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237317627 BASILEU GARCIA Instituicoes de Direito Penal 2010

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    ISBN 978-85-02-15111-6Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Direito econmico : direito econmico regulatrio /coordenador Mario Gomes Schapiro. So Paulo : Saraiva,2010. (Srie GV-law)Vrios autores.Bibliografia.1. Direito econmico 2. Direito econmico - LegislaoI. Schapiro, Mario Gomes. III. Srie.10-00562 CDU-34:33

    ndice para catlogo sistemtico:1. Direito econmico 34:33

    Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo PintoDiretor de produo editorial Luiz Roberto Curia

    Editora Manuella Santos de CastroAssistente editorial Daniela Leite Silva

    Produo editorial Ligia Alves / Clarissa Boraschi Maria CouraPreparao de originais Maria Lcia de Oliveira Godoy / Camila Bazzoni de Medeiros

    Arte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas / Ldia Pereira de MoraisReviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati / Renato de Mello Medeiros

    Servios editoriais Carla Cristina Marques / Elaine Cristina da Silva

    Data de fechamento da edio: 10-6-2010

    Dvidas?Acesse www.saraivajur.com.br

  • Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • Equipe de pesquisadores

    Denise Nunes Garcia (coordenao geral)Advogada criminalista em So Paulo

    Mara Rocha Machado (coordenao de pesquisa)Doutora em Direito pela USP, professora de direito penal da Direito GV

    Rafael Mafei Rabelo QueirozMestre e doutorando em direito pela USP, professorda Direito GV

    Carolina Dzimidas HaberMestre e doutoranda em direito pela USP, professora da Direito GV

    Juliana BenedettiMestranda em direito pela USP

    Ricardo Leite Ribeiro

    Graduando em direito pela USP

  • Apresentao

    Em setembro de 1951, Basileu Garcia assinava a apresentao da primeira edio das Instituiesde direito penal. Para servir ao ensino e s aplicaes do Direito, como diz no texto que inicia aobra, Basileu Garcia reformulou as aulas que ministrava no curso de Direito Penal da Faculdade deDireito da Universidade de So Paulo desde sua nomeao como professor catedrtico em 1939.Reeditada seis vezes, tendo algumas edies dezenas de tiragens, as Instituies participaram daformao de vrias geraes de juristas. A ltima edio, a sexta, que utilizamos como base para otrabalho de reedio que ora se apresenta, foi publicada em 1982.

    Em setembro de 2004, reunimo-nos para dar incio realizao de um sonho antigo de DeniseNunes Garcia, advogada criminalista e neta do autor, de reeditar as Instituies de direito penal.Naquele momento, vrias estratgias de trabalho nos eram apresentadas. No entanto, a adoo dequalquer uma delas deveria contemplar as duas premissas que julgamos fundamentais: resguardarintacta a obra de Basileu Garcia e torn-la apta ao ensino e s aplicaes do Direito nos dias dehoje. Em face disso, decidimos adotar, passados quase 25 anos entre a ltima edio preparada peloautor e a presente, o mesmo mtodo utilizado por Basileu Garcia nos anos em que ele mesmoreeditou as Instituies.

    No decorrer desse perodo, Basileu Garcia modificou o texto original tendo-se em vistaprincipalmente as alteraes ocorridas na legislao.1 Com nfase nas alteraes legislativas, noescaparam s sucessivas reedies da obra as reformas e as novas leis que foram, todas, objeto deminuciosa anlise e extensa atualizao bibliogrfica. O marco terico que alicera o exame de todaa parte geral do Cdigo Penal permaneceu, at a sexta edio, tal como concebido inicialmente peloautor no incio da dcada de 1950.

    Naquele momento, o Direito Penal brasileiro se via fortemente influenciado pelas pesquisasempricas e pelas premissas tericas do positivismo criminolgico. Da mesma forma, o causalismoexercia papel preponderante na compreenso dos institutos penais, sobretudo do conceito de ao edas noes de dolo e culpa. Deve o leitor, portanto, desfrutar da obra original sabendo que asanlises ali realizadas refletem o saber jurdico-penal brasileiro em um momento histricoparticular: a poca em que a obra Instituies foi concebida.

    Com base nessas premissas, elaboramos esta nova edio das Instituies de direito penal. Nodecorrer de dois anos, reunimos quinzenalmente coordenadores, pesquisadores e colaboradores paradiscutir cada um dos textos de atualizao e selecionar o material bibliogrfico. Formamos tambmum grupo de estudo sobre o causalismo e o finalismo, em que buscamos aprofundar o conhecimentoda equipe sobre essas teorias para que pudssemos reconhecer as premissas causalistas na obra deBasileu Garcia e confront-las, na medida do possvel, com os preceitos finalistas que precisavamconstar da explanao da nova parte geral do Cdigo Penal.

    A partir desse trabalho, decidimos incorporar obra original dois tipos de textos: notas deatualizao e artigos de colaboradores.

  • As notas de atualizao foram elaboradas sobre todos os tpicos que sofreram alteraeslegislativas. No intuito de facilitar a leitura, essas notas esto redigidas em box cinza. A distribuiodas notas de atualizao ao longo dos pargrafos numerados varia de acordo com as exigncias decada tema, conforme explicitamos na nota de abertura de cada captulo. Inclumos, ainda, na margemdo texto original, a numerao atualizada dos artigos de lei mencionados por Basileu Garcia. Aofinal de cada captulo, indicamos a bibliografia utilizada na elaborao das notas de atualizao, bemcomo os mais importantes livros e artigos que tratam dos temas ali abordados. Inserimos tambm, ematualizao bibliogrfica, as tradues e novas edies de trabalhos citados no texto original.

    Para que esta obra se tornasse ainda mais til aos seus leitores, julgamos necessrio incorporar aolivro as principais mudanas tericas pelas quais passou o Direito Penal nos ltimos cinqenta anos.Ao lado das notas de atualizao, pareceu-nos essencial apresentar outros temas que, mesmo nodiretamente relacionados s alteraes legislativas, contribuem ao apresentar as profundastransformaes sofridas no campo de estudo sobre o crime e a pena nesse perodo. Para tanto,solicitamos aos pesquisadores e professores a produo de artigos sobre nove temas especficos.Dessa forma, temos o privilgio de incorporar a este trabalho textos sobre as novas relaes doDireito Penal com o Direito Civil (Marta Rodriguez de Assis Machado e Flvia Portella Pschel), oDireito Constitucional (Janana Paschoal), o Direito Internacional Pblico (Priscila Spcie) e oDireito Administrativo (Renato Silveira). Alm de artigos de Alvino de S, sobre Criminologia, deMarta Rodriguez de Assis Machado, sobre Imputao objetiva, de Davi Tangerino, sobre os Efeitosdas decises administrativas na ao penal, de Salomo Shecaira, sobre a Responsabilidade penalda pessoa jurdica e, finalmente, de Karyna Baptista Sposato, sobre o Estatuto da criana e doadolescente.

    Por fim, para que o leitor pudesse aproveitar ao mximo a obra de Basileu Garcia e percorrer aevoluo histrica de cada instituto jurdico por ele analisado, preparamos um quadro com asalteraes ocorridas no perodo republicano. Escrevendo sob a gide do Cdigo Penal de 1940,Basileu Garcia menciona muitas vezes o tratamento dado a determinado instituto no cdigoanterior, em referncia ao Cdigo Penal de 1890. Nos comentrios acrescidos por Basileu Garcianas sucessivas reedies da obra, o autor menciona tambm o Cdigo de 1969, que no chegou aentrar em vigor, e a Reforma de 1977, que deu novo tratamento s penas. No intuito de facilitar oestudo dessas alteraes em perspectiva e, sobretudo, sua confrontao com a nova parte geral de1984, que conduz as notas de atualizao, inserimos, ao final, nos dois volumes, o QuadroComparativo da Parte Geral dos Cdigos Penais da Repblica: 1890, 1940, 1969 e 1984.

    Com essa estrutura, buscamos evitar uma leitura descontextualizada da obra; de um lado, para queo leitor iniciante no seja induzido a afirmaes h muito disputadas e revisadas como o estado daarte da disciplina; e de outro, para que o leitor especialista, interessado em pesquisar as opinies deum dos maiores clssicos do Direito Penal brasileiro, possa encontrar tambm sofisticadas reflexessobre problemas contemporneos.

    Nosso objetivo maior que esta obra continue a ter papel importante na formao dos juristasbrasileiros. Alm disso, esperamos que esta reedio sirva de inspirao para a inovao dadogmtica penal, indispensvel permanente reformulao dos temas tratados por Basileu Garcia.

    Este trabalho no teria sido possvel sem a participao da Direito GV Escola de Direito de SoPaulo da Fundao Getulio Vargas e, muito especialmente, de seu diretor Professor Ary OsvaldoMattos Filho, que, desde o primeiro momento, apoiou a realizao do Projeto, o que foi fundamental

  • para sua concretizao. Agradecemos imensamente aos nossos colaboradores: Alvino de S, DaviTangerino, Flvia Portella Pschel, Janana Paschoal, Karyna Baptista Sposato, Marta Rodriguez deAssis Machado, Priscila Spcie, Renato Silveira e Salomo Shecaira que aportaram inigualvelsofisticao terica a esta nova edio. Agradecemos ainda a Jos Rodrigo Rodriguez, AntonioScarance Fernandes, Srgio Mazina Martins, Heidi Florncio e aos participantes do grupo de estudossobre causalismo e finalismo, alm dos colaboradores j mencionados, Marina Pinho e ClaudiaScabin. E aos funcionrios da biblioteca do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, quegentilmente coletaram documentos e registros do perodo em que Basileu Garcia exerceu a funo depromotor pblico.

    Um agradecimento especial a Joyce Roysen que, desde o incio, incentivou a realizao desteprojeto.

    Agradecemos, enfim, aos filhos de Basileu Garcia, Letcia (in memoriam), Lilia e, muitoespecialmente, a Lisandro Garcia, que nos auxiliou a resgatar dados importantes sobre a trajetria doautor, permitindo equipe de pesquisadores aprofundar seu conhecimento sobre a forma como foiconcebida a obra Instituies de direito penal.

    Denise Nunes GarciaMara Rocha Machado

    1 Comentrio de Basileu Garcia 31 tiragem da 4 edio das Instituies em 1968. Nas edies da dcada de 1970, o autor anexou 30pginas de anotaes sobre o Cdigo Penal de 1969, que foram excludas da edio subseqente revogao desse Cdigo, que nochegou a entrar em vigor.

  • PrefcioUma Instituio

    Miguel Reale Jnior

    Deve o estudante, o juiz, o advogado, o delegado e o promotor estar a indagar a razo pela qual sedeveria dar ateno a um Manual publicado em 1951, com tantos manuais sendo editadosrecentemente.

    A resposta encontra-se na prpria pergunta: por isso mesmo. Pululam manuais, a maioria escritapor professores que sabem uma aula a mais que o aluno. To logo se plantam os profissionais doDireito a lecionar Direito Penal, em alguma das mais de mil escolas de Direito do Brasil, logo searvoram em escrever um manual, que com o sistema recorta e cola tornam-se apenascostureiros jurdicos, que mal alinhavam idias, no sedimentam posies, nem discutem ecriticam linhas de pensamento.

    exatamente o inverso que ocorre com as Instituies de Direito Penal de Basileu Garcia, meuprofessor na Faculdade de Direito do Largo de So Francisco, de quem fui assistente e cuja cadeirade titular, antigamente ctedra, vim a ocupar.

