3.0 ciência e medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina 3. Ciência e Medicina Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. “É impossível aprender sobre aquilo que se crê conhecer” Epicteto 1

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina

3. Ciência e Medicina Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

“É impossível aprender sobre aquilo que se crê conhecer” Epicteto

1

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No século XVII, a palavra filosofia ainda era empregada comumente como

sinónimo de "ciência física ou ciência da natureza", o que hoje se denomina

ciência natural, ciência da natureza. Pode-se exemplificar com a obra

fundamental em que Newton expõ sua mecânica, que foi intitulada "Princípios

matemáticos de filosofia natural". Em página muito célebre de seus

"Princípios de Filosofia", descartes declarava que "toda a filosofia é como uma

árvore cujas raízes são a metafísica, o tronco a física e os três ramos principais a mecânica,

a medicina e a moral". A Medicina já foi um ramo da filosofia até se autonomizar,

transforma-se na ciência médica que se multiplicou nas ciências médicas. A

ciência médica foi, originalmente, uma destas “ciências físicas”, (do gr. physis

= natureza) razão pela qual os médicos foram chamados “físicos” até o

Iluminismo designação que sobrevive no inglês phisician.

Todo conhecimento traz, implícita ou explícita, uma certa impressão ou

convicção de verdade. Anteriormente, neste texto, quando se definiu o que é

conhecimento, foi feita menção à necessidade implícita nele de haver sempre

uma certa impressão ou convicção de que se tratava da verdade que existe

em todas as suas manifestações. No conhecimento científico, esta impressão

é e deve ser muito maior. Pois, a ciência foi criada exatamente para ampliar

esta convicção de realidade ao seu ponto máximo em cada momento da

evolução histórica. E a cientificidade que acompanha a imagem da Medicina

tem sido um dos principais elementos de sua credibilidade.

Os médicos devem possuir informações acerca do conhecimento científico

porque sua existància social está fundamentada em sua cientificidade. A

sociedade espera que os médicos (e os demais profissionais da saúde)

tenham formação científica mínima. E o mínimo que se pode esperar deles é

que sejam capazes de reconhecer o que é científico em sua atividade e em

seu estudo. Por isto, espera-se que sejam capazes de reconhecer mais que

superficialidade da atividade científica, o que justifica o estudo deste tema.

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Em geral, as conclusões científicas são (ou deveriam ser) objetivas e exatas

(ou serem o mais aproximadamente precisas que for possível, sempre

perseguindo a exatidão), e visam descobrir as leis que regem algum aspecto

definido da natureza, da sociedade, do homem e de suas realizações. Porque

tudo isto diferencia o conhecimento científico do vulgar.

Muito mais que em qualquer outra forma de conhecimento, o conhecimento

científico deve expressar o grau de veracidade de seus enunciados em

relação ao que se conhece do mundo. Enquanto a impressão de convição de

veracidade que acompanha um dado do conhecimento comum é unicamente

uma impressão subjetiva, como as crenças, por exemplo.

O grau de veracidade de um enunciado científico deve poder ser definido e

comunicado objetivamente com a exatidão que for possível obter em cada

momento. Por sua coerência interna e externa (nas ciências formais) e por

sua correspondência com a realidade (nas ciências factuais). Infeizmente,

apesar disto ainda não ser possível, espera-se que venha a ser.

Esta premissa aplicável a todo conhecimento científico torna-se ainda mais

necessária e evidente quando aplicada à prática médica.

Tal como acontece com ambigüidade que caracteriza a noção de

“conhecimento”, para o qual já se chamou a atenção acima, no que respeita

ao conceito de ciência, a significação do conhecimento científico também

abrange tanto o processo de elaboração da informação científica, quanto,

simultaneamente, o acervo de conhecimentgos científicos resultantes

daquele processo. A ciência-processo e ciência-resultado, a ciência

procedimentos de investigação e os conhecimentos obtidos com eles.

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Um certo grau de certeza está presente em qualquer conhecimento e deve

poder ser reconhecido no conhecimento científico. Apesar de seu caráter

subjetivo, existe uma certeza inteiramente subjetiva e uma certeza

objetivamente originada. Deve-se, portanto, diferenciar a certeza da crença

que é uma convicção de base afetiva, da certeza do conhecimento, que é a

convicção originada na racionalidade ou na objetividade da ciência fornecida

pelos sentidos e pela experiência. Muita convicção tem suas raízes no

interesse subjetivo ou objetivo de quem a experimenta.

Um certo grau de dúvida deve estar presente em todas as manifestações do

conhecimento científico. O cientista sabe que todas as suas opini˜øes podem

ser reformadas, negadas, substuídas. E deve sentir isto como algo muito

bom, muito desejável, mesmo. Com as religiões e outros tipos de

exteriorização das crenças isto não pode acontecer. As religiões, todas as

que existem e existiram, se têm como eternas e detentoras de verdades

eternas. A ciência, não; sabe-se que a ciência é provisória, ainda que possa

chegar a conhecimentos tão duradouros que possam ser considerados como

permanentes, ao menos para todos os efeitos práticos.

Ciência Médica e Ciências Médicas

O conhecimento médico reúne as informações (descritivas e explicativas)

sobre a estrutura, o funcionamento do organismo humano, suas

enfermidades e sobre os enfermos; sobre os procedimentos diagnosticadores

e profiláticos de enfermidades, terapêuticos e reabilitadores dos enfermos.

Estes conhecimentos podem se referir a fenômenos naturais (que existem na

natureza de maneira independente da vontade de alguém) ou podem se

referir a conceitos elaborados por alguém, mas sempre se incorporam à

consciência como conteúdos subjetivos.

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Todos os que se preparam para desempenhar atividades tecno-científicas,

não apenas o exercício da Medicina ou das demais tecnologias de saúde,

mas em em qualquer outro trabalho social que deva ser cientificamente

embasado, devem se preocupar em conhecer a situação de suas profissões

como atividades científicas (o chamado estado da arte), de conhecer a

dimensão técnica e científica de seu exercício e de se manter

permanentemente atualizado, para melhor servir à sua clientela. Os médicos,

sobretudo, necessitam conhecer o status de cada atividade técnica a que se

dedica ante a ciência e o grau de cientificidade contida nos procedimentos

técnicos que emprega. O que não consiste em uma exigência unicamente da

técnica, mas também da ética.

A história registrada mostra que a Medicina terá sido uma das primeiras

sementes e sementeiras da ciência, desde sua origem perdida no passado

mais remoto, antes mesmo dos tempos históricos. Pois, no alvorecer da

civilização, foi uma das primeiras atividades científicas cultivadas pelo

homem, ainda no velho Egito, bem antes de surgir a Medicina leiga, quando a

prática médica era uma função mágico-sobrenatural, exercida por xamãs,

feiticeiros e, depois, pelos sacerdotes.

