arte e ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

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Londrina 2010 MARCELA TAKEI YOSHIE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas

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Page 1: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Londrina 2010

MARCELA TAKEI YOSHIE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES

ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Page 2: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Londrina 2010

ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais – Multimídia. Orientadora: Prof.

a Ms. Lara Gervásio Haddad

MARCELA TAKEI YOSHIE

Page 3: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Londrina, _____de ___________de 20___.

Prof. Orientador Universidade Norte do Paraná

Prof. Membro 2 Universidade Norte do Paraná

Prof. Membro 3 Universidade Norte do Paraná

MARCELA TAKEI YOSHIE

ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado, apresentado à UNOPAR -

Universidade Norte do Paraná, no Centro de Ciências Empresariais e Sociais

Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes

Visuais – Multimídia, com nota final igual a _______, conferida pela Banca

Examinadora formada pelos professores:

Page 4: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

Dedico este trabalho a todos que me apoiaram

e contribuíram para a realização deste projeto.

Em especial, àquele cuja imagem permanecerá

para sempre imortal e que minhas palavras

seriam insuficientes para expressar minha

admiração e gratidão, Sérgio Russo (in

memoriam).

Page 5: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que me deu ânimo e força durante todo esse

tempo.

À minha família e amigos que tanto admiro e puderam compreender

a minha ausência em diversos momentos, na tentativa de fazer o meu melhor. Muito

obrigada, pois sei que posso contar sempre com vocês!

Aos ilustradores que me ajudaram, através de conversas, e-mails,

dicas e materiais fornecidos.

À minha orientadora Lara G. Haddad, sempre gentil, me motivando a

acreditar na minha capacidade e a prosseguir diante das dificuldades que surgiram

durante a realização desse trabalho. Obrigada por cada aula ministrada, por cada

palavra de direcionamento e pelo apoio.

Ao grande ilustrador, professor e amigo Sérgio Russo (in

memoriam), pela paciência, atenção e tempo dedicado a compartilhar comigo seu

conhecimento em ilustração médica. Seus ensinamentos me ajudaram a crescer e a

enxergar as coisas de uma nova maneira, e isso eu levarei sempre comigo.

Se o excelente professor não é aquele que ensina, mas aquele que

inspira, posso dizer que cada minuto de aprendizado ao lado de cada um de vocês

foi mais que precioso.

Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todos pela parceria

nesse projeto, pois vocês ajudaram a fortalecer as bases desse castelo.

Page 6: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

"Saber é saber ver." (Leonardo da Vinci)

Page 7: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

YOSHIE, Marcela Takei. Arte e Ciência: uma abordagem sobre as ilustrações médicas. 2010. 49 pg. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas, Educação, Comunicação e Artes. Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2010.

HADDAD, Lara Gervásio. Mestre em Estudos Culturais pelo Departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Especialista em Arte e Educação pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Especialista em Ilustração pela Fundação Calouste-Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Docente do curso de Artes Visuais – Multimídia, da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Endereço: Rua Regina Fabrini Scotton, n° 91, CEP: 86047-730. Londrina – Paraná. Fone: (43) 9125 6444. E-mail: [email protected]

RESUMO

A relação entre Arte e Ciência sempre existiu e foi fundamental para a formação da sociedade contemporânea. Diante de tantos progressos científicos, vê-se necessário a reflexão sobre a importância da ilustração médica de prancheta (realizada com ferramentas tradicionais, manuais) em uma sociedade cada vez mais tecnológica. Será analisada a ilustração médica como objeto, ou seja, se ela é arte ou documento, suas funções, características e sua posição dentro do mercado de trabalho brasileiro. Deste modo, o presente artigo apresentará um panorama de renomados pintores e o seu envolvimento com a ciência. Palavras-chave: Arte; Ciência; ilustração médica; figura humana.

YOSHIE, Marcela Takei. Arte e Ciência: uma abordagem sobre as ilustrações médicas. 2010. 49 pg. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas, Educação, Comunicação e Artes. Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2010.

HADDAD, Lara Gervásio. Mestre em Estudos Culturais pelo Departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Especialista em Arte e Educação pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Especialista em Ilustração pela Fundação Calouste-Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Docente do curso de Artes Visuais – Multimídia, da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Endereço: Rua Regina Fabrini Scotton, n° 91, CEP: 86047-730. Londrina – Paraná. Fone: (43) 9125 6444. E-mail: [email protected]

Page 8: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

ABSTRACT

The relationship between Art and Science has always existed and was fundamental to the formation of the contemporary society. Facing so many scientific advances, it comes to mind a reflection on the importance of clipboard medical illustration (made with traditional tools, even manually) in an increasingly technological society. It will be reviewed medical illustration as an object, in other words, if it is a work of art or document, its functions, characteristics and their position inside the Brazilian labor market. Herewith, this article will present an overview of renowned artists and their involvement with science. Key-words: Art; Science; Medical Illustration; Human Figure.

Page 9: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Rembrandt. A lição de anatomia do Dr. Nicolas Tulp (1632) .................. 18

Figura 2 – Van Mierevelt. Lição de anatomia do Dr. Van der Meer (1617) .............. 19

Figura 3 – Robert Hinckley. Primeira operação com anestesia pelo éter (1846)....... 19

Figura 4 – Piet Mondrian. Composição em vermelho, amarelo e azul (1927) ........... 21

Figura 5 – Leonardo da Vinci. Estudo para a Última Ceia (1495) ............................. 24

Figura 6 – Leonardo da Vinci. Estudo com modelo vivo para o Monumento a Sforza

(1490).................... .................................................................................................... 24

Figura 7 – Leonardo da Vinci. Estudo anatômico (1513) .......................................... 25

Figura 8 – Leonardo da Vinci. Um embrião no útero (1512) ..................................... 26

Figura 9 – Mário Silva. Euchroma gigantea 2 (2007) ................................................ 29

Figura 10 – Daniel Gisé. Olho (s.d.) .......................................................................... 29

Figura 11 – Rodrigo Clemente. Sapo (2008) ............................................................. 30

Figura 12 – Filipe Franco. Medronheiro – Arbutus unedo (2006) .............................. 30

Figura 13 – Filipe Franco. Reconstrução Facial 3D - O Método Americano (2007) .. 31

Figura 14 – Frans Post. Cana-de-açúcar (1661) ....................................................... 32

Figura 15 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 33

Figura 16 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 34

Figura 17 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 34

Page 10: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMI Association of Medical Illustrators

ECA

UEL

UNL

USP

Escola de Comunicação e Artes

Universidade Estadual de Londrina

Universidade Nova de Lisboa

Universidade de São Paulo

Page 11: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 DESCRIÇÃO DO ESTUDO .................................................................................... 12

1.1 Objetivos ......................................................................................................... 12

1.1.1 Objetivo geral: .......................................................................................... 12

1.1.2 Objetivos específicos: .............................................................................. 12

1.2 Materiais e Métodos ........................................................................................ 12

1.2.1 Pesquisa bibliográfica .............................................................................. 12

1.2.2 Pesquisa de campo ................................................................................. 13

2 DEFININDO IMAGEM ............................................................................................ 14

2.1 O Conceito de Imagem ................................................................................... 14

2.2 A Imagem Científica ........................................................................................ 15

3 A RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA ............................................................... 16

3.1 Distinção entre Arte e Ciência ......................................................................... 17

3.2 Arte e Ciência: De onde vem essa relação? ................................................... 18

3.3 A Arte e o Renascimento ................................................................................ 21

3.4 A Arte de Leonardo da Vinci ........................................................................... 23

4 A ILUSTRAÇÃO MÉDICA ..................................................................................... 27

4.1 O que são as Ilustrações Médicas .................................................................. 27

4.2 A Técnica de Prancheta x Digital .................................................................... 28

4.3 Ilustração Médica: Arte ou Documento? ......................................................... 31

4.4 A Necessidade da Ilustração Médica .............................................................. 32

4.5 A Realidade no Brasil e nos outros países...................................................... 34

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 36

5.1 Resultados obtidos .......................................................................................... 36

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38

APÊNDICE ................................................................................................................ 40

Page 12: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

11

INTRODUÇÃO

A Arte sempre existiu e foi de fundamental importância para que a

sociedade pudesse chegar ao nível em que se encontra hoje. Diante disso, torna-se

necessário entender as origens de tal desenvolvimento e sua relação com o campo

científico.

A imagem, enquanto texto visual, torna-se relevante neste processo,

indo além da experiência estética ou nível artístico. Isto ocorre a partir do momento

em que ela permite gerar novos conhecimentos, pensar maneiras eficientes de se

estudar, analisar e representar o meio.

