos autos esta-se a esvaziar o direito ao

recurso.

2 - Concorda com este despacho? O que pode fazer o arguido para o impugnar?

Não, uma vez que não se pode presumir a existencia de perigo de fuga: é necessário

averiguar/demonstrar em concreto os factos e os elementos que apontam para estes

factos o perigo de fuga. Tal está sujeito à presunção de inocência.

Ele poderá recorrer nos termos do art. 219º/1. A partir do momento em que lhe foi

aplicada uma medida coactiva ele já não está detido, mas sim preso. Quando ao

harbeas corpus inicialmente tinha uma configuração diferente da que tem

actualmente: só se podia recorrer ao harbeas corpus quando não podia existir recurso.

Na interpretação sucessiva da jurisprudencia, o harbeas corpus transformou-se numa

providencia rapida para casos escandalosos. Desde que se verifiquem os pressupostos

do harbeas corpus, mesmo que haja possibilidade de recurso, pode-se usar o harbeas

corpus.

Tal é um caminho um quanto perigoso, segundo o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO.

Deixou de ser uma providência que dava uma tutela a casos não apanhados pelo

recurso, mas também um ‘’112’’ para situações escandalosos, casos especialmente

graves e evidentes de limitação da liberdade. Tal reflecte-se na propria

regulamentação do harbeas corpus em casos de prisão ilegal.

3 – Se o M.P. requerer que o arguido preste uma caução, pode o J.I.C. determinar que

fique em prisão preventiva?

Neste caso é necessário atender ao art. 194º/2 e 3: no caso estava em causa a

hipotese de fuga o que se insere na al. a) do art. 204º. Naquilo que o legislador achou

que estava relacionado com o desenvolvimento da investigação (art. 204º al. b)) não

se pode nos termos do art. 194º/3; mas quanto à al. a) e c) já se pode nos termos do

art. 194º/2.

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4 - Suponha agora que o crime imputado ao arguido é um crime de homicídio

negligente (art. 137º do Código Penal). As suas respostas são as mesmas?

Não pode haver prisão preventiva, nem proibição nem imposição de condutas, nem

obrigação de permanência na habituação. A lei exige, além dos perigos da

liberdade, que haja fortes indicios da pratica de crime doloso nos termos do art. 201º e

202º.

PARTE VI

XXXV

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal) pelo

Ministério Público. O assistente, Bento, não se conforma com esta acusação, por da

mesma não constar que o valor do objecto furtado é superior a € 8.000,00, pelo que

requer a abertura da instrução, concluindo que o arguido deve ser pronunciado pelo

crime p.p. no art. 204º, nº 1, al. a), do Código Penal.

Responda às seguintes questões:

1 – Pode o juiz de instrução pronunciar o arguido pelo furto qualificado?

Se o assistente quiser alterar substancialmente a acusação do Ministério Público tem

de requerer a abertura da instrução, nos termos do art. 287º CPP. Nos termos do art.

309º CPP, o objecto do processo na fase de acusação é delimitado não apenas pela

acusação do Ministério Púlico, mas também pelo requerimento de abertura de

instrução do assistente. O juiz não pode ultrapassar estas duas fronteiras, nos termos do

art. 303º/3 e 309º CPP. A nossa lei dá ao assistente a possibilidade de confirmar o

objecto do processo. Não o faz sozinho, tem de pedir ao juiz. Porquê? Porque o

assistente não actua de acordo com critérios de objectividade e imparcialidade. O

juiz nao pode conhecer de factos que alterem o objecto do processo. Neste caso o

juiz podia conhecer pelo crime de roubo? Não, se nem o Ministério Público nem o

assistente assim o tivessem entendido.

2 – Nesse caso, pode o arguido impugnar o despacho de pronúncia? Com que

fundamento?

O princípio geral é o da recorribilidade, nos termos do art 399º CPP. O art. 310/1º CPP é

uma norma excepcional que afasta a aplicação do art. 399º CPP. Só se aplica nos

casos expressamente previstos neste art. Distinguem-se decisões instrutórias que são

irrecorríveis e decisões que são recorríveis - a questão só se coloca quanto a

despachos de pronúncia! Os despachos de não pronúncia são sempre susceptíveis de

recurso. Quando é que os despachos de pronúncia são susceptíveis de recurso?

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Quando se trata de acusação particular, a não ser que o Ministério Público tenha

aderido à acusação do assistente. Nestas situações, o assistente e o Ministério Público

estão de acordo quanto aos mesmos factos. Nestes casos não se justifica recurso para

a Relação. Isto só se justifica quanto aos factos constantes da acusação do assistente

– Princípio da economia processual. Isto não viola os direitos de garantia do arguido?

O TC já se pronunciou quanto a isto: há uma razão objectiva para que seja assim, pois

o juiz e o Ministério Público são dois órgãos imparciais e estão de acordo quanto à

indiciação do arguido. (Tc 610/96).