Por volta do século V a.C., surgiu na Grécia como atividade leiga e foi

denominada Medicina Racional e que, muito mais tarde teve sua

denominação mudada para Medicina Científica. A expressão Medicina racional

foi criada para diferenciar a nova prática médica do curandeirismo, da

feitiçaria e outros tratamentos supersticiosos então vigentes. Todas reunidas

sob a designação de medicina religiosa, medicina supersticiosa, medicina

popular e que hoje se denomina medicina tradicional.

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Como se pode constatar, desde a Antigüidade, a história da Medicina se

confunde com a história da ciência e do desenvolvimento científico. Sem que

tenha deixado de ser uma atividade sócio-econômica, uma modalidade de

trabalho social mais destacada que as demais no mercado de serviços, além

de uma atividade interpessoal que exigia mais controle ético de seus

praticantes que todas as demais. Mas principalmente, sem abandonar sua

característica mais essencial de ajuda solidária aos doentes em seu

padecimento.

Durante muitos séculos a Medicina foi considerada como ciência específica,

a assim chamada ciência médica ou Medicina-ciência ou ciência médica.

Contudo, muito cedo na história, seu objeto foi ampliado de tal maneira, seu

patrimônio de conhecimento se avolumou tanto, multiplicaram-se tanto as

suas técnicas e os recursos que tem que mobilizar em sua práxis, que foi

necessário subdividí-la em diversas ciências.

Desde o século dezenove o volume de informações daquilo que até então se

chamava ciência médica foi ficando grande demais (tanto nos aspectos

teóricos quanto prático-metodológicos), para ser contida em uma única

disciplina científica, principalmente porque seu objeto se elastecia e se

multiplicavam os recursos metodológicos de que carecia para realizar sua

tarefa. Com isto, o prestígio social da Medicina e dos médicos se ampliou a

um ponto nunca antes visto na história. A ampliação dos conhecimentos

sobre o objeto e os métodos de estudo da Medicina obrigou sua

segmentação como instrumento de estudo e intervenção.

Com o passar do tempo, ao menos em grande parte, porque seu cabedal

teórico foi multiplicado e porque mudou o conceito de atividade científica, a

Medicina-ciência deu origem a diversas ciências que resultaram de seu corpo

de conhecimentos (que, por isto mesmo, são chamadas ciências médicas),

como por exemplo as ciência básicas, como a Anatomia Humana, a

Bioquímica, a Imunologia, a Fisiologia Humana, a Patologia Geral e as

especiais, a Farmacologia e outras, todas diretamente voltadas para a

consecução de seus objetivos.

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Essa, é a modalidade mais comum de surgimento de uma ciência nova. A

segregação interna. A nova disciplina científica emerge como resultado do

crescimento de uma ciência que se subdivide pela divisão (como em Gustavo

Bueno). 1

A segunda modalidade pela qual pode aparecer uma nova disciplina

científica, resulta da autonomização de uma aplicação científica.

A terceira possibilidade, reside na nova disciplina científica resultar de uma

descoberta nova, como sucedeu com a Imaginologia ou a Física Quântica.

Como quarta possibilidade, uma nova disciplina científica pode resultar da

reorganização de um sistema de conhecimentos; como sucedeu com o

surgimento da Sociologia, resultante do desaparecimento da Física Social

comtiana.

O desenvolvimento do conhecimento médico fez surgir diversas ciências se

desprenderam do berço comum, passando a ser reconhecidas como ciências

específicas. Autonomização que, ao menos no início, resultou não apenas de

seu cresimeno quantitativo, mas da eficácia verificada em seus resultados e

do prestígio de seus cultivadores. A antiga ciência médica foi subdividida com

o passar do tempo nas ciências médicas da atualidade – ciência básicas,

ciências clínicas, ciências da saúdeeciências complementares.

Ciências básicas como a Anatomia macroscópica, microscópica, radiológica

e outras técnicas imaginológicas; a Biologia Humana, a Bioquímica, a

Imunologia, a Fisiologia, a Farmacologia; a Patologia Geral, a Fisiopatplogia

e as Patologias especiais, inclusive a Anatomia Patológica.

Ciências clínicas, como a Semiologia e a Semiotécnica, a Clínica Médica e a

Clínica Cirúrgica, a clínica da mulher e da criança e mais todas as clínicas

especializadas.

1 Bueno, G., Que es la Bioética, Ed. Fundacion Gustavo Bueno, Oviedo, 200.

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A noção de ciência médica clínica tem sido confundida com a de

especialidade médica. As ciência médicas clínicas são aquelas ciências

médicas ou disciplinas científicas geradas da Medicina que fundamentam

essencialmente as especialidades médicas, que são ramos de uma atividade

social de caráter laboral.

Uma disciplina científica é um ramo da ciência dedicada ao estudo de um

segmento particular do mundo; uma especialidade médica é um ramo da

Medicina-profissão, uma atividade do mercado de compra e venda de

serviços, voltada particularmente para um tipo de enfermidade ou a aplicação

de uma técnica. Mesmo quando desempenhadas pela mesma pessoa, estas

duas atividades correspondem a dois papéis sociais diferentes, ainda que se

superponham freqüentemente nas mesmas condutas.

Semiologia ou semiótica

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é o estudo sistemático dos símbolos. Em sentido amplo, pode-se definir a

semiologia como ciência dos signos. As noções de semiologia, semiótica e

signo (como a de sintoma) não são exclusivas da Medicina, se originaram na

filosofia, nas ciências da comunicação e da lingüística.

Os termos semiologia e semiótica já são empregados em Medicina há muitos

séculos com os exatos sentidos que têm hoje, como se pode comprovar

consultando a literatura médica clássica ou qualquer dicionário antigo. Sua

extensão, por Ferdnand Saussure, para referir à ciência geral dos signos, foi

feita obedecendo ao sentido já consagrado na teoria médica. Saussure não

criou este termo, ampliou-o, tomando-o da Medicina.

O entendimento da linguagem como um sistema de símbolos e do

conhecimento como um fenômeno ligüístico, foi um dos fatos mais

importantes para a epistemologia moderna, e estas teses exerceram grande

influên cia em toda atividade científica, embora ainda existam muitas lacunas

entre estas duas proposições. De qualquer maneira, impõe-se cada vez mais

aos psiquiatras que se aperfeiçoem no estudo da comunicação para aprender

a melhorar o tratamento e explicar melhor as enfermidades psiquiátricas.

Semiologia Médica é o ramo híbrido da da Semiologia (ciência da

comunicação) e da Medicina (conhecimento científico e habilidade especial,

que lida com os fenômenos médicos e, simultaneamente, o ramo da Medicina

que estuda os signos das doenças. A semiologia médica é o ramo da ciência

médica que promove o estudo sistemático dos procedimentos de

investigação, das técnicas de exame, dos recursos de identificação das

condições patológicas e dos processos de registro das manifestações

elementares das patologias: seus sinais, sintomas, padrões de curso e outros

signos pelos quais se revela o estado de enfermidade, a condição patológica

do paciente; e cujo objetivo é elaborar o diagnóstico.