E é nesse âmbito que a ilustração médica passa a ser grande

contribuinte a estudantes e profissionais da área biológica e da saúde no ensino-

aprendizagem da medicina; bem como a estudantes de Artes, permitindo ampliar o

conhecimento em anatomia e ilustração na área médica, proporcionando também

um novo campo de trabalho.

A proposta da presente pesquisa é analisar a relação entre Arte e

Ciência e a relevância da ilustração médica no processo de desenvolvimento da

sociedade, verificando as necessidades que tal categoria de ilustração exige dos

ilustradores e sua relação com o mercado de trabalho no Brasil.

Page 13: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

12

1 DESCRIÇÃO DO ESTUDO

1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral:

Demonstrar a relevância da relação entre Arte e Ciência para a

sociedade, sendo a ilustração médica um instrumento essencial no ensino-

aprendizagem.

1.1.2 Objetivos específicos:

Analisar a importância da imagem no contexto do ensino-

aprendizagem;

Analisar, através da História, o processo de evolução do

conhecimento nas Ciências e sua relação com a Arte;

Mostrar a relevância da ilustração médica na formação da sociedade

contemporânea;

Estudar e analisar elementos da ilustração médica;

Propor um material impresso que permita aos estudantes e profissionais da área da saúde aprimorarem seus conhecimentos na área médica e também das artes.

1.2 MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização da pesquisa, necessitou-se fazer um levantamento

bibliográfico sobre o tema, bem como a realização de uma pesquisa de campo com

editoras e profissionais da área.

1.2.1 Pesquisa bibliográfica

O levantamento bibliográfico pautou-se na coleta de informações,

buscando várias temáticas em torno do assunto abordado nesse trabalho, ou seja, a

relevância da Arte e da imagem, analisando seu envolvimento com a Ciência através

Page 14: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

13

da história e suas consequentes contribuições para a sociedade contemporânea.

Abordaram-se, em seguida, as ilustrações médicas e a composição de seus

elementos formais.

Foram utilizadas como fontes de pesquisa livros, artigos e sites

relacionados aos temas. Para o estudo das ilustrações médicas, foram encontradas

certas limitações bibliográficas, visto que existem poucos materiais sobre o assunto

e grande parte deles em língua estrangeira, sem tradução para o português. Por

isso, para embasar a pesquisa, consultaram-se obras de caráter científico, sites,

além de entrevista realizada com o médico e ilustrador Sérgio Russo, membro da

AMI1, que descreveu seus métodos e falou sobre sua profissão.

1.2.2 Pesquisa de campo

A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevista com o

médico e ilustrador Sérgio Russo, com o propósito de investigar a opinião de um

profissional em relação ao papel da ilustração científica, suas exigências,

características, relevância para os profissionais da área da saúde e das artes

(público a quem se destina), também sua relação com a arte e com o mercado de

trabalho brasileiro.

A pesquisa procurou analisar as características e a necessidade da

ilustração médica para a sociedade. Com o resultado da pesquisa, procurou-se

definir a situação do Brasil diante de novas publicações na área da ilustração

médica, por configurar um tema ainda escasso e, apesar da necessidade, ser

carente de ilustradores.

1 AMI: Association of Medical Illustrators, renomada associação americana de ilustradores médicos,

fundada em 1945.

Page 15: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

14

2 DEFININDO IMAGEM

2.1 O CONCEITO DE IMAGEM

A palavra imagem (do latim imago) teve origem nos rituais de

enterramento, onde se utilizavam máscaras de cera que reproduziam o rosto dos

mortos. Dessa forma, ela é caracterizada como algo de caráter mágico e pode ser

definida como a maneira de “tornar presente o ausente e dar continuidade à vida

terrena”, segundo a doutora em História da Arte Maria Lúcia Bastos Kern (FABRIS,

Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos, 2006).

Em A República, o filósofo grego Platão (Apud JOLY, 2005, p. 13)

diz que “chamamos de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos

que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes [...]”,

se referindo à imagem como um segundo objeto do próprio objeto e nos

direcionando quanto ao caminho a seguir, pois não seria a forma de enxergar o

mundo algo pessoal?

Vê-se que a imagem sempre esteve presente na vida do ser humano

e sua funcionalidade e significados podem ser entendidos como parte da

subjetividade do indivíduo e da sociedade em que o mesmo está inserido, tornando

seu sentido constantemente mutável e assumindo o papel de representação.

Na Grécia antiga, a noção de imagem esteve vinculada à reprodução do real. O seu critério de elaboração era a semelhança formal e da aparência, porque criava a ilusão da verdade. A falsa verdade da cópia possibilitou o desenvolvimento da ideia de simulacro, isto é, a simulação do próprio ser, chegando a ponto de substituí-lo. (FABRIS, Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos, 2006, p. 16).

Apesar das diversas tentativas de construção de significado ao

sentido de imagem, percebemos que ela sempre será “algo que se assemelha a

outra coisa” (JOLY, 2005, p. 38), podendo ser compreendida como um fator cultural

e que também depende de quem a reconhece, como podemos perceber na

afirmação abaixo:

Compreendemos que [a imagem] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. (JOLY, 2005, p. 13)

Page 16: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

15

Mesmo nos dias atuais, percebemos que o sentido de imagem

ultrapassa o conceito de representação, se aproximando do conceito de mídia (como

a televisão, rádio, internet e publicidade), ou seja, aquela que está presente a todo o

momento no nosso dia-a-dia, podendo ser estática ou animada e nem sempre

unicamente visual (JOLY, 2005, p. 14-15).

Se a imagem é subjetiva, ela pode possuir inúmeras interpretações.

Pode-se dizer que ela não se limita ao campo físico, pois ela pode se formar

mentalmente a partir de estímulos auditivos, táteis, lembranças, fantasias, desejos,

sonhos, etc. Nesse caso, ela seria uma forma de pré-visualização ou recordação,

pois “considerar a imagem como uma mensagem visual composta de diversos tipos

de signos equivale [...] a considerá-la como uma linguagem e, portanto, como uma

ferramenta de expressão e de comunicação”. (JOLY, 2005, p. 55).

A imagem é, então, a necessidade de se comunicar algo. E toda

comunicação é destinada a alguém através de um propósito. Portanto, a melhor

forma de entender uma imagem é através do próprio destinatário.

2.2 A IMAGEM CIENTÍFICA

A imagem científica é uma categoria que permite analisar e estudar

de forma mais detalhada a imagem que é destinada a um público específico.

Segundo JOLY (2005, p. 23), no campo científico as imagens são “visualizações de

fenômenos”, ou seja, “produzidas a partir de fenômenos físicos”. Ou, na concepção

de Oliveira e Conduru (2004, p. 336): “A ilustração científica é um tipo de

representação figurativa cujas finalidades são registrar, traduzir e complementar, por

meio da imagem, observações e experimentos científicos [...]”.

As imagens científicas são representações figurativas, produzidas a

partir da análise e observação de fenômenos físicos, o que significa que elas não

podem possuir ambiguidade ou gerar mais de uma interpretação, ou seja, se elas

significam algo, não podem ser compreendidas de outra forma. O autor da imagem

deve “ter em mente que tipo de público ele quer atingir e atender” (OLIVEIRA;

CONDURU, 2004, p. 336) e ter a certeza de que a mensagem que ele deseja

transmitir será compreendida. Vale ressaltar que isso implica também em um público

que possua características em comum, como a área de atuação profissional ou o

Page 17: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

16

grupo de interesses.

Nas palavras de Oliveira e Conduru (2004, p. 337), uma ilustração

científica “pode ser feita por artistas ou pelo próprio cientista”. Isso é um fator que

depende da preferência do cientista em procurar um desenhista que documente ou

então da habilidade do cientista em fazer as próprias ilustrações.

O termo ilustração, em sentido geral, se refere a uma “imagem que

está usualmente acompanhada de um texto, fazendo parte do que se denomina

iconografia” (OLIVEIRA; CONDURU, 2004, p. 336), mas que mesmo ligada a um

texto ela tem autonomia própria, pois o ilustrador pode utilizar recursos para objetivar

a informação (JULIANELE, 1997 Apud OLIVEIRA; CONDURU, 2004, p. 336), como

ampliações, transparências, etc.

Page 18: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

17

3 A RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA

3.1 DISTINÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA

Atualmente existem várias concepções para o termo Arte, o que não

será aprofundado nesse trabalho. De acordo com o dicionário Houaiss2, Arte é a

"produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de

um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana”.

