3 conhecimento em kant

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  • 7/29/2019 3 Conhecimento Em Kant

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    Profa. Barbara Lucchesi material de aula

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    A questo do conhecimento em Kant (sculo XVIII)

    1. Revoluo copernicana na filosofia O pensamento de Kant considerado divisor na histria da filosofia, pois funda a

    moderna teoria do conhecimento enquanto uma epistemologia, ou seja, como umateoria crtica das condies e das possibilidades do conhecimento racional e terico.Sua principal obra epistemolgica, Crtica da Razo Pura (1748), fornece umafundamentao crtica para o conhecimento terico, pois pela primeira vez investigaos pressupostos ou as condies de possibilidades a priori do conhecimento racional(filosfico-cientfico).

    Kant revoluciona a histria da filosofia quando busca uma soluo para o conflitoentre racionalismo e empirismo do sculo XVII. De um modo geral, tanto oracionalismo quanto o empirismo pr-kantiano partem do pressuposto do realismometafsico e dogmtico, pois para toda tradio precedente a razo pode conhecer o

    real ou o mundo da coisa-em-si. Para o realismo metafsico, o mundo em si,portanto, os objetos do conhecimento so reais e existem independentemente daconscincia, podem ser conhecidos pela razo ou pela experincia.

    Dado o pressuposto do realismo, o problema epistemolgico para a tradio reduzia-se ao problema da principal fonte para o conhecimento verdadeiro: se a razo auto-suficiente ou a experincia sensvel. Kant no recusa o realismo metafsico, ou seja,no recusa a existncia do mundo da coisa a em si, mas afirma que razo terica nopode conhece-lo.

    Foi o ceticismo de Hume que faz com que Kant acordasse de seu sono dogmtico,pois ele passa a considerar todo realismo epistemolgico como um dogmatismo. O

    ceticismo a posio epistemolgica que pe em dvida a possibilidade de umaverdade universalmente vlida, ou seja, pe em questo a possibilidade de seconhecer o mundo em si. Para o ceticismo relativo, a possibilidade da verdade condicionada, relativa a algum critrio.

    Kant conclui que todo conhecimento relativo ao sujeito, isto , condicionado pelarazo e pela experincia sensvel, desde modo, afirma que o mundo da coisa em si incognoscvel, pois podemos conhecer apenas o mundo dos fenmenos, tal como seapresenta para nossa conscincia.

    Kant inverte o ponto de partida da teoria do conhecimento, pois em vez de partir dorealismo do objeto, ou da busca de critrios e mtodos para chegar ao conhecimento

    do objeto real, a epistemologia deve partir do sujeito do conhecimento, ou seja, deveinvestigar os limites da razo e as condies de possibilidade para chegar aoconhecimento objetivo. Com esta inverso Kant realiza a chamada revoluocopernicana na filosofia, pois assim como o modelo de Coprnico-Galileu substituio geocentrismo pelo heliocentrismo, a partir de Kant o problema do conhecimentopassa a ser determinado pelo sujeito do conhecimento.

    O conhecimento passa a ser definido como uma construo ou constructo, como asntese operada pelo sujeito entre as categorias do entendimento e a sensibilidade. Aepistemologia kantiana nasce da tentativa de mediao ou de resoluo dasantinomias entre racionalismo e empirismo, pois considera tanto o pensamento

    quanto a experincia como fontes determinantes do processo do conhecimento. Kantexplica que o conhecimento constitui-se de matria e forma.

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    2. Conhecimento: forma (razo) e matria (sensibilidade) A matria corresponde ao contedo, so as prprias coisas conhecidas pela

    experincia sensvel. A forma provm do pensamento do prprio sujeitocognoscente, ou seja, so formas do conhecimento vazias de contedo, pois somentea experincia fornece o material para o conhecimento. Estas formas existem antes dequalquer experincia, so formas gerais ou universais da nossa sensibilidade queorganizam a priori as experincias a posteriori.

    Apesar de no existir forma sem contedo, epistemologicamente as formas a priorideterminam qualquer experincia a posteriori, so as condies de possibilidade detoda experincia particular. Que formas e matrias so estas?

    H duas fontes principais de conhecimento no sujeito: a sensibilidade e oentendimento (razo terica). A sensibilidade o modo passivo- receptivo pelo qualsomos afetados pelos objetos. Temos uma multiplicidade de sensaes quando emcontato com os objetos do mundo exterior (cor, sabor, odor, textura, etc.). Estassensaes so a matria ou o contedo de nossa experincia sensvel. Entretanto, assensaes so caticas, quem organiza essa multiplicidade de informaes dasensibilidade e transforma em conhecimento a nossa intuio.

    3. Formas puras da intuio e categorias do entendimento H duas formas de intuio que so anteriores a toda experincia, por isso so

    consideradas formas puras ou a priori: o espao e o tempo. S conseguimospensar em algum objeto a partir dessas formas puras da intuio.

    O espao a forma do sentido externo, isto , todo e qualquer objeto sempre est emrelao a um espao, dentro ou fora, no consigo pensar em um objeto sem localiz-lo em algum lugar, mas posso pensar em um espao vazio sem nenhum objeto.

    O tempo a forma do sentido interno, a percepo interna. Quando um sujeitoestabelece relao com algum objeto, sempre organiza esta experincia em funodo passado, do presente ou do futuro ou em relao a um antes, um agora e umdepois. impossvel conhecer os objetos externos sem orden-los a uma formaespacial e sem uma forma temporal de nossa percepo interna deles.