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Signo é o ente simbólico-comunicativo elementar; sensível e interpretável;

integrado por dois componentes inter-complementares: o significante

(envoltório material do signo, a representação de sua forma fonética ou

gráfica, a configuração sonora, quando se trata de uma palavra falada) e o

significado (seu conteúdo, a representação da idéia encerrada no

significante).

Os signos mais evidentes em Medicina são os sinais, os sintomas objetivos e

subjetivos, os padrões de instalação, as características do curso e da

terminação e a resolução do quadro clínico.

Como é impossível conhecer e, principalmente, reconhecer as enfermidades sem lhes conhecer e saber reconhecer seus signos, ninguém pode ser bom clínico sem dominar a ciência dos signos da enfermidade, a semiologia. Da mesma maneira que não adiante conhecer os signos (semiótica) sem saber pesquisá-los (semiotécnica).

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Semiologia (a palavra provém do grego, semeion = signo e logos = estudo,

c0nhecimento) é a forma consagrada pelo uso (porque seria bem mais

correto dizer semiótica), para referir o estudo sistemático dos símbolos,

sobretudo, mas não exclusivamente, dos símbolos verbais. Em sentido amplo

a semiologia é a ciência dos signos. Recentemente, o conceito de semiologia

(ou semiótica) tem se tornado muito importante para os estudos de

comunicação (em especial, de lingüística), de epistemologia, da psicologia e

de outras disciplinas científicas correlatas. Desde a origem do pensamento

filosófico, a semiologia (estudo dos signos) desempenha papel fundamental

na teoria do conhecimento, especialmente na teoria do conhecimento

científico e do conhecimento médico em geral e do psiquiátrico, em particular.

Há quem prefira empregar o termo semiologia para a investigação (tanto a

pesquisa sistemática de populaçòes, quanto as investigação de casos

singulares) e semiótica para a ciência, o estudo sistemático dos símbolos,

qualquer que for sua natureza ou situação e esta preferência parece muito

defensável. No entanto, esta querela, ainda que seja importante em outras

áreas, não faz muito sentido em Medicina porque a expressão semiotécnica

resolve este problema da necessidade de designar a investigação clínica do

caso singular.

Semiologia Médica é a disciplina que se incumbe dos procedimentos e

instrumentos de investigação, das técnicas de exame, dos recursos de

identificação das condições patológicas e dos processos de registro das

manifestações elementares das patologias; as maniestações elementares

das patologia são: seus sinais, sintomas, padrões de curso e outros signos

pelos quais se revela o estado de enfermidade, a condição patológica do

paciente, de modo a permitir encontrar o diagnóstico.

A semiologia médica costuma ser dividida em duas sub-disciplinas inter-

complementares que são:

= a semiotécnica e

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= a propedêutica clínica.

Semiotécnica é a disciplina médica que tem por objeto e conjunto dos

procedimentos padronizados para investigação clínica dos casos singulares e

o registro sistemático dos dados semióticos.

Clínica propedêutica é o conjunto de conhecimentos preliminares e

fundamentais, considerados como essenciais para se ingressar no exercício

da clínica; reúne, sobretudo, as informações anátomo-patológicas e fisio-

patológicas, além de habilidades e atitudes que permitem encontrar os

sintomas, reconhecê-los, explicá-los e construir o diagnóstico. Desde há

muito, a propedêutica médica é o conjunto de conhecimentos básicos para o

aprendizado e o desempenho da clínica.

A propedêutica clínica contém algumas áreas que interessam a toda a

Medicina e outras que dizem respeito exclusiva ou predominantemente a

alguma de sua especialidades, daí a existência da propedêutica psiquiátrica

como ramo da clínica propedêutica médica voltada para a psiquiatria como

ramo da Medicina.

Signo é uma entidade comunicativa simbólica elementar, sensível e

interpretável, integrada por dois componentes complementares e

interdependentes:

= o significante (o envoltório material do signo, sua forma fonética ou gráfica,

a configuração sonora, quando se trata de uma palavra falada) e

= o significado (seu conteúdo, a representação da idéia encerrada no

significante). As noções de semiologia, semiótica e signo (como a de

sintoma) não são exclusivas da Medicina, pertencem ao campo da

comunicação e da lingüística.

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= Sintomas (do latim, symptoma e, este, do grego, sympiptein = sobrevir,

coincidir; são fenômenos que aparecem junto com as doenças) e devem ser

considerados como as manifestações espontâneas mais elementares das

patologias (sejam somáticas ou psicopatológicas). Como já é tradicional em

semiologia médica, os sintomas das patologias podem ser classificados em

dois gupos, os objetivos e os subjetivos:

= sintomas objetivos (como hipertermia, paralisia, hiperatividade e

hipercinesia) são passíveis de serem verificados diretamente pelo

examinador sem que o examinado os comunique intencionalmente;

= sintomas subjetivos (como dor, mal-estar, alucinações, deliríos) são uma

variedade de sintomas que só se tornam conhecidos pelo examinador

quando são referidos verbalmente pelo paciente ou quando, de qualquer

maneira, se objetivam em sua conduta.

Sinais são dados elementares deuma enfermidade que são provocados pelo

examinador pela utilização de procedimentos semiuotécnicos padronizados

(como o sinal de Romberg, o sinal da roda dentada, o sinal do canivete, o

sinal de Babinski e muitos outros).<$FParece aconselhável recusar a

tendência errônea de confundir sinais e sintomas objetivos porque isto limita

a comunicação e não traz qualquer vantagem.>

O objetivo essencial da semiologia médica tem sido, desde sua origem, o

diagnóstico e os procedimentos para diagnosticar; porque o diagnóstico é

essencial para a programação da terapêutica. Sem diagnóstico não há

terapêutica e sem terapêutica não há Medicina. A semiologia médica,

inclusive a semiologia psiquiátrica, como um de seus ramos, pode ser

considerada a ciência médica voltada para a busca dos signos das

patologias, visando a construção do diagnóstico médico. Muito mais que a

ciência dos exames, a Semiologia Médica é a ciência do diagnóstico de cuja

construção, todos os exames médicos são simples instrumentos.

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Denomina-se semiotécnica psiquiátrica ou semiotécnica da psiquiatria ao

capítulo da semiologia médica que consiste no conjunto de procedimentos e

processos desenvolvidos, padronizados e sistematizados para possibilitar o

exame dos pacientes psiquátricos. Tais recursos semiotécnicos são

destinados a pesquisar e registrar os sinais, sintomas, evolução e outros

signos dos acontecimentos psicopatológicos. Ou seja, a semiotécnica fornece

os instrumentos teóricos e práticos destinados ao estudo dos signos

característicos das patologias que se expressam através de alterações

psíquicas, perturbações da conduta ou transtornos do desempenho pessoal:

as patologias psiquiátricas (antes designadas doenças nervosas e mentais e

que, hoje, seriam melhor designadas como patologias de expressão

psiquiátrica).