Como dito, a Arte é uma ciência humana preocupada com a

expressão do mundo subjetivo. Em oposição, a Ciência (referente às ciências exatas

e naturais) expressa o objetivo, o racional e o lógico. Ou seja, “Enquanto a obra

científica procura a monossemia e o „interpretante final‟, a obra artística procura a

polissemia („abertura‟ às muitas interpretações)”. (PLAZA, 1996, p. 44)

As concepções artísticas e científicas são coerentes, levando a interpretações semelhantes a respeito do funcionamento do universo. Artistas e cientistas (ou filósofos naturais) percebem o mundo da mesma forma, apenas representam-no com linguagens diferentes. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72)

E como confirma o artista multimídia e professor da Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA∕USP), Julio Plaza:

Ciência e arte têm uma origem comum, na abdução ou capacidade para formular hipóteses, imagens, idéias, na colocação de problemas, e nos métodos infralógicos, mas é no seu desempenho e “performance” que se distanciam enormemente, como nos processos mentais de análise e síntese. (PLAZA, 1996, p. 40)

A “performance” mencionada se refere ao modo do fazer. Noronha

(2010), pintora e doutora em biologia molecular pela UNL, esclarece que “a arte não

tenta encontrar respostas ou compreender o mundo. A arte apropria-se das ideias e

das coisas, molda-as, mostra-nos a sua visão, e obriga-nos a olhar e pensar”.

Na visão de Plaza (1996, p. 43), não existe uma ciência artística,

nem uma arte científica, ou seja, uma estética de caráter científico. O que existe são

cruzamentos intertextuais entre ciência e arte.

2 Conceito extraído de artigo publicado pela historiadora e pesquisadora Valéria Peixoto de Alencar.

Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/artes/ult1684u8.jhtm>. Acesso em 28 de maio de 2010.

Page 19: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

18

3.2 ARTE E CIÊNCIA: DE ONDE VEM ESSA RELAÇÃO?

A relação entre Arte e Ciência é antiga e pode ser percebida ao

longo da história (figura 1). Por exemplo, a relação entre cinema e tecnologia, já que

essa é uma arte “que só foi possível graças ao desenvolvimento de equipamentos

tecnológicos que envolvem desde recursos fotográficos até sofisticados

equipamentos de projeção atuais” (LOPES, 2005, p. 402). Essa relação pode ser

percebida com a evolução do processo fotográfico a partir do período impressionista,

no século XIX, em que se buscava fixar a imagem sobre uma superfície. (TECHY,

2006, p.207)

Figura 1: Rembrandt. A Lição de Anatomia do Dr. Nicolas Tulp, de 1632. Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/pinturas.html

3

Sempre foi interesse do homem conhecer e descobrir os mistérios

do corpo humano e do universo. Isto pode ser percebido pelos estudos e obras

realizados, nos quais se registram espécies de animais e plantas (botânica),

processos cirúrgicos, fatos importantes na medicina e na Ciência, etc. (figuras 2 e 3).

3 Acesso em 28 de maio de 2010.

Page 20: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

19

Figura 2: Van Mierevelt. Lição de anatomia do Dr. Van der Meer, de 1617. Fonte: http://www.ifsc.usp.br/

4

Figura 3: Robert Hinckley. Primeira operação com anestesia pelo éter, de 1846. Fonte: http://www.medstudents.com.br

5

Mas a primeira ideia de Arte como uma concepção científica é

expressa por Leon Battista Alberti (1404-1472). Ele dizia que a matemática é a base

comum da Arte e das Ciências, pois a perspectiva e a teoria das proporções são

disciplinas matemáticas (HAUSER, 2000, p. 333).

Nesse mesmo período, uma “revolução” surgiu nas técnicas de

representação, como afirma o grande historiador Gombrich (1999, p. 514):

4 Acesso em 28 de maio de 2010.

5 Acesso em 29 de maio de 2010.

Page 21: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

20

Os grandes artistas de períodos subseqüentes [ao Renascentismo] realizaram descobertas atrás de descobertas, o que lhes permitiu criar um quadro convincente do mundo visível, mas nenhum deles desafiara seriamente a convicção de que cada objeto na natureza tem sua forma e cor fixadas definitivamente que devem ser reconhecíveis com facilidade numa pintura. Pode-se dizer, portanto, que Manet e seus seguidores provocaram na reprodução de cores uma revolução quase comparável à revolução grega na representação de formas. Eles descobriram que, se olharmos a natureza ao ar livre, não vemos objetos individuais, cada um com sua cor própria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossa mente.

Os mesmos estudos a respeito da teoria das cores já eram feitos há

muito tempo. O primeiro estudo de que se tem conhecimento é apresentado por

Aristóteles, que mais tarde seria desenvolvido por outros artistas e estudiosos, como

Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Goethe.

Outros exemplos podem ser encontrados no efeito de chiaroscuro

(do italiano, claro-escuro), estudado por Leonardo da Vinci e perceptível no

Maneirismo e no Barroco, com Caravaggio, cujo objetivo era criar a ilusão de

tridimensionalidade através do volume, da luz e da sombra.

Com o pintor holandês Escher (1898-1972), percebemos a utilização

de princípios da geometria na busca de reproduzir a ideia de um mundo infinito,

porém fantástico (LOPES, 2005, p. 403).

Já Monet investigou a dimensão do tempo na pintura, mostrando

como o mesmo objeto mudava no tempo. Por sua vez, Cézanne mudou a forma de

ver o espaço, mostrando que os objetos são afetados por esse espaço (REIS;

GUERRA; BRAGA, 2006, p. 75-76).

Argan (2002, p. 412), grande crítico da Arte moderna, nos fornece

outro importante exemplo a respeito de Piet Mondrian (1872-1944):

[...] para Mondrian, o limite de um e outro é o caráter empírico. Para fazer uma pintura que tenha o rigor e a dignidade da ciência, Mondrian propõe transformar a superfície (empírica) em plano (entidade matemática). Subdividindo a superfície por meio das coordenadas verticais e horizontais, resolve numa “proporção” métrica tudo o que, na natureza, apresenta-se como altura e largura.

Quando nos deparamos com sua célebre obra Composição em

vermelho, amarelo, azul, de 1930 (figura 4), entendemos a que o autor se refere. Os

resultados alcançados por Mondrian, através dessas relações métricas, são “infinitas

sensações variáveis segundo a cor local, a distância e a luz” (ARGAN, 2002, p.412).

Entre outras coisas, Mondrian demonstra que a proporção perfeita surge quando

Page 22: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

21

todos os elementos formais se encontram em equilíbrio, ou seja, quando formam um

plano geométrico e não mais uma superfície homogênea, sendo esta, de certa

forma, uma operação matemática. (ARGAN, 2002, p. 412)

Figura 4: Piet Mondrian. Composição em vermelho, amarelo e azul, de 1930. Fonte: http://www.univ-ab.pt/

6

Percebemos que a relação entre a Arte e a Ciência continua até os

dias atuais. Do Movimento Concretista, por exemplo, que propunha a criação de

artes baseadas na matemática e no raciocínio lógico, passando pelas videoartes,

arte cinética – nesta se explora o campo da física – arte conceitual, efeitos visuais

cinematográficos, computação gráfica, etc.

É perceptível a maneira com que a Arte contribuiu e ainda contribui

para a Ciência e vice-versa. E essa relação, cujo auge se deu no Renascimento,

será estudada em detalhes a seguir.

3.3 A ARTE E O RENASCIMENTO

O Renascimento é também conhecido como renascimento científico

e cultural, pois nesse período (séculos XV a XVI) houve um notável desenvolvimento

da ciência e um resgate do estilo clássico nas artes. Foi a época de Leonardo da

Vinci, Miguel Ângelo, Rafael, Ticiano, Correggio, Dürer e muitos outros grandes

6 Acesso em 26 de maio de 2010.

Page 23: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

22

mestres, ou seja, da eflorescência de gênios. (GOMBRICH, 1999, p. 287)

A relação entre Arte e Ciência é clara no Renascimento, através de

artistas que misturam esses dois campos: Brunelleschi, Pisanello, Leonardo, Dürer e

Galileu. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72).