    Este Livro, Instituies de Direito Penal, sedimentado aps vrios anos de docncia, caracteriza-se pelo rigor tcnico, pela preocupao com a clareza e a preciso na conceituao dos institutos daParte Geral.

    Quando Basileu Garcia, em 1938, torna-se catedrtico de Direito Penal, vivia-se o esgotamentodas lides entre as Escolas Clssica e Positiva, que levou ao surgimento da Terza Scuola, para vir,finalmente, a prevalecer a orientao tcnico-jurdica preconizada por Arturo Rocco, na famosapreleo na Universidade de Sassari, em 1910.

    A adeso de Basileu Garcia ao mtodo tcnico-jurdico vem exposta logo no primeiro captulo, aodescrever como roteiro de trabalho do penalista o estudo preciso das regras acerca do crime e suasconseqncias, procurando interpret-las, fili-las aos princpios informativos, realizar aconstruo dos vrios institutos jurdico-penais, para afinal, chegar fase de sua definitivasistematizao. Afirma, ento, ser a Cincia do Direito Penal o estudo ordenado e sistemticodas normas jurdico-positivas de Direito Penal.

    A tarefa do penalista constitui, portanto, a seu ver, na progressiva sistematizao das normas dedireito positivo, com a sua interpretao e com a construo dos diversos institutos jurdicos. Aeste desiderato dedicou-se com afinco na elaborao da didtica obra ora reeditada, que prima pelorigor cientfico com que esquadrinha os significados das normas constantes da Parte Geral do CdigoPenal visando a efetivar a construo dos institutos jurdicos e sua posterior sistematizao. Da aclareza da exposio, a preciso dos conceitos, a ordem lgica da explanao.

  • No descura, seguindo Maggiore, das relaes do Direito Penal com a Filosofia do Direito e comas denominadas Cincias Afins, como se pode com certeza verificar no detalhado exame que realizasobre a questo da imputabilidade penal.

    Valioso o trabalho, tambm, na parte histrica, trazendo ao leitor informaes importantes sobre aevoluo da Cincia do Direito Penal, mormente sobre as Escolas Penais. A Histria do DireitoPenal brasileiro ponto que tambm merece realce nas Instituies de Basileu Garcia, comimportante relevo dado contribuio de Mello Freire na elaborao de projeto de Cdigo Criminalnas pegadas do pensamento liberal de Beccaria.

    Especial ateno merece a anlise que Basileu Garcia faz da Constituio do Imprio de 1824 edo Cdigo Criminal de 1830, monumento legislativo que despertou o interesse de penalistas do VelhoMundo, alm de ter influenciado a elaborao legislativa de diversos pases.

    Na anlise minudente dos diversos institutos da Teoria do Crime, bem como na questo das Penase de sua Aplicao, o leitor se sentir em terreno firme, seguro, com a limpidez do texto convidando meditao acerca das posies assumidas e das ponderaes e crticas sempre comedidas feitas nodebate das divergncias.

    Creio que bastam tais consideraes para satisfazer a curiosidade de saber as razes pelas quaistantos jovens juristas penais se dedicaram tarefa de trazer a lume, com valiosa atualizao, otrabalho de nosso antigo professor Basileu Garcia. porque as suas Instituies de Direito Penalapresentam-se hoje como uma verdadeira Instituio de nosso Direito, a ser reverenciada e estudadacom ateno.

  • Apresentaopor Basileu Garcia

    Este livro acha-se em conexo com o nosso curso na Faculdade de Direito da Universidade de SoPaulo. Representa-o, porm, apenas de maneira aproximada. A sua semente foram as aulas dadas,mas o material que elas suscitaram sofreu funda remodelao, para melhor servir ao ensino e saplicaes do Direito.

    Como exposio de lineamento, visou mais a amplitude que a profundidade. S assim seriapossvel enfeixar, em umas poucas centenas de pginas, o exame de toda a parte geral do DireitoPenal, antecipada, ainda, de indispensveis noes propeduticas. Foi nosso intuito ministrar oconhecimento do que seja mais proveitoso, ou mais interessante. As controvrsias puramenteacadmicas, sem maior relevo para a cultura e desprovidas de efeitos numa poca, como a atual, emque a tanta preocupao precisa voltar-se a sobrecarregada mente do jurista, foram proscritas. Pelomenos, procuramos proscrev-las.

    Ver-se- que poupamos o leitor a citaes fastidiosas. Pareceu-nos conveniente, entretanto,apresentar, a propsito dos temas fundamentais, pormenorizadas indicaes bibliogrficas, queativem a curiosidade dos espritos propensos investigao cientfica e facilitem o estudo maisdetido.

    Na organizao da bibliografia, o roteiro foi o seguinte: Evitamos a meno aos tratados e outrasobras que, pelo seu feitio global, abrangem a generalidade das questes e constituem objeto intuitivode consulta, sem a necessidade de particular advertncia. As aluses que lhes fazemos so eventuais,apenas para documentar determinadas afirmativas ou chamar a ateno para algum ponto de vistadigno de nota. Relacionamos, com preferncia que raia pelo exclusivismo, os trabalhosespecializados e, dentre eles, os mais modernos, sobretudo as monografias e os artigos das revistasjurdicas do Pas e do estrangeiro. A literatura aliengena arrolada a dos idiomas acessveis grande maioria dos cultores do Direito no Brasil. As obras antigas tambm so, por vezes,apontadas, mormente quando de valor fora do comum, que no permitia fossem omitidas. Alis, aostrabalhos mais antigos chega-se facilmente atravs das referncias que lhes dedicam muitos dosrecentes.

    A ordem dos captulos, quando apreciamos o Direito positivo, harmozina-se quase completamentecom a dos textos do Cdigo Penal. Atribuiramos ao sistema uma seriao algo diversa, maisconforme conjugao de certos princpios, se a seqncia afinal preferida no atendesse utilidadedidtica.

    Basileu Garcia

  • Sumrio

    TOMO I

    Captulo ICONCEITO DO DIREITO PENALQuestes atuais acerca da relao entre as responsabilidades penal e civilFlavia Portella Pschel e Marta Rodriguez de Assis MachadoBasileu Garcia, a Constituio e sua funo de limitar o Direito PenalJanaina Conceio PaschoalAs novas relaes do Direito Penal com o Direito Internacional PblicoPriscila SpcieDas atuais relaes entre o Direito Penal e o Direito AdministrativoRenato de Mello Jorge Silveira

    Captulo IIAS CINCIAS PENAISO papel da criminologia clnica no atual modelo de execuo penalAlvino Augusto de S

    Captulo IIIFASE PR-CLSSICA DA ELABORAO PENALBeccaria e a racionalidade penal moderna na histria dos saberes sobre o crime e a pena, de lvaro PiresMara Rocha Machado

    Captulo IVDOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS

    Captulo VHISTRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

  • Captulo VIA APLICAO DA LEI PENAL

    Captulo VIIO CRIMEUnio Europia e a responsabilidade penal das pessoas jurdicasSrgio Salomo ShecairaA definio da conduta tpica: entre a superao da causalidade e a construo de teorias normativas para a imputao objetivaMarta Rodriguez de Assis Machado

    Captulo VIIIA TENTATIVA

    Captulo IXA CULPABILIDADE

    Captulo XCAUSAS JUSTIFICATIVAS E DIRIMENTESImputabilidade e responsabilidade penal juvenilKaryna Batista Sposato

    Captulo XIA CO-DELINQUNCIA

    Sumrio geral da obraNota do editorQuadro comparativo da parte geral dos cdigos penais da Repblica: 1984, 1969, 1940 e 1890

  • ICONCEITO DO DIREITO PENAL

    Sumrio1 Denominao da matria. 2 Direito Penal subjetivo e objetivo,

    substantivo e adjetivo. 3 Cincia do Direito Penal. 4 Filosofia do DireitoPenal. 5 Posio enciclopdica e evoluo. 6 Vingana pblica e crueldadedas penas. 7 Relaes do Direito Penal com o Direito Civil. 8 Relaescom o Direito Constitucional. 9 Relaes com o Direito Internacional Pblico.10 Relaes com o Direito Administrativo.

    IntroduoComo indicado na Apresentao, os cinco primeiros captulos das Instituies

    de Direito Penal no foram objeto de modificaes nas sucessivas reedies daobra preparadas por Basileu Garcia. De valor histrico inestimvel, os textosapresentam da forma mais completa e sofisticada a teoria jurdico-penaldominante no incio da dcada de 1950.

    Diante disso, este captulo apresentar o Direito Penal atual por intermdio desua relao com outras reas do conhecimento jurdico. Para isso, incorporamosao final do captulo textos preparados por nossos colaboradores sobre as relaesdo Direito Penal com o Direito Civil (Flavia Portella Pschel e Marta Rodriguezde Assis Machado), o Direito Constitucional (Janaina Conceio Paschoal), oDireito Internacional Pblico (Priscila Spcie) e o Direito Administrativo(Renato de Mello Jorge Silveira).

    1 A primeira questo que surge, ao tratarmos do conceito do Direito Penal, de nomenclatura:decidir qual o nome prefervel disciplina: Direito Penal ou Direito Criminal. Quando se fala emDireito Penal, tem-se idia de pena, de um direito relativo pena. Quando se diz Direito Criminal,tem-se em mente um direito relativo ao crime. E, como pena e crime se relacionam, ambas asdenominaes se sustentam.

    Alega-se a insuficincia da locuo Direito Penal para abranger um dos dois grandes grupos deprovidncias de combate criminalidade o das medidas de segurana, cuja natureza preventiva as

  • distingue das penas, de finalidade primordialmente repressiva. Pretende-se que seria maisapropriado dizer Direito Criminal, porquanto as mencionadas medidas visam evitar os crimes epressupem, em regra, que o seu destinatrio tenha praticado algum.

    A despeito desse plausvel fundamento, generalizada a preferncia pela designao DireitoPenal, no s no Brasil como em outros pases.1 Diritto Penale em italiano, Derecho Penal emespanhol, Droit Pnal em francs, so expresses encontradas muito mais freqentemente do queDiritto Criminale, Derecho Criminal, Droit Criminel. Para essa predileo mais extensa concorre,sem dvida, a circunstncia de que a punibilidade aparece como o caracterstico de maior projeoobjetiva ao cuidar-se do crime.

    E forte motivo de ordem prtica nos submete ao critrio dominante. Possumos um Cdigo Penal,no um Cdigo Criminal.2 Deve ser aceito, pois, para ttulo da matria, o sugerido pela lei positiva.2 Ao buscar o conceito do Direito Penal, cumpre consideremos esta distino, comum nos demaisramos da cincia jurdica: direito subjetivo e objetivo.

    Direito Penal subjetivo o jus puniendi do Estado, o direito de punir. S o Estado pode exerc-lo.No se concebe Direito Penal, seno posto em prtica pela autoridade pblica. Estamosdistanciados, de muitos sculos, da poca da vingana privada, primeira manifestao da justiapunitiva.