Analogamente ao que acontece aos objetivos da semiologia médica, a

semiologia psiquiátrica é a atividade científica voltada especificamente para

identificar e interpretar os signos elementares dos fenômenos

psicopatológicos como elementos constitutivos do diagnóstico psiquiátrico; 2

enquanto a clínica propedêutica psiquiátrica reúne os conhecimentos

preliminares indispensáveis ao aprendizado da clínica psiquiátrica e os

elementos teóricos fundamentais indispensáveis à construção do diagnóstico

psiquiátrico, o que inclui o conhecimento das questões essenciais das

ciências limítrofes, além das fundamentais.

Clínica Médica: Denomina-se clínica médica aos procedimento médicos de

atendimento dos doentes (inicialmente os doentes acamados, klinos em

grego significa leito) em quaisquer circunstâncias (ultimamente, inclui a

exigência do não emprego de técnicas invasivas, se contrapondo à clínica

cirúrgica, o emprego da técnica operatória). Entretanto, esta antiga divisão da

Medicina, característica do século passado, em clínica e cirurgia está

completamente superada e não deve ser cultivada.

2 Esta tarefa especifica de construir o diagnóstico diferencia a semiologia da psicopatologia; a semiologia psiquiátrica abrange, também, muitos outros signos fisiológicos e fisiopatológicos que, de maneira alguma,estão incluídos na psicopatologia.

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A consulta, ato da comunicação médico-paciente que se inicia na

semiotécnica e no diagnóstico, prossegue na clínica e se completa na

terapêutica. Tradicionalmente, a terapêutica pode ser clínica ou cirúrgica

(e,bora, hoje, esta divisão esteja se revelando insuficiente).

As ciências médicas clínicas são aquelas ciências médicas ou disciplinas

científicas geradas no interior da antiga Medicina-ciência e que fundamentam

essencialmente as especialidades médicas, as quais são ramos da Medicina-

profissão, áreas definidas no interior de uma atividade social de caráter

laboral. A cardiologia, é uma disciplina médica que reúne a anatomia, a

fisiologia e a fisiopatologia do sistema cárdio-circulatório e mais os

conhecimento médicos que permitem aplicar aqueles conhecimento às

necessidades da profissão médica.

Muitas carreiras não médicas incluem em seus curriculos profissionais conteúdos programáticos com denominações iguais às disciplinas clínicas do curriculo médico. Embora tenham o mesmo título da disciplina equivalente do curso médico, ensina-se ortopedia, por exemplo, de modo completamente diferente para estudantes do curso médico e para os alunos de enfermagem ou de fisioterapia.

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Em cada um dos cursos em que se leciona uma ciência médica clínica para

formar médicos gerais ou especialistas, os objetivos educacionais, as

estratégias de ensino e as exigências avaliativas são qualitativamente

diferentes em função de seu objeto e dos propósitos pretendidos. E, em

todas elas muito diversas de como se faz na Medicina. Porquê, deve ser

sublinhado, o ensino de uma disciplina como a psicopatologia no curso de

Medicina, no curso de psicologia, no curso de terapêutica ocupacional e no

curso de enfermagem, além de ter seu programa que pode ser o mesmo para

todos), concretizado diferentemente em cada um deles, abordam-se e

avaliam-se tais conteúdos programáticos de forma bastante diferente. Sem

esquecer que a prática de cada um desses cursos, se pratica em uma

ambientação teórica, prática e ralacional de maneiras absolutamente

desiguais.

Essa desigualdade, não decorre unicamente de aspectos quantitaivos, como

quantas horas de atividade, quantos componentes curriculares são

nominalmente idênticos, mas de aspectos qualitativos. Como vocação,

estrutura das atitudes desenvolvidas, enquadramento das atividades teóricas

e práticas, os modelos de identificação técnica e profissional, os tipos de

atividade desenvolvida em cada curso e sua carga horária total, a qualidade

da seleção havida em cada exame de seleção e nas atividades didáticas da

disciplina, além de muitas outras influência intra-curso capazes de determinar

a qualidade daquilo quen se chama formação profissional. A essas, somam-

se influências extra-curso, como a expectativa individual e social com relação

a carreira, suas tradições e expectativas culturais que geram, entre outras.

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Terapeutica. A palavra provém do gr. therapeutés que, originalmente,

significava médico. Mais tarde seu significado foi ampliado para conter

qualquer profissional que atuasse tratando paciente, como terapeuta da fala,

terapeuta ocupacional, fisioterapeuta. Atualmente, o termo tem sido

empregado para designar para qualquer atividade, profissional ou não, que

pretenda cuidar de um paciente e melhorar sua condição de vida, como

terapeuta hol;istico, cromoterapia, terapeuta floral e quejandos. Originalmente

e até o século dezenove, se referia apenas, ao capítulo da medicina que trata

dos preceitos e remédios empregados para o tratamento de um portadoder

de uma doença. Ciencia e arte de curar os doentes. Mais recentemente, ja

avançado o século vinte, deu-se um deslizamento desse significado, e o

termo passou a abranger todos os agentes sociais que empregassem alguma

técnica ou atividade que fossem usados no tratamento de todas as

enfermidades, abrangendo todas as modalidades de patologia.

Therapeutikée (medicação, significando primeiro, um resultado da atividade

médica, o ato ou processo de medicar; depois, passou a entender-se como

qualquer remédio; tudo que sirva ou possa ser usado para curar um enfermo

ou melhorar as condições da existência de uma pessoa.

Ciências da saúde como a Higiene, a Saúde Pública, a Administração em

saúde, a Demografia Médica, a Epidemiologia.

Além de muitas outras disciplinas mais ou menos correlatas, também

incluídas entre as ciências médicas, ainda que originadas em outras áreas do

conhecimento, como a sociologia médica, a estatística médica, a geografia

médica, a antropologia médica, a psicologia médica e muitas outras.

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A Anatomia, a Fisiologia e a Patologia foram as primeiras. Depois, surgiu a

disciplina “matéria médica”, matriz da farmacologia, da farmacodinâmica, da

farmacocinética e da terapêutica. A ampliação da Medicina também influiu no

aparecimento de outras disciplinas científicas em diversas áreas do

conhecimento não médico (como, por exemplo, a sociologia médica, a física

médica, a estatística médica, a demografia médica, a antropologia médica).

Cada uma dessas atividades científicas foi iniciada como um recurso auxiliar

da Medicina, dirigida para auxiliar os médicos em suas tarefas essenciais de

diagnosticar enfermidades e tratar enfermos.

A Medicina é a mais antiga das atividades científicas e sociais sanitárias e

contituiu um dos alicerces mais importantes das ciências que a seguiram.