Nas palavras de Gombrich (1999, p. 287), o Renascimento foi o

“período das grandes descobertas, quando os artistas italianos se voltaram para as

matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva, e para a anatomia a fim de

estudarem a construção do corpo humano”. Nessa época, marcada pela razão,

grandes teorias e estudos surgiam a respeito do universo enquanto outras eram

invalidadas. Antecipando as teorias de Copérnico, o próprio Leonardo afirma que “A

Terra não se move”. (GOMBRICH, 1999, p. 294)

Vemos a descoberta do claro-escuro, do sfumato (técnica inventada

por Leonardo da Vinci) e também o “aperfeiçoamento” do uso da perspectiva em

relação à representação do espaço, visto que esta não foi inventada na

Renascença, pois o fato de reduzir um objeto na medida em que ele se afastava do

espectador já era conhecida na Antiguidade clássica. (HAUSER, 2000, p. 346)

A perspectiva foi de grande importância para a Ciência, pois permitiu

a possibilidade de pensar novas formas de representar a infinitude do universo, pois

antes disso, na pintura o céu representado não tinha continuidade com a Terra, e a

perspectiva permitiu representar essa infinitude de modo que não houvesse esse

limite entre o céu e a Terra. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72)

Nas palavras de Lopes (2005, p. 402-403):

Os pintores da época [Renascimento] aplicavam princípios da matemática para conferir ilusão de volume, textura e proporção harmoniosas no intuito de reproduzir as feições anatomicamente corretas, em uma tentativa de retratar fielmente o corpo humano.

A respeito dessa mesma época, Hauser (2000, p. 345) alega:

Somente no Cinquecento são atenuados os vínculos que uniam ciência e arte num órgão homogêneo de conhecimento [...]. Há períodos em que a arte está voltada na direção da ciência, tal como existem períodos em que a ciência está voltada na direção da arte. No início da Renascença, a verdade da arte está na dependência de critérios científicos, enquanto no período final da Renascença e no Barroco o pensamento científico é, em muitos casos, moldado de acordo com princípios artísticos.

Hauser (2000, p. 274) também afirma que o notável na Renascença

Page 24: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

23

não é verdadeiramente o fato de o artista ter se tornado um observador da natureza,

mas da obra de arte ter se convertido em um estudo da natureza.

Diante disso, percebemos que não podemos pensar em Arte

renascentista sem pensar na relação entre Arte e Ciência.

3.4 A ARTE DE LEONARDO DA VINCI

Sem dúvida alguma, Leonardo da Vinci foi um dos grandes gênios

que o mundo já conheceu. Assim o descreve Gombrich (1999, p. 293):

Mas Leonardo era mais do que um jovem talentoso. Era um gênio, cujo intelecto poderoso será eternamente objeto de assombro e admiração para os mortais comuns. Sabemos alguma coisa sobre a amplitude e espírito de Leonardo porque seus alunos e admiradores preservaram cuidadosamente seus esboços e cadernos de apontamentos, milhares de páginas cobertas de escritos e desenhos, com excertos de livros que Leonardo leu e rascunhos para obras que pretendia escrever. Quanto mais se estudam esses papéis, menos se pode entender como um ser humano foi capaz de se destacar de forma tão profunda em todos esses diferentes campos de pesquisa e de dar tão importantes contribuições para quase todos eles.

Leonardo era um homem “dotado de excepcionais poderes de

observação e memória visual” (CAPRA, 2008, p. 26). A respeito da importância da

observação, o próprio Leonardo afirma que o olho é a janela da alma e que a pintura

contém em si todas as formas da natureza (Apud CAPRA, 2008, p. 26). Ele

considerava a pintura tanto Arte quanto Ciência. Isto nos abre uma possível reflexão

para o entendimento de sua Ciência.

Brumana (1977, p. 17) relata que Leonardo sempre teve dificuldades

para inciar e terminar suas obras. Isso se deve a muitos fatos, como, por exemplo,

ao seu desejo de perfeição e à série de estudos que ele realizava antes de iniciar

uma obra (figuras 5 e 6), resultando no atraso da confecção, perda de prestígio e

dificuldades econômicas. Leonardo também insistia para que os alunos de pintura

tivessem conhecimento de matemática, e essa união entre arte e matemática era

fundamental na Renascença. (CLARK, 2003, p.155)

Page 25: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

24

Figura 5: Leonardo da Vinci. Estudo para a Última Ceia, de 1495. Fonte: CLARK (2003, p. 182)

Figura 6: Leonardo da Vinci. Estudo com modelo vivo para o Monumento a Sforza, de 1490. Royal Library, Windsor. Fonte: CLARK (2003, p. 173)

Muitos de seus trabalhos permaneceram “ocultos” até pouco tempo,

ou seja, desconhecidos. “Se [as pesquisas] tivessem sido publicadas, poderiam ter

mudado o rumo da história das ciências”, é o que muitos críticos afirmam.

(BRUMANA, 1977, p.18)

Nisso percebemos a importância das obras, estudos e pesquisas de

Leonardo da Vinci. Podemos dizer que essa importância se deu principalmente pela

relação que ele manteve com a Arte e a Ciência:

[Leonardo] Determinou-se a trabalhar cada detalhe segundo seu próprio padrão de perfeição, um padrão que incluía exatidão científica, lógica

Page 26: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

25

pictórica e acabamento. Para alcançar este ideal, o período entre o esboço ou diagrama e a pintura acabada era de um intenso esforço intelectual, no qual cada detalhe era estudado e incorporado a uma forma satisfatória. (CLARK, 2003, p.75-76)

Leonardo estudava minuciosamente tudo o que se propunha a fazer.

Ele chegou a dissecar mais de trinta cadáveres para realizar seus estudos em

anatomia. (GOMBRICH, 1999, p. 294)

Figura 7: Leonardo da Vinci. Estudo anatômico, de 1513. Fonte: BRUMANA (1977, p. 57)

Page 27: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

26

Figura 8: Leonardo da Vinci. Um embrião no útero, de 1512. Fonte: CLARK (2003, p. 281)

Cientista, engenheiro, arquiteto, escritor, desenhista, músico, pintor,

Leonardo foi um artista completo, dotado de notável inteligência e perfeição.

Podemos considerar Leonardo como um homem além de seu tempo, exercendo

com excelência todas as áreas em que se envolvia e nos fornecendo um material

rico em informações sobre as grandes descobertas do século XVI e XVII.

Page 28: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

27

4 A ILUSTRAÇÃO MÉDICA

O estudo que será apresentado a respeito das ilustrações médicas é

baseado em uma entrevista feita com o ilustrador e médico Sérgio Russo – único

brasileiro membro da AMI – no dia 20 de maio de 2010, dias antes de seu

falecimento.

4.1 O QUE SÃO AS ILUSTRAÇÕES MÉDICAS

Como mencionado anteriormente, as imagens científicas são

produzidas a partir da análise de fenômenos físicos, e, portanto, devem cumprir

fielmente sua função.

Questionado sobre a importância do desenho, o ilustrador médico

Sérgio Russo afirma que o desenho é fundamental para sociedade e está em tudo à

nossa volta. Nas embalagens, nos automóveis, nos sapatos. Tudo o que existe um

dia foi desenhado.

Dentro do desenho (ou ilustração), existe a categoria da ilustração

científica, e a ilustração médica é um ramo dela. Russo conceitua a ilustração

médica como “a ilustração específica para a área da saúde [...] e biológica”, como a

odontologia, veterinária, etc. Tem como principal objetivo documentar as evoluções e

fatos científicos que se desenvolvem nas mãos dos homens, para que outras

pessoas aprendam através dela.

Dessa forma, pode-se dizer que a ilustração médica tem, em sua

essência, o compromisso com a verdade, ou seja, ela deve ser clara e objetiva em

sua explicação, pois como dito anteriormente, não pode gerar mais de uma

interpretação.

Para que haja uma interpretação única, a mensagem também deve

ser adequadamente expressa. Nas palavras de Russo, a ilustração médica “deve ser

tecnicamente perfeita, porque depende do detalhe e da suavidade com que ela é

colorida [...] [para que] ajude a acelerar o entendimento de um texto científico”.

Dessa forma, a mensagem será facilmente compreendida por aqueles a quem ela se

destina.

A ilustração médica acompanha a evolução científica e para produzi-

la, são necessárias duas coisas fundamentais.

Page 29: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

28

A primeira é a necessidade de se aprofundar no estudo da matéria

que se pretende ilustrar. Ele cita como exemplo a neurocirurgia, para a qual é

necessário conhecer o cérebro, conversar com o médico antes da cirurgia, saber o

que será feito e os resultados. As ilustrações devem ser divididas em passos ou

etapas, para que juntas formem uma unidade.

