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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA António Braz Teixeira O essencial sobre A FILOSOFIA PORTUGUESA (SÉCS. XIX E XX)

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

António Braz Teixeira

O essencial sobre

A FILOSOFIA PORTUGUESA(SÉCS. XIX E XX)

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Ao Lourenço

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IINTRODUÇÃO

Não ignorando nem menosprezando o que há denecessariamente artificial em qualquer periodificação,que apenas como instrumento analítico deve ser usa-da, visando uma melhor ou mais adequada compreen-são de qualquer fenómeno ou manifestação espiritual,afigura-se, contudo, não ser de todo ilegítimo ou ar-bitrário distinguir cinco períodos ou ciclos relativa-mente bem individualizados no percurso da especula-ção filosófica portuguesa entre o início do século XIX

e o final do século XX.Assim, o primeiro destes ciclos teria o seu início

em 1803, com a publicação do primeiro tomo dasMemórias Políticas do lente de Direito Pátrio da Fa-culdade de Leis da Universidade de Coimbra JoaquimJosé Rodrigues de Brito, obra inserida numa linha depensamento em que o sensismo setecentista se funde,

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pela primeira vez, entre nós, com uma orientaçãoreflexiva de recorte assumidamente utilitarista e defirme recusa do criticismo kantiano, vindo a concluir--se, em meados de Oitocentos, com a morte de Sil-vestre Pinheiro Ferreira e com a adesão de VicenteFerrer Neto Paiva, lente de Direito Natural na Facul-dade de Direito conimbricense, ao racionalismo espi-ritualista de livre inspiração krausista, que procurouconciliar com a doutrina do direito de Kant.

O ciclo seguinte tem o seu marco fundador coma publicação, na revista portuense A Península, porum jovem lente de matemática da Academia Politéc-nica do Porto, Pedro Amorim Viana, de uma sériede artigos sobre as conferências do Padre Venturade Raulica, interrogando, criticamente, não só a pos-sibilidade dos milagres como os principais dogmasdo cristianismo, trazendo, deste modo, para o cen-tro do debate filosófico um conjunto de problemascomo a ideia de Deus, o problema ou mistério domal, o conceito de razão, as relações entre razão efé, filosofia e religião e filosofia e ciência, que, trêslustros depois, desenvolvidamente abordaria na suaobra capital Defesa do Racionalismo ou Análise daFé e em torno dos quais iria centrar-se, longamente,a nossa meditação durante vários decénios, ao mes-

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mo tempo que dava origem ao que se convencionoudesignar por «Escola portuense», reconhecida espi-nha dorsal da filosofia portuguesa posterior.

O terceiro ciclo inicia-se em 1912, com a criaçãodo movimento portuense Renascença Portuguesa ecom a publicação de O Criacionismo, de LeonardoCoimbra, e de O Espírito Lusitano ou o Saudosismo,de Teixeira de Pascoaes, e nele o conjunto de proble-mas e de interrogações que havia dominado o períodoanterior acha diversas e complementares respostassuperadoras, através de uma sua formulação simul-taneamente mais rigorosa, mais exigente e mais ra-dical, ao mesmo tempo que os problemas antropo-lógicos tendem a adquirir lugar proeminente.

Por seu turno, o quarto período ou ciclo tem oseu momento fundador em 1943, com a formulação,por Álvaro Ribeiro, do problema da filosofia portu-guesa, em que irá centrar-se boa parte do debate fi-losófico nos decénios seguintes, sendo também du-rante ele que os principais discípulos de LeonardoCoimbra darão expressão pública às suas diversasmas convergentes construções especulativas, dotandode criadora e inovadora continuidade a tradição filo-sófica portuense.

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Finalmente, o quinto período tem o seu momentoinicial em 1981, ano em que, por um lado, com amorte do filósofo de A Razão Animada, de algummodo se encerra o ciclo anterior e a noção e a rea-lidade da existência e significado da filosofia portu-guesa deixa de constituir problema, nos termos emque Álvaro Ribeiro o formulara, e, por outro, coma realização do I Congresso Luso-Brasileiro de Filo-sofia, aquele problema se amplia e se converte noda filosofia luso-brasileira, fundado no reconheci-mento da incindível relação entre pensamento e pa-lavra, filosofia e filologia, que torna modalidades ouexpressões situadas de uma mesma e mais vasta rea-lidade especulativa as filosofias portuguesa e brasi-leira e não pode deixar de ter em conta o diálogo,expresso ou implícito, que entre elas se vem travandoao longo do tempo.

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IIPRIMEIRO PERÍODO: 1803-1850

1. Entre nós, no domínio filosófico, o século XVIII

concluiu-se conferindo especial relevo à reflexão éti-ca, em que se destacaram o Tratado Elementar deFilosofia Moral (1792), de António Soares Barbosa(1734-1801), e o volume com que, em 1800, Teo-doro de Almeida (1722-1804) encerrou a sua Re-creação Filosófica, iniciada meio século antes, como declarado intuito de instruir, de uma forma ame-na, as «pessoas curiosas que não frequentaram asaulas».

Na linha destas duas obras se insere o primeirotexto reflexivo de algum significado publicado nodealbar da nova centúria, as Memórias Políticas(1803-1805), de Joaquim José Rodrigues de Brito(1753-1831), que, inspiradas ainda pelo mesmo em-pirismo sensista perfilhado por aqueles dois pensa-

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dores, contudo, se orientavam já, decididamente, nasenda de uma ética de sinal utilitarista.

Racionalista deísta, fortemente crítico da filosofiatranscendental kantiana, muito imperfeitamente conhe-cida e compreendida, o pensamento ético de Rodri-gues de Brito, do mesmo passo que entendia que adefinição da moral natural deveria fazer-se a partirda análise do homem, apoiada ou baseada no conhe-cimento que nos vem dos sentidos e das sensações,sustentava que tal análise revelava que todo o homemtem gravado no seu coração um sentimento que oconduz à felicidade e se manifesta num desejo e numamor do próprio prazer e interesse e num aborreci-mento da dor e de tudo o que tem por prejudicialao seu ser. De igual modo, a análise da natureza dohomem evidenciaria a existência de um conjunto deregras que conhecemos por nós mesmos e tendema conduzir-nos à felicidade, as quais viriam a cons-tituir um código universal e imutável da razão e dahumanidade.

Mais próximas das teses do eclectismo sensista dasegunda metade de Setecentos se apresentavam asduas obras de intenção reflexiva publicadas por JoséAgostinho de Macedo (1761-1831) em 1815, O Ho-mem, ou os Limites da Razão e as Cartas Filosófi-

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cas a Ático, livros de minguado fôlego especulativoe muito escassa originalidade, em que ecoa ainda umaatitude de desconfiança quanto às capacidades cogni-tivas da razão humana que, no entanto, não hesitavaem qualificar como «o tesouro mais precioso que ohomem tem».

2. O maior vulto da filosofia portuguesa da pri-meira metade do século XIX foi, porém, SilvestrePinheiro Ferreira (1769-1846), cuja primeira obra re-flexiva, as Prelecções Filosóficas sobre a Teórica doDiscurso e da Linguagem, a Estética, a Diceosina ea Cosmologia, corresponde ao texto das lições queproferiu, no Rio de Janeiro, entre 1813 e o final dadécada e cujo último trabalho de índole filosófica, oaté há pouco inédito tratado sobre a religião naturale a religião revelada, que, ao modo leibniziano, redi-giu em francês e denominou Théodicée, foi escritoem Lisboa no ano anterior à sua morte.

Inserindo-se, embora, ainda na linha do empiris-mo sensista, de matriz lockiana, que caracterizou opensamento português desde os anos 40 de Setecen-tos, a filosofia silvestrina definia-se por um eclectis-mo sui generis, que, a uma renovada base aristoté-lica, procurava adicionar as conquistas modernas de

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Bacon, Leibniz e Condillac, o que se, por um lado,é a raiz do seu anti-idealismo, da sua incompreen-são do criticismo kantiano e do seu utilitarismo éti-co, por outro, explica a sua revalorização da lógicaaristotélica e o relevo que o seu pensamento confe-re à ontologia e à teodiceia, a rigorosa separação queestabelece entre filosofia e ciência, a sua atitudepositiva, apoiada num demorado contacto com aproblemática científica e a atenção que deu à meto-dologia e à classificação das ciências.

O ponto de partida do pensamento silvestrino erao problema do conhecimento, ou, mais precisamen-te, o da origem das ideias. Da solução que procuroudar-lhe, inspirando-se em Aristóteles, Locke e Con-dillac, resultou o apressado rótulo de sensualista comque, com manifesta desatenção e injustiça, algunsintérpretes superficiais o classificaram.

Com efeito, embora Pinheiro Ferreira, em certoperíodo da evolução do seu pensamento, tivesse na-vegado na corrente sensista, a breve trecho se afas-tou com decisão do filósofo gaulês para afirmar aautonomia do intelecto e do raciocínio como fontede conhecimento, paralela à sensação. Por outrolado, se bem que critique o inatismo do tipo leibni-ziano ou kantiano, o pensador português admite a

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existência da faculdade inata de conhecer e ter ideias,assim como é necessário não esquecer a sua francae coerente adesão à lógica aristotélica e a clara afir-mação ontológica do seu pensamento.

Para o nosso filósofo, o conhecimento não seesgota, porém, no plano passivo das ideias ou no-ções, pois busca essencialmente, agora numa atitudeactiva, estabelecer relações entre as próprias ideias,pelo que o juízo, enquanto expressão dessas relações,é a forma lógica do conhecimento. Mas o espíritotem ainda a faculdade de estabelecer relações entrejuízos, de raciocinar ou discorrer, a tal faculdade sedando o nome de razão.

Desta gnosiologia resulta que o conhecimento nãotem unicamente nos sentidos a sua origem, visto quetambém as conclusões a que o pensamento chegaatravés do raciocínio são autêntico conhecimento,diferenciado do que provém das sensações.

Ciente de que a teoria do raciocínio é inseparávelda da linguagem, Silvestre Pinheiro Ferreira demo-rar-se-á a mostrar que sem linguagem não há pen-samento e a estudar o processo através do qual, pelaanálise, se chega à formulação das definições, quedepois se relacionarão no raciocínio, num esquemaquase matemático.

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Embora as palavras não sejam as próprias ideias,mas apenas um seu sinal ou expressão, a verdade ésó haver conhecimento quando há discurso, e estetece-se de palavras. Daí a importância fundamentalque, para a filosofia e para a ciência, apresenta a no-menclatura de que uma e outra se servem. Daí tam-bém a atenção que o pensador português semprededicou aos problemas da filosofia da linguagem eda nomenclatura das ciências.

O reconhecimento do papel do raciocínio na cria-ção do conhecimento não significa, da parte de Sil-vestre Pinheiro Ferreira, a concessão a qualquer ina-tismo, a que o pensador sempre se mostrou adverso,afirmando claramente que todas as nossas ideiasprovêm da experiência ou do testemunho de outrem.

É, precisamente, este engenhoso dualismo que vaipermitir ao nosso filósofo conciliar o seu empirismosensista com o teísmo e o pensamento religioso,porquanto o admitir que as ideias tanto podem provirda experiência sensível como do testemunho de outrapessoa se lhe afigurava garantia suficiente para umaortodoxa teodiceia cristã que o ponto de partida doseu filosofar parecia pôr irremediavelmente em causa.

Deste modo cria o filósofo salvar o seu pensamen-to de um imanentismo em que uma exigência de

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coerência com os seus próprios fundamentos pare-cia querer precipitá-lo e garantir a validade gnosioló-gica do conhecimento revelado, a possibilidade daprofecia e do milagre e a superioridade da religiãorevelada sobre aquela que se detém nos limites darazão natural.

Por outro lado, embora sequaz de uma concep-ção predominantemente sensista da origem das ideias,o pensador não deixa de afirmar a sua realidade, aomesmo tempo que confia ainda na correspondênciaexistente entre as categorias do conhecimento e asdo ser, pretendendo salvar assim, pré-kantianamente,o acesso gnosiológico à realidade.

A ontologia de Silvestre Pinheiro Ferreira, apresen-tando-se, em primeira instância, como um tratadoformal de categorias, que vê na categoria de quali-dade e não já na de substância a primeira das cate-gorias, vem, depois, a desenvolver-se, explicitar-see completar-se num sistema do universo e numa cos-mologia monadológica.

Lembrando o aforismo leibniziano de que cadamónada de que o universo se compõe é representa-tiva do mesmo universo, o pensador afirma que to-das as substâncias se encontram ligadas entre si, numvasto sistema, pelo que cada fenómeno, por mais

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ínfimo que se apresente, assim como é efeito detodos os que o antecederam, é, igualmente, causaparcial de todos aqueles que vêm a suceder-lhe.

Para Silvestre Pinheiro Ferreira, todas as substân-cias se encontram numa relação de mútua dependên-cia, num equilíbrio harmónico, dentro de um siste-ma total do universo em que não existem hiatos nemfissuras, havendo antes uma transição gradual de unsgéneros para outros, através das espécies que partici-pam de qualidades comuns a mais de um género, eassegurando as forças de atracção e repulsão de quesão dotadas as mónadas, a conservação e o aperfei-çoamento das substâncias, bem como a transforma-ção e a regeneração de todos os elementos da natu-reza.

Ordenado racionalmente desde o início pela sa-bedoria de um Deus criador, o vasto universo é,assim, um sistema pluralista de substâncias interde-pendentes e hierárquicas, a que preside a harmonialeibniziana.

No domínio da teodiceia ou da teologia filosófica,o pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira, ao mes-mo tempo que não deixa de se inserir na imediatatradição anterior de Inácio Monteiro e Teodoro deAlmeida, ao sustentar haver perfeita compatibilidade

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e harmonia entre a razão e a fé, o conhecimentoracional e a revelação religiosa, devendo, por isso,os mistérios ser entendidos como verdades, doutri-nas ou asserções que, excedendo as limitadas e fini-tas capacidades da razão humana, no entanto, nãosão contraditórias ou contrárias à mesma razão, vema situar-se numa posição de carácter teísta, que aceitaas noções de profecia, de milagre, de queda e depecado original, bem como os quatro grandes misté-rios ou dogmas do cristianismo, a Trindade divina,a encarnação de Cristo, a sua presença na eucaristiae a ressurreição final de todos os mortos, e sustentaque o mal não tem existência real, sendo mera pri-vação ou ausência de bem (Prelecções Filosóficas,1813, Essai sur la Psychologie, 1826, Noções Ele-mentares de Filosofia, 1839, Théodicée, 1845).

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IIISEGUNDO PERÍODO: 1850-1912

1. A morte de Silvestre Pinheiro Ferreira, nos mea-dos de Oitocentos, veio a coincidir com as primei-ras afirmações especulativas de duas linhas de pen-samento de orientação espiritualista que vão proporrespostas e soluções ontognosiológicas, éticas e teodi-ceicas de sinal diverso ou até oposto às que aqueledefendera para um conjunto de problemas que irãocontinuar a reclamar a atenção dos pensadores portu-gueses na segunda metade do século e entre os quaisavulta a ideia de Deus e a crítica da religião.

Assim, o teísmo e a concepção cristã de Deus,que a filosofia silvestrina acolhera, vai ser, sucessiva-mente, posta em causa, primeiro no deísmo de Amo-rim Viana (1822-1901), depois no pantiteísmo deCunha Seixas (1836-1895), no panteísmo de Junquei-ro (1850-1923), Domingos Tarroso (1860-1933) e

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Antero (1842-1891) e na teurgia profética de Sam-paio Bruno (1857-1915), para a existência de Deusacabar por ser radicalmente negada no monismoevolucionista e materialista de Teófilo Braga (1843--1924) e no ateísmo ético e cientificista de BasílioTeles (1856-1923), num longo processo especulativoque atribuiu decisivo relevo à crítica da Trindade eda divindade de Jesus, à negação da ideia de Provi-dência e dos milagres, e que veio a traduzir-se nasubstituição da ideia de um Deus pessoal e distintodo mundo por um monismo panteísta ou materialista,e do criacionismo pelo emanatismo ou pelo evolu-cionismo naturalista e a culminar ou a concluir-se noagnosticismo e no ateísmo.

Na filosofia portuguesa do período que decorre demeados do século XIX até ao final da primeira dé-cada do seguinte, o assalto crítico à concepção cristãda divindade foi acompanhado pela dissolução doconceito de uma razão clara e segura de si, lumi-nosa via de acesso aos segredos da verdade divina,que ignora a sombra e repele todo o negativo e todoo irracional como é, ainda, a de Amorim Viana e, decerto modo, também a de Cunha Seixas, a qual vaiser substituída, primeiro, por uma razão que, emAntero, se interroga sobre os seus limites e, depois,

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acabará por admitir o irracional, primeiro como irra-cional entitativo, com a concepção do mal como opositivo e o plenamente real, em Sampaio Bruno, e,depois, com a admissão do erro como irracionalcognitivo, em Leonardo Coimbra.

2. Como acima se referiu, no pensamento portu-guês, a reacção espiritualista contra o empirismo sen-sista de que Silvestre Pinheiro Ferreira fora o últimoe mais original representante vai partir de duas linhasespeculativas surgidas em meados do século XIX, en-cabeçadas, respectivamente, por Amorim Viana e porVicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886).