Além disso, foi dela ou através dela que se originaram todas ou quase todas

as outras disciplinas e profissões da saúde que lhe são limítrofes ou com ela

correlacionadas. Convindo destacar que, não se pode, nem se deve,

confundir cada um de seus elementos constituintes quando se reflete sobre a

identidade da Medicina: suas incontáveis possibilidades como aplicação

científica, com as disciplinas científicas (mesmo quando se tratar das ciências

médicas, nem com outras disciplinas científicas que dão sustentação

científica à Medicina), porque esta confusão pode ser danosa como se

pretende deixar claro neste e nos próximos capítulos.

A Medicina não é uma ciência específica, uma disciplina científica individual,

ainda que seja uma atividade predominantemente científica, aplicação

técnica e prática profissional essencialmente voltada para curar doentes ou

diminuir-lhes o sofrimento. Tudo isto ao mesmo tempo. Mas já não é uma

disciplina científica específica, embora o tenha sido durante muito tempo e

jamais tenha perdido seu compromisso com a cientificidade. Embora a

prática médica seja basicamente científica e disto decorre sua autoridade e

prestígio sociais, nem todos os procedimentos médicos podem ser assim

reconhecidos pois, nem todo ato médico tem comprovação científica;

ademais, o conhecimento médico se tornou muito grande para caber em uma

única ciência.

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Ainda hoje, há quem advogue a condição de ciência específica para a

Medicina. Pretendendo que ela seja, não apenas uma atividade

fundamentada cientificamente, pois que este é o seu status científico atual,

mas uma disciplina científica. Reação que talvez seja devida, além de outros

motivos possíveis.

Provavelmente, será devido à importância social que a ciência adquiriu nos

últimos séculos e à dificuldade que, por desinformação, o sentimento da

perda do status científico acarreta quando a questão é mencionada de

passagem, sem maior explicação, sendo considerada como se fora um

rebaixamento, uma desqualificação. Pois, não considera que o que havia de

científico na Medicina continua a sê-lo sob outras designações; porque, se a

Medicina deixou de ser uma ciência específica, por causa da amplitude de

seu objeto e da imensidão de sua metodologia, não deixou de ser científica,

não perdeu sua cientificidade. Ao contrário. Além do quê, nem tudo nela é

(deve ser ou precisa ser) científico. Até porque as ciências ainda não deram

respostas a todas as indagações postas pelas necessidades dos enfermos

ou das necessidades sanitárias.

Enquanto as ciências médicas não tiverem resposta para todas as

necesidades dos doentes (e para as necessidades sanitárias da

humanidade), os médicos não terão o direito de se agrilhoarem ao

conhecimento científico estabelecido formalmente, seja qualque for a

designação que se atribúa a ele. Enquanto isso não acontecer (e tal

expectativa não se encontra no horizonte) os médicos têm o dever de colocar

à disposição de seus pacientes tudo o que souberem ou em que acreditarem

que possa curá-los, aliviar seu sofrimento ou servir-lhes de consolo e que não

colidirem com o conhecimento ou a tecnologia verificada cientificamente.

Mais Alguns Aspectos Ontológicos das Ciências Médicas

Ontologia (ou ciência do objeto” é a disciplina filosófica que trata do objeto.

Do objeto de estudo do conhecimento científico e do objeto de intervenção da

tecnologia médica.

Entendendo-se tecnologia como a aplicação prática do conhecimento científico e

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técnica como aplicação meditada e exercitada de qualquer conhecimento.

2

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Quando se aprofunda a definição do objeto das ciências médicas, ressaltam

pelo menos quatro aspectos ontológicos que pode ser considerados como

complementares e muito importantes para o desenvolvimento inteligente do

tema:

- a vastidão e a complexidade do objeto da Medicina, que abrange a

pessoa enferma em sua extensão e em todas as suas dimensões

existenciais, o ser humano e suas enfermidades, abrangendo todas as

patologias que possam afetá-lo danosamente (o que envolve um

conjunto de ciências e um sistema de técnicas de intervenção na

realidade);

- que o estudo da ontologia médica envolve, preliminarmente, a

circunscrição de diversos conceitos referentes aos diversos

fenômenos e processos que se entrelaçam em seu objeto (tais como

organismo, ser humano, pessoa, patologia, saúde, enfermidade e

enfermo, ambiente e sociedade, prevenção, diagnóstico, tratamento e

reabilitação);

- que o objeto da Medicina integra simultaneamente a pessoa e a

coletividade, o organismo e o meio físico, a patologia e a saúde, o

doente e a doença, o medo e a tranquilidade, o sofrimento e a

felicidade, que constituem o núcleo complexo e polifacético do objeto

da Medicina;

- toda doença humana, por mais que pareça restrita a uma estrutura

somática, é uma doença pessoal e um fenômeno ecológico,

psicossocial além de patológico (e a principal característica da

patologia é o dano que ocasiona).

A percepção dialética, que obriga a imaginar cada ente ontológico, inclusive o

objeto da Medicina, como ser em relação, se diferencia da concepção

metafísica de ontologia, que aprecia cada ente estudado como se fosse

separado dos demais componentes de seu sistema e de seu ambiente.

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Page 22: 3.0 ciência e medicina

A concepção dialética se caracteriza por sua complexidade. Razão pela qual,

se recusa a entender o todo complexo como simples somatório mecanicista

de seus componentes elementares. Bem antes dos psicólogos da gestalt e

dos sistematas teóricos, os filósofos da dialética haviam percebido que, nos

sistemas, o todo é muito mais funcional que a soma mecânica de seus

elementos.

No plano teórico e na prática concreta da ontologia médica, não se pode

separar as noções de saúde e de enfermidade nem as de enfermidade e

enfermo.

A partir disso, pode-se inferir a necessidade de discorrer sobre os aspectos

conceituais da saúde, antes de tratar de enfermidade.

Estrutura Técnica da Prática Médica

A atividade médica tem uma dimensão inequivocamente tecnológica,

naqueilo que se configura como aplicação científica. Contudo não deve ser

resumida a um artefato tecnológico.

Por causa disso, a educação médica deve ser muito mais abrangente que

mero treinamento ou instrução de habilidades. Preliminarmente, deve-se

afirmar que a formação médica deve ultrapassar, em muito, as limitações de

uma capacitação técnica. Ser médico é muito mais do que ser um técnico nas

disciplinas do currículo médico ou um profissional da saúde.

Todos sabem que os processos educativos visam à transmissão de

conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades, além da criação e do

arraigamento de atitudes. As atitudes, com o sentido de predisposição a

pensar, a sentir e a agir de uma determinada maneira, é o objetivo essencial

da formação médica.

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Page 23: 3.0 ciência e medicina

Além do que, as disciplinas do currículo médico configuram uma totalidade

interdependente e não pode ser montada como um quebra-cabeças. Estudar

ortopedia não faz um médico de ossos, assim como estudar psicopatologia

não gera um médico da mente. Todo médico deve ser um médico integral,

ainda que tenha maior domínio e mais capacidade neste ou naquele aspecto

da saude e das enfermidades humanas.