    No seu aspecto objetivo, o Direito Penal o conjunto de normas jurdicas que o Estado estabelecepara combater o crime, atravs das penas e das medidas de segurana. A empregamos a palavracrime em sentido amplo, de modo a abranger as diferentes categorias de infraes penais, que emnosso pas se dividem em crimes (tambm chamados delitos) e contravenes.

    Em sentido objetivo, o Direito Penal pode ser encarado sob os aspectos substantivo e adjetivo. ODireito Penal substantivo representado pela lei penal, que traa as figuras de crimes econtravenes e formula os princpios jurdicos que lhes concernem. Adjetivo o DireitoProcessual. Com aquele se entrelaa. O Direito Processual Penal ou Judicirio Penal vai-seconstituindo paralelamente ao Direito Penal. Necessita acompanhar-lhe a evoluo. O processopenal visa determinar a forma pela qual se h de realizar o Direito Penal. Regula as solenidadeslegais para a efetivao da justia penal. No Brasil, pouco depois de promulgado o Cdigo Penal de1940, viemos a possuir, em 1941, um novo Cdigo de Processo Penal.

    parte geral de 1984 no se seguiu um novo diploma processual. Contudo, muitasforam as reformas no Direito Processual Penal desde a promulgao do respectivoCdigo, em 1941, a fim de lhe fazer acompanhar as novas tendncias do Direito Penal.Assim, tivemos, por exemplo, a criao de um rito particular pela Lei n. 9.099/95,objetivando dar tratamento mais clere aos chamados crimes de menor potencialofensivo, alm de muitas reformas pontuais no s no procedimento ordinrio mastambm nos procedimentos especiais previstos no Cdigo de Processo Penal e emdiversas leis especiais.

    3 Conceituando o Direito Penal nos seus vrios aspectos, impe-se verificar o significado de uma

  • expresso de largo curso: Cincia do Direito Penal ou Cincia Jurdica Penal, tambm chamadaDogmtica Penal.

    Se o Direito Penal, objetivamente considerado, , como vimos, o conjunto de preceitos referentesao crime e s suas conseqncias penas e medidas de segurana, compreende-se que exista, entreas disciplinas jurdicas, uma que estude precisamente essas regras, procurando interpret-las, fili-las aos princpios informativos, realizar a construo dos vrios institutos jurdico-penais, para,afinal, chegar fase de sua definitiva sistematizao. Essa a Cincia do Direito Penal, estudoordenado e sistemtico das normas jurdico-positivas de Direito Penal, assim como a Cincia doDireito Civil o conhecimento ordenado e sistemtico das regras de Direito Civil.

    Trata-se, portanto, de disciplina eminentemente jurdica, assim pelo seu objeto como pelo seumtodo de investigao. Realmente, o objeto da Cincia do Direito Penal, a matria sobre a qualopera, o conjunto de preceitos legais relativos ao trinmio crime, pena, medida de segurana,preceitos esses condensados nos cdigos ou esparsos em leis especiais. Por outro lado, o seu mtodo o mesmo de todas as outras cincias jurdicas: a progressiva sistematizao das normas de direitopositivo, com a sua interpretao e com a construo dos diversos institutos jurdicos.

    graas a esses dois elementos objeto e mtodo, que a Cincia do Direito Penal se distinguedas outras cincias penais, no jurdicas, mas, como so geralmente designadas causal-explicativas: a Antropologia Criminal, a Psicologia Criminal, a Sociologia Criminal, etc. Essasdisciplinas so tambm cincias penais, porque estudam o crime, os meios de coibi-lo e, alm dissoe principalmente, o delinqente. Estudam-nos, entretanto, no campo dos fatos ou fenmenos naturais antropolgicos, psicolgicos, sociolgicos, etc. ao passo que a Cincia do Direito Penal,deixando de lado a delinqncia como fenmeno, se preocupa com as regras de direito formuladaspara preveni-la ou combat-la. Adotam aquelas cincias naturais ou causal-explicativas o mtodoindutivo, que procura descobrir as causas dos fenmenos, servindo-se da observao e, quantopossvel, da experimentao, mtodo esse completamente diverso do adotado pela Cincia doDireito Penal, disciplina normativa e jurdica por excelncia, a ser aprofundada com os processoslgicos que veiculam o raciocnio.

    claro que, embora diversas, essas disciplinas devem estar estreitamente ligadas, no sejustificando que o cientista do Direito Penal se alheie aos trabalhos e concluses das outras cinciaspenais. Assim, por exemplo, poderia a Cincia do Direito Penal desconhecer as classificaes dosdelinqentes, realizadas por LOMBROSO, FERRI, OTTOLENGHI, DI TULLIO e outros,classificaes que tocam aos problemas da responsabilidade, da periculosidade, da eficcia dasmedidas de defesa social? Poderia ignorar os estudos mdicos e psiquitricos sobre a embriaguez, ohipnotismo, o sonambulismo? Seria lcito, a quem se dispusesse a estudar, juridicamente, o assuntoda co-delinqncia, desinteressar-se dos trabalhos de SIGHELE e TARDE sobre a delinqnciaassociada? Compreender-se-ia o estudo sistemtico das normas legais atinentes ao lenocnio e aotrfico de mulheres, revelia das concluses obtidas pela Sociologia, pela Psiquiatria, sobre ofenmeno da prostituio?

    Evidentemente, no. O Direito Penal um conjunto de normas, que, porm, no so merasabstraes. Elas se referem a um comportamento humano o delito, constituindo a pena nada maisque um dentre outros meios, para evitar esse comportamento. E, assim sendo, proveitoso que todacincia do homem, seja biolgica, psicolgica ou sociolgica, preste a sua contribuio Cincia doDireito Penal, proporcionando ao jus-penalista assistncia eficiente ao interpretar ou ao dar forma

  • norma legal, ajudando-o a encontrar o sentido da lei e a vincul-la realidade concreta.4 Diversa das outras cincias penais, causal-explicativas, no se confunde, outrossim, a Cinciado Direito Penal com a Filosofia do Direito Penal.

    exato que a Cincia Jurdica Penal tambm remonta aos princpios informativos das vriasnormas penais. Mas so apenas princpios prximos os que ela, como cincia particular, consegueatingir. Os princpios ltimos ou remotos ficam a cargo da Filosofia do Direito Penal. Esta competente para estudar a natureza ou essncia do crime e da pena; para indicar o fundamento dodireito de punir; para decidir, em relao ao problema da responsabilidade penal, se o homem livrequando delinqe, ou se o faz movido necessariamente por foras a que no pode resistir. Taisproblemas, nitidamente filosficos, no ho de ser resolvidos no plano estritamente jurdico epositivo da Cincia Penal.

    No poderia o jus-penalista isolar-se na sua torre de marfim, cerrando os ouvidos aos debatesfilosficos concernentes ao objeto da sua prpria cincia. Ao contrrio, ele deve manter-se alerta sdiscusses e concluses que se apresentam, no terreno filosfico, a respeito dos temas penais.Mesmo porque as normas legais refletem, grande nmero de vezes, um princpio filosfico, o qual,por obra dos juristas, se encarnou em determinado preceito de lei positiva.

    As noes de crime, pena, imputabilidade, culpa, dolo, ao, causalidade, liberdade, normalidade,erro e outras lembra MAGGIORE so conceitos filosficos, antes de constiturem categoriasjurdicas. E compara: a doutrina do Direito sem Filosofia assemelha-se a uma daquelas esttuasantigas, que tinham belos olhos, mas sem pupilas.35 As noes ministradas so suficientes para se concluir qual a posio do Direito Penal noquadro das cincias jurdicas. Se s pode ser exercido pelo Estado, se a funo de julgar, imporpenas, medidas de segurana, condenar e absolver, essencialmente pblica, o Direito Penalconstitui necessariamente um ramo do Direito Pblico interno.

    Essa a sua posio enciclopdica. Mas, para que fique precisamente situado, cumpre conhecer assuas relaes com as disciplinas jurdicas limtrofes.

    Muito interessam as relaes do Direito Penal com o Direito Civil. Para indic-las, devem-seperquirir as origens do Direito Penal, que representa o resultado de vagarosa evoluo.4

    Em tempos remotos da Histria da humanidade, poca houve em que o homem fazia justia pelassuas prprias mos. Era a vingana privada, violenta e quase sempre eivada de demasias. Semobservar, mesmo aproximadamente, a lei fsica da reao igual e contrria ao, o ofendido e os doseu agrupamento procediam desordenada e excessivamente, de modo que, s vezes, aquilo queconstitua ofensa a um indivduo passava a s-lo relativamente comunidade toda a que elepertencia, travando-se lutas e guerras que o dio eternizava.

    A vingana privada arraigou-se muito no costume dos povos. S lentamente foi sendo abandonada,graas ao fortalecimento do poder social, quando as penas pblicas passaram a instituir suficienteproteo para o indivduo, que, em conseqncia, j no necessitava recorrer ao seu prpriodesforo.

    No entanto, ao irromper o crime no seio das clulas sociais, como a famlia, o cl, a tribo, fazia-setambm valer, na imposio do castigo, a autoridade do chefe, ordinariamente com direito absoluto,de vida e de morte, sobre os seus comandados. Houve, pois, j acima da mera vingana, umaverdadeira justia privada, que aplicava ora a pena de morte, ora a de expulso. Ao afirmar-se a

  • supremacia do Estado na represso criminal, foi preciso, para que a pena se tornasse efetivamentepblica, submeter esse poderio outrora sem contraste.

    Na primeira forma de justia punitiva, que foi a vingana executada pelo particular, se depara ogerme do Direito Penal, a sua inicial exteriorizao. E s com o moroso passar dos tempos se atingiuum estado de certo progresso, em que se procurava estabelecer equilbrio entre a ofensa e arepresso. Chegou-se pena de talio um processo de justia em que ao mal praticado por algumdevia corresponder, to exatamente quanto possvel, um mal igual e oposto.5 O vocbulo latino talio afim de talis (tal).

    Nas legislaes da antigidade, como a hebraica, a grega e a romana, observam-se sinais do largoemprego do talio. Olho por olho, dente por dente, advertia a legislao israelita, reunida noPentateuco, que apresenta os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, atribudos a Moiss. E,mais recuado que o antiqssimo Cdigo de Manu, da ndia, o de Hamurabi, da Caldia, que remontaa cerca de dois mil anos antes da era crist, j previa, profusamente, a retribuio talional.

    A pena de talio, embora hoje se nos afigure brutal, significa indiscutivelmente uma conquista. Naprimitiva vingana, desconhecia-se o princpio da personalidade da responsabilidade criminal,porquanto, em face do ato lesivo praticado por um indivduo, no era punido ele, ou no s ele, masoutros ou todos que lhe fossem solidrios. J com a pena de talio aparecia a noo da personalidadeda responsabilidade: o castigo alcanaria o autor da ofensa. E o que tambm era um traoevolutivo como o talio se foi firmando, no entendimento dos povos, o conceito da convenienteequivalncia quantitativa entre a ofensa e o castigo. Sendo preciso cuidar-se de proporcionar aprovidncia punitiva ao ato que a ocasionara, interferia o poder pblico, nas suas primeiras formas.