No caso, não há acordo com o Ministério Público: a concordância tem de ser pelos

mesmos factos. Ex: tem de ser furto simples/furto simples. O recuso não é obrigatório,

mas o arguido tem a possibilidade de recorrer ou não.

3 – Suponha agora que António também requereu a instrução, invocando a prescrição

do procedimento criminal, a utilização de um meio de obtenção de prova ilícito e

ainda a nulidade do inquérito, por não ter sido ouvido. O juiz, no despacho de

pronúncia, julga improcedentes todas estas questões. Pode António recorrer deste

despacho?

(Ac. do STJ n.º 6/2000 e do TC n.º 216/99)

Art.310º/1/parte final CPP. Art.308º CPP Atendendo ao art. 310º/1 in fine e ao art. 308º -

indiciação dos factos diferente das questões prévias -nº3.

Ac.6/2000: o art.310º CPP quando estabelecia a irrecorribilidade do despacho de

pronúncia apenas estabelecia a irrecorribilidade dos factos previstos no art. 308º/1CPP

-indiciação dos factos. Quanto às questões prévias aplicava-se o regime geral do art.

299º CPP. Hoje tudo mudou, afastou-se este acórdão. No nosso caso, podia haver

recurso, portanto, podia abranger qualquer questão abrangendo estas matérias. Não

podendo haver recurso também não podia haver de nenhuma destas questões.

O PROF. HENRIQUE SALINAS defende que se devia poder resolver estas questões antes

do julgamento, porque se depois há algum problema, o processo tem de ser anulado

e volta para a fase de instrução. Assim não se garante a economia processual!

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XXXVI

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal), tendo o

assistente, Bento, deduzido também acusação, mas acrescentado que o arguido fazia

do furto modo de vida (art. 204º, nº 1, al. e), do Código Penal). Não tendo havido

instrução, o presidente, depois de compulsados os autos, pretende:

1 - Rejeitar ambas as acusações, em virtude de entender que não resultam dos autos

indícios suficientes da prática de qualquer crime pelo arguido. Pode fazê-lo?

(“Assento” nº 4/93 e Acórdão do TC n.º 101/01)

Se houver despacho de não pronúncia pode voltar a ser acusado pelos mesmos

factos?

PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA:tem força de caso julgado formal- com

os mesmos factos e mesma prova não. Se descobrir novos, sim. Aplica-se por

analogia o art. 279º CPP.

PROF. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: não, porque o despacho de não

pronúncia tem força de caso julgado material.

Nos termos do art. 311º/2 al. a) não havendo instrução, pois esta é a fase própria para

recolha de indícios (se o juiz de instrução diz que há indícios não pode ser o juiz a dizer

que não. O despacho de pronúncia tem força de caso julgado.), o juiz pode rejeitar

por considerar que não há indícios suficientes.

Assento 4/93 - foi afastado porque violava o princípio do acusatório. A nova redacção

da lei já está conforme este.

Critério do juiz de julgamento – art. 311ºCPP (saneamento): acusação manifesta ou

infundada.

Critério do juiz de instrução – art. 307º CPP (despacho de pronúncia): indícios

insuficientes.

O art. 311º/3 CPP densifica o conceito de “acusação infundada”, mas daqui não

consta a falta de indícios – a acusação sem prova seria impossível, pois o arguido seria

sempre absolvido. Neste número encontram-se os requisitos formais de acusação. É

afastada a jurisprudência fixada no assento nº 4/93. É necessário atender ao art.

283º/3.

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2 - Rejeitar a acusação do assistente. Pode fazê-lo?

O assistente acusa por furto qualificado e o Ministério Público por furto simples. A

acusar por furto qualificado o que estaria o assistente a fazer da acusação do

Ministério Público? A introduzir alteração substancial. Pode? Tem de ter a confirmação

do juiz de instrução, nos termos do art. 284º/1CPP. Neste caso, havendo duas

acusações, este processo será enviado para julgamento e no saneamento (art.311º) o

juiz detectará isto e terá de rejeitar!

XXXVII

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal).

Realizada a audiência de julgamento suscitam-se as seguintes questões:

1 - Poderá António ser condenado, com base nos mesmos factos, por um crime de

burla (art. 217º). Em que termos?

(Assento do STJ n.º 2/93, Acórdão do TC n.º 445/97, e Assento do STJ n.º 3/2000)

Trata-se de alteração da qualificação jurídica, porque se diz “com base nos mesmos

factos”. Nos termos do art. 303º e 358º e 359º CPP o objecto do processo é o mesmo.

Art. 303º e 309º CPP - se for alteração do objecto na instrução. Se for no julgamento –

art. 358º e 359º CPP.

Art. 358º/3 CPP- manda aplicar o seu nº 1- alteração não substancial dos factos. O

tribunal pode alterar a qualificação desde que comunique ao arguido e lhe dê tempo

para preparar a sua defesa.

Assento 2/93- já não se aplica.