Tem mais, há atitudes e capacidades que devem ser desenvolvidas na

formação médica que transcendem cada uma das disciplinas acadêmicas,

transcendem mesmo todas elas juntas. São destrezas e, sobretudo, atitudes

que se desenvolvem na prática assistencial, nos ambulatórios, nas

enfermarias nos centrs de saúde e nos outros locais de realização de suas

tarefas.

Diferentemente de muitas outras modalidades acadêmicas de capacitação

técnica, nas quais cada módulo tenha caráter terminativo. E possa ser

estudado eficazmente sem qualquer menção às demais. Ou de outras, nas

quais o desempenho técnico seja inteiramente independente do

relacionamento humano. Como sucede em uma oficina de consertos de

máquinas ou em loja de instrumentos científicos. Já a atividade médica, por

sua vez, só pode ser bem praticada no curso de uma boa relação

intersubjetiva que se estabeleça entre o paciente e seu médico. As disciplinas

e, mesmo, os períodos, do curso de Medicina não são terminativos, como o

próprio curso médico não é. Não possibilitam que seu concluinte o leve à

prática. Exerça seus procedimentos específicos, sejam diagnósticos,

terapêuticos ou outros.

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Page 24: 3.0 ciência e medicina

Em um curso de mecânica automóveis cada matéria pode ser terminativa e

ensinada isoladamente. Além de praticada com sucesso sem que seu agente

conhça as outras disciplinas. O aluno pode, por exemplo, ser formado em

mecânica da carburação, de embregem, de transmissão e trabalhar apenas

nesta área específica. Mesmo raciocinando em termos meramente formais,

se um aluno do curso de Medicina for aprovado em todas as disciplinas do

curso e não o for no internato obrigatório de um ou dois anos, não pode ser

considerado apto a colar grau, não pode inscrever-se como médico, nem

exercer qualquer ato médico. Não será médico. Principalmente porque

carecerá da integração da teoria com a prática e dos casos particulares para

os casos gerais. O curso médico deve ser estruturado como uma

organização sistêmica que imita a sistematicidade do organismo. Sadio ou

enfermo.

Quando se autonomiza uma especialidade técnica, atividade especializada

que se incumbe de um aspecto de seu objeto, em detrimento da totalidade da

atividade profissional, o resultado do serviço prestado pode ser gravemente

comprometido. Em muitas profissões isso não sucede, mas na Medicina sim.

A especialização deve ser um recurso que enriqueça o trabalho de um

médico. Por muitas razões. Dentre elas, porque uma enfermidade que

aparente ser localizada, costuma ser uma expressão local de uma patologia

geral, sistêmica e o diagnóstico médico de patologias especializadas, como

na psiquiatria, por exemplo, exige o conhecimento da Medicina geral.

Nenhum diagnóstico de enfermidade psiquiátrica pode ser feito com a

necessária segurança sem que se excluam os diagnósticos de enfermidades

somáticas ou neurológicas que se expressem por aqueles sintomas. A

possível exceção pode ser o caso de ns procedimentos cirúrgicos, que

podem ser exercido como técnica isolada. Masalgu, não se deve esquecer

que o diagnóstico deve anteceder a qualquer procedimento terapêutico e que

o diagnóstico em um paciente cirúrgico exige o mesmo cuidado do

diagnóstico clínico. Coisa que, aliás, fez reunir a Medicina e a Cirurgia, que

estiveram separadas por muitos séculos.

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Page 25: 3.0 ciência e medicina

Em segudo lugar, deve-se destacar o caráter unitário da formação médica em

sua tríplice dimensão humana e ocupacional, além de técnica. A pulverização

da Medicina não interessa à sociedade, nem aos médicos. Pois, não se pode

ser uma fração de médico. Só deve interessar aos exploradores do trabalho

médico. Os que querem apenas fingir que atendem a baixo custo; os que

desejam os médicos como meros aplicadores de tecnologia, incapazes de

avaliar a cientificidade de um equipamento ou procedimento; e os que

querem praticar os atos médicos sem se darem ao trabalho de passar pela

preparação exigida pela lei e pela necessidade formativa.

Muitos empregadores de profissionais sanitários, inclusive gestores estatais,

pretendem realizar procedimentos médicos usando agentes ocupacionais

menos qualificados e pior remunerados e alegam que assim prestam melhor

serviço aos pacientes que necessitam seus serviços.

A Medicina, quer como atividade científica quer como prática laboral, trabalha

simultaneaamenteum duplo par de objetos:

a saúde e a enfermidade,

a pessoa sadia e enferma.

Medicina Saber e Medicina Saber Fazer e Medicina Saber Fazer Autorizado

De certa maneira, a Medicina é um saber e um saber fazer. E um saber e um

saber fazer muito especializado. Cada vez mais especializado. Que produz,

anualmente, um volume imenso de informações e de tecnologias que

impõem ao seu cultor estudo permanente e permamente aprendizado prático.

As informações novas que um médico deve assimilar para se manter

atualizado e as novas habilidades que deve desenvolver para evitar

obsolecência, exigem dele imensa dedicação e um grande investimento em

tempo. Mas a Medicina também é um saber fazer como prerrogativa social

legalmente instituída. A

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Page 26: 3.0 ciência e medicina

De fato, a Medicina se compõe de um vastíssimo conjuntos de

conhecimentos médicos, propedêuticos e paramédicos que devem informar

os médicos e constituirem a infra-estrutura de sua atividade técnica. Contudo,

a Medicina não é apenas um saber e um fazer. Longe disso. Uma técnica,

como aplicação de conhecimento científico, é verdade. Mas, a Medicina é

muito mais que isso e exige muito mais também. Também é um relacionar-se

adequada e afetivamente. Além, muito além de um saber e um saber fazer, a

Medicina exige de seus praticantes um conjunto de atitudes interativas.

A Medicina é uma habilidade relacional, cognitiva e operativa, que se

exterioriza como aquisição de informações e como um vasto sistema de

procedimentos técnicos e relacionais. Mas, mais que isso, a prática da

Medicina exige de seus cultivadores muitas atitudes básicas e específicas

que necessitam ser estruturadas e assimiladas em um processo formativo

especial. Um médico, sobretudo, se for dos bons, deve dersenvolver atitudes

altruístas e solidárias que mobilizem e ajudem a desenvolver suas

possibiloidades terapêuticas e sua disposição de servir. De servir aos seus

pacientes com a disposição de servir à humanidade, de não fazer mal e de

fazer o bem. Não fosse isso, sua prática exigiria unicamente um manual de

procedimentos diagnósticos (a aplicação de uma lista nosográfica de

sintomas) aos quais se aplicasse uma lista padronizada de procedimentos

terapêuticos.