    Mais tarde, surgiu como novo expediente da justia punitiva a composio pecuniria. Percebeu-se que os mtodos ferozes de represso eram nocivos, porque enfraqueciam os grupos sociais,desfalcando-os. Considerou-se, ento, a possibilidade de fazer coincidir a pena ou castigo com aprestao de um benefcio vtima ou sua famlia. No Wergeld, da Justia germnica, nota-sefecundo exemplo desse sistema, que o da indenizao, recebida pela parte lesada, daquele que alesou. Efetuando o pagamento da pena pecuniria, a que o ofensor era constrangido, no podia mais oofendido ou a sua grei cogitar de vingar-se, pois na indenizao se consubstanciava suficientecastigo.

    E, quando se introduziu no Direito Penal da antigidade a pena pecuniria, atravs da composio,mais se acentuou o poder do Estado como intermedirio entre a vtima e o delinqente. Eraindispensvel regular o processo punitivo-reparatrio. Organizavam-se certas tabelas, que indicavamo preo de uma vida suprimida, de um membro ou rgo lesado, ou outro dano qualquer causado. NoDireito romano, por exemplo, a Lei das Doze Tbuas, que tambm acolhia o talio, continha tarifaspara a compositio. O poder pblico necessitava, pois, intervir. E a sua interveno, embrionria najustia privada dos mentores de agregados humanos, aos poucos se intensificou, at afirmar-sepredominante e inevitvel no Direito Penal, constitudo, por fim, em regras de atividade estatal.Propendeu-se, mesmo, a impedir ou limitar a ingerncia do particular na realizao da justia.6 A interferncia do poder social no domnio da represso, durante sculos e at pocarelativamente recente, fez-se sentir pela crueldade dos castigos. Caminhou vagarosamente ahumanidade por uma fase de autntica vingana pblica, em certo tempo sob a preocupao deaplacar a ira das divindades, que se supunha decorrer do crime. As penas eram ferozmente

  • intimidativas. A morte, prodigalizada atravs das mais requintadas maneiras, e os castigos corporais,foram de constante aplicao. At que, j perto do ltimo quartel do sculo XVIII, se inaugurou umperodo humanitrio, em que foi preconizado o abrandamento das sanes, para quecorrespondessem evidente suavizao dos costumes dos povos, provocada e difundida pelacivilizao no sculo das luzes. Entrou ento o Direito Penal bafejado por uma nova filosofia por um estgio de alteraes profundas, a princpio de cunho estritamente jurdico e, mais tarde, soba influncia das investigaes cientficas servidas pelo mtodo positivo, at chegar-se ao perodocontemporneo, que tem sido chamado penitencirio ou cientfico.

    Note-se que o Direito antigo desconhecia o crcere, que surgiu nos ltimos tempos da evoluo deRoma. Da a utilizao, to generalizada, da pena de morte, cuja legitimidade s foi contestada noalvorecer do classicismo penal.

    Para se ter idia do que representou no passado o sistema de atrocidades judicirias, no sernecessrio remontar a mais longe que h trs sculos. Na Frana, por exemplo, ainda depois do anode 1700, a pena capital era imposta de cinco maneiras: esquartejamento, fogo, roda, forca edecapitao. O esquartejamento, infligido notadamente no crime de lesa-majestade, consistia emprender-se o condenado a quatro cavalos, ou quatro galeras, que se lanavam em movimento emdiferentes direes. A morte pelo fogo verificava-se aps ser amarrado o condenado a um poste, empraa pblica, onde era o corpo consumido pelas chamas. E costume houve, tambm, de imergir osentenciado em chumbo fundido, azeite ou resina ferventes. O suplcio da roda6 era dos mais cruis:de incio, o paciente, que jazia amarrado, era esbordoado pelo verdugo, at se lhe partirem osmembros. Em seguida, era colocado sobre uma roda, com a face voltada para o cu, at expirar. svezes, estrangulavam-no, nos derradeiros momentos, para apressar o fim do impressionanteespetculo.

    Sabe-se como funcionava a forca. No mesmo plano das respectivas normas jurdicas estava adecapitao,7 reservada aos nobres, enquanto a forca era para o vilo. A guilhotina aprimorou e athumanizou os antigos modos de decapitao, que, com esse engenho, paradoxalmente piedoso, setornou extremamente expedita.8

    Na Alemanha, no sculo XVII, o magistrado CARPZOV vangloriava-se de haver, durante a suacarreira, condenado mais de vinte mil pessoas morte.

    Em consonncia com os violentos mtodos repressivos, o processo criminal recorria questo, ouinterrogatrio com tormento, em que se refinava a inventiva dos justiadores. Havia a torturaordinria, mais benigna, e a extraordinria. Textos legais prescreviam que o martrio seria usadoaps oito ou dez horas a haver o paciente ingerido alimentos.

    Toda a encenao das penas objetivava infundir o terror que se acreditava ter a virtude de arredardos crimes. O escopo de intimidao era a mola central do Direito Penal. A morte no bastava paraaplacar a vindicta pblica. Comumente, arrasava-se a casa do sentenciado, confiscavam-se-lhe osbens, atingindo-se pessoas inocentes, com o que a pena se tornava aberrante, descurando a regra, acusto implantada e robustecida, da personalidade da responsabilidade. A infmia alcanava osdescendentes do morto.

    Tambm a priso perptua acarretava o confisco dos bens, com a chamada morte civil, por via daqual o condenado ficava privado de todos os direitos. Uma das maneiras por que se cumpria a perdadefinitiva da liberdade era o servio extenuante de remar nas galeras, na paz ou na guerra.

  • Havia ainda o ltego, em pblico, e o emprego do ferro em brasa para gravar, indelevelmente, nocorpo do condenado, a nota do seu crime e da sua desonra. Uma dessas modalidades consistia emimprimir-se a flor-de-lis na espdua do culpado.

    Nem o morto era poupado a penas. Em certos casos, impunha-se ao defunto a execuo em efgie,substituindo o condenado por uma figura, no patbulo; ou se arrastava o cadver pelas ruas,suspendendo-o afinal no cadafalso, se a decomposio orgnica o permitia. Havia, especialmentetemida, a pena de privao de sepultura.

    Entre os castigos corporais, incluam-se as amputaes, como penas por si mesmas e tambmcomo suplcio de antecipao pena de morte. O parricida, segundo a legislao francesa, at areforma de 1832, deveria ter a mo direita decepada, antes da execuo capital. A pena de lnguacortada punia implacavelmente os blasfemos, quando no eram enviados fogueira.7 O Direito Penal, como se v pela sua evoluo histrica, surgiu tutelando interessesparticulares, no h dvida, mas elevou-se defesa e conservao da sociedade. Resguardando oshomens, que formam a comunidade, as leis penais protegem precipuamente a segurana e atranqilidade coletivas.

    em funo desses dois conceitos interesse individual e interesse pblico que se traa adistino entre o ilcito civil e o ilcito penal. Nos primrdios da marcha evolutiva do Direito Penal,havia confuso entre as duas qualidades de interesses, distinguindo-se imperfeitamente o individualdo pblico. Paulatinamente, foi-se estabelecendo a diferenciao, que teorias modernas procuramacentuar e explicar,9 sem desprezar o caracterstico de que o Direito Penal preserva ex accidente ocidado, ao colimar a sua finalidade essencial de assegurar a ordem coletiva.

    Certos acontecimentos eram objeto, a princpio, apenas do cuidado das leis civis. Mas, julgadasinsuficientes as respectivas sanes, recorreu o Estado s de natureza penal, que se revestem de rigormuito mais intenso.

    O campo do Direito Penal varivel. Fatos considerados crimes numa poca no o so em outra,e, ao contrrio, fatos tidos apenas como ofensivos a interesses individuais foram, mais tarde,reputados lesivos tambm coletividade e, ento, coibidos pelo Direito Penal. O nosso Cdigo, porexemplo, cogita de certas infraes que no se encontram na legislao penal anterior. Assim, oabandono de famlia. Anteriormente, o chefe da prole que abandonasse a sua mulher e os seus filhospodia, to-s, ser compelido a prestar-lhes alimentos. Entretanto, o Cdigo Penal de 1940 enquadrouesse fato como delito. V-se a o Direito Penal socorrendo o Direito Civil. Outro exemplo: o delitode contaminao venrea, ou, mais exatamente, perigo de contaminao. Antes da legislao penalvigente [1940], desde que se evidenciasse a culpa do contaminador, estava ele sujeito reparaocivil, pelo dano causado. O Cdigo atual [1940] instituiu a modalidade criminosa. No se satisfez oDireito em determinar que o contaminador indenizasse o ofendido, mas acresceu uma sanopunitiva.

    Assim, atravs da evoluo do Direito Penal e da progressiva transformao do ilcito civil emilcito penal, nitidamente se percebem os pontos de contato entre os dois ramos do Direito o civile o penal.

    Muitas figuras delituosas tm o seu alcance condicionado a dispositivos do Cdigo Civil [1916],que lhes fornecem a substncia jurdica.10 Exemplos: os crimes contra o casamento, cujacompreenso se subordina ao conhecimento de normas do direito familiar; o crime de violao de

  • direitos autorais, cuja figura se alia aos preceitos civis disciplinadores da propriedade imaterial.O mesmo se pode dizer do Direito Comercial. Sejam exemplos os crimes falimentares, cuja

    conceituao depende de consulta Lei de Falncias; o crime de concorrncia desleal e os crimescontra o privilgio de inveno e contra as marcas de indstria e comrcio modalidadesdelituosas ligadas ao Direito Comercial e ao chamado Direito Industrial, desdobramento daquele.

    Sobre as relaes do Direito Penal com o Direito Civil, ver o texto de Flavia PortellaPschel e Marta Rodriguez de Assis Machado ao final deste captulo.

    8 O Direito Penal, no seu desenvolvimento, tem caminhado paralelamente ao DireitoConstitucional, variando com ele, sensvel s alteraes operadas na organizao poltica dos povos.

    Sob a primazia do princpio da legalidade dos delitos e das penas, a justia penal contemporneano concebe crime sem lei anterior que o determine, nem pena sem lei anterior que a estabelea. Afrase nullum crimen, nulla poena sine lege enuncia mxima fundamental nascida na RevoluoFrancesa, com o Direito individualista por ela criado.

    Constituio de 1988, art. 5., inc. XXXIXEm tempos idos, o Direito Penal era arbitrrio, tirnico. A autoridade pblica aplicava

    discricionariamente as penas, sem que leis obrigatoriamente as preestabelecessem. Bastavam certasfrmulas imprecisas. O cidado, ao qual fosse imputado um fato, nem sempre poderia defender-seafirmando que tal ocorrncia no se circunscrevia a nenhuma figura delituosa especialmente prevista.

    No s em si mesmo, como tambm nas conseqncias que era apto a gerar, o princpio dalegalidade dos delitos e das penas se destinava a proteger, contra os desmandos do poder, aliberdade individual. Uma das suas decorrncias a regra proibitiva do emprego da analogia paraconfigurar crimes e impor penas. O processo analgico, to til nas aplicaes civis, vedado nombito punitivo. Permiti-lo para suprir omisses da legislao repressiva redundaria, com efeito, emdesrespeitar a parmia nullum crimen, nulla poena sine lege.

    CUELLO CALN, numa pequena monografia,11 estuda o Direito Penal novo, que se veioelaborando nos pases de regime totalitrio. Ocupa-se com a Rssia sovitica, a Alemanha nazista ea Itlia fascista. sntese da sua explanao a deferncia do Direito Penal ao DireitoConstitucional.12 As mudanas polticas por que passaram essas trs naes trouxeram-lhes correlatae profunda transformao no campo penal. Especialmente na Alemanha e na Rssia, o princpio dalegalidade dos delitos e das penas foi submetido a no poucas provaes.