    A primeira condio para o conhecimento que as sensaes sejam organizadaspela nossa intuio sensvel, ou seja, pelas formas a priori e universais da nossasensibilidade: o espao e o tempo.

    A segunda condio do processo do conhecimento, depois do sujeito receber oobjeto na intuio sensvel, de localiz-lo espacial e temporalmente, reside nafaculdade do entendimento, que reunir as intuies sensveis em conceitos.

    Os conceitos bsicos so chamados categorias, cuja funo reunir o mltiplo dasintuies sensveis. Kant apresenta 12 categorias, subdivididas em 4 grupos: 1.Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade. 2. Qualidade: Limitao, Realidadee Negao. 3. Relao: Comunidade, Substncia e Causalidade. 4. Modalidade:Existncia, Possibilidade e Necessidade.

    Estas categorias no so dadas pela experincia, so formas vazias postas peloentendimento, pelo prprio sujeito do conhecimento. Entretanto, as categorias so

    fundamentais para que as experincias sensveis particulares sejam organizadas naconstruo de um conhecimento que tenha validade universal.

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    Deste modo, Kant busca a sntese entre o racionalismo e o empirismo quando afirmaque sem os contedos da experincia, dados na intuio sensvel, o conhecimento vazio de mundo (racionalismo) e sem os conceitos, organizados pelas categorias, oconhecimento perde validade lgica e universalidade (empirismo). Ou, nas palavrasde Kant:

    "Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimentonenhum seria pensado. Pensamentos sem contedo so vazios, intuies semconceitos so cegas".

    4. Idealismo Transcendental Contudo, a sntese kantiana apesar de considerar a importncia da experincia como

    contedo do conhecimento redunda em um idealismo, pois o entendimento ou oesprito humano que constri por meio das estruturas a priori a ordem do universo.

    O idealismo kantiano conhecido como idealismo transcendental. Transcendental significa o conhecimento a priori ou anterior a toda experincia.

    Tambm denominando apriorismo, j que as formas a priori so as quecondicionam todo o conhecimento, ou que fornecem as condies de possibilidadepara o conhecimento do mundo dos fenmenos.

    Apesar de a razo pura assumir um papel determinante no processo doconhecimento, o apriorismo kantiano no pode ser confundido com um simplesracionalismo. Enquanto para os racionalistas os conceitos correspondem aos objetosreais, as categorias so o prprio contedo do pensamento, j para o apriorismo ascategorias s possuem carter formal, so vazias de contedo.

    Ao enfatizar a existncia de um fator racional e de um fator emprico noconhecimento humano, o apriorismo tambm no se alinha com o intelectualismoaristotlico-escolstico.

    A posio epistemolgica intelectualista deriva o fator racional do emprico, todo oconceito provm da experincia, por isso, o aristotelismo se alinha com oempirismo. J o apriorismo kantiano recusa esta derivao, justamente porque ofator a priori independe da experincia, sua nica fonte o pensamento, a razo. Arazo que leva as formas a priori at o material do conhecimento para organiz-lo.Desde modo, com o apriorismo o pensamento no se comporta de modo passivo ereceptivo, mas de modo ativo e criativo no processo do conhecimento.

    5. Juzos analticos, sintticos e Juzos sintticos a priori preciso ainda considerar a inovao do apriorismo kantiano quando afirma a

    possibilidade de um terceiro tipo de juzo: osjuzos sintticos a priori

    Anteriormente a Kant admitia-se dois tipos de juzos ou proposies: os juzosanalticos a priori e os juzos sintticos a posteriori. Um juzo expressa a relaoentre um predicado e um sujeito, podendo ser analtico ou sinttico.

    Nos juzos analticos o predicado j est contido no sujeito, o predicado apenaselucida algo, no preciso sair do conceito e no h necessidade da experincia, por

    isso so conceitos mentais a priori. Ex. os corpos so coisas extensas.

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    J nos juzos sintticos o predicado acrescenta algo ao sujeito, preciso sair doconceito, h necessidade de verificao pela experincia a posteriori. Ex. Todos oscorpos possuem peso.

    Para Kant, o conhecimento avana por meio dos juzos sintticos, j que elesacrescentam novos conhecimentos aos conceitos de base. Assim, ele formula umnovo tipo de juzo os sintticos a priori como juzos que so necessrios euniversais, como os analticos, mas que acrescentam algo ao conhecimento, porserem sintticos. Os juzos matemticos so todos sintticos a priori, assim como osconhecimentos da fsica newtoniana. Com a formulao dos juzos sintticos apriori, Kant busca demonstrar que as cincias da natureza adotam sem saber omodelo do apriorismo para desenvolver o mtodo matemtico experimental, quandopostulam uma srie de leis gerais da natureza a priori, pois tais leis gerais partem daintuio sensvel das formas puras (espao e tempo) e das categorias da razo.

    Consideraes finais

    Kant desenvolve o apriorismo como uma soluo crtica para fundamentar apossibilidade do conhecimento cientfico matemtico da fsica, procurando ultrapassar oimpasse entre o empirismo ctico que afirma a impossibilidade de verdades de validadeuniversal (leis gerais) e o racionalismo abstrato especulativo metafsico, quando formulaleis e teorias gerais sem fundamentao emprica.

    Desde modo, a filosofia transcendental ou o criticismo kantiano, revoluciona noapenas o campo da epistemologia em termos filosficos, mas traz uma base slida paraas cincias quando estabelece a demonstrao racional e lgica e a comprovao

    emprica como critrios da objetividade cientfica, como as condies de possibilidadedo conhecimento terico dos fenmenos, ou de toda experincia possvel.