A segunda coisa é saber as técnicas. São as principais: lápis grafite,

aquarela, lápis de cor, nanquim, os meios digitais (softwares) e a junção delas.

Quanto às técnicas, elas logo serão estudadas em detalhes.

4.2 A TÉCNICA DE PRANCHETA X DIGITAL

Como ressaltado anteriormente por Sérgio Russo, as técnicas mais

utilizadas são o grafite, a aquarela, o lápis de cor, o nanquim e os meios digitais.

Mas quais são as características dessas técnicas?

De acordo com a ilustradora e pesquisadora Lara Gervásio Haddad,

as ilustrações de prancheta “são aquelas obtidas através de processos manuais,

com recursos artesanais”. (HADDAD, 2008, p. 47)

O lápis graduado (também conhecido como lápis grafite) oferece

uma grande variedade para se trabalhar em preto e branco (monocromia), ou seja,

gamas de minas de grafite que vão do mais duro ao mais macio (do 8H ao 8B). Esta

técnica permite o esfumaçado e o uso da borracha para que se consiga o efeito de

volume (HADDAD, 2008, p.47). Uma das vantagens desta técnica é a possibilidade

de se fazer correções apagando o traço desejado com a borracha (Figura 9).

Os lápis coloridos também possuem dois tipos: os mais duros e os

mais moles, os aquareláveis (HADDAD, 2008, p. 47-48). No entanto apesar de

oferecerem uma grande variedade de cores, os traços não podem ser apagados, o

que pode limitar uma ilustração se o ilustrador não tiver um bom domínio da técnica

(Figura10).

Quanto à técnica de nanquim, Haddad (2008, p. 49-50) diz ser muito

utilizada na produção de histórias em quadrinhos em preto e branco (também

conhecidas como HQs). De acordo com a autora, a linha e o ponto são os estilos

mais utilizados e a hachura (pequenas linhas entrelaçadas) podem conferir um efeito

interessante de sombra (Figura 11).

A aquarela (Figuras 12 e 14), por sua vez, é uma das técnicas mais

Page 30: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

29

utilizadas pelos ilustradores. Nas palavras de Haddad (2008, p. 56 e 58):

Elas [aquarelas] são compostas de pigmentos moídos aglutinados com goma arábica que se dissolvem facilmente quando adicionadas em água. Sua principal característica é a transparência. Elas se apresentam sob a forma de pastilhas secas ou bisnagas líquidas [...]. A brancura do papel associada à transparência destas tintas proporciona pontos de realce e luz.

Como afirma a autora, a principal característica da aquarela é a

possibilidade de se trabalhar com transparências e consequentemente, com

camadas de cores, dependendo do efeito e do tom que se deseja chegar. É uma

técnica rápida.

Figura 9: Mário Silva. Euchroma gigantea 2, 2007. Grafite. Fonte: http://mariosilvarts.blogspot.com/2007/12/esperana.html

7

Figura 10: Daniel Gisé. Olho. Lápis colorido com tinta ecoline. Fonte: http://www.danielgise.com

8

7 Acesso em 25 de maio de 2010.

8 Acesso em 26 de maio de 2010.

Page 31: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

30

Figura 11: Rodrigo Clemente. Sapo, 2008. Nanquim. Fonte: http://rodras76.blogspot.com/search?updated-min=2008-01- 01T00%3A00%3A00-08%3A00&updated-max=2009-01-01T00%3A00%3A00-08%3A00&max-results=15

9

Figura 12: Filipe Franco. Medronheiro – Arbutus unedo, 2006. Aquarela e grafite sobre papel. Fonte: http://scientificillustration.wordpress.com/2007/06/13/concurso-de- ilustracao-cientifica-scientific-illustration-competition/

10

A técnica digital é feita com o uso de softwares específicos para a

área gráfica. Atualmente existe grande variedade à disposição, sendo que tais

softwares permitem ilustrar, editar e manipular imagens, criar objetos

tridimensionais, etc. Vale ressaltar que o desempenho em cada técnica citada

depende da habilidade do ilustrador, como afirma Russo quando questionado sobre

elas.

Outra questão surge: o que é mais eficiente, a técnica de prancheta

ou a técnica digital?

Como já dito acima, nenhuma técnica será eficiente se o ilustrador

9 Acesso em 26 de maio de 2010.

10 Acesso em 24 de maio de 2010.

Page 32: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

31

não dominá-la. Este é o principal fator, ou seja, não existe melhor técnica, o que

existe é melhor destreza.

Outros fatores que devem ser levados em conta é a necessidade e a

estética, ou seja, a aparência. A ilustração médica pode ser utilizada para vários fins,

palestras, teses, livros, artigos, atlas de anatomia, etc. (RUSSO,

http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php). Em um meio digital, como o computador,

por exemplo, uma representação em modelagem 3D (tridimensional) poderia ser

muito interessante, por proporcionar a interatividade entre o usuário e o objeto de

estudo. Já em um documento impresso, uma ilustração em aquarela seria o

suficiente para passar todas as informações necessárias de uma maneira agradável,

rápida (visto que sua execução é menos demorada que uma técnica digital) e limpa.

Cada técnica tem seu lugar, mas em todas elas, o importante é a

clareza e a objetividade.

Figura 13: Filipe Franco. Reconstrução Facial 3D - O Método Americano, 2007. Técnica digital em Adobe Photoshop CS3. Fonte: Cedido pelo autor.

4.3 ILUSTRAÇÃO MÉDICA: ARTE OU DOCUMENTO?

Como expresso anteriormente, a Arte é a manifestação do subjetivo,

enquanto a Ciência se ocupa da objetividade. Diante disso surge a dúvida: a

ilustração médica é Arte ou é um documento?

À essa questão, Sérgio Russo afirma, em entrevista concedida em

vinte de maio deste ano, que a ilustração médica “é uma atividade artística que se

toca com a grande área científica”, ou seja, a ilustração médica é arte e ao mesmo

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32

tempo, documento.

A ilustração científica se utiliza das técnicas de ilustração para

representar uma ação relacionada às Ciências, por isso, o ilustrador necessita do

conhecimento em ambas as áreas. Russo diz que a aprendizagem é uma das

maiores dificuldades do ilustrador científico, pois como o mesmo exemplifica é

necessário determinação, não só quanto à ilustração científica, mas em todas as

situações da vida. Essa determinação e disciplina são necessárias principalmente

para o ilustrador científico, pois exige que ele enxergue os detalhes e os transmita

da mesma forma com que foram vistos, através da técnica artística e do

conhecimento científico.

Portanto, baseado nas palavras de Plaza (1996, p. 43), pode-se

afirmar que a ilustração médica é o cruzamento intertextual entre Arte e Ciência.

4.4 A NECESSIDADE DA ILUSTRAÇÃO MÉDICA

As ilustrações científicas, em geral, são fundamentais para que

descobertas e fatos científicos sejam documentados e através deles, novos estudos

sejam feitos, levando a novas descobertas.

Com o início da colonização e com a chegada da Família Real

portuguesa ao Brasil (século XIX), percebemos a importância dada à ilustração. Os

artistas aqui trazidos tinham o objetivo de documentar e retratar a diversidade da

flora e da fauna brasileira (Figura 14).

Figura 14: Frans Post. Cana-de-açúcar, de 1661. Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/183_paris/page5.shtml

11

Outro exemplo se encontra na fotografia. Na visão de Russo, a

Page 34: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

33

fotografia tem sua importância para a ilustração, porém ela apresenta o objeto como

ele é (no caso de uma cirurgia, suja, com muito sangue, etc.). A ilustração tem a

vantagem de ser sutil na representação, oferecendo um aspecto mais agradável e

limpo, e a possibilidade de criar transparências (Figura 15). A ilustração pode

mostrar o que as lentes de uma câmera não podem.

Quanto à técnica utilizada na ilustração médica tradicional, Russo

afirma que ela pode ser utilizada em outras áreas, como embalagens, moda, etc.,

pois a técnica é uma ferramenta e conhecendo-a é possível desenhar qualquer

coisa. Portanto, a ilustração médica é útil também àqueles que desejam ampliar o

conhecimento em ilustração.

Em relação aos profissionais da área da saúde, permite aprimorar

técnicas (figuras 15, 16 e 17), como exemplifica Russo. Um médico pode executar

uma técnica cirúrgica em menos tempo, através do aprimoramento da mesma.

Os principais investidores em ilustração médica são “cirurgiões,

outros médicos patrocinados [...] e editoras, mas não as editoras nacionais”. Este

fato será analisado a seguir.