No início não estava estabelecido nenhum regime. Discutia-se se devia ficar sujeito ao

regime da alteração dos factos.

O PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA defendia que devia ficar sujeita ao mesmo

regime da alteração dos factos, que pode ser substancial ou não, se não for alteração

da pena ou imputação de crime diferente.

O TC vem dizer que são duas coisas diferentes e por isso têm de seguir regimes

diferentes. O STJ dizia que o arguido se defende de factos e não de qualificações.

Hoje não se pode dizer que a qualificação seja inferente para a defesa.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 86

O assento foi declarado inconstitucional, mas apenas na medida em o tribunal não

concedesse oportunidade de defesa ao arguido. Assim, concedeu-se direito de

defesa ao arguido, com este regime previsto no CPP. O PROF. GERMANO MARQUES

DA SILVA não concorda com esta solução, pois defende que o direito de defesa não

se encontra, também assim, assegurado.

2 - Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado tem valor elevado. Pode o

tribunal dar como provado este facto e, em consequência, condenar António por furto

qualificado (art. 204.º, n.º 1, al. a))? Em qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

Alteração dos factos ou da qualificação jurídica? Os factos são diferentes! O objecto

tem valor elevado e este facto não constava da acusação do Ministério Público. É

alteração dos factos, mas substancial ou não substancial (358º/1)? Trata-se de uma

alteração substancial – art. 359º - os factos novos não podem ser conhecidos pelo

tribunal a não ser que o arguido e os outros sujeitos processuais estejam de acordo

quanto a isso.

Antes desta redacção a posição majoritária defendia que o tribunal não pode

conhecer dos novos factos, mas que valem como denúncia para o Ministério Público

proceder como factos novos de que toma conhecimento. Na fase de julgamento - o

processo era remetido para a fase de inquérito para que o Ministério Público voltasse a

investigar e deduzisse nova acusação. Descobria-se a verdade material, mas tinha

muitos inconvenientes.

Nova posição: a lei só permite isto se estes factos forem autonomizáveis quanto ao

processo, ou seja, o processo não regressa ao passado, os novos factos é que serão

alvo de inquérito por parte do Ministério Público. Foi esta a solução que se quis

consagrar na redacção actual do CPP. O processo continua. A comunicação dos

factos novos só é feita se estes forem autonomizáveis.

Se não houver acordo do arguido e outros sujeitos processuais o que poderá fazer o

juiz na sentença final?

O tribunal apenas poderá condenar por furto simples se os factos forem dados como

provados. Não pode colocar o valor da coisa na sentença, senão é nula, nos termos

do 279º CPP.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

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Os factos são autonomizáveis? Não, porque o valor não é crime. Não pode ser

investigado no âmbito do processo penal. Nem em abstracto nem concretamente

são subsumíveis a um determinado tipo de crime.

3 - Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado estava no interior da

residência do ofendido, de onde António o retirou, tendo arrombado a porta para se

introduzir no seu interior. Pode o tribunal dar como provado este facto e, em

consequência, condenar António por furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al. e))? Em

qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

Alteração de factos ou da qualificação jurídica? Alteração de factos! Substancial, o

que tem por efeito o aumento do limite máximo da pena. O processo, se não houver

acordo, continuará pelo furto simples. Os factos são autonomizáveis porque são

subsumíveis a um crime. Pode, em separado, vir a ser julgado pelo crime de dano?

Não, porque o crime que cometeu é um crime único. Trata-se do que se chama

sacrifício parcial da verdade material. Mas o arguido não tem nada a ver com isto, isto

ficou a dever-se a uma má investigação do Ministério Público.

O PROF. HENRIQUE SALINAS defende que este dever de comunicação do juiz ao

Ministério Público não faz sentido. O Ministério Público tem sempre de agir quando

tenha conhecimento de um crime. Esta distinção de factos autonomizáveis ou não,

não tem relevância pratica, pois a decisão de agir ou não, cabe ao Ministério Público.

4 - Algumas testemunhas, vizinhos de António, afirmam que este, para além do furto do

objecto que lhe foi imputado na acusação, duas horas depois, quando estava a

chegar a casa e depois de ter ido almoçar com uns amigos, se apropriou de um

telemóvel de Duarte, que estava no interior da sua viatura. Pode o tribunal dar como

provado este facto e, em consequência, condenar António por furto qualificado (art.

204.º, n.º 1, al. b)), para além do furto simples? Em qualquer caso, o que deve fazer o

juiz?

(Acórdão do TC n.º 226/2008 e Ac. do STJ de 5.03.2008, Proc. 07P3259)

Alteração do objecto do processo, porque é um crime completamente diferente. O

processo não pode prosseguir, nem havendo acordo. Trata-se de novos factos que

correspondem a um novo objecto. Porque é que a lei não permite? Princípio do

acusatório. Competência por conexão subjectiva territorial se fosse na mesma

comarca. Assim, o juiz podia determinar a apensação