Pensador espiritualista e filósofo do Absoluto, o pri-meiro centrou a sua atenção reflexiva na ideia deDeus e nas relações entre razão e fé, filosofia e reli-gião, numa orientação racionalista que punha emcausa e sujeitava a rigoroso exame a tradição da teo-diceia e da teologia filosófica portuguesa, de clarainspiração cristã.

Contrapor a fé à razão afigurava-se-lhe incorrectoe inadequado, pois a fé seria, para ele, um estadode espírito, uma revelação natural e interior, uma ilu-minação superior do entendimento cujos limites sãoos da própria razão e não um afecto da alma ou um

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fenómeno sobrenatural. Por outro lado, as verdadesracionais seriam revelações divinas, visto que, parao filósofo portuense, a razão se encontraria emcomunicação com Deus, não de um modo inefável,misterioso ou sobrenatural, mas dentro dos seuspróprios limites. Daqui decorreria, então, que o pen-samento e a razão humana não atingiriam o conhe-cimento da essência infinita de Deus ou do seu seríntimo, mas tão-só do seu ser para nós e em nós.Deste modo, para Amorim Viana, ao lado do reinoda razão, dois outros se nos deparariam, que comele se conjugavam harmonicamente: o do sentimentomoral e dos mistérios ou das verdades que, exce-dendo a capacidade do entendimento, não contrariamnem se opõem à mesma razão.

Deste conceito de uma razão segura de si em suaorigem divina, seu processo lógico-discursivo e suafinalidade transcendente e que, gradual e indefinida-mente, se vai adequando ao conhecimento da realidade,deduzia o filósofo-matemático importantes coroláriosmetafísicos e teológicos, como o de que careciamde sentido os dogmas cristãos da Trindade e da En-carnação, pois Deus é impessoal e não se pode reve-lar sob forma corpórea, o mesmo acontecendo coma noção de pecado original e com a ideia de queda,

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porque Deus, sendo ciência e luz, não poderia proi-bir que o homem investigasse a sua natureza por viaracional; a impossibilidade da profecia, do milagre eda mediação angélica, porquanto o ser divino se dáa conhecer pela razão e não por meio de qualquervisão fantástica do passado ou do futuro, a criaçãodivina é permanente e perpétua e as leis naturais sãoinalteráveis.

Por outro lado, porque a criação é intrinsecamenteboa, não só o mal não teria existência real, sendomero sinal da imperfeição do homem, como se apre-sentariam privadas de sentido a noção de pecado eas ideias de inferno e de demónio, pois o entenderque Deus pudesse odiar qualquer criatura seria ad-mitir o mal na própria divindade.

A alma humana seria imortal mas o homem não serianunca puro espírito, pensando o filósofo que, depoisda morte, o ser humano habitaria noutro espaço, ondenasceria e morreria, numa sucessão indefinida de mor-tes e nascimentos cada vez mais incompletos, numcomo que retornismo ascendente, segundo o qual ohomem seria cada vez mais perfeito, sem, contudo,alcançar algum dia a infinita perfeição, a qual só aoser Absoluto de Deus estaria reservada (Defesa do Ra-cionalismo ou Análise da Fé, 1866).

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3. A segunda linha espiritualista que se afirmou,entre nós, a partir de meados do século XIX teve oseu início quando, em 1844, Vicente Ferrer NetoPaiva, lente de Direito Natural da Faculdade de Di-reito de Coimbra, decidiu romper com a orientaçãoprescrita pelos velhos Estatutos pombalinos da Uni-versidade, que seguira durante o primeiro decénio doseu ensino e, eclecticamente, procurou fundir a me-tafísica dos costumes kantiana com o panenteísmode Krause, de que tinha apenas um indirecto conhe-cimento, através das obras de Ahrens e Tiberghien,discípulos belgas do filósofo germânico.

Circunscrita, de início, ao ensino jurídico, a novadirecção especulativa vai ampliar-se a outros domí-nios filosóficos, através de alguns discípulos de Fer-rer, como Joaquim Maria da Silva (1830-1915) e Joa-quim Maria Rodrigues de Brito (1822-1873), pelamesma altura em que, no Porto, Amorim Viana davaa público a sua Defesa do Racionalismo.

Pensadores de Absoluto ambos, que atribuíamprimado à ideia de Deus e à teologia racional e ad-mitiam a legitimidade filosófica da noção de mistériocomo verdade que excede os limites da razão sem,no entanto, a contrariar ou contradizer, sustentando,por isso, haver harmonia e compatibilidade entre a

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razão e a fé, os dois filósofos compartilhavam aindadiversas outras ideias ou concepções fundamentais,como um conceito de razão que a compreendia comofaculdade que, através de um conhecimento directoe intuitivo, podia descobrir a verdade e o absoluto ecujos princípios ou categorias seriam inatos e devalor absoluto e necessário, constituindo, do mesmopasso, leis de todos os seres, o que possibilitaria averdade do conhecimento, o pensar que há unidadee harmonia no universo, as quais se revelariam atra-vés da multiplicidade e variedade dos seres criados,hierárquica e ascendentemente ordenados, a ideia deque o bem é o fim do homem e de todo o universo,pelo que o mal é mera privação de bem, e a de queo elemento espiritual do composto humano é imortal.

Se não pode negar-se o singular mérito especula-tivo dos Primeiros Estudos de Filosofia Racional(1863), de Joaquim Maria da Silva, uma das maispessoais, rigorosas e completas formulações que, emmeados de Oitocentos, o pensamento de pendor espi-ritualista alcançou entre nós, deve reconhecer-se, noentanto, mais destacado papel à obra e ao magisté-rio do sucessor de Ferrer na cátedra coimbrã, o qualse apresenta como o mais metafísico dos nossospensadores de livre inspiração krausista, não só ao

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basear a sua reflexão numa antropologia filosófica quese funda numa ontocosmologia pluralista, se concluinuma ética espiritualista e se garante por uma teolo-gia racional, como, ainda, por a sua atenção refle-xiva se haver alargado também à filosofia da religião.

Na Filosofia da História do Cristianismo (1873),que a morte prematura o impediu de concluir, Ro-drigues de Brito, mantendo-se próximo da ortodoxiacristã, com cujas verdades essenciais se identifica,parte da ideia de que a aspiração para Deus é perma-nente no homem em todos os tempos e lugares ede que a noção de divindade é o pensamento primor-dial de todas as civilizações, para concluir pela supe-rioridade do cristianismo, religião dos espíritos, sobreo paganismo, religião da natureza, pela divindade deCristo, como concretização real do espírito absolutoe pela verdade da doutrina cristã como única verda-deira religião da humanidade, tudo isto com base numaconcepção providencialista, ascendente e optimista daHistória como realização do espírito no tempo, se-gundo a qual a realização do ideal da humanidadeabrange todos os povos, que seriam instrumentos daProvidência no caminho da objectivação da ideia di-vina por todas as vontades individuais, livrementeassociadas, até uma final teocracia.

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4. Para além do indiscutível valor da sua obrareflexiva, Rodrigues de Brito distingue-se ainda peladecisiva influência que o seu magistério veio a terno caminho especulativo de Cunha Seixas e Anterode Quental, cujo pensamento filosófico revela a suaevidente matriz krausista, na versão que lhe deu olente conimbricense.

O primeiro, no quarto de século que medeou en-tre o inicial ensaio Fénix ou a Imortalidade da AlmaHumana (1870) e os Princípios Gerais de Filosofia(1898), de póstuma publicação, deu pública expres-são escrita a um ambicioso sistema filosófico quedenominou pantiteísmo, procurando vincar, assim, emoposição tanto às diversas formas de panteísmo comoao panenteísmo krausista, que a matriz ou o pontode partida do seu pensamento se encontrava na in-tuição primordial de que Deus está em tudo, comocentro de todas as coisas e nelas manifestado.

O sistema pantiteísta apresentava-se como umarenovada expressão do espiritualismo, herdeira de umalinha de pensamento antigo e moderno, que vinha dePlatão e Aristóteles até Descartes, Malebranche, Lei-bniz e ao idealismo alemão, atenta às conquistas cien-tíficas do seu tempo mas adversa às suas abusivasprojecções ou pretensões metafísicas, o que explica

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a atenta e reiterada crítica do pensador tanto aopositivismo comtiano e à versão monista e materia-lista que, entre nós, Teófilo Braga lhe deu, como aoutras formas ou correntes de pensamento suascontemporâneas, como o evolucionismo, o materia-lismo ou o atomismo.

Para a doutrina pantiteísta, o ponto de partida doconhecimento e da ciência não poderia ser a sensa-ção nem a experiência, devendo antes ser uma ver-dade inconcussa, evidente por si e inabalável, carac-terísticas de que apenas seriam dotadas as leis darazão que constituem, igualmente, leis das coisas, oque significaria, então, que tal ponto de partida de-veria ser ontológico e não empírico. Daí que, comosustentava, o ponto de partida do conhecimento hu-mano, subjectivamente, fosse o pensamento, en-quanto, objectivamente, seria a ideia de ser.

Se as ideias são, para o pensador, pressuposto econdição primeira do saber possível ao homem, todoo conhecimento se traduz num juízo, formado se-gundo as leis da substância, da manifestação e daharmonia e desenvolvido em três momentos, corres-pondente, o primeiro, à afirmação espontânea e in-tuitiva de um objecto, apreendido concretamente nasua existência, enquanto, no segundo, através da

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análise e reflexão sobre a noção assim intuitivamenterecebida, se inquire da sua natureza e se dissociam,classificam e distinguem os elementos que compõemo objecto e, no terceiro, se realiza a síntese harmó-nica dos resultados da anterior abstracção e se inte-gra cada ser no lugar que lhe cabe na ordem hierár-quica do real.

Tal síntese opera-se no plano das ideias racionaisou ontológicas, inatas ao próprio espírito, universais,absolutas, necessárias e invariáveis, a primeira dasquais é a ideia de ser, na sua máxima indetermina-ção, como fundamento de todos os princípios ontoló-gico-metafísicos, já que todo o juízo, necessariamen-te, a envolve como possibilidade, unidade, identidade,existência, totalidade e critério de verdade.

Desta primeira ideia de ser decorrem, depois, asde substância, causa, relação, tempo, espaço, gran-deza e finalidade.

Mas porque as ideias racionais são também ontoló-gicas, comandando tanto o pensamento como o do-mínio do ser, é, por isso, igualmente através de umprocesso triádico de ser, manifestação e harmonia quea ordem ontológica se desenvolve e concretiza e a fi-nalidade de cada ser se coordena, dinamicamente, com

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a dos restantes, concorrendo para a realização do beme da harmonia de todo o universo.

Como o finito que é cada ente não pode existirsem uma causa geradora e como o infinito é a eter-nidade e a imensidade, necessário seria admitir queDeus está em tudo, cedendo a todos os entes a suarealidade e subsistência, ficando, contudo, deles sem-pre distinto, porquanto o eterno e imenso não podeconfundir-se com o transitório e limitado. Assim, deacordo com a filosofia pantiteísta, «movemo-nos,somos e vivemos em Deus, participando da sua rea-lidade sem confusão alguma».

No seu pluralismo monadológico e correlativo or-dinalismo teleológico, a ontocosmologia panteísta vi-nha a postular uma teodiceia que a garantisse e deque, em certa medida, seria como que a projecçãoou encarnação.

Sendo abscôndito na sua natureza, Deus manifes-ta-se no universo e pantenteia-se, intuitivamente, àrazão, como inteligência suprema, força infinita, sededo infinito e do absoluto e fonte da verdade, da vidae da harmonia, aqui encontrando o seu fundamentoa ideia de Cunha Seixas de que «o bem é a supremarealidade; o mal é a negação».

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No plano da filosofia da religião, a doutrina panti-teísta vinha a coincidir, em larga medida, com algu-mas posições de Amorim Viana, quando recusavaconteúdo sobrenatural ao cristianismo e negava adivindade de Jesus, tinha por carecido de fundamentoo dogma da Trindade divina e por falsas e figuradasas ideias de queda e de pecado original, quando re-pelia a noção de milagre, em nome da fixidez e per-manência da ordem universal e da imutabilidade dassuas leis e considerava a crença e a fé como reali-dades de natureza inferior ao pensamento filosófico(Princípios Gerais de Filosofia da História, 1878,Galeria das Ciências Contemporâneas, 1879, Ensaiosde Crítica Filosófica, 1883, Estudos de Literatura eFilosofia, 1884, Elementos de Moral, 1886, Princí-pios Gerais de Filosofia, 1898).

5. Também para Antero, se é irrecusável o papelda experiência no conhecimento do real, não podeesquecer-se ou ignorar-se que todo o conhecimentoé uma criação do próprio espírito e que o mundoobjectivo só existe para nós enquanto concebido pelarazão. A este propósito, lembrava o pensador açorianoque qualquer pensamento sobre a realidade, como aprópria noção de realidade, apenas é possível se admi-

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tirmos que o mundo é racional e que nele algo háanálogo aos princípios da própria razão, pelo que àunidade do espírito deve corresponder uma paralelaunidade do universo, devendo ser do conhecimentodo espírito que deve partir-se para o conhecimentoda realidade ou do mundo fenomenal.

Notava ainda o especulativo micaelense que se arazão não muda nem se altera, se não há progressonem regresso no seu ser íntimo e no seu processo,o mesmo não acontece com o seu saber de si, poisela só muito imperfeitamente se conhece, havendomuita incerteza e ignorância no conhecimento quepossui de si própria, o qual se limita aos seus ele-mentos fundamentais, às suas grandes faculdades enoções.

Pensando, como Cunha Seixas, que todas as nos-sas ideias se reconduzem à ideia de ser, que consti-tui a condição mais geral de todas as coisas, Anteronotava, contudo, que ela encerrava uma antítese,porquanto, se a considerarmos a partir da experiên-cia, o ser aparecer-nos-á como realidade, como omundo fenoménico e do devir, como o que é sus-ceptível de ser apreendido pelos sentidos e de movi-mento, ao passo que, na perspectiva da razão, o serse nos revelará como o que subsiste por si, o Abso-

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luto, o que está para além do mundo dos fenómenose dos sentidos, como o imutável e sempre idênticosuporte da diversidade, da alteração e do movimentocontínuo das coisas. Deste modo, no pensamentoanteriano, a ideia de ser comportaria dois elementosirredutíveis e contraditórios, a Realidade e o Abso-luto, não sendo possível ao entendimento humanosaber se entre eles existe qualquer unidade em quese fundem e superem em superior síntese.

Para Antero, as ideias metafísicas ou ontológicasreconduziam-se a duas categorias fundamentais, asde Absoluto e de força, sendo a primeira o necessá-rio pressuposto das ideias de infinito, causa, substân-cia, bem e perfeição e a segunda o das de movimentoe de fenómeno, sendo tarefa fundamental da razãofilosófica e, ao mesmo tempo, o seu limite o procurare definir a relação em que essas categorias estão, jáque em tal relação se encerraria, segundo o filósofo,tudo quanto a razão e o ser contêm.

Entendia o especulativo açoriano que uma adequadainvestigação ontológica deveria partir dos átomos eda matéria, como dados elementares da sensibilidade,para chegar, no final, à noção de Substância, assimcomo admitir que, sendo a realidade um mundo emdevir, a lei não poderia ser vista como algo absoluto

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e necessário e reconhecer que é falsa e errónea todaa concepção monista da Realidade e a noção de evo-lução que dela decorre.

Era nestas três conclusões ou teses que se fun-dava o seu pluralismo ontológico, o novo e pessoalsentido que atribuía à monadologia, a sua ideia deevolução e o espiritualismo ético em que vinha aconcluir-se a sua filosofia.

A ontologia anteriana admitia a existência de trêsregiões distintas no mundo real, o plano inorgânicoda matéria, o domínio da vida e o reino do espírito,hierarquicamente ordenadas, tendo cada uma delaspor base a inferior, à qual acrescentava um novoelemento de natureza diversa e superior.

O espírito era concebido pelo pensador como umaforça consciente, energia simples, autónoma e espon-tânea, tanto no plano do entendimento como no davontade, sendo, por isso, a sensação e a ideia sem-pre criações do espírito, no qual se encontra tam-bém sempre a raiz das suas determinações.

Sendo a forma superior do ser, a força autóno-ma, consciente e plena, o espírito é o tipo da reali-dade, a partir de cuja essência é possível explicar aessência oculta do mundo fenoménico e todo o sis-tema de forças em que a natureza consiste. Com

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efeito, se o universo só é pensável como realidadedotada de uma intrínseca racionalidade e unidade,análoga ao espírito, imperioso seria concluir que to-das as forças do universo deverão ser concebidascomo forças cujas determinações partem radicalmenteda sua própria natureza e têm em si mesmas os mo-tivos da sua actividade, não sendo, nessa medida, aespontaneidade propriedade exclusiva do espírito,antes existindo também, em graus diversos, nos res-tantes planos do real, não havendo, por isso, ser al-gum inteiramente determinado por outro, pois emtodos há, latente ou virtual, uma vontade própria etodo o ser tende para a realização do seu próprio fim.