    A hipertrofia do poder do Estado, nos regimes ditatoriais, leva os governantes a recorrerem aoDireito Penal, como instrumento para as manifestaes de prepotncia.

    Quanto ao Direito italiano, h uma observao curiosa que aduz o monografista, a respeito da penade morte. A Itlia um dos pases em que teve maior surto a campanha contra esse tipo de punio,que deixou de aparecer no Cdigo de 1889 por no se harmonizar com o sentimento coletivo,

  • geralmente infenso, em toda parte, a essa pena atroz.Lembre-se que o advento daquele estatuto se verificou no fastgio da Escola Clssica, de que foi

    chefe incontestvel CARRARA, adversrio do suplcio extremo. Entretanto, a pena capital foirestabelecida com o fascismo, expressa inicialmente numa lei ordinria e, depois, no Cdigo de1930. O seu ressurgimento explica-se como a utilizao de um meio considerado altamenteintimidativo, para reforo da autoridade do Estado. Da, a sua difundida cominao aos delitospolticos, contrariando-se velho postulado da cincia penal. Com a queda do fascismo, a pena demorte foi abolida.13

    Por influncia do Direito Constitucional, verifica-se que fatos outrora enquadrados como delitosdeixaram de o ser. Certas infraes seriam hoje absurdas. Por exemplo, os delitos de heresia, magia,sacrilgio, lesa-majestade, este em preceitos de proteo exagerada a supostas prerrogativas dosoberano. Eis formas delituosas que desapareceram sob o influxo das garantias trazidas peloindividualismo, entre elas a liberdade de opinio e exteriorizao do pensamento, inclusive emmatria religiosa.

    Constituio de 1988, art. 5., incs. IV, VI e VIIIO Direito Constitucional, por outro lado, regulando situaes especiais a propsito de algumas

    funes pblicas, estabelece no campo penal, graas a imunidades e inviolabilidades, a exceo deimpunibilidade e determinados privilgios de processo.

    Constituio de 1988, art. 53Sobre as relaes do Direito Penal com o Direito Constitucional, ver o texto de

    Janaina Conceio Paschoal ao final deste captulo.

    9 Interessantes, tambm, so as relaes do Direito Penal com o Direito Internacional Pblico.Fala-se hodiernamente num Direito Penal Internacional e em crimes internacionais. Delegaes dosvrios pases tm-se reunido para debater problemas penais da esfera das suas mtuas relaes. Defato, o Direito Penal cada vez mais se internacionaliza. Vm-se disseminando certas atividadesdelituosas com tal fora expansiva, que se estendem de um pas para outro. Por exemplo, o crime delenocnio, fomentado pelo trfico internacional de mulheres e at de crianas. Os exploradores dessemiservel comrcio vo buscar a sua mercadoria em determinados pases para lev-la a outros. preciso que as naes congreguem energias para obstar o mal, tomando medidas em conjunto, poisno bastariam providncias isoladas.

    Por vezes, o criminoso, para fugir Justia, vai para outro pas, onde se homizia. necessrio queos esforos dos pases interessados se conjuguem, no sentido de det-lo. O instituto da extradio,que se integra ao Direito Internacional e ao Direito Penal, regula as questes pertinentes ao assunto.

    Ainda ilustrando as relaes entre essas duas disciplinas, h a considerar que diversos

  • dispositivos do Cdigo Penal tendem ao reconhecimento, se bem que de modo muito restrito, daeficcia de sentena estrangeira relativamente a indivduos que venham a encontrar-se sob a nossajurisdio.

    Ao Direito Internacional Pblico tambm diz respeito a matria das imunidades diplomticas,acarretando na legislao nacional, em determinadas circunstncias, excees aos cnones daigualdade perante a lei e da territorialidade das normas penais.

    Sobre as relaes do Direito Penal com o Direito Internacional Pblico, ver o textode Priscila Spcie ao final deste captulo.

    10 Com o Direito Administrativo tambm se relaciona o Direito Penal, no tocante execuo dassanes impostas pela lei criminal. E, dentro desse campo, acentua-se o entrelaamento ao se cogitardas medidas de segurana providncias de cunho administrativo, ainda que estatudas empreceitos da legislao penal, e cuja aplicao confiada ao Poder Judicirio pela correlao queapresentam com os crimes e as penas. O Cdigo Penal italiano [1930] as denomina, mesmo, misureamministrative di sicurezza.

    A polmica quanto natureza do Direito de Execuo Penal administrativo ou no est longe de ser resolvida. A Lei de Execuo Penal (Lei n. 7.210/84) pretendeuinverter a tendncia, at ento predominante, de se considerar a execuo penal assuntopreponderantemente administrativo. De acordo com a sua Exposio de Motivos, a Leireconheceu o carter material das normas de execuo, que no seriam merosregulamentos prisionais puramente administrativos, portanto e, por isso,avocariam todo o complexo de princpios e regras que delimitam e jurisdicionalizam aexecuo das medidas de reao criminal (nota 12). Em outra passagem, a Exposiode Motivos diz estar vencida a crena histrica de que o direito regulador da execuo de ndole predominantemente administrativa. Dessa forma, foi vontade da Lei deExecues Penais, hoje em vigor, retirar do mbito administrativo o aspecto material daexecuo penal.

    Contudo, muitas vezes permanecem as aventuras de normas administrativas por estaseara. Exemplo disso foi a criao, pela Secretaria de Administrao Penitenciria doEstado de So Paulo, do chamado Regime Disciplinar Diferenciado, que se imps pornorma administrativa estadual (Resoluo SAP 026, de 04 de maio de 2001) e s temposdepois se converteu em lei (Lei n. 10.792, de 1 de dezembro de 2003). H hoje muitosque defendem a administrativizao da execuo das penas e medidas de segurana,mas luz do ordenamento vigente, no parece haver dvidas de que o Direito deExecuo Penal , no aspecto material, equiparado ao Direito Penal e, por isso, decompetncia legislativa exclusiva da Unio (Constituio de 1988, art. 22, inc. I).Normas administrativas podero, evidentemente, organizar o funcionamento dos

  • estabelecimentos prisionais, seus horrios, procedimentos etc. Mas no podero, emhiptese alguma, alterar as regras de cumprimento das penas e medidas de segurana,como pretendeu fazer o Governo do Estado de So Paulo quando da criao do RegimeDisciplinar Diferenciado (ver, sobre o tema, as notas ao captulo XII, especificamente opargrafo 139).

    Numerosas so as figuras delituosas que visam preservar a boa ordem da administrao pblica.Nessas modalidades, aparece muitas vezes como sujeito ativo o funcionrio pblico. E existe, nalegislao administrativa, um Direito Penal disciplinar. O seu papel traar normas tendentes regularidade dos servios pblicos, estabelecendo punies disciplinares para os servidores que,mesmo sem infringir os preceitos do Direito Penal comum, se transviam do dever funcional.

    A ilicitude s vezes ao mesmo tempo administrativa e penal, comportando pena disciplinar esano prevista no Direito Penal. A falta cometida pelo funcionrio (ilcito administrativo) nemsempre atinge a lei criminal. Quando atinge, fica o funcionrio sujeito a duplicidade de punies,uma de natureza disciplinar e a outra de natureza repressiva, sem que nisso se possa vislumbrardesapreo ao princpio non bis in idem.

    Sobre as relaes do Direito Penal com o Direito Administrativo, ver o texto deRenato de Mello Jorge Silveira ao final deste captulo.

    1 To mais usual se tornou, neste sculo, a denominao Direito Penal, que a acolhem em seus livros mesmo autores inclinados convenincia da outra. Assim, ANTOLISEI, para quem a designao Direito Criminal no s a mais antiga, como a que melhorcorresponde tradio da cincia jurdica do seu pas, bastando lembrar haver figurado no frontispcio da obra mxima da cinciacriminalista italiana, o Programma del corso di Diritto Criminale, de CARRARA (F. ANTOLISEI, Manuale di Diritto Penale,parte geral, Milo, 1947, pg. 1).

    2 No prevaleceu o alvitre do professor ALCNTARA MACHADO, cujo Projeto do Cdigo Criminal brasileiro, publicado em SoPaulo em 1938 e 1940 (nova redao), serviu de base aos trabalhos de elaborao do estatuto vigente [1940].

    Em Portugal, onde foi designada oficialmente como de Direito Criminal a respectiva cadeira na Universidade de Coimbra, Cdigo Penal o nome do diploma legal. Mantido em sucessivas reformas parciais, ainda conservado no projeto submetido em 1977 Assemblia da Repblica por uma Comisso Revisora presidida pelo Professor EDUARDO CORREIA, autor do projeto bsico, quetambm de Cdigo Penal.

    3 GIUSEPPE MAGGIORE, Principii di Diritto Penale, Bolonha, 1937, 1. vol., pg. 49. Veja-se tambm, do mesmo autor, o livroProlegomeni al concetto di colpevolezza, Palermo, 1950, especialmente o captulo inicial, sobre a inseparabilidade entre o Direito ea Filosofia. Ainda: BETTIOL, Il problema penale, Palermo, 1948, pgs. 15 e segs.; e o artigo de EMANUELE CARNEVALE, LaFilosofia penale, in Diritto Criminale, Roma, 1932, 2. vol., pg. 235.

    4 Entre os bons estudos modernos acerca da evoluo do Direito Penal, desde as suas longnquas origens at o surto das correntescontemporneas, leia-se FILIPPO GRAMATICA, Princpios de Derecho Penal subjetivo, trad. esp. de JUAN DEL ROSAL eVCTOR CONDE, Madri, 1942. Consulte-se tambm a primeira parte do interessante livro de CONSTANCIO BERNALDO DEQUlRS, Lecciones de legislacin penal comparada, Trujilo, 1944; e LADISLAU THOT, Historia de las antiguas

  • instituiciones de Derecho Penal Arqueologia criminal, La Plata, 1940. Outros trabalhos: M. H. FEROL RIVIRE, Esquissehistorique de la lgislation criminelle des romains, Paris, 1844; JULES LOISELEUR, Les crimes et les peines dans lantiquitet les temps modernes, tude historique, Paris, 1863; J. J. THONISSEN, Droit Criminel des peuples anciens, Paris, 1869;VINCENZO MANZINI, Paleontologia criminale, contributo alle ricerche sulla genesi del Diritto e della procedura penale,em Rivista Penale di Dottrina, Legislazione e Giurisprudenza, Turim, 1903, vol. 57, pg. 269: THODORE MOMMSEN, LeDroit Pnal romain, Paris, 1907; JOS FRAGA TEIXEIRA DE CARVALHO, A propsito do Direito Penal das XII tbuas, inJustitia, So Paulo, 1953, vol. 15, pg. 16. Consultem-se, ainda: C. FERRINI; Esposizione storica e dottrinale del Diritto Penaleromano, na Enciclopedia del Diritto Penale italiano, de PESSINA, Milo, 1905; e SALVIOLI, Storia della procedura civile ecriminale, Milo, 1927.

    5 Ver CONSTANCIO BERNALDO DE QUIRS, La evolucin de la pena la lei de talion y sus equivalentes, em La Ley,Buenos Aires, 1941, vol. 21, pg. 35.