Figura 15: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php

12

11

Acesso em 27 de maio de 2010. 12

Acesso em 28 de maio de 2010.

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34

Figura 16: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php

13

Figura 17: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php

14

4.5 A REALIDADE NO BRASIL E NOS OUTROS PAÍSES

Como mencionado por Russo em entrevista à autora, as editoras

nacionais não investem em ilustrações médicas produzidas no país, pois a diferença

está na mentalidade.

De acordo com ele, enquanto o mundo investe para que o aluno de

medicina melhore seu conhecimento, aqui no Brasil ocorre o contrário, pois as

editoras preferem traduzir o material estrangeiro (muitas vezes já ultrapassado). O

motivo seria o alto investimento.

O mesmo ocorre com os médicos que se negam a investir em um

ilustrador para produzir ilustrações médicas, devido ao valor. Nas palavras de

Russo, os médicos estão corretos, pois quem deveria investir em novas publicações

13

Acesso em 28 de maio de 2010. 14

http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php, acesso em 28 de maio de 2010.

Page 36: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

35

na área médica não é quem descobre uma melhoria na ciência, mas aqueles que

têm interesse em que a ciência no Brasil melhore. Como o governo, por exemplo.

Russo complementa dizendo que essa realidade ocorre somente no

Brasil, pois no exterior (na Alemanha, por exemplo, onde ele morou) as editoras

investem em ilustradores médicos, pois elas sabem que irão publicar livros e vendê-

los aos interessados. Consequentemente, o nome da editora também será

divulgado, sendo reconhecida pelas boas publicações e despertando o interesse das

pessoas em outros materiais da mesma editora.

No mundo todo são poucos os ilustradores científicos e no Brasil não

é diferente. Russo diz que não existem profissionais de gabarito nessa área no país,

ou seja, uma associação séria e que tenha o estudo técnico.

Sérgio Russo foi o único brasileiro pertencente a uma associação de

ilustradores médicos, de cerca de no máximo dois mil e quinhentos existentes no

mundo todo atualmente.

Page 37: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

36

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1 RESULTADOS OBTIDOS

A relação entre Arte e Ciência, existente há muito tempo, ainda é e

sempre será importante para o desenvolvimento da sociedade. A ilustração médica

permite que estudantes, médicos e profissionais da área biológica e da saúde

aprimorem seus conhecimentos e técnicas, e que estudantes de artes aprendam a

técnica que é fundamental para a ilustração em qualquer outra área.

Apesar da grande necessidade desse tipo de ilustração no Brasil, há

pouco investimento e poucos ilustradores científicos. Diante disso, o projeto buscou

estudar e analisar a relação entre arte e ciência para que se pudesse compreender o

papel da ilustração médica.

A pesquisa de campo foi realizada com um profissional da área das

ilustrações médicas, Sérgio Russo, por meio de uma entrevista documentada em

vídeo, que continha perguntas sobre a ilustração médica e o mercado de trabalho.

Tal entrevista evidencia a importância da ilustração médica como um instrumento de

documentação que acompanha o desenvolvimento científico e médico, oferecendo

ao profissional da área biológica e da saúde um material atualizado capaz de gerar

novos conhecimentos e de aperfeiçoar técnicas. Sua importância está no fato de

buscar se aproximar da realidade, sendo clara e objetiva naquilo que se quer

informar.

Foi possível analisar a falta de investimento e do apoio das editoras

brasileiras e do próprio governo na área das ilustrações médicas, e as dificuldades

que enfrenta esse ilustrador, mesmo possuindo em suas mãos o talento e o

conhecimento para produzir uma arte de fundamental importância para o

desenvolvimento do país.

Deste modo, não se ensina ciência médica sem um material de

apoio, e não se pode pensar em um material de apoio sem atualização.

Page 38: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

37

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre Arte e Ciência é uma realidade que, apesar de existir

a muito tempo, se renova a cada dia. Com a presente pesquisa pôde-se perceber a

necessidade da ilustração médica e como ela é fundamental para o desenvolvimento

das Ciências (e consequentemente para a própria sociedade).

A falta de investimento em ilustrações médicas pode resultar em

profissionais da área biológica e da saúde despreparados (como vem ocorrendo, por

exemplo, nos erros médicos), pelo fato de existir a possibilidade dos materiais de

ensino serem desatualizados. Tal situação pode ser revertida, oferecendo ao

profissional dessa área a possibilidade de, através de um material ilustrativo e de

fácil compreensão (como um material nacional), aprimorar técnicas e métodos.

Nesse caso citado acima, quando há o despreparo do profissional da saúde, outras

pessoas podem ser prejudicadas, como o próprio paciente. Por exemplo, podemos

citar uma determinada sociedade exposta a mesmos agentes externos e que

consequentemente tendem a desenvolver determinados traços ou anomalias. Uma

ilustração voltada para a pesquisa e documentação destes fenômenos com certeza

aumentaria as chances de encontrar a solução ou de se chegar a determinada teoria

a respeito do problema em questão.

Tudo isso, somado aos materiais escassos e ultrapassados na área

da saúde, limitam o conhecimento dos futuros profissionais, visto que muitos

materiais são de origem estrangeira e poucos são produzidos no Brasil. Isso, por sua

vez, gera um “atraso” do país no que diz respeito ao desenvolvimento de novas

teorias, descobertas e contribuições científicas se comparado aos países que

investem em publicação de materiais nessa área.

A relevância da ilustração médica ultrapassa os limites da Ciência,

pois ela é também importante para estudantes e profissionais de outras áreas que

necessitam da técnica da ilustração. Portanto, esse projeto se apresenta como um

incentivo à produção, publicação e uma reflexão quanto à valorização das

ilustrações médicas, através de um estudo de caso com o ilustrador Sérgio Russo.

Page 39: Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas

38

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE

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41

Esta parte do trabalho se dedica à entrevista realizada com o

ilustrador médico Sérgio Russo, no dia vinte de maio do ano de dois mil e dez. Para

a entrevista, foi utilizado um roteiro com dezesseis questões referentes às

ilustrações médicas. A entrevista teve duração de cerca de quarenta minutos e foi

documentada em formato audiovisual, através de uma câmera mini DV.

1. Qual a importância do desenho?

Sérgio Russo: O desenho está em nossa volta, em tudo que faz parte da nossa

vida, desde o automóvel, sapato, até embalagens. Tudo o que se pode imaginar

que compõe a nossa vida, foi desenhado antes. Então, o desenho é fundamental,

sem ele voltaríamos à Idade da Pedra.

2. O que é a ilustração médica?

Sérgio Russo: Ela é a ilustração específica para a área da saúde, ou seja, para

odontologia, medicina, veterinária, etc., toda a área da saúde e biológica

também. Ela tem como objetivo principal documentar os fatos novos e científicos

que se descobrem ou que evoluem na mão do homem, para que isso seja

publicado e outros aprendam essa matéria.

3. Quais são os objetivos e as características da ilustração médica?

Sérgio Russo: Os objetivos nós já falamos. Agora as características têm duas

principais. Primeiro ela tem que ser tecnicamente perfeita, porque ela depende

do detalhe e da suavidade com que ela é colorida, pra que ela não canse, e pelo

contrário, ela ajude a acelerar o entendimento de um texto científico, para que o

leitor ou o ouvinte de uma palestra, por exemplo, saiba exatamente o que se quer

mostrar.

4. Qual é a importância da ilustração médica?

Sérgio Russo: Exatamente fazer parte da evolução científica.

5. O que é necessário para ilustrar?

Sérgio Russo: São duas coisas que você precisa saber. Primeiro, se aprofundar

no estudo daquela matéria que você pretende ilustrar. Por exemplo, uma

cirurgia... uma neurocirurgia. Você precisa saber como é o cérebro, você precisa

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42

saber o que vai ser feito na cirurgia. Pra isso você tem que estudar a cirurgia

antes dela ser feita pelo cirurgião. Tem que conversar com o cirurgião para saber

o que ele vai fazer e qual o resultado, e dividir isso em fases, em passos para

que você ilustre: o passo um, o dois, o três, até o final, demonstrando assim, uma

unidade. Então, você precisa estudar a matéria a ser ilustrada.

Segundo, aprender técnica de ilustração, principalmente lápis grafite e aquarela.

Em segundo lugar vem o lápis de cor e o nanquim, que ainda se usa. São um

pouco mais raros, mais difíceis, mas se usa bastante. E a parte de computação

também se usa. Nós vamos falar mais pra frente disso.