Deste modo, a evolução deveria ser compreendidacomo ascensão dos seres à liberdade, a que todos ecada um, de modo mais ou menos inconsciente, as-piram, embora só no homem e no espírito humanoela se realize, dado que só a ele é dado conhecer acausa e o fim de tudo. De igual modo, sendo o pro-gresso a lei da evolução, esta não poderá deixar deter um sentido ético, de tender para a criação de umaordem racional, para o alargamento indefinido dodomínio da justiça e de vir a traduzir-se num desdo-bramento incessante da energia moral, numa acçãocontínua da vontade impulsionada pelo ideal.

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Para Antero, o bem constituiria o momento finalda evolução do ser, em que, na consciência, o espí-rito se liberta de todas as anteriores limitações e oeu limitado e individual se dissolve em algo de abso-luto, unindo-se ao seu tipo de perfeição, pois só dis-solvendo a própria vontade na vontade absoluta, re-nunciando à personalidade e ao egoísmo, se alcançaa virtude, a imortalidade e a vida eterna, que maisnão seria do que a perfeita virtude, enquanto renún-cia ao egoísmo, que vem a definir a liberdade, queé a aspiração secreta de todos os seres, razão pelaqual, para o pensador, a santidade seria o termo detoda a evolução e o supremo fim para que existe ese move o universo, vindo, assim, o drama do ser aterminar na libertação final pelo bem (A Filosofia daNatureza dos Naturalistas, 1886, Tendências Geraisda Filosofia na Segunda Metade do Século XIX,1890, Ensaio sobre as Bases Filosóficas da Moralou Filosofia da Liberdade, 1893).

6. A partir do final da segunda metade dos anos70 do século XIX, as orientações filosóficas espiritua-listas de Amorim Viana, Cunha Seixas e Antero deQuental começaram a ser contrariadas e postas di-recta ou indirectamente em causa pelas primeiras

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manifestações de posições especulativas de sinal po-sitivista, evolucionista, naturalista e cientificista, aco-lhidas por autores como Teófilo Braga, DomingosTarroso, Guerra Junqueiro e Basílio Teles.

Havendo iniciado precocemente a sua carreira in-telectual fazendo-se eco das novas correntes de ideiasque começavam, então, a encontrar apressada e maisemotiva do que reflectida adesão na academia coim-brã, com exaltado, juvenil e deslumbrado entusias-mo, e reclamando-se do historicismo de Vico, da es-tética de Hegel, da simbólica de Creuzer e Michelete da poética do direito primitivo de Jacob Grimm,Teófilo, logo no ambicioso ciclo poético de interpre-tação global da história humana iniciado com Visãodos Tempos (1864) e no interessante e pioneiro en-saio Poesia do Direito (1865), deixou esboçadas al-gumas das suas ideias ou crenças especulativas es-senciais, como a concepção da história como luta deLiberdade contra a Fatalidade, a atenção permanenteà simbólica e aos mitos e lendas populares, comoformas primitivas da religião, do direito e da lingua-gem, a consideração do fenómeno religiosos comoretardada revivescência de uma idade superada peloadvento da racionalidade científica e destinada, porisso, a desaparecer, definitivamente, num futuro pró-

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ximo e a adopção de um modo triádico de pensa-mento, de dimensão empírica e sociológica e nãoracional ou lógica, de que, em regra, se encontraausente o momento antitético da negatividade.

Terá sido, porventura, esta tendência do seu es-pírito para seguir ou adoptar um modelo ou um pro-cesso triádico de pensamento, associado a uma formamentis mais inclinada a aceitar um sistema acabadode soluções acessíveis e simples, de pretensa basecientífica e com uma marcada componente políticae pragmática, do que predisposta para a pura refle-xão teórica sobre os problemas metafísicos e éticosque, alguns anos depois, levariam o erudito açorianoa aderir ao positivismo, embora de uma forma noto-riamente heterodoxa (Traços Gerais de Filosofia Posi-tiva, 1877, Sistema de Sociologia, 1884).

Com efeito, entendendo ser necessário rever eactualizar a doutrina comtiana, tendo em conta o de-senvolvimento das ciências da natureza ocorrido nosdecénios posteriores à morte do fundador do positivis-mo, bem como as críticas que lhe haviam dirigidoLittré, Huxley e Stuart Mill ou a doutrina evolucio-nista de Spencer, Teófilo acabou por convertê-la nu-ma metafísica monista, materialista, mecanicista eevolucionista, que bem pouco apresentava de comum,

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a não ser na terminologia, com a filosofia de Comte,vindo a ser esta versão teofilina da filosofia positivaaquela que, através dos seus mais directos discípulose colaboradores Teixeira Bastos (1857-1902), Júlio deMatos (1857-1923), Miguel Bombarda (1851-1910) eManuel Emídio Garcia (1838-1904), veio a enformare dominar o ensino público e a constituir o principalsubstrato ideológico do Partido Republicano.

7. Na mesma época em que Teófilo e os seus maisdirectos colaboradores, através das revistas O Positi-vismo (1878-1882), Era Nova (1880-1881) e Revistade Estudos Livres (1883-1887), procediam à divul-gação da sua pessoal e heterodoxa versão da doutrinapositivista, um jovem pensador autodidacta, tão pre-coce como o professor do Curso Superior de Letras,Domingos Tarroso, na sua Filosofia da Existência.Esboço Sintético de uma Filosofia Nova (1881), se,por um lado, critica o que denominava «epidemiapositivista», em especial a sua gnosiologia e o seumodo de conceber a natureza da filosofia e a rela-ção entre filosofia e ciência, por outro, propõe umametafísica pessimista e céptica, que vem a traduzir--se num monismo materialista, numa cosmologiaevolucionista, de sinal retornista e reintegracionista e

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na ideia panteísta de um Deus inconsciente, que me-receu uma crítica atenta e compreensiva de autorescomo Cunha Seixas, Antero e Oliveira Martins, deque raras obras especulativas portuguesas suas con-temporâneas de bem maior valor e significado foramobjecto.

8. De inspiração cientificista se apresenta tambémo pensamento esboçado por Guerra Junqueiro nosensaios e fragmentos da obra inacabada A Unidadedo Ser, a cuja preparação dedicou os últimos vinteanos da sua vida, pensamento que o próprio poeta--filósofo definiu como «uma metafísica que, partin-do da física, chegava a uma biologia e uma moral».

De raiz, simultaneamente, evolucionista e panteísta,a metafísica junqueirina distinguia três momentosessenciais no drama cósmico. O primeiro, que perma-necia para a razão humana um mistério ou um enig-ma indecifrável, seria a origem do mal, do sofrimentoe da dor, enquanto o segundo seria o domínio daevolução, da vida imortal, em que a matéria infinita,que é sempre vida, energia, vontade, foi ascendendodo gás impalpável, do éter invisível, da nebulosa, atéao homem e aos anjos, sendo o ser humano comoque o resumo ideal da natureza, um ser que vem de

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Deus e para Deus caminha, pois a evolução da natu-reza é a infinita caminhada do amor através do sofri-mento, do espírito através da dor, a qual exalta ediviniza, sendo sublimada pelo amor, que a transcendeem alegria ou sofrimento espiritualizado. Notava,contudo, o pensador que não só à evolução do amorcorresponde, inseparavelmente, a evolução da dor,companheira eterna daquele, como a vida não é ape-nas um progresso amoroso contínuo, pois nela háretrocesso e estacionamento, além do amor há ódio,além da concordância há discordância, vindo a vidaa constituir «um purgatório donde se sobe para océu».

Para Junqueiro, «a lei da vida, que preside a todosos organismos, é conservar o passado, tornando-opresente e actuar sobre ele, modificando-o e aper-feiçoando-o», mas segundo uma lei de liberdade, quefaz que a ciência e a arte tenham uma essencial di-mensão ou natureza ética.

Por sua vez, no terceiro momento do drama cós-mico consumar-se-ia a unidade do Ser, o regressode tudo quanto existe ao seio divino, processo deredenção ou de unidade absoluta em Deus, que é o«infinito amor vencendo infinitamente a infinita dor»e, nessa medida, infinita beatitude.

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Porque Deus é a perfeição infinita, o bem abso-luto, não pode criar o mal, pelo que este só poderiaresultar da queda de toda a natureza criada. Comefeito, na visão junqueirina, Deus criou as mónadas--almas no estado de pureza e as que pecaram degra-daram-se, convertendo-se em mónadas materiais,caracterizadas por um mínimo de amor e um má-ximo de egoísmo. Daí que a evolução, que é o re-gresso à inicial pureza divina, pelo amor e pela dor,dependa, exclusivamente, da vontade das mónadas,que podem progredir, estacionar ou retroceder (Pro-sas Dispersas).

9. Desta solução do problema ou mistério do maldiscordava frontalmente Basílio Teles, filósofo que,referindo o seu pensamento ao idealismo ético ante-riano, negava que o universo evoluísse «para um fimsuperior de beleza moral, de santidade», pois tanto arealidade do mal como o carácter incognoscível daideia de transcendência se lhe afiguravam argumen-tos decisivos a favor de uma solução de sinal ateísta,aqui se revelando as duas instâncias em que se desen-volvia a sua reflexão, uma metafísica do mal e umateoria da ciência da qual derivava o monismo dinâ-

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mico que constituía o núcleo essencial do seu pen-samento, de índole essencialmente ontocosmológica.

Para além do argumento ético a favor do ateísmoque decorria da impossibilidade de conciliar a irre-fragável e brutal realidade do mal com a ideia de umDeus transcendente, omnisciente e omnipotente, justoe bom, todo piedade e misericórdia, o pensamentode Basílio Teles encontrava um fundamento gnosio-lógico para a negação da existência de Deus, aosustentar que nada existe para além do que é sus-ceptível de ser entendido e conhecido pela inteligên-cia humana, pelo que seria inadmissível tudo a quese pretendesse, simultaneamente, real e incompreen-sível, como o milagre, o mistério ou a ideia de umDeus transcendente e criador do mundo.

Profundamente tributário do modelo das ciênciasfísico-naturais, se bem que admitisse o papel cria-dor do espírito em toda a relação cognitiva, o pen-samento de Basílio Teles afirmava a superioridade daciência sobre a religião, que considerava limitada aodomínio subjectivo do sentimento, carecido da uni-dade, generalidade e objectividade suficientes para nelese basear um sistema uniforme de cultura ou umacrença inteligível.

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No plano ontocosmológico, perfilhava o pensadorportuense um monismo dinâmico, segundo o qual arealidade consistiria num universo incriado e impe-recível, único e uno na matéria que o constitui e naforça que o anima, o qual, como realidade e comoideia, resultaria da síntese das noções, que tinha porcientificamente fundadas, de espaço, matéria e ener-gia. Deste modo, para Basílio Teles, o universo ourealidade exterior seria espaço e matéria, dotados am-bos de dinamismo, visto que a força ou energia seriao seu substractum último e irredutível. Recusando aconcepção atomista clássica, a cuja análise dedicoutodo um volume (A Ciência e o Atomismo), o pen-sador fará da ideia de espaço, entendida como ex-tensão contínua e sem dimensão, a categoria primeirada sua ontocosmologia, que a noção de matéria, ca-racterizada pela mobilidade, pela impenetrabilidade epela inércia, completará, do mesmo passo que con-siderará a noção de tempo como puramente psico-lógica, porquanto, no plano exterior e objectivo, existeapenas uma imensa simultaneidade, na qual tudo épresente e actual.

10. Tal como acontecia com Basílio Teles, tam-bém para Sampaio Bruno o problema ou mistério do

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mal constituiu o ponto de partida da reflexão filosó-fica, se bem que a posição quanto a ele assumidapelo filósofo de A Ideia de Deus (1902) difira, sig-nificativamente, não só da que sustentava o autor deA Ciência e o Atomismo como da proposta por Jun-queiro.

Se Basílio Teles referia, criticamente, o seu pensa-mento ao idealismo ético anteriano, Bruno, desde ajuvenil e imatura Análise da Crença Cristã (1874),será em diálogo com Amorim Viana que desenvol-verá o pensamento contido na sua obra capital, emque deu expressão a uma concepção teodiceica emquase tudo contrapolar não só da filosofia da religiãocontida na Defesa do Racionalismo como das tesesque sustentara naquela obra de juventude.

Funda o especulativo portuense a sua reflexãoteodiceica na análise e refutação de duas essenciaisposições ontocosmológicas: o dualismo criacionista,que Amorim Viana perfilhara, e o monismo de quese ocupara já, quatro anos antes, em O Brasil Men-tal (1898).

Quanto ao primeiro, reputa-o falso, por conside-rar absurda a ideia de criação do Nada, já que destecoisa alguma pode afirmar-se sem contraditar o prin-cípio de identidade.

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Por seu turno, o monismo afigura-se-lhe igualmen-te falso, tanto na sua versão ateísta como na suaversão panteísta. No primeiro caso, a sua falsidadedecorreria do facto de que, sem Deus, o universose apresentaria como ininteligível, pois, sendo a na-tureza razão que se resolve em ciência, que é pensa-mento e sistema de ideias, tudo, então, emergiria donada. Se, pelo contrário, o monismo se apresentacomo panteísta, a sua falsidade resultaria de a ima-nência substantiva de Deus ou do Absoluto no uni-verso tornar inconciliável a evolução progressiva domesmo universo e a existência do erro e do mal coma quietude da perfeição que é da essência do próprioser divino.

Afastados, assim, tanto o criacionismo e o panteís-mo como o ateísmo, abria-se a Bruno a via de umateurgia profética, segundo a qual só um mistério po-deria explicar a realidade divina e a origem e o des-tino do universo.

Segundo o visionário e místico pensador, paraquem agora revelação, mistério e milagre eram no-ções filosoficamente positivas, o drama cósmico ad-mitiria três momentos essenciais e decisivos, nistoconvergindo, de algum modo, com a visão de Jun-queiro.

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No princípio seria o Homogéneo, e o Homogéneoestava com Deus e o homogéneo era Deus. O Homo-géneo era, então, a perfeição, o espírito puro e aconsciência plena, infinito e invariável, Tempo puro,permanente e contínuo, absoluto e necessário.

Este primordial ser divino não permaneceu, porém,e, por via de um mistério indecifrável, diferenciou-se,diversificou-se, de modo que uma parte do Tempose alterou, sofreu uma cisão ou uma queda, de queresultou, por um lado, o Tempo puro, mas diminuído,e, por outro, o Tempo alterado, ou o Espaço. Nestemomento, que corresponde ao segundo acto do dra-ma cósmico, encontramo-nos perante três realidadessubstanciais distintas: Deus ou o espírito puro dimi-nuído «em quantidade, não na qualidade, na potência,não na essência, omnisciente mas não omnipotente»o Tempo alterado ou Espaço material, extenso e des-contínuo e o Tempo derivado ou tempo contado noespaço, a que, vulgarmente, chamamos tempo.

Três decisivas e essenciais conclusões cosmoló-gicas e metafísicas deduzia Bruno desta sua visãosobre Deus e o mundo: a de que a matéria não éeterna, como o ser divino; a de que o universo é li-mitado, pois infinito era só o Tempo inicial, o ho-mogéneo absoluto; e a de que o universo aspira a

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regressar ao Homogéneo inicial, pelo que o movi-mento é o início e o fundamento de tudo, dele depen-dendo o avanço na série das formas evolutivas, comvista à reintegração do espírito puro, pela reabsor-ção final de todo o diferenciado e de todo o hetero-géneo.

No entanto, este processo ascendente no caminhoda final reintegração do Homogéneo inicial só é pos-sível com o socorro que o espírito diminuído maspuro continuamente presta ao espírito alterado, quebusca a sua libertação, permitindo, assim, que a ma-téria se vá espiritualizando e convergindo, novamente,para o absoluto. Deste modo, não só o fim do ho-mem não é saber nem gozar, nem procurar umafelicidade pessoal ou egoísta, mas sim o de, orienta-do pela única moral verdadeira, a moral cósmica,ajudar a evolução da natureza e libertar-se a si, liber-tando os outros seres.

De acordo com a visão do pensador, a Providên-cia torna-se inteligível como concurso do espíritodiminuído com o espírito alterado para, pela liberta-ção deste, o absoluto novamente se completar, rein-tegrando em si todo o diferenciado e todo o hetero-géneo dele separado ou cindido, do mesmo passo queo milagre adquire plena racionalidade, como emana-

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ção que impulsiona o espírito alterado a avançar nalibertação e a oração, enquanto aspiração do espíritoalterado para o espírito puro, se apresenta comodotada de eficácia.

Dado, porém, que o processo que conduz à finalreintegração implica a espiritualização de tudo quantoé ainda material, apenas o racional verdadeiramenteliberta, do que decorreria, então, que, no futuro, arevelação haveria de ser demonstração, Deus umaproposição irrefutável, uma nova noção científica,uma verdade humanamente acessível e humanamenteobjectável, algo assente em silogismos e teoremas,susceptível de ser certificado (Análise da CrençaCristã, 1874, A Geração Nova, 1886, Notas do Exí-lio, 1893, O Brasil Mental, 1898, A Ideia de Deus,1902, O Encoberto, 1904, Os Modernos PublicistasPortugueses, 1906, Portugal e a Guerra das Nações,id., A Questão Religiosa, 1907, Portuenses Ilustres,1907-1908, A Ditadura, 1909, O Porto Culto, 1912,Plano de um Livro a Fazer, 1960, 1996, Teoria Novada Antiguidade, 1975, 2004).