    6 Uma ordenana de Francisco I, em 1534, explicava, diabolicamente, como deviam ser tratados os condenados roda: les bras serontbriss et rompus en deux endroits, tant haut que bas, avec les reins, iambes et cuisses, et mis sur une roue haute plante et lve, levisage contre le ciel, o ils demeureront vivants... (cfr. PIERO CALAMANDREI, prefcio a Dei delitti e delle pene, deBECCARIA, Florena, 1945, pg. 90). Cons. tambm REN ROGER, Des peines au XVIII sicle, na Revue de ScienceCriminelle et de Droit Pnal Compar, Paris, 1947, pg. 205.

    7 A morte a golpe de espada tinha to escasso poder infamatrio, que comumente os epitfios aludiam ao fato da decapitao. Oaparecimento da guilhotina explica-se, entre outros motivos, pelo dio s distines entre as classes (HANS VON HENTING, Lapena: origine scopo psicologia, trad. ital., Milo, 1942, pg. 57).

    8 Sobre a histria da guilhotina, ver El verdadero origen de la guillotina, na Revista Penal y Penitenciaria, Buenos Aires, 1938, pg.656. Ainda: JOO AMOROSO NETTO, A guilhotina, na revista Investigaes, So Paulo, 1950, n. 18, pg. 93. Atualmente acha-se suprimido o seu uso, com a abolio da pena de morte na Frana.

    9 Quando, bem ou mal diz o professor BIAGIO PETROCELLI a norma jurdica ps em garantia do seu imperativo aconseqncia da pena, nenhuma teoria tem o efeito de excluir, na correspondente transgresso, o carter de delito; como, ao inverso,teoria alguma pode atribuir tal carter quando a norma prev diferente sano (Lantigiuridicit, Pdua, 1947, pg. 30). Os critriosfilosficos, sociolgicos, polticos, ticos, serviro para orientar o legislador quanto ao melhor caminho a seguir. O critrio distintivoreside na punibilidade, conclui tambm o penalista NURULLAH KUNTER, Reato e illecito civile, na coletnea Studii in memoriadi Arturo Rocco, Milo, 1952, 2. vol., pg. 90.

    Consultem-se, ainda, ARMANDO REGINA, La norma penale e la tutela degli interessi privati, Bari, 1942; ANTNIO DEQUEIROZ FILHO, Relaes entre o Direito Penal e o Civil, em Justitia, S. Paulo, 1958, voI. 20, pg. 55; NO AZEVEDO,Ilcito civil e ilcito penal, na Revista dos Tribunais, S. Paulo, 1959, vol. 290, pg. 7.

    10 Analogamente, antigos conceitos de Direito Civil so influenciados por uma nova elaborao penal, como exps PHILADELPHOAZEVEDO, Reflexos do novo Cdigo Penal sobre o Direito Civil, em Revista de Direito, Rio, 1941, vol. 138, pg. 27, e Revistados Tribunais, So Paulo, 1941, vol. 134, pg. 659.

    11 EUGENIO CUELLO CALN, El Derecho Penal de las dictaduras, Barcelona, 1934.12 No mesmo sentido, BERNARD PERREAU, Vers un nouveau Droit Pnal allemand, na Revue Critique de Lgislation et de

    Jurisprudence, Paris, 1935, vol. 55, pg. 340; BELLA BEREND, Linfluence de lorganisation de lEtat sur le Droit Pnal, naRevue Internationale de Droit Pnal, Paris, 1949, pg. 23. V., tambm, BASILEU GARCIA, A Constituio do Brasil e oDireito Penal, in Revista dos Tribunais, S. Paulo, abril de 1957, vol. 258, pg. 3.

    13 O Decreto n. 244, de 10 de agosto de 1944, suprimiu-a para todas as infraes previstas no Cdigo Penal.Um dos primeiros cuidados do Governo italiano aps a queda do fascismo foi determinar a reforma desse estatuto, para adequ-lo aos

    princpios e s exigncias do reencetado regime democrtico (ver Progetto preliminare del Codice Penale, libro primo,redazione e testo, Roma, 1949).

    Observando o panorama do Direito Penal italiano contemporneo, MARCELO FINZI considera favorvel conservao do Cdigo de1930 a maioria dos penalistas, desde que expurgado daquelas disposies em que a poltica sobrebrepujou o Direito (cfr. DerechoPenal y Derecho comparado en la ltalia de hoy, em La Ley, Buenos Aires, 1950, vol. 57, pg. 848).

  • Questes atuais acerca da relao entre asresponsabilidades penal e civil

    Flavia Portella PschelMarta Rodriguez de Assis Machado1

    A separao entre os direitos penal e civil normalmente aparece como um pressuposto, quer nosestudos de dogmtica penal, quer nos de dogmtica civil, de modo que a separao em si poucotematizada ou questionada.2 Ela ainda hoje considerada uma conquista que devemos a um processoiniciado no sculo XVIII e consolidado no sculo XIX e, como tal, no contestada pela doutrina ou pela jurisprudncia , ainda que haja mais de um critrio proposto para fundamentar talseparao; que esses critrios tenham certa mobilidade; no tenham se apresentado sempreconstantes; e, alm disso, tenham os seus limites cada vez mais desafiados pela edio de novas leise pela jurisprudncia.

    Afirmar que a separao3 entre Direito Penal e Direito Civil segue incontestada no significa que afronteira entre as responsabilidades civil e penal seja rgida e imutvel. Na realidade, essa fronteirase altera de diferentes formas. Uma delas decorre simplesmente do fato de que o campo do DireitoPenal varivel, como afirmou Basileu Garcia (GARCIA, 1982: 19), e essas variaes podemocorrer com um simples deslocamento da fronteira, sem que a separao entre o penal e os outrosramos do Direito seja em si mesma colocada em xeque. Isso se d com relativa freqncia quandocerta conduta criminalizada, ou seja, um ato que no era considerado ilcito penal passa a s-lo,expandindo-se o mbito de regulao do Direito Penal. Ou ento se bem que com menosfreqncia no atual contexto no sentido inverso, quando uma conduta descriminalizada. Isto ,deixa de ser relevante do ponto de vista jurdico-penal, para passar a ser tratada por outra esfera decontrole. Note-se que nesses casos alterou-se a regulao de certo tipo de fato, mas as categoriascivil e penal permanecem inalteradas.

    A outra forma de mobilidade dessa fronteira d-se no pelo seu deslocamento, mas pelo prprioquestionamento dos fundamentos dessa separao. esta segunda forma de mobilidade da fronteiraentre penal e civil que nos interessa neste texto.

    A seguir, abordaremos, de maneira breve, os fundamentos mais utilizados para marcar a distinoentre as responsabilidades penal e civil e discutiremos como, e em que medida, eles sustentam essaseparao hoje em dia, diante do direito positivo e dos problemas que se apresentam atualmente aosDireitos Penal e Civil.

    Para isso, distinguiremos argumentos que diferenciam o penal e o civil com base: (I) no tipo deresposta e sua finalidade; (II) no tipo de interesse protegido; e (III) nos pressupostos daresponsabilizao.

  • I. Tipo de resposta e sua finalidadeO contedo da sano penal uma das formas de caracterizar o Direito Penal e distingui-lo do

    Civil. Ela possivelmente representa o critrio de distino mais assentado e resistente s mudanasno pensamento jurdico: assume-se, sem pensar, a idia de que os civilistas tm por misso assegurara reparao do dano causado, enquanto a preocupao dos penalistas a de buscar a punio maisadequada aos culpados e de justific-la. Essa justificao se d por meio das teorias da pena, queestabelecem vrios objetivos possveis para a lei penal proteger a sociedade, dar o exemplo docastigo, fazer pagar o mal pelo mal, readaptar o culpado ou neutraliz-lo mas que, ao final, tmem comum o fato de conceberem a sano penal como um mal e exclurem de seus enunciados outrostipos de sanes.

    Diferentemente, embora o dever de reparar possa eventualmente ser sentido como um mal pelocondenado e ter por isso efeito punitivo,4 tal efeito no essencial sano civil e irrelevante paraque ela cumpra a sua funo reparatria. Isso decorre principalmente da regra que limita aindenizao extenso do dano.5

    Assim, o Direito Penal trabalha primordialmente com a punio em seu sentido de inflio de ummal, enquanto a reparao importa apenas ao Direito Civil; a punio uma obrigao ou umanecessidade imperativa e vista como um mal que deve beneficiar a autoridade e no a vtima. Porisso, a indenizao que satisfaz somente a vtima vista como insuficiente para reparar adesobedincia lei penal (PIRES, 1998: 51; 2004). Esta requer como resposta um juzo de desvalorpblico. E tal desaprovao pblica se expressa por meio da interveno voluntria na esferajurdica do condenado (liberdade, patrimnio, tempo livre e estima social) (JESCHECK, 1993: 57).A partir da, fica clara a distino que se criou entre pena e reparao: a pena no compensa o malda vtima, mas, ao menos prima facie, produz um novo mal, ao contrrio da indenizao compensatriacivil, a ordenao querida de um mal (LESCH, 1999: 2).

    Em sntese, para que se atinja o objetivo de reparao, indiferente que a sano seja percebidacomo um mal. No Direito Penal, ao contrrio, qualquer que seja a finalidade atribuda pena, seucarter de castigo (nos termos da distino assim construda) essencial, pois a finalidade da pena mesmo quando definida por seus efeitos positivos, como a preveno especial e geral positiva se pretende atingir por meio da prpria inflio de um mal.6

    Com uma definio desse tipo, a vtima e a soluo privada, negociada e disponvel, sodefinitivamente afastadas do sistema penal e passam a ser vistas como categorias reservadas aosassuntos do Direito Civil.

    Percebemos, entretanto, que essa separao comeou a ser colocada em xeque a partir do momentoem que a reparao passou, de uma forma ou de outra, com mais ou menos intensidade, a serintroduzida no sistema penal e a ser considerada, nas discusses da dogmtica penal, uma alternativapara compor as suas possveis respostas.

    Um elemento importante dessa tendncia dado pela valorizao da vtima no sistema penal. Hem curso uma discusso relevante sobre isso, cujas origens podem ser reputadas a vrias causas: afora do movimento de restituio americano, a escalada da vitimologia como um ramo cientficoindependente, a frustrao pelos resultados obtidos com as penas de priso, alm da crescenteinsatisfao com um modelo de justia penal que no considera a vtima de nenhuma forma.7

  • Desse modo, a introduo da reparao do dano no sistema penal tomada como um indicativo demaior ateno dada vtima no processo penal. Abordaremos, de maneira breve, como ela se fezpresente no Direito Penal brasileiro, embora seja essa uma tendncia que vem sendo apontada nosordenamentos jurdicos de uma srie de pases, alguns dos quais avanaram muito mais nesse sentidodo que ns.

    Se, no nosso Cdigo Penal, a reparao do dano j aparecia como circunstncia indicativa dearrependimento posterior, capaz de ensejar reduo de 1 a 2/3 da pena (art. 16) ou circunstnciaatenuante da pena (art. 65, III, b), ela passou a ter um papel mais relevante com a Lei dos JuizadosEspeciais Criminais (Lei n. 9.099/95). Essa lei instituiu, para os casos considerados de menorpotencial ofensivo, que o juiz deve, sempre que houver dano, buscar a composio civil entre o autore a vtima (arts. 72-74). A reparao do dano implica renncia do direito de queixa ourepresentao. Isso significa que a adoo dessa soluo negociada pe fim possibilidade depersecuo e imposio de sano penal.