6. Quais são as técnicas mais utilizadas?

Sérgio Russo: Eu já disse: o grafite, aquarela, a combinação entre elas e os

desenhos feitos em softwares, computação.

7. Você utiliza o meio digital para fazer as ilustrações? Por quê?

Sérgio Russo: Eu particularmente não, porque eu não acho necessário. Eu sou

de uma geração que não havia softwares sofisticados, então eu aprendi as

técnicas que são suficientes para ilustrar qualquer tema sem a ajuda do

computador...

... Você acha que a qualidade muda?

Sérgio Russo: A qualidade depende da destreza do artista. No meu caso, como

eu já tenho muitos anos de prática, dificilmente você vai encontrar um erro

técnico nos meus desenhos, dificilmente. Eu trabalhei tantos anos com os

alemães que são rígidos em técnica e fui um dos melhores lá. Então, quer dizer,

eu não tenho receio de falar que o meu desenho realmente ele é de um nível

bom, muito bom, aliás.

8. Quais as vantagens e desvantagens da ilustração de prancheta diante da

tecnologia (fotografia, modelagem 3D, etc.)?

Sérgio Russo: A vantagem é que é mais rápida de você fazer um layout e colorir.

No computador você tem que ter uma base, um layout já pronto para você

escanear e aí colorir e fazer o efeito especial. Você corre o risco de demorar

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43

tanto que não adianta mais, porque o tempo é muito importante para o ilustrador.

Então você tem que ser tão bom no computador que se aproxime da velocidade

do lápis e do pincel, que não é fácil. Já vou dizer para você: não é fácil.

Eu conheço na associação de ilustradores médicos americana, da qual faço parte

como profissional, gente muito gabaritada nas técnicas tradicionais e nos

softwares. E os próprios ilustradores por computador dependem de nós para

fazer os layouts mais rápidos do que eles. Se eles forem tão bons que façam os

layouts bem rápidos, ótimo. Mas mesmo assim a aquarela é mais rápida do que o

software, porque a elaboração da cor já está na cabeça do artista, e no

computador às vezes o artista ainda não sabe exatamente que cor ela vai ficar,

porque as possibilidades são tão grandes que ele acaba se perdendo um pouco

naqueles milhares e milhões, sei lá, de tons.

A fotografia e a modelagem 3D têm seu lugar na ilustração. A fotografia, o único

problema dela, são as limitações visuais, que significa o quê? Quando você

fotografa um campo cirúrgico, tanto faz ele a céu aberto ou laparoscópico, ele se

apresenta como ele é, cheio de sangue, tudo mais ou menos da mesma cor,

avermelhado, rosa. E se o cirurgião não souber muito anatomia cirúrgica, ele se

perde, você imagine o ilustrador. Então, qual é uma das vantagens da ilustração:

é que você pode separar por cores, sutilmente, de uma maneira mais limpa a

imagem a ser transmitida. E a fotografia é mais um aspecto da patologia, por

exemplo, quando você tira um fígado doente e se fotografa, a fotografia é de

muita importância porque o patologista precisa mostrar exatamente como o

fígado estava e ele não precisa do ilustrador, porque a foto do fígado, nesse

caso, na patologia, macropatologia ou micro, ele precisa da fotografia. Mas isso é

uma exceção, porque a fotografia como ilustração cirúrgica ela é falha, falha

porque, já dissemos, o campo cirúrgico é o que nós chamamos de sujo, ele é de

uma cor só, não dá pra ver as estruturas claramente, que é o objetivo da

ilustração médica: esclarecer e não confundir. Não é fazer figuras bonitas, é fazer

figuras claras, rapidamente, e precisas do ponto de vista científico.

9. A ilustração médica é arte ou documento?

Sérgio Russo: É os dois. É arte porque ela é uma atividade artística que se “toca”

com a grande área científica. Então esse toque dessas duas grandes áreas é o

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que nós chamamos a área da ilustração médica, que tem a área da arte e da

ciência juntas. Ela é arte e é documento.

10. Quais são as maiores dificuldades da ilustração e do ilustrador?

Sérgio Russo: A dificuldade talvez esteja no aprendizado. Todos os

aprendizados, não só da ilustração, mas da vida em geral. A gente precisa ser

muito determinado para fazer aquilo que se planejou. Muita gente abandona o

caminho porque não tem aquela “fibra”, aquela vontade, aquela determinação

que precisa para você fazer determinada atividade.

Então, nós conhecemos casos de gente de começo da engenharia, de repente

pula para enfermagem, sai da enfermagem, vai para medicina, medicina é muito

difícil, acaba sendo agrônomo ou comerciante e vai ajudar o pai. Então por quê?

Porque ele não tem na cabeça o que ele quer fazer na vida dele. E a ilustração

científica é uma profissão muito bonita, mas ela é rara exatamente porque você

precisa trabalhar, você não nasce artista. Aqui não existe essa coisa de “ah, eu

vou nascer com dom”. Não. A ilustração se aprende e a gente procura educar o

aluno a ser disciplinado o suficiente para continuar o caminho dele. O nosso

caminho já está praticamente pronto. Eu tenho quarenta anos de ensino de arte,

então eu já fiz muita coisa. A minha responsabilidade hoje é mostrar os caminhos

para quem quer realmente fazer alguma coisa de importância na área da

ilustração.

11. Você acha possível, as ilustrações médicas atingirem também

estudantes e profissionais das artes visuais, e não somente pessoas

ligadas à área da saúde?

Sérgio Russo: As pessoas não ligadas à área da saúde, o que elas podem

aproveitar das ilustrações médicas é exatamente a técnica. Porque as técnicas

de ilustração médica, as tradicionais, elas podem ser usadas em outros temas:

nas embalagens, design, estilismo em moda. Se você souber a técnica, a técnica

é uma ferramenta, você pode desenhar qualquer coisa. Então significa que se eu

tenho um curso de arte médica, e vem uma pessoa do design ver se tem alguma

coisa que interessa, eu vou dizer que sim. Mas não que ela vá aprender como se

desenha um estômago, nada disso. Ela vai aprender como se maneja um lápis e

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o pincel para ser um ilustrador, um designer ou outra modalidade que utilize a

arte plástica como ferramenta importante.

12. Como se dá todo o processo até o final, da ilustração chegar ao cliente?

Sérgio Russo: O cliente, no nosso caso de ilustração médica, é o cirurgião. Então

o cirurgião vem até nós e diz: “eu aprimorei um jeito de operar que, antigamente

por essa técnica tradicional demorava dez horas, agora eu faço em quatro”. Ora,

isso é uma beleza, porque os pacientes sofrem menos, os hospitais têm maior

rotatividade e atendem mais gente e mais gente com saúde. Então qual é a

contribuição do ilustrador? É ilustrar essa evolução que o médico descobriu para

que outros médicos também façam isso através de publicações. Então a gente

entra naquilo que eu te falei: você estuda, faz os esboços, às vezes até em

centro cirúrgico, o médico vai corrigir. E essa é a parte da profissão, a parte mais

longa: você tem que fazer vários esboços até ele ficar cientificamente correto em

relação à opinião do cirurgião. Quando isso acontecer aí é só fazer a coloração

que é bem mais rápido.

13. Qual é o público ou os investidores nessa área (caso haja)?

Sérgio Russo: O público que compra as ilustrações são os cirurgiões, são outros

médicos patrocinados por, em geral, laboratórios de imagem e farmaindústrias, e

editoras, mas não as editoras nacionais, porque aqui a mentalidade é outra.

Enquanto o mundo inteiro investe para que o aluno de medicina, odontologia

melhore seu capital de conhecimentos, aqui no Brasil é o contrário. As editoras,

para ganhar dinheiro, preferem pegar livros bem velhos traduzidos em espanhol

ou coisa do tipo para “enfiar” nas bibliotecas e fazer com que o aluno não tenha

outra opção: ele tem que estudar nos livros ultrapassados. Os médicos também.

Quando o médico se depara com a realidade que tem que pagar o ilustrador, ele

não publica muitas vezes, e ele está certo, porque quem tem que pagar o

ilustrador não é quem descobre uma melhoria científica numa cirurgia, é alguém

que tenha interesse em que nossa ciência melhore. Quem é? É o governo

federal, é o MEC, são as farmaindústrias. Estes são os principais patrocinadores

que, no Brasil, não existem. Eles nem dão bola pra isso, porque não há interesse

em que o nosso público, que aprende ciência, melhore a sua capacidade, que a

nossa medicina melhore a sua performance. É só acompanhar nos jornais o que

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o MEC tem feito e os nossos alunos que têm declinado muito o seu aprendizado.