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IVTERCEIRO PERÍODO: 1912-1943

1. A linha especulativa iniciada pelo deísmo racio-nalista de Amorim Viana e continuada pela teurgiaprofética de Sampaio Bruno vai, na geração seguinte,encontrar originais continuadores no criacionismo deLeonardo Coimbra (1883-1936) e no saudosismo deTeixeira de Pascoaes (1877-1952), principais promo-tores do movimento Renascença Portuguesa, criado,no Porto, em 1912, com o intuito de dar um con-teúdo espiritual ao novo regime, nascido sob a égideda heterodoxa versão teofilina do positivismo, movi-mento em cuja criação participaram ainda outros pen-sadores de primeiro plano, como António Sérgio(1883-1969) e Raul Proença (1884-1941), que dele,no entanto, viriam a afastar-se alguns anos depoispara, em 1921, participarem, com outros intelectuais,na criação da revista Seara Nova.

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Autor de uma vasta, coerente e sistemática obraespeculativa (O Criacionismo, 1912, A Morte, 1913,O Pensamento Criacionista, 1914, A Alegria, a Dore a Graça, 1916, A Luta pela Imortalidade, 1918,O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, 1922,A Razão Experimental, 1923, Do Amor e da Morte,1923, Notas sobre a Abstracção Científica e o Silo-gismo, 1927, A Filosofia de Henri Bergson, 1934,1994, A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre, 1935),Leonardo Coimbra, pensador de sólida e reflectida pre-paração científica, na sua filosofia criacionista reitera-damente procurará demonstrar a primeira e essencialrealidade do espírito, a irrecusabilidade da metafísicae o sentido da filosofia como órgão da liberdade.

O ponto de partida do seu pensamento é o proble-ma do conhecimento. Mas, para que o conhecimentoseja possível é necessário que entre o pensamento eo universo ou o ser haja uma vasta e profunda analo-gia, o que não significa que o pensamento seja umaduplicação da realidade ou a sua reprodução, pois arealidade é criação do pensamento, o qual, pela racio-nalização das intuições, vai formando noções que seconstituem em sistema, através de um processo dinâ-mico e ascendente, que, partindo do mundo e dohomem, chega até Deus.

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Assim, de acordo com o pensamento de LeonardoCoimbra, o ser é um conjunto de noções reais e nãode coisas, o espírito humano é criador e a realidadeé plural, ascendendo da matéria inerte à vida e àdignidade espiritual da pessoa livre, pelo que só umarazão dialéctica no seu processo, experimental na suacapacidade de operar a síntese entre o espírito e aexperiência científica e moral, pode levar o homema comungar em simpatia e a participar da razão cós-mica que está patente e se revela na sagrada e amo-rosa harmonia do universo.

Ontologia do espírito que o entende como perma-nente actividade livre, o criacionismo não recusa odecisivo papel gnósico da sensação, da intuição, dosentimento e da imaginação, já que são estas formasde pretenso irracional, por excesso e não por defeito,que constituem o fecundo alimento com que a razão,na sua tarefa de construir noções e de as articularem sistema, confere realidade aos seres e à socie-dade de mónadas unidas no dinamismo do amor queé o próprio universo, cujo centro é Deus.

Na verdade, se o ser ou a realidade é o infinitoenchendo e animando o nada, sendo, por isso, umirracional criando a razão e a ordem, um excesso deser sobre todas as razões e conceitos, pois, em sua

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essência, a razão é razão cósmica, infinita e activa ea realidade se resolve em acção do pensamento quea cria pelo conhecimento e em acção divina que acria pelo amor unificante, então Deus, amor incriado,é o sustentáculo dos mundos.

Deste modo, o amor é a essência da realidade, poisDeus é imanente ao mundo, que é a sua manifestação,sem que, no entanto, seja o próprio Deus, pois ima-nência e transcendência são relações e não absolutos,tal como a perfeição também não é um absoluto masa mais íntima e vasta relação. Deus é perfeição preci-samente por ser o infinito amor amante e não porque,sendo amor, não deseje nem ame, já que, se semDeus o mundo pára, Deus sem o mundo adormece.

No pensamento leonardino, enquanto o amor é aprópria essência da realidade, a memória é o graumais alto dessa realidade, e Deus a mais alta e per-feita memória, já que esta é a condição da harmonia,da ordem e da proporção do universo criado. Sendoo supremo princípio do ser ou da realidade o de que«nada se esquece», a continuidade da realidade da vidaimplica a memória biológica, que, pelo seu carácterimpessoal e anónimo, é indiferente perante a morte.Já quanto ao homem ou à pessoa, a memória nãose limita à função biológica de conservação ou in-

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venção dos valores da espécie, mas, porque é umamemória pessoal, ética ou moral, feita de liberdadeactiva e unificada pelo amor, exige como sua condi-ção necessária a sua conservação, a sobrevivência dapessoa, a imortalidade.

Daqui concluía o filósofo a sua ideia de Deus comoa mais vasta e íntima consciência, em que se realizaa unidade dos seres, como a memória total, ordena-dora das relações cósmicas, e como amorosa uni-dade. Daqui também a oposição leonardina à ideia deDeus como motor imóvel ou primeira causa, pois acausa ordenadora teria de ser, também, criadora, porser impensável um ordenador de uma matéria inexis-tente, o que conduz, necessariamente, então, à ideiade um Deus criador. Mas, porque assim apenas sealcança provar a existência de Deus, mas não a suaperfeição, Leonardo Coimbra procura dar novo sen-tido ao argumento ontológico, concluindo a existên-cia de Deus, não da ideia abstracta de perfeição, masda ideia viva, que, realizando obras de perfeição ilimi-tada, nos leva a concluir por uma longínqua fontedessa perfeição, que alimenta as obras de uma per-feição ascendente, realizando-se em vida.

Segundo a antropologia criacionista, a origem dohomem encontra-se na permanente criação divina,

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advertindo, contudo, o filósofo que, sendo embora«imagem de Deus», o homem real, tal como o co-nhecemos e somos, não é puro homem natural nemconserva a sua natureza originária, pois, enquanto estaera uma natureza de liberdade sobrenatural, o homemactual é um ser decaído, cuja natureza, dada em li-berdade, se corrompeu por força da queda ou dopecado, diminuindo-se e perdendo-se em rebeldia eafastamento do seio do divino amor.

Era, precisamente, no mistério da queda que ofilósofo criacionista encontrava a explicação para arealidade e a existência do mal, pelo que só a graçadivina, com o seu amoroso socorro, e não a liber-dade das mónadas, poderia restaurar a ordem inicialalterada.

Se era na queda que, segundo o pensamento leo-nardino, se encontrava a origem do mal, seria tam-bém nela e por ela que a saudade encontraria a suarazão de ser, como presença, na memória, do Paraí-so Perdido e da amorosa relação com Deus. Assim,a saudade, sendo lembrança da pátria divina com odesejo do regresso, é, igualmente, para o mestreportuense, o sentimento de ir a caminho de umamaior presença de Deus em nós e nos seres, poisDeus é permanente invenção do amor que aumenta

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a vida e supera a separatividade e a queda. Daí que,pela Encarnação de Cristo, o acto infinito do amorcriador, o cristianismo se apresentasse ao pensamentode Leonardo Coimbra como a mais alta e nobre ex-pressão religiosa da saudade.

2. Fazendo, igualmente, da saudade o núcleo oua matriz do seu pensamento poético, filosófico e reli-gioso, Teixeira de Pascoaes (Marânus, 1911, Regressoao Paraíso, 1912, O Espírito Lusitano ou o Saudo-sismo, id., O Génio Português, 1913, Verbo Escuro,1914, O Bailado, 1921, São Paulo, 1934, O HomemUniversal, 1937), no seu saudosismo, situa-se, hete-rodoxamente, na dramática e abismal encruzilhadapor que passam os caminhos da visão brunina da«queda em Deus», do retornismo ascendente deAmorim Viana e do evolucionismo de Junqueiro.

Se admite que, «na origem, tudo é mistério», e separece aceitar a noção de criação, atribui-lhe, con-tudo, um sentido negativo ou descendente, ao conce-bê-la como «o pecado de Deus» e ao afirmar que opecado original é anterior ao homem, que dele já éexpiação. Contrariamente ao optimismo cristão docriacionismo leonardino, a criação, em Pascoaes,resulta da dor e do mal, pois tudo provém de um

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Deus diminuído pelo próprio acto de criar, sendo,por isso, a sombra a essência das coisas. Daí, tam-bém, que atribua ao homem a missão de «concluira imperfeita criação que Deus iniciou», e de ser o«redentor das coisas», a quem cabe «emendar a obrade Jeová» e que entenda que criar não correspondea tirar do Nada alguma coisa, mas sim a tirar algu-ma coisa de outra. No seu pensamento, criar equi-vale, assim, a revelar, a fazer surgir o novo, a partirde uma substância anterior, realizando uma possibili-dade que, nela, de algum modo, existia já.

Era neste singular conceito de criação que radica-va o evolucionismo de Pascoaes, segundo o qual ovegetal, o animal e o espiritual seriam sucessivasrevelações forçadas da alma, que, sendo excedênciade uma forma viva e mais antiga pelo corpo, é cria-dora e reveladora de Deus, que, por seu intermédio,de criador material se torna criatura espiritual. Aquise funda a paradoxal conclusão do poeta-filósofo deque «Deus é a última criatura e o primeiro criador»,pois a criação é a queda, cisão ou pecado de Deus,pelo qual o ser divino se objectivou e tornou mundoe, de realidade espiritual, se desdobrou em realidadematerial. De igual modo, o homem não seria um ser

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modelado à imagem e semelhança do Criador, mas«a imagem da criação intimamente desenhada».

Segundo o transformismo evolutivo de Pascoaes,o universo é de natureza espiritual, consistindo numcomplexo de forças que, de físico-químicas, se tor-nam bio-psicológicas, a partir de um princípio espiri-tual ou criador, seguindo um processo autocriadorque culmina no homem, cuja actividade espiritual fazdele a síntese consciente e emotiva do universo emascensão perpétua para Deus, já que a cada redençãohumana sucede uma nova criação divina, num re-tornismo ascendente, espiralado e sem termo, em queo homem «é o Éden carnal de um novo Adão es-piritual».

É nesta concepção metafísica que radica a visãoda saudade de Pascoaes, como «lembrança de umaremota perfeição, vivida talvez em outro mundo,animada pelo desejo de uma nova Perfeição», na qualse cruzam o criado e a criação, o mal, de origemdivina, e o bem, de origem humana, sendo, por isso,a saudade a essência do Cosmos e a alma do mundo.

Assim, de acordo com o pensamento do visionárioe genial poeta-filósofo, é pela actividade saudosa daalma, síntese dinâmica de lembrança e desejo, que acriação, Deus decaído, readquire a plenitude divina.

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3. Em vários aspectos próximo do idealismo cria-cionista leonardino se apresenta o idealismo críticode António Sérgio (Notas sobre Antero de Quental,1909, Ensaios, 8 vols., 1920-1958, CartesianismoIdeal e Cartesianismo Real, 1937, Cartas de Proble-mática, 1952-1956), mau grado as divergências po-líticas, pessoais e caracteriológicas que, em vida,opuseram os dois pensadores e as duras críticas que,após a morte do filósofo de A Razão Experimental,lhe dirigiu o autor dos Ensaios.

Filiando o seu pensamento na pessoal leitura quefazia de Platão, Espinosa, Kant e Antero, para Sér-gio, a filosofia, que concebia como «uma atitude euma disciplina do espírito, uma disciplina crítica, umaascese», vinha a consistir, essencialmente, em epis-temologia e ética, unidas, na sua reflexão, pela ideiade dever ser, que, no seu pensamento, se não limi-tava ao domínio da razão prática.

A filosofia sergiana parte e fundamenta-se em duasideias básicas: por um lado, a da correlatividade dosujeito e do objecto, do eu e do não-eu, que só emfunção um do outro têm existência e sentido e oparalelo reconhecimento da existência de uma reali-dade física ou Físis, independente da consciência; poroutro, o postulado da inteligibilidade do mundo, que

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precede todo o conhecimento e toda a ciência, e tema sua sede na estrutura legalista da consciência e noprincípio da «unidade legal do múltiplo» que dela di-rectamente decorre e que funda, simultaneamente, o«dever ser moral» e o «dever ser inteligível».

No que respeita à noção de Físis, entendia-a Sér-gio não como um ser, uma coisa ou uma substân-cia, mas como um devir, uma actividade constante,uma cadeia de acções e reacções, que nos envia si-nais, as sensações ou as intuições sensíveis.

A ideia central do idealismo sergiano encontrava-senaquilo que designava pela «crença na espontaneidadecriadora da mente, que constrói na percepção e nasconcepções científicas», na ideia de que, no conheci-mento, o espírito é sempre activo, cabendo-lhe a ini-ciativa da pergunta e da resposta e na decisiva im-portância que atribuía à percepção como construçãodo intelecto, na paralela desvalorização da sensação ouda intuição sensível, no relevo que, tal como Leonardo,conferia à categoria de relação em lugar da de subs-tância e no papel privilegiado que atribuía ao juízo emdetrimento do conceito, que considerava resultar sem-pre da actividade judicatória do intelecto.

Apresentando-se como um racionalista crítico, Sér-gio concebia a razão como criadora, organizadora,

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estruturadora e unificadora, abrangendo a totalidadedos factos da consciência, incluindo não só o domíniocognitivo das percepções, mas também o sentimentoe a vontade, configurando-se, por isso, simultanea-mente, como razão especulativa, espiritual e prática,sendo, na sua globalidade, um pendor a estabeleceruma harmonia, uma coerência, uma unidade de rela-ções atendíveis em toda a vida da mente humana ea instaurar uma ordem não só lógica mas real entreos homens, tanto no plano dos objectos e do sabercomo no das acções, da vontade, das representaçõessociais e dos sentimentos.

Era neste conceito de razão, com seu intrínsecodinamismo e radical voluntarismo, que se fundava anoção nuclear de uno unificante, visto pelo filósofocomo o espírito como impessoal unidade transcen-dental de apercepção, a razão como ser-acto, espiri-tual e puro que, sendo a busca da unidade em tudo,constituiria a manifestação do universal no indivíduo,naquilo que nele não é individual, do absoluto nopensamento.

Esta noção sergiana de uno unificante, do mesmopasso que fundava o seu pensamento ético, revela-va-se indissociável da sua ideia de Deus, próxima dade Antero, tal como Sérgio o interpretava, de um

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Deus imanente à consciência, «constelação de ideiasmorais», concebido como princípio supremo abso-luto e impessoal, princípio de unidade e princípiouniversalista do dinamismo mental, foco do pensaruniversal e cúpula de um edifício puramente intelec-tual, Acto dos actos de pensamento objectivo.

Deste modo, para Sérgio, a única via para alcan-çar uma concepção de Deus ou do divino como uni-dade do puro inteligível seria a reflexão sobre aconsciência do homem, em que, pela retrocessão aomais interior dessa mesma consciência, o divino lheapareceria como o Acto-Uno imanente à consciên-cia, como unidade unificante do seu dinamismo in-terno, como o que se eleva à consideração do Todoe se dirige para o universal e o eterno e deseja erealiza a objectividade e o bem.

4. Racionalista e livre-pensador como AntónioSérgio, Raul Proença (O Eterno Retorno, 1987 e1994), seu companheiro na Seara Nova, se com elecoincidia ou convergia em muito no plano político,dele divergia em três pontos fundamentais: no modode conceber a razão, na resposta ao problema on-tognosiológico e na importância atribuída ao proble-ma de Deus e na resposta que lhe dava.

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Ao intelectualismo sergiano contrapunha Proençaum conceito de razão e uma forma de racionalismoque não ignorava nem menosprezava o papel e o valordo sentimento e da vontade, assim como ao idealismoracionalista e crítico do autor dos Ensaios preferiauma atitude realista ou ideo-racionalista quanto ao pro-blema do conhecimento e da origem das ideias.

Por outro lado, enquanto, na meditação sergiana,a concepção de Deus como imanente à consciênciaera simples decorrência da sua ideia transcendentaldo espírito como uno unificante, para o atormentadopensador de O Eterno Retorno, a interrogação sobrea existência de Deus e sobre a imortalidade pessoal,bem como o problema religioso, constituíam a inter-rogação primeira com que a sua reflexão, dramáticae agonicamente, desde cedo se defrontou.

Tendo partido, no seu caminho especulativo, domonismo evolucionista e determinista e de uma deci-dida e ingénua posição ateísta, em muito marcada pelalição teofilina, o jovem Proença em breve dele seafastaria para passar a admitir a soberania supremada razão, a liberdade do proceder moral e a existên-cia de um sentido religioso, eterno e subsistente paraalém de todas as transformações ou vicissitudes his-tóricas e afirmar que acima de Deus, que é uma

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criação pessoal, há algo de mais rico e superior, queé o Divino, e que a religião constitui a própria vida,na sua extensão e na sua ascensão, ultrapassando odogma, pois nela a potência do amor sobreleva adiversidade das seitas e o Divino sobrevive a Deus,pelo que ser religioso seria acreditar que, para alémdo Deus pessoal, existe o eterno Amor, que cria asalmas, as purifica, diviniza e exalta e, no futuro, uniráos homens na mesma bênção luminosa.