Exatamente como muitos pretendem que seja feito, quando o paciente não é

ele próprio, nem familiar seu, nem alguém de sua estima. Que seja outro, que

more longe (no espaço físico, psicológico ou na pirâmide social).

O médico não pode ser substituído por um computador, exatamente porque

seu fazer não é uma operação mecânica. Ou mecanizável.

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Page 27: 3.0 ciência e medicina

As peculiaridades individuais de cada enfermo, sua forma especial de reagir

à enfermidade, sua vulnerabilidade, sua resistência e sua forma específica de

reagir ao remédio, faz de cada tratamento uma experiência única. A

experiência das doenças é sempre uma experiência muitifacética, multiforme.

Cada caso de uma enfermidade é algo diferente dos demais. Mesmo quando

os casos clínicos típicos são os mais comuns, o que não acontece sempre,

costumam existir numerosas formas clínicas atípicas apresentadas por

alguns doentes, que desorientam o médico menos experiente.

Mesmo nos casos em que há um ou mais sintomas patognomônicos ou que

sejam confirmados, à sombra de qualquer dúvida diagnóstica, por exames

complementares (químicos, biológicos ou imaginológicos), a aplicação

mecânica dos procedimentos terapêuticos mais indicados na maior parte dos

portadores daquela entidade patológica, constitui sério risco para ou outros. E

isso deve ser considerado, mesmo que essa minoria seja mínima. Pois, ainda

que um único doente morra ou seja gravemente prejudicado, este caso único

deve ser considerado significante.

A Medicina Científica

O que hoje é Medicina já foi um saber fazer superticioso, depois foi feita

racional pelos hipocráticos. Hoje é científica, cada vez mais científica. . Cada

uma dessas transformações companahou mudanças mais ou menos radicais

havida no conhecimento humano De fato, em um número muito grande de

trabalhos sobre a estrura social da Medicina, costuma-se destacar seu

caráter científico. Há até quem a suponha uma ciência. A maior parte dos

dicionários definine a Medicina como ciência e arte de diagnosticar e curar.

De fato, a Medicina, embora não seja uma ciência, pode ser descrita como

uma atividade científica. Contudo, deve ficar claro que sua tríplice estrutura

(de atvidade mercantil, atividade científica e atividade de ajuda, desde os

tempos hipocráticos, deve predominar, como regra geral, a dimensão

humana e ética do encontro interpessoal solidário. A Medicina existe para ser

uma profissão de ajuda solidária baseada na ciência.

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Page 28: 3.0 ciência e medicina

Desde que existe ciência, em cada momento do desenvolvimento científico

da civilização ocidental, considera-se que o conhecimento científico deve

fundamentar a prática médica. Não sempre e nem sem condições, porque as

ciências não dão resposta para todos os poblemas dos enfermos, mas

sempre que isso for possível.

A Medicina já foi considerada uma disciplina científica específica e uma

profissão unitária. Contudo, desde o século dezenove, como o volume de

informações da ciência médica expandiu-se demais para ser contida em uma

única ciência e uma prática profissional única para todos os seus praticantes.

A ampliação dos conhecimentos médicos e a multiplicação de seus métodos

de estudos, obrigou sua fragmentação como instrumento de estudo.

Fenômeno análogo se deu com a Medicina-profissão. Enquanto a Medicina-

ciência deu origem a diversas ciências que resultaram da divisão do seu

corpo de conhecimentos (que, por isto mesmo, são chamadas ciências

médicas), a Medicina-profissão se ramificou nas diversas especialidades.

Em ambos os casos, tornando viável sua concretização como atividade

científica e como trabalho social.

Encare-se o caso das ciências médicas. As ciências médicas essenciais

podem ser divididas em três grupos: as ciências médicas básicas, as ciências

propedêuticas da clínica e as ciências médicas clínicas. As ciências médicas

básicas são a biologia médica; a anatomia humana (incluido a anatomia

microscópica e a imaginologia, normais e patológicas); a estatística, a física

médica e a química médica; a fisiologia humana patológica e a não

patológica; os diversos ramos da farmacologia e a patologia geral (incluindo a

ontologia médica, a ética médica, a etiologia médica geral, a patogenia

médica geral, a fisiopatologia e a psicopatologia).

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Page 29: 3.0 ciência e medicina

Existe pouca concordância sobre quais seriam as ciências componentes do

acervo da propedêutica médica ou, como também é chamada, da clínica

propedêutica. Não obstante pode-se mencionar como proposta bastante

defensável, as seguintes: os fundamentos da comunicação humana, a

psicologia médica, a antropologia médica, a ética profissional e a bioética, a

demografia e epidemiologia médicas; a metodologia científica, ética

profissional e a informática médica. Às quais devem ser acrescentar a

semiologia médica e a semiotécnica médicas. As semiologias e as

semiotécnicas médicas, gerais e especiais (referentes às suas aplicações em

cada uma das especialidades médicas. Como, por exemplo, a semiologia e a

semiotécnica neurológicas, psiquiátricas, dermatológicas ou outras

quaisquer.

Denominam-se ciências médicas clínicas àquelas que fundamentam as

grandes especialidades médicas (a clínica médica, a clínica cirúrgica, a

clínica da mulher, clínica da infância e adolescência), podendo-se

acrescentar a Medicina psicológica e a Medicina social. Às quais se

acrescentam as ciências médicas que fundamentam as especialidades

médicas particulares.

Exatamente como acontece com a psicologia-profissão e a psicologia-

ciência, quando se trata de estudar as ciências médicas e a Medicina como

profissão, parece importante destacar a diferença existente entre uma

discplina científica adjetivada como médica por que tem aplicação destacada

no diagnóstico das doenças ou no tratamento dos doentes, e uma

especialidade médica. Por exemplo, a pneumologia ciência e a pneumologia,

especialidade médica, a cardiologia, ciência médica e a cardiologia

especialidaede médica. Porque, mesmo ostentando a mesma designação e

sendo praticadas pelas mesmas pessoas, são coisas qualitativamente

diferentes, ainda que complementares. Toda ciência é conhecimento aberto

estudado e ensinado por qualquer um.

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Os serviços e os procedimentos de profissão ou, mesmo, de uma

especialidade profissional só podem ser exercidos por quem for tecnicamente

capacitado e legalmente habilitado para aquela atividade. Independente do

conhecimento que tenha daquela matéria ou da habilidade com que

desempenhe aquela prática. Um médico veterinário pode ser um habilíssimo

cirurgião e ter completa incapacidade para operar seres humanos. Mas,

ainda que seja capaz, não está habilitado para isso. Não pode fazê-lo.