Muitas mortes aconteceram por falta de técnica, de um material melhor, didático,

falta de interesse do governo de atacar realmente o que precisa para que a

nossa medicina seja boa. Não há interesse. Existe muito interesse político em se

eleger, em falar bonito, mas na prática isso está muito longe de acontecer, muito

longe. Isso é só no Brasil.

Se você for para a Alemanha, onde eu estive, as editoras pagam os ilustradores,

por quê? Porque elas vão publicar o livro, vão vender, e quem é que vai ler?

Todos os interessados, médicos, recém-formados, residentes, todo mundo, e vai

saber que aquele livro é da editora X: “Então essa editora é boa, vou comprar

mais livros dela”. É assim que funciona. Então os bons ilustradores são muito

cobiçados nos países civilizados, só nos países civilizados.

14. Como é o mercado de trabalho na área da ilustração médica? (Salário

médio, desenvolvimento, etc.)

Sérgio Russo: Bem, aqui no Brasil nós não temos profissionais de gabarito, que

eu digo, pertencentes a uma associação séria, que tenha realmente estudo

técnico e tal. Eu estou sozinho aqui no Brasil. Eu posso dizer isso porque a maior

associação do mundo é a americana, que foi fundada em 1945, e eles têm o

controle mundial de quem está fazendo ilustração científica. E eu sou o único

profissional do quadro deles. A sociedade de ilustradores lá não tem mais que

dois mil, dois mil e quinhentos ilustradores, e não se tem notícia de nenhum

brasileiro, desde 1.998, quando eu ingressei na área profissional deles. Então, eu

tenho uma responsabilidade aqui, não só de responder a essas perguntas, mas

de divulgar também como está essa situação. E o mercado de trabalho, nós já

falamos um pouco sobre as editoras médicas, elas não investem. Então é muito

difícil, você tem que ter um produto muito bom para que o médico tenha mais

motivação para achar um patrocínio, e acha. A maioria dos trabalhos que eu fiz

no Brasil, que são poucos, foi patrocinada por laboratórios de imagem e

farmaindústrias, mas você tem que ter um padrão bom de ilustração. Depende só

de você. Não existe salário, existe freelances. Então dependendo da qualidade,

do nome, da idade, enfim, de um conjunto de fatores, a ilustração para um custa

“x”, para outro “y”. É muito difícil, principalmente porque aqui a moeda é Real, na

Europa é Euro, depois é Dólar lá em cima. Então fica muito difícil.

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Carente de profissionais nós somos. Muito mais do que carente de profissionais.

Nós somos carentes de editoras que invistam na ciência e na formação médica,

na formação do profissional da área da saúde. Estes são os principais vilões e

responsáveis do caos que nós estamos atravessando, de defasagem em relação

ao mundo, porque os artigos e os livros que saem do Brasil são muito

pobremente ilustrados. Não há ilustradores, então quem ilustra: é o filho do

zelador, ou é o sobrinho do médico que quer publicar por uma vaidade dele ou

então a editora que emprega um aprendiz, e assim por diante.

15. Existem materiais nacionais que falem sobre as ilustrações médicas?

Caso a resposta seja afirmativa, quais são?

Sérgio Russo: Não, não existe. Não existe porque nós não temos nenhuma

escola de arte médica aqui no Brasil. Nós temos cinco escolas nos EUA, uma em

Toronto, no Canadá e mais seis na Europa. E essas escolas estão ensinando de

dez a vinte alunos por ano, só. É muito caro o curso, é muito disputado,

muitíssimo disputado, mas nos Estados Unidos tem sempre gente precisando. É

o maior mercado do mundo. Nos Estados Unidos, sempre falta, eu recebo no

meu e-mail, sempre falta pelo menos uns dez, quinze ilustradores que empresas

estão precisando. Só que, naturalmente, esses profissionais querem são

profissionais, gente que sabe fazer. Às vezes até vale a pena pensar duas vezes.

Trabalhar no Brasil é muito difícil, mas não é um bicho também. Então materiais

nacionais no Brasil nem pensar, nós estamos muito atrasados, muito atrasados.

16. Como você vê o posicionamento do Brasil diante do ilustrador médico e

o que você acha que seria necessário para melhorar?

Sérgio Russo: O Brasil está completamente ignorante em relação a essa matéria

que estamos falando. O Brasil não sabe o que é um ilustrador médico, de um

modo geral. O ilustrador médico não existe no Brasil e vai demorar para existir,

porque não é reconhecido. Eles nem sabem que existe essa possibilidade, não

sabem a importância disso. Às vezes nunca viram uma ilustração profissional

mesmo, só em livros importados e acham que aquilo é uma coisa de outro

mundo. Só que às vezes, a gente está morando aqui no Brasil e ninguém sabe

disso. Muito bem, o que seria necessário para melhorar?

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Primeiro, a mudança de mentalidade das nossas editoras, ou seja, “banho

cultural” dos editores, das diretorias de editoras médicas nacionais que estão

empoeiradas. Eu estou falando do cérebro deles que estão empoeirados. Eles

não abrem os olhos para a realidade. Viraram empresas que só querem dinheiro,

não querem avanço científico. É como uma quitanda uma editora médica. Eu não

conheço nenhuma editora médica – e conheço muitas, inclusive pessoalmente –

que se preocupa com isso. Eles tratam a editora como um negócio,

simplesmente um negócio. Eles não sentem para si a responsabilidade de

imprimir uma matéria que vai melhorar a vida de um paciente. Então, falta uma

consciência, até humana para que isso melhore. Essa é uma das coisas que

precisa melhorar.

O segundo é o governo federal que tem que abrir os olhos para isso. Alguém da

área de ensino, educação, tem que falar no ministério de educação e cultura que

os outros países funcionam melhor nessa área do que nós por causa disso,

daquilo e daquele outro.

Eu cansei de dar palestras em universidades, de nada adiantou. As pessoas

acham aquilo uma história de ficção científica, o que é capaz de acontecer com

essa reportagem também, que você está fazendo agora. As pessoas podem me

ouvir e dizer “ah, mas isso é só mais um acontecimento no Brasil”. É só mais um

acontecimento, mas de muita importância, porque nós estamos falando da

educação médica, e isso envolve a vida de muita gente. São muitos pacientes

que dependem da formação de um bom médico. E o Brasil solta, nas suas mais

de oitenta escolas médicas, muitos formandos ou residentes que são

despreparados. E a consequência disso é, infelizmente, a morte de pessoas, que

são os famosos erros médicos. São erros sim, mas erros não só dos médicos,

erro das escolas de medicina, que por sua vez, não têm uma biblioteca

atualizada com material nacional, que realmente sirva para nós. Eu tenho trinta e

quatro anos de formado em medicina, se você for na biblioteca de onde eu

estudei, estamos a mil metros de onde eu estudei, você vai ver que os mesmos

livros com que eu fiz o primeiro e o segundo ano de medicina estão lá. E você

sabe o é que tem de novo lá? Nada, não tem nada, não foi renovado nada, só

foram restaurados por causa do manuseio. Essa é a notícia triste: não há

interesse de ninguém em melhorar isso. Existe interesse em reeleição dos

senadores, deputados e até do presidente que foi reeleito, mas o MEC não se

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mexe. Ele não sabe da realidade, ele se desligou disso. Ele está mais

preocupado, talvez, com o primeiro grau, segundo grau. Agora, você já ouviu

alguma notícia sobre as nossas bibliotecas como estão?

17. Comentários adicionais.

Sérgio Russo: Bom, os comentários que eu poderia acrescentar a essa entrevista

seria o seguinte: esse é um tema muito difícil de falar, muito importante e de

extrema necessidade, de urgência, de extrema urgência para que alguém faça

alguma coisa. Eu sou uma gota no oceano, infelizmente, e aqui nessa sala de

aula há varejo, muito varejo de ilustradores. E é uma pena que eu esteja sozinho

no Brasil, se eu pudesse ter alguma influência lá no governo federal, eu faria

várias coisas para melhorar pelo menos os nossos livros e nutrir as bibliotecas

brasileiras que estão muito defasadas. Então, o que eu tenho de sentimento com

relação a esse tema, é muita pena, e revolta também, porque nada se faz. Muito

se fala, ou nada se fala, e muito menos se faz. Eu, que particularmente estou

fazendo a minha parte, durmo tranquilo, mas eu sou sozinho. Então, quem sabe

alguém ouvindo essa entrevista, pense duas vezes nesse problema.