Este singular criacionismo, em certa medida nãomuito distante do leonardino, virá, no entanto, a serdepois abandonado pelo filósofo, que passará a per-filhar o que denominou um «ateísmo mitigado», debase fundamentalmente ética, como o de Basílio Teles.

Para o combativo pensador seareiro, a principalrazão ética do ateísmo encontrar-se-ia na convicçãode que a crença na não existência de Deus e nainexistência da vida eterna era condição essencial damoralidade, já que só assim o bem seria aceite, apro-vado e praticado por si mesmo e não tendo em vistaqualquer prémio ou sanção futuros.

A este primeiro e fundamental argumento a favordo ateísmo aditava Proença o já perfilhado por Basílioda incompatibilidade entre a existência de Deus e arealidade do mal, notando, contudo, que, sendo im-

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possível basear juízos de existência em juízos devalor, a única coisa que poderia afirmar com rela-tiva segurança seria a quase infinita improbabilidadeda existência de Deus, não deixando de acrescentarque, caso Deus existisse, seria necessariamente pes-soal, pois o panteísmo se lhe afigurava um merofractus vocis ou uma simples criação literária. Segundoo pensador, o que verdadeiramente lhe interessava nãoera a imortalidade dos seus átomos materiais ou dequalquer cosmos ou substância metafísica, mas a doseu próprio espírito, «com a memória inteira e asociedade eterna de todos os espíritos que ele amou,e junto dos quais viveu horas de comoção suprema».

Negando, como Sérgio, a divindade de Jesus,Proença não deixava, como ele, de reconhecer o altovalor moral da doutrina cristã como doutrina demisericórdia que impõe a justiça, a bondade, a cari-dade, o perdão de todo o pecador sinceramente ar-rependido, a lei do auxílio mútuo, da reciprocidadee da solidariedade moral, mas recusando, em contra-partida, o que, nela, designava por doutrina do sacri-fício e por doutrina da vingança.

5. Estreitamente ligada à Renascença Portuguesaesteve a criação, por Leonardo Coimbra, enquanto

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Ministro da Instrução Pública, da primeira Faculdadede Letras do Porto (1919-1931), que, nos escassose breves doze anos da sua existência, não só reuniuum notável conjunto de professores em que, no do-mínio filosófico, além do próprio Leonardo, avultamTeixeira Rego (1881-1934), Aarão de Lacerda (1890--1947) e Newton de Macedo (1894-1944), comologrou formar um diversificado e valioso grupo dediscípulos, que iriam marcar, decisivamente, a refle-xão filosófica portuguesa na segunda metade do sé-culo XX, com particular destaque para Álvaro Ribeiro(1905-1981), José Marinho (1904-1975), Sant’AnnaDionísio (1902-1991), Delfim Santos (1907-1966),Agostinho da Silva (1906-1994) e Augusto Saraiva(1900-1975).

Profundamente marcado pelo convívio com Bruno,que reconhecia como mestre, Teixeira Rego, preo-cupado, como Leonardo e Pascoaes, pelo problemaou mistério do mal, na sua obra fundamental NovaTeoria do Sacrifício (1918), numa linha de pensa-mento evolucionista, de cariz naturalista e imanentistae não já espiritualista, como Junqueiro e Pascoaes,procurou demonstrar que, na origem da espécie hu-mana e na passagem do antropóide para o homem,

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se encontrava a substituição da alimentação frugíverapela alimentação carnívora.

Se Teixeira Rego abordou o estudo da religião edo fenómeno religioso de uma perspectiva naturalistae profana, o seu colega Aarão de Lacerda, no estudosobre O Fenómeno Religioso e a Simbólica (1924),procurou compreendê-lo a partir do que denominousentimento real da transcendência e do reconheci-mento do carácter universal do fenómeno religioso.

Por seu turno, Newton de Macedo, principalmentenos livros Introdução à Filosofia (1929) e A Lutapela Liberdade no Pensamento Europeu (1930)desenvolveu a sua reflexão nos quadros da filosofiacriacionista leonardina.

6. Este terceiro momento no desenvolvimento dareflexão filosófica portuguesa contemporânea ficouainda assinalado pelas primeiras e mais significativasexpressões do neopositivismo e pelo regresso à con-sideração filosófica do direito, banida pela reformauniversitária de 1911, de clara inspiração positivista.

O positivismo lógico ou neopositivismo, inspiradona Escola de Viena e no Grupo de Cambridge, que,no final dos anos de 1930, Delfim Santos sujeitou a ri-gorosa, bem informada e densamente reflectida crítica,

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no livro Situação Valorativa do Positivismo (1938),encontrou os primeiros sequazes portugueses em doispensadores da mesma geração de Leonardo Coimbra,Abel Salazar (1889-1946) e Vieira de Almeida (1888--1962).

O primeiro, cuja atenção reflexiva começou por sersolicitada pela psicologia, no Ensaio de PsicologiaFilosófica (1915), encaminhou, depois, a sua activi-dade especulativa para o domínio da estética (O queÉ a Arte?, 1940) e da filosofia da História (A Criseda Europa, 1943), numa perspectiva aguerrida eapaixonadamente antimetafísica, para a qual o sabercientífico-natural se apresentava como o único válido.

Por seu turno, Vieira de Almeida dedicou a partemais significativa da sua obra aos problemas lógicos,em livros como A Impensabilidade da Negativa(1922), Lógica Elementar (1943) e Iniciação Lógica(1956), não descurando, no entanto, outras discipli-nas filosóficas, como a gnosiologia e a epistemologia,a filosofia da história, a psicologia e a filosofia daarte, sobre as quais deixou abundante bibliografia, al-guma redigida em francês (Filosofia da Arte, 1942,Introdução à Filosofia, 1943, Aspectos da Filosofiada Linguagem, 1944, Rumos da Psicologia, 1958,Pontos de Referência, 1961). Do seu magistério vi-

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riam a reclamar-se, nos períodos seguintes, pensa-dores como Edmundo Curvelo (1913-1955) e MárioSottomayor Cardia (1941-2006), cuja meditação sedesenvolveu, igualmente, nos quadros do positivismológico.

Também o neokantismo, que inspirava, de modorelevante, a trajectória especulativa sergiana, encon-trou, neste período, algum eco entre nós, quer nosvaliosos trabalhos de historiografia filosófica e cul-tural de Joaquim de Carvalho (1892-1858), quer, prin-cipalmente, na reflexão desenvolvida por L. Cabralde Moncada (1888-1974) no campo da filosofia polí-tica e jurídica, a ele se devendo o regresso da consi-deração filosófica do direito ao ensino público a partirdo final da década de 1930, depois de um quarto deséculo de proscrição da disciplina.

Neste período há ainda a registar os tentâmes es-peculativos de Fernando Pessoa (1888-1935), cujapoesia se reveste de reconhecida intencionalidade edensidade filosófica, tanto a ortónima como a hete-rónima, a proposta «vertiginista» contida no ensaioLiberdade Transcendente (1913), de Raul Leal (1886--1964), e a reflexão, de precursor recorte existencial,de Fidelino de Figueiredo (1889-1967), autor que, noentanto, só no período seguinte viria a publicar a

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parte mais significativa da sua obra de pensamento.De sentido existencial se apresenta, também, a ím-par criação literária de Raul Brandão (1867-1930),com especial destaque para o seu romance Húmus(1917) e para o seu teatro, perpassados por veemen-tes e angustiadas interrogações sobre o sentido davida e da condição humana, que, na sua fremente lutapela imortalidade, o aproximam de Unamuno e RaulProença.

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VQUARTO PERÍODO: 1943-1981

1. A absurda decisão política de extinguir a Fa-culdade de Letras do Porto, tomada, em 1931, pelogoverno da Ditadura Militar, grosseiramente justificadapor razões financeiras e dissimulada com um simul-tâneo mas fictício, por efémero, encerramento deoutra escola universitária criada pela República, a Fa-culdade de Direito de Lisboa, e a súbita e dramáticamorte de Leonardo Coimbra, cinco anos mais tarde,para além do imediato e brutal choque emocional quecausou nos seus discípulos mais próximos, que avida profissional entretanto dispersara por diversosliceus de província ou encaminhara para centrosuniversitários ou científicos estrangeiros, contribuí-ram, de modo decisivo, para os congregar na tarefacomum de interpretação e valorização da obra filo-sófica do mestre e para uma melhor compreensão

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do significado e valor da anterior tradição especula-tiva portuense de Amorim Viana, Bruno e BasílioTeles e para reforçar, em cada um deles, a respon-sabilidade e a necessidade de honrar, prolongando-a,dinâmica e criadoramente, essa mesma tradição, rea-lizando, cada um, na medida em que lhe fosse possí-vel, uma obra pessoal de reflexão sobre o que maisimporta, ainda que em condições adversas e perantea previsível incompreensão de um meio cultural aindamuito marcado pela herança positivista ou dividido pormesquinhas rivalidades ou querelas literárias ou po-líticas.

Se nessa tarefa de valorização hermenêutica da tra-dição especulativa portuense, que a extinta Faculdadede Letras sobremaneira enriquecera, os primeirospassos foram dados por Sant’Anna Dionísio e Del-fim Santos, nos estudos e iniciativas que, ainda emvida de Leonardo, empreenderam, viria a ser, noentanto, Álvaro Ribeiro que, em 1943, na sequênciado opúsculo do mestre sobre O Problema da Edu-cação Nacional (1926), procuraria formular, adequa-damente, O Problema da Filosofia Portuguesa que,para o discípulo, se poria em duas instâncias distintasmas complementares: o domínio pedagógico, com acriação e estruturação da Faculdade de Filosofia capaz

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de formular o sistema de pensamento que, superandoa acanhada visão positivista, permitisse uma melhorcompreensão dos problemas humanos, dos segredosnaturais e dos mistérios divinos, e o plano herme-nêutico de actualização da tradição especulativa nacio-nal, nomeadamente da representada, modernamente,por Bruno, Junqueiro e Leonardo.

A proposta alvarina, acolhida com hostilidade ouindiferença pelos meios universitários e culturais,mereceu, no entanto, atenta compreensão e valoriza-ção por parte de pensadores e intelectuais como JoséMarinho, Eudoro de Sousa, António José Brandão,F. Cunha Leão, Amorim de Carvalho ou José Régio,bem como de alguns jovens ensaístas da geraçãoseguinte, como António Quadros, Afonso Botelho,Orlando Vitorino e João Ferreira, ou a crítica de per-sonalidades como Manuel Antunes, Joel Serrão eEduardo Lourenço, ainda quando esta nem semprerevelou isenta compreensão das teses do propositordo problema da filosofia portuguesa ou preferiu vernelas, erradamente, uma encoberta justificação donacionalismo da situação política do tempo.

Apesar da oposição, em regra mais emotiva do quereflectida, que recebeu de alguns meios universitá-rios e culturais, o problema da filosofia portuguesa

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não deixou de ocupar decisivo e central lugar nosdebates especulativos e culturais portugueses nas dé-cadas de 50 e 60 do século passado e de estar naorigem do movimento 57 — Movimento de CulturaPortuguesa, em cujo órgão José Marinho tornoupúblico o seu modo de compreender a essencial har-monia ou compatibilidade entre o carácter situado dofilosofar e a universalidade da filosofia, enquanto de-manda múltipla e convergente do uno do ser e daverdade.

Após o tempo longo de debate apaixonado, coubea uma nova geração começar a considerar, sem quais-quer preconceitos ideológicos ou políticos mas comserena atenção reflexiva, fundada numa rigorosa eexigente exegese e hermenêutica, os textos em que,desde Prisciliano, Paulo Osório e São Martinho deDume, se contém o pensamento mais seriamentepensado pelos portugueses ao longo dos séculos.

Assim, sobretudo a partir do magistério exemplarde J. S. Silva Dias, em Coimbra, Francisco da GamaCaeiro, em Lisboa, e Eduardo Abranches de Sove-ral, no Porto, no último quarto de século, multipli-caram-se as teses e as reuniões científicas sobre fi-lósofos portugueses, culminando nos sete volumes darecente História do Pensamento Filosófico Português

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(1999-2004), dirigida por Pedro Calafate e na qualcolaboraram estudiosos de várias gerações e de muitodiversas orientações especulativas, ao mesmo tempoque se tem assistido a uma programada reedição,incluindo inéditos e dispersos, das obras fundamentaisda nossa tradição filosófica, de Prisciliano a A. Mi-randa Barbosa, incluindo algumas edições críticas,como está acontecendo com a obra de LeonardoCoimbra e José Marinho. Nesta múltipla actividadede estudo, investigação, reedição e preparação detextos merece destaque a acção de instituições comoa Universidade Católica Portuguesa, através de diver-sos dos seus Centros Regionais, as Faculdades deLetras de Lisboa e do Porto, o Instituto de FilosofiaLuso-Brasileira, a Fundação Calouste Gulbenkian e aImprensa Nacional-Casa da Moeda, que com váriasdelas vem colaborando.

Deste modo, poderá dizer-se que, quando, em1981, o seu propositor terminou a sua viagem ter-restre, o problema da filosofia portuguesa se encon-trava, em boa parte, resolvido, pois, embora nenhumdos cursos ou departamentos universitários de Filo-sofia houvesse realizado, integralmente, o programaproposto pelo filósofo portuense, a existência, o signi-ficado e o valor da filosofia pensada por portugueses

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começavam a ser aceites e reconhecidos sem oposi-ção cultural ou reflexivamente relevante, designada-mente por parte do mais influente dos seus anterio-res detractores, a Universidade.

2. A obra de Álvaro Ribeiro não se limita, porém,ao opúsculo de 1943, que tanta ressonância culturalveio a ter neste período, pois o filósofo delineou, aolongo de três decénios, um pessoal sistema filosófico,de decidida orientação criacionista, no qual vieram aocupar especial destaque a antropologia, a pedagogiae a teologia filosófica (Apologia e Filosofia, 1953,A Arte de Filosofar, 1955, A Razão Animada, 1957,Escola Formal, 1958, Estudos Gerais, 1960, LiceuAristotélico, 1962, Escritores Doutrinados, 1965, A Li-teratura de José Régio, 1969, Uma Coisa que Pensa,1975, Memórias de um Letrado, 1977-1980, Disper-sos, 2004-2005).

Para o autor de A Razão Animada, a filosofia nãoconstituía uma ciência ou um corpo de doutrina masuma arte, um esforço para o conhecimento especula-tivo do absoluto e dos princípios transcendentais,cujo princípio fundamental era a ideia de Deus e cujoobjecto eram as relações do mundo natural com omundo sobrenatural, o estudo do invisível e do in-

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sensível, vindo, por isso, a consistir no humano pro-cesso de, por amor, transformar a crença em ciência.

Segundo o filósofo portuense, as três ciências fi-losóficas fundamentais seriam a antropologia, a cos-mologia e a teologia.

Os problemas essenciais da primeira seriam os daorigem, liberdade e destino do homem, que, no en-tanto, só poderiam ser resolvidos por recurso aosobrenatural, pelo que seria na religião que se encon-trava a verdadeira doutrina sobre cada um deles.Afirmando-se filósofo criacionista, Álvaro Ribeiroadmitia que o homem foi criado à imagem e seme-lhança de Deus, pelo que a doutrina evolucionistadeveria ser entendida como circunscrita à evoluçãoda humanidade e não alargar-se à transformação dasespécies zoológicas. O seu criacionismo admitia acriação como algo actual e permanente e não comoum acto único, concluído no passado, bem como anoção religiosa de queda ou pecado original, de queseriam consequências o mal, o sofrimento, a dor, ainfelicidade e a morte.

A antropologia filosófica de Álvaro Ribeiro concebiao homem como razão animada, pois o que o carac-teriza é o elemento espiritual, a exaltação das suasfaculdades gnósicas e das suas virtudes éticas, assim

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como é a palavra, a linguagem articulada, de origemsobrenatural, o que radicalmente o separa do animal.

Intimamente ligada à sua doutrina do espírito ourazão animada, porque em relação com outras facul-dades gnósicas, como a intuição e a imaginação,estava a resposta que o filósofo dava ao problemada liberdade, que concebia como a própria actividadedo espírito, dependente da verdade, do que resultariaque o homem só é plenamente livre quando conseguedesprender-se ou desligar-se para se religar com Deus.

Porque admitia que a queda, resultando da perver-são da razão e da inversão dos meios com os fins,afectara toda a natureza, pensava que a missão dohomem era reintegrar o mundo nos seus primeirosprincípios e nas suas primeiras leis, no plano primi-tivo ou original da criação divina, colaborando, as-sim, no mistério da redenção universal. Esta trans-formação do homem decaído segue um processonatural evolutivo, que é acelerado pela educação, pelagraça divina e pelo milagre e retardado pelo pecado.

No plano cosmológico, o filósofo portuense admi-tia que a essência da realidade era a energia espiri-tual e não a matéria corpuscular. Radicalmente dina-mista, pois aceitava que, com excepção de Deus,tudo no mundo se encontrava em movimento, a sua

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cosmologia caracterizava-se, também, pelo seu plu-ralismo ontológico, por conceber a matéria comoelemento subtil emanado de Deus, um simples con-junto de imagens ou de sensações que não consti-tuía princípio de individuação nem de isolamento deuns seres relativamente aos outros, sendo, conse-quentemente, algo de irreal perante a realidade davida, da consciência e do pensamento. Por outrolado, o dinamismo cósmico que Álvaro Ribeiro perfi-lhava inscrevia-se numa ordem universal, postulando,por isso, uma teleologia e encaminhando o pensa-mento para a aceitação de uma teologia.