    Outra abertura dessa lei, nesse sentido, veio com a suspenso condicional do processo (art. 89).Esse instituto permite que Ministrio Pblico e acusado acordem a suspenso do processo penal peloprazo de dois a quatro anos. A contrapartida da suspenso do processo e sua possvel extino apso perodo de prova a submisso do acusado ao cumprimento de algumas condies, entre as quaisest justamente a reparao do dano vtima (art. 89, 1., I).

    Nesses dois casos, a reparao no perde a sua natureza civil, de modo que no vista como umaforma de sano penal, mas passa a ser uma das respostas possveis do sistema penal, capaz deafastar as sanes propriamente penais.

    Algo semelhante ocorreu no campo dos delitos tributrios, que se apresentou particularmenteporoso a solues que visassem a recomposio do patrimnio lesado do Fisco. No Brasil, issocomeou em 1965, com a previso da Lei n. 4.729/658 de que a punibilidade do crime tributrioseria extinta com o pagamento do dbito antes do incio da ao fiscal. Soluo desse tipo retomada e ampliada com a Lei n. 8.137/90 (e depois pela Lei n. 9.249/95) que aceita como causasextintivas da punibilidade o pagamento do tributo e acessrios (isto , valor devido mais multaadministrativa) que se dessem at o recebimento da denncia. Sem entrar a fundo nesse tema,cumpre-nos apenas mencionar que as possibilidades de extino da punibilidade pelo pagamentoesto cada vez mais ampliadas, tanto pela legislao que j estendeu essa soluo para os crimesprevidencirios e para os casos de parcelamento dos dbitos, com as leis que instituram o Programade Recuperao Fiscal (Refis) (Lei n. 9.964/2000) e o Parcelamento Especial (Paes) (Lei n.10.684/2003) como pela jurisprudncia. De fato, os tribunais j ampliaram tanto as hipteses deaplicao desse instituto que atualmente no se exige nem sequer que o pagamento ocorra antes dorecebimento da denncia para ter efeitos sobre a punibilidade, bastando que seja feito a qualquermomento antes da sentena condenatria.9

    Se essas so formas indiretas em que a reparao toma o lugar do procedimento penal, hmomentos em que ela chega a ser introduzida diretamente no sistema penal como uma modalidade desano penal.

    o caso do Cdigo de Trnsito brasileiro (Lei n. 9.503/97), que prev, em seu artigo 297,10 aimposio de multa reparatria em favor da vtima como modalidade de pena a ser aplicada paracrimes cometidos na direo de veculos automotores. Alm dessa, a Lei dos Crimes Ambientais(Lei n. 9.605/98) tambm prev, entre as penas restritivas de direito, aplicveis de maneira

  • autnoma em substituio privativa de liberdade, a prestao pecuniria vtima ou entidadepblica ou privada com fim social, consistente em pagamento de importncia fixada pelo juiz, noinferior a um salrio mnimo nem superior a 360 (arts. 8, IV e 12).11 A mesma pena de prestaopecuniria vtima e seus dependentes aparece tambm no rol das possibilidades das penasrestritivas de direito introduzidas pela Lei n. 9.714/98, que modificou o Captulo das Penas doCdigo Penal. Com isso, a prestao pecuniria poder substituir a pena de priso, a critrio do juiz(que ponderar as condies do condenado e circunstncias dos fatos), sempre nos crimes culposos enos crimes dolosos cometidos sem violncia ou grave ameaa, quando a pena fixada na sentena nosuperar quatro anos (arts. 43, 44 e 45 do Cdigo Penal).12

    Com esses exemplos, pretendemos aqui apenas indicar que a antiga alocao da reparaoexclusivamente no campo do Direito Civil vem sendo relativizada na medida em que ela introduzida no sistema penal, seja por meio da atenuao de parcela da pena ensejada pela reparaodo dano pelo autor, seja por meio de acordos reparatrios, causas de extino da punibilidade e atmesmo como sano autnoma. Esse movimento em curso impe, entretanto, o enfrentamento de umasrie de questes dogmticas nada simples.

    O tipo de questo envolvida e sua complexidade depende, em grande parte, de como a reparao aceita no sistema penal. Se, como vimos anteriormente, isso ocorreu de formas e em medidasdistintas em nosso ordenamento jurdico-penal, essas diferenas no foram adequadamente discutidasnos momentos em que essas solues foram incorporadas pelas leis especiais que mencionamos etampouco constituem atualmente objeto de reflexo detida.

    Um autor como Roxin (2001: 141-147), entretanto, parou para pensar a respeito disso para o casoalemo e para fazer distines que podem vir a nos auxiliar nessa tarefa. Ele diz que as soluesdadas reparao pelo sistema penal podem ser de trs tipos: composio privada do conflito;reparao como uma terceira classe de pena, com a privativa de liberdade e a multa; e reparaocomo um novo fim para a pena.

    No caso da composio civil, o ocorre, na realidade, que se evita o Direito Penal e se promoveuma espcie de despenalizao parcial. Nesse sentido, a reparao no entra propriamente noDireito Penal, mas se coloca como uma espcie de soluo alternativa a ele.13

    Apenas para exemplificar o tipo de problema que esse arranjo traz para a dogmtica penal, pode-se mencionar o debate em torno do carter voluntrio da composio entre autor e vtima e asdificuldades de harmoniz-lo com o princpio da indisponibilidade da sano penal em razo deinteresses privados. Ou seja, ser que ao aceitar a reparao dentro do sistema penal, deve-se aceitartambm a idia de que a vtima estaria apta a negociar com o autor no somente seus interessesprivados de composio dos seus bens lesados, mas tambm o interesse pblico de preveno?Retornaramos, com isso, a uma situao de privatizao da punio?

    No entanto, se ao transformar o instituto de Direito Civil em Penal abandonamos a autonomia davontade, isto , a possibilidade que existe no Direito Civil (mas normalmente no no penal) de avtima decidir se quer ou no fazer valer o seu direito, com possibilidade de negociao entre vtimae autor do ilcito, no estaramos ampliando ainda mais o espao de interveno do Direito emdetrimento do espao de liberdade? Teramos, ao final, mais controle estatal sobre os conflitos?

    Ainda mais complexa a discusso da reparao diante das teorias da pena. No s porque aquise revela com mais intensidade os problemas da concepo tradicional da pena como um mal, mas

  • porque h uma srie de questes dogmticas a serem resolvidas nesse campo.Por exemplo: caberia desde logo estender reparao a crtica que se fez pena de multa pelas

    dificuldades de sua universalizao, o que criaria uma situao em que tais sanes seriam aplicadasapenas queles que tivessem condies econmicas para arcar com elas, excluindo-se as classesmenos favorecidas?14 Ou possvel pensar em arranjos alternativos a isso, por exemplo, apossibilidade de criar estabelecimentos para que o autor trabalhe a fim de ressarcir o dano?

    Avanando um pouco mais nos problemas que a reparao traz dogmtica penal, veremos queboa parte das questes a serem respondidas dependem de como ela entra no sistema penal: ela podeser aceita como finalidade desse sistema ou simplesmente como um meio novo para alcanar os finsj conhecidos. Em outras palavras, de um lado, o Direito Penal deve passar a perseguir a reparaoda vtima e a reconstituio da situao anterior ao delito como um fim seu ou, de outro lado, ela simplesmente uma modalidade de sano capaz de atingir os fins de preveno tanto quanto ou demodo mais ou menos eficiente que as sanes punitivas.

    Neste ltimo caso, cabe ainda refletir se, como sano autnoma, a reparao sempre compatvelcom as finalidades da pena tal como enunciadas pelas teorias da pena. A resposta a essa indagaono nada bvia, especialmente porque deve ser dada avaliando-se cada uma das teorias sobre apena. Roxin analisa alguns desses aspectos quando trata da possibilidade de compatibilizarreparao com as diferentes teorias de justificao da punio.

    A comear pela justa retribuio e compensao da culpabilidade, esta seria, segundo Roxin,compatvel com a idia de reparao do dano, uma vez que com ela dar-se-ia inclusive demaneira mais perfeita que a priso uma autntica compensao e anulao do ato ilcito (ROXIN,1999: 9). A reparao tambm pode contribuir para o fim preventivo especial da pena. A obrigaode se ocupar pessoalmente do dano produzido e de se esforar para uma reconciliao com a vtima,diz Roxin, pode influir de maneira muito positiva na atitude social do autor (ROXIN, 1999: 10). Noque tange s formas de preveno geral, Roxin considera que a obrigao de reparar o dano sofridopela vtima capaz de criar na generalidade o sentimento de que a fratura ao Direito foi curada e quea perturbao da paz jurdica produzida pelo delito est superada. Seria, portanto, compatvel comuma funo de preveno geral positiva. Ela seria insuficiente apenas em seus efeitos intimidatriosou de preveno geral negativa (ROXIN, 1999: 11), pois, funcionando sozinha, a pena de reparaosinaliza que o mximo que poderia acontecer ao autor seria a restituio do status quo ante, o que norepresentaria nenhum risco para este (ROXIN, 2001: 138). Isso no aconteceria, entretanto, se elaviesse associada a outra sano, da a necessidade de se discutir tambm as possibilidades decombinao com outras formas de pena, sem invalidar de plano a possibilidade de a reparaofuncionar como pena.

    De acordo com a sua prpria teoria sobre os fins da pena em um Estado Social de Direito, quedeve conciliar da melhor forma possvel a preveno geral, a preveno especial orientada integrao social e a limitao da pena, Roxin chega a afirmar que a reparao no Direito Penal,embora no seja a nica via, um modelo de poltica criminal voltado a atingir esses fins de formaintegrada (ROXIN, 2000: 34-36).

    evidente que esses argumentos esto todos sujeitos a comprovao emprica e so aindainsuficientes para se instaurar uma verdadeira discusso sobre a reparao e seus benefcios comoforma de punio. Entretanto, eles revelam que, se a reparao passa a ser internalizada no sistemapenal como uma possibilidade de pena (autnoma ou no), no possvel levar esse processo

  • adiante sem discuti-lo luz do conceito de pena.Alm disso, todas essas questes tornam-se ainda mais instigantes quando percebemos que h no

    s o ingresso de elementos de Direito Privado na pena como tambm elementos de Direito Penal nareparao.

    No mbito do Direito Civil, o campo em que se percebe essa aproximao entre penal e civil aresponsabilidade por danos morais.

    Como j se disse, o objetivo central da responsabilidade civil a reparao de um prejuzo. porisso que o art. 944, caput, do Cdigo Civil (CC) estabelece: a indenizao mede-se pela extenso dodano.

    No entanto, no caso de dano moral, a aplicao dessa norma no fcil. Devido sua prprianatureza, um dano moral muito difcil de ser avaliado e o tema da sua quantificao um dos maisintrincados e polmicos da responsabilidade civil.

    Essa dificuldade intrnseca de avaliao do dano moral por critrios objetivos abriu espao paraque se desenvolvesse em parte da doutrina15 e da jurisprudncia16 brasileiras uma tendncia acalcular o valor da reparao com base na atribuio responsabilidade civil por danos morais deuma funo punitiva semelhante do direito penal.