Homeopatia

Também na tecnologia, nas modas e nas superstições, acontece o convívio

pacífico, na vala comum da obsolescência, de coisas que podem ter sido

bastante contraditórias e mesmo antagonicamente conflitivas quando

modernas. Como acontece, por exemplo, com o convívio da homeopatia com

a terapêutica dos chás, decoctos e tisanas. A homeopatia hahnemaniana

(tratamento com um remédio capaz de produzir o sintoma) é uma técnica

terapêutica inventada por Samuel HAHNEMANN (1755-1843) para combater

a alopatia (terapêutica com uma substância que produz efeito contrário ao

sintoma) dos chás do vegetais e dos minerais; hoje, as duas técnicas

convivem na chamada terapêutica natural, como se não fossem

contraditórias em sua origem e em sua estrutura cognitiva. Porque, neste

contexto, não é possível falar em estrutura teórica.

O conceito de homeopatia reponta à Antigüidade clássica, quando se

acreditava que as doenças seriam causadas pelo desequilíbrio das

influências ambientais (frio e calor, secura e humidade) ou dos humores do

corpo (sangue e linfa, bile negra e bile amarela). Assim, se uma doença era

atribuida ao frio (o conceito de resfriado é herança desta época) e era tratado

com frio ou remédios considerados frios, este tratamento devia ser chamado

homeopático, porque a natureza do remédio era idàntica à do agente tido

como patogênico. No caso contrário, quando uma enfermidade atribuída ao

frio, como o resfriado, para manter o exemplo era tratado com calor

(aquecimento, escalda-pé) e outros remédios considerados quentes,

praticava-se a alopatia. Os hipocráticos empregavam ambas as técnicas: a

dos semelhantes e a dos opostos.

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Coisa bem diversa é a homeopatia hannemaniana criada há pouco mais de

dois séculos como resposta aos desvios da prática médica de então. No

século dezoito, as práticas terapêuticas eram particularmente iatrogênicas.

Às quais se pode atribuir o aparecimento da homeopatia devem ter sido,

principalmente: a grande iatrogenia causada pelo arsênico, bismuto e

mercório (empregados para tratar a sífilis que grassava na Europa depois de

ter sido trazida das Américas recém colonizadas). A isso se acrescentava o

exagero de sangrias e purgativos (remanescentes terapêuticos da influência

galênica) que eram receitadas pelos médicos.

Essa situação exigiu uma resposta e essa foi a homeopatia hahnemaniana

com suas micro doses de remédio.

HAHNEMANN (1755-1843) e a homeopatia.

A homeopatia hannemaniana é um sistema terapêutico baseado em dois

pressupostos essenciais teóricos (os axiomas básicos da homeopatia),

estabelecidos por Samuel Hahnemann:

- todo medicamente realmente eficaz produz no organismo as manifestações

da enfermidade que pode combater;

- para tratar uma enfermidade com eficácia, deve-se empregar apenas uma

substância que seja capaz de produzí-la artificialmente e três princípios

fundamentais: a. similia similibus curantur (tratar com o semelhante), b. com

doses infinitamente pequenas (obtidas a partir de sucessivas dinamizações)

como remédio único. Mais tarde, o princípio do unicismo terapêutico foi

abolido reformistas, ou utilitaristas, mas continua válido para os homeopatas

ortodoxos.

A homeopatia é, muito mais uma corrente terapêutica do que uma doutrina

patológica (embora tenda a conservar as opiniões patológicas e patogênicas

do século XVIII). Curiosamente, ao menos no Brasil, os positivistas do século

passado, a despeito de seu radical objetivismo em filosofia e ciência, eram

geralmente homeopatas, a mais teórica de todas asterapêuticas vigentes.

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O conceito de dinamização do agente terapêutico é essencial para o

entendimento da homeopatia. Os homeopatas creem (ainda que isto não

possa ser sustentado com os recursos experimentais, que as moléculas da

água possuem a curiosa propriedade de memorizar as propriedades

terapêuticas das moléculas das substâncias que se entrechocarem com elas,

quando sacudidas pela mão humana. Como se a energia do agente das

sacudidelas fizesse com que a água adquirisse novas propriedades, que não

tivera at é então.

Os conceitos de dinamização, memória da água e energia comunicada são categorias originais da teoria hannemaniana da terapêutica e da matéria médica homeopática.

Assim, um remédio homeopático é feito diluindo-se uma gota do agente

terapêutico em um litro de água destilada e aquela solução é dinamizada; a

seguir, retira-se uma gota daquela solução que é dinamizada em outro litro

d'água, por tantas vezes quantas forem necessárias, até se conseguir o

resultado desejado (quando, então, será extremamente improvável que reste

ali qualquer molécula da gota do remédio com que se iniciou o processo.

Quando se fala medicina homeopática, o termo medicina está sendo

empregado com o significado de cura, tratamento. Se, atualmente, parece

apresentar uma patologia original em relação ao resto da medicina, é por

que conservou muitos dos conhecimentos da patologia geral do século

dezoito na qual se originou. O modelo hahnemanniano de investigação

terapêutica não emprega animais e só pessoas sadias. Seus resultados são

o relato da experiência introspectiva da pessoa submetida àquela prova.

É curioso que, a despeito de seu subjetivismo, ao menos no Brasil, a homeopatia tenha grangeado grande parte de seus adeptos entre os positivistas, objetivistas por princípio.

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Além disto, parece mais lógico chamar a homeopatia de homeoterapia, mas a

designação, apesar de imperfeita, está consagrada pelo uso.

Todas as técnicas terapêuticas empregadas no passado que se tornaram

obsoletas, (feitiços, rezas, sacrifícios; remédios animais ou vegetais, de

origem alopata ou homeopata, apesar de suas contradições), estão reunidos

hoje, a despeito de sua heterogeneidade e contradições, nas auto-

denominadas medicinas alternativas.

Expressões como medicina natural, medicina alternativa, medicina popular,

medicina paralela e muitas outras, mal disfaráam uma atitude anti-médica.

Embora, deva-se ter presente que muitas destas práticas podem,

eventualmente, conter medidas válidas (da mesma maneira que um relógio

parado mostra a hora certa duas vezes por dia).

Na linguagem vulgar, o conceito de ciência abrange hoje todos os

significados listados acima, porque pode ser empregado com referência a

cada um deles; embora, cada um destes significados específicos sintetize

uma série diferente de atributos conceituais que lhe foram incorporados, em

momentos diferentes de sua trajetória histórica, em razão da necessidade

social daquele sentido particular. Por isto, na linguagem comum, o sentido

preciso de ciência precisa ser decodificado em cada contexto particular. A

linguagem científica, já se viu, não tem nem pode ter esta liberdade, embora

muitos cientistas teimem em, anticientificamente, emprestara um significado

particular àquilo que considera como ciência e àquilo que reconhece como

científico.

Dentre os diversos sentidos atribuíveis ao conceito de ciência, cada um deles

compatível com um tipo de emprego, os dois últimos são os empregados

neste trabalho, não porque representam o estágio mais moderno do seu

significado, unicamente como uma formalidade, mas porque satisfazem as

exigências atuais do conceito de ciência neste final do século vinte.

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