Quanto a esta última, entendia-a o filósofo comociência da palavra divina e doutrina sobre a essên-cia, a existência e os atributos de Deus. No que serefere à essência divina, porque é incompreensível,incognoscível e misteriosa, só nos é dado conhecê--la através da revelação, a qual nos permite aceder averdades que o homem nunca lograria alcançar pelosprocessos normais da razão, e que, sendo emborasuperiores à mesma razão, não são contrárias a ela.Advertia, contudo, que se a revelação divina se efec-tua por mediação angélica — não através da palavra,porque nem Deus nem os anjos falam, mas pelaactuação intuitiva dos anjos sobre o pensamento dos

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homens que falam e escrevem — é por inferênciaque a razão ascende ao conhecimento de Deus e àpossibilidade de um ser absoluto, infinito e universal.

3. A filosofia de José Marinho, cuja expressãomais acabada se encontra na Teoria do Ser e daVerdade (1961), do mesmo passo que representa arealização daquela ontologia do Espírito que era oescopo da meditação leonardina em sua derradeira einconcluída fase, constitui, também, a superadorasíntese do pensamento metafísico de Bruno e Pas-coaes e a recuperação e legitimação especulativa dasnoções principiais de enigma e de mistério, abrindonovas vias à reflexão ontológico-metafísica.

Assumindo-se como teoria, isto é, como visão enão como sistema e partindo da noção de visão uní-voca, visão instantânea da plenitude e da unidade detodo o ser e de toda a verdade, o pensamento de JoséMarinho tem, no entanto, consciência de que toda ateoria é sempre visão assumida num limite, aquele emque surge o enigma do ser, do pensamento e daverdade, das intrínsecas relações do ser e da verdadee do vínculo irrefragável, ténue e subtil entre a vi-são unívoca e cisão, entre o que une e o que cinde.

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Assim, segundo o filósofo, sem o que cinde ab-solutamente no que absolutamente une não há saberdo espírito, nem exercício autêntico do pensamento.É, pois, o espírito ou insubstancial substante, que sóé pela assunção do Nada, aquele pelo qual em nós epara nós há todo o segredo de cindir e unir. Ora, seé do enigma — que surge quando do ser da visãounívoca se separa o espírito para o múltiplo irredutí-vel — que todo o pensamento enquanto tal depende,é à interrogação do espírito que todo o pensar re-gressa. Deste modo, o enigma apresenta-se-nos, si-multaneamente, como trânsito para todo o outro doser e da verdade e como recurso incessante para avisão unívoca e ser da visão, como o que absoluta-mente é, sendo, nesta medida, o que, a todo o ins-tante, torna possível o pensamento.

Mas se a verdade aparece como aquilo sem o qualo ser não é ou não é para si, tanto o enigma e omistério como a cisão afectam toda a verdade e,então, não só o ser da visão unívoca aparece comoo que de si se cinde infinitamente como a visão e averdade da visão são, para si, o que se cinde abso-lutamente. Esta é a cisão autêntica, a que surge doque pensa e no próprio pensamento e na qual, doNada que assumem, o espírito e o pensamento são

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tal qual são em seu verídico princípio. No mais pro-fundo seio da cisão autêntica se descobre, então, oprincípio de todo o saber e a razão subtil de todo oenigma e de todo o mistério — o mesmo que une,cinde, o mesmo que cinde, une, eternamente — as-sim como se revela o sentido do espírito como in-substancial substante, como aquele pelo qual é pos-sível a visão unívoca e a cisão em sua imensidade,como o que assume o Nada e suporta toda a nega-ção e, no afirmar sem palavras, afirma a perfeitaunião, tudo quanto é como o que é absoluta e eter-namente.

Deste modo, se o amor e a fé, o juízo e a razão,emergem do ser da verdade na cisão, os dois pri-meiros fazem-no como o que recorre sempre para avisão unívoca e ser da visão e os dois últimos comoo que assume a responsabilidade crucial de ligar oque se separou, de mais profundamente unir o quese cindiu, de fazer tornar o ser na cisão ao uno detodo o unívoco, à verdade no espírito e segundo oespírito. Quando, assim, o espírito ou insubstancialsubstante se conhece na plenitude cumulativa da ci-são e da visão unívoca, identifica-se com a liberdade.Advertia, contudo, o subtil filósofo que a liberdadenão é do ou para o homem, mas liberdade de Deus

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e para Deus, pois só na relação de todo o reveladopara todo o oculto pode ter princípio o que liberta.

De acordo com o pensamento densa e depurada-mente expresso na Teoria, aos caminhos da ontolo-gia do ser enquanto ser, que a nada conduzem, háque contrapor uma ontologia do espírito, que, par-tindo da plenitude da visão unívoca, se conclui naessencial liberdade divina, na sabedoria iniciática doque instantaneamente une para infinitamente cindir, doque infinitamente cinde para absolutamente unir (Afo-rismos sobre o que mais importa, 1994, Ensaios deAprofundamento, 1995, Significado e Valor da Me-tafísica, 1997, Nova Interpretação do Sebastianismo,2003, Da Liberdade Necessária, 2006, Filosofia Por-tuguesa e Universidade da Filosofia, 2007).

4. Por seu turno, Sant’Anna Dionísio (Cepticis-mos, 1929, Pensamento Invertebrado, 1931, Rio deHeraclito, 1956), se sempre reconheceu o magistérioessencial e exemplar de Leonardo Coimbra, não dei-xou de desenvolver um pensamento que revela tam-bém claras ou secretas afinidades com o de Brunoe Pascoaes, e, apresentando-se de feição marcada-mente existencial e trágica, como o de um Unamunoou um Chestov, é constitutivamente intuitivo, enig-

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mático, interrogativo, fragmentário ou «invertebrado»,pelo que encontrou no aforismo, na reflexão e nosolilóquio o modo mais adequado para exprimir umafilosofia que, buscando uma visão unitária do Ser,acabava por reconhecer que o mundo é impensávele o ser é ininteligível e irredutível ao pensamento. Daíque sejam sempre de interrogativo sentido as respos-tas que avançou quanto ao problema da existência deDeus, da justificação do mal, do sentido da vida eda imortalidade.

Quanto ao primeiro problema, começando por afir-mar que Deus «apenas pode ser pressentido ou vis-lumbrado», o filósofo sustentava que, «se sem Deuspouco se explica, sem Deus nada se explica», paraparecer inclinar-se para uma posição de tipo panteístaque, reconhecendo ser «pobre, melancólica, descon-fortável», no entanto, se lhe afigurava mais de acordocom a realidade das coisas, admitindo, tal comoBruno e Pascoaes, que Deus seria um Deus diminuí-do e não omnipotente que, como o homem, teria deenfrentar a força incoercível do mal e a tendênciaseparativa, pois ambos seriam um e o mesmo.

No que respeita às relações de Deus com o ho-mem, o filósofo tanto admitia que Deus, se existe,nos ignora ou olha com indiferença, como, numa li-

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nha de pensamento próxima do criacionismo de Leo-nardo Coimbra, afirmava que do ser nada se esquecee que, na mónada suprema ou Deus, a memória é,de modo inefável, íntegra e excedente, memóriaplena e perfeita, não só do que se deu, como do quese dará e do que poderia ter-se dado, memória que,em cada instante, abrangeria não só o futuro comoo «limbo infinito do Possível».

Relativamente ao problema da imortalidade, que,para o filósofo, como para Raul Proença, era o pri-meiro e mais radical problema filosófico, o pensa-mento de Sant’Anna Dionísio apresentou-se sempredecidida e angustiadamente afirmativo: ao mesmotempo que reconhecia que tanto a nossa inteligênciacomo a nossa angústia exigem a imortalidade, nãodeixava de notar que a única garantia de que a vidahumana deveria ter um sentido e um significado mo-ral era o nosso desejo de que assim fosse, para con-cluir, porém, que o mais provável era a morte serum fim e a crença na vida supraterrestre uma vãquimera, desmentida por cada morte individual e pelaimpassibilidade da natureza perante a santidade e ocrime. Mas porque o homem, sendo uma parcela douniverso, era uma parcela de Deus, a alma, se acasosobrevivesse ao corpo e dele viesse a libertar-se,

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prosseguindo, assim, a sua intrínseca associação ouintegração no Todo, decerto continuaria a ser cegapara o Ser que a absorveria, pelo que, em caso al-gum, a imortalidade seria pessoal.

5. Como os três últimos, também Delfim Santossempre reivindicou o magistério leonardino comofonte e inspiração do seu percurso especulativo.

Entendendo a filosofia como aporética e hermenêu-tica, como esforço de autognose e busca dos funda-mentos últimos do saber, de carácter radicalmentenão explicativo e não solucionante, o filósofo portuensedividiu a sua atenção especulativa pelos dois domí-nios complementares da ontologia e da antropologia(Situação Valorativa do Positivismo, 1938, Da Filo-sofia, 1939, Conhecimento e Realidade, 1940, Fun-damentação Existencial da Pedagogia, 1946).

Quanto ao primeiro, a sua filosofia foi sempre exi-gente de uma ontologia pluralista e de uma teoria doconhecimento cujo escopo essencial era a determina-ção dos princípios mais adequados a cada uma dasregiões da realidade: matéria, vida, consciência eespírito.

Também no plano antropológico esta mesma exi-gência de adequação era radical no pensamento delfi-

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niano, segundo o qual o conhecimento do homem sóé possível a partir da noção de situação, a única quenos permite saber quem é esse «animal metafísico»a que chamamos homem. Substituindo à noção tra-dicional de substância, adequada apenas à região damatéria, a noção de existência, atributo específico dohomem, a antropologia torna-se ciência do singulare concreto de cada homem. O fundamento da exis-tência é a liberdade, o que o homem atinge pelo actode libertação e que lhe revela a própria autenticidade.Na existência, porém, nem tudo depende do homem,pois há algo de que o homem depende. A transcen-dência, contudo, oculta-se ao homem e à sua razão,pelo que, para ele, transcendência radical é, apenas,a sua subjectividade.

6. Augusto Saraiva, filósofo aforístico, comoSant’Anna Dionísio, e agnóstico, como Delfim San-tos, partindo, igualmente, do magistério de Leonardo,desenvolveu a sua actividade especulativa com basenuma livre e pessoal reflexão da filosofia hegeliana.

Porque, em seu entender, a verdade se situa noAbsoluto, sendo, por isso, para o homem, um puropossível, a função primordial do conhecimento étornar o real inteligível. Como, porém, nada pode ser

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conhecido directamente, por o acto de conhecimentosupor a distinção irredutível do sujeito e do objecto,aquele é necessariamente dialéctico, envolvendo odiálogo do ideal e do real e a progressiva assimila-ção do sujeito e do objecto.

Deste modo, o critério da inteligibilidade não podedeixar de ser o do acordo e da universal coerência,que vise conseguir tal inteligibilidade através de umadialéctica integradora do pensamento e da acção, douniverso e do homem, o que implicará, então, postu-lar a unidade essencial do Ser e a identidade ideal doser e do conhecer, em que a dualidade sujeito-objectovenha a radicar numa unidade transcendental.

Assim, a inteligibilidade, como busca da verdade,implica pôr a totalidade da experiência de acordo coma razão num processo criador e libertador em queuma e outra se integram e mutuamente se acrescen-tam, pelo que o método adequado ao conhecimentoe à sua estrutura dialéctica será o da razão experi-mental, a que corresponde uma atitude filosóficaideo-realista, noções fundamentais do pensamentoleonardino que o discípulo procurou desenvolvernuma perspectiva filosófica parcialmente diversa dado mestre (Reflexões sobre o Homem, 1946).

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7. Tal como acontece com a maioria dos pensa-dores que beneficiaram do magistério directo deLeonardo Coimbra, Teixeira Rego e Aarão de Lacerda,também o pensamento de Agostinho da Silva se ca-racteriza por um impulso de natureza ontoteológica,que o fez dedicar constante atenção reflexiva ao fe-nómeno religioso e procurar no mais alto plano teo-diceico o fundamento e a razão do ser da sua obraespeculativa, pedagógica e literária e da fecunda emúltipla acção cultural e educativa que desenvolveuem Portugal e no Brasil.

Opondo-se, desde sempre, tanto ao que é ortodoxocomo ao que é heterodoxo, por considerar que tantoum como o outro exprimem apenas uma parcela dasubstancial unidade da vida e do ser, o pensador diziapreferir-lhes o paradoxo, por ser o único que, aoabranger em si os aparentes e complementares con-trários e opostos, contém em si a totalidade do uno.

Esta feição paradoxal do pensamento agostinianorevela-se, desde logo, na sua ideia de Deus, que opensador via como um ser que se mantém em silên-cio e não fala nem monologa, mas que, no entanto,é pensamento pensante, se bem que pensamento sempensador, assim como é o supremo ser paradoxal,

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cuja fatalidade consiste em ser livre e em não poderdeixar de sê-lo, dado que é a perfeita liberdade.

Pensando que a verdadeira criação foi a que crioude si próprio o Criador, numa visão filosófica inespe-radamente próxima da de Domingos Tarroso, acres-centava Agostinho da Silva que Deus, átomo inicial,pré-átomo ou não-átomo, teria explodido em mundonos limites da luz logo que a consciência, que neleestava incluída, tomou conhecimento de si, vendo--se, ou sendo, então, como sujeito e objecto.

No momento em que Deus explode em mundo,Deus deixa de ser como Absoluto ou Deus em si oupara si, e é já a Trindade ou Deus para nós. Para opensador, antes de haver mundo, haveria apenas Deuscomo infinita possibilidade criadora, entre cujos atri-butos se inscreveria a consciência, a qual não exis-tiria senão em Deus, pelo que não teria surgido nomundo com a criação.

Segundo Agostinho da Silva, ao ter Deus cons-ciência de si, haveria já não uma mas duas pessoas,o sujeito da consciência e o seu objecto. Ao ver-seDeus como sujeito e objecto, consigo mesmo dia-loga e de si mesmo gera o Filho, pelo que o Pai eFilho são um e o mesmo, há neles identidade e amesma substância, sendo sua comum essência o

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Espírito Santo, que, no entanto, deles é independente,sem deixar de com eles ser em perfeita e íntimaunidade.

Deus, como contínua e permanente criação, estásempre inventando, mantendo uma infinita possibi-lidade de inventar mais, ao passo que, como Espí-rito, tem a contrária e também infinita possibilidadede nada inventar, daqui resultando, então, que Deusse apresenta vário e uno ao mesmo tempo, como sere não-ser, como Ser e Nada, como existente e ine-xistente.

Por outro lado, sendo o Absoluto divino totalidadede tudo quanto existe, tal absoluto só o será plena-mente se puder abranger em si não só o próprio male o diabo, como tudo o que é ou se apresenta comonegativo.

Assim, porque todo o mundo é Deus e o homemé irmão da natureza, a marcha do universo não podedeixar de se encaminhar no sentido do regresso aodivino originário e eterno de que provém toda a cria-ção, pelo que a redenção será universal e nela todoo dividido e separado será reunido, todo o mal seráabolido ou reassumido e o próprio diabo regressaráao seio divino de que se apartou (A Religião Grega,1930, Conversação com Diotima, 1944, Parábola da

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Mulher de Loth, id., Glossas, 1945, Sete Cartas aum Jovem Filósofo, id., Diário de Alcestes, id.,Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, 1957,Um Fernando Pessoa, 1958, As Aproximações, 1960,Só Ajustamentos, 1962, Dispersos, 1988, Educaçãode Portugal, 1989).

8. Próximo deste conjunto de pensadores forma-dos na primeira Faculdade de Letras do Porto, emgrande parte pela demorada atenção que deu ao pen-samento e à obra de Leonardo Coimbra e pelo longoconvívio que manteve, em Portugal, com DelfimSantos, José Marinho, Álvaro Ribeiro e Sant’AnnaDionísio e, no Brasil, com Agostinho da Silva, queacompanhou, primeiro, em São Paulo e, depois, emSanta Catarina e Brasília, foi Eudoro de Sousa (1911--1987).

Filosofia da mitologia, que concebe como cosmo-fania, entendendo o mito não como relato do apareci-mento dos deuses no mundo mas como o seu desa-parecer no aparecimento do horizonte do mundo, quetem, assim, no sacrifício divino a sua origem, opensamento de Eudoro de Sousa apresenta eviden-tes afinidades com aspectos fundamentais da «Escolaportuense». Com efeito, a sua ideia de que é o sacri-

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fício de um deus que torna possível o mundo ou ofaz vir ao ser, se, por um lado, desenvolve e am-plia, num plano de maior altura reflexiva, o intentode Teixeira Rego de pensar a origem a partir de umateoria do sacrifício, por outro, constitui, no domínioda mitosofia ou da filosofia da mitologia, o equiva-lente da visão da queda em Deus como causa domundo de que parte a teurgia brunina, do mesmopasso que, no modo como considera a essência dasimbólica e a sua consubstancial relação com o sa-grado, retoma, em renovados termos, o melhor dameditação de Aarão de Lacerda (Dioniso em Creta,1973, Horizonte e Complementaridade, 1975, Mito-logia, 1980, Mito e História, 1981).