    Para demonstrar de que modo esse caso de responsabilidade civil se aproxima do direito penal,usaremos exemplos de acrdos do STJ em casos de danos morais.

    H decises em que se afirma expressamente o objetivo de punir o responsvel,independentemente da discusso acerca da funo perseguida por meio da punio. Assim, emacrdo17 tratando de protesto indevido de ttulo, l-se que o valor dos danos morais deve ser fixadocom moderao (...) no deixando de observar, outrossim, a natureza punitiva e disciplinadora daindenizao (grifo nosso).

    H casos em que no se afirma expressamente o objetivo de punir, mas se indica que a condenaopersegue objetivos sem nenhuma relao com a reparao.

    Assim, em deciso18 sobre um caso de agresso praticada por seguranas de um shopping center,l-se que a indenizao deve contribuir para desestimular o ofensor a repetir o ato, inibindo suaconduta antijurdica. Em outras palavras, o tribunal atribui responsabilidade civil uma funo depreveno especial negativa.

    Em acrdo19 tratando de inscrio indevida em cadastro de devedores inadimplentes,fundamenta-se a elevao do valor da indenizao por dano moral com base no fato de que acondenao a um valor menor representaria um incentivo continuidade da prtica, que se repeteaos milhares em todo o Pas. Nesse caso, o tribunal atribuiu responsabilidade civil uma funo depreveno geral negativa.

    Por fim, em dois dos casos j citados,20 emprega-se o grau de culpa do responsvel comoparmetro para o clculo da indenizao a ser paga. Note-se que, se o objetivo da responsabilidadecivil reparar o dano ocorrido, o grau de culpa no deveria ter nenhuma conseqncia: oresponsvel deveria simplesmente pagar o prejuzo causado, nem mais nem menos, e a extenso dodano no se relaciona com o grau de culpa (em sentido lato). possvel causar um pequeno prejuzocom dolo, do mesmo modo como possvel causar um grande prejuzo com simples culpa.

    A considerao do grau de culpa faz sentido quando se pune, pois nesse caso est em jogo aresposta jurdica a uma conduta reprovvel do autor: tanto mais reprovvel quanto maior a culpa.

  • Como todo estudioso do Direito Penal pode facilmente perceber, nos exemplos citados, a sanojurdica de Direito Civil tratada de modo semelhante sano penal e os objetivos que lhe soatribudos remetem a conhecidas teorias da pena.

    At o momento, a atribuio de carter punitivo responsabilidade civil tem se limitado aos casosde danos morais, e no h ainda na literatura nacional reflexo suficiente nem sobre a possibilidadeou convenincia de sua ampliao para outros casos,21 suas vantagens ou desvantagens, nem sobre asconseqncias dessa aproximao entre sano civil e penal: seria necessrio garantir o princpio dalegalidade, aumentar as garantias para o ru etc.? Haveria violao ao princpio do ne bis in idem?Seria o fim da distino entre responsabilidade civil e penal?

    Enfrentar essas questes no a partir de perspectivas unilaterais, mas de maneira concertada entrecivilistas e penalistas nos parece urgente. A razo disso evidente: se a reparao entrar no sistemapenal, como parece acontecer aos poucos, ento temos que rediscutir o sentido e a necessidade dainterveno civil. E se, ao contrrio, o Direito Civil capaz de fazer punio, ento talvez ainterveno penal seja tambm desnecessria. Sem considerar essas questes, corre-se o risco dereparar ou de punir duas vezes pelo mesmo fato (uma pelo Direito Penal e outra pelo Direito Civil),sem que uma esfera saiba o que est acontecendo na outra e sem uma reflexo sobre o tipo deregulao mais adequado para determinado problema social. Essa no uma hiptese distante e podeacontecer hoje no direito brasileiro, nos casos de atribuio de carter punitivo reparao por umdano moral decorrente de ilcito civil que constitua simultaneamente um ilcito penal, por exemplo.

    Entretanto, para comearmos a tratar o problema da responsabilizao de maneira abrangente, preciso despir-se da idia assentada no pensamento jurdico de que h entre esses dois ramosdistines ontolgicas. Sem isso, no possvel dirigir o olhar para os problemas atuais enfrentadospela responsabilidade nos dois ramos do direito e buscar solues adequadas para eles.

    2. Tipo de interesse protegidoPode-se, tambm, tentar responder a questo da separao entre Direito Civil e Penal com base na

    diferena entre os interesses protegidos. Nesse caso, diz-se que o Direito Penal protege um interessepblico, enquanto o Direito Civil protege interesses privados. esse o critrio utilizado por BasileuGarcia para construir a distino: o Direito Penal, como se v pela sua evoluo histrica, surgiututelando interesses particulares, no h dvida, mas elevou-se defesa e conservao da sociedade.Resguardando os homens, que formam a comunidade, as leis penais protegem precipuamente asegurana e a tranqilidade coletivas. em funo desses dois conceitos interesse individual einteresse pblico que se trata a distino entre o ilcito civil e o ilcito penal (GARCIA, 1982, v.1: 18).

    Essa uma idia antiga. Ela indicada por Pires como uma das principais representaesfilosfico-jurdico e sociais, que se estabeleceram a partir da segunda metade do sculo XVIII: a leipenal se distingue essencialmente da lei civil, pois pblica (enquanto a civil privada) e superior e mais importante que a civil, pois pretende proteger apenas os valores fundamentais dasociedade. Da mesma forma, o ilcito penal designa atentados ao Direito Pblico, e o ilcito civil aoDireito Privado; o ilcito penal concerne as desobedincias intencionais graves, no reparveis,portadoras de um perigo de imitao ou de uma ameaa de destruio da ordem social e cria o medo

  • de insegurana; o ilcito civil bem intencionado ou sem inteno, no implica gravidade, noestimula o mimetismo e no coloca em perigo a ordem social (PIRES, 1998: 51).

    De fato, o Direito Penal como o conhecemos hoje busca atingir primordial e diretamente umobjetivo social, pblico (como indica Basileu Garcia), por meio da aplicao de uma pena.

    O Direito Civil, entretanto, por meio da responsabilidade civil, busca primordialmente areparao de um prejuzo. Normalmente, isso constitui um interesse privado da vtima, e apenas demodo indireto e secundrio constitui um objetivo social.

    Um exemplo pode ajudar a esclarecer esse modo de enxergar a distino entre as duasresponsabilidades. Quando o direito impe uma sano penal pessoa que atropelou algum,causando-lhe ferimentos graves, est afirmando que os ferimentos da vtima devem ser atribudos aosujeito que dirigia o automvel (e no ao destino, ao azar, ao fabricante do carro etc.), a quem deveser aplicada uma pena, com o objetivo que interessa diretamente a toda a comunidade de que omotorista no volte a praticar atos semelhantes, ou de que outras pessoas no se sintam tentadas adirigir como ele etc. Embora o bem protegido seja individual (a integridade fsica de uma pessoa), asua proteo pelo Direito Penal se faz na medida em que isso interessa sociedade.

    Quando o direito impe uma sano civil ao sujeito que atropelou e feriu gravemente algum,tambm est afirmando que os ferimentos da vtima devem ser atribudos ao motorista, mas seuobjetivo essencialmente recolocar a vtima no estado em que estaria caso o atropelamento notivesse ocorrido. Para isso, o motorista responsvel ser condenado a pagar as despesas comhospital, mdicos, remdios, bem como o valor correspondente ao que a vtima deixou de ganharporque ficou sem trabalhar e, eventualmente, tambm um valor para compens-la pelo dano moralsofrido. A sano, na responsabilidade civil, consiste, portanto, na reparao pelos danos, e estainteressa, em primeira linha, a quem os sofreu, isto , vtima. Em um caso como o do exemplo, apenas indiretamente e de modo eventual que a imposio ao responsvel de um dever de indenizaros prejuzos da vtima poder ter tambm um efeito de interesse social, como desestimular omotorista ou outras pessoas a dirigirem sem cuidado.

    O exemplo nos mostra de que modo a interveno do Direito Civil e do Direito Penal encontramjustificativas distintas, mesmo quando incidem sobre o mesmo objeto.22

    A introduo da idia de bem jurdico na dogmtica do Direito Penal ajudou a construir essadistino. Antes dela, pensava-se, com Feuerbach, que o crime significava uma leso a um direitosubjetivo. Essa perspectiva do direito individual mantinha a vtima presente no conceito de crime e,com isso, tornava menos ntida a separao entre interesse pblico a ser tutelado pela intervenopenal e interesse privado da vtima a ser objeto de indenizao. Essa distino se torna mais claraquando a idia de leso ao direito subjetivo substituda pela de leso a um bem: o bem jurdico-penal (com Birnbaum, em 1834, e Binding, em 1874). Ainda que o contedo do bem jurdico-penaltenha continuado por muito tempo individual e concreto (conforme a teoria monista-pessoal do bemjurdico), o delito deixa de depender somente da existncia de direitos individuais para refletir aproteo de bens que passaram por uma escolha da comunidade a respeito de quais so consideradosrelevantes e merecem proteo penal. Ou seja, o que passa a importar para o Direito Penal, desseponto de vista, o vnculo entre a ao e seu valor social, e no entre ao e suas conseqnciaspara a vtima. Por essa razo, identifica-se que o estabelecimento do bem jurdico, como refernciapoltico-criminal e material para o Direito Penal, que acabou por marginalizar a vtima efundamentar uma concepo de pena orientada aos interesses do Estado e da sociedade.23

  • Esse processo, que pode ser apontado como uma espcie de desindividualizao do conceito decrime, torna-se ainda mais acentuado com as mudanas que vm ocorrendo nos sistemas penais deboa parte dos pases ocidentais, em seqncia aos questionamentos do paradigma monista-pessoal doconceito de bem jurdico. Trata-se, basicamente, da ampliao do contedo do bem jurdico-penal,que passa a abarcar no s bens individuais e concretos (com vtimas definidas), mas bens coletivose difusos (como meio ambiente, sade pblica, economia popular etc.). Nesses casos, a identificaode vtimas individuais bastante difcil, o que fortalece a idia de proteo a interesses pblicos.

    Entretanto, disso no decorreu que a fronteira entre o Direito Penal e o Direito Civil tenha seacentuado. Na realidade, se analisarmos o outro lado da distino, veremos que a dita vinculaonecessria entre a proteo de interesses privados e a proteo do Direito Civil tem dificuldade deexplicar as hipteses, hoje admitidas pelo nosso ordenamento jurdico, de responsabilidade civil pordanos a interesses difusos. Afinal, trata-se de direitos transindividuais, cujos titulares so pessoasque no se pode determinar. Alm disso, os direitos difusos so indivisveis, o que significa que nopodem ser quantificados ou divididos entre os membros da coletividade interessada. Direitosdifusos, como o direito ao meio ambiente (CF, art. 225, 3.), no podem ser considerados interessesprivados. O ato do qual resulta a poluio de um rio ou a destruio de uma floresta prejudica noapenas as pessoas diretamente atingidas em sua sade ou em seus bens, mas a todos e at mesmo asgeraes futuras.

    O Direito brasileiro prev a responsabilidade civil pela leso a interesses difusos, por meio deao civil pblica (Lei n. 7.347/85), com possibilidade