9. Mercê do superior magistério de Álvaro Ribeiro,José Marinho, Delfim Santos e Agostinho da Silva, atradição especulativa da «Escola portuense» encontroucontinuadores e renovadores nas gerações seguintes,a partir da segunda metade da década de 50 do sé-culo passado, apresentando-se, ainda hoje, como amais viva, dinâmica e original via do pensamentoportuguês.

Assim, António Quadros (1923-1993) dividiu a suaactividade especulativa por dois domínios comple-

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mentares e convergentes, o de uma estética cujas ca-tegorias partiam da fenomenologia da arte portuguesae de uma aprofundada meditação sobre o seu radicalelemento simbólico, e o de uma Filosofia da Históriade feição teleológica e escatológica, em que desem-penhava papel essencial uma teoria do mito, visando,uma e outra, a hermenêutica da razão de ser dePortugal (Introdução a uma Estética Existencial,1954, O Movimento do Homem, 1963, Introdução àFilosofia da História, 1982, Poesia e Filosofia doMito Sebastianista, 1982-1983, Portugal, Razão eMistério, 1986-1987).

Afonso Botelho (1919-1996), numa obra reflexivade grande densidade, seriedade e rigor, retomou te-mas essenciais da tradição renascente, como a sau-dade, o amor e a morte, numa filosofia que, partindode tratamento do problema ou mistério do mal, seconclui numa teoria do mito e numa ontologia dasaudade, dedicando também demorada atenção espe-culativa à imagem, à imaginação e aos problemasestéticos e políticos (infra, n.o 11) (Estética e Enig-mática dos Painéis, 1959, Ensaios de Estética Por-tuguesa, 1989, Da Saudade ao Saudosismo, 1990,Teoria do Amor e da Morte, 1996, Saudade, Regressoà Origem, 1997).

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Orlando Vitorino (1922-2003) desenvolveu o seupensamento a partir de uma reflexão pessoal e livreda filosofia hegeliana, em que ocupa também lugardecisivo o problema do mal que constitui o ponto departida para a sua abordagem dos problemas do di-reito, da justiça, da liberdade e da propriedade e paraa sua teorização do neoliberalismo e das categoriaseconómicas.

O núcleo do pensamento orlandino é uma doutrinado Espírito, entendido como o único absoluto quegarante todo o ser, como razão que a si mesma seconhece e como o que é próprio dos princípios en-quanto princípios, os quais são expressões do abso-luto. Para o filósofo, sendo princípios a liberdade, ajustiça e a verdade, necessário seria concluir que oEspírito, porque absoluto e de nada dependendo e anada estando ligado, é a mesma liberdade, assimcomo, porque contém em si tudo o que lhe pertenceou lhe é próprio, é a mesma justiça, enquanto, pelaverdade, exprime a sua constante presença em tudo,para que a independência e absoluteidade o não tor-nassem tão infinitamente remoto e distante que viessea verificar-se uma insuperável cisão onde, abissalmente,tudo se perdesse ou aniquilasse (Filosofia, Ciênciae Religião, 1959, Introdução Filosófica à Filosofia

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do Direito de Hegel, 1961, Sobre a Liberdade, 1964,Fenomenologia do Mal, 1970, Refutação da Filo-sofia Triunfante, 1976, Exaltação da Filosofia Der-rotada, 1983).

António Telmo (1927) tem seguido uma linha depensamento que, articulando filosofia e cabala, visadesvendar o sentido secreto da história e da línguaportuguesas (Arte Poética, 1963, História Secreta dePortugal, 1977, Gramática Secreta da Língua Por-tuguesa, 1981, Filosofia e Kabbalah, 1989, Viagema Granada, 2005), enquanto Francisco Sottomayor(1927-1985) reflectiu sobre o sentido cosmológico daciência, em especial da matemática (Ensaios de Fi-losofia Portuguesa, 1991).

Dalila Pereira da Costa (1918), figura singular depensadora, tem desenvolvido uma reflexão em que afilosofia e a mística se fundem na busca de um sa-grado primordial (A Força do Mundo, 1972, Encon-tro na Noite, 1973, A Nova Atlântida, 1977, A Naue o Graal, 1978, Os Jardins da Alvorada, 1981, DaSerpente à Imaculada, 1984, Os Sonhos, 1991, Co-reografia Sagrada, 1993, Os Instantes nas Estaçõesda Vida, 1999, Mensagens do Anjo da Aurora, 2000,Contemplando os Painéis, 2004) e Pinharanda Gomes(1939) vem repartindo o seu fecundo labor intelectual

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pela interpretação do desenvolvimento histórico dopensamento português e pela reflexão pessoal, numalinha de clara inspiração religiosa, profundamentemarcada pela lição de Álvaro Ribeiro (Exercício daMorte, 1964, Peregrinação do Absoluto, 1965, Teo-ria do Pão e da Palavra, 1973, Pensamento e Mo-vimento, 1974, Entre Filosofia e Teologia, 1992, His-tória da Filosofia Portuguesa, 1981, 1983 e 1991).

10. Acontecimento filosófico de alto significadoneste período foi o início de um novo ciclo na re-flexão sobre a saudade, que servira de ponto de par-tida do pensamento poético-filosófico de Pascoaes econstituíra também elemento importante da filosofiacriacionista leonardina.

Este novo ciclo na filosofia da saudade teve o seuinício no Congresso Luso-Espanhol para o Progressodas Ciências, realizado, em Lisboa, em 1950, comuma comunicação de Joaquim de Carvalho sobre aproblemática filosófica da saudade e outra de AfonsoBotelho sobre a fenomenologia da saudade no pen-samento de D. Duarte, assim se abrindo um debateespeculativo e uma linha de reflexão que, nos anosseguintes, encontraria também eco na Galiza e se diri-gia em dois sentidos complementares, o da análise

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do sentimento saudoso ou da saudade como senti-mento e o da consideração do seu sentido ontoló-gico e metafísico.

Para o mestre conimbricense, a saudade seria algoque se dá unicamente na consciência do homemcomo forma de comportamento perante o presente,que nem prolonga esse mesmo presente que ela vivenem antecipa o futuro que ela deseja, pelo que atemporalidade que lhe é própria é retrotensa e nãoprotensa. Sendo uma posição ensimesmada e contem-plativa, constitui-se e dirige-se a representações forte-mente impregnadas de emotividade, pelo que a cons-ciência saudosa seria a presença espiritual de umaausência já vivida acompanhada do desejo de a tor-nar a viver.

A esta subtil análise contrapôs Sílvio Lima (1904--1993) que a saudade é essencialmente tridimensio-nal, pois é retrotensa, intensa e protensa, já que é seuelemento constitutivo um desejo de regresso ao pas-sado cuja recordação está na sua origem.

Completando e integrando os resultados das aná-lises de saudade destes dois autores, João Ferreira(1927), partindo da noção de saudade como senti-mento complexo, feito essencialmente de lembrançae desejo, cujo substrato é a pessoa humana, nota que

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a lembrança é o elemento presente, activo, uma novaforma de vivência do passado, enquanto o desejo seapresenta como o elemento dinâmico, formal da sau-dade. Por outro lado, a carência e a ausência apre-sentam-se também como elementos fundamentais daconsciência saudosa, assim como a experiência, otempo e a memória constituem categorias essenciaisda sua fenomenologia.

Nesta linha de consideração do sentimento saudosoe dos elementos da consciência saudosa se inscre-vem, também, pensadores e ensaístas como F. CunhaLeão (1907-1974), Eduardo Abranches de Soveral(1927-2003), Vergílio Ferreira (1916-1996) e, maisrecentemente, Eduardo Lourenço (1923), desenvol-vendo, prolongando ou completando os resultados dasanálises de Joaquim de Carvalho.

11. Por sua vez, na segunda linha de considera-ção da saudade, que atende predominantemente à suadimensão ou ao seu sentido ontológico e metafísico,destacam-se António Dias de Magalhães, S. J. (1907--1972), e Afonso Botelho.

O primeiro, discípulo de Pascoaes e Leonardo,concebe a saudade como sentimento da contingên-cia, não saciada pelo Absoluto, o sentimento do ser

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espiritual vivendo a necessidade absoluta do ser ne-cessário. Deste modo, a saudade apresenta-se comosentimento da necessidade na contingência, do infinitono finito, do transcendente no imanente, do acto napotência, da Existência pura no existente precário efluente, da infinidade do Espírito no ser espiritualque, não a possuindo, vive a tensão do seu limiteideal, no real e consciente limite do ser. O sentimentopuro da saudade não é, pois, saudade de ser isto ouaquilo, não é o sentimento de um objecto que falta,mas de um sujeito que sofre por não se possuir eque só se encontrará possuindo-se na doação do ser.Assim, qualquer doação que não seja plenitude do sero deixará em saudade.

Já para Afonso Botelho, cujo pensamento mantevesempre matriciais relações com o criacionismo deLeonardo e o saudosismo de Pascoaes, actualizadosà luz da filosofia de José Marinho, o ponto de par-tida da reflexão filosófica sobre saudade é a noçãode memória originária ou memória da unidade origi-nária do ser ou memória do Éden, memória criacio-nista que conserva e cria.

É a partir desta noção que o pensador desenvolvea sua metafísica da saudade, em que ocupam lugarnuclear as suas relações com o tempo (segundo o

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seu particular saudosismo, a saudade implica a rein-tegração do tempo ou a sua eliminação), a morte eo amor, que fundamenta o seu conceito de mónadaamorosa e de amor convergente e vem a concluir--se pela concepção da saudade como Deus contem-plando-se na sua criação, a qual se cumpre por viado amor.

Importantes contribuições para a metafísica da sau-dade são, ainda, as de Dalila Pereira da Costa e Pi-nharanda Gomes, sendo, igualmente, de salientar oinvulgar interesse especulativo que a saudade conti-nuou a encontrar no último quarto de século, comoadiante será referido (VI, 2).

12. No plano institucional, três factos são dignosde especial destaque: a criação, em 1947, da Facul-dade de Filosofia de Braga, pela Companhia de Je-sus, posteriormente integrada na Universidade Cató-lica Portuguesa (1967), a criação de uma segundaFaculdade de Letras no Porto, três decénios após aextinção da primeira, e a reforma das Faculdades deLetras (1957), que autonomizou o ensino da filoso-fia, até então integrada na secção de ciências histó-rico-filosóficas.

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Neste período, no corpo docente da Faculdade deFilosofia de Braga, cinco mestres jesuítas se distin-guiram: Cassiano Abranches (1896-1983), DiamantinoMartins (1909-1979), António de Magalhães, JoséBacelar e Oliveira (1916-1999) e Júlio Fragata (1920--1985).

O primeiro, além de ter dedicado demorada aten-ção hermenêutica ao pensamento de Pedro da Fon-seca, sobre o qual nos legou um valioso e pioneiroconjunto de ensaios, centrou a sua reflexão na pro-blemática metafísica, de que escreveu um exemplartratado (Metafísica, 1955), enquanto o segundo, cujopensamento esteve sempre profundamente atento aodiálogo fecundo com Santo Agostinho, Bergson eUnamuno e com as correntes da psicologia do in-consciente, desenvolveu uma original reflexão de carizantropológico e teológico, de recorte existencial (Exis-tencialismo, 1955, O Problema de Deus, 1956, Teo-ria do Conhecimento, 1957, Mistério do Homem,1961, Imagem do Mundo, 1963, Do Inconsciente,1966, Filosofia da Plenitude, id.), e António de Ma-galhães, a par da sua original meditação metafísicasobre a saudade, contribuiu, de maneira significativa,para que tanto a Faculdade como a Revista Portu-guesa de Filosofia, seu órgão, desde sempre dedi-

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cassem especial atenção ao pensamento português,numa época em que as Faculdades de Letras, em re-gra, o ignoravam.

Por sua vez, J. Bacelar e Oliveira, principal obreiroda Universidade Católica Portuguesa, de que foi rei-tor durante largos anos, dividiu a sua reflexão pelosdomínios, para ela complementares, da ontologia eda antropologia, não deixando, igualmente, de dedi-car inteligente atenção hermenêutica ao pensamentodos Conimbricenses (Estudos de Metafísica e Ontolo-gia. Perspectivas de um Horizonte Filosófico, 2003).

Quanto a Júlio Fragata, foi um dos primeiros emais penetrantes representantes portugueses da filoso-fia fenomenológica, cujas possibilidades metafísicasprocurou perscrutar e explorar (A Fenomenologia deHusserl como Fundamento da Filosofia, 1959, Pro-blemas da Fenomenologia de Husserl, 1962, Proble-mas da Filosofia Contemporânea, 1989).

13. Especial significado e valor apresenta a acçãopedagógica e a obra filosófica do professor conimbri-cense Arnaldo Miranda Barbosa (1916-1973), não sópelo valioso grupo de discípulos que encaminhou nasenda da fenomenologia (Alexandre Fradique Morujão,

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Gustavo de Fraga e Eduardo Abranches de Soveral)como pelo modo como procurou uma fundamentaçãocrítica para a metafísica de cariz escolástica.

Entendendo a filosofia como um sistema, uno ecoerente, que constitui uma explicação racional, inte-gral e sintética do mundo e da vida, implicando, porisso, um fundamento último do saber, o mestre coim-brão considerava que o conhecimento filosófico en-volvia dois aspectos essenciais e complementares,sendo, nessa medida, explicação e norma. Daí que aontologia ou a metafísica, como concepção filosó-fica do real, e a ética devessem considerar-se as dis-ciplinas nucleares da filosofia. Mas se a ética dependeda ontologia, não é esta, mas a dúvida metódica quedeve constituir o ponto de partida do filosofar. Destemodo, há uma ordem metódica da filosofia, que im-põe que se comece pela análise do pensamento, atra-vés de uma lógica pura, se prossiga pela gnosiologia,que, para Miranda Barbosa, é realista e não pode dei-xar de atender tanto à experiência como à revelação,para poder então passar-se, sucessivamente, à onto-logia, à antropologia, à axiologia e, por fim, à ética,escopo final de toda a actividade filosófica (ObrasFilosóficas, 1996).

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14. Como traços individualizadores deste quartoperíodo da filosofia portuguesa contemporânea, cum-pre ainda referir, de modo breve e esquemático:

a) O aparecimento e o desenvolvimento do inte-resse especulativo pelo pensamento existen-cial, que encontrou significativo e original ecoem pensadores como Delfim Santos, AntónioJosé Brandão (1906-1984), Eudoro de Sou-sa, Diamantino Martins, Fidelino de Figuei-redo, Vergílio Ferreira ou António Quadros,bem como pela fenomenologia e pelo pen-samento husserliano, com destaque para o járeferido Júlio Fragata, para os três discípulosde Miranda Barbosa a que acima se aludiu epara Maria Manuela Saraiva;

b) A consolidação do interesse pela considera-ção filosófica do direito, sendo agora a ac-ção pioneira de Cabral de Moncada acom-panhada por António José Brandão e DelfimSantos e prolongada e enriquecida, na gera-ção seguinte, com as contribuições originaisde João Baptista Machado (1927-1991), An-tónio José de Brito (1927) e A. CastanheiraNeves (1929);

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c) O desenvolvimento que conheceu a reflexãoestética, por parte quer de pensadores quese inscrevem no âmbito do neopositivismo(Abel Salazar, Vieira de Almeida), quer dosque reivindicam uma estética da expressão(Fidelino de Figueiredo, José Régio), querainda dos que, na continuidade da obra deAarão de Lacerda, visam a construção deuma estética simbólica (Álvaro Ribeiro, An-tónio Quadros, Afonso Botelho, Lima deFreitas, José Enes);

d) Por último, a publicação, mais duradoura oumais efémera, de diversas revistas filosófi-cas, como a Revista Portuguesa de Filoso-fia ou a Revista Filosófica, ou que dedica-ram especial atenção aos temas e problemasfilosóficos (p. ex., Litoral, Atlântico, Rumo,Acto, Espiral, Teoremas de Filosofia, Vér-tice, Seara Nova).

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VIQUINTO PERÍODO: 1981-2000

1. Se, como acabámos de ver, o ciclo da nossaespeculação iniciado em 1943 é definido pela formu-lação do problema da filosofia portuguesa e domina-do pelo debate que esse mesmo problema, tal comoÁlvaro Ribeiro e José Marinho o entenderam, veio aproporcionar, os últimos vinte anos do século XX sin-gularizam-se pela sua ampliação ao mundo filosóficoluso-brasileiro.

O primeiro sinal desta nova e singular perspectivasobre o modo ou modos de pensar em portuguêsacerca dos «problemas humanos, os segredos natu-rais e os mistérios divinos» foi dado pela Faculdadede Filosofia da Universidade Católica Portuguesa,quando, em 1981, promoveu a realização, em Braga,do I Congresso Luso-Brasileiro de Filosofia, queproporcionou um fecundo diálogo entre pensadores,

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investigadores e historiadores portugueses e brasilei-ros, ao mesmo tempo que permitiu uma primeiraaproximação da realidade especulativa que é a filo-sofia luso-brasileira, na sequência da iniciativa pio-neira de António Paim e Eduardo Abranches de So-veral, de criação, na Universidade Gama Filho, do Riode Janeiro, dos primeiros cursos de mestrado e dou-toramento em pensamento luso-brasileiro.

Deste congresso saiu ainda uma decisão de altosignificado, a de elaborar, exclusivamente por portu-gueses e brasileiros, a primeira enciclopédia luso-bra-sileira de filosofia, a enciclopédia Logos, cujos cincovolumes vieram a ser publicados entre 1989 e 1992.

Paralelamente, e perante a impossibilidade de rea-lizar, no Brasil, como inicialmente previsto, um novocongresso, que desse continuidade ao encontro deBraga, em 1990, foi decidido promover um colóquiopara estudo em conjunto, por investigadores e pensa-dores brasileiros e portugueses, do pensamento e daobra de Tobias Barreto (1839-1889), figura cimeirada denominada «Escola do Recife», cujo centenárioda morte ocorrera no ano anterior, colóquio que veioa decorrer na Universidade Nova de Lisboa e con-tou com a participação dos melhores especialistas eestudiosos do filósofo sergipano, com especial des-

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taque para Miguel Reale, António Paim, Paulo Mer-cadante e Luiz António Barreto.

O sucesso científico deste colóquio encorajou al-guns dos seus participantes brasileiros a aproveitara oportunidade de, no ano seguinte, se comemoraro centenário da morte de Antero de Quental, para pro-mover a realização, no Recife e em Salvador, de umcolóquio dedicado ao estudo do grande poeta-filósofoaçoriano, figura a vários títulos equivalente à de To-bias Barreto na abertura a novas correntes de pensa-mento, nomeadamente germânicas.

O interesse que o colóquio suscitou e a perspec-tiva nova que era a de, em conjunto e de um pontode vista comparativo e integrado, portugueses e bra-sileiros estudarem pensadores dos dois países leva-ram os organizadores destes dois primeiros colóquiosa assumirem o compromisso de lhes darem regularcontinuidade anual, organizando, nos anos pares, emPortugal, os Colóquios Tobias Barreto e, nos anosímpares, no Brasil, os Colóquios Antero de Quental,programa que, com alguns sobressaltos, tem vindoa ser cumprido, havendo, até à data, sido possívelrealizar dezasseis colóquios, oito em cada um dos paí-ses, e publicar as actas da maior parte destes encon-tros científicos, que permitiram já o estudo de auto-

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res tão relevantes como António Vieira, Gonçalves deMagalhães, Teófilo Braga, Sílvio Romero, SampaioBruno, Farias Brito, Leonardo Coimbra, Miguel Reale,Vicente Ferreira da Silva ou Eudoro de Sousa e che-gar a uma primeira definição do que poderão ser ascaracterísticas individualizadoras da realidade espe-culativa que é o pensamento ou a filosofia luso-bra-sileira, aquilo que aproxima as duas filosofias que sepensam e exprimem em português e aquilo que assingulariza ou diferencia, bem como o significado dodiálogo, expresso ou implícito, entre os pensadoresdas duas margens do Atlântico, a importância da pre-sença, no Brasil, de filósofos como Silvestre PinheiroFerreira, Fidelino de Figueiredo, Agostinho da Silvaou Eudoro de Sousa ou o eco do tridimensionalismode Miguel Reale na reflexão filosófico-jurídica por-tuguesa.

Como suporte institucional ao estudo do pensa-mento de língua portuguesa, foi criado, em Lisboa,em 1992, por doze pensadores, investigadores e estu-diosos portugueses e outros tantos brasileiros, o Ins-tituto de Filosofia Luso-Brasileira, a que tem cabido,desde então, organizar os Colóquios Tobias Barreto,assim como realizar cursos e seminários sobre omesmo pensamento, manter uma biblioteca especia-

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lizada, editar as actas dos colóquios e outras obrassobre filósofos portugueses e brasileiros.

2. No último quarto de século, prosseguiu o inte-resse especulativo em torno da saudade, que logrouconcitar o interesse de uma nova geração de pensa-dores portugueses, com especial destaque para PauloBorges (1958), Manuel Cândido Pimentel (1961) eAntónio Cândido Franco (1956), ao mesmo tempoque foi retomado e ampliado o contacto com os pen-sadores galegos que ao tema têm dedicado a suaatenção reflexiva, de modo especial Andrés TorresQueiruga (1941), contacto esse de que resultou arealização, em 1997, em Viana do Castelo e em San-tiago de Compostela, de um I Colóquio Luso-Galaicosobre a Saudade, a que, em 2004, um outro se se-guiu, desta feita, no entanto, sem a desejada e pre-vista presença galega, impossibilitada, à última hora,por questões burocráticas menores.

Deve referir-se ainda a publicação, em 1986, pelaINCM, de uma ampla antologia da filosofia luso-galaicada saudade, desde D. Duarte até ao grupo Galáxia.

3. No plano institucional e do ensino, as duas últi-mas décadas do século findo assistiram à criação de

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diversos novos cursos de Filosofia na UniversidadeNova de Lisboa, nas Universidades dos Açores, deÉvora, da Beira Interior e do Minho, na UniversidadeCatólica Portuguesa (Lisboa) e em algumas univer-sidades privadas e ficaram assinaladas pelo apareci-mento de várias revistas de filosofia (Análise, Phi-losophica, Revista Filosófica de Coimbra, Nomos,Teoremas de Filosofia) e pela edição de muitas obrasfundamentais da tradição filosófica ocidental, em tra-duções feitas a partir da língua original, devidamenteanotadas e, em regra, precedidas de esclarecedorese bem informados prefácios, assim como de dezenasde monografias, correspondentes, em larga medida,a dissertações de mestrado e doutoramento, sobre osmais diversos autores e correntes filosóficas, com re-levo para as dedicadas a pensadores portugueses, epara a reedição de obras de primeiro plano do pensa-mento português, algumas delas inéditas, dispersas ouesquecidas nas páginas de jornais e revistas.

4. Este período correspondeu, igualmente, ao mo-mento de plena maturidade de alguns pensadoresrevelados durante o ciclo anterior, como Afonso Bo-telho, Orlando Vitorino, José Enes (1924), EduardoAbranches de Soveral, António José de Brito, Fer-

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nando Gil (1937-2006) ou M. Sottomayor Cardia, quepublicaram agora as suas obras especulativas ou re-flexivas mais originais ou de maior significado.

Embora haja começado a publicar em meados dosanos 50 do século XX, foi a partir de 1989 que AfonsoBotelho (supra, V, 9 e 11) viu editadas as suas obrasde maior fôlego especulativo, em que a sua filosofiaadquiriu mais completa, coerente e sistemática ex-pressão.

O seu companheiro Orlando Vitorino (supra, V, 9),neste período, além de se haver dedicado a uma de-morada leitura da obra heideggeriana, sobre a qualdeixou profundas e originais anotações, trabalhou emsucessivas versões de um livro sobre o que pensavaserem as teses da filosofia portuguesa que representaa versão final e mais exigente da sua reflexão filosó-fica, das mais conceitualmente rigorosas e sistema-ticamente articuladas do nosso pensamento contem-porâneo, obras que, no entanto, se encontram aindainéditas.

5. Posição singular ocupa José Enes na actualreflexão filosófica portuguesa, não só pela sua cria-dora inquirição filológica e filosófica das capacidadese virtualidades especulativas da língua portuguesa, em

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iluminador confronto com o latim e o grego, e dafunção de desocultação ontológica e doadora ou reve-ladora de sentido da palavra e da linguagem, como,ainda, pelas suas originais posições acerca do signi-ficado da arte, da dimensão noética do pensar, davivência religiosa e da experiência do sagrado.

De decidida intenção ontológica, a demanda espe-culativa do mestre açoriano parte de uma hermenêu-tica da filosofia tomista, renovada pelas perspectivasontológicas abertas pelo pensamento heideggeriano,buscando o acesso ao ser pela análise da linguageme procurando surpreender na língua portuguesa osnúcleos expressivos da experiência ontológica origi-nal, tomando como ponto de partida a consideraçãodo estado de vigília como condição transcendental daabertura ontológica, com base no que denominamétodo da análise expectante (A Autonomia da Arte,1964, À Porta do Ser, 1969, Linguagem e Ser, 1983,Noeticidade e Ontologia, 1999).

6. Eduardo Abranches de Soveral, reconhecendo,embora, o que o seu caminho especulativo devia aomagistério de A. Miranda Barbosa, dele discordavaquanto ao primado que o mestre atribuía à lógica,entendendo ser à gnosiologia que cabia o lugar de

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primeira disciplina filosófica, propedêutica da ética enão da ontologia ou da psicologia.

Coincidindo com o mestre conimbricense em verno cogito o «mínimo filosófico», Eduardo Soveralpensava que o «dinamismo ontológico do cogito visatendencialmente o Absoluto, nele pondo a esperançade uma progressiva plenitude», pois aquele tem umaestrutura activa, sendo a liberdade a sua dimensãoessencial.

Por outro lado, para o professor da Faculdade deLetras do Porto, a noção de Absoluto envolvia a deuma realidade infinita, anterior e transcendente a to-das as determinações, fonte inesgotável de todos osseres, Acto puro criador do homem e do mundo, quenão poderia deixar de, jubilosamente, coincidir eterna-mente consigo mesmo, de se amar e de identificarem si a Realidade e o Bem. Esta noção de Absolutoou esta ideia de Deus de Eduardo Soveral não oimpedia de pensar que a «douta ignorância» é a ati-tude derradeira e mais sábia de toda a filosofia, poiso Absoluto, que só pode atingir-se mediante umarevelação progressiva e infindável cujo sentido severificará na experiência do próprio crescimento onto-lógico, sempre para nós permanece o Deus Abscon-ditus (O Método Fenomenológico. Estudo para a

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Determinação do Seu Valor Filosófico, 1965, Ensaiossobre Ética, 1993, Ensaios Filosóficos, 1995, Feno-menologia e Metafísica, 1997, Imaginação e Fini-tude, 1999, Ensaio sobre a Sexualidade, 2002, Sobreos Valores e Pressupostos da Vida Política Contem-porânea, 2005).

7. Colega de Eduardo Soveral na Faculdade deLetras do Porto, António José de Brito, discípulo deCabral de Moncada e íntimo convivente de A. Mi-randa Barbosa, de cujo pensamento é um dos maispenetrantes intérpretes, desde sempre reflectiu noâmbito do idealismo e a partir de uma concepção dia-léctica da filosofia e do seu desenvolvimento racional.

Porque pensa que a filosofia é, acima de tudo eantes de mais, actividade de fundamentação, entendeo professor portuense dever ela começar pela inter-rogação acerca do fundamento radical ou primeiro,o qual só poderá encontrar-se em algo que se apre-sente como insuperável, i. e., que seja, simultanea-mente, inegável, indubitável, autodemonstrado e uni-dade na diversidade, quer como desenvolvimentológico quer como dialéctica entre opostos, unidadeque põe o seu oposto e o supera, atributos que con-sidera só no valor concorrerem.

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Deste modo, para António José de Brito, o valoré, necessariamente, uno e absoluto, vontade unifica-dora e universal, aí se encontrando o fundamento darelação essencial do dever-ser com o valor comoinsuperável. É de tais pressupostos que parte a re-flexão do pensador portuense, tanto no domínio dafilosofia jurídica, como no campo mais vasto daconcepção dialéctica da filosofia que tem desenvol-vido em diversas obras, de exigente rigor lógico(Estudos da Filosofia, 1962, Le Point de Départ dela Philosophie et son Développement Dialectique,1979, Por uma Filosofia, 1986, Razão e Dialéctica,1994, Introdução à Filosofia do Direito, 1995, Va-lor e Realidade, 1999, Esboço de uma FilosofiaDialéctica, 2005, Ensaios de Filosofia do Direito eOutros Estudos, 2006).

8. Havendo iniciado, precocemente, a sua cami-nhada especulativa numa via próxima do pensamentofenomenológico-existencial, com o juvenil ensaioAproximação Antropológica (1961), em que são reco-nhecíveis as marcas do seu diálogo com o pensa-mento de José Marinho, Fernando Gil delineou aí umprograma filosófico que, no essencial, o conjunto dasua obra veio a concretizar.

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O moço pensador atribuía, então, à filosofia umatripla missão: criticar e fundamentar a ciência, tantono plano lógico como no gnosiológico (dimensãocientífica da filosofia), converter o conhecimentocientífico numa concepção geral do mundo e dohomem (dimensão metafísico-antropológica) e con-siderar, analiticamente, os problemas suscitados pelarealidade da subjectividade (dimensão onto-antropo-lógica).

Foi, precisamente, esta terceira dimensão da filo-sofia que constituiu o objecto daquela sua primeirae lograda tentativa especulativa, partindo aí o jovemfilósofo do pressuposto de que a ontologia careciade se radicar na consideração do ser do homem ede que só a partir do Nada o Ser poderia ser pen-sado, pois o que individualiza o homem, no plano ôn-tico, é a subjectividade como consciência origináriade si, a qual significa a emergência do Nada dentrodo Ser, porquanto a subjectividade é algo que estána zona fronteiriça entre Ser e Nada.

Seriam, no entanto, as outras duas dimensões quedistinguia na filosofia que iriam convocar a atençãoposterior de Fernando Gil, desde A Lógica do Nome(1972), até ao ensaio sobre A Convicção (2000),passando por obras tão significativas como Mimésis

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e Negação (1984) e Teoria da Evidência (1996), aolongo das quais foi construindo e desenvolvendo umpensamento epistemológico de grande coerência, pro-fundidade e originalidade.

9. Diversamente do que aconteceu com FernandoGil, Mário Sottomayor Cardia, como ele excepcio-nalmente dotado para a reflexão filosófica, longamenteocupado na militância política e na intervenção cí-vica, embora tendo começado precocemente a suaactividade especulativa no domínio epistemológico(Racionalismo, Consciência Metodológica, 1963,2007), só muito incompletamente chegou a dar ex-pressão pública ao seu pensamento filosófico, nosdois domínios para si complementares da ética e dafilosofia política.

Na sua obra capital Ética, I — Estrutura da Mo-ralidade (1992), trabalho ímpar no quadro da éticaportuguesa contemporânea, pelo modo como pro-curou renovar a tradição utilitarista a partir da filosofiada linguagem e pelo seu exigente rigor nocional, con-ceitual e terminológico, sustentava o pensador que aética constitui uma linguagem que diverge das restan-tes, reconduzindo-se esta disciplina filosófica à aná-lise lógica da estrutura da moralidade.

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De acordo com o neo-utilitarismo que Cardia pro-pôs naquela sua obra, uma norma moral só será boase as consequências da sua aplicação generalizadasatisfizerem o interesse geral em grau pelo menos nãomenor do que o que, provavelmente, possa ser al-cançado por meio de qualquer das normas hipotéti-cas alternativas.

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BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

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ÍNDICE

I — Introdução ................................................. 5

II — Primeiro período: 1803-1850 ....................... 9

III — Segundo período: 1850-1912 ..................... 18

IV — Terceiro período: 1912-1943 ....................... 49

V — Quarto período: 1943-1981 ......................... 70

VI — Quinto período: 1981-2000 ......................... 106

Bibliografia essencial ........................................... 121

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Colecção Essencial

Últimas obras publicadas:

80. D. JOÃO DA CÂMARALuiz Francisco Rebello

81. FRANCISCO DE HOLANDAMaria de Lourdes Sirgado Ganho

82. FILOSOFIA POLÍTICA MODERNAPaulo Ferreira da Cunha

83. AGOSTINHO DA SILVARomana Valente Pinho

84. FILOSOFIA POLÍTICA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICAPaulo Ferreira da Cunha

85. O ROMANCE HISTÓRICORogério Miguel Puga

86. FILOSOFIA POLÍTICA LIBERAL E SOCIALPaulo Ferreira da Cunha

87. FILOSOFIA POLÍTICA ROMÂNTICAPaulo Ferreira da Cunha

88. FERNANDO GILPaulo Tunhas

89. ANTÓNIO DE NAVARROMartim de Gouveia e Sousa

90. EUDORO DE SOUSALuís Lóia

91. BERNARDIM RIBEIROAntónio Cândido Franco

92. COLUMBANO BORDALO PINHEIROJosé-Augusto França

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93. AVERRÓISCatarina Belo

94. ANTÓNIO PEDROJosé-Augusto França

95. SOTTOMAYOR CARDIACarlos Leone

96. CAMILO PESSANHAPaulo Franchetti

97. ANTÓNIO JOSÉ BRANDÃOAna Paula Loureiro de Sousa

98. DEMOCRACIACarlos Leone

99. A ÓPERA EM PORTUGALManuel Ivo Cruz

100. A FILOSOFIA PORTUGUESA (SÉCS. XIX E XX)António Braz Teixeira

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Composto e impressona

Imprensa Nacional-Casa da Moedacom uma tiragem de 800 exemplares.

Orientação gráfica do Departamento Editorial da INCM.

Acabou de imprimir-seem Abril de dois mil e oito.

ED. 1015421ISBN 978-972-27-1678-9

DEP. LEGAL N.o 274 169/08

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100100

AFILOSOFIAPORTUGUESA(SÉCS.

XIXEXX)

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

António Braz Teixeira

O essencial sobre

A FILOSOFIA PORTUGUESA(SÉCS. XIX E XX)

9 7 8 9 7 2 2 7 1 6 7 8 9

ISBN 978-972-27-1678-9

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